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Pós-Graduação em Direito Público Disciplina: Direito Constitucional Aplicado LEITURA COMPLEMENTAR – AULA 1 Índice LEITURA COMPLEMENTAR I – PÁG 02 À 25 LEITURA COMPLEMENTAR II – PÁG 26 À 48 LEITURA COMPLEMENTAR III – PÁG 49 À 64

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Pós-Graduação em Direito Público

Disciplina: Direito Constitucional Aplicado

LEITURA COMPLEMENTAR – AULA 1

Índice

LEITURA COMPLEMENTAR I – PÁG 02 À 25

LEITURA COMPLEMENTAR II – PÁG 26 À 48

LEITURA COMPLEMENTAR III – PÁG 49 À 64

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MORALIDADE, RAZOABILIDADE E EFICIÊNCIA NA ATIVIDADE ADMINISTRATIVA

Sumário:

1. Princípio da moralidade - 1.1 Definição de princípio - 1.2 Diretrizes

para a análise dos princípios - 1.3 Moralidade como exigência de con-

dutas sérias, leais, motivadas e esclarecedoras -1.3 Função residual do

princípio da moralidade - 2. Razoabilidade e eficiência - 2.1 Definição

de postulado normativo aplicativo - 2.2 Diretrizes para a análise dos

postulados normativos aplicativos 2.3 Razoabilidade - 2.3.1 Generali-

dades - 2.3.2 Razoabilidade como dever de harmonização do geral com

o individual (dever de equidade) - 2.3.3 Razoabilidade como dever de

harmonização do Direito com suas condições externas (dever de con-

gruência) - 2.3.4 Razoabilidade como dever de vinculação entre duas

grandezas (dever de equivalência) - 2.3.5 Distinção entre razoabilidade

e proporcionalidade - 2.4 Eficiência - 2.4.1 Generalidades - 2.4.2 Efici-

ência como dever de escolher meio menos custoso ceteris paribus -

2.4.3 Eficiência como dever de promover o fim de modo satisfatório –

Conclusões.

INTRODUÇÃO

Se dificuldades existem no exame dos princípios, elas são superiores quando a

investigação tem por objeto os denominados princípios da moralidade, da eficiência

e da razoabilidade da administração pública. Todos eles estabelecem exigências de

tal sorte imprecisas que sua análise corre o risco de, a pretexto de explicar, confun-

dir ainda mais o aplicador do Direito.

Apesar da imprecisão, costuma-se afirmar que a administração pública deve

seguir os padrões de moralidade. Quando há obediência à moralidade? Quando há

uma administração correta e respeitável. Mas o que significa correção e respeitabili-

dade? É difícil saber, costuma-se responder. Não obstante a vagueza, afirma-se que a

administração pública deve buscar a eficiência. Mas quando há eficiência? Quando há

boa administração e quando a atividade administrativa obtém o melhor resultado.

Mas qual o sentido de boa administração e de melhor resultado? Não se pode saber ao

certo, replica-se. A despeito da ambiguidade, exalta-se o dever de a atividade admi-

nistrativa ser razoável. Em quais hipóteses há obediência à razoabilidade? Nos casos

em que a administração atua de modo congruente e aceitável. Mas qual o significado

de congruência e de aceitabilidade? É uma questão subjetiva, afirma-se.

Logo se vê que o exame dos princípios remete o intérprete a valores e a dife-

rentes modos de promover resultados. Costuma-se afirmar que os valores dependem

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de uma avaliação eminentemente subjetiva. Envolvem um problema de "gosto" (mat-

ter of taste). Alguns sujeitos aceitam um valor que outros rejeitam. Uns qualificam

como prioritário um valor que outros reputam como supérfluo. Enfim, os valores,

porque dependem de apreciação subjetiva, seriam a-teoréticos, sem valor de verda-

de, sem significação objetiva. Como complementa WRIGHT, o entendimento de que

os valores dependem de apreciação subjetiva deve ser levado a sério.1 Mas daí — e

aqui começa nosso trabalho — não decorre nem a impossibilidade de encontrar com-

portamentos que sejam obrigatórios em decorrência da positivação de valores e nem

a incapacidade de distinguir entre a aplicação racional e a utilização irracional des-

ses valores.

Sobre essa questão, vem à tona o modo como os princípios são investigados.

E, nessa matéria, é fácil encontrar dois modos opostos de investigação dos princípios

jurídicos. De um lado, pode-se analisar os princípios de modo a exaltar os valores por

eles protegidos, sem, no entanto, examinar quais são os comportamentos indispensá-

veis à realização desses valores e quais são os instrumentos metódicos essenciais à

fundamentação controlável da sua aplicação. Nessa hipótese, privilegia-se a procla-

mação da importância dos princípios, qualificando-os de alicerces ou pilares do orde-

namento jurídico. Mais do que isso, pouco.

De outro lado, pode-se investigar os princípios de maneira privilegiar o exame

da sua estrutura, especialmente para encontrar um procedimento racional de fun-

damentação que permita tanto especificar as condutas necessárias à realização dos

valores por eles prestigiados quanto justificar e controlar a sua aplicação mediante

reconstrução racional dos enunciados doutrinários e das decisões judiciais. Nessa

hipótese, prioriza-se o caráter justificativo dos princípios e o seu uso racionalmente

controlado. Esse é, precisamente, o caminho perseguido neste estudo.

Neste trabalho, os princípios são definidos como normas imediatamente fina-

lísticas, isto é, normas que impõem a realização de um estado ideal de coisas por

meio da prescrição indireta de comportamentos cujos efeitos são havidos como ne-

cessários àquela realização.2

Na primeira parte deste estudo, a moralidade será investigada como um prin-

cípio jurídico. A eficiência e a razoabilidade, embora comumente denominadas de

princípios pela doutrina, são examinadas como postulados, na medida em que não

impõem a realização de fins, mas, em vez disso, estruturam a realização dos fins

cuja realização é imposta pêlos princípios. São, por assim dizer, normas estruturan-

1 WRIGHT, Georg Henrik von. Sein und Sollen. In: Normen, Werte und Handlungen. Frankfurt am Main: Suhrkamp, 1994. p. 36.

2 ÁVILA, Humberto. A distinção entre princípios e regras e a redefinição do dever de proporcionalidade. RDA (215):151-2, Rio de Janeiro: Renovar, jan./mar. 1999. Sobre o assunto, conferir: WRIGHT, Georg Henrik von. Sein und Sollen. In: Normen, Werte und Handlungen. Frankfurt am Main: Suhrkamp, 1994. p. 36.

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tes de segundo grau. Na segunda parte deste estudo, a eficiência e a razoabilidade

serão analisadas como postulados normativos aplicativos.

O leitor estudioso logo perceberá que a investigação do princípio da morali-

dade e dos postulados da razoabilidade e da eficiência exige do aplicador do Direito

o entendimento de categorias sutilmente diversas daquelas adequadas à delimitação

do conteúdo normativo das regras. De um lado, o princípio da moralidade atribui ao

aplicador a tarefa de delimitar um estado de coisas posto como ideal pelo ordena-

mento jurídico, ao mesmo tempo que o incumbe de descobrir quais são os compor-

tamentos necessários à promoção desse ideal. Nessa função, a mera análise sintática

e semântica de enunciados normativos é substancialmente complementada pela in-

vestigação orientada por casos paradigmáticos. De outro lado, o postulado da razoa-

bilidade reclama do aplicador o exame de circunstâncias individuais e externas e o

postulado da eficiência reivindica uma análise dos efeitos das medidas adotadas rela-

tivamente à promoção dos fins normativos. Nessas duas hipóteses, o aplicador tam-

bém ultrapassa uma análise meramente intranormativa em favor do exame de cir-

cunstâncias antes avaliadas comumente como extra-normativas.

O leitor aplicado também poderá perceber que o presente estudo termina por

afiançar um conceito de direito que inclui entre seus elementos não apenas a correia

edição de fontes normativas por autoridades competentes, mas também, pelas defi-

nições de princípios e de postulados aqui propostas, a correção concreta dos conteú-

dos dessas mesmas fontes.

Este trabalho não tem apenas propósitos científicos, no sentido de explicar o

conceito e o funcionamento dos princípios e postulados que examina. Ele também

possui uma finalidade didático-pedagógica, na medida em que procura indicar, da

maneira mais clara que foi possível ao autor, qual a metódica necessária para o exa-

me dos princípios e dos postulados normativos.

1. PRINCÍPIO DA MORALIDADE

1.1 Definição de princípio

Os princípios são normas imediatamente finalísticas. Eles estabelecem um fim

a ser atingido. Um fim é um estado desejado de coisas. O princípio da moralidade

não foge a esse modelo. Com efeito, ele exige a realização de um estado de coisas

exteriorizado pela lealdade, seriedade, zelo, postura exemplar, boa-fé, sinceridade

e motivação.3 Para a realização desse estado ideal de coisas são necessários deter-

minados comportamentos. Para realizar um estado de lealdade e boa-fé é preciso

cumprir aquilo que foi prometido. Para efetivar um estado de seriedade é essencial

agir por motivos sérios. Para tornar real uma situação de zelo é essencial colaborar

3 MODESTO, Paulo. Controle jurídico do comportamento ético da administração pública no Brasil. RDA (209):77, Rio de Janeiro: Renovar, 1997.

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com o administrado e informá-lo dos seus direitos e da forma como protegê-los. Para

concretizar um estado em que predomine a sinceridade é indispensável falar a ver-

dade. Para garantir a motivação é necessário dizer por que age. Enfim, sem esses

comportamentos não se contribui para a existência do estado de coisas posto como

ideal pela norma e, por consequência, não se atinge o fim. Não se concretiza o prin-

cípio, portanto.

O importante é que, se o estado de coisas deve ser buscado, e se ele só se re-

aliza com determinados comportamentos, esses comportamentos passam a constituir

necessidades práticas sem cujos efeitos a progressiva promoção do fim não se reali-

za. Como afirma WEINBERGER, a relação meio-fim leva à transferência da intencio-

nalidade dos fins para a dos meios.4 Em outras palavras, a positivação de princípios

implica a obrigatoriedade da adoção dos comportamentos necessários a sua realiza-

ção.

As considerações acima feitas demonstram que os princípios não são apenas

valores cuja realização fica na dependência de meras preferências pessoais. Eles são

ao mesmo tempo mais do que isso e algo diferente disso. Os princípios instituem o

dever de adotar comportamentos necessários para realizar um estado de coisas ou,

inversamente, instituem o dever de realizar um estado de coisas pela adoção de

comportamentos a ele necessários. Essa perspectiva de análise evidencia que os

princípios implicam comportamentos, ainda que por via indireta e regressiva. Mais

ainda: essa investigação permite verificar que os princípios, embora indeterminados,

não o são absolutamente. Pode até haver incerteza quanto ao conteúdo do compor-

tamento a ser adotado, mas não há quanto a sua espécie: o que for necessário para a

promover o fim é devido.

A delimitação dos comportamentos devidos depende, porém, da implementação de

algumas condições. De fato, como saber quais são as condições que compõem o esta-

do ideal de coisas a ser buscado, e quais são os comportamentos necessários a

essa realização? Algumas diretrizes metódicas facilitam o encontro das respostas

a essas questões.5

1.2 Diretrizes para a analise dos princípios

Considerando a definição de princípios como normas finalísticas, que exigem a

delimitação de um estado ideal de coisas a ser buscado por meio de comportamentos

necessários a essa realização, proponho os seguintes passos para a investigação dos

princípios.

4 WEINBERGER, Ota. Rechtslogik. 2. ed. Berlin: Duncker und Humblot, 1989. p. 2878.

5 CANARIS, Claus-Wilhelm. Theorienrezeption und Theorienstruktur. In: Wege zum japanischen Recht. Festschrift für Zentaro Kitagawa. Org. Hans G. Leser. Berlin: Duncker und Humblot, 1992. p. 59-94.

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Em primeiro lugar, é preciso especificar os fins ao máximo. Quanto menos es-

pecífico for o fim, menos controlável será sua realização. Em segundo lugar, é neces-

sário encontrar casos paradigmáticos que possam iniciar esse processo de esclareci-

mento das condições que compõem o estado ideal de coisas a ser buscado pêlos

comportamentos necessários a essa realização. Casos paradigmáticos são aqueles

cuja solução pode ser havida como exemplar, considerando-se exemplar aquela solu-

ção que serve de modelo para a solução de outros tantos casos em virtude da capaci-

dade de generalização do seu conteúdo valorativo. Em terceiro lugar, é fundamental

examinar, nesses casos, alguma similaridade capaz de permitir a criação de grupos

de casos que girem em torno da solução de um mesmo problema central. Em quarto

lugar, é preciso verificar a existência de critérios capazes de delimitar quais são os

bens jurídicos que compõem o estado ideal de coisas e quais os comportamentos con-

siderados necessários a sua realização. Por fim, é necessário fazer o caminho de vol-

ta: descoberto o estado de coisas e os comportamentos necessários a sua promoção,

é preciso verificar a existência de outros casos que deveriam ter sido decididos com

no princípio em análise.

Esses passos demonstram que se trata de um longo caminho a ser percorrido.

Todo o esforço exigido nesse percurso tem uma finalidade precisa: superar a mera

exaltação de valores em favor de uma delimitação progressiva e racionalmente sus-

tentável de comportamentos necessários à realização dos fins postos pela Constitui-

ção Federal.

1.3 Moralidade como exigência de condutas sérias, leais, motivadas e esclarece-

doras

Na investigação do princípio da moralidade, é preciso perseguir os passos an-

tes mencionados. O dispositivo que serve de ponto de partida para a construção do

princípio da moralidade está contido no artigo 37 da Constituição Federal, que põe a

moralidade como sendo um dos princípios fundamentais da atividade administrativa.

A Constituição Federal, longe de conceder uma palavra isolada à moralidade, atribui-

lhe grande importância em vários dos seus dispositivos. A sumária sistematização do

significado preliminar desses dispositivos demonstra que a Constituição Federal preo-

cupou-se com padrões de conduta de vários modos.

Primeiro, estabelecendo valores fundamentais, como dignidade, trabalho, li-

vre iniciativa (art. 1°), justiça (art. 3°), igualdade (art. 5°, caput), liberdade, pro-

priedade e segurança (art. 5°, caput), estabilidade das relações (art. 5°, caput e

XXXVI). A instituição desses valores implica não só o dever de que eles sejam consi-

derados no exercício da atividade administrativa, como também a proibição de que

sejam restringidos sem plausível justificação.

Segundo, instituindo um modo objetivo e impessoal de atuação administrati-

va, baseado nos princípios do Estado de Direito (art. 1°), da separação dos poderes

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(art. 2°), da legalidade (art. 5° e 37). A instituição de um modo objetivo de atuação

implica a primazia dos atos exercidos sob o amparo jurídico em detrimento daqueles

praticados arbitrariamente.

Terceiro, criando procedimentos de defesa dos direitos dos cidadãos, por

meio da universalização da jurisdição (art. 5°, XXXV), da proibição de utilização de

provas ilícitas (art. 5°, LVI), do controle da atividade administrativa via mandado de

segurança e ação popular, inclusive contra atos lesivos à moralidade (art. 5°, LXIX e

LXXIII), e da anulação de atos de improbidade administrativa (art. 37, § 4°). A cria-

ção de procedimentos de defesa permite a anulação de atos administrativos que se

afastem do padrão de conduta juridicamente eleito.

Quarto, criando requisitos para o ingresso na função pública, mediante a exi-

gência de concurso público (art. 37, ll);0 a vedação de acumulação de cargos (art.

37, XVI), proibição de autopromoção (art. 37, XXI, § 1°); a necessidade de demons-

tração de idoneidade moral ou reputação ilibada para ocupar os cargos de ministro

do Tribunal de Contas (art. 73), do Supremo Tribunal Federal (art. 101), do Superior

Tribunal de Justiça (art. 104), do Tribunal Superior Eleitoral (art. 119), do Tribunal

Regional Eleitoral (art. 120); a exigência de idoneidade moral para requerer a natu-

ralidade brasileira (art. 12); e a proibição de reeleição por violação à moralidade

(art. 14). A consagração dessas condições para o ingresso na função implica a escolha

da seriedade e da reputação como requisitos do homem público.

Quinto, instituindo variados mecanismos de controle da atividade administra-

tiva, inclusive mediante controle de legitimidade dos atos administrativos pêlos Tri-

bunais de Contas (art. 70).

A sistematização do significado preliminar desses dispositivos termina por

demonstrar que a Constituição Federal estabeleceu um rigoroso padrão de conduta

para o ingresso e para o exercício da função pública, de tal sorte que, inexistindo

seriedade, motivação e objetividade, os atos podem ser revistos por mecanismos

internos e externos de controle.

Para melhor especificar esse rígido padrão de conduta, é necessário encontrar

casos paradigmáticos que permitam esclarecer o significado da seriedade, da motiva-

ção e da objetividade que delimitam a moralidade almejada. Eis alguns.

Uma autoridade pública deixou escoar o prazo de validade de um concurso

público para o preenchimento do cargo de Juiz de Direito Substituto, nomeando so-

mente trinta e três dos cinquenta candidatos, depois de conhecidos todos aqueles

que haviam sido aprovados, e publicou novo edital para a mesma finalidade. Intima-

da a esclarecer os motivos da inércia, a autoridade deu a entender que não prorro-

gou o prazo de validade do concurso porque não queria. Nesse caso, ficou evidencia-

da a inércia intencional, o drible a normas imperativas, a malícia despropositada, a

falta de postura exemplar e a ausência de motivos sérios. E esses comportamentos

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são incompatíveis com a seriedade e a veracidade necessárias à promoção da morali-

dade administrativa.6

Um sujeito pede transferência de uma universidade federal para outra e tem

seu pedido deferido, em razão do que realiza a transferência e passa a frequentar o

curso durante longo período. Mais tarde, a autoridade administrativa constata que foi

desobedecida uma formalidade, razão por que pretende anular os atos anteriores

que permitiram a transferência. Nesse caso, ficou demonstrado não cumprimento de

determinada promessa bem como foi ferida uma expectativa criada pela própria ad-

ministração. E esses comportamentos são incompatíveis com a lealdade e a boa-fé,

necessárias á promoção da moralidade administrativa.7

Como se pode perceber, o princípio da moralidade exige condutas sérias, le-

ais, motivadas e esclarecedoras, mesmo que não previstas na lei. Constituem, pois,

violação ao princípio da moralidade, a conduta adotada sem parâmetros objetivos e

baseada na vontade individual do agente e o ato praticado sem a consideração da

expectativa criada por pela administração.8

1.4 Função residual do princípio da moralidade

O princípio da moralidade possui, porém, uma peculiaridade. Ele funciona de

modo residual. Como é por demais sabido, sempre que há exercício da atividade ad-

ministrativa, deve haver observância de vários princípios, como o princípio da impes-

soalidade e seus corolários (neutralidade, imparcialidade, objetividade), o princípio

da publicidade e transparência, o princípio da legalidade, o princípio da igualdade, e

muitos outros. É plausível afirmar que quando há violação a algum desses princípios,

no mais das vezes, também há infração ao princípio da moralidade. De fato, pode

haver superposição de incidência. Isso não quer dizer, porém, nem que o aplicador

do Direito não possa dissociar os princípios aplicáveis nem que ele não possa fazer

uso do princípio da moralidade quando nenhum outro princípio possa resolver de ma-

neira mais direta, se razões confluírem para esse uso.

E há, de fato, razões a favor da utilização residual do princípio da moralida-

de. Se algum outro princípio for violado, a fundamentação baseada diretamente nes-

se outro princípio é mais consistente, com mais força de controle. Isso porque o con-

vencimento e o controle intersubjetivo é mais estável no caso dos outros princípios.

6 Recurso Extraordinário n° 192568-0, 2a Turma, Relator Ministro Marco Aurélio, DJ 13.09.96.

7 ÁVILA, Humberto. Benefícios fiscais inválidos e a legítima expectativa dos contribuintes. Revista Tribu-tária (42):100-114, São Paulo: Revista dos Tribunais, 2002.

8 Para outros sentidos, conferir: JUSTEN FILHOS, Marcai. O princípio da moralidade pública e o Direito Tributário. Revista de Direito Tributário (79):71 e ss. São Paulo, Malheiros. GIACOMUZZI, José Guilher-me. A moralidade administrativa e a boa-fé da administração pública. São Paulo: Malheiros, 2002. p. 223 e ss.

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No caso da moralidade, o consenso a respeito do seu significado é mais difícil. Além

disso, sequer é preciso lançar mão da moralidade quando a violação diz respeito a

princípios já positivados. É desnecessária a alegação do princípio da moralidade

quando está configurada a infração a outro princípio jurídico positivado.

2. RAZOABILIDADE E EFICIÊNCIA

2.1 Definição de postulado normativo aplicativo

Até aqui, este estudo dedicou-se à investigação de um princípio que, como

tal, estabelece fins a serem buscados. A partir de agora, não será mais examinado o

dever de promover a realização de um estado de coisas, mas o modo como esse de-

ver deve ser aplicado. Superou-se o âmbito das normas para adentrar no terreno das

metanormas. Esses deveres situam-se num segundo grau e estabelecem a estrutura

de aplicação de outras normas, princípios e regras. Como tais, eles permitem verifi-

car os casos em que há violação às normas cuja aplicação estruturam. Só eliptica-

mente é que se pode afirmar que são violados os postulados da razoabilidade, da

proporcionalidade ou da eficiência, por exemplo. A rigor, violadas são as normas —

princípios e regras — que deixaram de ser devidamente aplicadas.

Com efeito, no caso em que o Supremo Tribunal Federal declarou inconstitu-

cional uma lei estadual que determinava a pesagem de botijões de gás à vista do

consumidor, foi considerado violado o princípio da livre iniciativa, por ter sido res-

tringido de modo desnecessário e desproporcional.9 Rigorosamente, não é a propor-

cionalidade que foi violada, mas o princípio da livre iniciativa, na sua inter-relação

horizontal com o princípio da defesa do consumidor, que deixou de ser aplicado ade-

quadamente. Da mesma forma, no caso em que o Supremo Tribunal Federal declarou

inválida a ordem judicial para a submissão do paciente ao exame de DNA, foi consi-

derada violada a dignidade humana do paciente, por essa ter sido restringida de for-

ma desnecessária e desproporcional.10 Rigorosamente, não é a proporcionalidade

que foi violada, mas o princípio da dignidade humana, na sua inter-relação horizontal

com os princípios da auto-determinação da personalidade e da universalidade da ju-

risdição, que deixaram de ser aplicados adequadamente. Com a razoabilidade, dá-se

o mesmo, como será, adiante, demonstrado.

Essas considerações levam ao entendimento de que os postulados normativos

situam-se num plano distinto daqueles das normas cuja aplicação estruturam. São,

por isso, metanormas ou normas de segundo grau. O qualificativo de normas de se-

gundo grau, porém, não deve levar à conclusão de que os postulados normativos fun-

9 Ação Declaratória de Inconstitucionalidade n° 855-2, Relator Ministro Sepúlveda Pertence, DJU 01.10.93.

10 Habeas Corpus ° 76060-SC, Relator Ministro Sepúlveda Pertence. DJ 15.05.98, p. 44.

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cionam como qualquer norma que fundamenta a aplicação de outras normas, a

exemplo do que ocorre no caso de sobreprincípios como o princípio do Estado de Di-

reito ou do devido processo legal. Isso porque esses sobreprincípios situam-se no pró-

prio nível das normas que são objeto de aplicação, e não no nível das normas que

estruturam a aplicação de outras. Além disso, os sobreprincípios funcionam como

fundamento, formal e material, para a instituição e atribuição de sentido às normas

hierarquicamente inferiores, ao passo que os postulados normativos funcionam como

estrutura para aplicação de outras normas.

A definição de postulados normativos aplicativos como deveres estruturantes

da aplicação de outras normas coloca em pauta a questão de saber se eles podem ser

considerados como princípios ou regras. As considerações feitas acima apontam em

sentido contrário. Como os postulados situam-se em um nível diverso das normas

objeto de aplicação, defini-los como princípios ou como regras contribuiria para con-

fundir em vez de esclarecer. Além disso, o funcionamento dos postulados difere mui-

to dos princípios e das regras. Com efeito, os princípios são definidos como normas

imediatamente finalísticas, isto é, normas que impõem a promoção de um estado

ideal de coisas por meio da prescrição indireta de comportamentos cujos efeitos são

havidos como necessários àquela promoção. Diversamente, os postulados, de um la-

do, não impõem a promoção de um fim, mas, em vez disso, estruturam a aplicação

do dever de promover um fim; de outro, não prescrevem indiretamente comporta-

mentos, mas modos de raciocínio e de argumentação relativamente a normas que

indiretamente prescrevem comportamentos. Rigorosamente, portanto, não se podem

confundir princípios com postulados.

As regras, a seu turno, são normas imediatamente descritivas de comporta-

mentos devidos ou atributivas de poder. Distintamente, os postulados não descrevem

comportamentos, mas estruturam a aplicação de normas que o fazem. Mesmo que as

regras fossem definidas como normas que prescrevem, proíbem ou permitem o que

deve ser feito, devendo sua consequência ser implementada, mediante subsunção,

caso a sua hipótese fosse preenchida, como o fazem DWORKIN e ALEXY, ainda assim a

complexidade dos postulados se afastaria desse modelo dual. A análise dos postula-

dos da razoabilidade e da proporcionalidade, por exemplo, estão longe de exigir do

aplicador uma mera atividade subsuntiva. Eles demandam, em vez disso, a ordenação

e a relação entre vários elementos (meio e fim, critério e medida, regra geral e caso

individual) e não, um mero exame de correspondência entre a hipótese normativa e

os elementos de fato. A possibilidade de, no final, requerer uma aplicação integral

não elimina o uso diverso na preparação da decisão. E a circunstância de todas as

espécies normativas serem voltadas, em última instância, para o comportamento

humano não elimina a importância de explicar os procedimentos completamente dis-

tintos que preparam e fundamentam a sua descoberta.

Essas considerações levam ao entendimento de que os postulados normativos

merecem uma caracterização à parte e, por consequência, também uma denomina-

ção distinta. A clareza argumentativa e o dever de fundamentação agradecem.

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2.2 DIRETRIZES PARA A ANALISE DOS POSTULADOS NORMATIVOS APLICATIVOS

Considerando a definição de postulados como normas estruturantes da aplica-

ção de princípios e regras, propõem-se os seguintes passos para a sua investigação.

Em primeiro lugar, é preciso encontrar casos cuja solução tenha sido tomada

com base em algum postulado normativo. Em segundo lugar é necessário analisar a

fundamentação das decisões para verificar quais elementos foram ordenados e como

foram relacionados entre si. Em terceiro lugar, deve-se investigar quais normas fo-

ram objeto de aplicação e os fundamentos utilizados para a escolha de determinada

aplicação.

Como os postulados são deveres que estruturam a aplicação de normas jurídi-

cas, é importante examinar não só quais foram as normas objeto de aplicação como

também a fundamentação da decisão. Por exemplo, o postulado da proporcionalida-

de exige que as medidas adotadas pelo poder público sejam adequadas, necessárias e

proporcionais em sentido estrito. No caso em que o Supremo Tribunal Federal decidiu

pela inconstitucionalidade de uma lei estadual que determinava utilização de balan-

ça especial para a pesagem de botijões de gás à vista do consumidor, o Tribunal ana-

lisou o meio utilizado (determinação da utilização de balanças), o fim buscado (prin-

cípio da proteção dos consumidores) e o princípio colateralmente restringido (princí-

pio da livre iniciativa). Segundo se depreende pela leitura da íntegra do acórdão, a

recorrente alegava que o meio não era totalmente adequado à promoção do fim (se-

gundo parecer do INMETRO, as balanças seriam impróprias para medir o conteúdo dos

botijões, pois o uso dos manómetros não atendia à finalidade proposta, por ser a

indicação do gás liquefeito de petróleo em massa e não em unidade de pressão), ou-

tros meios menos restritivos poderiam ter sido escolhidos (lacre, selo, vigilância) e as

desvantagens (dispêndio com a compra das balanças, repasse dos custos para o preço

dos botijões, necessidade de deslocamento do consumidor até o veículo transporta-

dor) superavam as vantagens (maior controle do conteúdo dos botijões, proteção da

confiança dos consumidores).11 Enfim, o exame do acórdão permite verificar os ele-

mentos analisados e as relações exigidas entre eles.

Em quarto lugar, é preciso fazer o caminho de volta: descoberta a estrutura

exigida na aplicação do postulado, é preciso verificar a existência de outros casos

que deveriam ter sido decididos com base neles.

2.3 RAZOABILIDADE

2.3.1 Generalidades

11 Ação Declaratória de Inconstitucionalidade n° 855-2, Relator Ministro Sepúlveda Pertence, DJU 01.10.93.

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A razoabilidade estrutura a aplicação de outras normas, princípios e regras,

notadamente das regras. A razoabilidade é usada com vários sentidos. Fala-se em

razoabilidade de uma alegação, razoabilidade de uma interpretação, razoabilidade

de uma restrição, razoabilidade do fim legal, razoabilidade da função legislativa.12

Enfim, a razoabilidade é utilizada em vários contextos e com várias finalidades.

Dentre tantas acepções, três se destacam. Primeiro, a razoabilidade é utiliza-

da como diretriz que exige a relação das normas gerais com as individualidades do

caso concreto, quer mostrando sob qual perspectiva a norma deve ser aplicada, quer

indicando em quais hipóteses o caso individual, em virtude de suas especificidades,

deixa de se enquadrar na norma geral. Segundo, a razoabilidade é empregada como

diretriz que exige uma vinculação das normas jurídicas com o mundo ao qual elas

fazem referência, seja reclamando a existência de um suporte empírico e adequado

a qualquer ato jurídico, seja demandando uma relação congruente entre a medida

adotada e o fim que ela pretende atingir. Terceiro, a razoabilidade é utilizada como

diretriz que exige a relação de equivalência entre duas grandezas. São essas acep-

ções que passam a ser investigadas.

2.3.2 Razoabilidade como dever de harmonização do geral com o individual (de-

ver de equidade)

No primeiro grupo de casos, o postulado da razoabilidade exige a harmoniza-

ção da norma geral com o caso individual.

Em primeiro lugar, a razoabilidade impõe, na aplicação das normas jurídicas,

a consideração daquilo que normalmente acontece. Alguns casos ilustram essa exi-

gência.

Um advogado requereu o adiamento do julgamento perante o Tribunal do Júri

porque era defensor de outro caso rumoroso que seria julgado na mesma época. O

primeiro pedido foi deferido. Depois de defender seu cliente, e diante da recomen-

dação de repouso por duas semanas, o advogado requereu novo adiamento do julga-

mento. Nesse caso, porém, o julgador indeferiu o pedido por considerar o adiamento

um descaso para com a Justiça, presumindo que o advogado estava pretendendo, de

forma maliciosa, postergar indevidamente o julgamento. Na data marcada para o

julgamento, e mesmo após o réu afirmar que seu advogado não estava presente, o

Juiz-Presidente nomeou o advogado dativo, que logo assumiu a defesa. Inconformado

com o indeferimento do pedido e com o próprio resultado do julgamento, o advogado

impetrou habeas corpus. Na decisão, asseverou-se não parecer fora de razoabilidade

que o advogado, que patrocinava causas complexas, cujo julgamento estava ocorren-

12 Sobre a multiplicidade de significados, ver: SCACCIA, Gino. Gli 'strumenti' delia ragionevolezza nel giudizio costituzionale. Milão: Giuffrè, 2000.

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do com certa contemporaneidade, pudesse pedir o adiamento em razão do que ocor-

rera no julgamento anterior. Enfim, afirmou-se que é razoável presumir que as pes-

soas dizem a verdade e agem de boa-fé, em vez mentir ou agir de má-fé. Na aplica-

ção do Direito, deve-se presumir o que normalmente acontece e, não, o contrário. A

defesa apresentada pelo advogado dativo foi considerada nula em razão de o indefe-

rimento do pedido de adiamento do julgamento feito pelo advogado ter cerceado o

direito de defesa do réu.13

A um Procurador do Estado, que interpôs agravo de instrumento em folha de

papel timbrado da Secretaria de Estado dos Negócios da Justiça, foi exigida a com-

provação da condição de procurador pela juntada do título de nomeação para o car-

go ou de documento emitido pelo Procurador-Geral do Estado. Alegada a falta de

instrumento de mandato, a questão foi levada a julgamento, momento em que se

asseverou ser razoável presumir a existência de mandato quando o procurador possui

mandato legal. Na interpretação das normas legais, deve-se presumir o que normal-

mente acontece e, não, o extraordinário, como a circunstância de alguém se apre-

sentar como Procurador do Estado sem que possua, realmente, essa qualificação. Em

virtude disso, foi determinado o conhecimento do agravo de instrumento em razão

de a sua ineficácia afetar diretamente o direito de ampla defesa pelo mero fetichis-

mo da forma. 14

Um instrumento de mandato que esteja subscrito por quem se diz represen-

tante da pessoa jurídica de direito público, com menção do cargo ocupado no âmbito

da respectiva administração, não pode ser havido como irregular ou falso. Na inter-

pretação das normas, deve-se presumir o que ocorre no dia-a-dia e não o extravagan-

te.15

Nos casos acima referidos, a razoabilidade atua como instrumento para de-

terminar que as circunstâncias de fato devem ser consideradas com a presunção de

estarem dentro da normalidade. A razoabilidade atua na interpretação dos fatos des-

critos em regras jurídicas. A razoabilidade exige determinada interpretação como

meio de preservar a eficácia de princípios axiologicamente sobrejacentes. Interpre-

tação diversa das circunstâncias de fato levaria à restrição de algum princípio consti-

tucional, como o princípio do devido processo legal, nos casos analisados.

Em segundo lugar, a razoabilidade exige a consideração do aspecto individual

do caso nas hipóteses em que ele é sobremodo desconsiderado pela generalização

legal. Para determinados casos, em virtude de determinadas especificidades, a nor-

13 Habeas Corpus n° 71408-1, Segunda Turma, Relator Ministro Marco Aurélio, DJ 29.10.99.

14 Recurso Extraordinário n° 192553-1, Segunda Turma, Relator Ministro Marco Aurélio, DJ 16.04.99.

15 Embargos de Declaração em Recurso Extraordinário n° 199066-0, Segunda Turma, Relator Ministro Marco Aurélio, DJ 01.08.97.

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ma geral não pode ser aplicável se por tratar de caso anormal.16 Alguns exemplos

iluminam esse dever.

A Prefeita de um município foi denunciada porque, quando exercia o chefia

do Poder Executivo Municipal, contratou, sem concurso público, um cidadão para a

prestação de serviços como gari pelo período de nove meses. No julgamento do ha-

beas corpus, considerou-se inexistente qualquer prejuízo para o Município em decor-

rência desse caso isolado. Além disso, considerou-se atentatório à ordem natural das

coisas e, por conseguinte, ao princípio da razoabilidade, exigir-se a realização de

concurso público para uma única admissão para o exercício de uma atividade de me-

nor hierarquia.17 Nesse caso, a regra segundo a qual é necessário concurso público

para contratação de agente público incidiu, mas a consequência do seu descumpri-

mento não foi aplicada (invalidade da contratação e, em razão de outra norma, prá-

tica de ato de improbidade), porque a falta de adoção do comportamento por ela

previsto não comprometia a promoção do fim que a justifica (proteção do património

público). Dito de outro modo, segundo a decisão, o património público não deixaria

de ser protegido pela mera contratação de um gari por um tempo determinado.

Uma pequena fábrica de sofás, enquadrada como empresa de pequeno porte

para efeito de pagamento conjunto de tributos federais, foi excluída desse mecanis-

mo por ter infringido a condição legal de não efetuar importação de produtos estran-

geiros. De fato, a empresa efetuou uma importação. A importação, porém, foi de

quatro pés de sofás, para um só sofá, uma única vez. Recorrendo da decisão, a ex-

clusão foi anulada por violar a razoabilidade, na medida em que uma interpretação

dentro do razoável indica que a interpretação deve ser feita "em consonância com

aquilo que, para o senso comum, seria aceitável perante a lei". 18 Nesse caso, a re-

gra segundo a qual é proibida a importação para a permanência no regime tributário

especial incidiu, mas a consequência do seu descumprimento não foi aplicada (exclu-

são do regime tributário especial), porque a falta de adoção do comportamento por

ela previsto não comprometia a promoção do fim que a justifica (estímulo da produ-

ção nacional por pequenas empresas). Dito de outro modo, segundo a decisão, o es-

tímulo à produção nacional não deixaria de ser promovido pela mera importação de

alguns pés de sofá.

Nos casos acima referidos, a regra geral, aplicável à generalidade dos casos,

não foi considerada aplicável a um caso individual, em razão da sua anormalidade.

Nem toda norma incidente é aplicável. É preciso diferenciar a aplicabilidade de uma

regra da satisfação das condições previstas em sua hipótese. Uma regra não é aplicá-

16 JAKOBS, Michael Ch. Der Grundsatz der VerhaltnismãRigkeit. Kóln: Cari Heymanns, 1985. S. 94. AL-BRECHT, Rüdiger Konradin. Zumutbarkeit ais VerfassungsmaRstab. Berlin: Dunckerund Humblot, 1995. S. 242.

17 Habeas Corpus n° 77.003-4, Segunda Turma, Relator Ministro Marco Aurélio, DJ 11.09.98.

18 Processo n° 13003.000021/99-14, Segunda Câmara do Segundo Conselho de Contribuintes. Sessão do dia 18.10.2000.

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vel somente porque as condições previstas em sua hipótese são satisfeitas. Uma re-

gra é aplicável a um caso se, e somente se, suas condições são satisfeitas e sua apli-

cação não é excluída pela razão motivadora da própria regra ou pela existência de

um princípio que institua uma razão contrária. Nessas hipóteses, as condições de

aplicação da regra são satisfeitas, mas a regra, mesmo assim, não é aplicada. 19 Nos

casos analisados, as condições de aplicação das regras foram satisfeitas. No primeiro

caso, as condições de aplicação da regra segundo a qual o ingresso na função pública

depende de concurso público foram preenchidas, pois se tratava de função pública e

de ingresso nessa função. Mesmo assim, a regra não foi aplicada: entendeu-se não

haver descumprimento da regra naquele caso. No segundo caso, a condição de apli-

cação da regra, segundo a qual o contribuinte deve ser excluído de um mecanismo

especial de pagamento de tributos quando efetuar uma importação, foi preenchida.

Ainda assim, a regra não foi aplicada: o contribuinte não foi excluído naquele caso.

Essa concepção de razoabilidade corresponde aos ensinamentos de ARISTÓTELES,

para quem a natureza da equidade consiste em ser um corretivo da lei quando e

aonde ela é omissa por ser geral.20

Essas considerações levam à conclusão de que a razoabilidade serve de ins-

trumento metodológico para dizer que a incidência da norma é condição necessária,

mas não suficiente para sua aplicação. Para ser aplicável, o caso concreto deve ade-

quar-se à generalização da norma geral. A razoabilidade atua na interpretação das

regras gerais como decorrência do princípio da justiça (preâmbulo e art. 3° da Cons-

tituição Federal).

2.3.3 Razoabilidade como dever de harmonização do direito com suas condições

externas (dever de congruência)

No segundo grupo de casos, o postulado da razoabilidade exige a harmoniza-

ção das normas com as suas condições externas de aplicação.

Em primeiro lugar, a razoabilidade exige, para qualquer medida, a recorrên-

cia a um suporte empírico existente.21 Alguns exemplos o comprovam.

19 HAGE, Jaap. C. Reasoning with Rules. An Essay on Legal Reasoning and Its Underlying Logic. Dor-drecht: Kluwer, 1997. p. 114.

20 ARISTOTELE. Ética Nicomachea. Trad. Marcello Zanata. Milão: Rizzoli, 1994. p. 381 (1137 a 19 e ss.). BORGES, José Souto Maior. O Contraditório no Processo Judicial — Uma Visão Dialética. São Paulo: Ma-lheiros, 1996. S. 99.

21 ZANCANER, Weida. Razoabilidade e moralidade: princípios concretizadores do perfil constitucional do Estado Social e Democrático de Direito. Revista Diálogo Jurídico, Salvador CAJ - Centro de Atualização Jurídica, ano l, n° 9, dezembro, 2001, p. 4. Disponível em <http://www.direitopublico.com.br>.

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Uma lei estadual instituiu um adicional de férias de um terço para os inativos.

Levada a questão a julgamento, considerou-se indevido o referido adicional por tra-

duzir uma vantagem destituída de causa e do necessário coeficiente de razoabilida-

de, na medida em que só deve ter adicional de férias quem tem férias. Como conse-

quência disso, a instituição do adicional foi anulada em razão de violar o devido pro-

cesso legal, que atua como decisivo obstáculo à edição de atos legislativos de conte-

údo arbitrário ou irrazoável.22

Uma lei estadual determinou que os estabelecimentos de ensino expedissem

os certificados de conclusão do curso e do histórico escolar aos alunos da terceira

série de ensino médio que comprovassem aprovação em vestibular para ingresso em

curso de nível superior, independentemente do número de aulas frequentado pelo

aluno, expedição essa a ser providenciada em tempo hábil de modo que o aluno pu-

desse matricular-se no curso superior para o qual foi habilitado. O Supremo Tribunal

Federal entendeu caracterizada a relevância jurídica da arguição de inconstituciona-

lidade sustentada pela autora da ação uma vez que a lei impugnada, à primeira vista,

revela-se destituída de razoabilidade, pois inverteu a ordem natural académica para

atribuir aos estudantes, independentemente da frequência, o direito à expedição da

conclusão do ensino médio, desde que aprovados em vestibular.23

Uma norma constante de Constituição Estadual determinava que o pagamento

dos servidores do Estado fosse feito, impreterivelmente, até o 10° (décimo) dia útil

de cada mês. O Supremo Tribunal Federal considerou ser irrazoável que a norma im-

pugnada, para evitar o atraso no pagamento dos servidores estaduais, estabelecesse

uma antecipação de pagamento de serviços que ainda não haviam sido prestados. 24

Nesses casos, o legislador elege uma causa inexistente ou insuficiente para a

atuação estatal. Ao fazê-lo, viola a exigência de vinculação à realidade.25 A inter-

pretação das normas exige o confronto com parâmetros externos a elas. Daí se falar

em dever de congruência e de fundamentação na natureza das coisas (Natur der Sa-

che). Os princípios constitucionais do Estado de Direito (art. 1°) e do devido processo

legal (art. 5°, LI V) impedem a utilização de razões arbitrárias e a subversão dos pro-

cedimentos institucionais utilizados. Desvincular-se da realidade é violar os princípios

do Estado de Direito e do devido processo legal.

22 Ação Direta de Inconstitucionalidade, Medida Liminar, Tribunal Pleno, Relator Ministro Celso de Mel-lo, DJ 26.05.95.

23 Ação Direta de Inconstitucionalidade n° 2.667-DF, Medida Cautelar, Relator Min. Celso de Mello, 19.6.2002.

24 Ação Direta de Inconstitucionalidade n° 247-RJ, Relator Min. limar Galvão, 17.6.2002.

25 MOREIRA NETO, Diogo de Figueiredo. Moralidade administrativa: do conceito à efetivação. RDA (190): 13, Rio de Janeiro: Renovar, 1992.

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Essa exigência também assume relevo nas hipóteses de anacronismo legislati-

vo, isto é, naqueles casos em que a norma, concebida para ser aplicada em determi-

nado contexto sócio-econômico, não mais possui razão para ser aplicada.26

Em segundo lugar, a razoabilidade exige uma relação congruente entre o cri-

tério de diferenciação escolhido e a medida adotada.27 O exame de alguns casos

comprova isso.

O Poder Executivo editou medida provisória com a finalidade de ampliação do

prazo de decadência, de dois para cinco anos, para a propositura de ação rescisória

pela União, Estados ou Municípios. No julgamento, foi asseverado que o Poder Públi-

co possui algumas prerrogativas, as quais devem, porém, ser suportadas por diferen-

ças reais entre as partes e, não, apenas servir de agravamento da satisfação do direi-

to do particular. Somente uma razão de ser plausível e aceitável justifica a distinção.

Em decorrência disso e de outros fundamentos, a medida provisória foi declarada

inconstitucional em razão de a instituição de discriminação arbitrária violar o princí-

pio da igualdade e do devido processo legal.28

Uma lei estadual determinou que o período de trabalho de secretários de Es-

tado deveria contar em dobro para efeitos de aposentadoria. Levada a questão a

julgamento, afirmou-se que não há razoabilidade em se considerar que o tempo de

serviço de um secretário de Estado deva valer o dobro que o dos demais servidores.

Trata-se de discriminação arbitrária ou aleatória. Em virtude disso, a distinção foi

considerada inválida pois a instituição de distinção sem causa concreta viola o prin-

cípio da igualdade.29

Uma lei vinculou o número de candidatos por partido ao número de vagas des-

tinadas ao povo do Estado na Câmara de Deputados. O número de candidatos foi elei-

to critério de discriminação eleitoral. Os partidos insurgiram-se contra a medida,

alegando ser ela irrazoável. No julgamento, porém, considerou-se haver congruência

entre o critério de distinção e a medida adotada, pois a vinculação das vagas ao nú-

mero de candidatos levaria à melhor representatividade populacional.30

Nos dois casos acima referidos, o postulado da razoabilidade exigiu uma cor-

relação entre o critério distintivo utilizado pela norma e a medida por ela adotada.

26 SCACCIA, Gino. Gli 'strumentï delia ragionevolezza nel giudizio costituzionale. Milão: Giuffrè, 2000. p. 247.

27 ZANCANER, Weida. Razoabilidade e moralidade: princípios concretizadores do perfil constitucional do Estado Social e Democrático de Direito. Revista Diálogo Jurídico, Salvador CAJ - Centro de Atualização Jurídica, ano l, n° 9, dezembro, 2001, p. 4. Disponível em <http://www.direitopublico.com.br>.

28 Ação Direta de Inconstitucionalidade n° 1.753-2, Tribunal Pleno, Relator Ministro Sepúlveda Perten-ce, DJ 12.06.98.

29 Ação Direta de Inconstitucionalidade, Medida Liminar, Tribunal Pleno, Relator Ministro Sepúlveda Pertence, DJ 22.11.91.

30 Ação Direta de Inconstitucionalidade n° 1.813-5, Tribunal Pleno, Relator Marco Aurélio, DJ 06.06.98.

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Não se está, aqui, analisando a relação entre meio e fim, mas entre critério e medi-

da. À eficácia dos princípios constitucionais do Estado de Direito (art. 1°) e do devido

processo legal (art. 5°, LI V) soma-se a eficácia do princípio da igualdade (art. 5°,

caput), que impede a utilização de critérios distintivos inadequados. Diferenciar sem

razão é violar o princípio da igualdade.

2.3.4 Razoabilidade como dever de vinculação entre duas grandezas (dever de

equivalência)

A razoabilidade também exige uma relação de equivalência entre a medida

adotada e o critério que a dimensiona.

O Supremo Tribunal Federal declarou inconstitucional a criação de taxa judi-

ciária, de percentual fixo, por considerar que, em alguns casos, essa seria tão alta

que impossibilitaria o exercício de um direito fundamental — obtenção de prestação

jurisdicional —, além de não ser razoavelmente equivalente ao custo real do servi-

ço.31 Nesse caso, o fundamento da decisão está na desproporção entre o custo do

serviço e a taxa cobrada. As taxas devem ser fixadas de acordo com o serviço que é

prestado ou colocado à disposição do contribuinte. Nesse sentido, o custo do serviço

serve de critério para a fixação do valor das taxas. Daí se dizer que as taxas devem

ser equivalentes ao serviço prestado.

Outro exemplo refere-se às penas que devem ser fixadas de acordo com a

culpabilidade do agente. Nesse sentido, a culpa serve de critério para a fixação da

pena a ser cumprida, devendo a pena corresponder à culpa. O Supremo Tribunal Fe-

deral, em caso já mencionado, decidiu pelo trancamento da ação penal por falta de

justa causa uma vez verificada a insignificância jurídica do ato apontado como deli-

tuoso. Consubstancia ato insignificante a contratação isolada de mão-de-obra, visan-

do à atividade de gari, por município, considerado o período diminuto, vindo o pedi-

do formulado em reclamação trabalhista a ser julgado improcedente, ante a nulidade

da relação jurídica por ausência do concurso público. A punição não seria equivalen-

te ao ato delituoso.32

2.3.5 Distinção entre razoabilidade e proporcionalidade

O postulado da proporcionalidade exige que o Poder Legislativo e o Poder

Executivo escolham, para a realização de seus fins, meios adequados, necessários e

proporcionais. Um meio é adequado, se promove o fim. Um meio é necessário, se,

31 Representação n° 1077, Revista Trimestral de Jurisprudência do Supremo Tribunal Federal 112/34-67.

32 Habeas Corpus n° 77003, Relator Ministro Marco Aurélio, DJ 11.09.98.

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dentre todos aqueles meios igualmente adequados para promover o fim, for o menos

restritivo relativamente aos direitos fundamentais. E um meio é proporcional em

sentido estrito, se as vantagens que promove superam as desvantagens que provoca.

A aplicação da proporcionalidade exige a relação de causalidade entre meio e fim,

de tal sorte que, adotando-se o meio, promove-se o fim.33

Ocorre que a razoabilidade, de acordo com a reconstrução aqui proposta, não

faz referência a uma relação de causalidade entre um meio e um fim, tal como o faz

o postulado da proporcionalidade. É o que se passa a demonstrar.

A razoabilidade como dever de harmonização do geral com o individual (dever

de equidade) atua como instrumento para determinar que as circunstâncias de fato

devem ser consideradas com a presunção de estarem dentro da normalidade ou para

expressar que a aplicabilidade da regra geral depende do enquadramento do caso

concreto. Nessas hipóteses, princípios constitucionais sobrejacentes impõem verti-

calmente determinada interpretação. Não há, no entanto, nem entrecruzamento

horizontal de princípios, nem relação de causalidade entre um meio e um fim. Não

há espaço para afirmar que uma ação promove a realização de um estado de coisas.

A razoabilidade como dever de harmonização do Direito com suas condições

externas (dever de congruência) exige a relação das normas com as suas condições

externas de aplicação, quer demandando um suporte empírico existente para a ado-

ção de uma medida, quer exigindo uma relação congruente entre o critério de dife-

renciação escolhido e a medida adotada.

Na primeira hipótese, princípios constitucionais sobrejacentes impõem verti-

calmente determinada interpretação pelo afastamento de motivos arbitrários. Inexis-

te entrecruzamento horizontal de princípios ou relação de causalidade entre um

meio e um fim.

Na segunda hipótese, exige-se uma correlação entre o critério distintivo utili-

zado pela norma e a medida por ela adotada. Não se está, aqui, analisando a relação

entre meio e fim, mas entre critério e medida. Com efeito, o postulado da proporci-

onalidade pressupõe a relação de causalidade entre o efeito de uma ação (meio) e a

promoção de um estado de coisas (fim). Adotando-se o meio, promove-se o fim: o

meio leva ao fim. Já na utilização da razoabilidade como exigência de congruência

entre o critério de diferenciação escolhido e a medida adotada há uma relação entre

uma qualidade e uma medida adotada: uma qualidade não leva à medida, mas é cri-

tério intrínseco a própria.

A razoabilidade como dever de vinculação entre duas grandezas (dever de

equivalência), semelhante à exigência de congruência, impõe uma relação de equiva-

lência entre a medida adotada e o critério que a dimensiona. Nessa hipótese, exige-

33 ÁVILA, Humberto. A distinção entre princípios e regras e a redefinição do dever de proporcionalidade. RDA (215): 151-79, Rio de Janeiro: Renovar, jan./mar. 1999.

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se uma relação entre critério e medida e, não, entre meio e fim. Tanto é assim que

não se pode afirmar, nos casos analisados, que o custo do serviço promove a taxa, ou

que a culpa leva à pena. Não há, nessas hipóteses, qualquer relação de causalidade

entre dois elementos empiricamente discerníveis, um meio e um fim, como é o caso

da aplicação do princípio da proporcionalidade. Há, isto sim, uma relação de corres-

pondência entre duas grandezas. 34

2.4 EFICIÊNCIA

2.4.1 Generalidades

O dever de eficiência estrutura o modo como a administração deve atingir os

seus fins e qual deve ser a intensidade da relação entre as medidas que ela adota e

os fins que ela persegue.

O tema da eficiência não é novo no Direito anglo-saxão, onde são diferencia-

das duas exigências: o dever de atingir o máximo do fim com o mínimo de recursos

(efficiency); o dever de, com um meio, atingir o fim ao máximo (effectiveness).35

Relativamente à atividade administrativa, surgem algumas indagações impor-

tantes no que concerne à aplicação da eficiência. A primeira: a administração tem o

dever de obter "o melhor resultado" ou apenas "um resultado satisfatório"? A segunda:

a administração tem o dever de escolher o meio menos oneroso financeiramente, ou

o custo financeiro é apenas um dentre tantos elementos a serem ponderados para a

tomada de decisão?

Enfim, o que significa eficiência administrativa, menor custo com melhor resultado?

A investigação que segue procura responder a essas indagações.

2.4.2 Eficiência como dever de escolher meio menos custoso ceteris paribus

Alguns entendem a eficiência como o dever de a administração escolher o

meio que implique menos dispêndios financeiros. Dentre as várias alternativas, cum-

pre escolher a opção mais barata. Essa interpretação remete-nos a dois modos de

consideração do custo administrativo: a um modo absoluto, no sentido de que a op-

ção menos custosa deve ser adotada, indiferente se outras alternativas, apesar de

mais custosas, apresentam outras vantagens; a um modo relativo, no sentido de que

a opção menos custosa deve ser adotada somente se as vantagens proporcionadas por

34 ÁVILA, Humberto Bergmann. Materiell verfassungsrechtliche Beschrànkungen der Besteuerungsgewalt in der brasilianischen Verfassung und im deutschen Grundgesetz. Nomos: Baden-Baden, 2002. p. 71.

35 GALLIGAN, Dennis. Discretionary powers. A legal Study of Official Discretion. Oxford: Clarendon Press, 1986. p. 129 e ss.

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outras opções não superarem o benefício financeiro. O modo relativo é aquele que

melhor se compatibiliza com o ordenamento jurídico brasileiro. Isso significa dizer

que não se pode entender, de chofre, como melhor a compra de equipamentos ele-

trônicos só porque são mais baratos relativamente a outros, sem a consideração, por

exemplo, da sua durabilidade, dos serviços de assistência técnica que eles exigem,

da sua obsolescência, da sua praticidade. O equipamento mais barato pode ser, até

mesmo, o menos adequado para realizar a finalidade de modo satisfatório.

Com efeito, de uma medida administrativa podem surgir efeitos relacionados

a vários fins que a administração deve atingir, uns primários, outros secundários. A

avaliação de todos os fins administrativos afasta o dever de considerar o menor custo

como excludente do exame de outros fins. O menor custo é, tão-só, um dos vários

elementos a serem considerados.

Suponha-se, por exemplo, que a administração escolha um meio (M1) para

atingir um fim determinado por um princípio (PI). Digamos que esse meio realiza P1,

restringe pouco a liberdade do administrado (P2), mas, em compensação, provoca

muitos custos administrativos (P3). Diante disso, a administração cogita utilizar um

outro meio (M2) para atingir P1, que, ao seu turno, causa menos custos administrati-

vos (P3), mas, em compensação, restringe muito mais intensamente a liberdade do

administrado (P2). Essa situação remete-nos à seguinte indagação: qual meio deve

ser escolhido para atingir um fim, o que restringe menos a liberdade do administrado

mas causa mais custos administrativos ou aquele que causa menos custos administra-

tivos mas restringe mais a liberdade do administrado? Nesta oportunidade, basta

afirmar que a resposta, em princípio a favor do meio menos restritivo, depende de

uma ponderação sistematicamente orientada, sendo inviável uma supremacia a prio-

riem favor do meio que causa menos custos administrativos.

A resposta se modifica, porém, se a restrição causada pêlos meios for igual,

mas apenas os custos forem diferentes. Por exemplo, a administração escolhe um

meio (M1) para atingir um fim determinado por um princípio (PI). M1 causa pouca

restrição à liberdade do administrado, e provoca, igualmente, poucos custos adminis-

trativos. Outro meio (M2) restringe a liberdade do administrado da mesma forma,

mas causa custos administrativos muito maiores. Nesse caso, a adoção do meio me-

nos dispendioso é necessária, na medida em que permanecem inalterados os elemen-

tos relativos à realização de P1 e a restrição de P2.

O que essas considerações contribuem para o exame da eficiência? Em primei-

ro lugar, essas considerações demonstram que não há o dever absoluto de escolher o

meio que cause menos custo administrativo (Vewaltungsaufwand). A medida adotada

pela administração pode ser a menos dispendiosa e, apesar disso, ser a menos efici-

ente. Só porque a medida é económica não quer dizer que, em face da consideração

de todas as circunstâncias deva ser adotada. Em segundo lugar, essas ponderações

apontam para o dever de a administração escolher o meio menos dispendioso somen-

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te no caso de ficarem inalteradas (ceteris paribus) a restrição dos direitos dos admi-

nistrados e o grau de realização dos fins administrativos.

Ainda assim, surge uma indagação: para ser eficiente basta que a administra-

ção escolha o meio menos dispendioso quando os meios alternativos causarem igual

restrição aos direitos dos administrados e promoverem com a mesma intensidade os

fins administrativos? Em que nível devem ser a realizados os fins administrativos, ao

máximo, ao mínimo ou apenas satisfatoriamente? Essas indagações são adiante res-

pondidas.

2.4.3 Eficiência como dever de promover o fim de modo satisfatório

O dever de eficiência é muitas vezes associado ao dever de exercer uma boa

administração. E a boa administração é associada ao máximo de realização das fina-

lidades administrativas. O que significa a máxima realização da função administrati-

va? É a eficiência que está associada à realização máxima dos fins administrativos ou

é a proporcionalidade em sentido estrito que o está?

Para responder a essas questões é preciso dissociar duas exigências que dire-

cionam a realização das finalidades administrativas: a eficiência e a proporcionalida-

de.

O postulado da proporcionalidade exige que a administração escolha, para a

realização de fins, meios adequados, necessários e proporcionais. Um meio é ade-

quado se promove o fim. Um meio é necessário se, dentre todos aqueles meios

igualmente adequados para promover o fim, for o menos restritivo para o adminis-

trado. E um meio é proporcional em sentido estrito se as vantagens que promove

supera as desvantagens que provoca.36 Neste estudo interessa-nos mais de perto a

adequação e a proporcionalidade em sentido estrito.

A adequação exige uma relação empírica entre o meio e o fim: o meio deve

levar à realização do fim. Isso exige que o administrador utilize um meio cuja eficá-

cia possa contribuir para a promoção da realização gradual do fim. A compreensão da

relação entre meio e fim exige respostas a três perguntas fundamentais: o que signi-

fica um meio ser adequado à realização de um fim? Como deve ser analisada a rela-

ção de adequação? E qual deve ser a intensidade de controle das decisões adotadas

pela administração?

Para este trabalho, interessa-nos responder somente à primeira pergunta (o

que significa um meio ser adequado à realização de um fim?). Para tanto, é preciso

analisar as relações existentes entre os vários meios disponíveis e o fim que se deve

36 ÁVILA, Humberto. A distinção entre princípios e regras e a redefinição do dever de proporcionalida-de. RDA (215): 151-79, Rio de Janeiro: Renovar, jan./mar. 1999. Sobre a proporcionalidade, ver, por todos: CLÉRIGO, Laura. D/e Struktur der VerhëltnismàKigkeit. Baden-Baden: Nomos, 2001.

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promover. Pode-se avaliar essa relação em três aspectos: quantitativo (intensidade),

qualitativo (qualidade) e probabilístico (certeza).37

Em termos quantitativos, um meio pode promover menos, igualmente ou mais

o fim do que outro meio. Em termos qualitativos, um meio pode promover pior,

igualmente ou melhor o fim do que outro meio. E em termos probabilísticos, um

meio pode promover com menos, igual ou mais certeza o fim do que outro meio. Isso

significa que a comparação entre os meios que o administrador terá de escolher nem

sempre se mantém em um mesmo nível (quantitativo, qualitativo ou probabilístico),

como ocorre na comparação entre um meio mais fraco e outro mais forte, entre um

meio pior e outro melhor ou entre um meio menos certo e outro mais certo para a

promoção do fim. A escolha da administração na compra de vacinas para combater

uma epidemia pode envolver a comparação entre uma vacina (M1) que acaba com

todos os sintomas da doença (superior em termos quantitativos), mas que não tem

eficácia comprovada para a maioria da população (inferior em termos probabilísti-

cos), e outra vacina (M2) que, apesar de curar apenas os principais efeitos da doença

(inferior em termos quantitativos), já teve sua eficácia comprovada em outras ocasi-

ões (superior em termos probabilísticos).

Essas ponderações — restringindo-nos ao objeto do nosso trabalho — remetem-

nos a analisar se a administração tem o dever de escolher o "mais intenso", "melhor"

e "mais seguro" meio para atingir o fim ou se tem o dever de escolher um meio que

"simplesmente" promova o fim. Cremos que a administração tem o dever de escolher

um meio que simplesmente promova o fim. Várias razões levam-nos a essa conclusão.

Em primeiro lugar, nem sempre é possível — ou mesmo plausível — saber qual,

dentre todos os meios igualmente adequados, é o mais intenso, melhor e mais seguro

na realização do fim. Isso depende de informações e de circunstâncias muitas vezes

não disponíveis para a administração. A administração pública ficaria inviabilizada, e

a promoção satisfatória de seus fins também, se tivesse que, para tomar cada deci-

são, por mais insignificante que fosse, avaliar todos os meios possíveis e imagináveis

para atingir um fim.

Em segundo lugar, o princípio da separação dos poderes exige respeito à von-

tade objetiva do Poder Legislativo e do Poder Executivo. A liberdade da administra-

ção seria previamente reduzida, se, posteriormente à adoção da medida, o aplicador

pudesse dizer que o meio escolhido não era o mais adequado. Um mínimo de liberda-

de de escolha é inerente ao sistema de divisão de funções. Cada Poder dever conser-

var uma prerrogativa de avaliação (Einschatzungsprãrogative).

Em terceiro lugar, a própria exigência de racionalidade na interpretação e

aplicação das normas impõe que sejam examinadas todas as circunstâncias do caso

concreto. A imediata exclusão de um meio que não é o "mais intenso", o "melhor" e o

"mais seguro" para atingir o fim impede a consideração de outros argumentos que

37 WEINBERGER, Ota. Rechtslogik. 2. ed. Berlin: Duncker und Humblot, 1989. p. 288.

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podem justificar a sua escolha. Esses outros argumentos não devem, por isso, ser

analisados no exame de adequação, mas no exame de proporcionalidade em sentido

estrito, como será adiante demonstrado.

Até o momento, basta reconhecer que a administração pública deverá esco-

lher um meio que promova minimamente o fim, mesmo que não seja o mais intenso,

o melhor nem o mais seguro.

Mas se a administração não tem o dever de escolher o "mais intenso", o "me-

lhor" e o "mais seguro" meio para atingir o fim, pergunta-se: pode a administração

escolher o meio "menos intenso", "pior" e "menos seguro" para atingir um fim? Certa-

mente, não. Pois é precisamente aqui que entra em cena o dever de eficiência admi-

nistrativa.

A eficiência, tal como se a entende neste trabalho, é implicação da própria

atribuição de fins à administração pública. Com efeito, a administração, de acordo

com o ordenamento jurídico, deve promover a realização de vários fins. Quando a

administração emprega um meio que, embora adequado à realização de um fim, não

serve para atingi-lo minimamente em termos quantitativos, qualitativos e probabilís-

ticos, o fim não é promovido satisfatoriamente. A instituição de fins a serem promo-

vidos pela administração impede que ela escolha meios que não os promova de modo

satisfatório.38 Essa exigência mínima de promoção dos fins atribuídos à administra-

ção é o próprio dever de eficiência administrativa.

Eficiente é a atuação administrativa que promove de forma satisfatória os fins

em termos quantitativos, qualitativos e probabilísticos. Para que a administração

esteja de acordo com o dever de eficiência, não basta escolher meios adequados

para promover seus fins. A eficiência exige mais do que mera adequação. Ela exige

satisfatoriedade na promoção dos fins atribuídos à administração. Escolher um meio

adequado para promover um fim, mas que promove o fim de modo insignificante,

com muitos efeitos negativos paralelos ou com pouca certeza, é violar o dever de

eficiência administrativa. O dever de eficiência traduz-se, pois, na exigência de

promoção satisfatória dos fins atribuídos à administração pública, considerando pro-

moção satisfatória, para esse propósito, a promoção minimamente intensa e certa do

fim.

CONCLUSÕES

Esse estudo procurou demonstrar, em primeiro lugar, que as categorias nor-

mativas não se circunscrevem aos princípios e às regras. Além delas, existe a figura

38 MODESTO, Paulo. Notas para um debate sobre o princípio constitucional da eficiência. Revista Diálogo Jurídico, Salvador CAJ - Centro de Atualização Jurídica, ano l, n° 2, maio de 2001, p. 6. Disponível em <http://www.direitopublico.com.br>.

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dos postulados, que podem ser definidos como metanormas que estruturam racio-

nalmente a aplicação de outras normas.

Em segundo lugar, este trabalho propôs uma nova forma de análise dos princí-

pios. Como eles podem ser definidos como normas imediatamente finalísticas, o in-

térprete do Direito deve desvelar quais são os comportamentos necessários à promo-

ção do fim. Com isso, procura-se romper com um modo de investigação de privilegia

o aspecto valorativo dos princípios em favor de uma análise problemática que priori-

za o aspecto comportamental também no caso dos princípios.

Em terceiro lugar, este estudo procurou demonstrar que os denominados prin-

cípios da razoabilidade e da eficiência possuem uma diferente estrutura relativamen-

te aos princípios jurídicos. Para tanto, procedeu-se a uma reconstrução analítica de

decisões judiciais que nos permite afirmar, como segurança, que a razoabilidade e a

eficiência não são meros topoi sem forma nem conteúdo, mas postulados específicos

que estruturam a aplicação de princípios e regras.

Espera-se, com isso, ter demonstrado que a análise dos princípios, em vez de

se limitar à exaltação dos valores que eles visam a preservar, pressupõe a manipula-

ção rigorosa da linguagem, a reconstrução analítica de decisões judiciais e a estrutu-

ração racional de sua aplicação. Sem esses elementos, corre-se o risco de, a pretexto

de engrandecer a eficácia dos princípios, terminar por apequená-la.

Currículo Resumido:

HUMBERTO ÁVILA

Doutor em Direito pela Universidade de Munique. Mestre em Direito pela UFRGS. Especialista em Finanças pela UFRGS. Professor de Direito Tributário, Financeiro e Econômico da UFRGS. Professor nos cursos de pós-graduação da UFRGS. Professor visitante do Mestrado e Doutorado da UERJ. Advogado e parecerista em Porto Alegre

Como citar este texto:

ÁVILA, Humberto. Moralidade, Razoabilidade e Eficiência na Atividade Admi-

nistrativa. Fonte: Revista Eletrônica de Direito do Estado. Salvador, Instituto de Di-

reito Público da Bahia, n°4, outubro/novembro/dezembro, 2005. Disponível em:

<http://www.direitodoestado.com.br>. Material da 1ª aula da disciplina Direito

Constitucional Aplicado, ministrada no curso de pós-graduação lato sensu televirtual

em Direito Público – UNIDERP/REDE LFG.

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A CONSTITUIÇÃO FEDERAL DE 1988 E O PRINCÍPIO DA MORALIDADE DO CAPUT DO

ART. 37

INTRODUÇÃO

O direito não tem sentido sem o exame de seu conteúdo histórico, sociológico e filo-

sófico vez que reduzido a um vazio sem expressão e a um tecnicismo sem sentido.

Não pode o intérprete da Lei Maior desconhecê-los, pois, para que a interpretação do

seu texto tenha vida, mister a detecção dos fatos pretéritos, sociais e políticos.

Assim, de suma importância resta a evolução constitucional do ângulo puramente

jurídico através da comparação dos textos de nossas diversas cartas, desde a Consti-

tuição Imperial de 1824 até a Constituição da República de 1988.

“A interpretação da história projetada nas mais variadas áreas sociais, é de extrema

relevância, posto que o predomínio de umas ou outras termina por condicionar as

formas de governo e de Estado, assim como regimes sociais que, através do tempo,

informam a vida do ser humano em sociedade.”2

A ruptura dos quase 20 anos de regime militar e conseqüente surgimento de um novo

pacto social consubstanciado no Texto Constitucional de 1988 trouxe inovações de

ordem democrática na ordem jurídica.

A Constituição Federal de 1988 é a pioneira ao trazer o princípio da moralidade ex-

pressamente em seu art. 37, e, como mecanismos de defesa em caso de violação da

moralidade, destacam-se a ação popular e a ação civil pública.

1. CENÁRIO HISTÓRICO: CONSTITUIÇÕES BRASILEIRAS

O direito constitucional tem por objetivo estudar a Constituição de um determinado

Estado. Existem várias acepções acerca do termo Constituição: Ferdinand Lassale,3

atribui um sentido sociológio à Constituição: “os problemas constitucionais não são

problemas de direito, mas do poder; a verdadeira Constituição de um país somente

tem por base os fatores reais e efetivos do poder que naquele país reagem, e as

Constituições escritas não tem valor nem são duráveis a não ser que exprimam fiel-

mente os fatores do poder que imperam na realidade social: eis ai os critérios fun-

damentais que devemos sempre lembrar”. Assim, defende que uma Constituição só

seria legítima se representasse o efetivo poder social, se não o representasse, seria

ilegítima, caracterizando-se apenas como uma simples folha de papel.

Carl Schimitt atribui um sentido político à Constituição. José Afonso da Silva4 ao

apresentar o pensamento de Carl Schimitt traz a idéia de que a Constituição é a deci-

são política fundamental, enquanto os demais dispositivos inseridos no Texto Consti-

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tucional não contêm essa decisão política fundamental (e aqui, portanto, distingue

Constituição de leis constitucionais).

Hans Kelsen atribui um sentido jurídico à Constituição. Pedro Lenza5 sintetiza o pen-

samento de Hans Kelsen: a Constituição coloca-a no mundo do dever-ser, como fruto

da vontade racional do homem e não das leis naturais. Possui dois sentidos: um lógi-

co-jurídico e outro jurídico-positivo. A Constituição é colocada no ápice de todo o

ordenamento jurídico, em que as demais normas, chamadas de infraconstitucionais,

a ela dever ser compatíveis (compatibilidade vertical e princípio da supremacia da

Constituição).

Independentemente do sentido que se escolha para definir Constituição, importante

ressaltar que a Constituição deve trazer em si elementos integrantes do Estado. Dal-

mo de Abreu Dallari6 conceitua o Estado como a ordem jurídica soberana que tem

por finalidade o bem comum de um povo, situado em um determinado território.

Portanto, como elementos integrantes do Estado, temos a soberania, a finalidade,

povo e território. Sendo que, soberania é o poder incontestável de querer e de coer-

citivamente fixar competências, e, este poder, consiste na imposição de uma vonta-

de a outrem sem o seu consentimento.

Como forma de coibir abusos desse poder, a Constituição Federal vem estabelecendo

limites a esse poder, conforme diz Maria Garcia.7

Assim, diferentemente dos demais ramos do conhecimento jurídico, que tratam do

abuso de direito, o direito constitucional vem para coibir o abuso de Poder.

1.1 CONSTITUIÇÃO DE 1824

“As idéias liberais que dominaram no fim do século XVIII e início do século XIX produ-

ziram efeitos no nosso país ainda ao tempo da regência de D. Pedro.”8

Com a volta da família real e regência de D. Pedro I vem um movimento no sentido

de dotar o Brasil de uma Constituição. Antes mesmo da Proclamação da Independên-

cia convoca-se uma Assembléia para elaboração da Carta Constitucional, entretanto

em razão de desavenças o Imperador acabou por dissolvê-la.

Criou-se então um Conselho de Estado, incumbido de elaborar um novo projeto de

Constituição que seria submetido à opinião das Câmaras, na época órgãos representa-

tivos da vontade popular.

Elas solicitaram e D. Pedro I outorgou o Texto antes mesmo que ele fosse referenda-

do por aqueles órgãos.

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Surgiu em 1824 a primeira Constituição que tivemos em nosso Estado, com base nas

idéias liberais à época em voga.

A Constituição outorgada de 1824 era marcada por um grande liberalismo retratado

principalmente no rol dos direitos individuais e na adoção da separação dos poderes

em Executivo, Legislativo, Judiciário e Moderador, os três primeiros tradicionalmente

introduzidos nos textos constitucionais seguintes, seguindo a doutrina de Locke e de

Montesquieu, que ensinava em L'Ésprit des Lois: “(...) c'est une expérience eternelle,

que toute homme qui a du pouvoir est porte à em abuser; il va jusqu'à ce qu'il trouve

des limites. Qui le diroit! la vertu même a besoin de limites. Pour qu'on ne puisse

abuser du pouvoir il faut que, par la disposition des choses, le pouvoir arrête lê pou-

voir”.9

Sobre o Poder Moderador, “para Benjamin Constant, a 'monarquia constitucional tem

a vantagem de criar esse poder neutro na pessoa de um Rei já cercado de tradições e

de recordações e revestido pela opinião de uma autoridade que serve de base à sua

autoridade política. O interesse verdadeiro dos Reis não é de modo nenhum que um

dos poderes domine o outro, mas que todos se apóiem, se entendam e atuem de

acordo'. Por isso, se a 'ação do Poder Executivo, isto é, dos Ministros, é irregular, o

Rei destitui o Poder Executivo. Se a ação do Poder Representativo se torna funesta, o

Rei dissolve o corpo representativo. Enfim, se a própria ação do Judiciário é prejudi-

cial ao aplicar penas demasiado severas às ações individuais, o Rei tempera essa ação

com o seu direito de comutação e de indulto'. Acima dos poderes ativos coloca-se,

pois, um poder independente e neutro, que era o fiel do equilíbrio dos restantes”.10

Nos dizeres de José Afonso da Silva11 “o Poder Moderador, considerado a chave de

toda a organização política, era exercido privativamente pelo Imperador, como chefe

supremo da nação e seu primeiro representante, para que incessantemente velasse

sobre a manutenção da independência, equilíbrio, e harmonia dos demais poderes

políticos (art. 98)”.

Já o Poder Legislativo era exercido pela Assembléia Geral, composta de duas Câma-

ras: a dos Deputados e a dos Senadores.

O Poder Executivo era exercido pelos Ministros de Estado, tendo como chefe o Impe-

rador (art. 102).

Por fim, o Poder Judiciário era composto de juízes e jurados (art. 151).

A Constituição de 1824 é marcada tanto por dispositivos rígidos quanto por dispositi-

vos flexíveis, aqueles apenas modificáveis por maioria, extremamente exigente em

três legislaturas consecutivas. Estes sem qualquer exigência específica, observando-

se apenas os requisitos necessários à elaboração da lei comum.

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Paulo Bonavides12 sintetiza: “a Constituição do Império foi, em suma, uma Constitui-

ção de três dimensões: a primeira voltada para o passado, trazendo graves seqüelas

do absolutismo. A segunda, dirigida para o presente, efetivando em parte, e com

bom êxito no decurso de sua aplicação, o programa do Estado liberal, e uma terceira,

à primeira vista desconhecida e encoberta, pressentindo já o futuro”.

1.2 CONSTITUIÇÃO DE 1891

Em 15.11.1889 ocorre no Brasil um Golpe de Estado, colocando fim à monarquia e

instaurando-se a República Federativa, através do Dec. 1, redigido por Rui Barbosa,

fixando que as províncias seriam alçadas a Estados, a fim de que gozassem de auto-

nomia própria, podendo, inclusive editarem suas Constituições. O ideal predominante

em voga na época era o de emancipação política.

A nova forma de Governo não se embasou em movimentos populares generalizados, e

por isso “carece de um fundamento de legitimidade popular e, além disto, não al-

cançou uma satisfatória realização na sua rota de vivências políticas”.13 O povo foi

surpreendido por ataques de tropas situadas no Rio de Janeiro a que a nação limitou-

se a assistir.

A Revolução Pernambucana de 1824, a Proclamação de uma Confederação do Equa-

dor levada a efeito a 02.07.1824 e, a proclamação da República de 1835 no Rio Gran-

de do Sul, logo sufocada, foram os ideais republicanos federativos embasadores dos

ideais necessários em 1870 para a posterior proclamação da República em 1889.

Houve a criação pelo governo provisório de uma comissão especial para elaborar o

Anteprojeto de Constituição, composto por cinco membros, denominada Comissão

dos Cinco: “ponderados e discutidos todos esses alvitres, a 'comissão dos cinco', como

ficou designada em nossa história constitucional, elaborou o projeto definitivo e en-

tregou-o ao Governo Provisório, em 30.05.1890. Nesse trabalho coletivo as antigas

províncias passaram a ser consideradas estados; não se falava em territórios, porque

o Dr. Magalhães Castro cedeu a empenhos do Governo Provisório e abandonou sua

primitiva opinião. Na distribuição de rendas prevaleceu o projeto Werneck-Pestana;

mas entendeu-se dever suprimir os impostos de exportação, a datar de 1897. A Câ-

mara dos Deputados teve a legislatura fixada em três anos; o Senado, eleito pelo

sufrágio direto dos eleitores, prolongando-se o período por nove anos, como sugeri-

ram Werneck e Pestana. O mandato do Presidente da República reduziu-se a cinco

anos, de conformidade com a lembrança de Magalhães Castro; mas preferiu-se a

eleição por eleitorado especial, a exemplo dos Estados Unidos e da Argentina. Os

secretários de Estado não podiam comparecer às sessões do Congresso; só iriam às

Comissões prestar esclarecimentos. Enfim, no Judiciário, determinava-se que o STJ

se compusesse de 15 juízes, nomeados pelo Senado, sem interferência do Poder Exe-

cutivo: é o judicioso processo da Constituição suíça”.14

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A Constituição Federal de 1891 introduziu no Brasil a Republica, de modo que as au-

toridades tornaram-se representativas da vontade do povo e investidas de mandato

por prazo certo, pondo fim às desigualdades oriundas da hereditariedade. A Federa-

ção outorgou às Províncias poderes políticos, de forma que passaram a ter uma

abrangente margem de competência, resolvendo assuntos com autonomia e finanças

próprias. Mas “emitindo em sentindo oposto, a Constituição conferia ao Governo Fe-

deral, por uma cláusula que a prática constitucional revelou incompleta e elástica, o

poder de intervir em negócios particulares dos Estados, cindindo e suplantando então

toda a sua autonomia, sempre que se tornasse necessário repelir invasão estrangeira,

ou de um Estado em outro, manter a forma republicana federativa, restabelecer a

ordem e a tranqüilidade nos Estados à requisição dos respectivos governos e assegu-

rar a execução das leis e sentenças federais”.15

Desaparece o Poder Moderador, voltando-se à clássica tripartição de poderes de Mon-

tesquieu: Executivo, Legislativo e Judiciário.

Destacou-se a Declaração de Direitos: abrandamento das penas criminais, surgimento

do habeas corpus (já introduzido pelo Código Criminal de 1830, mas somente agora

trazido ao Texto Constitucional).

Todas as normas previstas na Constituição de 1891 só poderiam ser modificadas me-

diante processo árduo e dificultoso previsto no art. 90, §§ 1.º a 4.º.

Desde sua entrada em vigor houve freqüentes crises, o que acarretou a decretação

do estado de sítio.

Em 1926, ocorreu uma reforma em seu texto.

A Constituição não teve vida longa, pois um movimento armado em 1930 colocou Ge-

túlio Vargas no poder.

A Revolução Constitucionalista de São Paulo fecha o período denominado hoje de

Primeira República e organiza-se a Constituinte que daria ao país uma segunda Cons-

tituição da República dos Estados Unidos do Brasil, promulgada em 16.07.1934.

1.3 CONSTITUIÇÃO DE 1934

A Constituição de 1934 teve curtíssima duração, visto abolida em 1937 pela implan-

tação do Estado Novo, tendo uma divisão de forças político-ideológicas da época.

Essa Constituição manteve da anterior a República, a Federação, os Poderes Executi-

vo, Legislativo e Judiciário (independentes e coordenados entre si), o Presidencialis-

mo, o regime representativo.

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Paulino Jacques, citado por Celso Ribeiro Bastos16 define as principais alterações

ocorridas: “(a) quanto à forma: (1) introdução do nome de Deus no preâmbulo;

(2)incorporação ao texto de preceitos de direito civil, de direito social e de direito

administrativo; (3) multiplicação dos títulos e capítulos; ficando a Constituição com

mais do dobro de artigos que tinha a de 1891; (b) quanto à substância: (1) reforço

dos vínculos federais; (2) poderes independentes e coordenados entre si; (3) sufrágio

feminino e voto secreto; (4) o Senado com funções de promover a coordenação dos

poderes, manter a continuidade administrativa e velar pela Constituição; (5) os Mi-

nistros de Estado, com responsabilidade pessoal e solidária com o Presidente da Re-

pública e obrigados a comparecer ao Congresso para prestarem esclarecimentos ou

pleitearem medidas legislativas; (6) a Justiça Militar e Eleitoral, como órgão do Poder

Judiciário; (7) o Ministério Público, o Tribunal de Contas e os Conselhos Técnicos,

coordenados em Conselhos Gerais, assistindo aos Ministros de Estado, como órgão de

cooperação nas atividades governamentais; (8) normas reguladoras da ordem econô-

mica e social, da família, educação e cultura, dos funcionários públicos, da seguran-

ça nacional.” Além de alterações que traduziram avanços em nosso direito constitu-

cional, como a criação da legislação eleitoral, a sindicalização, normas de previdên-

cia social, mandado de segurança e ação popular.

1.4 CARTA OUTORGADA DE 1937

A Constituição de 1937 é inspirada no modelo fascista, destinada a institucionalizar

um regime extremamente autoritário o que se depreende, por exemplo, da leitura do

art. 73 que diz: “O Presidente da República, autoridade suprema da Estado, coorde-

na a atividade dos órgãos representativos, de grau superior, dirige a política interna

e externa, promove ou orienta a política legislativa de interesse nacional, e superin-

tende a administração do país”. (Dispositivo este posteriormente suprimido pela Lei

Constitucional 9, de 28.02.1945).

Ficava nítido que o Brasil se inseria na luta contra os comunistas e contra a democra-

cia liberal.

Durante a vigência desta Constituição, o Presidente da República, a qualquer tempo

poderia por em recesso o Legislativo, e, como conseqüência, todas as atribuições

deste poder passavam às suas mãos.

O controle de constitucionalidade das leis se vê praticamente desprezado. Uma vez

que o STF declarasse a inconstitucionalidade de uma lei, esta seria submetida nova-

mente ao legislativo, que poderia por maioria de dois terços rejeitar a própria deci-

são do Supremo, caso em que a própria Constituição se tornaria alterada.

Em ocorrendo situações de emergência, o Judiciário era excluído de qualquer atua-

ção conforme preceituava o art. 170: “Durante o estado de emergência ou o estado

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de guerra, dos atos praticados em virtude deles não poderão conhecer os juízes e

tribunais”.

Entretanto, a importância desse texto não foi grande, o que prevaleceu nesta época

foi a vigência do Estado Novo, arbitrário, independente de qualquer controle jurídi-

co, prevalecendo a vontade do ditador Getúlio Vargas.

Previa em seu art. 18717 plebiscito a fim de que o texto tivesse efetivamente vigên-

cia, entretanto, este plebiscito nunca se realizou.

Francisco de Assis Alves, citado por Celso Ribeiro Bastos18 acerca da Constituição de

1937 diz: “era de se esperar que a Constituição de 1937 criasse restrições aos direitos

individuais e às suas garantias. Sua origem depunha contra vários princípios de obri-

gatória inclusão dos Textos Constitucionais regradores do Regime Democrático, por

isso nela não foram albergados os princípios da legalidade, da irretroatividade da lei

nem tampouco o Mandado de Segurança orgulhosamente inaugurado pela Carta Polí-

tica de 1934. Em lugar deles reapareceu a pena de morte para os crimes políticos e

para os homicídios cometidos por motivo fútil e com extremos de perversidade. O

direito de manifestação de pensamento foi limitado através de censura prévia da

imprensa, teatro, cinema e radiodifusão, sendo facultado à autoridade competente

proibir à circulação, a difusão ou representação. Nenhum jornal podia, ainda, recusar

a inserção de comunicados do governo, nas dimensões taxadas em lei; ao diretor res-

ponsável seria imposta a pena de prisão e à empresa aplicada a pena pecuniária; as

máquinas e utensílios tipográficos utilizados na impressão do jornal constituíam a

garantia do pagamento da multa, reparação ou indenização, e das despesas com o

processo nas condenações pronunciadas por delito de imprensa. Tudo isso, como

prescrito no art. 15 da Constituição Polaca, em garantia da paz, da ordem e da segu-

rança pública.

Isso sem dúvida era a loucura de poder do Presidente da República que, a despeito

de se declarar guardião da paz, da ordem e da segurança pública, confinava a liber-

dade do povo brasileiro entre os muros da opressão”.

1.5 CONSTITUIÇÃO DE 1946

Finda a 2.ª Guerra Mundial, começaram os movimentos de redemocratização do país,

com influência do Manifesto dos Mineiros e de Constituições existentes como da Itá-

lia, Alemanha, Polônia e outras.

Com a expedição da Lei Constitucional de 28.02.1945 são modificados vários artigos

da Carta então vigente a fim de propiciar a eleição direta do Presidente da República

e do parlamento.

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O parlamento a ser eleito teria função ordinária, modificando a Constituição. O art.

4.º dessa lei constitucional é que determinou a fixação da data das eleições e os

princípios do processo eleitoral.

Convocaram-se as eleições para Presidente da República, Governador de Estado, Par-

lamento e Assembléias Legislativas Estaduais, fixando a data de 02.12.1945. As forças

opostas à ditadura apresentaram, para Presidente, uma candidatura militar, o Briga-

deiro Eduardo Gomes, contra também um militar, o General Eurico Gaspar Dutra.

Apuradas as eleições, venceu o General. Instalou-se a Assembléia Constituinte no dia

02.02.1946 representando várias correntes de opinião que tinham segundo José Duar-

te citado por José Afonso da Silva19 “a preocupação de assentar, com nitidez, sem

artifícios, as fórmulas, os princípios cardeais do regime representativo, e estabelecer

com precisão os rumos próprios à harmonia e independência dos poderes; a redução

das possibilidades de hipertrofia do Poder Executivo; a conservação do equilíbrio po-

lítico do Brasil, pelo regime de seus representantes no Senado e na Câmara; a fixação

da política municipalista, capaz de dar ao Município o que lhe era indispensável, es-

sencial, à vida, à autonomia; a revisão do quadro esquemático da declaração de di-

reitos e garantias individuais; o tratado, em contornos bem definidos, do campo eco-

nômico e social, onde se teriam de construir, em nome e por força da evolução e da

justiça, os mais legítimos postulados constitucionais”.

Esse sentimento ficou traduzido na Constituição de 18.09.1946, na qual voltou-se às

fontes do passado, mas com poucas preocupações para com o futuro. Mas mesmo

assim, não deixou de cumprir a tarefa de redemocratização, oferecendo condições

para o desenvolvimento do país.

Nesse tempo, sucederam-se crises políticas e conflitos constitucionais de poderes,

quando se elegeu Getúlio Vargas, entretanto as crises continuaram e culminaram em

seu suicídio.

Sobe o Vice Presidente Café Filho. Nova crise. Assume o Presidente da Câmara dos

Deputados Carlos Luz que é deposto. Assume o Presidente do Senado, Senador Nereu

Ramos, que entrega a Presidência a Juscelino Kubitschek de Oliveira, eleito, que

também enfrenta rebeliões golpistas, mas não o impede de concluir seu mandato.

Elege-se Jânio Quadros que renuncia depois de 7 meses. Reação militar contra o Vice

Presidente João Goulart, visando impedir sua posse na Presidência. Vota-se uma

Emenda Constitucional Parlamentarista (EC 4, de 02.09.1961 denominada Ato Adicio-

nal) retirando-lhe poderes. Ato adicional é revogado, entretanto, Jango Goulart,

despreparado, não consegue manter-se no poder.

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Domina o poder um Comando Militar Revolucionário, que efetua prisões políticas de

todos que seguiram ou simplesmente simpatizavam com as idéias do Presidente de-

posto e de movimentos de esquerda.

Segue então vários Atos Institucionais, começando com o de 09.04.1964. Elegeu-se o

Presidente Marechal Humberto de Castello Branco, para um período complementar

de três anos.

Novas crises culminando com o AI2, AI3 e AI4. Este regulando o Congresso Nacional

para votar nova Constituição outorgada em 24.01.1967.

Finda, assim, a Constituição de 1946, após sofrer 21 emendas aprovadas pelo Con-

gresso Nacional, o impacto de quatro atos institucionais e 37 atos complementares, o

que tornou ineficaz o direito constitucional vigente.

1.6 CONSTITUIÇÃO DE 1967

A partir de 1961 ocorreram crises institucionais no Brasil que se refletiram no campo

jurídico com a edição de inúmeras emendas constitucionais.

Em 1961, a EC 4, de 02 de setembro, institui o sistema parlamentar de governo, fin-

dando com o tradicional regime presidencialista. Entretanto, as instituições parla-

mentaristas não tiveram bom desempenho, fato que possibilitou plebiscito contra tal

regime, originando, assim, a EC 6, de 23.01.1963, revogando a anterior e restaurando

o presidencialismo.

Porém, a política do Presidente encaminha mais para a esquerda, culminando na fa-

mosa marcha da Cidade de São Paulo manifestando-se contra a ordem ali reinstaura-

da. Diante desse cenário político, as Forças Armadas intervêm em 31.03.1964.

A partir daí, uma ordem revolucionária é instaurada no país, derrogando a Constitui-

ção de 1946.

Como ensina Manoel Gonçalves Ferreira Filho “Note-se que se poderia, a 09.04.1964,

colocar termo final da Constituição de 1946. Não por qualquer observação de ordem

política, mas do ângulo estritamente jurídico. Com efeito, o art. 1.º do Ato Instituci-

onal de 09.04.1964 diz que 'mantém em vigor a Constituição de 1946', com as modifi-

cações que introduz. A partir dessa data não é propriamente a Constituição de 1964,

estabelecida pela Constituinte de 1946, que esta em vigor. Está em vigor uma Consti-

tuição outorgada pelo movimento revolucionário cujo conteúdo corresponde ao da

Constituição de 1946, com as alterações que ele próprio introduz.

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Pondo de lado esse aspecto técnico, a Constituição de 1946 ainda perdurou por al-

gum tempo”.20

Nos anos subseqüentes, diversas emendas foram aprovadas como tentativa de encer-

rar o ciclo revolucionário.

Já que a Constituição de 1946 sofreu um número tão grande de alterações por emen-

da Constitucionais e por atos institucionalizados, aspirava-se um novo Texto Consti-

tucional, assim, convoca-se o Congresso Nacional por ato institucional, para discussão

e aprovação desse novo texto enviado pelo governo.

Como destaca Celso Ribeiro Bastos21 “as principais notas do Texto de 1967 eram as

seguintes: em primeiro lugar uma enorme preocupação com a segurança nacional,

conceito que se tornou abrangente de diversas situações, dotando de um grande va-

zio semântico que acabava por permitir a manipulação da Constituição em diversos

de seus pontos”.

Foi uma Constituição centralizadora. Conferiu amplos poderes ao Executivo. Os de-

cretos-lei, sob a máscara da urgência e do interesse público relevante, concentrou os

poderes do Presidente da República.

Ampliou a técnica do federalismo cooperativo. Apareceram os programas plurianuais

de investimento, além da própria atualização do sistema orçamentário.

É uma das Constituições mais autoritárias, por possibilitar a suspensão dos direitos e

garantias constitucionais.

Facilitou desapropriação de gleba mediante o pagamento de títulos da dívida públi-

ca.

Entretanto, tentou a Constituição de 1967 englobar princípios de uma Constituição

democrática, agasalhando um rol de direitos individuais, liberdade de iniciativa, en-

tre outros, mas não conseguiu se libertar das amarras totalitárias, que os neutraliza-

vam.

Aos 15.03.1967 entrou em vigor a nova Carta, embora desde 24 de janeiro já tivesse

sido promulgada.

Os anos seguintes caracterizaram-se por movimentos de rebeldia, com passeatas e

até apelo à luta armada, o que provocou a edição de um ato institucional de força, o

Ato Institucional 5, de 13.12.1968, que conferiu ao Presidente da República amplos

poderes, tal como de decretar o fechamento do Poder Legislativo (Congresso Nacio-

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nal, Assembléias Estaduais e Câmaras de Vereadores) o que destacou a contradição

com o próprio texto constitucional de 1967 ainda mantido.

Este Ato Institucional 5 possibilitava medidas drásticas, como a cassação de parla-

mentares e a suspensão de direitos políticos, por 10 anos, de qualquer pessoa. Vitali-

ciedade e inamovibilidade próprias da magistratura estavam suspensas, bem como a

estabilidade dos servidores públicos. Até mesmo o habeas corpus em casos de crimes

políticos contra a segurança nacional, ordem econômica e social e a economia popu-

lar, poderiam ser suspensos.

Estando o Presidente Costa e Silva impossibilitado de governar, por doença, e não

aceitando os militares sua substituição pelo Vice-Presidente Pedro Aleixo, civil, bai-

xa-se o Ato Institucional 12, de 31.08.1969 fixando que enquanto durasse tal impossi-

bilidade, as atividades seriam desempenhadas por ditos militares: era o governo de

“juntas militares”.

Agravou-se ainda mais esse cenário com a morte de Costa e Silva, fato que resultou

na edição do Ato Institucional 16, de 14.10.1969, declarando-se vagos os cargos de

Presidente e Vice-Presidente da República.

A junta militar, pouco antes de encerrar seu período de governo, emenda a Consti-

tuição, convivendo esta com os atos institucionais, o que enfraquecia seu conteúdo.

Para muitos, esta emenda significou uma nova Constituição, para outros não passou

de emenda.

A idéia principal da EC 1/1969 foi planejar e garantir a segurança nacional; cuidou da

fiscalização financeira e orçamentárias dos municípios, permitiu a instituição dos

Tribunais de Contas nos municípios que tivesse população superior a dois milhões de

habitantes e renda tributária superior a 500 mil cruzeiros; fixou nova causa de perda

de mandato; inovou sobre as condições de elegibilidade do candidato a senador; fi-

xou em cinco anos a duração do mandato presidencial; prescreveu a criação do con-

tencioso administrativo; implantou a regra da irreelegibilidade para o Executivo, en-

tre outras.

2. A CONSTITUIÇÃO FEDERAL DE 1988

Após o golpe militar de 1964 e, sobretudo, o Ato Institucional 5, a nação brasileira

luta pelo estabelecimento democrático e conquista de um Estado de Direito.

Em 1982 as ruas são tomadas, intensifica-se esse quadro em 1984 quando as multi-

dões aspiram pelas eleições direta para Presidente da República.

O até então governador de Minas Gerais, Tancredo Neves, lança-se à candidatura

propondo as bases da “Nova República”.

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Sua eleição aos 15.01.1985 foi considerada um marco de um período novo, que poria

fim ao regime militar vivido (de 1964 a 1984) e conquistaria um Estado de Direito

pautado em uma Constituição a ser elaborada pela Assembléia Nacional Constituinte,

convocada assim que assumisse a Presidência da República.

Prometeu nomear uma Comissão de Estudos Constitucionais, objetivando elaborar

estudos e anteprojetos de Constituição, que deveriam ser enviados à Constituinte.

Entretanto, morre antes mesmo de assumir a Presidência.

Assume o Vice Presidente José Sarney, que dá seqüência às idéias de Tancredo Ne-

ves. Nomeou a Comissão referida, que por muito tempo apenas realizou debates so-

bre temas constitucionais e constituintes.

Aos 18.06.1985, de José Sarney na chefia do Governo, envia a Mensagem Presidencial

300, que submeteu ao Poder Legislativo proposta que resultou na EC 26, de

27.11.1985, convocando uma Assembléia Nacional Constituinte designada para a ela-

boração da Constituição de 1988.

Esta Assembléia Nacional Constituinte foi instaurada em 01.02.1987, sob a presidên-

cia do Min. José Carlos Moreira Alves, Presidente do STF.

Aos 02.02.1987, o na época Deputado Ulysses Guimarães é eleito como Presidente da

Assembléia Nacional Constituinte.

O regimento interno só foi aprovado no dia 24 de março, e até então a Assembléia

Constituinte trabalhou sob o império de normas provisórias editadas no dia 06 de fe-

vereiro.

A Assembléia convocada em 1987 não partiu de um projeto pré-elaborado (a exemplo

do que ocorreu com a Constituição de 1946).

Formaram 24 subcomissões designadas para dar início à elaboração da Constituição, e

terminaram seu trabalho aos 25 de maio, passando para uma fase subseqüente em

que se constituíram oito comissões temáticas incumbidas de elaborar projetos à Co-

missão de Sistematização.

Aos 25 de junho, seu relator, Bernardo Cabral apresenta trabalho reunindo esses an-

teprojetos em uma só peça contendo 551 artigos que receberam o nome de “Fran-

kenstein”.

Em 1988 é promulgada a Constituição Federal, estabelecendo seu art. 77 eleição pre-

sidencial direta, consagrando, desta maneira, mecanismos de democracia direta,

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participação popular e autonomia, e nesse cenário, Fernando Collor de Melo é o pri-

meiro presidente eleito após longo período de ditadura militar.

Com a Constituição de 1988, as garantias e direitos fundamentais são colocados pio-

neiramente ante o próprio poder do Estado. Previu exaustivamente os direitos e ga-

rantias individuais e dedicou amplo espaço aos direitos sociais. Procurou definir a

estrutura do Estado, preocupada com sua principal função - a prestação de serviços

públicos. Para fundamentá-los, previu de forma explícita os princípios da legalidade,

moralidade, publicidade e impessoalidade. A EC 19/1998 introduziu mais um: o da

eficiência.

A Constituição Federal é um texto avançado e moderno que traz inovações importan-

tes para o constitucionalismo em geral. É chamada de Constituição Cidadã, vez que

teve ampla participação popular em sua elaboração e procurou definir os mais am-

plos direitos e garantias individuais e sociais.

Retornou à tradicional divisão dos poderes, independentes e harmônicos entre si, o

Legislativo, o Executivo e o Judiciário. Deu ênfase à cidadania, à dignidade da pessoa

humana, aos valores sociais do trabalho e da livre iniciativa. Afirmou que buscava a

soberania, a construção de uma sociedade livre, justa e solidária, garantindo o de-

senvolvimento, erradicando a pobreza e buscando a igualdade.

3. O PRINCÍPIO DA MORALIDADE

Toda e qualquer sociedade possui certos elementos constitutivos permanentes: união

de homens, finalidade comum, manifestações de conjunto ordenadas e a presença de

uma força de unidade, a autoridade.

A sociedade política não foge a isso e a mais perfeita delas, o Estado, é conduzido

por um governo - autoridade que o dirige, que detém o poder estatal. Este, como

ensina Miguel Reale, apresenta-se sob dois aspectos: político, que o faz capaz de

assegurar a eficácia dos objetivos que pretende atingir; e, jurídico, que emana do

direito e o efetiva para a concretização dos fins jurídicos, bem como para atuar con-

forme as regras de Direito.22

Esse “poder político de comando”, como define Canotilho,23 tem que cumprir pre-

ceitos e princípios para atingir a finalidade teleológica do Estado, que consiste no

bem comum, conceituado pelo Papa João XXIII, em sua Encíclica Mater et Magistra,

como “o conjunto de todas as condições de vida social que consintam e favoreçam o

desenvolvimento integral da personalidade humana”, como já escrevi em outro tra-

balho.24

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Na prática o “poder de comando”, a autoridade, se concretiza na Administração Pú-

blica que, para exercer, eficazmente, suas funções, sobrepõem o interesse público

sobre os interesses particulares.

Para controlar a Administração Pública no exercício de suas atividades e evitar abuso

de poder, consistente no seu excesso, ou desvio de finalidade, o ordenamento jurídi-

co impõe-lhe princípios, alguns explícitos, outros deduzidos de interpretação legal e

do contexto legislativo.

Como resume a doutrina italiana, “lo stato di diritto tende ad eliminare i rischi con-

nessi alla indeterminatezza dei limiti del potere”.25 O Brasil quis resguardar o com-

portamento da Administração Pública estabelecendo proposições norteadoras dos

parâmetros de atuação dos agentes públicos.

Os princípios regulam a atuação do Poder Público, determinam e limitam as funções

administrativas, garantindo o desenvolvimento e aperfeiçoamento do Estado, o bem-

estar dos cidadãos e o respeito aos seus direitos.

Os princípios firmam o equilíbrio dentro da própria estrutura estatal e entre o Estado

e seus cidadãos, e grifam a garantia dos direitos do homem frente ao querer coerciti-

vo do poder dos agentes públicos e dos órgãos que ocupam.

Os princípios têm expressiva significância no mundo jurídico, sendo complexa sua

compreensão, pois o termo abrange diversos significados, fato este que dificulta a

apresentação de um conceito único que expresse e delimite com precisão, o que se-

jam.

Cabe aqui também, trazer a noção de que princípio não é norma, não equivale a ela

uma vez que violar um princípio é muito mais grave do que transgredir uma norma.

Assim, o descumprimento de um princípio é a mais grave forma de ilegalidade ou

inconstitucionalidade, conforme esteja o princípio afrontado em leis ordinárias ou na

própria Constituição Federal, respectivamente.

“Denomina-se princípio toda proposição, pressuposto de um sistema, que lhe garante

a validade, legitimando-o. O princípio é o ponto de referência de uma série de pro-

posições, corolários da primeira proposição, premissa primeira do sistema.”26

É uma norma com dois elementos: elevado grau de generalidade e abstração, e valor,

conteúdo axiológico de norma (legalidade, moralidade...).

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Conforme os ensinamentos de Livia Maria Armentano Zago, imperam nos princípios

“unanimidade no reconhecimento da amplitude, da generalidade e da plasticidade

próprias e inerentes aos princípios”.27

A Constituição fixa os princípios básicos que estruturam todas as proposições subse-

qüentes. Traça regras básicas de todo ordenamento, alicerçando o arcabouço estatal.

Servem os princípios como parâmetros para a interpretação das demais normas jurí-

dicas, tendo a função de oferecer coerência e harmonia para o ordenamento jurídi-

co, possibilitando, nas hipóteses em que haja mais de uma norma, seguir àquela que

mais compatibilizar com os princípios elencados na Lei Maior.

Convém ressaltar que a doutrina tradicional distingue normas de princípios, e neste

sentido, Celso Antônio Bandeira de Mello entende que princípio é o “centro irradia-

dor, que integra e repercute em diversas normas, imbuída do conteúdo e do funda-

mento contido no princípio”.28 Assim, podemos verificar que o seu descumprimento

é muito mais grave do que o descumprimento de uma norma, uma vez que acarreta a

própria violação do espírito, do conteúdo, da harmonia do sistema e do aspecto man-

damental.

Traça a Constituição, em seu art. 37, caput, os princípios que a Administração Públi-

ca deverá obedecer, sob duas espécies: uns explícitos, hialinos, claros, expressos

formalmente; outros, implícitos, subentendidos no seu contexto.

“Art. 37. A administração pública direta ou indireta de qualquer dos Poderes da Uni-

ão, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios obedecerá aos princípios da le-

galidade, impessoalidade, moralidade, publicidade e eficiência (...)” (com redação

dada pela EC 19, de 04.06.1998).

Foi a primeira vez que o texto constitucional faz referência expressa àquilo que a

doutrina consagrava há muito tempo.

Dentre os princípios norteadores da Administração Pública previstos no caput do art.

37 da CF/1988, interessa-nos o da moralidade.

O princípio da moralidade foi sistematizado por Hauriou,29 nos Précis Élementaires

de Droit Administratif e desenvolvido pelo Conselho de Estado francês. Para o referi-

do autor, a moral comum é a imposta ao homem para sua conduta externa; a moral

administrativa é a imposta ao agente público para sua conduta interna, segundo as

exigências das instituições a que serve, e a finalidade de sua ação: o bem comum.

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O agente público deve saber distinguir não só o bem e o mal, o justo e o injusto, o

legal e o ilegal, o conveniente e o inconveniente, o oportuno e o inoportuno, mas

também o honesto e o desonesto.

É decorrência natural do fundamento das relações humanas para os romanos - hones-

to vivere.

Por este princípio, o ato administrativo não terá que obedecer somente à lei jurídica,

mas também à lei ética, moral da própria instituição, porque nem tudo aquilo que é

legal é honesto, conforme já proclamavam os romanos: non omne quod licet hones-

tum est.

Assim a moralidade do ato administrativo conjuntamente com a sua legalidade e fi-

nalidade, constituem pressupostos de validade, sem os quais toda atividade pública

será ilegítima.

Ensina Maria Sylvia Zanella Di Pietro30 “não é preciso penetrar na intenção do agen-

te, porque do próprio objeto resulta a imoralidade. Isto ocorre quando o conteúdo de

determinado ato contrariar o senso comum de honestidade, retidão, equilíbrio, justi-

ça, respeito à dignidade do ser humano, à boa-fé, ao trabalho, à ética das institui-

ções. A moralidade exige proporcionalidade entre os meios e os fins a atingir; entre

os sacrifícios impostos à coletividade e os benefícios por ela auferidos; entre as van-

tagens usufruídas pelas autoridades públicas e os encargos impostos à maioria dos

cidadãos. Por isso mesmo, a imoralidade salta aos olhos quando a Administração Pú-

blica é pródiga em despesas legais, porém inúteis, como propaganda ou mordomia,

quando a população precisa de assistência médica, alimentação, moradia, segurança,

educação, isso sem falar no mínimo indispensável à existência digna. Não é preciso,

para invalidar despesas desse tipo, entrar na difícil análise dos fins que inspiraram a

autoridade; o ato em si, o seu objeto, o seu conteúdo, contraria a ética da institui-

ção, afronta a norma de conduta aceita como legítima pela coletividade administra-

da. Na aferição da imoralidade administrativa, é essencial o princípio da razoabilida-

de”.

A moralidade administrativa ficou consagrada em nosso ordenamento jurídico, sendo

indispensável para que se obtenha o conceito do bom administrador.

3.1 PRINCÍPIO DA MORALIDADE E A LEI DE IMPROBIDADE ADMINISTRATIVA

O princípio da moralidade está intimamente ligado com a idéia de probidade admi-

nistrativa. Nos dizeres de Maurício Ribeiro Lopes31 “o velho e esquecido conceito do

probus e do improbus administrador público está presente na Constituição da Repú-

blica, que pune a improbidade na Administração com sanções políticas, administrati-

vas e penais”.

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A improbidade administrativa é o designativo técnico para a chamada corrupção ad-

ministrativa, que sob diversas formas, promove o desvirtuamento da Administração

Pública e afronta os princípios nucleares da ordem jurídica revelando-se pela obten-

ção de vantagens patrimoniais indevidas às expensas do erário, pelo exercício nocivo

das funções e empregos públicos, pelo “tráfico de influência” nas esferas da Adminis-

tração Pública e pelo favorecimento de poucos em detrimento dos interesses da soci-

edade.

A imoralidade administrativa surge como uma forma de ilegalidade, conseqüente-

mente, ao responsável pela prática de atos imorais, é cabível sua responsabilização

com base na Lei 8.429/1992, que dispõe sobre as sanções aplicáveis aos agentes pú-

blicos nos casos de enriquecimento ilícito no exercício de função pública e dá outras

providências.

A probidade administrativa consiste na correção de atitudes, na honradez, como de-

fine Marcello Caetano citado por José Afonso da Silva32 a probidade administrativa

consiste no dever de o “funcionário servir a Administração com honestidade, proce-

dendo no exercício das suas funções, sem aproveitar os poderes ou facilidades delas

decorrentes em proveito pessoal ou de outrem a quem queria favorecer”, ao contrá-

rio, a improbidade é a não observância das regras, o desvirtuamento da Administra-

ção Pública e conseqüente desrespeito a ordem jurídica provocada pela imoralidade

de condutas.

Para o agente ímprobo a Constituição Federal previu em seu art. 37, § 4.º, quatro

sanções diferentes, de aplicação simultânea, quais sejam: sanções administrativas -

perda da função pública; sanções políticas - suspensão dos direitos políticos e san-

ções civis - consistente na obrigação de ressarcir ao erário e declaração de indisponi-

bilidade dos bens.

Saliente-se que tais sanções são aplicáveis de acordo com as regras do art. 12 da Lei

8.429/1992, que prevê ainda sanções específicas para cada dispositivo violado, por

exemplo, a multa civil de até 100 vezes o valor da remuneração percebida pelo agen-

te; a proibição de contratar com o Poder Público ou mesmo receber incentivos fis-

cais, isso tudo sem prejuízo da sanção penal cabível ao caso.

3.2 MECANISMOS DE DEFESA DO PRINCÍPIO DA MORALIDADE

Os dois meios de controle da moralidade administrativa são a ação popular, prevista

na Constituição, em seu art. 5.º, LXXIII, utilizada para desconstituir atos lesivos à

moralidade administrativa, devendo ser subscrita por um cidadão, mediante prova da

cidadania, com título de eleitor e comprovante de votação de apresentação obrigató-

rios e, a ação civil pública, prevista na Lei 7.347/1985, como instrumento de defesa

dos direitos da coletividade, intimamente ligada à segurança jurídica, um dos sub-

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princípios básicos do próprio conceito de Estado Democrático de Direito, como ensina

Canotilho,33 e colocada como um dos valores supremos de uma sociedade fraterna,

pluralista e sem preconceitos, como o preâmbulo constitucional fixa.

Ensina Nelson Nery Junior que “a ação popular foi o primeiro instrumento moderno

para a tutela jurisdicional dos interesses difusos no direito brasileiro. Sua abrangên-

cia foi alargada pelo art. 5.º, LXXIII, da CF/1988 pela inclusão do meio ambiente co-

mo direito tutelado pela ação popular, bem como ficou explicita a garantia da mora-

lidade pública por meio da ação popular. Para promover ação popular somente está

legitimado o cidadão (eleitor que se encontra em gozo de direitos políticos, com ple-

na capacidade política ativa), ao passo que a ação civil pública só pode ser ajuizada

pelos legitimados na Lei da Ação Civil Pública, art. 5.º”.34

Desta maneira, “a criação da ação civil pública constitui um avanço do nosso ferra-

mental jurídico para conferir proteção a bens que, até então, escapavam, ao alcance

das ações comuns. Diríamos ao mesmo tempo em que a ação civil pública é a arma

mais forte de que se dispõe para dar combate aos desvios de toda sorte que se prati-

cam com sérios prejuízos no patrimônio público, no patrimônio social, no meio ambi-

ente e, de forma muito mais abrangente, nos interesses difusos e coletivos”.35

A ação civil pública possui o seu fundamento no art. 129, III, da CF/1988.

A disciplina infraconstitucional da ação está basicamente nos seguintes diplomas: Lei

7.347/1985; Código de Defesa do Consumidor (Dispõe sobre a proteção do consumi-

dor e da outras providencias); Estatuto da Criança e do Adolescente; Estatuto da Ci-

dade (Lei 10.257/2001); Lei 7.853/1989 (Dispõe sobre o apoio às pessoas portadoras

de deficiência, sua integração social, sobre a Coordenadoria Nacional para Integração

de Pessoa Portadora de Deficiência - Corde, institui a tutela jurisdicional de interes-

ses coletivos e difusos dessas pessoas, disciplina a atuação do Ministério Público, de-

fine crimes ...); Lei 7.913/1989 (Dispõe sobre a ação civil pública de responsabilidade

por danos causados aos investidores no mercado de valores mobiliários); Estatuto do

Idoso (Lei 10.741/2003); Súmula 643 do STF; o STJ tinha duas Súmulas, mas a 183 foi

cancelada, e a Súmula 329.

As ações coletivas lato sensu têm então, por finalidade, dotar o processo de maior

efetividade, trazendo decisões uniformes, assegurando, assim, não apenas o princípio

da igualdade, mas, sobretudo, a moralidade.

4. CONCLUSÕES

A moralidade é o complemento natural do princípio fundamental da legalidade. Os

atos administrativos só serão válidos se praticados segundo os padrões éticos da pro-

bidade e boa-fé.

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Como demonstra a história, embora não constante de texto expresso, a doutrina e a

jurisprudência consideraram o princípio da moralidade como pressuposto de validade

dos atos administrativos e princípio implícito nos textos constitucionais.

O STF, analisando o princípio da moralidade, manifestou-se no seguinte sentido: “po-

der-se-á dizer que apenas agora a Constituição Federal consagrou a moralidade como

princípio de administração pública (art. 37 da CF/1988). Isso não é verdade. Os prin-

cípios podem estar ou não explicitados em normas. Normalmente, sequer constam de

texto regrado. Defluem no todo do ordenamento jurídico. Encontram-se ínsitos, im-

plícitos no sistema, permeando as diversas normas regedoras de determinada maté-

ria. O só fato de um princípio não figurar no texto constitucional, não significa que

nunca teve relevância de princípio. A circunstância de, no texto constitucional ante-

rior, não figurar o princípio da moralidade não significa eu o administrador poderia

agir de forma imoral ou amoral. Como ensina Jesus Gonzáles Perez 'el hecho de su

consagración en uma norma legal no supone que con anterioridad no existiera, ni

que por tal consagración legislativa haya perdido tal carácter' (El princípio de buena

fe en el derecho administrativo. Madri, 1983, p. 15). Os princípios gerais de direito

existem por força própria, independentemente de figurarem em texto legislativo. E o

fato de passarem a figurar em texto constitucional ou legal não lhes retira o caráter

de princípio. O agente público não só tem que ser honesto e probo, mas tem que

mostrar que possui tal qualidade. Como a mulher de César”.36

Importante realizar o estudo dos acontecimentos anteriores para bem entender o

motivo pelo qual a Constituição Federal de 1988 introduziu explicitamente o princí-

pio sub examine em seu corpo.

“O estudo da evolução constitucional brasileira, do direito constitucional comparado

das diversas constituições brasileiras, poderá contribuir e, estamos certos, contribui-

rá, para encontrar a solução, o rumo, o norte, que o futuro reclama do presente.

Nossa história tem sido a busca de um grande destino para um grande país.”37

Nesta época, “com uma grave crise de valores” que Maria Garcia chama de “crise de

autoridade da lei”, na qual se olvida “os dois supremos valores do ser humano (...): a

vida, no plano natural (daí decorrendo a dignidade da pessoa e os direitos e garantias

humanos fundamentais); e a norma, no plano racional (daí decorrendo a coexistência

e a segurança sociais - a Paz). Ambos os valores pré-existem a nós e independentes

de nós”,38 importantíssima a inclusão do princípio da moralidade no texto expresso

da Constituição e da edição de normas garantidoras de sua efetividade.

BIBLIOGRAFIA

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2. Bastos, Celso Seixas Ribeiro; Martins, Ives Gandra da Silva. Comentários à Consti-

tuição do Brasil. São Paulo: Saraiva, 1988. vol. 1, p. 11.

3. Apud idem, p. 276.

4. Curso de direito constitucional positivo. 26. ed. São Paulo: Malheiros, 2006, p. 38.

5. Direito constitucional esquematizado. 10. ed. São Paulo: Método, 2006, p. 45.

6. Elementos da teoria geral do Estado. 19. ed. São Paulo: Saraiva, 1995.

7. Desobediência civil. 2. ed. São Paulo: Ed. RT, 2004.

8. Bastos, Celso Seixas Ribeiro; Martins, Ives Gandra da Silva. Op. cit., p. 284.

9. Apud Bandeira De Mello, Celso Antônio. Curso de direito administrativo. 24. ed.

São Paulo: Malheiros, 2007, p. 31.

10. Constant, Benjamin apud Caetano, Marcello. Direito constitucional, vol. 1, p.

503, apud Bastos, Celso Seixas Ribeiro. Op. cit., p. 286.

11. Op. cit., p. 75.

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12. A Constituição de 1824 apud Bastos, Celso Seixas Ribeiro Bastos. Curso de direito

administrativo, p. 291.

13. Pacheco, Cláudio. As Constituições do Brasil. Brasília: Instituto Tancredo Neves,

1987, p. 27.

14. Nogueira, Octaviano. A Constituição de 1891. Brasília: Fundação Projeto Rondon,

1986, p. 2.

15. Pacheco, Cláudio. Op. cit., p. 32.

16. Op. cit., p. 300.

17. Art. 187: “Esta Constituição entrará em vigor na sua data e será submetida ao

plebiscito nacional na forma regulada em decreto do Presidente da República”.

18. Comentários à Constituição do Brasil. São Paulo: Saraiva, 1988. vol. 1, p. 310.

19. Op. cit., p. 85.

20. A Constituição de 1946, publicado na monografia As Constituições do Brasil cit.,

p. 85.

21. Op. cit., p. 320.

22. Reale, Miguel. Teoria do direito e do Estado. 2. ed. São Paulo: Malheiros, 1960,

p. 106-107.

23. Canotilho, José Joaquim Gomes. Curso de direito constitucional. 5. ed. Coimbra:

Almedina, p. 90.

24. Ação civil pública: tutela constitucional dos interesses difusos, coletivos e indivi-

duais homogêneos. RDCI 60/174. São Paulo: Ed. RT, jul.-set. 2007.

25. Vergottini, Giuseppe de. Diritto costituzionale comparato. 4. ed. Padova: Ce-

dam, 1993, p. 261.

26. Cretella Júnior, José. Curso de direito administrativo, p. 6.

27. Zago, Livia Maria Armentano Koenigstein. O princípio da impessoalidade. Rio de

Janeiro: Renovar, 2000, p. 85.

28. Curso de direito administrativo. 8. ed. São Paulo: Malheiros, 1996, p. 546.

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29. Hauriou, Maurice. Derecho publico y constitucional. 2. ed. Madri: Réus, 1927.

30. Di Pietro, Maria Sylvia Zanella. Discricionariedade administrativa na Constituição

de 1988. São Paulo: Atlas, 1991, p. 111.

31. Lopes, Maurício Antonio Ribeiro. Ética e administração pública. São Paulo: Ed.

RT, 1993, p. 57.

32. Op. cit., p. 669.

33. Canotilho, José Joaquim Gomes. Op. cit., p. 384.

34. Constituição Federal comentada. São Paulo: Ed. RT, 2006, p. 476-477.

35. Bastos, Celso Seixas Ribeiro; Martins, Ives Gandra da Silva. Comentários à Consti-

tuição do Brasil, vol. 4, t. IV, p. 151.

36. STF, RE 160.381/SP, 2.ª T., v.u., rel. Min. Marco Aurélio, RTJ 153/1030.

37. Enciclopédia Saraiva do Direito. São Paulo: Saraiva, 1977. vol. 18, p. 356.

38. Juspositivismo do Século XXI: a norma como valor. RDCI 60, ano 15. São Paulo:

Ed. RT, jul.-set. 2007, p. 182.

Currículo Resumido:

LICÍNIA ROSSI CORREIA DIAS

PÓS-GRADUADA LATO SENSU PELA FACULDADE DAMÁSIO DE JESUS. ESPECIALISTA EM DIREITO

CONSTITUCIONAL PELA ESCOLA SUPERIOR DE DIREITO CONSTITUCIONAL. MESTRANDA EM DIREITO

CONSTITUCIONAL PELA PUC-SP. PROFESSORA DE DIREITO DA UNICAMP. MEMBRO DO IBDC.

ADVOGADA.

Como citar este texto:

DIAS, Licínia Rossi Correia. Publicado na Revista de Direito Constitucional (São Pau-

lo:RT) n.º 69, pág. 167 – out/dez-2009. Material da 1ª aula da disciplina Direito Cons-

titucional Aplicado, ministrada no curso de pós-graduação lato sensu televirtual em

Direito Público – UNIDERP/REDE LFG.

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O PRINCÍPIO CONSTITUCIONAL DA MORALIDADE E A PARTICIPAÇÃO POPULAR NA ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA

1 Introdução

Como consequência da constante transformação da sociedade, torna-se imperiosa a adequação das normas jurídicas sob pena de se verificarem enormes conflitos.

A reformulação das normas tem que ocorrer simultaneamente aos novos padrões de comportamento do indivíduo, porque o homem e a sociedade, de um dia para o ou-tro, alteram suas atitudes e concepções diante das circunstâncias inovadoras da soci-edade.

Se não se buscar a compatibilidade das normas com a realidade, o mundo jurídico vai restar fragilizado e o caos social instalado, no instante da decisão e resolução das divergências. Exemplo desse fenômeno encontra-se na aplicação e interpretação do princípio constitucional da moralidade.

O princípio da moralidade está previsto na Constituição Federal, promulgada em 1988, no art. 37, caput, com menção para sua observância obrigatória pela Adminis-tração Pública.

Ora, o aspecto moral é inerente ao indivíduo, sendo que foi no convívio com outros da mesma espécie que surgiu e se verifica seu crescimento, razão pela qual não há como desvincular a moral do meio social. Para conviver em sociedade se impõe aos integrantes um comportamento honesto, probo, justo, solidário, e estes fatores di-zem respeito à moral.

Analisa-se na doutrina a relevância da moralidade, para sua configuração na função administrativa da Administração Pública. Perpassa-se pela concepção de cidadania, com ênfase na observância deste princípio constitucional, em vista do interesse pú-blico que deve revestir todo e qualquer ato emitido pela Administração Pública.

Clama-se o exercício da condição de cidadão, com a apresentação dos meios legais de participação popular, para que haja o controle e respeito ao princípio da morali-dade no âmbito da Administração Pública, sem olvidar o bem-estar dos indivíduos.

2 Relevância da moralidade na ação administrativa

Face às atrocidades vistas diuturnamente envolvendo agentes públicos, com a dilapi-dação do patrimônio, corrupção, desvio de recursos do erário, entre tantos outros, ressurgiu na população o interesse pela coisa pública, pela sociedade, pelo bem-estar coletivo.

O Estado Democrático de Direito, que tem por fundamentos a soberania, a cidadania, a dignidade da pessoa humana, os valores sociais do trabalho e da livre iniciativa, o pluralismo político, onde o poder emana do povo e em seu benefício deverá ser exer-

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cido, o Estado, no uso das prerrogativas de sua função administrativa, deverá sempre que possível visar o atendimento dos interesses públicos, pois caso contrário estará violando um dos princípios fundamentais da unidade estatal, disposto no artigo 1º, parágrafo único, da Constituição Federal.1

Este posicionamento prevalece também quanto à moralidade, por quanto sua obser-vação e exigência na função administrativa tornam-se necessárias para a qualificação das atividades e dos agentes da Administração Pública, redirecionando o foco de atu-ação nos interesses da coletividade.

O Homem possui liberdade para agir como e onde quiser, seguindo suas intenções, ressalvadas as disposições do ordenamento legal. Já a Administração há de sujeitar-se ao disposto na lei; não é detentora de liberalidade, tal qual o possui o homem. “A liberdade administrativa cessa onde principia a vinculação legal”.2 Inserida nos limi-tes impostos pela lei, a vontade do administrador é dotada de liberdade. Fora destes parâmetros é manifestamente arbitrária.

Contudo, esclarece Delgado:3

A Administração Pública não está somente sujeita à lei. O seu atuar encontra-se su-bordinado aos motivos e aos modos de agir, pelo que inexiste liberdade de agir. De-ve, assim, vincular a gestão administrativa aos anseios e às necessidades do adminis-trado, mesmo que atue por autorização legal, como senhor da conveniência e da oportunidade. Qualquer excesso a tais limites implica adentrar na violação do princí-pio da moralidade administrativa sempre exigindo uma correta atividade.

Brandão4 assevera que, na Administração Pública, a questão moralidade é o elemento principiológico de suas ações. Elemento que norteia desde a intenção do agente, a motivação e finalidade do ato administrativo, até a efetivação dos serviços públicos.

A liberdade de ação do Estado está vinculada ao disposto na lei e condicionada aos princípios constitucionais, especialmente no que concerne ao bem comum: atingir sua finalidade sem desviar-se.

O dito bom administrador — e não só o administrador mas todas as pessoas envolvidas na causa pública — é aquele que na realização de suas atividades, cuja competência é determinada pela lei, atende não somente o disposto nas normas jurídicas adminis-trativas, mas observa e segue os princípios da boa conduta: moralidade, honradez, probidade, lhaneza. Neste sentido, Pallieri5 diz que:

[...] não há ação do homem, por mais insignificante que seja, que escape à regra moral e a respeito da qual a moral não se pronuncie, impondo-a ou proibindo-a, é evidente que não há um campo residual vazio em que possa construir-se a obrigação jurídica, e que, qualquer que seja a proibição ou o comando do direito, o homem encontrará, relativamente à mesma ação, também o comando ou a proibição da mo-ral.

Há a necessidade de conscientização de que a postura humana moral exige uma con-duta justa, reta, assumida por todos os homens na sua convivência em sociedade.

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A razão de existir do Estado está no fato de ser ele a expressão ideal e abstrata da sociedade e sua finalidade está na manutenção da ordem social, na prevalência do interesse público sobre o privado, no suprimento das necessidades da população, através da aplicação do Direito.

O que o Estado busca atender no exercício de suas funções continua sendo, desde os primórdios de sua existência, o interesse público, e assim sempre será para sua per-manência, caso contrário perde sua razão de existir como unidade. O Estado deve ter por escopo o interesse comum e não o individual ou de grupos. Dentro deste parâme-tro, deve conduzir as atividades a serem executadas pelos órgãos e entidades da Ad-ministração Pública.

A função administrativa corresponde precipuamente à “[...] atividade operativa do Estado, que tutela, de modo imediato, o interesse público”.6 No ordenamento jurídi-co vigente, compete à Administração Pública o exercício da função administrativa, e via de consequência a responsabilidade de prover o interesse público de forma con-creta, direta, contínua e imediata.

A função administrativa constitui-se em atividade exercida diretamente pelo Estado ou por quem o represente na relação jurídica ou autorizada através de atos adminis-trativos para a execução das finalidades constantes no ordenamento jurídico.7

A atividade em que consiste a função administrativa apresenta como característica essencial buscar a satisfação dos fins próprios do Estado, destaca-se o atendimento das necessidades da coletividade, contudo não poderá se esquivar de observar a mo-ralidade que permeia os atos necessários para atingir os fins colimados pelo Estado.

“Caberá à Administração Pública, no seu dia-a-dia, interpretar o interesse público, para aplicá-lo às hipóteses da realidade viva”.8 Ou seja, no desempenho de seu ofício peculiar, cabe à Administração Pública identificar e satisfazer os interesses coletivos.

3 A prevalência da cidadania na Administração Pública

A observância dos valores morais pelo Estado é antiga, mas sua inclusão expressiva em nosso ordenamento positivo, como princípio constitucional de atendimento obri-gatório pelo Estado, é recente, deu-se com a Constituição Federal de 1988 (art. 37, caput), configurando-se especialmente com a participação popular, condição indis-pensável de cidadania.

O aspecto da moralidade administrativa enquadra-se como um instituto jurídico atu-al, se levado em consideração que somente a partir de 1988 tornou-se de observância obrigatória para a Administração Pública, e obteve, como reação dos indivíduos fren-te às imoralidades, a participação dos cidadãos nos atos preconizados e executados pelo Estado, estimulando o controle eficaz das ações dos agentes públicos frente ao interesse da coletividade.

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Esta tomada de parte do indivíduo nas ações do Estado vem significar uma prestação de contas da atuação dos agentes públicos frente aos fins preconizados pelo Estado, no uso do erário para atingir as metas estabelecidas no plano de governo.

Há uma transformação do ente Estado. O indivíduo não depende mais da vontade do Estado, este é que deve se adequar ao novo perfil do indivíduo que possui qualidades permanentes e pessoais dos componentes da coletividade, denominados cidadãos, enquanto àquele compete regular as inúmeras relações sociais de seus integrantes.

O termo cidadania origina-se do latim civitas. Para os romanos, civitate significava o conjunto de cidadãos que formavam uma cidade. Civitas possui igual significado de polis, ou seja, político. Portanto, a cidade se constituía na sociedade organizada po-liticamente, sendo o status civitatis a condição de ser cidadão.

Cidadania é um vínculo político, inerente ao nacional no pleno exercício de seus di-reitos políticos, que lhe proporciona o direito de participar da vontade política do Estado.

Uma conceituação de cidadania com relevante conteúdo encontra-se nas lições de Pallieri,9 que afirma:

A relação de cidadania constrói-se, portanto, com base num duplo pressuposto: que haja um ordenamento estadual, isto é, um ordenamento político, que regule, com-plexiva e unitariamente, todas as relações sociais de um determinado grupo humano; e que a pertinência a esse grupo seja determinada, não pela coexistência num terri-tório, mas por qualidades pessoais e permanentes daqueles que o compõe.

A cidadania exige que o membro da sociedade participe efetivamente do processo de construção e condução desta, tendo acesso aos mecanismos de deliberação e execu-ção presentes nas diversas ações do Estado.

Verifica-se que “o conceito de cidadão nasce quando uma certa moral social e impo-sitiva do Estado cede lugar também e concomitantemente a uma moral individual. Os sujeitos deixam de possuir apenas deveres, para passarem a possuírem também direi-tos”.10

Falar em cidadania, há que se aliar ao discurso os mecanismos de sua efetivação. Um dos mecanismos que possui o indivíduo para exercitar o seu poder de cidadão frente ao Estado dá-se através dos instrumentos de escolha das pessoas que tornarão con-cretos os atos praticados pelo Estado. O Estado materializa seus atos através de pes-soas, ocupantes dos cargos ou funções que detêm o poder que do Estado emana.

Clève11 ressalta que “o controle dos cidadãos sobre o Estado se efetua no momento do voto. Nesta hora a nação comparece às urnas, como detentora da soberania, para depositar sua vontade (a vontade geral) nas mãos daqueles que serão eleitos seus mandatários”.

A cidadania é condição de existência do Estado:

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[...] cidadania não consiste na titularidade de este ou daquele direito, ou de este ou daquele dever. A cidadania, repetimos, é um status jurídico, que, portanto, existe intuitu personae e de um modo permanente, e que é a premissa para uma grande série de relações de deveres e direitos, que são apreciados em conjunto, de acordo com aquilo que, todos eles juntos, significam para o indivíduo que deles está investi-do: esse significado é a plena participação num ordenamento político, isto é, num ordenamento que abarque a totalidade das relações sociais dos consorciados, como é o caso do Estado.12

A cidadania exige que cada indivíduo tenha plenas condições de participação na construção e gestão do contexto social em que se encontra inserido. É preciso, para ser cidadão, que o homem seja o agente principal de sua história. Ela assegura ao indivíduo a efetiva participação no social.

O conteúdo do termo cidadania na Constituição de 1988 passou a ter um sentido mais amplo, estendendo-se para além da sua projeção política e jurídica. Anuncia que é princípio fundamental do Estado Democrático de Direito da República Federativa do Brasil, dentre outros, a Cidadania (artigo 1º, inciso II).

O termo cidadania é mais amplo que o sentido comum de entender por cidadão a pessoa titular de direitos políticos.

A cidadania está aqui num sentido mais amplo do que o de titular de direitos políti-cos. Qualifica os participantes da vida do Estado, o reconhecimento do indivíduo co-mo pessoa integrada na sociedade estatal (art. 5º, LXXVII). Significa aí, também, que o funcionamento do Estado será submetido à vontade popular. E aí o termo conexa-se com o conceito de soberania popular (parágrafo único do art. 1º), com os direitos políticos (art. 14) e com o conceito de dignidade da pessoa humana (art. 1º, III), com os objetivos da educação (art. 205), como base e meta essencial do regime democrá-tico.13

Está assegurado nas garantias fundamentais da Constituição Brasileira o direito à ci-dadania, que deve ser compreendida como sendo não apenas a oportunidade de par-ticipação política no Estado, mas sim a garantia de ver respeitada integralmente a própria Lei Maior e os Princípios Fundamentais.

4 Participação popular na Administração Pública

Com a primazia do Estado na gestão dos interesses sociais, cresceu a busca por uma Administração Pública honesta, transparente e democrática, em que o indivíduo pos-suísse liberdade de fato para exercer sua participação.

A participação do povo é um direito imprescindível para o bom funcionamento do Estado, de modo a direcionar as políticas públicas ao bem comum, culminando na plena democracia. “Tal direito, portanto, determina uma maior contribuição dos cidadãos na tomada de decisões referentes ao Estado. Fala-se, destarte, em proces-sualização das decisões administrativas e da formação de sua vontade.”14

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Despertada a consciência de responsabilidade social, a preocupação com o coletivo e o tão importante resgate da cidadania em vista desta conscientização da participa-ção popular nos negócios do Estado, torna-se inerente o senso de moralidade no ho-mem, transferindo a definição dos valores que possui como um ser moral para os agentes envolvidos e para as ações executadas pela Administração Pública no desem-penho de sua “função administrativa”.15

Wolkmer16 esclarece que esta tomada de parte dos cidadãos no Estado expressa “a sociedade civil organizada pela plena participação democrática e pelo autêntico exercício da cidadania popular”. Com efeito, Schier17 diz: “[...] o direito de partici-pação contribui para a alteração do poder e para a mudança das relações de domí-nio, é um direito que une e integra os homens, transformando-os em uma comunida-de de sujeitos ativos”.

Da necessidade de acomodação do homem num espaço constituído, torna-se inerente na conduta humana a vontade de participar da organização desta instituição, mol-dando-a de acordo com suas ideias e expectativas, gerando os recursos indispensáveis para a sua vida e para a convivência em sociedade.

Nader18 sintetiza essa ideia dizendo que a vida em sociedade constitui-se num pro-cesso de adaptação em que, “para atingir a plenitude do seu ser, o homem precisa não só da convivência mas da participação na sociedade. Do trabalho que esta pro-duz, o homem extrai proveitos e se realiza não apenas quando aufere os benefícios que a coletividade gera, mas principalmente quando se faz presente nos processos criativos”. E é em comunidade que o homem manifesta as virtudes que possui, valo-res estes de respeito, honestidade, justiça, imprescindíveis na prática do bem e na convivência com outros seres.

Nos dias de hoje, os valores morais são observados e cobrados pelos cidadãos para controlar as ações dos representantes do povo, com forte suporte nas normas legais, nas quais cada vez mais se evidenciam, sobretudo para a permanência do Estado, haja vista que o indivíduo está inserido em seu contexto e desta feita deve preservar, defender, controlar, resguardar pelos meios que possui a vida do Estado, pois se este se desfaz, desestrutura-se tanto um quanto o outro (Estado e Homem).

Modesto19 sintetiza a participação popular como:

[...] interferência no processo de realização da função administrativa do Estado, implementada em favor de interesses da coletividade, por cidadão nacional ou re-presentante de grupos sociais nacionais, estes últimos se e enquanto legitimados a agir em nome coletivo. (Grifos do autor)

O direito de participação concretiza a democracia, manifestando-se por meio de normas que possibilitem aos cidadãos a interferência nas decisões das atividades do poder públicas, levando em consideração o bem comum da coletividade.20

O mais significativo dispositivo que assegura o direito de participação para a socieda-de brasileira encontra-se presente no art. 1º, da Constituição Federal de 1988, dan-

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do-lhe a natureza de direito fundamental e situando-o concretamente a partir de sua dupla dimensão: “a democrática (na qual ele concretiza o princípio Democrático) e de controle (na qual ele efetiva o princípio do Estado de Direito)”.21

Cléve apud Schier22 apresenta o panorama dos instrumentos de participação, não se restringindo unicamente ao âmbito da Administração Pública, abrangendo todas as formas de influência dos cidadãos na Administração, nos termos da Constituição de 1988, classificando a participação popular de acordo com a atividade exercida pelo cidadão no uso deste direito.

A primeira modalidade de participação trata da condição do cidadão como eleitor, “é através do voto direito que se perfaz o controle mais direto do poder público pela população”.

A representação e defesa dos interesses da sociedade é legitimada indiretamente pelos cidadãos a certas pessoas que em nome do povo tomarão decisões no governo, garantindo desta forma a participação popular nos assuntos estatais, controlando as atuações dos representantes do povo, as quais deverão ser legítimas e morais, res-pondendo aos anseios da comunidade.

Constitui-se a segunda modalidade aquela que reconhece o cidadão como agente do poder, incluindo todos os cidadãos que ingressam como servidores no poder público, após aprovação em concurso e consequente nomeação (cargos efetivos) ou de mera nomeação (cargos em comissão) ou quando houver contratação por tempo determi-nado para atender a necessidade temporária de excepcional interesse público.

Identifica a terceira modalidade o cidadão enquanto colaborador na gestão privada de interesses públicos, nesta encontram-se os casos de delegação de serviços públi-cos a particulares (mediante concessão, permissão e autorização), subscrição pelo particular de ações de sociedade de economia mista, no exercício de funções e car-gos honoríficos, no trabalho em conjunto com a defesa civil, nos casos de catástrofe e calamidades, na prática de mutirões para a construção de obras públicas ou de in-teresse público e na participação em conselhos ou colegiados de órgãos públicos.23

A quarta modalidade é denominada de participação do cidadão seduzido, mediante a realização de ação conjunta Estado e cidadão com finalidade pública, tais como, isenções fiscais, concessão de crédito, doação de imóvel, entre outras.

Reconhece a quinta modalidade o cidadão como censor, refere-se às hipóteses em que “o constituinte legitimou o cidadão para exercer diretamente o controle das ati-vidades do poder público”. Tem-se o direito de petição, previsto no art. 5º, XXXIV, da CF/88, tendo como espécie o direito de reclamação. O cidadão-censor atua também no âmbito do Poder Judiciário, tendo em vista a legitimidade reconhecida aos indiví-duos pela Carta magna para a proposição de ações que visam ao controle das ativida-des do poder público. Aqui encontra-se a ação popular (art. 5º, LXXIII), a ação de inconstitucionalidade genérica ou por omissão, a ação civil pública, o mandado de segurança coletivo.

Uma última modalidade de participação “[...] traduz a atuação do cidadão como propriamente participante” do Estado. “Esta modalidade é essencial para a instru-

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mentalização da democracia material no âmbito do poder público”, tanto em termos políticos, quanto administrativos. No território político, reconhece que a participa-ção direta do cidadão pode ser exercida através do plebiscito, do referendo e da ini-ciativa popular, previstos no art. 14 da Constituição Federal de 1988.

Já no território administrativo, inicialmente verifica as situações em que “ocorre uma participação de fato, ou seja, não é regulada pelo direito, mas que, de uma forma ou de outra, influencia na decisão administrativa”. Enquadram-se neste tipo de participação popular os movimentos populares, os movimentos sociais reivindican-tes, as manifestações de rua, a coleta de opinião, o debate público. Quanto às for-mas reguladas de participação no âmbito administrativo, a CF/88 refere-se às seguin-tes: a garantia de participação dos trabalhadores e empregadores nos colegiados de órgãos públicos de seu interesse (art. 10); a eleição de um representante dos empre-gadores, em empresas que contem com mais de duzentos empregados, para promo-ver o entendimento direito com os empregadores (art. 11); a participação dos inte-ressados na gestão administrativa da previdência social (art. 194); a gestão democrá-tica do ensino (art. 206, VI); a possibilidade de participação da comunidade na defe-sa do patrimônio cultural brasileiro (art. 216, §1º); a cooperação de associações re-presentativas no planejamento municipal (art. 29, X).24

Outros institutos que permitem o direito de participação na esfera administrativa, que a Carta Magna de 1988 propiciou ambiente para se desenvolverem são: a audiên-cia pública e o ombudsman. No Brasil não existe previsão constitucional para este instituto, porém suas funções acham-se previstas na CF/88, como por exemplo Tribu-nal de Contas, Ministério Público e Comissões do Congresso Nacional.25

Considera-se como formas do direito de participação o inquérito civil e a denúncia aos tribunais ou conselhos de contas.26

É pela participação dos homens nas mais diversas ações e funções realizadas pelo Estado que os valores e princípios mais nobres do ser humano se difundem e vingam dentro desta instituição. A democracia permite essa liberdade de atuação da popula-ção junto ao aparelho estatal, por este motivo valores morais são mais fáceis de se-rem encontrados no ordenamento jurídico em Estados que possuem este tipo de re-gime de governo, bem como em geral são encontrados agentes públicos mais com-prometidos e prudentes em suas ações, preocupados com a causa pública, pois a co-letividade se rebela a favor de seus interesses.

Afirma Rossati27 que “En una escala asociativa que comienza en la familia y culmina en el Estado el hombre despliega las potencialidades de su naturaleza, desarolla su ‘humana’ finalidad y alcanza su felicidad”. Aprimorar sua finalidade humana significa que o indivíduo deverá praticar os valores de justiça, probidade, honestidade e inte-gridade, valores estes responsáveis para viver em sociedade e atingir a felicidade, que vem a significar o bem-estar individual de cada pessoa e dentro da(s) institui-ção(ões) a que pertencer.

No Estado, tanto no exercício de suas funções quanto na condução do ordenamento jurídico, o bem preconizado não deverá ser o bem dos que detêm o poder de autori-dade, mas deve sim visar ao bem de toda a coletividade.

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Enfatiza-se que respeitar o interesse público como princípio e observar a sua obriga-toriedade é condição de preservar e defender o Estado, portanto este interesse:

Representa tão-somente a indução legítima (limitada por imperativos de justiça) de que se subordinem as condutas e os bens particulares ao interesse geral digno desse nome, o qual também haverá de se configurar com o interesse lícito de cada cida-dão, quiçá na realização da velha esperança de que o Estado, que somos nós, venha a existir como legítima corporificação de uma vontade igualmente nossa, não de ver-tentes grupusculares que almejam destruir incessantemente a sutil teia onde se er-gue a construção da polis.28

O interesse público é invariável, o que se alterou no decorrer do tempo e ainda se modifica de acordo com a circunstância vivenciada pelos indivíduos é a competência determinada pelo Estado para seu atingimento. Neste sentido afirma Lima29 que “O fim, e não a vontade do administrador domina todas as formas de administração.”

Foi com a participação popular, condição de cidadania, através da fiscalização, que o Estado teve que redirecionar suas ações visando à eficiência na prestação dos servi-ços públicos para assegurar e satisfazer aos anseios e necessidades da população.

As ações tomadas e executadas pela Administração Pública não devem primar somen-te pela eficiência, há que estar baseada na moralidade, probidade, impessoalidade, transparência, publicidade, razoabilidade, princípios estes assegurados pela lei, o qual vincula toda a ação administrativa, influenciando desde a intenção até o objeti-vo visado na execução dos serviços públicos, que deverá transparecer a finalidade pública, garantindo o bem comum.

Face ao processo de democratização e participação popular, compete ao Estado pro-ver e satisfazer as necessidades do homem na execução dos serviços públicos, cujo próprio nome indica são serviços realizados em prol do povo, para o bem-estar da coletividade.

A participação da população na gestão pública enaltece o senso de cidadania, des-pertando o exercício dos direitos por parte dos cidadãos, fortalecendo e aprimorando a função da moralidade, tão visada na Administração Pública, colaborando com o engrandecimento das instituições políticas.

5 Conclusão

A Administração Pública apresenta sua ação pautada por princípios, sejam os expres-sos constitucionalmente — legalidade, impessoalidade, moralidade, publicidade e eficiência —, os constantes em legislações específicas,30 bem como outros que estão implícitos31 no sistema jurídico.

A moral administrativa pressupõe a honestidade na conduta e nas intenções do admi-nistrador público, que deverá seguir os fins preconizados pela instituição, quer dizer, o bem-estar dos indivíduos que compõem a sociedade.

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Na lição de Figueiredo32 o “princípio da moralidade vai corresponder ao conjunto de regras de conduta da Administração que, em determinado ordenamento jurídico, são consideradas os ‘standards’ comportamentais que a sociedade deseja e espera”.

Em todas as atividades realizadas pela Administração Pública, há que prevalecer o interesse dos indivíduos, ou seja, o bem comum, fim preconizado pelo Estado. Con-comitantemente, desde o instante em que a lei é elaborada até a sua fiel execução, deverá estar presente este princípio que vincula toda a função administrativa.

Para Pazzaglini: “A moralidade significa a ética da conduta administrativa; a pauta de valores morais a que a Administração Pública, segundo o corpo social, deve sub-meter-se para a consecução do interesse coletivo.”

A ação administrativa em desacordo com a norma e os princípios constitucionais que são de observância obrigatória traz por consequência, aos responsáveis, seja os agen-tes públicos ou terceiros envolvidos, responsabilidades decorrentes de sua ação con-trária ao interesse público tutelado.

A função precípua do administrador público é promover o bem comum, por meio das funções administrativas alcançar o interesse público.

Neste contexto, Mello33 se manifesta:

De acordo com o princípio da moralidade, a Administração e seus agentes têm de atuar na conformidade de princípios éticos. Violá-los implicará violação ao próprio direito, configurando ilicitude que sujeita a conduta viciada à invalidação, porquanto tal princípio assumiu foros de pauta jurídica, na conformidade do art. 37 da Consti-tuição.

Quando a Administração Pública, no exercício da sua função age em desacordo com o princípio da moralidade, ainda que o mesmo esteja de acordo com a lei, prejudica a ética, a probidade, a boa-fé, a honestidade, a lisura e a moral de sua função básica.

Relata Di Pietro34 que, se o administrador público ou os administrados envolvidos atuarem em desacordo com os princípios de honestidade, retidão, equilíbrio, justiça e regras de boa Administração, atacarão sobremaneira o princípio da moralidade ad-ministrativa.

A população é a legítima titular do poder político e o exerce por meio de seus repre-sentantes eleitos direta ou indiretamente (art. 1º, parágrafo único, da Constituição Federal) que possuem a tarefa precípua de, em nome do povo, no exercício de sua atividade legislativa, alcançar os interesses da coletividade.

Com a conscientização dos indivíduos e o exercício da cidadania, através da partici-pação popular, será viável atingir a finalidade do Estado, quer seja o interesse públi-co, ou os princípios norteadores da Administração Pública, notadamente o princípio da moralidade administrativa.

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The Constitutional Principle of Morality and Popular Participation on the Public Administration

Abstract: The administrative morality situates as an innovatory juridical institution, considering that, only with the Federal Constitution of 1988 it became obligatory for the Public Administration. The individuals started to matter with the moral factor, facing the existing immoralities on the public scenery, which generates the need of the citizens’ effective participation on the actions advocated and executed from the State. The actions of the Public Administration must be according to the principles and values that the individual or the society in a certain time and space has. When the individuals gather together in order to make their lives better, arises the need to fulfill their desires, achieve their goals and develop. The morality as constitutional principle of the Public Administration must be in the execution of the administrative function and in the essential will of the State: the public interest. The effective citi-zenship exercise by the individuals is primordial in order to be verified the respect and deference of the moralities on the ambit of Administration and this is concluded through the varied instruments disposed on the juridical regulation of popular partic-ipation on the public management. Practicing the citizenship assures the individual the effective participation on the State business and it is an effective mean of con-trol of public agents’ actions to the interest of collectivity.

Key words: Administrative morality. Citizenship. Popular participation.

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Chapecó/SC, agosto de 2008.

Recebido em: 21.07.09

Aprovado em: 19.11.09

1 “Art. 1º - A República Federativa do Brasil, formada pela União indissolúvel dos Es-tados e Municípios e do Distrito Federal, constitui-se em Estado Democrático de Di-reito e tem como fundamentos: I - a soberania; II - a cidadania; III - a dignidade da pessoa humana; IV - os valores sociais do trabalho e da livre iniciativa; V - o pluralis-mo político. Parágrafo único - Todo o poder emana do povo, que o exerce por meio de representantes eleitos ou diretamente, nos termos desta Constituição.”

2 TÁCITO. A administração e o controle da legalidade. Revista de Direito Administra-tivo, v. 37, p. 01.

3 DELGADO. Princípio da moralidade administrativa e a Constituição Federal de 1988. Revista Trimestral de Direito Público, v. 1, p. 212-213.

4 BRANDÃO. Moralidade administrativa. Revista de Direito Administrativo, v. 25, p. 23.

5 PALLIERI. A doutrina do Estado, v. 1, p. 14.

6 FIGUEIREDO. Curso de direito administrativo, p. 30.

7 OLIVEIRA. Ato administrativo. 4. ed., p. 40.

8 BORGES. Interesse público: um conceito a determinar. Revista de Direito Adminis-trativo, v. 205, p. 109.

9 PALLIERI. A doutrina do Estado, v. 1, p. 78.

10 OLIVEIRA JUNIOR. O novo em direito e política, p. 91.

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11 Clève. Temas de direito constitucional (e de teoria do direito), p. 17.

12 PALLIERI. A doutrina do Estado, v. 1, p. 84-85.

13 SILVA. Curso de direito constitucional positivo. 19. ed., p. 108.

14 SCHIER. A participação popular na Administração Pública: o direito de reclamação, p. 74.

15 BANDEIRA DE MELLO. Curso de direito administrativo, 11. ed., p. 31. Diz o autor que a Administração Pública exerce função: a função administrativa. Em suas pala-vras “Quem exerce ‘função administrativa’ está adscrito a satisfazer interesses pú-blicos, ou seja, interesses de outrem: a coletividade.”

16 Wolkmer. Elementos para uma crítica do Estado, p. 59.

17 Schier. A participação popular na Administração Pública: o direito de reclamação, p. 74.

18 Nader. Introdução ao estudo do direito. 15. ed., p. 21.

19 Modesto. Participação popular na Administração Pública: mecanismos de operacio-nalização. Revista Eletrônica de Direito do Estado, Salvador, n. 2.

20 SCHIER. A participação popular na Administração Pública: o direito de reclamação, p. 75.

21 SCHIER. A participação popular na Administração Pública: o direito de reclamação, p. 76.

22 Os parágrafos seguintes terão por base os ensinamentos de CLÈVE apud SCHIER. A participação popular na Administração Pública: o direito de reclamação, p. 111-129.

23 SCHIER. A participação popular na Administração Pública: o direito de reclamação, p. 113-116. Os colegiados são também denominados Conselhos e têm guarida na Constituição Federal de 1988. Moreira Neto diz que “as legislações ordinárias pode-rão criar colegiados públicos como órgãos permanentes na estrutura da Administra-ção Pública, tanto federal, como estadual e municipal, desde que a iniciativa seja dos respectivos Chefes do Poder Executivo, nos termos do art. 61, §1º, II, ‘e’ c.c. o art. 48, XI, da CF/88”. Neste sentido, encontra-se o art. 89, VII, da CF/88, que prevê a criação do Conselho da República, já na legislação infraconstitucional, como exem-plo tem-se a previsão do Conselho Nacional da Educação, o Conselho de Defesa dos Direitos Humanos, o Conselho Tutelar, além de órgãos colegiados nas universidades, com representantes do corpo docente, discente e funcionários. Assim, os conselhos são instrumentos que auxiliam a concretização da democracia na medida em que são locus de debate de questões relevantes para a comunidade, servindo, portanto, a “instrumentalizar as mais diversas vozes sociais”.

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24 Schier. A participação popular na Administração Pública: o direito de reclamação, p. 121-123. Com relação à coleta de opinião esclarece que “[...] através dos meios de comunicação podem ser realizadas pesquisas ou enquetes que visam recolher opi-niões e preferências da população quanto a um determinado assunto”. Quanto ao debate público, a autora diz que ele “[...] cria nos cidadãos um espaço de discussão, cujos conteúdos podem melhor direcionar a tomada de decisões pelos administrado-res, num sentido de melhor atender o interesse público”.

25 SCHIER. A participação popular na Administração Pública: o direito de reclamação, p. 124-127. É através da audiência pública que “[...] é assegurado ao cidadão o direi-to de ser ouvido e, com isso, influenciar na tomada de decisões na esfera administra-tiva, interferindo na elaboração de projetos, políticas e regulamentos”. Quanto ao ombudsman, denominado de mediador na França, ouvidor-geral ou defensor do povo na Espanha, “trata-se de um órgão de proteção dos cidadãos relacionado ao Parla-mento e que tem sua competência direcionada ao controle das atividades da Admi-nistração Pública”.

26 MOREIRA NETO apud SCHIER. A participação popular na Administração Pública: o direito de reclamação, p. 128-129.

27 Rossati. Teorias sobre el origen y justificación del Estado. Revista de Direito Cons-titucional e Internacional, v. 35, p. 52.

28 FREITAS. O controle dos atos administrativos e os princípios fundamentais. 2. ed., p. 55.

29 Lima. Princípios de direito administrativo brasileiro. 5. ed., p. 22.

30 Por exemplo, na Lei nº 9.784, de 29.01.99, art. 2º encontram-se: legalidade, fina-lidade, motivação, razoabilidade, proporcionalidade, moralidade, ampla defesa, con-traditório, segurança jurídica, interesse público e eficiência; na Lei nº 8.666, de 21.06.93, art. 3º, tem-se os princípios da legalidade, da impessoalidade, da morali-dade, da igualdade, da publicidade, da probidade administrativa, da vinculação ao instrumento convocatório, do julgamento objetivo.

31 BERTONCINI. Principiologia de direito administrativo, f. 243-263. A doutrina apon-ta como princípios ao direito administrativo: presunção de legalidade ou legitimida-de, da autoexecutoriedade, obrigatoriedade de desempenho da atividade pública (poder-dever), boa-fé, especialidade, responsabilidade do Estado, controle jurisdici-onal dos atos administrativos, da licitação, da prescritibilidade dos ilícitos adminis-trativos, da economicidade, da legitimidade, da defesa do consumidor dos serviços públicos, da oficialidade, do devido processo legal, da recorribilidade, prestação de contas. E da jurisprudência houve a contribuição dos princípios da vedação de vincu-lação ou equiparação de vencimentos e do concurso público.

32 Figueiredo. Curso de direito administrativo, p. 49.

33 BANDEIRA DE MELLO. Curso de direito administrativo. 11. ed., p. 69.

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34 Di Pietro. Direito administrativo. 11. ed., p. 79.

Currículo Resumido:

DEISEMARA TURATTI LANGOSKI

Mestre em Direito Público pela UFPR. Advogada. Professora do curso de Direito da Universidade Comunitária Regional de Chapecó.

Como citar este texto:

LANGOSKI, Deisemara Turatti. O princípio constitucional da moralidade e a participa-ção popular na Administração Pública. Biblioteca Digital A&C – Revista de Direito Administrativo & Constitucional, Belo Horizonte, ano 9, n. 38,out./dez. 2009. Dispo-nível em: <http://www.bidforum.com.br/bid/PDI0006.aspx?pdiCntd=64218>. Acesso em: 4 abril 2012. Material da 1ª aula da disciplina Direito Constitucional Aplicado, ministrada no curso de pós-graduação lato sensu televirtual em Direito Público – UNI-DERP/REDE LFG.