permanentemente temporário: dekasseguis brasileiros no japão · 2006-08-30 · r. bras. est....

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R. bras. Est. Pop., São Paulo, v. 23, n. 1, p. 61-85, jan./jun. 2006 Permanentemente temporário: dekasseguis brasileiros no Japão Kaizô Iwakami Beltrão * Sonoe Sugahara ** principalmente do norte do Japão, que no inverno procuravam trabalho mais ao sul. Hoje, no Japão, este termo é aplicado aos trabalhadores estrangeiros temporários que estão naquele país com o intuito de ganhar dinheiro (exclui os expatriados – trabalha- dores de firmas estrangeiras). No Brasil, a apropriação do termo ganhou contornos mais específicos, referindo-se aos brasi- leiros de origem nipônica e suas famílias Este texto apresenta os resultados de parte de um projeto empreendido pela ABD (Associação Brasileira de Dekasseguis) sobre os dekasseguis, particularmente a partir dos dados do questionário aplicado a esses migrantes brasileiros no Japão, em janeiro de 2004. Uma grande barreira à adaptação dos dekasseguis no Japão está relacionada à língua e aos costumes. A maior parte, embora apresente um fenótipo de nativo japonês e possua ancestrais japoneses razoavelmente próximos, não se comporta mais como japonês. Esta aparente contradição entre o ser e o parecer gera conflitos de adaptação dos migrantes e de aceitação pelos nativos. Este conflito de identidade já existia no Brasil, mas a ida ao Japão só reforça o sentimento de não pertinência a este país e, conseqüentemente, reforça a identidade brasileira, expressa pela grande proporção de indivíduos que declaram “saudades do Brasil” como o problema que enfrenta no Japão. A pesquisa apontou que a motivação da ida ao Japão está ligada principalmente a questões econômicas, o que explica também a maior proporção de homens que viajam sozinhos e os reiterados retornos no caso de insucesso no Brasil, principalmente para o pessoal de mais baixa escolaridade. A situação dos dekasseguis com reiteradas idas e vindas no eixo Brasil-Japão, migrações internas freqüentes, bem como mudanças de emprego e passagens por períodos de desemprego no Japão (ainda que possivelmente curtos), tipificam o movimento dekassegui. Palavras-chave: Dekassegui. Remessas internacionais. Migração laboral. Brasil. Japão. Introdução O termo dekassegui em japonês é formado por dois ideogramas (kanji), deru ( – sair) e kassegu ( – trabalhar para ganhar a vida), sendo aplicado a qualquer pessoa que deixa sua terra natal para trabalhar, temporariamente, em outra região. 1 Originalmente, este termo era aplicado aos trabalhadores sazonais, * Pesquisador do IBGE. ** Pesquisadora do IBGE. 1 Ver Makoto Hoshi (1969).

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R. bras. Est. Pop., São Paulo, v. 23, n. 1, p. 61-85, jan./jun. 2006

Permanentemente temporário:dekasseguis brasileiros no Japão

Kaizô Iwakami Beltrão*

Sonoe Sugahara**

principalmente do norte do Japão, que noinverno procuravam trabalho mais ao sul.Hoje, no Japão, este termo é aplicado aostrabalhadores estrangeiros temporários queestão naquele país com o intuito de ganhardinheiro (exclui os expatriados – trabalha-dores de firmas estrangeiras). No Brasil, aapropriação do termo ganhou contornosmais específicos, referindo-se aos brasi-leiros de origem nipônica e suas famílias

Este texto apresenta os resultados de parte de um projeto empreendidopela ABD (Associação Brasileira de Dekasseguis) sobre os dekasseguis,particularmente a partir dos dados do questionário aplicado a esses migrantesbrasileiros no Japão, em janeiro de 2004. Uma grande barreira à adaptação dosdekasseguis no Japão está relacionada à língua e aos costumes. A maior parte,embora apresente um fenótipo de nativo japonês e possua ancestrais japonesesrazoavelmente próximos, não se comporta mais como japonês. Esta aparentecontradição entre o ser e o parecer gera conflitos de adaptação dos migrantes ede aceitação pelos nativos. Este conflito de identidade já existia no Brasil, mas aida ao Japão só reforça o sentimento de não pertinência a este país e,conseqüentemente, reforça a identidade brasileira, expressa pela grandeproporção de indivíduos que declaram “saudades do Brasil” como o problemaque enfrenta no Japão. A pesquisa apontou que a motivação da ida ao Japão estáligada principalmente a questões econômicas, o que explica também a maiorproporção de homens que viajam sozinhos e os reiterados retornos no caso deinsucesso no Brasil, principalmente para o pessoal de mais baixa escolaridade.A situação dos dekasseguis com reiteradas idas e vindas no eixo Brasil-Japão,migrações internas freqüentes, bem como mudanças de emprego e passagenspor períodos de desemprego no Japão (ainda que possivelmente curtos),tipificam o movimento dekassegui.

Palavras-chave: Dekassegui. Remessas internacionais. Migração laboral. Brasil.Japão.

Introdução

O termo dekassegui em japonês éformado por dois ideogramas (kanji), deru( – sair) e kassegu ( – trabalhar paraganhar a vida), sendo aplicado a qualquerpessoa que deixa sua terra natal paratrabalhar, temporariamente, em outraregião.1 Originalmente, este termo eraaplicado aos trabalhadores sazonais,

* Pesquisador do IBGE.** Pesquisadora do IBGE.1 Ver Makoto Hoshi (1969).

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que emigram para o Japão em busca detrabalho – o chamado “fenômenodekassegui”. Este movimento começou nofinal da década de 80 e, oficialmente, teveinício em junho de 1990, com a mudançana legislação de imigração japonesa, queconcedeu aos descendentes de japonesesvisto temporário de longa estadia (o quepermite a atividade econômica no país).Constitui parte de um movimento migratórioque se intensificou a partir dos anos 80, coma crise econômica, e inclui outros destinosalém do Japão – Estados Unidos (750 milpessoas), Paraguai (350 mil) e Europa eoutras regiões em geral (705 mil)2 –, rom-pendo a tendência histórica de um país quesempre foi um grande receptor de imigran-tes de diferentes países.

O Brasil já havia recebido, entre o sé-culo XIX e começo do XX – portanto, antesde 1908, início da imigração japonesa –,cerca de 2 milhões de imigrantes italianos,além de portugueses e espanhóis. Nesteperíodo ocorreu uma maciça migração daEuropa e parte da Ásia para as Américas.Estima-se que, até 1941,3 período que Saito(1980) classifica como fase I, entraramquase 200 mil imigrantes japoneses e, entre1953 e 1962, que o autor classifica comofase II, 50 mil. Os imigrantes da fase I ca-racterizavam-se por serem de procedênciarural (pequenos proprietários ou proprie-tários arrendatários no Japão), direcio-nados aqui principalmente para a culturado café e que vinham com a intenção deretorno após o sucesso econômico. Osimigrantes da fase II, muitos deles dasantigas possessões e colônias japonesas(Taiwan, Coréia, Manchúria, etc.), chega-ram com o intuito de relocação permanentee foram dispersos em núcleos coloniais(Amazônia, Nordeste, Sul, São Paulo e

Paraná). Com o aumento da industriali-zação no Japão e o “milagre brasileiro”, afase III trouxe um novo tipo de migrantecaracterizado por capital-tecnologia-empresário, um contingente bem menosexpressivo e com permanência limitada nopaís.

A partir do final da década de 80, comojá mencionado, o fluxo de migrantes mudoude direção. Esta reversão na tendência his-tórica intensificou-se com a crise econômicabrasileira dos anos 80 e se tornou parte domovimento de globalização, com a incorpo-ração de fluxos internacionais de mão-de-obra aos crescentes fluxos de bens, serviçose capitais a nível mundial e, no caso do“fenômeno dekassegui”, obviamente frutoda posição do Japão entre as potênciasindustrializadas. Em princípio, couberamaos dekasseguis os trabalhos de baixaqualidade, rejeitados pelos japoneses e poreles denominados de “3K”: kitanai (sujo),kiken (perigoso) e kitsui (penoso). “Osbrasileiros incluem ainda outras duas ca-racterísticas [a este tipo de trabalho]:exigente [kibishii] e detestável [kirai]”(ROSSINI, 2004).

Sasaki (1998) classifica a migração dosdekasseguis brasileiros para o Japão emtrês períodos: pioneiro (meados da décadade 80); massificação (final dos anos 80 einício dos 90); e consolidação das redessociais (a partir de meados da década de90). A nossa pesquisa se insere então noterceiro período de Sasaki.

Em 2000, segundo dados do Ministérioda Justiça do Japão, aproximadamente 265mil brasileiros4 viviam no Japão, remetendoanualmente entre US$ 1,5 e US$ 2 bilhõespara o Brasil.5 Os brasileiros representam oterceiro maior contingente imigrante noJapão, atrás apenas dos chineses e dos

2 Brasileiros no exterior (2005).3 Ainda que o tratado de amizade Brasil-Japão tivesse sido assinado em 1895 e as representações diplomáticas instaladas doisanos depois, foi somente em 1907 que a Cia. Imperial de Migração e a Secretaria de Agricultura de São Paulo assinaram o contratopara o envio de 3 mil migrantes no período de três anos. O Kasato Maru partiu do porto de Kobe, em 28 de abril, levando os primeirosimigrantes japoneses ao Brasil: 158 famílias num total de 781 pessoas. Este navio chegou ao porto de Santos em 18 de junho.4 Ministério da Justiça do Japão (2001). Os dados do Censo japonês de 2000 indicam um valor inferior a 190 mil. Possivelmentea diferença esteja relacionada tanto com dekasseguis retornados para o Brasil que mantêm a possibilidade do retorno em aberto(ou não) quanto com possíveis óbitos. Como os dados do Ministério da Justiça são baseados em registros administrativos (combase na Lei de Registros de Estrangeiros) e coletados nas prefeituras no final do ano, existe com certeza o problema da duplacontagem. Sasaki (1998) trabalha com dados do Ministério da Justiça e apresenta a mesma diferença.5 O BID (2005) estima que, em 2005, sejam enviados US$ 2,2 bilhões para o Brasil pelos dekasseguis.

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coreanos. No Brasil, estes dekasseguis sãocontabilizados como o terceiro maior grupovivendo fora do país. As remessas per capitados dekasseguis são bem superiores às deoutros migrantes laborais. Como o trabalhono Japão é relativamente bem pago e naprática não há limites para o número dehoras trabalhadas, as remessas enviadasdo Japão para a América Latina constituem,hoje, os maiores valores individuais destetipo de fluxo monetário. Segundo pesquisado BID, divulgada em Okinawa (abril de2005), os dekasseguis enviaram, em média,US$ 600 por mês para as suas famílias,6

valor bem superior aos US$ 350 por anoenviados pelos imigrantes latinos dos EUApara seus parentes na América Latina.

Este texto apresenta os resultados departe de um projeto empreendido pela ABD(Associação Brasileira de Dekasseguis)sobre os dekasseguis brasileiros no Japão,particularmente a partir dos dados doquestionário aplicado a esses migrantesbrasileiros no Japão, em janeiro de 2004(denominado questionário B). O projetoincluiu também a aplicação de questio-nários a dois outros grupos: dekasseguisque haviam retornado ao Brasil (questio-nário C); e potenciais dekasseguis, ou seja,brasileiros que tinham planos no curto prazode irem trabalhar no Japão (questionárioA), além de um levantamento documental.7

No Japão, os questionários foram aplicadosa dekasseguis brasileiros que participaramdas caravanas de saúde promovidas porvoluntários ou que se dirigiram ao consu-lado do Brasil em Tóquio ou Nagoya duranteo mês de janeiro, totalizando 321 indivíduos,sendo 176 homens e 145 mulheres.

Os dados dos censos japonês e bra-sileiro de 2000 servem para dar umapanorâmica do total da população que esteestudo busca analisar. Apresenta-se, ainda,uma análise da população do questionárioB, além dos comentários finais.

A distribuição por sexo, grupo etário eescolaridade para os brasileiros “amarelos”que declararam residência no Japão em

1995, no Censo 2000, serviu como basepara uma pós-estratificação, em que sedefiniram as participações de cada indi-víduo na amostra colhida no Japão. Aamostra foi expandida para reproduzir adistribuição de sexo/idade/escolaridadecom uma defasagem de dez anos. Utilizou-se o pacote CSPRO para digitação dosdados dos questionários e tabulações. Osgráficos foram produzidos com o Excell.

A população de brasileiros no Japão

Os brasileiros que vivem no Japãoconstituíram, nos dois últimos censos (Ta-bela 1), o terceiro maior contingente de es-trangeiros, quase equivalentes em númeroaos chineses. Ao contrário das principaispopulações asiáticas residentes no Japão(Coréia, China, Filipinas e Tailândia), entreos imigrantes brasileiros, os homens sãoem maior número do que as mulheres, oque de alguma forma reflete o tipo de tra-balho e a distância ao país de origem(características compartilhadas com os pe-ruanos). A maior diferença dos dekasseguislatino-americanos com outros segmentos deestrangeiros no Japão tem a ver com aorigem: brasileiros e peruanos residentesno Japão são, usualmente, descendentesde japoneses (nikkeis , literalmente delinhagem japonesa) ou casados comdescendentes, condição necessária para ovisto de longa permanência que permite aatividade laboral. A distribuição etáriamostra que a população está concentradanas idades economicamente ativas: 75%dos dekasseguis têm entre 20 e 59 anos(Gráfico 1).

Esta população de brasileiros encontra-se, principalmente, na região central doJapão, como pode ser verificado na Tabela2, destacando-se as províncias vizinhas deShizuoka e Aichi. A região de Aichi abrigaum importante pólo industrial do Japão.

Quando se investiga a localização dosbrasileiros que estavam no Japão em 2000,cinco anos antes da data do censo

6 Valores coincidentes com os levantados nesta pesquisa.7 Ver <www.abd.net.org.br> para descrição do projeto na íntegra.

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GRÁFICO 1Distribuição dos brasileiros residentes no Japão, por sexo e grupos de idade,

segundo lugar de residência cinco anos antesJapão – 2000

Fonte: Japan Statistical Yearbook (2005).

TABELA 1Maiores contingentes de estrangeiros residentes no Japão, por sexo, segundo país de origem

1995-2000

Fonte: Japan Statistical Yearbook (2005).

TABELA 2Distribuição dos brasileiros no Japão, por sexo, segundo província de residência

2000-2004

Fonte: Japan Statistical Yearbook (2005); Associação Brasileira de Dekasseguis (2004).

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(migração de data fixa), percebe-se que amaioria não se encontrava no Japão e,portanto, sua permanência no país erainferior a cinco anos. Estes números indi-cam uma grande rotatividade entre osdekasseguis, já que o fluxo tem se mantidorazoavelmente estável. Entre os queestavam no Japão há mais de cinco anos,observa-se também uma grande mobilida-de: 13% dos homens e 14% das mulherespermaneceram no mesmo endereço; umaproporção um pouco maior (16,5%) mudoude endereço na mesma cidade; cerca de8,0% mudaram de cidade na mesma provín-cia; e 11,5% foram para outra província.

Quando se desagrega a informaçãosobre o local de residência8 cinco anosantes, por grupos etários, observa-se que omaior contingente dos que permaneceramno mesmo endereço corresponde à faixaetária de 30 a 40 anos, tanto entre os ho-mens como entre as mulheres, quando seconsidera o total da população (Gráfico 1).Analisando-se por faixa etária, observa-se

que o maior percentual daqueles quecontinuaram no mesmo endereço encontra-se no grupo entre 60 e 69 anos para os ho-mens e de 55 a 65 anos para as mulheres.O maior contingente dos que estavam hámenos de cinco anos no Japão correspondeao grupo etário entre 15 e 24 anos, parahomens e mulheres.

O Censo japonês informa também asituação no mercado de trabalho e educa-cional para os contingentes estrangeiros.As possibilidades são: trabalhou; trabalhoufora e em afazeres domésticos; trabalhou eestudou; estava em férias ou em licença;desempregado; trabalhou em afazeresdomésticos exclusivamente; estudou; e nãotrabalhou nem estudou. A maioria dehomens e mulheres declarou ter apenastrabalhado. Entre as mulheres, a proporçãodas que afirmaram ter apenas realizadotarefas domésticas é maior do que as quedeclararam ter simultaneamente trabalhadoe executado tarefas domésticas. Em todosos grupos etários, observa-se a presença

GRÁFICO 2Distribuição dos brasileiros residentes no Japão, por sexo e grupos de idade, segundo posição no mercado de

trabalhoJapão – 2000

Fonte: Japan Statistical Yearbook (2005).

8 Neste gráfico foram consideradas três categorias agregando-se as intermediárias dentro do Japão.

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de indivíduos que afirmaram não estudarnem trabalhar (Gráfico 2). É preocupanteque, tendo sido a busca por trabalho a maiormotivação para a ida ao Japão dos bra-sileiros, exista uma fração, ainda que resi-dual, de desempregados.

As taxas de atividade (considerando ascinco primeiras categorias listadas peloCenso japonês) apresentam a forma es-perada: unimodal e com valores altos erazoavelmente constantes na faixa de 25 a60 anos para os homens; e bimodal e comvalores mais baixos para as mulheres. Valea pena notar o valor discrepante para ogrupo etário acima de 85 anos. Os estu-dantes se concentram particularmente nasidades inferiores a 20 anos, mas é estranhoo fato de jovens terem declarado nãoestudar nem trabalhar. A mídia japonesalevanta freqüentemente o problema dedelinqüência juvenil entre os brasileiros noJapão, o que muito provavelmente estáligado a estes indivíduos mais jovens quenão trabalham e não conseguiram (ou nãoquiseram) se inserir no sistema educacio-nal japonês. As escolas brasileiras noJapão são comparativamente mais caras,mas é a única saída para aqueles que

chegaram ao Japão com idade superior àde alfabetização e sem o conhecimento doidioma falado/escrito japonês. Como váriasdas famílias de brasileiros consideramtransitória a sua situação no Japão, não seesforçam para inserir os filhos no sistemaescolar.

Ao se comparar o tipo de inserção nomercado de trabalho por ramo de atividadedos brasileiros residentes no Japão com osestrangeiros em geral, verifica-se umagrande concentração de brasileiros na pro-dução (90% dos homens brasileiros contra50% do total de estrangeiros). A exceçãoentre os estrangeiros é a população denorte-americanos, que apresentam maiorconcentração em ocupação técnica e espe-cial (tanto entre os homens quanto entre asmulheres). Os outros asiáticos, como oschineses e coreanos, estão representadosem serviços e vendas mais fortemente doque os brasileiros e peruanos. Entre asmulheres Filipinas, a maior proporção estáem serviços e, para as coreanas, emserviços e escritórios (Gráfico 3).

Quando se analisa a razão de sexo dostrabalhadores estrangeiros no Japão,observa-se grande presença masculina em

GRÁFICO 3Distribuição dos trabalhadores estrangeiros no Japão, por ramo de atividade, segundo país de origem e sexo

Japão – 2000

Fonte: Japan Statistical Yearbook (2005).

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transportes e comunicações, seguidos porserviços de limpeza, para todos os países.No caso dos norte-americanos, a maiorpresença de homens ocorre em todos osramos de atividade listados no Gráfico 3.No caso dos brasileiros, a presença mascu-lina só não é maior em serviços e escritório.

A maioria dos brasileiros vivia em domi-cílios formados por casal com filhos: 84.598pessoas em 24.757 domicílios, perfazendouma média de 3,4 membros por moradia.Era grande também o número de pessoasvivendo sozinhas (cerca de 40.000). Os do-micílios com apenas o casal totalizavam15.359. Havia 7.150 domicílios não-nuclea-res, com 24.390 moradores, e também 1.042de não-parentes, com 2.147 indivíduos.

Considerando-se o tipo de moradia deestrangeiros no Japão, observa-se que amaioria das famílias brasileiras e de outrasnacionalidades reside em domicílios aluga-dos por particulares (Tabela 3). A proporçãodas famílias brasileiras que vivem emresidência própria é irrisória, contrastandocom a situação das outras estrangeiras.Cerca de 18% das famílias brasileiras resi-dem em moradias alugadas pelo empre-gador, o que corresponde a uma proporçãotrês vezes maior do que a encontrada paraos estrangeiros em geral (7%). As famíliasbrasileiras em moradias alugadas pelogoverno local correspondiam a 8% (com umtamanho médio de 3,22 membros) contra7% dos estrangeiros em geral. As famíliasbrasileiras em domicílios alugados porempresas representavam cerca de 4%,contra 3% para as estrangeiras. Os per-

centuais correspondentes para famíliasmorando em quartos eram de, respectiva-mente, 7% e 5%.

Considerando-se a área útil residencialpor família de estrangeiros no Japão,segundo tipo de moradia, verifica-se que,entre os brasileiros, as famílias residentesem moradia própria desfrutam de maiorárea, seguidas por aquelas em domicíliosalugados pelo governo local. Este padrãoé semelhante entre as famílias dos demaisestrangeiros.

A população de descendentes dejaponeses no Brasil

No Censo brasileiro de 2000, cerca de20 mil brasileiros, residentes em 31 de julhono Brasil, declararam ter estado no Japãocinco anos antes, isto é, em 1995. É evidenteque não se pode supor que fossem todosdekasseguis retornados, mas, na ausênciade informações mais específicas, utilizou-se esse dado, bem como sua distribuiçãoetária e de escolaridade, como guia paradesenhar as quotas da pesquisa. A popu-lação que declarou ser o Japão a origemdo último movimento migratório nos últimosdez anos é um pouco maior (Gráfico 4).Nota-se a semelhança no tocante à poucapresença de crianças e adolescentes, comona população de brasileiros no Japão(Gráfico 1).

Outra variável levantada e que se con-siderou de antemão ter um impacto no com-portamento dos migrantes refere-se à esco-laridade. O Gráfico 5 mostra a distribuição

TABELA 3Distribuição das famílias imigrantes, tamanho médio e área média por família, segundo tipo de moradia

Japão – 2000

Fonte: Japan Statistical Yearbook (2005).

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9 Refere-se aos residentes no Brasil em 2000 que declararam estar residindo no Japão cinco anos antes com este termo, “migrantes”.

GRÁFICO 4População residente no Brasil cujo último movimento migratório teve como origem o Japão e aconteceu nos últimos

dez anos, por sexo e grupos de idadeBrasil – 2000

GRÁFICO 5Distribuição da população residente que estava no Japão em 1995,

por sexo e grupos de idade, segundo anos de estudoBrasil – 2000

Fonte: IBGE (2003).

Fonte: IBGE (2003).

da população migrante9 por grupo etário,sexo e nível de ensino. Ao se comparar estegráfico com o Gráfico 6, que mostra estadistribuição para o total da populaçãoamarela, notam-se diferenças marcantes:por um lado os migrantes possuem escola-

ridade tipicamente menor para as idadesmais jovens e, por outro, apresentam pro-porcionalmente menos indivíduos nosescalões educacionais mais baixos nosgrupos etários em idade ativa e mesmo deidosos.

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Um breve perfil dos trabalhadoresentrevistados

Nesta seção serão analisados os dadosobtidos a partir do questionário aplicado noJapão em janeiro de 2004, conforme men-cionado na introdução, seguindo o mesmoprocedimento adotado no questionário:características pessoais; a vida no Japão;e capacitação.

Características pessoais

Dado o caráter laboral da migração, amaior parte dos dekasseguis entrevistadosconcentra-se no grupo de idade entre 20 e44 anos: 78,7% dos homens e 76,6% dasmulheres. A faixa etária modal é a de 25 a29 anos. Acima dos 55 anos de idade têm-se apenas 5,8% dos homens e 6,7% dasmulheres. Este perfil é consistente com olevantado pelo Censo japonês de 2000(JAPAN..., 2005) e com levantamentos depopulações similares, como o caso demigrantes internacionais de Maringá10

(FUSCO, HIRANO e PERES, 2002).

A maioria é casada (67,5% dos homense 63,1% das mulheres), ainda que nemtodos tenham ido ao Japão com o seucônjuge. O segundo maior contingente éformado pelos solteiros: 20,4% dos homense 19,3% das mulheres. Em torno de 5% deambos os sexos declaram que vivem junto(união consensual). Divorciados constituem5,0% dos homens e 9,1% das mulheres eviúvos, respectivamente, 0,8% e 3,7%.

A proporção de homens e de mulheresque foram acompanhados ao Japão – comesposo(a)/companheiro(a), com esposo(a)e filhos, com os pais, irmãos, amigos eoutros – corresponde a, respectivamente,55,9% e 78,8%. Entre os homens, a moda édos que viajaram sozinhos (43,7%), en-quanto para mulheres é das que foram comesposo/companheiro (24,3%). Em linhasgerais, pode-se afirmar que as mulheresviajam em maior número com um suporte/estrutura familiar, ao passo que os homenstêm maior tendência à migração individual.

Entre os homens casados, 43,2% via-jaram acompanhados de esposas e filhose 38,2% foram sozinhos. Para as mulheres

10 As populações não são comparáveis stricto sensu, pois esse artigo utiliza a informação dos migrantes levantada diretamente noJapão e o texto mencionado coleta a informação de famílias com migrantes, o que de saída elimina a possibilidade de incluir dadosde famílias que migram na sua totalidade e que ainda se encontram no Japão.

GRÁFICO 6Distribuição da população amarela, por sexo e grupos de idade, segundo anos de estudo

Brasil – 2000

Fonte: IBGE (2003).

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casadas, 63% viajaram acompanhadas deesposos e filhos e apenas 19% foram sozi-nhas. Entre solteiros, 61,3% dos homensviajaram sozinhos e 32,6% com os pais ouirmãos, enquanto para as mulheres essesvalores correspondem a 22,6% e 77,4%,respectivamente.

É interessante observar que, entre oshomens, a proporção dos que viajaramacompanhados dos cônjuges e filhos émaior para aqueles cujo cônjuge é nikkei(47,3%) do que entre aqueles com esposanão-nikkei (33,3%). Já para as mulheresocorre o contrário: das que viajaramacompanhadas dos cônjuges e filhos,80,7% têm cônjuge não-nikkei, contra 58,4%daquelas com cônjuge nikkei.

Quando considerada a escolaridade,verifica-se que a maioria tem ensino fun-damental/médio. Juntos, constituem 82,9%dos homens e 83,8% das mulheres, valoressemelhantes aos apontados por Fusco,Hirano e Peres (2002) para os dekasseguisde Maringá (83,5%). Nesta população, nãohouve a ocorrência de pessoas comMestrado/Doutorado. É importante notarque esta situação contrasta com a dosdescendentes de japoneses no Brasil, queapresentam escolaridade bem mais alta doque a média populacional (Gráficos 5 e 6.Para uma discussão comparando com ou-tros grupos de cor/raça, ver Beltrão, 2005).

Em termos de descendência, a maioriaé descendente de japoneses por parte depai e mãe (53% dos homens e 51% dasmulheres) ou por parte de só um deles (29%e 28%, respectivamente, para os dois se-xos). Os remanescentes, 18% dos homense 21% das mulheres, são não descen-dentes de japoneses e seriam casados comdescendentes, o que permitiria a ida aoJapão.

Quase todos têm descendência ja-ponesa relativamente próxima. Entre os queapresentam descendência japonesa eresponderam ao quesito, 52,8% doshomens e 51,1% das mulheres são ja-poneses ou têm pais japoneses; 45,1% doshomens e 47,9% das mulheres têm ageração mais próxima como sendo a dosavós. Esses números são, porém, inferioresaos encontrados para a população de

dekasseguis já retornados ao Brasil (ques-tionário C), possivelmente por constituíremuma leva anterior e, em média, pelo menosdez anos mais velha. Nesta mesma linha,Sasaki (1998) descreve os dekasseguis daprimeira leva nos anos 80 como: “dasprimeiras gerações (issei, nissei), (...) idademédia avançada, (...) sabia falar japonês”.Quando se considera o cônjuge, 66,9% doshomens e 77,2% das mulheres possuíamcônjuge nikkei. Parece que existe entre osmigrantes uma maior proporção de homenscasados com não-nikkeis.

A atividade modal dos entrevistados dosexo masculino antes da ida ao Japão eraa de operário (22,9%), seguida pela deestudante de nível médio (17,5%), balco-nista/comerciário (10,8%) e profissionalliberal (10,8%). Entre as mulheres, cerca de12% declararam ter sido donas de casa,13% trabalharam em escritórios, mas amaior parte afirmou ter sido estudante denível médio/fundamental (26%). No Japãoa esmagadora maioria trabalhava comooperário, seja no chão de fábrica (74,5%dos homens e 61,6% das mulheres), sejaem outro tipo (respectivamente 9,6% e 6,5%).Entre as mulheres, quase 10% trabalhavamem indústria de comida, 6,6% declararamser donas de casa e 4,1% estavamdesempregadas. Apenas 1,7% dos homensafirmaram estar desempregados.

A Tabela 4 mostra o conhecimento dalíngua japonesa. A proporção daqueles comdomínio do idioma japonês é relativamentepequena: apenas 20,8% dos homens e14,4% das mulheres declararam falar bemo japonês. Porém, quando se inclui o grupodos que afirmaram falar de forma regular,tem-se metade dos homens (52%) e dasmulheres (50,9%). A proporção de pessoasque declararam entender bem o japonês éum pouco maior (23,7% dos homens e17,3% das mulheres). Se for consideradotambém o grupo daqueles com umentendimento regular da língua, chega-sea 58,7% dos homens e 57,0% das mulheres.Em termos de leitura, a proporção dos quedeclararam ler bem é bastante menor: 4,1%dos homens e 6,1% das mulheres. Mesmoincluindo aqueles que afirmaram ler deforma regular, tem-se um total de 21,2% dos

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homens e 23,7% das mulheres. Obviamentea linguagem escrita é uma grande barreirapara integração numa sociedade e deveimpedir também a aquisição de capitalcultural pelas vias usuais, ou seja, por meiode cursos específicos, manuais de instruçãoou leitura de material didático japonês. Emtermos de escrita, a proporção dos quedeclararam escrever bem é ainda menor:3,3% dos homens e 5,3% das mulheres, que,somados àqueles que escrevem de formaregular, correspondem a apenas 18,7% doshomens e 20,0% das mulheres. Para estasinformações sobre leitura e escrita, as mu-

lheres apresentam situação ligeiramentemelhor do que os homens.

Foi criada uma variável sintética (“co-nhecimento de japonês”) para descrever osdiferentes graus de conhecimento da lin-guagem falada, lida e escrita. Nesta variávelforam definidas cinco categorias que com-binam as informações referentes a falar,entender, ler e escrever: nenhum, pouco,regular, alto e muito alto conhecimento dalíngua japonesa.

Esperava-se que pessoas com maiorescolaridade estivessem mais bem prepa-radas para lidar com a língua japonesa. O

TABELA 4Distribuição dos dekasseguis brasileiros na amostra do Japão, por conhecimento da língua japonesa e sexo

2004

Fonte: Associação Brasileira de Dekasseguis (2004).

GRÁFICO 7Distribuição dos dekasseguis brasileiros na amostra do Japão, por condição de conhecimento da língua japonesa,

segundo geração do respondente2004

Fonte: Associação Brasileira de Dekasseguis (2004).

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mesmo deveria ocorrer para aquelas comancestrais japoneses vindos do Japão numpassado mais recente. Os Gráficos 7 e 8confirmam estas asserções. Vale a penanotar que no gráfico por geração, as catego-rias “não respondeu” e “não descenden-te” apresentaram um nível de conhecimen-to da língua em média um pouco inferior aodos dekasseguis de segunda geração(sanseis). Fusco, Hirano e Peres (2002)apontam para uma proporção de 30% demigrantes com níveis “excelente” ou “bom”de domínio do idioma do país de destinoentre os migrantes de Maringá, comparávelaos nossos níveis muito alto e alto, queagregam 31% dos migrantes.

A vida no Japão

Um pouco mais que a metade (53,4%dos homens e 62,4% das mulheres) dosdekasseguis da amostra nunca tinham idoanteriormente ao Japão. A distribuição denúmero de idas anteriores (de uma a cinco)foi, respectivamente, de 13%, 19%, 6%, 2%e 2% (Gráfico 9, na linha correspondente

ao total). Parece que a migração para oJapão foi maior no passado entre os ho-mens e agora está sendo realizada tambémpor mulheres, conforme pode ser verificadopor uma comparação com os dados dosdekasseguis retornados ao Brasil (ver dadosdo Questionário C, em Associação Bra-sileira de Dekasseguis, 2004).

Entre as mulheres, é bem marcada adiferenciação por escolaridade: aquelascom menor nível de estudo aparentementeretornam mais vezes ao Japão. Para oshomens, aqueles sem instrução (menos dequatro anos de estudo) não se conformama este padrão (Gráfico 9). É interessantenotar que a quantidade de dekasseguis quejá haviam ido outras duas vezes é superioraos que foram 1 ou 3 vezes. Considerandoque o processo começou oficialmente noinício da década de 90, a existência depessoas com até cinco estadias anterioresnestes 14 anos é sintomático: o processose caracteriza por uma reincidência.

Uma permanência longa anterior noJapão não é muito freqüente: apenas 10%dos imigrantes permaneceram por mais de

GRÁFICO 8Distribuição dos dekasseguis brasileiros na amostra do Japão, por condição de conhecimento da língua japonesa,

segundo nível de escolaridade2004

Fonte: Associação Brasileira de Dekasseguis (2004).

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dez anos, como mostra a Tabela 5, sendoque a maioria (76%) ficou até cinco anos.Entre os homens, 50% permanecerammenos de dois anos e 52% das mulheres,menos de um ano. Assim, como no casodas permanências anteriores, uma estadiaatual longa no Japão não é muito freqüente,embora períodos maiores sejam maisusualmente observados do que no caso dasestadias anteriores: 15,2% dos homens e22,3% das mulheres permaneceram alémde dez anos. Isto pode tanto indicar uma

mudança temporal no comportamento (osnovos migrantes ficam mais tempo) comouma não-uniformidade no comportamentodos dekasseguis com a dicotomia “mover/stayer”: alguns teriam mais idas e vindasentre Brasil e Japão com curtos períodosde permanência naquele país, enquantooutros, com menor probabilidade de migrar,ficariam por mais tempo. O período depermanência atual da maioria é de até cincoanos: 60,5% dos homens e 48,5% dasmulheres. Aqueles que estão há menos de

GRÁFICO 9Distribuição acumulada do número de vezes que os dekasseguis brasileiros na amostra do Japão já foram ao Japão,

por sexo e nível de escolaridade2004

Fonte: Associação Brasileira de Dekasseguis (2004).

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dois anos no Japão representam 19,8% doshomens e 14,4% das mulheres. Estainformação é consistente com os dados doCenso japonês sobre a migração recentedos estrangeiros no Japão.

Cerca da metade dos entrevistados nãorespondeu à pergunta sobre o motivo pararetornarem ao Japão, devido, em parte, aofato de terem ido somente uma vez. Entreos que responderam, as respostas maiscitadas foram: poupar e insatisfação com arenda, para os homens, e desemprego,acompanhar a família e problemas no Brasil,para as mulheres. A segunda respostaapresentou situação financeira ruim no

Brasil como a opção mais freqüente, tantoentre os homens como entre as mulheres.

Um pouco mais da metade dosentrevistados não soube declarar quantotempo pretendia ainda ficar no Japão, tantoentre os homens (55,5%) como entre asmulheres (53,5%). Esta informação indicao aspecto temporário desta migração, queprioriza uma meta econômica. O valor modalcorresponde a mais de dois anos, para oshomens, e menos de um ano, para asmulheres (Gráfico 10), porém, os valoressão razoavelmente bem distribuídos entreas opções oferecidas. Aqueles quedeclararam pretender se radicar no Japão

TABELA 5Distribuição dos dekasseguis brasileiros na amostra do Japão, por sexo, segundo tempo de permanência (anterior e

atual) no Japão2004

Fonte: Associação Brasileira de Dekasseguis (2004).

GRÁFICO 10Distribuição acumulada do tempo que os dekasseguis brasileiros na amostra do Japão pretendem ficar no Japão,

entre os que declararam algum tempo, por sexo2004

Fonte: Associação Brasileira de Dekasseguis (2004).

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representavam 5,8% dos homens e 6,8%das mulheres.

Quando se analisam as intenções, veri-fica-se que a maioria não pretende se fixarno Japão: 89,2% dos homens e 85,7% dasmulheres. Esta situação é bem semelhante(e simétrica) à dos migrantes japoneses ori-ginais, da primeira leva (a fase I de Sato)quando da sua vinda para o Brasil: a maiorparte considerava temporária sua estadiano Brasil e pretendia voltar ao Japão numfuturo próximo.

A maioria tem intenção de regressar aoBrasil e abrir negócio próprio, tanto entreas mulheres como entre os homens (Tabela6). Em segundo lugar nas escolhas (consi-derando-se múltiplas respostas) foi regres-sar ao Brasil com a poupança conseguidae viver de rendas/trabalho. A maior partedeclarou não ter intenção de retornar aoJapão, mesmo que os negócios não dêemcerto ou ocorram insucessos no Brasil.

Quanto à forma de obtenção de traba-lho, a alternativa mais assinalada foi aquelacorrespondente a agências de turismo/

agenciadoras/empreiteiras (44,5% doshomens e 46,4% das mulheres), seguidapor amigos/parentes (41,7% e 46,2%),convite de empresa (8,4% e 3%) e jornais(2,5% para ambos os sexos). Estes resul-tados são os mesmos encontrados para opessoal que retornou (questionário C) epara aquele que ainda pretende viajar(questionário A). Os dados relativos aagências foram substancialmente menoresdo que os 70% apontados por Fusco,Hirano e Peres (2002) para Maringá.

A proporção de pessoas que já esti-veram ou se encontram desempregadas noJapão não é pequena: 28,2% dos homense 30,7% das mulheres, além de ser preo-cupante, uma vez que foram para o Japãoexatamente com o objetivo de trabalhar.Este valor é maior do que o declarado pelopessoal que retornou (questionário C), refle-tindo mudanças na economia japonesa.Entretanto, a proporção dos que declararamestar desempregados, segundo o Censojaponês, foi bem menor, como já mencio-nado: 2,8% entre os homens e 3,8% entre

TABELA 6Dekasseguis brasileiros na amostra do Japão, por sexo, segundo declaração das intenções

2004

Fonte: Associação Brasileira de Dekasseguis (2004).

TABELA 7Distribuição dos dekasseguis brasileiros na amostra do Japão, por sexo, segundo condição de Seguridade Social

2004

Fonte: Associação Brasileira de Dekasseguis (2004).

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as mulheres. Estes números apontam parauma rotatividade, característica da situaçãode precariedade nas relações de trabalho.

Com respeito à Seguridade Social, ascoberturas de Previdência Oficial, Previdên-cia Privada e Seguro de Acidentes não sãomuito abrangentes. Já as coberturas parasaúde, tanto a nível individual como para afamília, são mais freqüentes (Tabela 7). Éimpressionante que a proporção de traba-lhadores no Japão com cobertura previden-ciária local seja tão pequena, reforçandomais uma vez a idéia da precariedade dasrelações de trabalho e a intenção de transi-toriedade no país.

A maioria dos imigrantes mora emimóveis alugados por particulares (57,8%),seguidos por aqueles que residem em domi-cílios alugados por empreiteiras (32%). Imó-veis próprios constituem percentuais seme-lhantes (4,9%) ao daqueles alugados porempresas (4,6%). Estes números são bemsimilares aos apresentados pelo Censojaponês (o item “A população de brasileirosno Japão”).

Quanto ao custo da passagem de idapara o Japão, 63,4% dos homens e 67,3%das mulheres, assinalaram a alternativa decusto “próprio/família”. A opção de custeiopor “empreiteiras/agenciadoras” foi pre-dominante entre os que já retornaram doJapão (questionário C), que representamuma leva anterior. Este fato indica mudan-ças nas relações de trabalho. Entre osdekasseguis entrevistados no Japão, estaopção ocorreu para, respectivamente, 34,6%e 29,3% de homens e mulheres.

Quanto ao visto de entrada no Japão, amaioria possuía visto de permanência tem-

porária (Tabela 8). Neste caso, entre opessoal que já retornou do Japão (questio-nário C), a predominância era de visto deturista, mostrando uma mudança na formade entrada, sem subterfúgios. Na data dapesquisa, a maioria tinha visto de perma-nência temporária, mas em geral houveaumento da formalização, verificando-se,simultaneamente, crescimento da propor-ção de pessoas com permanência perma-nente e temporária e diminuição para aque-las com visto de turista.

Quanto ao objetivo da ida ao Japão, osentrevistados tinham acesso a uma lista derazões com a possibilidade de concordarou discordar de cada uma delas (Tabela 9).Semelhante ao ocorrido entre os japonesesquando da sua migração para o Brasil, háquase 100 anos, poucos declararam aintenção de se fixarem na terra estrangeira:1,7% dos homens e 4% das mulheres. Asopções mais mencionadas sobre o motivoda ida ao Japão foram melhoria de vida epoupar para abrir negócios no Brasil. Arazão econômica é apontada na literaturacomo a motivação primeira, mas a com-paração não pode ser realizada pelo nívelde desagregação adotado nesta pesquisa.

Poucos respondentes (5,4% dos ho-mens e 9,1% das mulheres) não encontra-ram entre as opções oferecidas os objetivosda sua ida. Para os homens, a “curiosi-dade” e “pagar o estudo próprio e de filhos”foram os motivos (fora da lista disponibi-lizada) mais freqüentemente alegados(1,3% para os dois). Cumpre notar que aprimeira opção poderia ser encaixada naalternativa “conhecer o Japão” e, a segun-da, em “conseguir recursos para pagar os

Fonte: Associação Brasileira de Dekasseguis (2004).

TABELA 8Distribuição dos dekasseguis brasileiros na amostra do Japão, por sexo, segundo tipo de visto na entrada e na data

da entrevista2004

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estudos”. Entre as mulheres, comprar imó-veis foi o grupo modal de longe, com 6,6%das respondentes, contra 0,4% para oshomens. “Conseguir capital de giro” e“situação precária no Brasil” foram razõesalegadas somente por homens. Para ocontingente masculino aparece também(0,4%) uma razão que poderia ser classi-ficada de “atrativa” (por oposição às opções“expulsoras”): “gosta da infra-estrutura queo Japão oferece”.

Um pouco menos de 2/3 dos entrevis-tados declararam que seus objetivosestavam sendo alcançados, enquanto paracerca de 1/3 isso ainda não havia acon-tecido. Uma minoria, entre as mulheres, nãorespondeu ou se mostrou altamente des-crente quanto à possibilidade de alcançaros objetivos. A proporção dos que se mos-traram desalentados com a situação foi ínfi-ma e concentrada no segmento feminino.

Cerca de 2/3 dos dekasseguis decla-raram não ter filhos no Japão. Entre os quetinham filhos na escola, em torno de 22%afirmaram que os filhos tiveram problemasna escola.

A maioria declarou que a família seadaptou à vida no Japão (84% dos homense 79% das mulheres). A proporção depessoas que afirmaram categoricamentecomo não tendo se adaptado foi bem pe-quena e ligeiramente superior entre asmulheres (3% contra os 1% dos homens).Aqueles que declararam uma posição

intermediária (mais ou menos) representa-vam 13% dos homens e 17% das mulheres.

Saudades do Brasil, desconhecimentoda língua, discriminação e excesso detrabalho apareceram, nesta ordem, comoas maiores dificuldades enfrentadas noJapão (Tabela 10). As três primeiras indicamuma não-adaptação ao novo país con-jugada a uma nostalgia do antigo, o queaparentemente contradiz a declaração deadaptação das famílias à vida no Japão. Aterceira dificuldade, em princípio, é auto-imposta, pois com o objetivo de juntardinheiro, o excesso de trabalho é umanecessidade. É interessante que a rebeldiados filhos tenha apresentado umaproporção tão pequena de escolhas, dadoque a mídia escrita e falada tem colocadoeste problema da delinqüência juvenil entredekasseguis no Japão com muita ênfase.Este resultado é, porém, consistente com ofato de 2/3 dos entrevistados declararemnão ter filhos no Japão.

Desagregando-se a informação dasdificuldades enfrentadas seja por conhe-cimento da língua, seja por escolaridade,verifica-se uma não-uniformidade da situ-ação, com maior incidência de problemasentre os grupos com menos escolaridadee/ou menor conhecimento da língua.

A maioria declarou que utiliza o telefonecomo forma de receber notícia de parentese amigos do Brasil (77% de homens emulheres). Cartas correspondem a cerca de

TABELA 9Dekasseguis brasileiros na amostra do Japão, por sexo, segundo objetivos para a ida ao Japão

2004

Fonte Associação Brasileira de Dekasseguis (2004).

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18% na primeira resposta. Os diferentestipos de e-mails, principalmente o de casa,foram a resposta mais freqüente entre assegundas opções. Somente 0,5% declarouque não se comunica.

Cerca de metade dos entrevistadosacompanha as notícias do Brasil através derádio/TV (51,7% dos homens e 44,1% dasmulheres). Parentes e amigos são umasegunda fonte em importância, correspon-dente a um pouco mais de ¼ das entrevistas.A Internet aparece como terceira opçãoentre os homens (10,4%), enquanto jornaise revistas surgem na mesma colocaçãoentre as mulheres (8,3%). Uma proporçãomaior de mulheres declarou não acom-panhar notícias do Brasil (7,1%, contra 3,5%para os homens).

A Tabela 11 apresenta a freqüência doscontatos, fora do trabalho, dos dekasseguiscom diferentes grupos. Cerca de 30% a 40%dos entrevistados declararam ter contatodiário com brasileiros fora do trabalho. Noquestionário C esta proporção foi de 2/3,indicando uma comunidade mais endó-gena. Pelo menos 25% dos entrevistadosafirmaram não ter contato nenhum combrasileiros fora do trabalho, o que mostramaior isolamento ou melhor adaptaçãodesses migrantes. A rede de apoio, quandoexiste, não é composta de compatriotas.Mais da metade dos que responderam

declarou que o contato com outros estran-geiros foi nenhum ou raro. A esmagadoramaioria não parece ter contato com osparentes japoneses nativos, seja por terperdido a comunicação antes mesmo daida ao Japão, seja por distâncias internasdo país, seja por não poder se expressaradequadamente em japonês, seja porvergonha da sua situação de trabalhadores3K. Esta proporção é menor no questio-nário C.

O contato com japoneses não-parentesé maior do que com aqueles que sãoparentes, cerca de ¼ das mulheres e 1/5de homens declaram contatos diários. Estaproporção é inferior àquela encontrada noquestionário C, mostrando maior dis-tanciamento do dekasseguis em relaçãoaos nativos. Uma grande maioria declarounão ter contato com colegas de atividadesesportivas, principalmente por não praticá-las. Esta proporção é substancialmentemaior entre as mulheres. Uma forma desocialização fácil é através do esporte, eesse não parece ser um caminho trilhadopelos dekasseguis. Note-se que a pro-porção daqueles que afirmaram não ternenhum contato entre os dekasseguisatuais é maior do que a observada para osrespondentes do questionário C. Da mesmaforma, a religião não aparece como umcanal de socialização da comunidade

TABELA 10Dekasseguis brasileiros na amostra do Japão, por sexo, segundo dificuldades enfrentadas no Japão

2004

Fonte: Associação Brasileira de Dekasseguis (2004).

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dekassegui. Mais de metade declarou nãoter nenhum contato com membro de gruposreligiosos. Mais uma vez, a proporção denenhum contato entre os dekasseguis atu-ais é superior à dos respondentes doquestionário C.

Parece que quase toda a socializaçãodos dekasseguis é feita através de relaçõesno trabalho. Reforçando a idéia daendogenia laboral, a maioria declarou tercontato diário com os colegas de trabalhobrasileiros (fora do trabalho). A grandesocialização parece ocorrer por meio dotrabalho e entre os próprios brasileiros enuma menor escala com colegas japoneses.Homens declararam maior contato comcolegas de trabalho do que mulheres. Éestranho que os contatos com vizinhossejam tão esparsos e isso tanto entre oshomens quanto para as mulheres, já que

elas seriam as grandes socializadoras nosdomicílios – mais de 57% não possuem, outêm raramente, contato com os vizinhos

Considerando que nem todos osmigrantes fizeram o movimento migratóriocom a família, a declaração de que mais de60% têm contato diário com a família éreconfortante, implicando a existência deuma rede de suporte familiar. Tendo emvista que, para todos os outros contatos, aproporção da resposta “nenhum” é maiorentre os dekasseguis no Japão do queentre os retornados (questionário C), aimpressão é de que os migrantes recentesestão mais fechados no grupo familiar.

A Tabela 12 apresenta a freqüência dosdekasseguis a diversos tipos de locais eeventos, o que retrataria parte da suasociabilidade. Reforçando os quesitos decontatos com os diversos grupos, verifica-

TABELA 11Distribuição dos dekasseguis brasileiros na amostra do Japão, por sexo e freqüência do contato no Japão, fora do

trabalho, com os diferentes grupos 2004

Fonte: Associação Brasileira de Dekasseguis (2004).

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se que a maioria dos entrevistados não fre-qüentou nem grupos religiosos, nem associ-ações esportivas, nem associações ligadasao trabalho. A impressão é de que o contatocom os colegas de trabalho é totalmenteinformalizado, nunca canalizado através dealguma instituição.

Quanto à área de lazer/cultura, a indi-cação é que os dekasseguis pouco usu-fruem as oportunidades culturais oferecidas.É alarmante que mais de 3/4 nunca tenhamido a um museu no Japão e mais de 2/3nunca foram a um teatro/cinema. É preocu-pante também que uma proporção aindamaior não teve nenhuma preocupação emaumentar o seu capital de conhecimento –não freqüentaram curso de japonês (aindaque uma grande parte declare ser a línguaum problema) e tampouco fizeram um cursoprofissionalizante.

Cerca de metade dos entrevistados(54,2% dos homens e 45,2% das mulheres)declarou que o treinamento recebido naempresa desenvolveu habilidades válidasno Brasil.11 Entre os que afirmaram teraprendido algo, “métodos de trabalho” foia resposta mais freqüente entre os homens(30,1%), seguida de “organização, quali-dade” (13,7%). Entre as mulheres, a ordemdestes dois quesitos é invertida, mas sendoainda os dois mais importantes (respectiva-mente, 17,3% e 14,4%). Algumas outrasopções apareceram com freqüência acimade 1%: entre as mulheres, “escrita e fala”(3,8%) e “área de alimentação” (3,5%); e,

para os homens, “cursos técnicos” (3,0%).O questionário indagava sobre habilidadesdesenvolvidas e alguns entrevistados (2,7%dos homens e 1,5% das mulheres) assina-laram mais de uma resposta. Como segundaopção, “métodos de trabalho” foi a maisescolhida (respectivamente 1,8% e 1,5%).

Em princípio, homens trabalham maishoras do que mulheres. O período modalpara ambos os sexos, coincidente com omediano, é de 60 horas semanais trabalha-das, 50% a mais do que preconiza a legis-lação brasileira. As mulheres apresentamum outro máximo local para 48 horas sema-nais. A média é de 63,8 horas trabalhadas,entre os homens, e 57,3, para as mulheres.

A maioria (62,2% dos homens e 72,3%das mulheres) não declarou o objetivofinanceiro a ser alcançado. Entre os quemencionaram, os dois valores com maiorfreqüência foram 50 e 100 mil dólares, paraambos os sexos.

Entretanto, 66,6% dos homens e 58,3%das mulheres afirmaram fazer remessasregulares para o Brasil, indicando possi-velmente não a constituição de um patri-mônio (que poderia ser feito no Japão), masgastos correntes (neste quesito apenas0,4% dos homens não responderam).

O valor médio dessas remessas é maiorentre as mulheres: US$ 2.300,00 contraUS$ 1.260,00 dos homens (ver Gráfico 11com a distribuição das remessas decla-radas, em escala logarítmica), mas o valormediano é menor para as mulheres, que

TABELA 12Distribuição dos dekasseguis brasileiros na amostra do Japão, por sexo e condição de freqüência a locais no Japão

2004

Fonte: Associação Brasileira de Dekasseguis (2004).

11 Esta pergunta foi respondida como um quesito aberto e as respostas obtidas foram agrupadas em 11 categorias.

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apresentam três valores discrepantes, pro-vavelmente declarados em yens e não emdólares, resultando na elevação do valormédio das remessas femininas. Eliminan-do-se estes valores, o valor médio das re-messas femininas diminui para US$ 630,00.Os valores declarados foram principalmentemúltiplos de 100 dólares, indicando arre-dondamento, seja na declaração, seja noenvio propriamente dito. O valor modalcorrespondeu a US$ 1.000. Entre os quefazem remessas regulares, a freqüênciamodal é a mensal (73,8% dos homens e66,3% das mulheres). Cerca de 8% decla-raram fazer remessas a cada dois meses ecerca de 20% a intervalos maiores. Umamenor proporção afirmou não ter regula-ridade nas remessas (2% dos homens e1,3% das mulheres).

O valor médio mensal das remessasé de US$ 820 para os homens e deUS$ 1.670 para as mulheres, reduzindo-seeste último para US$ 530 quando elimi-nados os valores discrepantes mencio-nados anteriormente.

Capacitação

Cerca de 52% dos entrevistados dosexo masculino e 80% do feminino nãopassaram por situação de chefia na suaatividade laboral no Brasil. Para os homens,

as maiores dificuldades ocorreram nosquesitos planejamento e gerência, en-quanto para as mulheres, em planejamentoe execução.

A maioria dos entrevistados pretendiaabrir o próprio negócio: 69% dos homens e58% das mulheres. Uma proporção menordeclarou estar em dúvida: respectivamente,18% e 28%. Os demais ou não responderamou declararam que não tinham intenção deabrir negócio próprio. O preocupante é queentre os que pretendiam abrir negóciopróprio, 65% declararam não ter tido nemexperiência com chefia nem com negóciopróprio. Entre os que estavam em dúvida,73% encontravam-se na mesma situação.

A opção de cooperativismo/associati-vismo como forma de organização não foiconsiderada por 1/3 dos entrevistados (maisprecisamente 31% dos homens e 37% dasmulheres), ainda que a maioria, como vistoanteriormente, pensasse em abrir o próprionegócio. Os homens aparentavam ter aopção associação/cooperativa como maisdesejável, já que 44% afirmaram que tra-balhariam nesta modalidade, por oposiçãoaos 32% das mulheres. Um não categóricofoi expresso por 25% dos homens e 30%das mulheres.

A preocupação com as informaçõespara o negócio e a situação da economianacional parecia ser superior entre os

GRÁFICO 11Distribuição acumulada das remessas enviadas ao Brasil pelos dekasseguis brasileiros

na amostra do Japão, por sexo2004

Fonte: Associação Brasileira de Dekasseguis (2004).

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homens, que também registraram maiornível de intenção em abrir negócios pró-prios. Quando indagados se eles “já tinhambuscado informações no Japão ou no Brasilcom pessoas que trabalham em negóciosque deseja desenvolver no Brasil”, umpouco mais da metade dos homens (56,2%)e quase 3/4 das mulheres (72,5%) respon-deram que não (neste quesito apenas 2,9%dos homens e 0,7% das mulheres não res-ponderam). No que diz respeito ao acompa-nhamento da situação econômica e/ou deviabilidade dos negócios no Brasil (a per-gunta formulada foi “Daqui do Japão vocêbusca informações atualizadas sobre tra-balho, empresas e economia do Brasil?”),também os homens pareciam mais preocu-pados ou pelo menos procuraram mais fre-qüentemente por informações (55% contra40% das mulheres) e, respectivamente, 19%e 32% afirmaram alguma procura.

O conhecimento da língua japonesanão afetou sobremaneira a busca por infor-mações, mas a escolaridade sim: a pro-porção daqueles que responderam positi-vamente aos quesitos correspondentes àprocura por informações sobre negócios outrabalho/empresas/economia no Brasil écrescente com a escolaridade.

Um conjunto de questões tentou men-surar o interesse e a disponibilidade detempo dos dekasseguis no Japão parafreqüentar cursos não ligados diretamenteao trabalho. A maioria declarou ter interes-se, mas não ter tempo como a razão para anão freqüência. Cerca de 1/3 dos entrevis-tados não responderam as questões (comuma proporção maior quando se perguntousobre a área da cultura). Uma pequena

parcela declarou estar cursando, compercentuais maiores para cursos de línguajaponesa (Tabela 13).

Ao se indagar sobre a necessidade deapoio quando do retorno ao Brasil, a maioriadeclarou precisar de algum tipo de apoio(89,6% dos homens e 91,2% das mulheres).Menos de 10% afirmaram nunca ter pensadoneste assunto (10,4% dos homens e 8,8%das mulheres). A maior incidência ocorreupara cursos formativos para abertura denegócios, seguidos de adaptação ao país.Filhos parecem ser uma maior preocupaçãoentre as mulheres: 25% declaram precisarde apoio contra os 11% dos respondentesmasculinos. Documentação, assistênciamédica e ajuda psicológica tiveram em tornode 10% das respostas. Outros tipos de ajuda,não listados no questionário, tampoucoforam muito mencionados (somente 2,1%dos entrevistados). Além de duas opções,que seriam mais razões para não teremrespondido o quesito (“não tem data previstapara voltar” e “morar em outro país”), asoutras foram “aposentar”, “em que aplicar”e “apoio do governo para agricultura”, commenos de 1% cada uma.

A maioria dos entrevistados era pro-veniente de São Paulo, seguidos por aque-les do Paraná. Em terceiro lugar ficaram osde Mato Grosso do Sul e Rio de Janeiro.

O Estado de origem com maior disper-são na intenção de mudança foi São Paulo,também devido ao fato de ser o maior con-tingente. O Paraná apareceu como destinopreferencial dos migrantes que não pre-tendiam retornar ao seu Estado de origem.A Bahia ficou com o segundo destino prefe-rencial, seguida por São Paulo.

TABELA 13 Distribuição dos dekasseguis brasileiros na amostra do Japão, segundo disponibilidade de tempo/interesse em

freqüentar cursos de língua, cultura, profissionalizante ou de gerenciamento2004

Fonte: Associação Brasileira de Dekasseguis (2004).

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A Tabela 2 apresenta a província de-clarada como residência pelos entrevis-tados. Segundo o Censo japonês, estasprovíncias concentram 90% da populaçãobrasileira no Japão. Cumpre observar quea amostra não foi desenhada para re-produzir a distribuição geográfica dosdekasseguis brasileiros no Japão, e a tabelaserve para mostrar que o levantamento nãose concentrou em poucas regiões, incluin-do migrantes distribuídos na maioria dasprovíncias com mais brasileiros.

Comentários

A população de dekasseguis apresentaescolaridade média inferior à dos descen-dentes de asiáticos no Brasil, porém maisalta do que a nacional. Cumpre notar queos nikkeis de escolaridade mais baixa emais alta tampouco se tornam dekasseguis,os primeiros talvez por causa de barreirasde informação e os segundos pela exis-tência de mais oportunidades.

Uma grande barreira à adaptação noJapão está relacionada à língua e aos cos-tumes. A maior parte dos dekasseguis, aindaque apresente um fenótipo de nativo japo-nês e tenha ancestrais japoneses razoavel-mente próximos, não se comporta maiscomo japoneses. Há um distanciamento nasrelações com parentes japoneses: a maio-ria não estabelece contato com os parentesnativos, sendo maior o contato com japo-neses não parentes. Por outro lado, algunsfatores, embora estreitamente ligados como excesso de trabalho, indicam um desin-teresse pela cultura japonesa: mais de 3/4dos dekasseguis entrevistados declararamnunca ter ido a um museu no Japão e maisde 2/3 afirmaram que nunca foram a umteatro/cinema. Uma proporção ainda maiordeclarou não freqüentar nenhum curso dejaponês, mesmo mencionando ser a línguaum problema.

Esta aparente contradição entre o sere o parecer gera conflitos de adaptação dosmigrantes e de aceitação por parte dosnativos. Este conflito de identidade já existiano Brasil, mas a ida ao Japão só reforça osentimento de não pertinência a este país,e conseqüentemente, reforça a identidade

brasileira, expressa pela grande proporçãode pessoas que declararam “saudades doBrasil” como problema. Sasaki (1998) re-força esta idéia de não pertinência do nikkeibrasileiro no Brasil e no Japão. Além desta,outras dificuldades enfrentadas foram ci-tadas, tais como idioma e excesso detrabalho. Um outro fator que contribui paraos conflitos de adaptação reside no tipo deatividade que exercem no Japão (completa-mente diferente dos tipos exercidos anterior-mente no Brasil), normalmente atividadesque exigem pouca especialização, a maio-ria como operários em fábricas e indústriaem tarefas, como já mencionado, despre-zadas pelos japoneses e sujeitos a longasjornadas de trabalho.

A pesquisa apontou como opções maismencionadas para a ida ao Japão a buscapor melhoria de vida e poupar para abrirnegócios no Brasil. A motivação, portanto,está ligada principalmente a questõeseconômicas, o que explica também a maiorproporção de homens que viajam sozinhose os reiterados retornos no caso de insu-cesso no Brasil, principalmente para opessoal de mais baixa escolaridade. Amaioria destes dekasseguis declarouquerer abrir negócio próprio. No entanto,eles não tinham nem experiência anteriornem haviam investido na aquisição deconhecimentos necessários. A situaçãodesses migrantes com reiteradas idas evindas no eixo Brasil-Japão, migraçõesinternas freqüentes, bem como mudançasde emprego e passagens por períodos dedesemprego no Japão (ainda que possivel-mente curtos), tipificam o movimentodekassegui.

A maioria dos entrevistados (89% doshomens e 86% das mulheres) declarou nãopretender se fixar no Japão. É possível,porém, que, assim como seus antepassadosque vieram para o Brasil com o firme pro-pósito de retornar posteriormente e aquificaram, a situação simétrica possa vir aocorrer com estes dekasseguis, acabandopor construir uma vida permanente noJapão. Outra possibilidade seria a nãoresolução do conflito em nenhum dos doispaíses, tornando permanente e reiterado omovimento migratório.

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Abstract

Permanently transient: Brazilian Dekasseguis in Japan

This article presents the results of part of a project undertaken by the Brazilian Association ofDekasseguis (ABD) regarding this group of Brazilians of Japanese descent who have migratedto Japan. The results are based mainly on answers given to a questionnaire applied in January2004 to such Brazilian migrants in Japan. One great barrier to the adaptation of these immigrantsin Japan is related to their language and customs. Although they have the native Japanesephenotype and reasonably recent Japanese ancestors, they no longer behave like Japanese.This apparent contradiction between being and seeming causes conflicts of adaptation for themigrants and their acceptance by the natives. This conflict of identity already existed in Brazil,but the move to Japan only reinforced their feeling of not belonging to this latter country. It

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consequently reinforces their Brazilian identity, expressed by the great majority of the individualswho said that the problem they face in Japan is that they “miss Brazil.” The study indicated thatmost moved to Japan for economic reasons, a fact that explains the higher proportion of menwho went alone and the repeated returns in cases of failure in Brazil, especially for those withlower educational levels. The situation of the Dekasseguis, with their constant coming andgoing between the two countries, frequent internal migrations, job changes and periods ofunemployment in Japan (even though sometimes short) typify the Dekassegui movement.

Key words: Dekassegui. International fund transfers. Labor migration. Brazil. Japan.

Recebido para publicação em 30/01/2006.Aceito para publicação em 17/03/2006.