os pedidos de mercês na capitania de pernambuco (1645 … · os pedidos de mercês na capitania de...

1
Os Pedidos de Mercês na Capitania de Pernambuco (1645-1700). Dinâmicas na Construção de uma Pequena Nobreza Teresa Lacerda CHAM | FCSH – Universidade Nova de Lisboa e Universidade dos Açores Em 1630, os holandeses estabeleciam-se no nordeste brasileiro. Muitos portugueses, com as suas tropas negras e índias, organizaram a defesa no sertão. Em 1645, da resistência passou- se à ofensiva, eclodindo um movimento militar baseado em técnicas locais, suportado pelos senhores de engenhos, nascidos no Brasil, mas de origem portuguesa, por reinóis, há muito estabelecidos na colónia, índios, negros e mulatos. A partir desta data, as petições feitas na capitania de Pernambuco à Coroa portuguesa centraram os seus discursos na participação na guerra contra os holandeses. A presente comunicação pretende analisar, recorrendo à estatística, o peso que esta realidade teve quer nos pedidos, quer na atribuição das mercês régias. Por outro lado, as solicitações foram tanto feitas a nível pessoal, como colectivo. Neste último caso, são especialmente importantes as petições dirigidas ao Rei pelas câmaras, reivindicando benefícios como a reserva de cargos públicos para os nascidos na terra, ou isenções de natureza fiscal. A nível individual, os «restauradores» pediam cargos, foro de fidalgo, tenças e hábitos de Cristo. A dinâmica criada em torno da «Restauração» Pernambucana é um excelente espaço para se analisar como se constituiu a pequena nobreza em Pernambuco e como, por outro lado, a denominada «nobreza da terra», conseguiu negociar com a Coroa benefícios que, em última análise, conduziam ao seu reconhecimento social e político. Os casos mais excepcionais, originados pela participação nas guerras de Pernambuco, prendem-se com indivíduos mestiços, índios e negros, alguns dos quais escravos, que obtiveram uma mobilidade social, dificilmente alcançável noutras circunstâncias. Alguns conseguiram mesmo ingressar nas Ordens Militares, ascendendo assim a uma pequena nobreza, na qual muitos dos seus descendentes não se conseguiram manter. Os discursos produzidos em torno da «Restauração» Pernambucana sublinhavam o lado regional da sublevação e a escassa participação régia, proliferando frases como: «à custa de nosso sangue, vidas e fazenda» ou «sem ajuda nem despesas da Real Fazenda». Através deste argumento a capitania e os indivíduos tentaram e, em alguns casos obtiveram, benefícios de excepção que, com o tempo, a Coroa procurou não reiterar. Palavras-chave: Restauração; Pernambuco; Pedidos de Mercê; Pequena Nobreza.

Upload: phamkien

Post on 02-Feb-2019

215 views

Category:

Documents


0 download

TRANSCRIPT

Os Pedidos de Mercês na Capitania de Pernambuco

(1645-1700).

Dinâmicas na Construção de uma Pequena Nobreza

Teresa Lacerda

CHAM | FCSH – Universidade Nova de Lisboa e Universidade dos Açores

Em 1630, os holandeses estabeleciam-se no nordeste brasileiro. Muitos portugueses, com

as suas tropas negras e índias, organizaram a defesa no sertão. Em 1645, da resistência passou-

se à ofensiva, eclodindo um movimento militar baseado em técnicas locais, suportado pelos

senhores de engenhos, nascidos no Brasil, mas de origem portuguesa, por reinóis, há muito

estabelecidos na colónia, índios, negros e mulatos. A partir desta data, as petições feitas na

capitania de Pernambuco à Coroa portuguesa centraram os seus discursos na participação na

guerra contra os holandeses.

A presente comunicação pretende analisar, recorrendo à estatística, o peso que esta

realidade teve quer nos pedidos, quer na atribuição das mercês régias. Por outro lado, as

solicitações foram tanto feitas a nível pessoal, como colectivo. Neste último caso, são

especialmente importantes as petições dirigidas ao Rei pelas câmaras, reivindicando benefícios

como a reserva de cargos públicos para os nascidos na terra, ou isenções de natureza fiscal. A

nível individual, os «restauradores» pediam cargos, foro de fidalgo, tenças e hábitos de Cristo.

A dinâmica criada em torno da «Restauração» Pernambucana é um excelente espaço para se

analisar como se constituiu a pequena nobreza em Pernambuco e como, por outro lado, a

denominada «nobreza da terra», conseguiu negociar com a Coroa benefícios que, em última

análise, conduziam ao seu reconhecimento social e político.

Os casos mais excepcionais, originados pela participação nas guerras de Pernambuco,

prendem-se com indivíduos mestiços, índios e negros, alguns dos quais escravos, que obtiveram

uma mobilidade social, dificilmente alcançável noutras circunstâncias. Alguns conseguiram

mesmo ingressar nas Ordens Militares, ascendendo assim a uma pequena nobreza, na qual

muitos dos seus descendentes não se conseguiram manter. Os discursos produzidos em torno da

«Restauração» Pernambucana sublinhavam o lado regional da sublevação e a escassa

participação régia, proliferando frases como: «à custa de nosso sangue, vidas e fazenda» ou

«sem ajuda nem despesas da Real Fazenda». Através deste argumento a capitania e os

indivíduos tentaram e, em alguns casos obtiveram, benefícios de excepção que, com o tempo, a

Coroa procurou não reiterar.

Palavras-chave: Restauração; Pernambuco; Pedidos de Mercê; Pequena Nobreza.