parte geral do direito civil à luz do novo código  · web viewem determinados países a...

148
Lei de Introdução ao Código Civil (Decreto-lei n.º 4.657/42) 12/08/03 I. Introdução O mestre inicia o curso com a seguinte indagação: qual será o destino da Lei de Introdução ao Código Civil com a entrada em vigor do novo Código? Foi revogada ou continua em vigor? É evidente que a Lei de Introdução não foi revogada, o que significaria uma catástrofe, eis que os conflitos de leis no tempo e no espaço dentro do ordenamento jurídico pátrio são por ela disciplinados. É que o DL 4.657/42 não é propriamente uma “Lei de Introdução ao Código Civil”, mas sim uma lei de introdução ao sistema jurídico como um todo, aplicando-se as suas regras a todos os ramos do direito. Na expressão do prof. Haroldo Valadão, a Lei de Introdução ao Código Civil é a “lei das leis”, porque disciplina a aplicação territorial e temporal da norma jurídica, de modo a tentar solucionar os conflitos ocorrentes em todos os ramos do direito e não apenas no direito civil ou no direito privado. Por essa razão é que o prof. Valadão foi convocado pelo Governo em 1964 para elaborar o projeto a que ele chamou de “Lei Geral de Aplicação da Norma Jurídica”, que viria a substituir a Lei de Introdução ao Código Civil. Contudo, o projeto dessa lei encontra-se dormitando até hoje no Congresso, sem que haja sido discutido e votado. Assim, a Lei de Introdução ao Código Civil permanece hígida, regulando a aplicação da norma jurídica no tempo e no espaço, sendo certo que as suas disposições ficaram fortalecidas pelo novo Código Civil. É o caso típico do art. 5.º da LICC, que diz que na aplicação da lei o juiz atenderá aos fins sociais a que ela se destina e às exigências do bem comum, idéias tais que agora se encontram consolidadas nas vertentes inspiradoras do novo Código, que apontam para uma função social do direito e para uma boa-fé objetiva. II. Evolução histórica

Upload: vohanh

Post on 08-Nov-2018

214 views

Category:

Documents


0 download

TRANSCRIPT

Page 1: Parte geral do direito civil à luz do novo código  · Web viewEm determinados países a personalidade inicia-se no momento sagrado da concepção, ... A percepção dos frutos

Lei de Introdução ao Código Civil(Decreto-lei n.º 4.657/42)

12/08/03I. Introdução

O mestre inicia o curso com a seguinte indagação: qual será o destino da Lei de Introdução ao Código Civil com a entrada em vigor do novo Código? Foi revogada ou continua em vigor? É evidente que a Lei de Introdução não foi revogada, o que significaria uma catástrofe, eis que os conflitos de leis no tempo e no espaço dentro do ordenamento jurídico pátrio são por ela disciplinados.

É que o DL 4.657/42 não é propriamente uma “Lei de Introdução ao Código Civil”, mas sim uma lei de introdução ao sistema jurídico como um todo, aplicando-se as suas regras a todos os ramos do direito. Na expressão do prof. Haroldo Valadão, a Lei de Introdução ao Código Civil é a “lei das leis”, porque disciplina a aplicação territorial e temporal da norma jurídica, de modo a tentar solucionar os conflitos ocorrentes em todos os ramos do direito e não apenas no direito civil ou no direito privado. Por essa razão é que o prof. Valadão foi convocado pelo Governo em 1964 para elaborar o projeto a que ele chamou de “Lei Geral de Aplicação da Norma Jurídica”, que viria a substituir a Lei de Introdução ao Código Civil. Contudo, o projeto dessa lei encontra-se dormitando até hoje no Congresso, sem que haja sido discutido e votado.

Assim, a Lei de Introdução ao Código Civil permanece hígida, regulando a aplicação da norma jurídica no tempo e no espaço, sendo certo que as suas disposições ficaram fortalecidas pelo novo Código Civil. É o caso típico do art. 5.º da LICC, que diz que na aplicação da lei o juiz atenderá aos fins sociais a que ela se destina e às exigências do bem comum, idéias tais que agora se encontram consolidadas nas vertentes inspiradoras do novo Código, que apontam para uma função social do direito e para uma boa-fé objetiva.

II. Evolução histórica

A lei de introdução, originalmente, encontrava-se acoplada ao corpo do Código Civil, sendo curioso notar que, inobstante tal fato, seus artigos possuíam numeração distinta dos demais artigos do Código. Esse modelo perdurou até 1942, quando então adveio a denominada Nova Lei de Introdução ao Código Civil (DL 4.657/42).

A necessidade do advento de uma nova lei de introdução deu-se em função de um fator mais histórico-político do que propriamente científico ou filosófico.

Quando da edição do Código, em 1916, foi preciso eleger a chamada “lei pessoal” (ou “estatuto pessoal”), que consiste no diploma legal que rege os direitos da personalidade (direito à vida, ao corpo, ao nome, à imagem, à honra etc). Clóvis Beviláqua optou, à época, pela denominada “lei nacional da pessoa” (ou “lei da nacionalidade da pessoa”), produto de uma teoria que surgira no séc. XIX, na Itália, de autoria do jurista italiano Pasquale Stanislau Mantine, segundo o qual o dado mais importante de uma pessoa é a sua nacionalidade. A nacionalidade, dizia Mantine, é um conceito metajurídico, psicológico, está entranhado no ser humano; é também o dado mais estável na vida do ser humano, eis que ele raramente muda a sua nacionalidade, que significaria uma fratura psicológica, um rompimento com as raízes familiares, históricas etc; finalmente, a nacionalidade é um dado facílimo de se comprovar, bastando exibir um documento de identidade para verificar a lei a que deverá a pessoa se sujeitar.

Page 2: Parte geral do direito civil à luz do novo código  · Web viewEm determinados países a personalidade inicia-se no momento sagrado da concepção, ... A percepção dos frutos

Ora, se é a nacionalidade o dado mais importante da vida do indivíduo, é a lei da sua nação que lhe deve acompanhar onde quer que ele vá. Assim é que o art. 8.º da primitiva lei de introdução preconizava que a lei nacional da pessoa determinava o início e o fim de sua personalidade, a capacidade civil, o nome e os direitos de família. Já o art. 14 dizia que a sucessão por morte ou por ausência será regida pela lei nacional da pessoa. Destarte, se o de cujus fosse italiano a sua sucessão reger-se-ia pela lei italiana, independentemente de ser ele domiciliado no Brasil.

O que não foi notado por Beviláqua à época é que essa teoria se compatibilizava perfeitamente com os Estados europeus, mas era inadequada aos Estados americanos. É que enquanto a Europa exportava seus nacionais, a América os importava, o que significava uma catástrofe política aos Estados que, como o Brasil, adotaram essa teoria, já que possuíam milhares de imigrantes regidos pelas mais diversas leis. Em determinados Estados brasileiros aplicava-se mais a lei estrangeira que a lei brasileira (v. g., em Blumenau).

Mas o fato externo que influiu de forma decisiva para a mudança na Lei de Introdução foi segunda guerra mundial. É que o Brasil entrou em guerra contra Alemanha, Itália e Japão, coincidentemente países que tinham uma enorme colônia aqui estabelecida, fato que criou uma situação kafkiana: os juízes brasileiros tinham de aplicar a todo o momento aos alemães, italianos e japoneses que aqui se encontravam as leis inimigas, circunstância que causava um imenso mal-estar em toda a população.

Em vista disso, o ditador Getúlio Vargas nomeou uma comissão composta por juristas como Orozimbo Nonato, Hanemann Guimarães, Philadelpho de Azevedo, Levi Carneiro, entre outros, para a elaboração de uma nova Lei de Introdução. Eis aí a gênese do DL 4.657/42, através do qual foi abandonada a teoria da nacionalidade e adotou uma outra teoria, também surgida na Europa e na mesma época, mas que por razões óbvias lá não obteve muita repercussão: a teoria do domicílio, debitada a ninguém menos que Savigny, no último volume de seu “Tratado de Direito Privado”. De acordo com essa teoria, o estatuto da pessoa tem de ser a lei de seu domicílio e não sua nacionalidade. Para Savigny o dado mais importante da pessoa é o seu domicílio, porque a nacionalidade (ao menos a de origem) não é escolhida pelo indivíduo, é obra do acaso, enquanto o domicílio é fruto da vontade livre e consciente das pessoas. O domicílio é, na expressão de Savigny, o “centro de gravidade jurídica da pessoa”; é aquele lugar que o indivíduo elegeu para viver por assentir com as suas leis e costumes, sendo uma violência contra a sua liberdade individual submetê-lo às leis de um país que ele voluntariamente abandonou. Enquanto a nacionalidade é um acaso, o domicílio é fruto de uma escolha livre e consciente. Concluiu Savigny sua teoria afirmando que todos os direitos humanos devem ser regidos pela lei do domicílio da pessoa.

Percebendo que essa teoria adequava-se perfeitamente à realidade brasileira, já que todos os estrangeiros que viessem a fixar domicílio no Brasil estariam sujeitos às leis brasileiras, a comissão reformulou a Lei de Introdução: o art. 8.º passou a ser o atual art. 7.º, que assim dispõe: “A lei do país em que for domiciliada a pessoa determina as regras sobre o começo e o fim da personalidade, o nome, a capacidade civil e os direitos de família”; já o art. 14, que tratava da sucessão, tornou-se o atual art. 10, segundo o qual: “A sucessão por morte ou por ausência obedece à lei do país em que era domiciliado o defunto ou o desaparecido, qualquer que seja a natureza e a situação dos bens”.

Desta forma, o sol do sistema jurídico brasileiro em matéria de aplicação pessoal da lei é o domicílio. O domicílio é o chamado elemento de conexão dos direitos pessoais, aquilo que

Page 3: Parte geral do direito civil à luz do novo código  · Web viewEm determinados países a personalidade inicia-se no momento sagrado da concepção, ... A percepção dos frutos

liga a pessoa ao direito. Esse foi o princípio geral eleito pela LICC para a solução dos conflitos interespaciais.

III. Conflitos intertemporais e interespaciais de leis e a LICC

Estes fenômenos decorrem de uma idéia básica que é a mobilidade do direito, que é dinâmico em sua essência. A norma jurídica, na expressão do prof. Valadão, possui duas coordenadas fundamentais, como se fossem a sua latitude e a sua longitude: o tempo e o espaço. Quando se busca interpretar uma norma jurídica, tal atividade deve guardar relação com a época da edição da norma e o espaço físico em que a mesma se aplica. Isso porque a dinâmica social e o local onde se encontra estabelecido grupo social influem de modo decisivo sobre a atividade legiferante.

Um dos vários exemplos que podem ser citados para ilustrar essa afirmação é o fato de o Código de 1916, refletindo a tradicional moral cristã que inspirava a sociedade da época, não conferia um só direito às concubinas. O concubinato era tido como um pecado social. Somente a família legítima resultante do casamento merecia a proteção do Estado. Por mais longo que fosse o concubinato, isso não geraria para os que dele participassem um só direito.

Os valores mudaram e o novo Código inclui entre as entidades familiares aquela resultante da união estável, que passa a merecer a mesma proteção que o Estado confere à família legítima. O que antes era uma conduta imoral hoje é uma situação juridicamente tutelada.

Assim, é inevitável o conflito de leis no tempo. A lei de hoje disciplina, às vezes de maneira diametralmente oposta, um mesmo fato jurídico tutelado (ou não) pela norma anterior. O mestre dá como exemplo o testamento conjuntivo ― instrumento único onde marido e mulher fazem suas disposições de última vontade, normalmente um em favor da outro ― celebrado em 1913, quando a lei o admitia, mas aberto para produzir os seus efeitos em 1920, já sob o império do novo Código, para o qual este tipo de testamento era nulo. De um lado, temos a lei da época da sua celebração o admitindo; de outro, a lei da época da produção dos seus efeitos, que o fulmina de nulidade.

O conflito intertemporal estabelece-se, pois, entre uma norma antiga e uma norma nova. A lei nova disciplina o mesmo fato jurídico de maneira diferente do que o faz a lei antiga, sendo de se perquirir qual delas prevalecerá.

Para solucionar esse problema surgiram duas idéias-guia. A primeira vertente defendia a tese da retroatividade absoluta da lei nova para alcançar todas as relações jurídicas que disciplinava, mesmo aquelas formadas anteriormente à sua edição. Havia uma razão ética a lastrear essa orientação: se a sociedade mudou os seus valores éticos, entendendo que a lei revogada não mais atendia aos seus valores pelo que foi substituída pela lei nova, seria um absurdo que as relações jurídicas constituídas no passado continuassem regidas por uma lei que a sociedade repeliu. A segunda vertente trilhava raciocínio diametralmente oposto, adotando o princípio geral da irretroatividade da lei nova. O principal argumento era o da segurança das relações jurídicas, segundo o qual a lei nova deve disciplinar as relações jurídicas que se constituam a partir da sua entrada em vigor, nunca retroagindo para modificar as relações passadas.

Nenhum dos dois princípios tinha a pretensão de ser absoluto. Tanto uma como a outra vertentes admitiam exceções de irretroatividade e retroatividade, respectivamente. Entretanto, acabou prevalecendo a tese da irretroatividade da lei nova, como regra. Foi prestigiado o aspecto da

Page 4: Parte geral do direito civil à luz do novo código  · Web viewEm determinados países a personalidade inicia-se no momento sagrado da concepção, ... A percepção dos frutos

segurança das relações jurídicas: é que as pessoas não dormiriam em paz se soubessem que aquelas situações jurídicas já exauridas, aqueles direitos já incorporados aos seus patrimônios pudessem ser modificados sob os humores do legislador.

IV. Conflitos intertemporais

Princípio da irretroatividade – Todos os países civilizados adotam esse princípio como a regra norteadora na solução dos conflitos intertemporais de normas jurídicas. O primeiro Código moderno a consolidar esse princípio foi o napoleônico, de 1804, que em seu art. 2.º preceituava que a lei nova dispõe sobre o futuro, jamais sobre o passado.

Quase todos os ordenamentos jurídicos modernos limitam-se em estabelecer esse princípio em sede infraconstitucional, nos códigos civis (França, Itália, Alemanha etc). Em alguns poucos países, no entanto, foi conferida uma importância tal a esse princípio que o mesmo mereceu positivação constitucional. No Brasil, desde a Constituição Imperial de 1824 o princípio da irretroatividade vem positivado, no sentido de que a lei nova não poderá afetar o direito adquirido, o ato jurídico perfeito e a coisa julgada.

A diferença reside no fato de que nos países em que o princípio da irretroatividade vem positivado apenas na legislação ordinária, o comando legal dirige-se apenas aos juízes, não aos legisladores. Assim é que o juiz não poderá aplicar uma lei nova a situações a ela pretéritas, salvo quando expressamente autorizados na lei, mas o legislador pode, excepcionalmente, estabelecer numa lei a produção de efeitos retroativos. Já nos países em que o princípio é dogma constitucional, o comando dirige-se também aos legisladores, que não poderão criar uma lei estabelecendo que a mesma retroagirá, salvo quando o autorizar a própria Constituição (e. g., no caso da retroatividade da lei penal benéfica). É que o princípio da irretroatividade consubstancia direito fundamental do indivíduo, verdadeira cláusula pétrea.

Só houve uma Constituição brasileira que não reproduziu essa disposição, qual fosse, a de 1937, outorgada pelo ditador Vargas, onde se lia que a lei não prejudicará direito adquirido, o ato jurídico perfeito e a coisa julgada, salvo disposição expressa em contrário. Com a redemocratização do país em 1946 com a queda de Vargas, a Constituição de 1946 retomou a tradição e a partir daí todas as que se seguiram incluem em seus textos a regra da irretroatividade (CRFB 5.º XXXVI).

O art. 6.º da LICC é que procura dar a resposta ao conflito intertemporal de normas, ao preconizar que “A lei em vigor terá efeito imediato e geral, respeitados o ato jurídico perfeito, o direto adquirido e a coisa julgada” (com a redação que lhe foi dada pela Lei n.º 3238/57). O texto primitivo do art. 6.º continha a seguinte redação:”Salvo disposição expressa em contrário, a lei em vigor terá efeito imediato e geral, respeitadas as situações jurídicas perfeitamente constituídas e a coisa julgada”, o que se justificava pela data da edição da LICC, em pleno Estado Novo e, portanto, sob a égide da Constituição de 1937. Já a expressão “situações jurídicas perfeitamente constituídas”, extraída da doutrina de Roubier (in “Os conflitos de leis no tempo”), esta foi substituída pela expressão “direito adquirido”, seguindo a orientação doutrinária de Gabba.

Exceções à regra da irretroatividade – como exemplos, dentro do direito civil, tem-se como exceção à regra da irretroatividade a chamada interpretação autêntica, que se opera mediante lei que, sem possuir conteúdo cogente ou sancionatório, presta-se tão-somente a elucidar questão relativa a uma lei anterior. As leis que digam respeito ao estado das pessoas, igualmente, retroagem

Page 5: Parte geral do direito civil à luz do novo código  · Web viewEm determinados países a personalidade inicia-se no momento sagrado da concepção, ... A percepção dos frutos

para alcançar os fatos pretéritos (ex: quando do advento da Lei do Divórcio, todos os matrimônios constituídos antes da sua entrada em vigor puderam ser com base nela desconstituídos; o próprio Código Civil novo, ao dispor sobre a capacidade civil, atingiu a todos que já possuíam 18 anos, embora hajam nascido antes da sua entrada em vigor).

Efeito imediato e geral da lei nova x efeito retroativo – a leitura do art. 6.º da LICC revela uma distinção entre “efeito imediato e geral da lei nova” e “efeito retroativo”. O que a lei veda é justamente o efeito retroativo, mas não o efeito imediato e geral, que significa a aplicação da lei nova a todas as situações jurídicas pendentes, mas em relação aos seus efeitos ainda não produzidos. A lei nova só estará retroagindo se alcançar os efeitos já produzidos das situações pendentes, o que não se poderia tolerar.

De acordo com Roubier, situações pretéritas são aquelas que nasceram e se exauriram sob o império da lei passada e que, obviamente, não poderão ser alcançadas pela lei nova; situações futuras são aquelas que já nascem sob o império da lei nova, pelo que subsumir-se-ão inteiramente à lei nova. Mas a grande dificuldade do direito intertemporal diz respeito às situações pendentes, assim entendidas aquelas que nascem, se aperfeiçoam sob o império da lei antiga, mas seus efeitos ainda estão se produzindo quando advém uma lei nova. Aí se pergunta: os efeitos dessa situação pendente continuarão subsumidos à lei antiga ou, ao contrário, devem se submeter à lei nova? Ao que Roubier responde: “Os efeitos futuros dos fatos passados regem-se pela lei nova”, ou seja, os efeitos já produzidos continuarão protegidos contra a lei nova, mas os efeitos ainda não produzidos submeter-se-ão à lei nova, em razão do que se chama “efeito imediato e geral da lei nova”, que não se confunde com “efeito retroativo”. A exceção se dá em relação aos contratos por tempo determinado, em que todos os seus efeitos, mesmo os ainda não produzidos, continuariam regidos pela lei da época da celebração. Nesta hipótese prevalece o pacta sunt servanda. Se, de outro giro, o contrato vige por tempo indeterminado (já porque assim pactuaram as partes, já porque houve prorrogação automática da avença), os efeitos havidos na vigência da lei nova por ela reger-se-ão. Ainda segundo Roubier, se as partes quiserem que o contrato não seja alterado com a superveniência de lei posterior, devem firmá-lo por tempo determinado, pois, do contrário, haverá concordância implícita das mesmas em submetê-lo à lei nova.

O art. 2035 do CC/02 reproduz essa idéia, ao preceituar que as condições de validade dos contratos continuarão regidas pelo CC/16, mas os efeitos ainda não produzidos do contrato submeter-se-ão ao novo Código, salvo se outra forma de execução houver sido prevista pelas partes na avença.

Conceito de direito adquirido – o art. 6.º §2.º da LICC possui um conceito legal de direito adquirido, definido-o como aquele que já pode ser exercido pelo seu titular ou alguém por ele, bem como aquele que já tenha termo prefixado ou condição, desde que inalterável ao arbítrio de outrem. No entanto a definição não é satisfatória, uma vez que há dezenas de teorias acerca do conceito de direito adquirido. Existem as teorias subjetivas, lideradas por Gabba, e as objetivas, lideradas por Roubier, sendo que em torno delas gravitam várias outras. Contudo, ao menos em termos de direito positivo, direito adquirido seria aquele já passível de exercício pelo seu titular, ou seja, aquele que já completou o seu processo de aquisição, incorporando-se ao patrimônio de seu titular.

De acordo com Roubier, a expressão “direito adquirido” é vaga, sendo preferível a utilização da expressão “situação jurídica perfeitamente constituída”, assim entendida aquela cujos elementos constitutivos já se encontram presentes, quando estaria a relação então protegida contra a atuação legislativa ulterior (daí a denominação de teoria objetiva). Gabba, a seu turno, falava em “direito adquirido”, como aquele que já se encontrava incorporado no patrimônio do sujeito, numa

Page 6: Parte geral do direito civil à luz do novo código  · Web viewEm determinados países a personalidade inicia-se no momento sagrado da concepção, ... A percepção dos frutos

visão mais subjetiva do tema, ou seja, que analisa a questão do ponto de vista do indivíduo titular do direito.

Reforma previdenciária – de acordo com o mestre, possuirão direito adquirido, para efeito de não serem alcançados pela reforma previdenciária, todos aqueles que, quando de sua entrada em vigor, já possuam as condições necessárias para a aposentadoria. O mestre rechaça os entendimentos de que possuirão direito adquirido (a) todos aqueles que simplesmente se encontrem no serviço público quando da entrada em vigor da Emenda ou (b) somente aqueles que já estejam aposentados quando da modificação.

Direito adquirido x direito futuro – direito futuro é aquele cujo processo de aquisição ainda não se completou e, por isso, ainda não pode ser exercido. É o caso das expectativas de direito.

Direito adquirido x direito condicional – Há uma questão que suscita muita controvérsia nesse tema: É muito freqüente que se indague ao candidato se há antinomia entre o art. 6.º, §2.º, da LICC e o art. 125 do CC/02 (que corresponde ao antigo art. 118). É que o LICC 6.º §2.º diz que é direito adquirido aquele que possua termo prefixo ou condição inalterável, mas o CC/02 125 diz que na pendência de condição suspensiva não se considera adquirido o direito. Não há antagonismo entre os dispositivos, que disciplinam hipóteses absolutamente diversas: a regra do CC/02 125 diz respeito ao exercício do direito, que fica obstado na pendência de condição suspensiva. Caso não se verifique o implemento da condição o negócio (ou ato) jurídico será tido por ineficaz (ex: doarei minha biblioteca a uma aluna com a condição de que ela passe em um concurso. Enquanto ela não passar num concurso não poderá exercer o direito ao recolhimento dos livros). Já a regra do LICC6.º§2.º é de direito intertemporal, significando dizer que embora pendendo condição e ainda que o direito não possa ser exercido, ele já se considera adquirido para efeito de não mais poder ser alcançado pela lei nova (aproveitando o exemplo anterior: eu doei a biblioteca em abril, com a condição suspensiva da donatária ser aprovada no concurso a ser realizado em dezembro. Imagine-se que em setembro uma lei nova torne nulas as doações de bibliotecas a particulares. Essa lei não atingirá o direito da donatária, que se passar no concurso em dezembro poderá recolher os livros, pois esse direito condicional se equipara a um direito adquirido, para efeito de não poder ser alcançado pela lei nova). Assim, as regras dispõem sobre hipóteses diversas: uma é de direito intertemporal (LICC6.º§2.º); a outra, de exercício do direito, que fica obstado enquanto a condição suspensiva não se implementar (CC/02 125).19/08/03

V. Conflitos interespaciais

No espaço as leis também se modificam, pois são produtos sociais e as sociedades humanas são profundamente diferentes. Seus comportamentos são regidos por condicionadores sociais que variam de povo para povo: clima, religião, etnia etc.

Quando pessoas subordinadas a impérios de direitos diferentes se contatam no vasto mundo do direito, pode ocorrer o choque entre as suas respectivas leis pessoais. Da mesma maneira, quando uma determinada relação jurídica é constituída em um determinado território, mas se destina a produzir efeitos no território de um outro Estado, com leis diferentes, há também a possibilidade da ocorrência de conflitos de normas no espaço, os chamados conflitos interespaciais.

Aproveita-se aqui o exemplo do testamento conjuntivo: o direito alemão até hoje admite essa forma de testamento, sendo mesmo recomendável essa prática que, segundo os teutões, fortalece os laços familiares. O direito pátrio, ao revés, proíbe desde 1916 essa forma de testamento,

Page 7: Parte geral do direito civil à luz do novo código  · Web viewEm determinados países a personalidade inicia-se no momento sagrado da concepção, ... A percepção dos frutos

disposição referendada pelo mestre, ao argumento de que o testamento conjuntivo mascara, e muito, a liberdade de testar, pois pode haver o constrangimento de um cônjuge em dispor da mesma forma que o outro.

Assim, suponha-se que um casal alemão haja celebrado um testamento conjuntivo em seu país e, posteriormente, resolvido migrar para o Brasil. Posteriormente, vem o cônjuge varão a falecer e a viúva requer ao juiz local que homologue o testamento produzido em Berlim para que produza seus efeitos aqui no Brasil.Trata-se aqui de um típico conflito de leis no espaço, porque o testamento foi realizado em país cuja lei o admite e aberto para produzir os seus efeitos em um país cuja lei o proíbe. Uma das duas leis há de ser aplicada, eis que o juiz não pode eximir-se de julgar.

Como o direito não pode admitir a perplexidade advinda dos conflitos de leis no tempo e espaço, conflitos esses que não se há como impedir, foi criada a Lei de Introdução ao Código Civil, que, embora não se preste a exaurir a matéria, traz as regras fundamentais para a solução de tais conflitos, estabelecendo princípios gerais.

Princípio da territorialidade – A regra é a de que as leis produzidas por um determinado Estado produzem seus efeitos nos limites territoriais do mesmo, ao que se denomina princípio da territorialidade. Esse tema é disciplinado na LICC a partir do art. 7.º. Os conflitos ocorrem quando pessoas subordinadas a leis pessoais diferentes se contatam no vasto mundo das relações jurídicas ou quando uma relação jurídica se constitui no território de um determinado Estado e produz efeitos no território de um outro Estado. São tais conflitos absolutamente inevitáveis, pois decorrem de duas causas inamovíveis: (a) a mobilidade, no mundo, de pessoas sujeitas a leis pessoais diferentes; (b) a diversidade legislativa – cada grupo social formula as suas próprias normas de comportamento, de acordo com seus condicionantes sociais como clima, religião, economia etc. Ora, se não há como impedir o trânsito das pessoas no globo, tampouco criar um direito uniforme, que disciplinem as relações jurídicas com amplitude mundial, então o conflito interespacial é, mesmo, inevitável. Cumpre, por outro lado, estabelecer normas para a solução desses conflitos, visto que o direito não admite a convivência com a perplexidade.

O Direito Internacional Privado foi criado justamente para estabelecer regras que possibilitem eliminar os conflitos interespaciais, elegendo, entre as leis conflitantes, aquela que prevalecerá sobre as demais. A dificuldade maior reside no fato de que o DIP é um direito interno de cada povo, ou seja, cada povo elabora suas próprias regras de solução dos conflitos de leis no espaço. Não há um DIP uniforme, razão pela qual o que será objeto de estudo aqui é o DIP brasileiro, cujas regras para a solução de conflitos interespaciais encontram-se, em sua maior parte, na LICC.

Extraterritorialidade – a par da regra da territorialidade das leis, o DIP admite, em situações excepcionais, que se possa aplicar sobre o território de um Estado a lei de outro Estado. Se as leis somente pudessem ser aplicadas dentro dos limites territoriais do Estado que as criou não haveria como solucionar os conflitos.

Ainda no exemplo do testamento conjuntivo: um casal alemão celebrou testamento recíproco na Alemanha, vindo posteriormente a imigrar para o Brasil. Com a morte do marido, a viúva abre o testamento no Brasil e requer ao Juízo Orfanológico a sua homologação e cumprimento. A lei alemã admite essa forma de testamento; a brasileira, tem-na como nula. De acordo com o DIP brasileiro a forma dos atos jurídicos se rege pela lei do lugar de sua celebração (LICC 9.º §1.º). Assim, admitindo a lei alemã o testamento conjuntivo, tê-lo-emos como válido para a produção de seus efeitos no Brasil.

Page 8: Parte geral do direito civil à luz do novo código  · Web viewEm determinados países a personalidade inicia-se no momento sagrado da concepção, ... A percepção dos frutos

Já se afirmou antigamente que essa solução ― aplicação da lei alienígena em território brasileiro ― importaria violação da soberania nacional, mas tal entendimento restou superado pela verificação de que quando a lei estrangeira for aplicável no Brasil tal fato terá sido permitido pelas leis nacionais de DIP.

Obs: Aplicar-se-ia a lei alemã, inclusive, se um casal de brasileiros, morando na Alemanha, houvesse celebrado um testamento conjuntivo, exceto se esse casal haja ido à Alemanha apenas porque ali é permitida essa forma de testar. Se a intenção foi a de evitar a incidência da lei nacional, evidentemente que o casal não poderá ser beneficiado com a regra da extraterritorialidade.

Reciprocidade – Só se admite que as leis de outros países produzam seus efeitos em nosso território porque sabemos que, em situação análoga, será permitida a aplicação da lei brasileira em território estrangeiro. Se, por exemplo, o Direito alemão não admitisse a aplicação da lei brasileira em seu território, conseqüentemente não admitiríamos que a lei alemã aqui operasse seus efeitos.

Lei estrangeira odiosa – De acordo com o LICC 17, as leis, atos e sentenças alienígenas, bem assim as declarações de vontade ali produzidas não serão aplicadas no Brasil quando ofenderem a soberania nacional, a ordem pública ou os bons costumes. É por causa desse artigo que um juiz, v. g., não aplicará a lei árabe para reconhecer a multiplicidade de vínculos matrimoniais de um árabe e suas quatro mulheres. Ora, sendo a bigamia, inclusive, uma infração penal, a lei estrangeira que a permita é tida por odiosa no Brasil, eis que ofende a um só tempo a ordem pública e os bons costumes. Dívida decorrente de jogo de azar – Seguindo essa ordem de idéias, quid juris se um brasileiro vai a Atlantic City, contrai enorme dívida em um cassino e posteriormente vem a abrigar-se no Brasil, sabendo que a lei brasileira proíbe a cobrança de dívida oriunda de jogo? Nesse caso uma de duas coisas poderia ocorrer: (a) a representação legal da empresa vem ajuizar ação de cobrança (ou mesmo execução, se houver título extrajudicial) em território nacional; ou (b) o processo se desenvolve perante autoridade judiciária norte-americana, que finalmente expede carta rogatória para aqui ser executada. Na primeira hipótese a questão será submetida à análise do juiz singular, que decidirá pela aplicação ou não da lei alienígena; no segundo, ao STF, para conceder (ou não) o exequatur à carta. De acordo com o mestre tanto a aplicação da lei estrangeira como o cumprimento da sentença lá produzida ofenderiam, neste caso, a ordem pública interna, o que não impediria que fosse aferida casuisticamente a eventual má-fé do brasileiro que não poderá, evidentemente, extrair benefício de sua própria torpeza para se furtar ao cumprimento de obrigação regularmente constituída nos EUA.

Prova do direito estrangeiro – LICC 14 – Embora deva juiz, em determinadas hipóteses, aplicar a lei estrangeira, não se lhe pode exigir o conhecimento de todos os ordenamentos jurídicos do mundo. O princípio jura novit curia refere-se ao conhecimento pelo juiz do ordenamento jurídico ao qual ele faz parte. Assim é que a parte interessada na aplicação da lei estrangeira deverá produzir prova da existência, validade e eficácia da norma, sendo curioso notar que uma questão de direito tornar-se-á questão de fato, dependente da produção de prova. Poderá o juiz, inclusive, determinar à parte interessada que traga, e. g., artigos de doutrina estrangeira sobre a aplicação daquela lei, por haver dúvida na interpretação da mesma. Poderá o juiz, inclusive, determinar a realização de perícia acerca da aplicabilidade da norma no direito estrangeiro, formulando quesitos para que o expert diga se de acordo com a jurisprudência daquele país a norma é tida por constitucional; como a doutrina se manifesta acerca da mesma etc. O texto da lei estrangeira e a declaração de que a mesma encontra-se em vigor são provados por certidão da autoridade diplomática ou consular com atribuição para tanto.

Page 9: Parte geral do direito civil à luz do novo código  · Web viewEm determinados países a personalidade inicia-se no momento sagrado da concepção, ... A percepção dos frutos

Ausência de prova do direito estrangeiro vindicado – Segundo o mestre, caso a parte que haja rogado a aplicação do direito estrangeiro não se desincumba do ônus de prová-lo deve o juiz extinguir o processo sem julgamento do mérito por carência de ação, entendendo que a prova do direito estrangeiro constitui, in casu, condição especial para o regular exercício do direito de ação. Data maxima venia, a meu sentir a hipótese é de improcedência do pedido, uma vez que a matéria é de prova, nada tendo a ver com as condições (genéricas ou específicas) para o regular exercício do direito de ação.

Elementos de conexão – a escolha da lei que há de prevalecer no conflito interespacial entre normas jurídicas se faz com base nos chamados elementos de conexão, que vinculam a atividade judicante. Por definição, o elemento de conexão é a circunstância (ou dado) que liga uma das leis conflitantes à relação jurídica. Exemplo: (a) se um juiz brasileiro precisar decidir se alguém tem ou não capacidade civil deverá aplicar a lei do domicílio da pessoa. Assim, o domicílio é o elemento de conexão que rege, no Brasil, a capacidade civil; (b) a forma dos atos jurídicos se rege pela lei do lugar onde foram praticados. Assim, o lugar (território) é o elemento de conexão que rege a forma dos atos jurídicos.

Para resolver um conflito de leis no espaço o juiz tem, em primeiro lugar, qualificar a relação jurídica (verificar se se trata de direito processual, sucessório, pessoal, real etc.) para, somente após, verificar qual o elemento de conexão aplicável. Cada Estado possui seus próprios elementos de conexão. Nos países árabes a religião é o elemento de conexão dos direitos pessoais; na África do Sul a raça já foi elemento de conexão, na época do apartheid; na Índia a casta social é elemento de conexão etc. No Brasil, os elementos de conexão são os seguintes:

(a) o território - regem-se pela lei do lugar a forma dos atos jurídicos (locus regit actum), todos os direitos relativos aos bens (móveis ou imóveis), as obrigações e os contratos, a forma e os impedimentos para o casamento, a aplicação da lei e fixação da competência em matéria penal (foro locus comitio delicti) etc.;

>> o art. 8.º fixa a regra de que em relação aos bens prevalecerá a lei do país em que se situarem, mas há exceção expressa no §1.º no sentido de que os bens móveis em trânsito (e. g., a bagagem de um viajante) regem-se pela lei do domicílio do proprietário; já o §2.º diz que as coisas empenhadas reger-se-ão pela lei do domicílio da pessoa (geralmente o credor) que detiver a guarda das mesmas.>> o art. 9.º diz que as obrigações reger-se-ão pela lei dos países em que se constituírem, mas o §1.º faz uma ressalva: quando a obrigação tiver de ser cumprida no Brasil e a lei nacional exigir determinada forma, esta deverá ser observada

(b) o domicílio – regem-se pela lei do domicílio todos os direito pessoais (capacidade civil, direitos da personalidade, sucessórios, de família etc.), pelo que se diz que o domicílio é o “estatuto pessoal do indivíduo”;

>> o art. 10 diz que a sucessão reger-se-á pela lei do domicílio do de cujus, mas o §1.º diz que se a lei do domicílio do falecido for prejudicial aos seus herdeiros ou cônjuge brasileiros, quanto aos bens situados no Brasil aplicar-se-á a lei brasileira.

(c) residência – a residência funciona como uma espécie de elemento supletivo (ou subsidiário) dos direitos pessoais, visto que somente se aplica quando a pessoa não possuir domicílio ou quando for este desconhecido. Exemplo: em não se conhecendo o domicílio do de cujus, a sucessão reger-se-á pela lei de sua última residência;

Page 10: Parte geral do direito civil à luz do novo código  · Web viewEm determinados países a personalidade inicia-se no momento sagrado da concepção, ... A percepção dos frutos

(d) nacionalidade – embora a nacionalidade tenha sido abandonada como elemento de conexão para os direitos pessoais ela subsiste para fins de aplicação da lei em relação aos direitos políticos;

(e) vontade – regem-se pela vontade das partes as obrigações e contratos (na ausência de estipulação expressa das partes o elemento de conexão subsidiário será o lugar). Essa liberdade de escolha da lei de regência do contrato, entretanto, não é absoluta. Não se pode escolher uma lei de regência diversa da do lugar da celebração exclusivamente para fraudar aquela;

(f) foro (lex fori) – o processo é regido pela lei procedimental vigente no foro onde a demanda foi ajuizada. Assim, v. g., não pode o réu sustentar a tempestividade de sua contestação em procedimento comum ordinário, alegando que em seu país o prazo é de trinta dias.

Direitos da personalidade – LICC 7.º – dispõe que a lei do país em que for domiciliada a pessoa determinará as regras sobre o início e o fim da personalidade, o nome, a capacidade civil e os direitos de família. Entretanto, o legislador aqui disse menos do que queria (lex minus scripsit, plus voluit), prevalecendo o entendimento de que essa relação é exemplificativa. Todos os direitos da personalidade regem-se pela lei do domicílio (direitos autorais, de imagem etc.).

Conflito entre elementos de conexão – como os elementos de conexão não são os mesmos em todos os Estados haverá inelutavelmente conflito entre os mesmos, ora positivo ora negativo. Exemplo de conflito positivo: um italiano, domiciliado no Brasil, precisa descobrir se possui ou não capacidade civil. O DIP brasileiro diz que aplica-se a lei brasileira em virtude de ser o sujeito domiciliado no Brasil (LICC 7.º), mas o DIP italiano adota a nacionalidade como elemento de conexão dos direitos pessoais, pelo que aplicável seria a lei italiana. Exemplo de conflito negativo: um brasileiro é domiciliado em Roma, onde se discute a sua capacidade civil. Para o DIP brasileiro a lei do domicílio é a que deve ser aplicada, portanto, a lei italiana; para o DIP italiano, ao revés, é a nacionalidade o elemento de conexão dos direitos da personalidade, pelo que é aplicável a lei brasileira.

26/08/03

O conflito positivo dos elementos de conexão é facilmente resolvido pela teoria da renúncia, segundo a qual a lei mais distante renuncia a sua aplicação em favor da lei mais próxima. O conceito de lei mais próxima e lei mais distante não se mede em palmos, não é um conceito físico. Lei mais próxima é a lex fori, ou seja, a lei do tribunal perante o qual se desenvolve o processo. Assim, a solução do primeiro exemplo reside na aplicação da lei brasileira, mediante a renúncia do ordenamento italiano. No conflito positivo entre elementos de conexão aplica-se sempre a lex fori.

Teoria da devolução – O conflito negativo é, de outro giro, o “calcanhar de Aquiles” do Direito Internacional Privado, sendo objeto de controvérsia desde sempre entre os que se dispuseram a estudar o tema. Há uma teoria que procura solucionar esse conflito: a denominada “teoria da devolução”, também conhecida como “teoria do retorno” (ou “teoria do reenvio”, para o direito italiano).

Page 11: Parte geral do direito civil à luz do novo código  · Web viewEm determinados países a personalidade inicia-se no momento sagrado da concepção, ... A percepção dos frutos

A teoria da devolução teve origem na França, no séc. XIX, quando do julgamento do “caso Forgo”. Forgo era um cidadão nato da Baviera (que naquela época era um Estado independente e não parte da Alemanha como é hoje), mas que aos cinco anos de idade foi morar com seus na cidade francesa de Peau. Forgo tinha como profissão ser agiota e, ao longo da vida, amealhou uma grande fortuna, nunca tendo constituído família. Quando de sua morte, verificou-se que Forgo não tinha ascendentes, descendentes ou cônjuge, mas apenas duas irmãs. Estas irmãs requereram a abertura do inventário na França, onde tinham domicílio. Pelo DIP francês da época, a lei de regência do direito sucessório era a do domicílio de origem do falecido, ou seja, o lugar onde havia nascido o de cujus: no caso, a Baviera. Assim, o juiz francês considerou competente para reger o caso a lei da Baviera e incompetente a lei da França. Consultando o direito da Baviera, o juiz francês verificou que quando o falecido não deixasse descendentes, ascendentes ou cônjuges, quem herdaria seriam os colaterais, razão pela qual se houve por partilhar os bens de Forgo entre suas duas irmãs. Posteriormente, o procurador do tesouro francês, tomando conhecimento do processo de inventário, apelou da sentença que homologou a partilha para a Corte de Cassação de Paris, argumentando que: (a) pelo direito sucessório francês, quando o estrangeiro não tivesse descendentes, ascendentes ou cônjuge, herdaria o Estado francês, afastando da linha sucessória os colaterais; e (b) pelo DIP da Baviera a sucessão regia-se pela lei do domicílio de fato do morto. Havia, assim, um conflito entre os elementos de conexão dos DIPs francês (domicílio de origem) e bávaro (domicílio de fato), tendo o Procurador francês concluído que quando a lei francesa manda aplicar a lei do domicílio de origem ela não está se referindo à lei sucessória da Baviera, mas a todo o sistema jurídico da Baviera, do qual faz parte o DIP, que por sua vez manda aplicar a lei do domicílio de fato. O Direito bávaro, assim, devolve a competência ao direito francês (daí o termo teoria da devolução), devendo o juiz francês aceitar essa devolução e julgar o feito pela lei francesa. Por fim, a Corte de Cassação deu provimento ao recurso para cassar a sentença do juiz de Peau e entregar todos os bens de Forgo ao Estado francês.

Pouco tempo depois uma questão semelhante foi discutida na Inglaterra: indagava-se se um alemão domiciliado em Londres era ou não capaz. Pelo DIP da Inglaterra, onde foi proposta a ação, a capacidade civil das pessoas regia-se pelo seu domicílio de origem (no caso, a Alemanha); mas o DIP alemão dizia que a lei de regência era a do domicílio de fato (no caso, a Inglaterra). Decidiu o tribunal inglês que a corte deveria julgar “como se estivesse sentada na Alemanha”. Uma vez “instalada” em Berlim, verificaria a corte que deveria julgar a causa pela lei inglesa, porque o DIP alemão manda aplicar em matéria de capacidade civil a lei do domicílio de fato do indivíduo. Ora, concluiu o tribunal inglês, se já estamos em Londres, seríamos mais realistas que o Rei se pretendêssemos julgar a causa pela lei alemã. A solução dada foi a de aceitar a devolução e julgar a causa pela lei inglesa.

Devolução para trás x Devolução para a frente – O grande apelo prático da teoria da devolução é que ela sempre resultará na aplicação da lex fori, aquela que o juiz (ao menos em tese) mais conhece. Quando a teoria da devolução determina que se aplique a lex fori, ou seja, a lei do lugar onde a causa está posta, tem-se a chamada devolução para trás (ou devolução de primeiro grau). Contudo, há casos em que o uso da teoria da devolução aponta para uma terceira lei, quando ter-se-á a denominada devolução para a frente (ou devolução de segundo grau). Exemplo: um inglês, domiciliado na Itália, morre deixando bens na Argentina. A abertura do inventário é requerida na Argentina, onde, tratando-se de sucessão, o DIP manda aplicar a lei do domicílio do de cujus. Se o juiz argentino não aplicar a teoria da devolução ele aplicará o direito sucessório italiano; mas se admitir a devolução ele vai aplicar o sistema jurídico italiano, que aponta como elemento de conexão em matéria de sucessão a nacionalidade do de cujus. Ora, sendo o falecido inglês, o DIP italiano, em vez de devolver a competência ao direito argentino, remete-a à lei inglesa.

Page 12: Parte geral do direito civil à luz do novo código  · Web viewEm determinados países a personalidade inicia-se no momento sagrado da concepção, ... A percepção dos frutos

São figuras da teoria da devolução a lex fori (lei do lugar onde foi posta a demanda) e a lex causae (lei que o juiz entende, de início, ser a competente – no exemplo, a lei italiana). Na devolução de primeiro grau, a lex fori aceita a devolução que lhe faz a lex causae; na devolução de segundo grau, a lex causae aponta para uma segunda lex causae (no exemplo, a lei inglesa).

Crítica à teoria da devolução – grande parte dos juristas diz que a teoria da devolução é, na verdade, um sofisma. É que quando a lei francesa no caso Forgo manda aplicar a lei do domicílio de origem, ela está se referindo à lei do assunto específico que se está decidindo, ou seja, teria de ser aplicada a lei sucessória da Baviera (como o fez o juiz de Peau). No caso inglês, a corte deveria ter aplicado o direito civil alemão, e não o DIP. Não há que se falar em devolução, pois o juiz, em ambos os casos, se adotasse a teoria da devolução, estaria julgando a causa por uma lei que ele considerou inicialmente incompetente (os que defendem a teoria da devolução dizem que a lei era inicialmente incompetente, mas tornou-se competente com a devolução operada pelo outro ordenamento jurídico).

LICC 16 e a teoria da devolução – Diz o LICC 16 que “quando, nos termos dos artigos precedentes, se houver de aplicar a lei estrangeira, ter-se-á em vista a disposição desta, sem considerar-se qualquer remissão por ela feita a outra lei”. A leitura do LICC 16 revela haver o direito positivo brasileiro repelido a teoria da devolução, eis que manda aplicar a disposição específica da lei estrangeira (direito sucessório, de família, obrigacional etc.). No entanto, a jurisprudência brasileira, inclusive do STF, há muito tempo admite a devolução. No projeto de lei geral do prof. Valadão, que revoga a LICC, substituindo-a, admite-se expressamente a teoria da devolução. Há quem procure justificar a orientação jurisprudencial com uma interpretação do LICC 16 que ao professor parece ser equivocada, no sentido de que o que a lei proibiu foi a devolução de segundo grau (“outra lei”, seria uma terceira lei, que não a lex fori). Em suma: o direito positivo repele a teoria devolução, mas as manifestações pretorianas admitem-na, havendo projeto de lei em plena tramitação no Congresso consagrando a devolução.

VI. Direito processual internacional

Competência – O LICC 12 é uma regra de direito processual internacional, pois fixa uma regra de competência ao dizer que é competente a autoridade judiciária brasileira, quando for o réu domiciliado no Brasil ou aqui tiver de ser cumprida a obrigação (domicílio e lugar). Essa regra, no entanto, não é absoluta, eis que às partes é dado eleger foro diverso. Já o §1.º do LICC 12 estabelece uma regra absoluta de competência: nas ações que digam respeito a imóveis situados no Brasil somente a autoridade judiciária brasileira é competente.

Carta Rogatória – LICC 12 §2.º – a autoridade judicante estrangeira não pode ordenar a realização de diligências em território brasileiro e vice-versa, em atenção à soberania própria dos Estados. Em função disso, criou-se a figura da carta rogatória, em que uma autoridade judiciária de um determinado país pede (roga) à autoridade judiciária competente do país onde o ato tem de ser praticado que o proceda em seu nome. As rogatórias, no entanto, não são cumpridas imediatamente, pois carecem de um provimento preliminar no STF. O exequatur tem a natureza jurídica da ato administrativo, competindo ao Presidente do STF concedê-lo às cartas rogatórias, e consiste na ordem para o seu cumprimento (“Cumpra-se”; “Execute-se” etc), após o preenchimento dos seguintes requisitos formais:

(a) a rogatória precisa estar em vernáculo, após realizada tradução por tradutor oficial;(b) a rogatória não pode ofender a soberania nacional, a ordem pública ou os bons costumes

(não se admite, p. ex., o cumprimento de rogatória para penhora de bem público).

Page 13: Parte geral do direito civil à luz do novo código  · Web viewEm determinados países a personalidade inicia-se no momento sagrado da concepção, ... A percepção dos frutos

Concedido o exequatur, a rogatória é encaminhada ao juízo competente para a prática do ato rogado.

Homologação de sentença estrangeira – LICC 15 – a sentença estrangeira pode estender a sua força ao território brasileiro, desde que seja homologada, após o que se equiparará a uma sentença produzida pelo Poder Judiciário brasileiro. As sentenças meramente declaratórias de estado da pessoa, no entanto, não necessitam de homologação para a produção de efeitos no Brasil. A homologação é da competência originária e exclusiva do STF, tendo a natureza jurídica de provimento judicial, competindo a decisão à Turma à qual for distribuída ou ao Pleno, no caso de divergência.

A homologação não significa reexame do mérito da causa, da justiça da decisão etc. O STF verificará apenas se a sentença está revestida dos requisitos legais elencados no LICC 15: (a) estar traduzida para o vernáculo por tradutor oficial, sendo irrelevante que os Ministros conheçam o idioma na qual foi redigida; (b) haver prova da autenticidade da sentença, por certidão da autoridade consular brasileira do país de onde ela emanou; (c) prova do trânsito em julgado da sentença, por certidão da lavra do tribunal estrangeiro (o fato de caber ação rescisória no país de origem da sentença é irrelevante, porque a rescisória não é recurso); (d) ter o ato emanado de autoridade competente no país de origem ― exemplo: o prof. Valadão ingressou, em 1934, com um pedido de homologação de sentença estrangeira no STF. Tratava-se de um divórcio obtido por um súdito dinamarquês, que lhe fora concedido através de um édito real (decreto do Rei da Dinamarca). Foi levantada preliminar pelo então Ministro Pedro Nunes, sustentando a impossibilidade jurídica do pedido, pois não se tratava de uma sentença estrangeira, ato do Poder Judiciário, mas sim de um ato do Poder Executivo. Após amplo debate, acabou prevalecendo a tese sustentada pelo prof. Valadão, que provou o fato de que na Dinamarca a única autoridade competente para conceder o divórcio era o Rei, não sendo o Judiciário dinamarquês competente para decretar o divórcio. O decreto real não possuía a forma, mas sim o conteúdo de sentença e quando a lei fala em homologação de “sentença estrangeira”, essa expressão não deve ser interpretada literalmente, mas no sentido de “decisão emanada de autoridade estrangeira competente que ponha fim ao conflito de interesses”. Pergunta de prova: “É possível homologar um decreto do Executivo estrangeiro no STF ?” Sim, desde que esse decreto seja da exclusiva competência do Executivo e tenha conteúdo de sentença, pondo fim a um conflito de interesses. Outro exemplo: na Inglaterra o único foro competente para conceder divórcio aos lordes é a Câmara dos Lordes, através de decreto legislativo (em atenção à disposição da Magna Carta segundo a qual os pares somente podem ser julgados por seus próprios pares). (e) ter sido a parte contrária regularmente citada no país de origem, tendo sido dada a oportunidade à mesma de se defender, o que se prova mediante certidão do tribunal onde tramitou a ação de que foi possível à outra parte se defender; (f) a sentença estrangeira não ofenda a soberania nacional, a ordem pública e os bons costumes.

Provas e meios de prova dos fatos ocorridos no estrangeiro – LICC 13 – a prova de fato ocorrido no estrangeiro não precisa ser produzida em Juízo no Brasil, podendo ser aproveitada aquela produzida perante Juízo estrangeiro, quando houver sido produzida em respeito à forma ali admitida. Porém, não se admite a prova produzida por meio atípico relativamente à lei processual brasileira. Se, p. ex., a prova for testemunhal e houver sido produzida da mesma forma que a lei processual ela será admitida em Juízo no Brasil; mas, se foi produzida mediante juramento será ignorada, porque o juramento não é meio de prova típico da lei processual brasileira.

LICC 17 – é um dos mais importantes artigos da LICC, pois funciona como uma espécie de barreira de proteção da ordem pública brasileira. Doutrinadores há que criticam a sua técnica de redação, taxando-a de jacobina, eis que utilizada na ordem inversa, ou seja, de que as leis, atos e

Page 14: Parte geral do direito civil à luz do novo código  · Web viewEm determinados países a personalidade inicia-se no momento sagrado da concepção, ... A percepção dos frutos

sentenças de outro país não terão eficácia no Brasil (regra geral) quando ofenderem a soberania nacional, a ordem pública e os bons costumes (exceção). A soberania nacional é um conceito político: uma lei estrangeira que limite o poder de autodeterminação brasileiro ou que diga que a Amazônia pertence a toda a humanidade como reserva natural de oxigênio ofenderia a soberania nacional. A ordem pública é o conjunto verdades éticas fundamentais de um povo, os valores éticos sobre os quais não se transige. São princípios de ordem pública, e. g., a monogamia no casamento, a liberdade de credo, a igualdade dos filhos, o direito à herança etc, geralmente encartados no CRFB 5.º.

02/09/03Código Civil – Parte Geral

(Lei n.º 10.406, de 10 de janeiro de 2002)

“Em que data entrou em vigor o novo Código Civil?” Há uma controvérsia doutrinária sobre esse tema. Há quem entenda, como o prof. Leoni, que o termo inicial de vigência do código seria o dia 12/01/03, de acordo com o art. 8.º, §1.º, da Lei Complementar 95/98. Predomina, entretanto, a orientação de que o código entrou em vigor no dia 11/01/03 (Capanema).

Do ponto de vista topográfico não houve mudança em relação ao Código revogado (CC/16), mantendo o Código atual (CC/02) a estrutura original, com a parte geral abrindo o código, dividida em três livros (das pessoas, dos bens e dos fatos jurídicos), seguida da parte especial. A ordem dos livros na parte geral não é aleatória, mas segue uma técnica, debitada ao remoto direito romano: primeiro trata-se das pessoas, que são os sujeitos dos direitos; segundo, dos bens, que são os objetos dos direitos; e por último dos fatos jurídicos, que fazem nascer as relações jurídicas que ligam as pessoas e a elas submetem os bens.

LIVRO IDas pessoas

A origem da palavra pessoa se deve ao antigo teatro grego, no qual os atores protagonizavam as peças em grandes anfiteatros ao ar livre, com péssima qualidade acústica para os espectadores mais afastados, o que fazia com que os atores tivessem de gritar para que se fizessem ouvir por todos. Em vista desse inconveniente, descobriu-se que quando colocada uma fina folha de metal à frente do rosto, o som nela repercutia e amplificava-se, pelo que passaram os atores a utilizar o artifício, ao qual chamaram persona (do verbo personare, que significa repercutir, ecoar). Só que com a folha de metal as pessoas ouviam melhor mas não viam as expressões dos artistas. Assim, foram desenvolvidas máscaras com as folhas de metal (chamadas personas), com as expressões dos atores, de acordo com o papel de cada um (dramático, cômico etc). Finalmente, com o passar do tempo os próprios atores passaram a ser chamados de personas, confundindo-se com as máscaras que utilizavam.

Pessoa Natural x Pessoa Jurídica – há duas modalidades de pessoas. Quando é o ser humano, individualmente considerado, o próprio sujeito do direito, o código denomina-o pessoa natural; quando, ao contrário, o sujeito do direito é um conjunto de pessoas ou de bens aos quais é conferida uma personalidade própria, diz-se estar diante de uma pessoa jurídica. A expressão “pessoa natural” é extremamente polêmica, havendo várias outras denominações em outras legislações, como “pessoa física”. Teixeira de Freitas era um veemente crítico de tais expressões. Dizia não se justificar a denominação “pessoa natural” se em direito não existe a antinomia, ou seja, uma pessoa sobrenatural; já a denominação “pessoa física” causava-lhe verdadeira ojeriza, pois priorizava o

Page 15: Parte geral do direito civil à luz do novo código  · Web viewEm determinados países a personalidade inicia-se no momento sagrado da concepção, ... A percepção dos frutos

corpo em detrimento do que o ser humano tem de mais importante: a alma. Preferia Teixeira de Freitas denominar o ser humano como “ente de existência visível”, sendo esta até hoje a terminologia utilizada na parte geral do código argentino (cujo projeto é da lavra do jurista argentino Vélez Sarsfield), que foi toda inspirada no esboço de Teixeira de Freitas.

Contudo, a nomenclatura utilizada pelo CC/16, mantida pelo CC/02, foi a de pessoa natural. Curioso notar que em direito tributário foi feita opção pelo termo “pessoa física” (p. ex.: na declaração do IR).

Direitos da personalidade – os direitos da personalidade são aqueles direitos que emanam da simples condição humana e visam assegurar a dignidade da pessoa humana. A personalidade é um atributo natural do ser humano, ou seja, todos são dotados de personalidade. Essa é uma regra jurídica sem uma única exceção. É a personalidade que atribui ao ser humano a condição de sujeito de direitos. Os direitos da personalidade são também chamados de direitos personalíssimos ou ainda de direitos humanos, sendo que esta última denominação não agrada ao professor, que a considera dotada de uma conotação política muito marcante.

Os direitos da personalidade estão agrupados em três grandes categorias: (a) os direitos relativos à integridade física do ser humano (e. g., direito à vida, ao corpo, à saúde etc); (b) os direitos relativos à integridade moral do ser humano (direito ao nome, à honra, à imagem, à privacidade etc); e (c) os direitos relativos à integridade intelectual do ser humano (direitos relativos à produção artística, literária, científica etc. Os direitos autorais). Os elencos da CRFB e do CC/02 não são exaustivos, havendo direitos da personalidade não referidos ali de forma expressa.

Características dos direitos da personalidade – Os direitos da personalidade são absolutos, no sentido de que são oponíveis erga omnes. São direitos inalienáveis, intransmissíveis e irrenunciáveis por serem absolutamente indispensáveis à preservação da dignidade do ser humano. É comum ouvir, no entanto, que determinado artista alienou os direitos autorais sobre sua obra, ou o direito de imagem a determinada emissora de televisão, o que é perfeitamente possível. Nessas hipóteses o que há é uma cessão temporária da utilização de determinados direitos, mediante remuneração ou não, mantendo o artista a titularidade do direito. Como são direitos inalienáveis, são também impenhoráveis, inexpropriáveis e imprescritíveis, não podendo ser adquiridos pela usucapião, por maior que haja sido o tempo de sua violação. De acordo com o art. 11 do CC/02, “com exceção dos casos previstos em lei, os direitos da personalidade são intransmissíveis e irrenunciáveis, não podendo o seu exercício sofrer limitação voluntária.”

Imprescritibilidade – quando se diz que os direitos da personalidade são imprescritíveis quer-se dizer que a defesa do direito ameaçado ou violado não está sujeita a prazo, daí porque não se admite falar um usucapião de direito da personalidade (é por essa razão que eu prefiro a denominação utilizada pelo prof. Agnelo Amorim Filho, de que tais ações seriam “perenes”, pois que insuscetíveis de prescrição ou decadência). No entanto, a pretensão indenizatória decorrente da violação do direito da personalidade, como de resto todas as pretensões patrimoniais, sujeita-se à prescrição.

Direitos individuais x direitos difusos e coletivos – houve uma época em que se disse que os direitos da personalidade estavam no ápice da pirâmide dos direitos, porque absolutos. Hoje a questão foi flexibilizada. De acordo com o prof. Gustavo Tepedino os direitos difusos sobrepor-se-iam aos direitos da personalidade (ex.: o condutor de veículo automotor pode ser compelido a submeter-se ao exame do “bafômetro”, pois o direito difuso da segurança no trânsito sobrepõe-se ao direito individual de inviolabilidade do corpo, pelo princípio da proporcionalidade). Já o STF entendeu (por maioria de 7x4) que o indivíduo não pode ser compelido a submeter-se a exame de DNA em ação de investigação de paternidade por importar invasão de seu corpo, em clara

Page 16: Parte geral do direito civil à luz do novo código  · Web viewEm determinados países a personalidade inicia-se no momento sagrado da concepção, ... A percepção dos frutos

preponderância do direito individual do réu sobre o direito individual do autor em ver reconhecida a sua paternidade.

Caso interessante é o do anão que trabalhava numa boate em uma cidade francesa sendo arremessado de mesa em mesa como uma atração da casa. O prefeito da cidade proibiu essa prática, interditando o estabelecimento. Em conseqüência, o anão impetrou uma medida judicial para continuar desempenhando essa função, pois aquele era o seu único meio de sustento, que antes era dificultoso em função da sua deficiência física. No entanto a decisão do prefeito foi prestigiada ao argumento de que acima do direito do anão ao seu próprio corpo estava o direito coletivo de não permitir um ato atentatório à dignidade da pessoa humana.

Seja como for, a regra geral é a de que os direitos da personalidade são absolutos e só excepcionalmente poderão ceder frente a um direito coletivo, cabendo ao juiz, no caso concreto, decidir de acordo com os princípios da razoabilidade e proporcionalidade.

Proteção específica – CC/02, art. 12 – No sistema do código atual os direitos da personalidade constituem uma categoria jurídica autônoma, merecendo proteção em um capítulo próprio, o que não se verificava no código anterior, que regulava a matéria como “efeitos” da personalidade. Aliás, a obsolescência do código Beviláqua ocasionou uma migração dos grandes temas do direito civil, que acabaram por aninhar-se em sede constitucional. Em razão do silêncio do código antigo sobre o assunto, os direitos da personalidade acabaram por ser regulados no art. 5.º da CRFB, onde se encontram elencados praticamente todos os direitos da personalidade, como cláusulas pétreas. Mas havia necessidade de o CC/02 referir-se a eles, uma vez que já se encontravam referidos na CRFB? Sim, havia. Primeiro porque a matéria é de direito civil; segundo porque a CRFB, embora elenque os direitos da personalidade não criou para eles um tutela específica, o que agora foi feito no CC/02.

Assim, a CRFB e o CC/02 agora se completam, para conferir aos direitos da personalidade uma proteção muito mais eficaz: a CRFB elenca alguns desses direitos, assegurando-os como cláusulas pétreas; o CC/02 cria uma tutela específica de proteção desses direitos. Essa tutela pode ser inibitória ou repressiva, conforme prevê o art. 12 do CC/02.

Parágrafo único – questão de alta relevância – há uma incoerência aparente na regra deste parágrafo único, ao deferir aos legitimados que elenca (do cônjuge ao primo) a possibilidade de defender em juízo direitos da personalidade de parente já falecido, pois, se a personalidade cessa com a morte, os direitos da personalidade extinguir-se-iam junto. Doutrina e jurisprudência eram uníssonas em não admitir a defesa desses direitos uma vez morto o titular dos mesmos.

Contudo, não se afigura razoável que estando a pessoa morta os seus parentes tenham de se submeter ao constrangimento de ver vilipendiada a memória daquele ente querido. Assim, começou-se a entender que quando um indivíduo vai a Juízo buscar reparação contra a ofensa a um parente morto, este indivíduo está postulando a defesa de um direito próprio.

O leading case que originou a redação do parágrafo único do art. 12 foi o da filha do pintor Di Cavalcanti. Quando do falecimento deste que foi um dos maiores pintores brasileiros, a sua aparência, devido ao uso dos remédios no estágio final de sua doença, estava bastante comprometida, causando até uma certa repugnância. Sendo assim, os familiares decidiram por fazer o velório do pintor com o caixão fechado. Ocorre que durante a madrugada compareceu ao velório o cineasta Glauber Rocha, que estava fazendo um filme sobre a vida do pintor, e, à revelia da filha do pintor, abriu o caixão e filmou a imagem do pintor falecido. Quando já estava ficando pronto, a filha do pintor viu o filme e solicitou ao cineasta que cortasse a cena do velório em que aparecia a figura do artista morto, o que se recusou a fazer o cineasta. Foi aí que a filha do pintor ingressou em Juízo para impedir a divulgação do filme com aquela cena. A defesa do cineasta baseou-se na proibição de censura e na alegação de que não havia direito da personalidade a ser protegido, vez que se tratava o cadáver de uma res. Depois de muita discussão na 5.ª Câmara Cível do TJRJ,

Page 17: Parte geral do direito civil à luz do novo código  · Web viewEm determinados países a personalidade inicia-se no momento sagrado da concepção, ... A percepção dos frutos

decidiu-se de forma pioneira por proibir-se a exibição do filme, entendendo-se que o direito cuja proteção se almejava era da filha do pintor e não o dele próprio.

Direito à vida e à integridade física – CC/02 13 e 14 – estes artigos referem-se ao direito à vida e ao direito ao corpo. O princípio reitor sobre o tema no direito positivo é o de que, salvo por exigência médica, é defeso o ato de disposição do próprio corpo, quando importar diminuição permanente da integridade física ou contrariar os bons costumes. Proibiu-se assim, por exemplo, a operação transexual, não podendo um médico realizar tal operação, sob pena de praticar ato ilícito, mesmo com a concordância do paciente.

O ato de disposição do próprio corpo, no todo ou em parte, só é admitido após a morte do sujeito, mas desde que com finalidade altruística ou científica, podendo ser revogado a qualquer tempo (art. 14 e p. ún.).

Por outro lado, não se pode submeter o paciente a tratamento médico ou cirurgia quando haja risco de vida (art. 15) sem o seu consentimento. O médico tem o dever legal de informar as possíveis conseqüências do tratamento ou intervenção cirúrgica ao paciente, a quem caberá decidir pela realização ou não. Essa regra, contudo, é relativa. Quando o paciente se encontrar em iminente risco de vida o médico deverá tomar as providências necessárias ao salvamento do indivíduo, mesmo à revelia do mesmo.

“Quid inde se uma criança dá entrada em um hospital necessitando de uma transfusão de sangue e os pais, testemunhas de Jeová, negam autorização ao médico para realizar o tratamento?” R. Inicialmente, há que verificar se há ou não iminente risco de vida para a criança. Havendo, poderá o médico proceder de modo a salvar a vida da criança, mesmo contra a vontade expressa dos responsáveis da mesma. Se, por outro lado, não houver iminente risco de vida, deverá o médico levar o fato ao conhecimento do Ministério Público local, que deverá ajuizar ação de destituição do poder familiar, requerendo a nomeação de curador para autorizar o tratamento ou intervenção. “E se, na mesma hipótese, for o próprio pai, maior e capaz, quem negar a autorização?” R. Neste caso o médico, havendo iminente risco de vida, poderá fazer o que couber para salvar a vida do paciente, mesmo contra a sua vontade expressa, pois o direito à vida é indisponível. Não havendo risco iminente, deve o médico liberar o paciente, após esclarecer-lhe as conseqüências da sua recusa.

Direito ao nome – CC/02 16 até 19 – a proteção do nome do CC/02 é outra novidade, uma vez que o CC/16 não disciplinava a matéria. A única lei que regulava a matéria até então era a Lei dos Registros Públicos, que continua em vigor, disciplinando o registro do nome e as formalidades essenciais relativas ao nome. O código disciplina, a seu turno, a proteção a esse direito da personalidade, sendo certo que o nome é privativo das pessoas e não há indivíduos sem nome. É por isso que uma das funções dos juízes das Varas da Infância e da Juventude é a de atribuir prenome e nome aos menores em situação irregular que lhes são apresentados (v. g., abandonados ao nascer, sem que se possa identificar os pais), devendo ser evitados aqueles prenomes vexatórios, por óbvio.

Pseudônimo – outra novidade trazida pelo atual código é a extensão da proteção do nome como direito da personalidade ao pseudônimo, desde que este seja utilizado para atividade lícita.

Direito à privacidade e à imagem – CC/02 20 – a regra geral é a de que não se pode divulgar as palavras faladas ou escritas e a imagem das pessoas. A exceção se dá quando haja autorização do titular do direito, necessidade de divulgação para a administração da justiça ou manutenção da ordem pública. Já o parágrafo único deste artigo repete a regra do parágrafo único do art. 12: se o titular do direito à imagem ou à privacidade houver falecido, o direito à proteção se estende a seus parentes. Não há explicação razoável para a omissão no rol do par. ún. do art. 20 do companheiro e dos colaterais até o quarto grau, como previsto no par. ún. do art. 12, motivo pelo qual o prof.

Page 18: Parte geral do direito civil à luz do novo código  · Web viewEm determinados países a personalidade inicia-se no momento sagrado da concepção, ... A percepção dos frutos

entende possível a aplicação da analogia, para legitimar a essas pessoas. Há divergência doutrinária quanto à natureza da legitimação prevista nestes dispositivos: para uns os legitimados vão a Juízo em nome próprio para a defesa de direito alheio (legitimação extraordinária); outros entendem que não há que se falar em direito alheio uma vez que o morto não tem personalidade, sendo certo que os legitimados vão a Juízo em defesa de direito próprio, sendo esta última orientação a mais correta, na opinião do mestre.

Nova tendência à efetividade (ou operacionalidade) – CC/02 21 – este artigo é citado pela doutrina como um dos mais eloqüentes exemplos dessa nova tendência adotada pelo CC/02. O prof. Miguel Reale diz que o novo código se resume em três palavras: eticidade, socialidade e efetividade. Esta última consiste em dar aos juízes maior liberdade para decidir os conflitos de interesses, vale dizer, aumenta-se a discricionariedade (e não arbitrariedade) do juiz. Assim, deve o juiz adotar as medidas necessárias à efetividade das suas decisões em sede de tutela do direito à privacidade, ainda que tais medidas não hajam sido previstas no texto da lei, mas desde que congruentes com o ordenamento jurídico como um todo.

Como ocorre com todos os outros direitos da personalidade, o direito à privacidade embora absoluto, admite flexibilização, cumprindo ao magistrado, no caso concreto, admitir ou não eventuais provas ilícitas obtidas com violação àquele direito. Assim, por exemplo, em sede de direito de família pode ser admitida uma gravação clandestina como prova, desde que não seja possível à parte a quem tal prova beneficia comprovar o fato por outro meio de prova.

09/09/03

Início da personalidade – não há consenso entre as diversas legislações acerca do momento em que o indivíduo torna-se sujeito de direitos e deveres, com a aquisição da personalidade. Em determinados países a personalidade inicia-se no momento sagrado da concepção, sendo suficiente a existência de vida intra-uterina para o início da personalidade. Por outro lado, há sistemas (como o francês) em que a personalidade somente se inicia após o nascimento com vida e demonstrada pelo nascituro a sua viabilidade, mediante a reunião de condições físicas que assegurem a sua sobrevivência depois de separado do corpo materno, viabilidade esta que somente se caracteriza vinte e quatro horas após o corte do cordão umbilical. Há sistemas (como o espanhol) em que a personalidade só se inicia com o nascimento com vida, demonstrada a viabilidade e a forma humana, para que os monstros teratológicos não sejam dotados de personalidade e possam ser inclusive sacrificados, sem que seja cometido homicídio.

No Brasil, desde o CC/16, a personalidade tem início com o nascimento com vida, ou seja, a única exigência para que se configure o início da personalidade é o fato de ter o indivíduo nascido do ventre de mulher e ter respirado. Na terminologia médico-legal diz-se ter havido personalidade no momento em que se deu a primeira troca oxicarbônica (inspiração de oxigênio e expiração de gás carbônico). Quando fica provado que o nascituro não respirou, lavra-se um único assento de nascimento e óbito, não se atribuindo nome ao nascituro, que é designado nessa certidão apenas como feto, porque o nome é privativo das pessoas. Se, ao contrário, respirou uma única vez, faz-se o registro do nascimento e o de óbito.

Controvérsia acerca do nascituro – LICC 2.º - do que restou consignado acima tem-se que o feto no ventre materno, no direito brasileiro, não tem personalidade, vale dizer, não é sujeito de direito, em que pesem as vozes em sentido contrário, como a do prof. Leoni, que sustenta convictamente já haver personalidade na fase de gestação, reeditando o entendimento de Clóvis Beviláqua sobre o tema. O fato de não ter o nascituro personalidade não significa que o mesmo não esteja protegido pelo direito, sendo-lhe asseguradas pela lei civil as expectativas de direito. O nascituro, conquanto

Page 19: Parte geral do direito civil à luz do novo código  · Web viewEm determinados países a personalidade inicia-se no momento sagrado da concepção, ... A percepção dos frutos

não seja titular de direitos, pode deter expectativa de direito, que é uma modalidade de direito futuro.

Essa criação não se deve a Clóvis Beviláqua, ao contrário do que muitos acreditam. No projeto original do Código de 1916 estava consignado que a personalidade iniciava-se na concepção, mas os seus efeitos ficavam suspensos até o nascimento com vida. Ocorre que quando o projeto chegou à Câmara, o presidente da comissão revisora, ninguém menos que Ruy Barbosa, opôs-se veementemente a esse sistema, tendo modificado-o para fazer constar o que prevalece até hoje, ou seja, o do nascimento com vida como marco do início da personalidade. O principal argumento de Ruy era o de que a personalidade é o marco principal na vida das pessoas, pelo que não poderia o seu início ficar remontando a um fato que não se pudesse precisar quando teria ocorrido.

Mas aí surgem umas questões curiosas acerca do sistema adotado pela lei civil para o início da personalidade. Se o nascituro no ventre materno não é pessoa, não tem a aptidão para adquirir direitos, como pode ser realizada uma doação para o nascituro? Pelo mesmo motivo, como se justificaria a nomeação de curador para a defesa de seus interesses? No primeiro caso, a doação é um negócio jurídico sujeito a condição suspensiva: a doação só se tornará eficaz se implementar-se a condição suspensiva que é o nascimento com vida. Na segunda hipótese, diz-se que ao curador ao ventre compete velar pelas expectativas de direito do nascituro eventualmente ameaçadas (ex.: falecendo um indivíduo sem herdeiros necessários, pode haver conflito de interesses entre a viúva grávida e o nascituro que se encontra em seu ventre, ensancha à nomeação do curador).

Dosimácia hidrostática de Galeno – é o nome dado ao teste que se faz para a verificar se o feto nasceu com vida ou não. Consiste em cortar um pedaço do tecido pulmonar do nascituro, colocando-o após em um recipiente cheio d’água. Se o pedaço afundar, é sinal de que não há ar nos alvéolos; se flutuar, é porque há ar nos alvéolos, o que prova haver o nascituro respirado, pois não há outra forma de haver o ar entrado nos pulmões do nascituro.

Fim da personalidade – o dies ad quem da personalidade é a morte (o cadáver é coisa, pois falta-lhe personalidade). Mas que morte? É que há várias espécies de morte: (a) morte natural, aquela sobre a qual se tem certeza da sua ocorrência, não importando a causa mortis (um sujeito atropelado por um trem tem morte natural e não acidental); (b) morte presumida (ou por ausência), em que há uma presunção de que a pessoa haja morrido, em vista de seu desaparecimento; (c) morte civil (ou morte moral, segundo os romanos), em que, embora a pessoa esteja sem dúvida viva, é considerada morta em determinadas hipóteses (ex.: declarada a indignidade do herdeiro, quando da abertura da sucessão de um seu parente será ele considerado pré-morto, não sendo chamado a suceder, mas apenas seus descendentes, se houver).

Embora o código não especifique quais das mortes acima descritas acarreta a perda da personalidade, o entendimento uníssono na doutrina é no sentido de que apenas a morte natural tem esse efeito. É que nos casos de morte presumida o indivíduo é declarado ausente e não morto, de modo que se ele voltar após vários anos não precisará fazer nova certidão de nascimento etc.

Quando da edição do código revogado, para se saber se uma pessoa estava ou não viva auscultava-se o coração. Havendo o coração parado de bater, considerava-se morta a pessoa. Com o avanço da medicina, no entanto, percebeu-se que é possível manter a pessoa viva, mesmo com o coração parado e fora de seu corpo, razão pela qual deslocou-se o órgão da vida para o cérebro. Cessando os impulsos elétricos dos neurônios, que comandam as funções vitais, considerava-se morta a pessoa. Contudo, um novo avanço na medicina permitiu que as funções vitais se mantivessem intactas sem um único impulso elétrico proveniente dos neurônios (ao que se chama morte cerebral), permitindo que a pessoa continuasse viva mesmo após cessada a sua atividade cerebral. Daí perguntar-se: será que uma pessoa que se mantém única e exclusivamente pelo funcionamento de aparelhos pode ser considerada viva? Tem essa pessoa personalidade? O

Page 20: Parte geral do direito civil à luz do novo código  · Web viewEm determinados países a personalidade inicia-se no momento sagrado da concepção, ... A percepção dos frutos

novo código não responde, mas doutrina e jurisprudência brasileiras são unânimes em dizer que, mantidas as funções vitais (circulação do sangue, respiração etc), sendo desimportante o modo como se mantêm (por aparelhos ou naturalmente), persiste a personalidade.

Comoriência – CC/02 8.º - é um fato jurídico que consiste na presunção de simultaneidade de mortes de pessoas entre as quais haja uma relação jurídica de direito material, quando não se possa precisar a ordem de precedência no óbito. As legislações do mundo variam quanto à solução do problema: no código alemão presume-se que os mais velhos morreram primeiro, solução inspirada na chamada ordem natural (se um avião cai, não se podendo precisar quem morreu primeiro, a presunção é a de que primeiro morreu o avô, que transferiu seus bens a seu filho, e depois morreu o filho, que transferiu seus bens ao neto daquele); o código francês tem uma solução interessante, inspirada nas leis do cavalheirismo antigo, segundo a qual, havendo homens e mulheres, presume-se que os homens morreram primeiro). No entanto, a maioria esmagadora dos ordenamentos jurídicos segue o modelo da comoriência: presume-se que todos morreram a um só tempo.

A comoriência tem como conseqüência jurídica a não-transmissibilidade recíproca de direitos entre os comorientes, o que se dá por razão lógica, já que se morreram ao mesmo tempo não poderiam adquirir qualquer direito, considerando-se o fim simultâneo da personalidade. Exemplo: João é casado com Maria pelo regime da comunhão universal de bens (metade do patrimônio pertence a cada qual dos cônjuges). Ambos não possuem ascendentes nem descendentes. João possui penas um irmão, Pedro, e Maria possui apenas uma irmã, Ana. João e Maria tomam um avião, que vem a cair. Vejamos as seguintes hipóteses: (a) a equipe de socorro chega ao local e encontra João morto, mas Maria ainda respirando, vindo a morrer logo após. Assim, como João não possuía ascendentes nem descendentes, todo o seu patrimônio (meação) foi herdado por Maria e, com a morte desta, todo o patrimônio foi transferido a Ana, nada tendo Pedro a receber; (b) a equipe de socorro chega ao local e encontra ambos mortos, não de podendo precisar quem morreu primeiro. Assim, nem João herda a meação de Maria nem Maria herda a meação de João, em razão da comoriência, pelo que metade do patrimônio de João passará a Pedro e metade do patrimônio de Maria passará a Ana.

Questão de prova passada da magistratura estadual: fiduciário e fideicomissário de um bem entraram juntos num avião, que vem a cair. Ambos têm filhos. Dadas as seguintes situações, quais as conseqüências jurídicas? (a) a equipe de socorro chega ao local e encontra o fiduciário morto e o fideicomissário vivo, vindo logo após a falecer ― neste caso, o bem, ao morrer o fiduciário, transmite-se ao fideicomissário, que ao morrer deixa-o a seus filhos, nada recebendo os filhos do fiduciário; (b) a equipe de socorro chega ao local e encontra o fideicomissário morto e o fiduciário vivo, vindo este a morrer logo após. Neste caso, extingui-se o fideicomisso e consolida-se a propriedade do bem nas mãos do fiduciário, passando posteriormente o bem a seus herdeiros; (c) a equipe de socorro chega ao local e encontra ambos mortos. Neste caso, extingue-se o fideicomisso e o bem passa para os herdeiros do fiduciário, pois não há transmissão de direitos entre comorientes.

Fideicomisso – é uma disposição especial na qual uma pessoa (fideicomitente) transfere a propriedade de um bem a outra pessoa (fiduciário), mas impõe que, uma vez verificada certa condição ou decorrido certo lapso temporal, a titularidade do bem se transmita a uma terceira pessoa (fideicomissário). Diz-se o fideicomisso vitalício quando só pela morte do fiduciário o bem se transfere ao fideicomissário ou temporário, quando tal fato se der pelo decurso de certo tempo. No sistema do código revogado só se admitia a instituição de fideicomisso em testamento (atual art. 1951). Atualmente, é admitido o fideicomisso por ato inter vivos, numa doação (no entanto, não encontrei no código artigo que disponha nesse sentido, quer na parte de doação, quer na parte de fideicomisso), até o segundo grau, ou seja, é nula a disposição de que com a morte do fideicomissário ou após decorrido certo tempo o bem passará a uma quarta pessoa. Se o fideicomissário morre antes do fiduciário extingue-se o fideicomisso, consolidando-se a

Page 21: Parte geral do direito civil à luz do novo código  · Web viewEm determinados países a personalidade inicia-se no momento sagrado da concepção, ... A percepção dos frutos

propriedade nas mãos do fiduciário; mas se o fiduciário morre antes do fideicomissário a propriedade se transfere a este.

16/09/03

Capacidade civil – ao lado do conceito de personalidade temos o de capacidade civil, que freqüentemente é confundido com aquele, chegando alguns a imaginar tratar-se de sinônimos. Embora haja grande afinidade entre os institutos, os mesmos não se confundem. A confusão deriva do fato de a capacidade civil desdobrar-se em duas espécies: a capacidade de direito (capacidade genérica, para alguns), e a capacidade de exercício (ou de fato). A capacidade de direito, da qual todos os seres humanos são dotados, consiste na aptidão que se confere às pessoas para diretamente adquirir direitos e contrair obrigações (CC/02 1.º). A capacidade de direito é sinônimo de personalidade. Já a capacidade de fato (ou de exercício) só é adquirida na forma da lei civil residindo aí a principal diferença entre personalidade (capacidade de direito) e capacidade de fato: aquela decorre do nascimento com vida, da simples condição de ser humano; esta depende, além da personalidade, do preenchimento de certa condição legal. Não fosse a divisão da capacidade em de direito e de fato e não haveria distinção entre personalidade e capacidade. A capacidade de fato é a aptidão para praticar diretamente os atos da vida civil, emitindo validamente a vontade própria. O sujeito que não é dotado de capacidade de fato pode livremente adquirir direitos e contrair obrigações, o que se impede é que o faça diretamente, por ato próprio de vontade.

Incapacidade – é uma restrição legal à manifestação direta e válida de vontade. A regra geral é a de que as pessoas são capazes, sendo a incapacidade a exceção e, como tal, deve ser restritivamente interpretada. A incapacidade, no sistema inaugurado pelo novo código, decorre sempre de uma deficiência interna da pessoa ― no código revogado os ausentes eram incluídos no rol dos incapazes, o que merecia severas críticas, porque os ausentes não ostentavam qualquer deficiência interna. Há dois graus de incapacidade, dependendo da gravidade da deficiência interna da pessoa: a incapacidade absoluta ― em que inexiste compreensão do caráter ético dos atos e de seus efeitos ― e a incapacidade relativa ― em que há um mínimo de compreensão, mas esta é ainda incompleta. Os atos praticados pelos absolutamente incapazes são fulminados com a sanção da nulidade absoluta; já os atos cuja prática é proibida aos relativamente incapazes são passíveis de uma sanção mais branda, a anulabilidade, podendo até mesmo ser aproveitados quanto aos seus efeitos.

Incapacidade absoluta – CC/16 5.º - os casos de incapacidade absoluta no código revogado eram os seguintes: (a) os menores de dezesseis anos (os chamados menores impúberes, isto é, aqueles que ainda não haviam ingressado na puberdade), pois entendia-se que estes não tinham capacidade de discernimento para praticar diretamente seus atos, por desenvolvimento mental incompleto; (b) os loucos de todo gênero, assim entendidos os que possuem uma patologia mental; (c) os surdo-mudos que não pudessem exprimir sua vontade, por não terem recebido educação especializada de modo a superar sua deficiência física; (d) os ausentes, sob severas críticas doutrinárias, pois não há neste caso qualquer deficiência interna. CC/02 3.º - no código em vigor as hipóteses de incapacidade absoluta restaram reduzidas a três: (a) os menores de dezesseis anos. Entendeu o legislador que, em termos gerais de Brasil, seria mais prudente manter essa faixa etária, pois se de um lado uma pessoa com 14 anos vivendo no Rio de Janeiro já tem um grau de instrução e informação que lhe permite praticar validamente determinados atos, o mesmo não se dá em relação a alguém com a mesma idade que viva no interior do Amazonas; (b) os que, por enfermidade ou deficiência mental, não tiverem o necessário discernimento para a prática desses atos. Foi abandonada a expressão “loucos de todo gênero”, que com o passar do tempo ganhou uma conotação pejorativa e estigmatizante,

Page 22: Parte geral do direito civil à luz do novo código  · Web viewEm determinados países a personalidade inicia-se no momento sagrado da concepção, ... A percepção dos frutos

além de ser hoje extremamente vaga, em vista dos avanços da psiquiatria na classificação das patologias mentais (e. g., esquizofrênicos, oligofrênicos, maníacos depressivos etc). É sabido que determinadas patologias permitem ao indivíduo momentos de lucidez (como a esquizofrenia), pelo que se afigurava extremamente injusta a reunião, sob o rótulo de “loucos de todo gênero”, de todos aqueles que possuam enfermidade mental. Outros, porém, defendiam a redação primitiva, ao argumento de que o código é feito para o povo e não é um tratado de psiquiatria, de nada valendo a inclusão no texto do código de expressões médico-legais. Assim, seria válida a utilização de uma fórmula genérica, cabendo ao perito, no caso concreto, determinar se a patologia era ou não causa de incapacidade. O novo código, contudo, prestigiou a primeira orientação, substituindo a expressão “loucos de todo gênero” por “aqueles que, por enfermidade ou deficiência mental, não tiverem o necessário discernimento para a prática desses atos”, pouco importando ao juiz saber qual o tipo de enfermidade da qual é portador o sujeito, cabendo ao perito, no caso concreto, concluir se a aludida enfermidade tem ou não o condão de retirar-lhe a capacidade; (c) os que, mesmo por causa transitória, não puderem exprimir sua vontade. Incluem-se aqui os descerebrados, os que se encontram em coma profundo etc. Durante o período em que se verificar a causa transitória, carece o indivíduo de capacidade de fato.

Incapacidade relativa – CC/16 6.º - no sistema do código revogado eram relativamente incapazes: (a) os maiores de 16 e menores de 21 anos (os chamados menores púberes, ou seja, os que já estariam na puberdade); (b) os pródigos, assim considerados os que possuem um compulsão psicológica, vale dizer, um desvio de comportamento, que nada tem a ver com patologia mental. Essa compulsão psicológica leva o indivíduo a, sem justa causa, reduzir-se à miséria, dilapidando seu patrimônio. Note-se que se a pessoa, por convicção religiosa ou filosófica, resolve, e. g., ingressar na ordem franciscana ou dos monges trapistas, que exigem voto de pobreza e que a pessoa não possua qualquer bem material, tal fato não consistirá em prodigalidade, pois configurada a justa causa. A maior prova de que a prodigalidade não se confunde com a deficiência mental reside no fato de que o MP não ostenta legitimidade para requerer a interdição por prodigalidade (mas somente o cônjuge ou companheiro ou os herdeiros necessários), como lhe é dado em relação aos deficientes mentais, desde que se trate de indivíduo que ofereça perigo para terceiros (o “louco furioso”). Outra distinção reside no fato de que a interdição por prodigalidade somente atinge os atos que possuam reflexos patrimoniais. Assim, pergunta-se: Pode o pródigo, a seu exclusivo alvedrio, casar-se ou há neste caso necessidade de autorização de seu curador ? A questão já foi objeto de discussão no STF, que acabou por decidir que a autorização do curador é imprescindível, independentemente do regime de bens, uma vez que do casamento decorrem efeitos patrimoniais, como a obrigação alimentar. Pode a interdição por prodigalidade ser requerida por colateral ? Houve um caso concreto em que o juiz indeferiu liminarmente o pedido, ao argumento de que, em se tratando de prodigalidade, somente os herdeiros necessários ou o cônjuge ostentariam legitimidade ativa (isso porque se não há herdeiros necessários a pessoa poderá dispor inteiramente de seu patrimônio, podendo, inclusive, deixar em testamento todo o seu patrimônio para um terceiro qualquer, sem prejudicar direito dos colaterais, ao contrário do que ocorre com os herdeiros necessários, que não podem ser afastados da herança, salvo por renúncia, indignidade ou deserdação). Mas a interdição no caso concreto foi requerida por colateral de segundo grau ao argumento de que os irmãos sujeitam-se à obrigação alimentar e o pródigo, após desfazer-se de todo o seu patrimônio e ficar reduzido à miséria, terá direito de postular alimentos. Nesse caso, entende o mestre poder ser reconhecida legitimidade ativa ao colateral de segundo grau para requerer a interdição; (c) os silvícolas ― até 1962, constavam desse rol as mulheres casadas, excluídas pela Lei n.º 4121/62 (Estatuto da Mulher Casada). O critério para a inclusão das mulheres no rol não era o do sexo, mas sim o do estado civil (mulheres solteiras maiores de 21 anos, viúvas ou desquitadas, eram plenamente capazes). Essa foi uma forma encontrada para submeter a mulher casada ao jugo do marido, que era o chamada “cabeça do casal”. Se a mulher casada tivesse capacidade absoluta

Page 23: Parte geral do direito civil à luz do novo código  · Web viewEm determinados países a personalidade inicia-se no momento sagrado da concepção, ... A percepção dos frutos

para a prática dos atos da vida civil, o marido não teria ascendência jurídica sobre a sua mulher. CC/02 4.º - no sistema vigente, são relativamente incapazes: (a) os maiores de 16 e menores de 18 anos. Essa alteração tem grande relevância, pois no dia 10 de janeiro de 2003 milhares de brasileiros dormiram relativamente incapazes e acordaram plenamente capazes no dia seguinte. Como essa disposição cuida do estado das pessoas tem aplicação geral e imediata; (b) os ébrios habituais, os viciados em tóxicos e os que, por deficiência mental, tenham o discernimento reduzido. Qual a diferença entre os absolutamente incapazes e os relativamente incapazes por deficiência mental ? É que as patologias mentais são diferentes, havendo a deficiência mental que acarreta uma total falta de discernimento (acarretando a incapacidade absoluta) ou, de outro giro, uma percepção reduzida (ensancha ao reconhecimento da incapacidade relativa). Essa distinção legal fará com que os processos de interdição tornem-se mais técnicos, pois não basta (como no sistema anterior) que o expert afirme no laudo que o interditando possui deficiência mental, mas sim o grau dessa deficiência e quão afetado por ela o poder de discernir do interditando. Já no que diz respeito aos ébrios e toxicômanos, temos que não é o mero fato objetivo de consumir bebida alcoólica ou substância estupefaciente que determina a incapacidade absoluta. É necessário, para o reconhecimento da incapacidade relativa, que tais fatos influam no discernimento do indivíduo, levando-o a praticar atos que, em condições normais, jamais praticaria; (c) os excepcionais, sem desenvolvimento mental completo. Qual a diferença entre os ditos excepcionais e os acometidos de deficiência mental ? É que há pessoas que, apesar de terem um comportamento diferente daquele considerado normal, não podem ser tidos por deficientes mentais (como é o caso, e. g., dos portadores da síndrome de down e os altistas). Mas o primordial é saber se, em virtude dessa condição, o indivíduo tem o discernimento reduzido ― quando será tido por relativamente incapaz ― ou subtraído ― quando será tido por absolutamente incapaz; (d) os pródigos, valendo tudo o que já restou consignado acima.

Silvícolas – na redação do parágrafo único do art. 4.º a capacidade dos índios será regulada por legislação especial. O problema é que houve emenda parlamentar substituindo a expressão “silvícolas” por “índios”, como se fossem sinônimas, quando na realidade não são. A expressão “silvícola” (do latim silvae = floresta, selva, mata) revela um estágio de desenvolvimento mental incompleto, enquanto “índio” é uma raça. Assim, na análise do mestre o dispositivo em comento é manifestamente inconstitucional, eis que estabelece uma distinção a partir da raça. A incapacidade do silvícola é estabelecida em função de seu desenvolvimento mental incompleto e não por questão de raça; se, por exemplo, um dinamarquês for criado na selva, sem ter contato com os costumes da civilização, será considerado silvícola, apesar de sua etnia. Recentemente foi descoberto um quilombo no interior da Paraíba, em os negros que o compõem sequer sabiam que a escravidão fora abolida; são eles considerados silvícolas, mas não são índios. CONCLUSÃO: como o parágrafo único contém um regra restritiva de direitos, demandando assim uma interpretação restritiva, tem-se que, na vigente ordem civil, tanto os índios (na pendência de norma específica que regule a matéria) como os silvícolas são plenamente capazes.

Modos de aquisição antecipada da capacidade de fato: é possível atingir a capacidade plena antes da idade mínima de 18 anos. O código de 1916 já previa hipóteses nesse sentido, quase todas mantidas no novo código e ampliadas, tal como previsto no atual art. 5.º, parágrafo único. São elas: (a) a emancipação do maior de 16 e menor de 18 anos de idade (no sistema do código revogado essa faixa etária era entre os 18 e 21 anos). Numa espécie de contramão da sua orientação geral, o novo código passou a exigir instrumento público obrigatório como da substância do ato de emancipação (diversamente do sistema anterior), que se tornou eminentemente solene. A emancipação é uma faculdade dos pais (oportunidade e conveniência), não se admitindo que o filho venha a exigir de seus pais que o emancipem. Quando a emancipação for concedida pelos pais, não haverá necessidade de prévia justificativa ou autorização judicial, somente sendo esta necessária quando

Page 24: Parte geral do direito civil à luz do novo código  · Web viewEm determinados países a personalidade inicia-se no momento sagrado da concepção, ... A percepção dos frutos

haja discordância entre eles. O controle judicial do ato de emancipação incidirá apenas em relação às formalidades legais exigidas para a existência, validade e eficácia do ato, quando e escritura de emancipação for levada para averbação no Registro Civil de Pessoas Naturais, após ouvido o órgão ministerial. Se a emancipação, por outro lado, for concedida por tutor (ou por quem quer se encontre no exercício do poder familiar, a não ser os pais), carecerá de autorização judicial. A exigência justifica-se, a uma, porque o tutor pode conceder a emancipação do pupilo no desiderato de ver-se desobrigado de suas responsabilidades; a duas, porque o tutor não pode, enquanto perdurar a tutela, adquirir bens de seu pupilo, mesmo em hasta pública. Assim o ato de emancipação poderia mascarar este interesse do tutor; (b) o casamento entre maiores de 16 e menores de 18 anos (a chamada idade núbil). É possível, excepcionalmente, que a mulher menor de 16 anos se case, nos termos do atual art. 1520 ― no código revogado havia disposição segundo a qual uma vez autorizado o casamento abaixo da idade núbil, o juiz na sentença determinaria a separação de corpos do casal até que a mesma fosse atingida. Tal regra afigurava-se ridícula: como fiscalizar o cumprimento da sentença, pondo um oficial de justiça para morar durante dois anos com o casal para evitar a cópula? ― Caso os pais do menor entre 16 e 18 anos, sem justa causa, recusem-se a conceder autorização para o casamento, poderá o juiz suprir a outorga; (c) o exercício de emprego público (melhor seria dizer cargo) efetivo (no sistema do código anterior bastava a posse no cargo). Há discussão doutrinária sobre se durante o estágio probatório já se consideraria a pessoa plenamente capaz. De acordo com o Ministro Marco Aurélio de Mello não, porque durante o estágio probatório a pessoa pode ser demitida ad nutum; outros entendem que mesmo em estágio probatório há de haver processo administrativo disciplinar para demitir; (d) colação de grau em curso de ensino superior; (e) pelo estabelecimento civil ou comercial, ou pela relação de emprego, desde que, em função deles, o menor com 16 anos completos tenha economia própria. Por economia própria o prof entende que seja a remuneração igual ou superior a um salário mínimo. “Um determinado menor entre 16 e 18 anos é admitido como empregado de uma firma em abril de 2003. Vindo o mesmo a ser demitido em junho de 2003, retornará ao estado de incapacidade relativa ?” Entende o prof que, por analogia, em relação às demais formas de aquisição antecipada, ele permanecerá maior, bastando a exibição da CTPS assinada para a prova da maioridade.

Pode o menor com 16 anos, emancipado pelo estabelecimento comercial, falir? QQ UESTÃO DEUESTÃO DE AA LTA LTA II NDAGAÇÃONDAGAÇÃO – De acordo com o NCC 5.º, parágrafo único, V, cessa a incapacidade para os menores pelo estabelecimento civil ou comercial, ou pela existência de relação de emprego, desde que, em função deles, o menor com 16 anos completos tenha economia própria. Já o art. 3.º, II, do Decreto-lei n.º 7.661/45 (Lei de Falências), admite a decretação da falência do menor, com mais de 18 anos, que mantém estabelecimento comercial, com economia própria. Há duas orientações sobre o tema.(1.ª corrente) o professor Capanema (além do professor Waldo Fazzio Junior) entende que não pode o menor, nas condições do NCC 5.º, p.ún., V, falir. Argumenta o mestre que: a) o critério adotado na Lei de Quebras é puramente cronológico e não de capacidade, ou seja, biopsicológico; b) a Lei de Falências é norma especial em relação ao NCC, não podendo, por isso, ser por este revogada tacitamente; c) admitir-se a decretação de falência de alguém com 16 anos traria a instabilidade e a iniqüidade jurídicas, pois este indivíduo, porque inimputável, não sujeitar-se-ia às normas penais, mas sim ao ECA, ou seja, este falido, por mais que desse um golpe milionário em seus credores, praticaria ato análogo a crime, sujeitando-se, em hipótese extremada, à medida sócio-educativa mais severa que seria a internação pelo prazo máximo de 3 anos, ao passo que o autor de um roubo simples cumpriria, no mínimo, 4 anos de reclusão e multa.(2.ª corrente) A Lei de Falências, em seu art. 3.º II, aludia à idade de 18 anos em consonância com o sistema do código revogado, sendo de se entender, ante a redação do NCC 5.º p.ún. V, que aquela disposição do DL 7.661/45 haveria sido revogada (É o entendimento dos professores Sérgio Campinho e Mônica Gusmão). Assim, pode o menor com 16 anos completos, emancipado nos

Page 25: Parte geral do direito civil à luz do novo código  · Web viewEm determinados países a personalidade inicia-se no momento sagrado da concepção, ... A percepção dos frutos

termos do NCC, ter a sua falência decretada. Contudo, essa interpretação sistêmica não tem repercussão em sede penal, uma vez que o critério da maioridade no CP é cronológico, razão pela qual o falido com 16 anos pratica ato infracional análogo a crime, sujeitando-se, portanto, às prescrições do ECA.

Retorno à incapacidade – em qualquer dos casos de aquisição antecipada da capacidade de fato, desaparecendo a causa que rendeu ensejo à aquisição da capacidade (v. g., a anulação do casamento), não volta a pessoa á condição de relativamente incapaz, salvo se o menor implementou a condição legal no exclusivo propósito de adquirir a maioridade.

23/09/03

Capacidade x legitimidade – foi a ciência processual que desenvolveu o raciocínio segundo o qual não há necessidade da capacidade para postular em Juízo, mas sim da legitimidade. Tanto a incapacidade como a ilegitimidade são limitações legais para o exercício dos atos da vida civil (uma relativa aos atos jurídicos e outra relativa aos atos processuais). A diferença consiste em que a incapacidade decorre sempre de uma deficiência interna da pessoa, enquanto a ilegitimidade decorre de uma causa externa, de um relacionamento jurídico, ainda que episódico, entre uma pessoa e outra (exemplos: as pessoas casadas, dependendo do seu regime de bens, não podem alienar imóveis sem a anuência do outro cônjuge; o ascendente não pode alienar bens a um descendente sem a anuência dos demais herdeiros; o mandatário não pode adquirir os bens do mandante, dos quais esteja incumbido da venda; o tutor e o curador não podem adquirir, ainda que em hasta pública, os bens do curatelado ou tutelado. Embora nestes exemplos haja capacidade, não há legitimidade, circunstância ocasionada pelas relações jurídicas existentes entre os sujeitos). Uma vez cessada a relação jurídica da qual se haja originado a ilegitimidade, esta também desaparece.

Benefício da restituição – essa é uma figura que o código revogado já havia abolido do ordenamento jurídico, no art. 8.º, o qual não restou reproduzido no código atual, tido por desnecessário. Dispunha o art. 8.º que na proteção dos incapazes não se incluía o benefício da restituição. As Ordenações Filipinas admitiam o benefício da restituição, que consistia na faculdade outorgada aos menores de anular os negócios jurídicos celebrados pelos seus representantes legais (provados o dolo ou a culpa) quando lhes fossem prejudiciais. Cessada a incapacidade, a pessoa poderia promover a anulação, razão de ser do termo “benefício da restituição”: restituía-se ao patrimônio do incapaz tudo aquilo que o seu representante legal houvesse negociado nessa condição. Há quem enxergue um prejuízo para os incapazes na não reprodução do antigo art. 8.º. No entanto, ensina o prof Capanema que, na prática, o instituto do benefício de restituição mais prejudicava que beneficiava o incapaz. Isso porque enquanto havia o benefício da restituição pouquíssimas pessoas se dispunham a contratar com incapazes, em razão da instabilidade que tal benefício trazia às relações jurídicas. Assim, bons e importantes negócios para o incapaz deixavam de ser realizados, em razão da ameaça que o benefício da restituição representava. Destarte, o código Beviláqua substituiu o benefício da restituição pela ação de perdas e danos contra o responsável legal que houvesse causado prejuízo ao menor, solução repetida no código atual. Assim quem suporta os efeitos da indenização é o representante legal e não mais o terceiro que contratara com o menor.

Representação legal – CC/02 115 a 120 – o instituto da representação está intimamente ligado ao da incapacidade. Há duas espécies de representação: (a) a legal, que é aquela prevista em lei para o suprimento da incapacidade, mediante a atuação de pessoa determinada, que emitirá a vontade do incapaz em seu nome; (b) a convencional, decorrente do contrato de mandato, através da qual uma

Page 26: Parte geral do direito civil à luz do novo código  · Web viewEm determinados países a personalidade inicia-se no momento sagrado da concepção, ... A percepção dos frutos

pessoa capaz outorga poderes a outra para que em seu nome emita a vontade na prática de atos jurídicos. O código Beviláqua era silente quanto ao instituto da representação legal em sua parte geral, somente regulando a representação convencional, relativa ao contrato de mandato, na parte especial do código. A representação legal supre a incapacidade, permitindo que os incapazes possam praticar todos os atos da vida civil, embora indiretamente.

O art. 115 abrange tanto a representação legal como a convencional, uma vez que a intenção do legislador foi grassar na parte geral os fundamentos, os princípios fundamentais do instituto da representação.

O art. 116 traz uma disposição que antes só constava como orientação doutrinária, no sentido de que na representação quem emite a vontade é o representante, mas quem se vincula por esta manifestação é o representado, seja a representação legal, seja convencional, mas desde que respeitados os limites do mandato. No caso dos absolutamente incapazes, a representação legal traduz-se em uma substituição subjetiva, no sentido de que o representado nunca emite sua vontade, senão através do representante. Já na representação do relativamente incapaz o que há é uma assistência, uma vez que o relativamente incapaz emite sua vontade, que somente será válida se estiver chancelada pelo assistente.

O art. 117, a seu turno, traz uma regra que guarda estreita relação com uma das vertentes que nortearam a feitura do novo código, qual seja, o princípio da eticidade. Assim, salvo quando a lei ou o contrato o permitirem, é anulável o negócio jurídico realizado pelo representante no seu próprio interesse ou por conta de outrem, pois a intenção da lei é da proteger tanto quanto possível a figura do representado. Por exemplo: se Caio outorga a Tício um mandato para vender um imóvel de sua propriedade Tício não pode vender o imóvel a si mesmo, salvo havendo expressa concordância do representado. Mantiveram-se, porém, algumas exceções legais a essa regra, como o mandato em causa própria, através do qual o mandatário transfere para si bem ou bens do mandante. Há na doutrina quem denomine essa exceção como “autocontrato” ou “contrato consigo mesmo”, expressões consideradas infelizes pelo mestre, uma vez que conduzem ao entendimento de que se trataria de contrato com uma parte só, o que consiste numa contraditio in adjectis. O que há aqui é um contrato entre duas partes, sendo ambas representadas pela mesma pessoa: o mandatário em causa própria. O mandato em causa própria traz ainda em si uma exceção a outra regra, desta vez ínsita a este tipo de contrato: ele é firmado em caráter irrevogável, por espelhar, no mais das vezes, uma compra e venda em que já houve o pagamento do preço pelo mandatário ao mandante. O novo código, aliás, trouxe uma disposição que veio a extirpar uma dúvida antes existente em doutrina: o mandato em causa própria subsiste válido mesmo após a morte de qualquer das partes (art. 685). Finalmente, a regra inserta no parágrafo único do art. 117 sanciona com anulabilidade o negócio realizado por aquele a quem o representante houver substabelecido, considerando-se o negócio como feito pelo próprio representante.

Nos termos do art. 118, o representante é obrigado a provar a sua qualidade e a extensão de seus poderes às pessoas com quem contratar em nome do mandante, sob pena de, não o fazendo, responder pelos atos que excedam de tais poderes. Assim, se for o representante o tutor do representado deve exibir certidão atualizada da tutela; se for representante convencional, a procuração, que é o instrumento do mandato e assim por diante.

Já o art. 119 diz ser anulável o negócio jurídico realizado em conflito de interesses entre representante e representado, se o fato era ou devia ser do conhecimento de quem com aquele contratou. Não se trata mesma hipótese do art. 117 (no qual o representante tira proveito próprio do negócio), pois no caso do art. 119, não há proveito para o representante mas sim conflito de interesses, ou seja, não há interesse do representado na realização do negócio jurídico (ex: o representante aluga um imóvel que o representado necessita para a sua moradia). Não se trata aqui do mencionado benefício da restituição, já que neste, referindo-se apenas à hipótese de representação legal, anulava-se o negócio jurídico pelo simples fato de ser prejudicial ao incapaz. O art. 119, que se refere a qualquer tipo de representação, exige um plus, que é o conhecimento, ainda

Page 27: Parte geral do direito civil à luz do novo código  · Web viewEm determinados países a personalidade inicia-se no momento sagrado da concepção, ... A percepção dos frutos

que potencial, por parte do terceiro contratante, de que o negócio jurídico está sendo realizado em prejuízo dos interesses do representado. Essa exigência deve ser verificada no caso concreto pelo juiz, valendo-se das regras de experiência. Em todo caso, sendo o terceiro de boa-fé, tem o representado o direito de pleitear indenização do representante pelo prejuízo. Finalmente, o parágrafo único do art. 119 traz o prazo decadencial de 180 dias para a anulação do negócio jurídico, contados da data da realização do negócio (para o caso de representação convencional) ou da cessação da incapacidade (no caso de representação legal).

30/09/03

Ausência – inicialmente é de se afirmar que a ausência nada tem a ver com a capacidade ― não é ela uma deficiência interna do indivíduo que o impede de discernir inteiramente o significado de seus atos ―, pelo que muito se criticava a opção de Clóvis Beviláqua de incluir o ausente no rol dos incapazes. O argumento utilizado pelo jurista para justificar a sua inclusão residia no fato de o ausente necessitar de representante legal para, por exemplo, defender seus interesses, uma vez não poder estar ele pessoalmente desempenhando tal papel.

O equívoco foi sanado no novo Código, que em seu art. 3.º, onde são elencadas as hipóteses de incapacidade absoluta, não traz a figura do ausente. A ausência agora vem regulada no Capítulo III, sem qualquer vinculação à incapacidade.

Verifica-se a ausência sempre que uma pessoa desapareça de seu domicílio sem dar notícia a alguém ou deixar um administrador de seus bens. O objetivo fundamental na declaração de ausência é a nomeação de um curador para o ausente. Havendo um mandatário regularmente constituído para gerir os seus negócios, não se há falar em ausência. No entanto, caso este mandatário renuncie aos poderes que lhe foram outorgados ou não os possa exercer, haverá necessidade da declaração de ausência. É que há um interesse não só do ausente, mas de todo o meio social à sua volta, da nomeação de um curador para gerir os seus bens e negócios.

Legitimidade ativa ad causam – a legitimidade é ampla, cabendo ser formulado o requerimento de declaração de ausência por qualquer interessado (inclusive o Ministério Público), aí incluídos, evidentemente, os herdeiros necessários (CC/02 22).

Curador – a nomeação do curador dar-se-á por sentença, devendo recair na pessoa do cônjuge (salvo se separados judicialmente ou de fato por mais de dois anos), pais ou descendentes (os mais próximos excluindo os mais remotos), nessa ordem (CC/02 25 e §§). Não havendo qualquer destes, caberá ao juiz nomear um curador à sua escolha. O cônjuge e´, portanto, o curador natural do ausente.

Sucessão provisória – o principal efeito da declaração de ausência consiste na possibilidade de abertura da sucessão provisória do ausente, após decorrido um ano da arrecadação de seus bens ou três anos se houver sido deixado procurador ou representante, sendo presumida a sua morte (CC/02 26 e 28).

Legitimidade para requerer a abertura da sucessão provisória – CC/02 27

Sucessão definitiva – passados 10 anos do trânsito em julgado da sentença que concedeu a abertura da sucessão provisória ou, antes desse prazo, se houver prova da morte do ausente, poderão os interessados requerer a abertura da sucessão definitiva (CC/02 37). Poder-se-á requerer a abertura da sucessão definitiva, também, se o ausente contar 80 anos e há 5 não houver notícias suas (CC/02 38). É possível a abertura da sucessão definitiva antes destes prazos? Sim, dês que provada a morte do ausente.

Page 28: Parte geral do direito civil à luz do novo código  · Web viewEm determinados países a personalidade inicia-se no momento sagrado da concepção, ... A percepção dos frutos

Morte presumida – CC/02 7.º - o novo código trouxe um avanço ao admitir a morte presumida independentemente da declaração de ausência, para autorizar a abertura da sucessão definitiva, no caso das possibilidades de sobrevivência da pessoa serem extremamente remotas (ex: Ulisses Guimarães). Não se trata de uma disposição inovadora, uma vez que a Lei de Registros Públicos já havia sido modificada para admitir essa possibilidade.

Pessoas jurídicas – são conjuntos de serem humanos (universitas personarum) ou de bens (universitas bonorum, v.g., as fundações), ao qual a lei confere uma personalidade própria, autônoma, distinta da personalidade dos que integram tais conjuntos. Nas universitas personarum os bens estão a serviço das pessoas, enquanto nas universitas bonorum os seres humanos estão a serviço dos bens, para administrá-los. Como é dotada de personalidade própria, a pessoa jurídica pode adquirir direitos e contrair obrigações em nome próprio. Não há consenso quanto ao termo “pessoa jurídica”: há códigos que aludem a “pessoas coletivas”, outros (como o código português) falam em “pessoas morais”, outros falam em “pessoas ideais”, o esboço de Teixeira de Freitas aludia a “entes de existência ideal” ao lado dos “entes de existência visível”, denominação utilizada para o que conhecemos por pessoa natural. O nosso código, desde 1916, prefere a denominação pessoa jurídica, em boa hora mantida (na opinião do professor), uma vez já assimilada por todos.

Personalidade jurídica – a regra geral norteadora da responsabilidade patrimonial das pessoas jurídicas ainda é (embora mitigada) a de que a personalidade jurídica não se confunde com a personalidade natural de seus integrantes. As obrigações da pessoa jurídica são garantidas pelos seus bens e não pelos bens de seus componentes, assim como as obrigações pessoais dos seus componentes não podem atingir os bens da pessoa jurídica.

Teorias de justificação da personalidade jurídica a) teorias ficcionistas, surgidas no séc XIX, capitaneadas por Savigny, segundo as quais a pessoa jurídica é uma ficção jurídica, não tem existência real, mas apenas na inteligência dos seres humanos;b) teorias realistas, nascidas no séc XX, predominam até hoje de forma pacífica na doutrina civilista, sustentando em linhas gerais que a pessoa jurídica tem existência real. Várias foram as variações dentro da idéia central, sendo de se destacar a teoria do alemão Otto Gierke (teoria orgânica) e a do francês Hauriou (realidade das instituições jurídicas), esta majoritária na doutrina. De acordo com esta teoria, uma vez que foi o ordenamento jurídico que reconheceu aos seres humanos a personalidade natural (lembre-se que num passado não muito distante os escravos, conquanto seres humanos, não eram dotados de personalidade), da mesma forma esse ordenamento, por imperativo do interesse social, reconheceu às universitas uma personalidade jurídica, para que passassem a existir realmente. O fato da pessoa jurídica não possuir vontade, mas apenas refletir a vontade das pessoas que a integram não retira a sua vida própria.

Classificação das pessoas jurídicas – a primeira classificação diz respeito à qualidade dos componentes da pessoa jurídica, já aludida acima (universitas pesonarum e universitas bonorum). A classificação mais relevante, em razão da diversidade do regime jurídico aplicável a uma e a outra, é a que divide as pessoas jurídicas em:(a) pessoas jurídicas de direito público interno: União, Estados, Distrito Federal e Municípios, além suas respectivas autarquias e fundações públicas;(b) pessoas jurídicas de direito público externo: os Estados estrangeiros e os organismos internacionais (como ONU, OEA, UNESCO);(c) pessoas jurídicas de direito privado: associações, sociedades e fundações privadas. O que caracteriza as associações é não possuírem fins lucrativos, o que não significa que não possam elas

Page 29: Parte geral do direito civil à luz do novo código  · Web viewEm determinados países a personalidade inicia-se no momento sagrado da concepção, ... A percepção dos frutos

dar lucro. O que lhes é vedado é a repartição de eventual lucro entre os associados, devendo ser reinvestido na associação todo o excedente patrimonial.

Caixa Beneficente da PMERJ – Essa associação, criada há mais de 100 anos junto com a Polícia Militar, tinha por finalidade prestar auxílio médico e previdenciário aos seus associados e, de acordo com seus antigos estatutos (anteriores à Constituição), era compulsória a associação dos milicianos, em razão de não haver à época um sistema previdenciário. Com o advento da CR/88, alguns milicianos começaram a requerer o seu desligamento da associação, sendo tais requerimentos sistematicamente indeferidos pela diretoria da associação, invocando a compulsoriedade prevista no estatuto. Levada a questão ao Judiciário, após um início de controvérsia nos julgados a jurisprudência da corte foi aplainada (através de incidente de uniformização de jurisprudência) no sentido de declarar o direito dos associados ao desligamento, com a devolução das parcelas pagas desde o ajuizamento da ação. Com a edição de súmula no TJERJ sobre o tema, restaram vinculados os julgamentos da corte estadual (de acordo com o RITJERJ, a súmula de jurisprudência, aprovada por 2/3 dos membros do Órgão Especial do Tribunal, vincula o julgamento de todos os órgãos do Poder Judiciário estadual na matéria). Súmula n.º 32 do TJERJ – “Sendo a Caixa Beneficente da Polícia Militar do Estado uma instituição privada com caráter de associação, não há obrigatoriedade e sim facultatividade de seus associados a ela se filiarem ou permanecerem filiados como contribuintes (art. 5º, XX, Constituição Federal)."

Sociedades civis e mercantis – no sistema do código revogado eram espécies de pessoas jurídicas de direito privado, ao lado das associações e fundações privadas, as sociedades civis e as sociedades mercantis. Com o advento do novo código, em razão da unificação das obrigações civis e comerciais, acabou essa distinção, convertendo-se ambas as espécies em sociedades ou até associações.

Constituição das associações – não é suficiente a simples vontade das pessoas em constituí-la, havendo a imposição de determinadas formalidades legais (ex: a convocação por edital de eventuais interessados para comparecer a uma assembléia instituidora, onde há de ser votado o estatuto da associação; do estatuto deverão constar o nome da associação, o seu prazo de duração, que pode ser indeterminado, a sua sede, os seus objetivos, o modo de administração etc). A associação só adquire existência jurídica no momento em que a ata que contenha a transcrição do estatuto e diretoria aprovados é levada ao registro civil de pessoas jurídicas.

Sociedades – diferem das associações, basicamente, pelo fato de serem constituídas com fins econômicos, havendo entre os sócios direitos e obrigações recíprocos. O modo de sua constituição é o mesmo (CC/02 45).

Fundações – são formadas por conjuntos de bens, devendo o interessado em sua instituição destinar bens particulares seus ao patrimônio da fundação, para que os frutos civis produzidos por estes bens sejam destinados a uma finalidade indicada pelo fundador. Essa finalidade pode ser a mais diversa o possível, mas adstrita àquelas previstas no CC/02 62 p.ún. A diferença fundamental existente entre as fundações, as associações e as sociedades é que as fundações estão submetidas ao crivo permanente da fiscalização do Ministério Público (promotoria de fundações), para que não seja desvirtuada a vontade do instituidor.

07/10/03

Page 30: Parte geral do direito civil à luz do novo código  · Web viewEm determinados países a personalidade inicia-se no momento sagrado da concepção, ... A percepção dos frutos

Entes despersonalizados (pessoas formais) – são entidades compostas por seres humanos ou bens, com forma de uma pessoa jurídica, mas não são dotados de personalidade autônoma, divorciada de seus integrantes, tal como ocorre com as pessoas jurídicas. Existem como se uma pessoa jurídica fossem mas não o são; daí a denominação pessoas formais. São exemplos de entes despersonalizados: a família (?), o espólio, a massa falida, a herança jacente, as sociedades de fato, o condomínio (voluntário ou edilício) e os grupos de consórcio. Tais entidades, por não serem dotadas de personalidade, não podem ser sujeitos de direitos e obrigações; sujeitos de direitos e obrigações são os integrantes dessas entidades. O fato desses entes eventualmente figurarem como partes de um negócio jurídico ou em processos judiciais decorre do fato da lei reconhecer aos mesmos legitimidade ad causam e ad processum para a defesa dos interesses dos verdadeiros titulares dos direitos que representam, como substitutos processuais dos mesmos.

A razão de não se reconhecer a essas entidades a personalidade jurídica tem assento no fato de que não possuem as mesmas a affectio societatis, ou seja, a intenção manifestada por várias pessoas de se juntarem em perseguição e um interesse comum, circunstância que confere às pessoas jurídicas a sua personalidade. A única pessoa formal em que há affectio societatis é a sociedade de fato, mas nela há uma inobservância das formalidades legais para a constituição da pessoa jurídica; preteridas as solenidades legalmente impostas, não há falar em pessoa jurídica.

Mas se essas entidades não são pessoas jurídicas, como concebê-las realizando negócios jurídicos e atuando em feitos judiciais na qualidade de parte? Tais circunstâncias são possibilitadas por haver sido concedido às pessoas formais um representante legal (síndico, inventariante, curador, administrador etc) que emite vontade representando os integrantes dessas entidades.

Desconsideração da personalidade jurídica – em razão da regra geral de separação das personalidades da pessoa jurídica da de seus integrantes, surgiram aqui e ali um desvirtuamento dos rumos de determinadas pessoas jurídicas ou uma administração fraudulenta das mesmas, vindo a causar prejuízos a terceiros. Artifícios maliciosos esvaziavam o patrimônio da pessoa jurídica, frustrando a realização dos créditos de seus credores, que não podiam investir contra os bens particulares de seus sócios. Assim, ao final do séc. XIX, começou a germinar a idéia de rompimento da regra tradicional da separação absoluta das personalidades jurídica e natural, fazendo com que os bens particulares dos sócios pudessem responder pelas obrigações das pessoas jurídicas que compunham. É creditado ao direito inglês a gênese da teoria da desconsideração da personalidade jurídica (disregard of the legal entity), cujo leading case foi entre a Coroa britânica e a empresa Salomon & Salomon Co, quando o judiciário admitiu, excepcionalmente, que os seus sócios respondessem com seus bens pelas obrigações da mesma, uma vez reconhecida a administração fraudulenta pelos mesmos praticada.

CODECON – em nosso direito positivo a primeira lei que flexibilizou a regra da separação das personalidades foi o CODECON, que em seu artigo 28 permitiu de forma genérica (qualquer fornecedor, inclusive sociedades de fato) a desconsideração da personalidade jurídica nas relações de consumo. O referido dispositivo legal trouxe ainda uma inovação em termos dessa teoria: a possibilidade de desconsideração da personalidade de uma pessoa jurídica para atingir o patrimônio de outra pessoa jurídica, integrante de um mesmo conglomerado de fornecedores.

Há uma curiosidade em relação ao processo legislativo que culminou com a edição do CODECON. É que o Presidente da República vetou o §5.º do art. 28, segundo o qual o juiz, sempre que verificar uma circunstância que dificulte a realização do direito do consumidor, poderá desconsiderar a personalidade jurídica, tendo sido utilizado como argumento nas razões do veto o fato de que as hipóteses previstas no caput já seriam suficientes a amparar os direitos do consumidor e que a generalidade da medida instituída no §5.º era por demais perigosa, conferindo uma discricionariedade excessiva ao julgador. No entanto, quando do encaminhamento do texto ao

Page 31: Parte geral do direito civil à luz do novo código  · Web viewEm determinados países a personalidade inicia-se no momento sagrado da concepção, ... A percepção dos frutos

Congresso para a promulgação e publicação, houve um erro na redação do veto, passando a constar o §1.º (que dispunha que na desconsideração primeiro seriam excutidos os bens do sócio majoritário, seguidos dos do gerente e, só então, os dos sócios minoritários) em vez do §5.º. Apesar disso, a jurisprudência se encarregou de corrigir o equívoco, afastando sistematicamente a incidência do §5.º e aplicando normalmente a ordem de excussão do §1.º.

Finalmente, há que se fazer um comentário acerca da afirmação de que o novo código civil inspirou-se no CODECON no tocante à desconsideração da personalidade jurídica. Na verdade, ocorreu justamente o inverso, uma vez que do projeto original do novo código já constava o art. 50, no qual inspiraram-se os autores do CODECON para a redação do art. 28 deste diploma.

CC/02, art 50 – permite a desconsideração da personalidade jurídica de maneira genérica e não apenas nas relações de consumo, quando houver abuso de tal personalidade, caracterizado como tal o desvio de finalidade ou confusão patrimonial. Desconsideração de ofício – não há essa possibilidade, sendo necessário, nos termos do art. 50, o requerimento da parte ou do Ministério Público. Momento da desconsideração – parte da doutrina entende que a desconsideração tem lugar na fase de conhecimento, sendo ideal que a parte a requeira já na inicial, para permitir aos sócios o contraditório e a ampla defesa. Para outros a desconsideração pode ser decretada mesmo na fase de execução, pois é nessa fase que normalmente percebe-se a ocorrência do abuso. Não há qualquer violação ao contraditório, pois aos sócios é assegurada a via dos embargos para discutir a liceidade da medida (essa é a opinião do professor Capanema).

14/10/03

Qualificação das pessoas – para terminar o livro das pessoas vamos falar sobre alguns mecanismos que servem para identificá-las, individualizando-as no universo de pessoas em que estão inseridas. Como somos hoje mais de 2 bilhões de pessoas espalhadas pelo mundo, a segurança e estabilidade das relações jurídicas exigem que sejamos identificados, distinguidos uns dos outros. Por isso, todos os ordenamentos jurídicos criaram mecanismos de identificação tanto da pessoa natural como da pessoa jurídica.

Nome – o primeiro desses mecanismos é o nome. Quando queremos identificar uma pessoa o fazemos pelo nome, que é um direito da personalidade. Não há pessoa sem nome e a dignidade da pessoa exige que ela seja identificada pelo seu nome e não por um número ou qualquer outro mecanismo. Exatamente por isso a regra principal sobre o uso do nome é a da sua imutabilidade: se as pessoas pudessem indiscriminadamente mudar de nome durante suas vidas, ao sabor de seus caprichos, ele perderia a razão de ser, pois não mais identificaria a pessoa. Quando do estudo dos direitos da personalidade foi dito que há situações em que se admite, em caráter excepcional, a modificação do nome da pessoa, a qual deve ser averbada no registro de nascimento da pessoa ou estatuto social da pessoa jurídica.

Os casos mais freqüentes em que é admitida a mudança do nome são de homônimos ou quando o nome submete o seu titular a algum tipo de constrangimento moral porque são ridículos. No primeiro ano em que a pessoa completar a maioridade as pessoas podem requerer ao juiz a modificação do seu nome, desde que não o descaracterize completamente. Poderão requerer, por exemplo, o acréscimo de mais um sobrenome ou a supressão de outro, sem que para isso seja necessário aduzir uma razão. O prenome, entretanto, não poderá ser modificado. Decorrido esse prazo decadencial de um ano, qualquer modificação do nome dependerá de autorização judicial, ouvido obrigatoriamente o MP.

O capítulo do NCC que trata dos direitos da personalidade dedica quatro artigos ao uso do nome das pessoas (arts. 16/19), entre eles aquele que proíbe o uso do nome de uma pessoa para fins econômicos sem a sua autorização. Também não se pode usar o nome de uma pessoa de modo a

Page 32: Parte geral do direito civil à luz do novo código  · Web viewEm determinados países a personalidade inicia-se no momento sagrado da concepção, ... A percepção dos frutos

expô-la ao ridículo, mesmo sem intenção de constrangê-la ou difamá-la. É evidente que o titular do nome pode ceder o direito a usá-lo, gratuita ou onerosamente; o que não se permite é que alguém se utiliza do nome alheio sem a autorização de seu titular.

O casamento pode influir decisivamente no uso do nome, eis que tanto o marido quanto a mulher podem, caso queiram, acrescer aos seus nomes o nome do cônjuge. Antigamente esse direito era reconhecido apenas à mulher. Pode haver modificação do nome, também, com a dissolução do casamento, voltando os cônjuges ao nome que tinham antes de contrair o matrimônio. O cônjuge que for considerado culpado pelo rompimento da vida em comum pode ser compelido a não mais usar o nome do outro cônjuge.

O NCC estende a proteção do nome ao pseudônimo, ao nome artístico, coisa que o código revogado silenciava a respeito. Ao lado do nome civil pode-se ter registrado o pseudônimo, ou o nome artístico.

Há uma grande liberdade para a composição do nome das pessoas, nunca havendo a lei imposto regras rígidas a respeito. Geralmente são os pais ou responsáveis que escolhem os nomes de seus filhos, compondo-os com um prenome e um sobrenome, que poderá ser formado por sobrenomes da mãe e do pai, embora nada disso seja obrigatório, mas sim em razão de um costume. Essa liberdade, contudo, não é absoluta: a Lei de Registros Públicos prevê que o oficial do registro possa se recusar a registrar um nome que ele considere que posteriormente possa submeter a constrangimento moral o seu titular. Nesse caso, insistindo o declarante em manter o nome por ele escolhido, o impasse será solucionado pelo juiz, a quem caberá por sentença irrecorrível definir se a pessoa poderá ou não ter aquele nome registrado em seu assentamento civil.

No caso das crianças em situação irregular (abandonadas sem que se saiba quem sejam os pais ou responsáveis) caberá ao juiz da infância e da adolescência a quem for apresentado esse menor em situação irregular atribuir-lhe prenome e nome, valendo-se de seu prudente arbítrio, fazendo-se então o respectivo registro do nascimento. Isso para que todas as pessoas possam ter um nome pelo qual serão identificadas.

Estado – o estado da pessoa é o seu segundo elemento identificador e serve para indicar a posição que uma pessoa ocupa em um determinado meio social. Um dos mais conhecidos estados da pessoa, freqüentemente utilizado para a sua identificação, é o estado civil, que indica a posição da pessoa no meio familiar. Pelo estado civil a pessoa pode ser solteira, casada, separada, divorciada ou viúva. A união estável não constitui estado civil: a pessoa que vive em união estável conserva o seu estado civil anterior. Já o estado de nacionalidade indica o local onde a pessoa nasceu, ligando-a a um país. O estado político divide as pessoas em cidadãos e não-cidadãos, conforme esteja a pessoa no gozo ou não de seus direitos políticos. O estado de capacidade indica se pessoa pode ou não praticar diretamente todos os atos da vida civil. O estado de filiação, que dividia as pessoas em filhos legítimos, ilegítimos, incestuosos, adotivos, adulterinos etc e tinha grande importância em questões sucessórias, restou abolido com a CR/88, que proíbe a distinção em razão do estado de filiação.

Ao contrário do que ocorre com o nome, que é em regra imutável, o estado da pessoa pode ser mudado quantas vezes a pessoa desejar. O estado civil, por exemplo, pode sofrer diversas modificações. Da mesma forma, o estado de nacionalidade: pode-se nascer francês e morrer brasileiro, após a naturalização; o estado de capacidade: a pessoa nasce incapaz, tornando-se capaz com a maioridade ou emancipação e pode, posteriormente, voltar a ser incapaz (por exemplo, por doença mental).

Uma outra regra importante sobre o estado das pessoas é a de que o estado não admite fracionamento, cisão, é sempre uma unidade. Daí porque uma pessoa não pode ter dois estados da mesma qualidade ao mesmo tempo, ou seja, ser casado e solteiro, capaz e incapaz. A dupla nacionalidade não constitui exceção a essa regra, uma vez que estando a pessoa no Brasil, por mais que ela possua outra nacionalidade, ela será tratada como brasileiro. No outro país, por exemplo a Itália, esse indivíduo será considerado italiano para todos os fins e não brasileiro.

Page 33: Parte geral do direito civil à luz do novo código  · Web viewEm determinados países a personalidade inicia-se no momento sagrado da concepção, ... A percepção dos frutos

Os estados das pessoas podem ser objeto de ações próprias para defini-los, as chamadas ações de estado, que se destinam apenas a declarar qual o estado da pessoa. São ações perenes, ajuizáveis a qualquer momento. As sentenças meramente (unicamente) declaratórias de estado proferidas no estrangeiro, são as únicas que produzem efeitos no Brasil independentemente de homologação perante o STF. Uma sentença de divórcio proferida no estrangeiro não produz efeitos no Brasil senão após homologação no Supremo, pois ela é constitutiva, modifica o estado civil da pessoa e pode, no mais das vezes, conter disposições de natureza patrimonial.

Domicílio – é o último dos mecanismos de identificação da pessoa previstos no NCC. O domicílio é o lugar onde a pessoa estabelece sua residência com ânimo definitivo (animus manendi). Não se pode confundir domicílio com residência. O domicílio é composto de dois elementos: um objetivo, físico, que é a residência, ou seja, a presença da pessoa em um determinado lugar; outro subjetivo, anímico, a intenção de permanecer. Uma pessoa pode ter várias residências mas apenas um domicílio. O domicílio é a sede jurídica da pessoa, é o centro de gravidade jurídica da pessoa (Savigny). É por isso que Savigny sustentava que as leis que melhor atendem aos interesses da pessoa são as leis de seu domicílio. A lei que deve reger os direitos pessoais, dizia Savigny, é a do domicílio e não a da nacionalidade. Para nós o domicílio tem capital importância, na medida em que é o elemento de conexão para os direito pessoais (personalidade, família, sucessórios etc).

A grande dificuldade que cerca o domicílio reside no elemento subjetivo. Muitas vezes é quase impossível ao juiz identificar o domicílio de alguém, porque há de ser apurado o ânimo do indivíduo. O NCC não fornece nenhum critério objetivo para se apurar o domicílio. De acordo com o código francês, o domicílio é aquele lugar onde a pessoa exerce a sua principal atividade econômica. Pelo código argentino, o domicílio é o lugar onde a pessoa estabelece o seu lar conjugal. O nosso código deixou propositadamente de estabelecer um critério objetivo, apenas aludindo ao lugar em que a pessoa estabelece residência com ânimo definitivo. Quando a pessoa tem várias residências, alternando-as sucessivamente,s em que se possa saber em qual delas pretende permanecer, o juiz poderá considerar qualquer dessas residências, ao seu exclusivo arbítrio, como o domicílio da pessoa (NCC 71).

Espécies de domicílio – o domicílio pode ser:(a) voluntário: aquele lugar que a pessoa elege livremente como sendo o lugar em que

pretende se estabelecer permanentemente. Savigny fez do domicílio o elemento de conexão dos direitos pessoais porque entendia que se a pessoa livremente escolheu aquele lugar para viver é porque prefere as leis daquele lugar;

(b) legal (ou necessário): nem sempre as pessoas gozam dessa liberdade de escolher seu domicílio, impondo-lhe a lei o lugar em que se considerará domiciliada a pessoa. Nesse caso, o domicílio necessário prevalece sobre o domicílio voluntário. O preso, por exemplo, tem domicílio necessário no estabelecimento prisional em que cumpre a pena privativa de liberdade; o incapaz tem como domicílio, o do seu curador; o menor, o dos pais ou tutores; o militar em ativa, na guarnição onde está servindo etc. O domicílio necessário é fixado em lei para atender aos interesses da própria pessoa ou da sociedade;

(c) especial (ou contratual ou de eleição): é aquele domicílio que as parte escolhem para vigorar entre elas em relação a um determinado contrato. Se partes com domicílios diversos resolvem contratar, para evitar discussões quanto ao foro competente para dirimir as questões oriundas do pacto, podem estipular um foro especial para tanto;

(d) eleitoral: refere-se exclusivamente ao exercício dos direitos políticos e é o da zona eleitoral onde a pessoa esteja inscrita;

(e) fiscal: refere-se exclusivamente às relações entre o contribuinte e o FISCO.

Page 34: Parte geral do direito civil à luz do novo código  · Web viewEm determinados países a personalidade inicia-se no momento sagrado da concepção, ... A percepção dos frutos

Adômidas – todas as pessoas são dotadas de nome e de estado, necessariamente, mas nem todas têm domicílio. Ninguém é obrigado a ter domicílio: tem quem quer, salvo no caso de domicílio necessário. O artista circense, por exemplo, não tem domicílio. À pessoa que não possui domicílio dá-se o nome de adômida. O adômida está para o domicílio como o apátrida está para a nacionalidade. Mas se é certo que o domicílio é o elemento de conexão da lei pessoal, qual será a lei pessoal de quem não tem domicílio? Nesse caso, essa pessoa será regida pela lei de sua última residência conhecida, porque todos têm residência, que é o lugar onde a pessoa foi vista pela última vez.

Mudança e perda de domicílio – perde-se o domicílio quando ele for necessário e cessarem as causas que o determinaram (por exemplo, o servidor público que é demitido), podendo ser readquirido (caso o servidor seja reintegrado no cargo). Muda-se o domicílio voluntário com a mesma facilidade com que é eleito. A dificuldade reside em saber a partir de que momento se considera mudado o domicílio voluntário. O código procura resolver esse problema de uma maneira estranha, parecendo dizer o óbvio ululante (NCC 74): muda-se o domicílio transferindo-se a residência, com a intenção manifesta de o mudar. Contudo o parágrafo único do mesmo artigo esclarece que a intenção de mudar afere-se pelas declarações que fizer a pessoa às municipalidades dos lugares que deixa e para onde vai, ou de outras circunstâncias inerentes à mudança.

Domicílio x residência x moradia – doutrinariamente, estabelece-se diferença entre estes termos. A moradia indica que a pessoa esteja se estabelecendo por um curto período de tempo (ex: locação de uma casa de veraneio durante as férias), revela uma presença esporádica, episódica. Já a residência indicia uma permanência mais longa, mas sem ânimo de definitividade (ex: uma estudante que vem cursar no Rio de Janeiro a faculdade de medicina, pretendendo retornar à sua cidade natal após a graduação). O domicílio, como já visto, é o enriquecimento da residência com a intenção de ali residir permanentemente (ex: a estudante, ao término do curso, casa-se com o dono do hospital em que fazia residência e morar definitivamente no Rio). É errado, portanto, o dito popular de que “a sepultura é a última morada do indivíduo”. Já foi inclusive pergunta de prova da magistratura, pelo Desembargador Pedro Américo: Qual a natureza jurídica da sepultura? É direito real de superfície.

Pessoa jurídica de direito privado – o domicílio da pessoa jurídica é aquele declarado em seus atos constitutivos. Não o havendo, o domicílio será o lugar ficar a sua administração, o centro de suas decisões políticas, ou seja, a sua sede. O ato constitutivo deverá indicar a sede, mas se não indicar ou não houver o ato constitutivo será domicílio o lugar onde se situar a administração central da pessoa jurídica.

Pessoa jurídica de direito público – será o lugar que a lei determinar (ex: o da União é o Distrito Federal, conforme dispõe a Constituição; já a sede dos Estados Federados é nas respectivas capitais).

21/10/03

LIVRO IIDos bens

Muitos criticam a ordem topográfica do Código Civil. Por quê um livro na parte geral dedicado aos bens se na parte especial há outro, dedicado ao direito das coisas? Não seriam os

Page 35: Parte geral do direito civil à luz do novo código  · Web viewEm determinados países a personalidade inicia-se no momento sagrado da concepção, ... A percepção dos frutos

bens coisas? Por quê não deslocar a disciplina dos bens para a parte especial do código? A resposta é simples. Na parte geral trata-se dos bens apenas para classificá-los como objetos de direitos. Já no livro do direito das coisas são disciplinadas as relações jurídicas que submetem os bens ao poder de uma pessoa, no caso, os direitos reais. Então na parte geral os bens são enfocados como objeto do direito e essa parte se limita a classificar os bens, atribuindo a cada modalidade de bem um característica própria. Enquanto as pessoas são os sujeitos dos direitos, os bens são o seu objeto. Uma outra explicação para que sejam os bens regrados na parte geral é que os bens formam o patrimônio da pessoa e o patrimônio é a projeção econômica da personalidade. É a personalidade examinada sob a ótica econômica. É por isso que se diz que todas as pessoas, sem a menor exceção, são dotadas de patrimônio.

Patrimônio – esse conjunto de bens da pessoa não se constitui apenas por valores positivos e bens corpóreos, materiais. Ainda que a pessoa esteja mergulhada no nível mais absoluto da miséria ela continuará tendo patrimônio e economicamente aferível. O patrimônio da pessoa constitui-se de valores positivos e negativos: nos valores positivos encontram-se bens corpóreos e incorpóreos. Entre os bens incorpóreos encontra-se a própria vida do titular, seu corpo, sua imagem, sua honra, seu nome etc. Assim, como todas as pessoas possuem estes bens incorpóreos, todas as pessoas possuem patrimônio, ainda que constituído somente por esses valores. Além desses bens corpóreos e incorpóreos, compõem o patrimônio positivo os créditos. Já o patrimônio negativo é composto pelas dívidas da pessoa. Quando o patrimônio positivo de uma pessoa supera o seu patrimônio negativo dizemos que essa pessoa é solvente, ou seja, que possui bens suficientes para responder por suas dívidas; quando ocorre o contrário, diz-se estar a pessoa em estado de falência (pessoa jurídica) ou de insolvência civil (pessoa natural). Exemplo: Imaginemos o funcionário de uma agência de publicidade encarregado de criar uma campanha do tipo “antes e depois”. Pretendendo retratar alguém em estado de miserabilidade, alguém esse que após utilizar determinado produto apareceria próspero, o tal publicitário resolve tirar uma fotografia do mendigo para retratar o “antes”. Caso não haja autorização por parte do mendigo para a utilização de sua imagem, direito da personalidade que integra o patrimônio do mendigo, surgirá para esse mendigo o direito de propor uma ação de indenização pela utilização indevida de sua imagem. Sendo o patrimônio uma faceta da personalidade não há alguém que seja despido do mesmo, ratio essendi da inclusão do estudo dos bens na parte geral do código.

Coisa x bem – há profunda controvérsia doutrinária acerca destes termos, havendo doutrinadores que os tratam como sinônimos e outros que estabelecem distinção. O NCC em sua parte geral apenas utiliza o termo “bem”, enquanto o antigo código ora utilizava este termo, ora utilizava o termo “coisa”. Predomina na doutrina, de acordo com o mestre, o entendimento segundo o qual coisa é tudo aquilo que existe na natureza à exceção do ser humano, enquanto bem é toda a coisa suscetível de apropriação individual pelo ser humano, ou seja, passível de inserção em um determinado patrimônio. Assim, todo bem é coisa, mas nem toda coisa é um bem.

Título ÚnicoDas diferentes classes de bens

Capítulo IDos bens considerados em si mesmos

Classificação dos bens – são inúmeros os critérios de classificação dos bens, senão vejamos:

Page 36: Parte geral do direito civil à luz do novo código  · Web viewEm determinados países a personalidade inicia-se no momento sagrado da concepção, ... A percepção dos frutos

(a) a primeira classificação, à qual não se refere o NCC, é que divide os bens em corpóreos e incorpóreos: corpóreos são os bens que possuem massa física, perceptíveis aos nossos sentidos, sendo também chamados de bens materiais; os bens incorpóreos, ao revés, não possuem massa física como, v.g., as energias, os dados e os direitos (como o de crédito);

(b) bens jurídicos e bens econômicos: bem jurídico é todo aquele suscetível de se tornar objeto de uma relação jurídica; bem econômico é aquele que possui valor de troca;

(c) bens móveis e imóveis (vide tópicos mais adiante);

(d) bens fungíveis e infungíveis: fungível é o móvel que pode ser substituído por outro da mesma espécie, qualidade e quantidade (ex: o dinheiro ― moeda corrente ― é bem fungível por excelência). Infungível é o bem que, diversamente, não pode ser substituído (ex: o bem imóvel por natureza é infungível por excelência). A relevância prática da distinção se verifica no campo das obrigações e dos contratos: a obrigação fungível é aquela que pode ser prestada por qualquer pessoa, enquanto a obrigação infungível só pode ser prestada pelo próprio devedor; o empréstimo de bem fungível chama-se mútuo, enquanto o de bem infungível chama-se comodato, sendo que tais contratos regem-se por regras próprias. O que é verdade é que a intenção das partes pode caracterizar por seus fatores diferenciais coisas naturalmente fungíveis, e torná-las infungíveis: a moeda é coisa fungível, mas é possível considerar-s não fungível em atenção a caracteres individuais e peculiares. Ao revés, e o exemplo é dos escritores franceses, títulos de bolsa são coisas naturalmente infungíveis porque se distinguem pela numeração de ordem, pela emissão, pelo valor etc.; mas prestam-se a serem negociados como coisas fungíveis, se se abandonam os seus elementos individuais para serem tratados como quantidades de títulos não determinados isoladamente (Caio Mário da Silva Pereira, Instituições, vol. I, pág. 269, 18.ª ed.).

(e) bens consumíveis e inconsumíveis: essa classificação guarda estreita relação com a anterior, podendo-se afirmar que, em regra, os bens fungíveis são consumíveis e os bens infungíveis são inconsumíveis. São consumíveis os bens móveis cujo uso importa destruição imediata da própria substância, sendo também considerados tais os destinados à alienação (NCC 86). São exemplos clássicos de bens consumíveis os alimentos e os líquidos em geral. Bens inconsumíveis são os que admitem o uso reiterado (não necessariamente eterno) sem a destruição de sua substância. São exemplos típicos de bens não-consumíveis o bem imóvel, o automóvel, o sapato etc.

Consumibilidade material (ou natural) e jurídica – a consumibilidade material é aquela da qual resulta a destruição da própria coisa após o uso como, e.g., os alimentos, após ingeridos (NCC 86 primeira parte); a consumibilidade jurídica respeita aos bens que não são destruídos pelo uso, mas cuja utilização não pode ser renovada, porque implica a sua alienação. Podem ser juridicamente consumíveis bens que são materialmente não-consumíveis, como os livros em uma livraria, onde a disponibilidade em que se encontram traduz a sua consumibilidade jurídica, muito embora não sejam coisas que se destroem pelo uso natural, diga-se, leitura ou consulta (C.M.S.P., op. cit., pág. 270). Para o comerciante, o livro que se encontra na prateleira é um bem consumível, eis que uma vez alienado não mais poderá ser pelo mesmo utilizado; para o adquirente (leitor) o livro é um bem inconsumível, pois uma vez adquirido esse leitor poderá usá-lo quantas vezes entender, sem que tal importa destruição do bem.Obs: Commodatum ad pompam vel ostentationis causam: trata-se de um comodato de coisa

consumível que se torna inconsumível pela vontade do comodante. É um comodato em que a coisa, originariamente consumível, é emprestada apenas para exibição e ostentação. É que a consumibilidade de um bem não decorre exclusivamente da sua natureza, mas pode decorrer da intenção das partes. Uma pessoa pode sponte sua

Page 37: Parte geral do direito civil à luz do novo código  · Web viewEm determinados países a personalidade inicia-se no momento sagrado da concepção, ... A percepção dos frutos

conferir natureza inconsumível a um bem naturalmente consumível. O mesmo se diga em relação aos bens fungíveis e infungíveis. “É possível a celebração de um comodato de dinheiro?” Sim, desde que se haja dado a tal bem uma natureza infungível. Por exemplo: se Caio empresta mil reais a Tício para resgate no final de dois meses, o objeto da obrigação é, extreme de dúvida, um bem fungível; no entanto, se o bem for uma rara moeda espanhola do séc. XVIII, que integra a coleção de Caio, exigindo este que lhe seja devolvida aquela moeda, também parece óbvio ser tal objeto um bem infungível, embora cuide-se, lato sensu, de dinheiro. Da mesma forma, se Caio, visitando a casa de Tício, vê um centro de mesa constituído por belíssimas frutas tropicais, algumas delas recortadas em formato de escultura. Encantado com o adorno, Caio pede o mesmo emprestado a Tício para servir de decoração em um almoço que pretende oferecer em sua casa. Tício assente, com a condição de que o bem lhe seja devolvido após o almoço nas mesmas condições em que fora emprestado. Não obstante tratar-se de frutas, não se pode negar a natureza infungível da obrigação assumida, a qual consiste em verdadeiro comodato.

(f) bens divisíveis e indivisíveis – divisível é o bem que admite fracionamento sem que isso lhe retire a natureza ou o valor econômico como, e.g., as dívidas pecuniárias, uma saca café de 60 kg etc.; já o bem indivisível é aquele que não admite fracionamento sem perda de sua natureza ou de seu valor econômico como, v.g., os semoventes ( o boi, após esquartejado para a venda de sua carne, tem sua natureza modificada de semovente para bem móvel propriamente dito; uma tela de Degas pode ser fracionada em mil pedaços, mas tal retiraria por completo o seu valor econômico). O bem pode ser originariamente divisível e tornar-se indivisível por determinação legal ou pela vontade das partes (ex.: uma dívida pecuniária, que as partes convencionem deva ser saldada em uma única oportunidade).

(g) bens singulares e coletivos – singulares são os bens que, conquanto reunidos, são considerados de per si, independentemente dos demais (ex.: um automóvel, em relação à frota de uma locadora; um livro, em relação à biblioteca etc.). Bens coletivos são aqueles que constituem uma universalidade de fatos; é uma pluralidade de bens singulares que são considerados em conjunto (ex.: a própria frota de carros, a biblioteca etc.). Os bens coletivos podem ser objeto de relações jurídicas próprias (alguém pode doar a sua biblioteca inteira, sem precisar fazer isoladamente a doação dos milhares de livros que a compõem). Do Estabelecimento (NCC 1.142) – um novo exemplo de bem coletivo (segundo o professor) é o estabelecimento, que é o complexo de bens corpóreos e incorpóreos que de que se vale o empresário para exercer a sua atividade empresarial, incluindo o mobiliário, o estoque, as máquinas, o nome etc. Dispõe o NCC 1.144 que o estabelecimento pode ser alienado, usufruído ou arrendado como um todo, sem a necessidade de atribuição de valores em separado para cada uma das partes que o integram.

Bens móveis e imóveis – o regime jurídico de uma e outra espécie de bem é absolutamente diverso, havendo inúmeras diferenças (não só conceituais) entre ambos, sendo de se destacar: (a) quanto ao modo de aquisição: tratando-se de bem móvel, adquire-se a propriedade pela simples tradição do mesmo; sendo o bem imóvel, a propriedade é adquirida mediante o registro do título aquisitivo no cartório do respectivo RGI (NCC 1.245); (b) quanto à forma da aquisição: sendo o bem móvel, a regra é a liberdade de forma; se imóvel, a lei impõe a forma escrita, mediante contrato solene (salve quanto aos imóveis de valor inferior a 30 vezes o salário mínimo); (c) autorização conjugal: para alienar bem imóvel de valor superior a 30 salários mínimos a pessoa casada (salvo pelo regime da separação) necessita da autorização de seu cônjuge, sob pena de nulidade; tal exigência, ainda que de grande valor o bem, não existe em relação aos móveis; (d) prazo da usucapião: é muito maior o prazo estipulado para a aquisição pela usucapião para os bens imóveis (5, 10 ou 15 anos) que para

Page 38: Parte geral do direito civil à luz do novo código  · Web viewEm determinados países a personalidade inicia-se no momento sagrado da concepção, ... A percepção dos frutos

os bens móveis (3 ou 5) anos; (e) vícios redibitórios: a ação para reclamar vício redibitório de bem imóvel tem prazo decadencial muito superior (1 ano) ao de bem móvel (30 dias); (f) cláusulas especiais: a cláusula de retrovenda só se aplica aos bens imóveis, enquanto a cláusula de venda a contento só se aplica aos bens móveis etc.

Verifica-se, assim, que o legislador entendeu por bem conferir uma maior proteção às relações jurídicas que tenham por objeto bem imóvel.

Exemplos: Um tijolo posto à venda em uma olaria tem a natureza de bem móvel até que seja ele assentado em uma parede; um grão de milho na palma de minha mão tem a natureza de bem móvel até que seja ele lançado a um buraco e coberto com terra.

Espécies de bens imóveis – no código revogado havia quatro categorias de bens imóveis (arts. 43 e 44): a) bens imóveis por natureza (o solo e tudo o mais que a ele se agrega por força da natureza como, v.g., os vegetais e os minerais do subsolo); b) imóveis por acessão física (bens que se incorporam ao solo por força do engenho humano, sem dele poderem ser separados, ou seja, todas as construções de superfície ou subterrâneas, bem assim os materiais empregados em tais construções, e.g., casas, torres, estacionamentos etc.; c) imóveis por acessão intelectual: eram bens móveis que pela intenção de uso pelo proprietário consideravam-se imóveis, assim considerados todos os bens móveis que o proprietário do solo nele incorporava ou utilizava para melhorar a sua produtividade, conforto ou beleza, v.g., um trator que se desloca de um lado a outro da fazenda para a semeadura ou colheita, os móveis que guarneciam as residências etc.; d) imóveis por determinação legal: eram bens aos quais a lei conferia natureza de imóveis (os direitos reais sobre bens imóveis e as ações que lhes assegurassem, as apólices da dívida pública oneradas com cláusula de inalienabilidade e o direito à sucessão aberta).

O NCC transformou estes quatro tipos em apenas dois (NCC 79 e 80), tendo abolido a categoria de imóveis por acessão intelectual, que agora tem a natureza jurídica de pertenças, que são bens acessórios (NCC 93). São estas as duas categorias bens imóveis no novo sistema: a) o NCC 79 englobou os imóveis por natureza (ou propriamente ditos) e os imóveis por acessão física: os materiais de construção, mesmo separados da construção, conservam a sua qualidade de bens imóveis se se destinarem ao reemprego naquela construção (por exemplo: o proprietário de uma casa resolve ampliá-la e construir um segundo pavimento, tendo para tanto de desmontar o telhado. Retiradas as telhas, que são imóveis por acessão artificial, o proprietário as empilha no quintal, com a intenção de recolocar as mesmas no teto do segundo pavimento. Enquanto estas telhas estiverem separadas da construção, mas com a intenção do proprietário em ali utilizá-las, conservam a natureza de bens imóveis por acessão artificial, somente voltando a ostentar natureza de bens móveis se o proprietário resolver vendê-las ou guardá-las visando diversa utilização; b) o NCC 80, a seu turno, fala dos imóveis por disposição legal. A diferença marcante deste dispositivo e o anterior art. 44 do código revogado é que o NCC 80 não mais considera as apólices da dívida pública gravadas com cláusula de inalienabilidade como bens imóveis, permanecendo apenas (inciso I) os direitos reais sobre bens imóveis e as ações que lhes asseguram e (inciso II) o direito à sucessão aberta. Sobre o direito à sucessão aberta vale o comentário de que ainda que do espólio somente constem bens móveis, o direito sucessório é considerado pela lei como bem imóvel, até que sobrevenha a partilha. A ratio dessa injunção legal reside na necessidade de imprimir um regime de tratamento único a essa universalidade de bens que é o espólio. Assim, quando houver bens imóveis no monte o regime de tratamento para, e.g., a alienação dos direitos a ele relativos será o próprio dos bens imóveis.

Espécies de bens móveis – são as seguintes: a) bens móveis propriamente ditos: são aqueles que se movem ou são movidos sem alteração de substância ou da destinação econômico-social (NCC 82). Os bens que se deslocam por força própria são chamados semoventes (os animais, v.g.); os que dependem de remoção por força alheia são chamados móveis propriamente ditos (um automóvel,

Page 39: Parte geral do direito civil à luz do novo código  · Web viewEm determinados países a personalidade inicia-se no momento sagrado da concepção, ... A percepção dos frutos

e.g.); b) bens móveis por determinação legal (NCC 83): ao lado dos direitos reais sobre objetos móveis (penhor, e.g.) e as ações correspondentes e dos direitos pessoais (créditos, direitos autorais etc.) e suas respectivas ações, inovou o NCC 83 ao assim considerar as energias que tenham valor econômico (elétrica, v.g.); c) bem móveis por antecipação de uso: essa classificação, que resulta de construção doutrinária, considera bem móvel todo aquele bem imóvel por acessão natural que seja alienado no intuito de ser utilizado como móvel, ou seja, que após a alienação deverá ser separado do solo ao qual aderia (exemplo: os eucaliptos de um bosque localizado em uma fazenda são considerados bens imóveis por acessão natural. Contudo, ao serem alienados para um industrial que pretenda usá-los como lenha para alimentar uma caldeira, serão considerados bens móveis por antecipação de uso). A ratio dessa antecipação consiste em facilitar a circulação de riquezas (não fosse essa solução engendrada pela doutrina e cada árvore haveria de ser alienada mediante escritura pública ! ).

Navios e aeronaves – são, à obviedade, bens móveis. Embora a lei atribua características próprias de bens imóveis a tais bens (como a exigência de instrumento público e registro na cartório marítimo, ou ainda admitir a hipoteca de tais bens), isto não tem o condão de retirar-lhes a natureza de bens móveis.

28/10/03

Capítulo IIDos bens reciprocamente considerados

Pelo critério da consideração recíproca os bens classificam-se em principais e acessórios. Principal é o bem que existe sobre si, abstrata ou concretamente; acessório, aquele cuja existência supõe a do principal (NCC 92). Exemplos bem principal são o solo, o automóvel etc.; já de bem acessório, temos uma casa construída sobre o solo é em relação a ele um bem acessório, assim como a árvore. Essa classificação é de grande valia uma vez que a regra geral é a de que os bens acessórios seguem a sorte do principal. Disso nascem algumas presunções legais (juris tantum), tais como: a) o proprietário do bem principal presume-se proprietário dos acessórios; b) o possuidor do principal presume-se possuidor do acessório (e.g., ao alugar um apartamento presume-se incluída no preço do aluguer a vaga de garagem); c) na alienação do bem principal incluem-se os bens acessórios; d) a oneração do principal importa oneração do acessório (v.g., a hipoteca constituída sobre um imóvel recai sobre os seus acessórios); etc.

Classificação dos bens acessórios(a) acessões: são bens que se incorporam ao solo dele não mais podendo serem separados sem fratura ou quebra. Acessões naturais x artificiais: acessões naturais do solo são os minerais e os vegetais, sendo irrelevante que os mesmos hajam sido plantados pelo homem, uma vez que é por obra da natureza que eles se desenvolvem; acessões artificiais são tudo o que adere ao solo por obra do ser humano, não mais podendo ser dele separado, senão com a sua destruição. O que caracteriza a acessão é o fato dela sempre constituir uma coisa nova, que adere ao solo onde antes nada há via (se uma casa é construída em terra nua essa casa é uma acessão e não uma benfeitoria, como geralmente se propaga pelos leigos. Pela regra da acessoriedade quem constrói em solo alheio perde a propriedade do que construiu para o proprietário do solo, podendo reclamar indenização caso haja boa-fé. Antigamente dizia-se que a propriedade do solo estendia-se ao subsolo e à coluna de ar que lhe fica acima; com o advento da CR/88, os recursos minerais do solo e os potenciais energéticos (como as quedas d’água) passaram a pertencer à União, que poderá autorizar a sua exploração pelo proprietário do solo.

Page 40: Parte geral do direito civil à luz do novo código  · Web viewEm determinados países a personalidade inicia-se no momento sagrado da concepção, ... A percepção dos frutos

(b) frutos (não há em direito a palavra “fruta”, que é utilizada pelos leigos para denominar os frutos naturais): são utilidades econômicas que se extraem de um bem e que se renovam ciclicamente. O que caracteriza os frutos é a sua capacidade de renovação (diferentemente dos produtos). A percepção dos frutos não importa exaurimento do bem do qual são extraídos, o que não significa dizer que o bem os gerará indefinidamente. Frutos naturais, industriais e civis:i) naturais são os frutos que são produzidos e que se renovam pelas forças da natureza (ex: as mangas que nascem anualmente numa mangueira). Os frutos naturais podem ser pendentes, percebidos, consumidos, estantes e percipiendos. Pendente é o fruto que ainda se encontra adrede ao bem principal (ex: as mangas ainda presas ao galho da mangueira); percebidos é o fruto que já foi destacado do bem que o produziu (ex: as mangas, logo que sejam colhidas); consumidos são os frutos naturais que já tiveram destinação econômica, exaurindo-se para o proprietário (ex: as mangas, após chupadas ou alienadas); estantes são os frutos percebidos mas ainda não consumidos (ex: as mangas guardadas na geladeira); percipiendos são os frutos que o proprietário esperava perceber e consumir, mas que por qualquer circunstância não o puderam ser (ex: um dia antes da colheita das mangas cai um raio na mangueira, destruindo-a por completo, impossibilitando a retirada dos frutos). Há grande relevância prática nessa subdivisão dos frutos naturais: Posse: na teoria geral da posse, diz-se que o possuidor de boa-fé tem de devolver o bem ao proprietário com os frutos pendentes, mas conservará para si os frutos percebidos e consumidos, sem necessidade de indenização; já o possuidor de má-fé não só tem de entregar o bem e os frutos pendentes, como terá de indenizá-lo de todos os frutos percebidos e consumidos. Direito de vizinhança: Caio tem em seu terreno uma mangueira. Ocorre que os galhos dessa mangueira projetam-se sobre o terreno de Tício e sobre a calçada da rua. Algumas mangas caíram no terreno de Tício e outras sobre a calçada. A quem pertencem esses frutos? Quanto aos que caíram no terreno de Tício não há maiores disceptações: pertencem a Tício. Já aqueles caídos sobre a calçada pertencem a Caio, caso ele manifeste a pronta intenção de apanhá-las. Caso as deixe caídas, sem manifestar interesse em apanhá-las, elas passam a ter a natureza de res derelictae. É o que Ihering chamava de situação de normalidade das coisas: se você encontra mangas caídas na calçada, pelo valor econômico das mesmas, é lícito supor que foram abandonadas, estando passíveis de apropriação; se, por outro lado, o bem na calçada for uma cigarreira de prata, não se pode supor haver a mesma sido abandonada, pois em situação de normalidade ninguém abandona um bem tão valioso;ii) frutos industriais são as utilidades econômicas retiradas das máquinas, utilidades estas que são produzidas e renovadas ciclicamente pelo trabalho humano (e não pela natureza, como os frutos naturais);iii) fruto civil é o dinheiro que se extrai ciclicamente de um bem que não é dinheiro (o exemplo clássico é o aluguel, dinheiro produzido a partir de um bem locado; outro exemplo é salário, dinheiro que se obtém através do trabalho). Juros: não se confundem com o fruto civil. Os juros têm a natureza jurídica de rendimentos, conforme se verá adiante.(c) produtos: são utilidades econômicas que se extraem de um bem, sem possibilidade de renovação. À proporção que se vai extraindo o produto o bem principal vai se exaurindo. Uma vez extraídos os produtos não se renovam. O exemplo clássico são os minerais que são extraídos da terra. A impossibilidade de renovação dos produtos tem como efeito no contrato de locação o direito do locatário em colher os frutos independentemente da autorização do locador, mas quanto aos produtos há necessidade do assentimento deste, sob pena de indenização (exemplo: o locatário de uma fazenda não precisa de autorização do locador para colher as mangas que nascem nas mangueiras (frutos naturais), porque tal fato não acarreta prejuízo algum ao locador eis que haverá a renovação de tais frutos; por outro lado, não poderá o locatário vender a areia do areal ali existente (produto) sem autorização do locador, sob pena de indenização, uma vez que a retirada do produto importará desfalque do bem).(d) rendimentos: são também representados por dinheiro, mas diferem dos frutos civis pelo fato de que nestes o dinheiro é gerado de outros bens que não o próprio dinheiro (imóvel locado, trabalho

Page 41: Parte geral do direito civil à luz do novo código  · Web viewEm determinados países a personalidade inicia-se no momento sagrado da concepção, ... A percepção dos frutos

etc.). Já o rendimento é a utilidade econômica produzida pelo dinheiro, de que são exemplo clássico os juros, além dos dividendos de uma apólice de sociedade anônima etc. Essa distinção somente se dá no campo do direito civil, porque no direito tributário os frutos civis e os rendimentos são a mesma coisa.(e) benfeitorias: são obras ou despesas feitas no bem com o fim de conservá-lo, melhorá-lo, ou embelezá-lo. As benfeitorias classificam-se em i) necessárias, aquelas que têm por fim conservar o bem ou evitar que o mesmo se deteriore. Devem ser indenizadas pelo proprietário, independentemente de boa ou má-fé do possuidor que as realize, assegurando-se, contudo, direito de retenção até o reembolso, somente ao de boa-fé; ii) úteis, as que facilitam ou aumentam o uso do bem. Se de boa-fé, reconhece-se ao possuidor que as implementar o direito à indenização e retenção (pela Lei do Inquilinato tais benfeitorias somente são indenizáveis quando houver expressa aquiescência do locador ao seu implemento); iii) voluptuárias, as de mero deleite ou recreio, que não aumentam o uso habitual do bem, ainda que o torne mais agradável ou seja de elevado valor. Não são indenizáveis ao possuidor que as haja implementado, permitindo-se-lhe, porém, levantá-las sem detrimento do bem principal, apenas no caso de boa-fé (ius tollendi). Caio Mário, op. cit., pág. 276/277. Possuidor de boa-fé não é necessariamente aquele que está numa posse sem vícios, mas sim aquele que ignora que a sua posse esteja viciada (violenta, precária etc.).“Caio emprestou em comodato puro por prazo determinado um seu imóvel a Tício. Vencido o prazo e notificado para devolver o bem ao comodante, o comodatário reclamou a devolução da quantia paga a título de IPTU durante a vigência do comodato, invocando o direito de retenção enquanto não fosse paga tal quantia. Tem razão Tício?” Inicialmente é de se destacar que no comodato puro não há ônus algum ao comodatário, sequer de pagar eventuais impostos que incidam sobre o bem. O IPTU é considerado uma benfeitoria necessária, pois consiste em uma despesa necessária à conservação do bem. Assim, deve o comodatário ser indenizado pelo comodante, independentemente de boa ou má-fé. Como agiu de boa-fé, é assegurado ao comodatário o direito de retenção do bem até o efetivo reembolso de tais quantias.“A casa do caseiro é uma acessão ou benfeitoria? Caso se entenda como benfeitoria, será necessária ou útil?” O professor entende que se ela for construída antes da casa principal tem natureza de acessão. Fora dessa hipótese ela tem a natureza de benfeitoria, no caso, útil, porque torna a casa mais valorizada (discordo, data maxima venia, porque a construção de uma casa para o caseiro é uma providência que evita, de certo modo, a deterioração da casa principal e seus acessórios).“E a piscina?” Ainda de acordo com o professor, a construção de uma piscina pode ser considerada uma benfeitoria útil ou voluptuária, dependendo de determinadas circunstâncias. Numa cidade de clima tropical como o Rio de Janeiro, quem constrói uma piscina não procura impressionar os amigos ou ostentar, mas sim um pouco mais de conforto. Contudo, se na construção da piscina foram empregados materiais tais como mármore de Carrara importado diretamente da Itália, sendo que a água escorre para dentro da piscina vinda de uma cascata com oito metros de altura, ao som de Vivaldi, insinuando-se pelo living da casa, não há dúvida: a benfeitoria é voluptuária.“A Lei do Inquilinato, em seu art. 35, diz que pode haver no contrato a renúncia do locatário ao direito de indenização, mesmo em relação às benfeitorias necessárias. É válida a disposição em contrato de locação que exonere o locador de indenizar as benfeitorias necessárias?”Há duas orientações sobre o tema.(1.ª corrente) De acordo com essa corrente, liderada pelo Desembargador Pestana de Aguiar, as benfeitorias necessárias, independentemente de autorização do locador, são indenizáveis, havendo-se por não escrita a disposição contratual em sentido contrário. O art. 35 da Lei 8.245/91 seria ilegal (hã???) quanto às benfeitorias necessárias, porque colidente com o princípio geral do direito segundo o qual é vedado o enriquecimento sem causa. Como as benfeitorias são necessárias e

Page 42: Parte geral do direito civil à luz do novo código  · Web viewEm determinados países a personalidade inicia-se no momento sagrado da concepção, ... A percepção dos frutos

preservam o bem do locador (que se estivesse na posse teria de realizá-las), não há justiça na exoneração do locador em indenizá-las.(2.ª corrente) Predomina o entendimento (obviamente) segundo o qual é válida a disposição contratual que exonere o locador da indenização de benfeitorias necessárias, uma vez que o direito tutelado no art. 35 é de cunho eminentemente patrimonial e, portanto, disponível. A questão se resolve com prevalência da autonomia da vontade dos contratantes.CC/16, art. 62 – o art. 62 do código revogado preceituava que não eram considerados acessórios a pintura em relação è tela, a escultura em relação à matéria-prima e a escritura ou qualquer trabalho gráfico em relação à matéria-prima que os recebe. A ratio essendi do dispositivo residia na necessidade de proteção da produção intelectual e artística (direitos autorias) e que, neste caso, o que se consideraria benfeitoria seria muito mais valioso que o bem principal. A solução seria, pois, o autor do trabalho indenizar o proprietário da matéria-prima pelo seu valor de mercado e ficar com a obra para si. Essa disposição se fazia necessária porquanto não houvesse no código revogado (sequer na Constituição ou na legislação infraconstitucional) um sistema de proteção ao direito autoral. Como o novo Código regulou a proteção dos direitos da personalidade, e considerando a Lei 9.610/98 (direitos autorais), optou o legislador por excluir do novo Código a disposição do art. 62. NCC 97 – de acordo com este dispositivo, não se consideram benfeitorias os melhoramentos ou acréscimos sobrevindos ao bem sem a intervenção do proprietário, possuidor ou detentor . Pois bem. É o exemplo clássico da avulsão, pelo qual um pedaço de terra é arrancado pela força da correnteza, indo agregar-se a m outro terreno. Neste caso, não se considera o acréscimo como benfeitoria, uma vez derivado de fenômeno natural. A benfeitoria pressupõe o engenho do ser humano.(f) pertenças (NCC 93): representam a antiga e revogada categoria de bens denominada de “imóveis por acessão intelectual”, que consistia, por definição, em todos os bens móveis que o proprietário ou possuidor do solo empregava para melhorar sua produtividade, conforto ou beleza. Era a destinação que lhe fosse dada pelo dono que conferia a natureza imóvel ao bem (por isso é que o trator, bem móvel, era considerado imóvel por acessão intelectual quando utilizado no exclusivo fim de arar e colher numa determinada fazenda. O mesmo se diga em relação aos móveis que guarnecem a residência), sendo o escopo do legislador de 1916 que houvesse uma unidade de regime jurídico entre principais e acessórios. No atual sistema, pode o proprietário alienar separadamente os bens que sejam considerados pertenças, incidindo as regras pertinentes aos bens móveis.

04/11/03

Capítulo IIIDos bens públicos

Essa classificação em bens públicos e privados parte de um critério estabelecido com base na titularidade do bem. São públicos os bens que pertencem às pessoas jurídicas de direito público (Entes Federativos, suas autarquias e fundações). Já os bens particulares são aqueles pertencentes às pessoas naturais ou às pessoas jurídicas de direito privado (associações, sociedades, fundações privadas etc.). A distinção releva em virtude do regime jurídico ao que submeter-se-ão os bens de uma ou outra ordem: geralmente, a regra em relação aos bens privados é exceção em relação aos bens públicos e vice-versa. Os bens públicos, por pertencerem ao povo, têm um tratamento mais rígido.

NCC 99 p.ún. – QQ UESTÃO DE UESTÃO DE AA LTA LTA II NDAGAÇÃONDAGAÇÃO – este dispositivo veio dar termo a um embate doutrinário que se estendeu por anos, sobre a natureza dos bens das pessoas jurídicas de

Page 43: Parte geral do direito civil à luz do novo código  · Web viewEm determinados países a personalidade inicia-se no momento sagrado da concepção, ... A percepção dos frutos

direito privado integrantes da Administração Indireta (empresas públicas e delegatárias de serviços públicos). A doutrina publicista clássica (Hely Lopes Meireles, Diogo de Figueiredo Moreira Neto, Jessé Torres Pereira Júnior etc.) sustenta que embora se trate de pessoas jurídicas de direito privado, os seus bens submeter-se-iam a tratamento idêntico ao dos bens públicos, com base no princípio da continuidade do serviço público. Doutrinadores mais modernos, entre os quais José dos Santos Carvalho Filho e Luiz Oliveira Castro Jungstedt (doutrina falada, quanto a este último), sustentavam, com arrimo no CR/88 173 §1.º II, que estas pessoas jurídicas de direito privado sujeitam-se ao regime próprio das empresas privadas, razão pela qual reconheciam esta natureza aos seus bens.

Com o advento do NCC 99 p.ún., houve um reforço legal ao argumento da segunda corrente, pois, segundo tal dispositivo, não dispondo a lei em sentido contrário, consideram-se dominicais os bens pertencentes às pessoas jurídicas de direito público a que se tenha dado estrutura de direito privado.

Pois bem. Tendo por solucionada a controvérsia em favor dos que sustentam a natureza privada dos bens das estatais e delegatárias de serviço público, surge uma questão relevante a ser discutida: “Os bens dessas pessoas são penhoráveis como de resto os bens privados em geral? Há limite para o ato de constrição além daqueles ordinariamente previstos às empresas privadas?” Essa pergunta foi por mim formulada ao professor, que me respondeu que no órgão jurisdicional do qual faz parte (10.ª Câmara Cível do TJERJ), vêm sendo confirmadas em grau de recurso as decisões de 1.º grau que determinam a penhora de bens destas empresas, observadas tão-somente as restrições legais concernentes ao próprio ato (v.g., o princípio segundo o qual a execução deve desenvolver-se da forma menos gravosa para o executado, vedação do excesso de execução etc.). Datissima maxima venia da opinião do mestre, a meu sentir a novidade trazida pelo NCC 99 p.ún. tem de ser aplicada cum grano salis, pois, se é certo que as empresas estatais devem se sujeitar ao regime próprio das empresas privadas, certo é também que a prestação de alguns serviços merece uma proteção em homenagem ao princípio da continuidade do serviço público, não se podendo permitir, s.m.j., a penhora, e.g., de manilhas prontas para serem utilizadas em obras de saneamento pela CEDAE.

Características dos bens públicos – os bens públicos são inalienáveis (em regra), impenhoráveis e imprescritíveis.(a) inalienabilidade: a regra geral é a de que os bens públicos não podem ser alienados, seja a título oneroso seja a título gratuito, dada a indisponibilidade dos interesses que a administração pública representa. Em relação aos bens privados ocorre exatamente o contrário: salvo situações excepcionais, os bens das empresas privadas são livremente alienados. No entanto, excepcionalmente, os bens públicos podem ser alienados, após prévia desafetação, que consiste numa autorização legislativa para a alienação do bem. A ratio da necessidade de autorização legislativa reside no fato de que pode haver interesse público na alienação de um imóvel que não seja mais necessário e cuja manutenção na estrutura administrativa seja dispendiosa ao erário, ou pode ser que haja necessidade na alienação para empregar os recursos em um determinado projeto etc. Como o parlamento é composto por representantes do povo, caberá ao legislativo (Congresso, Assembléia ou Câmara) avaliar a presença ou não do interesse público na alienação;(b) impenhorabilidade: conseqüência lógica e inarredável da inalienabilidade. Nas execuções contra a Fazenda Pública não existe ato de constrição patrimonial, uma vez que CR/88 estabelece como forma de pagamento das condenações estatais o precatório, que é uma ordem judicial para que o Executivo inclua em seu orçamento a quantia necessária à realização do crédito. Transitada em julgado a condenação, o processo desenvolver-se-á na forma do CPC 730. Em relação aos bens particulares a regra a é a penhorabilidade, somente excepcionados os bens expressamente declinados em lei (retratos de família, instrumentos de trabalho, jóias esponsais, bem de família etc.);

Page 44: Parte geral do direito civil à luz do novo código  · Web viewEm determinados países a personalidade inicia-se no momento sagrado da concepção, ... A percepção dos frutos

(c) imprescritibilidade: os bens públicos, diferentemente dos particulares, não se sujeitam à prescrição aquisitiva (usucapião). O Estatuto da Terra, rompendo a antiga tradição da imprescritibilidade dos bens públicos, permitiu a usucapião de terras devolutas, que pertencem à União, desde que o possuidor estivesse na posse mansa e contínua de terreno com área não superior a um módulo rural e nele explorasse a agricultura ou a pecuária. Contudo, a CR/88 não recepcionou tal diploma legal.

Espécies de bens públicos – são três: bens de uso comum, de uso especial e dominicais.(a) bens de uso comum do povo – são bens que estão permanentemente à disposição de qualquer pessoa do povo (ex.: ruas, praças, praias, mar territorial etc.). Isso não quer dizer que, excepcionalmente, em virtude do interesse público (e.g. segurança pública ou soberania nacional) não se possa vedar o acesso de pessoas do povo a certos bens de uso comum, como praias onde se situem edificações militares (Urca, Marambaia etc.). Da mesma forma, não é dessarrazoado a limitação de horário de acesso a determinados lugares, por imperativo de segurança dos próprios indivíduos (ex: acesso ao parque da cidade, no alto da Gávea). O fato do bem ser de uso comum não significa o uso gratuito do bem, mas é necessário que toda a receita proveniente de eventual cobrança seja revertida para a conservação ou aformoseamento do bem. Os bens de uso comum que sejam objeto de concessão não perdem a natureza de bens de uso comum. Praias: no Brasil as praias são bens de uso comum do povo, se qualquer exceção. Não há praias particulares, nem mesmo aquelas situadas em “ilhas particulares”, razão pela qual o professor acha que a praia é um dos grandes fatores de democratização da sociedade brasileira;(b) bens de uso especial – são bens que se destinam às atividades do Estado como, p. ex., os prédios em que se situam as repartições públicas;(c) bens dominicais (ou dominiais) – são todos os demais bens públicos, que não estejam permanentemente à disposição do povo, nem afetados a um uso especial (ex.: os terrenos de marinha e seus acrescidos, as grutas e sítios arqueológicos, os potenciais de energia hidrelétrica, os minerais do subsolo etc.). Praias x terrenos de marinha - Enquanto as praias são bens de uso comum e, por isso, insuscetíveis de ocupação ou apropriação individual, os terrenos de marinha podem ser dados em enfiteuse ou ocupação. A dificuldade prática é saber até onde vai a praia e começa o terreno de marinha. A Constituição não define o que é a praia, havendo divergência doutrinária sobre o conceito. Clóvis definia a praia como a faixa de material detrítico não consolidado coberta e descoberta pelo fluxo das marés. É um conceito restritivo, pois só abarca a faixa de areia eventualmente coberta pela maré em sua preamar. A definição dominante, contudo, é mais abrangente, eis que considera a praia como a extensão de terra entre o mar e a vegetação permanente. Já os terrenos de marinha (e não da Marinha, embora o poder de polícia nas praias seja exercido pela Capitania dos Portos) são a extensão de terra que vai desde a preamar máxima de 1831 (ano em que foram criados os terrenos de marinha) até 33 metros para dentro do continente; em relação aos rios navegáveis, os terrenos de marinha são a faixa de terra de 33 metros contados da margem até onde se possa sentir a influência das marés; em relação às lagoas que sofram a influência do mar, 33 metros em torno da mesma. A ratio da criação dos terrenos de marinha como propriedade da União residiu, inicialmente, por questões de segurança nacional, porque naquela época as invasões bélicas se davam via mar. Assim, temia-se que se esses terrenos litorâneos pertencessem a particulares e que um deles fosse exatamente nacional de um país invasor, que poderia ter o acesso franqueado para uma invasão. Atualmente, a manutenção da existência dos terrenos de marinha se justifica exatamente para possibilitar o acesso às praias. Ilhas oceânicas x ilhas marítimas – as ilhas marítimas são afloramentos da plataforma continental submersa; ilhas oceânicas, são elevações do relevos submarino, normalmente provenientes de erupções vulcânicas nas profundezas abissais. À exceção de Fernando de Noronha, que pertence ao Estado de Pernambuco, as ilhas oceânicas pertencem à União. As ilhas marítimas podem pertencer a particulares, mas nunca haverá propriedade da plenitude de uma ilha por um particular. Se a ilha

Page 45: Parte geral do direito civil à luz do novo código  · Web viewEm determinados países a personalidade inicia-se no momento sagrado da concepção, ... A percepção dos frutos

contiver uma praia, ela é bem de uso comum, portanto, insuscetível de apropriação particular; e 33 metros em torno de toda a ilha são terreno de marinha, dos quais somente pode o particular deter o domínio útil, mediante aforamento. Na verdade o que pode ser objeto de apropriação por particular é o alodial da ilha (parte central, anterior aos 33 metros do terreno de marinha). Terras devolutas da União – são terras sem titularidade além dos terrenos de marinha.

Bem de família – há duas espécies de bem de família em nosso ordenamento jurídico: o bem de família convencional e o bem de família legal, havendo consideráveis diferenças entre ambos, como veremos.

(a) bem de família convencional: houve uma mudança topográfica do regramento do bem de família convencional. Antes regulado na parte geral do código revogado, hoje ele se encontra disciplinado na parte especial do NCC, inserido no livro do direito de família. No sistema do código revogado, o bem de família era um imóvel, rural ou urbano, indicado pelo chefe da família, através de ato solene, para servir de residência da família (destinação que não podia ser modificada). A partir dessa constituição, gozaria o bem de relativa inalienabilidade e impenhorabilidade. Após a constituição do bem de família o mesmo somente poderia ser alienado com autorização judicial. O grande defeito do instituto do bem de família, tal como regulado no código Beviláqua, era a onerosidade e burocracia que envolviam a sua constituição, bem como a inconveniência da inalienabilidade de que se revestia o bem após a sua constituição. Procedimento – após lavrada a escritura de constituição do bem família, será ela levada ao Registro de Imóveis respectivo. O oficial então fará publicar um edital na imprensa oficial local ou, se não houver, na da capital do Estado, assinando o prazo de 30 dias para que qualquer credor que se julgue prejudicado com aquela indicação possa impugná-la. Findos os 30 dias sem impugnação, o oficial procederá ao registro, a partir de quando considerar-se-á o bem como de família. Se houver impugnação, o oficial devolverá o título ao instituidor para que requeira ao juiz que, apesar da impugnação, seja procedido o registro do título. O juiz, em cognição sumária e mediante decisão irrecorrível, poderá tomar uma de três soluções: i) entendendo que as razões da impugnação estão suficientemente provadas (ex.: que o devedor ficará insolvente com a instituição, frustrando o cumprimento de sua obrigação), julgará a mesma procedente e devolverá o título sem registro ao instituidor; ii) considerando que não procedem as razões do impugnante, ele defere o pedido do instituidor, mandando registrar o título; ou iii) achando insuficiente a prova num e noutro sentido, o juiz mandará registrar o título, remetendo o impugnante às vias ordinárias (ação pauliana) para discutir a liceidade daquela instituição. Já em sede de ação pauliana, se julgada procedente, seria o registro cancelado; se improcedente, mantido. Alterações no sistema do NCC: i) no sistema do código revogado não havia limitação de valor para a instituição do bem de família, mas o NCC 1.711 exige que o bem não seja de valor superior a 1/3 do patrimônio líquido da família no momento da instituição; ii) no sistema do código revogado somente o chefe da família é quem poderia proceder à instituição do bem de família, mas no atual regime poderão fazê-lo os cônjuges ou a entidade familiar, além de um terceiro (por testamento ou doação) em favor de uma entidade familiar que indique (NCC 1.711 p.ún.); iii) a maior novidade é a possibilidade de acoplar ao bem de família uma quantia em dinheiro ou em valores mobiliários, desde que não ultrapasse o valor do imóvel, cuja renda servirá para custear a manutenção do imóvel ou no sustento da família (NCC 1.712 e 1.713). Poderá o instituidor confiar a administração dos valores mobiliários a uma instituição financeira (§3.º) e, sendo decretada a liquidação extrajudicial da mesma, ordenará o juiz a transferência dos valores a entidade símile (NCC 1.718); se a hipótese for de falência, observar-se-á a regra sobre o pedido de restituição (NCC 1.719); iv) caso torne-se impossível a manutenção do bem nas condições em que foi instituído, poderão os interessados requerer ao juiz, ouvidos o instituidor e o MP, a sua sub-rogação em outro ou outros bens (NCC 1.719). Extinção do bem de família convencional: i) morte de ambos os cônjuges sendo os filhos maiores e capazes; ii) comprovada a impossibilidade de

Page 46: Parte geral do direito civil à luz do novo código  · Web viewEm determinados países a personalidade inicia-se no momento sagrado da concepção, ... A percepção dos frutos

manutenção do bem nas condições em que foi instituído, ouvidos o instituidor e o MP; iii) pela morte de um dos cônjuges, a requerimento do sobrevivente, se o bem for o único do casal. Esse dispositivo vem recebendo duras críticas da doutrina, uma vez que desampara os filhos menores, indo contra a ratio legis do bem de família.

(b) bem de família legal: foi então que surgiu o bem de família legal (Lei 8.009/90), tornando impenhorável ex vi legis o imóvel residencial do devedor, ou seja, sem a necessidade de constituição por escritura púbica ou registro. Entidade familiar: a proteção legal abrange qualquer tipo de família, seja resultante do casamento, da união estável ou a dita família monoparental. O que não se admite é a extensão da garantia legal às pessoas que vivam solteiras e sem descendentes ou ascendentes.

Exceções à impenhorabilidade – tanto o bem de família convencional como o bem de família legal podem ser, excepcionalmente, penhorados. Bem de família convencional: de acordo com o NCC 1.715 o bem de família poderá ser penhorado por dívida anterior à sua instituição; no caso de dívida posterior, somente aquela decorrente de tributos relativos ao prédio ou despesas condominiais, o que representa significativa mudança. Bem de família legal: a Lei 8.009/90 não menciona expressamente em seu art. 3.º (que traz as exceções à regra da impenhorabilidade) a dívida condominial, o que ensejou o surgimento de duas correntes na jurisprudência sobre a possibilidade de constrição do bem a esse título: (1.ª corrente) como as hipóteses constantes do art. 3.º são exceções à regra da impenhorabilidade, portanto de caráter restritivo, não se poderia alargar o rol mediante analogia ou interpretação extensiva; (2.ª corrente) o professor defende a possibilidade de penhora por dívida condominial, a uma porque e trata de obrigação propter rem e portanto equiparável aos tributos que incidem sobre o imóvel, a duas porque o NCC 1.715 assim o previu expressamente. Concessa venia da orientação defendida pelo mestre, a meu sentir as disciplinas do bem de família convencional e legal são diversas. A disposição contida no final do NCC 1.711 (“... mantidas as demais regras sobre a impenhorabilidade do imóvel residencial estabelecida em lei especial.”) significa que as hipóteses de exceção à impenhorabilidade da Lei 8.009/90 aplicam-se ao bem de família regulado no NCC, mas não o contrário. Trata-se de regras restritivas de direito, que não admitem interpretação extensiva ou analogia para serem ampliadas. Por outro lado, a Lei 8.009/90 é lei especial em relação ao NCC, não tendo por este sido revogada. Se não há previsão legal expressa para a penhora do bem de família legal por dívida de condomínio, não se há que alongar o alcance do NCC ao bem de família legal.

11/11/03

LIVRO IIIDos Fatos Jurídicos

A nossa vida, desde que acordamos a cada dia até que voltemos a dormir, é uma sucessão de fatos. Fatos são acontecimentos, eventos. Se, ao sairmos da aula e nos molharmos por estar chovendo, tal será um fato que há de marcar o nosso dia. Ocorre que nem todos os eventos ocorridos conosco serão fatos jurídicos. Todo fato jurídico é um evento, um acontecimento, mas nem todo acontecimento representa um fato jurídico. Quando o fato percute no campo do direito, qualquer que seja a sua origem, é que toma o conteúdo e a denominação de fato jurídico (C.M.S.P., op. cit., pág. 291). O fato só é jurídico por causa de seus efeitos nas relações jurídicas havidas entre os indivíduos. Cinco podem ser os efeitos para que o fato se caracterize como fato jurídico: aquisição, preservação, modificação, transmissão ou extinção de direitos. Se ao menos um desses efeitos não se operou haverá fato, mas não fato jurídico.

Page 47: Parte geral do direito civil à luz do novo código  · Web viewEm determinados países a personalidade inicia-se no momento sagrado da concepção, ... A percepção dos frutos

Savigny definia o fato jurídico como todo acontecimento em virtude do qual nasce ou extingue-se uma relação jurídica. A definição, contudo, é incompleta, haja vista que alude a apenas dois dos cinco efeitos possíveis. Essa é a definição da preferência do mestre: fato jurídico é todo acontecimento, natural ou humano, em virtude do qual nasce, preserva-se, modifica-se, transfere-se ou extingue-se uma relação jurídica. São dois, portanto, os requisitos do fato jurídico: o acontecimento e a atribuição por lei de algum destes cinco efeitos ao acontecimento. Fato jurídico natural é aquele produzido pelas forças da natureza, sem o concurso da vontade humana. O fato jurídico natural pode ser ordinário (são os que não causam surpresa, são esperados, pois fazem parte da rotina da vida – exemplo: o nascer do sol) ou extraordinário (são os fatos naturais que rompem a previsibilidade do homem médio – exemplo: um furacão); fato jurídico humano (ou voluntário, no dizer de C.M.S.P.), o que dela (vontade humana) se origina. Os fatos jurídicos naturais extraordinários, também conhecidos como caso fortuito, têm grande importância no campo das relações jurídicas porque são freqüentemente invocados para justificar o inadimplemento justificável das obrigações, exonerando o obrigado de eventual indenização ao credor.

Fato jurígeno – essa expressão, debitada ao jurista Edmond Picard, que considerava errônea a expressão fato jurídico, não parece ser a mais adequada, uma vez que é mais precisa apenas no tocante à força criadora de direitos, sendo insuficiente em relação ao fato modificativo e totalmente inadequada quando se trata de fato extintivo de direitos.

Fatos naturais – não sequer um único artigo no NCC disciplinando os fatos naturais. Há omissão reprovável do legislador em relação a esta categoria de fatos jurídicos? Não. É que não há nenhuma necessidade de disciplina expressa e casuística dos fatos jurídicos naturais. Se o legislador se ocupasse com relacionar os fatos jurídicos naturais talvez o NCC tivesse cinco volumes.

Título IDo negócio jurídico

No sistema do código revogado, os fatos jurídicos humanos dividiam-se em atos jurídicos e atos ilícitos (ou atos jurídicos ilícitos). Daí porque constitui erro grosseiro confundir ato jurídico com fato jurídico: o ato jurídico é uma espécie de fato jurídico. Todo ato jurídico é um fato jurídico, mas nem todo fato jurídico é um ato jurídico. No conceito de ato jurídico, o código revogado reunia o que a doutrina denomina ato jurídico em sentido estrito e negócio jurídico, sem que houvesse no código uma só remissão a esta última expressão, omissão essa repudiada de um modo geral pela doutrina civilista. A definição de ato jurídico constante do antigo art. 81, na verdade respeitava muito mais ao negócio jurídico, que é uma espécie de ato jurídico.

O NCC, primando pela boa técnica neste particular, faz nítida distinção entre as figuras do ato jurídico stricto sensu, do negócio jurídico e do ato ilícito, todos como espécies do gênero fato jurídico. Inversamente ao código revogado (que nada dizia acerca dos negócios jurídicos), o NCC dá primazia aos negócios jurídicos, basta ver que apenas em um artigo houve referência expressa ao ato jurídico lícito (NCC 185).

Ato jurídico stricto sensu x negócio jurídico – no ato jurídico em sentido estrito o agente emite uma vontade na direção de um resultado previamente previsto em lei. É como se a vontade emitida estivesse engessada pela lei. A liberdade de atuação do agente reside apenas na decisão de emitir ou não a vontade: em sendo esta emitida, os efeitos possíveis de serem produzidos já se encontram elencados na lei. O ato jurídico emana da vontade humana, mas os seus resultados sofrem a limitação da lei. Vale dizer, no ato jurídico stricto sensu há manifestação volitiva, mas os efeitos jurídicos são gerados independentemente de serem perseguidos diretamente pelo agente (exemplo:

Page 48: Parte geral do direito civil à luz do novo código  · Web viewEm determinados países a personalidade inicia-se no momento sagrado da concepção, ... A percepção dos frutos

se, andando pela praia, encontro uma concha e a levo para adornar a minha casa, eu me torno proprietário desse bem. Essa apropriação recebe o nome de ocupação e tem os efeitos já previamente previstos na lei civil, mais precisamente no art. 1.263 do NCC). Os atos jurídicos stricto sensu podem ser: a) materiais, aqueles que representam uma mera exteriorização da vontade humana produzindo efeitos jurídicos, mas não se destina ao conhecimento de terceiros. Isso não significa que haja proibição da publicidade a terceiros do ato jurídico material, mas sim que o autor de um ato jurídico material não tem interesse em que a sua manifestação de vontade chegue ao conhecimento de terceiros (ex.: a ocupação de uma concha que o mar atirou à praia, ou de um livro abandonado em um banco de praça); b) participativos, ao contrário dos materiais, são aqueles em que o agente dirige a sua manifestação volitiva ao conhecimento de terceiros, ou seja, no interesse de que a sua vontade seja conhecida por outros (ex.: a designação de uma assembléia condominial, com a ciência da data e conseqüente convocação dos condôminos para o ato).

O negócio jurídico, a seu turno, encontra-se no território sagrado da autonomia da vontade. Os negócios jurídicos são declarações de vontade destinadas à produção de efeitos jurídicos queridos pelo agente (C.M.S.P., op. cit., pág. 302). Nele, o agente goza de uma certa liberdade para auto-regulamentar os efeitos que serão gerados a partir de sua manifestação volitiva. É óbvio que essa liberdade não é absoluta ou ilimitada, pois não existem liberdades absolutas em uma sociedade civilizada, vale dizer, a autonomia da vontade, apanágio dos negócios jurídicos, encontra limite na ordem pública. Através dos negócios jurídicos os agentes podem criar, preservar, modificar, transmitir ou extinguir direitos.

Espécies de negócio jurídico – O negócio jurídico pode ser classificado, de acordo com a quantidade de vontades emitidas, em:a) unilateral, quando o seu aperfeiçoamento se deu com a manifestação de vontade de um único agente (ex.: testamento, promessa de recompensa etc.). A gestão de negócios, que no código revogado era exemplo de negócio jurídico bilateral, agora teve a sua natureza transmudada para negócio jurídico unilateral (pois que agora figura entre os atos unilaterais, regulada entre os artigos 861 e 875 do NCC). O testamento é um negócio jurídico porque o testador emite a sua vontade com certa liberdade para disciplinar os seus efeitos. Certa liberdade porque a ninguém é dado dispor inteiramente de seu patrimônio, a não ser que não possua herdeiros necessários, quando a liberdade plena. É um negócio jurídico unilateral porque para que se aperfeiçoe o testamento basta a manifestação de vontade do testador. Os legatários só manifestarão sua vontade, aceitando ou não o legado, após a abertura da sucessão. A promessa de recompensa, da mesma forma: se eu perco a minha pasta no metrô e faço publicar um anúncio em jornal de grande circulação prometendo o pagamento de determinada quantia a quem encontrá-la, a partir do momento em que o anúncio é veiculado eu já estou obrigado. É negócio jurídico porque há liberdade na escolha do valor a ser pago, por quanto tempo vigorará a promessa etc. É unilateral porque para o aperfeiçoamento da promessa basta a manifestação de vontade do agente. Na gestão de negócios idem, porque somente entra a vontade do gestor do negócio. O dono do negócio não manifesta a sua vontade, o gestor é que presume essa vontade e começa a praticar atos de gestão do negócio alheio, mas sem que haja sido expressamente pedido pelo dono do negócio. No código passado a gestão de negócios era contrato, mas agora foi incluída entre os atos unilaterais;b) bilaterais, são os negócios jurídicos que se aperfeiçoam com o concurso de duas vontades (ex.: o contrato firmado entre o cirurgião plástico e uma mulher, para dar aquela “levantada” na auto-estima);c) plurilaterais, os negócios jurídicos que se formam com mais de duas vontades (ex.: um contrato de sociedade, firmado por oito sócios, em que cada um desses sócios emite vontade própria, ou um contrato de consórcio, com 60 consorciados etc.)

Page 49: Parte geral do direito civil à luz do novo código  · Web viewEm determinados países a personalidade inicia-se no momento sagrado da concepção, ... A percepção dos frutos

Negócio jurídico unilateral x contrato unilateral – Atenção ! – Todo contrato é, sem exceção, um negócio jurídico bilateral ou plurilateral. A única coisa que um contrato não pode ser é um negócio jurídico unilateral, sob pena de ter natureza diversa de contrato, que pressupõe a conjugação de, pelo menos, duas vontades. O que é comum é fazer-se confusão entre os institutos do negócio jurídico unilateral e do contrato unilateral, que são absolutamente diferentes. Negócio jurídico unilateral, como visto, é o que se aperfeiçoa com uma única vontade; contrato unilateral é aquele em que as obrigações repousam sobre os ombros de uma só das duas (ou mais) partes. A unilateralidade ou bilateralidade do negócio jurídico respeita à quantidade de vontades envolvidas no negócio; a unilateralidade ou bilateralidade do contrato respeita à distribuição das obrigações entre os contratantes. A doação, classificada como negócio jurídico, é um negócio jurídico bilateral, pois reclama a conjunção da vontade do doador e do donatário; contratualmente, contudo, a doação é um contrato unilateral, haja vista que as obrigações que dela emanam recaem apenas sobre a pessoa do doador. Já a compra e venda é negócio jurídico bilateral (vontade do vendedor + vontade do comprador) e contrato bilateral (obrigação de entregar a coisa e obrigação de pagar o preço). Há erro crasso em dizer que o contrato bilateral é aquele em que há duas partes, pois, assim, não haveria contrato unilateral, tendo em vista que todo contrato possui duas partes. E o autocontrato (ou contrato consigo mesmo)? É que o chamado autocontrato possui, sim, duas partes; ocorre que as duas partes do contrato são representadas pela mesma pessoa. O “contrato consigo mesmo” é aquele que se celebra mediante mandato em causa própria (ex.: Eu resolvo vender meu apartamento a Maria, mas precisando do dinheiro ainda hoje peço que ela me pague integralmente o preço hoje, mas como a escritura só poderá ser lavrada daqui a uns 15 dias, prazo para tirar as certidões negativas de praxe, eu outorgo a ela, que é a compradora e que acabou de me pagar integralmente o preço, um mandato, mas eu expressamente a autorizo a usar esse mandato para transferir o meu apartamento do meu nome par ao dela. Esse mandato constitui uma exceção aos demais pois é irrevogável e subsiste mesmo após a morte do mandante. Daí a compradora- outorgada, de posse do mandato e após adquirir todas as certidões, vai ao tabelião para a lavratura de escritura de compra e venda do imóvel, na qual constará como compradora Maria e como vendedor Eu, representado por Maria). Daí porque o mestre repudia a denominação “autocontrato” (ou “contrato consigo mesmo”), que conduz o leigo a entender que se trata de um contrato com uma só parte, sendo de sua preferência falar em “contrato celebrado com mandato em causa própria”. Não há que se confundir as expressões “parte” e “pessoa”: “partes” são os pólos da relação contratual (v.g., comprador e vendedor), mas essas duas partes, como visto no exemplo, podem ser representadas por uma única pessoa, que se apresenta como compradora e mandatária do vendedor.

Capítulo IDisposições gerais

Fato Jurídico

Fato Natural Fato Humano

Ato Jurídico Lícito Negócio Jurídico

Atos Materiais

Atos participativos

Ato Ilícito

Unilateral

Bilateral

Plurilateral

Ordinário Extraordinário

Page 50: Parte geral do direito civil à luz do novo código  · Web viewEm determinados países a personalidade inicia-se no momento sagrado da concepção, ... A percepção dos frutos

O código inicia a disciplina dos negócios jurídicos elencando os seus requisitos de validade no art. 104, ou seja, as condições para que o negócio seja apto a produzir os efeitos perseguidos pelo agente. Não são estes os únicos requisitos de validade dos negócios jurídicos. O código não incluiu, por exemplo, o consentimento ou a legitimidade, cabendo à doutrina civilista completar o rol dos elementos essenciais de validade do negócio jurídico. De acordo com o precitado dispositivo legal, a validade do negócio jurídico requer:

I – agente capaz – ora, se todo e qualquer negócio jurídico é produto da vontade humana, é claro que ele somente produzirá seus efeitos se o agente emissor da vontade tiver consciência do significado ético dessa emissão. Isso não significa dizer que um incapaz não possa participar de um negócio jurídico, o que equivaleria à negativa de sua própria personalidade. Os incapazes são pessoas e, como tais, sujeitos de direitos, podendo participar naturalmente de negócios jurídicos. Só não o podem fazer diretamente, razão pela qual o NCC, acertadamente, logo após enunciar os requisitos de validade dos negócios jurídicos, incluiu um capítulo disciplinando o instituto da representação, mecanismo que supre a falta de capacidade para a prática dos atos da vida civil. Assim, quando o código diz que a validade do negócio jurídico requer agente capaz, tal não pode ser interpretado literalmente como “só pode figurar em negócio jurídico quem for capaz”. Para a verificação da validade do negócio jurídico é necessário perguntar se o agente, no momento da emissão de sua vontade, era capaz. Se o agente era incapaz, mas foi regularmente representado, então o negócio jurídico é valido. Do contrário, não.

II – objeto lícito, possível, determinado ou determinável – objeto lícito é o que não contraria a lei ou a moral, já que no conceito de licitude está embutido o de moralidade. Ilícito, diziam os irmãos Mazeaud, não é apenas o que viola a lei, mas também a moral (ex.: um contrato celebrado entre o agente e um pistoleiro para matar seu desafeto é, à evidência, nulo, por ilicitude do objeto; um contrato celebrado pelo agente e uma mulher para que pratiquem atos de libidinagem, igualmente é nulo, por imoralidade do objeto). A ilicitude é um conceito objetivo, bastando comparar o objeto à lei; já a imoralidade é eminentemente subjetiva e variável, mesmo, no tempo, sendo considerada como parâmetro a moral média da sociedade (não servem como parâmetro a carola, tampouco o devasso). O objeto deve ser, também, possível, pois o direito tem horror às inutilidades (é nulo por impossibilidade material do objeto o contrato firmado entre a Administração e uma empreiteira para construir uma ponte ligando a Praça XV à lua; é nulo por impossibilidade jurídica do objeto o contrato de compra e venda de uma praia no Brasil). A impossibilidade do objeto só invalida o negócio jurídico se for absoluta. Finalmente, o objeto deve ser determinado ou determinável. A absoluta indeterminação do objeto causa a nulidade do contrato.

III – forma prescrita ou não defesa em lei – a forma é um elemento essencial especial. O NCC 107 consagra o princípio da liberdade de forma, razão pela qual se costuma dizer que a forma não é um elemento essencial geral de validade, porque, ao contrário, o princípio geral é o de que a forma do negócio jurídico é livre, cumprindo às partes escolher a forma que melhor lhes convier. Há certos negócios jurídicos, contudo, que exigem a forma solene da fé pública, tal como se refere o NCC 108, relativamente a direitos reais sobre bem imóvel de valor não inferior a 30 vezes o maior salário mínimo vigente no país.¹ Em princípio, o nosso direito despreza os formalismos inúteis, deixando ao alvedrio das partes a escolha da modalidade convinhável para a emissão de vontade (...) Exprime-se o princípio hoje vigente, afirmando-se a liberdade da manifestação da vontade, o qual só excepcionalmente é postergado, e, então, quando a lei exige a sujeição a determinada forma, as partes não têm o direito de convencionar forma diversa (C.M.S.P., op. cit., págs. 312/313). As formalidades legais podem ser de duas ordens:

Page 51: Parte geral do direito civil à luz do novo código  · Web viewEm determinados países a personalidade inicia-se no momento sagrado da concepção, ... A percepção dos frutos

a) ad solemnitatem – hipótese em que a forma prevista na lei é solene ao ponto de prevalecer sobre o próprio conteúdo do negócio jurídico. Se o ato ostenta forma diversa daquela determinada, não vale, não produz efeitos, ainda que a vontade do agente se tenha inequivocamente produzido para aquele fim, porque o requisito formal domina o conteúdo do negócio jurídico, criando integração este com aquele de maneira indissolúvel (C.M.S.P., op. cit., págs. 312/313). São exemplos de formalidades ad solemnitatem aquelas exigidas para o testamento a para a alienação de imóveis com valor superior a 30 vezes o salário mínimo (NCC 108);

b) ad probationem – hipótese em que a formalidade é exigida simplesmente para a prova do negócio jurídico, quando o seu resultado poderá ser atingido por outro meio. Exemplo: a obrigação de valor superior a dez salários mínimos não pode ser provada exclusivamente por testemunhas, já que a lei exige ao menos um começo de prova por escrito (Cód. De Proc. Civil, art. 401). Mas se o sujeito passivo da obrigação for chamado a cumpri-la, e não opuser a exceção, é válido o pagamento efetuado, porque aqui a forma não sobreleva ao fundo, nem se integra na constituição do ato, requerendo-o como meio de evidenciação, tão-somente.

O negócio jurídico é válido em si mesmo, mas não pode ser provado senão pela confissão da parte a quem é oposto, ou por sua execução espontânea, que é uma espécie de confissão extrajudicial (C.M.S.P., op. cit., págs. 312/313).

“Podem as partes estipular forma para o negócio jurídico, cuja inobservância dê ensancha à sua nulidade, uma vez não prevista tal formalidade em lei para o negócio jurídico?”Sim, de acordo com a redação do NCC 109._________________________¹ a referência ao maior salário mínimo vigente no país deve-se à mora do Congresso na apreciação do projeto do novo código, já que à época de sua elaboração vigia no país o sistema de salários mínimos regionais. O salário mínimo atualmente estou unificado em âmbito federal, o que não impede que um Estado estabeleça, nos limites de seu território, um salário mínimo maior, como é o caso do Rio de Janeiro. Para fins de aplicação do NCC 108, assevera o mestre que prevalece o valor do salário mínimo nacional, qual seja, R$ 240,00, sendo 30 vezes esse valor a taxa mínima para os negócios jurídicos versando direito reais sobre bens imóveis.

Reserva mental – NCC 110 – instituto inovador trazido pelo novo código, a reserva mental (que não se confunde como erro) significa a emissão de uma vontade, mas reservando o emitente em seu íntimo não querer realizar o negócio jurídico, ou seja, é exteriorizada uma vontade que não é exatamente a vontade real do agente. Toda a doutrina sempre afirmou que a reserva mental não influi na validade do negócio jurídico, uma vez que a vontade haja sido exteriorizada voluntária e conscientemente, portanto apta a vincular o seu emissor. É nesse sentido a primeira parte do dispositivo em comento. O que causa perplexidade é a parte final do artigo (“.. salvo se dela o destinatário tinha conhecimento.”), pois se o destinatário tinha conhecimento dessa circunstância, não seria mais uma reserva mental. Na opinião do mestre a redação do artigo poderia findar na vírgula.

Silêncio – NCC 111 – este dispositivo veio dar fim a uma dúvida que assalta os leigos de um modo geral: Pode em Direito o silêncio valer como forma de manifestação de vontade? Pode alguém manifestar vontade pelo simples fato e ficar calado? O silêncio implica concordância com os termos propostos para a realização do negócio jurídico? O código revogado silenciava a respeito. Na verdade, o silêncio pode expressar ora assentimento (NCC 303) ora dissentimento (NCC 299), como na assunção de dívida, instituto pelo qual um terceiro assume o lugar do devedor, em verdadeira substituição subjetiva no pólo passivo da relação obrigacional. Assunção de dívida: Não há antinomia entre os NCC 299 e 303: o NCC 299 respeita ao credor quirografário, ou seja, sujeito

Page 52: Parte geral do direito civil à luz do novo código  · Web viewEm determinados países a personalidade inicia-se no momento sagrado da concepção, ... A percepção dos frutos

ativo de uma relação obrigacional sem garantia real, em que a dívida é garantida pelo patrimônio do devedor e a substituição deste pode lhe ser altamente prejudicial, se quem vier a assumir a dívida não tiver as mesmas condições de solvência do devedor originário. É por isso que o legislador interpreta o silêncio do credor como recusa na substituição. O NCC 303, a seu turno, concerne ao credor hipotecário, credor privilegiado, sendo o próprio imóvel a garantia do cumprimento da obrigação e não o patrimônio do devedor. Tratando-se de dívida garantida por hipoteca, em que um terceiro queira assumi-la, é melhor interpretar o silêncio do credor como concordância porque a substituição do devedor não influi na garantia da obrigação, não havendo, ao menos em tese, prejuízo algum para o credor com a substituição. Sendo a hipoteca um direito real de garantia ela adere ao imóvel (direito de seqüela), o que possibilita ao credor excuti-lo no domínio de quem quer que ele se encontre.²

_________________________² embora não haja solucionado definitivamente o problema, o NCC 303 acena com uma saída para os chamados “gaveteiros” (pessoas que assumiram obrigações do sistema financeiro habitacional), que poderão notificar os agentes financeiros (credores) para que se manifestem sobre a substituição do devedor original. Silente o credor durante o prazo de 30 dias, haver-se-ão por válidos os instrumentos particulares (contratos de gaveta) celebrados à revelia do credor hipotecário.

O NCC 111, assim, estabelece que o silêncio somente valerá como concordância quando os usos do lugar o autorizarem ou quando não for exigida por lei uma declaração expressa. Assim, por exemplo, a doação pura: no contrato de doação pura não se exige a anuência expressa do donatário para o aperfeiçoamento do pacto, ou seja, ele pode manifestar seu consentimento ficando calado, porque o código diz que na doação pura o silêncio do donatário importa anuência. Neste caso, ao revés, exige-se a manifestação da discordância. Outro exemplo (agora de usos do lugar): imagine-se um contrato de fornecimento periódico, por exemplo, uma cooperativa rural fornece um litro de leite por dia nas casas do entorno do engenho, toda manhã, sendo remunerado mensalmente por cada um dos moradores do lugar. O contrato é firmado inicialmente pelo prazo de 6 meses e os usos do lugar são no sentido de que ao cabo dos 6 meses o contrato se renova. Os usos do lugar autorizam, eis que se trata de um contrato que não possui grande envergadura econômica e as pessoas, pelo silêncio, assentem na renovação da avença. Já no sistema do CDC o silêncio do destinatário de um produto que não foi por ele solicitado não importa aceitação, o que resolveu uma prática abusiva levada a efeito, por exemplo, pelas administradoras de cartões de crédito.

Nova hermenêutica dos negócios jurídicos - regra geral – há dois princípios essenciais na hermenêutica dos negócios jurídicos com o NCC: o primeiro em importância é o da boa-fé objetiva; o segundo, o princípio dos usos do lugar da celebração, sendo este último decorrência da unificação das obrigações civis e comerciais. Se há ramo no direito em que os costumes têm importância capital, esse ramo é o direito comercial (as chamadas práticas comerciais). Os costumes do comércio são uma grande fonte inspiradora de aplicação e modificação do direito comercial: não havendo regra expressa o juiz deve decidir os conflitos que emergem das relações comerciais de acordo com os costumes do lugar. Eis a ratio da regra do NCC 113, alinhando a boa-fé e os usos do lugar da celebração como regras de interpretação dos negócios jurídicos.

Princípio da boa-fé objetiva – NCC 113 – este dispositivo é tido pelo mestre como um dos dez mais importantes do NCC, pois trata-se de um artigo paradigmático, modificador dos padrões tradicionais. O código revogado, na sua parte geral, não aludia uma única vez à boa-fé, muito menos como regra de interpretação dos negócio jurídicos, pois entendia-se a boa-fé como um preceito ético e por isso deveria estar aninhado na mente das pessoas e não no código. A boa-fé não era um conceito jurídico, era um conceito ético, pertencia ao mundo da moral. É por essa razão que

Page 53: Parte geral do direito civil à luz do novo código  · Web viewEm determinados países a personalidade inicia-se no momento sagrado da concepção, ... A percepção dos frutos

se diz que no código passado a boa-fé era subjetiva, ou seja, não era uma regra obrigatória de conduta, não era um dever jurídico, já inexistia dispositivo que comandasse as pessoas a serem honestas. Hoje, pelo art. 113, a interpretação dos negócios jurídicos será feita conforme a boa-fé e os usos do lugar de sua celebração, ou seja, a boa-fé foi erigida a regra primeira de hermenêutica dos negócios jurídicos (entre eles os contratos). O juiz, ao interpretar os negócios jurídicos, partirá das seguintes perguntas: o que homens de boa-fé estariam perseguindo com o tal contrato? Como homens de boa-fé se comportariam diante desse contrato? Que margens de lucro homens de boa-fé desejariam obter mediante tal contrato? Há, portanto, um novo paradigma de interpretação dos negócios jurídicos: o homem honesto. Há, no sistema do NCC, duas espécies de boa-fé: a boa-fé hermenêutica, que é regra de interpretação (art. 113) e a boa-fé contratual (art. 422), segundo a qual em todo e qualquer contrato e durante toda a sua vida as partes são obrigadas a guardar a mais estreita boa-fé e probidade, o que já não constitui regra de hermenêutica, mas sim de conduta, vale dizer, norma de agir, verdadeiro comando aos contratantes, para que se portem com homens honestos portar-se-iam. Agora a boa-fé é um dever jurídico. Em suma: no sistema do código revogado a boa-fé era subjetiva por ausência de um comando legal que impusesse a atuação das pessoas com honestidade, esse dever residia no interior das pessoas; com o sistema do NCC a boa-fé passou a ser objetiva porque é uma norma obrigatória de conduta e não mera exortação nesse sentido. A boa-fé passou a ser uma cláusula geral (cláusula implícita) de todo e qualquer negócio jurídico.

18/11/03

Regras especiais de interpretação dos negócios onerosos e gratuitos – NCC 112 e 114 – este dispositivo estabelece regra especial para a interpretação dos negócios jurídicos onerosos, além das regras gerais insertas no NCC 113. Sendo o negócio oneroso, o juiz interpreta-lo-á segundo a real intenção das partes, prevalecendo esta sobre o sentido literal da linguagem. Surge daí um grande problema da hermenêutica dos negócios jurídicos, em que duas correntes se formaram: a) a teoria da declaração – segundo a qual os negócios jurídicos devem ser interpretados pelo sentido literal da linguagem (interpretação gramatical ou restritiva), ou seja, pelo que as partes declararam e não pelo que quiseram declarar. Os que defendem essa tese, nascida no direito alemão, sustentam que é o método mais seguro de interpretar um negócio jurídico, porque a vontade é subjetiva, enquanto as palavras têm sentido objetivo. A segurança das relações jurídicas demanda critérios objetivos de interpretação. Os alemães preferem essa teoria e podem, mesmo, se dar esse luxo, primeiro por que o nível cultural e o grau de desenvolvimento de sua sociedade são enormemente superiores aos nossos, segundo porque o idioma alemão é o mais rico do mundo em matéria vocabular, já que não são admitidas palavras que possuam mais de um significado. Cada palavra tem um significado próprio e quando não existe uma palavra para representar algo eles criam, por justaposição; b) teoria da vontade – o intérprete deve buscar a verdadeira intenção das partes, ou seja, o que quiseram dizer as partes, em vez do que efetivamente disseram. Isso porque as pessoas, de um modo geral, não dominam muito bem as palavras, de acordo com o seu estágio cultural. Mais ainda, há palavras que em determinados lugares tem um significado e em outros significado diverso.

O Brasil, à obviedade, não pode se dar ao luxo de adotar a teoria da declaração. Primeiro porque a maioria da população tem vocabulário muito pobre e não conhecem o significado de muitas palavras (sem falar da alta taxa de analfabetismo); segundo porque, como se repete por todos, o Brasil é um país de dimensões continentais, havendo palavras e expressões que não têm um mesmo significado no país inteiro (ex.: “cabra safado” no Nordeste é um xingamento; no Sul, pode ser até uma demonstração de carinho). Assim, a teoria que melhor se coaduna com as idiossincrasias nacionais é mesmo a teoria da vontade nos negócios jurídicos bilaterais. O juiz, agora obedecendo à boa-fé, deve tentar interpretar os negócios jurídicos buscando a verdadeira intenção das partes.

Page 54: Parte geral do direito civil à luz do novo código  · Web viewEm determinados países a personalidade inicia-se no momento sagrado da concepção, ... A percepção dos frutos

O direito positivo brasileiro consagrou, de fato, ambas as teorias. No NCC 112, que respeita aos negócios jurídicos onerosos, foi adotada a teoria da vontade; no NCC 114, que expressamente alude aos negócios jurídicos benéficos (gratuitos), adotou-se a teoria da declaração (ou restritiva). A regra geral de hermenêutica para todos os negócios jurídicos é a boa-fé, mas sendo bilateral a peculiaridade é a teoria da vontade e sendo unilateral, a teoria da declaração. Os negócios benéficos (ex.: fiança, doação, comodato, mútuo não feneratício etc.) desafiam interpretação estrita para que não haja o risco de se aumentar a liberalidade além do que aquele que suporta o encargo o quis. Por outro lado, a interpretação restritiva não traz prejuízo à parte que se beneficia do negócio gratuito, pois ele, desde o início, já tira proveito econômico sem nenhuma contraprestação. Interpretar de acordo com a vontade das partes pode importar aumento do benefício econômico, além do que o autor da liberalidade previu. Já nos negócios bilaterais, como ambas as partes tiram proveito econômico, justifica-se a interpretação conforme a verdadeira intenção das partes.

Finalmente, deve restar assentado que o juiz, nas soluções das controvérsias advindas dos negócios jurídicos postos ao seu exame, deve num primeiro momento interpretá-los conforme a boa-fé objetiva e os costumes do lugar da celebração. Feito isso, deverá analisar se o negócio é benéfico ou oneroso, aplicando, conforme o caso, o disposto nos artigos 112 e 114, respectivamente.

Outras regras especiais de interpretação dos negócios jurídicos – há outras regras especiais de interpretação dos negócios jurídicos, tanto no NCC como na legislação extravagante (v.g., no CDC). O NCC 423, cuidando do contrato de adesão, reza que nesta espécie de contrato as cláusulas ambíguas ou contraditórias reclamam interpretação favorável ao aderente. Nos contratos de consumo, sejam ou não de adesão, as cláusulas serão interpretadas de maneira mais favorável ao consumidor (CDC 47).

Capítulo IIDa Representação

Eis aqui mais uma lacuna do código revogado suprida pelo NCC. O código passado era absolutamente silente quanto á disciplina específica do instituto da representação, somente aludindo à mesma quando se tratava do contrato de mandato, que é uma espécie de representação, a chamada representação convencional. Só que além da representação convencional, que se dá através do mandato, há a representação legal, sobre a qual nada era dito no código revogado. O NCC, de técnica mais apurada, quando começa o Livro III da Parte Geral tem como Título I o negócio jurídico, dentro do qual tem-se como capítulo I as disposições gerais e como capítulo II o instituto da representação, disciplinado quando do lineamento da teoria geral dos negócios jurídicos. O NCC criou uma teoria geral dos negócios jurídicos e ao começar a tratar dessa teoria logo alude à representação, bem de ver a importância do instituto, negligenciado no código revogado.

Conquanto os negócios jurídicos sejam produtos da vontade humana, nem sempre essa vontade pode ser diretamente emitida pela pessoa. Se os negócios jurídicos exigissem que o agente emitisse pessoalmente a vontade, eles seriam grandemente restringidos, muitos negócios jurídicos não poderiam ser celebrados, haja vista as várias causas inibidoras da manifestação direta de vontade por algumas pessoas (e.g., deficiências internas, ou seja, aqueles que por patologia interna não têm como discernir: menores de idade, descerebrados etc.; aqueles que em razão da atividade têm de constantemente viajar).

Page 55: Parte geral do direito civil à luz do novo código  · Web viewEm determinados países a personalidade inicia-se no momento sagrado da concepção, ... A percepção dos frutos

A representação consiste, pois, na emissão de vontade por pessoa que, em regra, não é parte no negócio jurídico (a exceção, já referida, se dá quanto ao mandato em causa própria, em que uma das partes representa a outra na celebração do negócio, emitindo vontade por ambas). Daí a importância da representação nos negócios jurídicos; não fosse por ela, muitos negócios jurídicos restariam inviabilizados (menores, doentes mentais, viajantes, etc.).

Tipologia – há duas espécies de representação, ambas referidas logo de cara pelo NCC 115, que inaugura o capítulo dedicado ao instituto: a representação legal e a representação convencional.a) Representação Legal – é aquela conferida por lei aos incapazes. Como os incapazes não podem manifestar diretamente a sua vontade, porque não possuem pleno discernimento do significado ético de seus atos, lhes é dado um representante legal, no intuito de manifestar vontade em seus nomes.b) Representação convencional (ou contratual) – é aquela estabelecida através de mandato, cujo instrumento é a procuração, em que uma pessoa plenamente capaz constitui um representante para em seu nome emitir vontade.

O capítulo que se ocupa da representação (arts. 115/120) não tem por finalidade minudenciar as regras concernentes a cada espécie de representação, mas sim de estabelecer regras gerais comuns às mesmas, sendo disciplinadas de forma específica na parte especial do código e na legislação extravagante (NCC 120). A finalidade deste capítulo é estabelecer normas gerais concernentes ao instituto como gênero, até porque localizado o capítulo na parte geral do código.

Representação x assistência - Há reflexos no campo da representação conforme esteja-se diante de incapacidade absoluta ou relativa. Sendo absoluta a incapacidade, a representação significará uma substituição subjetiva, ou seja, o representante legal substituirá o incapaz no momento da emissão de vontade, não havendo necessidade da presença física do representado no ato de manifestação volitiva (“O representado fala pela boca do representante”). Tratando-se de relativamente incapaz, não haverá tal substituição, uma vez que o relativamente incapaz é dotado de um mínimo de discernimento. O relativamente incapaz emite vontade, sendo a função do representante legal apenas aconselhá-lo, assessorá-lo, assisti-lo quando da exteriorização da vontade. É por tal razão que a representação do relativamente incapaz se chama assistência. Aqui a vontade do relativamente incapaz apenas será completada, ou seja, a manifestação do representante legal consiste num requisito de validade da manifestação volitiva do relativamente incapaz.

Trata-se, contudo, do mesmo instituto, não havendo um instituto autônomo denominado “assistência”. O pai do menor até 16 anos continua sendo o seu representante legal até os 18, quando advém a capacidade plena. Ocorre que até os 16 anos o pai substitui o filho no momento de emitir vontade e dos 16 aos 18 o pai assiste ao filho.

Prova da representação – NCC 116 - nos atos praticados mediante representação, quem de fato emite vontade é o representante. Essa manifestação volitiva somente vinculará o representado se situar-se dentro dos limites dos poderes conferidos por lei ou por contrato ao representante. É por essa razão que o Código diz mais adiante que é um direito do terceiro que contrata com o representante exigir a exibição do mandato do documento de representação, sendo um dever do representante produzir prova da representação. Sendo a representação legal, a prova consistirá na certidão de nascimento ou termo de curatela ou tutela, conforme o caso; sendo convencional, no mandato. O direito do terceiro, ao qual corresponde o dever do representante de provar a representação, decorre justamente do NCC 116, para que o terceiro verifique se há extrapolação dos limites da representação, hipótese em que o representado não estará vinculado à emissão volitiva do representante.

NCC 117 – trata-se aqui de causa de anulabilidade do negócio jurídico. Exemplo: se eu outorguei um mandato a alguém para vender um meu imóvel esse alguém não pode valer-se do mandato para

Page 56: Parte geral do direito civil à luz do novo código  · Web viewEm determinados países a personalidade inicia-se no momento sagrado da concepção, ... A percepção dos frutos

transferir para o seu patrimônio o imóvel, beneficiando-se da representação convencional. A exceção se dá, por exemplo, no caso do mandato em causa própria. O parágrafo único deste artigo cuida da hipótese do representante, fora da hipótese de mandato em causa própria, querendo celebrar negócio em seu proveito ou no de outrem, substabelecer os poderes que lhe foram conferidos a um terceiro para que realize o negócio. Por exemplo: João e Maria vivem em união estável, tendo adquirido, na constância da sociedade conjugal um imóvel. Dissolvida a sociedade conjugal, João outorgou a Maria uma procuração (sem ser em causa própria) para que pudesse vender o imóvel do casal. Pretendendo adquirir a propriedade plena do imóvel, Maria então substabelece para Caio os poderes a ela conferidos por João, para que Caio celebre com ela a compra e venda dos 50% do imóvel que são de propriedade de João. Nesse caso, diz o parágrafo único do NCC 117, tem-se o negócio como se tivesse sido celebrado por Maria pessoalmente, o que enseja a anulabilidade do NCC 117 caput.

Colisão de interesses entre representante e representado – NCC 119 – este dispositivo é mais um exemplo da preocupação do legislador com a ética nas relações jurídicas. O representante não pode celebrar um negócio jurídico contrário aos interesses do representado, pois é função ética do representante proteger os interesses da pessoa a quem representa. Se aquele com quem o representante contratou sabia ou devia saber que o negócio estava sendo realizado na contramão dos interesses do representado, a lei comina a sanção da anulabilidade do negócio jurídico, já que nesse caso agiu o terceiro com má-fé. Por outro lado, estando o terceiro de boa-fé (não sabia nem tinha como saber do prejuízo do representado), será válido o negócio, surgindo para o representado o direito de ser indenizado pelo prejuízo advindo do negócio. O instituto da representação restou, pois, purificado eticamente no NCC.

Normas específicas de representação – como dito anteriormente, o capítulo na parte geral do Código que se ocupa do instituto da representação tem por escopo fixar tão-somente as regras gerias aplicáveis ao instituto. A representação legal rege-se por normas específicas, enquanto a representação legal continua regulada na parte especial do Código.

25/11/03

Capítulo IIIDa Condição,

do Termo e do Encargo

Sobre os elementos essenciais já se falou mais acima, valendo apenas lembrar que são eles a capacidade do agente, a licitude, possibilidade e determinação do objeto, a forma prescrita ou não defesa em lei e o consentimento livre. O vício em qualquer destes elementos essenciais macula o negócio jurídico com a eiva da nulidade ou da anulabilidade, dependendo de sua gravidade. Mas ao lado dos elementos essenciais há os chamados elementos acidentais do negócio jurídico, considerados tais aqueles cuja presença na estrutura interna do negócio não é obrigatória para a sua validade. O negócio jurídico puro é aquele que não contém elementos

Page 57: Parte geral do direito civil à luz do novo código  · Web viewEm determinados países a personalidade inicia-se no momento sagrado da concepção, ... A percepção dos frutos

acidentais. A presença de tais elementos decorrerá da vontade das partes. Tradicionalmente no direito civil brasileiro são três os elementos acidentais: a condição, o termo e o encargo (ou modo). Chama-se negócio jurídico condicional aquele submetido a uma condição; negócio a termo, aquele que apresentar um termo; e negócio jurídico modal (ou com encargo) aquele que contiver um encargo.

Condição – é todo acontecimento futuro e incerto, decorrente da vontade das partes, ao qual se subordina a eficácia do negócio jurídico. A condição, porque elemento acidental, opera seus efeitos no plano da eficácia do negócio jurídico e não da sua validade. Negócio jurídico eficaz é aquele apto a produzir os efeitos perseguidos pelo agente, e que efetivamente produz esse resultado; se por qualquer circunstância ele não alcançar o seu objeto, será ineficaz. Exemplo: quando alguém faz uma doação subordinada à aprovação do donatário em um concurso público e este não logra aprovação, a doação torna-se ineficaz (e não nula ou anulável), pelo não implemento da condição. No direito brasileiro, a incerteza da condição tem de ser objetiva, razão pela qual a condição será sempre um acontecimento futuro, ao contrário do que ocorre, por exemplo, no direito alemão, que admite a incerteza subjetiva. No direito alemão pode ser condição um acontecimento passado, mas cuja ocorrência é ignorada pela parte, daí porque diz-se ser essa incerteza subjetiva. O fato de no direito brasileiro a incerteza ser objetiva não impede que as partes vinculem a eficácia do negócio jurídico a um evento passado desconhecido, simplesmente essa cláusula não consubstanciar-se-á em condição.

“O direito condicional, assim entendido aquele oriundo de um negócio jurídico condicional, traduz-se em um direito adquirido? Em outras palavras, o direito, pendendo condição, já se considera adquirido?” Essa pergunta já foi formulada pelo mestre quando examinou em direito civil os candidatos ao ingresso na PGE, há uns dois anos. Segundo o NCC 125 (que corresponde ao antigo art. 118), subordinando-se a eficácia do negócio jurídico à condição suspensiva, enquanto esta se não verificar, não se terá adquirido o direito a que ele visa. Contudo, na redação do art. 6.º §2.º da LICC, consideram-se adquiridos assim os direitos que o seu titular, ou alguém por ele, possa exercer, como aqueles cujo começo do exercício tenha termo pré-fixo, ou condição preestabelecida inalterável, a arbítrio de outrem, ou seja, é considerado adquirido o direito cujo começo do exercício esteja sujeito a condição. Há antagonismo entre o NCC 125 e o LICC 6.º §2.º? Não existe qualquer antagonismo entre os dispositivos, eis que disciplinam situações diversas. O NCC 125 estabelece que o direito não se considerará adquirido, para fins de exercício, enquanto não se implementar a condição. Se o direito ainda não é exercitável, não é adquirido. Já o LICC 6.º §2.º contém regra de direito intertemporal e que diz respeito apenas à proteção do direito contra eventual lei nova. O que se quer dizer na Lei de Introdução é que o direito, embora pendendo condição, já se considerará adquirido para o efeito de não mais poder ser alcançado por lei nova. Exemplo: no mês de fevereiro José doou sua biblioteca para João, sob a condição suspensiva do donatário ser aprovado num concurso público que se realizará em dezembro. Se João, em setembro, dirigir-se à casa de José para reclamar a biblioteca, o doador, invocando o NCC 125, pode se negar a entregar o bem, já que o donatário ainda não pode exercer esse direito, uma vez não adquirido ante a não implementação da condição suspensiva. Esse é o âmbito de incidência do NCC 125: o do exercício do direito. Outro exemplo: aproveitando a precitada situação, imagine-se que em setembro surja uma lei que vede peremptoriamente a doação de bibliotecas a particulares, somente admitindo como donatário deste tipo de bem um ente público. Em dezembro, o donatário logra ser aprovado no concurso e vai buscar a biblioteca na casa de João. Nesse caso, não poderá o doador recusar-se a entregar o bem ao donatário, ao argumento de que há lei vedando o negócio jurídico, porque o direito já se considera adquirido para o fim de não mais poder ser atingido por lei nova. Para efeito de direito intertemporal, o direito condicional já se considera adquirido.

Page 58: Parte geral do direito civil à luz do novo código  · Web viewEm determinados países a personalidade inicia-se no momento sagrado da concepção, ... A percepção dos frutos

Requisitos da condição – são três:a) futuridade – não há condição versando sobre fato pretérito, se o acontecimento já ocorreu o ato é plenamente desenvolvido;b) incerteza – como assentado linhas atrás, a incerteza há de ser objetiva. A incerteza pode variar de sentido, de conteúdo ou de intensidade, e, por essa razão, diz-se que as declarações de vontade, quanto à incidência da certeza, podem ser de quatro espécies, a que correspondem outros tantos tipos de negócios jurídicos: a) incertus an incertus quando: não se sabe se acontecerá nem quando poderá acontecer (venderei minha casa se Fulano for presidente da República), isto é, o fato pode vir a concretizar-se ou não, e num tempo totalmente indeterminado; b) incertus an certus quando: não se sabe se acontecerá, mas, se acontecer, será dentro de um tempo determinado (venderei minha casa a Fulano se ele se casar até o final do ano), ou seja, o fato pode vir a realizar-se ou não, mas dentro de um tempo determinado e preciso; c) certus an incertus quando: sabe-se que o fato ocorrerá mas ignora-se o momento (venderei minha casa quando Fulano morrer), isto é, o acontecimento é certo que ocorrerá, mas a sua situação no tempo é indeterminada; d) certus an certus quando: sabe-se que o momento sobreviverá e determina-se o momento (venderei minha casa no fim da primavera), isto é, o acontecimento é uma decorrência necessária da lei natural, bem como a determinação de sua oportunidade. Somente as duas primeiras traduzem condição, pois que às duas últimas hipóteses falta o que lhes é indispensável, a incerteza do evento. É, entretanto, possível que um acontecimento certo seja erigido em condição, desde que se lhe aponha uma circunstância adicional como é a limitação no tempo. A morte, por exemplo, é certa na sua fatalidade inevitável, mas, como incerta é a hora, será condicional o ato cujo efeito se subordine à superveniência dela um determinado lapso de tempo (venderei minha casa se Fulano morrer até o final do ano), pois que, se o acontecimento tem de ocorrer, porém, em momento indeterminado, a incerteza de sua verificação no tempo limitado é compatível com a sua imposição na qualidade de contitio (C.M.S.P., op. cit., págs. 355/356);c) originar-se da vontade das partes – não há condição se a cláusula é uma decorrência necessária do direito respectivo. Neste caso, estar-se-á diante de condição imprópria (ou conditio juris): ainda que aposta aposta ao ato sob a forma condicional, implica repetir apenas a exigência da lei, não passando a declaração de vontade de pura e simples. Se o adquirente declara que faz o contrato de compra e venda sob a condição de o alienante ser maior, não se cogita de condição, mas de requisito do ato; se o testador institui o legado sob a condição de o legatário sobreviver-lhe, não realiza nenhum ato condicional, pois a que a cláusula é uma exigência natural de eficácia da deixa (idem, pág. 354).

Expectativa de direito x direito condicional – a expectativa de direito submete-se ao regime instituído por lei nova, que não deve respeito à mera expectativa, diferentemente do direito condicional, que já se considera adquirido, para impossibilitar a modificação da situação jurídica pendente pela lei nova. Expectativa de direito e direito condicional são espécies do gênero direito futuro, mas não se confundem: na expectativa de direito não cabe ao adquirente qualquer ato seu para completar o processo de aquisição, ou seja, é uma mera esperança de vir a ser titular daquele direito; no direito condicional, a situação jurídica encontra-se assegurada, embora o direito não possa ser exercido antes do implemento da condição.

Classificação das condições – há vários critérios de classificação das condições, sendo se destacar os seguintes:(a) condições naturais (ou casuais) – são aqueles acontecimentos futuros e incertos, mas que dependem da natureza e não da vontade humana (ex: doarei as sementes se chover até o fim do mês; faremos a excursão se houver sol); condições humanas (ou simplesmente potestativas) – são aquelas

Page 59: Parte geral do direito civil à luz do novo código  · Web viewEm determinados países a personalidade inicia-se no momento sagrado da concepção, ... A percepção dos frutos

que derivam da vontade humana (como no exemplo acima, em que a doação subordinava-se à aprovação no concurso público);(b) condições positivas – são as que se traduzem num fato positivo (doarei meu carro se ela casar); condições negativas – são as que se traduzem num fato negativo (doarei minha casa ao casal se eles não tiverem filhos);(c) condições lícitas – são as admitidas pela lei; condições defesas (ou vedadas) – são as condições proibidas. Podem ser ilícitas, quando a proibição decorrer da lei (dar-te-ei minha casa se matares Fulano); imorais, quando a proibição ofende a moral média da sociedade (dar-te-ei meu carro se seduzires tua irmã). A ilicitude é um conceito objetivamente aferível, bastando comparar a conduta ao modelo legal, ao passo que a imoralidade é subjetiva, dependendo de fatores vários; impossíveis, material ou juridicamente; puramente potestativas, as que subordinam o próprio negócio jurídico ao arbítrio exclusivo de uma das partes. Se um dos elementos caracterizadores da condição é a incerteza (como visto anteriormente), não se admite que o implemento da condição dependa da vontade de uma única parte, que importe certeza; condições captatórias, pelas quais praticasse uma liberalidade, mas condicionando-a a um benefício imediato (ex.: deixarei em testamento a você minha coleção de discos se pagares o meu curso. Neste caso, após o pagamento o testador pode revogar a disposição final de vontade, auferindo vantagem indevida, tendo utilizado-se da condição unicamente para captar o benefício pretendido);(d) condições aparentes – embora haja doutrinadores que alinhem-na como espécie de condição estas não são, em verdade, condições, mas sim aparentam ser condições. Fala-se em condições aparentes quando o ato subordina-se a evento futuro e incerto, mas tal evento é da essência do ato. O exemplo perfeito é o pacto antenupcial, não se podendo dizer que o casamento constitui uma condição suspensiva do pacto; na verdade, o casamento é da sua essência;(e) condições suspensivas e resolutivas – dentre as diversas classificações das condições a que possui maior relevância é sem dúvida a que as divide em suspensivas e resolutivas. Quando a eficácia do negócio jurídico está suspensa até o implemento da condição, ela se diz suspensiva; e, ao revés, quando o ato produz desde logo seus efeitos, que cessarão em conseqüência da realização dela, denomina-se resolutiva (idem, pág. 356). Em outras palavras, as condições suspensivas impedem a produção dos efeitos do negócio jurídico até que se verifique o seu implemento, vale dizer, o negócio jurídico é celebrado com a presença de todos os seus elementos de existência e validade e sem conter qualquer vício, mas os seus efeitos não são produzidos até o advento da condição (aproveite-se como exemplo aquele acima utilizado, em que a doação de uma biblioteca é feita com a condição de que o donatário logre êxito em ser aprovado no concurso público). Já a condição resolutiva opera de forma diversa: o negócio jurídico é realizado, ingressa no mundo jurídico, começa a produzir os seus efeitos, mas tais efeitos cessam com o implemento da condição resolutiva, vale dizer, quando implementada, a condição resolve o negócio jurídico (ex.: João doa seu carro a José com a condição resolutiva de que este não se envolva em acidente de trânsito. Caso ocorra o acidente, o negócio jurídico se resolve, retornando o bem ao doador). Obs: todo contrato bilateral oneroso contém, implícita ou explicitamente, uma cláusula resolutiva, ou seja, o contrato se resolverá se (e isto é um acontecimento futuro e incerto) a outra parte inadimplir a sua obrigação.

Efeitos das condições defesas sobre os negócios jurídicos – Vejamos o seguinte exemplo: Doarei minha casa se o donatário matar meu inimigo. Esta condição ilícita torna o negócio jurídico nulo ou simplesmente será tida como não-escrita? O código revogado era silente. No direito alemão a ilicitude da condição se estende ao negócio jurídico fosse ele qual fosse. A doutrina brasileira, a seu turno, adotava a seguinte solução (que o professor reputa absurda): se o negócio jurídico fosse gratuito a ilicitude da condição invalidaria o negócio, mas se fosse o negócio oneroso ela seria tida como não-escrita. O NCC 123 II, aderindo à teoria alemã e primando pela eticidade, estabelece que invalida o negócio jurídico a condição ilícita ou de fazer coisa ilícita, seja o negócio gratuito ou

Page 60: Parte geral do direito civil à luz do novo código  · Web viewEm determinados países a personalidade inicia-se no momento sagrado da concepção, ... A percepção dos frutos

oneroso. Da mesma forma se dá quanto às condições suspensivas física ou juridicamente impossíveis e quanto às condições incompreensíveis ou contraditórias (incisos I e III).

Efeitos do implemento da condição suspensiva – com o implemento de condição suspensiva os efeitos operam-se retroativamente ou não? Embora silente o NCC, é cediço na doutrina o entendimento segundo o qual os efeitos do implemento da condição suspensiva, na falta de disposição em contrário das partes, operam efeito ex nunc (ex.: o doador continua sendo o proprietário, correndo às suas expensas as despesas com a manutenção do imóvel, como o IPTU e as cotas condominiais. Isto não elide o direito do donatário de tomar as medidas cabíveis para a preservação do bem objeto do negócio jurídico).

Termo – o conceito de termo aproxima-se em muito do de condição, dela apenas diferindo quanto ao elemento incerteza. Enquanto a incerteza é elemento essencial da condição, a certeza é elemento essencial do termo. Termo é, portanto, todo acontecimento futuro e certo. Exemplo: dôo minha casa a José, mas os efeitos dessa doação somente produzir-se-ão a partir do dia primeiro de janeiro. Para efeito de proteção contra lei nova (a exemplo do que ocorre com o direito condicional) o negócio jurídico está consolidado. O termo pode ser determinado ou indeterminado. Determinado é o termo quando, por exemplo, consistir em uma data (ex.: dôo a minha biblioteca a Maria, mas os efeitos do negócio somente se produzirão no dia de seu aniversário); indeterminado, quando embora se saiba que a sua ocorrência é certa, não se souber ao certo quando isto ocorrerá (ex.: dôo a minha biblioteca a Maria, mas os efeitos do negócio somente se produzirão quando seu pai morrer).

Termo inicial x termo final – termo inicial (dies a quo) é o momento a partir do qual o negócio jurídico começará a produzir seus efeitos, equivalente, mutatis mutandis, à condição suspensiva; termo final (dies ad quem), o acontecimento certo a partir do qual cessam os efeitos do negócio jurídico, equivalente, mutatis mutandis, à condição resolutiva.

Termo x prazo – estes conceitos não se confundem. Termo é um acontecimento certo, que pode ou não ter data certa. O prazo é um intervalo de tempo entre o termo inicial e o termo final (ex.: no dia 25/11/03 é celebrado um contrato de locação, com vigência do dia 01/12/03 ao dia 01/12/04. O dia em que nasceu o negócio foi 25/11/03; o termo inicial é o dia 01/12/03 e o termo final o dia 01/12/04; o prazo da locação é de doze meses).

Termo x condição – nem sempre é fácil distinguir entre o termo e a condição, dependendo de como um ou outro tenham sido estabelecidos. Por exemplo: Dôo a minha casa a Maria quando seu pai morrer. Isto é um negócio jurídico a termo. Dôo minha casa a Maira se seu pai morrer durante a viajem que fará à Europa. Isto é uma condição.

Encargo – é um elemento acidental privativo dos atos gratuitos, dos atos de liberalidade (como a doação, o legado e o comodato). O encargo é um ônus jurídico, consubstanciado numa limitação à liberalidade. A doutrina clássica e majoritária não atribui ao encargo a natureza de obrigação, mas sim de contraprestação da parte beneficiária da liberalidade. O encargo pode ser estipulado em favor daquele de quem a liberalidade emana (ex.: dôo minha casa a Maria se ela se comprometer a cuidar de mim até a minha morte), em favor de um terceiro (ex.: prover a educação de uma sobrinha do doador), ou mesmo em prol da sociedade como um todo (ex.: a doação de um imóvel com o encargo de ali se manter uma creche comunitária). O encargo não suspende o exercício do direito, ao contrário da condição suspensiva e do termo inicial; celebrado o negócio jurídico, ainda que com encargo, os seus efeitos começam a se produzir imediatamente, salvo quando o encargo seja estabelecido sob a forma de condição suspensiva (ex.: o encargo de manter uma creche no imóvel doado, não se produzindo os efeitos até a inauguração), mas se o encargo for puro, os efeitos

Page 61: Parte geral do direito civil à luz do novo código  · Web viewEm determinados países a personalidade inicia-se no momento sagrado da concepção, ... A percepção dos frutos

produzem-se de logo. O não cumprimento do encargo pode equivaler a uma condição resolutiva, porque o não cumprimento do encargo permite ao autor da liberalidade revogá-la.

Ministério Público – se o encargo for estipulado pro societate caberá ao MP fiscalizar o seu cumprimento pelo encarregado.

Encargo ilícito ou impossível – NCC 137 – tem-se por não-escrito o encargo ilícito ou impossível, salvo quando for da essência do negócio jurídico. Por exemplo: Dôo minha casa a Maria, ficando esta obrigada a manter no imóvel uma casa de tolerância. Nesse exemplo o encargo ilícito é da própria essência do negócio, motivo pelo qual invalida-o.

Prazo decadencial – a revogação da liberalidade pelo não cumprimento do encargo sujeita-se a um prazo decadencial de 1 ano, contado do vencimento do encargo. Decorrido o prazo decadencial o negócio jurídico torna-se puro, ou seja, como se não houvesse sido estipulado o encargo. Morrendo o autor da liberalidade no curso da ação de revogação poderão os seus herdeiros nela prosseguir.

02/12/03

Capítulo IVDos Defeitos

do Negócio Jurídico

Essa matéria sofreu algumas modificações no novo Código. No código revogado eram 5 os vícios elencados: o erro, o dolo, a coação, a simulação e a fraude contra credores. Agora surgiram dois novos vícios: o estado de perigo (NCC 156) e a lesão (NCC 157). Além disso houve modificação no critério aferidor do erro e o desaparecimento da simulação do elenco dos defeitos do negócio jurídico. Isso não significa, obviamente, que a simulação passou a ser admitida pelo ordenamento jurídico; ao contrário, a simulação foi erigida à categoria de nulidade absoluta do negócio jurídico. Enquanto no código revogado o negócio jurídico eivado de simulação era anulável, no NCC passou a ser nulo. Essas foram, em suma, as alterações trazias pelo novo Código. Primeiramente serão estudados os novos institutos, para após verificar as mudanças naqueles que se mantiveram no rol dos defeitos dos negócios jurídicos.

Estado de perigo – é uma nova modalidade de vício, considerada como vício de vontade (consentimento). Na redação do NCC 156, configura-se o estado de perigo quando alguém, premido da necessidade de salvar-se, ou a pessoa de sua família, de grave dano conhecido pela outra parte, assume obrigação excessivamente onerosa. São pressupostos para a caracterização do estado de perigo, pois, a) o risco à vida ou à saúde do sujeito passivo da obrigação (ou de um parente ou até mesmo de um amigo, dependendo do grau de afinidade existente entre eles); b) o conhecimento do risco pelo beneficiário do negócio jurídico; c) a onerosidade excessiva da prestação. Vejamos o seguinte exemplo: o dono de uma farmácia, sabendo que somente em seu estabelecimento há um remédio capaz de salvar a vida do filho de um cliente seu, vende o referido remédio por uma quantia muito acima do valor de mercado do medicamento, aproveitando-se da premente necessidade do comprador em salvar a vida de seu filho. Outro exemplo que vem sendo citado pela doutrina é o do estabelecimento hospitalar que exige um depósito prévio para aceitar a internação de um paciente.

É evidente que instituto do estado de perigo é inspirado no princípio da boa-fé. Nada mais censurável, sob o ponto de vista ético, que alguém se aproveitar, para obter uma vantagem exagerada, de uma premente necessidade de outrem em salvar a vida ou resguardar sua saúde.

Page 62: Parte geral do direito civil à luz do novo código  · Web viewEm determinados países a personalidade inicia-se no momento sagrado da concepção, ... A percepção dos frutos

A expressão “obrigação excessivamente onerosa” constitui um conceito jurídico indeterminado, devendo ser verificada pelo juiz no caso concreto, sendo certo, porém, que a onerosidade excessiva da obrigação deve guardar relação com a parte que a suportará, ou seja, deve-se levar em conta se o sujeito passivo da obrigação é pessoa de parcos recursos econômicos ou abastada, para efeito de mensuração da excessiva onerosidade da obrigação. Deve o juiz, portanto, valer-se das regras de experiência comum para aferir a excessiva onerosidade.

Lesão – NCC 157 – quem muito lutou pela inclusão da lesão no elenco dos vícios dos negócios jurídicos foi o professor Caio Mário da Silva Pereira, que escreveu um livro antológico há mais de 50 anos intitulado “A lesão nos contratos”. Embora o código revogado fosse silente quanto à disciplina da lesão, doutrina e jurisprudência admitiam a sua existência, mas com o nome dolo de aproveitamento. Após o NCC, a lesão passou a constituir uma espécie autônoma de vício do negócio jurídico.

Ocorre a lesão quando um dos contratantes, aproveitando-se da premente necessidade da outra parte, ou de sua inexperiência, impõe ao outro uma prestação manifestamente desproporcional à contraprestação. Numa leitura apressada pode parecer que há coincidência entre o estado de perigo e a lesão, pois em ambos os institutos há alusão a uma premente necessidade. Só que no estado de perigo essa premente necessidade do sujeito passivo da obrigação é de salvar a própria vida (ou de um parente ou até amigo). Na lesão há uma premente necessidade de contratar, de adquirir determinado bem ou serviço, ou inexperiência do sujeito passivo (daí ter sido denominada como dolo de aproveitamento).

É imprescindível, para a caracterização da lesão, que haja uma manifesta desproporção entre o valor da prestação e da contraprestação, o que representa mais uma cláusula aberta, uma vez que o Código não traz um conceito do que seja uma desproporção manifesta, para fins de aplicação do NCC 157. Caberá ao juiz no caso concreto, valendo-se das regras de experiência comum, aferir a ocorrência da manifesta desproporção entre os valores da prestação e da contraprestação, a exemplo do que ocorre no estado de perigo.

Lesão x onerosidade excessiva – NCC 157 e 478 – A desproporção entre as prestações tem de ser aferida no momento da celebração do contrato (NCC 157 §1.º), pois só haverá lesão se o contrato já nascer desequilibrado. Essa é a diferença fundamental entre a lesão e a onerosidade excessiva de que trata o NCC 478: a lesão antecede a celebração do contrato, ou seja, acontece na fase pré-contratual; já a onerosidade excessiva será sempre superveniente à formação do contrato e decorrerá de um fato imprevisível, isto é, a onerosidade excessiva não é defeito do negócio jurídico, porque o desequilíbrio contratual não decorre de culpa imputável a qualquer das partes. Os efeitos de uma e de outra também são diversos: a lesão acarreta a anulação do contrato; a onerosidade excessiva acarreta a sua resolução.

“Pode o sujeito passivo da relação obrigacional, em caso de lesão, optar pela modificação do negócio jurídico em vez de sua anulação?”Uma interpretação literal do NCC 157 conduz ao entendimento de que só seria possível à parte lesada pedir a anulação do contrato e que a salvação do contrato somente ocorreria quando a parte beneficiada com a lesão se oferecesse para reduzir o seu proveito (NCC 157 §2.º). No entanto, valendo-nos de uma interpretação teleológica, sistêmica, chegamos à conclusão de que há um interesse social na preservação dos negócio jurídicos, que somente devem ser dissolvidos em último caso. Assim, se a parte lesada pode pedir a anulação do contrato (o que nem sempre é o mais conveniente) poderá também pedir a sua modificação, a exemplo do que ocorre nas relações de consumo (CDC 6.º VI). Ocorre que o projeto do NCC é muito anterior ao do CDC, sendo certo que aquele foi concluído em 1975, ao passo que o CDC é de 1990. Assim é que a redação do NCC não é da mais felizes em relação a esta questão, sendo o CDC mais técnico nesse ponto. Na opinião do

Page 63: Parte geral do direito civil à luz do novo código  · Web viewEm determinados países a personalidade inicia-se no momento sagrado da concepção, ... A percepção dos frutos

professor Capanema a jurisprudência deve se orientar no sentido de admitir tanto a anulação do contrato como a sua modificação. Aliás, na visão do mestre o §2.º já sinaliza nesse sentido, ma vez que admite a salvação do negócio jurídico caso haja a suplementação suficiente ou a redução do proveito da parte beneficiada.

Boa-fé objetiva – tanto o instituto do estado de perigo como o da lesão encontram seu fundamento no princípio da boa-fé objetiva. Um homem honesto, probo, não se sentirá à vontade tirando do contrato uma vantagem exagerada, aproveitando-se de uma premente necessidade da outra parte ou de sua inexperiência.

Erro ou Ignorância – no erro alguém emite uma vontade por não ter do fato ou das circunstâncias do fato um conhecimento perfeito, completo. Se o conhecimento fosse completo, a parte não emitiria a vontade ou, quando menos, seria emitida de forma diferente. Os conceitos de erro e ignorância não se confundem, embora alinhados na rubrica da Seção I do Capítulo IV e que não haja outra referência à ignorância nos artigos que sucedem-na. No erro tem-se do fato um conhecimento incompleto ou distorcido e, por causa disso, emite-se uma vontade que não seria emitida se o conhecimento fosse perfeito (Por exemplo: Caio contrata Mévio para a prestação de serviço de segurança para sua filha, tendo sido informado que Mévio tinha uma anotação em sua ficha criminal referente a uma condenação por lesões corporais culposas decorrente de um acidente de trânsito. Assim é que Caio contrata Mévio, por achar que a condenação não reflete uma falha de caráter incompatível com o objeto do negócio jurídico. Posteriormente, fica caio sabendo que Mévio fora condenado não por lesões culposas, mas por estupro, sendo certo que se Caio soubesse dessa circunstância jamais contrataria Mévio para cuidar de sua filha). Já na ignorância o agente emite a vontade sem ter qualquer conhecimento de um fato e não, como no erro, um conhecimento distorcido. Mas se são institutos distintos, porque o Código só fala no erro e não na ignorância nos arts. 128/144? É que os efeitos do reconhecimento do erro ou da ignorância são rigorosamente iguais. Por isso é que o legislador incluiu a ignorância no título da seção, ao lado do erro: para advertir ao leitor que aquelas regras aplicam-se tanto ao erro como à ignorância. O professor Caio Mário da Silva Pereira alinha como sinônimos os institutos do erro e da ignorância (Instituições, 18.ª ed., vol I, pág. 330).

Erro essencial x erro acidental – O erro (ou ignorância) que acarreta a anulabilidade do negócio jurídico é o erro essencial (ou substancial ou principal, para alguns), ou seja, aquele que influi diretamente e determina a emissão da vontade. O erro substancial pode dizer respeito, por exemplo, ao próprio objeto do negócio jurídico (ex: compro um veículo GM achando estar comprando um VW), ou à natureza do negócio (ex.: celebro uma locação pensando estar celebrando um comodato), ou às qualidades essenciais do objeto (ex.: compro um colar de plástico vermelho pensando estar comprando coral verdadeiro), ou, ainda, às qualidades essenciais da pessoa com quem está sendo celebrado o negócio jurídico (ex.: contrato com uma pessoa achando ser ela idônea, quando na verdade trata-se de um estelionatário contumaz; a moça aceita em casamento um rapaz que pensa ser honesto e trabalhador, mas que na verdade é um criminoso condenado). Este último é o chamado erro essencial de pessoa. Para que o erro provoque a anulação do negócio jurídico é preciso, portanto, que ele seja essencial. O erro acidental não constitui causa de anulação do negócio jurídico, porque esse é um erro que não influi diretamente ou determina a manifestação de vontade na formação do negócio jurídico.

Teoria da confiança – NCC 138 – no código revogado um dos requisitos para que o erro importasse a anulabilidade do negócio jurídico era a sua escusabilidade. Somente anular-se-ia o negócio jurídico se o erro cometido pelo agente fosse escusável, ou seja, quando qualquer outra pessoa nas mesmas circunstâncias também cometeria o erro. O erro inescusável, ao revés, não

Page 64: Parte geral do direito civil à luz do novo código  · Web viewEm determinados países a personalidade inicia-se no momento sagrado da concepção, ... A percepção dos frutos

rendia ensancha à anulação do negócio jurídico, porque fruto de negligência, imprudência ou imperícia do agente. Por exemplo: se um bacharel de direito comprasse um veículo usado que depois apresentasse um defeito na caixa de marchas, isso seria um erro escusável, porque nas circunstâncias do negócio o bacharel não tem como perceber o defeito, que é oculto; mas se o adquirente fosse o engenheiro chefe da Ferrari, o erro seria inescusável, pois ele teria percebido imediatamente o defeito. A escusabilidade era verificada, pois, em razão das qualidades da pessoa que incidia no erro.

Agora o critério aferidor do erro não mais reside na sua escusabilidade. Essa escusabilidade era examinada pelo juiz em razão do próprio emissor da vontade, do autor do erro, pouco importando o destinatário da vontade. De acordo com o NCC 138, que adotou orientação do direito italiano (a chamada teoria da confiança), o critério aferidor agora está no destinatário da manifestação de vontade e não mais no emissor. Só se anulará o negócio jurídico por erro se este pudesse ter sido percebido pelo destinatário da vontade, que silenciou ao invés de advertir o emissor da vontade. Se o destinatário da vontade emitida tiver meios de perceber o erro a ser cometido pelo emissor da vontade e, em vez de adverti-lo de que há erro, o destinatário silenciar-se, praticando o negócio jurídico, este será anulável. Isto porque o destinatário estaria faltando com a confiança que se deve depositar nas pessoas com quem se contrata. Se, ao contrário, o destinatário da vontade não pudesse perceber o erro, não se anulará o negócio jurídico. Essa nova perspectiva do erro se chama teoria da confiança, a qual é adotada ipsis litteris pelo código italiano de 1942. A ratio dessa teoria consiste no fato de que se o destinatário ignorava o erro e depois o emissor da vontade viesse invocar o erro para anular o negócio o destinatário, embora de boa-fé, sairia prejudicado pelo erro do emissor. Chegou-se à conclusão de que a adoção da teoria da escusabilidade importava prejuízo ao contratante de boa-fé por um erro do emissor, razão pela qual agora somente se anula o negócio se o destinatário sabia ou tinha condições de saber do erro.

Na verdade, o erro se aproxima muito mais do dolo, pois se o destinatário da vontade, conhecendo o erro, não adverte o emissor, ele estaria atuando com dolo omissivo.

Confiança x escusabilidade – O STJ, ao emitir seus enunciados interpretativos sobre o NCC (que, a par de não possuírem força vinculante, externam o entendimento do tribunal que dá a última palavra em termos de aplicação das leis nacionais e federais), asseverou, com base em sugestão do professor Humberto Theodoro Junior (um especialista em direito italiano), que a escusabilidade do erro, no novo sistema da lei civil, é irrelevante. Registre-se, contudo, que o enunciado foi aprovado por escassa maioria, o que faz concluir que não há consenso no STJ sobre o tema, infelizmente, já que a sorte dos litigantes quanto ao julgamento de suas pretensões vai depender da distribuição do recurso. O professor Luiz Paulo Vieira de Carvalho (seguido pelo professor Sylvio Capanema), presente nos debates que antecederam o enunciado, sustentou orientação diametralmente oposta, entendendo que a escusabilidade persiste como um dos critérios para se aferir a ocorrência do erro, não tendo sido excluída pela adoção expressa da teoria da confiança. Segundo o professor Capanema, a escusabilidade deve funcionar como um segundo critério à disposição do juiz para decidir quanto à anulabilidade do negócio eivado de erro: havendo dúvida sobre se o destinatário conhecia previamente ou não o erro, deve o juiz socorrer-se da teoria da escusabilidade para compor a lide.

Dolo – de acordo com o mestre, nenhuma mudança substancial houve quanto ao instituto do dolo, sendo de se registrar somente o fato de que o chamado dolo de aproveitamento hoje constitui uma espécie autônoma de defeito do negócio jurídico, a lesão. Todas as demais figuras do dolo foram mantidas no NCC (dolo omissivo e comissivo, dolo principal e acidental, dolo de terceiro, dolo de preposto etc). A questão do dolus bonus (exacerbar as qualidades de uma pessoa, de um bem ou serviço na formação do negócio jurídico) e do dolus malus (atribuição de uma qualidade inexistente a pessoa ou ao objeto do negócio jurídico) no CDC, perdeu a importância, eis que se considera

Page 65: Parte geral do direito civil à luz do novo código  · Web viewEm determinados países a personalidade inicia-se no momento sagrado da concepção, ... A percepção dos frutos

propaganda enganosa tanto o exacerbar das qualidades do produto como criar-lhe uma qualidade inexistente. Fora do âmbito de incidência do CDC as figuras subsistem, sendo tolerável o dolus bonus por não constituir defeito do negócio jurídico; já o dolus malus é defeito do negócio jurídico, pois consiste na atribuição de uma qualidade que não existe a pessoa, bem ou serviço. Com os novos valores do NCC (eticidade, boa-fé) a tendência é repelir mesmo o dolus bonus.

Dolo de terceiro – é aquele praticado por alguém que não é o seu beneficiário. Exemplo: Eu estou vendendo um touro reprodutor, mas recebo o exame do sêmen do animal revelando ser ele estéril. Nisso aparece um candidato a compra do animal durante uma viajem que eu estou fazendo, tendo o meu vizinho mostrado o animal ao potencial comprador. Meu vizinho conhece a circunstância de ser o animal estéril mas omite esse fato ao potencial comprador, que acaba por adquirir o animal. É um exemplo típico de dolo de terceiro, pois o vizinho está vendendo o touro para me ajudar porque eu não estava presente e, querendo me ajudar, ele omite ao comprador o fato de ser o touro estéril.

Foi mantida pelo NCC uma disposição do código Beviláqua no sentido de que o dolo de terceiro somente anulará o negócio jurídico se o beneficiário o conhecesse (ou devesse conhecê-lo). No exemplo dado, se eu soubesse que o meu vizinho, querendo ajudar-me, silenciou quanto à esterilidade do touro, o negócio jurídico será anulável. Se, ao contrário, o beneficiário do dolo de terceiro o ignorar, o negócio jurídico será preservado, somente cabendo à vítima do dolo reclamar em face do terceiro a indenização pelos prejuízos sofridos.

Dolo de preposto – o dolo de terceiro não se confunde com o dolo de preposto, que ocorreria se quem mostrasse o touro fosse um meu capataz, empregado. No dolo de terceiro o autor do dolo não tem nenhuma relação de preposição com o beneficiário do dolo. Aqui é irrelevante saber se o beneficiário conhecia ou não a existência do dolo, sendo sempre anulável o negócio jurídico.Coação de terceiro – é a coação praticada por pessoa diversa do beneficiário da coação. O código revogado dizia que na coação de terceiro o negócio seria sempre anulável, ainda que o beneficiário ignorasse a ocorrência da coação. Se o beneficiário ignorasse a coação feita pelo terceiro em seu benefício o negócio seria anulável mas as perdas e danos somente recairiam sobre o autor da coação, ao passo que se o beneficiário soubesse da coação ele responderia solidariamente pelas perdas e danos. Eis aí a diferença entre o dolo de terceiro e a coação de terceiro, quando o beneficiário não conhece a existência do vício: no primeiro caso, preserva-se o negócio jurídico, podendo o prejudicado reclamar indenização em face do terceiro autor do dolo; na coação de terceiro o negócio é sempre anulável, recaindo o dever de indenizar somente sobre o terceiro coator.

Coação de terceiro e dolo de terceiro no NCC – NCC 148 e 155 – sempre houve críticas ao código revogado no que tange à solução para a coação e o dolo de terceiro, pois havia uma diferença de tratamento aparentemente injustificável, o que foi corrigido com o NCC. Pelo novo sistema, foi dispensado tratamento rigorosamente igual a ambos os defeitos do negócio jurídico. Se a coação praticada pelo terceiro era ignorada pelo beneficiário não se anula o negócio jurídico, cabendo indenização à vítima pelo coator; se o beneficiário conhecia a coação anula-se o negócio jurídico e o beneficiário responde solidariamente com o coator pela indenização.

Temor reverencial – continua sendo irrelevante na formação dos negócios jurídicos, não se confundindo com a coação, que é um defeito do negócio jurídico. O temor reverencial é uma inibição psicológica quanto a uma ordem ou comando de um superior hierárquico, parente ou amigo a quem o emissor da vontade respeite mais que o normal. Já a coação se caracteriza por uma ameaça de mal injusto e iminente, em razão do que a vítima emite uma vontade que não coincide com a sua vontade real. Não é o temor reverencial causa de anulação do negócio jurídico, salvo se o timor reventialis, pela sua gravidade e pela determinação que imponha à vítima, possa converter-

Page 66: Parte geral do direito civil à luz do novo código  · Web viewEm determinados países a personalidade inicia-se no momento sagrado da concepção, ... A percepção dos frutos

se em verdadeira força de intimidação, geradora da declaração de vontade nas mesmas condições que a coação específica (C.M.S.P. op. cit., págs 336/337)

Exercício regular de direito – não constitui ameaça para fins de anulação do negócio jurídico (ex.: o locador que “ameaça” o locatário de que vai propor uma ação de despejo se os alugueres atrasados não forem pagos até o dia de amanhã; o fornecedor que “ameaça” o comerciante de pedir a falência caso não seja paga a fatura vencida relativa à matéria-prima fornecida), pois o mal, embora grave, não é injusto.

Ameaça dirigida a terceiro não parente – no sistema do código revogado exigia-se, para a caracterização da coação, que a ameaça fosse dirigida à própria vítima, à sua família ou a seus bens. O NCC admite que haja coação quando a ameaça for dirigida a pessoa que não integre a família da vítima, mas à qual a vítima esteja ligada por laços de afinidade, cabendo ao juiz aferir, no caso concreto, a ocorrência ou não da coação (NCC 151 p. ún.). Com isso ficou suplantada a controvérsia sobre se seria possível haver coação quando a ameaça fosse dirigida a parentes distantes ou afins: havendo um liame afetivo entre o coato e o destinatário da ameaça haverá coação.

Simulação – NCC 167 – aqui a mudança foi radical. No sistema do código revogado a simulação integrava o rol dos defeitos do negócio jurídico, conduzindo à sua anulabilidade. Inspirado quase que obsessivamente pela idéia da boa-fé, o NCC exacerbou sobremaneira a sanção aos negócios jurídicos simulados, que agora são considerados nulos em vez de anuláveis. A conseqüência marcante desse modificação é o fato de que os negócio jurídicos simulados não se convalidam com o decurso de tempo, o que equivale dizer que o prejudicado tem ação perene para desconstituir o negócio (NCC 169). A simulação é uma manifestação enganosa de vontade, vale dizer, quando alguém emite uma vontade de forma livre e consciente com o escopo de enganar terceiro ou fraudar a lei. Daí erigir-se a simulação à categoria de nulidade: um código que traz como um de seus sustentáculos a boa-fé não poderia tolerar a convalidação de um ato tão censurável. Temos como exemplo de simulação o comerciante que pede um empréstimo ao banco e o banco exige como caução duplicatas aceitas. Como o comerciante não tem duplicatas aceitas no valor exigido pelo banco, ele emite uma duplicata fria e pede a um amigo para aceitá-la, como se tivesse comprado aquele material, apresentando-a ao banco. A simulação consiste em o comerciante querer fazer crer ao banco que houve uma compra e venda mercantil que nunca existiu. Outros exemplos: o homem casado, que não pode fazer doação à sua concubina, simula com esta uma compra e venda; você vende um apartamento por R$ 200 mil e, para não pagar imposto no valor devido declara que o preço foi ajustado em R$ 100 mil; o pai quer vender um apartamento ao filho mas os demais filhos não concordam. Como o ascendente não pode vender ao descendente sem que os demais descentes anuam, o pai simula a venda do apartamento a um amigo que por sua vez revende-o ao filho.

Dissimulação – nem toda simulação é assim tão grave ou danosa, motivo pelo qual o NCC 167 resguarda como válido o negócio jurídico dissimulado, se válido em sua forma e substância, atenuando a regra da nulidade do negócio simulado para aproveitar o dissimulado. Negócio simulado é aquele que foi praticado, o que se apresenta diante de nossos olhos, o que o professor chama, em uma linguagem metafórica, de “a parte do iceberg que fica sobre a linha d’água”, ou seja, é o que se vê do iceberg; dissimulado é o negócio jurídico que se queria efetivamente praticar, mas que restou escondido sob o negócio simulado, ou seja, o que fica do iceberg abaixo da linha d’água. Retomemos o exemplo do homem casado que, não podendo doar à concubina, com ela celebra uma compra e venda: negócio jurídico simulado é a compra e venda, pois que exteriorizado, aparente; dissimulado é o negócio jurídico que se procurou disfarçar, no caso, a doação proibida. No exemplo do pai que quer vender o apartamento ao filho, os negócios simulados são a venda do

Page 67: Parte geral do direito civil à luz do novo código  · Web viewEm determinados países a personalidade inicia-se no momento sagrado da concepção, ... A percepção dos frutos

pai ao amigo e a do amigo ao filho; negócio dissimulado, a venda do pai para o filho. No exemplo da venda do apartamento por R$ 100 mil, este é o negócio simulado; negócio dissimulado é a venda por R$ 200 mil.

Assim, de acordo com o NCC 167, o negócio jurídico dissimulado, desde que válido em sua forma e substância, subsistirá. Nos exemplos dados, a venda do adúltero à sua concubina não subsiste, tampouco a venda do pai ao filho, eis que legalmente vedados quanto às suas substâncias. Já no caso da venda dissimulada por R$ 200 mil (subjacente) haverá o aproveitamento do negócio jurídico, porquanto não vedado por lei em sua forma ou substância, sem prejuízo das penalidades tributárias e penais relativas à conduta dos simuladores. Prazo decadencial – NCC 178 e 169 – nas causas de anulabilidade do negócio jurídico há um prazo decadencial de 4 anos para que a vítima possa por meio de ação desconstituir o negócio jurídico, sendo que após o decurso desse prazo há a sua convalidação de pleno direito. O dies a quo da contagem do prazo decadencial para os negócios jurídicos anuláveis é o dia da celebração (inc I), salvo no caso de coação, quando será o dia em que cessar esta (inc II). Tratando-se de negócio jurídico nulo, não há possibilidade de convalidação pelo decurso do tempo, ou seja, a ação é imprescritível (melhor seria dizer perene, segundo a doutrina do professor Agnelo Amorim Filho). O art. 169, bem de ver, dispõe em sentido diametralmente oposto à jurisprudência do STF e do STJ, segundo os quais mesmo em se tratando de nulidade, decorridos 20 anos o negócio não mais poderia ser desconstituído, em nome da estabilidade e segurança das relações jurídicas.

Prazo residual – NCC 179 – Quando a lei dispuser que determinado ato é anulável, sem estabelecer prazo para pleitear-se a anulação, será este de 2 (dois) anos, a contar da data da conclusão do ato.

Fraude contra credores – NCC 158 – não houve aqui qualquer inovação significativa, tendo sido mantidos os mesmos princípios do código revogado. Ocorre fraude contra credores quando o devedor insolvente aliena bens a título gratuito ou dá remissão de dívida, ou quando tais atos reduzem-no à insolvência. Não se confunde com a fraude de execução, que ocorre quando o devedor aliena ou onera bens quando sobre os mesmos pender ação fundada em direito real ou quando ao tempo da alienação ou oneração corria contra o devedor demanda (de conhecimento, cautelar ou execução) capaz de reduzi-lo à insolvência (CPC 593 I e II).

09/12/03Todos sabemos que desde a Lex Poetelia Papiria é o patrimônio do devedor que assegura o

cumprimento da obrigação e não o devedor pessoalmente, com seu corpo. Inadimplida a obrigação, o credor valer-se-á dos bens daquele para ressarcir-se. Ora, se o devedor esvazia o seu patrimônio, alienando ou onerando os seus bens, o credor restará impossibilitado de ver satisfeito o seu crédito. É por isso que o credor poderá anular esses atos de alienação ou oneração. É evidente que o devedor não está proibido de alienar seus bens, pendendo obrigação por ser satisfeita pelo mesmo, desde que continue solvente. O que caracteriza a fraude a credores é a alienação ou oneração que torna insolvente o devedor. Assim é que o legislador colocou à disposição do credor uma ação para anular estes atos, fazendo com que os bens que foram retirados do patrimônio do devedor a ele retornem: é a ação revocatória, também conhecida como ação pauliana. Ao contrário do que muitos imaginam a ação pauliana não é uma ação de cobrança, muitos menos de execução. Na ação pauliana o credor não busca o cumprimento da obrigação. O que se pede é a anulação do ato ou negócio jurídico pelo qual foi alienado ou onerado o bem (ou bens) do patrimônio do devedor insolvente. O que se pretende, portanto, é restaurar o patrimônio do devedor, para que o credor possa nele realizar seu crédito.

Page 68: Parte geral do direito civil à luz do novo código  · Web viewEm determinados países a personalidade inicia-se no momento sagrado da concepção, ... A percepção dos frutos

Fraude contra credores x fraude à execução x fraude à lei – não se confundem os institutos. Na fraude à lei, o indivíduo pretende violar o comando que emana da lei (como no exemplo em que o ascendente, pretendendo alienar um imóvel a um de seus descendentes à revelia dos demais, primeiro aliena-o a um amigo, que posteriormente aliena-o ao descendente. O resultado final dessa simulação é uma fraude à lei); na fraude a credores o devedor aliena ou onera seus bens para impossibilitar ou dificultar a realização do crédito, mas ainda não houve o ajuizamento de uma ação pelo credor para tanto; já na fraude à execução, mais grave, o devedor aliena ou onera seus bens em pleno curso de uma ação judicial (conhecimento, cautelar ou de execução). Por isso mesmo a sanção à fraude à execução é mais exacerbada: a alienação ou oneração será simplesmente ineficaz em relação ao autor da ação, por declaração judicial incidenter tantum no bojo do processo. Já na fraude contra credores há a necessidade do ajuizamento da ação pauliana (ação de conhecimento de rito ordinário) para anular o ato ou negócio jurídico viciado.

Ação pauliana – o ajuizamento da ação pauliana não carece do vencimento da obrigação, porque ela é meio inidôneo (isoladamente) para a satisfação da obrigação. Além do mais, se o credor tivesse de aguardar o vencimento da obrigação para só então requerer a anulação dos atos fraudatórios a ação perderia, no mais das vezes, a sua utilidade. Interesse de agir: somente o credor quirografário (que já o era anteriormente ao ato de disposição) tem interesse no ajuizamento da ação pauliana, porque se o devedor alienou um bem objeto de garantia real essa alienação não traz qualquer prejuízo ao credor, uma vez que a garantia real adere ao bem, podendo o credor com garantia real excutir o bem no domínio de quem quer que se encontre (direito de seqüela). O credor de garantia real, pois, não tem interesse de agir (interesse-necessidade) no ajuizamento da ação revocatória. Requisitos: há que se distinguir se a alienação foi a título gratuito ou a título oneroso. Quando for a título gratuito (ex: doação) presume-se o chamado eventus damni, ou seja, o prejuízo da alienação ao credor, já que há uma redução do patrimônio do devedor sem qualquer contraprestação. Fica assim o credor liberado do ônus de provar o eventus damni na ação pauliana, invertendo-se tal ônus para o devedor. Da mesma forma, presume-se na alienação gratuita o consilium fraudis, ou seja, o conluio entre o devedor e o adquirente do bem. Ainda que o adquirente esteja de boa-fé a alienação será anulada, porque nas alienações gratuitas o adquirente da coisa nada perde com a sua anulação, mas apenas deixa de ganhar, havendo uma prevalência do direito do credor em relação à legitima expectativa do adquirente. Nas alienações onerosas, contudo, fica mais difícil a prova do consilium fraudis e própria viabilidade da ação revocatória. É que a tão-só venda do bem não significa uma diminuição patrimonial, mas a conversão do um bem em seu equivalente em dinheiro, não havendo, teoricamente, alteração no patrimônio do devedor. Em suma: quando a alienação for onerosa é ônus do credor provar tanto o eventus damni (alienação ou oneração que importe diminuição patrimonial, como p. ex. a venda de um bem por valor muito abaixo que o de mercado) como o consilium fraudis (que o adquirente sabia ou devia saber da situação de insolvência do alienante, pois se o adquirente estiver de boa-fé a alienação será preservada); já quando for gratuita haverá uma presunção militando em favor do credor, cumprindo ao devedor-alienante provar a inexistência destas figuras. Como de fato a prova do eventus damni e do consilium fraudis é extremamente difícil, o magistrado, no mais das vezes, contenta-se com indícios veementes (ex: o adquirente é parente ou amigo íntimo do devedor; o devedor aliena de uma só vez vários bens ao mesmo adquirente; o devedor, após a alienação, permanece na posse dos bens etc).

Alguns doutrinadores sempre sustentaram que a disciplina da fraude contra credores deveria ser tratada na parte especial do Código, mais precisamente na parte dedicada ao direito das obrigações. Ora, se a fraude é contra o credor (sujeito ativo da relação obrigacional), então o lugar próprio da mesma seria no direito das obrigações. A despeito dessa orientação, o NCC manteve a tradição do código anterior, disciplinando a matéria dentre os vícios do negócio jurídico.

Page 69: Parte geral do direito civil à luz do novo código  · Web viewEm determinados países a personalidade inicia-se no momento sagrado da concepção, ... A percepção dos frutos

Capítulo VDa Invalidade

do Negócio Jurídico

Neste tema algumas mudanças foram perpetradas no NCC, uma das quais já abordada anteriormente, que foi o deslocamento da simulação do plano da anulabilidade para o plano da nulidade. Uma outra mudança importante é que agora se diz textualmente, contrariando uma tendência jurisprudencial que já se vinha consolidando, que o ato nulo não convalesce pelo simples decurso do tempo (art. 169). O que significa dizer que a qualquer tempo poder-se-á pleitear a desconstituição do ato nulo. Os tribunais superiores vinham assentando que, passados 20 anos, mesmo se tratando de nulidade, não mais se poderia questionar a validade do ato, em homenagem à estabilidade das relações jurídicas.

Inexistência jurídica x nulidade – ato nulo é aquele que reúne todos os seus elementos de constituição, mas com defeito em algum deles, sendo que dependendo da gravidade do defeito o ato será absolutamente ou relativamente nulo (ex: casamento contraído mediante coação sobre um dos cônjuges – ato absolutamente nulo). Ato inexistente é aquele que carece de algum elemento essencial à sua constituição (ex: casamento entre um homem e um travesti, que todos julgassem ser mulher – ato inexistente). A teoria do ato jurídico inexistente, debitada ao jurista alemão Zaccaria, tem como principal vantagem a desnecessidade de declaração judicial reconhecendo o ato como inexistente, ao passo que a nulidade carece dessa declaração. No entanto, o nosso direito positivo ainda hoje não faz referência ao ato inexistente, mas apenas equipara-o ao ato absolutamente nulo quanto ao resultado: nenhum deles, segundo o mestre, produz qualquer efeito. Exemplo: na chamada vis absoluta (coação física irresistível) não há qualquer manifestação de vontade pelo coacto, mas o direito positivo chama esse ato de absolutamente nulo, em vez de inexistente.

O professor destaca que os atos inexistentes apenas em tese não carecem de declaração judicial, mas que na prática ela vai ser sempre ou quase sempre necessária, pois haverá a necessidade de que a parte interessada faça prova da inexistência do elemento essencial que faltou ao ato. Por exemplo: se o juiz de paz não perguntou aos nubentes se queriam se casar o casamento é inexistente por falta de manifestação de vontade. Dois anos após a cerimônia o marido resolve ver a fita de vídeo do casamento e percebe a falha do juiz do paz. Após o retorno da mulher à casa, o marido então revela estar apaixonado pela vizinha e que com ela vai se casar amanhã, pois o casamento anterior foi inexistente. Ora, pondera o mestre, se este homem casar-se novamente poderá ser processado por bigamia, pois antes de pensar em casar-se de novo ele terá de propor uma ação para provar que não houve o consentimento. O mesmo se diga quanto à hipótese do casamento entre o homem e o travesti o homem não poderá simplesmente casar-se posteriormente com uma mulher, ao argumento que o ato anteriormente praticado foi inexistente, pois constará do registro civil de pessoas naturais o seu estado civil de casado.³________________________³ A questão da inexistência do ato ou negócio jurídico deve ser analisada, a nosso ver, tendo em conta a natureza do ato ou negócio, bem como a forma exigida por lei para o seu aperfeiçoamento. Nos exemplos dado pelo mestre, realmente, fica difícil sustentar a desnecessidade de declaração judicial, pois os vícios dos atos são exteriores à sua redução a termo, vale dizer, não são aferíveis de plano pela simples análise do documento que os consubstancia (no caso, a certidão de casamento). Entretanto, há determinados vícios de inexistência jurídica verificáveis pela mera análise do documento e, nesses casos, nos parece ser desnecessária a intervenção judicial. Imagine-se por exemplo um contrato de mútuo feneratício sem a assinatura do mutuário: esse “negócio jurídico” não tem qualquer força obrigatória. Caso o “credor” queira protestá-lo, o tabelião deverá de plano recusar-se; o mesmo se diga em relação ao juiz, que deverá indeferir a petição inicial, caso o “credor” pretenda executar judicialmente o “título”.

Page 70: Parte geral do direito civil à luz do novo código  · Web viewEm determinados países a personalidade inicia-se no momento sagrado da concepção, ... A percepção dos frutos

Eficácia e ineficácia – a discussão sobre a nulidade do negócio jurídico tem de passar necessariamente, segundo o mestre, pelos conceitos de eficácia e ineficácia do negócio jurídico. Negócio jurídico eficaz é aquele que produz o resultado perseguido pelo agente. Quando, por qualquer motivo, ele não produz o resultado querido pelo agente, diz-se que o negócio jurídico é ineficaz. Por exemplo: uma doação, submetida a uma condição suspensiva que não se implementa, é um negócio jurídico ineficaz. Já a invalidade (sinônimo de nulidade) decorre sempre e necessariamente de um defeito no negócio jurídico. Segundo o mestre, o negócio jurídico eivado de nulidade tem como conseqüência a impossibilidade de produção de efeitos, ou seja, o negócio jurídico inválido é também ineficaz. A ineficácia, ainda segundo o mestre, é conseqüência jurídica da invalidade. Se o ato é inválido ele não está apto a produzir o efeito perseguido. Entretanto, nem todo ato ineficaz é inválido (como no exemplo da doação subordinada a condição suspensiva que não se implementou, anteriormente citado).

A nulidade carece, sempre, de declaração judicial, sem o que o negócio jurídico produzirá efeitos. Declarada judicialmente a nulidade, a sentença retroagirá para “apagar” os efeitos indevidamente produzidos pelo negócio írrito. Já quando se tratar de anulabilidade (nulidade relativa), os efeitos produzidos até a decretação da nulidade persistirão, ou seja, a sentença operará efeitos ex nunc.

O mestre destaca que essa afirmação de que o ato nulo não produz qualquer efeito deve ser acolhida do ponto de vista puramente acadêmico, para entender a declaração judicial da nulidade retroagirá à data da prática do ato, “apagando-se” os efeitos eventualmente produzidos pelo ato nulo. Evidentemente, se não houver declaração judicial da nulidade o ato produzirá efeitos como se válido fosse.

Nulidade absoluta x nulidade relativa – há nulidades mais e menos graves, ou seja, dois graus de nulidade. A nulidade absoluta resulta de um defeito grave do negócio jurídico, enquanto a nulidade relativa resulta de um defeito mais leve. Por questões meramente didáticas, refere-se a doutrina à nulidade absoluta simplesmente como nulidade e à nulidade relativa como anulabilidade. Nulo, portanto, é o ato absolutamente nulo; anulável, é o ato relativamente nulo.

No código revogado os casos de nulidade absoluta vinham elencados no art. 145, em seis incisos: os atos praticados por absolutamente incapazes (inc. I), os cujo objeto fosse ilícito ou impossível (inc. II), o praticados ao arrepio da forma prescrita em lei (inc. III), os praticados com preterição de solenidade essencial (inc. IV) e aqueles que a lei taxativamente declarar nulo (inc. V). Esta última hipótese consiste na chamada nulidade textual, ou seja, quando o legislador se antecipa e estabelece um modelo concreto, já declarando nulo o ato praticado contrariamente a este modelo (ex: é nulo o casamento contraído com infração de impedimento). Nos demais incisos há o que a doutrina chama de nulidade virtual, ou seja, quando não há sanção expressa, mas apenas um modelo abstrato que o legislador estabelece para a prática do ato (ex: é nulo o ato praticado por absolutamente incapaz, qualquer que seja o ato, o legislador não diz especificamente quais atos praticados por absolutamente incapazes são nulos).

O código atual, em seu art. 166, aumentou as hipóteses de nulidade absoluta, agora distribuídas em sete incisos, além da simulação (art. 167), que foi erigida à categoria de nulidade absoluta. Analisemos os incisos do art. 166:

I – não quer o legislador dizer que o absolutamente incapaz não pode ser parte em um negócio jurídico, mas apenas que não pode ele manifestar diretamente a sua vontade na formação do negócio;

II – enquanto o código revogado apenas aludia à ilicitude e impossibilidade do objeto, o NCC adicionou a indeterminação do mesmo como causa de nulidade do negócio. Ex: José vende a João uma lote de terreno, sem que haja constado do instrumento as especificações do imóvel;

Page 71: Parte geral do direito civil à luz do novo código  · Web viewEm determinados países a personalidade inicia-se no momento sagrado da concepção, ... A percepção dos frutos

III – aqui há outra novidade. Diz este inciso que o negócio jurídico será nulo quando o motivo determinante, comum a ambas as partes, for ilícito. Exemplo: José empresta dinheiro a João para que este adquira entorpecentes no exterior e os venda no Brasil, quando então ambos repartirão o lucro. Não haveria nulidade, contudo, se José desconhecesse a finalidade que João pretendia dar ao objeto do mútuo;

IV – aqui nada mudou. Quando a lei previr a forma a ser dada ao ato ou negócio a sua inobservância acarretará a nulidade absoluta;

V – também aqui manteve-se a redação original do código Beviláqua, aludindo o inciso à solenidade que seja da essência do ato ou negócio;

VI – novidade. De acordo com este inciso será nulo o negócio jurídico quando tiver por objetivo fraudar lei imperativa. ;

VII – é o que a doutrina denomina de nulidade textual, ou seja, um ato ou negócio jurídico tipificado previamente na lei como nulo. A novidade aqui é que foi corrigida uma grave omissão do código Beviláqua, para os casos em que a lei, embora proibindo a prática do ato ou negócio não comine a sanção. Nesses casos, diz a nova redação do inciso, ter-se-á por nulo o negócio. Bons exemplos encontrados no NCC são os dos arts. 421 e 422.

NCC 421 e 422 – mandamentos sem sanção? – alguns doutrinadores, dentre os quais o professor Francisco Amaral, sustentam que os comandos emanados dos arts. 421 e 422 do NCC são inócuos, uma vez que não trazem cominação expressa para a desobediência aos mesmos. O professor Capanema, no entanto, discorda dessa orientação, ao argumento de que tais artigos, quando combinados com os NCC 2.036 p.ún. e NCC 166 VII in fine, trazem como sanção a nulidade do contrato, no caso, o descumprimento de lei imperativa, ou seja, a norma dos arts. 421 e 422. Assim, por exemplo, caso o juiz se convença que o contrato, embora celebrado anteriormente à vigência do NCC, não esteja cumprindo a sua função social, poderá anulá-lo, com base nestes dispositivos.

Legitimidade para argüir a nulidade (absoluta e relativa) – de acordo com o NCC 168, as nulidades absolutas podem ser alegadas por qualquer interessado ou pelo MP, quando lhe couber intervir. Já a nulidade relativa deve ser argüida por quem provar haver sofrido algum prejuízo com a prática daquele ato anulável. É por isso que a nulidade absoluta pode ser declarada de ofício pelo juiz, ou suscitada pelo MP, quando atue como custos legis.

Convalidação – o ato nulo não admite saneamento, ratificação, aproveitamento. Ele tem de ser apagado da memória social. O ato anulável, ao contrário, pode ser ratificado, aproveitado (NCC 169). De acordo com o mestre, também os efeitos do ato nulo são desconstituídos, exatamente para não deixarem lembranças na memória social; já os efeitos produzidos pelo ato anulável se mantém. Daí porque a sentença que declara a nulidade de um ato retroage à data de sua prática, para apagar os seus efeitos, ou seja, a sentença opera ex tunc; a que declara uma nulidade relativa, a seu turno, não apaga os efeitos até então produzidos, operando ex nunc.

Fungibilidade – NCC 170 – há aqui uma mitigação da regra de que o ato absolutamente nulo não comporta convalidação, uma vez que, pela redação do dispositivo, quando o negócio jurídico contiver os requisitos de outro, subsistirá este quando o fim a que visavam as partes permitir supor que o teriam querido, se houvessem previsto a nulidade. Por exemplo: João e José, lavradores, avençam entre si, através de um instrumento particular, a compra e venda de um imóvel pelo preço de R$ 50 mil. Esse negócio jurídico, ex vi dos arts. 166 IV e 108, é nulo. No entanto, o contrato contém todos os requisitos de um outro negócio jurídico, qual seja, o compromisso de compra e venda. Também é de se supor que se os contratantes soubessem da nulidade eles quereriam transformar essa compra e venda num compromisso de compra e venda. Assim, o contrato de

Page 72: Parte geral do direito civil à luz do novo código  · Web viewEm determinados países a personalidade inicia-se no momento sagrado da concepção, ... A percepção dos frutos

compra e venda nulo valerá como compromisso de compra e venda, podendo o adquirente compelir o alienante a outorgar-lhe a escritura definitiva após o pagamento integral do preço ajustado.

Prazo para a ação de nulidade – de acordo com o NCC 169, o negócio jurídico nulo não é suscetível de confirmação, nem convalesce pelo decurso do tempo. Assim, as ações através das quais se pretende declarar a nulidade de um ato ou negócio jurídico, são perenes, ou seja, não se sujeitam, em regra, a prescrição ou decadência. Já as nulidades relativas devem ser argüidas em um determinado lapso temporal (normalmente curto), sob pena de decadência.

Natureza da sentença – quando o pedido for a desconstituição de um negócio jurídico eivado de nulidade absoluta, a sentença terá, segundo o mestre, natureza declaratória, eis que ela não modifica relação jurídica alguma, apenas considera o ato como se não tivesse existido, pois a nulidade existe desde o momento da prática do ato. Por ser a sentença declaratória é que a ação não está sujeita a qualquer prazo extintivo. Já a sentença que declara uma nulidade relativa é predominantemente constitutiva negativa, eis que as partes iniciam o processo vinculadas ao negócio jurídico, mas com a procedência do pedido saem do processo dele desvinculadas. Permanecem os efeitos já produzidos e a relação jurídica de direito material é extinta.

Novação – de acordo com o NCC 367, os atos ou negócios nulos não admitem novação, ao passo que tal vedação não há quanto aos atos ou negócios anuláveis.

Nulidade do casamento – foi dito anteriormente que a nulidade pode ser declarada de ofício pelo juiz, mas a do casamento não. Numa ação de alimentos ajuizada pela mulher em face do marido, ainda que o juiz esteja convencido de que o marido é irmão da mulher não poderá declarar a nulidade do casamento, senão após provocado por uma ação de nulidade.

Nulidade no direito de família – foi dito anteriormente que o ato nulo tem apagados todos os seus efeitos com a declaração judicial da nulidade, mas essa afirmativa, no campo do direito de família, deve ser recebida com ressalvas. Por exemplo: declarada a nulidade do casamento bilateralmente putativo entre irmãos, haverá efeitos que permanecerão intactos, como por exemplo a questão relativa ao regime de bens do casal. Se casados pelo regime da comunhão universal de bens e o marido tiver bens e a mulher não, terá esta direito à meação. Em relação aos eventuais filhos deste casal, a declaração de nulidade do casamento não produzirá efeito algum em relação aos mesmos. Em suma: em se tratando de casamento nulo bilateralmente putativo (ambos os cônjuges estão de boa-fé), todos os efeitos patrimoniais subsistirão e, em relação aos filhos, subsistirão todos os efeitos, ainda que de má-fé ambos os cônjuges. Se o casamento for unilateralmente putativo (apenas um dos cônjuges está de boa-fé) somente em relação a este subsistirão os efeitos patrimoniais após a declaração da nulidade.

Título IIDos atos jurídicos lícitos

O ato jurídico continua existindo e difere do negócio jurídico porque no ato jurídico os seus efeitos já estão previstos em lei. O NCC 185 diz que aplicam-se ao ato jurídico as mesmas regras do negócio jurídico, mas é preciso não perder de vista que no ato jurídico a vontade emitida produz efeitos já previstos em lei e que não podem ser alterados pelo agente, enquanto no negócio jurídico o agente pode disciplinar esses efeitos. Embora o NCC dedique apenas um único artigo aos atos jurídicos, no qual é dito que a eles se aplicam as mesmas regras dos negócios jurídicos, há essa distinção entre ambos. Em suma: no ato jurídico há uma manifestação de vontade que produzirá os

Page 73: Parte geral do direito civil à luz do novo código  · Web viewEm determinados países a personalidade inicia-se no momento sagrado da concepção, ... A percepção dos frutos

efeitos que a lei anteriormente previu; no negócio jurídico os efeitos da manifestação volitiva podem ser disciplinados pelo emitente da vontade, vigorando aqui a autonomia da vontade. Por essa razão é que o NCC, valendo-se de louvável técnica, inicia cuidando do negócio jurídico, que é o fato jurídico mais praticado, para subsidiariamente tratar do ato jurídico lícito.

Título IIIDos atos ilícitos

O NCC não alterou substancialmente o conceito de ato ilícito, através do qual alguém, mediante uma conduta culposa (lato sensu), causa dano a outrem ou viola a lei, ao contrário do que se dá nos atos e negócios jurídicos, em que os efeitos da manifestação de vontade são permitidos ou não proibidos pela lei. O antigo art. 159, além de se referir aos elementos formadores do ato ilícito, falava ainda na sua conseqüência jurídica: a obrigação de reparar o dano sofrido pela vítima. O ato ilícito sempre produz um efeito não querido pelo agente, que é o dever de indenizar (NCC 927). A conseqüência do ato ilícito é regulada não na parte geral, mas na parte especial do código, mais especificamente na parte dedicada ao direito das obrigações. A obrigação de indenizar tem como fonte o ato ilícito. O NCC define o ato ilícito no art. 186. A simples comparação dos textos já nos aponta as diferenças.

Em primeiro lugar, o NCC alude ao dano exclusivamente moral. O código revogado silenciava quanto ao mesmo, o que gerou durante décadas a discussão se cabia ou não a reparação do dano puramente moral, defendendo alguns doutrinadores a impossibilidade, ao argumento de que o código não continha um dispositivo expresso admitindo o dano moral e sua reparação. O NCC, repetindo a consagração constitucional da reparabilidade do dano exclusivamente moral, admitiu tal possibilidade expressamente. Há quem sustente a desnecessidade dessa previsão no NCC, eis que a CR/88, em seu art. 5.º, incisos V e X, já assegurava o direito à reparação do dano puramente moral. Entretanto, na opinião do mestre a repetição é salutar, uma vez que a matéria é, realmente, de natureza civil. Por outro lado ninguém garante que a CR/88 vá ter grande longevidade.

Uma outra diferença é que não se fala mais na obrigação de repara o dano, limitando-se o art. 186 a conceituar o ato ilícito, aludindo aos seus elementos formadores, na da dizendo sobre a conseqüência jurídica do mesmo. Essa obrigação é estabelecida na parte especial do código, mais precisamente no art. 927, o que é muito mais técnico, pois a obrigação de indenizar, como o próprio nome evidencia, se inclui na disciplina do direito das obrigações.

Elementos do ato ilícito – vem agora definido no NCC 186 como a violação de direito com a causação de dano (ainda que exclusivamente moral), mediante conduta voluntária, negligência ou imprudência. A conduta que rende ensancha à reparação é aquela culposa lato sensu, ou seja, impregnada de dolo ou culpa. É o elemento subjetivo do ato ilícito. Essa conduta culposa pode se dar mediante ação ou omissão do agente. O segundo elemento é o dano (elemento objetivo), que deve ser economicamente apreciável, descartando-se o dano de monta insignificante, imperceptível. O dano pode ser puramente estético: durante muito tempo se entendeu que o dano estético estaria embutido no dano moral, não se admitindo neste caso a cumulação de indenizações, mas hoje a construção jurisprudencial evoluiu no sentido de admiti-la. O terceiro e último elemento do ato ilícito é o nexo causal: é preciso que o dano decorra da conduta culposa do agente.

Responsabilidade civil – evolução histórica – em regra, é a conseqüência jurídica do ato ilícito, ou seja, o dever de reparar o dano. Houve uma evolução na doutrina da responsabilidade civil para admitir a indenização por ato lícito, mas somente excepcionalmente. Muito se discutiu desde o século XVII sobre a natureza da responsabilidade civil e como deveria ela ser aferida. No inicio do século XIX consolidou-se a chamada teoria subjetiva da culpa provada, pela qual a vítima do dano

Page 74: Parte geral do direito civil à luz do novo código  · Web viewEm determinados países a personalidade inicia-se no momento sagrado da concepção, ... A percepção dos frutos

é que teria que provar que o autor do dano agiu culposamente. Entendia-se que sendo a culpa o elemento mais importante do ato ilícito, caberia a quem reclamava a indenização provar o fato constitutivo do seu direito, que era a culpa do agente. Os irmãos Mazeaud, idealizadores dessa teoria, gravaram na capa de seu livro sobre o tema uma frase celebre: sem culpa não há responsabilidade. Estes doutrinadores consideravam imoral condenar-se alguém a indenizar outrem sem que se houvesse dirigido com culpa. Aos poucos percebeu-se que essa teoria era socialmente injusta, porque a prova da culpa do autor do dano é quase sempre perversa, difícil de ser produzida pela vítima, até mesmo pelas circunstâncias do evento danoso. Por essa razão evoluiu-se, ao final do século XIX, para a teoria subjetiva da culpa presumida, libertando a vitima da prova da culpa, cabendo ao causador do dano provar a existência de alguma causa que excluísse a sua culpa.

O direito brasileiro, no código de 1916, acabou adotando essas duas teorias. Na chamada responsabilidade extracontratual, quando ente o autor do dano e a vítima não há qualquer relação jurídica anterior ao evento (chamada também de culpa aquiliana, em homenagem a lex Aquilia, que tratava da matéria em Roma), aplica-se a chamada teoria subjetiva da culpa provada; já na responsabilidade contratual, em que há uma relação jurídica preexistente entre autor do fato e vítima, p. ex., quando o dano decorre da violação de uma obrigação contratual, o código revogado adotava a teoria da culpa presumida ― a relação entre o médico e o paciente será sempre contratual, salvo situações excepcionais, como quando o médico, andando pela rua, se depara com um acidente grave, indo de pronto socorrer a vítima, em cumprimento do juramento hipocrático.

Evoluindo na matéria, passou-se à teoria do risco (ou da responsabilidade objetiva), através da qual fica afastada a discussão sobre a culpa, centrando o dever de indenizar no dano e no nexo causal, bastando à vítima provar a coexistência de ambos. Caso pretenda alforriar-se do dever de indenizar, ao autor do fato resta provar a existência de uma das causas que excluam a responsabilidade (fortuito, fato de terceiro, culpa exclusiva da vítima), ou seja, o rompimento do nexo causal. A teoria do risco ingressou no ordenamento jurídico brasileiro com o CDC (arts. 12 e 14), que preconiza expressamente que o fornecedor responderá pelos danos causados pelo produto ou serviço independentemente de culpa.

Muitos alunos não percebem com facilidade a diferença entre a teoria subjetiva da culpa e a teoria objetiva do risco, perguntando: se o autor do dano conseguir provar um fato capaz de romper o nexo causal, isso não significará que ele não teve culpa? Se o dano não decorreu da conduta do agente não é por que ele não teve culpa? Óbvio. Se não há nexo causal também não há culpa do autor do dano. É que a discussão sobre a culpa traz uma série de dificuldades decorrentes da prova do elemento subjetivo inerente à culpa. Por outro lado o conceito de culpa é jurídico. Já o nexo causal é um conceito eminentemente objetivo, fático, não-jurídico, mas sim estabelecido pelas regras da experiência comum. Para saber se um dano decorreu de uma determinada conduta, qualquer pessoa que tenha um mínimo de experiência de vida pode aferir. Em conseqüência, discutir se há ou não nexo causal é muito mais simples e fácil que discutir se houve ou não culpa. A adoção da teoria do risco não apenas acelera a solução do conflito como torna mais segura a decisão sobre a existência ou não do dever de reparar o dano.

A adoção da teoria do risco não importa condenação certa ao autor do fato, basta que ele prove a ausência de nexo causal.

Responsabilidade civil – disciplina no NCC – a leitura do art. 186, combinado com o art. 297, nos revela que o NCC manteve-se fiel à tradição da teoria subjetiva da culpa provada para a responsabilidade extracontratual, o que muitos criticam, dizendo que perdeu-se uma boa oportunidade de evolução nesse tema.

A grande novidade veio no parágrafo único do art. 927. Este dispositivo já aponta em direção à teoria do risco, não como regra geral (como pretendiam os críticos à teoria subjetiva da culpa provada), mas apenas quando se trate de atividade geradora de risco, ou demais casos que a lei vier a fixar. É o que se chama teoria do risco criado ou do risco proveito. Caberá ao juiz

Page 75: Parte geral do direito civil à luz do novo código  · Web viewEm determinados países a personalidade inicia-se no momento sagrado da concepção, ... A percepção dos frutos

perscrutar se a atividade normalmente desenvolvida pelo autor do dano é uma atividade perigosa, que contenha um risco inerente de dano a terceiro, hipótese em que estará dispensada a vítima de provar a culpa do causador do dano.

Como não poderia deixar de ser, essa novidade está suscitando acesas controvérsias. Parte o professor Venosa a teoria subjetiva da culpa provada foi abolida do Código, pois toda atividade moderna gera, ao menos potencialmente, um risco a terceiros (assim, p. ex., se uma pessoa sai de casa para trabalhar dirigindo seu automóvel e acidentalmente atropela outra pessoa deve responder objetivamente pelo dano, uma vez que a atividade de dirigir veículos gera um risco a terceiros). Para outros (Min. Carlos Alberto Direito e Des. Cavaliere), ao ver do professor Capanema com razão, a interpretação do parágrafo único do art. 927 não pode ser ampliativa e que a expressão “atividade normalmente desenvolvida” deve ser interpretada com o sentido dado pelo CDC, ou seja, atividade da qual o autor do dano tire proveito econômico e que a exerça normalmente como sua atividade econômica. Dessa forma, o motorista de táxi que atropela um pedestre responderá pela teoria do risco, porque dirigir veículo é para este profissional uma atividade normalmente desenvolvida através da qual ele tira proveito econômico e que gera risco a terceiro. Por outro lado, um veranista que atropela um transeunte continua respondendo pela teoria subjetiva da culpa provada.

NCC 187 – Exercício abusivo de direito – esta é uma das maiores e mais elogiadas inovações do novo código, ampliando de forma considerável o conceito de ato ilícito. Este artigo é considerado pelo mestre um dos dez mais importantes do código, porque o dispositivo é paradigmático, principiológico, proporciona a mudança no comportamento social. Este artigo equipara ao ato ilícito a conduta daquele que, ao exercer um direito legítimo, ultrapassa de forma manifesta os limites de sua atuação social e da boa-fé. É posto termo, assim, a uma antiga discussão doutrinária sobre se o abuso de direito configuraria ou não um ato ilícito. Para alguns o abuso de direito não poderia configurar ato ilícito sob pena de incidir-se em uma contraditio in terminis, pois se o agente é titular e exerce um direito legítimo, jamais poderá tal conduta importar ato ilícito. A corrente que restou vitoriosa, a seu turno, admitia a possibilidade de no exercício de um direito legítimo haver o cometimento de ato ilícito, quando fossem ultrapassados os limites desse direito, com a causação de dano a terceiro. Confirmando a redação do art. 187, o art. 927 diz com todas as letras que “aquele que, por ato ilícito (arts. 186 e 187), causar dano a outrem, fica obrigado a repará-lo”. Há quem critique a abstração contida nas expressões “fim econômico”, “fim social”, “boa-fé” e “bons costumes”, ao argumento de que foi conferida uma margem muito elástica de discricionariedade ao magistrado para decidir sobre o abuso de direito. Na opinião do mestre, contudo, a redação do artigo está em perfeita consonância com a técnica legislativa utilizada na reforma do código, sendo mesmo um dos seus princípios reitores o da operabilidade, o qual exige uma determinada quantidade de cláusulas genéricas que possibilitem aos operadores do direito uma movimentação mais dinâmica, menos estática dentro do direito positivo, visando a concretude. O mestre deu o seguinte exemplo: imaginemos um homem milionário, que tenha 100 imóveis de sua propriedade alugados e que promova uma ação de despejo por falta de pagamento contra um de seus 100 locatários que se encontra doente, desempregado e com 5 filhos menores, tendo deixado de pagar o aluguel por causa desse infortúnio. Não é absurda a tese defensiva do abuso de direito para evitar o desalijo do inquilino, provando que o aluguel não representa absolutamente nada para o locador, sendo absolutamente dispensável naquele momento e que, ao contrário, o despejo daquela família seria socialmente uma catástrofe. O exercício da ação de despejo, nessas condições, poderia configurar, em tese, um abuso de direito de propriedade.

Ato jurídico lícito x ato ilícito – a diferença é a seguinte: no ato jurídico lícito (denominado simplesmente ato lícito pelo código revogado) o agente persegue um resultado que a lei permite, ou seja, o ato jurídico é uma manifestação de vontade do agente na busca de um objeto lícito. No ato

Page 76: Parte geral do direito civil à luz do novo código  · Web viewEm determinados países a personalidade inicia-se no momento sagrado da concepção, ... A percepção dos frutos

ilícito o agente emite uma vontade que viola a lei, causando dano ao direito de outrem, e tendo como resultado o dever de indenizar os prejuízos a que haja dado causa. Enquanto o ato jurídico é criador de direitos e obrigações, conforme num ou noutro sentido se incline, o ato ilícito cria apenas deveres ao agente, como conseqüência da transgressão do ordenamento jurídico.

22/12/03

Título IVDa Prescrição e da Decadência

Como o código revogado não fazia distinção técnica entre os institutos da prescrição e da decadência, reunindo no art. 178 como sendo de prescrição vários prazos decadenciais, muitos eram os critérios propostos pela doutrina para estabelecer de forma segura as diferenças entre estes fatos jurídicos extintivos. Dentre os critérios mais utilizados podem ser citados os dos professores Câmara Leal (se preexistente o direito material ao direito de ação o prazo seria de prescrição; se a existência de ambos fosse concomitante, seria de decadência), San Tiago Dantas (em se tratando de um direito subjetivo o prazo era de prescrição; se o direito fosse potestativo, decadência) e Agnelo Amorim Filho (relacionando a natureza do prazo com a natureza da sentença proferida no processo: sendo a carga da sentença predominantemente condenatória, o prazo era de prescrição; sendo a ação constitutiva com prazo fixado em lei, o prazo seria decadencial; já as ações constitutivas sem prazo fixado em lei para o seu ajuizamento e as ações meramente declaratórias, não estariam sujeitas nem à prescrição nem à decadência, seriam perpétuas), com destaque para a monografia deste último, porque mais técnica que as demais.

De acordo com o mestre, todos os critérios existentes até a entrada em vigor do NCC perderam a utilidade prática. O único requisito que o operador do direito deve preencher para saber se um prazo é de prescrição ou de decadência no novo sistema civil é, no dizer do mestre, ser alfabetizado, pois toda vez que o NCC estabelece um prazo extintivo ele diz expressamente se é de prescrição ou de decadência.

Capítulo IDa Prescrição

O tratamento dado à prescrição e à decadência no NCC é, na opinião do mestre, uma das mais felizes inovações do código, pois agora tais institutos foram disciplinados com mais rigor técnico, resultando mais claros os delineamentos de cada um, bem como a distinção entre ambos.

A confusão feita entre a prescrição e a decadência tem uma razão de ser, pois há profundas afinidades entre os dois institutos. Em primeiro lugar, tanto a prescrição quanto a decadência têm a natureza jurídica de fatos jurídicos extintivos. Não se prestam, portanto, à criação ou modificação de relações jurídicas, mas sim a extingui-las. Em segundo lugar, tanto a prescrição quanto a decadência decorrem de uma inércia do titular de um interesse ou de um direito, ou seja, têm o mesmo fator determinante. Finalmente, ambas têm o mesmo fator operante, que é o tempo. É o decurso do tempo que faz ocorrer a prescrição e a decadência. São afins, portanto, os dois institutos. Diferem, no entanto, quanto ao seu objeto, o que já é suficiente para que não se possa confundi-los.

Pressupostos da prescrição – para que ocorra esse fenômeno extintivo é necessário, em primeiro lugar, que haja um direito subjetivo violado. A causa remota da prescrição é a violação de um direito subjetivo. Essa violação faz nascer uma ação correspondente para restaurá-lo. Todos sabemos que a cada direito corresponde uma ação, que o assegura. Se temos um direito subjetivo

Page 77: Parte geral do direito civil à luz do novo código  · Web viewEm determinados países a personalidade inicia-se no momento sagrado da concepção, ... A percepção dos frutos

(assim entendido o poder que lei nos confere de exigir de outrem uma prestação, um bem da vida: a facultas agendi dos romanos) já incorporado ao nosso patrimônio e este direito vem a ser violado, surge então uma ação para a restauração desse direito violado (é o que os romanos chamavam de actio nata, ou seja, a ação nascida da violação de um direito subjetivo). Enquanto não houver essa violação não se há falar em prescrição.

O segundo pressuposto da prescrição é a inércia do titular desse direito subjetivo violado. Um homem normal, diante da violação de um seu direito, reage, protesta, movimenta as engrenagens do Estado para buscar a restauração desse direito. A regra geral é a de que as pessoas não se conformem com a violação de seus direitos. Há, no entanto, quem permaneça inerte, seja por comodismo, desinteresse, covardia etc. Em relação a estes é que a prescrição se opera.

Pode, no entanto, acontecer de o titular de um direito subjetivo violado permanecer inerte durante um período bastante longo e mesmo assim não haver se operado a prescrição. Há um terceiro pressuposto: o decurso do prazo previsto na lei. O titular do direito violado pode “dormir” durante certo tempo sem que isso afete a possibilidade de reparação do seu interesse. Mas se ele ultrapassar o tempo que a lei o permite “dormir” será fulminado pela prescrição. Em suma: para haver prescrição é necessário que a inércia perdure por um tempo superior ao que a lei permite (exemplo: o locatário de um imóvel abandona-o sem pagar os alugueres e o locador aguarda pacientemente por 2 anos e 11 meses para finalmente ajuizar a ação de cobrança. O fato dele ter dormido 2 anos e 11 meses em nada afetou o seu direito. Mas se ele resolver entrar com a ação após 3 anos e 2 dias consumada está a prescrição, nos termos do NCC 206 §3.º I).

Finalmente, pode acontecer de um direito subjetivo ser violado e o seu titular ficar inerte por mais tempo do que determina a lei e, ainda assim, não haver se consumado a prescrição. O último pressuposto para a ocorrência da prescrição é um pressuposto negativo, ou seja, a ausência de causas preclusivas. Há circunstâncias supervenientes que incidem sobre a fluência do prazo prescricional, suspendendo-o, interrompendo-o e mesmo impedindo que o mesmo tenha início. Somente com a conjugação destes quatro pressupostos é que se poderá falar em prescrição.

Ratio essendi da prescrição – a prescrição remonta ao direito romano e tem por finalidade preservar a paz social. Poucos institutos são mais importantes para o equilíbrio social que a prescrição. A paz social depende, dentre outras coisas, da existência de institutos como o da prescrição. É que a violação de um direito subjetivo incomoda a toda a sociedade, ferindo-lhe me seu sentimento de justiça. Para remediar a lesão a um direito subjetivo o indivíduo tem à sua disposição o aparelho judicial, o qual deve ser provocado através do direito constitucional de ação. No entanto, se o titular desse direito não movimenta as engrenagens do Estado é como se a “ferida” no tecido social permanecesse aberta, causando uma desagradável sensação. Por outro lado, entendeu-se que o devedor não pode ficar à mercê do credor indefinidamente. Destarte, a prescrição serve para, diante da inércia do titular do direito subjetivo lesado, “cicatrizar” a ferida aberta no tecido social com a violação daquele direito, para trazer de volta a estabilidade e a paz sociais.

Espécies de prescrição – de acordo com o mestre, a prescrição é gênero que comporta duas espécies: a prescrição extintiva e a prescrição aquisitiva.5 A primeira é uma________________________5 Há considerável parte da doutrina civilista que nega a existência de uma prescrição aquisitiva (Leoni, por exemplo).força puramente negativa, ou seja, apenas extingue a pretensão, nada nascendo a partir dela; já a segunda tem uma força mista, negativa (extingue a pretensão pela proteção possessória pela inércia do proprietário) e positiva (cria para o possuidor que violou aquele direito um direito novo, que é o domínio sobre o bem). A prescrição extintiva é tratada na parte geral do Código, com o nome de prescrição; já a prescrição aquisitiva é tratada na parte especial do Código, no Livro III (direito das coisas), com o nome de usucapião.

Page 78: Parte geral do direito civil à luz do novo código  · Web viewEm determinados países a personalidade inicia-se no momento sagrado da concepção, ... A percepção dos frutos

Objeto da prescrição – há quem sustente que a prescrição tem por objeto a extinção do próprio direito subjetivo (direito francês), ao argumento de que se o credor não tem mais como compelir o devedor a satisfazer a obrigação há o desaparecimento do direito subjetivo. Por outro lado a tradição do direito romano-germânico é no sentido que a prescrição não afeta o direito subjetivo, mas sim a actio nata (pretensão). O mestre entende de acordo com essa segunda orientação, sustentando que nada impede que o devedor, arrependido de não haver pago, possa fazê-lo mesmo após a prescrição consumada. Se o direito subjetivo tivesse desaparecido, o credor não mais poderia receber e dar quitação; o pagamento seria indevido, fazendo surgir ao devedor o direito à restituição (repetição do indébito).6 O direito alemão é que trouxe a idéia de que a prescrição incide sobre a pretensão (Anspruch), ou seja, a coercibilidade no cumprimento da obrigação, ficando o credor sem meios para compelir o devedor ao cumprimento da mesma.

A opção do NCC 189 – o novo Código, certo ou errado, adotou uma posição em relação ao objeto da prescrição, ao dizer, em seu art. 189, que violado o direito, nasce para o titular a pretensão, a qual se extingue pela prescrição, nos prazos a que aludem os arts. 205 e 206 . Assim, à luz do direito positivo, pode-se dizer que o objeto da prescrição é a pretensão, que nasce com a violação do direito.7

________________________6 A nosso ver o exemplo não espelha de forma clara a distinção. É que no caso há a conversão de uma obrigação jurídica em obrigação natural (moral), que não pode ser exigida pelo sujeito ativo.

7 O professor Agnelo Amorim Filho, autor do que talvez seja o melhor artigo de doutrina acerca da prescrição e da decadência, traz uma exceção à afirmativa de que a pretensão nasce com a violação do direito, hipótese em que o curso do prazo prescricional teria início antes mesmo da violação do direito. É o caso da dívida quérable, obrigação subordinada a prazo em que as partes não convencionaram o lugar do pagamento: vencido o prazo sem que o credor tenha ido recebê-lo no domicílio do devedor e sem que esse último haja manifestado recusa em efetuar o pagamento, não se pode dizer que tenha havido lesão do direito do primeiro, mas é inegável que, com o vencimento da obrigação, nasceu a pretensão, isso é, o poder, para o credor, de exigir a prestação do devedor. Aqui, bem de ver, o que surgiu foi o interesse de agir, condição exigida para o regular exercício do direito de ação, direito esse inerente à personalidade e, portanto, anterior a qualquer relação jurídica de que possa fazer parte o indivíduo. Sustentar o contrário é dizer que o prazo prescricional só teria início quando o credor procurasse o devedor e esse se recusasse a satisfazer a obrigação (violação do direito) e, se tal não ocorresse, o prazo prescricional poderia jamais ter início, o que, à toda evidência, não se pode admitir. Prescrição: fenômeno subjetivo ou objetivo? – há doutrinadores que sustentam que a prescrição só começa a correr quando o titular do direito tem ciência da sua violação, por uma questão lógica: se o titular não conhece a violação do seu direito por que razão recorreria ao Judiciário para reparar essa lesão? A prescrição seria, assim, um fenômeno subjetivo. Para outros, no entanto, a prescrição tem início com a simples violação do direito subjetivo, independente de ter ou não o seu titular conhecimento do fato, argumentando que se o titular do direito não tem ciência da violação é porque já está “dormindo” antes mesmo que a violação ocorra. Por outro lado, se o objetivo da prescrição é dar fim a essas situações de instabilidade jurídica, “cicatrizando” o tecido social, é melhor que o prazo tenha início com a tão-só violação do direito.

O direito positivo brasileiro não toma partido nessa controvérsia, havendo prazos que têm início com a mera violação do direito e prazos que começam com a ciência da violação pelo titular

Page 79: Parte geral do direito civil à luz do novo código  · Web viewEm determinados países a personalidade inicia-se no momento sagrado da concepção, ... A percepção dos frutos

do direito. Via de regra, os prazos mais curtos começam da ciência do titular; os mais longos, da mera violação.

Prescribente – diz-se daquele em favor do qual a prescrição está correndo, ou seja, o sujeito passivo da relação jurídica de direito material, que tenha por objeto uma prestação.

Renúncia ao benefício da prescrição – a questão reside em se saber se o prescribente pode renunciar à prescrição. De acordo com o mestre, é nula a renúncia prévia à prescrição (ex: se num contrato de locação for inserida uma cláusula dizendo que o locatário autoriza o locador a cobrar os aluguéis a qualquer tempo, tal disposição é natimorta dentro do pacto, porque traduz-se em renúncia prévia à prescrição). A nulidade se justifica porque, não fosse assim, a prescrição seria letra morta no Código, já que o credor utilizar-se-ia de sua natural ascendência econômica sobre o devedor para sempre impor-lhe uma cláusula dessa natureza. Por outro lado, nada impede que o prescribente renuncie ao benefício da prescrição após a mesma haver ocorrido, sendo mesmo recomendável, de acordo com a moral e os bons costumes.

É possível a renúncia à prescrição em pleno curso do prazo prescricional pelo devedor? Por exemplo: o locatário deixou de pagar os aluguéis há dois anos. Pode renunciar à prescrição?Sim, mas apenas ao prazo que já correu, ou seja, os dois anos. Não poderia o devedor renunciar completamente à prescrição, porque ainda faltaria um ano para que a mesma se consumasse. Seria necessário, para tanto, que o devedor praticasse um ato que importasse interrupção da prescrição, para que ela começasse a correr desde o início, como, v.g., uma carta por ele enviada ao credor escusando-se pela situação de inadimplência, mas reconhecendo a procedência do crédito e comprometendo-se a saldá-lo em data próxima. Esse ato seria hábil a interromper a prescrição, fazendo com que o prazo reiniciasse a correr, nos termos do NCC 202 VI e p.ún.

Reconhecimento ex officio da prescrição – A renúncia pode ser expressa (ex: o devedor, após consumada a prescrição, dirige-se ao credor e lhe entrega o bem da vida) ou tácita (ex: o credor ajuíza ação de cobrança após prescrita a sua pretensão e o devedor limita-se a discutir o quantum debeatur, silenciando quanto à prescrição). É por essa razão que o magistrado não pode reconhecer de ofício a prescrição, pois, do contrário, o juiz estaria subtraindo do réu a faculdade de renunciar à mesma. Entretanto, há exceção expressa na lei à essa regra, quando se tratar de interesse de pessoa absolutamente incapaz (NCC 194). Os relativamente incapazes e as pessoas jurídicas cujos assistentes ou representantes legais não arguam a prescrição terão ação regressiva contra os mesmos para haverem os prejuízo que dessa omissão se originarem (NCC 195).

Há antinomia entre os arts. 191 e 193 do NCC? Em outras palavras, pode a prescrição ser alegada pelo devedor, por exemplo, em recurso de apelação, quando a mesma não haja sido alegada na contestação, com base no NCC 193, ou a ausência de alegação da prescrição quando da contestação importa a renúncia tácita a que alude o NCC 191?A nosso ver não há antinomia entre os dispositivos. É que o NCC 191, ao cuidar da renúncia tácita, dispõe que tácita é a renúncia quando se presume de fatos do interessado, incompatíveis com a prescrição. Seria o caso, portanto, de o devedor, citado em ação de cobrança, contestar apenas o quantum debeatur, nada alegando quanto à prescrição, hipótese em que ter-se-á a mesma por renunciada tacitamente. Já o NCC 193 cuida de hipótese diversa, ao dizer que a prescrição pode ser alegada em qualquer grau de jurisdição, pela parte a quem aproveita. Seria o caso, por exemplo, de o réu revel comparecer ao processo em fase de recurso para alegar a prescrição, ou, ainda, a possibilidade de um terceiro interessado (por exemplo, o fiador) ingressar no feito alegando a prescrição, já em grau de recurso. Em relação à questão posta, não nos parece (como faz crer o NCC 193) que o réu que não alegou a prescrição em sua contestação o possa fazer em grau de

Page 80: Parte geral do direito civil à luz do novo código  · Web viewEm determinados países a personalidade inicia-se no momento sagrado da concepção, ... A percepção dos frutos

apelação: não porque a matéria estaria preclusa pois a prescrição, como é cediço, não preclui; mas sim porque teria havido renúncia tácita a prescrição quando o réu deixou de alegá-la no tempo oportuno e, ao contrário, praticou fato incompatível com a mesma, ao apenas confutar o valor pretendido pelo autor.

Frise-se, por oportuno, que o termo “parte” utilizado no NCC 193 não tem a mesma acepção que lhe é dada pelo direito processual civil. “Parte” para fins de aplicação do NCC 193 é todo aquele que tenha interesse jurídico no reconhecimento da prescrição.

Renúncia em prejuízo de terceiro – em qualquer caso, não se admite a renúncia à prescrição quando o prescribente a manifestar em prejuízo de direito de terceiro. Exemplo: João é credor de José da quantia de R$ 10 mil, estando a pretensão prescrita. O patrimônio de José é de R$ 15 mil. Em uma outra obrigação, independente, Pedro é credor de José da quantia de R$ 12 mil. João ajuíza ação de cobrança em face de José cobrando os R$ 10 mil e José, renunciando à prescrição, paga o valor do débito. Neste caso, poderá Pedro ajuizar ação pauliana em face de ambos, para ver anulada a renúncia à prescrição no montante que faltar para a satisfação de seu crédito em face de José, ou seja, R$ 7 mil.

Legitimidade para argüir a prescrição – pode argüir a prescrição, a rigor, quem quer que a prescrição favoreça. É dizer: pode argüir a prescrição quem tenha interesse jurídico (e não apenas econômico) no seu reconhecimento. Há interessados diretos e indiretos na prescrição. É exemplo de interessado direito, obviamente, o devedor principal, mas também os seus herdeiros (se falecido), o fiador, o avalista, o co-devedor de uma obrigação indivisível ou de uma obrigação solidária etc. No exemplo do item anterior Pedro é interessado indireto, podendo argüir em favor de José a prescrição na ação ajuizada por João, em vez de propor ação pauliana para anular a renúncia de José à prescrição. Em termos genéricos, o credor está legitimado para argüir a prescrição da pretensão de outro credor contra o devedor comum em vias de insolvência. Um outro exemplo de interessado indireto: Caio ingressa com ação reivindicatória em desfavor de Tício, alegando ser o dono do imóvel que Tício adquiriu de Mévio. Mévio, vendedor, é interessado indireto legitimado para argüir a prescrição da pretensão de Caio, evitando a evicção e livrando-se, assim, de eventual ação de regresso por parte de Tício. Finalmente: imaginemos um fideicomisso em que o bem já se encontre na posse do fiduciário. Um terceiro move uma ação em face do fiduciário para anular a constituição do fideicomisso, mas a pretensão do autor já está prescrita. O fideicomissário pode, na qualidade de interessado indireto, ingressar nesta ação para argüir a prescrição.

Convenção das partes acerca dos prazos prescricionais – não são válidas tanto a instituição como a alteração de prazos prescricionais pelas partes num negócio jurídico, uma vez que tais prazos somente podem estar previstos em lei (NCC 192).

Morte das partes e curso do prazo prescricional – a morte do credor ou do devedor não influi no curso do prazo prescricional, que continua a correr em relação aos seus sucessores (NCC 196).

Tempo da argüição da prescrição – NCC 193 – há quem entenda que o réu somente pode alegar a prescrição quando de sua contestação ou, no caso de execução por título extrajudicial, quando dos embargos à execução. Se não o fizer nestas oportunidades estará preclusa a oportunidade para deduzir a alegação de prescrição. De acordo com o mestre, esse entendimento é equivocado. Numa exceção à regra de o processo é um “caminhar para frente”, a prescrição pode ser alegada em qualquer grau de jurisdição (ex.: o réu pode alegar a prescrição na audiência de instrução e julgamento, sem que a tenha argüido quando de sua contestação; ou na apelação). Essa possibilidade se justifica pelo fato da prescrição interessar a toda a sociedade, sendo matéria de ordem pública e, como tal, imune à preclusão. O limite para essa argüição seria o trânsito em

Page 81: Parte geral do direito civil à luz do novo código  · Web viewEm determinados países a personalidade inicia-se no momento sagrado da concepção, ... A percepção dos frutos

julgado da sentença, não se admitindo que o réu argua a prescrição em fase de execução da sentença, muito menos em ação rescisória.

Recurso especial – em que pese a redação do NCC 193, o STJ não admite recurso especial versando sobre prescrição sem que tenha havido alegação e decisão sobre a mesma no tribunal a quo. Não se trata de preclusão pela ausência de argüição, mas sim do requisito de admissibilidade do recurso denominado prequestionamento.

Prescrição intercorrente – é aquela havida no curso do processo em virtude da inércia do autor.

Preliminar x mérito – é matéria de mérito e não de preliminar, ex vi do CPC 269 IV. A inclusão feita pelo legislador da prescrição como matéria de mérito tem como razão de ser: é que o seu pronunciamento fará coisa julgada material, impedindo que o autor ingresse novamente em Juízo.

Prazos de prescrição – os prazos de prescrição estão todos elencados na lei e não podem ser alterados pela vontade das partes. Houve uma salutar mudança com o NCC acerca dos prazos prescricionais. É que no código revogado o art. 178 enumerava uma série de prazos extintivos sem distinguir quais eram de prescrição e quais eram de decadência, sendo certo que, embora dissesse “prescreve em:...”, a maioria dos prazos ali elencados era de decadência. O NCC elenca os prazos de prescrição nos arts 205 e 206 (e todos os prazos neles contidos são, efetivamente, de prescrição).

Os prazos prescricionais podem ser ordinários ou extraordinários. Quando a lei não estabelece um prazo prescricional específico para uma determinada relação jurídica, diz-se que a mesma é regida por um prazo prescricional ordinário (comum); estabelecendo um prazo especial para a exigibilidade de uma determinada prestação, tem-se um prazo prescricional extraordinário.

No código revogado os prazos ordinários de prescrição eram de 20 anos para as ações pessoais, e 10 anos entre presentes e 15 anos entre ausentes, para as ações reais. Consideravam-se presentes as partes que residiam no mesmo Município. Havia, assim, três prazos ordinários no código revogado. Esse sistema gerava graves controvérsias quanto à contagem do prazo, por exemplo, quando o curso do prazo prescricional tinha início com as partes presentes mais depois continuava com uma das partes ausente.

Tudo isso mudou no NCC, uma vez que há apenas um prazo prescricional ordinário, de 10 anos, nos termos do art. 205. A unificação dos prazos de 20 e 15 anos em apenas 10 anos encontra justificativa, segundo a análise do mestre, na evolução da sociedade desde a época do Código Beviláqua. Com o aumento do nível cultural da população e a velocidade de circulação das informações não se justifica, no entender do mestre, a manutenção de um prazo prescricional de 20 ou 15 anos.

Já os prazos extraordinários se encontram elencados no art. 206, apresentando, em alguns casos, reduções drásticas em relação ao prazo contido no código revogado (ex: a reparação civil caiu de 20 anos para 3 anos; a cobrança de prestação alimentícia de 5 anos passou para 2 anos etc).

23/12/03

Prescrição da exceção – NCC 190 – este artigo, sem correspondente no código revogado, veio para dar termo a uma antiga controvérsia doutrinária. Na redação deste dispositivo, a exceção prescreve no mesmo em que a pretensão. A exceção, como sabido, é uma espécie do gênero defesa e representa uma resistência do réu à pretensão deduzida em Juízo pelo autor. As exceções podem ser substanciais (materiais) ou processuais (formais). Substanciais são, por exemplo, as exceções de pagamento (quando o réu, acionado pelo credor, comprova já haver pago a dívida), compensação (o réu, reconhecendo o crédito do autor, aduz haver um crédito insatisfeito em favor dele réu para com o autor, e requer a compensação dos créditos), novação (quando o réu alega que a obrigação

Page 82: Parte geral do direito civil à luz do novo código  · Web viewEm determinados países a personalidade inicia-se no momento sagrado da concepção, ... A percepção dos frutos

vindicada pelo autor já não mais existe, pois deu lugar a uma outra obrigação) e prescrição aquisitiva (muito usada nas ações possessórias, é aquela através da qual o réu alega em seu favor ter adquirido o domínio do bem pela usucapião). Já as exceções processuais são aquelas disciplinadas no CPC e dizem respeito a vícios do processo (incompetência relativa, impedimento e suspeição).

Evidentemente, o NCC 190 refere-se às exceções substanciais. Assim, se o réu quiser opor ao credor, por exemplo, uma exceção de compensação, o sucesso dessa defesa dependerá, necessariamente da verificação de haver ou não transcorrido o curso do prazo prescricional dessa pretensão de compensar, que prescreve no mesmo prazo que prescreve a pretensão de cobrança. Desta forma, as exceções substancias só terão sucesso se elas também já não houverem sido alcançadas pela prescrição, que se dará no mesmo prazo da prescrição da pretensão autoral.

Com o advento do NCC 190 restou suplantado um princípio debitado ao engenho dos Glosadores e repetido, dentre outros, pelo mestre Miguel Maria de Serpa Lopes: temporalia ad agendum, perpetua ad excipiendum, ou seja, embora prescrita a “ação”, a exceção seria perpétua. Sustentava o mestre que há dois tipos de exceção: as que existem por si mesmas e as fundadas num determinado direito. Nas da primeira categoria, não se trata de fazer valer um direito efetivo, mas tão-só de garantir uma dada posição jurídica contra o ataque injusto de outrem; nas de segunda categoria, ao contrário, não se cuida da manutenção de uma situação jurídica, senão de fazer valer um determinado direito. (...)

Por conseguinte, as exceções são imprescritíveis quando excepcionar signifique um fazer valer razões que podiam e teriam devido já ser feitas valer por via de ação. A exatidão da regra é, pois, incontestável quando ao excipiente não era possível intentar qualquer ação, e nem se lhe imputar por isso negligência, por competir somente ao adversário promovê-la ou não. Se, entretanto, a parte tiver o concomitante direito à ação e à exceção, e idêntico for o conteúdo de ambas, a exceção prescreve com a ação (in “Curso de Direito Civil”, 8.ª ed., vol I, págs. 568/569).

Entretanto, como o NCC 190 não fez qualquer ressalva, mas apenas aludiu genericamente a “exceção”, não cabe mais, à luz do direito positivo, perquirir quanto à aplicação da antiga parêmia.

Causas preclusivas – as causas preclusivas são um fator neutralizante da prescrição, influindo na contagem do prazo prescricional. O prazo de prescrição nem sempre corre de modo uniforme, podendo sofrer interrupção, suspensão, ou mesmo ter seu início obstado. As causas preclusivas podem ser de três espécies diferentes:

a) causas impeditivas: embora surgida a actio nata, a presença de uma causa impeditiva obsta o início do decurso do prazo. Assim, o prazo prescricional pode ficar 5, 10, 20 anos etc. sem que tenha início, dependendo da presença de uma das chamadas causas impeditivas. Por exemplo: o marido violou um direito subjetivo de sua esposa durante o matrimônio. Enquanto estiverem casados, não terá início o curso do prazo prescricional. Da mesma forma, se um direito subjetivo de uma pessoa absolutamente incapaz é violado, não começa a correr a prescrição enquanto perdurar a incapacidade absoluta;

b) causas suspensivas: distinguem-se das causas impeditivas na medida em que alcançam o prazo prescricional que já teve início, fazendo com que o prazo pare de correr, ou seja, fique suspenso. Desaparecendo a causa suspensiva, o prazo prescricional recomeça a correr do ponto em que se encontrava. Assim, por exemplo, se um prazo prescricional de 3 anos teve o seu curso suspenso após decorridos 2 anos, e a causa suspensiva perdura por 10 anos, com o desaparecimento da causa suspensiva o prazo volta a correr por mais um ano (ex: o titular do direito foi transferido para o exterior a serviço do país, lá permanecendo por 10 anos);

c) causas interruptivas: a exemplo das causas suspensivas, tam bem alcançam o prazo prescricional que já teve início, distinguindo-se daquelas na medida em que as causas interruptivas não paralisam o curso do prazo prescricional, mas extingue o prazo que já correu. A causa interruptiva faz com que o prazo prescricional volte ao zero, mas recomeça a correr assim que a causa se verifica (ex: após decorridos dois anos do curso do prazo

Page 83: Parte geral do direito civil à luz do novo código  · Web viewEm determinados países a personalidade inicia-se no momento sagrado da concepção, ... A percepção dos frutos

prescricional o credor promove um protesto judicial. No dia da notificação do protesto, apagam-se os dois anos que já haviam transcorrido, voltando o prazo prescricional a correr do início).

Causas impeditivas e suspensivas – NCC 197/199 – muitos operadores do direito estranham a rubrica desta seção (das causas que impedem ou suspendem a prescrição), sendo levados a crer que não há distinção entre causas impeditivas e suspensivas, por não ter havido separação das mesmas no texto da lei. No entanto, é uma falsa percepção da realidade. É que as causas elencadas entre os artigos 197 e 199 tanto podem ser impeditivas como suspensivas, dependendo do momento em que ocorram. Se a causa já está presente quando a violação do direito a uma prestação ocorre, tal causa será impeditiva, ou seja, violado o direito, a prescrição não começa a correr (Exemplos: a) o marido aluga mediante procuração, um imóvel exclusivo da esposa sem lhe repassar o valor dos alugueres, isso na constância do casamento pelo regime da separação absoluta. Nesse caso, o matrimônio será uma causa impeditiva do curso do prazo prescricional; b) situação diversa é a da mulher que, após promover o despejo de seu inquilino com ele vem a se casar, pois nesse caso o matrimônio será uma causa suspensiva do curso do prazo prescricional que já estava correndo desde o momento que o locatário deixou de pagar o aluguel; c) quando José violou um direito subjetivo de João este já era absolutamente incapaz. Nesse caso a incapacidade absoluta é causa impeditiva da prescrição; d) mas se quando José violou o direito subjetivo de João este não era incapaz, mas veio a enlouquecer 1 ano após a actio nata, a incapacidade absoluta, neste caso, será causa suspensiva, valendo o tempo em que a prescrição correu enquanto João era plenamente capaz).

É por essa razão que o Código não diz quais causas são impeditivas e quais são suspensivas, apenas enumera algumas causas que, dependendo do momento em que ocorram, poderão ser impeditivas ou suspensivas.

O poder familiar é uma causa suspensiva ou impeditiva do curso do prazo prescricional? E a transferência do indivíduo para o exterior a serviço de seu país?Depende. Se o poder familiar decorre de relação consangüínea (filiação natural) o poder familiar é causa impeditiva; se decorre de adoção e a violação já havia se operado, será causa suspensiva. Se o sujeito já se encontrava no exterior quando o seu direito foi violado a causa será impeditiva; se a violação se deu antes de sua ida, esta será causa suspensiva.

NCC 197 – passemos à análise dos incisos deste artigo, examinando a ratio essendi dos mesmos:I – evidentemente que entre cônjuges, na constância da sociedade conjugal, não deve correr

a prescrição. O legislador procurou aqui proteger a instituição “sociedade conjugal”, de modo que um cônjuge não se veja compelido a ajuizar uma ação em face do outro para evitar a perda de sua pretensão. Ressalte-se que o legislador aludiu à sociedade conjugal e não ao matrimônio, encerrando uma controvérsia doutrinária que girava em torno do seguinte questionamento: a prescrição inicia-se (ou continua) a correr a partir da separação judicial? O código revogado dizia que a prescrição não corria na constância do matrimônio. Como a separação não extingue o matrimônio, alguns diziam que a separação não tinha o condão de fazer correr a prescrição. Como o NCC fala em sociedade conjugal, a separação, no novo sistema, afasta a incidência deste inciso, fazendo voltar a correr a prescrição. União estável: conquanto silente o Código, na opinião do mestre não corre a prescrição entre os companheiros no curso da união estável, uma vez que a lei manda ser dispensada à união estável a mesma proteção dada ao casamento;

II – igualmente não corre a prescrição entre ascendentes e descendentes, durante o poder familiar, visando a proteção das relações entre ascendentes e descendentes. Observe-se que o legislador, acertadamente, não se referiu a “pais e filhos”. Isso quer dizer que se o poder familiar for exercido pelo avô do menor, correrá a prescrição quando o pai houver deixado, e.g., de pagar os alimentos devidos ao filho menor relativamente incapaz (a prescrição não corre em desfavor do

Page 84: Parte geral do direito civil à luz do novo código  · Web viewEm determinados países a personalidade inicia-se no momento sagrado da concepção, ... A percepção dos frutos

absolutamente incapaz, o que nos faz concluir que este inciso só pode referir-se aos descendentes relativamente incapazes);

III – a lógica de não correr a prescrição entre tutores (ou curadores) e pupilos (ou curatelados) é a mesma do inciso anterior.

NCC 198. Também não corre a prescrição:I – contra os absolutamente incapazes não corre a prescrição, por razões óbvias;II – contra os ausentes do País a serviço de algum Ente Federativo. Se o indivíduo está

servindo ao seu País no exterior haverá grande dificuldade em ajuizar uma ação para a defesa de sua pretensão. Discute-se se essa regra se aplica quando o sujeito estiver a serviço de autarquia, fundação, empresa pública ou sociedade de economia mista, havendo duas orientações sobre o tema. (1.ª corrente) como a regra é excepcional deve ser interpretada restritivamente, somente se aplicando aos servidores dos próprios Entes da Federação, a Administração Direta; (2.ª corrente) predomina o entendimento ― acertadamente, na opinião do mestre ― segundo o qual a regra deve estender-se a todos aqueles que desenvolvem tarefas de interesse público, mesmo que a serviço de pessoas jurídicas de direito privado integrantes da Administração Indireta;

III – contra aqueles que se encontrem servindo às FFAA, em tempo de guerra, ainda que não saiam do País. O fato objetivo que enseja a suspensão ou impedimento do curso do prazo prescricional é estar a pessoa a serviço das FFAA, não importa onde. Embora omisso o NCC, entende o mestre que também o indivíduo que se encontre a serviço de força expedicionária de paz (v.g. ONU) merece a proteção da regra contida neste inciso.

NCC 199. Não corre igualmente a prescrição:I – pendendo condição suspensiva. O mestre considera este dispositivo desnecessário, eis

que se está pendendo condição suspensiva o direito ainda não é exercitável e, em conseqüência, não poderia sofrer violação. Somente após implementada a condição é que começará a correr a prescrição;

II – pelas mesmas razões acima expostas, não corre a prescrição enquanto não vencido o prazo, porquanto ausente o requisito lesão;

III – pendendo ação de evicção. Enquanto estiver correndo a ação reivindicatória, ajuizada por um terceiro em face do adquirente de um bem, não correrá a prescrição contra o alienante. Somente após o trânsito em julgado da decisão que decreta o perdimento da coisa pelo adquirente em favor do reivindicante é que começará a fluir o prazo de prescrição da pretensão do adquirente em face do alienante.

Não seria melhor ter agrupado essas nove causas impeditivas ou suspensivas da prescrição em um único artigo, em vez de separá-las em três artigos diferentes?Não. De acordo como mestre a divisão obedeceu a razões técnicas. É que os três grupos de causas reunidos em cada um dos três artigos tem origens diferentes e foram agrupadas em razão de suas afinidades. O art. 197 diz respeito a relações entre o prescribente e o credor. O art. 198 relaciona causas que refletem uma impossibilidade fática ou jurídica de defesa do direito violado; Finalmente, o art. 199 estão relacionados três direitos futuros, insuscetíveis de violação.

Causas interruptivas – as causas interruptivas são disciplinadas separadamente das causas impeditivas ou suspensivas porque, seja qual for o momento em que ocorram, terão apenas o efeito de interromper o curso do prazo prescricional. No art. 202 houve uma profunda mudança no sistema da interrupção da prescrição, mudança esta que vem merecendo severas críticas doutrinárias já havendo, inclusive projeto de lei para a mudança desta regra. É que o art. 202 estabelece que a prescrição somente poderá ser interrompida uma única vez.

Page 85: Parte geral do direito civil à luz do novo código  · Web viewEm determinados países a personalidade inicia-se no momento sagrado da concepção, ... A percepção dos frutos

Pois bem. Uma primeira corrente critica a redação do artigo ao argumento de que, da forma como está redigido, ele fragiliza as pretensões (ex: o credor interrompe a prescrição após o decurso de 2 anos do prazo prescricional, que é de 4 anos. Após 3 anos da interrupção o credor sabe que o devedor continua sem bens penhoráveis. Aí de duas uma: ou o credor propõe uma ação inútil, pois sabe que o devedor está insolvente, ou deixa o prazo fluir até que sua pretensão seja fulminada). Outra corrente, a seu turno, aplaudiu a modificação realizada, sustentando que, sendo a ratio do instituto da prescrição dar fim a uma situação antijurídica em aberto, criada pela lesão de um direito subjetivo, quanto mais cedo for fechada essa ferida no tecido social, melhor para o equilíbrio social. Ora, se o titular puder ficar interrompendo indefinidamente a prescrição, a situação odiosa pode perpetuar-se, o que vai contra o espírito norteador do instituto.Observação: A prevalecer como está a redação do art. 202, pode-se vislumbrar uma situação esdrúxula: interrompida a prescrição pelo protesto cambiário do título de crédito, e não pagando o devedor o seu débito, não haveria interrupção da prescrição quando do ajuizamento da sua execução judicial, com a citação válida. Essa não é, entretanto, a opinião do mestre. Segundo ele, é possível ao credor, após a interrupção pelo protesto extrajudicial, interromper novamente a prescrição, com o ajuizamento da ação e a citação válida do devedor, dentro do prazo previsto na lei processual. O que lei procurou vedar, ainda de acordo com o professor, foi a interrupção da prescrição por sucessivos protestos extrajudiciais, por exemplo. A nosso ver, com a devida vênia, não parece ter sido esse o espírito da reforma do instituto, não cabendo ao intérprete distinguir onde a lei não o fez.

NCC 202 – a interrupção da prescrição, que somente poderá ocorrer uma vez, dar-se-á:I – por despacho do juiz, mesmo incompetente, que ordenar a citação, se o interessado a

promover no prazo e na forma da lei processual. Registre-se que se a citação não se realizar no prazo estipulado no CPC, mas por causa não imputável ao credor (ex: pela demora do próprio aparelho judiciário), nenhum prejuízo advirá ao credor;

II – por protesto, nas condições do inciso antecedente. Este protesto é o chamado protesto judicial, previsto na lei processual como procedimento especial de jurisdição contenciosa;

III – por protesto cambial. Aqui foi corrigida uma grave omissão do código revogado, que apenas previa a figura do protesto judicial como causa interruptiva da prescrição, no inciso II. Havia duas orientações sobre a matéria. Uma primeira corrente, valendo-se de interpretação literal do inciso II, sustentava que apenas o protesto judicial tinha o condão de interromper a prescrição. Outra corrente, a qual filiava-se o professor Capanema, valendo-se de uma interpretação teleológica do inciso II, sustentava que o protesto extrajudicial também funcionava como causa interruptiva da prescrição. A discussão, com a nova redação dada ao inciso III, restou superada;

IV – pela apresentação do título de crédito em juízo de inventário ou em concurso de credores (falência, concordata ou insolvência civil);

V – qualquer ato judicial que constitua em mora o devedor;VI – por qualquer ato inequívoco, ainda que extrajudicial, que importe reconhecimento do

direito pelo devedor. Embora a interrupção da prescrição interesse ao credor, estabeleceu-se nesse inciso uma hipótese de interrupção da prescrição por ato unilateral do devedor. Há pessoas que, por prurido ético, não se sentem à vontade em serem prevalecidas pela prescrição, daí o fundamento da regra deste inciso. Até aqui nada de mais, não fosse a infeliz dicção do art. 202, que possibilita ao devedor, mediante ato unilateral, interromper a prescrição logo nos primeiros dias do decurso do prazo, sem a possibilidade de nova interrupção pelo credor.

Observação: Na opinião do professor Capanema, embora não dito expressamente pelo art. 202, a vedação de várias interrupções da prescrição diz respeito, isoladamente, a atos do credor e do devedor, ou seja, interrompida a prescrição uma vez pelo devedor, nada impede que o credor, por ato próprio, interrompa novamente o curso da prescrição. O que o art. 202 veda expressamente, na

Page 86: Parte geral do direito civil à luz do novo código  · Web viewEm determinados países a personalidade inicia-se no momento sagrado da concepção, ... A percepção dos frutos

opinião do mestre, é mais de uma interrupção por ato do credor (ex: dois protestos sucessivos) ou mais de uma interrupção por ato do devedor (ex: dois reconhecimentos extrajudiciais).

Código de Defesa do Consumidor – o CDC estabelece um prazo prescricional único de 5 (cinco) anos para qualquer reparação de dano causado por produto ou serviço, mas o NCC, lei posterior, estabelece que a reparação civil prescreve em 3 (três) anos. Embora alguns fornecedores já venham argüindo em seu favor o prazo mais exíguo do NCC, não houve neste particular qualquer influência do NCC sobre o CDC. É que o CDC é um micro-sistema jurídico (a exemplo da lei de locações, do ECA, da lei das S/A etc) e como tal tem convivência harmônica com o NCC. Portanto, se a relação é de consumo o prazo prescricional é aquele estabelecido pelo CDC, pelo princípio da lex speciali derrogat generali.

Capítulo IIDa Decadência

A decadência, a exemplo da prescrição, tem a natureza jurídica de fato jurídico extintivo, também determinada pela inércia do titular de um direito, tendo como fator determinante o tempo. Só que a prescrição incide sobre direitos subjetivos e a decadência é exclusiva dos chamados direitos potestativos. Direito subjetivo, como visto, é o poder de exigir de outrem uma prestação, um bem da vida; direito potestativo é o poder de influir na esfera jurídica de outrem, mediante manifestação unilateral de vontade, criando, modificando ou extinguindo um direito deste (ex: um locador, decorridos 30 meses do contrato de locação residencial tem op poder de despedir o locatário; o condômino tem o direito potestativo de retirar-se a qualquer tempo do condomínio, independente de motivação). Quando a lei ou o contrato estabelecem um prazo para que o titular do direito potestativo o exerça e o titular desse direito potestativo não o exerce no prazo estabelecido ele perde o direito potestativo. Aí está a primeira grande diferença entre a prescrição e a decadência: enquanto a prescrição não “mata” o direito subjetivo, que continua “vivo” (o que se perde é a pretensão), a decadência “mata” o direito potestativo.

Há duas observações a serem feitas acerca dos direitos potestativos, ambas referidas pelo prof. Agnelo Amorim Filho: os direitos potestativos não são suscetíveis de violação e a eles não corresponde qualquer prestação, mas apenas o estado de sujeição para quem os suporta.

Contudo, nem todo direito potestativo sujeita-se à decadência. Há direitos potestativos que podem ser exercidos a qualquer tempo (ex: o direito do condômino de retirar-se do condomínio). Mas quando a lei ou o contrato estabelecem um prazo e o titular não o observa, há a extinção do próprio direito (ex: o consumidor que adquire um bem defeituoso tem um prazo para exercer o seu direito potestativo de redibir o contrato, perdendo esse direito se não o exercer no tempo devido). Então, caso não haja prazo previsto em lei ou em contrato para o exercício do direito potestativo, este direito não se sujeitará à decadência.

Há aqui outra diferença fundamental entre prescrição e decadência: os prazos prescricionais somente podem ser instituídos por lei, enquanto os decadenciais podem ser instituídos tanto em lei como em contrato. É por essa razão que o NCC refere-se a duas espécies de decadência: a decadência legal e a decadência contratual (ou convencional).

Outra diferença entre os institutos é que os prazos de prescrição, em hipótese alguma, podem ser alterados pelas partes. Os prazos decadenciais contratuais , a seu turno, podem ser modificados livremente pelas partes.

É possível a modificação de um prazo decadencial legal pelas partes em um contrato?Há duas orientações sobre o tema. Uma primeira corrente sustenta que não há possibilidade de alteração pelas partes, uma vez que tal mudança faria letra morta do prazo que o legislador julgou

Page 87: Parte geral do direito civil à luz do novo código  · Web viewEm determinados países a personalidade inicia-se no momento sagrado da concepção, ... A percepção dos frutos

razoável à hipótese. Uma segunda corrente, a qual filia-se o mestre, assevera ser possível a modificação, ao argumento de que, enquanto a prescrição é matéria de ordem pública, a decadência, na maioria das vezes, diz respeito a interesse individual.

Modificações da decadência no NCC – a primeira modificação no instituto é o fato de agora haver um capítulo cuidando exclusivamente da decadência. Como é cediço, o código revogado misturava em um único artigo casos de decadência e prescrição. Com o advento do NCC, os prazos prescricionais foram reunidos no art. 205 e 206, enquanto os prazos decadenciais foram espalhados na parte especial do Código.

Dizia-se antigamente que enquanto a prescrição podia ser impedida, suspensa ou interrompida, já a decadência não. Hoje em dia essa afirmação tem de ser feita cum grano salis: pode-se até dizer que é muito comum o impedimento, a suspensão ou a interrupção da prescrição e muito raros em relação à decadência, porque o NCC diz que poderá a lei criar causas de impedimento, suspensão ou interrupção da decadência (art. 207). Já há inclusive exemplo no direito positivo: o CDC criou, no art. 26, duas causas suspensivas da decadência. Mas é preciso que se diga que para haver impedimento, suspensão ou interrupção da decadência é necessária expressa previsão legal, não havendo essa possibilidade em contrato. Apenas a lei pode criar causas preclusivas da decadência.

Tradicionalmente no direito brasileiro ao juiz era vedado reconhecer de ofício a prescrição. Ora, se ao devedor é facultado renunciar à prescrição, não se pode mesmo admitir que o juiz reconheça-a de ofício, substituindo-se na vontade do devedor. Hoje, porém, aduz o NCC 194 que o juiz pode conhecer de ofício a prescrição, quando o prescribente for absolutamente incapaz. Já em relação à decadência, dizia-se que o juiz devia conhecê-la de ofício, pois a decadência importa a morte de um direito não haveria necessidade-utilidade em prosseguir-se com a demanda. Hoje isso mudou. Quando a decadência for legal o juiz poderá reconhecê-la de ofício; mas quando a decadência for convencional é vedado ao magistrado reconhecê-la ex officio (arts. 210 e 211).

Afirmava-se antigamente que a decadência era um instituto muito mais democrático que a prescrição, porque há pessoas imunes à prescrição (ex: os absolutamente incapazes), mas a decadência não poupa ninguém. Por essa razão é que o professor Serpa Lopes dizia que nada há mais democrático que a decadência. Ocorre que essa tradição secular em nosso direito foi rompida no NCC 208, que diz aplicar-se à decadência o disposto no art. 198 I, ou seja, não se sujeitam à decadência os absolutamente incapazes.

Outra novidade vem estampada no art. 209, segundo o qual é nula a renúncia à decadência fixada em lei. A contrario sensu, a decadência convencional comporta renúncia, até porque se o réu não argüir a decadência convencional o juiz não pode reconhecê-la de ofício, o que importaria violação à faculdade que possui o devedor de renunciar à decadência.

QQ UESTÃO DE UESTÃO DE AA LTA LTA RR ELEVÂNCIAELEVÂNCIA – Conflito intertemporal – como é sabido, o NCC reduziu substancialmente os prazos extintivos. A prescrição ordinária das ações pessoais, que era de 20 anos, caiu para 10 e a prescrição ordinária das ações reais, que era de 10 anos entre presentes e 15 anos entre ausentes, caiu para 10 anos em ambos os casos. Vale dizer, o único prazo de prescrição ordinária é de 10 anos. Os prazos extraordinários, salvo raras exceções, também sofreram redução.

Ocorre que muitos prazos de prescrição e decadência já se encontravam em curso quando o NCC entrou em vigor, surgindo daí uma óbvia indagação: Esses prazos que estavam em curso quando o NCC entrou em vigor continuarão correndo regidos pelo código antigo, sob cujo império se iniciaram, ou submeter-se-ão ao regime do NCC? O art. 2028 dá solução parcial ao problema, seguindo orientação de Gabba, Clóvis e Câmara Leal, ao afirmar que serão os da lei anterior os prazos, quando reduzidos por este Código, e se, na data de sua entrada em vigor, já houver transcorrido mais da metade do tempo estabelecido na lei revogada.

Page 88: Parte geral do direito civil à luz do novo código  · Web viewEm determinados países a personalidade inicia-se no momento sagrado da concepção, ... A percepção dos frutos

Mas e em relação aos prazos reduzidos pelo NCC que, na data de sua entrada em vigor, fluíram menos que a metade? Diante do silêncio da lei, duas orientações já surgiram na doutrina: (1.ª corrente) Segundo o prof. Carpenter, nessa hipótese soma-se o tempo estipulado na lei nova com o que resta daquele estipulado na lei antiga (por exemplo: se o sujeito foi atropelado há 8 anos, como o NCC estipulou o prazo prescricional de 3 anos, a vítima teria, pela soma, 15 anos de prazo prescricional (3 da lei nova + 12 restantes); (2.ª corrente) A doutrina vem se consolidando em torno da solução adotada por Gabba, Clóvis e Câmara Leal: neste caso aplica-se integralmente o prazo do Código novo desde a sua entrada em vigor, ou seja, a partir de 11 de janeiro de 2003 (segundo a orientação predominante). Em outras palavras, ao prazo que já correra, somar-se-á o prazo da lei nova. Assim, por exemplo: no dia 11/01/03 fazia 4 anos que João havia sido atropelado. Segundo a lei revogada, o prazo prescricional para a reparação desse dano era de 20 anos. De acordo com a lei nova esse prazo é de 3 anos. Ora, como na data da entrada em vigor do NCC não havia transcorrido mais da metade do prazo da lei revogada, João terá o prazo integral de 3 anos, a partir de 11/01/03, para deduzir em Juízo a sua pretensão, sob pena de vê-la fulminada pela prescrição.

Essa é uma solução justa, no dizer do mestre, pois propicia uma aplicação imediata e geral do NCC, além de não prejudicar o titular do direito, pois, na pior das hipóteses, ele disporá de 1 ano (art. 206 §1.º) para ajuizar sua ação, desde a entrada em vigor do Código. Ninguém poderá dizer que ficou impedido de ajuizar sua ação porque surpreendido pelo advento do NCC.

QQ UESTÃO DE UESTÃO DE AA LTA LTA RR ELEVÂNCIAELEVÂNCIA – Conflito intertemporal em matéria de usucapião – o NCC também reduziu os prazos da chamada “prescrição aquisitiva”. A usucapião extraordinária na lei revogada (art. 550) se dava em 20 anos, pelo NCC o prazo é de 15 (independente de justo título e boa-fé) ou 10 anos (se estabelecida moradia habitual, ou realizadas obras ou serviços de caráter produtivo no imóvel), de acordo com o art. 1.238. Hipótese 1: imagine-se que na data de entrada em vigor do NCC havia 12 anos da prática de um esbulho, tendo o invasor estabelecido no imóvel sua residência. Ora, pela lei revogada este esbulhador precisaria de 20 anos para adquirir o domínio do bem pela usucapião, mas com o advento do NCC esse prazo caiu para 10 anos. Seria um absurdo admitir que o esbulhador, no dia 11/01/03 ajuizasse uma ação de usucapião e adquirisse a propriedade do bem, com base no novo art. 1.238, p.ún., surpreendendo o então proprietário do bem. Hipótese 2: de acordo com o NCC 1.242, p.ún., será de 5 (cinco) anos o prazo previsto neste artigo se o imóvel houver sido adquirido, onerosamente, com base no registro constante do respectivo cartório, cancelada posteriormente, desde que os possuidores nele tiverem estabelecido sua moradia ou realizado investimentos de interesse social e econômico. Felizmente, para ambas as hipóteses o NCC 2.029 deu uma boa solução: quando da entrada em vigor do NCC, qualquer que seja o tempo transcorrido sob a égide da lei revogada, acrescenta-se dois anos aos prazos previstos nos p.ún. dos arts. 1.238 e 1.242.

Quanto às hipóteses não abrangidas pela incidência do NCC 2.029, o mestre se absteve de tecer comentários, por não haver ainda firmado seu convencimento acerca do tema. Assim foi encerrado o curso.