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Processo Coletivo – Prof. Lúcio Flávio Siqueira de Paiva DIREITO PROCESSUAL CIVIL PROCESSO COLETIVO LÚCIO FLÁVIO SIQUEIRA DE PAIVA ADVOGADO. MESTRE EM DIREITO PELA PUC/GO. PROFESSOR DE PROCESSO CIVIL NA PUC/GO, ESCOLA DA MAGISTRATURA DE GOIÁS E CURSOS PREPARATÓRIOS PARA CONCURSOS PÚBLICOS Atualizada até abril de 2012. 1

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Processo Coletivo – Prof. Lúcio Flávio Siqueira de Paiva

DIREITO PROCESSUAL

CIVIL

PROCESSO COLETIVO

LÚCIO FLÁVIO SIQUEIRA DE PAIVAADVOGADO. MESTRE EM DIREITO PELA PUC/GO.

PROFESSOR DE PROCESSO CIVIL NA PUC/GO, ESCOLA DA MAGISTRATURA DE GOIÁS E CURSOS PREPARATÓRIOS PARA CONCURSOS PÚBLICOS

Atualizada até abril de 2012.

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ROTEIRO 01NOÇÕES INTRODUTÓRIAS

01. ANTECEDENTES HISTÓRICOS

- As fases metodológicas do processo: (i) imanentista ou sincretista; (ii) autonomista; (iii) instrumentalista: processo coletivo como vertente do instrumentalismo substancial.- A ação popular romana como antecedente histórico das ações coletivas.- A “summa divisio” romana: divisão do direito em público e privado, de acordo com os possíveis titulares de direitos, ou seja, o indivíduo ou o Estado.- Necessidade de superação conceitual, ante a tomada de consciência de uma classe de direitos que transcendem tanto a esfera do indivíduo, por um lado, quanto a esfera do Estado, por outro. Exemplo: a consciência ecológica e o despertar valores ambientais, os direitos do consumidor.- A experiência norte-americana das class action: importância do estudo de mecanismos que inspiraram o legislador brasileiro, a saber: (i) o right to opt out; (ii) o sistema de fair notice ; (iii) a adequacy of representantion; (iv) o binding efect decorrente da coisa julgada.- A evolução do processo coletivo no Brasil: (i) a ação popular prevista no artigo 113, inciso XXXVIII da Constituição de 1934; (ii) A lei 4.717/65; (iii) a década de 70 e a “revolução dos professores”, inspirada no movimento de ACESSO À JUSTIÇA, comandado por CAPPELLETTI e BRYANT GARTH.

02. FUNDAMENTOS OU OBJETIVOS DAS AÇÕES COLETIVAS:

- Acesso à Justiça.- Economia Processual.- Segurança Jurícia.- Isonomia.- Celeridade.- Prevenção de decisões conflitantes.

03. CONCEITO DE PROCESSO COLETIVO:

- Para Didier e Zanetti Jr., “ conceitua-se processo coletivo como aquele instaurado por ou em face de um legitimado autônomo, em que se postula um direito coletivo lato sensu ou se postula um direito em face de um titular de um direito coletivo lato

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sensu, com o fito de obter uma providência jurisdicional que atingirá uma coletividade ou um número determinado de pessoas”.

3.1. CARACTERÍSTICAS DO PROCESSO COLETIVO

- A especial legitimação para agir.- A afirmação em juízo de um direito coletivo lato sensu.- A extensão subjetiva da coisa julgada.

04. PROCESSO COLETIVO E MICROSSISTEMA DE TUTELA COLETIVA

- O sistema de tutela coletiva é formado por diversas leis que se comunicam entre si, em verdadeiro diálogo de fontes, e que formam um verdadeiro microssistema do processo coletivo.- Principais Leis: Lei de Ação Popular (Lei n◦ 4.717/65); Lei da Política Nacional do Meio Ambiente (Lei n◦ 6.938/81); Lei de Ação Civil Pública (Lei n◦ 7.347/85); CF/88; Código de Defesa do Consumidor (Lei n◦ 9.078/90); Lei do Mandado de Segurança (Coletivo) (Lei n◦ 12.016/09) e outros.

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ROTEIRO 02OS DIREITOS COLETIVOS LATO SENSU

01. INTRODUÇÃO

- Direitos coletivos “lato sensu”: difusos, coletivos e individuais homogêneos.

02. A CONCEITUAÇÃO LEGAL

- CDC, Artigo 81, parágrafo único.- Interesses ou direitos difusos: os transindividuais, de natureza indivisível, de que sejam titulares pessoas indeterminadas e ligadas por circunstâncias de fato.- Interesses ou direitos coletivos: os transindividuais, de natureza indivisível, de que seja titular grupo, categoria ou classe de pessoas, ligadas ente si ou com a parte contrária por uma relação jurídica base.- Interesses ou direitos individuais homogêneos: assim entendidos os decorrentes de origem comum.- IMPORTANTE: apesar de conceituados no CDC, não se aplicam apenas às relações de consumo.

2.1. DIREITOS OU INTERESSES?

- A doutrina amplamente majoritária afirma que o CDC não fez distinção entre as duas expressões. KAZUO WATANABE (Comentários ao CDC) afirma serem expressões sinônimas, na medida em que o interesse, quando amparado pelo ordenamento, adquire o status de direito. ELPÍDIO DONIZETI e MARCELO CERQUEIRA (Curso de Processo Coletivo) afirmam se tratar de distinção incabível, pois que os direitos coletivos são titularizados por coletividades, dispensando que se recorra ao conceito da doutrina italiana de interesse para permitir a sua tutela jurisdicional.

03. OS DIREITOS DIFUSOS:

- Características principais:a) Titularidade: coletividade composta por indivíduos indeterminados e indetermináveis;b) Divisibilidade: ausente, pois que o direito difuso é essencialmente indivisível1; 1 Ricardo de Barros Leonel, em MANUAL DO PROCESSO COLETIVO, observa (pag. 91), dando como exemplo de direito difuso o meio ambiente: “O objeto do seu interesse é indivisível, pois não se pode repartir o proveito, e tampouco o prejuízo, visto que a lesão atinge a todos indiscriminadamente, assim como a preservação a todos aproveita”.

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c) Origem: mesma situação de fato.

- Exemplos típicos: meio ambiente, direitos do consumidor, patrimônio histórico, moralidade administrativa.

04. OS DIREITOS COLETIVOS STRICTO SENSU

- Características principais:a) Titularidade: coletividade composta de indivíduos indeterminados mas determináveis;

b) Divisibilidade: ausente, pois também são essencialmente coletivos;c) Origem: prévia relação jurídica base, mantida entre si ou com a parte contrária.

- Exemplos típicos: OAB ou sindicato, na defesa dos interesses de seus associados; contribuintes de um determinado imposto.

05. DIREITOS INDIVIDUAIS HOMOGÊNEOS

- Características principais:a) Titularidade: grupo de indivíduos determinável;b)Divisibilidade: presente, pois se trata de direito essencialmente individual;c) Origem: situações de fato ou de direito equivalentes.

- Exemplos clássicos: adquirentes de modelo de veículo com defeito; consumidores de um produto nocivo à saúde que buscam indenização.

- IMPORTANTE: trata-se de direitos tipicamente individuais, que por poderem ensejar conflitos de massa (mass torts), receberam do legislador a tratativa na forma coletiva.- OBS 1: inspiração nas class action for damages do direito norte-americano. CASO CLÁSSICO: agent Orange case, no qual veteranos da guerra do Vietnã, por intermédio de um representante adequado, moveram uma ação coletiva (class action for damages) e processaram várias indústrias químicas americanas que manipularam esse agente químico.- Sobreleva, nesses casos, a questão do acesso à justiça e paridade de armas.

06. A QUESTÃO DA TITULARIDADE DOS DIREITOS COLETIVOS LATO SENSU

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- Ao contrário do que afirma parcela da doutrina, a titularidade não é indeterminada, mas determinada: a coletividade, que se faz presente em juízo por intermédio de um representante adequado.

07. QUADRO COMPARATIVO DOS DIREITOS COLETIVOS LATO SENSU

ESPÉCIE TITULARIDADE DIVISIBILIDADE ORIGEM CLASSIFICAÇÃODIFUSO Coletividade de

indivíduos indeterminados e indetermináveis

Indivisível Fato lesivo Essencialmente coletivo

COLETIVO Coletividade de indivíduos indeterminados mas determináveis

Indivisível Relação jurídica base anterior entre si ou com a parte contrária

Essencialmente coletivo

INDIVIDUAL HOMOGÊNEO

Coletividade de indivíduos em situação jurídica homogênea

Divisível Fato lesivo Acidentalmente coletivo

08. METODOLOGIA PARA A IDENTIFICAÇÃO DOS DIREITOS COLETIVOS LATO SENSU (PROPOSTOS POR ELPÍDIO DONIZETE E MARCELO CERQUEIRA)

Primeira pergunta: a tutela jurisdicional é postulada em benefício de quem? De um indivíduo ou de uma massa de indivíduos?

Segunda pergunta: em se dirigindo a um conjunto de indivíduos, há divisibilidade do direito coletivo pleiteado? Ou seja, poderia o direito ser postulado por cada indivíduo integrante do todo em ação própria?

Terceira pergunta: Qual a origem do direito coletivo postulado? Havia prévia relação jurídica entre os membros da coletividade ou entre eles e a parte contrária?

CASO HIPOTÉTICO INTERESSANTE:(proposto por DONIZETTI e CERQUEIRA)- Fabricante de iogurte que, buscando aumentar suas vendas, divulga, mediante propaganda televisiva, que seu produto reduz o “colesterol ruim”. Pesquisas

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científicas demonstram, porém, que na verdade o consumo daquele iogurte aumentos os níveis de colesterol ruim.- 3 ações judiciais são propostas em decorrência desse fato:

Ação X: busca a parte autora indenização pelos danos materiais e morais sofridos, decorrentes dos gastos efetuados com a compra do produto e o aumento dos níveis de colesterol.

Ação Y: entidade legitimada pleiteia indenização pelos danos materiais e morais sofridos por todos os consumidores que adquiriram aquele produto.

Ação Z: entidade legitimada que, com base na proteção ao direito à saúde do consumidor, pleiteia que a fabricante seja condenada a retirar seus produtos do mercado.

IDENTIFIQUE O DIREITO EM CADA CASO.

- CONCLUSÃO: o direito coletivo deve ser identificado no caso concreto, de acordo com o pedido e com a causa de pedir, pois um mesmo fato pode originar pretensões difusas, coletivas e individuais homogêneas.

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ROTEIRO 03PRINCÍPIOS DO PROCESSO COLETIVO

01. NOÇÕES GERAIS SOBRE TUTELA JURISDICIONAL

- Classificação de acordo com a pretensão submetida à apreciação jurisdicional: tutela cognitiva, executiva ou cautelar.- Noção de crise jurídica.- Tipos de tutela cognitiva: declaratória, constitutiva/desconstitutiva e condenatória.

02. PRINCÍPIOS APLICÁVEIS AO PROCESSO COLETIVO

2.1. Aplicação Residual do CPC:- O CPC, por seu caráter eminentemente individualista, terá aplicação meramente residual aos processos coletivos e desde que obedecidas as seguintes regras: (i) no microssistema de tutela coletiva haja omissão; (ii) a regra processual do CPC seja compatível com o processo coletivo, na medida em que não pode comprometer a eficácia da proteção aos direitos coletivos lato sensu.

2.2. Representatividade Adequada- Os substitutos processuais da coletividade atuam em nome desta e, por isso, devem ser representantes adequados. Os sistemas conhecidos são o de controle judicial (ope iudices) da representação adequada, como ocorre nos Estados Unidos, e o sistema de controle da representatividade adequada pela lei (ope legis), como ocorre no Brasil, eis que entre nós é a lei quem indica os representantes, prévia e abstratamente.

DONIZETTI e CERQUERIA criticam a terminologia representante por se confundir com o instituto da representação no processo individual. Pensamos que a crítica não faz sentido, bastando lembrar que a expressão representante adequado é já tradicional na doutrina do processo coletivo e usada em um contexto que não permite confusão com a representação do processo individual.

DIDIER e ZANETI JR., ao comentarem o princípio da representação adequada pontuam que cresce a necessidade de que seja feito, pelo juiz e no caso concreto, o controle da representação adequada, com vistas à segurança jurídica e garantia de efetiva proteção ao direito coletivo postulado em juízo.

Se essa opinião prevalecer – e já há muitos juízes que fazem esse controle – o Brasil passaria a ter, na prática, um critério misto ou híbrido: a lei, prévia e abstratamente, aponta os legitimados extraordinários; o juiz, no caso concreto,

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analisa se aquele legitimado extraordinário é, naquele específico caso, um representante adequado.

2.3. Não-taxatividade ou Atipicidade da Tutela Coletiva:

- Decorrência direta de que de nenhuma lesão ou ameaça a direito pode ser excluída da análise do Poder Judiciário, a doutrina ensina que a ausência de procedimento próprio para a tutela de determinado direito coletivo não pode ser óbice à propositura da ação coletiva. DONIZETTI e CERQUEIRA chegam a afirmar que “nada impede, portanto, a propositura de uma ação coletiva inominada”. Essa idéia é anunciada no artigo 83 do CDC.

Art. 83. Para a defesa dos direitos e interesses protegidos por este Código são admissíveis todas as espécies de ações capazes de propiciar sua efetiva e adequada tutela.

2.4. Princípio da Ampla Divulgação da Demanda Coletiva e Princípio da Informação aos Órgãos Competentes:

- O princípio da ampla divulgação decorre, diretamente, do artigo 94 do CDC.

Art. 94. Proposta a ação, será publicado edital no órgão oficial, a fim de que os interessados possam intervir no processo como litisconsortes, sem prejuízo de ampla divulgação pelos meios de comunicação social por parte dos órgãos de defesa do consumidor.

A doutrina ressalta que o princípio da ampla divulgação da demanda coletiva visa possibilitar: (i) que os autores individuais possam requerer a suspensão de seus processos; (ii) a propositura de uma única demanda coletiva, evitando casos de litispendência e coisa julgada; (iii) a intervenção de amicus curiae; (iv) a execução individual da sentença coletiva; (v) o controle da atuação adequada do legitimado extraordinário.DIDIER e ZANETTI JR. pontuam que se trata de princípio de encontra raízes na fair notice do direito norte-americano.

- A seu turno, o princípio da informação aos órgãos competentes decorre dos arts. 6◦ e 7◦ da Lei de Ação Civil Pública:

Art. 6◦. Qualquer pessoa poderá e o servidor público deverá provocar a iniciativa do Ministério Público, ministrando-lhe informações sobre fatos que constituam objeto da ação civil e indicando-lhe os elementos de convicção.

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Art. 7◦. Se, no exercício de suas funções, os juízes e tribunais tiverem tiverem conhecimento de fatos que possam ensejar a propositura da ação civil, remeterão peças ao Ministério Público para as providências cabíveis.

2.5. Princípio da Indisponibilidade Temperada e da Continuidade da Demanda Coletiva:

- O princípio da indisponibilidade temperada da ação coletiva liga-se, sobretudo, ao Ministério Público, por ter o dever institucional de atuar na defesa dos direitos coletivos em sentido lato. Assim, ao contrário do processo individual, em que a propositura ou não da ação encontra-se no âmbito da faculdade do indivíduo, no processo coletivo, constatada a lesão a um direito coletivo lato sensu, a propositura da ação coletiva é uma imposição. Todavia, essa obrigatoriedade de propositura da ação coletiva deve ser considerada temperada, justamente porque o MP deverá fazer um exame de oportunidade e conveniência quanto ao seu manejo.Um bom exemplo do princípio da indisponibilidade da ação coletiva encontra-se tratado no artigo 9◦ da Lei de Ação Civil Pública (lei 7.347/85):

Art. 9◦. Se o órgão do Ministério Público, esgotadas todas as diligências, se convencer da inexistência de fundamento para a propositura da ação civil, promoverá o arquivamento dos autos do inquérito civil ou das peças informativas, fazendo-o fundamentadamente.§1◦. Os autos do inquérito civil ou das peças de informação arquivadas serão remetidos, sob pena de se incorrer em falta grave, no prazo de 3 (três) dias, ao Conselho Superior do Ministério Público.§2◦. Até que, em sessão do Conselho Superior do Ministério Público, seja homologada ou rejeitada a promoção de arquivamento, poderão as associações legitimadas apresentar razões escritas ou documentos, que serão juntados aos autos do inquérito ou anexados às peças de informação.§3◦. A promoção de arquivamento será submetida a exame e deliberação do Conselho Superior do Ministério Público, conforme dispuser o seu regimento.§4◦. Deixando o Conselho Superior de homologar a promoção de arquivamento, designará, desde logo, outro órgão do Ministério Público para o ajuizamento da ação.

Ainda sobre o princípio da indisponibilidade temperada da ação coletiva, merece destaque a opinião de DONIZETTI e CERQUEIRA no sentido de aplicá-lo não só ao Ministério Público, mas também às defensorias públicas e à advocacia pública, forte no argumento de que estes também são essenciais à Justiça e incumbindo-lhes igualmente velar pelos direitos coletivos em sentido lato.

- Por sua vez, o princípio da continuidade da demanda coletiva encontra-se positivado no §3◦ do artigo 5◦ da Lei de Ação Civil Pública (lei 7.347/85):

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Art. 5◦. (...)§3◦. Em caso de desistência infundada ou abandono da ação por associação legitimada, o Ministério Público ou outro legitimado assumirá a titularidade ativa.

Sobre o dispositivo, duas observações: (i) não se trata de abandono da demanda coletiva apenas por associação, mas por qualquer legitimado; (ii) a continuidade também é temperada, pois não pode obrigar o Ministério Público ou outro legitimado extraordinário a dar prosseguimento a uma demanda infundada.

2.6. Princípio da Obrigatoriedade da Execução da Sentença coletiva:

- Esse princípio decorre, primordialmente, do artigo 15 da Lei de Ação Civil Pública (lei 7.347/85), que reza:

Art. 15. Decorridos 60 (sessenta) dias do trânsito em julgado da sentença condenatória, sem que a associação autora lhe promova a execução, deverá fazê-lo o Ministério Público, facultada igual iniciativa aos demais legitimados.

No mesmo sentido, o artigo 100 do Código de Defesa do Consumidor:

Art. 100. Decorrido o prazo de um ano sem habilitação de interessados em número compatível com a gravidade do dano, poderão os legitimados do art. 82 promover a liquidação e execução da indenização devida.Parágrafo único. O produto da indenização devida reverterá para o Fundo criado pela Lei n◦ 7.347, de 24 de julho de 1985.

O artigo 15 da LACP deixa claro que, se a propositura da ação coletiva comporta algum temperamento, a execução da sentença de procedência é absolutamente obrigatória, sem exceção. Logicamente, qualquer legitimado que não promova a execução da sentença coletiva poderá ser substituído por outro, a fim de assegurar a efetiva execução da sentença de procedência.O artigo 100 do CDC, por sua vez, trata das sentenças proferidas em ações coletivas que buscam a tutela de direitos individuais homogêneos: nesse caso, o legitimado extraordinário busca uma sentença condenatória genérica, que será posteriormente liquidada e executada pelos substituídos, ou seja, pelos legitimados individuais. Ocorre que, não raro, tais legitimados individuais não comparecem para realizar a devida liquidação/execução, quer por não terem conhecimento da ação coletiva e da sentença condenatória (daí a importância do princípio da máxima divulgação), quer por falta de interesse econômico. Nesses casos, decorrido um ano sem o comparecimento significativo desses substituídos, deverá o Ministério Público ou qualquer outro legitimado promover a execução do julgado, que agora será em

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caráter coletivo e a fim de beneficiar toda a coletividade, pois que os valores apurados devem ser depositados nos fundos estatais de proteção aos direitos coletivos lato sensu. Trata-se do instituto que hoje é conhecido como fluid recovery ou reparação fluida.

2.7. Princípio da Extensão Subjetiva da Coisa Julgada e do Transporte in utilibus

- Pela extensão subjetiva da coisa julgada, a decisão do processo coletivo se estende ou erga omnes ou ultra parts, beneficiando os membros da coletividade. Essa extensão subjetiva da coisa julgada (ou de seus efeitos, como oportunamente se estudará) é inerente ao processo coletivo, sendo um de seus elementos caracterizadores.- Já o transporte in utilibus permite que uma sentença, proferida em ação coletiva para a defesa de direitos essencialmente coletivos possa ser transportada para uma ação individual, originada, por exemplo, daquele mesmo fato.

2.8. Princípio da Intervenção Obrigatória do Ministério Público:

- Esse princípio decorre do artigo 5◦, §1◦ da Lei de Ação Civil Pública, que reza:

Art. 5◦. (...)§1◦. O Ministério Público, se não intervier no processo como parte, atuará obrigatoriamente como fiscal da lei.

A intervenção do Ministério Público em uma demanda coletiva se dá de duas formas: na qualidade de autor e na qualidade de custos legis. Ora, quando atua na qualidade de Autor qualquer dúvida há, pois que o MP será parte na demanda. Surge o questionamento naqueles outros casos, em que não propôs a ação e, a nosso ver, sempre que houver uma ação coletiva não proposta pelo MP, esse deverá atuar como fiscal da lei, sendo intimado dos atos processuais.

2.9. Princípio do Interesse Jurisdicional no Conhecimento do Mérito do Processo Coletivo:

- De acordo com esse princípio, visto por alguns como um subprincípio da instrumentalidade das formas, deve o juiz flexibilizar ao máximo as regras de procedimento, a fim de assegurar o direito da sociedade em ver apreciado o mérito da ação coletiva. Na seara, pois, da tutela dos direitos coletivos, o processo deve ser visto, mais do que nunca, como mero instrumento de viabilização da prestação da tutela jurisdicional.

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- Por fim, cita a doutrina ainda dois princípios: certificação da demanda coletiva e competência adequada. O primeiro não nos parece aplicável ao sistema brasileiro, e o segundo ainda carece de aprofundamento doutrinário, pelo que não serão comentados.

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ROTEIRO 04A LEGITIMIDADE NAS AÇÕES COLETIVAS

01. NATUREZA JURÍDICA DA LEGITIMIDADE ATIVA NAS AÇÕES COLETIVAS

Basicamente, três são as teorias que buscam explicar a natureza jurídica da legitimidade ativa nas ações coletivas: (i) legitimidade ordinária; (ii) legitimidade extraordinária e (iii) legitimidade autônoma para a condução do processo.

A primeira corrente defende se tratar de legitimidade ordinária das formações sociais para a defesa dos direitos coletivos e os entes que representam essas formações sociais estariam em juízo a defender direito que efetivamente titularizam. ARAKEN DE ASSIS, citado por DONIZETTI e CERQUEIRA (pag. 134), explica que,

É questão em aberto, no direito pátrio, a natureza da legitimidade do Ministério Público, e a fortiori, das associações civis e dos partidos políticos, tratando-se de interesses difusos e coletivos [...]. Parece mais consentâneo à realidade qualificar a legitimidade de ordinária nessas situações.[...] a transmigração do individual para o coletivo, a qual alude Dinamarco, [...] implica uma transformação mais profunda e intensa do que a simples substituição, outorgando a titularidade do direito coletivo e do difuso a uma pessoa diferente dos titulares da situação individual incluída no conjunto.Em outras palavras, o Ministério Público, a associação ou o cidadão, conforme o caso, legitimam-se, ativamente, porque se mostram titulares do direito posto em causa, sem embargo de existirem outros titulares dos direitos parciais que, coletivamente, formam o objeto litigioso. Por essa linha de raciocínio, a soma das partes adquire identidade própria e nova, substancialmente diversa das frações de que é titular pessoa também diferente, graças à indivisibilidade. E tal legitimação se revela ordinária.

A segunda corrente, amplamente majoritária na doutrina brasileira, defende tratar-se de legitimidade extraordinária, visto que o autor coletivo vai a juízo em nome próprio, defender direito de outrem, ou seja, defender o direito metaindividual que é titularizado pela coletividade, caso em que atua como verdadeiro substituto processual. Essa a teoria adotada por DIDIER e ZANETI JR., DONIZETTI e CERQUEIRA, bem como pelo autor do presente trabalho.

A terceira corrente tem em NELSON NERY seu principal defensor. Inspirada no direito alemão, pugna por um abandono da tradicional divisão em legitimação ordinária e extraordinária, pois que se trataria de conceituação insuficiente para explicar o fenômeno da legitimidade no processo coletivo. Defende, assim, que os entes legitimados à propositura da ação coletiva seriam

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dotados, pela lei, de uma legitimação autônoma para a condução do processo. Também RICARDO DE BARROS LEONEL defende tal concepção, partindo da premissa que os esquemas de raciocínio típico do processo individual não servem adequadamente ao processo coletivo. Faz, porém, uma ressalva: na seara dos direitos individuais homogêneos, que são apenas acidentalmente coletivos, a legitimação é extraordinária por substituição processual, dado que o Autor coletivo vai a juízo em nome próprio defender, realmente, direito alheio.

02. CARACTERÍSTICAS DA LEGITIMAÇÃO COLETIVA ATIVA

A legitimação extraordinária por substituição processual possui as seguintes características: (i) autônoma, (ii) exclusiva, (iii) concorrente e (iv) disjuntiva.

É autônoma, pois o legitimado extraordinário está autorizado a conduzir o processo independentemente do titular do direito litigioso, ou seja, independente da autorização da coletividade titular do direito metaindividual.

É exclusiva, pois o só o legitimado extraordinário está autorizado a propor a ação coletiva na defesa dos direitos coletivos lato sensu.

É concorrente, pois há mais de um legitimado extraordinário à propositura da ação coletiva e qualquer um deles, sem ordem de preferência, pode propor a ação coletiva.

E, finalmente, é disjuntiva, pois, apesar de concorrente, cada um dos legitimados atua independentemente da vontade e da autorização dos demais co-legitimados.

03. OS LEGITIMADOS COLETIVOS ATIVOS:

O rol dos legitimados coletivos ativos encontra-se, basicamente, nos artigos 5º da Lei de Ação Civil Pública e art. 82 do CDC.

LACP, art. 5º. Têm legitimidade para propor a ação principal e a ação cautelar:I – o Ministério Público;II – a Defensoria Pública;III – a união, os Estados, o Distrito Federal e os Municípios;IV – a autarquia, empresa pública, fundação ou sociedade de economia mista;V – a associação que, concomitantemente:a) esteja constituída há pelo menos 1 (um) ano nos termos da lei civil;b) inclua, entre suas finalidades institucionais, a proteção ao meio ambiente, ao consumidor, à ordem econômica, à livre concorrência ou ao patrimônio artístico, estético, histórico, turístico e paisagístico.

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CDC, art. 82. Para os fins do art. 81, parágrafo único, são legitimados concorrentemente:

I – o Ministério Público;II – a união, os Estados, os Municípios e o Distrito Federal;III – as entidades e órgãos da administração pública, direta ou indireta, ainda que sem personalidade jurídica, especificamente destinados à defesa dos interesses e direitos protegidos por este Código;IV – as associações legalmente constituídas há pelo menos 1 (um) ano e que incluam entre sues fins institucionais a defesa dos interesses e direitos protegidos por este Código, dispensada a autorização assemblear.

3.1. A LEGITIMAÇÃO ATIVA DO MINISTÉRIO PÚBLICO

É da Constituição Federal que se extrai, primordialmente, a legitimidade do Ministério Público para a propositura de ações coletivas.

Art. 127. O Ministério Público é instituição permanente, essencial à função jurisdicional do Estado, incumbindo-lhe a defesa da ordem jurídica, do regime democrático e dos interesses sociais e individuais indisponíveis.

Art. 129. São funções institucionais do Ministério Público:(...)III – promover o inquérito civil e a ação civil pública, para a proteção do patrimônio público e social, do meio ambiente e de outros interesses difusos e coletivos;

3.2.1. PRINCIPAIS POLÊMICAS

a) a legitimidade do Ministério Público para a proteção de direitos individuais homogêneos:

Esse é um dos temas mais polêmicos, atualmente, em termos de legitimidade do Ministério Público. Com efeito, se não se discute a legitimidade do M.P. para a defesa dos direitos essencialmente coletivos, quanto aos direitos individuais homogêneos (acidentalmente coletivos), a controvérsia é aceso.

Sobre o tema existem três posições doutrinárias: (i) Teoria restritiva, que entende que o M.P. não tem

legitimidade para a defesa de direitos individuais homogêneos, ainda que presente o requisito do interesse social.

(ii) Teoria mista: reconhece que o interesse social não se encontra presente em toda e qualquer demanda coletiva, mas, nos casos em que se faça presente, a legitimação do M.P. é inafastável. Ainda de acordo com essa visão, o interesse social se manifestaria em casos que envolvessem

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danos vultosos, que atingem número elevado de pessoas, ou em razão da dispersão dos eventuais titulares do direito individual. Ainda, o M.P. poderia atuar na defesa dos direitos individuais homogêneos indisponíveis. Trata-se da corrente majoritária.

(iii) Teoria ampliativa, que considera que toda e qualquer ação coletiva, justamente por coletiva ser, tem presente o requisito do interesse social, que seria, portanto, in re ipsa.

De fato, tem prevalecido, tanto na doutrina, quanto na jurisprudência, a teoria mista, que aceita a legitimidade do Ministério Público para a defesa de direitos individuais homogêneos quando (i) indisponíveis ou (ii) presente o requisito do interesse social. Todavia, a jurisprudência dos tribunais superiores já fixou entendimento que o M.P. não tem legitimidade para a tutela de direitos individuais homogêneos em matéria tributária e previdenciária.

b) legitimidade do Ministério Público para a impetração de Mandado de Segurança Coletivo:

Tanto a CF/88, quanto a lei 12.106/09, não fizeram menção ao Ministério Público como um dos legitimados ativos à impetração do mandado de segurança coletivo. Tal omissão, proposital ao que tudo indica, conduz a conclusão inicial de que o M.P. não teria legitimidade para a propositura do writ sob a forma coletiva.

Contudo, razões variadas podem colocar em cheque conclusão tal.Ora, tem-se ou não um microssistema de processo coletivo, no

qual as leis que o compõem comunicam-se entre si, em verdadeiro diálogo de fontes? Positiva a resposta, a omissão da lei 12.016/09 seria preenchida pelas demais leis, generosas que são quanto à legitimidade do Ministério Público.

Ainda: o mandado de segurança não passa de um procedimento especial que se notabiliza não propriamente pelo direito postulado em juízo, mas sim pela exigência da prova pré-constituída dos fatos alegados e, claro, pela maior concentração dos atos processuais; tanto assim o é que o mesmo direito que pode ser tutelado pela via mandamental, também poderá sê-lo via ação de cognitiva de procedimento ordinário. Nesses termos, no mínimo estranho que o Ministério Público tenha legitimidade para tutelar um direito se optar por ação cognitiva ordinária, e perca tal legitimação se escolher diferente procedimento.

Ademais, pelo princípio da atipicidade da tutela coletiva e da máxima eficácia na defesa dos direitos coletivos, qualquer ação é adequada à tutela desses mesmos direitos, conforme expressamente dispõe o artigo 83 do Código de Defesa do Consumidor.

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Assim, em que pese a omissão legal, pensamos que não se pode negar ao Ministério Público a legitimidade para a impetração de mandado de segurança coletivo.

3.2. A LEGITIMIDADE ATIVA DA DEFENSORIA PÚBLICA

Até o ano de 2007 a Defensoria Pública não detinha legitimidade para propor ação coletiva, quadro que mudou com a edição da lei 11.448/2007, que inseriu a defensoria no rol dos legitimados extraordinários do artigo 5 a Lei de Ação Civil Pública.

A questão que mais se debate, atualmente, sobre a atuação da defensoria em sede coletiva é a seguinte: teria ela legitimidade ativa apenas nos caos em que a coletividade fosse composta de pessoas hipossuficientes economicamente?

A questão é bastante controvertida, mas a posição dominante defende que basta a existência de algumas pessoas hipossuficientes ou necessitados para que já se justifique a atuação da Defensoria Pública, não havendo necessidade de todos os integrantes sejam necessitados. DIDIER e ZANETI JR. (pág. 219) bem explicam a questão:

Para que a Defensoria seja considerada como “legitimada adequada” para conduzir o processo coletivo, é preciso que seja demonstrado o nexo entre a demanda coletiva e o interesse da coletividade composta por pessoas “necessitadas”, conforme locução tradicional. Assim, por exemplo, não poderia a Defensoria Pública promover ação coletiva para a tutela de direitos de um grupo de consumidores de PlayStation III ou de Marcedes Benz. Não é necessário, porém, que a coletividade seja composta exclusivamente por pessoas necessitadas. Se fosse assim, praticamente estaria excluída a legitimação da Defensoria para a tutela de direitos difusos, que pertencem a uma coletividade de pessoas indeterminadas.

3.3. A LEGITIMIDADE ATIVA DA UNIÃO, ESTADOS, D.F. e MUNICÍPIOS, AUTARQUIA, FUNDAÇÃO, EMPRESA PÚBLICA, SOCIEDADES DE ECONOMIA MISTA e ÓRGÃOS DA ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA

Os entes integrantes da Administração Pública direta e indireta, dotados de personalidade jurídica, possuem legitimidade ativa para a propositura da ação coletiva. Precisam, porém, demonstrar a pertinência temática (requisito a seguir estudado) de sua atuação.

Lado outro, importante por em destaque que também órgãos da administração pública possuem legitimidade ativa, ainda que desprovidos de personalidade jurídica própria, conforme se extrai do artigo 82, III, do CDC.

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Art. 82. (...)III – as entidades e órgãos da administração direta ou indireta, ainda que sem personalidade jurídica, especificamente destinados à defesa dos interesses e direitos protegidos por este Código.

A disposição legal citada destina-se a propiciar que órgãos como o PROCON possam igualmente propor ações coletivas.

3.4. ASSOCIAÇÃO E OUTRAS FORMAS DE ASSOCIATIVISMO

Primeiramente, cumpre destacar, com base na autorizada lição de DONIZETTI e CERQUERIA (pág. 147), que a LACP e o CDC previram a legitimação ativa de associações, fazendo-o, porém, em sentido lato, de modo a abranger qualquer outra forma de associativismo, tais como sindicatos, entidades de classe, cooperativas e partidos políticos.

A lei erige, porém, nesses casos, dois importantes requisitos: (i) a constituição da associação há pelo menos 1 (um) ano, requisito que poderá ser dispensado pelo juiz, em casos excepcionais, quando haja manifesto interesse social evidenciado pela dimensão ou característica do dano, ou pela relevância do bem jurídico protegido; (ii) inclua a associação, entre suas finalidades institucionais, a proteção ao meio ambiente, ao consumidor, a ordem econômica, à livre concorrência ou ao patrimônio artístico, estético, histórico, turístico e paisagístico.

3.5. O REQUISITO DA PERTINÊNCIA TEMÁTICA

Como se viu, o processo coletivo brasileiro adotou um regime de legitimidade extraordinária em que os substitutos processuais são indicados prévia e abstratamente pela lei, daí a se dizer que se trata de uma legitimidade ope legis.

Também já se viu que o sistema brasileiro, nesse ponto, distancia-se do norte-americano, no qual a legitimidade do autor coletivo, lá denominada “adequacy of representation” ou “representação adequada” é feita caso a caso.

Ocorre que a prática das ações coletivas no Brasil tem revelado que a jurisprudência e a doutrina não têm aplicado o sistema de legitimidade ativa ope legis de maneira, por assim dizer, pura e automática. Ao contrário, têm exigido que entre o substituto processual e matéria discutida em juízo haja um liame, uma ligação por afinidade, notadamente com as finalidades institucionais do Autor da ação coletiva.

E não só doutrina e jurisprudência colocam em relevo esse liame: a lei também o faz, bastando ver que a LACP, em seu artigo 5º., V, “b”, quando trata da legitimidade das associações, exige que esteja incluído, entre suas finalidades institucionais, a proteção ao meio ambiente, ao consumidor, à ordem econômica, à

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livre concorrência ou ao patrimônio artístico, estético, histórico, turístico e paisagístico.

A essa conexão entre as finalidades institucionais do legitimado extraordinário e a matéria discutida na ação coletiva dá-se o nome de pertinência temática.

Cumpre destacar que a pertinência temática e a representação adequada são conceitos que não se confundem, pois que este é mais abrangente que aquele. Em outras palavras, a falta de pertinência temática fará com que o autor coletivo não seja considerado um representante adequado, a comprometer a sua legitimidade ativa para atuar naquela específica ação coletiva.

Com razão, nesse ponto, FREDIE DIDIER e ZANETI JR. (pág. 213), quando pontuam que a legitimidade ativa, no processo coletivo, deve ser aferida em dois momentos: primeiro, abstratamente, quando se deve verificar se o autor coletivo é um daqueles que a lei aponta como legitimado extraordinário; segundo, verificada essa legitimidade em tese, deverá o órgão julgador analisá-la em concreto, investigando a pertinência temática da atuação daquele legitimado em relação ao direito coletivo discutido em juízo.

Na prática, portanto, o que se percebe é que o processo coletivo brasileiro acaba por adotar um sistema híbrido de aferição de legitimidade, pois que, além da prévia autorização legal para a propositura da ação coletiva (legitimação ope legis), deve o autor demonstrar a pertinência temática da sua atuação, de modo a ser considerado, no caso concreto, um representante adequado.

04. AS AÇÕES COLETIVAS PASSIVAS (defendant class action) – BREVE NOTÍCIA

Um dos mais interessantes temas da atualidade do processo coletivo diz respeito às denominadas ações coletivas passivas, ou seja, casos em que um autor deduz em juízo uma pretensão em desfavor de uma coletividade.

Com a costumeira clareza, DIDIER e ZANETI JR. (pág. 411) afirmam que

Há ação coletiva passiva quando um agrupamento humano for colocado no pólo passivo de uma relação jurídica afirmada na petição inicial. Formula-se uma demanda contra uma coletividade. Os direitos afirmados pelo autor da demanda coletiva podem ser individuais ou coletivos (lato sensu) – nessa última hipótese, há uma ação duplamente coletiva, pois o conflito de interesses envolve comunidades distintas.

A premissa para bem se compreender a ação coletiva passiva passa pelo reconhecimento de que, assim como uma coletividade pode ser titular

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de um direito, pode também estar em situação de sujeição ao direito do autor, seja esse direito coletivo ou não.

A experiência forense brasileira já se deparou com interessantes casos de ações coletivas passivas (ver DIDIER e ZANETI JR, pág. 415 e seguintes):

1) Litígios coletivos trabalhistas, em que em cada um dos pólos se encontra o sindicato (representante adequado) das respectivas categorias – empregados e empregadores.

2) Ação proposta em face de categoria de servidores públicos, em casos de greve, com a pretensão de voltem ao trabalho. Noticia-se que a ação pioneira ocorreu em 2004, quando a categoria dos policiais federais entrou em greve. Naquela oportunidade, a União ingressou com ação em face da Federação nacional dos Policiais Federais e o Sindicato dos Policiais Federais do Distrito Federal, pleiteando o retorno das atividades;

3) Exemplo citado em doutrina, o caso de uma empresa que ingressa com ação a fim de ver declarado que seu projeto é ambientalmente correto, ou ação proposta por empresa que se vale de contratos de adesão, a fim de ver declarada a legalidade das cláusulas desse mesmo contrato.

Percebe-se que o conceito de representatividade adequada nas ações coletivas passivas ganha importância extrema, na medida em que só é aceitável que demanda tal seja proposta em face daquele legitimado passivo que efetivamente seja o representante adequado daquela categoria.

A doutrina subdivide as ações coletivas passivas em originárias ou derivadas. Serão originárias quando surgem sem que lhes preceda uma demanda coletiva ativa; são derivadas quando surgem em decorrência de uma ação coletiva ativa, tal como ocorre com a ação rescisória de sentença proferida em ação coletiva ativa, ou cautelares incidentais a ações coletivas ativas.

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ROTEIRO 05A COMPETÊNCIA NAS AÇÕES COLETIVAS

01. NOÇÕES INTRODUTÓRIAS

- Jurisdição e competência.- Critérios determinadores da competência: (i) matéria; (ii) função; (iii) pessoa; (iv) valor da causa; (v) território.- Regime processual da competência absoluta e relativa.

02. A COMPETÊNCIA NO PROCESSO COLETIVO

Em processo coletivo, as regras de competência são ditadas por dois principais dispositivos, quais sejam, o artigo 2º. da Lei de Ação Civil Pública, e o artigo 93 do Código de Defesa do Consumidor:

Lei 7.347/85Art. 2º. As ações previstas nesta lei serão propostas no foro do local onde ocorrer o dano, cujo juízo terá competência funcional para processar e julgar a causa.Parágrafo único. A propositura da ação prevenirá a jurisdição do juízo para todas as ações posteriormente intentadas que possuam a mesma causa de pedir ou o mesmo objeto.

Código de Defesa do Consumidor Art. 93. Ressalvada a competência da justiça federal, é competente para a causa a justiça local:I – no foro do local onde ocorreu ou deva ocorrer o dano, quando de âmbito local;II – no foro da Capital do Estado ou no do Distrito Federal, para os danos de âmbito nacional ou regional, aplicando-se as regras do Código de Processo Civil aos casos de competência concorrente.

2.1. A COMPETÊNCIA PARA A AÇÃO CIVIL PÚBLICA – COMPETÊNCIA TERRITORIAL ABSOLUTA

Como visto, a regra básica de competência para a Ação Civil Pública encontra-se no artigo 2º. da lei 7.347/85.

Apesar da lei falar em competência funcional, a doutrina mais recente tem firmado entendimento de que se trata de competência territorial absoluta, em moldes bem parecidos com a tradicional regra do artigo 95 do CPC. Assim, o local onde o dano ocorreu ou deva ocorrer será competente, em caráter absoluto, para processar a julgar e Ação Civil Pública.

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Pode ocorrer, porém, de o dano ocorrer em mais de uma localidade. Em casos tais, o foro de qualquer dessas localidades é competente para a ACP (um caso excepcional de competência territorial absoluta concorrente) e, sendo a demanda proposta no foro de qualquer deles, este terá sua prevenção firmada para quaisquer outras demandas que tenham a mesma causa de pedir ou pedido, conforme dispõe o parágrafo único do artigo 2º. da lei 7.347/85.

Cumpre destacar, porém, que essa regra de foros concorrentes quando o dano se estender por mais de uma localidade não deve ter aplicação nos casos em que a dimensão do dano chegue a ser regional, estadual ou nacional, pois que nessas hipóteses o CDC reserva regra específica, conforme a seguir se verá.

2.2. COMPETÊNCIA QUANDO O DANO FOR NACIONAL

Como exposto, o artigo 93 do CDC indicou, para as hipóteses em que o dano seja nacional, a competência das capitais dos Estados ou o Distrito Federal para processar e julgar a ação civil pública.

De início, discutia-se em doutrina e jurisprudência se mencionada regra tratava de uma competência concorrente entre as capitais e o DF. O STJ, ao julgar o Conflito de Competência n. 26.842-DF, firmou entendimento nesse sentido, afirmando que em casos de dano de dimensão nacional são concorrentemente competentes os foros das capitais dos Estados e o do Distrito Federal.

2.2. COMPETÊNCIA QUANDO O DANO FOR ESTADUAL

Em se tratando de dano de abrangência estadual, a despeito da omissão legislativa, será competente o foro da capital do respectivo Estado, em aplicação analógica do artigo 93 do CDC.

2.3. COMPETÊNCIA QUANDO O DANO FOR DE ABRANGÊNCIA REGIONAL

A legislação não define o que seja dano regional. Aliás, não define o que seja dano nacional ou estadual, o que causa alta dose de insegurança quando se deve definir, no caso concreto, o juízo competente para uma ação coletiva.

Segundo as lições doutrinárias, pode-se conceber o dano regional sob dois aspectos: dano que se estenda por mais de um Estado da Federação (sem que se possa chegar a considerar esse dano nacional), ou dano que se estenda por mais de uma comarca do mesmo Estado, sem que chegue a configurar dano regional.

Nesses casos, por aplicação do artigo 93 do CDC, deve-se considerar como competente, quando o dano se estender por mais de um Estado, o

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da capital de qualquer deles; quando o dano for regional e se estender por mais de uma comarca, sem, contudo, chegar a ser um dano estadual, a regra do artigo 2º. da Lei de Ação Civil Pública deverá ter aplicação, ditando-se a competência em razão do local onde o dano ocorreu ou deva ocorrer.

03. COMENTÁRIO AO ARTIGO 16 DA LEI DE AÇÃO CIVIL PÚBLICA E ARTIGO 2º.-A DA LEI 9.494/97

Conforme estudado em capítulo anterior, a ação coletiva tem por finalidade (ou objetivo) a obtenção de economia processual, a garantia de acesso à justiça, a preservação da segurança jurídica, mediante a prevenção de prolação de decisões judiciais conflitantes etc, finalidades estas alcançáveis mediante a propositura de uma única ação coletiva, evitando a propositura de diversas ações substancialmente idênticas, colocando em risco todos aqueles objetivos antes mencionados.

Nada obstante, polêmicas alterações realizadas nas leis que regem o sistema processual coletivo brasileiro acabaram por colocar em cheque a própria efetividade da tutela coletiva. Trata-se das alterações veiculadas pelo artigo 16 da lei 7.347/85 e artigo 2º.- A da lei 9.494/97, assim redigidos:

Lei 7.347/85Artigo 16. A sentença civil fará coisa julgada erga omnes nos limites da competência territorial do órgão prolator, exceto se o pedido for julgado improcedente por insuficiência de provas, hipótese em que qualquer legitimado pode intentar outra ação com idêntico fundamento, valendo-se de nova prova.

Lei 9.494/97Art. 2º.-A. A sentença civil prolatada em ação de caráter coletivo proposta por entidade associativa, na defesa dos interesses e direitos dos seus associados, abrangerá apenas os substituídos que tenham, na data da propositura da ação, domicílio no âmbito de competência territorial do órgão prolator.

A reação da doutrina a esses dispositivos, que limitam, territorialmente, os efeitos das decisões proferidas em ações coletivas, foi imediata e veemente. Os argumentos contrários são bem resumidos por DONIZETTI e CERQUERIA (pag. 210/211): primeiramente, as alterações promovidas seriam inconstitucionais por ofenderem (i) o princípio da razoabilidade, na medida em que imporiam uma restrição absurda e despropositada à eficácia das decisões das ações coletivas; (ii) o princípio da igualdade, pois acaba ensejando a propositura de diversas ações coletivas substancialmente idênticas, com a conseqüente prolação, ao menos em tese, de decisões conflitantes; (iii) o princípio do acesso à justiça, pois

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deixa à margem da proteção jurisdicional coletividades que estejam fora dos limites de competência territorial do órgão prolator da decisão.

Além disso, a doutrina também sustenta a ineficácia da alteração legislativa, visto que: (i) qualquer decisão judicial tem eficácia além dos limites territoriais de competência do órgão prolator: por exemplo, uma sentença de divórcio prolatada por juiz de São Paulo não pode valer apenas nesta cidade, permanecendo, no Rio de Janeiro, casadas aquelas partes. (exemplo citado por Nelson Nery); (ii) os direitos coletivos, por ontologicamente indivisíveis, não poderiam ser cindidos por um critério de competência territorial do órgão prolator da decisão judicial; (iii) finalmente, o artigo 93 do CDC define a competência para a ação coletiva de acordo com a extensão do dano. Assim, em caso de dano nacional, por exemplo, o juízo da capital do Estado ou do Distrito Federal terá, em tese, jurisdição nacional, e os efeitos de sua decisão atingiriam, naturalmente, todo o Brasil.

A posição atual dos tribunais, notadamente do STJ, é pela aplicação literal desses dispositivos.

CONTRIBUIÇÃO DO AUTOR DA APOSTILAOs dispositivos analisados regulam, sobretudo, a eficácia subjetiva das decisões proferidas em ação coletiva.Em uma ação coletiva, o que o judiciário define é o acertamento de um direito (coletivo) envolvendo a coletividade autora da ação (ali representada pelo substituto processual) e o réu. Assim, o que os artigos fazem é limitar essa coletividade beneficiada, utilizando como critério dessa limitação a competência territorial do órgão prolator. O que se limita, assim, não é a coisa julgada, mas a eficácia subjetiva da decisão, que somente será extensível à coletividade abrangida pela competência territorial do órgão prolator do decisório. Assim, se o dano for nacional e a ação coletiva for corretamente proposta ou no DF ou perante a Capital de um dos Estados da Federação, tendo esse juízo competência nacional naquele caso, a extensão subjetiva dos efeitos do julgado assim também será. Melhor será desenvolvido esse assunto quando tratarmos da coisa julgada coletiva.

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ROTEIRO 06CONEXÃO, CONTINÊNCIA E LITISPENDÊNCIA

NO PROCESSO COLETIVO

01. NOÇÕES GERAIS

- O sistema de conexão e continência no processo individual.- Prevenção: união das ações conexas perante o juízo prevento ou distribuição da ação, por dependência, à ação já proposta.- Litispendência: conceito.

02. A CONEXÃO E A CONTINÊNCIA NO PROCESSO COLETIVO

Aplica-se o sistema base do processo individual, com as seguintes peculiaridades: (i) no processo coletivo a aferição da existência de afinidade entre processos deve ter em conta, principalmente, o objeto da demanda coletiva; (ii) a necessidade de se evitar, ao máximo, em ações coletivas, a prolação de decisões conflitantes; (iii) o substituto processual não influencia na determinação da existência de conexão, continência ou litispendência, visto que a parte material na demanda é a coletividade substituída.

2.1. A POSSIBILIDADE DE MODIFICAÇÃO DE COMPETÊNCIA ABSOLUTA POR CONEXÃO

Umas das mais clássicas regras do processo individual com relação à competência absoluta é que esta, por ser improrrogável, não comporta modificação em razão da conexão e continência.

Não é assim, porém, no processo coletivo, pois que a despeito de ser absoluta a competência territorial, a sua prorrogação é possível em virtude de conexão e continência.

Duas particulares disposições legais autorizam essa conclusão: o §3° do artigo 5° da Lei de Ação Popular e o parágrafo único do artigo 2° da Lei de Ação Civil Pública. Confira-se:

LEI DE AÇÃO POPULARArt. 5°. (...)§3°. A propositura da ação prevenirá a jurisdição do juízo para todas as ações que forem posteriormente intentadas contra as mesmas partes e sob os mesmos fundamentos.

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LEI DE AÇÃO CIVIL PÚBLICA

Art. 2°. (...)Parágrafo único. A propositura da ação prevenirá a jurisdição do juízo para todas as ações posteriormente intentadas que possuam a mesma causa de pedir ou o mesmo objeto.

Um exemplo certamente esclarecerá a aplicação dos dispositivos citados. Imagine-se um dano ambiental que tenha atingido área de 04 (quatro) comarcas de determinado estado. Tal dano, que se pode considerar regional, poderá ser objeto de ação coletiva a ser proposta em qualquer uma das 04 (quatro) comarcas, por força da regra geral de competência (territorial absoluta) do local do dano, ditada pelo artigo 2° da Lei de Ação Civil Pública. Em palavras outras, o juízo de qualquer das 04 (quatro) comarcas tem competência concorrente para processar e julgar a ação coletiva. Proposta que seja, a ação, perante o juízo da comarca A, torna-se ele prevento para qualquer futura demanda que tenha por objeto aquele mesmo dano ambiental.

Não se trata, ressalte-se, da constituição de um juízo universal, à semelhança do juízo falimentar, como chegou a decidir o Superior Tribunal de Justiça no Conflito de Competência 19686-DF. Trata-se, de fato, apenas e tão somente de prevenção, pois que apenas serão “atraídas” para o juízo prevento as ações coletivas conexas com aquela primeiramente deduzida. Caso fosse, realmente, um juízo universal, essa “atração” seria exercida sobre toda e qualquer demanda, independentemente de vínculo de afinidade ou risco de prolação de decisões conflitantes.

Outra observação importante: enquanto a prevenção, no processo individual, é configurada ou pelo primeiro despacho (mesma competência territorial – art. 106 do CPC), ou pela primeira citação válida (competência territorial distinta – artigo 219 do CPC), no processo coletivo o que configura a prevenção é a propositura da ação coletiva, conforme artigo 2°, parágrafo único da Lei de Ação Civil Pública.

Confira-se o quadro-resumo proposto por DONIZETTI e CERQUERIA (pág. 232):

PROCESSO INDIVIDUAL PROCESSO COLETIVOCOMPETÊNCIA TERRITORIAL

Relativa, em regra. Absoluta.

CONEXÃO e CONTINÊNCIA

Não provoca a modificação em caso de competência

Provoca a modificação da competência, em que pese

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absoluta absoluta.PREVENÇÃO Determinado pelo 1°

despacho (art. 106 do CPC) ou pela 1ª citação válida (art. 219 do CPC)

Determinada pela propositura da ação.

2.2. A CONEXÃO ENTRE AÇÃO COLETIVA E AÇÃO INDIVIDUAL

A possível relação existente entre ação coletiva e ação individual encontra-se disciplinada no artigo 104 do Código de Defesa do Consumidor:

Art. 104. As ações coletivas, previstas nos incisos I e II do parágrafo único do art. 81, não induzem litispendência para as ações individuais, mas os efeitos da coisa julgada erga omnes ou ultra parts a que aludem os incisos I e III do artigo anterior não beneficiarão os autores das ações individuais, se ao for requerida a sua suspensão no prazo de 30 dias, a contar da ciência nos autos do ajuizamento da ação coletiva.

Fica claro, portanto, que a propositura da ação coletiva não inibe a ação individual. Todavia, não há como negar que entre a ação coletiva e a ação individual, quando baseadas no mesmo fato (um acidente ambiental ou uma lesão em relação de consumo, por exemplo), serão conexas, exatamente porque revelam identidade de causa de pedir.

Ocorre que, a despeito de haver a conexão, a sua principal conseqüência, que é a reunião das ações perante o juízo prevento não ocorrerá, porque o legislador adotou solução diferente no âmbito coletivo: a suspensão das ações individuais a requerimento do autor.

É de se destacar recente entendimento do STJ, trazido no Informativo 413, em que se determinou a suspensão das ações individuais, quando proposta ação coletiva versando sobre o mesmo direito coletivo lato sensu. Trata-se, assim, de uma inovadora suspensão do processo por ordem judicial e, a despeito de não expressamente reconhecido nesse precedente, a regra do artigo 265, IV, do CPC, que versa sobre a suspensão do processo por prejudicialidade externa autoriza que se chegue a solução tal.

2.3. A LITISPENDÊNCIA NAS AÇÕES COLETIVAS

Não há regra específica para a litispendência no microssistema do processo coletivo. Aplica-se, assim, a princípio, a mesma regulação prevista para o processo individual.

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Algumas questões, entretanto, devem se ponderadas quando se fala em litispendência entre ações coletivas.

Primeiramente, não se deve exigir identidade de substitutos processuais, mas sim identidade da coletividade titular daquele direito e representada em juízo pelo legitimado extraordinário.

O procedimento adotado para as ações coletivas também é indiferente.

Assim, é sobretudo à partir da análise da causa de pedir e do pedido das ações coletivas que se poderá concluir pela existência ou não de litispendência.

Há, ainda, que se levar em conta a confusa regra do artigo 16 da Lei de Ação Civil Pública, que em muitos casos, por limitar a eficácia subjetiva da decisão à competência territorial do órgão prolator, induzirá, ou mesmo obrigará a propositura de tantas ações coletivas idênticas quantas sejam necessárias à tutela das coletividades excluídas pela limitação subjetiva dos efeitos da decisão.

A visão do autor da apostila não é essa. A despeito dos entendimentos de que o artigo 16 da Lei de Ação Civil Pública seria inconstitucional, a solução que propomos para o tema não passa por essa seara. A nosso ver, o artigo 16 da LACP deve ser interpretado em consonância com o artigo 93 do CDC, de modo que, tratando-se de dano estadual, regional ou nacional, caso a ação coletiva seja corretamente proposta perante uma das capitais dos estados ou no Distrito Federal, o juízo perante o qual se desenvolver a demanda terá competência para a toda a extensão do dano, ou seja, nacional, estadual ou regionalmente. Assim, esse será o limite de sua competência, permitindo-se a extensão subjetiva dos efeitos da decisão nessa mesma proporção.Imagine-se, por exemplo, o caso de um concurso da aeronáutica que insira em seu edital exigências discriminatórias e desproporcionais quanto à idade e altura dos candidatos. É proposta, pelo MPF, ação civil pública perante a Seção Judiciária de Goiânia, com pedido de liminar para suspender as cláusulas editalícias impugnadas. Concedida a liminar, pergunta-se: terá ela eficácia em todo o Brasil ou apenas no estado de Goiás? A nosso ver, sendo esse um dano nacional, o juízo (no caso federal) de qualquer das capitais dos estados é competente para processar e julgar a causa e, sendo proposta a demanda coletiva terá o juízo competência territorial em toda a extensão do dano, de modo que sua liminar terá eficácia em todo o Brasil, dado que e é justamente esse o limite de sua competência territorial naquele caso concreto.A se aplicar o artigo 16 da Lei de Ação Civil Pública sem se observar essa critério, ou seja, ignorando a regra de competência do artigo 93 do CDC (como muitos fazem, inclusive os tribunais), a decisão liminar, voltando ao exemplo, terá eficácia apenas no Estado de Goiás, forçando a repetição de ações coletivas idênticas em outros estados da federação, o que é desaconselhável e nada razoável.

Em tempo: discute-se em doutrina se a litispendência deveria importar na extinção ação da ação coletiva que possua esse “vício” ou na reunião

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com a anteriormente ajuizada. Pela reunião, DIDIER e ZANETI; pela extinção, DONIZETTI e CERQUEIRA. Adotamos a segunda posição.

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ROTEIRO 07LITISCONSÓRCIO E INTERVENÇÃO DE TERCEIROS NO PROCESSO COLETIVO

01. LITISCONSÓRCIO: NOÇÕES GERAIS

Pode-se conceituar o litisconsórcio como a existência de uma pluralidade de partes, tanto no pólo ativo, como no pólo passivo, litigando em um mesmo processo. Trata-se de instituto processual voltado à proteção da uniformidade das decisões judiciais, bem como à celeridade e economia processual.

Classifica-se da forma seguinte:(i) Quanto ao pólo: ativo, passivo ou misto (quando se forma

em ambos os pólos da relação jurídica processual);(ii) Quanto ao momento de formação: originário, quando se

forma desde o início da demanda, e ulterior, quando se forma ao longo desta;

(iii) Quanto à obrigatoriedade de sua formação: necessário, quando a lei ou a relação jurídica, por indivisível, impuserem a sua formação; ou facultativo, nos demais casos;

(iv) Quanto ao modo de julgar: simples, quando o juiz puder decidir a lide de maneira distinta para cada um dos litisconsortes, ou unitário, quando o magistrado tiver que decidir a lide de maneira uniforme para todos os litisconsortes.

1.1. O LITISCONSÓRCIO NO PROCESSO COLETIVO

Dada a característica da legitimidade no processo coletivo, que é extraordinária (por substituição processual), concorrente e disjuntiva, torna-se possível a coligação de vários colegitimados para a propositura da ação coletiva, ou mesmo sua coligação no pólo passivo.

Diferencia-se, porém, do litisconsórcio no plano individual em um ponto relevante: enquanto no processo individual os litisconsortes são partes em sentido material, defendendo em juízo cada um o seu direito, no âmbito coletivo a formação do litisconsórcio terá conotação e estrutura puramente processual, pois que a coletividade substituída por cada um dos colegitimados é exatamente a mesma.

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Trata-se de um litisconsórcio sempre facultativo, exatamente porque a legitimidade é disjuntiva.

Pode ser originário, quando se forma desde o início da demanda coletiva, ou ulterior, quando se forma após a propositura da ação. É bem verdade que existe em doutrina certa divisão quanto à intervenção do colegitimado em momento posterior à propositura da ação coletiva. Para alguns, trata-se de litisconsórcio ulterior, enquanto para outros, assistência litisconsorcial. Sobre essa controvérsia, ver com mais detalhes o item 2.2.1 infra, dedicado ao estudo da assistência nas ações coletivas.

Prosseguindo, ainda segundo a doutrina trata-se de litisconsórcio unitário, pois que a decisão a ser proferida deverá ser exatamente a mesma para todos os litisconsortes. DONIZETTI e CERQUEIRA ponderam, não sem razão, que justamente pelo sistema de substituição processual, típico do processo coletivo, a decisão da ação coletiva não é prolatada em razão da parte processual (substituto), mas em razão da coletividade substituída. Assim, ponderam que perderia o sentido classificar o litisconsórcio em simples ou unitário, até porque no plano do direito material existe um único titular. Concordamos com a perspicaz ponderação, mas entendemos que a classificação é útil sobretudo sob o ponto de vista didático, na medida em que reafirma a impossibilidade de serem adotadas decisões divergentes para cada um dos legitimados extraordinários.

1.2. O LITISCONSÓRCIO ENTRE RAMOS DO MINISTÉRIO PÚBLICO OU DA DEFENSORIA PÚBLICA

Dispõe o art. 5°, §5°, da Lei de Ação Civil Pública:

§5°. Admitir-se-á o litisconsórcio facultativo entre os Ministérios Públicos da União, do Distrito Federal e dos Estados, na defesa dos interesses e direitos de que cuida esta lei.

Sobre a regra, uma primeira observação importante: entende a doutrina que se deve aplicar a mesma disposição, por analogia, aos ramos da Defensoria Pública.

A regra legal, nesses termos, é clara, sendo cogitável, por exemplo, a propositura de uma ação civil pública pelo Ministério Público Estadual em litisconsórcio com o Ministério Público Federal.

A grande e tormentosa questão que se coloca nesses casos é: perante qual justiça deverá tramitar essa ação: justiça estadual ou justiça federal? Outra: podem os ramos do Ministério Público demandar perante qualquer justiça?

DIDIER e ZANETI JR. (pág. 342) ponderam que se trata de questão de difícil resolução, notadamente porque a legislação vigente não fornece

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respostas. Apontam, assim, a existência de duas correntes doutrinárias que enfrentaram essa polêmica: uma que defende que cada Ministério Público deve ter sua atuação limitada à “sua justiça”; a segunda, apontada como majoritária, entende que o Ministério Público poderia atuar perante qualquer justiça, desde que a matéria discutida em juízo seja de sua atribuição.

De fato, parece ter razão a segunda corrente doutrinária, tendo em conta os seguintes fundamentos: (i) a delimitação das funções de cada Ministério Público não está constitucionalmente adstrita a essa ou aquela justiça; (ii) não pode equiparar o Ministério Público Federal à União, de modo que a sua simples presença na lide imponha a competência de justiça federal; (iii) a expressa autorização, contida na lei, para a formação do litisconsórcio entre Ministérios Públicos já revela a possibilidade de sua atuação perante uma justiça que não lhe seria correspondente; (iv) o Ministério Público Estadual não poderia ficar submetido à vontade do Ministério Público Federal. Imagine-se um dano causado por um ente público federal: se o Ministério Público Federal não propusesse a demanda coletiva, o Ministério Público Estadual não poderia fazê-lo, por não poder pleitear perante a justiça federal.

É bem verdade que há um precedente do STJ (REsp 440-002-SE, de 2004, Relatoria Ministro Teori Albino Zavascky), em que se decidiu que “para fixar a competência da justiça federal, basta que a ação civil pública seja proposta pelo Ministério Público Federal”.

Pelos fundamentos antes expostos, não é essa a posição que adotamos no presente curso.

1.3. POSSIBILIDADE ALTERAÇÃO DOS ELEMENTOS OBJETIVAS DA DEMANDA FORMULADA PELO LITISCONSORTE ATIVO ULTERIOR

Conforme se afirmou em passagem anterior, é admissível que um colegitimado extraordinário ingresse na ação coletiva em momento posterior à sua propositura, o que configura a formação de um litisconsórcio ativo, facultativo, ulterior e unitário.

Debate-se em doutrina se, em casos tais, seria dado a esse litisconsorte tardio formular novos pedidos na ação coletiva, ou alterar-lhe de algum modo a causa de pedir.

Prevalece em doutrina a opinião de que tais alterações seria possíveis.

Doutrinadores muitas vezes citados em nosso curso, DONIZETTI e CERQUEIRA (pag. 263) entende que se deve admitir que o litisconsorte ulterior possa alterar a causa de pedir e o pedido, desde que isso não provoque prejuízo

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injustificado para o réu ou viole a garantia do contraditório. DIDIER e ZANETI Jr. parecem trilhar caminho semelhante.

De nossa parte, pensamos que a possibilidade de alteração do pedido ou da causa de pedir, fora das regras limitadoras já previstas no CPC (art. 264), colocam o réu da ação coletiva em situação de insegurança e total instabilidade processual, com óbvio comprometimento do contraditório e da ampla defesa.

Assim, posicionamo-nos contra essa possibilidade de ampliação, em que pese assumindo com isso posicionamento claramente minoritário.

02. AS INTERVENÇÕES DE TERCEIRO NO PROCESSO COLETIVO

2.1. AS INTERVENÇÕES NO PROCESSO INDIVIDUAL – BREVE NOTA

O processo individual prevê as seguintes modalidades de intervenção de terceiros: assistência, oposição, nomeação à autoria, denunciação da lide e chamamento ao processo.

Em brevíssima síntese, a assistência tem lugar quando o terceiro (denominado assistente), que tem interesse jurídico em que algum dos litigantes seja vencedor de uma demanda, nela intervém justamente para auxiliar essa parte (assistido) a atingir tal objetivo, qual seja, sagrar-se vencedor naquela demanda. Classifica-se em assistência simples e assistência litisconsorcial, a depender se assistente tem ou não relação jurídica com o adversário do assistido.

Na oposição, o terceiro ingressa na demanda porque pretende para si, no todo ou em parte, o bem ou direito litigado.

Na nomeação à autoria tem-se uma verdadeira tentativa de correção do vício da ilegitimidade passiva, visto que aquele que foi demandado em nome próprio por direito alheiro pode, no prazo da resposta, apontar o verdadeiro legitimado.

A denunciação da lide, a seu turno, consiste numa verdadeira ação de regresso que uma das partes exerce contra o terceiro para, caso seja sucumbente na demanda, ver seu direito de regresso ser reconhecido pelo juiz na mesma sentença, sendo assim indenizado dos prejuízos que a sucumbência no processo principal vier a lhe acarretar.

Finamente, o chamamento ao processo é a intervenção típica das obrigações solidárias, em que um réu chama ao processo aqueles que devem tanto ou mais do que ele.

Vejamos, agora, quais dentre estas intervenções podem ocorrer no processo coletivo e suas principais características e regras.

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2.2. A ASSISTÊNCIA NAS AÇÕES COLETIVAS

No processo coletivo é plenamente possível a intervenção de terceiros na modalidade assistência, sendo mesmo, na prática, a mais usual. Vejamos, pois, como as diversas hipóteses em que a assistência poderá ocorrer no processo coletivo.

2.2.1. INTERVENÇÃO DE COLEGITIMADO EXTRAORDINÁRIO EM AÇÃO COLETIVA: ASSISTÊNCIA LITISCONSORCIAL OU LITISCONSÓRCIO ATIVO ULTERIOR?

Como já destacado em passagem anterior, quando tratamos do litisconsórcio, não se discute que é dado a qualquer colegitimado à propositura da ação coletiva intervir, no curso do processo, em uma demanda já proposta por outro colegitimado. A questão que divide a doutrina é: trata-se, tal intervenção, de uma assistência litisconsorcial ou de um litisconsórcio facultativo ulterior?

Para DIDIER e ZANETI JR (pág. 252), considerando que o colegitimado teria legitimidade para a própria propositura da ação coletiva, sua intervenção neste em momento posterior configura assistência litisconsorcial, passando o colegitimado a figurar como verdadeiro litisconsorte unitário do autor, recebendo o processo no estado em que se encontra, mas exercendo seus exatos mesmos poderes. Perceba-se que os afamados autores qualificam essa intervenção como assistência litisconsorcial e a equiparam ao litisconsórcio ulterior.

DONIZETTI e CERQUEIRA (pág. 266), por sua vez, consideram que a assistência litisconsorcial e o litisconsórcio facultativo ulterior são fenômenos distintos, pelo que não afiguraria correto equiparar e igualar tais fenômenos. Defendem que o assistente litisconsorcial auxilia o assistido pois defende direito que também é seu e que será influenciado pela sentença. Já o litisconsorte integra a mesma situação jurídica sustentada por uma das partes no processo. Concluem, assim, que o colegitimado que ingressa no feito após a sua instauração, justamente por defender a mesma situação jurídica do autor da demanda, o faz como autêntico litisconsorte ativo ulterior.

A nosso ver, a diferença prática entre qualificar o ingresso de um colegitimado no curso na ação coletiva em litisconsórcio facultativo ulterior ou assistência litisconsorcial é quase nenhuma, pois que o legitimado extraordinário que ingressar terá basicamente os mesmos poderes, quer se trate de litisconsorte, quer se trate de assistente litisconsorcial. Consideramos, contudo, que a posição adotada por DONIZETTI e CERQUEIRA é mais adequada, devendo-se, assim, qualificar a intervenção do colegitimado no curso da ação coletiva como litisconsórcio ativo ulterior.

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2.2.2. INTERVENÇÃO DO INDIVÍDUO EM AÇÃO COLETIVA: VEDAÇÃO GERAL E POSSÍVEIS EXCEÇÕES

Em regra, o indivíduo não pode intervir em ação coletiva, quer na qualidade de assistente, quer na qualidade litisconsorte. E assim o é porque, em primeiro plano, não tem legitimidade para tutelar em nome próprio direitos coletivos, o que tecnicamente o impede de ingressar como litisconsorte ou assistente; em segundo plano, a se permitir referida intervenção, ainda que como assistente, comprometido estaria um dos principais objetivos da tutela coletiva, justamente a celeridade processual, vez que, em tese, dezenas, centenas ou milhares de indivíduos poderiam requerer seu ingresso na ação coletiva, transformando o processo em verdadeiro caos.

Existem, porém, duas importantes exceções.A primeira delas é a intervenção prevista no artigo 94 do Código

de Defesa do Consumidor, que dispõe:

Art. 94. Proposta a ação, será publicado no órgão oficial, a fim de que os interessados possam intervir no processo como litisconsortes, sem prejuízo de ampla divulgação pelos meios de comunicação social por parte dos órgãos de defesa do consumidor.

A regra do dispositivo transcrito, é preciso destacar, não tem cabimento em qualquer ação coletiva, mas apenas naquelas em que o legitimado extraordinário defenda direitos individuais homogêneos. Ou seja, não á cabível a intervenção do indivíduo em ações coletivas para a tutela de direitos difusos ou coletivos stricto sensu.

Por outro lado, nada obstante tenha a lei se utilizado da expressão litisconsortes, trata-se, conforme aponta a doutrina, de assistência litisconsorcial. Não pode o indivíduo ser considerado litisconsorte ulterior pois não detém ele legitimidade para tutelar coletivamente direitos individuais homogêneos; entretanto, o direito individual coletivamente tutelado na ação é também dele, pelo que a sua intervenção se dá na condição de assistente litisconsorcial.

A segunda hipótese de intervenção do indivíduo como assistente em ação coletiva é bastante peculiar e liga-se à ação popular. Como se sabe, a lei defere ao cidadão-eleitor a legitimidade para, em nome próprio, tutelar direito verdadeiramente difuso, consistente na moralidade administrativa amplamente considerada. Nesses casos, não há dúvida, o cidadão-eleitor atua, em nome próprio, na defesa de direito alheio, em verdadeira legitimidade extraordinária.

Por outro lado, é cogitável que qualquer outro legitimado extraordinário busque, mediante ação coletiva que não a ação popular, a tutela do exato mesmo direito difuso, como a moralidade administrativa antes citada.

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Nesses casos, defende a doutrina, e com razão, que justamente por ser o cidadão-eleitor colegitimado à tutela do mesmo direito via ação popular, possa ele intervir na ação coletiva na qualidade de assistente litisconsorcial.

2.2.3. A POSSIBILIDADE DE INTERVENÇÃO DO LEGITIMADO EXTRAORDINÁRIO EM AÇÃO INIDIVIDUAL

Conquanto rara, não se pode afastar a hipótese em que um legitimado coletivo tenha interesse em intervir numa ação individual cuja questão debatida, normalmente ligada a direito coletivo stricto sensu ou individual homogêneo, e a eventual decisão, venha a ter influência em uma ação coletiva a ser proposta ou já efetivamente deduzida.

Em nossa experiência profissional vivenciamos um caso em que interesse tal, por parte do legitimado extraordinário, poderia se manifestar. Tratava-se de ação individual proposta por 23 delegados federais, que impugnavam a exigência de controle de suas atividades profissionais mediante ponto eletrônico. A ação proposta, perante a Justiça Federal de Goiás, foi a primeira em todo o Brasil a obter liminar suspendendo os efeitos da portaria que instituía o ponto eletrônico, bem como sentença de mérito no mesmo sentido. Apenas após o êxito nessa ação individual é que a associação que representa os delegados em nível nacional optou pela propositura da ação coletiva, igualmente exitosa em termos de concessão de liminar, justamente fincada no precedente firmado na ação individual. Nesse caso, o estágio avançado da ação individual, que se transformou no leading case referente à questão do ponto eletrônico para delegados federais, certamente poderia despertar o interesse, por parte da associação nacional, de intervir, na qualidade de assistente simples, para auxiliar os autores individuais a se sagrarem definitivamente vencedores na demanda, com o que obteriam precedente favorável e que diretamente influenciaria na ação coletiva proposta.

O próprio STF já admitiu a intervenção de legitimado extraordinário em ação individual: ver RE 550.769-RJ.

2.2.4. A DENOMINADA “INTERVENÇÃO MÓVEL”

De acordo com o art. 6°, §3°, da Lei de Ação Popular, “a pessoa jurídica de direito público ou de direito privado, cujo ato seja objeto de impugnação, poderá abster-se de contestar o pedido, ou poderá atuar ao lado do autor, desde que isso se afigure útil ao interesse público, a juízo do respectivo representante legal ou dirigente”.

Trata-se de fenômeno processual denominado pela doutrina de intervenção móvel e, decidindo a pessoa jurídica demandada atuar ao lado do autor

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da ação popular, assumirá posição similar à do assistente litisconsorcial (ver DONIZETTI e CERQUEIRA, pág. 271).

2.3. A DENUNCIAÇÃO DA LIDE

Como visto na parte introdutória do presente roteiro, a denunciação da lide consiste em uma ação de regresso em que o litisdenunciante, que já é parte no processo, exerce em face do litisdenunciado, que até ali é terceiro, para que seu direito de regresso seja decidido pelo juiz em caso de vir a se tornar sucumbente.

Em ações coletivas, a possibilidade de denunciação de lide fundamenta-se na disposição contida no artigo 70, inciso III, do CPC, que afirma ser cabível a denunciação “àquele que estiver obrigado, pela lei ou pelo contrato, a indenizar, em ação regressiva, o prejuízo do que perder a demanda”.

Nas ações coletivas em geral não há regra que proíba a litisdenunciação, sendo, por isso, a princípio cabível. Tem-se defendido em doutrina, porém, que o magistrado realize, no caso concreto, o controle da pertinência e da adequação da litisdenunciação formulada, indeferindo aquelas que possam tumultuar o feito e prejudicar a tutela do direito coletivo.

Nesses termos, casos em que a litisdenunciação, por exemplo, pretenda trazer ao feito apuração de responsabilidade civil subjetiva, quando na ação coletiva se discuta responsabilidade objetiva, devem ser indeferidos, notadamente por tornar a atividade probatória excessivamente complexa.

Tal controle deve, porém, como dito, ser realizado no caso concreto, sendo a denunciação da lide, em geral, cabível também nas ações coletivas.

2.3.1. ESPECIFICAMENTE SOBRE A DENUNCIAÇÃO DA LIDE EM AÇÕES DE CONSUMO

O art. 88 do CDC não deixa margem a dúvidas quanto ao não cabimento da denunciação da lide em ações contra fornecedores de produtos ou serviços, ao utilizar na parte final deste dispositivo a expressão “vedada a denunciação da lide”. O dispositivo em referência, destaque-se, tem aplicação tanto nas ações individuais, quanto nas ações coletivas.

O objetivo da lei foi claro e sábio: evitar denunciações sucessivas, exatamente porque em relações de consumo se estabelece, normalmente, uma longa cadeia de fornecedores, sendo que a denunciação de cada um deles certamente acarretaria prejuízo processual ao consumidor ou ao autor coletivo.

Vale destacar a lição de DIDIER e ZANETI JR (pág. 268), para quem não se trata, em caso de integrantes de cadeia de consumo, de verdadeira

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denunciação da lide, mas ante de chamamento ao processo, dado se tratar, a teor do artigo 7° do CDC, de responsabilidade solidária.

De todo modo, tanto a denunciação da lide, quanto o chamamento ao processo, mostram-se inviáveis à luz da regra do artigo 88 do CDC, o que vale para ações individuais e também para as ações coletivas.

03. A INTERVENÇÃO DO AMICUS CURIAE NAS AÇÕES COLETIVAS

Amicus curiae ou “amigo da corte” é modalidade de intervenção já conhecida do direito brasileiro, pois que admitida nas ações de controle concentrado da constitucionalidade e também no julgamento da repercussão geral no recurso extraordinário, e consiste na oitiva de um terceiro, normalmente expert na área de conhecimento objeto da demanda, a fim de cooperar com o Judiciário e aprimorar as decisões judiciais.

Dada a intrínseca relevância social das ações coletivas, doutrina e jurisprudência têm se mostrado favoráveis à sua admissão no processo coletivo.

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ROTEIRO 08ASPECTOS GERAIS DA TUTELA COLETIVA

01. A PRESCRIÇÃO E A DECADÊNCIA NAS AÇÕES COLETIVAS

1.1. NOÇÕES GERAIS SOBRE A PRESCRIÇÃO E A DECADÊNCIA

- Análise sistemática da prescrição e da decadência: direitos subjetivos-prestação e direitos subjetivos-poder.

- A prescrição e a decadência são fatos extintivos; a primeira atinge a pretensão, enquanto a segunda atinge o próprio direito.

- Os prazos prescricionais estão ligados a pretensões condenatórias. Os prazos decadenciais estão ligados a pretensões constitutivas/desconstitutivas. As pretensões declaratórias não se submetem nem a prazos prescrições, nem decadenciais, sendo consideradas ações perpétuas.

1.2. A PRESCRIÇÃO E A DECADÊNCIA NO PROCESSO COLETIVO – VISÃO DA DOUTRINA

O tema da prescrição e decadência dos direitos coletivos lato sensu não possui unanimidade em doutrina, havendo lições notadamente divergentes sobre a questão.

Uma primeira corrente de pensamento defende que as ações tendentes a tutelar direitos coletivos em sentido lato não se submeteriam a qualquer prazo extintivo, ou seja, não estariam submetidas nem a prescrição, nem a decadência, configurando-se como verdadeiras ações perpétuas

Citado por DIDIER e ZANETI JR. (pág. 281), RICARDO DE BARROS LEONEL afirma que não correm prescrição e decadência com relação aos interesses difusos, coletivos e individuais homogêneos. Aponta os seguintes fundamentos: a) inexistência de previsão de prescrição e decadência quanto aos interesses supra-individuais; b) não legitimação dos titulares de tais interesses para sua postulação em juízo; c) imprescritibilidade com fundamento constitucional de uma espécie de interesse difuso, relativo à defesa do patrimônio público; d) existência no ordenamento ortodoxo de situações de imprescritibilidade e de inocorrência de decadência.

Os mesmos autores DIDIER e ZANETI JR. (pág. 283) discordam parcialmente dessa opinião e apontam específicas hipóteses de prescrição (e decadência) nas ações coletivas, a saber:

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a) prescrição dos pedidos repressivos-punitivos na improbidade administrativa, conforme previsto no artigo 23 da lei 8.429/92. Necessário lembrar, porém, que tal prescrição somente se aplica às penas que não envolvem as pretensões de ressarcimento ao erário, pois que essas são imprescritíveis, a teor da disposição contida no art. 37, §5°, da CF/88. Aplica-se, pois, esse prazo às penas previstas na lei de improbidade diferentes do ressarcimento, tais como proibição de contratar com o poder público, inelegibilidade, multa civil, entre outras.

b) decadência do pedido de habilitação individual nas ações indenizatórias para compor os direitos individuais homogêneos, previstas nas leis federais n°s 8.078/90 e 7.913/89 (com redação dada pela Lei Federal n° 9.008/95).

c) a prescrição (ou decadência) na ação popular, em prazo qüinqüenal, conforme artigo 21 da Lei de Ação Popular: Artigo 21. A ação prevista nesta lei prescreve em 5 (cinco) anos. Lembrando que esse prazo não se deve aplicar às pretensões de ressarcimento por danos causados ao erário, pois que esses, conforme já se expôs, são imprescritíveis.

d) prazo decadencial de 120 dias para a impetração do mandado de segurança coletivo, sendo oportuno lembrar que esse prazo decadencial não se aplica ao direito material coletivo, mas sim ao direito de escolha do procedimento especial do mandado de segurança.

e) prescrição e decadência dos direitos do consumidor e das respectivas ações singulares, conforme disposição do artigo 262 do CDC: o direito de reclamar pelos vícios aparentes ou de fácil constatação caduca em: I) trinta dias, tratando-se de fornecimento de serviço ou de produto não duráveis; II) noventa dias, tratando-se de fornecimento de serviço e de produto duráveis. Ressaltam DIDIER e ZANETI que referidos prazos devem ser aplicados tanto às ações individuais, quanto às coletivas.

Com base nessas constatações, DIDIER e ZANETI JR. defendem que havendo previsão expressa em lei sobre prescrição e decadência, não haveria como deixar de se aplicar a lei, em que pese se trate de direito coletivo lato sensu.

1.3. A PRESCRIÇÃO E A DECADÊNCIA NO PROCESSO COLETIVO: UMA TENTATIVA DE SISTEMATIZAÇÃO (VISÃO DO AUTOR DA APOSTILA)

Pensamos que as opiniões doutrinárias citadas no item anterior estão a merecer uma melhor sistematização.

De fato, não se pode pretender emprestar aos direitos essencialmente coletivos (difusos e coletivos stricto sensu) a mesma sistemática de prescrição e decadência aplicável aos direitos individuais homogêneos, que são apenas acidentalmente coletivos.

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É necessário reconhecer, assim, que o regime de prescrição e da decadência deverá ser analisado de uma maneira para dos direitos difusos e coletivos stricto sensu e de outra para os direitos individuais homogêneos, conforme se expõe a seguir.

1.3.1. A PRESCRIÇÃO E DECADÊNCIA NOS DIREITOS ESSENCIALMENTE COLETIVOS

Consideramos que, salvo regra legal expressa em sentido contrário, as ações que tratem sobre a proteção a direitos difusos e coletivos stricto sensu devem ser consideradas ações perpétuas, ou seja, não submetidas a prazos prescricionais ou decadenciais.

E assim o é por uma importante razão: como se sabe, os fatos extintivos prescrição e decadência ligam-se à perda da pretensão por não exercício desta, dentro de determinado prazo, por seu titular, à partir do momento em que se torna exigível essa mesma pretensão.

Por outro lado, como igualmente se sabe, os direitos essencialmente coletivos são indivisíveis e impassíveis de serem apropriados por um indivíduo; seu titular é uma coletividade, indeterminada ou determinável, mas sobretudo uma coletividade.

Ainda conforme as lições correntes da doutrina, essa coletividade não tem como defender e exigir em juízo, por si mesma, seus direitos, razão pela qual a lei instituiu um rol de legitimados extraordinários que farão, em nome próprio, a representação dessa coletividade em juízo. Em palavras outras, a coletividade, em si mesma considerada, não tem condições de exigir em juízo o direito coletivo do qual é titular; depende sempre do legitimado extraordinário.

Parece-nos, assim, incomportável pensar em prescrição (ou decadência) quando se tratar de direito difuso ou coletivo stricto sensu, exatamente por não se poder apenar alguém – no caso a coletividade – por não ter exercido uma pretensão se essa pretensão não era possível de ser por ela exercida pessoal e diretamente.

Vale destacar que o direito brasileiro não é infenso ao reconhecimento de que a prescrição e a decadência, em situações especiais, não deve correr, notadamente porque impossibilitados os titulares do direito a exercerem sua pretensão. Esse o espírito da regra constante, por exemplo, do art. 198 do Código Civil, que diz não correr a prescrição contra incapazes, contra os ausentes do País, em serviço público da União, Estados e Municípios, e contra os que se acharem servindo nas forças armadas, em tempo de guerra.

Assim, em sentido genérico, justamente porque as coletividades titulares dos direitos essencialmente coletivos não têm condições de exercer suas

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pretensões, entendemos que não podem correr prazos de prescrição ou decadência.

Claro que essa regra geral deverá ceder espaço naqueles casos em que o direito material tenha reservado uma regra específica. Assim ocorre, por exemplo, com as pretensões não-ressarcitórias previstas na lei de improbidade administrativa, ou outras hipóteses que a lei eventualmente instituir.

1.3.2. A PRESCRIÇÃO E DECADÊNCIA NOS DIREITOS INDIVIDUAIS HOMOGÊNEOS (ACIDENTALMENTE COLETIVOS)

Na seara dos direitos individuais homogêneos o que se tem, antes de tudo, são direitos perfeitamente divisíveis e passíveis de serem defendidos em juízo por seus titulares individuais. Tais direitos são apenas processualmente coletivos, na medida em que o legislador, em homenagem à celeridade, economia processual e acesso à justiça, entendeu por bem permitir a sua defesa em juízo de maneira coletiva.

Em assim sendo, não há dúvida que aos direitos individuais homogêneos aplicam-se todos os prazos de prescrição e decadência normalmente aplicáveis ao direito individualmente considerado. Nesses termos, se uma pretensão individual submete-se a prazo prescricional de 5 anos, a esse mesmo prazo se submeterá a eventual ação coletiva para a tutela coletiva dos direitos individuais homogêneos.

Essa a opinião que prevalece em doutrina. Os já tantas vezes citados DIDIER e ZANETI JR. (pág. 299), assim se manifestam sobre o tema:

O prazo prescricional para a tutela coletiva de direitos individuais homogêneos será o prazo prescricional das respectivas pretensões individuais. Não há qualquer razão para que haja prazos diversos, um para a ação coletiva e outro para a ação individual. Assim, se se trata de pretensões individuais ressarcitórias que prescrevem em três anos, três anos será o prazo para ajuizamento da respectiva ação coletiva para a tutela dos direitos individuais homogêneos.

1.3.2.1. A PROPOSITURA DA AÇÃO COLETIVA PARA A DEFESA DE DIREITO INDIVIDUAL HOMOGÊNEO INTERROMPE O PRAZO PRESCRICIONAL DAS PRETENSÕES INDIVIDUAIS?

Ainda dentro do tema prescrição e decadência das ações coletivas para defesa de direitos individuais homogêneos, uma interessante questão merece análise: a propositura da ação coletiva interrompe o prazo para o ajuizamento das ações individuais?

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A resposta deve ser positiva. Caso a ação coletiva para a defesa dos direitos individuais homogêneos não fosse suficiente à interrupção dos prazos prescricionais para as pretensões individuais, isso acabaria forçando que os legitimados individuais propusessem suas ações com o fito de se forrarem aos efeitos da prescrição. Restaria, assim, ao menos em parte, comprometido o principal objetivo da tutela coletiva, qual seja, evitar a proliferação de demandas essencialmente idênticas. Essa, também, a opinião de DIDIER e ZANETI JR (pág. 296).

1.3.2.2. QUAL O PRAZO PRESCRICIONAL PARA A EXECUÇÃO INDIVIDUAL, EM CASO DE ÊXITO NA AÇÃO COLETIVA PARA A DEFESA DE DIREITOS INDIVIDUAIS HOMOGÊNEOS?

A questão não deveria causar maiores dificuldades: a execução individual da sentença coletiva prescreve exatamente no mesmo prazo da ação individual, aplicando-se ao tema a máxima contida na Súmula 150 do STF: Prescreve a execução no mesmo prazo que prescreve a ação. Assim, sendo de três anos o prazo prescricional da ação, também de três anos será o prazo para a execução da sentença coletiva proferida na ação para defesa de direitos individuais homogêneos.

Foi nesse sentido que decidiu o STJ, conforme se constata do Informativo n° 484, de 26 de setembro a 7 de outubro de 2011.

PRAZO. PRESCRIÇÃO. EXECUÇÃO INDIVIDUAL. AÇÃO COLETIVA.

Trata-se, na origem, de pedido de cumprimento individual de sentença proferida em ação civil pública que condenou instituição financeira a pagar poupadores com contas iniciadas e/ou renovadas até 15/6/1987 e 15/1/1989, os expurgos inflacionários referentes aos meses de junho de 1987 a janeiro de 1989, e juros de 0,5% ao mês. O Min. Relator afirmou que para a análise da quaestio juris deve-se ater aos seguintes aspectos: I – na execução, não se deduz pretensão nova, mas aquela antes deduzida na fase de conhecimento, com o acréscimo de estar embasado por um título executivo judicial que viabiliza atos expropriatórios, consubstanciando a sentença marco interruptor do prazo prescricional, daí por que a execução deve ser ajuizada no mesmo prazo da ação (Súm. n. 150-STF); II – as ações coletivas fazem parte de um arcabouço normativo vocacionado a promover a facilitação da defesa do consumidor em juízo e o acesso pleno aos órgãos judiciários (art. 6º, VII e VIII, do CDC), levando sempre em consideração a vulnerabilidade do consumidor (art. 4º do CDC). Assim, o instrumento próprio de facilitação de defesa e de acesso do consumidor não pode voltar-se contra o destinatário de proteção, prejudicando sua situação jurídica; III – as ações coletivas inseridas em um microssistema próprio e com regras particulares, sendo que das diferenças substanciais entre tutela individual e coletiva mostra-se razoável a aplicação de regras diferenciadas entre os dois sistemas. Do exposto, concluiu que o prazo para o consumidor ajuizar ação individual de conhecimento, a partir do qual lhe poderá ser aberta a via da execução, independe do ajuizamento da ação coletiva, e não é por essa prejudicada, regendo-se por regras próprias e vinculadas ao tipo de cada pretensão deduzida. Porém, quando se tratar de execução individual de sentença proferida em ação coletiva, como no caso, o beneficiário se insere em microssistema diverso e com regras pertinentes, sendo necessária a observância do prazo próprio das ações coletivas, que é quinquenal, conforme já firmado no REsp 1.070.896-SC, DJe 4/8/2010, aplicando-se a Súm. n. 150-STF. Daí o beneficiário de ação coletiva teria cinco anos para o

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ajuizamento da execução individual, contados a partir do trânsito em julgado de sentença coletiva, e o prazo de 20 anos para o ajuizamento de ação de conhecimento individual, contados dos respectivos pagamentos a menor das correções monetárias em razão dos planos econômicos. REsp 1.275.215-RS, Rel. Min. Luis Felipe Salomão, julgado em 27/9/2011.

Destaque-se que o prazo de 01 (um) ano previsto no artigo 100 do CDC, que permite a propositura da ação coletiva (fluid recovery), não importa na perda das pretensões individuais; trata-se, apenas, de prazo durante o qual os legitimados extraordinários devem aguardar para que se possa eventualmente propor a ação de execução coletiva.

02. A DESISTÊNCIA E O ABANDONO NAS AÇÕES COLETIVAS

Em ação civil pública, a desistência e o abandono encontram-se regulados pelo artigo 5°, §3°, que tem a seguinte redação:

Art. 5◦. (...)§3◦. Em caso de desistência infundada ou abandono da ação por associação legitimada, o Ministério Público ou outro legitimado assumirá a titularidade ativa.

Trata-se da aplicação do já estudado princípio da continuidade (temperada) da ação coletiva, e que merece atenção a duas observações: (i) não se trata de abandono da demanda coletiva apenas por associação, mas por qualquer legitimado; (ii) a continuidade também é dita temperada, pois não pode obrigar o Ministério Público ou outro legitimado extraordinário a dar prosseguimento a uma demanda infundada.

Note-se que a lei regula hipótese de desistência infundada, sendo que há em doutrina opiniões no sentido de que a desistência fundada é possível no âmbito da ação civil pública. DIDIER e ZANETI JR. (pág. 318), citando a lição de HUGO DE NIGRO MAZZILI, pontuam que se a desistência for do Ministério Público ou se ele não assumir a posição ativa no processo, após a desistência de outro colegitimado, deverá o membro do Ministério Público submeter o seu posicionamento à homologação do Conselho Superior do Ministério Público respectivo, aplicando-se por analogia a regra atinente ao arquivamento do inquérito civil público (art. 9° da LACP).

03. A RECONVENÇÃO DAS AÇÕES COLETIVAS

É questão interessante investigar se o Réu de uma ação coletiva poderia utilizar a reconvenção como uma das formas de resposta.

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O CPC, ao regular a demanda reconvencional no processo individual, veicula a seguinte regra:

Art. 315. O réu pode reconvir ao autor no mesmo processo, toda vez que a reconvenção seja conexa com a ação principal ou com o fundamento da defesa.Parágrafo único. Não pode o réu, em seu próprio nome, reconvir ao autor, quando este demandar em nome de outrem.

Conforme se constata da leitura do dispositivo, um dos requisitos para o cabimento da reconvenção é que o autor da ação esteja postulando em juízo direito próprio em nome próprio, ou seja, é requisito que se trate de legitimado ordinário.

Ocorre que nas ações coletivas, como se sabe, o autor da demanda é legitimado extraordinário, sendo substituto processual do verdadeiro titular do direito coletivo.

Assim, conforme aponta a doutrina amplamente majoritária, a reconvenção em ações coletivas é, regra geral, vedada, ante a ocorrência da legitimação extraordinária no pólo ativo.

Vale destacar a interessante opinião de DIDIER e ZANETI JR. (pág. 320) que, a par de acolherem o entendimento supra, observam que não se pode generalizar a proibição, e mencionam situação que em que a reconvenção em ação coletiva seria cabível:

Mas a conclusão não pode ser tão simples.Isso porque, conforme já visto, é possível falar em legitimação coletiva passiva. Se o réu reconvier, deduzindo demanda coletiva passiva, para a qual o autor originário possua legitimação coletiva passiva, e essa demanda for conexa com a ação principal, não há óbice à admissibilidade da reconvenção, visto que por ela se afirma direito em face do substituído. Obviamente, para quem não admita a legitimação coletiva passiva, o que não é a posição deste trabalho, não é admissível a reconvenção em ação coletiva.

A observação é pertinente e correta; há que se reconhecer, todavia, que se trata de hipótese bastante rara, motivo pelo qual se deve concluir que, regra generalíssima, a reconvenção em ações coletivas não se mostra viável.

04. A DISTRIBUIÇÃO DINÂMICA DO ÔNUS DA PROVA NO PROCESSO COLETIVO

Em matéria probatória, o CPC adotou a denominada teoria estática quanto ao ônus da prova, consagrada no artigo 33 daquele diploma processual. Ao autor incumbe o ônus da prova do fato constitutivo de seu direito; ao réu, o ônus da prova do fato extintivo, impeditivo ou modificativo do direito do autor.

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Entretanto, conforme pondera a doutrina especializada, não raro essa distribuição rígida e estática do ônus probatório poderá conduzir a situações jurídicas injustas, notadamente nos casos em que aquele que tenha o ônus da prova a si atribuído, não tenha condições, por razões várias, de dele se desincumbir.

Surge, assim, a proposta que defende uma distribuição dinâmica desse ônus: a prova incumbirá a quem tiver melhores condições de produzi-la, à luz das especificidades do caso.

DIDIER e ZANETI JR. (pág. 323) apontam os postulados básicos dessa teoria:

(i) O encargo jamais deve ser repartido prévia e abstratamente;

(ii) Sua distribuição não pode ser estática e inflexível, mas, sim, dinâmica;

(iii) Pouco importa a posição processual assumida pela parte;(iv) Não é relevante a natureza do fato probando (constitutivo,

extintivo, modificativo ou impeditivo), mas quem tem melhores condições prová-lo.

A distribuição dinâmica do ônus da prova, ou pelo menos uma aplicação desse mecanismo, encontra-se no Código de Defesa do Consumidor (art. 6°), que permite a inversão do ônus da prova nas causas que envolvam relação de consumo.

Na jurisprudência, alguns acórdãos já aplicaram a distribuição dinâmica. Conforme citam DONIZETTI e CERQUEIRA (pag. 304), o STJ tem aplicado uma distribuição diferenciada do ônus da prova nos casos em que a prova se mostra impossível, a denominada prova diabólica. Em um caso concreto, o tribunal entendeu ser impossível ao autor de uma ação provar que, à época da ditadura militar, fora demitido por motivos de natureza política, razão pela qual atribuiu à parte ré o ônus de provar que a demissão se deu independentemente de motivação política.

Regra importante: a distribuição dinâmica do ônus da prova deve ser feita pelo juiz antes da fase instrutória do processo, a fim de não surpreender a parte onerada com a distribuição diferenciada do ônus probandi. Trata-se, pois, de regra de procedimento ou atividade e não regra de julgamento.

05. CONCILIAÇÃO NAS CAUSAS COLETIVAS

De acordo com o artigo 841 do Código Civil, só quanto a direitos patrimoniais de caráter privado se permite a transação. Nada obstante, nas causas

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coletivas, nas quais normalmente (mas não sempre) se discute direitos indisponíveis, a conciliação se mostra possível.

Manifestação clara dessa possibilidade de acordo é a regra do §6° do artigo 5° da Lei de Ação Civil Pública, que permite que os órgãos públicos legitimados poderão tomar dos interessados compromisso de ajustamento de sua conduta às exigências legais, mediante cominações, que terá eficácia de título executivo extrajudicial.

Conforme ensinam DIDIER e ZANETI JR. (pág. 326), por intermédio do compromisso de ajustamento de conduta (que por ser veiculado por intermédio de um termo é também conhecido como Termo de Ajustamento de Conduta – TAC), não se pode dispensar a satisfação do direito transindividual vulnerado, mas sim regular o modo como se deverá promover a sua reparação. Trata-se, conforme explicam esses doutrinadores, de modalidade de acordo, com nítida finalidade conciliatória, e que pode ser extrajudicial (normalmente para prevenir a Ação Civil Pública) ou judicial (para pôr fim a ela, com resolução do mérito, nos termos do artigo 269, III, do CPC).

Vale lembrar que nas ações de improbidade administrativa há regra específica vendando a transação, nos termos do artigo 17, §1°, da lei 8.429/92: é vedada a transação, acordo ou conciliação nas ações de que trata o caput”.

Reafirmando a possibilidade de acordo judicial em sede de direitos coletivos, DIDIER e ZANETI JR. citam acórdão da 1 Turma do STJ em que tal expediente restou expressamente autorizado:

PROCESSO CIVIL – AÇÃO CIVIL PÚBLICA POR DANO AMBIENTAL – AJUSTAMENTO DE CONDUTA – TRANSAÇÃO DO MINISTÉRIO PÚBLICO – POSSIBILIDADE.

1. A regra geral é de não serem passíveis de transação os direitos difusos.2. Quanto se tratar de direitos difusos que importem obrigação de fazer ou não fazer deve-se dar tratamento distinto, possibilitando dar à controvérsia a melhor solução na composição do dano, quando impossível o retorno ao status quo ante.3. A admissibilidade de transação nos direitos difusos é exceção à regra.(STJ, 2ª Turma, REsp n° 299.400/RJ, rel. Min. Peçanha Martins, rel. p/ acórdão Min. Eliana Calmon, j. em 01.06.2006, publicado no DJ de 02.08.2006, p. 229).

Ainda sobre o termo de ajustamento de conduta, extrajudicial ou judicial, DONIZETTI e CERQUEIRA (pág. 314/315) ponderam que os direitos coletivos devem ser tutelados de modo específico ou mediante providências que assegurem o resultado prático equivalente ao do adimplemento, mas concluem que não sendo possível a proteção ao direito coletivo por meio de uma obrigação de fazer ou não fazer, “não se verifica qualquer óbice à inclusão no TAC de uma obrigação de dar como medida reparatória” (pág. 315).

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06. ESPECIFICIDADES DA TUTELA DE URGÊNCIA NO PROCESSO COLETIVO

O regramento das tutelas de urgência, cautelar e antecipada, não sofre alterações de vulto quando transportadas para o processo coletivo.

A legislação prevê, porém, limitações à concessão de tutelas de urgência contra o Poder Público em ações coletivas, razão pela qual merecem ser estudadas.

Assim destaca-se o artigo 2° da lei 8.437/92:

Art. 2°. No mandado de segurança coletivo e na ação civil pública, a liminar será concedida, quando cabível, após a audiência do representante da pessoa jurídica de direito público, que deverá se pronunciar no prazo de 72 horas.

Essa regra foi repetida no artigo 22, §2°, da lei 12.016/09 (“nova” lei do mandado de segurança):

Art. 22. (...)

§2°. No mandado de segurança coletivo, a liminar só poderá ser concedida após a audiência do representante judicial da pessoa jurídica de direito público, que deverá se pronunciar no prazo de 72 horas.

Os tribunais têm reconhecido que a inobservância dessa regra acarreta a nulidade da decisão judicial liminar.

Trata-se, sem dúvida, de regra que visa proteger o Poder Público, dada a abrangências e potencial eficácia erga omnes das decisões proferidas em ações coletivas.

Ressalte-se que aos processos coletivos aplica-se o instituto da suspensão dos efeitos da decisão, previsto no artigo 4° da lei 8.437/92 e no artigo 15 da lei 12.016/09.

07. AS DESPESAS PROCESSUAIS E OS HONORÁRIOS ADVOCATÍCIOS DE SUCUMBÊNCIA

O regime das custas processuais e honorários advocatícios de sucumbência, em sede de processo coletivo, é ditado pelos artigos 17 e 18 da Lei de Ação Civil Pública, bem como pelo artigo 87 do Código de Defesa do Consumidor, que basicamente consolida em um único artigo a redação dada aos dispositivos da LACP.

Confira-se, pois, o artigo 87 do CDC:

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Art. 87. Nas ações coletivas de que trata este Código não haverá adiantamento de custas, emolumentos, honorários periciais e quaisquer outras despesas, nem condenação da associação autora, salvo comprovada má-fé, em honorários de advogado, custas e despesas processuais.Parágrafo único. Em caso de litigância de má-fé, a associação autora e os diretores responsáveis pela propositura da ação serão solidariamente condenados em honorários advocatícios e ao décuplo das custas, sem prejuízo da responsabilidade por perdas e danos.

A regra transcrita tem o claro propósito de estimular a propositura das ações coletivas, vistas pelo legislador como mecanismo de litigação de interesse público, e para tanto desonera o autor da demanda com a dispensa do adiantamento de custas, emolumentos e honorários de perito, bem como com a não condenação caso venha a ser sucumbente na ação. A ressalva fica com ações coletivas manejadas de má-fé, caso em que não só haverá condenação nos honorários advocatícios de sucumbência, como também ao décuplo das custas processuais, sem prejuízo de eventual responsabilidade processual civil por dano causado pelo processo.

Dois temas, porém, merecem um detalhamento maior: (i) o regime dos honorários advocatícios e (ii) as despesas com honorários periciais.

7.1. OS HONORÁRIOS ADVOCATÍCIOS EM AÇÃO COLETIVA

Os honorários advocatícios em ação coletiva têm regramento distinto, dependendo da procedência ou da improcedência dos pedidos formulados na demanda. Confira-se nas linhas seguintes.

6.1.1. OS HONORÁRIOS ADVOCATÍCIOS EM CASO DE IMPROCEDÊNCIA DOS PEDIDOS FORMULADOS NA AÇÃO COLETIVA

Não haverá, em ações coletivas cujos pedidos tenham sido julgados improcedentes, condenação nos ônus da sucumbência, que englobam, como se sabe, as despesas processuais e os honorários advocatícios.

Sucumbindo, pois, o autor coletivo, não deverá ser condenado ‘nos ônus da sucumbência, ressalvado o caso de litigância de má-fé, antes já apontado.

7.1.2. OS HONORÁRIOS ADVOCATÍCIOS EM CASO DE PROCEDÊNCIA DOS PEDIDOS FORMULADOS NA AÇÃO COLETIVA

Se os ônus da sucumbência não devem ser suportados pelo autor coletivo em caso de improcedência dos pedidos formulados, o mesmo regime não se aplica em casos de procedência dos pedidos, ou seja, nos casos em que o autor

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coletivo é vencedor da demanda. Nessa hipótese, deve haver a normal condenação do perdedor nos ônus da sucumbência, notadamente nos honorários de advogado.

Surge, quanto a esse ponto, interessante questão: quando o autor da ação coletiva é uma pessoa jurídica de direito privado, obviamente os honorários pertencem ao respectivo advogado, tal qual dispõe o artigo 22 do Estatuto da Ordem dos Advogados do Brasil; entretanto, quando o autor vencedor é órgão público (Ministério Público, Defensorias ou entes despersonalizados mas com capacidade judiciária, como o Procon) ou pessoa jurídica de direito público, a questão dos honorários advocatícios é razoavelmente controvertida.

Examine-se, primeiramente, o caso do Ministério Público e da Defensoria Pública. Seus integrantes, por expressa vedação legal (ver, por exemplo, artigo 128, §5°, II, “a”, da CF/88), não podem perceber honorários. Por tal razão, conforme noticiam DONIZETTI e CERQUERIA (pág. 328), formaram-se quatro opiniões sobre o tema:

a) os honorários devem ser arbitrados pelo juiz e destinados à pessoa jurídica de direito público a que se encontram vinculados o órgão do Ministério Público ou da Defensoria;

b) os honorários devem ser arbitrados e recolhidos como recursos orçamentários do próprio Ministério Público ou Defensoria;

c) os honorários devem ser arbitrados e recolhidos ao Fundo de Defesa dos Direitos Difusos, criado pelo artigo 13 de Lei de Ação Civil Pública;

d) não deve haver condenação em honorários advocatícios quando atuarem o Ministério Público e a Defensoria Pública.

Parece que a melhor opção, dentre as apresentadas, é aquela que defende o arbitramento dos honorários advocatícios, com a reversão em benefício do próprio órgão do Ministério Público ou da Defensoria, a fim de contribuir com seu melhor aparelhamento. Quanto à Defensoria, aliás, há regra expressa nesse sentido, qual seja, o art. 4°, XXI, da Lei Complementar 80/94:

Art. 4°. São funções institucionais da Defensoria Pública, dentre outras:(...)XXI – Executar e receber as verbas sucumbenciais decorrentes de sua atuação, inclusive quando devidas por quaisquer entes públicos, destinando-as aos fundos geridos pela Defensoria Pública e destinados, exclusivamente, ao aparelhamento da Defensoria Pública e à capacitação profissional de seus membros e servidores;2

2 Sobre o tema, vale ressaltar a SÚMULA STJ 421: “Os honorários advocatícios não são devidos à Defensoria Pública quando ela atua contra a pessoa jurídica de direito público à qual pertença”.

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Por fim, tratando-se de atuação de pessoa jurídica de direito público, ou mesmo de entes públicos despersonalizados, como o PROCON, os honorários advocatícios devem ser arbitrados e revertidos em benefício ou da pessoa jurídica de direito público ou dos procuradores encarregados de sua representação judicial, tudo a depender da legislação de regência de cada uma das carreiras.

7.2. A POLÊMICA QUESTÃO DOS HONORÁRIOS PERICIAIS

Conforme visto, o artigo 18 de LACP assegura que não haverá adiantamento de honorários periciais, regra reafirmada pelo artigo 87 do CDC.

Assim, aplicando-se essa regra, caso em uma ação coletiva seja necessário a realização de uma perícia, o autor coletivo estaria dispensado de adiantar os honorários do profissional encarregado pelo juízo da realização da prova.

Entretanto, parece óbvio que não se pode obrigar o perito, normalmente um profissional liberal, a trabalhar de graça, o que acaba por acarretar um impasse nos casos concretos em que situação tal se manifesta.

À primeira vista poder-se-ia pensar em transferir tal ônus ao réu da ação coletiva, lançando mão o juiz, inclusive, da regra de distribuição dinâmica do ônus da prova, que tem aplicação reconhecida na seara do processo coletivo.

Ocorre que tal solução, que até pode resolver alguns casos, não funciona em todas as hipóteses, pelo simples fato de que, não raro, não está o réu da ação coletiva em condições de arcar com os altos custos que podem envolver esse tipo de prova pericial. Em palavras outras, não raro o réu simplesmente não tem condições de arcar com os custos da prova.

O que fazer nesses casos?Parece-nos pertinente que o juiz imponha ao autor coletivo o ônus

da antecipar os valores dos honorários periciais. Em sendo o Ministério Público, a Defensoria Pública ou uma associação, por exemplo, excelente opção é a utilização de verbas do fundo de defesa dos direitos difusos, criado pelo artigo 13 da Lei de Ação Civil Pública.

Essa importante temática tem sido objeto de decisões recentes do Superior Tribunal de Justiça, que analisou casos de ação civil pública proposta pelo Ministério Público, tendo o tribunal adotado dois caminhos: (i) ora impor ao próprio Ministério Público o ônus de adiantar os honorários periciais, quando for ele, o Ministério Público, o Autor da ação civil pública; (ii) ora no sentido de impor à Fazenda Pública à qual pertença o Ministério Público o ônus de suportar referidos custos.

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Confira-se, com efeito, o que restou decidido no 891.743-SP (2006/0213263-0), de Relatoria da eminente Ministra Eliana Calmon, julgado em outubro de 2009:

PROCESSO CIVIL. AÇÃO CIVIL PÚBLICA. HONORÁRIOS PERICIAIS. ART. 18 DA LEI 7.347/85.1. Na ação civil pública, a questão do adiantamento dos honorários periciais, como estabelecido nas normas próprias da Lei 7347/85, com redação dada ao art. 18 da Lei 8.078/90, foge inteiramente das regras gerais do CPC.2. Posiciona-se o STJ no sentido de não impor ao Ministério Público condenação em honorários advocatícios, seguindo a regra de que na ação civil pública somente há condenação em honorários quando Autor for considerado litigante de má-fé.3. Em relação ao adiantamento das despesas com a prova pericial, a isenção inicial do MP não é aceita pela jurisprudência de ambas as turmas, diante da dificuldade gerada pela adoção da tese.4. Abandono da interpretação literal para impor ao parquet a obrigação de antecipar os honorários de perito, quando figure como autor na ação civil pública.5. Recurso especial não provido.

Outra tese que tem encontrado eco no STJ é da imposição de tal ônus à pessoa jurídica a que pertença o Ministério Público, conforme recente aresto, datado de 10 de agosto de 2010, de relatoria do Min. Mauro Campbell Marques, no REsp n◦ 864.314-SP (2006/0137903-9):

PROCESSUAL CIVIL. AÇÃO CIVIL PÚBLICA. PERÍCIA. HONORÁRIOS DO PERITO. DESPESA PROCESSUAL. ADIANTAMENTO PELO AUTOR DA AÇÃO (MINISTÉRIO PÚBLICO). IMPOSSIBILIDADE. INCIDÊNCIA PLENA PLENA DO ART. 18 DA LEI 7.347/85.1. O art. 18 da Lei 7.347/85 constitui regramento próprio, que impede que o autor da ação civil pública arque com os ônus periciais e sucumbenciais, ficando afastada, portanto, as regras específicas do Código de Processo Civil.2. Considera-se aplicável, por analogia, a Súmula n. 232 desta Corte Superior, a determinar que a Fazenda Pública a que se acha vinculada o Parquet arque com tais despesas.3. Essa linha de orientação vem encontrando eco no Supremo Tribunal Federal: RE 233.585/SP, Rel. Min. Celso de Melo, DJe 28.9.2009 (noticiada no Inf. STF n. 560/09).4. Recurso especial parcialmente provido.

08. ASPECTOS RECURSAIS

O sistema recursal do processo individual é praticamente todo aplicável ao processo coletivo, quer se trate da teoria geral, quer se trate dos recursos em espécie.

Algumas alterações pontuais, porém, merecem destaque, na forma seguinte.

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8.1. O EFEITO SUSPENSIVO DOS RECURSOS

Como se sabe, por força do caput do artigo 520 do CPC a apelação é um recurso dotado, em regra, de efeito suspensivo. Os demais recursos, pelo menos em regra, não possuem tal efeito, como o agravo, os embargos de declaração, o recurso especial e extraordinário.

Entretanto, o regramento da apelação aplicável ao processo coletivo é outro. Conforme disposição contida no artigo 14 da Lei de Ação Civil Pública, “o juiz poderá conferir efeito suspensivo aos recursos, para evitar dano irreparável à parte”. Fica claro, pois, que a interpretação a contrario sensu é de que o recurso de apelação nas ações civis públicas, não é dotado de efeito suspensivo ope legis, podendo o juiz, nos casos de dano irreparável concedê-lo, ope judices.

Há, porém, uma exceção, que faz o recurso voltar ao sistema do processo individual. Trata-se do recurso de apelação na Ação Popular, que tem dispositivo expressamente dotando a apelação de tal efeito: Confira-se

Art. 19. A sentença que concluir pela carência ou pela improcedência da ação está sujeita ao duplo grau de jurisdição, não produzindo efeito senão depois de confirmada pelo tribunal; da que julgar a ação procedente, caberá apelação, com efeito suspensivo.

§1°. Das decisões interlocutórias cabe agravo de instrumento.§2°. Das sentenças e decisões proferidas contra o autor da ação e suscetíveis de recurso, poderá recorrer qualquer cidadão e também o Ministério Público.

O dispositivo transcrito também cuida de outro tema conexo ao sistema recursal, qual seja, o reexame necessário, a ser tratado no item seguinte.

8.2. O REEXAME NECESSÁRIO NO PROCESSO COLETIVO

Discute-se em doutrina acerca da aplicação ou não, ao processo coletivo, do instituto do reexame necessário, ordinariamente previsto no artigo 475 do CPC.

Primeiramente, é importante destacar que há regra expressa sobre reexame necessário na ação popular, sendo que o caput do artigo 14 da Lei de Ação Popular, há pouco transcrito, determina que a sentença que concluir pela carência ou pela improcedência da ação está sujeita ao duplo grau de jurisdição.

Tal regra, apesar de algumas manifestações em contrário, deve ser aplicada a toda ação coletiva, já que a premissa assumida pela doutrina e adotada nesse curso é a de que estamos a estudar um microssistema, cujas normas têm

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aplicação interpenetrante. É essa a opinião, por exemplo, de DONIZETTI e CERQUEIRA (pág. 344).

Outra questão a se enfrentar é se os demais casos previstos no artigo 475 do CPC se aplicariam ao processo coletivo.

Aqui, também, consideramos que sim, apesar de entendimentos doutrinários em contrário. Como bem recomendam DIDIER e ZANETI JR. (pág. 364), os regimes do artigo 19 da Lei de Ação Popular e do artigo 475 do CPC são compatíveis, pelo que: (i) ; (ii) julgada improcedente a ação civil pública ou extinto o processo sem resolução do mérito, haja ou não ente público envolvido, aplica-se a remessa, por força do artigo 19 da Lei de Ação Popular.

8.3. O INTERESSE RECURSAL – A QUESTÃO DA COISA JULGADA SECUNDUM EVENTUM PROBATIONIS

O interesse recursal aplicável ao processo individual aplica-se ao processo coletivo quase que integralmente, com um único reparo: normalmente, quem ganha, ou seja, o vencedor, não tem interesse recursal. Mas no processo coletivo em pelo menos um caso o vencedor terá interesse: sabe-se que a sentença de improcedência da ação coletiva pode dar-se por ausência de provas (secundum eventum probationis), caso em que não obstará a propositura da mesma demanda em momento futuro, com base em nova prova; sendo também possível a improcedência com suficiência de provas, caso em que a coisa julgada opera-se normalmente.

Pois bem, é cogitável que o réu de uma ação coletiva julgada improcedente por insuficiência de provas pretenda recorrer para que o fundamento da decisão seja alterado, de modo a reconhecer a improcedência com suficiência de provas. Terá interesse recursal, nesse caso, pois o recurso será capaz de alçá-lo a uma condição melhor do que a que se encontra antes do manejo da impugnação.

8.4. O RECURSO DE TERCEIRO INTERESSADO

Sendo autônoma e concorrente a legitimidade ativa no processo coletivo (ver o roteiro dedicado ao estudo da legitimidade), torna-se possível que proferidas decisões em ações coletivas, o colegitimado, que até aquele momento não atuara no feito, o faça, ingressando com recurso na condição de terceiro prejudicado, nos exatos termos facultados pelo art. 499 do CPC.

Também não se poderia afastar a possibilidade de recurso de terceiro ao legitimado individual, nos casos em que a ação coletiva versar sobre direitos individuais homogêneos.

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Assim, o recurso de terceiro prejudicado funcionará, no processo coletivo, assim como a assistência nas ações coletivas, na forma seguinte:

a) tratando-se de ação coletiva para a tutela de direito essencialmente coletivo a intervenção recursal: (i) de legitimado individual é absolutamente vedada, salvo a hipótese de uma ação coletiva que tutela direito que seria também tutelável pela via da ação popular; (ii) sendo colegitimado extraordinário, o manejo de recurso na qualidade de terceiro prejudicado será possível, passando a atuar dali em diante como assistente litisconsorcial.

b) tratando-se de ação coletiva para a tutela de direito acidentalmente coletivo (ou seja, direito individual homogêneo), permite-se a intervenção do legitimado individual substituído, que também passa à condição de assistente litisconsorcial; assim como de eventual colegitimado;

c) tratando-se de ação individual, com repercussão em ação coletiva (ver item 2.2.3 do roteiro 07), poderá o legitimado extraordinário ingressar e recorrer como terceiro prejudicado, agora na qualidade de assistente simples.

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ROTEIRO 09A COISA JULGADA NAS AÇÕES COLETIVAS

01. NOÇÕES GERAIS

Estudar a coisa julgada no processo coletivo tem por pressuposto o exame desse instituto à luz do quanto sobre ele se construiu na dinâmica do processo individual. E assim deve ser porque o processo coletivo, quanto à coisa julgada, busca seus conceitos mais importantes no processo individual, com todas as evoluções que quanto ao instituto da coisa julgada a doutrina já realizou, desde as suas origens mais remotas localizadas no direito romano.

Aliás, desde que os romanos forjaram a noção de res judicata os juristas se esforçam por compreender, em toda a extensão e complexidade, seu conceito.

Com efeito, o processo, como tantas vezes já afirmado em doutrina, é o instrumento através do qual o Estado presta a tutela jurisdicional, resolvendo a crise jurídica3 que lhe foi levada pelo jurisdicionado.

Em palavras mais simples, o processo é uma espécie de máquina transformadora, que busca tornar certas relações jurídicas incertas: essa a função precípua do processo de conhecimento, que mais de perto nos interessa no presente estudo.

Entretanto, essa certeza jurídica não é obtida instantaneamente e de inopino. Necessário é observar um passo a passo, que naturalmente conduzirá essa máquina rumo a seus produtos finais. Esse passo a passo recebe a denominação de procedimento45, o qual, por sua vez, é composto por sucessivos atos processuais.

O procedimento e os atos processuais que o integram podem, pois, para fins didáticos, ser entendidos como o modo de ligação entre os dois principais pontos do processo: o ponto inicial, que consiste em um ato da parte, que é a demanda, e um ponto final, consubstanciado em um ato do Estado-juiz, qual seja, a sentença.

Segundo o professor NELTON DOS SANTOS6,

3 A expressão crise jurídica é de CANDIDO RANGEL DINAMARCO, em sua obra Instituições de Direito Processual Civil II, Ed. Malheiros, 2a edição.4 Como ensina autorizada doutrina, o procedimento é a manifestação extrínseca do processo, ao passo que a manifestação intrínseca seria a relação jurídica processual. Procedimento é, assim, comportamentos coordenados em vista de um fim predeterminado.5 Segundo DINAMARCO, Processo = Relação Jurídica Processual + Procedimento.6 NELTON DOS SANTOS e outros, in Código de Processo Civil Interpretado, Antônio Carlos Marcato, coordenador. – 3. Ed. – São Paulo: Atlas, 2008.

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até agora, a doutrina não conseguiu encontrar formulação definitiva para o vocábulo (processo),embora grandes avanços tenham sido realizados a partir dos estudos de Elio Fazzalari (ver Instituzioni di diritto processuale civil, p. 80-86). Segundo ele, o processo pode ser traduzido pela idéia de ‘procedimento em contraditório’. Não sem fazer observações ao entendimento do jurista italiano, os processualistas pátrios têm dito que a noção de processo envolve as de procedimento e de relação processual. O procedimento é a forma pela qual se sucedem os atos processuais, é o caminho pelo qual o processo segue; a relação processual, por sua vez, é o vínculo jurídico que une o juiz e as partes, estabelecendo, entre eles, conforme sua qualidade, poderes, faculdades, deveres, ônus e sujeições. Assim o processo é o somatório desses dois elementos, ou seja, é o instrumento exteriorizado e materializado por um procedimento e que, além disso, é animado por uma relação jurídica processual”.

Toda essa concatenação lógica de atos processuais tem por fim, portanto, viabilizar o ato final, no qual o juiz, após a realização de cognição exauriente, diz o direito aplicável ao caso, resolvendo a crise jurídica submetida pelas partes: eis aí a sentença.

Não é demais destacar que a Constituição da República assegura, a todos os litigantes, o devido processo legal, com oportunidade de exercício do contraditório e da ampla defesa. Isso, sem dúvida, legitima a decisão final que o juiz profere, porquanto dela puderam as partes envolvidas efetivamente participar, expor suas razões, produzir as provas dos fatos alegados etc.. Além disso, a observância do devido processo legal tem o objetivo de proporcionar decisões ponderadas, seguras e, na medida do possível, mais justas.

Entretanto, essa busca pela justiça, pela decisão perfeita, deve encontrar limites, sob pena de um processo judicial jamais se encerrar, perpetuando os litígios indefinidamente e jamais se atingindo o fim precípuo da Jurisdição, que é pacificar os conflitos de interesse que turbam a paz social. Em determinado momento, pois, a decisão do Poder Judiciário deve ser tida por imutável, não se permitindo às partes retornarem com demandas que visem rediscutir aquilo que já foi objeto de resolução.

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Como bem destaca o Professor WILLIAM B. RUBENSTEIN7, a imutabilidade de uma decisão é um tema central em qualquer sistema judiciário, pois que tangencia tormentosos questionamentos, tais como: a partir de que condições estamos preparados para aceitar que o resultado de um processo é imutável? Quando estamos habilitados a dizer que a justiça realmente foi feita?

A resposta a esses complexos questionamentos talvez seja: NUNCA. Todavia, para um sistema judiciário que pretende ser racional e atingir a sua finalidade de dar solução a litígios, essa é uma resposta absolutamente inaceitável. Em algum momento, pois, o conflito deve se encerrar e a solução ditada pelo Poder Judiciário deve ser definitiva. Alguma hora deve cessar a busca pelo valor justiça, a fim de se assegurar outro valor igualmente importante: a segurança jurídica.

Surge aí a coisa julgada. Para WILLIS SANTIAGO GUERRA FILHO8,

A coisa julgada, para um teórico do processo do porte de James Goldschimidt, em sua obra clássica Der prozess als rechtslage (cf. §§ 14 e 15), é o próprio objetivo que com o desenrolar do procedimento deverá ser alcançado, em se tratando de um processo judicial. Realmente, o ato que cumpre a finalidade própria da jurisdição, isto é, a sentença, reveste-se, em determinado momento, de uma autoridade conferida pela lei, adquirindo com isso a estabilidade para garantir a ‘segurança’ nas relações sociais, ameaçadas pelas controvérsias submetidas à apreciação do órgão judicial. Por uma questão de ‘justiça’, as decisões judiciais estão sujeitas a serem modificadas, uma vez impugnadas e levadas ao conhecimento do órgão superior. A essa possibilidade de revisão, no entanto, se contrapõem limites, fixando um número razoável delas e estipulando um prazo rígido dentro do qual se pode solicitá-la. Uma vez que a sentença não está mais sujeita a alterações, pelo esgotamento da possibilidade de se recorrer contra ela, ocorre o trânsito em julgado e ela

7 WILLIAM B. RUBENSTEIN, Finality inc Class Action Litigation: Lesson from Habeas, New York Universiy Law Review, 2007.8 WILLIS SANTIAGO GUERRA FILHO, Notas fenomenológicas sobre a relativização dos limites subjetivos da coisa julgada em conexão com o litisconsórcio necessário. In: NASCIMENTO, Carlos Valder do; DELGADO, José Augusto (Org.). Coisa Julgada Inconstitucional. 2. Ed. Belo Horizonte: Fórum, 2008. Pag. 65-83.

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adquire a autoridade de coisa julgada (autorictas res judicata).

Irrepreensível a lição transcrita. De fato, a coisa julgada é um fenômeno que se liga à própria finalidade da jurisdição, na exata medida em que a estabilização da ordem jurídica torna-se impossível de ser obtida se os conflitos entre as pessoas se eternizarem. Daí porque, conforme já anotava ilustre processualista9, a possibilidade de que essa decisão final e imutável seja injusta é um mal menor comparado com a perpétua incerteza das relações do mundo jurídico.

02. A COISA JULGADA FORMAL E A COISA JULGADA MATERIAL

Como visto no item anterior, em algum momento é preciso dar cabo da busca pela decisão ideal e conformar-se com a decisão possível, tudo em homenagem à segurança jurídica e à pacificação das relações litigiosas. Afirmou-se, também no item anterior, que a cessação dessa busca pela justiça e a assunção do valor segurança vem com a coisa julgada. Não se disse, entretanto, o momento em que a coisa julgada se forma, ou seja, qual o exato instante, no tempo, em que o que era modificável deixa de sê-lo.

É preciso afirmar, pois, que esse é o instante do chamado trânsito em julgado da sentença10 e que se dá no exato momento em que contra a decisão não mais é possível o manejo de qualquer recurso, seja porque a parte irresignada os manejou todos e esgotou os meios impugnativos, seja porque deixou transcorrer in albis o prazo de que dispunha para oferecer o recurso cabível. Certo é que, a partir do exato instante em que a sentença não mais pode ser impugnada por recurso, ela transita em julgado e torna-se imutável. A expressão trânsito em julgado é, nesse sentido, bastante apropriada, pois que bem denota a migração de um estado para outro, vale dizer, a sentença transita do estado de mutabilidade para o estado de imutabilidade.

Ocorre que essa imutabilidade da sentença decorrente da sua inimpugnabilidade por recurso projeta efeitos em dois planos distintos: a sentença se torna imutável naquele mesmo processo em que foi proferida, ao que se dá o nome de coisa julgada formal, e em se tratando de sentença de mérito (art. 269 do CPC), a sua imutabilidade se projeta também para outros processos, ao que se dá o nome de coisa julgada material. Em palavras outras, a coisa julgada formal opera efeitos “dentro” do processo em que a sentença foi proferida, no que consiste,

9 LOPES DA COSTA, Manual Elementar de Direito Processual Civil, Ed. Forense, 3ª. ed., 1982, pag. 218.10 Utilizaremos, no texto, a expressão sentença com o sentido genérico de decisão final, de modo a abarcar não só o ato sentença (art. 162, §1◦ do CPC), como também os acórdãos dos Tribunais.

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antes de tudo, em uma preclusão, enquanto a coisa julgada material opera efeitos “fora” do processo em que a sentença veio a lume.

Conforme a lição sempre abalizada de HUMBERTO THEODORO JUNIOR11,

A coisa julgada formal atua dentro do processo em que a sentença foi proferida, sem impedir que o objeto do julgamento volte a ser discutido em outro processo. Já a coisa julgada material, revelando a lei das partes, produz seus efeitos no mesmo processo ou em qualquer outro, vedando o reexame da res in iudicium deducta, por já definitivamente apreciada e julgada.

No manejo desses conceitos é preciso ter cuidado para não incidir no erro de se vincular o conceito de coisa julgada formal às sentenças proferidas com base no artigo 267 do CPC e coisa julgada material às sentenças proferidas com base no artigo 269 do mesmo diploma legal. Tal equívoco, muito comum entre profissionais do direito, é resultado da inadequada percepção do fenômeno da coisa julgada em relação aos tipos de sentença, terminativa ou definitiva, conforme o caso.

Como se sabe, o processo se encerra por intermédio da prolação de uma sentença, que pode extinguir o feito sem a resolução do mérito (art. 267 do CPC) ou com a resolução do mérito (art. 269 do CPC). No primeiro caso, a sentença recebe a denominação de terminativa e é resultado de um pronunciamento judicial que reconhece a presença de óbices formais12 que impedem o juiz de decidir o mérito daquela lide; no segundo caso, a sentença recebe a denominação de definitiva e é resultado de pronunciamento judicial que enfrenta o mérito da demanda.

Ora, tanto a sentença terminativa quanto a sentença definitiva alcançam o trânsito em julgado em seu aspecto formal, porquanto ambas, em algum momento, deixam de ser impugnáveis por recurso e, por isso mesmo, tornam-se imutáveis naquele processo. Entretanto, se a sentença transitada em julgado adentrou o mérito, ela projetará efeitos também para outros processos em que as partes pretendam discutir aquela mesma lide, alcançando, pois o trânsito em julgado em seu aspecto material.

Segundo ALEXANDRE FREITAS CÂMARA13,

11 HUMBERTO THEODORO JUNIOR, Curso de Direito Processual Civil Vol. I, Ed. Forense, 47ª. ed., RJ 2007, pag. 595.12 Esses óbices formais ligam-se, no mais das vezes, ao juízo de admissibilidade do processo, composto pela categoria dos pressupostos processuais e das condições da ação.

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Em outros termos, e com base na teoria até aqui exposta, no momento em que a sentença se tornasse irrecorrível, transitando em julgado, tornar-se-ia impossível alterá-la. A esta imutabilidade da sentença chamar-se-ia coisa julgada formal. Tratando-se de sentença definitiva, porém, a esta coisa julgada formal se acresceria ainda a imutabilidade dos efeitos da sentença (declaratórios, constitutivos, condenatórios), e a esta imutabilidade dos efeitos é que se daria o nome de coisa julgada material.A coisa julgada formal seria, assim, um pressuposto lógico da coisa julgada substancial, haja vista que seria impossível a formação desta sem a daquela.

Em suma, todas as sentenças formam coisa julgada formal, mas apenas as sentenças definitivas atingem a coisa julgada material.

03. A COISA JULGADA NAS AÇÕES COLETIVAS DE ACORDO COM O CÓDIGO DE DEFESA DO CONSUMIDOR E A MAJORITÁRIA DOUTRINA BRASILEIRA

3.1. A COISA JULGADA NAS AÇÕES COLETIVAS DE ACORDO COM O REGRAMENTO DO CÓDIGO DE DEFESA DO CONSUMIDOR

O Código de Defesa do Consumidor, assim como se encarregou de oferecer as definições de cada um dos direitos coletivos em seu artigo 81, também traçou a regulação geral da coisa julgada nas ações coletivas, fazendo-o no artigo 103 e nos termos seguintes:

Art. 103. Nas ações coletivas de que trata este Código, a sentença fará coisa julgada:I – erga omnes, exceto se o pedido for julgado improcedente por insuficiência de provas, hipótese em que qualquer legitimado poderá intentar outra ação, com idêntico fundamento, valendo-se de nova prova, na hipótese do inciso I do parágrafo único do art. 81;

13 ALEXANDRE FREITAS CÂMARA, Lições de Direito Processual Civil vol. I, Ed. LumenJuris, 15ª ed., pag. 474.

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II – ultra partes, mas limitadamente ao grupo categoria ou classe, salvo improcedência por insuficiência de provas, nos termos do inciso anterior, quando se tratar da hipótese prevista no inciso II do parágrafo único do art. 81;III – erga omnes, apenas no caso de procedência do pedido, para beneficiar todas as vítimas e seus sucessores, na hipótese do inciso III do parágrafo único do art. 81.§1◦. Os efeitos da coisa julgada previstos nos incisos I e II não prejudicarão interesses e direitos individuais dos integrantes da coletividade, do grupo, categoria ou classe.§2◦. Na hipótese prevista no inciso III, em caso de improcedência do pedido, os interessados que não tiverem intervindo no processo como litisconsortes poderão propor ação de indenização a título individual.§3◦. Os efeitos da coisa julgada de que cuida o art.16, combinado com art. 13 da Lei 7.347, de 24 de julho de 1985, não prejudicarão as ações de indenização por danos pessoalmente sofridos, propostas individualmente ou na forma prevista neste Código, mas, se procedente o pedido, beneficiarão as vítimas e seus sucessores, que poderão proceder à liquidação e à execução, nos termos dos arts. 96 a 99.§4◦. Aplica-se o disposto no parágrafo anterior à sentença penal condenatória.

Da análise das disposições legais transcritas, podemos perceber que o CDC, em realidade, acabou regulando diferentes esquemas de coisa julgada, que ora variam (i) de acordo com o direito transindividual discutido em juízo (difuso, erga omnes; coletivo stricto sensu, ultra partes; individual homogêneo, erga omnes), com o (ii) resultado da demanda (ou seja, secundum eventum litis, pois a extensão a eventuais titulares de direitos individuais ocorre quando procedente o pedido, mas não quando improcedente), ou ainda quanto à (iii) suficiência da atividade probatória (secundum eventum probationis).

Dada essa diversidade de abordagens, trataremos da matéria nos itens separados que seguem.

3.1.1. A DISCIPLINA DA COISA JULGADA NAS AÇÕES COLETIVAS FUNDAMENTADAS EM DIREITOS DIFUSOS

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Conforme a disposição legal constante do artigo 103, I, do CDC, a coisa julgada nas ações que sejam fundadas na defesa de direitos difusos terá eficácia erga omnes, o que significa que a coisa julgada formada alcança a todos aqueles que se encontram na sua esfera jurídica de proteção.

É importante destacar que no que toca aos direitos difusos, vários são os possíveis colegitimados, conforme dispõe o art. 5◦ da Lei de Ação Civil Pública. Assim, em uma ação coletiva para defesa de direito difuso a sentença transitada em julgado estende-se a todos esses colegitimados, de modo que não poderão propor novamente a mesma ação, ou seja, não poderão levar ao judiciário a mesma causa de pedir e o mesmo pedido.

Tal imutabilidade do conteúdo da sentença prolatada na ação coletiva para defesa de direito difuso ocorre tanto nos casos de procedência do pedido, quanto nos casos de improcedência. É certo que se o pedido foi julgado procedente o direito difuso restará resguardado, faltando mesmo interesse de agir aos demais autores ideológicos; no caso, porém, de improcedência, os demais co-legitimados não poderão intentar nova ação, com base na mesma causa de pedir e pedido, pois esbarrarão na coisa julgada material anteriormente formada.

Excepcionalmente, entretanto, pode acontecer de a sentença de improcedência não obstar a propositura de nova e idêntica ação: caso se trate de sentença que julgou o pedido da ação coletiva para defesa de direito difuso improcedente por insuficiência de provas. Essa a famosa coisa julgada secundum eventum probationis. Nessa hipótese, qualquer autor ideológico pode reprisar a demanda anterior, caso disponha de nova prova que, caso tivesse sido produzida no primeiro processo, teria conduzido o juiz a julgar o feito de maneira distinta.

Sobre essa técnica de coisa julgada secundum eventum probationis, a doutrina se divide em dois posicionamentos principais: (i) de acordo com a corrente que se pode denominar restritiva, para a caracterização da sentença judicial nessa hipótese seria indispensável que o juiz, ao prolatar a sentença de improcedência, diga que o faz ante a ausência de provas, chegando mesmo alguns a defenderem o cabimento de embargos de declaração para que o juiz aclare tal situação; (ii) outra corrente, que denominamos liberal, bastaria a propositura da segunda ação coletiva, agora como novo material probatório, para demonstrar que a improcedência da demanda anterior ter-se-ia dado em função do material probatório insuficiente.

Inclina-se a doutrina majoritária por adotar a segunda corrente de pensamento14.

14 ADA PELLEGRINI GRINOVER e outros, Código Brasileiro de Defesa do Consumidor Comentado pelos Autores do Anteprojeto, Ed. Forense Universitária, 9ª. ed., RJ, 2007, pag. 951.

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Por último, mas não menos importante, a regra do §1◦ do artigo 103 do CDC: o resultado negativo da ação coletiva, ou seja, sua improcedência, não afeta os direitos individuais decorrentes do mesmo acontecimento, não inibindo a propositura de ações indenizatórias individuais. Nesse particular, percebe-se a utilização da técnica secundum eventum litis, pois que a coisa julgada não se forma, no plano dos legitimados individuais, in pejus, ou seja, nos casos de improcedência, mas apenas in melius, vale dizer, no caso de procedência dos pedidos.

Para fins didáticos podemos oferecer o seguinte quadro comparativo das “coisas julgadas” nas ações coletivas fundadas em direitos difusos, segundo as lições de RONALDO LIMA DOS SANTOS15:

(i) Extinção do processo sem resolução do mérito (art. 267 do CPC) – coisa julgada formal – possibilidade de propositura de nova demanda com o mesmo objeto e causa de pedir, inclusive pelo autor que havia proposto a ação anterior;

(ii) Procedência do pedido – coisa julgada material – eficácia erga omnes. Impossibilidade de propositura de nova demanda com o mesmo objeto e causa de pedir, por qualquer ente legitimado;

(iii) Improcedência do pedido por qualquer motivo que não a insuficiência de provas – coisa julgada material – eficácia erga omnes. Impossibilidade de propositura de nova demanda com o mesmo objeto e causa de pedir, por qualquer ente legitimado;

(iv) Improcedência do pedido por insuficiência de provas – coisa julgada secundum eventum probationis – possibilidade de propositura de nova demanda com o mesmo objeto e causa de pedir, baseado em novas provas, inclusive pelo autor que havia proposto a ação anterior.

3.1.2. A DISCIPLINA DA COISA JULGADA NAS AÇÕES COLETIVAS FUNDAMENTADAS EM DIREITOS COLETIVOS STRICTO SENSU

Nas ações coletivas para a defesa de direitos coletivos stricto sensu, a coisa julgada será, segundo a lei, ultra partes, mas limitadamente ao grupo, categoria ou classe.

15 RONALDO LIMA DOS SANTOS, Amplitude da Coisa Julgada nas Ações Coletivas, Revista de Processo n◦ 127, pag. 47.

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Optou a legislação por dar uma eficácia menor do que aquela emprestada à tutela dos direitos difusos. No caso de direitos coletivos stricto sensu são beneficiados pelo julgado coletivo aqueles que fizerem parte da coletividade titular do direito posto em juízo. Nessa hipótese é possível determinar-se aqueles que serão atingidos pela extensão subjetiva do julgado a partir da relação jurídica base que une os membros da classe entre si ou com a parte contrária, previamente à lesão, conforme disciplina o artigo 81, parágrafo único, inciso II do CPC.

Aqui também, em caso de improcedência da demanda coletiva, a coisa julgada se forma secundum eventum probationis, sendo, pois, aplicável tudo o quanto se disse quanto a esse tema quando comentamos a coisa julgada na defesa de direitos difusos.

Por fim, também o resultado negativo da ação coletiva não afeta os direitos individuais decorrentes do mesmo acontecimento, não inibindo a propositura de ações indenizatórias individuais, conforme esclarece o §1◦ do art. 103 do CDC.

Assim sendo, o quadro comparativo das “coisas julgadas” nas ações coletivas fundadas em direitos coletivos stricto sensu pode ser construído na forma seguinte:

(i) Extinção do processo sem resolução do mérito (art. 267 do CPC) – coisa julgada formal – possibilidade de propositura de nova demanda com o mesmo objeto e causa de pedir, inclusive pelo autor que havia proposto a ação anterior;

(ii) Procedência do pedido – coisa julgada material – eficácia ultra partes. Impossibilidade de propositura de nova demanda com o mesmo objeto e causa de pedir, por qualquer ente legitimado;

(iii) Improcedência do pedido por qualquer motivo que não a insuficiência de provas – coisa julgada material – eficácia ultra partes. Impossibilidade de propositura de nova demanda com o mesmo objeto e causa de pedir, por qualquer ente legitimado;

(iv) Improcedência do pedido por insuficiência de provas – coisa julgada secundum eventum probationis – possibilidade de propositura de nova demanda com o mesmo objeto e causa de pedir, baseado em novas provas, inclusive pelo autor que havia proposto a ação anterior.

3.1.3. A DISCIPLINA DA COISA JULGADA NAS AÇÕES COLETIVAS FUNDAMENTADAS EM DIREITOS INDIVIDUAIS HOMOGÊNEOS

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A doutrina, em uníssono16, afirma que a coisa julgada nas ações para defesa de direitos individuais homogêneos é diferente daquela das ações para a defesa dos direitos difusos e coletivos stricto sensu. São igualmente concordes os doutrinadores ao afirmarem que diferença tal reside em um ponto: enquanto aqueles são direitos que consideram essencialmente coletivos, os direitos individuais homogêneos são acidentalmente coletivos, daí não poderem, por essa exata razão, submeter-se a idêntico sistema de coisa julgada.

Assim, por essa peculiaridade, previu-se que a coisa julgada nas ações coletivas para a defesa de direitos individuais homogêneos será erga omnes, apenas no caso de procedência do pedido, a fim de beneficiar todas as vítimas e seus sucessores. No caso de a demanda coletiva ser julgada improcedente, a eficácia erga omnes desaparece.

Em palavras outras, os terceiros individualmente considerados, que estejam na mesma situação jurídica daquela discutida em juízo – o CDC denominou tais terceiros de vítimas – são beneficiados pela procedência do pedido deduzido na ação coletiva, podendo liquidar seus danos e executá-los, prescindindo de nova sentença condenatória, pois que aproveitam aquela genérica prolatada na ação coletiva. Entretanto, não ficam esses terceiros com seus direitos individuais obstados por coisa julgada, caso a ação coletiva seja julgada improcedente.

Tem-se aqui o que a doutrina denomina de coisa julgada secundum eventum litis, conforme explica RONALDO LIMA DOS SANTOS17:

Em resumo, consoante o fenômeno da coisa julgada secundum eventum litis, as pretensões individuais dos particulares beneficiam-se das vantagens advindas com o proferimento de eventual sentença de procedência em ação coletiva, de modo que a coisa julgada possuirá efeitos erga omnes. Em sentido contrário, as pretensões individuais dos particulares não são prejudicadas pelo advento de sentença desfavorável, ou seja, somente são abrangidos secundum eventum litis; nesse caso, a existência de sentença coletiva desfavorável não obsta que os indivíduos enquadrados na hipótese fática ou jurídica que fora objeto da ação coletiva promovam ações individuais.

16 Ver, por todos, RONY FERREIRA, Coisa Julgada nas Ações Coletivas: Restrição ao Artigo 16 da LACP, Sergio Fabris Editor, Porto Alegre, 2004, pag. 114.17 RONALDO LIMA DOS SANTOS, Amplitude da Coisa Julgada nas Ações Coletivas, Revista de Processo n◦ 127, pag. 47.

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Quanto aos eventuais colegitimados à tutela coletiva dos direitos individuais homogêneos, haverá sempre formação de coisa julgada material, pro et contra. Outrossim, nessa hipótese não se aplica o sistema de coisa julgada secundum eventum probationis, ou seja, ainda que a sentença da ação coletiva seja de improcedência do pedido por insuficiência de provas, haverá coisa julgada material suficiente a impedir que qualquer colegitimado proponha idêntica ação.18

Por fim, duas importantes observações: (i) a sentença favorável da ação coletiva fundada em direito individual homogêneo não beneficiará o indivíduo que, possuindo ação individual ao tempo da propositura da demanda coletiva, tomando ciência da mesma, não requereu a suspensão da sua ação no prazo de 30 (trinta) dias, conforme reza o artigo 104 do Código de Defesa do Consumidor; (ii) a coisa julgada formada na ação da coletiva julgada improcedente atingirá o indivíduo que tiver intervindo no processo coletivo na qualidade de assistente litisconsorcial.

Nessa ordem de idéias, o quadro comparativo das “coisas julgadas” nas ações coletivas para a defesa de direitos individuais homogêneos é o seguinte:

(i) Extinção do processo sem resolução do mérito (art. 267 do CPC) – coisa julgada formal – possibilidade de propositura de nova demanda com o mesmo objeto e causa de pedir, inclusive pelo autor que havia proposto a ação anterior;

(ii) Procedência do pedido – coisa julgada material – eficácia erga omnes. Impossibilidade de propositura de nova demanda com o mesmo objeto e causa de pedir, por qualquer ente legitimado. A execução poderá ser efetuada a título coletivo ou individual. Não será beneficiado pela coisa julgada coletiva o indivíduo que não requereu a suspensão do processo individual;

(iii) Improcedência do pedido, inclusive por insuficiência de provas – coisa julgada material –Impossibilidade de propositura de nova demanda com o mesmo objeto e causa de pedir, por qualquer ente legitimado. Os interessados individuais que não tiverem intervindo no processo (como assistentes litisconsorciais) poderão pleitear seus direitos em ações individuais.

3.1.4. O DENOMINADO TRANSPORTE IN UTILIBUS DA COISA JULGADA COLETIVA

18 No mesmo sentido, RONY FERREIRA, Coisa Julgada nas Ações Coletivas: Restrição ao Artigo 16 da LACP, Sergio Fabris Editor, Porto Alegre, 2004, pag. 114.

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Fechando a sistematização geral da coisa julgada nas ações coletivas, o §3◦ do art. 103 do CDC veicula o denominado transporte in utilibus da sentença proferida na ação coletiva.

Por tal mecanismo, a sentença de procedência de uma ação coletiva em defesa de direitos difusos ou coletivos stricto sensu pode ser aproveitada pelos indivíduos, que promoverão a respectiva liquidação e execução de danos.

É bom que se diga que esse transporte in utilibus não se confunde com a eficácia erga omnes das ações coletivas para defesa de direitos individuais homogêneos prevista no inciso III do artigo 103 do CDC. Nesse caso, a ação coletiva tutela o mesmo direito individual dos legitimados individuais, mas o faz de forma coletiva e justamente com o objetivo de obter uma sentença condenatória genérica que possa beneficiar os legitimados individuais que se encontrem no mesmo enquadramento fático-jurídico debatido na demanda coletiva.

No caso do §3◦ do artigo 103, ora tratado, o fenômeno é diverso, pois que o transporte se dá a partir de uma sentença prolatada em uma ação coletiva para defesa de direitos tidos pela lei como essencialmente coletivos, quais sejam, os difusos e coletivos stricto sensu. Ocorre que em casos tais é possível, senão comum, que a mesma lesão a um direito difuso, por exemplo, possa causar repercussões, ao mesmo tempo, na esfera dos indivíduos. E é justamente aí que surge o transporte in utilibus, beneficiando o titular de direito individual decorrente da lesão de um direito metaindividual. Note-se, aliás, que nesses casos a ação coletiva não deduz pedido de tutela condenatória em benefício dos titulares de direito individual e, ainda assim, como efeito anexo da procedência do pedido, o transporte in utilibus pode ser realizado.

Repita-se e frise-se: enquanto nas sentenças coletivas que tutelam direitos essencialmente coletivos, a condenação de indenizar os danos no plano individual não existe, sendo imputada pela lei (verdadeiro efeito anexo), nas sentenças coletivas que tutelam direitos acidentalmente coletivos essa condenação é expressa na própria sentença, até porque é esse o objetivo da demanda.

De todo modo, a despeito da diferença conceitual, a consequência processual será exatamente a mesma: a possibilidade do transporte ou extensão da coisa julgada do processo coletivo para o plano individual, de modo que o indivíduo legitimado possa passar diretamente à fase de liquidação e execução do crédito (quantum debeatur), sem a necessidade de rediscutir o dever de indenizar (na debeatur), quer porque o dever de indenizar é efeito anexo (direitos essencialmente coletivos), quer porque a condenação é expressa (direitos acidentalmente coletivos).

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RONALDO LIMA DOS SANTOS19 expõe hipótese esclarecedora:

Tome-se como exemplo, uma ação civil pública proposta pelo Ministério Público do Trabalho cujo objetivo é a eliminação da insalubridade no estabelecimento de determinada empresa. Embora o pedido seja a proteção de um bem essencialmente coletivo (meio ambiente do trabalho), em sendo julgada procedente a demanda, o reconhecimento da insalubridade do meio ambiente daquele estabelecimento, e dos danos reais ou potenciais à saúde dos trabalhadores, aproveita in utilibus os trabalhadores individuais, que não necessitarão discutir novamente a salubridade daquele ambiente, podendo promover diretamente a execução do julgado, demonstrando na liquidação, que se processará por artigos, os elementos necessários à fixação do adicional de insalubridade.

A técnica do transporte in utilibus representa, para alguns doutrinadores, verdadeira ampliação ope legis, do objeto do processo, conforme defende ADA PELLEGRINI GRINOVER20, no que é seguida por RONY FERREIRA21 e FREDIE DIDIER JUNIOR e HERMES ZANETTI JUNIOR22. Em sentido contrário, JOSÉ ROGÉRIO CRUZ E TUCCI23, que a nosso ver com razão, pontua:

Essa técnica, contudo, não implica ampliação, ope legis, do objeto do processo, para incluir o julgado sobre a obrigação de indenizar. Na verdade, trata-se de efeito secundário ou anexo da sentença ditado pela lei, que autoriza a liquidação e a execução individual, pelos respectivos titulares do direito material. A eficácia condenatória é inerente à própria sentença, não havendo qualquer dilatação objetiva da res in iudicium deducta.

19 RONALDO LIMA DOS SANTOS, Amplitude da Coisa Julgada nas Ações Coletivas, Revista de Processo n◦ 127, pag. 53.20 ADA PELLEGRINI GRINOVER e outros, Código Brasileiro de Defesa do Consumidor Comentado pelos Autores do Anteprojeto, Ed. Forense Universitária, 9ª. ed., RJ, 2007, pag. 951.21 RONY FERREIRA, Coisa Julgada nas Ações Coletivas: Restrição ao Artigo 16 da LACP, Sergio Fabris Editor, Porto Alegre, 2004, pag. 124.22 FREDIE DIDIER JR e HERMES ZANETTI JUNIOR, Curso de Direito Processual Coletivo, Ed. JusPodivm, 2007, pag. 346.23 JOSÉ ROGÉRIO CRUZ E TUCCI, Limites Subjetivos da Eficácia da Sentença e da Coisa Julgada nas Ações Coletivas, Revista de Processo n◦ 143, pag. 57.

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Aliás, a técnica de transporte in utilibus nas ações coletivas não se limita à esfera cível. Inspirado, por certo, no conhecido efeito anexo da sentença penal condenatória, que gera para a vítima automático direito indenizatório no cível, o legislador o CDC previu, no §4◦ do artigo 103, que a sentença penal condenatória que apure lesão a direitos coletivos também enseja a possibilidade de transporte in utilibus para fins de indenização individual. Basta pensar no caso de demanda que condena o réu pelo crime de propaganda enganosa. Tal sentença permitirá ao consumidor lesado por tal violação proceder a liquidação e execução dos danos, com base na eficácia condenatória gerada pela sentença penal.

04. DAS LIMITAÇÕES À COISA JULGADA E SEUS EFEITOS – ART. 16 DE LEI 7347/85 E ART. 2º-A DA LEI 9494/97

Estudo do precedente Recurso Especial n° 1.243.887-PR:

DIREITO PROCESSUAL. RECURSO REPRESENTATIVO DE CONTROVÉRSIA (ART. 543-C, CPC). DIREITOS METAINDIVIDUAIS. AÇÃO CIVIL PÚBLICA. APADECO X BANESTADO. EXPURGOS INFLACIONÁRIOS. ALCANCE OBJETIVO E SUBJETIVO DOS EFEITOS DA SENTENÇA COLETIVA. LIMITAÇÃO TERRITORIAL. IMPROPRIEDADE. REVISÃO JURISPRUDENCIAL. LIMITAÇÃO AOS ASSOCIADOS. INVIABILIDADE. OFENSA À COISA JULGADA.

1. Para efeitos do art. 543-C do CPC:1.1. A liquidação e a execução individual de sentença genérica proferida em ação civil coletiva pode ser ajuizada no foro de domicílio do beneficiário, porquanto os efeitos e a eficácia da sentença não estão circunscritos a lindes geográficos, mas aos limites objetivos e subjetivos do que foi decidido, levando-se me conta, para tanto, sempre a extensão do dano e a qualidade dos interesses metaindividuais postos em juízo (arts. 468, 472 e 474, CPC E 93 3 103, CDC).1.2. A sentença genérica proferida na ação civil coletiva ajuizada pela Apadeco, que condenou o Banestado ao pagamento dos chamados expurgos inflacionários sobre cadernetas de poupança, dispôs que seus efeitos alcançariam todos os poupadores da instituição financeira do Estado do Paraná. Por isso descabe a alteração do seu alcance em sede de liquidação/execução

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individual, sob pena de vulneração da coisa julgada. Assim, não se aplica ao caso a limitação contida no art. 2º-A, caput, da Lei n. 9494.97.2. Ressalva de fundamentação do Ministro Teori Albino Zavascki.

3. Recurso especial parcialmente conhecido e não provido.

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ROTEIRO 10

LIQUIDAÇÃO E EXECUÇÃO NO PROCESSO COLETIVO

01. A LIQUIDAÇÃO NO PROCESSO COLETIVO

Liquidação de sentença, como se sabe, é fase do processo de conhecimento destinado a tornar líquida uma sentença genérica. Em outras palavras, trata-se de procedimento que tem o objetivo de estabelecer o quantum debeatur que será perseguido pelo credor na subsequente fase de execução. Tendo em conta que não há, no microssistema de processo coletivo, regramento próprio sobre o tema, deve ser aplicada a sistemática do arts. 475-A e 475-H do CPC.

Basicamente, 04 (quatro) são as possíveis sentenças proferidas em ações coletivas que demandarão uma fase de liquidação antes da sua execução:

(i) Sentença ilíquida, resultado de ação para a defesa de direito essencialmente coletivo. Nesse caso, como o valor de eventual condenação será revertido em benefício da coletividade (a um dos fundos criados pela lei), a legitimidade será de um dos legitimados extraordinários, preferencialmente aquele que tenha atuado na fase de conhecimento, de modo que se trata de autêntica liquidação coletiva;

(ii) Sentença ilíquida, resultado de ação para a defesa de direito acidentalmente coletivo, ou seja, direitos individuais homogêneos. Nesse caso, pois que a sentença genérica forma título executivo judicial em benefício do legitimado individual, terá o indivíduo a legitimidade para a fase de liquidação de sentença.

(iii) Sentença ilíquida, resultado de ação para a defesa de direito essencialmente coletivo, que possa ser objeto de transporte in utilibus para o plano de individual. Nesse caso, também será do indivíduo a legitimação para a fase de liquidação.

(iv) Finalmente, sentença ilíquida, resultado de ação para a defesa de direito acidentalmente coletivo, que não receba liquidações e execuções compatíveis com a extensão do dano, no prazo de 01 (um) ano. Trata-se, aqui, de uma fase de liquidação preparatória da fluid recovery.

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1.1. A LIQUIDAÇÃO DE SENTENÇA GENÉRICA PROFERIDA EM AÇÃO PARA DEFESA DE DIREITOS ACIDENTALMENTE COLETIVOS (INDIVIDUAIS HOMOGÊNEOS)

Como se viu, a principal função da ação coletiva para a defesa de direito individual homogêneo é alcançar uma sentença condenatória genérica, que posteriormente renderá ensejo a uma liquidação e execução pelos legitimados individuais. Esse objetivo encontra-se perfeitamente estabelecido no art. 95 do CDC:

Art. 95. Em caso de procedência do pedido, a condenação será genérica, fixando a responsabilidade do réu pelos danos causados.

A interpretação literal do artigo transcrito levou parte da doutrina a afirmar ser vedada a prolação de sentença líquida em ações coletivas para a defesa de direitos individuais homogêneos. Equivocada, porém, a afirmação. Caso seja possível, não só pode como deve o juiz liquidar os danos individualmente sofridos, facilitando a atividade futura do legitimado individual, que terá apenas o “trabalho” de executar a sentença já líquida. É possível, pois, haver sentença líquida em ação coletiva para defesa de direitos acidentalmente coletivos, conforme afirmam DONIZETTI E CERQUEIRA (pág. 380/381).

Sendo, porém, o caso de prolação de uma sentença genérica, deverá a mesma ser objeto de liquidação individual por cada um dos legitimados titulares da pretensão.

Vale destacar que, nessa hipótese, a liquidação em processo coletivo se diferencia da liquidação no processo individual. Nessa, basta a discussão relativa ao quantum debeatur; na liquidação coletiva, porém, forçoso reconhecer que o objeto é mais amplo: é preciso discutir não só o quantum debeatur, mas também investigar se o legitimado individual integra o grupo lesado, ou seja, se é realmente titular do crédito perseguido, o que se denomina cui debeatur.

De acordo com DIDIER e ZANETI JR. (pág. 386), nessa liquidação serão apurados: a) os fatos e alegações referentes ao dano individualmente sofrido pelo demandante; b) a relação de causalidade entre esse dano e o fato potencialmente danoso acertado na sentença; c) os fatos e alegações pertinentes ao dimensionamento do dano sofrido.

Debate-se, também, se essa fase de liquidação deve se processar como um mero incidente do feito principal, ou, ao contrário, em autos desvinculados daquele. Sem dúvida, a segunda hipótese é a mais adequada. A

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liquidação – e também futura execução – deve se dar em procedimento autônomo e sem vinculação com o juízo que prolatou a sentença genérica. E assim o é por, pelo menos, duas razões: (i) facilitação do acesso do legitimado individual, que nem sempre tem domicílio no mesmo local do juízo prolator da decisão genérica; (ii) a vinculação do juízo prolator do decisum a futuras liquidações e execuções traria sérias consequências a esse juízo, que poder-se-ia ver inviabilizado o serviço jurisdicional prestado, caso fosse muito grande o número de liquidantes/exequentes.

Vale destacar que o Superior Tribunal de Justiça, após alguma hesitação da jurisprudência pátria, fixou, no importante Recurso Especial n° 1.243.887-PR, relatado pelo Min. LUIS FELIPE SALOMÃO, o entendimento de que a liquidação e a execução de sentença coletiva pode ser feita no foro de domicílio do beneficiário. Tal precedente afastou, ainda, definitivamente, a limitação territorial da coisa julgada, inserida no artigo 16 da Lei de Ação Civil Pública. Confira-se a ementa desse paradigmático julgado:

DIREITO PROCESSUAL. RECURSO REPRESENTATIVO DE CONTROVÉRSIA (ART. 543-C, CPC). DIREITOS METAINDIVIDUAIS. AÇÃO CIVIL PÚBLICA. APADECO X BANESTADO. EXPURGOS INFLACIONÁRIOS. ALCANCE OBJETIVO E SUBJETIVO DOS EFEITOS DA SENTENÇA COLETIVA. LIMITAÇÃO TERRITORIAL. IMPROPRIEDADE. REVISÃO JURISPRUDENCIAL. LIMITAÇÃO AOS ASSOCIADOS. INVIABILIDADE. OFENSA À COISA JULGADA.

1. Para efeitos do art. 543-C do CPC:1.1. A liquidação e a execução individual de sentença genérica proferida em ação civil coletiva pode ser ajuizada no foro de domicílio do beneficiário, porquanto os efeitos e a eficácia da sentença não estão circunscritos a lindes geográficos, mas aos limites objetivos e subjetivos do que foi decidido, levando-se me conta, para tanto, sempre a extensão do dano e a qualidade dos interesses metaindividuais postos em juízo (arts. 468, 472 e 474, CPC E 93 3 103, CDC).1.2. A sentença genérica proferida na ação civil coletiva ajuizada pela Apadeco, que condenou o Banestado ao pagamento dos chamados expurgos inflacionários sobre cadernetas de poupança, dispôs que seus efeitos alcançariam todos os poupadores da instituição financeira do Estado do Paraná. Por isso descabe a alteração do seu alcance em sede de liquidação/execução

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individual, sob pena de vulneração da coisa julgada. Assim, não se aplica ao caso a limitação contida no art. 2º-A, caput, da Lei n. 9494.97.2. Ressalva de fundamentação do Ministro Teori Albino Zavascki.3. Recurso especial parcialmente conhecido e não provido.

1.1.1. A FLUID RECOVERY

A sentença condenatória proferida em ação para a defesa de direito individual homogêneo pode gerar o denominado fluid recovery, caso não haja, no prazo de 01 (um) ano, habilitação de legitimados individuais compatíveis com a gravidade e extensão do dano.

Sobre tal tema, calha trazer uma inicial observação: o prazo de 1 ano previsto no art. 100 do CDC não importa na perda da pretensão individual, mas apenas o prazo que os legitimados coletivos deverão aguardar para a propositura da liquidação/execução a título coletivo, com reversão dos valores aos fundos criados pela LACP.

Conforme bem anotam DIDIER e ZANETI JR. (pág. 389), o art. 100 do CDC prevê uma legitimidade extraordinária subsidiária, pois que somente após o decurso de prazo de 01 ano contado do trânsito em julgado da sentença é que será permitido o fluid recovery.

1.2. A LIQUIDAÇÃO DA SENTENÇA GENÉRICA PROFERIDA EM AÇÃO PARA A DEFESA DE DIREITOS ESSENCIALMENTE COLETIVOS

Tais sentenças poderão render ensejo a dois tipos de liquidação/execução: (i) coletiva, proposta pelo legitimado extraordinário; (ii) individual, proposta pelo legitimado individual, decorrente do transporte in utilibus.

Na primeira hipótese, a discussão resume-se ao quantum debeatur; na segunda, deve ser debatido o cui debeatur e o quantum debeatur, conforme se destacou no item antecedente.

02. A EXECUÇÃO NO PROCESSO COLETIVO

Regra geral, a execução no processo coletivo seguirá o sistema do CPC: obrigação de fazer, não fazer e entregar coisa, são regulados pelos arts. 461 e 461-A do CPC; já as sentenças para pagamento de quantia, seguem a sistemática do art. 475-J e seguintes.

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Em termos de legitimidade, em regra será do próprio autor da demanda coletiva; caso haja demora excessiva, nos termos do artigo 15 da Lei de Ação Civil Pública, 60 (sessenta) dias, qualquer colegitimado poderá propor a ação coletiva.

Como já explicado nos itens dedicados à liquidação, podemos ter as seguintes hipóteses de execução: (i) execução coletiva; (ii) execução individual decorrente de sentença genérica ou de transporte in utilibus; (iii) execução de fluid recovery.

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