proposta de organização da administração direta para a ... consad/painei… · resumo ......
TRANSCRIPT
III Congresso Consad de Gestão Pública
PROPOSTA DE ORGANIZAÇÃO DA ADMINISTRAÇÃO
DIRETA PARA A GESTÃO POR RESULTADOS
Marianne Nassuno
Painel 12/048 Governança para resultados: metodologias e experiências recentes
PROPOSTA DE ORGANIZAÇÃO DA ADMINISTRAÇÃO DIRETA PARA A GESTÃO POR
RESULTADOS
Marianne Nassuno
RESUMO O texto apresenta o projeto “Descentralização da Ordenação de Despesas”, concebido para, em complemento ao planejamento estratégico, implantar a gestão de resultados e gerar a “autonomização com responsabilização”. Sua proposição parte da percepção de que no Governo federal, seja pela não aplicação dos modelos institucionais da Reforma do Aparelho do Estado de 1995, seja pela sua insuficiência, não ocorreu difusão de modelos institucionais adequados para a gestão por resultados, que muitas vezes passou a ser desenvolvida por estruturas próprias para atuar segundo a lógica da gestão por procedimentos. O texto, além de apresentar os instrumentos concretos que viabilizaram a implantação da gestão por resultados em termos de: (a) descentralização do processo de decisório, (b) flexibilização de recursos com cobrança de responsabilidade de gestores, (c) utilização de planejamento estratégico, (d) otimização de processos administrativos, e (e) sistemas de monitoramento da gestão, prestação de contas e avaliação, faz previamente uma discussão sobre a relação entre a noção de resultado, o Estado de bem estar social e o conceito de igualdade que busca assegurar, em contraposição ao Estado liberal. Ao final, tece considerações sobre as qualificações e ethos do dirigente público, daquele que assume responsabilidade sobre o programa e seus recursos, como um tema, cuja análise carece de aprofundamento.
SUMÁRIO
INTRODUÇÃO........................................................................................................... 03
SISTEMAS DE MONITORAMENTO DA GESTÃO, PRESTAÇÃO DE CONTAS E AVALIAÇÃO........................................................................................................... 12
FLEXIBILIZAÇÃO DE RECURSOS COM COBRANÇA DE RESPONSABILIDADE DE GESTORES......................................................................................................... 13
DESCENTRALIZAÇÃO DA TOMADA DE DECISÃO COM MANUTENÇÃO DA COERÊNCIA E SINERGIA NA CONDUÇÃO DA POLÍTICA PÚBLICA SETORIAL.... 15
UTILIZAÇÃO DE PLANEJAMENTO ESTRATÉGICO NAS ORGANIZAÇÕES PÚBLICAS..................................................................................................................16
OTIMIZAÇÃO DOS PROCESSOS ADMINISTRATIVOS.......................................... 17
CONSIDERAÇÕES FINAIS....................................................................................... 19
REFERÊNCIAS.......................................................................................................... 23
3
INTRODUÇÃO
A orientação das ações no setor público para o alcance de resultados e
não apenas para o cumprimento de procedimentos disciplinados pela legislação
representa uma importante quebra de paradigma na condução dos negócios
públicos trazida por processos de reforma do Estado ocorridos em diversos países
do mundo a partir da década de oitenta. Tais processos de reforma do Estado
marcam o advento da “administração por resultados” em substituição à
“administração por processos”, complemento conceitualmente necessário, embora
desenvolvido posteriormente, no âmbito da gestão pública, da transformação do
Estado liberal, garantidor dos direitos civis, em Estado do bem-estar, prestador de
serviços que representam direitos sociais, ou no caso brasileiro e em outros países
de desenvolvimento tardio, Estado desenvolvimentista.
A importância do cumprimento estrito dos procedimentos pelo Estado
liberal em contraposição à necessidade do alcance dos resultados pelo Estado do
bem estar ou desenvolvimentista se torna clara quando se considera o conceito
diverso de igualdade que se encontra subjacente aos direitos que um e outro tipo de
Estado deve prioritariamente garantir, respectivamente: os direitos civis e os direitos
sociais. Os direitos civis, representados pela liberdade de opinião, de expressão das
próprias opiniões, de reunião e de associação, estão na base do Estado liberal de
direito e interpõem limites à ação do Estado (Bobbio, 2000). Garantida pelo Estado
liberal, a igualdade nos direitos significa que alguns direitos fundamentais garantidos
na Constituição estão assegurados a todos os cidadãos independentemente de sua
posição social (Bobbio, 1996). Já os direitos sociais estão associados à igualdade de
oportunidades, um dos pilares da democracia social e do Estado do bem estar1. Têm
como objetivo colocar em condições iguais de partida todos os membros de uma
determinada sociedade que estejam participando da competição pela vida ou pela
conquista do que é vitalmente mais significativo. Para criar a igualdade de
1 Ressaltamos que a prestação de serviços sociais pelo Estado não é prerrogativa exclusiva do Estado do bem estar, haja vista iniciativas nesse sentido na Alemanha sob o governo autoritário de Bismarck e, no Brasil, no governo trabalhista de Vargas. Entretanto, nos casos mencionados, a prestação da chamada assistência social foi utilizada como instrumento de cooptação das massas, inserida no contexto de relações corporativas e hierarquizadas com o Estado. Tal situação diverge do Estado do bem estar em que os serviços sociais são concebidos como direitos do cidadão e prevalece um conceito específico de igualdade.
4
oportunidades, pode ser necessário introduzir artificialmente, ou imperativamente,
discriminações que venham a favorecer uns em detrimento de outros2. A posição
social relativa que os indivíduos ocupam na sociedade tem implicações sobre a ação
do Estado. A introdução de uma desigualdade pode tornar-se um instrumento de
igualdade porque permite corrigir uma desigualdade anterior: uma nova igualdade
resulta porque o tratamento desigual dispensado pelo Estado compensa a outra,
decorrente da desigualdade de oportunidades.
Considerando a noção de igualdade nos direitos, para a garantia dos
direitos civis, os princípios mais importantes para a atuação do Estado são a
legalidade, impessoalidade e a universalidade que se traduzem, na prática, na
necessidade de os direitos civis estarem expressos e garantidos em leis, que se
aplicam indistintamente a todos (a despeito de originalmente terem sua abrangência
limitada a detentores de propriedade do sexo masculino), no direito de petição e
recurso do indivíduo perante o Estado e na necessidade do cumprimento do devido
processo legal para a proteção dos direitos. Para a garantia dos direitos sociais,
embora os princípios da legalidade, impessoalidade e universalidade permaneçam
orientando a ação estatal, estes devem ser aplicados considerando a necessidade
de oferecer os bens e prestar os serviços que representam os direitos sociais (ou os
bens e serviços que conduzem ao desenvolvimento econômico) e cotejados frente a
outros princípios, tais como, os resultados que se quer alcançar em termos de
efetivação dos direitos sociais (ou o desenvolvimento econômico), a eficiência (o
fazer mais com menos), a priorização e a focalização nas populações menos
favorecidas, ou seja, as que se encontram socialmente em desigualdade de
oportunidades. Os princípios associados à prestação dos direitos sociais ou à
equalização da desigualdade de oportunidades assumem relevância especial no
contexto de crise do Estado dos anos 70, quando a crescente democratização e
ampliação das demandas por serviços estatais e benefícios sociais juntamente com
gastos de pessoal e encargos financeiros pressionam as receitas do setor público.
Embora a importância da gestão por resultados no desempenho do
Estado em seu papel como garantidor dos direitos sociais, do desenvolvimento
econômico e da igualdade de oportunidades seja evidente hoje, tal relevância foi
2 Para a noção de igualdade de oportunidades, a criação do estado civil proporcionaria a igualdade dos homens apenas no que se refere às suas distinções naturais (força, altura etc.), mas não seria suficiente para corrigir distorções de natureza social.
5
somente explicitada nos processos de reforma administrativa do setor público da
década de oitenta. A crise do Estado, ao provocar pressão por maior eficiência no
uso dos recursos públicos, trouxe para o debate a necessidade de se encontrar
arranjos institucionais mais adequados para a prestação de serviços e produção de
bens. Apesar de os processos de reforma nos diversos países não terem adotado a
mesma abordagem nem tido a mesma origem, variando de acordo com a condição
institucional pré-existente, circunstâncias históricas e políticas3, alguns aspectos
comuns podem ser destacados. Do ponto de vista de estruturas, foi proposta a
descentralização de organizações centralizadas e burocratizadas, a criação de
modelos institucionais para o desempenho de funções mais específicas e
homogêneas, a focalização em resultados associada a serviços prestados com
crescente eficiência, efetividade e qualidade e a utilização de contratos de
resultados para regular o relacionamento com as instituições descentralizadas.
A dimensão de resultados foi incorporada na relação com as
organizações que prestam serviços públicos que representam direitos sociais por
meio dos contratos de resultado que estabelecem metas e indicadores pelas quais
seu alcance será mensurado. No caso brasileiro, tendo como pressuposto a idéia
de que instituições que exercem funções diferentes devem ter formatos
organizacionais diferentes, a Reforma do Aparelho de Estado de 1995 previa para
as instituições públicas prestadoras de serviços não-exclusivos de Estado, a
qualificação como Organizações Sociais autônomas e o estabelecimento de um
mecanismo de controle à distância que seria o contrato de gestão4. No limite, o
Estado pós reforma, além das suas funções tradicionais de defesa, justiça,
relações exteriores, controle da moeda e do crédito, arrecadação e orçamento, no
que se refere à garantia dos direitos sociais, em nível federal, assumiria o papel de
definidor de políticas públicas, critérios e indicadores de desempenho;
3 “The debate engendered is complex and detailed but for the sake of simplicity can be seen to range from the conservative call for a small state through the socialist demand for the more responsive state for a more radical demands for a more empowering state where real power is devolved to lower level organizations and citizens” (Hambleton 1992, citado por Gray e Jenkins, 1995: 80) 4 Além disso, era proposto o modelo das agências executivas para as atividades de fiscalização e regulatória. A atividade de formulação de políticas públicas continuaria sob o modelo burocrático. Paralelamente, num processo conduzido pelo Comunidade Solidária, ligado à Presidência da República, no gabinete da primeira dama Ruth Cardoso, foi criada a figura das organizações da sociedade civil de interesse público OSCIP para credenciar instituições privadas sem fins lucrativos que quisessem atuar em parceria com o setor público na provisão de serviços de natureza social (Lei n. 9.790, de 1999).
6
acompanharia a execução de contratos; definiria e aplicaria as regras do jogo;
fomentaria a prestação de serviços e equalizaria as diferenças regionais, por meio
da transferência de recursos aos entes subnacionais. Não mais executaria
diretamente a prestação de serviços e a provisão de bens.
Por razões que não serão analisadas neste texto, no caso brasileiro, em
nível federal os modelos institucionais previstos pela Reforma Administrativa de
1995 não foram implantados, embora a idéia chave de prever modelos institucionais
diferenciados para organizações que prestam serviços diferentes tenha
permanecido, muitas vezes, como um problema a ser resolvido5. Além disso, a
Reforma do Estado de 1995 não previa um modelo institucional para o setor de
serviços de infra-estrutura que não envolvesse a intervenção do Estado em atividade
econômica6. Na prática, em muitos casos, a prestação de serviços manteve-se
concentrada na Administração Direta. No Governo Federal brasileiro, não ocorreu o
processo de descentralização de estruturas conferindo autonomia às unidades
prestadoras de serviços e produtoras de bens em relação às unidades centralizadas,
que as controlam por meio de contratos de gestão, como um passo necessário para
o desenvolvimento da gestão por resultados, diferentemente do verificado nos
processos de reforma administrativa de outros países. O conceito de gestão por
resultados difundiu-se sem ser acompanhado de um processo de descentralização
das estruturas.
O conceito da gestão por resultados foi disseminado no Governo federal
com a implantação da gestão por programas, por ocasião do Plano Plurianual para o
período 2000-2003, também conhecido como Avança Brasil, adotado em
5 Por exemplo, foram criadas autarquias especiais, com maior autonomia, para regular as então empresas públicas que atuavam em setores que representavam monopólios naturais. E como não foi definida uma diretriz clara sobre a função desse tipo de organização, autarquias especiais foram instituídas, tais como Agência Nacional de Saúde, Agência Nacional do Cinema, cuja atuação em pouco ou nada se relaciona com a de um ente regulador clássico. Tal situação gera confusão institucional. Foram também feitas algumas experiências institucionais mais pitorescas como a do Serviço Florestal Brasileiro (Lei n. 11.284, de 2006), criado na estrutura básica do Ministério do Meio Ambiente, mas com todas as características de entidade vinculada, evidenciando a necessidade urgente de uma regulamentação da área. O projeto de lei complementar das Fundações Estatais, regulamentando inciso XIX do art. 37 da Constituição Federal que autoriza a instituição de fundação sem fins lucrativos com personalidade jurídica de direito privado para o desempenho de atividade estatal que não seja exclusiva de Estado e o projeto de lei Orgânica da Administração Pública atualmente em discussão podem ser iniciativas promissoras nesse sentido. 6 O arcabouço conceitual institucional do Plano Diretor da Reforma do Aparelho do Estado de 1995 foi concebido como um trabalho em andamento a ser implantado e desenvolvido, tarefa encampada por estados e municípios que aplicaram e aperfeiçoaram suas idéias.
7
cumprimento ao disposto no inciso I do art. 165 da Constituição Federal7. No
entender dos responsáveis pela condução do processo de implantação do PPA, o
importante era a difusão do planejamento de resultados, as adequações
institucionais necessárias para a implantação da gestão por resultados seriam
decorrência. “A gestão por programa introduz um conflito entre a estrutura
departamental e uma atuação por objetivos. Em outras palavras, acentua-se a
contradição entre as visões setoriais e o objetivo do programa, que, por definição, é
visto sob a perspectiva externa da demanda da sociedade. Até certa intensidade,
esse conflito tem efeitos benéficos, pois contribui para o equilíbrio entre eficácia e
eficiência dos resultados da organização. O desafio é, nessas circunstâncias, é o de
imprimir velocidade ao processo de transformação da organização em seus vários
aspectos, a saber: estrutura, valores, liderança, estratégia, desenvolvimento de
pessoal e sistemas de informação e controle” (Garces e Silveira; 2002: 70).
O que talvez os autores não contassem é que o tempo necessário para
realizar o processo de transformação da organização para a gestão por programas
fosse, em alguns (ou muitos) casos, maior até que o tempo de execução do próprio
programa e, devesse ter sido considerado como um projeto à parte a ser executado.
Estruturas, pessoas e sistemas, para mencionar apenas os aspectos tangíveis,
organizados para trabalhar hierarquicamente e baseados em procedimentos não se
convertem automaticamente para atuar em prol de objetivos e resultados. É
necessário um processo de reorganização especialmente direcionado para esse fim.
Nesse sentido, Almeida Fontes (2009: 131) afirma que “[a]s evidências
indicam que ferramentas modernas, técnicas avançadas, metodologias sofisticadas
não surtirão os benefícios desejados se as instituições não estiverem
adequadamente preparadas para aperfeiçoar seus padrões organizacionais. Um
primeiro corolário extraído dos ensinamentos das reformas orçamentárias recentes é
que o OOR8 pressupõe rompimento com padrões essenciais da cultura
organizacional e modos tradicionais de administração, nos quais predomina o
cumprimento formal dos meios sobre a execução dos fins”. Schick (1998, citado por
Almeida Fontes, 2009: 132) complementa que “[g]overnos orçam da forma como
7 O Avança Brasil 2000-2003 era composto por cerca de 350 programas, considerados como unidades de gestão, com definição clara dos objetivos e resultados esperados, que compreendem ações destinadas a produzir determinadas respostas a demandas de segmentos da sociedade. 8 Orçamento Orientado a Resultados.
8
gerenciam, razão pela qual é tipicamente necessário modernizar práticas gerenciais
para conseguir reformar o processo orçamentário”.
Assim, diferentemente do que concebiam os introdutores do planejamento
por objetivos/resultados no Governo Federal, os autores citados defendem que a
organização deve se estruturar primeiro para a gestão por resultados para que o
planejamento por resultados possa ser implantado e bem sucedido. Na realidade,
não poderia ser diferente se considerarmos que o planejamento é apenas um dos
instrumentos de gestão à disposição dos dirigentes da instituição. Seria difícil crer
que apenas a sua implantação pontual sem uma estratégia global de alteração dos
demais meios de gestão da instituição como um todo com a mesma finalidade,
pudesse surtir efeito.
O objetivo deste texto é apresentar um projeto denominado
“Descentralização da Ordenação de Despesas”, que foi concebido para implantação
num órgão da Administração Pública Federal, com vistas a adaptar sua estrutura
hierárquica e os procedimentos administrativos para a gestão por resultados9.
A concepção e a proposição do projeto foi norteada pela percepção de
que o conceito da administração por resultados no Governo Federal brasileiro foi
difundido prioritariamente por meio de uma metodologia de planejamento, não tendo
sido nem previsto nem tampouco desenvolvido posteriormente um modelo
institucional adequado para que os programas do PPA fossem implantados na
estrutura tradicional dos Ministérios. Nessas circunstâncias, a idéia de
“autonomização com responsabilização” norteadora da gestão por resultados não
tem como se desenvolver.
Nos Ministérios, a gestão por resultados convive com estruturas
organizacionais concebidas para a implantação de princípios diversos da eficiência,
da eficácia, da priorização e da focalização, pois foram idealizadas para uma
atuação orientada pela legalidade, pelo cumprimento de processos, pela
padronização, rigidez e impessoalidade com alto grau de centralização,
burocratização e controle hierárquico. Nessas condições, não existem mecanismos
para responsabilizar os dirigentes pelos resultados do seu programa, requisito
essencial para que a gestão por resultados possa acontecer.
9 O projeto foi desenvolvido para o Ministério da Cultura, onde foi implantado apenas na parte da esfera de competência da Diretoria de Gestão Interna DGI. A autora agradece o apoio e a colaboração dos colegas da DGI na elaboração do projeto e sua implantação, em especial, Elaine Rodrigues Santos, Nilson Limone, Humberto Miranda Cardoso, Kelson Rocha e Eduardo Pareja Coelho, embora as análises e opiniões apresentadas neste texto sejam de sua inteira responsabilidade.
9
* * *
O modelo de arranjo institucional aqui apresentado foi concebido
considerando que muitas ações governamentais com características específicas de
programas permanecerão sendo executadas por ministérios10 e não por instituições
descentralizadas e autônomas que firmaram contrato de gestão, documento que foi
definido nos processos de reforma do Estado como a base para a gestão para
resultados.
Makón, em artigo de sugestivo título “A gestão por resultados é sinônimo
de orçamento por resultados?”, destaca os principais itens da agenda para a
estruturação da gestão por resultados:
� Foco nos resultados;
� Políticas públicas formuladas a partir de processo de planejamento governamental;
� Caráter descentralizado da tomada de decisões;
� Flexibilização de recursos com cobrança de responsabilidade de gestores
� Utilização de planejamento estratégico nas organizações públicas e otimização dos processos administrativos;
� Mudanças metodológicas no processo de formulação do orçamento público;
� Sistemas de informação que forneçam subsídios para a tomada de decisão e mensurem os recursos na obtenção dos resultados (sistemas de apuração de custos);
� Sistemas de monitoramento da gestão, prestação de contas e avaliação;
� Desenvolvimento de indicadores que permitam medir o impacto da ação governamental e indicar os desvios para introdução de medidas corretivas (Makón, 2008 citado por Almeida Fontes, 2009: 133).
Em relação aos itens da agenda apresentada por Makón, que pensa na
implantação da gestão por resultados no âmbito de uma esfera de governo, a
proposta aqui discutida é bem mais modesta, e talvez mais realista. E foca em
aspectos que o autor, aparentemente, elabora com menos detalhes, a saber: (a)
sistemas de monitoramento da gestão, prestação de contas e avaliação; (b)
flexibilização de recursos com cobrança de responsabilidade de gestores; (c)
descentralização da tomada de decisão com manutenção da coerência e sinergia na
condução da política pública setorial; (d) utilização de planejamento estratégico nas
10 Essa observação se justifica pelo fato de todas as ações governamentais, mesmo aquelas que não têm características de programas com resultados mensuráveis e previsíveis após um período de tempo, foram convertidas em programas a partir do Avança Brasil 2000-2003, o que provocou um desvirtuamento do conceito de programa.
10
organizações públicas; (e) otimização dos processos administrativos. Como o projeto
a ser apresentado foi concebido para ser implantado num Ministério, sob a
coordenação da Secretaria Executiva, os demais itens da agenda proposta por
Makón fogem do seu escopo, pois transcendem a governabilidade da unidade
executora. Atuando no âmbito de um Ministério, a Secretaria Executiva pode apenas
coordenar a formulação da política pública setorial no processo de planejamento.
Mudanças metodológicas no processo de formulação do orçamento público,
inclusive para promover a adequada apropriação das despesas diretas nos centros
de custos por elas responsáveis, bem como, a distribuição das despesas indiretas,
passos necessários para a implantação de sistemas de apuração de custos,
requerem alterações na legislação, cuja proposição não cabe a um ministério
setorial11. Em relação à avaliação de impacto, embora em alguns casos a atuação
setorial seja passível de tal análise, dada a complexidade metodológica e os dados
necessários para a sua aferição, questiona-se se a sua existência, como propõe
Makón, seria indispensável para a gestão para resultados. No nosso entender, o tipo
de avaliação necessário para a gestão para resultados é mais simples: basta poder
verificar se os resultados pretendidos foram alcançados ou não, respeitado o
cronograma físico-financeiro de implantação do programa.
Longo (2003) analisa o surgimento da figura do dirigente na
Administração Pública de diversos países desenvolvidos para dar resposta aos
desafios da enorme expansão da capacidade de prestação de serviços públicos num
contexto de crescente complexidade e diversificação dos processos de produção,
ambiente no qual, atores tradicionais – a classe política investida de autoridade
mediante os mecanismos da democracia representativa, e a burocracia profissional
regida pelo sistema de mérito – não atuam adequadamente com eficiência e
eficácia. Dentre as linhas de intervenção necessárias para institucionalizar o sistema
de cargos de direção, o autor destaca duas variáveis na reforma do desenho
estrutural: (a) descentralização vertical limitada, “a qual exige tanto delegação
estável de poder decisório, quanto a transferência de autonomia de gestão sobre
recursos”12; e (b) “construção de sistemas de planejamento e controle baseados em
11 A mudança inicial deveria ocorrer na Lei n. 4.320, de 1964, e sua regulamentação que determina os conteúdos da lei do orçamento em termos de discriminação da receita e despesa. 12 Longo (2003) considera que o papel de dirigente deve ser exercido pelas gerências médias. No projeto “Descentralização da Ordenação de Despesa”, são considerados dirigentes, na maioria dos casos, os secretários, ocupantes de cargo de direção e assessoramento superior DAS de nível 101.6.
11
resultados, capazes de fundamentar controle adequado do desempenho do
dirigente, o que implica igualmente mudança significativa da tipologia e
administração de controles” (Longo, 2003: 19). Conforme poderá ser verificado na
apresentação do projeto a seguir, os dois elementos apontados por Longo (2003)
foram nele incorporados. O primeiro, por meio da delegação da competência aos
dirigentes de áreas fim do Ministério para atuarem como ordenadores de despesas e
o segundo, previsto no projeto, mas não implementado, para definição dos recursos
a serem alocados nos programas de sua responsabilidade, por meio de
planejamento estratégico13. Cabe ressaltar a importância do planejamento de
resultados para a gestão por resultados acontecer adequadamente, reconhecendo o
mérito dos idealizadores do PPA Avança Brasil, Ariel Garces e José Paulo Silveira.
Sem a definição de resultados a serem alcançados, sem previsão das atividades a
serem realizadas, seu cronograma de execução e o respectivo custo, a autonomia
de gestão representada pela delegação de poder decisório e a transferência de
autonomia de gestão sobre recursos de que trata Longo (2003) cai no vazio, pois
não existem elementos para responsabilizar posteriormente o dirigente pela sua
gestão14. No âmbito da democracia representativa e para o uso de recursos
públicos, a autonomia só faz sentido se for para o exercício de um mandato ou
execução de um contrato (explícito ou implícito) pré-definido. Na administração
direta, o planejamento por resultados é o instrumento por excelência para a
definição das cláusulas desse contrato: estabelece os meios para o alcance de
determinados fins.
O projeto intitulado “Descentralização da Ordenação de Despesas” será
apresentado a seguir com maiores detalhes. Sua concepção foi orientada pela idéia
de que era necessário viabilizar, por meio de instrumentos concretos, a noção de
“autonomização com responsabilização” que é característica da gestão por
resultados para que o planejamento por resultados pudesse se realizar na estrutura
tradicional de um Ministério. Paradoxalmente, os instrumentos concretos para o
alcance de tal “autonomização com responsabilização” teriam de ser encontrados
dentre os tradicionais de atuação da Administração Pública direta, uma vez que
estes não se alteraram.
Tal escolha decorreu do fato de que no MinC apenas eles detém a legitimidade interna requerida para gerenciar um programa. Tal circunstância pode variar conforme o órgão. 13 O planejamento estratégico na Secretaria Executiva do Ministério da Cultura é de responsabilidade da Diretoria de Gestão Estratégica, enquanto o projeto “Descentralização da Ordenação de Despesas” foi concebido no âmbito da Diretoria de Gestão Interna DGI. 14 Tampouco existem elementos para estimar os recursos a serem alocados em cada programa ou política.
12
SISTEMAS DE MONITORAMENTO DA GESTÃO, PRESTAÇÃO DE CONTAS E
AVALIAÇÃO
O projeto pode ser iniciado com a criação do Sistema de Convênios e
Contratos de Repasse SICONV pelo Ministério do Planejamento, Orçamento e
Gestão, de utilização obrigatória por todo o Governo Federal a partir de 2008, após a
edição do Decreto n. 6.170, de 2007. Tal sistema e as normas posteriores que o
regulamentam (em especial, a Portaria n. 127, de 2009) padronizou e automatizou o
fluxo de trabalho relativo ao processamento de um importante instrumento de
implantação de políticas públicas – o convênio15 – desde a apresentação da proposta,
seleção, formalização do instrumento, empenho, pagamento até a prestação de
contas16. Com isso, permitiu que a atividade de conveniamento pudesse ser realizada
diretamente pela área fim, não havendo mais necessidade da existência de uma
unidade de conformidade específica centralizada na Secretaria Executiva. Definidos
os modelos de convênio padrão com a Consultoria Jurídica do órgão, estes podem ser
utilizados diretamente no Sistema pelas equipes responsáveis pelos programas e,
após análise jurídica, assinados e enviados para publicação. Um processo mais direto
e eficiente do que o tradicional que previa a análise de conformidade de todos os
instrumentos equivalentes pela Secretaria Executiva.
Considerando o processo de conveniamento como um todo, a
formalização desse instrumento pela equipe da área fim faz sentido, uma vez que
ela será responsável pelo acompanhamento, pela autorização da liberação das
parcelas, ou de aditivos, bem como, irá analisar e aprovar a prestação de contas.
Para tanto, é necessário que conheça adequadamente as cláusulas e condições de
cada convênio. E, caso sejam desenvolvidos os módulos correspondentes, todas
essas etapas poderão ser realizadas pelo SICONV.
15 Convênio é um instrumento de transferência voluntária de recursos da União, em contraposição aos fundos constitucionais ou legais que constituem transferências obrigatórias. Originalmente concebido para repasse de recursos para Estados e Municípios (Decreto-lei 200, de 1967), paulatinamente, pela inexistência de alternativa, foi sendo utilizado nas relações com instituições privadas sem fins lucrativos. Para estas, desde que qualificadas como Organizações da Sociedade Civil de Interesse Público, existe desde 1999, o termo de parceria (Lei n.9.790, de 1999). 16 Sua utilização tornou-se obrigatória em 2008, quando foram disponibilizados os módulos iniciais de cadastro de proponentes, de projetos, formalização de convênios, empenho, pagamento e publicação. As fases de acompanhamento e prestação de contas ainda não se encontram disponíveis e, em 2009, não se verificou praticamente qualquer aperfeiçoamento no Sistema, o que gera dúvidas a respeito de sua existência no futuro, a despeito de toda a propaganda inicial feita por seus idealizadores.
13
FLEXIBILIZAÇÃO DE RECURSOS COM COBRANÇA DE RESPONSABILIDADE
DE GESTORES
A partir do momento em que o SICONV possibilita que a área fim assuma
completamente os aspectos formais do processo de implantação da política pública
sob sua responsabilidade, considerando-se que o convênio é um de seus mais
importantes instrumentos (em muitos casos, o principal), a consequência natural é
que, uma vez realizado o planejamento, o dirigente disponha livremente dos
recursos necessários para a execução de tal política.
Para tanto, deve ser delegada ao dirigente da área fim responsável pela
política, a responsabilidade para serem “ordenadores de despesa”17 e, para as
Secretarias das quais são dirigentes, devem ser criadas Unidades Gestoras
Executoras UGE18. De acordo com o Decreto-lei n. 200, 1967: art. 80 § 1o,
Ordenador de despesas é toda e qualquer autoridade de cujos atos resultares
emissão de empenho, autorização de pagamento, suprimento ou dispêndio de
recursos da União. Nas áreas fim para as quais forem criadas UGEs devem ser
nomeados os respectivos ordenadores de despesas, além dos correspondentes
substitutos, bem como definidas as respectivas competências19. A UGE deve contar
ainda com um gestor financeiro e um responsável pelo controle da conformidade e
respectivos substitutos.
Dependendo da situação, por uma questão de escala, pode ser
reavaliada a necessidade de descentralização das funções de gestor financeiro e de
responsável pela conformidade e seus substitutos. No projeto aqui apresentado
17 Nos Ministérios, o que se verifica tradicionalmente é que a ordenação de despesas é centralizada e concentrada na figura do Subsecretário de Planejamento, Orçamento e Administração. Geralmente, o SPOA é único cargo que detém autoridade para realizar empenhos e pagamentos, controlando o orçamento e a execução financeira integralmente, geralmente mediante demanda. Tal situação, além de não contribuir para a gestão por resultados, mascara uma circunstância de responsabilidade de fato. O SPOA, atuando como único ordenador de despesas passa a ter que autorizar gastos, inclusive sobre atividades fim, de cuja decisão não participou. Do ponto de vista dos órgãos de controle externo, tal fato não faz muita diferença porque estes passaram a considerar o processo integral de autorizações que resultaram numa despesa, mas do ponto de vista da gestão de resultados, faz toda a diferença conferir ao responsável pela política o poder e a responsabilidade de autorizar a despesa. 18 Unidade Gestora Executora é um tipo de classificação contábil das unidades administrativas de um órgão para fim de agregação de despesas. Pelas regras da contabilidade pública, apenas essa categoria de unidade administrativa pode executar diretamente despesas. 19 Devido ao tamanho limitado do texto a ser apresentado ao Congresso, os modelos de documentos utilizados na implantação do Projeto “Descentralização da Ordenação de Despesas” não foram incluídos como anexo. Podem ser solicitados à autora por mensagem eletrônica: [email protected].
14
essas funções continuam centralizadas na Secretaria Executiva, o que possibilita
também um maior acompanhamento da execução financeira. Nesse caso, o fluxo de
trabalho deverá ser adequado de forma tal que após o processamento do empenho
ou emissão da ordem bancária no SIAFI pela SE, o processo deverá retornar à área
fim/UGE originária da autorização para assinatura do ordenador de despesa e
adequada formalização.
Entretanto, para que os ordenadores de despesa possam ter controle dos
pagamentos realizados, é preciso que sejam elaborados relatórios de periodicidade
mínima de um mês para o acompanhamento da execução financeira das
solicitações de pagamento. Adicionalmente, o responsável pela conformidade deve
manter os ordenadores de despesa informados sobre os pagamentos não
processados por documentação ou informação incompleta ou inválida, procedendo à
pronta devolução dos processos com orientação para a solução dos problemas
apontados. Na hipótese de as funções gestor financeiro e responsável pela
conformidade permanecerem centralizadas, a ausência de vínculo direto entre estes
e o ordenador de despesas deve ser substituída por um fluxo permanente e
atualizado de informações.
A partir do momento em que os recursos orçamentários do(s) programa(s)
que dirigentes gerenciam são disponibilizados integralmente na UGE sob sua
responsabilidade, fica a cargo das áreas fim o controle dos saldos. As áreas fim
deverão acompanhar o volume de recursos disponíveis nas suas UGEs para saber
se tem recursos suficientes para novos empenhos, se a sua execução orçamentária
está insuficiente, ou ainda, como tem se comportado a relação entre a execução
orçamentária e a execução financeira e o montante acumulado de restos a pagar.
Com a transformação dos dirigentes em ordenadores de despesas, eles
passam a controlar integralmente os orçamentos e a execução financeira dos
respectivos programas. O montante total dos recursos orçamentários não-
contingenciados será transferido a partir da publicação do decreto de execução
orçamentária20 para as UGEs de forma a que possam autorizar os empenhos e
pagamentos necessários para a execução das diversas ações. Nessa configuração,
as unidades coordenadas pelos ordenadores de despesas podem funcionar como
centros de resultados.
20 Após a elaboração dos planos de ação correspondentes.
15
DESCENTRALIZAÇÃO DA TOMADA DE DECISÃO COM MANUTENÇÃO DA
COERÊNCIA E SINERGIA NA CONDUÇÃO DA POLÍTICA PÚBLICA SETORIAL
Com a realização de despesas descentralizada pelas áreas fim, a
Secretaria Executiva e suas unidades passam exercer um papel crescentemente
estratégico ao invés do operacional que tradicionalmente estavam acostumadas.
Com exceção das atividades de administração geral, tais como manutenção predial,
serviços de vigilância, limpeza, copa e assemelhados, a Secretaria Executiva deixa
de operacionalizar ou gerenciar atividades diretamente para ser uma unidade que
estabelece normas, define padrões e, ao invés de controlar diretamente, realiza
controle à distância.
Além disso, o processo de descentralização da ordenação de despesas
requer que a direção do Ministério se torne mais compartilhada. Para que os
dirigentes das áreas fim tenham mais autonomia no dia a dia é necessário que haja,
em primeiro lugar, um processo de planejamento conjunto e reuniões periódicas do
colegiado de dirigentes, que possibilitam um trabalho mais integrado e garantem que
todos estejam trabalhando para o alcance de um objetivo comum. Em segundo lugar,
é preciso que haja coordenação na execução orçamentária e financeira, o que pode
ser obtido com a definição a priori das regras do jogo. São basicamente cinco as
regras básicas que devem ser definidas para a operacionalização da descentralização
da ordenação das despesas: (1) o que fazer quando os recursos orçamentários nas
UGEs se acumularem (o que implica definir também: o que é considerado acúmulo –
qual o montante e por quanto tempo); (2) o que pagar primeiro, dentre as várias notas
de empenho das diversas áreas fim, caso haja escassez de recurso financeiro; (3) o
que fazer se a execução financeira de determinada UGE for muito inferior ao valor
empenhado (o que implica definir – o que é considerado muito inferior – qual o
montante e por quanto tempo); (4) como a execução orçamentária e financeira das
UGEs será acompanhada e controlada; e (5) o que fazer se os recursos
orçamentários de determinada ação se esgotarem sem que a ação tenha sido
concluída. A definição desse conjunto de regras do jogo permite que o Secretário
Executivo realize um controle da execução orçamentária e financeira à distância e
mediante o acompanhamento dos saldos das UGEs, sem se preocupar com a rotina
dos empenhos e pagamentos. Este passa a ser de competência dos ordenadores e
suas equipes. A Secretaria Executiva passa a exercer um papel estratégico e não o
de uma simples tesouraria.
16
UTILIZAÇÃO DE PLANEJAMENTO ESTRATÉGICO NAS ORGANIZAÇÕES
PÚBLICAS
Para que a descentralização da ordenação de recursos não resulte em
uma pulverização da destinação dos recursos do Ministério, desvinculada da política
setorial que se quer desenvolver é importante que, previamente à definição dos
montantes a serem consignados para cada UGE, ocorra um processo de
planejamento coordenado pela SE que integre os programas a serem realizadas
descentralizadamente pelas áreas fim. O ministro deve ser capaz de dar orientações
e discutir com os dirigentes sobre as diretrizes e prioridades da política setorial a ser
desenvolvida pela sua pasta, que representa a política do governo eleito pelo voto
popular, a qual dará unidade à ação conjunta. Além disso, o montante de recursos a
ser alocado em cada UGE e a ser gerenciado autonomamente pelos dirigentes não
deve ser definido aleatoriamente, mas mediante um processo de planejamento no
qual se definem os resultados a serem alcançados, as atividades a serem
realizadas, o seu cronograma de execução, as metas parciais para
acompanhamento e são estimados os recursos necessários para a implantação.
O ideal é que o planejamento dos programas e seus recursos ocorra
previamente à elaboração da proposta orçamentária a ser enviada ao Ministério do
Planejamento, Orçamento e Gestão e seja revisto quando for publicado o Decreto de
execução orçamentária contendo os valores com os quais o Ministério efetivamente
poderá trabalhar durante o ano. Não sendo tal hipótese possível, o planejamento
poderá ocorrer no início do ano e a revisão no meio do ano, como é feito
tradicionalmente. Seja qual for o período de sua realização, o planejamento terá
duas funções básicas, além da definição dos recursos a serem alocados nas UGEs.
Em primeiro lugar, oferecerá a oportunidade para que o colegiado dirigente do
Ministério faça uma reflexão conjunta sobre a política setorial que desenvolverá
durante o ano e as ações concretas que a colocam em prática. Em segundo lugar,
permitirá estabelecer metas pelas quais a realização dessas ações concretas será
acompanhada, disponibilizando um indicador para controle da execução
orçamentária e financeira descentralizada nos seus aspectos qualitativos e para
decisão sobre a priorização da execução orçamentário-financeira.
17
OTIMIZAÇÃO DOS PROCESSOS ADMINISTRATIVOS
Compras e contratações, em menor grau do que convênios, representam
instrumentos importantes na implantação de políticas públicas ou insumos para a
sua execução. Embora não exista um sistema corporativo como o SICONV que
padronize os procedimentos desse segmento, a descentralização da ordenação de
despesas permite uma mudança no fluxo de trabalho de forma a propiciar uma
participação mais qualificada da área fim e mais estratégica da Secretaria Executiva.
Embora no setor de compras e contratações a Secretaria Executiva continue
responsável pelo procedimento formal da realização de compras e contratações,
incluindo elaboração de editais de licitação e todas as etapas subsequentes
previstas na legislação até a formalização dos contratos, deve, mais do que isso,
definir padrões para as equipes das Unidades Gestoras Executoras elaborarem os
termos de referência, cujo conteúdo será utilizado para a confecção do edital e
elaborar normas para orientar o processo de fiscalização e gestão do contrato que
será realizado pelas UGE.
Cabe destacar, que a necessidade de “autonomização com
responsabilização” impõe que a equipe da UGE defina as condições segundo as
quais o produto ou serviço virá a ser fornecido, sua especificação técnica, bem como
fiscalize o cumprimento do contrato. Só assim poderá, relativamente ao
fornecimento de produtos e serviços, ter os meios para gerenciar o processo pelo
qual as atividades da política de sua responsabilidade sigam o cronograma
planejado. Tal não ocorreria se as atividades de fiscalização e gestão do contrato
fossem alocadas na unidade de compras. Esta gerenciaria o contrato específico
necessário para o alcance dos resultados de determinada política como um entre
tantos outros de sua responsabilidade (de manutenção predial, transportes, limpeza
etc.) o que não seria feito com a dedicação necessária.
No âmbito do projeto “Descentralização da Ordenação de Despesas”,
para orientar a atuação das UGE na elaboração de termos de referência,
fiscalização e gestão de contratos, bem como, definir claramente as respectivas
responsabilidades institucionais, a Secretaria Executiva promoveu uma revisão do
regimento interno da área que atua com compras e contratações e editou portaria
específica sobre compras e contratos21.
21 Ver nota 15.
18
A autorização para emissão de passagens e concessão de diárias é outro
processo administrativo que pode ser otimizado com a descentralização da
ordenação de despesas. Beneficia-se ainda da existência de um sistema
informatizado, o Sistema de Concessão de Diárias e Passagens (SCDP)22, do
Ministério do Planejamento, Orçamento e Gestão, além de regulamentação
específica que define regras e padroniza procedimentos23. Com a ordenação de
despesas descentralizada, os dirigentes podem incluir no orçamento dos próprios
programas os recursos para custear o quantitativo de passagens e diárias nacionais
e internacionais necessários para a sua execução e autorizar o seu pagamento de
acordo com o cronograma de implantação de forma autônoma, responsabilizando-se
também pela cobrança e análise da prestação de contas exigida pelo Sistema.
Para orientar a ação dos dirigentes e suas equipes no que se refere aos
procedimentos de autorização e concessão de passagens e diárias, no escopo do
projeto “Descentralização da Ordenação de Despesas”, a Secretaria Executiva
editou portaria consolidando, traduzindo e tornando operacional a regulamentação
relativa à matéria para aplicação interna24, bem como revisou as competências da
área responsável por diárias e passagens no regimento interno25.
22 O SCDP existe desde 2004, mas tornou-se de utilização obrigatória na Administração Pública Federal a partir de 1o de janeiro de 2009 com a edição do Decreto n. 6.258, de 2007. 23 Na regulamentação sobre diárias e passagens podemos destacar o Decreto n. 71.733, de 1973; o Decreto n. 3.643, de 2000 e o Decreto n. 5.992, de 2006. 24 Portaria MinC n. 1.191, de 2009, ver nota 15. 25 Ver nota 15.
19
CONSIDERAÇÕES FINAIS
Este texto apresenta uma proposta de arranjo institucional para viabilizar
a prática da “autonomização com responsabilização” necessária para a implantação
da gestão por resultados em órgãos que são organizados para funcionar de forma
hierarquizada, centralizada, com estrita obediência a processos, de forma impessoal
que são os Ministérios, mais propriamente voltados para a garantia dos direitos civis,
associados ao surgimento do Estado liberal do séc. XIX.
A necessidade de reflexão sobre tal modelo organizacional decorre da
constatação de que o conceito da administração por resultados no Governo Federal
brasileiro foi disseminado por meio de uma metodologia de planejamento utilizada
por ocasião do Plano Plurianual 2000-2003, conhecido como Avança Brasil, embora
autores salientem ser necessária a gestão por resultados para que o planejamento
por resultados possa se realizar. Os modelos institucionais propostos pelo processo
de Reforma do Aparelho do Estado de 1995 não foram implantados de forma
consistente no âmbito federal, além disso, neste não havia previsão de uma
institucionalidade específica para atuação do Estado em serviços de infra-estrutura
em setores não econômicos. Por ter sido difundida por um instrumento de gestão
(planejamento), a administração por resultados não encontrou na Administração
Pública Federal um arcabouço institucional especialmente concebido para o seu
desenvolvimento. Teve que ser implantada inclusive em instituições como os
Ministérios, que atuam baseadas em princípios diversos daqueles que orientam a
ação de um Estado voltado para a garantia dos direitos sociais.
No projeto “Descentralização da Ordenação de Despesas” aqui
apresentado, os dirigentes passam a efetivamente ter autonomia sobre os recursos
orçamentários e financeiros de seus programas por meio da sua transformação em
ordenadores de despesas. Assim, no início do ano, imediatamente após a edição do
decreto de execução orçamentária, os recursos dos programas podem ser
transferidos para as unidades gestoras executoras sob sua responsabilidade.
Idealmente, o montante de recursos a ser alocado nas UGE deve ter sido definido a
partir de um processo de planejamento de resultados no qual também ocorreu um
alinhamento estratégico dos programas com a política setorial a ser desenvolvida
pelo Ministério. A Secretaria Executiva passa a exercer um papel estratégico.
20
Em primeiro lugar, deve coordenar o processo de planejamento de resultados para
dar unidade à ação que se realiza descentralizadamente, definir os resultados dos
programas estabelecendo metas mensais que servirão também como indicadores de
acompanhamento à distância, a alocação dos recursos orçamentários nas várias
UGEs e definir em conjunto com os dirigentes as “regras do jogo” da execução
orçamentária e financeira. Em segundo lugar, deve normatizar e, se possível
informatizar, processos administrativos, como compras e contratações, emissão de
passagens e concessão de diárias para orientar os dirigentes nas atividades de
apoio para execução de seus programas.
Evidentemente, esses esforços apenas serão bem sucedidos se o órgão
puder contar com dirigentes e equipes com capacidade técnica e competência
gerencial. E esse é outro grande desafio para a gestão de resultados acontecer26.
Entretanto, a Administração Pública brasileira, na qual a ação pública é ainda
conduzida predominantemente sob o modelo dual27, mencionado por Longo (2003),
encontra-se, nesse aspecto, bastante fragilizada.
O processo de descentralização da ordenação da despesa voltado para
resultados requer dirigentes e equipes mais qualificados tanto na Secretaria
Executiva quanto na área fim. A Secretaria Executiva, conforme mencionado
anteriormente, deve estar preparada para atuar estratégica e proativamente na área
de gestão e não apenas dar conta de questões operacionais. Para tanto é requerido
um Secretário Executivo com capacidade de coordenação, visão de conjunto, além
de conhecimento sobre gestão pública, em especial, das áreas de planejamento,
orçamento, licitações e compras, estrutura organizacional e pessoal.
As equipes das áreas fim deverão ser capazes planejar a execução de
programas em cronogramas de atividades detalhados estimando custos e definindo
metas de acompanhamento. A partir de uma definição política sobre o que se quer
alcançar, poder detalhar o como fazer para se alcançar a situação desejada da
forma mais eficiente possível. Deverão ser competentes para elaborar projetos e 26 A questão da capacidade técnica e competência gerencial foi mencionada no projeto “Descentralização da Ordenação de Despesas” mas, da mesma forma que a realização do planejamento estratégico (ver nota 14), os meios de sua implantação estão fora da governabilidade da equipe que o implantou. Os dirigentes para quem a ordenação de despesas foi delegada são secretários, ocupantes de cargo de livre provimento, escolhidos e nomeados pelo Ministro de Estado. 27 O modelo dual de condução da ação pública, segundo o autor, é aquele no qual a administração profissionalizada do Estado é assumida por dois grandes protagonistas: a classe política, investida de autoridade mediante mecanismos da democracia representativa, e a burocracia profissional, regida pelo sistema de mérito (Longo, 2003: 6).
21
orçamentos, analisar propostas, formalizar instrumentos de transferência de
recursos, acompanhar execução físico financeira e avaliar prestação de contas,
bem como, elaborar termos de referência especificando produtos e serviços a
serem comprados ou contratados, definir condições de fornecimento, fiscalizar e
gerenciar contratos.
Uma vez que a qualificação dos dirigentes para a gestão para resultados
no setor público brasileiro é tema que merece reflexão mais aprofundada, cabe
retomar as idéias de Longo (2003) para finalizar este texto deixando indicações para
um projeto de pesquisa futuro. O autor, da mesma forma que o autor de Creating
Public Value, Michael Moore, propõe que o dirigente seja um “criador de valor
público” e, para tanto, deve atuar: (a) na esfera estratégica, refletindo como a
organização pode produzir o máximo valor, nem que para isso seja necessário
alterar os pressupostos a partir dos quais atua, reformular sua missão, promover
inovações; (b) na gestão do entorno político, com o objetivo de obter legitimidade, as
autorizações, a colaboração, o apoio, os recursos para as suas iniciativas; (c) na
gestão operacional, mobilizando os meios e recursos sob sua autoridade formal de
forma a alcançar os objetivos definidos com eficiência e eficácia, assumindo
responsabilidade pelos resultados (Longo, 2003).
Longo (2003) menciona também o conjunto de valores que orienta o
exercício da função de dirigente. O dirigente deve nortear sua ação pelo princípio da
otimização do conjunto de meios à sua disposição. A aplicação dessa racionalidade
econômica não significa apenas redução de custos. Dado o seu papel de “criador de
valor público”, o dirigente deve maximizar o impacto de sua ação, sem deixar de
considerar que está utilizando recursos escassos, devendo avaliar os custos de
cada iniciativa, levar em conta as alternativas existentes (custo de oportunidade) e a
necessidade de prestar contas, uma vez que se trata de recursos públicos.
Uma questão permanece em aberto para finalizar esta texto: como
viabilizar num setor público como brasileiro, que os cargos de dirigentes a serem
contemplados com a “autonomia com responsabilidade” requerida para a gestão por
resultados, sejam ocupados por profissionais com o perfil e movidos pelo ethos
descritos por Longo (2003)? Num ambiente em que a função de dirigente nos termos
de Longo, não está institucionalizada, como em alguns países desenvolvidos28?
28 Como é o caso da Inglaterra, da Itália, dos EUA, da Austrália, da Holanda (Longo, 2003).
22
A implantação de processos de planejamento por resultados em instituições
organizadas para a gestão por resultados pode ser um importante primeiro passo.
Um segundo passo, é a existência de um sistema de incentivos positivos e negativos
que premie e puna o bom e o mau desempenho, medido esse em termos do alcance
de resultados. Compensações pecuniárias, reputação, ascensão na carreira podem
ser desenvolvidas a título de premiação. O principal incentivo negativo seria a
vinculação da permanência no cargo a um desempenho positivo ou, pelo menos,
aceitável. Essa medida, entretanto, precisa ainda de muito amadurecimento na
Administração Pública brasileira para ser passível de aplicação.
23
REFERÊNCIAS
ALMEIDA FORTIS, M. F. Orçamento orientado a resultados: instrumento de fortalecimento democrático na América Latina? Revista do Serviço Público, vol. 60, n. 2 – Abr/Jun, 2009. p. 125-140. BOBBIO, N. O futuro da democracia. São Paulo: Paz e Terra, 2000. ______. Igualdade e liberdade. Rio de Janeiro: Ediouro, 1996. GRAY, A.; JENKINS, B. From public administration to public management: reassessing a revolution. Public Administration, v. 73, Spring, 1995. p. 75-99. GARCES, A.; SILVEIRA, J. P. Gestão Pública orientada para resultados no Brasil. Revista do Serviço Público, ano 53, n. 4 – Out/Dez, 2002. p. 53 -75. LONGO, F. A consolidação institucional do cargo de dirigente público. Revista do Serviço Público, ano 54, n. 2 – Abr/Jun, 2003. p. 5-31. PRESIDÊNCIA DA REPÚBLICA. Plano Diretor da Reforma do Estado. Brasília/DF, 1995. Legislação consultada Constituição Federal de 1998 Decreto no 3.643, de 2000 Decreto no 5.992, de 2006 Decreto no 6.170, de 2007 Decreto no 6.258, de 2007 Decreto no 71.733, de 1973 Decreto-Lei no 200, de 1967 Lei no 11.284, de 2006 Lei no 9.790, de 1999 Lei no 4.320, de 1964 Portaria no 127, de 2008 Projeto de Lei das Fundações Estatais, de 2006 Projeto de Lei Orgânica da Administração Pública, de 2009
24
___________________________________________________________________
AUTORIA
Marianne Nassuno – Doutora em Sociologia pela Universidade de Brasília, graduada em mestre em Administração Pública pela EAESP – Fundação Getúlio Vargas. Especialista em Políticas Públicas e Gestão Governamental. Atualmente em exercício no Ministério da Cultura como assessora da Diretoria de Gestão Interna, Secretaria Executiva. Endereço eletrônico: [email protected]