parlamento sociedade - principal

124
PARLAMENTO SOCIEDADE REVISTA ESCOLA DO PARLAMENTO CÂMARA MUNICIPAL DE SÃO PAULO ISSN 2318-4248 v.2 n.2 janeiro/junho 2014

Upload: others

Post on 31-Dec-2021

2 views

Category:

Documents


0 download

TRANSCRIPT

Page 1: PARLAMENTO SOCIEDADE - Principal

REV

ISTA PA

RLA

MEN

TO

SO

CIED

AD

E

PARLAMENTO

SOCIEDADE

REVISTA

ESCOLA DO PARLAMENTO

CÂMARA MUNICIPAL DE SÃO PAULO

ISSN 2318-4248

v.2 n.2 janeiro/junho 2014

v.2 n.2

janeiro/junho 2014

12717Capa.indd 1 26/09/14 11:11

Page 2: PARLAMENTO SOCIEDADE - Principal

Mesa

PresidenteJosé Américo (PT)

1º Vice-PresidenteMarta Costa (PSD)

2º Vice-PresidenteGeorge Hato (PMDB)

1º SecretárioClaudinho de Souza (PSDB)

2º SecretárioConte Lopes (PTB)

1º SuplenteGilson Barreto (PSDB)

2º Suplente Dalton Silvano (PV)

16ª Legislatura (2014)

Vereadores

16ª Legislatura (2014)

Abou Anni (PV) Adilson Amadeu (PTB)Alfredinho (PT)Andrea Matarazzo (PSDB)Ari Friedenbach (PROS)Arselino Tatto (PT)Atílio Francisco (PRB)Aurélio Miguel (PR)Aurélio Nomura (PSDB)Calvo (PMDB)Claudinho de Souza (PSDB)Conte Lopes (PTB)Coronel Camilo (PSD)Coronel Telhada (PSDB)Dalton Silvano (PV)David Soares (PSD)Donato (PT)Edir Sales (PSD)Eduardo Tuma (PSDB)Eliseu Gabriel (PSB) Floriano Pesaro (PSDB)George Hato (PMDB)Gilson Barreto (PSDB)Goulart (PSD)Jair Tatto (PT)Jean Madeira (PRB)José Américo (PT)José Police Neto (PSD)Juliana Cardoso (PT)Laércio Benko (PHS)Marco Aurélio Cunha (PSD)

Mario Covas Neto (PSDB)Marquito (PTB)Marta Costa (PSD)Milton Leite (Democratas)Nabil Bonduki (PT)Natalini (PV)Nelo Rodolfo (PMDB)Netinho de Paula (PC do B)Noemi Nonato (PROS)Ota (PROS)Pastor Edemilson Chaves (PP)Patrícia Bezerra (PSDB)Paulo Fiorilo (PT)Paulo Frange (PTB)Reis (PT)Ricardo Nunes (PMDB)Ricardo Young (PPS)Roberto Tripoli (PV)Sandra Tadeu (Democratas)Senival Moura (PT)Souza Santos (PSD)Toninho Paiva (PR)Toninho Vespoli (PSOL)Vavá (PT)

LicenciadosAntonio Carlos Rodrigues (PR)Celso Jatene (PTB) Ricardo Teixeira (PV)

12717Capa.indd 2 26/09/14 11:11

Page 3: PARLAMENTO SOCIEDADE - Principal

PARLAMENTO

SOCIEDADE

REVISTA

12717Miolo.indd 1 18/9/2014 20:50:39

Page 4: PARLAMENTO SOCIEDADE - Principal

12717Miolo.indd 2 18/9/2014 20:50:39

Page 5: PARLAMENTO SOCIEDADE - Principal

Rev. Parlamento & Sociedade São Paulo v. 2 n. 2 p. 1-120 jan./jun. 2014

v. 2 n. 2 janeiro/junho 2014

São Paulo

ISSN 2318-4248

PARLAMENTO

SOCIEDADE

REVISTA

12717Miolo.indd 3 18/9/2014 20:50:41

Page 6: PARLAMENTO SOCIEDADE - Principal

A REVISTA PARLAMENTO SOCIEDADE é uma publicação semestral da Escola do Parlamento da Câmara Municipal de São PauloSolicita-se permutae-mail: [email protected]ão eletrônica: www.camara.sp.gov.br

ExpedienteEditor geral: Eros Belletato

Editor científico: Leonardo Barbagallo

Editor executivo: Alexandre Augusto Liceski da Fonseca

Conselho editorial: Eros Belletato, Alexandre Augusto Liceski da Fonseca, Antonio Rodrigues de Freitas Jr., Carlos Alexandre Leite Nascimento, Emerson Rildo Araújo de Carvalho, Karina Florido Rodrigues, Leonardo Barbagallo, Milton Bellintani

Comitê Científico: Ademir Alves da Silva (PUC SP – Departamento de Serviço Social), Carla Reis Longhi (PUC SP – Departamento de História), Cristina Fróes de Borja Reis (FGV – EESP), Edmar Tetsuo Yuta (FACAMP – Departamento de Ciências Humanas), Enio Passiani (FACAMP – Departamento de Ciências Humanas), Fernanda Graziella Cardoso (UFABC – Centro de Engenharia, Modelagem e Ciências Sociais Aplicadas), Fernando de Souza Coelho (USP – EACH), Flávia Mori Sarti (USP – EACH), Marcel Mendes (Mackenzie – Vice-Reitor), Maria Lúcia Martinelli (PUC SP – Departamento de Serviço Social), Maria Lúcia Refinetti R. Martins (USP – Faculdade de Arquitetura e Urbanismo); parecerista ad hoc: Antonio Rodrigues de Freitas Jr. (USP – Departamento do Trabalho e Seguridade Social)

Equipe técnica: Luciano Freitas

Fotografia da capa: Palácio Anchieta, sede da Câmara Municipal (Acervo Iconográfico - CCI.1)

Revisão: Alexandre Augusto Liceski da Fonseca

Projeto gráfico: Fernanda Buccelli

Diagramação: Fatima Regina S. Lima

Editoração, CTP, impressão e acabamento: Imprensa Oficial do Estado de São Paulo

Tiragem: 2 mil exemplares

Ficha catalográfica elaborada pela Equipe de Biblioteca da CMSP – SGP. 32

Revista Parlamento & Sociedade / Câmara Municipal de São Paulo. - Vol. 2, n. 2 - (2014). - São Paulo : CMSP, 2013-

Semestral Continuação parcial de: Revista do Parlamento Paulistano (Artigos) ISSN 2318-4248

1. Administração Pública - Periódicos 2. Poder Legislativo – Periódicos 3. Políticas Públicas – Periódicos I. Câmara Municipal de São Paulo.

CDU 35(05)

Todo o conteúdo deste periódico, exceto onde está identificado, está licenciado sob uma licença Creative Commons Atribuição-Uso Não-Comercial 3.0 Unported (CC-BY-NC 3.0)

Secretaria e RedaçãoEscola do ParlamentoCâmara Municipal de São PauloPalácio Anchieta - Viaduto Jacareí, 10013º andar, sala 1302A São Paulo - São Paulo - CEP 01319-900

12717Miolo.indd 4 18/9/2014 20:50:41

Page 7: PARLAMENTO SOCIEDADE - Principal

Apresentação

José Américo

Presidente da Câmara Municipal de São Paulo

É com entusiasmo que apresento este segundo volume da revista REVISTA

PARLAMENTO SOCIEDADE.

O Brasil tem muito a avançar ainda no sentido de equipar o poder público com a racionalidade necessária para transformar o aparato do Estado em algo que sirva de maneira eficiente e eficaz à sociedade.

Os estudos e análises que se realizam no sentido de destrinchar os meca-nismos e equipamentos públicos existentes, entre eles o Poder Legislativo, são um apoio importante – eu diria até mesmo imprescindível – a este avanço necessá-rio que se quer empreender. Vejo a revista REVISTA PARLAMENTO SOCIEDADE. como uma iniciativa nessa direção.

Espero que os leitores, após tomarem conhecimento do seu conteúdo, con-cordem com tal visão.

12717Miolo.indd 5 18/9/2014 20:50:41

Page 8: PARLAMENTO SOCIEDADE - Principal

12717Miolo.indd 6 18/9/2014 20:50:41

Page 9: PARLAMENTO SOCIEDADE - Principal

Sumário

9 Editorial

ARTIGOS

11 As Câmaras Municipais nos estudos legislativos

Jorge Barcellos

45 Racionalidade técnica no processo legislativo

Allan Rodrigues Dias Edinei Arakaki Guskuma Fernanda Paula de Carvalho Motta Juliana Trufino Monica Lilia Vigna Silva Grippo Roberto Tadeu Noritomi Simone Fantucci

79 Crise do Direito: fim do Estado?

Emerson Marcelo da Silva Marco Antonio Lima

99 Educação do Campo e formação continuada docente: ferramentas para identidades em construção

Cláudio Barbosa Ventura

12717Miolo.indd 7 18/9/2014 20:50:41

Page 10: PARLAMENTO SOCIEDADE - Principal

12717Miolo.indd 8 18/9/2014 20:50:41

Page 11: PARLAMENTO SOCIEDADE - Principal

Editorial

O segundo número da REVISTA PARLAMENTO SOCIEDADE vem agora à luz! Para os gregos da Antiguidade, bem como para a tradição cristã, a luz é o momento da verdade, o momento em que a verdade torna-se conhecida.

Portanto, a primeira verdade é que a realidade precisa ser iluminada para ser apreendida em sua verdade. A verdade, por seu lado, é necessária à vida, pois, para que a empreitada da vida atinja sucesso, perenizando a vida, conhecer a verdade é intrinsecamente necessário.

Dentre as várias formas que a luz assumiu na civilização ocidental, uma delas é representada pelo conhecimento atingido ou produzido mediante a re-corrência à observação sistemática e à experimentação, fundado na razão e na argumentação. Este tipo de conhecimento, que passou a ser denominado de co-nhecimento científico.

Inicialmente voltado à apreensão da verdade dos eventos e acontecimen-tos naturais, o conhecimento científico vai, pari passu à modernidade, confun-dindo-se com ela. Por isso mesmo, e talvez equivocadamente, entende-se que a modernidade é a superação das trevas que são atribuídas à Idade Média. Mo-dernidade, por conseguinte, passou a ser um sinônimo de luz em oposição às trevas. Outras formas de conhecimento passaram, a partir daí, a uma posição de segunda ordem, perdendo a hegemonia que lhes garantiu destaque em momen-tos históricos pregressos.

De fato, modernidade equivale, na compreensão da maioria de todos nós, à ideia de que para o homem nada será desconhecido para sempre. Há, aqui, a crença na nossa infinita capacidade de desvelar e conhecer a verdade, mediante a luz que advém da razão e da prática científica.

Mas, à luz do conhecimento alcançado e que passa a impregnar a vida de todos nós de tempos em tempos, as tendências obscurantistas reaparecem, como se uma nova Idade Média estivesse sendo gestada, pois no seio do próprio co-nhecimento racional e científico se repõem tendências irracionalistas, como que a confundir aquilo que a luz nos mostrou: a verdade.

Assim, por este preâmbulo abrimos o segundo número da REVISTA PAR-

LAMENTO SOCIEDADE convidando a leitor a trilhar conosco, com os autores dos artigos presentes neste número, pelas alamedas, avenidas, vielas e, por vezes apenas aparentemente, ruas sem saída que suas reflexões nos apresentam. Es-peramos que as questões que eles nos trazem, bem como o tratamento reflexivo

12717Miolo.indd 9 18/9/2014 20:50:41

Page 12: PARLAMENTO SOCIEDADE - Principal

que empregam para lançar luz sobre elas, permitam aumentar o campo de nossa lucidez, palavra que também tem sua gênese na luz!

O leitor encontrará nos artigos publicados nas próximas páginas discus-sões e reflexões sobre elementos candentes de nossa vida na atualidade. Tais ele-mentos, sem dúvida alguma inscrições próprias à modernidade, refletem sobre as relações entre direito e Estado, sobre as Câmaras Municipais como instituições específicas no interior do Poder Legislativo, sobre a racionalidade do processo legislativo, sobre a formação no campo.

Finalizando, luz e escuridão compõem nossa vida, quer dizer, conheci-mento verdadeiro e falso conhecimento, e é nesta relação dialética que vivemos e nos inscrevemos na modernidade.

Leonardo Barbagallo, editor científico

12717Miolo.indd 10 18/9/2014 20:50:41

Page 13: PARLAMENTO SOCIEDADE - Principal

ARTIGO 1

As Câmaras Municipais nos estudos legislativos

Jorge Barcellos

12717Miolo.indd 11 18/9/2014 20:50:41

Page 14: PARLAMENTO SOCIEDADE - Principal

12717Miolo.indd 12 18/9/2014 20:50:41

Page 15: PARLAMENTO SOCIEDADE - Principal

Rev. Parlamento & Sociedade, São Paulo, v. 2, n. 2, p. 11-43, jan./jun. 2014

As Câmaras Municipais nos estudos legislativos

Jorge Barcellos1

Resumo

O presente artigo tem o objetivo de realizar um mapeamento preliminar da produção acadêmica em teses de doutorado e dissertações de mestrado sobre Câmaras Municipais no campo dos Estudos Legislativos no Brasil. Capítulo mo-dificado de minha Tese de Doutoramento, o levantamento foi realizado a partir dos bancos de Teses e Dissertações do IBICIT e CAPES em 2012. Os resultados são os seguintes: 1) Os principais temas da produção acadêmica sobre as Câ-maras Municipais são: Abordagens Históricas, Perspectiva dos atores, Políticas públicas, Processo Legislativo, Conjuntura Política, Câmara Municipal de Porto Alegre e outros estudos 2) Em que pese a evidente produção de pós-graduação, a realização de estudos sobre os legislativos municipais ainda são modestas se comparados aos estudos sobre Assembleias Legislativas e o Congresso Nacional 3) A produção dos estudos legislativos sobre Câmaras Municipais tem-se con-centrado nas regiões sul e sudeste 4) Há um notável esforço interdisciplinar na abordagem dos legislativos locais, o que contribui para a multiplicidade de inter-pretações. O artigo conclui defendendo a ideia de que a compreensão das políti-cas públicas locais passa pela contribuição dada pelo legislativo.

Palavras chave: Câmaras Municipais. Estudos Legislativos. Produção Uni-versitária.

1. Os Estudos Legislativos no Brasil

Em “Educação e Poder Legislativo: a contribuição da Câmara Munici-pal na formulação de políticas públicas no município de Porto Alegre (2001-2008), minha Tese de Doutorado aprovada em 2013 sob orientação da Dra. Nalú Farenzena na UFRGS, indiquei a importância da pesquisa sobre as Câ-

1 Historiador, Mestre e Doutor em Educação pela UFRGS. Pesquisador do Memorial da Câmara Mu-nicipal de Porto Alegre.

12717Miolo.indd 13 18/9/2014 20:50:41

Page 16: PARLAMENTO SOCIEDADE - Principal

Jorge Barcellos

Rev. Parlamento & Sociedade, São Paulo, v. 2, n. 2, p. 11-43, jan./jun. 2014

14

maras Municipais para o aprofundamento do campo dos Estudos Legislati-vos. Aqui, duas sínteses desta área são indispensáveis para resumo destes estudos. A primeira, de Inácio e Rennó, Estudos legislativos no Brasil, capítulo de Legislativo brasileiro em perspectiva comparada (2009), apresenta o campo de estudos do Poder Legislativo como uma das áreas da Ciência Política que, desde o período pós-segunda guerra, vem emergindo com força nos Estados Unidos, embora, segundo os autores, haja ainda muitas dimensões a serem exploradas. Isso porque é uma produção norte-americana sobre o congresso americano, com poucos estudos sobre os demais legislativos. Os autores fize-ram um levantamento e observaram que, no Brasil, os estudos não ultrapas-sam os últimos 15 anos de produção. É, portanto, uma área recente no Brasil, na qual predominam os estudos sobre o Congresso Nacional e, em menor número, estudos das assembleias legislativas2. Os autores assinalam que esses estudos evoluíram da análise dos sistemas eleitorais, partidários, de governo e do Legislativo para estudos da organização legislativa. Quer dizer, são estu-dos que apontam que o comportamento do parlamentar tem menos a ver com as combinações do desenho institucional (federalismo, representação propor-cional etc.) e mais com a “estrutura do legislativo e [a] dinâmica assumida pelo processo decisório nessa arena” (INÁCIO; RENNÓ, 2009, p. 20). A partir dos anos 1990, afirmam os autores, é dada atenção à organização interna do Legislativo no jogo parlamentar. Trata-se de estudos que deram importância, entre outros aspectos, à integração do Legislativo na arena legislativa e, por essa razão, a relação entre o Executivo e o Legislativo se tornou central nos estudos sobre o Congresso Nacional Brasileiro e as Assembleias Legislativas. Nessa linha, os autores citam os estudos de Argelina Figueiredo e Fernando Limongi como pioneiros no Brasil.

Uma das características destacadas por Inácio e Rennó, a qual, penso, tem validade para as câmaras municipais, é que “o sistema político brasileiro é regido por lógicas e dinâmicas contraditórias, que oferecem ora incentivos centralizadores, ora, descentralizadores de poder” (INÁCIO; RENNÓ, 2009, p.

2 De fato, a raridade de estudos sobre câmaras municipais, anteriores ao período citado, é enorme. Localizei, após extenso levantamento, apenas a obra de Orlando M. Carvalho, Política do município (Editora Agir, 1946); esse estudo retoma a história das câmaras municipais no processo de centralização política do país, mostrando a tutela da qual o Legislativo é vítima. Também encontrei a obra de Mayr Godoy, A câmara municipal (José Buschatsky Editor, de 1978), estudo sobre câmara municipal, bem mais abrangente, considerando inúmeras novas funções atribuídas ao Legislativo – observam-se as funções complementares cívica e historiadora, raras ainda nas descrições mais recentes.

12717Miolo.indd 14 18/9/2014 20:50:41

Page 17: PARLAMENTO SOCIEDADE - Principal

Rev. Parlamento & Sociedade, São Paulo, v. 2, n. 2, p. 11-43, jan./jun. 2014

As Câmaras Municipais nos estudos legislativos 15

22). Inspirados nos estudos de Carlos Pereira e Bernardo Mueller, os autores mostram que a atuação política dos parlamentares é contraditória porque é di-vidida, isto é, precisam atender tanto aos interesses das suas bases eleitorais como negociar com o Executivo e com os líderes partidários. Por outro lado, os autores afirmam que a pesquisa empírica sobre a organização legislativa, ao reconstruir seus agentes e sua dinâmica de funcionamento no nível micro, é o que tem possibilitado avanços nesta área de estudos.

Outro balanço importante da produção dos estudos legislativos é rea-lizado por Fernando Limongi em Estudos legislativos, capítulo da obra Ciência Política (2010). Confirmando o diagnóstico de Inácio e Rennó, de que os estu-dos legislativos nascem como uma importação dos estudos políticos america-nos, Limongi acrescenta o fato de que tais estudos, em função da necessidade de imposição, pelo Poder Executivo, de maiorias no Congresso, terminou por produzir a “ausência de mecanismos que incluam a cooperação entre o Poder Executivo e o Legislativo [necessária devido à] explosão de demandas que se segue a entrada das massas no sistema político” (ibidem, p. 166). O autor defen-de a perspectiva neoinstitucionalista, uma corrente forte de análise nas ciências sociais que privilegia a organização dos trabalhos parlamentares, um dos achados das investigações que se seguiram nessa linha analítica. Com relação ao tema da hegemonia do Executivo, apontada por vários estudos, assinala: “Contu-do, a preponderância legislativa do Executivo não implica fraqueza do Poder Legislativo e não deve ser tomada nesse sentido. O sucesso e a dominância do Executivo só são possíveis se este contar com o apoio do Legislativo” (ibidem, p. 170). Toda a argumentação seguinte de Limongi vai na direção de mostrar o sucesso legislativo do Executivo, mas isso acontece, principalmente, porque, no nível federal, distinto do municipal, o presidente dispõe de um recurso que não dispõe o prefeito, a edição de medidas provisórias.

O problema é que tanto Limongi quanto Inácio e Rennó não se detêm, nestas revisões, no exame da qualidade da produção legislativa no Brasil, como encontra-do no estudo de Paolo Ricci, intitulado De onde vem nossas leis? Origem e conteúdo da legislação em perspectiva comparada (2006). Seu estudo é importante por ter oferecido alguns insights para a análise que empreendi em minha Tese. Para esse autor, a pro-dução legislativa pode ser avaliada a partir dos fatores institucionais que influen-ciam e estruturam o comportamento legislativo dos parlamentares. Ricci refere-se aos determinantes na arena eleitoral, tomando por base os estudos do Congresso Americano; na produção legislativa, devido ao fato de que os políticos estão mais preocupados com sua própria reeleição, eles tendem a fazer leis que concentrem benefícios nos distritos de eleição. Nessa perspectiva, o autor segue teóricos que ar-

12717Miolo.indd 15 18/9/2014 20:50:42

Page 18: PARLAMENTO SOCIEDADE - Principal

Jorge Barcellos

Rev. Parlamento & Sociedade, São Paulo, v. 2, n. 2, p. 11-43, jan./jun. 2014

16

gumentam que isso se dá pela fraqueza do sistema partidário e pelas características do voto pessoal, que ainda predominam no Brasil3.

Mas Ricci vai além, pois sua análise caracteriza uma das vertentes dos es-tudos legislativos que, em primeiro lugar, valoriza os determinantes da prática legislativa. Ricci, tomando Mainwaring (1999) e Ames (2001), descreve uma linha de análise que compreende as práticas legislativas – no caso, do Congresso Na-cional – como limitadas aos redutos eleitorais do legislador. Essa análise aporta aos estudos legislativos locais a sugestão de que a ação individual de cada par-lamentar é mais importante do que as estratégias legislativas do partido ao qual pertence, “uma vez que o partido político tem pouco envolvimento com o pro-cesso de formulação de políticas no âmbito legislativo” (RICCI, 2006, p. 700). Daí que o posicionamento de cada vereador ao longo da tramitação dos projetos seja posta em evidência na análise que realizei.

De outra parte, Ricci mostra que estudos como os de Figueiredo e Limongi (1995), Santos (1997, 1999) e Amorim Neto (2000) começaram a questionar, no campo dos estudos legislativos brasileiros, a hipótese acima referida e resgata-ram o papel dos partidos políticos, o desempenho das lideranças e o peso relativo das regras decisórias internas do Congresso:

A questão empírica era verificar se e em que medida esses incentivos se re-

fletem no conteúdo das leis. [...] Passou-se a exigir da análise conceitual uma

explicação teórica do comportamento legislativo do congresso. A tarefa empí-

rica tornou-se verificar que tipo de leis são produzidas. (RICCI, 2006, p. 701).

Essa abordagem suscitou, para meu estudo, uma questão: a conduta le-gislativa dos vereadores pode ser analisada como decorrência dos incentivos oferecidos pelo sistema eleitoral ou haveria fatores internos, inerentes à dinâ-mica do processo decisório, que precisariam ser levados em conta? O problema é que Ricci se coloca de um ponto de vista em que o local pode ser tanto um município quanto uma região, uma vez que enfoca os membros do Congres-so Nacional. Mas como ficam as tendências dos estudos legislativos quando confrontadas com o fato de que é no próprio local que os vereadores buscam sua legitimação? Entendo que se trata de um problema de proporção, já que, em Porto Alegre, os vereadores também têm ou podem ter representação espacial, de regiões da cidade.

3 Conforme Mainwaring (1991) e Shugart e Carey (1959).

12717Miolo.indd 16 18/9/2014 20:50:42

Page 19: PARLAMENTO SOCIEDADE - Principal

Rev. Parlamento & Sociedade, São Paulo, v. 2, n. 2, p. 11-43, jan./jun. 2014

As Câmaras Municipais nos estudos legislativos 17

Outra questão: ainda que os incentivos eleitorais estimulem o individu-alismo dos vereadores, a afinidade pessoal e a atuação profissional são ou não fatores importantes para explicar o comportamento político dos vereadores? Sus-tentei em minha tese a ideia de que, mais do que atender às necessidades de de-terminadas regiões, em que os vereadores garantem seu eleitorado, a profissão e a afinidade com a educação são fatores responsáveis pela resolução dos conflitos existentes no campo educacional, manifestados entre aspirações na arena eleito-ral e na arena legislativa.

Uma dimensão analítica importante demonstrada por Ricci é a possibili-dade de classificação dos projetos de lei. Na pesquisa que realizei, levei a efeito essa classificação, no que concerne aos projetos voltados para o campo da edu-cação: há processos que buscam inserir disciplinas, que regulam a natureza da infraestrutura, que tratam de solenidades e eventos, entre outros temas. O autor analisa a totalidade dos projetos de lei, sejam eles aprovados ou não, vetados ou não, e disso tira suas conclusões de pesquisa4. Essa sistemática é interessante por-que pode revelar conflitos entre os vereadores e o prefeito e entre os vereadores entre si, da mesma forma que revela para o Congresso5. Segundo ele:

A categoria dos projetos rejeitados é essencial para se observar, por um

lado, a capacidade autorreguladora do Congresso – em particular, será in-

teressante ressaltar que tipos de projetos são rejeitados, e quais os sanciona-

dos. Nesse sentido, é oportuno diferenciar os projetos rejeitados dos demais

projetos que, engavetados ao longo da legislatura, foram, ao seu término,

arquivados sem votação final alguma. (RICCI, 2006, p. 702).

As ações dos congressistas são determinadas pelas regras eleitorais, essa é uma das conclusões dos Estudos Legislativos para o comportamento legislativo dos parlamentares. Quer dizer, tais estudos sugerem que, para garantir a ree-

4 Oliveira dedica o capítulo terceiro de seu livro Políticas educacionais no Brasil. Qual o papel do Poder Legislativo? (Protexto, 2008) a analisar unicamente as proposições rejeitadas. Para a autora, “no seu conjunto, tais proposições configuram-se mais como uma antiagenda, introduzindo matérias no pro-cesso legislativo que, caso se transformassem em norma jurídica, promoveriam um caos legislativo na educação nacional” (p. 142). 5 Em O PT em Porto Alegre: balanço introdutório (capítulo de O jeito petista de governar, Mercado Aberto, 2002), assinalei a carência de iniciativas de políticas educacionais por parte do prefeito de Porto Alegre, a partir de um balanço produzido pelo jornal Zero Hora: “Pobreza desafia Prefeitura de Porto Alegre (9 jan. 2002). À época, ao fazer a crítica da elasticidade com que o PT fazia suas alianças, assinalei que “O PT alimentou uma dicotomia política entre o Legislativo e o Executivo, desnecessária. O exemplo é que o Orçamento Participativo não conta com uma lei que o legitime”. (BARCELLOS, 2002, p. 125).

12717Miolo.indd 17 18/9/2014 20:50:42

Page 20: PARLAMENTO SOCIEDADE - Principal

Jorge Barcellos

Rev. Parlamento & Sociedade, São Paulo, v. 2, n. 2, p. 11-43, jan./jun. 2014

18

leição, os vereadores estariam comprometidos com os interesses de suas bases eleitorais. Nessa perspectiva, seria rara a iniciativa de projetos que tratassem de assuntos de ordem mais geral, pois a produção da legislação estaria “obstinada-mente caracterizada pela ressalva de que as normas produzidas pelo legislativo são secundárias e de importância relativa, já que repletas de concessões e van-tagens particularistas” (ibidem, p. 702). Ricci aponta outras características que reforçam essa postura, tais como campanhas eleitorais personalizadas, incapa-cidade de pré-seleção dos candidatos pelas lideranças e a dificuldade de impor disciplina durante as decisões do Congresso.

Esse ponto de vista me leva a perguntar: as regras e o entendimento dado pelos estudos legislativos realizados até o presente, para a Câmara dos Deputa-dos e o Senado, se aplicam às câmaras municipais? Minha hipótese é positiva, já que, numa esfera subnacional, como na análise do comportamento político das assembleias legislativas, as mesmas tendências têm sido verificadas6. Mas quais seriam exatamente as características que aproximariam a lógica do funcio-namento das câmaras de vereadores das demais instâncias políticas? Seguindo a reflexão de Ricci, uma primeira característica estaria no fato de que, na política brasileira, predomina o voto pessoal, do que decorre, trazendo essa ideia para o governo local, que os vereadores sejam devedores do bairro que os elegeu; outra característica seria a indisciplina partidária, pois propicia que a ação política se volte para o atendimento das necessidades dos redutos eleitorais. Pergunto, con-tudo, se de fato é assim. É curioso falar de redutos paroquiais numa política que é local, pois não há outros interesses a satisfazer.

Uma série de marcas discutida por Ricci para o âmbito do parlamento federal pode ser confrontada com o âmbito local. Por contraste, então, pontuo marcas distintivas dos parlamentos municipais: maior contato direto entre re-presentado e representante; maior potencial de reconhecimento dos eleitores de cada um, num contexto competitivo em que os candidatos pegam “carona” entre si; menor custo de investimento para a reeleição; busca de aprovação de projetos que distribuam benefícios difusos, projetos que tenham visibilidade na cidade, mais do que no bairro ou na região da cidade.

6 Aqui, a rigor, trata-se do uso do método comparativo como instrumento de construção de uma nova teoria. Em O uso do método comparativo em Ciências Sociais, Sérgio Schneider e Cláudia Job Schmitz (1998) assinalam que a comparação é inerente ao processo de construção do conhecimento. Ele é um método que possibilita a construção de raciocínios, a descoberta de regularidades, para explicar os fenômenos sociais. O estudo analisa a contribuição de Marx, Weber e Durkheim. Os autores analisam a obra As origens sociais da ditadura e da democracia, de Barrington Moore Jr., para demonstrar essa ideia.

12717Miolo.indd 18 18/9/2014 20:50:42

Page 21: PARLAMENTO SOCIEDADE - Principal

Rev. Parlamento & Sociedade, São Paulo, v. 2, n. 2, p. 11-43, jan./jun. 2014

As Câmaras Municipais nos estudos legislativos 19

Ricci deu-se conta em sua pesquisa de uma estranha lógica. Por um lado, encontrou políticas distributivas e paroquiais bem-sucedidas, e, por outro, en-controu projetos de mesmo teor que não tiveram a mesma sorte, foram rejeitados ou até vetados. Sua tese é interessante porque coloca em xeque a ideia de que po-líticas paroquiais nascem nas comissões e políticas redistributivas concentram-se no plenário e no Executivo. Quer dizer, o fato de que determinados projetos são recusados no âmbito das comissões, segundo Ricci, é um indicador importante de análise sobre quem é, afinal, o centro decisório. O autor salienta o papel das co-missões, pois, de alguma forma, sua posição afeta e influencia o processo decisó-rio – provas, emendas e pareceres são formas de interação típicas das comissões. Para ele, “o que ocorre salientar é que os dados apontam para o fato de que as comissões parecem agir como arenas de veto” (RICCI, 2006, p. 713).

Os estudos legislativos, originários da ciência política e da sociologia política, são abordagens institucionalistas, nas quais, segundo Lopez (2004, p. 153), “valores culturais e as representações sociais têm pouca relevância como variáveis explicativas dos resultados da interação entre os atores políticos”. Para o autor, essa literatura tem poucos trabalhos direcionados ao município, ao que se agrega um problema:

[...] quando muito, a política municipal e sua dinâmica interna servem como

exemplo ilustrativo das redes que vinculam os políticos municipais, estadu-

ais e federais. Isso se deve, em parte, à ideia de que a política municipal é me-

nos relevante para compreender o sistema político de maneira mais ampla,

além de ter menor importância do ponto de vista teórico. (ibidem, p. 153).

O resgate do valor da esfera municipal no ordenamento das relações polí-ticas de âmbito nacional ainda é tarefa por fazer, já que apenas está presente em estudos clássicos da literatura política brasileira, como em Queiroz (1976) e Leal (1997), e nos estudos de antropologia política, como o de Bezerra (1999). Não pode ser uma perspectiva menor, já que a qualidade da democracia depende da possibilidade real de participação da sociedade e de sua adequada representação. Diz Hoffmaister (2004, p. 9) a respeito:

No Brasil há 5.561 municípios e consequentemente 5.561 parlamentos lo-

cais, as câmaras municipais. Parece que alguns acreditam que isso seja

um exagero. Discordo! 5.561 câmaras para 170 milhões de pessoas não

é um exagero. Há muitos países com mais municípios e câmaras que o

Brasil. Na Alemanha, por exemplo, existem por volta de 13.500 municí-

pios para 80 milhões de habitantes; além disso, nos maiores há conselhos

12717Miolo.indd 19 18/9/2014 20:50:42

Page 22: PARLAMENTO SOCIEDADE - Principal

Jorge Barcellos

Rev. Parlamento & Sociedade, São Paulo, v. 2, n. 2, p. 11-43, jan./jun. 2014

20

distritais, com uma representação com base em eleições democráticas.

Junto com o conselho geral do município são eleitos também os integran-

tes destes conselhos. Isto significa que, com a metade da população, há

na Alemanha muito mais representantes e mais espaços de participação

política para os cidadãos.

Se os municípios e, por decorrência, as câmaras municipais, têm tamanha importância, por que há tão poucos estudos a respeito? A razão é que o estu-do da contribuição das câmaras municipais na formulação de políticas públicas é recente. Mesmo livros e artigos de periódicos disponíveis, como de Andrade (1998), Kerbauy (2005) e Silveira (2009), são textos de caráter preliminar em ter-mos de tratamento do tema. Por isso é necessária a sistematização da produção existente, naquilo que se convencionou chamar de estado da arte deste campo, que só pode ser feita a partir das pesquisas de nível de pós-graduação, que se tornam fundamentais para o conhecimento do processo histórico dos legislativos locais, instrumentos necessários ao aperfeiçoamento institucional-organizacional e, especialmente, de valorização do lugar que ocupam na formulação de políticas públicas e que constituem o tema da próxima seção.

2. Os Estudos Legislativos sobre Câmaras Municipais

Fiz uma busca, no mês de novembro de 2012 no banco de teses e disser-tações de duas instituições de referência: a primeira é o Banco de Teses e Dis-sertações do Instituto Brasileiro de Informação em Ciência e Tecnologia (IBICT) do Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq) e no banco da Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (Capes) – por pesquisas de mestrado e doutorado sobre câmaras municipais. O objetivo era mapear o campo de modo a inserir meu estudo sobre a Câmara de Porto Alegre nesse conjunto. Encontrei trabalhos significativos concluídos no período 1993-2012, mas creio que essa seleção ainda é uma visão parcial do estado da arte. É que, em mais de uma oportunidade, encontrei pesquisas nos bancos de teses de universidades específicas que não constavam dos bancos pesquisados. Foi o caso dos bancos de teses e dissertações da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS), da Universidade Federal de Pelotas (UFPel), da Universidade de São Paulo (USP) e do Instituto Universitário de Pesquisas do Rio de Janeiro (Iuperj), entre outros, o que me permitiu ampliar a compilação de estudos significativos e definir categorias ou áreas temáticas de preferência, possibilitando afinar o lugar em que meu estudo estava situado.

12717Miolo.indd 20 18/9/2014 20:50:42

Page 23: PARLAMENTO SOCIEDADE - Principal

Rev. Parlamento & Sociedade, São Paulo, v. 2, n. 2, p. 11-43, jan./jun. 2014

As Câmaras Municipais nos estudos legislativos 21

Também constatei, consultando posteriormente os sites de outras bibliotecas universitárias, que estudos sobre meu tema não estavam cadastrados no site do banco de teses e dissertações das três instituições selecionadas. Dissertações sobre as relações Executivo-Legislativo no âmbito local (RAIMUNDO, 2005), teses sobre as relações de gênero na formação das câmaras municipais (BRABO, 2003); estudos mais recentes não apareciam na listagem daqueles bancos, en-quanto estudos mais antigos (KUSHINIR, 1993) estavam presentes. Quer dizer, ainda que referenciado nos melhores bancos de teses nacionais, o levantamento que consegui realizar revela o problema atual do cadastramento disperso da produção nacional e, por essa razão, deve ser entendido como uma espécie de mapa introdutório do estado da questão. A pesquisa geral da produção nacional em todos os centros de pesquisa do país foge às possibilidades de meu estudo, e esta é a razão da decisão por limitar apenas aos três bancos iniciais indicados. Mesmo assim, nas indicações levantadas, problemas existiram: a falta de dados nos resumos das teses e dissertações e nível heterogêneo da produção, lacuna que foi suprida, ao menos em parte, com uma leitura parcial do referido estu-do, naqueles capítulos de interesse e o estabelecimento de uma tipologia. Esse levantamento foi importante porque permite situar, para o leitor, esta tese no contexto da produção nacional sobre os parlamentos municipais, além de aces-sar teses e dissertações que se mostraram fundamentais para este estudo (SIL-VA, 2007; FIORILO, 2006; SANTOS, 2010; SABBADO, 2010; BERNARDI, 2006). O resultado alcançado é um panorama dos estudos sobre câmaras municipais. Não encontrei balanço semelhante nos estudos revisados.

Inicialmente, os dados primários relativos à produção acadêmica dos pro-gramas de pós-graduação nacionais foram incluídos no banco de dados desta tese para, em seguida, servirem de base para sua inserção em categorias ou áreas temáticas dominantes. Houve um processo de seleção das pesquisas em função da pertinência temática de meu estudo. Aqui não foram incluídos, por exemplo, estudos de Poder Legislativo em outros níveis, os quais, posteriormente, foram usados como contraponto neste estudo – por exemplo, Ricci (2006). Incluí, con-tudo, estudos sobre as origens do parlamento ou que apresentassem ao menos um capítulo dedicado à história das Câmaras Municipais. Outros temas foram incluídos em categorias genéricas, como perspectiva dos atores, por se referirem a um aspecto importante como o poder de agenda (SANTOS, 2010), na medi-da em que desenvolviam uma metodologia de interesse. Isso significa que, como qualquer classificação, foi elaborada com certa elasticidade, de acordo com meu julgamento. No total foram encontradas 61 teses, que possibilitaram a distribuição segundo seis temas específicos, sintetizados na Tabela 1.

12717Miolo.indd 21 18/9/2014 20:50:42

Page 24: PARLAMENTO SOCIEDADE - Principal

Jorge Barcellos

Rev. Parlamento & Sociedade, São Paulo, v. 2, n. 2, p. 11-43, jan./jun. 2014

22

Tabela 1 – Quantitativo de teses e dissertações sobre as câmaras municipais, por categoria temática (1993-2012)

Temática Descrição da temáticaNº de estudos

f %

Abordagem histórica

Análise diacrônica do Poder Legislativo local, patrimonialismo, normatização, religiosidade, história comparada, código de posturas, análises histórico-linguísticas.

12 19,3

Perspectiva dos atores

Análise do comportamento dos atores no interior do processo Legislativo na perspectiva sincrônica dos acontecimentos, enfatizando os seguintes aspectos: lobby e seu impacto, grupos de interesse, gestão de pessoas, percepção emocional, carreira política, cultura política e poder de agenda.

7 11,4

Políticas públicas

Análise da elaboração de programas governamentais no interior do Poder Legislativo, enfatizando: a produção do espaço urbano, crítica de planos diretores, desenvolvimento social, financiamento da educação e profissionalização docente.

7 11,4

Câmara Municipal de Porto Alegre

Diferentes aspectos da Câmara: relação da Câmara Municipal de Porto Alegre com a prefeitura, a presença da religiosidade no parlamento, a importância da comunicação, história da Câmara, organização da vida cotidiana.

11 18,0

Processo legislativo municipal

Organização legislativa, inserindo os instrumentos de ação do vereador no processo de produção legal, estabelecendo suas relações com o Executivo; estudo de casos locais.

6 9,8

Conjuntura política Estudos de caso; a ação do Legislativo municipal no contexto legislativo brasileiro. 11 18,0

Outros Abordagens diversas, como comunicação, religiosidade, gênero. 7 11,4

Total 61 100

Fonte: bancos de teses do CNPq, da Capes e do IBICT

Cabe observar que os temas às vezes se entrelaçam ao longo das dissertações de mestrado e teses de doutorado e que os autores repitam, em seu interior, de diversas formas, aspectos comuns da organização legislativa. O registro das pes-quisas levou em conta o foco principal que minha avaliação conferiu a cada estudo, levando em consideração o foco da minha pesquisa; os trabalhos encontram-se su-

12717Miolo.indd 22 18/9/2014 20:50:42

Page 25: PARLAMENTO SOCIEDADE - Principal

Rev. Parlamento & Sociedade, São Paulo, v. 2, n. 2, p. 11-43, jan./jun. 2014

As Câmaras Municipais nos estudos legislativos 23

marizados no Anexo I da tese7. São pesquisas de duas fontes: dissertações de mes-trado e teses de doutorado, deixando de lado outras produções, como relatórios de pesquisa de outra natureza, artigos científicos e livros. Encontrei 52 dissertações de mestrado (85,2%) e nove teses de doutorado (14,7%), assim distribuídas: quatro na região nordeste (6,5%), oito no centro-oeste (13,1%), 19 no sul (31,1%), 28 no sudes-te (45,9%) e nenhuma em instituição da região norte do país.

A preponderância dos estudos é do centro do país, da região sudeste – principalmente da USP e da Unicamp –, que detém 28 casos, 45,9% da produção, portanto, quase a metade dos estudos. Mas pode-se notar a emergência do sul do país (UFRGS, PUCRS e UFSC), que vem logo atrás, com 19 casos. Por um lado, significa que a tradição no campo das pesquisas sobre câmaras municipais tem sido da região que concentra o maior número de programas de pós-graduação brasileiros – São Paulo e Rio de Janeiro, sendo que nesse último estado também a Fundação Getúlio Vargas (FGV) tem importante destaque. Mas as regiões sul e centro-oeste, sugerem os dados, reagem a este contexto hegemônico e, juntas, somam 27 casos, ou 44,2%, quase se equiparando à produção da região sudeste. Ainda que o espaço temporal em que encontramos estudos remonte aos anos 1990, os dados revelam que é a partir dos anos 2000 que o tema das câmaras municipais assume maior relevância. Entre 1993 e 2000, tivemos apenas cinco estudos (8,1%), no período de 2001 a 2004, 19 casos (31,4%), e após, no período 2005-2008, 22 casos (36%); de 2009 a 2012 foram encontrados 16 casos, retornando ao patamar de 2001-2004. No quadriênio mais recente, há que se considerar que pode haver estudos que não estejam inseridos nos bancos de teses e dissertações consultados, em função do tempo e dos procedimentos necessários para serem registrados. Na sequência, comento alguns dos estudos, por categoria temática.

2.1 As abordagens históricas

Os 12 estudos inseridos nessa temática abrangem oito dissertações de mes-trado e quatro teses de doutorado. Nessa temática, a USP e a Unicamp são líderes, cada uma com três trabalhos localizados. Foi na primeira universidade que Ribeiro (2009) analisou, na Câmara Municipal de São Paulo, como os representantes locais organizaram a distribuição das terras. O autor mostra que, no passado – ou no

7 Disponível em: <https://www.google.com.br/url?q=http://www.lume.ufrgs.br/bitstream/handle/10183/70605/000877782.pdf%3Fsequence%3D1&sa=U&ei=QoBqU4H7DKeZ8gH384HYDw&ved=0CCMQFjAA&sig2=HOH9wE2xmJ_9b8veVWCIUw&usg=AFQjCNFf6Pc2sIYWdt7AHfNo5yM3hzQsrw>.

12717Miolo.indd 23 18/9/2014 20:50:42

Page 26: PARLAMENTO SOCIEDADE - Principal

Jorge Barcellos

Rev. Parlamento & Sociedade, São Paulo, v. 2, n. 2, p. 11-43, jan./jun. 2014

24

presente –, o modo como se dão os arranjos políticos no interior da câmara é deter-minante para a acomodação das forças locais, o que vale, inclusive, como salienta o autor, para as relações interinstitucionais, naquele caso, com o governador.

Silva Filho (2009), analisando a estruturação da Câmara Municipal de Vila Rica, mostra que, também nesta, é a elite local que toma assento e, para isso, mostra o legado da organização das câmaras municipais em Portugal, cujo modelo foi tra-zido para o Brasil. É uma câmara municipal distinta da atual, é verdade, com car-gos que, além dos próprios vereadores, incluem juízes ordinários e procuradores. O fato de que os procuradores tenham tido no passado uma função tão importante ou equivalente àquela dos próprios vereadores aponta para uma razão histórica para que ainda hoje façam parte do organograma do Legislativo e tenham tanta influência. Essa reminiscência histórica mostra que, no passado, como no presente, o campo legal funda a função legislativa com atores distintos – para sua criação e execução. Por outro lado, Silva Filho (2009) mostra o quanto essa composição era decorrente da própria organização da economia local, baseada na economia mine-radora e que, portanto, problemas de abastecimento e a criação de infraestrutura faziam parte do universo dos problemas dos vereadores daquela época.

No conjunto de teses de história dos legislativos, duas tratam especifica-mente da Câmara Municipal de Porto Alegre (COMISSOLI, 2008; MALMANN, 2004), mas foram categorizadas em Câmara Municipal de Porto Alegre. Anoto tam-bém que, além de Porto Alegre, outra câmara teve sua história preservada: a Câmara Municipal de São Sebastião do Caí, estudada por Martiny (2010). Seu estudo, em que pese seguir a linha dos estudos do centro do país no que se refere à definição dos atores, avança ao incluir um capítulo específico sobre o código de posturas municipal, legislação que garante o controle político da elite sobre a população local. O tema, que foi também o centro da dissertação de Pinheiro (2010), na concepção de Martiny reflete as características de uma elite que, no passado caiense, “não pode ser apresentada como um grupo homogêneo” (2010, p. 314); apesar de ser comum a presença de fazendeiros ricos e comerciantes, a autora localizou, inclusive, um professor entre os membros daquele Legislativo – lembremos que a autora está analisando uma história que data da segunda metade do século XIX.

2.2 A Câmara Municipal de Porto Alegre

O segundo grupo mais numeroso de estudos sobre câmaras municipais corresponde a 11 trabalhos sobre a própria Câmara de Porto Alegre. Esse grupo é composto por 10 dissertações de mestrado e uma tese de doutorado. Nele estão

12717Miolo.indd 24 18/9/2014 20:50:42

Page 27: PARLAMENTO SOCIEDADE - Principal

Rev. Parlamento & Sociedade, São Paulo, v. 2, n. 2, p. 11-43, jan./jun. 2014

As Câmaras Municipais nos estudos legislativos 25

os dois trabalhos, acima assinalados, de natureza histórica sobre a Câmara de Porto Alegre. Malmann (2004) foi o primeiro a defender seu estudo, com sua tese de mestrado apresentada no Programa de Pós-Graduação em História da PUCRS. Quatro anos depois, Comissoli (2008) defendeu, na Universidade Fede-ral Fluminense, estudo sobre a Câmara Municipal de Porto Alegre. O primeiro tratou de fazer um desenho geral não apenas da Câmara Municipal de Porto Ale-gre, mas da própria história do município em que esta estava inscrita, com suas relações econômicas e políticas. O segundo aprofundou mais as relações internas do Legislativo, seus atores; por exemplo, retoma o papel dos procuradores da Câmara, que tinham uma função muito importante no passado: a de representar a Câmara Municipal diretamente no império português. Mas havia algo na defi-nição de vereador que deve ser preservado: o homem bom não era apenas aquele oligarca, membro da elite, que se fazia representar na Câmara de Porto Alegre através de seu bando (família): “ser homem bom significava estar envolvido na administração pública da Capitania por meio de sua Câmara”, mas, assinala o autor, “tão importante quanto a possibilidade oferecida pela Câmara de intervir na economia pública era a existência de contatos comerciais particulares” (CO-MISSOLI, 2008, p. 176). Assim, o que é a vida do vereador no campo privado influencia o que é a sua vida pública.

De fato, as teses referentes à Câmara Municipal são o produto do cruza-mento das abordagens disponíveis. Não apenas da história, como os estudos de Comissoli e Malmann demonstram, mas também de abordagens da sociologia (MARTINS, 2004; KUNZLER, 2002), antropologia (SANTOS, 2005), comunica-ção (PEDROSO, 2006), política (SOARES, 2002; BARTH, 2006; DIAS, 2002; SILVA, 2007), além de contemplarem estudos no campo das relações de gênero (SEBE-NELO, 2004). Desses estudos, merece destaque especial o de Dias (2002) – Sob o signo da vontade popular: o orçamento participativo e o dilema da Câmara Municipal de Porto Alegre –, pois é, de longe, um dos melhores livros de análise política sobre o Legislativo. Prêmio Tese de Doutorado da Iuperj no ano 2000, a obra, publicada pela Editora da UFMG com o pretexto de descrever os efeitos do Orçamento Participativo (OP) na Câmara Municipal de Porto Alegre, reconstrói o lugar do parlamento no interior das teorias democráticas e da participação. Analisa como se dá a luta pela distribuição efetiva e simbólica dos recursos públicos entre os atores políticos, revela os efeitos do OP sobre os vereadores: constrangimento e renúncia, constatados pelas entrevistas que a autora realizou com vereadores. A contradição que Dias (2002) percebeu é que, sem nenhuma institucionalização formal, o OP produziu uma redução na capacidade de os vereadores interferirem na distribuição dos recursos:

12717Miolo.indd 25 18/9/2014 20:50:42

Page 28: PARLAMENTO SOCIEDADE - Principal

Jorge Barcellos

Rev. Parlamento & Sociedade, São Paulo, v. 2, n. 2, p. 11-43, jan./jun. 2014

26

[...] alterar o plano orçamentário definido pelo executivo em conjunto com

o Orçamento Participativo poderia significar um desprezo do vereador com

relação à vontade expressa de milhares de eleitores, potencialmente respon-

sáveis pelos votos que recebeu ou que ainda precisará receber para se ree-

leger. (ibidem, p. 221).

O que Márcia Dias fez em relação aos estudos que resenhamos até agora: ela deslocou a perspectiva que posiciona o vereador como representante de inte-resses para a do vereador como vetor de interesses. O deslocamento é a passagem da ideia patrimonialista, em que o papel do vereador é afirmar os seus interesses de classe, à ideia de representação: o papel de mediação de conflitos.

Por outro lado, há estudos que retomam um aspecto conjuntural de extrema importância para meu trabalho. Silva (2007) abordou parte do período que estu-do em seu trabalho, ao analisar o comportamento da Câmara Municipal de Porto Alegre após a posse de José Fogaça. É um estudo que se assemelha ao de Dias (2002), por tratar das relações entre o Executivo e o Legislativo. Seu diferencial é, no entanto, retomar a relação dos vereadores com as decisões e ações relativas ao or-çamento, exatamente do ponto onde parou a análise de Márcia Dias; quer dizer, se a autora viu a redução da atuação dos vereadores, Silva vê a retomada da atuação com o governo Fogaça. Mas ainda há outro aspecto fundamental em sua análise: a recuperação da iniciativa legislativa através dos pedidos de providência:

Outra prática retomada pelo Legislativo a partir de 2005 foi a utilização

dos Pedidos de Providência, que é uma requisição feita pelo Vereador di-

retamente ao Executivo, solicitando que alguma obra seja feita pela pre-

feitura. Nas gestões petistas, o governo negou-se a atender aos pedidos

dos vereadores: de acordo com o Executivo, essas solicitações não se dis-

puseram a ver seus pedidos apreciados pela população, esse instrumento

deixou de ser utilizado. A situação inverte-se no governo Fogaça. (SILVA,

2007, p. 14).

De fato, verifiquei que, no que concerne aos pedidos de providências, não foi exatamente o que é descrito por Silva o que ocorreu. Constatei que muitos desses pedidos foram atendidos durante os governos petistas, exceto, justamen-te, os da situação. Creio que essa diferença se deve às fontes de pesquisa: revisei as proposições por via eletrônica e pude constatar o atendimento de diversos pedidos; a autora, muito provavelmente, obteve informações somente por meio das entrevistas que realizou.

12717Miolo.indd 26 18/9/2014 20:50:42

Page 29: PARLAMENTO SOCIEDADE - Principal

Rev. Parlamento & Sociedade, São Paulo, v. 2, n. 2, p. 11-43, jan./jun. 2014

As Câmaras Municipais nos estudos legislativos 27

2.3 Perspectiva dos atores

Outro grupo de estudos sobre câmaras municipais trata da perspectiva dos atores na câmara municipal; com sete trabalhos, são cinco dissertações de mes-trado e duas teses de doutorado. São estudos produzidos entre 2003 e 2010 que têm como objeto o lobby (SANTOS, 2010), os grupos de pressão (PIERINI, 2003), a carreira política (MALUF, 2006), a relação Executivo-Legislativo (SABBADO, 2010), a cultura e a representação política (RUSSO, 2007; GORNIAK, 2004). Des-ses trabalhos, ao menos dois são de muita importância para meu estudo.

O primeiro é de Rui Tavares Maluf – Amadores, passageiros e profissionais: car-reira política na Câmara Municipal de São Paulo. Tese de doutorado defendida em 2006, inspirado em Downs, e que vê o agente político como um agente racional; sua proposta de classificação do vereador (amador, permanente, quase permanente e de passagem) sugere, como o mesmo aponta, a necessidade de os pesquisadores se permitirem certa liberdade intelectual ao se debruçarem sobre esse objeto.

O segundo estudo a mencionar é o de Laís Soares Sabbado – Poder de agenda em esfera local: uma análise comparada da produção legislativa de dois governos de Pelotas (2001-2008) –, pelo objeto, já que a autora analisa a produção legislativa em sua cidade, e pelo corte cronológico, idêntico ao escolhido para meu estudo. Ela prati-camente dá a linha de desenvolvimento para estudos do gênero: a necessidade da retomada da discussão do presidencialismo de coalizão no nível local; a necessi-dade de estabelecer o arcabouço das relações entre o Executivo e o Legislativo (o que inclui uma descrição da eleição para prefeito, no seu estudo); a análise porme-norizada da produção legislativa. No entanto, sua análise, diferente da deste tra-balho, enfatizou a produção legislativa do Executivo pelotense (Projetos de Lei do Executivo e Projetos de Lei Complementar do Executivo), nas gestões de Marroni (2001-2004) e Bernardo de Souza/Fetter Jr. (2005-2008). Sua tipologia é inspiradora para as categorias adotadas, já que levantou indicadores quanto a: matéria ou área; abrangência; e resultado. Além disso, Sabbado propõe o uso do método compara-tivo, entre os governos, mostra a importância de considerar, na agenda legislativa, caso a caso, olhando os debates gerados em cada projeto, o conteúdo dos projetos vis-à-vis as agendas de governos e as diferenças que podem existir entre períodos de governo mesmo com dados quantitativos semelhantes.

2.4 Políticas públicas

O grupo de estudos que classificamos como de políticas públicas tem o mes-mo número de ocorrências que o anterior, com sete casos, todos de dissertações

12717Miolo.indd 27 18/9/2014 20:50:42

Page 30: PARLAMENTO SOCIEDADE - Principal

Jorge Barcellos

Rev. Parlamento & Sociedade, São Paulo, v. 2, n. 2, p. 11-43, jan./jun. 2014

28

de mestrado. Essa categoria reúne estudos que revelam a maior ou menor influ-ência do Poder Legislativo municipal na construção de políticas públicas, quer pela sua atuação na determinação da produção do espaço urbano (GONÇALVES, 2008; SILVA, 2001), quer pelas perspectivas de atuação no campo social (SILVA, 2006; MACEDO, 2004), ou ainda pela sua capacidade de afetar os gastos munici-pais gerais ou com a educação (SILVEIRA, 2010; SANTOS, 1997). Desse conjunto, destaco duas dissertações.

A primeira é de Gonçalves (2008), cujo foco é a atuação da Câmara Muni-cipal de Belo Horizonte na formulação do plano diretor. O destaque que dou se deve à autora apontar que os novos limites não são o caráter suposto de classe ou econômico encarnado pelos vereadores, mas os limites impostos pelo próprio Executivo ao Legislativo. Sua análise, entretanto, é esperançosa e valorizadora do papel que deve ser assumido pelo Poder Legislativo:

Cabe ressaltar que o projeto de esfera pública não tem chance de prosperar

enquanto a cidade do conflito estiver submersa em um mar de consensos

“fáceis” ou pré-estabelecidos, enquanto imperar a apatia política e enquan-

to o “discurso do possível” impedir que se sonhe com futuros alternativos.

Sua efetivação exige que a política, condição para a realização democrática,

seja vista como possibilidade transformadora de significações e instituições

ou como criação histórica. Se o mundo humano é essencialmente o mundo

da política, das palavras e dos atos, o desencanto com a esfera pública seria

o desencanto do homem consigo mesmo. (ibidem, p. 187).

Outro estudo é o de Vieira (2004). Ainda que o autor analise o papel do Legislativo num período remoto (1892-1930), o que poderia sugerir que seu lugar mais apropriado fosse na categoria história das câmaras municipais, ele está preocu-pado com a profissionalização docente, ou melhor, com a história da construção de políticas de profissionalização docente na cidade de Uberabinha – como era chamada então Uberlândia, antes dos anos 1930 – e encontra nas leis aprovadas pela câmara municipal a fonte de pesquisa. Analisando as discussões presentes nas atas da Câmara Municipal de Uberabinha, o autor verificou a emergência de uma legislação educacional que se apresentou diferenciada daquela do esta-do mineiro, mais progressista e valorizadora do professor. A autora, analisando as diversas leis discutidas e aprovadas pela câmara municipal, verificou a sua importância na consolidação de um perfil profissional docente de vanguarda, produto de um contexto de modernidade reformadora assumida pelos legislado-res. Dá como exemplo a lei municipal nº 278, que, com seus 48 artigos, garantiu

12717Miolo.indd 28 18/9/2014 20:50:42

Page 31: PARLAMENTO SOCIEDADE - Principal

Rev. Parlamento & Sociedade, São Paulo, v. 2, n. 2, p. 11-43, jan./jun. 2014

As Câmaras Municipais nos estudos legislativos 29

a criação e a manutenção de sete escolas rurais e uma urbana, além de recompor os salários dos professores municipais.

Outro trabalho, nessa linha, é o de Santos (2004), que analisou o financia-mento da educação na Prefeitura de São Paulo entre 1986 e 1996. Ainda que seu foco seja o Poder Executivo, no capítulo que trata da Câmara Municipal o autor reconheceu a importância do Poder Legislativo como fiscalizador do Executivo no que se refere ao orçamento da educação. Santos registrou a crítica do então vereador do PT, Odilon Guedes, em relação à aprovação, pelo Tribunal de Contas do Município, do parecer às contas do prefeito no exercício de 2003, pelo qual esse tribunal assumia “cada vez mais o papel de um órgão político em vez de um órgão técnico auxiliar da Câmara Municipal” (ibidem, p. 80).

2.5 Conjuntura política

Onze trabalhos, todos eles dissertações de mestrado, foram categorizados em estudos de conjuntura, quer dizer, analisam a câmara municipal no contexto recente do desenvolvimento democrático brasileiro, regra geral pós-Constituição de 1988. Cinco deles estudam cinco câmaras municipais nesse contexto. Além disso, nessa categoria estão incluídos os estudos que tratam de aspectos gerais do parlamento na contemporaneidade (LONGO, 2002; ROCHA, 1995), bem como sua natureza reformada (SILVA, 1998; TORON, 2003).

Faço aqui uma digressão para falar da análise de conjuntura política, pois, embora pareça de definição fácil, não o é.

Para Cruz (2000, p. 145-152), à exceção da economia, o campo da análise de conjuntura política não é área específica da ciência política ou da sociologia, como deveria ser. Sem pretensão de universalidade, o autor propõe que uma aná-lise de conjuntura considere as relações entre as diversas esferas sociais, os atores específicos, as relações de força e as práticas políticas. Alves (2008, p. 2) define análise de conjuntura como “análise de conjunto [...] relacionada com os ciclos de curto prazo da economia e da política”. Essa definição é essencial aqui. Qual é o ciclo de curto prazo da política? Para mim, o exercício de um governo – no caso do Executivo – ou de uma legislatura – no caso do Legislativo. É o que faz Aran-tes (2011) com seu estudo sobre os efeitos da eleição de 2008 em Belo Horizonte. Trata-se de um exemplo de análise de conjuntura porque, além do recorte tem-poral (1993-2008) que a autora faz para dar conta da realidade política da cidade, ela está preocupada com a descrição pormenorizada do contexto da eleição de 2008. Para isso, descreve não apenas a campanha eleitoral, como também a nova conjuntura política, já que cada eleição envolve a configuração de novos arranjos

12717Miolo.indd 29 18/9/2014 20:50:42

Page 32: PARLAMENTO SOCIEDADE - Principal

Jorge Barcellos

Rev. Parlamento & Sociedade, São Paulo, v. 2, n. 2, p. 11-43, jan./jun. 2014

30

político-partidários. Para a autora, há uma ligação notável entre o que acontece no Legislativo e o que acontece no Executivo:

[...] a administração pública não está dissociada do jogo político, de forma

que simplesmente eliminar a “política” da administração pública, ou seja,

insular a política pública, não seria a ação mais viável para o sistema de-

mocrático vigente. A eleição é um importante sistema que dá legitimidade

aos eleitos para governar. Os políticos, partidos e os arranjos políticos são

fundamentais para condução desse processo. Longe de propor uma solução

para os efeitos das eleições no aparato administrativo da política social, a

questão colocada nessa pesquisa visa atentarmos para esse fato, no sentido

de observar em que medida o jogo político se sobrepõe à eficácia da má-

quina pública e vice-versa. Sendo imprescindível apontar as práticas que

ainda conservam elementos imorais, antiéticos e anômalos à democracia.

(ARANTES, 2011, p. 111).

2.6 Processo legislativo municipal

Seis dissertações de mestrado foram registradas nessa temática. São estu-dos que vão da atuação do vereador (RUGGIERO JÚNIOR, 2005), o uso do veto (HETSPTER, 2011), estudos comparativos do processo Legislativo (MEDINA, 2009), até a análise de casos (VOLPE, 2006; BERARDI, 2006; FIORILO, 2006) – são produções que adentram os procedimentos internos de cada câmara municipal. Regra geral, as análises sobre o Poder Legislativo passam pela produção legisla-tiva, isto é, pela produção legal. A diferença está na ênfase que cada autor faz ao arcabouço institucional para identificar o espaço de participação dos parlamen-tares. O pressuposto é que os mecanismos institucionais, como a Constituição Federal e seus desdobramentos na lei orgânica de cada município, são determi-nantes para os limites e as possibilidades legais da atuação parlamentar.

No caso de Fiorilo, esse arcabouço serve para justificar a razão pela qual o Executivo deteve o poder de agenda em São Paulo no governo de Marta Suplicy (2001-2004). Quer dizer, ainda que a análise de conjuntura esteja presente, o que nos chama a atenção nesse estudo é o valor que o autor dá aos aparatos institucio-nais vigentes à ocasião da disputa entre Executivo e Legislativo pelos projetos de lei. É essa posição que leva o autor a se debruçar, em seu capítulo 1, sobre os instru-mentos constitucionais e formas de controle e limites entre os poderes, detalhando tanto os instrumentos do Executivo quanto os do Legislativo. Ainda que Fiorilo dê relevo à descrição do Poder Executivo, quando faz a análise da produção legisla-

12717Miolo.indd 30 18/9/2014 20:50:42

Page 33: PARLAMENTO SOCIEDADE - Principal

Rev. Parlamento & Sociedade, São Paulo, v. 2, n. 2, p. 11-43, jan./jun. 2014

As Câmaras Municipais nos estudos legislativos 31

tiva não deixa por menos: descreve não apenas a maioria necessária para gover-nar, como a hegemonia governista na mesa diretora e nas comissões permanentes, além de dar uma visão abrangente sobre as comissões parlamentares de inquérito instaladas na câmara paulistana. Seu estudo mostra a limitação constitucional de legislar das câmaras municipais, uma vez que muitas matérias se tornam iniciativa do Poder Executivo.

São essas amarras constitucionais que cerceiam muitas das iniciativas do

parlamentar e confirmam que um dos obstáculos do legislador está rela-

cionado aos limites legislativos impostos pela Lei Orgânica, a Constituição

Estadual e a Federal, transformando o parlamentar em mero espectador

das iniciativas apresentadas pelo Executivo, homologador das decisões do

governo ou, ainda, reduzindo sua atuação legislativa às proposituras me-

nores para a cidade, como nome de rua ou título de cidadão paulistano.

(FIORILO, 2006, p. 165-166).

Para termos uma ideia da diferença entre a produção da Câmara de São Paulo e a Câmara de Porto Alegre, basta lembrar que, enquanto naquela, segundo dados da autora, foram produzidas 2.654 proposições no período 2001-2004, no mesmo período a Câmara Municipal de Porto Alegre produziu 11.774. Os dados impõem, então, uma pergunta. Se as amarras são semelhantes entre os parlamen-tos, como essa diferença foi possível? Um encaminhamento de resposta advém da leitura do estudo de Hetsper (2011). Ao analisar as relações entre o Executivo e o Legislativo em Pelotas, no período de 2001 a 2008, o autor destaca o sistema de checks and balances (freios e contrapesos) entre os poderes e refere que a obra de Grohmann (2003) como um dos responsáveis pela mudança de perspectiva sobre a natureza do poder de veto.

2.7 Outros

Inseri nesta modalidade sete estudos, com temas diversificados, como gê-nero (dois), religiosidade (um), comunicação (dois) e relações com a comunidade (um). São também temas reunidos na categoria Câmara Municipal de Porto Alegre, quando a esta se referiam. Sobre a temática de gênero (FREIRE, 2008; GANDIA, 2003), são estudos que abordam a participação feminina no período pós-consti-tuição de 1988 em Natal e em Presidente Prudente; o tema da religiosidade trata da emergência da representação política das novas religiões em Montes Claros; o uso da televisão e da internet pelo Legislativo municipal também se transforma-ram em objeto de investigação em Belo Horizonte e Bauru.

12717Miolo.indd 31 18/9/2014 20:50:42

Page 34: PARLAMENTO SOCIEDADE - Principal

Jorge Barcellos

Rev. Parlamento & Sociedade, São Paulo, v. 2, n. 2, p. 11-43, jan./jun. 2014

32

A pesquisa de Freire (2008) focaliza a sub-representação feminina no con-texto da política de cotas, tal como é realizada na cidade de Natal. Essa política, ainda que deixe a desejar, tem significado um incremento no número de mu-lheres que participam da política. A autora lança mão de entrevistas com cinco mulheres, ex-vereadoras. Constata o baixo número de vereadoras na política e o fato de que os partidos não atingem as cotas mínimas. Passa em revista a partici-pação feminina na política do estado, para chegar à eleição da prefeita da capital potiguar em 1988 – Vilma Maria de Faria Fátima, pelo PDT.

3. Um olhar geral sobre a produção revisada

Em primeiro lugar, o resultado deste levantamento permite revelar, como traço comum e fundamental desta produção: o esforço dos estudiosos das mais diversas áreas das ciências humanas (historiadores, cientistas políticos, sociólo-gos, antropólogos e até estudiosos de cursos de letras) em transformar o Poder Legislativo local em objeto de estudo em suas áreas. Historiadores preocupados com a chamada história política, veem a história do Legislativo como o lugar de enfrentamento das contradições da história nacional; cientistas políticos, preocu-pados com a natureza das instituições políticas, encontram na Câmara Municipal um horizonte aberto à investigação das regras que determinam o funcionamento, além, é claro, de relacionar a experiência legislativa local a processos de democra-tização no Brasil; sociólogos, preocupados com as estratégias dos atores sociais e mesmo com questões de gênero, localizam no parlamento um novo espaço de luta política para a mulher; antropólogos introduzem o conceito de cultura na política e veem no comportamento de vereadores e seus eleitores um horizonte essencial de pesquisas; finalmente, estudiosos de diferentes campos disciplinares terminam encontrando nos comportamentos e nos discursos parlamentares um excelente lugar para experimentar instrumentos teóricos que vão das letras (aná-lise de discurso) à psicologia (análise comportamental).

A análise da produção legislativa no campo da educação no parlamento tem muito a se enriquecer com tais pesquisas, pois permite perceber as formas variadas pelas quais, ao longo do tempo, a educação é tratada pelos vereadores; permite perceber o modo como o Legislativo funciona como instituição e o papel que tem nele seus atores, principalmente os comprometidos com a problemática da educação; a maneira como, na Câmara Municipal, determinados projetos de lei evidenciam uma cultura compartilhada por vereadores, técnicos e sociedade civil organizada, até como o próprio conteúdo dos diversos textos em que se ma-nifesta o discurso dos vereadores – e estamos pensando aqui nos elementos dos

12717Miolo.indd 32 18/9/2014 20:50:42

Page 35: PARLAMENTO SOCIEDADE - Principal

Rev. Parlamento & Sociedade, São Paulo, v. 2, n. 2, p. 11-43, jan./jun. 2014

As Câmaras Municipais nos estudos legislativos 33

projetos de lei – são elementos que só a leitura transversal de tais contribuições permite iluminar. Não é possível reconstruir o papel da câmara municipal na formulação de políticas públicas de educação sem falar, portanto, de sua história, de seus atores, do modo como se organiza e, fundamentalmente, do que dizem os vereadores em seus instrumentos, os processos.

Em segundo lugar, tais estudos nos mostram o valor do estudo de caso. Ainda que na ciência política o uso do comparativismo seja uma força – muitos dos estudos de instituições comparam o funcionamento de diversos órgãos legis-lativos para daí retirarem leis gerais de seu funcionamento –, um ponto comum do trabalho de cientistas políticos e de antropólogos é a análise política feita em profundidade. Isso é um desafio, pois não envolve apenas conhecer o funciona-mento da câmara municipal por dentro, mas também reconstruir o fluxo de seu funcionamento em suas relações com os demais atores.

Quando comecei a ler os projetos de lei e, principalmente, ao buscar enten-der as práticas no interior de um Legislativo municipal, constatei que há um lon-go percurso que vai desde que um projeto de lei dá entrada no setor de protocolo da Câmara até a sua aprovação final. Por exemplo, no processo do Projeto de Lei do Legislativo (PLL) 40/2001, de autoria de Sofia Cavedon, há algumas indica-ções da sua tramitação que inspiram reflexões. O que mais impressiona nessa propositura são as diferentes interpretações contidas no seu interior e a forma de condução do projeto. Há, aqui, muitas divergências, contradições e incoerên-cias que cabe enfatizar, pois é dessa tessitura que resulta aprovação, rejeição ou arquivamento. Nossa atenção na Tese foi posta nas formas pelas quais a Câmara Municipal de Porto Alegre colabora na formulação de políticas públicas de edu-cação, com prioridade para o exame do conteúdo dos projetos de lei aprovados no campo educativo, no sentido de construção de políticas públicas de educação. Não obstante, a competição política presente no interior do Poder Legislativo, revelada nas atividades relacionadas à produção das leis municipais – pareceres, vistas, prazos –, é organizada pela obediência a procedimentos regimentais e que constituem a matéria-prima da política, o jogo político, o qual impõe delimita-ções sensíveis à formulação dessas mesmas leis. Diz Gomes a respeito:

Trata-se do jogo político ou das negociações políticas, ou seja, de uma am-

pla gama de interações entre as forças políticas que inclui comportamentos

como acordo, articulação, acerto, barganha, alianças, retaliações, composi-

ções e compensações, de que a esfera política é pródiga. Mais que isso, con-

sidero que se possa dizer não apenas que a prática política regular constitui

uma permanente negociação política, isto é, um conjunto de atividades,

12717Miolo.indd 33 18/9/2014 20:50:42

Page 36: PARLAMENTO SOCIEDADE - Principal

Jorge Barcellos

Rev. Parlamento & Sociedade, São Paulo, v. 2, n. 2, p. 11-43, jan./jun. 2014

34

habilidades e princípios voltados para a composição de forças no interior

do jogo político. Pode-se, ademais, afirmar que a prática política tende a

assumir também a forma de uma política de negociação, entendendo com isso

que a arena política se constitui por disputas e concorrências entre as for-

ças políticas e que tais disputas e concorrências se estabelecem através de

complexos jogos de alianças, barganhas, acertos, adesões, partilhas de po-

der, retaliações, concessões, compensações e outras práticas de composição

política. (GOMES, 2004, p. 83).

É por essa razão, que um dos apoios teóricos que apontei é que no campo do dos chamados estudos legislativos, no que se refere ao jogo político, ainda são incipientes na análise e na interpretação do jogo político municipal8. Como já assinalei, uma das razões é o fato de que a constituição dessa área no Brasil é re-cente, constituindo-se numa importação de uma área consolidada no interior da ciência política norte-americana, assimilada pelos cientistas políticos brasileiros em suas análises do nosso sistema político.

Tais pesquisadores fizeram com que os estudos, que até então se restrin-giam à consolidação da democracia, passassem a estudar o funcionamento da ordem democrática9, e daí à passagem para o funcionamento das instituições foi um passo. É o que assinala Santos (2011): entre os anos 1980 e 1990 havia uma agenda de pesquisa em política marcada pelos estudos sobre transições entre regimes políticos – o ciclo de transições do autoritarismo – que evoluiu para uma outra agenda, voltada para o processo de consolidação democrática10. Nesse mo-mento, os estudos legislativos entram em cena para buscar discutir, no contexto de abertura política, em que medida a crise de governabilidade era causada pelas

8 Aqui, além dos estudos já apontados de Márcia Inácio e Lúcio Rennó da coletânea Legislativo brasileiro em perspectiva comparada (Ed. UFMG, 2009) e do artigo de Fernando Limongi, Estudos legislativos no Brasil, em sua análise dos temas comportamento legislativo, processo decisório e relação executivo-legislativo, cuja ênfase na organização dos trabalhos legislativos é fundamental para minha tese, foram também de valor a síntese do processo de negociação política, tal como é formulada por Wilson Gomes no capítulo segundo de Transformações da política na era da comunicação de massa (2004).9 Vale a pena lembrar que uma das instituições fundamentais nesse processo foi o Instituto Univer-sitário de Pesquisas do Rio de Janeiro (Iuperj), instituição altamente reconhecida. Fundado em 1969 como Departamento de Ciências Sociais da Universidade Cândido Mendes, possui mestrado e douto-rado em Ciência Política. Em 2010, uma crise levou à demissão de 20 professores e sua passagem para a UERJ. Entre eles, Fabiano Santos, Jairo Nicolau, Luis Werneck Viana, Renato Benzaquem. Simon Schwartzman e Wanderley Guilherme dos Santos. Essa geração praticamente consolidou a linha de estudos legislativos no Brasil, com seus estudos e pesquisas. 10 Da primeira corrente, a título de exemplo, cito Linz e Stepan (1999) – A transição e consolidação da democracia: a experiência do sul da Europa e da América do Sul – e O’Donnell e Schmitter (1988) – Transições do regime autoritário: primeiras conclusões. Da segunda corrente, Moisés e Albuquerque (1989) – Dilemas da consolidação da democracia.

12717Miolo.indd 34 18/9/2014 20:50:43

Page 37: PARLAMENTO SOCIEDADE - Principal

Rev. Parlamento & Sociedade, São Paulo, v. 2, n. 2, p. 11-43, jan./jun. 2014

As Câmaras Municipais nos estudos legislativos 35

características do parlamento brasileiro – mais ou menos fragmentado, pautado por interesses sociais ou particulares ou por outra coisa. Nesse primeiro momen-to, porém, os estudos legislativos se ocuparam do Congresso Brasileiro, razão pela qual ainda hoje são escassos os estudos sobre câmaras municipais. Como afirma Limongi, “logo, encontrava-se ali um corpo consolidado de estudos sobre o funcionamento da democracia, ainda que estruturados com base no estudo de uma instituição específica” (2010, p. 165). Ainda que as câmaras municipais não tenham sido alvo preferencial dos estudos legislativos, estes possibilitaram que a pesquisa sobre câmaras municipais pudesse incorporar uma variável fundamen-tal, a da organização dos trabalhos parlamentares11.

Isso ficou evidente em minha Tese na descrição da tramitação na Câmara Municipal de Porto Alegre do PLL 40/2001 que tratava da eleição de diretores: como é possível que um projeto com o objetivo de aprimorar um ponto essencial da vida escolar possa ter levado tanto tempo para ser apreciado e terminar por não ser votado pelo Poder Legislativo? Como explicar que um projeto que tem a aprovação técnica da procuradoria da casa e de comissões sofra, ao mesmo tem-po, resistências, atrasos e pedidos de vistas que fazem com que termine por ser arquivado por sucessivos anos? Por que motivo supostos aliados da autora são capazes de votar contra um projeto de um de seus pares no interior do sistema de comissões? Ao contrário do que aparentam ser as leis ditas prontas, demonstrei que há uma zona de negociação política que ocorre no interior do processo legis-lativo e que precede a aprovação de uma lei e que claramente tem o poder de res-tringir e coibir iniciativas parlamentares no campo educativo e que se reproduz nos demais projetos de lei. Esse movimento não é menor, ao contrário, correspon-de a um momento importante da formulação das políticas públicas, o que signifi-ca que estudei menos o resultado final – as leis da educação – mas acompanhei de dentro dos processos as características da produção legal como material expressivo a partir do qual se dá a construção de uma lei municipal, no caso de educação, no jogo de forças, alianças e barganhas entre os diversos atores políticos.

Isso gera um paradoxo curioso. As leis que denominados prontas e que nos acostumamos a ver como a produção legal acabada, a partir do que se cons-

11 Uma exceção é a obra organizada por Régis de Castro Andrade, Processo de governo no município e no estado (Edusp, 1998), uma análise do caso de São Paulo que contém três artigos fundamentais sobre dinâmicas das câmaras municipais, seus processos decisórios e os padrões de negociação. A obra é produto do trabalho de quatro anos da equipe de estudos políticos do Centro de Estudos de Cultura Contemporânea (Cedec). A tônica dos estudos legislativos, em seu processo de expansão, ainda são as assembleias legislativas, como revela a obra de Fabiano Santos (2001), O poder legislativo nos estados. Essa obra inclui uma análise da Assembleia Legislativa do Rio Grande do Sul, um notável avanço.

12717Miolo.indd 35 18/9/2014 20:50:43

Page 38: PARLAMENTO SOCIEDADE - Principal

Jorge Barcellos

Rev. Parlamento & Sociedade, São Paulo, v. 2, n. 2, p. 11-43, jan./jun. 2014

36

tituem as políticas públicas no nosso município, não o são. Fala-se da aplicação da lei como se a lei fosse o produto a partir do qual nasceria o fenômeno político. Ao contrário, o fenômeno político já nasce no interior do parlamento, no momento em que a lei atravessa o que poderíamos chamar de gestação. Pensar os efeitos no campo das políticas públicas, esquecendo o processo legislativo, um caminho repleto de variáveis que leva à produção de uma lei, é esquecer, no sentido de Gomes (2004), justamente, aquilo que é fundamental: uma lei sempre é fruto de uma política de negociação. Ora, não parece razoável pensar que a lei que é produ-zida pelo Legislativo nasça de uma forma neutra: o vereador formula uma lei, ela sofre alterações técnicas, é votada e aprovada. Não, ao contrário, o que a análise dos processos revela, e é no que depositei meu interesse analítico em minha Tese, é justamente o movimento de recursos, meios, linguagens e lógicas que fazem com que determinados projetos de lei sejam aprovados e outros rejeitados. Desse modo, meu foco em meu estudo está naquilo que os processos permitem ler, uma análise do que se realiza nos bastidores da produção de uma lei, uma verdadeira luta que se realiza através de pareceres, emendas, vistas, mas também omissões, atrasos, pequenas obstaculizações, que fazem com que algumas leis sejam apro-vadas e outras arquivadas, ou mesmo rejeitadas. Um jogo que não é percebido pelo cidadão que está muitas vezes distante dos holofotes, longe do plenário ou das comissões onde se realiza a política de negociação em estado bruto.

A conclusão é que o modo de produção da legislação pelas Câmaras Mu-nicipais colaboram na definição das políticas públicas. Daí a necessidade de ter como apoio teórico não somente resultados da área de estudos legislativos, mas também do campo das políticas públicas.

Abstract

This paper to conduct a preliminary mapping of the academic literature on PhD theses and dissertations in the field of Municipalities of Legislative Studies in Brazil. Modified my PhD thesis on the Municipality of Porto Alegre, chapter was surveyed from the banks of Theses and Dissertations of IBICIT and CAPES in 2012 The results are as follows: 1) The following are the main topics of production on academic Municipalities: Historical Approaches, Actors Perspective, Public Policy, Municipality of Porto Alegre and other studies; 2 ) Despite the evident production graduate, conducting studies on municipal legislatures are still modest compared to studies on Legislatures and National Congress 3) The production of legislative studies of Municipalities has concentrated in regions south and southeast 4) There is a remarkable interdisciplinary effort in addressing local

12717Miolo.indd 36 18/9/2014 20:50:43

Page 39: PARLAMENTO SOCIEDADE - Principal

Rev. Parlamento & Sociedade, São Paulo, v. 2, n. 2, p. 11-43, jan./jun. 2014

As Câmaras Municipais nos estudos legislativos 37

legislatures, which contributes to the multiplicity of analisys. O article concludes defending the idea that an understanding of local public policies involves the contribution made by the legislature.

Keywords : Municipalities. Legislative Studies. University Production.

Referências bibliográficas

AMES, Barry. Political Survival: Politicians and Public Policy in Latin America. Berkeley: University of California Press, 1987.

ANDRADE, Regis de Castro (Org.). Processo de governo no município e no estado. São Paulo: Editora da Universidade de São Paulo, 1998.

BARCELLOS, Jorge. O PT em Porto Alegre: balanço introdutório. In: FEIJÓ, Jandira; ZALEWSKY, Plínio. O jeito petista de governar. Porto Alegre: Mercado Aberto, 2002.

_______. Educação e Poder Legislativo: a contribuição da Câmara Municipal na formulação de Políticas Públicas de Educação no município de Porto Alegre (2001-2010). Tese (Doutorado em Educação)–Programa de Pós-graduação em Educação, Universidade Federal do Rio Grande do Sul, Porto Alegre, 2012.

BARTH, Fernanda da Cunha. O apelo ao voto útil nas eleições para a prefeitura de Porto Alegre: mídia, pesquisas de intenção de voto e comportamento eleitoral. Dissertação (Mestrado em Ciência Política)–Programa de Pós-Graduação em Ciência Política, Universidade Federal do Rio Grande do Sul, Porto Alegre, 2006.

BERARDI, Luciana Andréa Accorsi. O processo legislativo na Câmara Municipal de São Paulo e a constituição federal de 1988. Dissertação (Mestrado em Direito)–Pontifícia Universidade Católica de São Paulo, São Paulo, 2006.

BRABO, Tânia Suely Antonelli Marcelino. Gênero e poder local: eleições municipais em Marília (SP). Tese (Doutorado em Sociologia)–Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas, Universidade de São Paulo, São Paulo, 2003.

COMISSOLI, Adriano. Os homens bons e a câmara de Porto Alegre (1767-1808). Dissertação (Mestrado em História)–Programa de Pós-Graduação em História, Universidade Federal Fluminense, Niterói, 2008.

12717Miolo.indd 37 18/9/2014 20:50:43

Page 40: PARLAMENTO SOCIEDADE - Principal

Jorge Barcellos

Rev. Parlamento & Sociedade, São Paulo, v. 2, n. 2, p. 11-43, jan./jun. 2014

38

DIAS, Márcia Ribeiro. Sob o signo da vontade popular: o orçamento participativo e o dilema da Câmara Municipal de Porto Alegre. Belo Horizonte: Editora UFMG; Rio de Janeiro: Iuperj, 2002.

FIORILO, Paulo Roberto. A relação entre executivo e legislativo no governo petista de Marta Suplicy (2001-2004). Dissertação (Mestrado em Ciências Sociais)–Pós-Graduação em Ciências Sociais, Pontifícia Universidade Católica de São Paulo, São Paulo, 2006.

FREIRE, Aluizia do Nascimento. A inserção das mulheres na Câmara Municipal de Natal (1988-2004). Dissertação (Mestrado em Serviço Social)–Programa de Pós-Graduação em Serviço Social, Centro de Ciências Sociais Aplicadas, Universidade Federal do Rio Grande do Norte, Natal, 2008.

GANDIA, Alba Lucena Fernandes. Mulher na política, educação e gênero: seu compromisso com a cidadania plena. Dissertação (Mestrado em Educação)–Programa de Pós-Graduação em Educação, Universidade do Oeste Paulista, Presidente Prudente, 2003.

GOMES, Wilson. Transformações da política na era da comunicação de massa. São Paulo: Paulus, 2004.

GONÇALVES, Patrícia. Limites e possibilidades da democracia representativa na produção do espaço urbano: uma análise a partir da atuação da Câmara Municipal de Belo Horizonte. Dissertação (Mestrado em Geografia)–Programa de Pós-Graduação do Instituto de Geociências, Universidade Federal de Minas Gerais, Belo Horizonte, 2008.

GORNIAK, Fabiana Beckert. Percepção sócio-ambiental da paisagem urbana pelo Poder Legislativo municipal de Joinville-SC: um estímulo à compreensão da dimensão emocional na percepção da paisagem urbana. Dissertação (Mestrado em Engenharia Ambiental)–Programa de Pós-Graduação em Engenharia Ambiental, Centro de Ciências Tecnológicas, Universidade Regional de Blumenau, Blumenau, 2004.

HETSPER, Rafael Vargas. Os significados político-institucionais do uso do veto na relação executivo-legislativo em Pelotas (RS) no período 2001-2008. Dissertação (Mestrado em Ciências Sociais)–Programa de Pós-Graduação em Ciências Sociais, Instituto de Sociologia e Política, Universidade Federal de Pelotas, Pelotas, 2011.

12717Miolo.indd 38 18/9/2014 20:50:43

Page 41: PARLAMENTO SOCIEDADE - Principal

Rev. Parlamento & Sociedade, São Paulo, v. 2, n. 2, p. 11-43, jan./jun. 2014

As Câmaras Municipais nos estudos legislativos 39

HOFFMAISTER, Wilhelm. Apresentação. Cadernos Adenauer, n. 1, Avanços nas Prefeituras: novos caminhos da democracia, Rio de Janeiro, jun. 2004.

INACIO, Magna; RENNÓ, Lucio (Org.). Legislativo brasileiro em perspectiva comparada. Belo Horizonte: Editora UFMG, 2009.

KERBAUY, Maria Teresa Miceli. As câmaras municipais brasileiras: perfil de carreira e percepção sobre o processo decisório local. Opinião Pública, Campinas, v. 11, n. 2, p. 337-365, out. 2005.

KUNZLER, Caroline Moraes. O cotidiano da Câmara Municipal de Porto Alegre: uma análise com base na teoria sistêmica de Niklas Luhmann. Dissertação (Mestrado em Ciências Sociais)–Programa de Pós-Graduação em Ciências Sociais, Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul, Porto Alegre, 2002.

KUSHINIR, Karina. Política e mediação cultural: um estudo na Câmara Municipal do Rio de Janeiro. Dissertação (Mestrado em Antropologia Social)–Programa de Pós-Graduação em Antropologia Social, Universidade Federal do Rio de Janeiro, Rio de Janeiro, 1993.

______. Eleições e representações no Rio de Janeiro. Rio de Janeiro: Relume Dumará, 2000.

______. Antropologia da política. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 2007.

LEAL, Victor Nunes. Coronelismo, enxada e voto: o município e o regime representativo no Brasil. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 1997.

LIMONGI, Fernando. O novo institucionalismo e os estudos legislativos. A literatura norte-americana recente. BIB: Revista Brasileira de Informação Bibliográfica em Ciências Sociais, São Paulo, n. 37, p. 3-38, 1º Sem. 1994.

______. Formas de governo, leis partidárias e processo decisório. BIB: Revista Brasileira de Informação Bibliográfica em Ciências Sociais, São Paulo, n. 55, p. 7-40, 1º Sem. 2003.

______. Estudos legislativos. In: MARTINS, Carlos Benedito. Horizontes das ciências sociais no Brasil: ciência política. São Paulo: Anpocs, 2010.

LONGO, Anelise Elise Vargas. O legislador municipal e seu papel na contemporaneidade. Dissertação (Mestrado em Direito)–Programa de

12717Miolo.indd 39 18/9/2014 20:50:43

Page 42: PARLAMENTO SOCIEDADE - Principal

Jorge Barcellos

Rev. Parlamento & Sociedade, São Paulo, v. 2, n. 2, p. 11-43, jan./jun. 2014

40

Pós-Graduação em Direito, Universidade Federal de Santa Catarina, Florianópolis, 2002.

LOPEZ, Felix G. A política cotidiana dos vereadores e as relações entre executivo e legislativo no âmbito municipal: o caso do município de Araurama. Revista de Sociologia e Política, Curitiba, n. 22, p. 153-177, jun. 2004. Disponível em: <http://www.scielo.br/pdf/rsocp/n22/n22a12.pdf>. Acesso em: 10 jan. 2013.

MALUF, Rui Tavares. A carreira política na Câmara Municipal de São Paulo. Tese (Doutorado em Ciência Política)–Programa de Pós-Graduação em Ciência Política, Universidade de São Paulo, São Paulo, 2006.

MAINWARING, Scott. Políticos, partidos e sistemas eleitorais: o Brasil numa perspectiva comparada. Novos Estudos, CEBRAP, São Paulo, n. 29, 1991.

MALMANN, Marcelo Augusto. Senado da Câmara: relevância política, econômica e social na freguesia Nossa Senhora Madre de Deus de Porto Alegre (1773-1809). Dissertação (Mestrado em História)–Programa de Pós-Graduação em História, Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul, Porto Alegre, 2004.

MARTINS, Cleber Ori Cuti. As fronteiras da informalidade: a relação da Prefeitura e da Câmara de Vereadores de Porto Alegre com os vendedores ambulantes. Dissertação (Mestrado em Ciência Política)–Programa de Pós-Graduação em Ciência Política, Instituto de Filosofia e Ciências Humanas, Universidade Federal do Rio Grande do Sul, Porto Alegre, 2004.

MARTINY, Carina. Os seus serviços públicos e políticos estão de certo modo ligados à prosperidade do município: constituindo redes e consolidando o poder: uma elite política local (São Sebastião do Caí 1875-1900). Dissertação (Mestrado em História)–Programa de Pós-Graduação em História, Universidade do Vale do Rio dos Sinos, São Leopoldo, 2010.

MULLER, Pierre; SUREL, Yves. A análise das políticas públicas. Pelotas: Educat, 2002.

OLIVEIRA, Rosimar de Fátima. Políticas educacionais no Brasil: qual o papel do Poder Legislativo? Curitiba: Protexto, 2008.

PEDROSO, Élson Sempé. Comunicação pública política: campos em conflito: um olhar a partir da Câmara Municipal de Porto Alegre. Dissertação (Mestrado em Comunicação Social)–Programa de Pós-Graduação em Comunicação Social,

12717Miolo.indd 40 18/9/2014 20:50:43

Page 43: PARLAMENTO SOCIEDADE - Principal

Rev. Parlamento & Sociedade, São Paulo, v. 2, n. 2, p. 11-43, jan./jun. 2014

As Câmaras Municipais nos estudos legislativos 41

Faculdade de Comunicação, Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul, Porto Alegre, 2006.

PIERINI, Alexandre José. Grupos de pressão na Câmara dos vereadores da Cidade de Curitiba 1996-2000: estudo de caso do projeto de lei referente ao uso e ocupação do solo urbano. Dissertação (Mestrado em Ciências Sociais Aplicadas)–Programa de Mestrado em Ciências Sociais Aplicadas, Universidade Estadual de Ponta Grossa, Ponta Grossa, 2003.

PINHEIRO, Adriana Cristina. O código de posturas do município na educação e normatização do povo. Dissertação (Mestrado em Educação)–Faculdade de Educação, Universidade de Campinas, Campinas, 2004.

QUEIROZ, Maria Isaura P. de. O mandonismo local na vida política brasileira e outros ensaios. São Paulo: Alfa-Ômega, 1976.

RAIMUNDO, Bruno Caetano. Executivo e Legislativo na esfera local: o caso do município de São Paulo. Dissertação (Mestrado em Ciência Política)–Programa de Pós-Graduação em Ciência Política, Universidade de São Paulo, São Paulo, 2005.

RICCI, Paolo. O conteúdo da produção legislativa brasileira: leis nacionais ou políticas paroquiais? Dados, Rio de Janeiro, v. 46, n. 4, 2003. Disponível em: <http://www.scielo.br/scielo.php?script= sci_arttext&pid=S0011-52582003000400003&lng=pt&nrm=iso>. Acesso em: 10 jan. 2013.

______. De onde vêm nossas leis? Origem e conteúdo da legislação em perspectiva comparada. Tese (Doutorado em Ciência Política)–Programa de Pós-Graduação em Ciência Política, Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas, Universidade de São Paulo, São Paulo, 2006.

ROCHA, Adriana de Lacerda. Autonomia legislativa municipal no direito brasileiro e estrangeiro. Dissertação (Mestrado em Direito)–Programa de Pós-Graduação em Direito, Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro, Rio de Janeiro, 1995.

RUGGIERO JÚNIOR, Nelson. A atuação do vereador na Câmara Municipal de Araraquara: processo legislativo em dois momentos. Dissertação (Mestrado em Ciências Sociais)–Programa de Pós-Graduação em Ciências Sociais, Universidade Federal de São Carlos, São Carlos, 2005.

RUSSO, Maria do Carmo Oliveira. Cultura política e relações de poder na região de São Mateus: o papel da Câmara Municipal (1848-1889). Dissertação (Mestrado

12717Miolo.indd 41 18/9/2014 20:50:43

Page 44: PARLAMENTO SOCIEDADE - Principal

Jorge Barcellos

Rev. Parlamento & Sociedade, São Paulo, v. 2, n. 2, p. 11-43, jan./jun. 2014

42

em História Social das Relações Políticas)–Universidade Federal do Espírito Santo, Vitória, 2007.

SABBADO, Lais Soares. Poder de agenda em esfera local: uma análise comparada da produção legislativa de dois governos de Pelotas, RS (2001-2008). Dissertação (Mestrado em Ciências Sociais)–Instituto de Sociologia e Política, Universidade Federal de Pelotas, Pelotas, 2010.

SANTOS, Fabiano. Patronagem e poder de agenda na política brasileira. Dados, Rio de Janeiro, v. 40, n. 3, 1997.

______. Deputados federais e instituições legislativas no Brasil: 1946-1999. In: BOSHI, Renato (et al.). Elites políticas e econômicas no Brasil contemporâneo: a desconstrução da ordem corporativa e o papel do legislativo no cenário pós-reformas. São Paulo: Konrad-Adenauer, 2000. p. 91-117.

SANTOS, Márcio Martins. Tribunos do povo, servos de Deus: um estudo antropológico sobre políticos e religião na cidade de Porto Alegre. Dissertação (Mestrado em Antropologia Social)–Programa de Pós-Graduação em Antropologia Social, Instituto de Filosofia e Ciências Humanas, Universidade Federal do Rio Grande do Sul, Porto Alegre, 2005.

SANTOS, Luis Alberto dos. Regulamentação das atividades de lobby e seu impacto sobre as relações entre políticos, burocratas e grupos de interesse no ciclo de políticas públicas. Tese (Doutorado em Ciências Sociais)–Centro de Pesquisa e Pós-Graduação sobre as Américas, Instituto de Ciências Sociais, Universidade de Brasília, Brasília, 2010.

SANTOS, Rafael Freitas dos. Poder de agenda e participação legislativa no presidencialismo de coalizão brasileiro. Dissertação (Mestrado em Ciência Política)–Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas, Universidade de São Paulo, São Paulo, 2010.

SCHNEIDER, Sergio; SCHIMITT, Cláudia Job. O uso do método comparativo nas Ciências Sociais. Cadernos de Sociologia, Porto Alegre, v. 9, p. 49-87, 1998. Disponível em: <http://www.ufrgs.br/ pgdr/arquivos/373.pdf>. Acesso em: 10 jan. 2013.

SEBENELO, Sônia. Possíveis contradições no processo de emancipação feminina: um estudo da presença feminina na Câmara Municipal de Porto Alegre. Dissertação

12717Miolo.indd 42 18/9/2014 20:50:43

Page 45: PARLAMENTO SOCIEDADE - Principal

Rev. Parlamento & Sociedade, São Paulo, v. 2, n. 2, p. 11-43, jan./jun. 2014

As Câmaras Municipais nos estudos legislativos 43

(Mestrado em Ciências Sociais)–Programa de Pós-Graduação em Ciências Sociais, Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul, Porto Alegre, 2004.

SILVA, Patricia Gularte da. Retomando antigas práticas: uma análise do comportamento da Câmara Municipal de Porto Alegre após a posse de José Fogaça em 2005. Dissertação (Mestrado em Ciências Sociais)–Programa de Pós-Graduação em Ciências Sociais, Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul, Porto Alegre, 2007.

SILVA, José Mauro da. A democratização da Câmara Municipal de São Paulo: reforma das Comissões Permanentes. São Paulo: FGV, 1998.

SILVA, Vania Sandeleia Vaz da. Transição política e consolidação democrática no Brasil: novas reflexões sobre um velho tema. Revista de Sociologia e Política, Curitiba, n. 29, nov. 2007. Disponível em: <http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S0104-44782007000200015 &lng=en&nrm=iso>. Acesso em: 29 set. 2011.

SILVA FILHO, Geraldo. Constituição, estrutura e atuação dos poderes locais na Comarca de Vila Rica 1717-1750. Dissertação (Mestrado em História) –Departamento de História, Universidade de São Paulo, São Paulo, 2009.

SILVEIRA, Alair. O perfil do poder Legislativo da capital e do estado de Mato Grosso (1983-2004). Revista de Sociologia e Política, Curitiba, v. 17, n. 34, 2009.

SOARES, Vânia Fonseca. A abertura política e os movimentos sociais em Porto Alegre (1979-1985). Dissertação (Mestrado em História)–Programa de Pós-Graduação em História, Instituto de Filosofia e Ciências Humanas, Universidade Federal do Rio Grande do Sul, Porto Alegre, 2002.

TORON, Alberto Zacharias. A inviolabilidade penal dos vereadores no estado democrático de direito. Tese (Doutorado em Direito)–Programa de Pós-Graduação em Direito, Universidade de São Paulo, São Paulo, 2003.

VIEIRA, Flávio César Freitas. Profissionalização docente e legislação educacional: Uberabinha (1892-1930). Dissertação (Mestrado em Educação)–Programa de Pós-Graduação em Educação, Universidade Federal de Uberlândia, 2004.

VOLPE, Ana Paulo Sampaio. A construção do legislativo: o caso da Câmara legislativa do Distrito Federal. Dissertação (Mestrado em Ciência Política) –Instituto de Ciência Política, Programa de Pós-Graduação, Universidade de Brasília, Brasília, 2008.

12717Miolo.indd 43 18/9/2014 20:50:43

Page 46: PARLAMENTO SOCIEDADE - Principal

12717Miolo.indd 44 18/9/2014 20:50:43

Page 47: PARLAMENTO SOCIEDADE - Principal

ARTIGO 2

Racionalidade técnica no processo legislativo

Allan Rodrigues DiasEdinei Arakaki Guskuma

Fernanda Paula de Carvalho MottaJuliana Trufino

Monica Lilia Vigna Silva GrippoRoberto Tadeu Noritomi

Simone Fantucci

12717Miolo.indd 45 18/9/2014 20:50:43

Page 48: PARLAMENTO SOCIEDADE - Principal

12717Miolo.indd 46 18/9/2014 20:50:43

Page 49: PARLAMENTO SOCIEDADE - Principal

Racionalidade técnica no processo legislativo

Allan Rodrigues Dias1

Edinei Arakaki Guskuma2

Fernanda Paula de Carvalho Motta3

Juliana Trufino4

Monica Lilia Vigna Silva Grippo5

Roberto Tadeu Noritomi6

Simone Fantucci7

Resumo

A partir da relação “poder e conhecimento” e o processo de tomada de decisão, o artigo explora a correspondência entre a ciência e a política. Os meca-nismos institucionais de atuação do poder legislativo pressupõem a existência de informações processadas de maneira criteriosa a partir das diversas especiali-dades profissionais. Assim, o artigo apresenta brevemente o desenvolvimento, a configuração e o funcionamento do poder legislativo, assumindo como fio con-dutor o processo de tomada de decisão, considerado na sua relação intrínseca entre as racionalidades política e técnica. Em seguida aborda seu foco principal, o qual é circunscrito e incide sobre o trabalho de consultoria técnica no âmbito do poder legislativo8, mais precisamente sobre as condições e os instrumentos téc-

1 Mestre em Psicologia Social pela USP. Consultor Técnico Legislativo em Psicologia da CMSP. 2 Graduado em Administração pela USP e Especialista em Gestão Pública pela PUCCAMP/SP. Con-sultor Técnico Legislativo em Administração da CMSP. 3 Mestre em Serviço Social pela UNESP/SP. Especialista em Direitos Sociais e Competências Profis-sionais pela UNB/DF. Consultora Técnica Legislativa em Serviço Social da CMSP.4 Especialista em Recursos Humanos, Psicopedagogia e Psicoterapia Breve. Consultora Técnica Le-gislativa em Psicologia da CMSP.5 Mestre em Enfermagem em Saúde Coletiva/USP. Especialista em Gerenciamento de Unidades de Saúde. Consultora Técnica Legislativa em Enfermagem da CMSP.6 Mestre e Doutor em Sociologia pela USP. Consultor Técnico Legislativo em Sociologia da CMSP.7 Mestre em Serviço Social pela PUC/SP. Consultora Técnica Legislativa em Serviço Social da CMSP.8 O papel da consultoria técnica já foi discutido em artigo anterior publicado nesta revista: COCCO JÚNIOR, J. G.; FANTUCCI, S. A Capacidade técnica do Poder legislativo: o papel das consultorias institucionais legislativas. Revista do Parlamento Paulistano, revista da Câmara Municipal de São Paulo, São Paulo, v. 2, n. 3, jul./dez. 2012. Disponível em: <http://www.camara.sp.gov.br/indez.php?option=_content&viewarticle&id=11032&Itemid=240>. Acesso em: 28 mar. 2014.

12717Miolo.indd 47 18/9/2014 20:50:43

Page 50: PARLAMENTO SOCIEDADE - Principal

48 Allan Rodrigues Dias e outros

Rev. Parlamento & Sociedade, São Paulo, v. 2, n. 2, p. 45-77, jan./jun. 2014

nicos e metodológicos que devem ancorar esse trabalho no âmbito parlamentar. Por este campo ser pouco abordado nos estudos acadêmicos, o que se verá é um ensaio exploratório que visa contribuir para reflexões futuras sobre o papel dos recursos técnico-científicos dentro do Estado.

Palavras-chave: Parecer técnico. Consultoria Técnico-Legislativa. Poder Legislativo.

1. Introdução

Poder e saber compõem os termos indissociáveis de uma equação clássica. Numa acepção normativa antiga e bem consolidada, quem representa e conduz deve estar particularmente preparado para discernir e resolver os problemas de sua coletividade. Precisa, portanto, possuir um conhecimento especial e elevado sobre as coisas. Deve ser um sábio, que detém as prerrogativas para fazer o bem9. Não basta somente esse fator, mas ele é um dos componentes fundamentais que caracterizam o “bom” governante/legislador/magistrado. O exercício do poder exige o conhecer, de tal forma que se possa agir adequadamente, com clareza, precisão, objetividade e, antes de tudo, justiça. Grosso modo, é isso que está con-substanciado na ideia do “rei-filósofo”, exposta por Platão no vigoroso diálogo A república. No livro V desta obra, ao argumentar com Glauco sobre a direção do Estado, Sócrates é categórico ao afirmar que:

Enquanto os filósofos não forem reis nas cidades, ou aqueles que hoje deno-

minamos reis e soberanos não forem verdadeira e seriamente filósofos, en-

quanto o poder político e a filosofia não convergirem num mesmo indivíduo,

enquanto os muitos caracteres que atualmente perseguem um ou outro destes

objetivos de modo exclusivo não forem impedidos de agir assim, não terão

fim, meu caro Glauco, os males das cidades, nem, conforme julgo, os do gêne-

ro humano, e jamais a cidade que nós descrevemos será edificada. Eis o que

eu hesitava há muito em dizer, prevendo quanto estas palavras chocariam o

senso comum. De fato, é difícil conceber que não haja felicidade possível de

outra maneira, para o Estado e para os cidadãos.10 (PLATÃO, 1983, p. 252).

9 O argumento não vai se deter sobre a discussão referente ao caráter manipulador e ardiloso dos usos do conhecimento e da prerrogativa de o poder produzir saber. Este é outro debate, inserido na seara foucaultiana e de outros tantos. O que importa neste momento é discorrer sobre os potenciais de uma perspectiva normativa/formalista que se fixou ideológica e institucionalmente.10 Essa defesa do filósofo como depositário natural das prerrogativas do exercício do poder político também aparece em outro importante diálogo de Platão chamado Político.

12717Miolo.indd 48 18/9/2014 20:50:43

Page 51: PARLAMENTO SOCIEDADE - Principal

49Racionalidade técnica no processo legislativo

Rev. Parlamento & Sociedade, São Paulo, v. 2, n. 2, p. 45-77, jan./jun. 2014

Como nem todos os cidadãos poderiam ser filósofos, pela formação pecu-liar e rigorosa que isso exigiria, fica claro que o governo seria franqueado a uma minoria seleta – uma aristocracia, na acepção platônica. Os poucos e bons deten-tores de sabedoria e justiça.

De modo muito raso, para fins do argumento deste texto, é possível di-zer que essa noção da supremacia intelectual-racional acabou se fixando numa espécie de eixo norteador que ao longo de séculos sempre esteve presente numa variedade de aspirações político-ideológicas. Sua feição mais concreta assumiu a forma do “déspota esclarecido”, influenciada por grandes filósofos itinerantes que procuravam executores de seus ideários reformadores da sociedade11. Se o monarca, detentor legítimo do poder, não possuía o saber que o cargo exigia, lá estava o filósofo para lhe trazer o discernimento necessário. Já Rousseau, numa perspectiva democrática radical, tem em mente a ideia de uma “república” or-ganizada segundo uma espécie de “legislador absoluto”, impessoal e universal, quando afirma: “[...] para descobrir as melhores regras de sociedade que conve-nham às nações, precisar-se-ia de uma inteligência superior, que visse todas as paixões e não participasse de nenhuma delas, que não tivesse nenhuma relação com a nossa natureza e a conhecesse a fundo [...]”. (ROUSSEAU, 1962, p. 45).

Aqui não se trata de nenhum “rei-filósofo” ou “déspota esclarecido”, mas da própria força da Razão investida da autoridade divina e incumbida de or-denar e dirigir o mundo: “Essa razão sublime,” dirá Rousseau, “que escapa ao alcance dos homens vulgares, é aquela cujas decisões o Legislador põe na boca dos imortais, para guiar pela autoridade divina os que a prudência humana não poderia abalar” (ROUSSEAU, 1962, p. 47).

Na esteira disso, a história humana, imersa na história natural, começa a ser pensada como acometida por uma lógica imanente que deve ser entendida e obedecida pelos homens para que eles assim vivam em consonância com a “ordem natural das coisas”. Construir a organização social humana é, portanto, tarefa de uma consciência poderosa que seja capaz de identificar a racionalidade do desenvolvimento universal e, com isso, formular as leis adequadas a tal orien-tação. A lei jurídica é o espelho da lei natural e esta somente é dada pela inves-tigação da realidade concreta pela ciência. A especulação metafísica deve ceder o lugar ao conhecimento empírico, científico. Assim, não se trata mais do “rei--filósofo” ou do “legislador absoluto”; agora surge o “cientista supremo” como o

11 Dentre os principais arautos dessa visão encontram-se pensadores como Diderot, Voltaire e D’Alembert, que frequentaram cortes de importantes governantes do século XVIII.

12717Miolo.indd 49 18/9/2014 20:50:43

Page 52: PARLAMENTO SOCIEDADE - Principal

50 Allan Rodrigues Dias e outros

Rev. Parlamento & Sociedade, São Paulo, v. 2, n. 2, p. 45-77, jan./jun. 2014

agente a ocupar o Estado e elaborar as leis inarredáveis que a chamada evolução histórica natural exige.

Condorcet e Saint-Simon serão os grandes pioneiros dessa ideia, que ganha-rá cunhagem filosófica mais robusta no início do século XIX com Auguste Comte12. Este pensador francês será responsável por uma das mais influentes linhas de pen-samento até hoje, que é o positivismo. A partir daí, mas não só com isso, vai se firmar a crença de que a história progride e esse progresso está subordinado à evo-lução da natureza. Conhecer a lei que rege essa evolução é a condição sine qua non para conhecer o sentido inexorável da trajetória humana. Imbuído desse princípio, Émile Durkheim, fundador da sociologia acadêmica, chegou a propugnar, na estei-ra da visão comteana, a proeminência dos cientistas, especialmente do sociólogo, na condução do Estado e do tão propalado progresso social.

Com o avançar dos séculos e o acúmulo das realizações tecnológicas e eco-nômicas se acentuando, essa “esperança” cientificista e tecnocrata vai impregnar o imaginário e reforçar a noção de que a Razão ordena e conduz a História, sendo que o desenvolvimento técnico-científico (maior conquista da Razão) leva à frente a humanidade e a torna cada vez mais feliz. Vê-se logo que essa concepção nutriu a legitimação do conhecimento técnico-científico, ou melhor, o tecnocratismo, como a autoridade a ser seguida, uma verdade inconteste contra qualquer argumento. Despolitiza-se a condução do Estado. O debate político entre visões de mundo perde espaço ou é camuflado pela figura da autoridade competente, ou melhor, do tecnocrata e dos seus cálculos matemáticos, gráficos e tabelas supostamente neutros e acima das contingências e veleidades humanas. Jürgen Habermas, na melhor tradição frankfurtiana, deteve-se sobre isso em seu ensaio “Técnica e ciência enquanto ideologia”13, no qual discutia a preponderância dos artifícios técnico--industriais sobre os domínios da vida, num controle que se amplia e engolfa a tudo e a todos. Neste caso, a razão instrumentalizada se transforma num dos principais vetores da vigilância e da subjugação societária. O efeito desse movi-mento técnico-científico voraz e avassalador seria o inverso de suas promessas: ao contrário da autonomia e da liberdade, criaram-se mecanismos burocráticos de cerceamento e anulação individual, processos de alienação, tecnologias de destruição em massa, regimes totalitários e genocidas, crise ambiental etc.14.

12 Há um curioso texto (1803) de Henri de Saint-Simon, antecessor de Comte, em que ele apresenta seu “sonho” de organização social concedendo a Isaac Newton “a direção da inteligência humana e a orientação dos habitantes”. Saint-Simon, é importante ressaltar, foi uma referência importante para o pensamento positivista de Comte. 13 HABERMAS, J. Técnica e ciência enquanto ideologia. In: Benjamin, Habermas, Horkheimer, Ador-no. São Paulo: Abril, 1980. (Coleção Os Pensadores).14 Ver sobre isso também as reflexões de Horkheimer (1976) e Marcuse (1968).

12717Miolo.indd 50 18/9/2014 20:50:43

Page 53: PARLAMENTO SOCIEDADE - Principal

51Racionalidade técnica no processo legislativo

Rev. Parlamento & Sociedade, São Paulo, v. 2, n. 2, p. 45-77, jan./jun. 2014

Sob o impacto desse processo racionalizador e burocratizante, toda a com-plexidade da instância política é reduzida ao formalismo jurídico-financeiro cego dos administradores econômicos e juristas. Nessa perspectiva, os fenômenos do Estado e os embates políticos são convertidos em questões de constitucionalidade e de viabilidade financeira, como se apenas tais considerações fossem fundamen-tais para se pensar os rumos da sociedade. O resultado disso é a despolitização, ou seja, a perda da autonomia dos agentes políticos em benefício do positivismo gerencial tecnocrata, à direita e à esquerda.

Entretanto, por mais que o diagnóstico do cenário pareça catastrófico, é importante tomar a precaução para não se render a uma visão irracionalista sem medida, como aquela que vicejou dentro e fora da seara acadêmica estrangeira desde meados dos anos 7015. Essa desconfiança diante da razão, se salutar por um lado, levou, no extremo, à sua negação quase que total e a uma desesperança, para muitos, paralisante.

Se é verdade que a Razão não tornou o mundo o imenso paraíso profano, industrioso, justo e livre, conforme apregoado pelos arautos da modernidade ori-ginária, isso não quer dizer que as “razões do Iluminismo”16 tenham sido derrota-das e devam ser debeladas sumariamente. Esclarecer e prover as condições para a emancipação crítica do ser humano continuam sendo diretrizes fundamentais do racionalismo. E levá-lo às últimas consequências, isto é, à crítica e à autocrítica permanente e metódica, é o antídoto para impedir os descaminhos totalitários da tecnocracia ou de qualquer ditador. Além disso, não é possível dizer que a única herança de toda a promessa racionalista tenha sido um espólio de ruínas infin-dáveis. Muitas criações e conquistas também se deram no sentido possibilitar a emancipação humana. Um dos exemplos disso é certamente a institucionalidade política que se erigiu desde a antiguidade até hoje, de Platão a Robert Dahl. In-dubitavelmente a democracia burguesa, construída a partir do século XVIII, com todos os seus limites materiais e reduzidas circunscrições geográficas, ainda que não tenha entregado o prometido, promoveu alguns marcos importantes para o convívio mínimo e civilizado entre os diferentes segmentos sociais. Pelo menos do ponto de vista formal surgiram os direitos liberais, ampliaram-se os mecanis-mos de discussão e de acesso ao Estado etc.

Evidente que se trata de uma dominação de classe e isso não deve ser per-dido de vista, mas dentro desse cenário institucional a participação política, no

15 Michel Foucault foi um dos importantes pontos de apoio dessa vaga “irracionalista”.16 Expressão que é título de um conjunto de ensaios de Sérgio Paulo Rouanet. Nessa obra o diplomata brasileiro discute exatamente a condição da racionalização do mundo na atualidade.

12717Miolo.indd 51 18/9/2014 20:50:43

Page 54: PARLAMENTO SOCIEDADE - Principal

52 Allan Rodrigues Dias e outros

Rev. Parlamento & Sociedade, São Paulo, v. 2, n. 2, p. 45-77, jan./jun. 2014

governo ou no parlamento, foi ampliada. Pelo sufrágio universal, todos os indiví-duos a partir de certa idade podem votar e ser candidatos a qualquer cargo público eletivo. Ninguém precisa ser um ungido divino, um herdeiro aristocrático ou um sábio genial para ocupar a direção do Estado ou a elaboração de suas leis. Basta que obtenha os votos necessários e o indivíduo é eleito. Este é um dos grandes ganhos da democracia: se todos podem ser governantes ou legisladores, o fundamental é a existência de uma burocracia administrativa impessoal para executar as ordens e um corpo técnico-científico que proporcione a qualquer agente público no exer-cício do mandato as condições para discernir, resolver ou constituir regras sobre as questões coletivas. Portanto, se a antiga ideia do “rei-filósofo” soa ingênua e moralmente disparatada aos olhos de hoje, isso não quer dizer que seja desprovida de todo sentido. Afinal, o mínimo que se espera daquele que vai tomar decisões ou construir regras e metas para a sociedade é que tenha um conhecimento especial ou pelo menos atue lastreado em parâmetros racionais básicos.

Na arena democrática, multifacetada de interesses e assentada no deba-te aberto, a dialogia política requer sujeitos autônomos e preparados para lidar com os dados do problema político. Nas palavras de Bobbio (1986, p. 20)17: “[...] é preciso que aqueles que são chamados a decidir ou a eleger os que deverão decidir sejam colocados diante de alternativas reais e postos em condição de poder escolher entre uma e outra”. E para que as condições sejam adequadas não são suficientes as liberdades de associação e de manifestação. É necessário, igualmente, que os atores políticos estejam fundamentados de maneira objetiva e utilizando recursos argumentativos compreensíveis para os demais contendores e, igualmente, para o público mais amplo.

É nesse ponto que se dá o encontro crucial moderno entre a política e o co-nhecimento, o poder e o saber. De um lado, o mandatário (governante ou legisla-dor), e do outro o profissional especializado. Ao primeiro cabe a responsabilidade pelo ato decisório enquanto, ao segundo, o fornecimento dos elementos objetivos para que ocorra a decisão. A ciência não usurpa da política seu papel; estão irma-nados ainda que difiram. Weber (1992, p. 42-43) já apontara isso ao afirmar que:

A ciência pode proporcionar (ao homem público) a consciência de que toda

ação, e também, naturalmente, segundo as circunstâncias, a inação, implica,

quanto às suas consequências, uma tomada de posição em favor de deter-

17 A visão de Bobbio dos progressos democráticos segue uma orientação liberal-formalista, que me-rece a crítica, mas isto não cabe ao objeto deste texto.

12717Miolo.indd 52 18/9/2014 20:50:43

Page 55: PARLAMENTO SOCIEDADE - Principal

53Racionalidade técnica no processo legislativo

Rev. Parlamento & Sociedade, São Paulo, v. 2, n. 2, p. 45-77, jan./jun. 2014

minados valores, e, deste modo, por regra geral contra os outros... Porém,

fazer a escolha é assunto do homem público.

Fica bem patente, aqui, uma distinção importante de responsabilidades. O cientista tem um compromisso direto e inarredável com a produção de in-formação, com os instrumentos objetivos disponíveis. Para ele tais informações independem de seus interesses, desejos ou vinculações político-partidárias, ou seja, elas devem vir à tona não importando o impacto que possam ter, e mesmo que contrariem suas orientações. Por sua vez, o político é portador do que Weber chamaria de “ética da responsabilidade”, o que significa dizer que o governante ou parlamentar, diante dos dados recebidos, da estratégia partidária e da coleti-vidade envolvida, deve pesar um variado leque de consequências antes de tomar sua decisão, que poderá ou não considerar o indicativo produzido cientificamen-te. O que importa é que o ato não ocorra no vazio; sem que tenha sido processada a avaliação racional das consequências práticas do ato a ser tomado.

Nos regimes democráticos contemporâneos, o político é o representante legítimo dos anseios, interesses e propostas que atendam aos segmentos sociais. Ou pode até mesmo expressar um grande ideal coletivo, uma liderança carismá-tica religiosa ou profana. Sua legitimidade é dada pelas urnas, somente. Ele está desincumbido de ter domínio sobre tudo ou ser um exímio especialista num dado tema. Claro que se fosse dotado dessas características, juntamente com outras, seu sucesso seria imbatível, pois em princípio o “rei-filósofo” certamente per-manece no imaginário de muitos18. Mas a fragmentação e a alienação moderna já demonstraram que isso é impossível e que o mundo se tornou demasiadamente complexo para se sonhar em conhecê-lo com segurança, na sua totalidade ou na sua particularidade. Daí a divisão do trabalho e a profissionalização, que permite a dedicação dos indivíduos a atividades diferentes e com maior profundidade.

Dentro desse cenário complexo, extremamente segmentado, pleno de inú-meros processos concomitantes, descompassados e antagônicos, com atores cole-tivos dos mais variados matizes e interesses, o político e o cientista, em geral, não compõem uma individualidade, um sujeito único – o “rei” e o “filósofo” estão separados. Como realizar a reconciliação necessária?

A própria institucionalidade democrática atual soluciona isso por meio do reconhecimento e da disposição dos quadros profissionais especializados na

18 Ainda se observam casos de políticos eleitos pelo renome intelectual ou por certa notoriedade profissional, mas isso não pode ser analisado de modo tão imediato.

12717Miolo.indd 53 18/9/2014 20:50:44

Page 56: PARLAMENTO SOCIEDADE - Principal

54 Allan Rodrigues Dias e outros

Rev. Parlamento & Sociedade, São Paulo, v. 2, n. 2, p. 45-77, jan./jun. 2014

prestação de consultoria técnico-científica. Em geral, o aparato estatal (executi-vo, legislativo e judiciário) possui setores de consultoria que contribuem para a produção e sistematização de dados que servirão de base para as mais diversas modalidades de ações públicas (planejamento, fiscalização, monitoramento, lau-dos, julgamentos, programas, elaboração legislativa etc.). Assim, o representante público (executivo ou parlamentar, e até mesmo magistrado), tendo a prerroga-tiva inalienável da decisão política, poderá tratar de qualquer questão (que será sempre política) dentro de parâmetros técnicos mínimos. Para que as coisas acon-teçam desse modo, é necessário contar com uma assessoria técnica especializada que não seja apenas um corpo de compiladores técnicos de dados secundários, ou terciários, baseados em ferramentas de busca na internet. Essa equipe deve possuir a competência profissional e as condições de operação autônoma para equacionar as questões demandadas, escolher o método e as fontes de aborda-gem e o enfoque de inferência e sistematização dos dados.

É esse encaminhamento criterioso que vai possibilitar a apresentação de informações com maior grau de segurança para a decisão política. Evidentemente que os resultados levantados não atrelam (nem devem) a ação do político, como já foi mencionado anteriormente. E o inverso também é válido: a demanda política não deve atrelar os resultados da pesquisa.

A autonomia da política é a própria liberdade do ser humano em definir o rumo da história. Numa sociedade herdeira do Iluminismo, a Razão é um ele-mento que, acredita-se, pode tornar as decisões menos dolorosas, ou dolorosas para um número menor de indivíduos. A grande questão é como articular as distintas esferas da política e da ciência, do poder e da técnica. Esse ponto é dos mais controversos e debatidos.

Até onde vão as fronteiras da vontade política e as da consideração técni-co-científica? Não faz parte dos anseios deste texto se embrenhar por essa dis-cussão. O foco aqui é mais circunscrito e incide sobre o trabalho de consultoria técnico-legislativa, mais precisamente sobre as condições e os instrumentos téc-nico-metodológicos que devem ancorar esse trabalho no âmbito parlamentar. O campo ainda é pouco abordado nos estudos acadêmicos notadamente em função da novidade e do desconhecimento da função dessa, por isso o que se verá é mais um ensaio exploratório que visa a trazer contribuições para reflexões futuras so-bre o papel dos recursos técnico-científicos dentro do Estado.

2. Poder legislativo: alguns apontamentos

Considerando que se parte do poder legislativo, far-se-á uma sucinta ex-planação sobre a sua constituição, pois para a compreensão deste, necessaria-

12717Miolo.indd 54 18/9/2014 20:50:44

Page 57: PARLAMENTO SOCIEDADE - Principal

55Racionalidade técnica no processo legislativo

Rev. Parlamento & Sociedade, São Paulo, v. 2, n. 2, p. 45-77, jan./jun. 2014

mente, requerer-se-ia conhecer a sua constituição nos processos históricos19, ou seja, a sua conformação no Estado Moderno20, uma vez que esta reflete a relação do Estado com a sociedade civil no que concerne à busca da “liberdade individu-al” em face do poder absolutista do Estado.

Assim, não se faz uma digressão histórica sobre as origens do poder le-gislativo, porém, ressalta-se que o cerne da sua configuração foi a reunião dos homens mais experientes em assembleias para a discussão de soluções visando o bem da coletividade, ou para dirimir conflitos entre governantes e governados.

A evolução histórica do legislativo é a discussão, o debate em termos insti-

tucionais de problemas públicos. O debate desenvolveu entre os homens o

raciocínio objetivo, a argumentação, a tolerância, o hábito de questionar os

problemas coletivos. [...] sua significação histórica é atribuída como institui-

ções limitadoras do poder real, e como instâncias de resistência ao arbítrio e

à concentração de poder. (SALDANHA, 1983, p. 35-41).

Antes de os Estados serem organizados em diferentes poderes, era o rei “o senhor da lei e da ordem”, exercendo tal poder de forma autoritária21. A burguesia22, descontente com os impostos cobrados pelo rei, elaborou uma Carta, exigindo a convocação de um conselho formado pela nação para discutir e aprovar, ou não, tais impostos23. Assim, do ponto de vista político, ressalta-se a importância de uma esfera institucional que pudesse limitar o poder absoluto do Príncipe, asse-gurando a liberdade dos indivíduos. Entretanto, a consagrada liberdade estava

19 O poder vinculado ao exercício da autoridade e da opressão de uma instituição sobre os homens, em suas várias formas, foi limitado pela mesma sociedade civil que o criou. Nesse sentido, as revolu-ções Gloriosa (Inglaterra), Americana (Estados Unidos) e Francesa (França) foram marcos históricos na tentativa de estabelecer algum tipo diferente de Estado, e, consequentemente, a luta pela demo-cracia foi parte deste processo.20 O Estado Moderno emerge no período do final do século XV, com a ascensão do Absolutismo e do capitalismo. Foi uma época de embates entre a liberdade dos indivíduos e o absolutismo do monarca. Sua evolução caracterizou-se pela ordem legal, pela burocracia, pela jurisdição compulsória e pela demarcação do território e uso legítimo da força.21 Essa época, conhecida como “Era Absolutista” foi marcada pela atuação do Estado controlador das atividades econômicas em sua totalidade, constituindo-se num poder central, supremo e soberano. Havia a necessidade de um governo centralizador em que os homens abriam mão de suas liberdades individuais em nome do poder do Estado.22 A burguesia foi favorecida de certa forma pelo Estado Absolutista, que lhe garantia a segurança das caravanas comerciais em franca expansão pelo mundo. A Carta Magna datada de 1215 foi um documento que limitou o poder soberano dos reis ingleses. É considerada o primórdio do que viria a ser o Constitucionalismo.23 “A expansão das atividades mercantis [...] chocava-se com a estrutura do Estado Absolutista; [...] essa revolução das condições econômicas da vida social não foi seguida por uma mudança correspon-dente na estrutura política”. (NETTO, 2009, p. 74).

12717Miolo.indd 55 18/9/2014 20:50:44

Page 58: PARLAMENTO SOCIEDADE - Principal

56 Allan Rodrigues Dias e outros

Rev. Parlamento & Sociedade, São Paulo, v. 2, n. 2, p. 45-77, jan./jun. 2014

associada muito mais aos interesses dos grandes comerciantes e a igualdade era um aspecto tão somente formal diante de um mundo repleto de todo tipo de de-sigualdade: econômica, social e política.

Teve início uma forma jurídico-legal para dar conta da institucionalização dos poderes do Estado. Seguiu-se, então, o princípio da separação dos poderes. Ao Legislativo atribuiu-se a função normativa, principalmente pela Lei Maior – a Cons-tituição –, que norteou a organização do Estado e criou a segurança dos direitos.

Para Jean-Jacques Rousseau24, a sociedade civil tinha sido corrompida pela propriedade privada, sendo que o Estado protegeu o interesse de alguns, preser-vando a desigualdade e não o bem comum. Por isso, o contrato social de Rousse-au propôs a configuração de um Estado no qual o poder deriva de uma vontade geral do povo – princípio este que deu base ao novo Estado social.

Os problemas decorrentes da expansão e solidificação do Estado capitalista em nível mundial evidenciaram-se, de maneira que a questão social emergiu como expressão das contradições do capitalismo25. A ideologia liberal passou a ser questio-nada e a supressão da interferência do Estado na regulação da economia foi revista diante de tantas injustiças sociais. Assim, o Estado Social de direito ou Estado de Bem-Estar veio responder às demandas de uma sociedade desigual, chamando para si a responsabilidade de gerir os problemas sociais. O Estado tornou-se provedor le-gítimo dos direitos sociais, institucionalizando-os através da Administração Pública.

A partir disso, o Estado ampliou seus fins e o Poder Executivo passou a ser responsável por uma gama maior de tarefas diante da crescente complexidade de assuntos que necessitava gerir. O final do século XIX e início do século XX configu-raram-se como o período em que o Estado assumiu amplamente ações sociais de forma planejada, constituindo o chamado Estado de Bem-Estar Social. Contraria-mente, nas duas últimas décadas do século XX, o Estado neoliberal caracteriza-se pela mínima intervenção nos “negócios” da sociedade, sobretudo no que se refere à regulação do mercado e pelo enfraquecimento da intervenção social.

Diante das contradições e conflitos inerentes à conformação dos Estados em seus aspectos políticos, econômicos e sociais, o surgimento do Parlamento

24 Rousseau, ao contrário de Hobbes e Locke, atribuiu ao pacto social um prejuízo aos indivíduos. Propõe que a soberania esteja localizada no povo, portanto, o Estado está a serviço do soberano, ou seja, do próprio povo. Propõe também a necessidade de representantes políticos, desde que houvesse a rotatividade dos mesmos, sob pena da degeneração dos governos. 25 As primeiras expressões da questão social, conforme Behring e Boschetti (2011), foram decorrentes da constituição das relações sociais capitalistas num determinado momento histórico. No século XIX a luta em torno da jornada de trabalho e o processo de acumulação capitalista impulsionam a desigualdade social e a exploração que começa a deslocar-se como questão social a ser tratada pelo Estado.

12717Miolo.indd 56 18/9/2014 20:50:44

Page 59: PARLAMENTO SOCIEDADE - Principal

57Racionalidade técnica no processo legislativo

Rev. Parlamento & Sociedade, São Paulo, v. 2, n. 2, p. 45-77, jan./jun. 2014

contemporâneo, segundo Polveiro Júnior (2006), deu-se pelo fato de se restringir o poder soberano em questões de tributação. Num segundo momento, por inter-médio da representação e do voto censitário, a população excluída pôde partici-par do poder político. E, posteriormente, com a implantação do sufrágio univer-sal e a extensão do voto às mulheres e analfabetos. Nesse sentido, o Parlamento é o espaço do poder26, pois permite o livre debate das ideias e a maior participação do povo nas decisões do Estado.

Para finalizar a questão do poder legislativo cabe falar das três funções clássicas do Estado. Montesquieu27 desenvolveu a teoria da tripartição dos po-deres, estabelecendo, assim, um sistema de proteção da liberdade política dos cidadãos a partir do princípio de que, com o poder nas mãos da mesma pessoa, a sociedade estaria privada de sua liberdade, portanto, sob a vigência de um governo tirânico. Montesquieu concluiu, então, que o Estado deveria ser dividido em três formas de poder: o de legislar, o de executar e o de julgar. Essas três funções seriam distribuídas a órgãos diferentes do Estado.

Cabe ressaltar, porém, que essa separação não se faz de maneira rígida. Cada órgão do Estado (o Executivo, o Legislativo e o Judiciário) está incumbido de atri-buições específicas, mas cada qual controla os demais. No século XVIII, os Estados Unidos aprimoraram ainda mais a ideia de separação de poderes. O sistema de freios e contrapesos – ou “checks and balances”, como também é conhecido – consiste em serem os poderes repartidos e equilibrados entre os diferentes órgãos, sendo que nenhum pode ultrapassar os limites estabelecidos na Constituição sem ser efi-cazmente detido e contido pelos outros. Cada um dos três poderes também exerce as funções dos demais. Assim, cada qual tem a sua independência financeira e ad-ministrativa, sem, contudo, haver uma independência irrestrita. Os abusos sempre devem ser evitados a fim de se preservar o equilíbrio do sistema.

Por isso mesmo é que existe a cooperação do Poder Executivo no processo

legislativo, por meio do veto e do poder de iniciativa. Da mesma forma,

26 O compartilhamento do Poder refere-se à relação entre maioria e minoria na composição parla-mentar. Mesmo que haja o livre debate e a participação da sociedade, a “maioria” dos parlamentares é que deliberará sobre qualquer questão. Assim, a divisão de poder obedece ao princípio da maioria. Entretanto, nos dias atuais, muitas vezes a maioria que detém maior parcela de poder são os que ocupam posições “vantajosas” no interior da Instituição, seja como seu Presidente, como membro da Mesa Diretora, Presidente de Comissão, como Líder de Governo ou até mesmo nos principais cargos da administração interna.27 Embora Montesquieu tenha usado a palavra “separação”, sua intenção foi identificar as funções do poder político, atribuindo-as a diferentes órgãos. O poder do Estado continua sendo uno, ou seja, a existência do Estado se justifica pelo seu único fim: gerir os interesses gerais da sociedade.

12717Miolo.indd 57 18/9/2014 20:50:44

Page 60: PARLAMENTO SOCIEDADE - Principal

58 Allan Rodrigues Dias e outros

Rev. Parlamento & Sociedade, São Paulo, v. 2, n. 2, p. 45-77, jan./jun. 2014

o Poder Judiciário poderá declarar inconstitucionais normas oriundas do

processo legislativo. Outra forma de interferência de um Poder sobre o ou-

tro é o fato de o Legislativo funcionar como órgão investigador e até mesmo

julgador, em determinadas circunstâncias. (SIQUEIRA, 2009, p. 34).

Cada um dos Poderes de Estado possui estrutura e organização próprias para que possam dar cumprimento às suas respectivas funções. Vê-se a seguir como se configura este funcionamento no poder legislativo a fim de compreender mais adiante a dimensão técnica das decisões colegiadas.

2.1 Funções, estrutura e organização do Poder Legislativo

Dentre as funções do poder legislativo, a prerrogativa de legislar é a sua função mais conhecida. A função de elaboração das leis compreende todos os assuntos da competência de cada esfera de governo, sendo que, cada vez mais se tornou necessário regular diversos aspectos da vida social.

Existem diversas proposições elaboradas pelo Legislativo que, tal como a feitura de uma lei, passam por um rito obrigatório chamado de processo le-gislativo28. Conforme Meirelles (2008), entre elas está o Decreto Legislativo, que consubstancia as deliberações do Plenário sobre assuntos de interesse geral do Município, ou seja, são dependentes do pronunciamento político do Legislativo. Exemplos: aprovação de convênios e consórcios, aprovação de contas, concessão de títulos honoríficos, entre outros. Já as Resoluções são matérias de exclusiva competência do Legislativo e de interesse interno desse órgão, promulgadas por seu presidente, portanto não necessitam da sanção do Executivo.

Outras proposições percorrem um caminho menor em comparação aos Projetos de Lei, de Resolução e de Emenda às Constituições ou à Lei Orgânica29. São elas: as indicações que sugerem aos poderes competentes medidas de inte-resse público; as moções, como manifestação do Legislativo sobre determinado assunto, solicitando providências, protestando ou repudiando algo; os requeri-mentos, dirigidos à Presidência para solicitação de informações, principalmente ao Executivo, convocação de autoridades, etc. De qualquer forma, tais proposi-ções envolvem deliberações do Plenário, cuja tramitação atenda ao regimento

28 Todos os órgãos legislativos do Brasil funcionam com base no processo legislativo, procedimento obrigatório, elencado na Constituição Federal brasileira e que constitui num rol de procedimentos que ditam o ato de legislar. 29 No caso, a Constituição Federal, as Estaduais e, nos municípios, a Lei Orgânica.

12717Miolo.indd 58 18/9/2014 20:50:44

Page 61: PARLAMENTO SOCIEDADE - Principal

59Racionalidade técnica no processo legislativo

Rev. Parlamento & Sociedade, São Paulo, v. 2, n. 2, p. 45-77, jan./jun. 2014

interno respectivo e com votação que conste em ata para que produza efeitos internos ou externos.

Deve-se enfatizar que o Legislativo não administra e/ou executa os ser-viços do Poder Executivo, mas delibera e edita normas gerais. Assim, os repre-sentantes eleitos não podem adentrar em matérias legislativas, as quais são de iniciativa exclusiva do Executivo, tais como: criação e estruturação de secretarias; matéria de organização administrativa, execução de obras e serviços públicos, criação de cargos, funções ou empregos, regime jurídico e previdenciário dos servidores; fixação e aumento da remuneração, plano plurianual, diretrizes orça-mentárias e orçamento anual. As demais matérias “em comum”30, conforme Mei-relles (2008), competem aos dois Poderes. Embora seja de iniciativa privativa do Poder Executivo legislar sobre os assuntos acima, vale ressaltar que as matérias são submetidas à apreciação do Poder legislativo, ou seja, compete-lhe debater e votar tais projetos, aprimorando-os quando necessário, mas não os propondo.

A função de controle e de fiscalização se refere à atribuição do Legislativo de sustar atos normativos do Poder Executivo, os quais venham a extrapolar o seu poder regulamentador. Cabendo-lhe também a fiscalização contábil, financeira, or-çamentária e patrimonial por meio do julgamento das contas do Executivo. A fisca-lização pelo Poder Legislativo sobre a Administração é uma das mais importantes prerrogativas institucionais, pois aos parlamentares foi delegada não somente a fa-culdade de legislar, mas também poderes para assegurar um governo competente.

Em virtude da amplitude da atuação do Governo, nos dias de hoje, cabe

cada vez mais ao Parlamento a função de controle sobre esse e suas ativida-

des burocráticas. Já não pode o Legislativo se limitar à fase legislativa, posto

que esta se encontra cada vez mais restrita, vez que a atividade de controle

se apresenta como fundamental para o sistema de equilíbrio dos poderes

políticos, assegurando assim o regime democrático. (COSTA, 2005, apud

MAURANO, 2008, p. 33).

Os Legislativos concretizam sua função administrativa nas atividades de sua organização interna, ou seja, deliberam sobre a composição da mesa diretora e das comissões, a regulamentação de seu funcionamento e a sua estruturação. A sua organização interna envolve, obviamente, a organização dos serviços e o quadro de recursos humanos. A função julgadora do poder legislativo refere-se à

30 De acordo com a Constituição Federal, as matérias concorrentes se referem àquelas do âmbito Es-tadual e Federal e as matérias comuns são aquelas que competem aos três entes federativos.

12717Miolo.indd 59 18/9/2014 20:50:44

Page 62: PARLAMENTO SOCIEDADE - Principal

60 Allan Rodrigues Dias e outros

Rev. Parlamento & Sociedade, São Paulo, v. 2, n. 2, p. 45-77, jan./jun. 2014

instauração de processos contra o chefe do Poder Executivo e seu respectivo vice, além de Ministros e Secretários, em acordo com a respectiva esfera enquanto ente federativo (municipal, estadual ou federal). Por último, de acordo com Maura-no (2008), a função deliberativa consiste em alcançar a melhor solução para os problemas e onde é necessário o diálogo e o debate, sendo um dos momentos de maior importância no âmbito dos Legislativos.

Para que os Legislativos possam desempenhar suas funções, há uma es-trutura básica constituída por normas e regras de procedimentos, normalmente arroladas nos regimentos internos. Importante destacar que no âmbito de seu funcionamento há uma conformação constituída pelos políticos eleitos e outra por uma estrutura administrativa e técnica da própria instituição, formada por servidores públicos que tratam dos aspectos administrativos e técnicos, embora a estrutura permanente venha a ser aquela que melhor responde a problemas de descontinuidade de processos.

Administrativamente, o órgão diretivo do Legislativo é a Mesa Diretora. Segundo Meirelles, (2008), compete-lhe a direção, administração e execução das deliberações aprovadas pelo Plenário. Este por sua vez é o órgão máximo do poder legislativo, uma vez que se constitui na reunião de todos os parlamentares, portan-to, local e momento de maior expressão da representatividade parlamentar. Outra divisão importantíssima na estrutura do poder legislativo brasileiro, assegurada na Constituição Federal, assim como em grande parte dos parlamentos no mundo31, é a existência das Comissões Parlamentares32, temática abordada a seguir.

2.2 As Comissões Parlamentares: órgãos de especialização do Poder Legislativo

No Poder legislativo existem diferentes tipos de Comissões Parlamentares: as permanentes, as temporárias, as especiais ou de inquérito. Segundo Zancaner (2010, p. 78-79):

As Comissões parlamentares surgiram da necessidade de agilização e es-

pecialização dos Parlamentos. A grande quantidade de membros limitava

sobremaneira as discussões referentes aos mais diversos assuntos. Tornou-

-se, então, impossível discutir e aprovar determinado texto normativo em

tempo razoável.

31 Casseb (2008) faz um denso estudo das comissões parlamentares em diferentes países.32 Na Constituição Brasileira, as Comissões são tratadas nos arts. 58, 71, 72, 140 e 166.

12717Miolo.indd 60 18/9/2014 20:50:44

Page 63: PARLAMENTO SOCIEDADE - Principal

61Racionalidade técnica no processo legislativo

Rev. Parlamento & Sociedade, São Paulo, v. 2, n. 2, p. 45-77, jan./jun. 2014

Com a complexidade da sociedade e a ampliação dos assuntos a serem trata-dos pelo poder público, as comissões foram diversificando suas áreas de competên-cia, de maneira que pudessem se especializar em determinadas políticas públicas. É por isso que nas diversas casas legislativas se encontram comissões temáticas, cujas áreas de atuação, muitas vezes, acompanham a divisão administrativa33 do Poder Executivo. No que se refere à especialização das comissões, esclarece-se que: “A necessidade de especialização do trabalho legislativo amplia a importância das Comissões Parlamentares. Elas devem ter competência sobre certas matérias, ao mesmo tempo em que precisam ser integradas por parlamentares versados nos vários aspectos da legislação”. (BARACHO apud ZANCANER, 2010, p. 79).

E, ainda:

Aos parlamentares é assegurado, independentemente da regra da maioria, o

direito de manifestação em Plenário e nas Comissões, ocasiões em que podem

fazer circular informações e conhecimentos que se referem, por exemplo, às

políticas públicas desenvolvidas pelo Poder Executivo. (RIBEIRO, 2010, p. 118).

Mais do que uma função meramente burocrática, ou seja, de racionali-zação dos trabalhos e garantia do bom funcionamento do poder legislativo, as comissões significam uma das formas concretas de “operacionalização” da de-mocracia. Nesse sentido, evidencia-se o bom funcionamento do Legislativo na medida em que viabiliza por meio das várias comissões a celeridade do processo legislativo e a participação da sociedade.

As atribuições das comissões são elencadas nos respectivos regimentos internos de cada Legislativo. Cintra e Bandeira (2005) citam o Regimento Interno da Câmara Federal para caracterizar as omissões como:

[...] de caráter técnico-legislativo ou especializado integrantes da estrutura

institucional da Casa, co-partícipes e agentes do processo legiferante. In-

cumbe-lhes apreciar os assuntos ou proposições submetidos ao seu exame

e sobre eles deliberar, assim como exercer o acompanhamento dos planos e

programas governamentais e a fiscalização orçamentária da União, no âm-

bito dos respectivos campos temáticos e áreas de atuação. (CINTRA; BAN-

DEIRA, 2005, p. 11-12).

33 Na medida do possível, as áreas temáticas das comissões associam-se às diversas Secretarias ou Ministérios do Executivo, como, por exemplo: Comissão de Assistência Social ou Assuntos Sociais, entre outras denominações, para dar conta das políticas públicas pertinentes e que geralmente são administradas em órgãos correspondentes.

12717Miolo.indd 61 18/9/2014 20:50:44

Page 64: PARLAMENTO SOCIEDADE - Principal

62 Allan Rodrigues Dias e outros

Rev. Parlamento & Sociedade, São Paulo, v. 2, n. 2, p. 45-77, jan./jun. 2014

As comissões, quando apreciam os projetos de lei, por exemplo, utilizam--se do seu poder conclusivo. Isto é, para certas matérias legislativas não há necessidade de que sejam discutidas em Plenário; podem iniciar e finalizar o pro-cesso legislativo no âmbito das próprias comissões. Pois estas requerem, em sua composição, a obediência ao princípio da proporcionalidade partidária, refletin-do as correntes de opiniões presentes no Legislativo, onde cada membro é porta voz do seu partido. Dessa forma, as comissões garantem a representação plural da sociedade, proporcionando o debate entre os seus membros e a participação dos cidadãos que podem se manifestar sobre os assuntos em discussão.

No que se refere às comissões permanentes, a sua criação se respalda em razão da matéria. Tratou-se até o momento da sua atribuição de apreciar e delibe-rar sobre projetos de lei. Porém, compete-lhes também a realização de audiências públicas, a convocação de Ministros ou Secretários de Estado, o recebimento de petições, reclamações, representações ou queixas de qualquer pessoa, a solicita-ção de depoimentos de qualquer autoridade ou cidadão, a apreciação de pro-gramas e planos vinculados ao seu tema, entre outras atribuições. As comissões também acolhem reclamações contra os atos da administração pública e exposi-ções de vários segmentos da sociedade sobre determinado tema em discussão. Além disso, os planos, programas, ou mesmo qualquer política pública específica podem ser matéria de discussão de qualquer uma das comissões, desde que vin-culadas a sua área temática.

As comissões temporárias especiais, com prazo de vigência determinado, são criadas para tratar de um assunto específico. As Comissões Parlamentares de Inqué-rito (CPIs) são comissões designadas para apurar fato determinado e em prazo certo. Tem alto poder de investigação, sendo um dos mais importantes meios de fiscaliza-ção do poder legislativo. Ao final dos trabalhos, elaboram um relatório, posterior-mente encaminhado ao Ministério Público e a outros órgãos que se julgar necessário.

Observa-se a ampla e complexa gama de atribuições afetas às comissões e tal como qualquer instituição pública ou privada, os Legislativos comportam uma estrutura organizacional mínima sobre a qual são instituídos os trabalhos realizados. Esta organização irá variar em termos quantitativos e sobre a sua for-ma de funcionamento, pois, como já se afirmou, esse órgão é autônomo para gerir os seus serviços internos.

Embora a composição das comissões técnicas obedeça ao princípio da pro-porcionalidade do parlamento, considerando as bancadas partidárias eleitas, a ocupação das posições nestes colegiados pode se dar por conhecimento técnico específico, por algum grau de proximidade com qualquer um dos temas de mérito, ou ainda por “sensibilidade”, tratando-o do ponto de vista do interesse público.

12717Miolo.indd 62 18/9/2014 20:50:44

Page 65: PARLAMENTO SOCIEDADE - Principal

63Racionalidade técnica no processo legislativo

Rev. Parlamento & Sociedade, São Paulo, v. 2, n. 2, p. 45-77, jan./jun. 2014

Por outro lado, não se pode exigir que o parlamentar, a priori, detenha co-nhecimento técnico para opinar, mas que a ele sejam disponibilizadas as infor-mações técnicas a respeito do tema que vier a tratar em debate. Cabe ao corpo técnico dispor ao parlamentar tais informações.

A esse respeito se trata a seguir.

3. Pareceres, notas técnicas e estudos aplicados aos mecanis-mos de ação institucional do Legislativo

A imensa diversidade de temas analisados e discutidos no Legislativo obriga o parlamentar a ter acesso a informações necessárias para suportar a sua linha argumentativa nas discussões e fundamentar o seu voto quando, por exem-plo, apresenta a análise dos projetos de lei em tramitação no processo legislativo. Porém, a análise de diversas matérias nos mais variados campos do conhecimen-to demanda um grau de especialização e profundidade que escapa aos detento-res do mandato eletivo, que, por esse motivo, utilizam os serviços de um corpo técnico especializado, seja próprio e/ou institucional.

Os múltiplos afazeres vinculados ao exercício do mandato não deixam ao

parlamentar tempo suficiente para pesquisar fontes de informação, nem

tampouco para ler uma grande quantidade de textos extensos. Decorre daí

a demanda por assessoramento técnico por parte de quem, conhecendo a

matéria, possa selecionar as fontes de informação fidedignas e, a partir de-

las, condensar o conteúdo relevante em texto que possa ser compreendido

e avaliado pelo parlamentar, não necessariamente um especialista na maté-

ria. (FARIA, 2011, p. 72).

Apontou-se anteriormente algumas das diversas proposições que viabili-zam institucionalmente a atuação dos parlamentares. Tais mecanismos prescin-dem na sua formulação de subsídios técnicos a fim de assegurar-lhes, minima-mente, algum grau de efetividade.

Toma-se como exemplo básico o recurso do pedido de informações pelos parlamentares que, independentemente de quem o elabore, deveriam ser apre-ciados tecnicamente, pois:

[...] diversos aspectos técnicos podem justificar o indeferimento do pedido:

se a informação é sigilosa, nos termos da lei; se o Legislativo já dispõe da

informação ou se outro pedido similar já foi encaminhado; se há um nexo

entre o pedido e sua justificativa; se o pedido for dirigido à autoridade cor-

12717Miolo.indd 63 18/9/2014 20:50:44

Page 66: PARLAMENTO SOCIEDADE - Principal

64 Allan Rodrigues Dias e outros

Rev. Parlamento & Sociedade, São Paulo, v. 2, n. 2, p. 45-77, jan./jun. 2014

reta; ou se ele transcende os limites da ação fiscalizadora do Poder legislati-

vo. (RIBEIRO, 2010, p. 125).

Com base no autor acima, outro procedimento se refere à convocação de autoridades em um debate ou prestação de contas, e nesse caso para que tal pre-sença possa ser aproveitada, a que se contar com a capacidade dos parlamentares para formular perguntas e observações acerca da política pública em foco.

Ainda com relação às comissões no que concerne às suas competências em determinados assuntos e/ou políticas públicas, observa-se que muitos Le-gislativos no Brasil têm como “destaque” a Comissão de Constituição e Justiça, cuja atribuição principal é a emissão de pareceres técnicos sobre a legalidade e constitucionalidade das matérias. Outra que se destaca é a Comissão de Finanças e Orçamento, que, conforme Silva (1998) é considerada técnica e de mérito, pois analisa o orçamento, o plano plurianual, entre outros, podendo emitir opiniões quanto à definição de prioridade dos gastos públicos.

Às demais Comissões – de mérito – compete debruçarem-se sobre: as polí-

ticas de saúde, educação, habitação, transportes, meio ambiente, adminis-

tração pública, entre outras, que são analisadas à luz de políticas públicas

e seus impactos junto à população quanto a melhoria da qualidade de vida

ou atendimento das necessidades dos munícipes. (SILVA, 1998, p. 32).

Observa-se, portanto, que a capacidade técnica institucional do poder legislativo não é uma questão desprezível, podendo ser efetivada de várias maneiras, dentre as quais as contribuições das consultorias técnico-legislativas, das quais se falará posteriormente.

Meirelles (2013, p. 683) aponta que o órgão responsável pela assessoria téc-nico-legislativa exerce funções especializadas no exame e análise de proposições legislativas que são discutidas e votadas no Plenário, exarando pareceres exclusi-vamente técnicos acerca das proposituras. Tal exame de matérias por parte desse órgão especializado pode se dar por meio de diversos instrumentos textuais, tais como os pareceres e as notas técnicas.

Aqui cabe destacar uma diferença conceitual que de início deve ser esclareci-da: existe o parecer do parlamentar que expressa a sua opinião acerca de determina-do tema, previsto nos regimentos internos dos Legislativos em suas mais diversas esferas e que basicamente, conforme destaca Francineti et al (2005) apud Cerquei-ra (2009), “[...]constitui-se de manifestação sobre aspectos relativos à necessidade, oportunidade, conveniência e relevância de determinada matéria tratada em propo-sição”. Tal parecer não se confunde com o parecer técnico ou administrativo elabo-

12717Miolo.indd 64 18/9/2014 20:50:44

Page 67: PARLAMENTO SOCIEDADE - Principal

65Racionalidade técnica no processo legislativo

Rev. Parlamento & Sociedade, São Paulo, v. 2, n. 2, p. 45-77, jan./jun. 2014

rado por profissionais especializados que emitem uma opinião fundamentada em argumentos exclusivamente técnicos e objetivos. É exatamente esse segundo tipo de parecer que será um dos objetos de análise a partir desse momento.

Os instrumentos (pareceres e notas técnicas) subsidiam o parlamentar no desempenho de um dos seus principais processos: o de tomada de decisão. Se-gundo Howlett (2013) o processo de tomada de decisão no ciclo político foi estu-dado nos primeiros anos da evolução das Ciências Políticas, sendo que prepon-deravam, na metade da década de 1960, dois modelos: o racional e o incremental.

O primeiro a surgir foi o modelo racional, que afirmava que a tomada de de-

cisão política era inerentemente uma busca por soluções maximizadoras para

problemas complexos em que se recolhiam informações relevantes à política e

em seguida as usavam de modo científico para avaliar as opções de política pú-

blica em jogo. O outro modelo, muitas vezes denominado modelo incremental,

identificava a tomada de decisão política como uma atividade menos técnica e

mais política, em que a análise exercia papel bem menor na determinação dos

resultados do que a barganha e as outras formas de interação e negociação en-

tre os principais tomadores de decisão [...]. (HOWLETT, 2013, p. 161).

O uso, em maior ou menor grau, do modelo racional no processo de toma-da de decisão invariavelmente demanda um determinado nível de informações que o parlamentar pode acessar por meio dos trabalhos técnicos desenvolvidos por uma Consultoria Legislativa.

Esses dois modelos de tomada de decisão convivem no Legislativo de for-ma que os pareceres, tanto do parlamentar como da consultoria técnica, podem ou não ser considerados na tramitação de alguma proposição legislativa no Ple-nário, como bem salienta Meirelles:

Os pareceres das comissões permanentes [...] não obrigam o Plenário, e seu

desacolhimento não infringe qualquer informativo do procedimento legislati-

vo, mesmo porque a proposição pode ser inatacável sob o prisma técnico e ser

inconveniente ou inoportuna do ponto de vista político – e este aspecto é reser-

vado à consideração e deliberação dos vereadores. (MEIRELLES, 2013, p. 678).

Independentemente do tipo de instrumento utilizado, seja ele parecer, rela-tório ou nota técnica, todos devem possuir propriedades de textualidade que os caracterizam como de origem técnico-científico. Didio (2013, p.170) cita algumas propriedades da textualidade que podem ser claramente identificados nos textos técnicos elaborados pelos órgãos que prestam serviços de consultoria legislativa, tais como a intencionalidade, situacionalidade, intertextualidade e informatividade.

12717Miolo.indd 65 18/9/2014 20:50:44

Page 68: PARLAMENTO SOCIEDADE - Principal

66 Allan Rodrigues Dias e outros

Rev. Parlamento & Sociedade, São Paulo, v. 2, n. 2, p. 45-77, jan./jun. 2014

A primeira propriedade diz respeito ao objetivo que a produção técnica procura atingir por meio de uma sólida estrutura de argumentação, seja ela demonstrativa, empírica ou probabilista. A situacionalidade, segundo Didio (2013, p. 172), relaciona-se com a “[...] adequação de um texto a determinado contexto ou situação”. Os textos técnicos devem ser pertinentes e relevantes dentro de um contexto específico para uma adequada análise objetiva a ser uti-lizada no processo de tomada de decisão do parlamentar, subsidiando-o ade-quadamente para a formação da sua convicção acerca de algum tema específi-co. A intertextualidade prevê a relação entre obras, ou seja, a construção de um texto utilizando informações provenientes de outros textos. Os trabalhos técni-cos geralmente possuem referências e citações que corroboram ou contestam os argumentos apresentados, construindo-se um conjunto de conhecimentos com base em fontes relevantes devidamente referenciadas. A última propriedade vai indicar o grau de informações que um texto apresenta para suprir a demanda por conhecimento do seu público alvo, sendo constatado que tal grau é razoa-velmente elevado nas obras técnicas que visam esclarecer e informar acerca de temáticas diversas a que esses textos se debruçam.

Além das propriedades relativas à textualidade, os trabalhos técnicos de-vem obedecer a critérios de pertinência, objetividade e imparcialidade, sendo o seu conteúdo claro, preciso e lógico. Dessa forma, os textos elaborados se tornam ferramentas legítimas de suporte à gestão e à decisão baseada na racionalida-de técnico-científica, justificando alternativas de ação e fundamentando tecnica-mente a atuação do parlamentar.

Os critérios anteriormente elencados foram também citados pelo Congres-sional Research Service34, órgão técnico do Congresso Norte Americano, que deter-minou que os relatórios elaborados devessem atender a exigências básicas tais como relevância, exatidão, objetividade e imparcialidade.

Os pareceres elaborados por profissionais especializados podem ser classi-ficados em duas modalidades: parecer técnico ou parecer administrativo35.

34 O Congressional Research Service (CRS) é o órgão técnico do Congresso Norte Americano respon-sável pela pesquisa, análise e estudo de diversas temáticas que subsidiam o processo de decisão dos parlamentares estadunidenses. 35 O parecer administrativo, por sua vez, se constitui em uma “[...] opinião fundamentada, emitida em nome pessoal ou de órgão administrativo, sobre tema que lhe haja sido submetido para análise e competente pronunciamento.” (BRASIL, 2004).O alcance desse tipo de parecer se restringe e obedece a parâmetros estritamente administrativos, li-mitando o universo e a temática analisada a determinados aspectos da administração de uma área funcional específica, não extrapolando o que fora determinado pelas políticas internas da organização.

12717Miolo.indd 66 18/9/2014 20:50:44

Page 69: PARLAMENTO SOCIEDADE - Principal

67Racionalidade técnica no processo legislativo

Rev. Parlamento & Sociedade, São Paulo, v. 2, n. 2, p. 45-77, jan./jun. 2014

Os primeiros (pareceres técnicos) iluminam o órgão de administração ativa,

isto é, trazem-lhe informações e esclarecimentos da alçada de especialistas,

portanto envolvem noções apropriáveis mediante conhecimentos específi-

cos ou de uma técnica refinada, pelo quê aduzem ao agente da administra-

ção ativa subsídios que este não possui [...], mas que são condicionais à uma

decisão abalizada, que pode ou deve tomar. (MELLO, 2011, p. 319).

Ainda segundo Mello (2011, p. 320), o profissional que elaborar o parecer deverá avaliar a matéria por meio de análises técnicas, emitindo “[...] um juízo conclusivo que servirá de base para que a autoridade que o demandou esteja em condições de tomar conscientemente determinada providência”.

Já a nota técnica segundo o Manual de Redação Parlamentar e Legislativa do Senado Federal (BRASIL, 2006b) deve registrar dúvidas, sugestões e pontos de vista de natureza técnica:

A Nota Técnica é, por excelência, instrumento de manifestação do Consul-

tor Legislativo, do seu entendimento sobre questão específica ou assunto de

caráter geral. Serve, fundamentalmente, para registrar, perante o solicitante

do trabalho, dúvidas, sugestões e pontos de vista de natureza técnica.

O referido manual ainda contrapõe dois instrumentos de ordem técnica, a Nota e o Estudo, de forma a evidenciar a diferenciação entre eles, indicando que a função principal da Nota se constitui em “[...] responder indagações, esclarecer questões ou analisar assuntos, de forma objetiva, em resposta a uma demanda formulada” enquanto que o Estudo se apresenta como um trabalho de pesquisa e análise semelhante a uma monografia, elaborado para atender a uma demanda parlamentar específica e tendo como função “[...] esclarecer determinado tema de maneira aprofundada, fornecendo, de forma organizada e analítica as informa-ções necessárias à compreensão do assunto”.

4. Consultoria técnica e instituição parlamentar: aspecto for-mal-institucional

Apontou-se em seção anterior alguns dos instrumentos de que disponibiliza o Poder legislativo no cumprimento das suas mais variadas funções. Esta seção trata de forma brevíssima, a respeito dos aspectos técnicos no interior do Poder legislativo, isto é, de como a instituição parlamentar, no âmbito formal, tem se in-cumbido em suas prerrogativas institucionais do trabalho técnico das consultorias.

Abordar o exercício da consultoria requer definir, antes de tudo, em que espaço ocupacional se dá essa atividade profissional. Isto se deve ao fato de que

12717Miolo.indd 67 18/9/2014 20:50:44

Page 70: PARLAMENTO SOCIEDADE - Principal

68 Allan Rodrigues Dias e outros

Rev. Parlamento & Sociedade, São Paulo, v. 2, n. 2, p. 45-77, jan./jun. 2014

existem vários tipos de consultoria, com diferentes objetivos, e o que vai carac-terizar cada qual será o projeto de trabalho a ser desenvolvido por quem presta esse serviço e por aquele que é assessorado.

Analisa-se com maior acuidade a consultoria realizada no âmbito do po-der público, já que o nosso artigo ocupa-se do Poder legislativo. Logo, a citação seguinte leva em consideração um aspecto essencial que difere esta da consulto-ria prestada numa empresa privada:

O fato de ser pública implica uma diferença de ótica na análise dos pro-

blemas organizacionais. Enquanto uma consultoria privada promove, na-

turalmente, mudanças organizacionais orientadas para a concentração de

recursos de apenas alguns segmentos da população, capazes de garantir

alta rentabilidade ou retribuição dos esforços da organização-cliente, uma

consultoria estruturada como organização pública é, por definição, mais

sensível a interesses e demandas públicas e a valores sociais mais amplos

de bem estar e de equidade. (TAKEUTTI, 1987, p. 52).

As razões pelas quais a literatura tem justificado a presença de um corpo técnico especializado no âmbito do Legislativo e atuante na área parlamentar se pautam, sobretudo, na questão da redução da assimetria de informações em seu interior e entre o Legislativo e os demais poderes de Estado.36

No Brasil, a primeira Consultoria Legislativa data de 1955, no Senado Fe-deral, posteriormente a Câmara Federal dispôs deste serviço, a partir de 1971. Em âmbito estadual, a pioneira na implementação deste serviço foi a Assembleia de Minas Gerais, em 1985. No que se refere aos municípios, foi a Câmara Municipal de Belo Horizonte, que a partir de 1997, dispôs de uma Consultoria Institucional. A Câmara Municipal de São Paulo teve sua Consultoria Institucional consolida-da a partir do ano de 2003. Anteriormente, havia técnicos auxiliares que assesso-ravam os trabalhos concernentes ao processo legislativo37 38.

Cabe ressaltar que nem todas as Casas Legislativas, principalmente as Câ-maras Municipais, possuem consultoria legislativa institucional, pois parte-se do

36 O conceito de assimetria informacional foi trabalhado por Santos, Mourão e Ribeiro (2007). 37 Para conhecimento sobre o assunto, ver os trabalhos: 1) SILVA, J. M. A democratização da Câ-mara Municipal de São Paulo: reforma das Comissões Permanentes. Dissertação (Mestrado em Administração)-FGV, São Paulo, 1998.; 2) BARBAGALLO, L. A Burocracia no Poder legislativo Mu-nicipal: estudo exploratório. Monografia (Especialização em Governo e Poder Legislativo) UNESP, São Paulo, 2010. 38 Quanto às atribuições da Consultoria técnico-legislativa, foi publicado o Ato nº 1.147, de 2011, da Câmara Municipal de São Paulo.

12717Miolo.indd 68 18/9/2014 20:50:44

Page 71: PARLAMENTO SOCIEDADE - Principal

69Racionalidade técnica no processo legislativo

Rev. Parlamento & Sociedade, São Paulo, v. 2, n. 2, p. 45-77, jan./jun. 2014

pressuposto de que quanto maior o número de parlamentares, por consequência, maior seria a complexidade de sua estrutura institucional, o que demandaria a maior presença de um corpo técnico de consultores39.

As demandas colocadas à Consultoria variam em cada órgão legislativo, pois dependem: da existência e quantidade “suficiente” de servidores, do conhe-cimento pelos parlamentares da disponibilidade de um corpo técnico institucio-nal, de normativas que regulem as atribuições e a execução dos trabalhos realiza-dos pelos consultores, de mecanismos institucionais que propiciem e viabilizem a atuação proativa dos consultores.

Comumente, a sua estruturação interna se divide em núcleos temáticos, seguindo a mesma organização das áreas de atuação das comissões permanentes, o que facilita a prestação de serviços a estes órgãos fracionários.

4.1 Produtos da consultoria: aspectos técnico-operacionais

As diversas competências de uma consultoria legislativa no Brasil sejam elas relativas à elaboração de notas técnicas com a finalidade de subsidiar a de-cisão do parlamentar em seu parecer de mérito, ou no que se refere à realização de estudo para atendimento a consultas sobre assuntos vinculados ao processo legislativo ou, ainda, ao assessoramento às comissões, requerem do consultor Legislativo uma gama de conhecimentos que abarcam as dimensões técnica, po-lítica e social. Ainda que o consultor tenha um domínio aprofundado sobre deter-minado assunto, deverá ter também um conhecimento mais amplo tanto do con-texto institucional em que irá atuar, quanto da sociedade de forma geral - uma combinação do conhecimento especializado com o conhecimento generalista.

Para o cumprimento de suas funções, cada vez mais complexas em decor-rência da reorganização político-administrativa que ampliou o escopo de atribui-ções do Legislativo, dada a partir da promulgação da Constituição Federal de 1988, e também da necessidade de acompanhamento de políticas públicas, quer seja no processo de elaboração de legislação pertinente, quer seja na aplicação pelo Legis-lativo do processo de fiscalização sobre o Poder Executivo, faz-se necessário dispor de alguns instrumentos que permitam ao Consultor um desempenho que oferte aos parlamentares um suporte técnico especializado, sobretudo de qualidade.

39 Atualmente na Câmara dos Deputados há cerca de 180 consultores, conforme informação divulga-da em evento realizado na Câmara Municipal de São Paulo sobre Consultorias Legislativas. Quanto às Assembleias, 14 delas possuem consultorias legislativas próprias. (SILVA, 2008).

12717Miolo.indd 69 18/9/2014 20:50:44

Page 72: PARLAMENTO SOCIEDADE - Principal

70 Allan Rodrigues Dias e outros

Rev. Parlamento & Sociedade, São Paulo, v. 2, n. 2, p. 45-77, jan./jun. 2014

De acordo com Bittencourt (2010), o assessoramento ao parlamentar no exer-cício da fiscalização do Poder Executivo pelo Legislativo e no processo de produção legislativa deve proporcionar um suporte que considere o critério político, ou de in-teresse público, a conformidade legal, ou critério jurídico e, por fim, o critério técnico.

A formação de uma capacidade técnica institucional no Legislativo cons-titui um recurso necessário para um efetivo assessoramento, com a finalidade de disponibilizar uma estrutura de produção de conhecimentos jurídicos e técnicos que subsidiem e qualifiquem seus pareceres de mérito e que auxiliem no pro-cessamento de problemas e na definição do seu foco de atenção no exercício da função fiscalizadora. Toma-se por princípio que o parlamentar é um agente de representação política, legitimado pelas urnas, pode assim, dispor de estrutura que o auxilie em temas que julga importantes mas que carece de maiores conhe-cimentos relativos aos mesmos.

Portanto, os profissionais consultores são parte, enquanto recurso e ele-mento de consolidação desta capacidade institucional. A formação acadêmica especializada dos consultores se constitui em facilitador para a realização de pes-quisas e busca em fontes confiáveis para a obtenção de informações científicas e técnicas necessárias ao suporte parlamentar, pois se exige destes profissionais a execução de estudos de caráter empírico e rigor científico, imprescindível para que as Leis sejam construídas adequadamente, pressupondo:

[...] a avaliação legislativa como o conjunto de análises baseadas no emprego

de métodos científicos, relativas à execução e os efeitos dos atos legislativos.

Trata-se de colocar sob o foco os efeitos reais ou potenciais que resultam da

aplicação de uma norma, com interesse pelas relações de causa e efeito entre

uma norma legal, por um lado, e uma mudança ou, pelo contrário, de uma

não mudança de um comportamento, de uma situação ou de uma atitude

observável, por outro lado. Visa, pois, identificar e apreender os efeitos que

a legislação produz sobre a realidade social. (MADER; LUZIUS, 2012 apud

PAULA; ALMEIDA, 2013).

Conforme já se expôs anteriormente, a coleta de informações e a ordena-ção de dados brutos, a reunião e disponibilização de resultados próprios para a avaliação da gestão pública, contribuem para a diminuição da assimetria de informação, esta caracterizada por certo monopólio de informação do Executivo.

A consolidação desta capacidade institucional também é fruto da consti-tuição de equipes interdisciplinares permanentes de assessoramento no Legis-lativo, pois facilitam a capacitação dos mesmos e a aquisição da especialização

12717Miolo.indd 70 18/9/2014 20:50:44

Page 73: PARLAMENTO SOCIEDADE - Principal

71Racionalidade técnica no processo legislativo

Rev. Parlamento & Sociedade, São Paulo, v. 2, n. 2, p. 45-77, jan./jun. 2014

necessária, através da possibilidade da troca de experiências e saberes, na cons-trução de um acervo documental e de conhecimentos.

A função de uma consultoria técnica é, nesta dada realidade, a de propor-cionar elementos que facilitem o consenso e que diminuam o risco de erros no processo de produção legislativa.

Ouvir e processar os desejos expressos dos diferentes atores, como por exemplo, ocorre nas audiências públicas temáticas ou de discussão de projetos específicos ou, ainda, em fontes como a ouvidoria legislativa podem ser recursos a serem utilizados para o trabalho destas equipes, buscando traduzir as deman-das da sociedade ao legislativo, seja em sua participação organizada ou enquanto cidadão individual.

5. Considerações Finais

O processo de tomada de decisão em cargos eletivos é pautado, entre ou-tros, pela legitimidade dos diversos segmentos sociais dada pelas urnas, pelos conflitos de interesses privados e públicos e pelas injunções político-institucio-nais que condicionam e delimitam as ações políticas. Soma-se a isso o fato de que a complexidade dos problemas e demandas da sociedade exigem cada vez mais o acesso e o entendimento das informações elaboradas pelos Poderes do Estado e pela própria sociedade.

No caso do Poder legislativo, buscou-se mostrar os mecanismos que este dispõe para dar cumprimento às suas atribuições institucionais, evidenciando que o processo de deliberação pressupõe informação de maior densidade téc-nica e mínima objetividade e que o parlamentar diante das muitas atribuições inerentes a sua função de representação não dispõe de tempo para dar conta da vastidão de regulações que regem a vida em sociedade.

Além disso, destaca-se que, para além da sua atribuição de formulação de leis, cabe ao Poder legislativo a fiscalização dos atos do Executivo, seja em questões orçamentárias ou na execução das políticas públicas, entre outras. Dessa forma, os parlamentares necessariamente discutem as temáticas da legislação e, para tanto, exige-se algum nível de estudo especializado acerca de um determi-nado assunto, lembrando que a elaboração das leis ou mesmo o monitoramento das diversas políticas públicas e das ações do Executivo não se faz tão somente na sua imprescindível, porém não exclusiva, análise jurídica, mas inevitavelmente da compreensão de conteúdo técnico específico.

Embora a análise de mérito de quaisquer das proposições no âmbito do le-gislativo, especialmente daquelas cujo objeto se debruça sobre políticas públicas

12717Miolo.indd 71 18/9/2014 20:50:44

Page 74: PARLAMENTO SOCIEDADE - Principal

72 Allan Rodrigues Dias e outros

Rev. Parlamento & Sociedade, São Paulo, v. 2, n. 2, p. 45-77, jan./jun. 2014

não seja, comparativamente, tão regulamentadas quanto às áreas jurídica e orça-mentária, há que se pautar minimamente pela legislação vigente, pela questão da razoabilidade, relevância social, implicações decorrentes de determinada pro-posta, viabilidade e especialmente o conhecimento prévio das reais demandas e preferências daqueles que serão afetados por determinada propositura.

No âmbito do Poder legislativo, este processo se constrói, em grande me-dida, a partir de manifestações elaboradas por meio de estudos prévios de peças legislativas, informes e notas técnicas, assim como no acompanhamento formal de comissões temáticas. Tais instrumentos prescindem de informações fidedig-nas, condensadas, de fontes selecionadas, disponibilizadas de maneira compre-ensível ao parlamentar.

Nesse aspecto, aponta-se o papel da consultoria técnico-legislativa como órgão de prestação de suporte técnico qualificado a toda demanda relacionada com as atividades de monitoramento das políticas públicas e elaboração legisla-tiva, propiciando aos parlamentares plenas condições de participarem de modo mais efetivo das discussões e das decisões pertinentes ao Poder legislativo.

Conforme exposto no artigo, no que concerne à relação do político com o téc-nico, reitera-se que, embora possuam racionalidades distintas (pois ao político se aplica, em termos weberianos, os fins práticos, que envolvem uma “responsabilida-de” político-institucional; ao técnico se aplica a racionalidade pautada por um com-promisso com um valor último e não pragmático, isto é, a “verdade” independente de qualquer orientação prática ou ideológica), o diálogo entre ambos é necessário.

Finaliza-se afirmando que se nem o “rei-filósofo”, o “legislador absoluto” ou o “povo-legislador” são possíveis e adequados dentro das condições histórico--sociais atuais, isto não significa que estamos diante de um problema incontornável. A saída é oferecida pelo próprio movimento de racionalização ocidental do qual somos tributários. Tal movimento constituiu a sociedade num espectro de esferas de valor autônomas que de algum modo se articulam e convivem. Evidentemente que a tensão é permanente, mas isso é da vida. De todo modo, a esfera política está bem integrada à esfera científica e, mesmo com arestas, ambas acabam funcionando con-juntamente, ainda que muitas vezes à revelia dos agentes de uma ou de outra esfera.

O mínimo que se exige, dos dois lados, para que se proceda a uma conver-gência racional legível para todos os segmentos sociais da população, é que sejam respeitadas as condições e os instrumentos técnico-científicos aceitos como válidos. É o respeito a essas condições básicas que permite a interação entre as diversas visões de mundo e de interesses vigentes, tão díspares e instáveis quanto o mundo é inapre-ensível por um único olhar. Estamos diante de uma prática atrelada, como diria Ha-bermas (1978, p. 193): “[...] a uma vontade racional, isto é, a uma vontade que não se

12717Miolo.indd 72 18/9/2014 20:50:44

Page 75: PARLAMENTO SOCIEDADE - Principal

73Racionalidade técnica no processo legislativo

Rev. Parlamento & Sociedade, São Paulo, v. 2, n. 2, p. 45-77, jan./jun. 2014

esquiva das exigências de fundamentação e de justificação e que exige, ao contrário, a consciência clara, teoricamente falando, daquilo que não sabemos.” Conviver com a diferença e a insegurança exige, pois, a aproximação orgânica entre ciência e poder.

Abstract

Based on the relationship between “power and knowledge” and the decision-making process, the article explores the correlation between science and politics. The institutional mechanisms of the Legislature’s performance presuppose the existence of information judiciously processed from different professional specialties. Thus, the article briefly presents the development, configuration and operation of the Legislature, assuming the decision-making process as the common thread, considered in its intrinsic relationship between the political and technical rationalities. Then, it approaches its major focus, which is circumscribed and impacts on the technical consulting work within the scope of the Legislative Branch40, more precisely on the conditions and the technical and methodological tools that must support this work within parliamentary framework. Since this field has been little discussed in academic studies, what one will see here is an exploratory essay that aims to bring contributions for future reflections on the role of technical and scientific resources within the State.

Keywords: Technical opinion. Technical and Legislative Consulting. The Legislative Branch.

Referências bibliográficas

BRASIL. Câmara dos Deputados. Manual de Redação. Brasília: Centro de Documentação e Informação, 2004. Disponível em:< http://bd.camara.gov.br/bd/bitstream/handle/bdcamara/5684/ manual_redacao.pdf?sequence=1>. Acesso em: 24 abr. 2014.

BRASIL. Ministério da Saúde. Manual de Redação e Correspondência e Atos Oficiais. 2. ed. Brasília: Funasa, 2006a. Disponível em: <http://www.funasa.gov.br/site/wp-content/files_mf/ adm_redOficial.pdf>. Acesso em: 15 abr. 2014.

40 The role of the technical consulting work has already been discussed in a previous article publi-shed in this journal. View: footnote n. 8.

12717Miolo.indd 73 18/9/2014 20:50:45

Page 76: PARLAMENTO SOCIEDADE - Principal

74 Allan Rodrigues Dias e outros

Rev. Parlamento & Sociedade, São Paulo, v. 2, n. 2, p. 45-77, jan./jun. 2014

BRASIL. Senado Federal. Manual de Redação Parlamentar e Legislativa. Brasília: Consultoria Legislativa, 2006b. Disponível em: http://www12.senado.gov.br/senado/institucional/conleg/manuais/manual-de-redacao-parlamentar-e-legislativa>. Acesso em: 24 abr. 2014.

BITTENCOURT, F. M. R. O Controle e a Construção de Capacidade Técnica Institucional no Parlamento: elementos para um marco conceitual. In: ReLeitura: compilação de textos para discussão. Brasília: Secretaria de Edições Técnicas do Senado Federal, 2010.

BOBBIO, Norberto. O futuro da democracia. Paz e Terra, Rio de Janeiro, 1986.

BONAVIDES, P. Do Estado liberal ao Estado Social. 8. ed. São Paulo: Malheiros, 2007.

CÂMARA MUNICIPAL DE SÃO PAULO. Ato nº 1.147, de 18 de abril de 2011. Altera o § 1º e acresce § 5º ao art. 7º do Ato nº 981, de 31 de maio de 2007, alterado pelo Ato nº 988, de 27 de junho de 2007, e dá outras providências. Diário Oficial da Cidade de São Paulo, São Paulo, SP, 19 mar. 2011, p. 103. Disponível em: <http:www.camara.sp.gov.br>. Acesso em: 24 abr. 2014.

CONSULTORIAS LEGISLATIVAS. 2011. Câmara Municipal de São Paulo. Workshop Consultorias Legislativas.

CARNEIRO, H. L. P. I Fórum Nacional da ANACOL - Associação Nacional dos Consultores Legislativos. Relatório. Goiânia, 2010. Disponível em: <http://al.go.leg.br/arquivos/asstematico/relatorio0001_forum_anacol.pdf>. Acesso em: 12 abr. 2014.

CASSEB, P. A. Comissões no Processo Legislativo Brasileiro e a Constituição Brasileira de 1988. In: Processo Legislativo: atuação às Comissões Permanentes e temporárias. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2008.

CINTRA, A. O.; BANDEIRA, R. M. G. O Poder legislativo na organização política brasileira. In: Consultoria Legislativa. Estudo. Maio de 2005. Câmara dos Deputados. Disponível em: <http://bd.camara.gov.br/bd/handle/bdcamara/2385>. Acesso em: 29 mar. 2011.

COCCO JÚNIOR, J. G.; FANTUCCI, S. A Capacidade técnica do Poder legislativo: o papel das consultorias institucionais legislativas. Revista do Parlamento

12717Miolo.indd 74 18/9/2014 20:50:45

Page 77: PARLAMENTO SOCIEDADE - Principal

75Racionalidade técnica no processo legislativo

Rev. Parlamento & Sociedade, São Paulo, v. 2, n. 2, p. 45-77, jan./jun. 2014

Paulistano, Câmara Municipal de São Paulo, São Paulo, v. 2, n. 3, jul./dez. 2012. Disponível em: <http://www.camara.sp.gov.br/indez.php?option=_content&viewarticle&id=11032&Itemid=240>. Acesso em: 28 mar. 2014.

DAHL, Robert. A democracia e seus críticos. São Paulo: Martins Fontes, 2012.

DIDIO, Lucie. Leitura e produção de textos. São Paulo: Atlas, 2013.

FARIA, F. F. A Consultoria Legislativa da Câmara dos Deputados aos 40 anos de sua existência. In: Brasil. Câmara dos Deputados. 40 anos da Consultoria Legislativa: consultores legislativos e consultores de orçamento. Brasília: Edições Câmara, 2011.

FERREIRA FILHO, Manoel Gonçalves. Do processo legislativo. 7. ed. São Paulo: Saraiva, 2012.

HABERMAS, J. Técnica e ciência enquanto ideologia. In: Benjamin, Habermas, Horkheimer, Adorno. São Paulo: Abril, 1980. (Coleção Os Pensadores).

______. Raison e légitimité. Paris: Payot, 1978.

HORKHEIMER, M. O eclipse da razão. Rio de Janeiro: Labor do Brasil, 1976.

HOWLETT, M. et al. Política Pública: seus ciclos e subsistemas: uma abordagem integradora. Rio de Janeiro: Elsevier, 2013.

MARCUSE, H. El fin de la utopia. Buenos Ayres: Siglo XXI, 1968.

MAURANO, A. O Poder legislativo Municipal. Curitiba: Letra da Lei, 2008.

MEIRELLES, H. L. A Câmara Municipal: composição e atribuições. In: Direito Municipal Brasileiro. 16. ed. São Paulo: Malheiros, 2008.

______. Direito Municipal Brasileiro. 17. ed. São Paulo: Malheiros, 2013.

MELLO, C. A. B. Pareceres de Direito Administrativo. São Paulo: Malheiros, 2011.

NETTO, J. P.; BRAZ, M. Economia Política: uma introdução crítica. 5. ed. São Paulo: Cortez, 2009.

PAULA, F.; ALMEIDA, G. Avaliação legislativa e projeto pensando o direito: uma afortunada aproximação. In: O papel da pesquisa política legislativa:

12717Miolo.indd 75 18/9/2014 20:50:45

Page 78: PARLAMENTO SOCIEDADE - Principal

76 Allan Rodrigues Dias e outros

Rev. Parlamento & Sociedade, São Paulo, v. 2, n. 2, p. 13-43, jan./jun. 2014

metodologia e relato de experiências do Projeto Pensando o Direito. Brasília: Ministério da Justiça, 2013. Disponível em: < http:// participacao.mj.gov.br/pensandoodireito/wp-content/uploads/2013/11/Volume-50-O-Papel-daPesquisa-na-Pol%C3%ADtica-Legislativa.pdf>. Acesso em: 12 abr. 2014.

PLATÃO. A república. Lisboa: Fundação Calouste Gulbenkian, 1983.

POLVEIRO JÚNIOR, E. E. Desafios e perspectivas do Poder legislativo no século XXI. In: Textos para discussão 30. Brasília: Consultoria Legislativa do Senado Federal, abril 2006. Disponível em: <http//:www.senado.gov.br/senado/conleg/textos.../texto30Elton.pdf>. Acesso em: 25 mar. 2014.

RIBEIRO, G. W. Funcionamento do Legislativo Municipal. Brasília: Senado Federal, Secretaria Especial e Editoração e Publicações, 2012.(Publicações Interlegis v. 5).

______. Informação, Aprendizagem e Inovação nas Câmaras Municipais de Minas Gerais. Tese (Doutorado em Ciências Sociais)-PUC/MG, Belo Horizonte, 2010. Disponível em <http//:www. dominiopublico.gov.br/pesquisa/DetalheObraForm.do?select_action=&co_obra=186804>. Acesso em: 28 mar. 2014.

ROUANET, S. P. As razões do iluminismo. São Paulo: Cia. das Letras, 1987.

ROUSSEAU, J.J. Do contrato social. In: Rousseau, J. J .Obras. Porto Alegre: Globo, 1962.

SAINT-SIMON, H. Um sonho. In: FERREIRA, S. O socialismo antes de Marx. Portugal: Editorial Fronteira, 1976.

SALDANHA, N. O que é Poder legislativo. 2. ed. São Paulo: Brasiliense, 1983.

SANTOS, F. P.; MOURÃO, G. H. B.; RIBEIRO, G. W. Poder legislativo e suas Consultorias Institucionais. Cadernos Escola do Legislativo, Belo Horizonte, v. 9, n. 14, p. 133-152, jan./dez. 2007. Disponível em: <http//: www.almg.gov.br/opencms/export/sites/.../flavia_pessoa.pdf>. Acesso em: 28 mar. 2011.

SILVA, A. C. M. L.; LIMA, E. R. Consultoria Legislativa: Ferramenta de Otimização do Trabalho Parlamentar. Monografia (Especialização em Gestão Pública e Legislativa)-Universidade Federal de Pernambuco, Escola do Legislativo, Recife, 2008. Disponível em: <http//:www.alepe.pe.gov.br/paginas/vermonografia.php?doc...de...pdf>. Acesso em: 18 mar. 2011.

12717Miolo.indd 76 18/9/2014 20:50:45

Page 79: PARLAMENTO SOCIEDADE - Principal

77Racionalidade técnica no processo legislativo

Rev. Parlamento & Sociedade, São Paulo, v. 2, n. 2, p. 45-77, jan./jun. 2014

SILVA, J. M. A democratização da Câmara Municipal de São Paulo: reforma das Comissões Permanentes. Dissertação (Mestrado em Administração)-FGV, São Paulo, 1998.

SIQUEIRA, L. R. Fiscalização e Controle na Assembleia Legislativa do Estado de São Paulo. Dissertação (Mestrado em Sociologia)-Universidade Estadual Paulista, Faculdade de Ciências e Letras, Araraquara, 2009.

TAKEUTTI, N. M. A questão dos valores de consultoria na Administração Pública. Cadernos FUNDAP, n. 14, ano 7, p. 52-55, São Paulo, out. 1987.

UNITED STATES OF AMERICA. Annual Report of the Congressional Research Service of the Library of Congresss for Fiscal Year 2012. Washington: Library of Congress, 2013.

WEBER, Max. A “objetividade” do conhecimento na Ciência Social e na Ciência Política. In: Weber, Max. Metodologia das ciências sociais. Campinas: Edunicamp, 1992.

______. Ciência e Política: duas vocações. São Paulo: Cultrix, 1986.

ZANCANER, G. Das Comissões parlamentares. In: As competências do Poder legislativo e as comissões parlamentares. São Paulo: Malheiros, 2010.

12717Miolo.indd 77 18/9/2014 20:50:45

Page 80: PARLAMENTO SOCIEDADE - Principal

12717Miolo.indd 78 18/9/2014 20:50:45

Page 81: PARLAMENTO SOCIEDADE - Principal

ARTIGO 3

Crise do Direito: fim do Estado?

Emerson Marcelo da SilvaMarco Antonio Lima

12717Miolo.indd 79 18/9/2014 20:50:45

Page 82: PARLAMENTO SOCIEDADE - Principal

12717Miolo.indd 80 18/9/2014 20:50:45

Page 83: PARLAMENTO SOCIEDADE - Principal

Crise do Direito: fim do Estado?

Emerson Marcelo da Silva1

Marco Antonio Lima2

Resumo

O presente trabalho tomou como premissa principiológica a ideia de que as contribuições ao estudo e à reflexão a respeito da suposta crise do Estado e do direito devem partir necessariamente do conhecimento da história da figura do Estado nacional moderno e a função que o direito vem desempenhando no cum-primento dos objetivos dos Estados.

A partir desse ponto inicial, foi possível entender a dinâmica histórica da atuação do Estado nacional, primeiro como Leviaethan absolutista do período feu-dal, depois como estado garantidor das principais liberdades individuais, pas-sando, então, a assumir um caráter assistencialista, garantidor da justiça social. E é a partir do enfraquecimento das estruturas do Estado social, já no início dos anos 70 do século passado, que o mundo se reconfigura economicamente e o es-tado nacional como conhecido até então é colocado em xeque.

Para compreender as mutações pelas quais passou a figura do Estado na-cional no período acima indicado, foi necessário o estudo da literatura produzida na área da Teoria Geral do Estado e Ciência Política. Foi realizada uma pesquisa sobre textos doutrinários da área jurídica, da filosofia e da sociologia.

Verificou-se que a crise do Estado e do direito não é necessariamente uma fase anterior à sua extinção. A existência do Estado e sua legitimidade ainda en-contram fundamento nos fatos e na produção legislativa atual.

A crise econômica que teve início em 2008 e o debate acerca do denomi-nado Marco Civil da Internet confirmam a presença do Estado em posição de relevância no mundo contemporâneo.

1 Mestrando em Direito da Sociedade da Informação no Complexo Educacional FMU. Especialista em Direito Constitucional pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo. Graduado em Direito pela Faculdade de Direito de São Bernardo do Campo, SP. Advogado. Professor de Legislação no Instituto Filadélfia de São Paulo2 Mestrando em Direito da Sociedade da Informação no Complexo Educacional FMU. Especialista em Direito das Relações de Consumo pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo. Graduado em Direito pela Universidade Guarulhos. Advogado.

12717Miolo.indd 81 18/9/2014 20:50:45

Page 84: PARLAMENTO SOCIEDADE - Principal

82 Emerson Marcelo da Silva e Marco Antonio Lima

Rev. Parlamento & Sociedade, São Paulo, v. 2, n. 2, p. 79-97, jan./jun. 2014

Identificou-se que há uma transição de paradigma de sustentação do Es-tado e da interpretação do direito. Transição desta natureza já ocorreu quando o Estado deixou de ser feudal para ser liberal, assim como quando assumiu posi-ção de garantidor do bem estar social.

Sob o paradigma atual o Estado se apresenta com a proeminência do Po-der Judiciário, o que gera consequências positivas e negativas. O presente artigo pretende enriquecer o debate a respeito destas consequências.

Palavras-chave: Surgimento do Estado. Sociedade da Informação. Poder Judiciário.

1. Introdução

As recentes crises que assolaram os mercados financeiros das principais economias do mundo, a partir do final da década passada, trouxeram novamente à tona um debate que viceja nos meios políticos e jurídicos há aproximadamente 30 anos: qual o papel do Estado nacional no mundo contemporâneo?

A globalização econômica conferiu aos mercados um intenso fluxo de re-cursos financeiros, produtos e serviços, que não tomam conhecimento das fron-teiras dos países, movimentando-se muito mais pela lógica do sistema capitalista - que demanda cada vez mais a liberdade dos mercados - do que pelo respeito às soberanias estatais.

Consequentemente, a reboque da chamada crise dos Estados nacionais, vem a crise de seu principal instrumento de controle: o direito. Se a soberania dos estados parece ser colocada em segundo plano, o direito positivo estatal acompanha esse viés decadente do Poder Público, pois o direito é expressão da soberania do Estado.

Os fatores de poder político que atuam na sociedade pretendem assumir a legitimidade para a criação do direito, substituindo o Estado nesta função. As tendências políticas contrárias ao Estado nacional e ao direito fortaleceram-se a partir do final da década de 1970, culminando com a abrangente desregulação em diversos setores econômicos, cujo auge se deu em meados dos anos 1990. As privatizações realizadas massivamente pelos governos de países emergentes de então corroboram esta afirmação.

Diante desta realidade, os protagonistas que atuam nos sistemas jurídicos e políticos nacionais, no mais das vezes, buscam formular alguma frente à corren-te contrária ao Estado. Políticos e juristas dedicam-se a construir um arcabouço teórico apto a restabelecer o mesmo grau de poder a eles conferidos anterior-mente à globalização. Não obstante, os fatos demonstram que as tentativas de

12717Miolo.indd 82 18/9/2014 20:50:45

Page 85: PARLAMENTO SOCIEDADE - Principal

83Crise do Direito: fim do Estado?

Rev. Parlamento & Sociedade, São Paulo, v. 2, n. 2, p. 79-97, jan./jun. 2014

reação têm restado inócuas diante da rapidez e amplitude com que avança a globalização. Esta atinge um acentuado nível de influência sobre o papel a ser desempenhado pelo Estado no mundo atual. O influxo cada vez mais intenso de inovações tecnológicas constitui-se no fator mais relevante para diferenciar o processo de globalização verificado atualmente em relação a fenômenos seme-lhantes verificados em outras épocas.

Vivemos hoje um momento histórico cujas características o tornam extre-mamente peculiar, em razão do surgimento do fenômeno conhecido como So-ciedade da Informação. Irineu Francisco Barreto Junior traz explicação bastante elucidativa sobre o que vem a ser tal fenômeno:

A principal transformação recente nas sociedades contemporâneas envolve

uma verdadeira revolução digital em que são dissolvidas as fronteiras entre

telecomunicações, meios de comunicação de massa e informática. Conven-

cionou-se nomear esse novo ciclo histórico de Sociedade da Informação,

cuja principal marca é o surgimento de complexas redes profissionais e tec-

nológicas voltadas à produção e ao uso da informação, que alcançam ainda

sua distribuição através do mercado, bem como as formas de utilização des-

se bem para gerar conhecimento e riqueza. (2009, p. 41).

A consolidação da Sociedade da Informação torna inviável um hipotético retorno ao estado anterior. A globalização econômica, fortalecida pela Sociedade da Informação apresenta-se como uma entropia, o que significa dizer que resta inviabilizada a simples tentativa de recondução da realidade atual aos modelos próprios de uma realidade já exaurida.

Os fatos exigem que se avance ao encontro de soluções adequadas a um panorama nunca antes verificado em qualquer quadrante da história mundial. Estudiosos das mais importantes áreas da ciência se esforçam para refletir e pesquisar o mundo contemporâneo, com a esperança de estabelecer novos pa-radigmas que possam arrefecer a perplexidade gerada pelo mundo em intensa e constante mutação.

2. Problematizações

No bojo destas reflexões, acaba-se por perquirir qual a verdadeira natu-reza da propalada crise do Estado e do direito. Trata-se de uma fase exatamente anterior à extinção do Estado e do direito? Em outras palavras, o desprestígio dispensado ao Estado nacional e ao direito no mundo contemporâneo pode ser tido como uma fase prévia ao desaparecimento destes?

12717Miolo.indd 83 18/9/2014 20:50:45

Page 86: PARLAMENTO SOCIEDADE - Principal

84 Emerson Marcelo da Silva e Marco Antonio Lima

Rev. Parlamento & Sociedade, São Paulo, v. 2, n. 2, p. 79-97, jan./jun. 2014

Apesar do tom apocalíptico da hipótese aventada acima, os estudos em-preendidos para a elaboração do presente trabalho não permitem concluir neste sentido de forma pacífica. Não há evidências factuais a comprovar que o Estado caminha necessariamente para o seu ocaso.

Nem por isso é possível dizer que não haja um profundo enfraquecimento dos paradigmas que sustentaram a legitimidade do Estado por séculos, antes do abalo de suas estruturas causado pelo advento da mundialização dos mercados.

Sendo assim, em que consiste a tal crise do Estado e do direito? Seria uma crise de legitimidade? Ou seria possível afirmar que se trata de uma substituição normal de paradigmas, que reflete uma natural experimentação de vicissitudes inerentes à vida do Estado? Já não teria havido fenômeno semelhante quando da transição do Estado absolutista para o Estado liberal e deste para o Estado social?

Não seria natural a perplexidade e insegurança daqueles que vivenciam estes momentos de transição, uma vez que as estruturas dos campos científi-cos perdem seus alicerces, permanecendo em momento de espera enquanto são construídos aqueles que lhes substituirão?

É possível afirmar que a crise é um fenômeno favorável às mudanças que aperfeiçoam o próprio Estado e o direito, com vistas a uma maior adequação às novas realidades sobre as quais estes pretendem atuar?

O presente artigo procura contribuir para a reflexão exigida por essa gama de questionamentos sobre o papel do Estado e do direito no mundo contemporâneo.

3. A existência do Estado

A tarefa de identificar a origem do Estado nacional e seu conceito não é tare-fa das mais fáceis. Paulo Bonavides (2010, p. 55) afirma que “o Estado como ordem política da Sociedade é conhecido desde a Antiguidade aos nossos dias. Todavia nem sempre teve essa denominação, nem tampouco encobriu a mesma realidade”.

Para os fins do presente trabalho, não há necessidade de buscar as origens re-motas do Estado, já que o desenvolvimento histórico que interessa aqui nos permite estabelecer um marco histórico a partir do surgimento do Estado moderno, quando as funções foram divisadas entre os Poderes Legislativo, Executivo e Judiciário.

Esclarecedora a lição de Paulo Bonavides:

O emprego moderno do nome Estado remonta a Maquiavel, quando este

inaugurou O Príncipe com a frase célebre: ‘Todos os Estado, todos os do-

mínios que têm tido ou têm império sobre os homens são Estados, e são

repúblicas ou principados. (2010, p. 66).

12717Miolo.indd 84 18/9/2014 20:50:45

Page 87: PARLAMENTO SOCIEDADE - Principal

85Crise do Direito: fim do Estado?

Rev. Parlamento & Sociedade, São Paulo, v. 2, n. 2, p. 79-97, jan./jun. 2014

O renomado constitucionalista traz aquele que entende ser o mais comple-to conceito de Estado, formulado por Jellinek (1914, apud BONAVIDES, 2010, p. 71), “é a corporação de um povo, assentada num determinado território e dotada de um poder originário de mando”.

O Estado moderno sofreu o maior impacto em sua história quando do surgimento do Constitucionalismo moderno. As experiências constitucionais no Reino Unido, nos Estados Unidos da América e na França foram as maiores fontes de formação dos principais modelos de Estado constitucional moderno e contemporâneo.

Sobre a experiência do Reino Unido, pode-se afirmar que:

Ao final do século XVI, a Inglaterra já havia se firmado como uma monar-

quia estável, um Estado protestante e uma potência naval. Ali seriam lan-

çadas, ao longo do século XVII, as bases do constitucionalismo moderno,

em meio à turbulência institucional resultante da disputa de poder entre a

monarquia absolutista e a aristocracia parlamentar. (BARROSO, 2010, p. 11)

Quanto aos Estados Unidos da América, ressalte-se que:

A primeira Constituição escrita do mundo moderno passou a ser o marco

simbólico da conclusão da Revolução Americana em seu tríplice conteúdo:

a) independência das colônias; b) superação do modelo monárquico; c) im-

plantação de um governo constitucional, fundado na separação de Poderes,

na igualdade e na supremacia da lei (rule of law). (BARROSO, 2010, p. 17).

Na França ocorreu o evento histórico que melhor sintetizou as lutas políti-cas e sociais que ocorriam em fins do século XVIII nos países do hemisfério norte, a Revolução Francesa.

Sob o lema de liberdade, igualdade e fraternidade, promoveu-se um con-

junto amplo de reformas aristocráticas, que incluíram: a) a abolição do sis-

tema feudal; b) a promulgação da Declaração dos Direitos do Homem e do

Cidadão; c) a elaboração de uma nova Constituição, concluída em 1791; d) a

denominada constituição civil do clero. (BARROSO, 2010, p. 26).

Nestas breves linhas, pretendeu-se delinear as principais características do Estado moderno. Em ponto mais adiantado deste trabalho, serão úteis os esclare-cimentos trazidos neste tópico, máxime para o fim de identificar se atualmente a existência do Estado encontra-se em risco, bem como para identificar os paradig-mas que sustentaram e sustentam a atuação política e jurídica do Estado.

12717Miolo.indd 85 18/9/2014 20:50:45

Page 88: PARLAMENTO SOCIEDADE - Principal

86 Emerson Marcelo da Silva e Marco Antonio Lima

Rev. Parlamento & Sociedade, São Paulo, v. 2, n. 2, p. 79-97, jan./jun. 2014

4. A legitimidade do Estado

Max Weber afirmava que o Estado configura o monopólio exclusivo da força. Para ele, o Estado tinha em mãos a legitimidade para uso exclusivo da vio-lência, sendo esta entendida como o poder de impedir o livre arbítrio dos indiví-duos. A legitimidade, desse modo, advém do consentimento dos indivíduos, que aceitam a concentração da força nas mãos deste ente abstrato chamado Estado.

A legitimidade consiste no assentimento dos governados em aceitar a sub-missão à força exercida pelos governantes. Para Weber (2010, p. 57), “o Estado só pode existir, portanto, sob condição de que os homens dominados se submetam à autoridade continuamente reivindicada pelos dominadores.

O sociólogo alemão concebeu três razões que justificam a legitimidade do Estado: o poder da tradição, o poder carismático e a legalidade. Não é pertinen-te ao estudo empreendido no presente artigo um aprofundamento das formas weberianas de legitimação do poder do Estado. Por isso, passamos ao estudo de outra teoria que embasa a legitimidade do Estado: a doutrina contratualista.

Sob a expressão “doutrina contratualista” pode-se alocar as teorias formu-ladas por Thomas Hobbes (séc. XVII) e Jean-Jacques Rousseau (séc. XVIII), cujos traços principais e em comum – colocadas à parte diversas e profundas divergên-cias entre as ideias destes autores – são: a) a ideia de um estado original do ser humano, em que os indivíduos detêm toda a sua liberdade; b) a necessidade de operar um acordo entre todos os seres humanos para abandonar este estado ori-ginal e ingressar num estado de sociedade a fim de alcançar maiores vantagens para a realização das potencialidades humanas; c) a delegação de parcela da li-berdade de todos os indivíduos para um ente abstrato chamado Estado, que terá o poder de interferir na esfera particular dos indivíduos, para ordenar a vida em sociedade; d) esta delegação se dá por meio de um pacto social ou contrato social.

O estado de natureza de Hobbes e o estado de sociedade de Rousseau eviden-

ciam uma percepção do social como luta entre fracos e fortes, vigorando o po-

der da força ou a vontade do mais forte. Em toda parte reinam a insegurança,

a luta, o medo e a morte. Para fazer cessar esse estado de vida ameaçador e

ameaçado os humanos decidem passar à civitas ou à sociedade civil, isto é, ao

estado civil, criando o poder político e as leis. (CHAUÍ, 2003, p. 373).

A legitimidade do Estado encontra amparo então na aceitação dos indi-víduos em delegar parte de sua liberdade a este ente abstrato, para que crie um ambiente favorável ao desenvolvimento das potencialidades humanas.

12717Miolo.indd 86 18/9/2014 20:50:45

Page 89: PARLAMENTO SOCIEDADE - Principal

87Crise do Direito: fim do Estado?

Rev. Parlamento & Sociedade, São Paulo, v. 2, n. 2, p. 79-97, jan./jun. 2014

Marilena Chauí (2003, p. 373) ensina, ainda, que:

Os teóricos invocarão uma cláusula do Direito Romano – “Ninguém pode

dar o que não tem e ninguém pode tirar o que não deu” – e a Lei Régia ro-

mana – “O poder pertence ao povo e é por ele conferido ao soberano” – para

legitimar a teoria do contrato ou do pacto social.

Feitas as descrições das teorias que fundamentam a existência e a legitimi-dade do Estado, passemos à análise da atual realidade e do seu papel no mundo contemporâneo.

5. O protagonismo do Estado no mundo contemporâneo

O Estado moderno nunca esteve livre de críticas. Desde o seu surgimento, sempre houve quem o atacasse ou propugnasse pela sua extinção. Curiosamen-te, nos tempos atuais, até mesmo marxistas e neoliberais não se incomodam em andar juntos quando se trata de defender o fim do Estado.

A despeito disso, não é aconselhável que o estudioso do tema limite-se a tocar apenas a superfície do problema. É imperioso que nos afastemos do senso comum que insiste em anunciar a extinção do Estado, para que logo depois a rea-lidade dos fatos venha a desmentir estes libelos contrários à existência do Estado.

A crise econômica que assolou os mercados financeiros mundiais a partir de 2008 acabou por conferir respaldo ao fortalecimento do papel do Estado no mundo contemporâneo.

Pouco antes de eclodir a crise econômica, era comum a pregação pela desre-gulação dos mercados financeiros, sob o argumento de que a legislação era um en-trave ao funcionamento natural e virtuoso dos sistemas financeiros e econômicos.

Entretanto, com a quebra de importantes agentes do mercado financeiro mundial, diversas empresas privadas, sobretudo as que atuavam no sistema ban-cário ou securitário, socorreram-se dos cofres públicos dos Estados europeus e norte-americano.

Muito se fala em enfraquecimento da soberania estatal em razão da for-mação dos blocos econômicos e políticos, como, por exemplo, a União Europeia. Não obstante, diante da crise econômica, o erário dos Estados nacionais foram os grandes agentes da recuperação econômica que ainda se ensaia nas principais economias do mundo.

Este fato corrobora a afirmativa de que o Estado nacional ainda encontra posição de destaque nos planos políticos, jurídicos, sociais e econômicos de todo o mundo.

12717Miolo.indd 87 18/9/2014 20:50:45

Page 90: PARLAMENTO SOCIEDADE - Principal

88 Emerson Marcelo da Silva e Marco Antonio Lima

Rev. Parlamento & Sociedade, São Paulo, v. 2, n. 2, p. 79-97, jan./jun. 2014

No Brasil, a atual discussão a respeito do chamado Marco Civil da Internet pode ser apontada como outro exemplo de fortalecimento do papel do estado. Muitas das principais críticas são no sentido de que o poder público tem sido moroso para oferecer soluções legislativas, administrativas e jurídicas para a re-gulamentação do ambiente virtual.

Ora, se prevalecesse realmente a ideia de enfraquecimento do Estado, os setores econômicos e sociais que transitam pela internet já teriam conseguido alcançar consensos, ainda que mínimos, hábeis a compor os diferentes interesses dos usuários deste meio de comunicação.

No entanto, a realidade que se verifica demonstra exatamente o contrário, isto é, a incapacidade dos particulares de formularem por si sós regramentos razoáveis para solução de seus conflitos de interesses, sendo necessário o socorro do Estado para a produção de leis, a execução de medidas administrativas e o julgamento das lides provenientes do uso da internet.

Isso demonstra que o Estado ainda encontra legitimidade para sua existência. Na medida em que os indivíduos e os grupos econômicos e sociais que

utilizam a internet, mobilizam-se para exigir do Estado que produza uma regu-lamentação, eles sinalizaram que aceitam delegar parcela de sua liberdade para que se obtenha uma regra que ponha termo à desordem, anarquia e barbárie no ambiente digital, reconhecendo, ainda, o monopólio da força nas mãos do Esta-do. Presente, então, a legitimação da atuação estatal.

Luís Roberto Barroso (2010, p. 69-70), hoje Ministro do Supremo Tribunal Federal, em seu Curso de Direito Constitucional Contemporâneo ensina que:

O Estado contemporâneo tem o seu perfil redefinido pela formação de

blocos políticos e econômicos, pela perda da densidade do conceito de

soberania, pelo aparente esvaziamento do seu poder diante da globaliza-

ção. Mas não há qualquer sintoma de que esteja em processo de extinção

ou de que a ele será reservado um papel secundário. O Estado ainda é a

grande instituição do mundo moderno. Mesmo quando se fala em centra-

lidade dos direitos fundamentais, o que está em questão são os deveres

de abstenção ou de atuação promocional do Poder Público. Superados os

preconceitos liberais, a doutrina publicista reconhece o papel indispen-

sável do Estado na entrega de prestações positivas e na proteção diante

da atuação abusiva dos particulares. O Estado, portanto, ainda é prota-

gonista da história da humanidade, seja no plano internacional, seja no

plano doméstico.

12717Miolo.indd 88 18/9/2014 20:50:45

Page 91: PARLAMENTO SOCIEDADE - Principal

89Crise do Direito: fim do Estado?

Rev. Parlamento & Sociedade, São Paulo, v. 2, n. 2, p. 79-97, jan./jun. 2014

6. Paradigmas de atuação do Estado

Vimos que a crise do Estado e do direito não é a antessala da extinção des-tes. Há na verdade uma perplexidade originada da insegurança que advém da transição de um paradigma que alicerça o Estado e lhe dá conformação, para ou-tro mais adequado às demandas da sociedade atual, a Sociedade da Informação.

Se é certo que as exigências dessa nova sociedade são ricas, plurais de sig-nificados e intensas em seu ritmo cambiante, não é menos certo que o Estado já passou por outros momentos de transição de paradigmas em outras épocas.

Em breves palavras, é possível descrever uma linha histórica básica para retratar os estágios de mutação pelos quais passou o Estado nacional. Este surgiu aproximadamente no séc. XV, para fazer frente ao poder político feudal. Poste-riormente, com os movimentos libertários, o Estado assumiu feições liberais, com fins de proteção das liberdades individuais.

Com o recrudescimento das mazelas sociais durante a Revolução Industrial, grupos sociais organizados, como partidos políticos e sindicatos, demandaram a assunção de um novo papel pelo Estado, o papel de provedor de justiça social.

Aproximadamente em 1970, o Estado do Bem Estar Social tem sua efi-ciência questionada. O inchaço das demandas sociais sobrecarregou o Estado, inabilitando-o para o cumprimento de suas finalidades. Os grupos econômicos capitalistas deram nova roupagem às ideias do liberalismo econômico, no que se convencionou chamar de neoliberalismo, e empreenderam profundas reformas nas estruturas dos Estados nacionais.

Com o surgimento da globalização econômica, potencializada pela desco-berta crescente e incessante de inovações tecnológicas, o Estado nacional passou a sofrer novos ataques, que questionam sua legitimidade e sua eficiência.

Durante todo esse caminho, o direito nunca deixou de ser o principal ins-trumento de consecução dos objetivos estatais. E a cada conformação nova assu-mida pelo Estado, o direito acaba sendo utilizado como mecanismo de realização dos novos objetivos da sociedade política organizada, o que interfere na interpre-tação que se deve fazer sobre o sistema jurídico.

Além disso, as instituições encarregadas de interpretar e aplicar o direito acompanham os rumos ditados pelas ordens políticas e econômicas que comandam o Estado e acabam por nortear a produção e interpretação do ordenamento jurídico.

Quando o Estado tomou feições liberais, o paradigma que inspirou a cria-ção das instituições e do direito era uma profunda desconfiança em relação aos poderes Executivo (já que era exercido pela nobreza que ruía com a Revolução Francesa), e Judiciário, uma vez que os juízes eram nomeados pela nobreza.

12717Miolo.indd 89 18/9/2014 20:50:45

Page 92: PARLAMENTO SOCIEDADE - Principal

90 Emerson Marcelo da Silva e Marco Antonio Lima

Rev. Parlamento & Sociedade, São Paulo, v. 2, n. 2, p. 79-97, jan./jun. 2014

Em um contexto social marcado por turbulências e rupturas, o constitucio-

nalismo francês tinha como principal alvo os aparatos da Administração e

da Justiça, dominados pelos representantes e pela mentalidade do ‘ancién

regime’ e confiava no Parlamento que era composto, em sua esmagadora

maioria, por representantes da burguesia [...] (DIMOULIS, D.; MARTINS

L., 2006, p. 31)

Sendo assim, era natural que o paradigma estabelecido foi aquele que con-feriu o mais alto poder ao Parlamento. O governo não era mais de homens, mas de leis. A supremacia da lei surgiu como princípio central neste momento, elevando as instituições que integravam o Poder Legislativo ao ápice dos sistemas político e jurídico. Este paradigma, da supremacia do Parlamento e da lei, influenciou os países europeus e todos aqueles que nos tomaram como matriz de inspiração.

Diante da hegemonia do Parlamento, segundo Marinoni (2008, p. 27), o Executivo e o Judiciário assumiram posições óbvias de subordinação.

No momento em que o Estado é chamado para ser agente de promoção da justiça social, faz-se necessário conferir a ele poderes suficientes ao cumprimento deste desiderato. O direito toma forma, então, de postulados políticos hábeis a pau-tar a atuação do Poder Executivo, no sentido de implementação de políticas públicas.

A consequência direta da interação entre os poderes é a proeminência do Poder Executivo, pois é a Administração Pública que será responsável pela con-cretização das demandas sociais inscritas nas legislações produzidas neste perío-do da evolução da figura do Estado.

Como vetor tanto do progresso material quanto da justiça social, o Executi-

vo se converteu em instrumento de consecução de objetivos concretos; seu

sistema jurídico é, então, concebido como técnica de gestão e regulação da

sociedade. (FARIA, 2010, p. 7)

Após a Segunda Guerra Mundial, os países envolvidos no conflito passam a buscar a produção de um direito que sirva para evitar a legitimação de futuras atrocidades baseadas na legalidade. Altera-se, assim, o paradigma do Estado e do direito, abandonando o padrão puramente legalista para engendrar um novo di-reito, no qual há prevalência dos princípios que inspiram todo o sistema jurídico.

A ampla positivação de princípios nas legislações, sobretudo nas Consti-tuições, aliada ao uso cada vez mais corriqueiro de conceitos jurídicos indeter-minados nos textos das leis levou o direito a um estado em que a exigência de argumentação do intérprete se acentuou. Essa realidade alçou o Poder Judiciário ao posto mais relevante da regulamentação da sociedade, já que sempre foi tido

12717Miolo.indd 90 18/9/2014 20:50:45

Page 93: PARLAMENTO SOCIEDADE - Principal

91Crise do Direito: fim do Estado?

Rev. Parlamento & Sociedade, São Paulo, v. 2, n. 2, p. 79-97, jan./jun. 2014

como o intérprete final do direito. Este o paradigma que determina a interpreta-ção atual do sistema jurídico.

Se nas teorias clássicas o juiz apenas declarava a lei ou criava norma indi-

vidual a partir da norma geral, agora ele constrói a norma jurídica a partir

da interpretação de acordo com a Constituição, do controle de constitucio-

nalidade e da adoção da regra do balanceamento (ou regra da proporcio-

nalidade em sentido estrito) dos direitos fundamentais no caso concreto.

(MARINONI, 2008, p. 103.)

Essa prevalência do Poder Judiciário sobre os demais poderes não se faz sem ressalvas. A dinâmica de atuação dos magistrados não é a mesma dos admi-nistradores públicos ou dos legisladores. A própria legitimidade dos juízes para regular amplos campos da realidade é questionada, já de início, por não serem agentes públicos eleitos pelo povo. Essa discussão é citada aqui apenas a título de exemplo, pois seu aprofundamento foge à finalidade precípua deste trabalho.

A despeito das críticas, exige-se do jurista uma postura prospectiva, que busque novas orientações para o deslinde dos problemas que a Sociedade da Informação apresenta. Exigir que o Poder Legislativo atue de maneira mais profí-cua tem como consequência a inflação legislativa, que é fator de enfraquecimento do próprio direito. Paradoxalmente, se o legislador tentar acompanhar a cons-tante modificação do mundo atual, produzindo leis na mesma medida em que a realidade se altera, causará desprestígio ao direito.

E mais, curiosamente, a expansão do direito legislado teve como conse-quência a ampliação do direito judiciário.

José Eduardo Faria, comenta o fenômeno que se convencionou chamar de “inflação legislativa”, isto é, o hábito de produzir regulamentação jurídica em excesso (embora o autor se refira à produção de normas pelo Poder Executivo, a crítica em tudo se aplica à produção exagerada de leis pelo Poder Legislativo):

No limite, esse processo leva à própria anulação do sistema jurídico, pois, quan-

do os direitos se multiplicam, multiplicam-se na mesma proporção as obriga-

ções; e estas, ao multiplicarem os créditos, multiplicam igualmente os devedo-

res, num círculo vicioso cuja continuidade culminaria na absurda situação de

existirem apenas devedores, todos sem direito algum. (FARIA, 2010, p. 9)

Ocorre, então, que a responsabilidade por dar a palavra final a respeito dos direitos acaba nas mãos dos juízes. Essa realidade gera certa perplexidade, uma vez que o paradigma anterior é rompido.

12717Miolo.indd 91 18/9/2014 20:50:45

Page 94: PARLAMENTO SOCIEDADE - Principal

92 Emerson Marcelo da Silva e Marco Antonio Lima

Rev. Parlamento & Sociedade, São Paulo, v. 2, n. 2, p. 79-97, jan./jun. 2014

O ato de interpretar o texto da lei já é o bastante para que se admita certa dose de discricionariedade para que o juiz, quando aplicar o direito, faça escolhas entre mais de um sentido possível. Como se não bastasse, os ordenamentos ju-rídicos posteriores à Segunda Guerra Mundial passaram a incluir cada vez mais princípios e conceitos jurídicos indeterminados nos textos legais.

É sabido que enunciados normativos dotados de princípios e conceitos jurídicos indeterminados possuem menor densidade normativa, que deve ser delineada pelo intérprete a partir da análise do caso concreto. Isto conferiu muito mais poderes de criação do direito aos juízes, intérpretes finais do direito.

A discussão sobre as possibilidades de criação do direito pelos juízes não é novidade. Há pelo menos dois séculos juristas debruçam-se sobre o tema.

No Brasil, o artigo 4º da Lei de Introdução às Normas do Direito Brasileiro ainda diz que, «Quando a lei for omissa, o juiz decidirá o caso de acordo com a analogia, os costumes e os princípios gerais de direito”.

Lembre-se que trata-se do Decreto-lei nº 4.657, de 4 de setembro de 1942, ou seja, de uma época anterior ao surgimento do paradigma que sustenta o Es-tado e o direito hoje. Dava-se franca preferência pelo direito legislado, mesmo quando fosse preciso fazer uso de lei aplicável a caso semelhante (analogia), em detrimento dos princípios gerais do direito, que figuravam na última posição no mencionado texto legal.

O julgamento por equidade, que também se constitui em substituição ao direito positivado expressamente em leis, era desencorajado, sendo exigido pelo artigo 127 do Código de Processo Civil que “o juiz só decidirá por equidade nos casos previstos em lei.” Nota-se claramente a opção inquestionável pelo texto legal, em detrimento das construções teóricas produzidas pelo magistrado sem a observância da lei.

A Constituição Federal de 1988 desferiu um duro golpe nesta maneira de interpretar o direito. Houve, então, uma inversão na ordem acima indicada, com a colocação dos princípios gerais do direito no posto mais alto da hermenêutica jurídica. Fácil perceber que a consequência direta deste fenômeno foi a expansão dos poderes dos juízes no que se refere à possibilidade de criar o direito.

Mauro Cappelletti (1993, p. 21), em importante obra sobre a atuação judi-cial, afirmou que:

O verdadeiro problema, portanto, não é o da clara oposição, na realidade

inexistente, entre os conceitos de interpretação e criação do direito. O verda-

deiro problema é outro, ou seja, o do grau de criatividade e dos modos, limi-

tes e aceitabilidade da criação do direito por obra dos tribunais judiciários.

12717Miolo.indd 92 18/9/2014 20:50:45

Page 95: PARLAMENTO SOCIEDADE - Principal

93Crise do Direito: fim do Estado?

Rev. Parlamento & Sociedade, São Paulo, v. 2, n. 2, p. 79-97, jan./jun. 2014

As mudanças operadas na realidade, que culminaram na consolidação da Sociedade da Informação (mudanças comportamentais, negociais, morais e outras) não permitem que o legislador acompanhe a rapidez das inovações tec-nológicas, que se sucedem ininterruptamente e numa velocidade cada vez mais impactante para que possa regular estes fenômenos suficientemente.

O direito fundado em princípios e conceitos jurídicos indeterminados pode se mostrar hábil a conter essa disparidade entre a realidade e a regulação estatal, na medida em que o intérprete é capaz de atualizar o direito e amoldá-lo às exigências do seu tempo.

Os enunciados normativos dotados de princípios e conceitos jurídicos in-determinados possuem menor densidade normativa, que deve ser preenchida pelo intérprete a partir da análise do caso concreto. Isto conferiu muito mais po-deres aos juízes, intérpretes finais do direito.

Importante ressaltar que há um fortalecimento do papel do Estado, pela simples razão de que o Poder Judiciário é um e seus poderes.

Na Alemanha, cuja Lei Fundamental influenciou a Constituição Portugue-sa de 1976, que, por sua vez, foi modelo de inspiração para a nossa Constituição Federal de 1988, a perplexidade com o direito judiciário também e faz presente.

Robert Alexy (2008, p. 27), comentando a realidade alemã do pós-guerra, diz que:

Se a discussão sobre os direitos fundamentais não pudesse ter outra susten-

tação além do texto constitucional e do vacilante solo de seu surgimento,

seria de esperar uma luta de ideias sem fim e quase sem limite. Se não é isso

o que ocorre, isso se deve, em grande medida, à jurisprudência do Tribunal

Constitucional Federal.

Cappelletti não demonstra preocupação com a criação do direito pelos juízes. O autor diferencia os aspectos processuais e substanciais da criação do direito judiciário. Afirma que no aspecto substancial a atuação do juiz pode ser semelhante à do legislador. Entretanto, ainda segundo seu entendimento, as ga-rantias do processo, como contraditório, imparcialidade e inércia da jurisdição, diferenciam a criação do direito pelo juiz (por meio do processo judicial) do legis-lador (por meio do processo legislativo).

Outro equívoco que pode ser apontado em certas manifestações de indig-nação contra o Estado e o direito é aquele que propugna que o ordenamento jurídico reflita a mais absoluta identidade com a realidade que se quer regular. O fato de a internet ser um ambiente surpreendentemente novo leva-nos a pensar

12717Miolo.indd 93 18/9/2014 20:50:45

Page 96: PARLAMENTO SOCIEDADE - Principal

94 Emerson Marcelo da Silva e Marco Antonio Lima

Rev. Parlamento & Sociedade, São Paulo, v. 2, n. 2, p. 79-97, jan./jun. 2014

que o direito a ser produzido para regulá-la deva retratar com muito rigor as características do objeto a ser regrado.

Diante das condutas praticadas pelos protagonistas da internet, como o Goo-gle ou o Facebook, caracterizadas pela complexidade dos sistemas de transmissão de dados por eles utilizados, muitos estudiosos do direito aceitam resignados a su-posta impossibilidade de enquadrá-los em qualquer ordenamento jurídico, dando como certo o insucesso de qualquer tentativa de amoldar as relações estabelecidas por estas empresas e os usuários da internet a qualquer tipo de norma jurídica.

Como consequência, o direito acabaria relegado a um papel coadjuvante na Sociedade da Informação. O ordenamento jurídico seria rebaixado a uma fun-ção descritiva da realidade, o que o descaracterizaria em sua essência. Acabaria na posição de mero legitimador das práticas verificadas no ambiente virtual.

Ocorre que o direito é uma ciência deontológica, isto é, trata-se de formu-lação dogmática do dever-ser. Caso o direito limite-se a reproduzir os dados e características do objeto regulado, então passa a ser ciência ontológica, fenômeno do ser, o que descaracterizaria o próprio direito, que passaria a adotar técnicas da sociologia, da antropologia ou da história.

Konrad Hesse teceu crítica neste sentido ao abordar as teses formuladas por Ferdinand Lassalle, que culminaram com a conclusão de que a constituição jurídica não passa de retrato da constituição real, formada pelos fatores reais de poder. Para Lassalle, a constituição jurídica é mero pedaço de papel.

Se as normas constitucionais nada mais expressam do que as relações fáticas

altamente mutáveis, não há como deixar de reconhecer que a ciência da Cons-

tituição jurídica constitui uma ciência jurídica na ausência do direito, não lhe

restando outra função senão a de constatar e comentar os fatos criados pela

Realpolitik. Assim, o Direito Constitucional não estaria a serviço de uma or-

dem estatal justa, cumprindo-lhe tão somente a miserável função – indig-

na de qualquer ciência – de justificar as relações de poder dominantes. Se

a Ciência da Constituição adota essa tese e passa a admitir a Constituição

real como decisiva, tem-se a sua descaracterização como ciência normativa,

operando-se a sua conversão numa simples ciência do ser. Não haveria mais

como diferençá-la da Sociologia ou da Ciência Política. (HESSE, 1991, p. 11).

7. Conclusão

O Estado moderno surgiu para fazer frente ao poder feudal, de modo que a sua primeira feição é a de um garantidor de direitos básicos dos cidadãos. Nem

12717Miolo.indd 94 18/9/2014 20:50:45

Page 97: PARLAMENTO SOCIEDADE - Principal

95Crise do Direito: fim do Estado?

Rev. Parlamento & Sociedade, São Paulo, v. 2, n. 2, p. 79-97, jan./jun. 2014

por isso o Estado ficou imune a críticas. Cada fase histórica de desenvolvimento do Estado traz em seu bojo uma série de críticas à própria existência deste ente.

Recentemente, com a crise econômica de 2008, veio à tona novamente a questão a respeito do fim do Estado e da crise do direito. O poder soberano es-tatal, que já vinha sendo dado como morto, tanto em razão da criação de blocos econômicos e políticos, quanto por causa da intensa desregulação verificada nos tempos mais recentes, ressurge com força renovada quando as principais empre-sas privadas buscam socorro dos Estados nacionais.

Por isso, como dizer que o Estado caminha inexoravelmente para o seu fim? O direito passa por uma fase de reestruturação de seus paradigmas, mas os fatos não nos permitem concluir de forma tranquila que essa transição seja apta a extinguir o Estado, tampouco o direito produzido pelas instâncias estatais.

Vimos que os fatores que fundamentam a existência e a legitimidade do Estado estão intactos, a despeito das severas críticas que vem sofrendo, principal-mente após a saturação do Estado do bem-estar social.

O Estado direciona a interpretação do direito conforme as ideologias dos detentores do poder. No quadro atual, há proeminência do Poder Judiciário, em razão do direito baseado em princípios que se produz nas principais democracias do mundo ocidental.

O ordenamento jurídico pautado por princípios exige maior atuação do intérprete, que deve conferir densidade normativa para normas a serem com-plementadas por elementos do caso concreto. O juiz, como intérprete final do direito, assume posição de destaque neste modelo.

A proclamada crise do direito é fruto, então, da natural perplexidade com que os intérpretes encaram a transição de paradigmas. O modelo de Estado no qual o Poder Executivo tinha posição de superioridade, em razão da responsabilidade pela implementação de políticas públicas de toda ordem começa a ceder passo para um modelo em que o Poder Judiciário torna-se agente de consolidação da justiça social.

Abstract

This study took as its premise the principled idea that contributions to the study and discussion about the supposed crisis of the state and the law must necessarily from the knowledge of the history of the figure of the modern nation state and the role that law has played in meeting the objectives of states.

From that starting point, it was possible to understand the historical dynamics of the performance of the national state first as Leviaethan the absolutist feudal period, then state as guarantor of the main individual freedoms , then going to take one guarantor assistance nature of social justice. And it is from the weakening of the

12717Miolo.indd 95 18/9/2014 20:50:46

Page 98: PARLAMENTO SOCIEDADE - Principal

96 Emerson Marcelo da Silva e Marco Antonio Lima

Rev. Parlamento & Sociedade, São Paulo, v. 2, n. 2, p. 79-97, jan./jun. 2014

structures of the welfare state since the early 70s of last century, the world reconfigures itself economically and the national state as known so far is put in check.

To understand the changes through which it passed the figure of the national state in the above period, the study of literature produced in the area of General Theory of State and Political Science was needed research on doctrinal texts of the legal department of philosophy and sociology was performed.

It was found that the crisis of the state and law are not necessarily prior to its extinction phase. The existence of the state and its legitimacy are still the basis of facts and in the current legislative output.

The economic crisis that began in 2008 and the debate about the so-called Civil Rights Framework Internet confirm the presence of the state in a position of relevance in the contemporary world.

It was identified that there is a paradigm shift from state support and interpretation of law. Nature of this transition has already occurred when the state ceased to be feudal to be liberal, and when he took position as guarantor of social welfare.

Under the current paradigm the state has the prominence of the Judiciary, which generates positive and negative consequences. This article aims to enrich the debate about these consequences.

Keywords: Emergence of the State. Information Society. Judiciary.

Referências Bibliográficas

ALEXY, R. Teoria dos direitos fundamentais. São Paulo: Malheiros, 2008.

BARROSO, L.R. Curso de direito constitucional contemporâneo. 2. ed. São Paulo: Saraiva, 2010.

BONAVIDES, P. Ciência política. 17. ed. São Paulo: Malheiros, 2010.

CAPPELLETTI, M. Juízes legisladores? Porto Alegre: Sergio Antonio Fabris Editor, 1993.

CHAUÍ, M. Convite à filosofia. 13. ed. São Paulo: Ática, 2003.

DIMOULIS, D.; MARTINS L. Teoria geral dos direitos fundamentais. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2006.

12717Miolo.indd 96 18/9/2014 20:50:46

Page 99: PARLAMENTO SOCIEDADE - Principal

97Crise do Direito: fim do Estado?

Rev. Parlamento & Sociedade, São Paulo, v. 2, n. 2, p. 79-97, jan./jun. 2014

FARIA, J. E. (Org.). Direito e globalização econômica. São Paulo: Malheiros, 2010.

HESSE, K. A força normativa da constituição. Porto Alegre: Sergio Antonio Fabris Editor, 1991.

MARINONI, L. G. Teoria geral do processo. 3. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2008.

PAESANI, L. M. (Coord.). O direito na Sociedade da Informação II. São Paulo: Atlas, 2009.

WEBER, M. Ciência e política. Duas vocações. São Paulo: Cultrix, 2010.

12717Miolo.indd 97 18/9/2014 20:50:46

Page 100: PARLAMENTO SOCIEDADE - Principal

12717Miolo.indd 98 18/9/2014 20:50:46

Page 101: PARLAMENTO SOCIEDADE - Principal

ARTIGO 4

Educação do Campo e formação continuada docente: ferramentas para identidades em construção

Cláudio Barbosa Ventura

12717Miolo.indd 99 18/9/2014 20:50:46

Page 102: PARLAMENTO SOCIEDADE - Principal

12717Miolo.indd 100 18/9/2014 20:50:46

Page 103: PARLAMENTO SOCIEDADE - Principal

Educação do Campo e formação continuada docente: ferramentas para identidades em construção

Cláudio Barbosa Ventura1

Resumo

As reflexões sobre educação do campo e suas especificidades são relativa-mente recentes no cenário nacional. Perceber-se que os diversos desdobramentos desse tema: currículo, formação, formação continuada, espaço, tempo, etc., ainda carecem de maior volume e aprofundamento de discussões. O texto que segue visa contribuir pra a discussão sobre educação do campo, lançando algumas re-flexões sobre o tema da formação continuada de professores. Ele nasceu da ex-periência de formação continuada no Município de Valadares. Visa estabelecer dialeticamente a relação entre formação e identidade docente de modo a colocar a formação continuada como ferramenta de fortalecimento dessa última. O tex-to desenvolve-se primeiramente situando alguns aspectos sobre debate da edu-cação do campo em nível nacional, destacando sobretudo alguns pressupostos ideológicos; posteriormente, inicia-se discussão sobre a formação docente e, por fim, a reflexão sobre a questão das identidades e a relação entre essa e a formação.

Palavras-chave: Formação Continuada. Identidades. Educação do Campo.

1. Introdução

Durante muito tempo a educação do campo foi negligenciada. Se conside-rarmos como referência o encontro de Educação do Campo em Luziânia, Goiás, no ano de 1998, perceberemos que o debate sobre essa temática ainda é bem re-cente, não obstante ter-se progredido satisfatoriamente nas reflexões acerca da educação do campo e ter-se implementado debate a respeito de novos paradig-mas educacionais para o campo.

1 Professor de Geografia. Pós-graduado em Gestão Educacional. Mestrando em Educação pela UFMG, na linha de pesquisa Educação do Campo do programa PROMESTRE. Atua na formação continuada de professores das escolas do campo e urbanas no Município de Governador Valadares.

12717Miolo.indd 101 18/9/2014 20:50:46

Page 104: PARLAMENTO SOCIEDADE - Principal

102 Cláudio Barbosa Ventura

Rev. Parlamento & Sociedade, São Paulo, v. 2, n. 2, p. 99-114, jan./jun. 2014

Das iniciativas e lutas dos movimentos sociais nasceu esse novo projeto educacional para o campo, que compreende o processo de transmissão formal de conhecimentos e valores através do processo de escolarização dos povos do cam-po e não se limitando a essa faceta, perpassa também pela valorização de outros processos sócio-educativos desenvolvidos no território rural (festas, reuniões de sindicatos, lutas de movimentos sociais, etc.). Visa a garantir uma educação de qualidade que forme o ser humano em sua totalidade, não negligenciando sua cultura, território e história.

O surgimento de novas concepções, novas pedagogias e novos termos rela-cionados a educação em território campesino trouxe a necessidade de uma mudan-ça profunda na prática docente de escolas em território campesino. A nova visão do que significa Educação do Campo não comporta velhas práticas e exige um tipo de profissional docente com uma olhar diferenciado para a realidade campesina.

Um dos temas mais caros na implementação da Educação do Campo é o papel dos educadores e educadoras do campo. Sobre esse tema, Caldart (2002) assevera que “em muitos lugares elas e eles têm sido sujeitos importantes da resistência no campo, especialmente nas escolas”. Por isso, torna-se cada vez mais necessário o debate sobre a construção e fortalecimento da identidade desse educador.

O debate sobre a educação do campo tem pouco mais de 15 anos. É ainda uma novidade, que certamente não atingiu amplamente todos os territórios edu-cacionais do campo nem as concepções educativas dos educadores do nosso país. Em muitos lugares e educadores persiste ainda um modelo educacional rural, pautada num ensino descontextualizado reduzido a repetição de temas e meto-dologias usadas nas escolas urbanas. Por meio de tal processo, vários aspectos da sociabilidade dos educandos se veem comprometidas, tornando o modelo de educação empreendido no campo como um dos elementos que mais fortemente tem colaborado para a permanência do êxodo rural.

Dentre os docentes do campo é perceptível a variedade de entendimentos sobre o modelo de educação a ser desenvolvido. Essa diversidade de entendi-mentos está ligada à formação, lugar de origem social e identidades desenvolvi-das por cada educador.

As comunidades do campo na região de Governador Valadares sofreram ao longo do tempo a influência de diversos movimentos sociais, eclesiais e de associações. Os mais significativos são: entre os movimentos eclesiais, o CPT (Comissão Pastoral da Terra) e as CEBs (Comunidades Eclesiais de Base); entre movimentos sociais, o MST (Movimento dos Trabalhadores Rurais sem Terra) e o MAB (Movimento dos atingidos por Barragens); e, das organizações, podemos citar principalmente o Sindicato dos Trabalhadores Rurais.

12717Miolo.indd 102 18/9/2014 20:50:46

Page 105: PARLAMENTO SOCIEDADE - Principal

103Educação do Campo e formação continuada docente: ferramentas para identidades em construção

Rev. Parlamento & Sociedade, São Paulo, v. 2, n. 2, p. 99-114, jan./jun. 2014

Essas comunidades viveram também processos sócio-históricos advindos das relações predatórias do agronegócio, dos processos formadores dos latifún-dios e do processo de desvalorização cultural advinda de uma mentalidade pro-eminentemente ruralista que concebe a terra como bem capitalizável e não como matriz de vida e cultura do povo do campo.

Os educadores, via de regra, assimilaram as matrizes ideológicas advindas dessas relações sociais. A eminência da identidade docente ganha destaque nessa perspectiva. Pimenta (2002) afirma que “a identidade não é um dado imutável, nem externo, que possa ser adquirido, mas é um processo de construção do sujeito historicamente situado”. Para melhor situar a questão, poderíamos destacar duas realidades principais de educadores: os educadores ligados direta ou indiretamen-te a movimentos sociais2 e os educadores não ligados a movimentos sociais.

Entre os educadores e educadoras que estão ligados a movimentos sociais, percebe-se uma identificação e compreensão maior (mesmo que não completa-mente consolidada) do que seja Educação do Campo enquanto arcabouço teórico e de seu papel social na transformação da realidade local. Organizações sociais como MST, Sindicato de Trabalhadores Rurais, CPT, dentre outras, conseguiram repassar aos educadores do campo a eles ligados de alguma forma, uma identidade positi-va sobre a profissão forjada no processo de luta por inclusão, direitos e cidadania, construída na sua formação, inserção ou experiência com o movimento.

Entre os educadores que não estão direta ou indiretamente ligados a movi-mentos sociais, por questões político-ideológicas, por não residirem no campo ou por não terem origem campesina, percebe-se uma dificuldade de compreensão e resistência a assimilação dos pressupostos da educação do campo e da formação de uma identidade positiva de educador do campo. Alguns deles, muitas vezes irrefletidamente, defendem uma escola com valores urbanocêntricos e antirrurais.

2. Trajetórias da formação docente

Primeiramente para pensar um projeto de formação continuada, é necessária uma profunda reflexão sobre a formação inicial dos docentes do cam-po (desconsiderando aqui a questão dos professores leigos, que é outra proble-mática). Para Nóvoa (1992), “a trajetória dos cursos de formação desloca-se da tutela político-estatal à tutela científico-curricular, que, de uma forma mais sutil,

2 Movimentos sociais aqui entendidos como organizações de caráter popular reivindicadoras de me-lhoras para o nicho que defendem.

12717Miolo.indd 103 18/9/2014 20:50:46

Page 106: PARLAMENTO SOCIEDADE - Principal

104 Cláudio Barbosa Ventura

Rev. Parlamento & Sociedade, São Paulo, v. 2, n. 2, p. 99-114, jan./jun. 2014

através de seus programas e reformas, vem instaurando controles crescentes so-bre a profissão docente”.

Ele destaca que, de modo geral, os cursos de formação docente têm insis-tido em uma formação tecnicista que no dia-a-dia da prática educativa torna a docência ineficaz, propagadora de teorias que não condizem com a prática coti-diana e não corroboram com as necessidades dos educados e com as demandas das realidades em que estão inseridos.

A formação docente ocorre em uma trajetória construída a partir de inte-resses do contexto sociopolítico das exigências colocadas pela realidade social, da intencionalidade e da relevância dada ao processo educativo.

Historicamente, os currículos da formação docente foram influenciados pela ideologia do humanismo clássico. Tal pressuposto ao projetar uma socie-dade naturalmente dividida entre dirigentes e dirigidos, trabalhadores braçais e intelectuais, logrou ao professor um papel de mero transmissor de conheci-mentos, que, desprovidos de perspectiva reflexiva e inovadora, colaborassem na manutenção da ordem vigente.

A partir dos anos 50, com a revolução industrial e o processo de “inflação” dos grandes centros urbanos, as classes foram cada vez mais aumentando em número e em diversidade.

A heterogeneidade dessas classes trouxe novas reflexões sobre o sentido trabalho docente. Esse novo contexto abalou a formação e a prática docente, cujos discursos e métodos já não respondiam a realidade. Vale dizer, a prática docente e suas exigências historicamente são as precursoras na mudança do “modus docente”.

De um modo geral, tem-se percebido que a educação ainda é profundamente homogeneizadora, que apesar de adotar o discurso de inclusão impõe sua prática desde o pressuposto de uma eugenia cultural que tende a atender a um deter-minado projeto de sociedade, neutralizando assim identidades e diversidades, reforçando a cultura dominante.

A visão moderna de sujeito e de cidadania ainda é extremamente generali-zadora. Não considera esses sujeitos e seus diversos territórios, etnias, gêneros e as relações sociais e construções sociais traçadas neles.

Tal visão inspirou as políticas públicas de formação, que, lotadas de idea-lizações em relação à cidade, incentivaram práticas de adaptação dessas políticas às outras realidades e não priorizou mecanismos de construção políticas especifi-cas para o campo, não pautadas em modelos urbanos. Essa perspectiva tange não somente a formação de profissionais da educação, mas a da saúde, segurança, etc.

Pensando a formação de professores no âmbito das políticas públicas, Ar-royo (2007) destaca que a cidade sempre foi referência de modelo de formação

12717Miolo.indd 104 18/9/2014 20:50:46

Page 107: PARLAMENTO SOCIEDADE - Principal

105Educação do Campo e formação continuada docente: ferramentas para identidades em construção

Rev. Parlamento & Sociedade, São Paulo, v. 2, n. 2, p. 99-114, jan./jun. 2014

de professores e, mais que isso, um marco civilizatório ante o qual eram contra-postos os outros “modus vivendi”, considerados menos “civilizados” ou legítimos ante o modelo urbano.

A universalização da educação significou certamente um avanço. A educa-ção começou a ser considerada um direito de todos e todas. Porém, isso não garan-tiu o reconhecimento das especificidades e das diferenças. “A ênfase na educação como direito de todo cidadão deixa explícitas tensões na concepção de direito, de educação, de cidadania, de políticas públicas: ver e defender esses direitos como generalistas sem o reconhecimento das diferenças.” (ARROYO, 2007, p. 4).

Os movimentos sociais vêm insistindo na construção de políticas públicas de formação que atendam as especificidades dos diversos nichos. Mais que isso, propõe uma reformulação dos princípios da construção dessas políticas, que pri-meiramente devem ser deslocados da ótica concepção generalista de sujeito e ci-dadão, passando a considerar a diversidade ou as diversidades e que primem por uma construção coletiva, não “para” mas “com” os sujeitos sobre os quais incidem.

No caso específico da educação, necessária a clareza de uma proposta de formação inicial e formação continuada docente, profundamente enraizada nos contextos, situações expressões e demandas da população local que se coadune com e aponte para as necessidades da comunidade dirigindo reflexões e soluções que visem uma sociedade menos injusta e excludente.

A escola, além de alfabetizar e transmitir conhecimentos gerais, deve pos-

sibilitar ao educando a compreensão do meio em que vive [...]. As escolas

devem adotar uma pedagogia popular e currículos em consonância com a

realidade [...] com ênfase para o resgate e valorização da sabedoria popular.

(LACKI, 2005, p. 4).

Para Nóvoa (1995, p. 28), “a formação não se faz antes da mudança, faz-se durante, produz-se nesse esforço de inovação e de procura dos melhores percursos para a transformação da escola”. Sendo assim, faz-se necessário pensar uma forma-ção permanente, institucionalizada, que assegure não só uma atualização de meto-dologias e conteúdos, mas que garanta a transformação da prática por meio de uma profunda reflexão sobre a profissão docente em escolas do campo.Ao considerar as especificidades das escolas do campo, Rocha (2009, p. 41). afirma que essa “precisa de um profissional com uma formação mais ampliada, mais totalizante, já que ele tem de dar conta de uma série de dimensões educativas presentes nessa realidade”.

O dia-a-dia docente põe em constante prova a formação recebida pelos pro-fessores e também pode oferecer apontamentos para possíveis elementos que de-

12717Miolo.indd 105 18/9/2014 20:50:46

Page 108: PARLAMENTO SOCIEDADE - Principal

106 Cláudio Barbosa Ventura

Rev. Parlamento & Sociedade, São Paulo, v. 2, n. 2, p. 99-114, jan./jun. 2014

vem ser inseridos no processo formativo desse profissional. Todo modelo forma-tivo, que objetive um profissional bem sucedido, deve considerar, problematizar e absorver em seu currículo esses elementos evidenciados na prática diária. Nessa senda, Nóvoa (1995, p. 108) assevera que “hoje em dia, o ensino de qualidade é mais fruto do voluntarismo dos professores do que consequência natural das condições de trabalho adequadas às dificuldades reais e às múltiplas tarefas educativas”.

Certamente nenhum modelo de formação dará todas as respostas às de-mandas da prática docente, mas pode possibilitar instrumentos suficientes de modo a orientar esses profissionais nas tomadas de decisões e na “invenção das respostas” (PERRENOUD, 1999, p. 13).

3. Formar para fortalecer identidades

O tema identidade, ou identidades, é de entendimento muito complexo devido a sua provisoriedade. Bauman (2005) assevera que “a fragilidade e a condição eternamente provisória da identidade não podem mais ser ocultadas”. Chama a atenção também para a dificuldade de assimilação desse conceito e, mais ainda, expõe a complexidade de aplicação em termos de realidade humana e a falta de um consenso em relação ao conceito ao dizer que “sempre que se ou-vir essa palavra, pode-se estar certo de que está havendo uma batalha”.

Os deslocamentos dos quadros de referências da sociedade moderna têm desarticulado o assentamento das várias identidades e rompido a normalidade das relações.

O próprio conceito com o qual estamos lidando, «identidade», é dema-siadamente complexo, muito pouco desenvolvido e muito pouco compreendido na ciência social contemporânea para ser definitivamente posto à prova. Como ocorre com muitos outros fenômenos sociais, é impossível oferecer afirmações conclusivas ou fazer julgamentos seguros sobre as alegações e proposições teóri-cas que estão sendo apresentadas. (HALL, 1992 p. 3).

Hall (1992, p. 13), analisando a crise nas identidades do “sujeito pós--moderno”, defende o rompimento com a ideia de uma identidade fixa e imó-vel e apresenta a realidade de identidades frágeis, móveis e fragmentadas; uma identidade “descentrada”, não fixada, sem um caráter essencial ou permanente; identidade enquanto “uma ‘celebração móvel’: formada e transformada continu-amente em relação às formas pelas quais somos representados ou interpelados nos sistemas culturais que nos rodeiam”.

Muitos estudiosos modernos e contemporâneos negam a existência de uma objetividade das identidades e percebem-nas como resultantes de constru-

12717Miolo.indd 106 18/9/2014 20:50:46

Page 109: PARLAMENTO SOCIEDADE - Principal

107Educação do Campo e formação continuada docente: ferramentas para identidades em construção

Rev. Parlamento & Sociedade, São Paulo, v. 2, n. 2, p. 99-114, jan./jun. 2014

ções sociais ligadas a determinado período ou contexto histórico ou sociopolítico. Pensadores como Martuccelli (2002, p. 407) afirmam que “nenhuma identidade pré-existe à sua construção”. Já Dubar (2005, p. 20) afirma que toda identidade sofre transformações no desenrolar da história do sujeito, não havendo identida-de que o acompanhe de forma imutável. Para ele, as identidades são construções sociais e de linguagens. Esses autores negam a visão de uma identidade em es-sência, que seja única, coerente e imutável. Propõem, na contramão dessa ideia, a visão “construtivista” de identidade e defendem serem as identidades o resulta-do de construções sociais contingentes e históricas.

Tocando a questão específica docente, NÓVOA, 1995, p. 36. afirma que é por meio dos saberes práticos e teóricos que os professores constroem sua iden-tidade, e sobretudo por meio da adesão a um arcabouço de valores. Segundo ele:

“É conveniente investir na pessoa do professor e dar um estatuto ao

saber emergente da sua experiência pedagógica. Paradoxalmente, a

profissionalização do ensino faz-se à custa deste saber experiencial, poden-

do até adaptar-se a expressão de Giddens e denunciar o ‘sequestro da ex-

periência’. Por isso, é tão importante fazer com que os professores se apro-

priem dos saberes de que são portadores e os trabalhem do ponto de vista

teórico e conceitual.” (NÓVOA, 1995, p. 36).

Partindo dos pressupostos acima, cabe não o estabelecimento de uma identidade fixa do docente do campo, mas pensar os pressupostos identitários que norteiam o trabalho docente campo.

Pensando identidade como conjunto de acepções ou atribuições que dife-rencia os entes entre si, e percebendo-as ligadas a tempo e contexto sócio-histó-rico e político, tomemos por base a concepção de Escola do Campo presente nas Diretrizes Operacionais para a Educação Básica nas Escolas do Campo, onde no parágrafo único do art. 2° vemos:

A identidade da escola do campo é definida pela sua vinculação às ques-tões inerentes à sua realidade, ancorando-se na temporalidade e saberes próprios dos estudantes, na memória coletiva que sinaliza futuros, na rede de ciência e tec-nologia disponível na sociedade e nos movimentos sociais em defesa de projetos que associem as soluções exigidas por essas questões à qualidade social da vida coletiva no país. (RESOLUÇÃO 1/2002 - CNE/CEB).

Ao trazer uma definição de identidade da escola do campo, o texto das Dire-trizes Operacionais tenta demarcar a especificidade da instituição Escola inserida em território campesino. Há certamente nessa definição uma busca identitária na

12717Miolo.indd 107 18/9/2014 20:50:46

Page 110: PARLAMENTO SOCIEDADE - Principal

108 Cláudio Barbosa Ventura

Rev. Parlamento & Sociedade, São Paulo, v. 2, n. 2, p. 99-114, jan./jun. 2014

intenção de compreender espaços, territórios de ação material e imaterial dentro dos quais a escola se insere. Essa identidade não intenciona generalizações no sen-tido de uniformizar e desconsiderar a diversidade de espaços e sujeitos do campo, mas oferece alguns princípios de reconhecimento dos espaços escolares do campo.

Ao considerarmos o espaço escola do campo, é necessário também pensar os próprios sujeitos do campo, afinal, a escola é feita deles e para eles. Nesse processo, é necessário levar em conta as especificidades desses sujeitos e suas práticas culturais, profissionais, etc.

O campo tem diferentes sujeitos. São pequenos agricultores, quilombolas,

povos indígenas, pescadores, camponeses, assentados, reassentados, ribei-

rinhos, povos da floresta, caipiras, lavradores, roceiros, sem-terra, agrega-

dos, caboclos, meeiros, boias-frias e outros grupos mais. Entre estes há os

que estão ligados a alguma forma de organização popular, outros não; há

ainda as diferenças de gênero, de etnia, de religião, de geração; são diferen-

tes jeitos de produzir e de viver; diferentes modos de olhar o mundo, de

conhecer a realidade e de resolver os problemas; diferentes jeitos de fazer

a própria resistência no campo; diferentes lutas. (CALDART, 2002, p. 21).

O educador do campo constrói-se tendo em vista a pluralidade, perceptí-vel nas práticas culturais diferenciadas no território campesino; uma das princi-pais nuances de sua identidade deve ser o diálogo respeitoso entre os diversos sujeitos e espaços sociais possibilitando as trocas de saberes entre os diversos grupos e culturas.

Esse pressuposto de identidade do educador incide sobre a sua prática educativa, ajudando-o a orientá-la no comprometimento com outra forma de educar, a Educação do Campo. Neste sentido, o documento do Programa Escola Ativa nos oferece alguns elementos de reflexão ao preconizar que:

a educação do campo se diferencia da educação rural, pois é construída por e

para os diferentes sujeitos, territórios, práticas sociais e identidades culturais

que compõe a diversidade do campo. Ela se apresenta como uma garantia de

ampliação das possibilidades de homens e mulheres camponesas criarem e

recriarem as condições de existência no campo. Portanto a educação do cam-

po é uma estratégia importante para a transformação da realidade dos ho-

mens e das mulheres do campo em todas as suas dimensões. (BRASIL, 2008).

O educador do campo não deve identificar-se como detentor do conheci-mento, mas sim dinamizador de uma prática pedagógica que deve ser intima-

12717Miolo.indd 108 18/9/2014 20:50:46

Page 111: PARLAMENTO SOCIEDADE - Principal

109Educação do Campo e formação continuada docente: ferramentas para identidades em construção

Rev. Parlamento & Sociedade, São Paulo, v. 2, n. 2, p. 99-114, jan./jun. 2014

mente articulada com a realidade local: projetos, lutas sociais, produção, cultura, etc., que não são apenas lembradas mas consideradas em sua totalidade no pro-cesso de ensino aprendizagem tendo consciência da legitimidade dessas viven-cias dos educandos e de seu potencial educativo. Compreendemos então que:

A Educação do Campo se compromete com um projeto político-pedagógico

que tenha como referência a superação do modelo capitalista. Neste sentido

uma ação educativa do campo é indissociável da luta pela democratização do

acesso e uso da terra, das águas e das florestas, dos bens, dos direitos, den-

tre eles, a produção e uso do conhecimento. Nesta trajetória a Educação do

Campo vai se firmando como princípio, como conceito, como método, como

prática, como metodologia, como política pública, como luta pela educação,

em seus diferentes níveis, etapas e modalidades. Uma educação comprometi-

da com um modo de produção da vida sustentável onde a democratização da

posse e uso da terra se constitui em eixo estruturador. (ROCHA, 2010, p. 368).

O diálogo e respeito às diferenças são marcas fundamentais para um ver-dadeiro processo educativo no campo. Arroyo (2004, p. 74) assevera que é neces-sário que os professores compreendam os alunos e os aceitem “como sujeitos de história, de lutas, como sujeitos de intervenção, como alguém que constrói, que está participando de um projeto social, por isso que a escola tem que levar em conta a história de cada educando e das lutas do campo”.

Os sujeitos do campo são sujeitos históricos concretos que produzem sa-beres e conhecimentos, que empreendem lutas e vivências, que se relacionam de modo especifico com os outros e com seu espaço. Essa dinâmica da vida do campo deve estar em constante diálogo com a prática docente possibilitando ao educador construir pontes e não muros entre vida e teoria, saberes e práticas, escola e comunidade.

A formação continuada é forte instrumento a ser empregado na construção e afirmação da identidade do docente no campo desde que não se reduza a uma insistente atualização de conteúdos, técnicas ou metodologias de ensino, mas propicie uma constante reflexão e aprofundamento acerca dos aspectos formado-res da identidade do educador do campo. Para tal, essa formação deve propor-cionar ao professor uma visão positiva de si mesmo, da escola, da docência e do contexto no qual se insere. Perceber-se como alguém preparado, comprometido, importante e consciente com o seu papel social. Alguém capaz de compreender a relação do saber fazer, do perceber o que pode fazer, distinguindo limites e pos-sibilidades à atuação competente.

12717Miolo.indd 109 18/9/2014 20:50:46

Page 112: PARLAMENTO SOCIEDADE - Principal

110 Cláudio Barbosa Ventura

Rev. Parlamento & Sociedade, São Paulo, v. 2, n. 2, p. 99-114, jan./jun. 2014

O processo formativo deve conduzir o professor a um constante diálogo com a modernidade e a evolução do próprio sistema de conhecimento. A socie-dade atual passa por intensas transformações, advindas do fenômeno da globa-lização, e o professor deve estar a par desse movimento e compreender de forma crítica e reflexiva percebendo os resultados benéficos ou nefastos dessa mundia-lização e o uso das TICs,3 na prática pedagógica.

Decerto, exclusivamente ao professor não deve ser atribuída a responsabi-lidade por sua formação permanente. Esse processo implica a mobilização de di-versas forças (políticas e pedagógicas) que possibilitarão intervenções em vários níveis, desde os contextos de vida dos professores como também dos “outros” sociais que com eles se relacionam.

4. Formação continuada e ressignificação da prática docente do campo

Para se consolidar a afirmação de um projeto educacional libertário e emancipatório, a escola precisa lançar mão de um profissional cujas ideologias, metodologias e práticas pedagógicas dialoguem com os ideais do movimento de Educação do Campo. Sobretudo um profissional que faça a interação entre os saberes produzidos nas universidades e as vivências construídas pelos povos do campo, que valorize e consequentemente leve à valorização desse território e dos saberes construídos nele objetivando seu desenvolvimento sustentável.

O perfil do docente apresentado acima, mais que uma constatação, traduz uma proposta de construção haja vista a profusão de ideias e a velocidade das mudanças de construções e paradigmas da modernidade. Por isso a formação continuada incide diretamente na transformação do professor e de sua prática.

A escola é em si mesmo formadora. Os diversos espaços, eventos, pales-tras e seminários, além das relações interpessoais traçadas entre os pares e com outros docentes, são elementos que contribuem profundamente na formação permanente do professor. Há que se considerar, porém, que a formação não deve ocorrer de forma desconexa, pois sendo assim não causará mudança na prática docente e aumento na qualidade da educação. Uma formação contínua e consis-tente se pauta num planejamento detalhado, num trabalho sistemático e numa execução eficaz de tudo isso, dotado de certa flexibilidade de modo a atender as especificidades do público a que se dirige. É nesse contexto que a formação conti-

3 Tecnologias da Informação e Comunicação.

12717Miolo.indd 110 19/9/2014 10:28:27

Page 113: PARLAMENTO SOCIEDADE - Principal

111Educação do Campo e formação continuada docente: ferramentas para identidades em construção

Rev. Parlamento & Sociedade, São Paulo, v. 2, n. 2, p. 99-114, jan./jun. 2014

nuada encontra o seu espaço nas necessidades pedagógicas, visto que, conforme afirma Libâneo (2004, p. 227):

[...] a formação continuada pode possibilitar a reflexividade e a mudança

nas práticas docentes, ajudando os professores a tomarem consciência das

suas dificuldades, compreendendo-as e elaborando formas de enfrentá-las.

De fato, não basta saber sobre as dificuldades da profissão, é preciso refletir

sobre elas e buscar soluções, de preferência mediante ações coletivas.

O princípio básico que deve nortear a prática formativa é preparar os pro-fissionais da educação do campo para o exercício reflexivo da docência, para a inovação e cooperação. Uma formação que considere tais pressupostos certamen-te cooperará para que a escola torne-se “[...] uma organização, que continuamen-te se pensa a si própria, na sua missão social e na sua organização, e confronte-se com o desenrolar de sua atividade em um processo heurístico simultaneamente avaliativo e formativo”. (ALARCÃO, 2001, p. 11).

Fica mais difícil para o professor do campo ressignificar sua prática, o seu fazer pedagógico e atualizar seus conteúdos e métodos se ele não tiver a opor-tunidade de vivenciar novas experiências, pesquisas, formas de ver e pensar a escola. Por meio da pesquisa, da reflexão, do constante contato com novas con-cepções, das quais os programas de formação continuada podem constituir-se importantes mediadores, é que a mudança se faz possível.

5. Considerações finais

A atual complexidade de cenário educacional exige do professor um pro-cesso contínuo de atualização, sendo esse um imperativo que tem pautado as discussões dentro da universidade e das escolas, configurando-se muitas vezes numa exigência social.

A formação continuada do docente é importante não somente para a atuali-zação de conteúdo e revisão de práticas como também incide diretamente na visão que este tem de si mesmo e de sua profissão, cooperando assim na construção das identidades docentes.

Ao se tratar da formação dos professores do campo, a formação continua-da tem grande relevância devido à efervescência dos debates e da necessidade de fortalecimento da identidade dos professores do campo. Ela faz a ponte entre a construção da identidade do educador, que se formaliza no dia-a-dia do trabalho docente na interação com seus pares, e a relação com os discentes.

12717Miolo.indd 111 18/9/2014 20:50:46

Page 114: PARLAMENTO SOCIEDADE - Principal

112 Cláudio Barbosa Ventura

Rev. Parlamento & Sociedade, São Paulo, v. 2, n. 2, p. 99-114, jan./jun. 2014

Para uma educação de qualidade no campo há um conjunto de elementos que precisam ser revistos, tais como: programas e políticas educacionais; condi-ções materiais de trabalho; salário, organização do trabalho pedagógico, etc. Mes-mo os projetos de formação permanente e os sujeitos neles envolvidos carecem de constantes mudanças e atualizações para que atendam de fato as demandas impostas pela prática docente. A formação permanente sozinha não é capaz de propiciar a evolução que se espera da prática docente. É preciso, porém, crescer na convicção de que sem um projeto sério de formação continuada, que fortaleça e construa identidades e se insira na prática do docente, a transformação da prá-tica docente tampouco poderá ocorrer.

Abstract

Reflections on field education and their specificities are relatively new on the national scene. Realize is that the various ramifications of this topic, curriculum, training, continuing education, space, time etc., still require further volume and depth of discussions. The following text aims to contribute to the discussion of field education, raising some reflections on the topic of continuing education of teachers. He was born of the experience of continuing education in the Municipality of Valadares. Visa dialectically establish the relationship between teacher education and identity in order to bring continuing education as a tool to strengthen that last. The text develops first standing debate about some aspects of field education at the national level, particularly highlighting some ideological assumptions; subsequently, starts a discussion on teacher training and finally the reflection on the question of identity and the relationship between this and the training.

Keywords: Continuing Education. Identities. Field Education.

Referências bibliográficas

ALARCÃO, Isabel (Org.). Escola reflexiva e nova racionalidade. Porto Alegre: Artmed, 2001.

ANTUNES-ROCHA, M. I. Licenciatura em Educação do Campo: histórico e projeto político-pedagógico. In: ANTUNES-ROCHA, M. I.; MARTINS, A. A. (Orgs.). Educação do Campo: desafios para a formação de professores. Belo Horizonte: Autêntica, 2009.

12717Miolo.indd 112 18/9/2014 20:50:46

Page 115: PARLAMENTO SOCIEDADE - Principal

113Educação do Campo e formação continuada docente: ferramentas para identidades em construção

Rev. Parlamento & Sociedade, São Paulo, v. 2, n. 2, p. 99-114, jan./jun. 2014

BAUMAN, Zygmunt. Identidade: entrevista a Benedetto Vecchi. Rio de Janeiro: Zahar, 2005.

BRASIL. Ministério da Educação. Programa Escola Ativa. Brasília: Coordenação-Geral de Educação do Campo, 2008.

BRASIL. Conselho Nacional de Educação (CNE). Câmara de Educação Básica (CEB). Resolução CNE/CEB nº 1, de 3 de abril de 2002. Institui Diretrizes Operacionais para a Educação Básica nas Escolas do Campo. Diário Oficial da União, Brasília, v. 67, Sessão 1, p. 32, 9 abr. 2002. Disponível em: <portal.mec.gov.br/cne/ arquivos/pdf/CEB012002.pdf>. Acesso em: 8 mai. 2014.

ARROYO, M.G. Políticas de formação de educadores(as) do campo. In. CAD. CEDES, Campinas, vol. 27, n. 72, p. 157-176, mai./ago. 2007. Disponível em: <http://www.cedes.unicamp.br>. Acesso em: 5 mai. 2014.

CALDART, Roseli Salete. Pedagogia do Movimento Sem Terra. 3. ed. São Paulo: Expressão Popular, 2002.

DUBAR, Claude. A socialização: construção das identidades sociais e profissionais. São Paulo: Martins Fontes, 2005.

HALL, C. White, Male and Middle Class: Explorations in Feminism and History. Cambridge: Polity Press, 1992.

IMBERNÓN, Francisco. Formação docente e profissional: formar-se para a mudança e a incerteza. 4. ed. São Paulo: Cortez, 2004.

LACKI, Polan. Educação rural: para quê? e para quem? [S.n.: s.n., 2005]. Disponível em: <http://www.polanlacki.com.br>. Acesso em: 14 abr. 2007.

LIBÂNEO, José Carlos. Organização e gestão da escola: teoria e prática. 5. ed. rev. e aum. Goiânia: Alternativa, 2004. 

MANNHEIM, Karl. Ideologia e Utopia. Rio de Janeiro: Zahar, 1976.

MARTUCCELLI, Danilo. Grammaires de l’individu. Paris: Gallimard, 2002.

NÓVOA, Antônio. Os professores e sua formação. Lisboa: Dom Quixote, 1992.

______. Formação de professores e profissão docente. In: ______. Os professores e sua formação, 2 ed. Lisboa: Dom Quixote, 1995.

12717Miolo.indd 113 18/9/2014 20:50:46

Page 116: PARLAMENTO SOCIEDADE - Principal

114 Cláudio Barbosa Ventura

Rev. Parlamento & Sociedade, São Paulo, v. 2, n. 2, p. 99-114, jan./jun. 2014

______. Profissão professor. Porto: Porto, 1995.

PEREIRA, Júlio Emilio Diniz. Formação de Professores – Pesquisa, representações e poder. Belo Horizonte: Autêntica, 2000.

PERRENOUD, P. Formar professores em contextos sociais em mudança: prática reflexiva e participação crítica.Revista Brasileira de Educação, São Paulo, n.12, p. 5-19, nov./dez., 1999.

PIMENTA, Selma Garrido (Org.). Formação de professores: saberes da docência e identidade do professor. São Paulo: Cortez, 2002.

______. Professor reflexivo: construindo uma crítica. In: PIMENTA, S. G.; GHEDIN, E. (Org.). Professor reflexivo no Brasil: gênese e crítica de um conceito. São Paulo: Cortez, 2002.

ROCHA, Maria Isabel Antunes (Org.). Educação do Campo: Convergências e tensões no campo da formação e do trabalho docente. Belo Horizonte: Autêntica, 2010.

POLíTICA EDITORIAL E NORMAS PARA APRESEnTAçãO DE ARTIGOS

12717Miolo.indd 114 18/9/2014 20:50:46

Page 117: PARLAMENTO SOCIEDADE - Principal

POLíTICA EDITORIAL E NORMAS PARA APRESEnTAçãO DE ARTIGOS

12717Miolo.indd 115 18/9/2014 20:50:46

Page 118: PARLAMENTO SOCIEDADE - Principal

12717Miolo.indd 116 18/9/2014 20:50:46

Page 119: PARLAMENTO SOCIEDADE - Principal

Política Editorial e normas para apresentação de artigos

A REVISTA PARLAMENTO SOCIEDADE tem como eixo temático o campo designado por “Poder Legislativo e Políticas Públicas”, considerando, todavia, que tal eixo não se constitui cartesianamente, incorporando, por conse-guinte, reflexões que ao extrapolá-lo, seja no campo jurídico de constituição dos entes federativos, seja no campo da teoria social, exploram e expõem as injunções políticas, econômicas, sociais e culturais que configuram sua dimensão propria-mente genérica. Desta forma, o eixo desta REVISTA constitui-se como âmbito da particularidade no conjunto das reflexões sobre a constituição e as relações entre Sociedade Civil e Estado, seja o campo das políticas públicas – sua formulação, execução, avaliação, fiscalização e controle social –, seja no campo do Poder Le-gislativo e de suas relações com os demais Poderes do Estado.

A REVISTA recebe e publica artigos das variadas áreas do conhecimento social – Ciências Sociais, História, Filosofia, Direito, Arquitetura e Urbanismo, Administração e Gestão Públicas, Educação e Economia, no tratamento crítico--compreensivo do eixo já mencionado, caracterizando-se menos por ser veículo de uma dada área do conhecimento do que por incorporar a contribuição das variadas áreas para a compreensão de temáticas relacionadas ao eixo adotado e dos seus elementos constitutivos: as Políticas Públicas, o Poder Legislativo e o Município.

Os artigos apresentados à REVISTA PARLAMENTO SOCIEDADE devem ser inéditos e serão submetidos à avaliação de pareceristas do Comitê Científico. Devem ser enviados eletronicamente ao e-mail [email protected] ou via postal à Escola do Parlamento, Viaduto Jacareí nº 100, sala 1302A, 13º andar, São Paulo, SP, CEP 01319-900, aos cuidados do Conselho Editorial.

Os artigos devem ter até 30 laudas de 2.100 caracteres, redigidos conforme os padrões da Associação Brasileira de Normas Técnicas (ABNT) abaixo especificados:

Folha: Carta (letter) Editor de texto: Word ou compatívelMargens: esquerda, direita, superior e inferior de 2cm Fonte: Times New Roman, tamanho 12 Parágrafo: espaçamento anterior: 0 ponto; posterior: 0 ponto; entre linhas:

1,5; alinhamento justificado. Título: breve e suficientemente descritivo

12717Miolo.indd 117 18/9/2014 20:50:46

Page 120: PARLAMENTO SOCIEDADE - Principal

Fonte: Times New Roman, Negrito, Tamanho 12, Entrelinhas 1.0 Seções e subseções: Fonte: Times New Roman, Tamanho 11, Entrelinhas 1.0, com numeração

progressiva a critério do Autor Resumo: 200 palavras contendo objetivo, método, resultado e conclusão Fonte: Times New Roman, Tamanho 11, Entrelinhas 1.0 Palavras-chave: três palavras-chave separadas por ponto Fonte: Times New Roman, Tamanho 11 Referências: citadas no corpo do texto com indicação do sobrenome, ano e

página de publicação. Referências bibliográficas completas apresentadas no final do texto, em or-

dem alfabética, conforme NBR-6023 Diagramas, Quadros e Tabelas: devem apresentar título e fonte. No corpo

do artigo devem ser feitas referência a eles.

Informações Complementares No mesmo Arquivo, o autor deverá enviar: Página 1: Título do Artigo, identificação do(s) autores, com nome comple-

to, instituição à qual está(ao) ligado(s), cargo(s), endereço para correspondência, fone fax e e-mail.

Os artigos assinados são de responsabilidade exclusiva do(s) autor(es) e o conteúdo deste periódico está licenciado sob uma Licença Creative Commons Atribuição 3.0 No-Comercial Unported (CC-BY-NC).

12717Miolo.indd 118 18/9/2014 20:50:46

Page 121: PARLAMENTO SOCIEDADE - Principal

12717Miolo.indd 119 18/9/2014 20:50:46

Page 122: PARLAMENTO SOCIEDADE - Principal

12717Miolo.indd 120 18/9/2014 20:50:47

Page 123: PARLAMENTO SOCIEDADE - Principal

Mesa

PresidenteJosé Américo (PT)

1º Vice-PresidenteMarta Costa (PSD)

2º Vice-PresidenteGeorge Hato (PMDB)

1º SecretárioClaudinho de Souza (PSDB)

2º SecretárioConte Lopes (PTB)

1º SuplenteGilson Barreto (PSDB)

2º Suplente Dalton Silvano (PV)

16ª Legislatura (2014)

Vereadores

16ª Legislatura (2014)

Abou Anni (PV) Adilson Amadeu (PTB)Alfredinho (PT)Andrea Matarazzo (PSDB)Ari Friedenbach (PROS)Arselino Tatto (PT)Atílio Francisco (PRB)Aurélio Miguel (PR)Aurélio Nomura (PSDB)Calvo (PMDB)Claudinho de Souza (PSDB)Conte Lopes (PTB)Coronel Camilo (PSD)Coronel Telhada (PSDB)Dalton Silvano (PV)David Soares (PSD)Donato (PT)Edir Sales (PSD)Eduardo Tuma (PSDB)Eliseu Gabriel (PSB) Floriano Pesaro (PSDB)George Hato (PMDB)Gilson Barreto (PSDB)Goulart (PSD)Jair Tatto (PT)Jean Madeira (PRB)José Américo (PT)José Police Neto (PSD)Juliana Cardoso (PT)Laércio Benko (PHS)Marco Aurélio Cunha (PSD)

Mario Covas Neto (PSDB)Marquito (PTB)Marta Costa (PSD)Milton Leite (Democratas)Nabil Bonduki (PT)Natalini (PV)Nelo Rodolfo (PMDB)Netinho de Paula (PC do B)Noemi Nonato (PROS)Ota (PROS)Pastor Edemilson Chaves (PP)Patrícia Bezerra (PSDB)Paulo Fiorilo (PT)Paulo Frange (PTB)Reis (PT)Ricardo Nunes (PMDB)Ricardo Young (PPS)Roberto Tripoli (PV)Sandra Tadeu (Democratas)Senival Moura (PT)Souza Santos (PSD)Toninho Paiva (PR)Toninho Vespoli (PSOL)Vavá (PT)

LicenciadosAntonio Carlos Rodrigues (PR)Celso Jatene (PTB) Ricardo Teixeira (PV)

12717Capa.indd 2 26/09/14 11:11

Page 124: PARLAMENTO SOCIEDADE - Principal

REV

ISTA PA

RLA

MEN

TO

SO

CIED

AD

E

PARLAMENTO

SOCIEDADE

REVISTA

ESCOLA DO PARLAMENTO

CÂMARA MUNICIPAL DE SÃO PAULO

ISSN 2318-4248

v.2 n.2 janeiro/junho 2014

v.2 n.2

janeiro/junho 2014

12717Capa.indd 1 26/09/14 11:11