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PROL DA FILANlROPIA & da HSICA 11 I

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PROL DA FILANlROPIA

& da

~DUCACÃ.O HSICA 11

I

Gustavo Pires
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Gustavo Pires
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1933
Gustavo Pires
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PROL DA ~ILANlROPIA

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EDUCACAO FISICA >

CJ~andz é a 7JCJ>e:tia, a !lftwlade e cM dc.ttç;;(} • ••

Jflaa 1ft fnzfÁ'J'b d(J; '»H<-Wilft 6-â:CJ> a~ c"t",an~a6, 7tJ;VJc, '11-z-t~:!t=, a luat, e a Sot, CjA-<e p.eca Sá q,;.-<anilft. Mn tei: de c~ia'b, 6<2-Cú.

Bibliografia de Fernando Pessoa Relação das suas obras impressas até 1955

Poesias

L 35 Sonnets- 1.• ed., Lísbon, 1918. 'J. Anlrnous -1.• ed., L!sbon, 1918. 3. English Poems- Lisbon, 1921. 2 opúsculos. 4. Mar Português -Macau, 1936. 5. Mensagem- 1." ed., 1934; 2.a ed., 1941; 3." ed., 1945;

4.• ed., 1950; s.a ed .. 195!. 6. À Memória do Presidente-Rei Sidónio Paes- 1.• ed., 1940,

2.• ed., s/d. 7. Antologia-1.• ed., (2 vols.)-1942; 2.• ed., (1 vol.), Lisboa. 8. Poemas Ocullistõs- 1." ed., s/d. 9. Poemas Insubmisso;- 1.• ed., s/d.

lO. O Encoberto -1." ed, Porto, s/d. 11. Poemas inéditos do Crpheu 3. 1.• ed .. 1954. 12. Distância Constelado, (Cancioneiro E>quecido), 1954.

Obras Completas

13. I- Poesias de Fernando Pessoa- 1.• ed., 1942; 2.• ed., 1943; 3a eJ., 1945; 4.a ed., 1952.

]4. 11- Poesias de Álvaro de Campos- 1.• ed., 19.J.61 2.• e~L. 1951.

15. III- Poemas de Alberto Caeiro- 1." ed , 1946. 16. IV -Odes de Ricardo Reis -1.• ed., 1945. 17. VI- PoemBs Dramáticos- 1." ed., 1952. 18. Vil--Poesias inéditas de fernendo Pessca,--l.a ed ,1955.

Prosas l--OPÚSCUlOS

19. Ullimalum -1." ed .. 1917 (Retirado do l'1crca'.1o). 2.• ed., s/d.; 3.• ed., (Documenlo> literários).

20. Interregno (Defesa e Juslificeção dô Ditadura em Portugal) . -1.aed., 1928; z.a ed., s/d.

21. A Maçonaria visla por Fernando Pessoa- 1.& ed., s/d.; 2.• ed., s/d. (edições truncadas).

:22. O Preconceito da Ordem- Porto, 1950. 23. A Nossa Crise- Porto, 1950. 24. O «Orpheu» e a lileralura Portuguesa- Lisboa, 1953.

li-FOlHAS VOlANTES

25. Aviso por Causa da Morol -1.• ed., 1923. 26. Sobre um Manifesto de f.sludanles- l,a ed., 1923.·

III-DÍSTICOS E PlAOUETTES

27. Indícios de Oiro- Vários números desta Colecção.

IV-liVROS

28. Novo Poesia Portuguesa- 1.• ed .. 1944. 2'1. Páginas de Doulrina Estética- 1.n ed., s/d. 30. Apreciações literárias- l,a ed., s/d. 31. Análise da Vida Menlal Portuguesa- 1 .• ed., s/d. 32. Crónicas Intemporais -1.• er!., s/d. 33. Sociologia do Comércio - 1.• ed., s/d. 34. Hyram -1.a ed .. s/d. 35. Regresso ao Sebastianismo -1 .. • ed., s/d. 36. De1esa da Maçona:ia-Ed. integral da obra n. 0 21. s/d. 37. Ensaios Políticos -La ed., s'd. 38. O Elogio da lndiscip'ina -l.a ed , s/d. 39. Apologia do Paganismo -1.a ed .• s/d. 40. Nas· Encruzilhadas do Mundo e do Tempo -1.• ed., ~'r!. 41. livro do Desassossego -La ed., s/d.

V- EPISTOlOGRAFIA

42. Homenagem a Fernando Pessoa -1936, (fragmenlos das Carias de Amor).

43. CorJas a Armando Côrles Rodrigues- Lisboa, s/d.

Aforismos e Reflexões Almas e Estrelas

No prelo

. lugares nôo·Geográficos da li!erelura

l!;srAs páginas são desconhecidas e por muita gente serão tidas por insignificantes. juízo precipitado

porque não só não são insignificantes, como são mesmo o contrário disso.

À biografia do Escritor trazem elas um subsídio pessoal de interesse tanto maior quanto nenhuma das suas biografias, desde esse farto manancial recolhido nem sempre com segurança, valha a verdade •. pelo incansável esforço e talento de}. Oaspar Simões, aos dados subsidiários trazidos a público por outros publi­clstas, lhes faz a menor referência.

Por outro lado apresentam o complexo Poeta e Pensador numa atitude compreensiva e inteligente perante um dos problemas mais populares da educação moderna- a cultura física, base da saúde, da robus­tez, da força muscular e ... do desporto.

Mal se diria que quem, fransino e apagado f'tsica­mente, breve existência terrena teria, fosse um adepto tam consciente da educação física -ele, cuja vida decorria no ambiente viciado dos cafés ou se perdia cativa das escrivaninhas altas dos escritórios comer­ciais, e poucas ou raras fugas transportavam ao seio vegetal da natureza livre seu corpo gasto e intoxicado.

A sua aldeia natal ficava ali para as bandas do Chiado, naquele pacato bairro do Teatro de S. Carlos. Era uma mistificação ou uma sublimação da vulgari· dade lisboeta, convertida pela imaginação ou pela mcessidade de refúgio nos ambientes campestres, num rincão provinciano, aureo.'ado por um campanário

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FERNANDO PESSOA

aldeão, onde as horas de sol sorriem joviais e sé reflecf.:m claras na linfa pura dum rio ignorada:

' sino da minha aldeia, Dolcnte na tarde calma,

Cada tua badalada· Soa dentro da minha alma.

A cada pancaâa tua, Vibrante no céu aberto, Sinto rnais longe o passado, Sinto a saudade mais perto.

1 a~.w;.nda frJN~

;/;)obre t'clha casa da minha infância perdida [ {/V Que é de quem dormia sossegado sob o teu feto pro­

[vinciarw?

/tl'JCW ck. (!a.'nt'fUJ'1

/Q Tejo é mais belo que o rio que corre pela minha aldeia, V Mas o Tejo não é mais belo que o rio que corre pela

r minha aldeíc;t Porque o Tejo não é o .rio que corre pela minha alde:ítJ.

O Tejo desce de Espan1w E o Tejo entra no mar em. Portugal Tôda a gente sabe isso. l'fas pouco sabem qual é o rio da minha aldeia E pare onde êle vai E donde êle vem. E por isso, porque pertence a menos gente, E mais livre e maior o rio da minha aldeia.

f}J nunca guardei rebanhos, Mas é como se os guardasse.

Minha alma é como um pastor,

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( '\ FERNANDO PESSOA

J:Jomingo irei para as hortas na pessoa dos outros, Contente da :ninha anonimidade.

Domingo serei fdiz- é:Zes, êles ..•

Ah a frescura na face de não cumprir um deJJer! Faltar é positivamente estar no campo I

E essa saudade do campo e da vida à flor da natureza transparece até nas suas últimas poesias:

Um sonho meio son1wdo, Em que o campo transparece,

Está em 1nim, está. a meu lado, Ora me lembra ou me esquece.

Nas linhas salutares deste artigo de circunstância, há, para além do ocasional acontectmento que rememo­ram, um pensamento construtivo e um depoimento pre­cioso.

Estaruos certos que quando se fizer uma antologia das páginas mestras dos Escritores Portugueses em louvor do Desporto -naturalmente do Desporto enten­dido com a cabeça e não com os pés- e da Educação fistca havida como sua propedêutica própria, os passos mais caracterfsticos desta crónica nela serão acolhidos bizarra e justiceiramente.

Uma razão mais para que não continuem ao aban­dono nos cenotáfios da Imprensa.

" NÓTULA BIBLIOGRAfiCA

L" Publicação

O que um Milionbrio Americano fez em Porlugol. A Colónia lnfonlil Mocfodden em S. Jobo do Estoril

FAMA

de 10-3-1933

CO!~RIGENDA

Além de ou1ros lapsos n1enopes, irnpPi~ miu-se no lex!o no P. 23, L 28,

escola em luqor de escolha.

milionários, e sobretudo os milionários americanos, que são popularmente os típicos, nã.o gosam, em ge­ral, de uma celebridade

entusiástica. Do género de consideração que recebem dos que lhes sã.o alheios, é exemplo cómico aquela frase com que CHESTERTO~ abre um dos seus contos: «Quer-me pare­cer que há uma centena de novelas policiá­rias que começam com a descoberta de que foi assassinado um milionário americano, acontecimento que, por qualquer motivo, é tido corno uma espécie de desgraça».

Esta falta de afeição pública é derivada, na sua quási totalidade, da normal inveja humana a quem é muito rico, ou muito pode­roso, ou muito inteligente. A inveja, porém, decresce, porque se altera com a admiração, na proporção em que o invejante tem cons­ciência da impossibilidade de atingir a situa­ção do invejado. E' difícil o homem qualquer .supôr-se capaz de uma celebridade ou posição que assente na superioridade intelectual; pode, é certo, negar essa superioridade intelectual, mas então o que inveja não é já a inteligência que nega, mas a posição ou celebridade, que não pode nega r. E' mais fácil, mas ainda dificil,

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supôr-se um qualquer capaz de uma celebri­dade de poder; embora atribua a conqrista dêsse poder a qualidades em si mesmas infe­riores, como o servilismo ou a hipocrisia, tem que convir comigo, ·contra vontade, que o servilismo tem que ser firme e a hipocrisia hábil para conseguirem êsse fim. O que ele inveja, portanto, sem que o queira ou confesse, não é o poder conquistado, mas a firmeza, ainda que servil, e a habilidade, ainda que hipócrita, com que êsse poder se conqui::;tou.

O caso do dinheiro é inteiramente dife­rente. O dinheiro é, aparentemente, um fenó­meno externo e ocasional, e a fortuna que aquele acumulou em anos de trabalho paciente ou inteligente, pode êste igualá-la numa grande noite de roleta, num desvairamento feliz na Bôlsa, num bilhete único da lotaria. Estes casos, porém, são excepções, nem os ministra a realidade senão para o fim clássico de pro­varem a reg:·::~. As fortunas assim feitas, ràpida­mente estão desfeitas: o oue o vento trouxe, o ventou leva. Não assentando num acto de inte­ligência ou de vontade não há inteligência que as defenda nem vontade que as possa conservar.

O facto é que as grandes fortunas, quando não sejam hereditárias são quási sempre efeito, em sua origem, de um poderoso exercício da vontade ou da inteligência, e particularmente daquela espécie prática da vontade que esta~

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belece um só fim e dele se não desvia, ou daquela espécie prática da inteligência que consiste na vigilância das oportunidades e no seu aproveitamento imediato. Mais tarde, sim, no desenvolvimento da fortuna, podem entrar outros elementos, mas a vontade ou inteli­gência original constantemente resguarda é defende o que originalmente criou.

Os milionários são, por traz do dinheiro, homens, e àparte esse dinheiro, têm as quali­dades e os defeitos que tinham quando o não tinham. Se havia nêles, ingenitamente, uma forte tendência filantrópica, será absurdo que se esqueçam de a realizar quando a podem realizar sem dificuldade. A dureza, a implaca­bilidade, que mlticamente se atribuem aos grandes financeiros, são efeito, não do dinheiro, mas da luta; são comuns a êles e aos lutado­res po:· dinheiro que nunca o alcançaram. Conheço pequenos lojistas, caixeiros de ptaça, donas de casa, que, em virtude da luta comum pelo dinheiro, têm a mesma dureza, a mesma implacabiiidade, que o protagonista do Les ajjaires so11t les affaires. O fundo moral é o mesmo; o que a êstes falta é o golpe de vista, a inteligência penetrante, a imaginação cons­trutiva; o que êstes não atingem é a riqueza e a posição a que, com êsse fundo, essas quali­dades levam: o de que estes não sofrem é da visibilidade dessa posição.

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1\fACFADDEN, milionári americano, é sincerament um filantropo, e essa sine< ridade é tanto mais man festa e incontestáve

quando se efectiva por processos que são aplicação de teorias e de sistemas que con: tituiram sempre a sua principal preocupaçã< Começou êle a sua vida prática, por, send débil, se curar dessa debilidade por prc cessos ginásticas e dietéticas que êle mesm originou. Começou a sua ri­queza por publicar e vender :revistas em que êsses pro­cessos se explicavam e defen­diam. A plica a sua riqueza, em parte, à disseminar gratuita­mente esses processos, prin­cipalmente na criação de colónias infantis, onde crian­ças debeis recebem pela apli-cação dos mesmos processos, uma educaçã. física e até moral, que lhes dá a saúde, .a alegria e as põe no caminho de uma vid sã, forte e independente. Há, pois, uma cont nuidade absoluta em toda a vida dêste homerr uma sinceridade essencial manifestada po essa mesma continuidade, Não se trata de da

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um milhão de dolars ou de libras a este ou àquêle hospital num gesto impessoal, externo e decorativo- caro, é certo, porém fácil a quem o caro é barato. Trata-se de um acto não só moral mas intelectual e as altas obras socJais são aquelas em que cola­boram a moral e a inteligência.

ao ano passado, as colónias infantis de l\1ACFADDEN não existiam senão nos Estados Unidos; uma experiência com rapazes italianos-a primeira a sair da antiga

norma-,--- foi contudo feita, ainda, nos Estados Unidos, para onde os rapazes seguiram de Itália. O ano anterior, porém, decidiu MAC­FADDEN fazer uma experiência, ou, mais pro­priamente, uma exibição, na Europa: benefi­cia\'a um certo número de crianças débeis, e, .ao mesmo tempo, fazia uma demonstração .a aproveitar, fôsse pela Sociedade das Nações, que a registasse para os devidos efeitos como demonstração eficaz; fõsse pelo país onde se

. realizasse, que, ver;ificando os resultados, natu-

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ralrnente se decidiria a aplicar os processo fôs~e por ambos cumulativamente. No ca~ provável de o país escolhido decidir aplic às suas criancas- sobretudo às pobres~< processos ali mesmo demonstrados, era, at possivel que MACFADDEN continuasse a ma ter, à sua custa, a primitiva colónia demon trativa, que assim permaneceria como col' nia-tipo.

Dada a circunsUmcia de a demonstraçz dever ser, primàriamente, levada ao conhec menta da Sociedade das Nações, parece qt o país em que se pensou em realizá-la er como parecia melhor, a Suíça. I\fACFADDE admitia, porém, a possibilidade de s< outro o país mais apropriado à experiênci Bastava que fôsse apropriado e que fôs: europeu.

Com êste fito encarregou um seu amig' o jornalista americano }dbin E. jOHNSON, c descobrir qual seria o mefhor país, e o melhc local nêsse país, para se realizar a dF:monstn ção. Sucede que Albin J OHNSON era-- com creio que ainda é- correspondente especi: de vários jornais americanos junto da Soei< dade das Nações; e sucede que, em virtud dessa situação, veio em 1930 a Portuga acompanhado de sua mulher, na excursã que aqui fizeram, a convite do Govêrn Português, os jornalistas que ali trabalhavan

FERNANDO PESSOA

:Madame JOH.''JSON ficou encantada com Por­tugal e sugc·iu a seu marido que fôsse éste o país indicado a l\JACFADDEN para a reali­zação ela experiência. Expôs-lhe (foi o pró­prio ]OHNSON que mo contou) que não havia em parte alguma da Europa, que êles ambos conheciam bem, clima jgual ao de Portugal, e sobretudo da zona que vai de Lisboa a Cascaes, e que, advindo do estabelecimento da Colónia Infantil um grande reclame para o país onde se estabelecesse (dados os numero~ sos jornais e revistas de que l\fACFADDEN é proprietário), era mais justo àparte o próprio clima, que fôsse escolhido Portugal do que a Suíça. Portugal merecia toda a propaganda, e não a tinha; a Suíça tinha, e tem, a sua pro~ paganda automàticamette feita.

jOHNSON concordou imediatamente, e para isso, antes de sair de Portugal, entrou em con­tacto com quem justamente lhe foi indicado para melhor o orientar no assunto-o Dr. Fer­nando Lobo d'Avila Lima, meu velho amigo, homem preocupado com problemas educati­vos, e preocupado sincera e tecnicamente com êles, sem intuito de propaganda pró­pria ou de comércio ulterior. Assim se rea­lizou a primeira entrevista, a que assisti, e nela ficou assente que seria proposto a l\1ACFADDEN que a demonstração se fizesse em PortugaL

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sistema MACFADDEN con­sistia tanto quanto mais tarde pude averiguar -na reunião de três elementos: vida, quanto possível, ao

ar livre: uma dieta simples A e estudada; cer­tos exercícios gimnásticos. Estes últimos, ba­seados no princípio geral vulgarmente con he­cido por gimnástica sueca; caracterizam-se todavia por neles se incluírem elementos de dissociação. O propósito, assim buscado c conseguido, é de desmecanizar os movimentos, chamando, pois, a atenção constantemente à superfície. O aluno nunca sabe qual a \roz de comando que lhe vai ser dada a seguir, nem a ordem de movimentos em que vai ser feito determinado exer­cício, nem a forma exacta cc,rno vai ser chamado a coordenar certos movimentos.

Tudo isto está bem visto e bem pensado. O corpo não é mais do que o instrumento da vontade, a ferramenta de que o espírito se serve para actuar sôbre o mundo em que, por êsse mesmo corpo, exteriormente existe. O propósito racio­nal da gimnástica é, pois, através da educação do corpo, educar a vontade; e a vontade edu-

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FERNANDO PESSOA

ca-se, primàriamente, através da atenção. Os processos gimnásticos vulgares, pelos quais se considera o corpo como um cadá­ver vivo cujos músculos há que assoprar, não servem senão para criar inúteis, for­tes, bêbados da musculatura, homens cujo ideal social é o de serem carroceiros sem carroça. Não assim nos verdadeiros sistemas gimnásticos, nem particularmente, no sistema l\facfadden. Nêste os exercícios tendem, como depois pude observar, para tornar a atenção pronta, rápida, intensa, os movi­mentos inteligentes e disciplina­dos, e a generalidade do sistema a fazer do indivíduo um ser dis­perto, livre, maleável, capaz de agir alegremente e depressa, apto a pensar, naturalmente, pela sua pró­pria cabeça.

Foi isto que Bernardl\Iacfadden y se propôz realizar na Europa, e \ possivelmente em Portugal. Foi isto que em Portugal, com cincoenta rapazitos pobres, e no curto espaço de seis meses, triun­falmente realizou.

Desde o princípio, e embora a minha inter­venção no assunto nunca fõsse senão, por assim dizer, abstracta e contemplativa, segui com grande interêsse as fases, primeiro incer­tas e para a realização, depois certas e de exe-

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cu·;ão, do seu desenvolvimento. O meu inte­r(~ se não era o de ser, em qualquer sentido, entendido na matéria, mas o de ver as vantagens que advinham (*) para o país da efectivação do projecto, e também a iembrança de quanto, embora tão longe de atleta eu devo à gimnás­tica. Quando, em 1907, o Prof. Egas Moniz me passou, para fins gimnásticos, para as mãos de Luiz Furtado Coelho, para ser cadáver só me faltava morrer. Em menos de três meses e a três lições por semana, pôs-me Furtado Coelho em tal estado de transformação que, diga-se com modestia, ainda hoje existo- com que vantagens para a civilização europeia, não me compete a mim dizer. Eu não sabia, é certo, se o sistema Macfadden tinha p1.recen­ças, excepto gerais, com o de Furtado Coelho, nem se os instrutores de l\1acfadden teriam a in~:;gualável competência, intelectual e pro­fissional, do meu velho professot e amigo, ou o dom dinàmico, que ele tinha e tem, de ime­diatamente fazer criar interesse pela gimnás­tica a quem está no estado de não saber ter interesse por coisa alguma. Parti, porém, do princípio que, qualquer que fõsse o sistema J\1acfadden, bastava ser construído por um homem entendido na matéria e que a si mesmo se apresentava como demonstração primária e notável, bastava inclmr exercícios ao ar livre

t*) No lex!D: adivinham.

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e uma dieta (*) sã e simples, para dêle neces­sàriamente advirem resultados favoráveis, a quantas crianças êle se aplicasse.

Depois de uma ida à América, para confe­renci~r com l\'lacfadden, do Dr. Fernando Lobo de A vila Lima. como delegado da Junta de Edu­cação Nacional, ficou definitivamente assente que a demonstração se faria em Portugal.

Seguiu-se, um pouco mais tarde, a ceden­cia, pelo l\1inisterio da Guerra, do edificio dos Banhos de Póça, em S. João do Estoril, para a instalação da Colónia Infantil. O Asilo Nunalvares cedeu cincoenta rapazes para ma­téria de demonstração. Começou esta em Novembro de I9JI, acabou em Abril de 1932. Foi um triunfo assombroso e completo. Os pequenos sumidos e cabisbaixos, que entraram em Novembro, foram, até Abril, transmudados, por uma alquimia alegre em crianças verdadei­ras. As fotografias individuais, tiradas em No­vembro e em Março, mostram flagrantemente, por comparação, a transformação física em cada rapaz. Mas só quem viu e observou pode fazer ideia da correspondente vitalização mental.

Para director da Colónia e seu instrutor gimnástico, mandou Macfadden a Portugal um especialista dos seus processos, o capitão­-aviador Claude De Vitalis. A escola não pode­ria ter sido melhor. Aparte a sua proficiencia

(•) No texto: ldiete.

FERNANDO PESSOA

técnica, que não sou eu competente para abonar, mas que tanto a escolha de Macfac::den como os resultados obtidos abonam por si mesmos, o De Vitalis é um entusiasta carinhoso. Ama o sistema Macfadden e adora as crianças a. quem o aplica. Foi, lembro-me bem, com grande e visível mágua que, quando, quasi no· fim, visitei a Colónia, êle me disse textualmente, salvo que o disse em inglês: V. não imagina~ meu velho, a pena que me faz deixar estas crian­ças. Em primeiro lugar tenbo simplesmente pena, porque as adoro. Em segundo lugar, se estas Colónias não continuarem, se o seu exemplo não frutificar aqui, para que serviu isto tudo? E o que vai ser dêstes pequenos? Voltam para onde estavam e para aquilo que os pôs como estavam quando aqui os recebi? Nêsse caso, cbega a ser uma barbaridade ter-lhes feito o bem que aqui se lhe fez, pois o tiveram simplesmente para o perder».·

Faço minhas as palavras do De Vitalis, mas, por principio e dever, não faço meu o seu vago pessimismo.

DONTAMENTO

QurSEJ'v1ÓS averiguar junto do I>rof. Egas l'loniz, o notável dentista que ainda hoje intervém com o seu inegualável

valor intelectual nas pugnas cívicas e nas comemorações literárias nacionais, da lembrança que guardaria do lon­gínquo episódio que nos revela Fernando Pessoa.

Não guardou nenhuma mas em contrapartida, de Furtado Coelho que, na própria expressão do nosso ilustre cor­respondente, foi um dos pioneiros do ensino rnetódico da ginástica em Portugal, contou-nos esta anedota não despida de sabor e graça:

«Um dia em que vinha para Lisboa no rápido, da Ji1inha aldeia (Avanca), o combóío teve um choque com algumas carruagens em Alfarelos ou Entroncamento. O Furtado Coelho veio ver-me ao meu compartimento e ficou à porta a ouvir um passageiro brasileiro que, para tranquilízar os presentes, contava não sei quantos descarrilamentos que sofrera na América, ficando sempre ileso.

«Furtado Coelho acompanhou a narra ti v a com sereni­dade. No fim dirigindo-se ao palestrador disse- V. Ex.a é muito feliz.

«-Por ter escapado, retorquiu o outro. «Não, acrescentou o Furtado, por o não ter deitado já

pela íanela fora. «Risada generalizada que terminou a conversa, sem que

o meu amigo que exibia a sua musculatura dos braços, tivesse de continuar as suas ameaças.

«Só comentou: -Um homem assim não anela em com­bóias ou previne os companheiros à entrada».

E o professor Egas i'lonlz, pondo fim às suas recorda­ções, comenta melancàl!camente:

«liá quantos anos isso foi? Há uns 50. Histórias do Passado I»