para historiador, condomínios do programa federal são ‘uma ... · cientista social contratado...

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8 POLÍCIA extra.globo.com Segunda-feira, 30 de março de 2015 ENTREVISTA B Como você avalia o projeto? Quando o governo transfere para as empreiteiras a escolha do local onde vai ser erguido o condomínio, ele fragiliza o programa. A maioria das unidades está sendo construí- da nas periferias mais distan- tes, quando precisaria estar nas regiões centrais. Que experiências poderiam servir de inspiração? Em Paris, após os protestos de meados dos anos 2000, surgi- dos justamente nas periferias, começou-se a dar estímulos à iniciativa privada para a cons- trução de conjuntos popula- res em áreas nobres. Essa é uma tendência mundial. ‘A maioria das unidades está nas periferias’ PEDRO DA LUZ MOREIRA Presidente do Instituto de Arquitetos do Brasil no Rio ENTREVISTA B O que sua pesquisa apontou? A satisfação dos moradores ao receber os imóveis é enorme. Eles veem uma segurança, um ganho patrimonial. Mas não conseguem manter. E, como o poder público também não entra, abre-se um vácuo. Qual seria a solução? A gente propõe uma incuba- ção, um período inicial com assessoria técnica e gestão compartilhada entre estado e município. Além disso, diante do consenso técnico e acadê- mico de que o diagnóstico é negativo, é preciso iniciar uma política de revisitação. ‘O poder público não entra. Aí, abre um vácuo’ PAULO MAGALHÃES Pesquisador contratado pela Caixa para estudar o projeto RADIOGRAFIA DOS CONJUNTOS Fontes: Caixa Econômica Federal, Disque-Denúncia, Ministério das Cidades, Ministério Público do Rio, Polícia Civil e Secretaria municipal de Habitação Legenda Disque-Denúncia Denúncias à Secretaria Municipal de Habitação Inquéritos concluídos ou em andamento Processos de reintegração de posse que correm na Justiça Relatos de moradores ouvidos pelo EXTRA Campo Grande 210 R$ 10.710.000 Agosto de 2011 1 Vivendas das Patativas BAIRRO PROBLEMAS APARTAMENTOS FAMÍLIAS CUSTO DA OBRA INAUGURAÇÃO CONDOMÍNIOS 183 Santa Cruz R$ 138.611.550 Julho de 2012 6 Residenciais Évora, Almada, Aveiro, Cascais, Coimbra e Estoril BAIRRO PROBLEMAS APARTAMENTOS FAMÍLIAS CUSTO DA OBRA INAUGURAÇÃO CONDOMÍNIOS 2.718 2.716 M M M M M M M Mi i i i i i i il l l l l l lí í í í í í í íc c c c c c c c ci i i i i i i i i ia a a a a a a a a a M M M M M M M M M Mi i i i i il l l l l lí í í í í í í í í í í í í íc c c c c c c c c c c c c ci i i i i i ia a a a a a a a R$ 30.906.000 Novembro de 2012 2 Park Royal e Park Imperial BAIRRO PROBLEMAS APARTAMENTOS FAMÍLIAS CUSTO DA OBRA INAUGURAÇÃO CONDOMÍNIOS 606 604 Santa Cruz M M M M M M M M M M Mi i i i il l l l l l l l lí í í í í í í í íc c c c c c c c c c c c c c ci i i i i i i i i ia a a a a a a a a a a a entregar imóveis na Vila Kennedy, em 1964, o então governador da Guanabara, Carlos Lacerda, foi enfático no discurso: “Não basta somente mudar-se fria- mente a população desfavo- recida de um lugar para ou- tro”. A realidade, porém, foi mais dura do que as palavras do político. Hoje, 51 anos de- pois, os condomínios e seu entorno — situados em Ban- gu, na Zona Oeste do Rio — transformaram-se numa re- gião sob forte domínio do trá- fico, que resiste até mesmo à UPP inaugurada há dez me- ses. No nono e último capítu- lo da série “Minha casa, mi- nha sina”, especialistas ouvi- dos pelo EXTRA apontam que a repetição de erros do passa- do, como a omissão do poder público, ameaça o programa “Minha casa, minha vida”. de bandidos sobre os atuais be- neficiários do programa federal. — Uma ação que só entrega casas próprias não é um progra- ma de habitação — afirma o de- putado Marcelo Freixo (PSOL). Dos 64 conjuntos do “Minha casa, minha vida” no Rio — to- dos sob influência de crimino- sos, como o EXTRA mostrou ao longo da série — 42 ficam a pelo menos 25 quilômetros do Cen- tro. Os restantes estão, sem ex- ceção, muito próximos ou den- tro de favelas. — Na década de 50, o primei- ro erro foi a política de habita- ção andar mais rápido do que a urbana, de infraestrutura. E es- tá se repetindo. As pessoas são levadas para locais mal abaste- cidos de escola, hospital, trans- porte, segurança. É uma bom- ba-relógio — diz o historiador e professor Mario Brum, autor de um livro sobre a Cidade Alta. s t Para historiador, condomínios do programa federal são ‘uma bomba-relógio’ ao Além da Vila Kennedy, várias favelas cariocas cresceram em volta de prédios e casas ergui- dos para atender famílias po- bres: a Cidade Alta, em Cordo- vil; a Cidade de Deus, em Jaca- repaguá; a Vila Aliança, tam- bém em Bangu; e o Amarelinho, em Irajá, entre outros. Tal qual nos exemplos de décadas ante- riores, a falta de serviços e de ações do Estado é destacada co- mo fator crucial para o domínio Operação na Vila Kennedy em 2011, ainda antes da UPP; no detalhe, o ano é 1968 ROBERTO MOREYRA / 17.06.2011 “É possível contratar mais três milhões de moradias. Aquilo que está dando certo deve ter continuidade” Presidente Dilma Rousseff Ao anunciar a terceira etapa do "Minha casa, minha vida" “Esses e outros elementos fazem com que o futuro do programa seja sombrio” Paulo Magalhães Cientista Social contratado pela Caixa para elaborar estudo sobre o projeto PABLO JACOB / 04.12.2010 A Cidade de Deus atualmente, onde também há UPP; e os primeiros moradores, em julho de 69 ARQUIVO ARQUIVO

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Page 1: Para historiador, condomínios do programa federal são ‘uma ... · Cientista Social contratado pela Caixa para elaborar estudo sobre o projeto PABLO JACOB / 04.12.2010 A Cidade

8 ⟩ POLÍCIA extra.globo.com Segunda-feira, 30 de março de 2015

ENTREVISTA

B Como você avalia o projeto?Quando o governo transferepara as empreiteiras a escolhado local onde vai ser erguidoo condomínio, ele fragiliza oprograma. A maioria dasunidades está sendo construí-da nas periferias mais distan-tes, quando precisaria estarnas regiões centrais.

Que experiências poderiamservir de inspiração?Em Paris, após os protestos demeados dos anos 2000, surgi-dos justamente nas periferias,começou-se a dar estímulos àiniciativa privada para a cons-trução de conjuntos popula-res em áreas nobres. Essa éuma tendência mundial.

‘A maioria dasunidades estánas periferias’

PEDRO DA LUZ MOREIRAPresidente do Instituto deArquitetos do Brasil no Rio

ENTREVISTA

B O que sua pesquisa apontou?A satisfação dos moradores aoreceber os imóveis é enorme.Eles veem uma segurança, umganho patrimonial. Mas nãoconseguem manter. E, como opoder público também nãoentra, abre-se um vácuo.

Qual seria a solução?A gente propõe uma incuba-ção, um período inicial comassessoria técnica e gestãocompartilhada entre estado emunicípio. Além disso, diantedo consenso técnico e acadê-mico de que o diagnóstico énegativo, é preciso iniciar umapolítica de revisitação.

‘O poder públiconão entra. Aí,abre um vácuo’

PAULO MAGALHÃES Pesquisador contratado pelaCaixa para estudar o projeto

RADIOGRAFIA DOS CONJUNTOS

Fontes: Caixa Econômica Federal, Disque-Denúncia, Ministério das Cidades,Ministério Público do Rio, Polícia Civil e Secretaria municipal de Habitação

Legenda

Disque-DenúnciaDenúncias à SecretariaMunicipal de Habitação

Inquéritos concluídosou em andamento

Processos de reintegração deposse que correm na Justiça

Relatos de moradoresouvidos pelo EXTRA

Campo Grande

210

R$ 10.710.000

Agosto de 2011

1

Vivendas das Patativas

BAIRRO

PROBLEMAS

APARTAMENTOS

FAMÍLIAS

CUSTO DA OBRA

INAUGURAÇÃO

CONDOMÍNIOS

183

Santa Cruz

R$ 138.611.550

Julho de 2012

6

Residenciais Évora, Almada, Aveiro,

Cascais, Coimbra e Estoril

BAIRRO

PROBLEMAS

APARTAMENTOS

FAMÍLIAS

CUSTO DA OBRA

INAUGURAÇÃO

CONDOMÍNIOS

2.7182.716

MMMMMMMMiiiiiiiilllllllííííííííccccccccciiiiiiiiiiaaaaaaaaaa

MMMMMMMMMMiiiiiillllllíííííííííííííícccccccccccccciiiiiiiaaaaaaaa

R$ 30.906.000

Novembro de 2012

2

Park Royal e Park Imperial

BAIRRO

PROBLEMAS

APARTAMENTOS

FAMÍLIAS

CUSTO DA OBRA

INAUGURAÇÃO

CONDOMÍNIOS

606604

Santa Cruz MMMMMMMMMMMiiiiilllllllllíííííííííccccccccccccccciiiiiiiiiiaaaaaaaaaaaa

entregar imóveis naVila Kennedy, em

1964, o então governador daGuanabara, Carlos Lacerda,foi enfático no discurso: “Nãobasta somente mudar-se fria-mente a população desfavo-recida de um lugar para ou-tro”. A realidade, porém, foimais dura do que as palavrasdo político. Hoje, 51 anos de-pois, os condomínios e seuentorno — situados em Ban-

gu, na Zona Oeste do Rio —transformaram-se numa re-gião sob forte domínio do trá-fico, que resiste até mesmo àUPP inaugurada há dez me-ses. No nono e último capítu-lo da série “Minha casa, mi-nha sina”, especialistas ouvi-dos pelo EXTRA apontam quea repetição de erros do passa-do, como a omissão do poderpúblico, ameaça o programa“Minha casa, minha vida”.

de bandidos sobre os atuais be-neficiários do programa federal.

— Uma ação que só entregacasas próprias não é um progra-ma de habitação — afirma o de-putado Marcelo Freixo (PSOL).

Dos 64 conjuntos do “Minhacasa, minha vida” no Rio — to-dos sob influência de crimino-sos, como o EXTRA mostrou aolongo da série — 42 ficam a pelomenos 25 quilômetros do Cen-tro. Os restantes estão, sem ex-

ceção, muito próximos ou den-tro de favelas.

—Na década de 50, o primei-ro erro foi a política de habita-ção andar mais rápido do que aurbana, de infraestrutura. E es-tá se repetindo. As pessoas sãolevadas para locais mal abaste-cidos de escola, hospital, trans-porte, segurança. É uma bom-ba-relógio — diz o historiador eprofessor Mario Brum, autor deum livro sobre a Cidade Alta. s

t

Para historiador, condomínios do programa federal são ‘uma bomba-relógio’

ao Além da Vila Kennedy, váriasfavelas cariocas cresceram emvolta de prédios e casas ergui-dos para atender famílias po-bres: a Cidade Alta, em Cordo-vil; a Cidade de Deus, em Jaca-repaguá; a Vila Aliança, tam-bém em Bangu; e o Amarelinho,em Irajá, entre outros. Tal qualnos exemplos de décadas ante-riores, a falta de serviços e deações do Estado é destacada co-mo fator crucial para o domínio

Operação na Vila Kennedy em 2011, ainda antes da UPP; no detalhe, o ano é 1968

ROBERTO MOREYRA / 17.06.2011

“É possível contratar mais três milhões de moradias. Aquilo que está dando certo deve ter continuidade”Presidente Dilma RousseffAo anunciar a terceira etapa do "Minha casa, minha vida"

“Esses e outros elementos fazem com que o futuro do programa seja sombrio”Paulo MagalhãesCientista Social contratado pela Caixa para elaborar estudo sobre o projeto

PABLO JACOB / 04.12.2010

A Cidade de Deus atualmente, onde também há UPP; e os primeiros moradores, em julho de 69

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