presuções no dto tributário

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  • Florence Cronemberger Haret

    Presunes no Direito Tributrio: Teoria e prtica

    Tese para obteno do grau de doutora, apresentada ao Curso de Ps-graduao em Direito da USP, Departamento econmico e financeiro, sob orientao do Professor Paulo de Barros Carvalho.

    Universidade de So Paulo USP Faculdade de Direito do Largo So Francisco

    Departamento de Direito Econmico e Financeiro

    So Paulo 2010

  • Florence Cronemberger Haret

    Presunes no Direito Tributrio: Teoria e prtica

    So Paulo, 30 de junho de 2010

    BANCA EXAMINADORA:

    ______________________________________

    ______________________________________

    ______________________________________

    ______________________________________

    ______________________________________

  • 1

    SUMRIO SUMRIO.............................................................................................................................1

    INTRODUO.....................................................................................................................9

    PARTE I SEMNTICA DA PRESUNO NO DIREITO TRIBUTRIO...................12

    CAPTULO 1. Os diversos conceitos de presuno nos diferentes ramos do

    conhecimento ...................................................................................................................14

    1.1. A tarefa de definir: que a prpria definio? .....................................................15

    1.2. A presuno na filosofia .......................................................................................20

    1.3. A presuno na teoria da linguagem.....................................................................23

    1.3.1. Semitica das presunes ......................................................................... 24

    1.4. A presuno na teoria geral do direito ..................................................................27

    1.5. Presuno nos diferentes ramos do direito ...........................................................31

    1.5.1. Presuno no direito pblico..................................................................... 33

    1.5.2. Presuno no direito privado .................................................................... 43

    1.5.3. Presuno e direito civil............................................................................ 47

    1.5.4. Presuno e direito penal .......................................................................... 52

    1.5.5. Presuno e direito administrativo............................................................ 58

    1.5.6. Presuno e direito processual .................................................................. 60

    1.5.7. A presuno no direito tributrio .............................................................. 64

    CAPTULO 2. Plurissignificao do termo presuno no direito tributrio................71

    2.1. Acepes da palavra presuno no direito tributrio ........................................74

    2.1.1. Presuno como previso legal estendida................................................. 74

    2.1.2. Presuno como previso legal que inadmite contestao ....................... 75

    2.1.3. Presuno como sano ............................................................................ 75

    2.1.4. Presuno como tcnica de apurao de tributo ....................................... 75

    2.1.5. Presuno como forma de instituio de regime jurdico diferenciado.... 76

    2.1.6. Presuno como tcnica de simplificao fiscal....................................... 76

    2.1.7. Presuno como forma de excluso de punibilidade pela prtica reiterada78

    2.1.8. Presuno como tcnica processual de inverso do nus da prova .......... 80

    2.1.9. Presuno como meio de prova ................................................................ 81

    2.1.10. Presuno como relao meio-fim.......................................................... 84

    2.1.11. Presuno como processo lgico ............................................................ 90

    CAPTULO 3. Por um conceito de presuno no direito tributrio ................................93

  • 2

    3.1. Presuno de direito e presuno fora do direito: a distino entre o enunciado

    presuntivo normativo e a figura da protopresuno.....................................................95

    3.2. Presuno e teoria da linguagem: formas e funes de linguagem ......................96

    3.2.1. As funes de linguagem exercidas pela presuno no direito ................ 99

    3.2.1.1. Presuno como linguagem jurdica em funo fabuladora .................100

    3.2.1.2. Presuno como linguagem jurdica em funo metalingustica..........101

    3.2.1.3. Rememorando... ....................................................................................103

    3.3. Ato, procedimento e norma: uma proposta de acepo da filosofia do direito ..104

    3.3.1. Ato, procedimento e norma na formao do fato presuntivo ................. 105

    3.4. Processo enunciativo das presunes .................................................................108

    3.4.1. Presuno como enunciao ................................................................... 109

    3.4.2. Presuno como enunciao-enunciada.................................................. 115

    3.4.3. Presuno como enunciado-enunciado................................................... 124

    3.5. Conceito preliminar de presuno ......................................................................126

    CAPTULO 4. Presuno: associaes e dissociaes com seu conceito.....................129

    4.1. Presuno, pressuposto, suposto e subentendido................................................130

    4.2. Presuno, deduo e induo ............................................................................135

    4.3. Presuno, conotao e denotao......................................................................142

    4.4. Presuno, suporte fsico, significado e significao .........................................146

    4.5. Presuno, smbolo, ndice e cone.....................................................................146

    4.6. Presuno e pauta fiscal ......................................................................................154

    4.7. Presuno e arbitramento....................................................................................161

    4.8. Presuno e preos sugeridos por fabricantes e/ou industriais ...........................169

    4.9. Presuno e estimativa........................................................................................172

    4.10. Presuno e substituio ...................................................................................176

    4.11. Presuno, prova e indcio ................................................................................180

    4.12. Presuno e probabilidade ................................................................................186

    4.13. Presuno e fico ............................................................................................193

    4.14. Presuno e equiparao...................................................................................201

    4.15. Presuno, analogia e interpretao extensiva..................................................207

    4.16. Presuno e costume.........................................................................................223

    4.17. Presuno e atos de fala ....................................................................................229

    4.18. Presuno e regimes jurdicos especiais ...........................................................232

    CAPTULO 5. Ontologia da presuno.........................................................................235

  • 3

    5.1. Conhecimento e objeto .......................................................................................235

    5.2. Presuno como objeto .......................................................................................239

    5.3. Objeto da presuno............................................................................................240

    5.4. Presuno e verdade............................................................................................241

    5.5. A construo da verdade fctica pelo direito......................................................243

    5.5.1. Verdade por correspondncia (ou ontolgica)........................................ 246

    5.5.2. Verdade por coerncia ............................................................................ 247

    5.5.3. Verdade pragmtica ................................................................................ 248

    5.5.4. Verdade consensual ................................................................................ 249

    5.5.5. Verdade formal ....................................................................................... 250

    5.5.6. Verdade material..................................................................................... 250

    5.5.6.1. Existiria a verdade material que preordena o processo administrativo

    tributrio?...........................................................................................................251

    5.6. A verdade jurdica dos fatos ...............................................................................254

    5.6.1. A verdade jurdica dos fatos tributrios presumidos .............................. 257

    CAPTULO 6. Presuno e valor ..................................................................................263

    6.1. Direito e valor .....................................................................................................263

    6.2. Valncias das presunes....................................................................................267

    6.2.1. Valor lgico ............................................................................................ 267

    6.2.2. Valor semntico ...................................................................................... 270

    6.2.3. Valor pragmtico .................................................................................... 275

    6.3. Funo ou valor-meio das presunes ................................................................278

    6.4. Finalidade ou valor-fim das presunes .............................................................282

    CAPTULO 7. Classificao e espcies de presuno ..................................................288

    7.1. Classificao e generalizao .............................................................................288

    7.2. Sobre a diferena especfica ...............................................................................290

    7.3. Critrios adotados nas classificaes tradicionais ..............................................292

    7.3.1. Classificao quanto previso legal expressa ...................................... 292

    7.3.1.1. Presuno comum, hominis ou humana ...............................................294

    7.3.1.2. Presuno legal ou iuris ........................................................................294

    7.3.1.3. Razo da inadmissibilidade do critrio proposto..................................296

    7.3.2. Classificao quanto fora probatria.................................................. 296

    7.3.2.1. Presuno absoluta ou jure et jure (iuris et de iure)..............................296

    7.3.2.2. Presuno relativa ou juris tantum (iuris tantum).................................298

  • 4

    7.3.2.3. Presuno mista ou qualificada.............................................................299

    7.3.2.4. Razo da inadmissibilidade do critrio proposto..................................299

    CAPTULO 8. Novos critrios classificatrios propostos.............................................301

    8.1. Classificao quanto relao estrutural com o sistema....................................302

    8.1.1. Presuno jurdica de sistema ou presuno sistmica........................... 302

    8.1.2. Presuno no sistmica ......................................................................... 305

    8.2. Classificao quanto aos nveis objetais de formao do enunciado presuntivo 305

    8.2.1. Presuno de primeiro nvel ................................................................... 306

    8.2.2. Presuno de segundo nvel .................................................................... 307

    8.2.3. Presuno de terceiro nvel ou presuno emprestada............................ 309

    8.2.3.1. Inadmissibilidade de presuno emprestada para fins tributrios .....311

    8.3. Classificao quanto ao tipo de enunciado da presuno em seu ingresso no

    sistema jurdico ..........................................................................................................325

    8.3.1. Presuno hipottica ou de enunciado presuntivo abstrato .................... 325

    8.3.2. Presuno factual ou de enunciado presuntivo concreto ........................ 327

    8.4. Classificao quanto revogabilidade do fato jurdico em sentido estrito.........328

    8.4.1. Presuno irrevogvel ou compositiva de regime jurdico especial ....... 329

    8.4.2. Presuno revogvel ou comum ............................................................. 331

    PARTE II SINTAXE DA PRESUNO NO DIREITO TRIBUTRIO .....................333

    CAPTULO 1. Presunes e sistema jurdico positivo..................................................336

    1.1. Existncia no direito ...........................................................................................336

    1.2. Validade, fontes do direito e revogao: Noes gerais .....................................340

    1.3. Presuno de validade, validade stricto sensu e validade lato sensu..................344

    1.4. Presuno de validade como axioma ..................................................................346

    1.5. Presuno de validade como necessidade ontolgica.........................................348

    1.6. O axioma da hierarquia no direito ......................................................................349

    1.6.1. Fundamento de validade das presunes ................................................ 352

    CAPTULO 2. Norma de presuno e tipos normativos ...............................................358

    2.1. Normas jurdicas completas e incompletas.........................................................360

    2.1.1. Presunes como normas jurdicas incompletas..................................... 360

    2.2. Normas primrias e secundrias .........................................................................362

    2.2.1. Norma presuntiva primria ..................................................................... 365

    2.2.1.1. Presunes hipotticas como normas substantivas...............................365

  • 5

    2.2.1.2. Presuno como norma sancionatria primria ou sano administrativa

    ...........................................................................................................................366

    2.2.2. Norma presuntiva secundria.................................................................. 368

    2.2.2.1. Presuno como norma tcnica.............................................................369

    2.2.2.2. Presuno como norma sancionatria secundria ................................372

    2.3. Normas de estrutura e de conduta.......................................................................376

    2.3.1. Normas de estrutura presuntivas............................................................. 378

    2.3.2. Normas de conduta presuntivas .............................................................. 380

    2.4. Normas gerais .....................................................................................................381

    2.4.1. Norma presuntiva geral e abstrata .......................................................... 382

    2.4.2. Norma presuntiva geral e concreta ......................................................... 383

    2.5. Normas individuais .............................................................................................383

    2.5.1. Existiria norma presuntiva individual e concreta?.................................. 383

    2.6. Natureza das presunes.....................................................................................385

    CAPTULO 3. Enunciado factual das presunes.........................................................386

    3.1. Fato presumido e fato presuntivo........................................................................387

    3.2. Presuno como metafato ...................................................................................389

    3.3. Fato jurdico em sentido amplo, fato jurdico em sentido estrito e presunes..390

    3.4. Presuno, fato jurdico tributrio em sentido estrito e evento...........................393

    3.5. Fatos presuntivos e fato jurdico em sentido estrito ...........................................395

    3.6. Presuno de fatos ilcitos...................................................................................398

    3.6.1. Presuno e infraes objetivas .............................................................. 400

    3.6.2. Presuno e infraes subjetivas............................................................. 402

    3.6.2.1. Presuno e prova do fato doloso .........................................................408

    3.6.2.2. Presuno, prova e inteno simulatria...............................................414

    3.6.3. Presunes no campo da ilicitude........................................................... 418

    CAPTULO 4. Processo de positivao das presunes ...............................................419

    4.1. Positivao da presuno hipottica ou do enunciado presuntivo abstrato ........419

    4.2. Positivao da presuno factual ou do enunciado presuntivo concreto ............421

    CAPTULO 5. Presunes e a Constituio da Repblica de 1988 ..............................425

    5.1. Os princpios no subsistema constitucional tributrio ........................................425

    5.2. Presunes e o princpio da certeza do direito....................................................428

    5.3. Presunes e segurana jurdica .........................................................................432

    5.4. Presunes e limites ao poder de tributar ...........................................................436

  • 6

    5.5. Presunes e legalidade ou tipicidade estrita tributria ......................................438

    5.6. Presunes e igualdade .......................................................................................446

    5.7. Presunes e capacidade contributiva.................................................................449

    5.8. Presunes e o princpio da propriedade e da proibio de tributo com efeito de

    confisco......................................................................................................................453

    5.9. Presunes e proporcionalidade..........................................................................458

    5.10. Presunes e irretroatividade da lei tributria...................................................461

    5.11. Presunes e anterioridade da lei tributria ......................................................463

    5.12. Presunes, devido processo legal, ampla defesa e contraditrio ....................465

    5.13. Presunes e o princpio da unicidade probatria ............................................469

    5.14. A relevncia das limitaes constitucionais na formao das presunes de

    direito tributrio .........................................................................................................472

    CAPTULO 6. Presuno na regra-matriz de incidncia ..............................................474

    6.1. Presuno no critrio material ............................................................................476

    6.1.1. Lucro presumido ..................................................................................... 476

    6.1.2. Imvel residencial ou imvel comercial para fins de incidncia do IPTU

    alquota de 1,0 % ou 1,5 %, respectivamente ................................................... 480

    6.2. Presuno no critrio espacial.............................................................................484

    6.2.1. Entrada simblica de mercadoria no estabelecimento............................ 485

    6.2.2. Presuno de operao interna no ICMS................................................ 487

    6.3. Presuno no critrio temporal ...........................................................................489

    6.3.1. ITCMD e o tempo da morte.................................................................... 489

    6.3.2. Presuno do momento de disponibilizao do lucro auferido no exterior494

    6.4. Presuno no critrio subjetivo...........................................................................505

    6.4.1. Equiparao dos estabelecimentos comerciais atacadistas, ou adquirentes de

    produtos importados, a industrial pela legislao do IPI .................................. 506

    6.4.2. Substituio tributria para frente ....................................................... 509

    6.5. Presuno no critrio quantitativo ......................................................................512

    6.5.1. Preo de transferncia............................................................................. 512

    6.5.2. Valor venal do imvel na planta genrica .............................................. 521

    PARTE III PRAGMTICA DA PRESUNO NO DIREITO TRIBUTRIO...........524

    CAPTULO 1. Elementos compositivos das presunes no domnio tributrio ...........527

    1.1. Nexo entre fatos baseado em caractersticas de semelhanas essenciais............527

    1.1.1. Caractersticas secundrias e sua inaplicabilidade para fins presuntivos530

  • 7

    1.2. Conceito relativo ao real .....................................................................................531

    1.3. Ratio legis de direito tributrio ...........................................................................531

    CAPTULO 2. Limites ao emprego de presunes .......................................................534

    2.1. Limites formais versus limites materiais ............................................................535

    2.2. Limitaes ao legislador para presumir ..............................................................536

    2.2.1. Limites materiais ao legislador para presumir ........................................ 537

    2.2.1.1. Genus comum aos fatos e ratio legis semelhantes em direito tributrio

    ...........................................................................................................................544

    2.2.2. Limites formais ao legislador para presumir .......................................... 546

    2.2.2.1. Direito restituio...............................................................................547

    2.2.2.2. Direito de petio..................................................................................553

    2.3. Limitaes ao aplicador para presumir ...............................................................554

    2.3.1. Limites materiais ao aplicador para presumir......................................... 555

    2.3.2. Limites formais ao aplicador para presumir ........................................... 564

    2.3.2.1. Necessria prova pelo Fisco dos requisitos expressos objetivamente na

    norma processualstica fiscal .............................................................................565

    CAPTULO 3. Presuno invlida e ato presuntivo viciado .........................................567

    3.1. Teoria dos atos jurdicos: elementos e pressupostos do ato normativo ..............568

    3.2. Ato nulo e ato anulvel: tcnicas de invalidao das normas jurdicas ..............570

    3.3. Erro de fato .........................................................................................................572

    3.3.1. Erro de fato na presuno ....................................................................... 572

    3.4. Erro de direito .....................................................................................................575

    3.4.1. Erro de direito na presuno ................................................................... 575

    CAPTULO 4. Tcnicas jurdicas de controle de atos normativos viciados .................580

    4.1. Revogao da norma presuntiva geral e abstrata................................................580

    4.1.1. Haveria revogao tcita da norma presuntiva? ..................................... 581

    4.1.2. Necessidade de revogao expressa da norma presuntiva...................... 583

    4.1.3. Por um critrio para a soluo de antinomias reais da norma presuntiva584

    4.2. Anulao do fato presuntivo: conceitos gerais ...................................................587

    4.2.1. Desconstituio do fato presuntivo pelo Fisco ....................................... 590

    4.2.2. Pedido de anulao do fato presuntivo pelo contribuinte ....................... 596

    4.3. Processo decisrio do Poder Judicirio em face de conflito da norma presuntiva e

    outras regras do sistema.............................................................................................599

    CONCLUSES .................................................................................................................604

  • 8

    REFERNCIAS BIBLIOGRFICAS ..............................................................................636

    RESUMO...........................................................................................................................649

    SUMMARY.......................................................................................................................650

    RSUM ...........................................................................................................................651

  • 9

    INTRODUO

    A matria das presunes no direito relembra condies da prpria gnese do

    sistema jurdico. Afinal, toda linguagem normativa comparece a princpio como raciocnio

    ou juzo presuntivo simples. No lidar com os casos concretos, primitivamente o exegeta

    autntico que faz introduzir no ordenamento fatos, presumindo ocorrncias da realidade

    emprica. E o direito pode optar em regular conduta topologicamente por meio de

    presunes realizadas pelo aplicador da ordem posta o que se d em formaes como a

    Common Law ou pelas Casas Legislativas organizao originria do direito romano.

    Em Roma, tais solues casusticas foram substitudas por determinaes precisas

    em lei. Construiu-se um novo padro de prescries do inter-relacionamento humano

    mediante a positivao de uma ordem organizada de regras jurdicas. O sistema passa ser

    to s aquele positivado. Com o amadurecimento dessas ordens jurdicas, as estruturas

    presuntivas vo sendo depositadas, na forma de repertrio normativo, num conjunto

    organizado de preceitos jurdicos, o que nada mais que presunes dispostas em lei.

    Ingressam na forma de proposies auxiliares, que em muitos casos sero compreendidas

    como formulaes de direito adjetivo ou acessrio, ou ainda como regra procedimental

    probatria. Dispem sobre a formao do fato jurdico, construindo o procedimento

    previsto em lei para fazer sua prova. Com o passar dos tempos, tais previses vo sendo

    consolidadas at alcanar o estgio mximo de prescrio, sua forma de ser regra posta e

    direito substantivo. O que era matria de prova passa a ser entendida como formulao

    constitutiva de um tipo factual, hiptese abstrata que enuncia critrios normativos para

    localizar ao juridicamente relevante num dado tempo e espao. Servimo-nos aqui de um

    excelente pensamento de Alfredo Augusto Becker:

    Porque grande nmero de presunes costumam ser excludas da categoria convencional de presuno e (embora a frase possa ter som contraditrio) so excludas exatamente porque consistem em genunas presunes juris et de jure.1

    1 BECKER, Alfredo Augusto. Teoria geral do direito tributrio. 4. ed. So Paulo: Noeses, 2007. p. 543.

  • 10

    Ao fio dessas reflexes e na sinfonia das meditaes do escritor, se entendermos as

    presunes em seu sentido originrio, tudo no direito presumido. A prpria condio

    lingustica da ordem posta, inserida no cerco inapelvel da linguagem, torna todo

    enunciado jurdico verdadeira estrutura presuntiva. Inexistindo correspondncia entre

    realidade emprica e aqueloutra construda em termos enunciativos pelo sistema jurdico,

    tudo se presume, pois o evento da ordem do inefvel, inalcanvel linguisticamente pelas

    descries, por melhor que se apresentem.

    Com tais modulaes, desde j, preciso restringir o sentido das presunes, pois

    no estudaremos o sistema jurdico como um todo nem mesmo faremos uma teoria da

    norma propriamente dita. No temos a inteno de apresentar uma teoria geral do direito,

    neste trabalho, conquanto dela obtenhamos vrios instrumentos para anlise. Realizaremos,

    outrossim, estudo tcnico das presunes, especfico das cincias jurdicas em sentido

    estrito, prprio da epistemologia ou da dogmtica do direito. O objeto em exame no ser a

    norma como formulao originariamente presumida em face de seu carter lingustico-

    constitutivo, mas, ao contrrio, as presunes na forma de regras jurdicas, exteriorizadas

    como proposio normativa, estruturada por um antecedente seguido, mediante vnculo

    implicacional, de seu consequente.

    Como norma, as presunes so signos lingusticos que, com o apoio dos recursos

    semiticos, podem ser analisados sob trs enfoques: sinttico, semntico e pragmtico. No

    obstante a mencionada subdiviso ser apenas em termos cientficos, uma vez que o corte

    no se apresenta de forma categrica no lidar com tais instituies, o separar desses trs

    campos cognoscitivos auxilia no alcance de uma profundidade no exame. Perde-se em

    amplitude para ganhar penetrao na disciplina.

    O ngulo sinttico requer seja ressaltado o signo, segundo sua formao unitria,

    observando-se sua estrutura fundante e a forma com que se apresenta aos nossos olhos.

    Sem perdermos de vista seu carter uno, examinamo-lo em face das relaes mtuas que

    mantm com outros signos, dentro e fora de seus sistemas de referncia. No ponto de vista

    semntico, examina-se a relao do signo com o objeto que representa. Buscam-se as

    modulaes do contedo, tendo em vista, de um lado, o objeto que quer ver representado

    em termos lingusticos e, de outro, o contexto no qual se insere. Indaga-se, portanto, sobre

    os contedos do significado do termo. Por fim, no campo pragmtico, as conjecturas se

    voltam s relaes do signo com os utentes daquela linguagem. Revela os usos da

    linguagem numa dada sociedade, sobressaltando as variaes de sentido originrias da

    dinmica do sistema. A pragmtica do signo lida com o signo em movimento, examina

  • 11

    colocando-o em ao, observando-o no decorrer do tempo, segundo as variaes de seus

    usos.

    Mesmo em apertada sntese, so esses os trs campos de exame de todo signo

    lingustico, sendo estes os assuntos que subdividiro a presente tese em trs partes. A

    referida repartio quer justamente demonstrar o carter sgnico das presunes, como

    estruturas de linguagem em funo prescritiva. Para uma perfeita compreenso do tema, o

    exegeta h que percorrer esses trs planos de investigao dos sistemas sgnicos, revelando

    nas presunes sua dimenso completa e complexa.

    Buscando expor as mincias das presunes subdividindo a anlise nesses trs

    campos do conhecimento, pretende-se com este trabalho de doutoramento, entre outras

    coisas, eliminar a confuso que envolve o tema, ressaltando o carter jurdico das

    presunes e negando conjecturas de outras ordens para explic-las, como as da poltica,

    da sociologia ou da psicologia do direito. Do mesmo modo, pretende-se com isso alcanar

    preciso do termo no sistema jurdico, mediante (i) exigente rigor terminolgico; (ii)

    preciso conceptual; e (iii) uso de tcnica de sistematizao pautada em um estudo

    dogmtico sobre o assunto. E se o faz revigorando o tema segundo as contribuies da

    anlise filosfica de teoria de linguagem, da semitica e da teoria geral do direito, com o

    fim especfico de fundamentar uma teoria da cincia positiva das presunes no direito

    tributrio. Ao fim e ao cabo, quer-se com tudo isso imprimir unidade ao instituto das

    presunes no mbito fiscal. o que procuraremos fazer ao longo de todo este trabalho.

  • 12

    PARTE I SEMNTICA DA PRESUNO NO DIREITO

    TRIBUTRIO

    O primeiro empreendimento que se quer desenvolver neste trabalho tem por

    objetivo demonstrar as relaes existentes entre o signo da presuno, como suporte fsico,

    e a realidade (social ou jurdica) para a qual aponta, ainda que se possa distanci-la do

    conceito de real. Este vetor semntico do signo para o objeto , presente em todas as

    figuras semiolgicas, pretende ser descritivo de algo, daquilo que est na ordem do

    inefvel. Cabe ao intrprete, portanto, diante do carter mutvel do plano semntico,

    buscar a relao entre o signo e as coisas que ele pretende individualizar, identificando as

    diferentes acepes atribudas a um vocbulo e as diversas realidades que ele est apto a

    construir.

    Para o jurista, sua maior tarefa desvendar justamente este plano semntico dos

    institutos do direito. A ele cabe o trabalho de, a partir da desformalizao das normas

    prescritivas, experimentar e acomodar a movimentao do sentido trazida pela dinmica da

    realidade social em torno do signo jurdico. H quem diga, a propsito, que o sentido

    normativo aquele que o legislador assentou nos textos da lei poca de sua edio, isto ,

    localizando o sentido num ponto estaticamente considerado. Entendemos que no bem

    assim. Lembremos sempre que o direito fechado sintaticamente, mas aberto em planos

    semnticos. Portanto, a atualizao da ordem posta enquanto sistema prescritivo de

    conduta d-se preponderantemente na via semntica, em que a agitao da dinmica social

    ingressa na ordem posta por meio das estruturas formalizadas, movimentando o conjunto

    prescritivo na forma em que o prprio ordenamento o requer.

    A opo pelo plano semntico como primeiro grande captulo deste trabalho

    justifica-se na medida em que, para alcanar o domnio sinttico e/ou pragmtico, preciso

    antes firmar o sentido proposto. Logo, somente aps ter sido apresentado o conceito de

    presuno e definidas suas diferentes acepes que se torna possvel falar de coerncia

    sistmica (sintaxe) e das relaes de uso (pragmtica) da presuno no direito positivo

    brasileiro, e, mais especificamente, da aplicabilidade das tcnicas presuntivas no direito

  • 13

    tributrio nacional. A metodologia assumida neste estudo requer, portanto, a referida

    demarcao terminolgica como exigncia preliminar para que se faa um trabalho

    sistematizado, isto , mantendo-se este coerente do incio ao fim. Rememoremos, neste

    ponto, as lies dos neopositivistas lgicos que puseram em evidncia o plano semntico (e

    sinttico) com o objetivo de refinar o discurso cientfico. Ou ainda, na figura de Alfredo

    Augusto Becker, em carta direcionada a Paulo de Barros Carvalho em 11 de maio de 1976:

    o jurista o semntico da linguagem do direito.1 Investido do fardo semanticista, este o

    momento exegtico para se alcanar tal anlise.

    1 Carta escrita por Alfredo Augusto Becker a Paulo de Barros Carvalho em 11 de maio de 1976. In HARET, Florence; CARNEIRO, Jerson. Vilm Flusser e juristas: comemorao dos 25 anos do grupo de estudos Paulo de Barros Carvalho. So Paulo: Noeses, 2009. p. XXVI.

  • 14

    CAPTULO 1. Os diversos conceitos de presuno nos diferentes ramos do conhecimento

    Ao realizarmos o estudo do direito, perceberemos que, exteriorizado na forma de

    norma, o ordenamento fechado, em termos sintticos, mas aberto nos planos semntico e

    pragmtico. E justamente no campo dos significados das palavras que se encontra o

    grande desafio de todos aqueles que pretendem uma anlise sria e atinada das regras

    jurdicas. A maleabilidade dos sentidos dos vocbulos, ainda que pertencentes a uma

    mesma ordem lingustica, e as imperfeies no plano comunicacional dificultam a inter-

    relao dos homens e a perfeita compreenso das mensagens expedidas. Eis a relevncia

    do papel que cumpre a dogmtica, estudo da cincia que se dirige ao direito em linguagem

    tcnica com o fim de atribuir-lhe racionalidade ali onde no houver, organizando as

    mensagens legisladas no contexto em que se inserem.1

    A relevncia da cincia do direito, em seu sentido estrito, encontra-se justamente

    neste objetivo, que sistematizar o ordenamento, conferindo instrumental ao aplicador da

    ordem posta para que possa construir o sentido mais adequado quela organizao. Mas,

    afinal, como proceder ao exame dos sentidos das palavras no direito, levando em conta as

    imposies do prprio sistema? Onde se encontra o contedo jurdico das normas? Ora,

    muitos buscam as acepes dos vocbulos que o legislador depositou nos textos do direito

    positivo para descrever fatos e prescrever comportamentos; outros entendem mediante uma

    contextualizao da norma em face do sistema como um todo; alguns ainda sugerem a

    subdiviso temtica da matria, percebendo as nuances de cada um dos subdomnios do

    sistema jurdico.

    Adotando pressuposto de que o direito positivo homogneo sintaticamente, uno e

    indecomponvel na forma de sistema, podemos dizer que toda figura jurdica deve

    submisso a este ditame. A empresa exegtica no campo semntico se far sempre

    1 Vejamos Paulo de Barros Carvalho: neste ponto que a Dogmtica (Cincia do Direito em sentido estrito) cumpre papel de extrema relevncia, compondo os enunciados freqentemente dispersos em vrios corpos legislativos, ajeitando-os na estrutura lgica compatvel e apontando as correes semnticas que a leitura contextual venha a sugerir (CARVALHO, Paulo de Barros. IPI Comentrios sobre as regras gerais de interpretao da Tabela NBM/SH (TIPI/TAB). Revista Dialtica de Direito Tributrio, So Paulo: Escrituras, n. 12, p. 48, 1998).

  • 15

    observando-se esses cnones. Contudo, sem abandonar, por um instante sequer, essas

    imposies formais nesse precioso caminho especulativo pelo significado da norma, o

    intrprete poder realizar cortes exegticos para o fim de lhe ser facilitada a referida tarefa

    semntica em determinados contextos ou na soluo concreta do caso. O corte redutor de

    complexidade, permitindo, pela diminuio na amplitude do texto, maior profundidade de

    anlise. a expresso do infinito no finito. Desse modo, procedendo ao isolamento da

    norma no universo da temtica analisada, impondo com maior fora os princpios

    especficos que dirigem aquele determinado campo do direito, os sentidos das instituies

    normativas analisadas vo ganhando corpo, enriquecendo-se semanticamente em face do

    ordenamento como um todo.

    Seguindo este propsito, nosso primeiro empreendimento demonstrar os diversos

    conceitos de presuno nos diferentes ramos do conhecimento. No intuito de demarcar o

    termo presuno para o direito, faremos breve incurso na prpria tarefa de definir para, em

    seguida, percorrer diferentes cincias que possam contribuir para o entendimento da

    matria. Assim, conheceremos a presuno na filosofia, na teoria da linguagem, na

    semitica, na teoria geral do direito e, ao final, nos ramos do direito: na esfera pblica e na

    privada, no subdomnio civil, penal, administrativo, processual, encerrando-se essa anlise

    preliminar no universo do direito tributrio, lugar por excelncia de nosso estudo.

    1.1. A tarefa de definir: que a prpria definio?

    Definimos a todo instante palavras e expresses; recorremos a dicionrios por

    diversas vezes no nosso dia a dia, de tal modo que, ao falarmos de qualquer coisa,

    pressupomos essa tarefa definitria de sentido. Sendo assim, em um trabalho com

    pretenses cientficas, nada mais certo que este estudo seja considerado de antemo como a

    porta de entrada do conhecimento da temtica das presunes. No entanto, antes de definir,

    necessrio conjecturar o que seria a prpria definio. Neste ensaio, permanecemos

    perplexos diante da dificuldade que esta tarefa nos exige. Assim, ao propormos, neste

    estudo, definir o timo presuno, ser relevante entendermos, antes, o que significa a

    atividade de definir em si mesma, que, de to usual, muitas vezes passa desapercebida,

    sem, contudo, perder sua essencialidade em todo trabalho que se pretende rigoroso.

    A ao de definir associa-se a outros verbos como circunscrever, determinar,

    precisar, ou mesmo pr ou assinalar limites a determinada coisa. De uma forma ou de

  • 16

    outra, tem-se que definio atitude em que se busca demarcar um objeto mediante

    inmeras tcnicas cognitivistas, mas que guardam uma mesma caracterstica: o fato de

    serem sempre feitas mediante a enunciao de propriedades e caractersticas, capazes de

    diferenciar uma determinada coisa de outra(s). Portanto, somente com a linguagem que a

    definio se mostra presente. E enunciando sobre que se define o objeto mencionado.

    Podemos explicar o significado de uma palavra fazendo referncia ao seu histrico,

    empreendendo um exame etimolgico do termo; ou simplesmente descrevendo o objeto,

    enunciando as caractersticas fsicas, perceptveis aos sentidos; ou tambm associando o

    vocbulo a outros que ora guardam um significado prximo, ora razoavelmente

    aproximado daquele que se quer definir. Eis as trs espcies de definio, respectivamente,

    histrica, nominal e real.2

    Para a lgica, definir determinar com rigor a compreenso exata de um conceito

    com o fim de situ-lo em relao a outros conceitos, classificando-o e distinguindo-o.

    Estamos, aqui, na teoria das relaes uma vez que nada observado sozinho, mas sempre

    em vista do outro e na teoria das classes e dos conjuntos pelo simples fato de classificar

    (dispor em classes) para o fim de distinguir uma coisa de outra, observando-se sempre o

    grupo a que pertence. Enquanto na primeira o conceito surge pelo to s aparecimento da

    relao, ela mesma atributiva de significado, nesta ltima, opta-se por tomar um caractere

    especfico (diferena) como referncia para, em seguida, estabelecer semelhanas e

    disparidades entre unidades de um domnio considerado. De uma ou outra forma, enunciar

    sobre algo j defini-lo.

    A definio observada em seu aspecto formal, isto , como algo pensado, no passa

    de um conceito complexo que exprime a natureza ou essncia de um objeto. De fato, no

    h como falar em essncia sem referirmos a Husserl, filsofo que atirou a ateno

    chamada intuio eidtica ou intuio das essncias. Em suas inmeras obras, procurou

    distinguir o fenmeno (fato) do nmeno (essncia), sem contudo deixar de relacion-los.

    Para ele, no fenmeno, isto , o evento individualmente considerado, sempre se capta a

    essncia de algo. Alis, no h como a conscincia compreender o individual sem recorrer

    ao universal, que se faz aparente no nmeno. A essncia, nesta medida, justamente o 2 As duas ltimas abaixo elucidadas por Irving Copi: A D. nominal vem a ser a determinao ou fixao exacta do significado de uma palavra nova ou desconhecida (D. puramente nominal) ou de sentido menos claro e preciso, por meio de qualquer sinnimo, da sua explicao etimolgica ou da descrio de objecto por ela significado. E continua: Geralmente, a prpria D. nominal, a etimolgica sobretudo, usada como introduo ao significado real, que todo o vocbulo tende naturalmente a evocar. A D. (explicativa) equivale noo distinta e mais ou menos completa de um objecto (Logos Enciclopdia Luso-Brasileira de Filosofia. Lisboa/So Paulo: Verbo, 1989. v. 1, p. 1299-1300.)

  • 17

    modo tpico do aparecer dos fenmenos, ou melhor, aquilo que anuncia para a conscincia

    as marcas do universal presentes em cada recorrncia individual.

    Segundo esta concepo, estamos diante de dois tipos de conhecimentos: aquele

    que tem por objeto o fenmeno; aqueloutro, o nmeno. Uma vez que os fatos particulares

    no so o eidos, mas to somente casos de essncias eidticas, conhecer o fenmeno algo

    diferente de conhecer o prprio nmeno. Exemplificando: ao se definir determinada coisa,

    tal como uma mesa, verifica-se que esta, essa ou aquela mesas so justamente reputadas

    mesas porque so casos particulares (fenmeno) da ideia (universal) que temos de mesa.

    Em cada recorrncia a situaes particulares, apreendemos uma essncia universal,

    presente em todos os objetos mesa.

    Vale a ressalva de que isso no quer dizer que o conhecimento das essncias seja

    um conhecimento mediato, ou seja, aquele obtido mediante a abstrao ou comparao de

    vrios fatos. Em verdade, o conhecimento das essncias intuio e, para Husserl,

    intuio eidtica. Posto isto, definir um objeto pela sua essncia conhec-lo mediante a

    intuio presente no intrprete, segunda a qual constitui ferramentas capazes de localizar

    aquilo que de universal existe em cada uma das recorrncias fenomenolgicas. Entre os

    tipos de definio que tem o eidos como referncia, aponta-se aqui para aquela chamada

    essencial, uma vez que ela:

    [...] refere apenas os elementos essenciais, quer fsicos (essncia fsica, p. ex., homem = ser vivo composto de corpo e alma), quer metafsicos (essncia metafsica, p. ex., homem = animal racional). A D. essencial metafsica constitui o tipo perfeito da D. Nela se realiza plenamente a dupla finalidade a que toda e qualquer D. destinada: dar de um objecto uma noo to clara e precisa que se saiba exatamente o que ele e se distinga nitidamente do que ele no . Isto nos garante precisamente a D. essencial com a indicao do gnero prximo (o que h de comum) e da diferena especfica (o que h de prprio, exclusivo).3

    Entretanto, sabemos que, na prtica, nem sempre a definio essencial passvel de

    ser produzida. Contudo, isso no inviabiliza a confeco de outros procedimentos

    definitrios. Toda definio que no alcana o eidos, limitando-se a descrever

    caractersticas fsicas do objeto, considerada imperfeita. Vejamos o pensamento o

    logicista Irving Copi:

    Mas nem sempre possvel obter uma D. essencial. Em geral, temos de nos contentar com definies imperfeitas, com simples descries, que

    3 Logos Enciclopdia Luso-Brasileira de Filosofia. Lisboa/So Paulo: Verbo, 1989. v. 1, p. 1300.

  • 18

    se limitam a indicar uma ou mais propriedade consideradas suficientes para distinguir uma coisa de outra. Podem ser de vrias espcies:

    a) descritiva propriamente dita, se as propriedades referidas decorrem necessariamente da essncia (proprium), sendo com ela convertveis (homem = animal que fala);

    b) descritiva acidental, resultante da enumerao de propriedades comuns ou acidentais que, embora separadamente, convenham a muitos outros objectos, colectivamente tomadas, s convm ao definido;

    c) descritiva causal, que explica uma coisa, no pelo que em si mesma, mas pelas suas causas extrnsecas (eficiente = um Stradivarius; final = um cronmetro; exemplar = um Moiss);

    d) descritiva gentica (constitutiva), se indica no s a causa, mas, sobretudo, o modo como uma coisa produzida (o bronze uma liga de diversos metais).4

    Observe que as definies imperfeitas aquelas que no alcanam a essncia da

    coisa, limitando-se a descrever algumas caractersticas particulares do objeto em sua

    aparncia so as mais comuns e parecem levar com elas uma margem de erro justamente

    por tomar os sentidos dos homens como base operatria da definio. No de todo

    inoportuno mencionar a este respeito que as sensaes que cada pessoa tem de um objeto

    so subjetivas, sendo difcil objetivar algo necessariamente originrio da alma do ser

    interpretante. Toda definio, portanto, j nasce limitada e restritiva pelo homem e pela

    linguagem, de modo que este erro significativo inerente a esta atitude exegtica.

    Por fim, sob outro ponto de vista, como formulao verbal, a definio tambm

    pode ser considerada sob juzo analtico, levando-se em conta, aqui, que o sujeito

    representado pelo conceito a definir e o predicado por aquela propriedade ou conjunto de

    propriedades que constituem sua estrutura ntima.

    De tudo o quanto foi exposto verificamos que a tarefa de definir algo que no tem

    limites. No h incio nem fim. Sempre podemos redefinir aquilo que foi anteriormente

    definido. Cabe ao intrprete falar sobre o smbolo definido ou dizer aquilo a que se refere,

    e, assim o fazendo, j o define segundo seu ponto de vista. As definies, portanto, so

    sempre linguagem, simblica por excelncia, pois somente os smbolos so alcanveis

    pelas definies, que buscam explicar a realidade que representam. O objeto em si mesmo

    nunca ser definido, mas o significado estar na representao simblica que temos

    daquela mesma coisa. Em outros termos, explicar o significado de algo nada mais do que

    4 Logos Enciclopdia Luso-Brasileira de Filosofia. Lisboa/So Paulo: Verbo, 1989. v. 1, p. 1300.

  • 19

    conferir uma definio a ele, constituindo-o em linguagem. A definio , portanto, recurso

    pelo qual alcanamos o vazio dos objetos, preenchendo-os por intermdio da linguagem.

    Assim, na medida em que fica mais aclarada a tarefa de definir, verificamos

    tambm seus propsitos, que no so poucos: (i) demonstrar os diversos sentidos da

    palavra em face do subdomnio do conhecimento envolvido; (ii) conhecer melhor o objeto

    a que a palavra se refere; (iii) aclarar o conceito em face das premissas adotadas pelo

    intrprete; (iv) eliminar as ambiguidades do termo; (v) apontar os limites semnticos do

    vocbulo; (vi) influenciar atitudes, entre outros.

    No presente trabalho, optamos por dispor na primeira parte da semntica os itens

    tangentes definio. Com o intuito de (i) demonstrar o vasto horizonte em que se

    encontra o vocbulo das presunes, percorremos diferentes ramos do conhecimento

    humano, mostrando a evoluo histrica e a variedade de sentido que a palavra presuno

    vai assumindo no decorrer dos tempos. Com isso, (ii) ampliamos o vocabulrio da pessoa

    para quem a definio elaborada, no caso todos aqueles que leem este trabalho, no intuito

    de conhecer melhor as presunes.

    Num segundo momento, assumindo e verificando a pluralidade de significados em

    que a palavra o aparece no subdomnio do direito tributrio, percebemos que o vocbulo

    requer esclarecimentos em vista de sua vagueza, sendo-lhe necessrio (iii) aclarar seu

    conceito de acordo com as premissas metodolgicas ora adotadas. Em decorrncia disso, o

    intuito se presta tambm a (iv) eliminar a ambiguidade do termo, (v) apontando alguns

    limites de sua aplicabilidade. Com este empreendimento, a definio tambm nos permitir

    (vi) decidir sobre a admissibilidade das presunes em cada caso no sistema jurdico

    apresentado. Por ltimo, outra finalidade da definio preliminar, que neste momento de

    suma relevncia, (vii) propor uma frmula preliminar adequada ou epistemologicamente

    til dos objetos a que dever ser aplicado ao longo de todo o eixo cognoscente do estudo

    terico.

    Portanto, todos os que se debruam sobre um tema acabam por defini-lo, e, com

    isso, pretendem (viii) influenciar as atitudes ou agitar as emoes de quem ouve ou de

    quem l. Por isso todas as finalidades da definio se encontram presentes neste trabalho, e

    a enunciao delas demonstra a relevncia que este recurso tem a todo estudo que se

    pretende srio e atinado.

    Cravadas as premissas do que pode ser ou conter o ato de definir, levemos em conta

    que a presuno um conceito objeto de diversas dvidas entre autores, em diferentes

    subdomnios do conhecimento, servindo-se para representar inmeras categorias que nada

  • 20

    guardam de correlao entre si. Por que no aproveitarmos o ensejo para estabelecer os

    limites semnticos que esto faltando matria?

    1.2. A presuno na filosofia

    Durante a Antiguidade e a Idade Mdia, prevaleceu a concepo metafsica da

    filosofia, que tomava de Plato a ideia de que a filosofia seria o uso do saber em proveito

    do homem. Aristteles, por seu turno, entendeu-a como cincia da verdade, no sentido de

    que nela esto todas as cincias tericas, atribuindo-lhe a funo de unificar as cincias ou

    de reunir seus resultados numa viso de mundo. Seria o que chamam de segunda

    concepo da filosofia. Mas o que se ressalva, no momento, que, tanto como cincia do

    saber quanto como cincia da verdade, a filosofia uma sobrelinguagem de todas as

    cincias, na medida em que reflete a respeito do prprio pensamento do homem, buscando

    as razes das coisas e das ideias. Em vista disso, ao realizar uma anlise do vocbulo

    presuno, na filosofia que tomaremos o ponto de partida deste difcil empreendimento

    conceptual.

    Para a filosofia, presumir admite dois sentidos: vaidade ou conjectura.5 O primeiro,

    sendo irrelevante para fins jurdicos, no ser aqui estudado. Interessa-nos to somente sua

    segunda significao. Como conjectura, presuno assumida por atividade intelectiva de

    emitir um juzo sobre algo, considerando-o vlido at que se prove o contrrio. Provar,

    aqui, est em seu sentido argumentativo, remetendo-se prpria retrica do

    convencimento. Em nvel sinttico, ser verbalizado em proposies, sendo, deste modo,

    proposio que fala sobre algo sem certezas. Neste primeiro passo, a presuno seria tida

    por algo antecipado e provisrio: antecipado, uma vez que emitido antes mesmo do

    consenso de seu sentido entre as partes comunicantes; provisrio, pois sempre poder ser

    modificado quando enfrentado por outra proposio mais forte em tom retrico. Em

    resumo, a primeira definio do que seja o ato de presumir, na filosofia, seria assim

    apresentada:

    1. juzo antecipado e provisrio, que se considera vlido at prova em contrrio. Por exemplo, P. de culpa um juzo de culpabilidade que se

    5 Maria Rita Ferragut bem lembrou em seu Presunes no direito tributrio (So Paulo: Dialtica, 2001. p. 57) que, para a filosofia, o conceito de presuno est vinculado a duas acepes fundamentais: de conjectura (suspeita) e de vaidade (pretenso).

  • 21

    mantm at que seja aduzida uma prova em contrrio; tm significado anlogo as expresses P. de verdade ou P. favorvel ou P. contrria a uma proposio qualquer.6

    Estamos diante de uma definio descritiva, imperfeita, segundo a qual, no sendo

    possvel emitir uma noo clara e precisa pela prpria complexidade do termo, limita-se a

    trazer elementos juzo, proposio, provisoriedade, antecipao e validade at prova em

    contrrio considerados suficientes para distinguir a presuno de outros tipos de juzos.

    Vale dizer que existem diversos tipos de presunes, sendo possvel afirmar

    tambm que algumas tm maior adeso do que outras em razo do prprio sistema de

    lugares-comuns existente em uma determinada cultura historicamente localizada. Neste

    sentido, buscando complementar a definio acima e objetivando maior determinao do

    significado da palavra analisada, pela tcnica da definio puramente nominal, iremos

    consolidar o termo presuno por meio de outras palavras que lhe so sinnimas ou que,

    no mnimo, nos remetem a conceito aproximado. Assim sendo, neste momento, prope-se

    relembrar que, numa atitude definitria puramente nominal, a filosofia determinou o timo

    presuno associando-o ideia de metfora.

    Etimologicamente, o termo metfora deriva da palavra grega metaphor, que

    significa juno de dois elementos meta (sobre) e pherein (transporte). Trata-se de

    uma palavra tomada em outro sentido: configure o transporte de significados. Para

    Aristteles, A metfora consiste em dar a uma coisa um nome que pertence a outra coisa;

    essa transferncia pode realizar-se do gnero para a espcie, da espcie para o gnero, de

    uma espcie para outra ou com base numa analogia.7 Ccero, por seu turno, considerava-a

    como uma forma particular de comparao, ao passo que para Aristteles ela o tipo

    principal [...].8 O ponto em comum desses dois filsofos traduz em tomar a metfora pela

    prpria capacidade de perceber semelhanas. Para eles, o verossmil depende, em ltima

    instncia, da opinio comum, isto , do sentido admitido pelo pblico. Lanar mo de

    ideias consensuais para a coletividade e inseri-las na argumentao faz alcanar os efeitos

    de espelhamento e identificao desejados, acabando por sugerir uma ao.

    Ora, na presuno, essas caractersticas se fazem igualmente presentes. Ao

    presumir, estamos emitindo um juzo sobre algo, sem que, contudo, se tenha certeza dele.

    Eis por que toda presuno antecipada e provisria. Mas, em geral, a presuno nasce de

    6 ABBAGNANO, Nicola. Dicionrio de filosofia. Traduo de Alfredo Bosi. Reviso de Ivone Castilho Benedetti. So Paulo: Martins Fontes, 2007. p. 926. 7 Idem, ibidem, p. 776. 8 Idem, p. 776.

  • 22

    algum consenso, de uma ideia da opinio comum. E, de forma a simplificar o prprio

    discurso, quando a prova do verdadeiro se torna demasiadamente penosa e de difcil

    elaborao, admite-se este efeito de espelhamento e identificao desejado, isto , em

    outras palavras, admite-se um juzo pelo outro, identificando aquilo que a princpio seria

    dissociado. por assim dizer que a presuno, aproveitando-me do sentido atribudo s

    metforas pela filosofia, o produto da interao especfica de significados heterogneos,

    mas comuns.9 Vale a ressalva de que:

    a noo de interao [...] no se trata apenas de confrontar objetos diferentes para estabelecer se alguma caracterstica de um pode ser atribudo ao outro, mas de fazer uso de todo o nosso sistema de lugares-comuns para filtrar ou dispor um outro sistema, gerando assim uma nova organizao conceitual [...].10

    Emprestada esta definio de metfora, conferindo-a por completo s presunes,

    torna-se perfeitamente possvel sustentar que ao presumir: (i) fazemos uso de todo o nosso

    sistema de lugares-comuns; de modo a (ii) construir um novo sistema de significao; que

    tem por resultado (iii) uma nova organizao conceitual.

    Tomamos aqui a viso clssica da metfora, desenvolvida na Antiguidade, sendo,

    portanto, noo substitutiva que objetiva compreender e experienciar uma coisa em termos

    de outra, levando-se em conta o sistema de lugares-comuns de uma determinada cultura.

    Portanto, por meio da definio nominal, torna-se necessrio complementar o conceito de

    presuno, atribuindo a ela as seguintes caractersticas:

    (i) produto da inteno especfica de significados heterogneos, mas

    comuns;

    (ii) que lhe conferido pelo efeito de espelhamento e identificao entre

    uma coisa e outra, construdo pelo discurso em funo primordial retrica;

    (iii) gerando assim uma nova organizao conceitual.

    Assim, possvel enumerar as seguintes caractersticas presuno, atribudas pela

    filosofia clssica:

    (i) noo substitutiva;

    (ii) originria de um juzo antecipado e provisrio;

    (iii) criado por meio de um efeito de espelhamento e identificao entre

    uma coisa e outra;

    9 ABBAGNANO, Nicola. Dicionrio de filosofia. Traduo de Alfredo Bosi. Reviso de Ivone Castilho Benedetti. So Paulo: Martins Fontes, 2007. p. 777. 10 Idem, ibidem, p. 777.

  • 23

    (iv) produto de uma interao especfica de significados heterogneos;

    (v) garantindo assim uma nova organizao conceitual.

    Nestes termos, verificamos que, apoiando-nos na filosofia para associar a presuno

    metfora, a ideia daquela exige que o intrprete v alm do mero conhecimento

    lingustico, o que no implica que o resultado conceitual de presuno se torne falso ou

    transgressor.

    1.3. A presuno na teoria da linguagem

    Da filosofia teoria da linguagem, sobrevoamos os horizontes da lingustica, da

    semitica, da teoria dos atos de fala, para pousarmos nas concepes da nova retrica.

    Apoiada na semntica estrutural de Greimas, a nova retrica redefiniu a noo de signo

    deslocando-o do domnio psicolgico (imagem acstica, contedo mental) e sociolgico (o

    tesouro social da lngua inscrito na memria de cada indivduo) para uma anlise

    puramente lingustica. Em outras palavras, o nvel estratgico da semntica estrutural se

    transfere da palavra para o sema, isto , do vocbulo para os traos semnticos das

    unidades lexicais manifestadas (morfemas). Passa-se da lingustica, do plano da descrio

    e da classificao, para queloutro da explicao.

    Cham Perelman foi o grande precursor da nova retrica, sendo ele, portanto, nossa

    fonte para redefinir a presuno na teoria da linguagem. Em seu Tratado de argumentao,

    j no captulo I acordo inicia o estudo sobre as premissas da argumentao dizendo:

    do princpio ao fim, a anlise da argumentao versa sobre o que presumidamente

    admitido pelos ouvintes.11 Para ele, toda argumentao envolve um conceito de auditrio

    universal, relativo ao real, e outro de auditrio individual, relacionado ao prefervel. No

    primeiro, incluem-se fatos, verdades e presunes; no segundo, valores, hierarquias e

    lugares do prefervel. Em suas palavras, na argumentao, tudo o que se presume versar

    sobre o real se caracteriza por uma pretenso de validade para o auditrio universal.12 A

    presuno, nesta medida, assim como os fatos e as verdades, uma espcie de acordo, com

    sistema de alcance que pode se apresentar mais restritivo (fatos) ou mais geral (verdades)

    tendo em vista a adeso do auditrio (pthos). Para ele:

    11 PERELMAN, Cham. Tratado da argumentao: a nova retrica. Traduo de Maria Ermantina de Almeida Prado Galvo. 2. ed. So Paulo: Martins Fontes, 2005. p. 73. 12 Idem, ibidem, p. 74.

  • 24

    [...] as presunes esto vinculadas, em cada caso particular, ao normal e ao verossmil. [...] A prpria existncia desse vnculo entre as presunes e o normal constitui uma presuno geral admitida por todos os auditrios. Presume-se at prova em contrrio, que o normal o que ocorrer, ou ocorreu, ou melhor, que o normal uma base com a qual podemos contar em nossos raciocnios. Essa base corresponder a uma representao definvel em termos de distribuio estatstica das freqncias? No, sem dvida. E esta uma das razes que nos obriga a falar de presunes e no de probabilidade calculada.13

    Parte constitutiva da ideia de realidade, a presuno goza do acordo universal, no

    entanto caracteriza-se, diferenciando-se dos outros procedimentos, por estar sujeita a um

    reforo argumentativo. Segundo o ponto de vista de Perelman, presuno raciocnio que,

    tomando o normal e o verossmil, estabelece uma relao entre duas coisas diferentes. Para

    tanto, no leva em considerao os dados de fato, como o resultado de uma estatstica de

    ocorrncias no mundo fenomnico, mas, estabelecendo uma relao, deduz um acordo

    entre o discurso (logos) emitido pelo orador (ethos) com seu auditrio (pathos). Estamos

    aqui no domnio da definio lgica, em que o presumir no observado sozinho, mas

    sempre em vista do outro, ou melhor, dos demais procedimentos lgicos. Eis que todas as

    presunes baseadas no normal implicam um acordo acerca desse grupo de referncia.14

    Resumidamente, a teoria da linguagem vai acrescentar os elementos

    caracterizadores da presuno atribudos pela filosofia clssica, adicionando os seguintes

    critrios: um conceito relativo realidade, que se d por uma espcie de acordo

    universal, com sistema de alcance que pode se apresentar mais restritivo (os fatos) ou mais

    geral (as verdades), uma vez que est sujeito a ser reforada em termos argumentativos,

    tendo em vista a adeso do auditrio (pthos).

    1.3.1. Semitica das presunes

    As Cincias da Linguagem, com o apoio fundamental na filosofia da linguagem,

    sofreram uma srie de avanos no ltimo sculo, principalmente com as obras de

    Wittgenstein Tractatus logicophilosophicus e Investigaes filosficas , marco para a

    filosofia que define duas diferentes fases da relao que se mantinha entre o mundo, a

    linguagem e o homem. Do paradigma verificacional que vinha dominando a filosofia da

    linguagem desde Frege, passou-se para o paradigma comunicacional. Essa mudana de

    13 PERELMAN, Cham. Tratado da argumentao: a nova retrica. Traduo de Maria Ermantina de Almeida Prado Galvo. 2. ed. So Paulo: Martins Fontes, 2005. p. 80. 14 Idem, ibidem, p. 81.

  • 25

    perspectiva no estudo da linguagem tornou-se conhecida como giro lingstico-

    pragmtico.15 Este movimento tem como ponto de referncia as Investigaes filosficas,

    obra em que o autor, de maneira revolucionria, passa a observar a linguagem no mais

    como instrumento, como forma de representar o mundo, mas sim como meio constitutivo

    de realidade por intermdio da comunicao. O real, portanto, passa a ser uma construo

    de sentido, um efeito de contedo que se extrai do prprio texto por meio da interpretao.

    Entre as Cincias da Linguagem, destaca-se, neste estudo, a Semitica em decorrncia do

    alcance da anlise que este instrumental epistemolgico propicia.

    O direito, em sua perspectiva semitica, traz uma srie de contribuies para a

    Cincia Jurdica, atribuindo coerncia ao discurso, uniformidade ao objeto, fundamento ao

    sentido adotado, atingindo, por este enfoque, as profundezas do discurso normativo, que

    ainda se encontram em planos rasos pelo conhecimento da teoria tradicional do direito. E

    isto se aplica no somente ao sistema jurdico como um todo, mas tambm a todos os seus

    institutos, enquanto conjunto normativo imerso neste mundo, como a figura das

    presunes.

    Temos que o direito um grande processo comunicacional. Utiliza-se da linguagem

    para construir sua prpria realidade, apresentando-se em diferentes tipos de discurso,

    dotando diversas funes discursivas para seus utentes, modalizando suas aes por

    infinitas combinaes entre as categorias que fundamentam o contrato fiducirio e

    veridictrio e traando, ao mesmo tempo, o sistema de valor cultural e ideolgico que

    sustenta a comunicao jurdica. Todos estes so traos semiticos que vo surgindo na

    medida em que o exegeta depreende uma anlise mais profunda do texto normativo,

    alcanando os prprios limiares deste discurso. O percurso gerativo de sentido, ao mesmo

    tempo em que revela o objeto cultural do direito, como sistema, instaura o sujeito,

    capturados, ambos, nas profundezas do plano do significado do texto.

    Transportado o pensamento para as presunes no ordenamento, verificamos que

    elas, como categoria do direito, so tambm comunicao. Mediante linguagem prescritiva,

    cria uma realidade jurdica prpria, segundo uma particular forma de tipificao, qual seja

    dedues silogsticas ou silogismo truncado. Nelas se encontram, num s tempo, processo

    de enunciao, enunciao-enunciada, enunciado-enunciado, sujeito enunciativo, efeitos de

    ao, de tempo, de espao e, por que no, de realidade. A presuno, na forma de discurso,

    institui o universo jurdico e produz o efeito do real. O sujeito enunciativo, a propsito,

    15 MENDES, Snia Maria Broglia. A validade jurdica e o giro lingstico. So Paulo, Noeses, 2007. p. 55.

  • 26

    vem dotado de diferentes funes discursivas no processo de positivao da norma

    presuntiva. Citemos, por exemplo, a figura do aplicador do direito que, ao enunciar a

    norma de presuno, cumpre, num s tempo, papel de destinatrio da norma e destinador

    do discurso, prescrevendo conduta mediante enunciado presuntivo individual e concreto.

    Os traos semiticos esto presentes por todos os lados nas presunes, mostrando-se

    como poderosa ferramenta descritiva deste interessante processo intelectual no direito. E

    com o apoio no percurso gerativo de sentido da semitica iremos surpreender o fenmeno

    jurdico presuntivo, capturando o discurso em sua imanncia e revelando sua forma

    aparente no direito.

    No corpo dessa temtica, com efeito, a interpretao passa a ser observada como

    coenunciao, isto , como tudo aquilo que diz respeito ao ato de enunciar o texto. o que

    permite a (re)construo do sentido no ato da leitura, recuperando, em forma de

    simulacro, uma instncia de um agir passado, no tempo e no espao, na mesma proporo

    em que instaura um sujeito da enunciao, que nada mais que uma figura de sentido que

    se apresenta a cada novo olhar sobre aquele plano de expresso. O texto d a imagem de

    um corpo, de uma voz, de um carter do sujeito que enuncia, que no se confunde com o

    homem fsico, produtor do discurso. Este se desgarra do discurso no momento mesmo em

    que o texto dado como expresso. Eis a afirmao peremptria: Na teoria semitica, no

    h agente fsico, produtor de discurso, mas sempre efeitos de sentido recuperado a cada

    leitura como sujeito da enunciao.16 Portanto, sob a ptica semioticista ora proposta, tudo

    nas presunes ser observado enquanto efeito de sentido, a realidade e a verdade por ela

    construdas inclusive. Na leitura do texto normativo, o prprio exegeta que,

    interpretando, far irromper o contedo das presunes, numa atitude aparente, e to s

    aparente, de recuperao do significado. Por meio de figuras de sentido que ele mesmo

    cria, produz significado, determinando as presunes segundo seu prprio sistema

    ideolgico, lugar do sopro e florao dos espritos do intrprete, sopesados pelos valores

    insertos no direito.

    a intercomposio existente entre as Cincias da Linguagem que proporciona

    uma viso mais ampla do discurso e da comunicao intersubjetiva, gerando uma difuso

    de efeitos epistemolgicos em diferentes domnios do conhecimento. As Cincias da

    Lngua, associadas, conferem substrato uma s outras, objetivando o estudo, delimitando

    16 Esse tambm o pensamento de Gabriel Ivo: a produo do enunciado decreta a morte do autor e d nascimento aos intrpretes. Destarte, a interpretao pode tanto criar uma incompatibilidade quanto evitar uma incompatibilidade (Norma jurdica: produo e controle. So Paulo: Noeses, 2006. p. 91).

  • 27

    seus campos de aprofundamento e permitindo que, uma vez observados em cada uma

    dessas dimenses, os planos descritivos de cada qual possam dialogar entre si. Eis por que

    semitica, lingustica e lgica formam todo um conhecimento sobre a linguagem, em

    diferentes enfoques, complementando-se mutuamente. E, com base nessas ponderaes,

    podemos certificar que a lingustica ofereceu semitica as formulaes sintticas das

    modalidades e a lgica, sua determinao taxionmica, todas localizadas na profundidade

    do texto, nos diferentes nveis do discurso.

    A proposta de uma anlise semitica das presunes, portanto, permite atingir um

    conhecimento mais intenso desta figura jurdica, buscando delimitar alm de suas

    diferentes formas de expresso as verdadeiras entrelinhas que se circunscrevem, direta ou

    indiretamente, no enunciado normativo presuntivo. Possibilita, deste modo, resgatar a

    instncia enunciativa do sujeito enunciador da regra prescritiva da presuno, irrepetvel,

    mas plano fundamental para a construo do sentido do texto.

    1.4. A presuno na teoria geral do direito

    Estreitando a anlise da figura da presuno, buscamos guarida agora na teoria

    geral do direito. A propsito, a referida linguagem descritiva encontra-se no domnio da

    gnosiologia do direito que nada mais que o conhecimento generalizado da ordem posta.

    Alis, a teoria geral do direito a cincia que estuda qualquer sistema prescritivo. Seu

    objeto o direito possvel, e sua finalidade desvelar o elemento comum de todo

    ordenamento jurdico, seus critrios de carter permanente, independentemente do tempo e

    do lugar em que se colocam. E o faz mediante processo metodolgico de generalizao.

    Parte do direito enquanto linguagem objeto; dele faz incurses para encontrar as categorias

    gerais de tudo o que de l pertence. E assim procedendo descreve seu campo emprico em

    sucessivas passagens de nveis lingusticos descritivo e prescritivo. A cada transposio

    ora generaliza, ora abstrai. Com isso, ressalta o campo da concreo material do sistema

    jurdico. Agora, se pensarmos na forma de generalizao, em seu mais alto grau, estaremos

    no mais no campo da teoria geral do direito propriamente dita, mas, sim, no da lgica, de

    onde, colocando entre parnteses o contedo material do direito, retemos to s a relao

    jurdica, ou melhor, as estruturas lgicas. Com estas modulaes, a lgica

    sobrelinguagem da teoria geral do direito, descreve em modo de variveis e constantes o

    inter-relacionamento dessas categorias gerais.

  • 28

    Deixemos de lado, contudo, essas consideraes para sustentar que a partir da

    gnosiologia ou da teoria geral do conhecimento que encontramos nosso instrumental de

    partida, lugar de onde aquele que pretende interpretar o texto jurdico e conceituar a

    presuno em planos epistmicos se habilita para empreender um estado prprio do

    conhecimento cientfico especfico. Neste sentido, no queremos exaustivamente citar

    todos os tericos gerais que falaram sobre o tema, mas apenas um que, apesar de ser

    civilista, entendemos traduz bem a presuno na teoria geral do direito. Ningum melhor

    que Pontes de Miranda para iniciar essa anlise.

    Ao tratar sobre a difcil empreitada de definir as presunes, o mestre alagoano

    logo no incio de seu Tratado bem alerta: A sua definio tambm pertence mais cincia

    que a conjunto de regras jurdicas.17 De fato, no sistema jurdico nacional, inexiste

    definio em lei do instituto. E, mesmo que houvesse, haveria de ser recebida pelo

    intrprete sem aquele tom de seriedade e de certeza que seria de esperar.18 Relevemos que

    definir atividade prpria da cincia, e no do direito em si mesmo. Cabe doutrina,

    descrevendo, apontar o contedo da disciplina e, ao faz-lo, respeitando o princpio da

    unidade sistemtica. Deve dar por pressuposto que somente considerando um nmero

    imenso de preceitos jurdicos, dos mais variados nveis e dos mltiplos setores, aglutinados

    para formar essa instituio normativa, se torna possvel demarcar rigorosamente a

    matria. Esta muito mais abrangente. Na forma de norma, exigir do intrprete uma

    incurso em vrio artigos, considerando o instituto na amplitude de seu processo de

    positivao e na complexidade do universo material que constitui seu campo emprico. Eis

    por que reafirmamos no caber ao direito prescrever em um enunciado normativo o

    conceito de presuno.

    Retornemos da digresso para sustentar que foi no plano da epistemologia, isto das

    Cincias do Direito, que Pontes de Miranda classificou, generalizando, trs tipos de 17 PONTES DE MIRANDA. Tratado de direito privado. 2. ed. Rio de Janeiro: Borsoi, 1954. Parte Geral, t. III, p. 446. 18 H que comentar, por outro lado, que muito comum encontrar em determinados ordenamentos definio do que seja o ato de presumir, tal como se observa no art. 2.727 do Cdigo Civil italiano: Le presunzioni sono le conseguenze che la legge o il giudice trae da um fatto noto per risalire a um fatto ignorato. O referido preceito releva o carter prescritivo das presunes em face do consequente ou prescritor da norma, esta entendida aqui tanto em sentido de lei (na forma geral e abstrata) quanto como enunciado decisrio do magistrado (em modo individual e concreto). Contudo, frisemos que as presunes no se encontram to s nos efeitos jurdicos de um fato notrio ao fato desconhecido. Como toda estrutura normativa, o sentido dentico completo s entendido quando levado em considerao tambm o antecedente ou descritor da norma, em que as presunes estejam, talvez, em sua maior medida. Por isso, no cabe lei definir as presunes, pois, procedendo desta forma, acaba por restringir e simplificar algo que muito mais complexo que isso e, no direito, pede conceituao mais abrangente e que considere, portanto, o sistema como um todo, construindo o sentido tendo em vista no somente um preceito, mas todos os enunciados que instituem a norma no direito.

  • 29

    presuno:

    (i) Paesumptiones iuris et de iure ou presuno necessria/legal;19

    (ii) Praesumptiones iuris tantum ou presuno voluntria/relativa;20

    (iii) Praesumptiones facti ou a presuno probabilis/mista.21

    E explica:

    Na presuno legal absoluta, tem-se A, que pode no ser, como se fsse, ou A, que pode ser, como se no fsse. Na presuno legal relativa, tem-se A, que pode no ser, como se fsse, ou A, que pode ser, como se no fsse, admitindo-se prova em contrrio. A presuno legal mista a presuno legal relativa, se contra ela s se admite a prova contrria a, ou a ou b.22

    Elucidando em outras palavras, para o autor, a presuno legal orienta a formulao

    das normas de direito no sentido de permitir a construo de determinados fatos jurdicos,

    ou melhor, fazer julgamento sobre fatos que se mostrem de difcil prova e investigao.

    Logo, a presuno legal admite um fato por outro, como se fossem um s ou o mesmo.

    Nesta medida, o fato presumido A pode no ser, mas ser tido, para o universo do direito,

    como se fosse; assim como da mesma forma pode ser, no mundo real, mas ser observado

    como se no fosse no domnio das normas jurdicas. Nesse sentido, lembremos que o

    direito cria sua prpria realidade. No est restrito ao senso dos eventos reais, da

    causalidade fsica, mas ao senso jurdico, aquele institudo pelo vnculo implicacional.

    Assim o dizendo, a ordem posta pode tratar um fato tanto como se fosse quanto como se

    no fosse, estando nele, ordenamento, as frmulas que guiam, no mundo jurdico, sua

    prpria criao, alterao e extino, dentro do que se chama autopoiese do sistema

    jurdico. Reafirmando o conceito de presuno admitido por Pontes de Miranda, a matria

    esclarecida ainda mais ao ser confrontada com a fico:

    [...] as fices so mais do que presunes legais, ainda absolutas. A fico enche de artificial o suporte fctico; a presuno legal apenas tem como acontecido, ou no acontecido, o que talvez no aconteceu, ou aconteceu. A fico tem no suporte fctico elemento de que no se poderia induzir a situao que ela prev. Da, nada se presumir, quando se elabora fico.23

    19 Quaedam est talis, cui datar etiamsi contra quis probaret. 20 Alia, cui statur, donec contra probatur. 21 Alia, cui non datar aliquo modo, nisi adminicula habent. 22 PONTES DE MIRANDA. Tratado de direito privado. 2. ed. Rio de Janeiro: Borsoi, 1954. Parte Geral, t. III, p. 446. 23 Idem, ibidem, p. 447.

  • 30

    Ora, a partir das palavras do jurista alagoano, verificamos ser possvel asseverar,

    socorrendo-nos das contribuies da Filosofia e da Teoria da Linguagem, que tanto fico

    quanto presuno no direito, deste modo, se encontram como noo substitutiva,

    originria de um juzo antecipado e provisrio, criado por meio de um efeito de

    espelhamento e identificao entre uma coisa e outra, produto de uma interao especfica

    de significados heterogneos. No entanto, enquanto a fico um juzo criado de forma

    artificial, a presuno indutiva. Nesta medida, a fico um conceito logicamente

    independente da experincia, e por isso tem no suporte fctico elemento de que no se

    poderia induzir a situao que ela prev. J a presuno fixa suas bases no real, nas

    experincias empiricamente verificveis, admitindo um fato por outro, como se fossem um

    s ou o mesmo, para a eles dar o mesmo tratamento jurdico. Eis por que um juzo que

    tem sempre um quantum de indutivo.24

    Vale ressaltar tambm que a figura j era especificada por Perelman, tendo em vista

    que, para este pensador, a presuno sempre um conceito relativo ao real, com sistema de

    alcance que pode se apresentar mais restritivo (os fatos) ou mais geral (as verdades). Logo,

    presumindo-se, constri-se um efeito de identificao com o mundo social que

    subsumido prpria lgica do ordenamento do direito.

    J na presuno relativa de Pontes de Miranda o elemento que a diferencia ser a

    admisso de prova em contrrio, isto , sendo a presuno um julgamento sobre fatos que

    se demonstram de difcil prova e investigao. O argumento presumido vlido at que se

    encontre um meio de prova apto a desqualific-lo. Da mesma forma para o cientista

    alagoano, a presuno mista, que se diferencia da relativa apenas na forma, admite to s

    determinadas e especficas provas contrrias previamente estabelecidas em lei.

    A teoria geral do direito, nesta medida, procurou dar atividade de presumir uma

    definio segundo o papel que esta categoria de raciocnio tem no sistema do direito. De

    certa forma, por uma espcie de definio essencialista, enunciou elementos que deram ao

    aludido objeto uma noo clara e precisa para distingui-lo de outros a fico que ele

    no . Logo, a presuno um julgamento sobre fatos, juzo em sua base indutivo, que se

    24 Digo um quantum pois, como veremos mais adiante, ao distinguir o enunciado presuntivo da deduo e da induo, o legislador, positivando a regra da presuno, institui no direito o pensamento indutivo, e pr-jurdico (de poltico do direito), que teve. Assim procedendo, em tese, a regra presuntiva posta pelo legislador deixa para fora do direito o carter indutivo de seu raciocnio para se tornar norma geral e abstrata, positivando-se apenas em forma de inferncia, ou seja, segundo modelo dedutvel de pensamento. Agora, transportando essa situao para uma anlise semiotizada, entendemos que, em certo grau e em alguma forma, o juzo indutivo das presunes legais relevante na medida em que est no direito enquanto enunciao-enunciada. Ou seja, o pr-jurdico est de certo modo no direito servindo de critrio distintivo das presunes de outras formas prescritivas, inclusive.

  • 31

    faz presente a todo momento no direito, e que se mostra de difcil prova ou investigao.

    Portanto, verifica-se que o prprio sistema prescritivo de conduta estabelece, por meio de

    normas, a orientao que elucida o procedimento e o resultado dele para a constituio de

    determinado fato jurdico, necessrio como ativao do vnculo implicacional e o posterior

    nascimento da relao jurdica.

    Ocorre aqui uma aproximao entre o sentido atribudo s presunes por Pontes de

    Miranda e aqueloutro, j mencionado, da filosofia, e que se nos afigura procedente. Em

    verdade, resumindo o sentido pontiano conferido ao instituto apreciado neste trabalho, v-

    se o quanto ele guarda correspondncia com a definio clssica de metfora acima trazida.

    Ora, independentemente de ser possvel ou no produzir prova em contrrio, todo

    enunciado presuntivo no direito uma noo substitutiva criada por meio de um efeito de

    espelhamento e identificao entre uma coisa e outra, produto de uma interao especfica

    de significados heterogneos. Com efeito, sendo toda palavra uma metfora, por qual razo

    a figura estudada tambm no o seria? Deste modo, o sentido metafrico prprio da

    linguagem, e nas presunes muito presente.

    Quando Pontes de Miranda atribui a caracterstica de provisoriedade juzo

    antecipado e provisrio s presunes, observado o universo jurdico, contamos to s

    com os tipos de presuno relativa e mista, uma vez que, segundo o autor, a presuno

    absoluta constitutiva do fato, para o direito, sem que se admita prova em contrrio. a lei

    mesma que confere o efeito de irrevogabilidade presuno. Se nada o disser, esta

    considerada relativa. A ausncia de permisso de uma contraprova leva a presuno legal a

    um status de definitividade, que no se encontra presente nos outros tipos presuntivos, o

    que altera o prprio sentido que lhe foi dado pela filosofia clssica, como pudemos relevar.

    Em resumo, da teoria de Pontes de Miranda possvel sistematizar as presunes,

    identificando nela os seguintes pensamentos: (i) tem sempre um quantum de indutivo; (ii)

    tendo em vista que um juzo dependente da experincia, fixa suas bases no real; (iii)

    admite um fato por outro, como se fossem um s, ou o mesmo.

    1.5. Presuno nos diferentes ramos do direito

    Tomemos como ponto de partida a ideia de que o direito uno e indecomponvel.

    conjunto tecido e ordenado por normas que falam do comportamento social, nos mais

    diferentes setores da atividade humana. E est nessa ideia de unidade aquilo que lhe d o

  • 32

    carter de sistema ou ainda seu sentido de ordem ou organizao, em linguagem, de outro

    universo que a ele lhe parece catico (mundo social). E, para manter essa sua inteireza,

    pressupe formao homognea de suas unidades, valores lgicos que lhe so prprios e

    um recorte delimitado de sua realidade-objeto. Ao modo de Vilm Flusser,25 o direito ele

    mesmo uma lngua que , cria, forma e propaga sua prpria realidade, retroalimentando-se

    a cada novo processo enunciativo.

    No plano dos contedos, a condio sistematizada do direito impe a todas as

    normas, portanto, convergncia semntica para um centro fundante: a Carta Magna ou,

    melhor dizendo, os valores que lhe so caros. Ao mesmo tempo, os laos de coordenao e

    subordinao entre as estruturas normativas confirmam no haver norma sem sistema, isto

    , proposio jurdica isolada no ordenamento, assertiva decorrente de que no h texto

    sem contexto, como sempre relembra Paulo de Barros Carvalho. A concepo

    sistematizada do direito no nos permite considerar a norma isolada ou a matria de direito

    hermeticamente fechada. Em verdade, consideraes deste tope s podero ser produzidas

    em face de uma postura cientfica rigorosa, produzindo-se um corte da realidade jurdica,

    ainda que momentneo, para fins de limitar a amplitude da matria