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IV CONGRESSO SERGIPANO DE HISTÓRIA & IV ENCONTRO ESTADUAL DE HISTÓRIA DA ANPUH/SE
O CINQUENTENÁRIO DO GOLPE DE 64
Militarização na capitania e Sergipe del Rei: as ordenanças no século
XVII
1Luís Siqueira
Introdução
Este artigo faz parte da pesquisa que venho realizando sobre a militarização2da
capitania de Sergipe del Rei na segunda metade do século XVII e primeira do seguinte,
e o papel que os capitães mores exerceram quando estiveram no exercício do cargo. As
principais fontes utilizadas são provenientes do Arquivo Histórico Ultramarino,
informações de cronistas e Documentos da Biblioteca Nacional, que se encontram
publicados. O objetivo consiste em dialogar com a historiografia local acerca do lugar
ocupado pela capitania sergipana no sistema colonial, e apresentar as ações militares
determinadas pela dinastia de Coroa portuguesa para a localidade. O limite temporal
compreende o reinado de D. João IV e o de D. Afonso, por serem os momentos
importantes para a militarização do território sergipano.3
Os estudos sobre a capitania sergipana no século XVII e início do seguinte ainda
são raros na historiografia sergipana. As afirmações destacadas por Felisbelo Freire e
1Doutorando do curso de Pós-Graduação em História Social da Universidade Federal da Bahia. E-mail:
2Chamo de militarização a capacidade e condição e capacidade que a Coroa portuguesa teve de
transformar a população da colônia em soldados em estado de defesa contra inimigos externos e internos. 3D. João IV reinou de 1640 a 1656. No caso de D. Afonso, seu reinado se estendeu de 1656 a 1675.
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Maria Thetis Nunes se fazem ecoar como memória, principalmente quanto ao lugar
ocupado por Sergipe del Rei no contexto da colônia brasileira.4 No caso do tema da
militarização, ainda é pouco explorado pelos estudiosos locais e as pesquisas existentes
são rarefeitas, resumindo-se a citar nomes de militares que atuaram em cargos de
mando.5 Nessa perspectiva, ainda não existe trabalho que analise o papel desempenhado
pelas ordenanças em Sergipe Colonial. Essa instituição teve papel decisivo para a
manutenção, defesa e fiscalização do território como se mostrará ao longo deste artigo.
As fontes que se apresentam para o estudo das ordenanças ainda se encontram
inexploradas pelos historiadores sergipanos. No geral, são documentos que relatam e
apresentam a capitania e sua função no contexto do sistema colonial, comunicação entre
os agentes locais e os metropolitanos portugueses, patentes, alvarás, provisões, dentre
outras, que em conjunto revelam os sujeitos e as estratégias dos governantes da dinastia
de Bragança para Sergipe.
Para realizar a contextualização da capitania sergipana no período seiscentista
tomo de empréstimo as considerações referentes ao “sentido da colonização” de
Fernando Antônio Novais. Segundo esse autor, a colonização que se projetou no Novo
Mundo, em especial o Brasil, teve características próprias como estar voltada para o
fornecimento de riquezas para sustentar a metrópole. Essa situação estava estruturada
politicamente em dois polos, sendo que na condição de centro de decisão estava a
metrópole e, no outro, as colônias, como locais subordinados; relações essas que
estabeleceram o quadro institucional para que a vida econômica metropolitana fosse
dinamizada. Nesse sentido, entendo e situo a capitania no enquadramento paulatino do
4 Faço referência às obras História de Sergipe, de Felisbelo Freire; Sergipe colonial I e Sergipe colonial
II, de Maria Thetis Nunes. 5LIMA Jr. Francisco de Carvalho. Capitães mores de Sergipe (1590-1820). Aracaju: Segrase, 1985.
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sistema colonial, caracterizado pela política mercantilista da época.6Assim, seguindo a
linha interpretativa de Novais, a capitania sergipana ao longo do século XVII foi se
estruturando para melhor atender as necessidades políticas, econômicas, geopolíticas e
militares de Portugal, sob o governo da dinastia de Bragança.
Esboçar o lugar de Sergipe del Rei no contexto do sistema colonial exige que se
faça primeiro uma breve contextualização do momento antes da colonização do
território, passando pelo período da invasão holandesa no nordeste açucareiro até o
momento de reestruturação para se evidenciar a estratégias militar adotada pelo rei de
Portugal para a capitania.
Na historiografia brasileira o tema da história militar ainda se encontra mal
explorado pelos historiadores, principalmente quando se trata do século XVII.
Provavelmente, esse abandono esteja na dificuldade de acesso as fontes desse período e
na relação que havia entre história militar e história política, pois os estudos acabaram
sendo mera descrição de batalhas e biografias dos grandes homens.
Em Portugal e no Brasil, o tema da história militar voltou à tona, principalmente
no campo da história social. Segundo Arno Wehling, essa revigoramento de deve ao
diálogo que os estudiosos da história política vêm travando com a sociologia, a
antropologia, a filosofia, a psicologia social, a economia, o direito, cujas inspirações são
oriundas das reflexões de Max Weber e Michel Foulcaut.7 Assim, o foco da questão
militar passou a ser redimensionado na problemática e na metodologia, entre outros
aspectos, sendo direcionado para discussão do problema do poder e não apenas do
6NOVAIS, Fernando Antônio. A colonização e sistema colonial: discussão de conceitos e perspectivas.
In.: Aproximações: estudos de história e historiografia. São Paulo: Cosacnaify, 2005. p. 27. Portugal e
Brasil na crise do Antigo Sistema Colonial (1777-1808). 6 ed. São Paulo: Hucitec, 1995. Nessa obra, o
autor expõe a dinâmica e estrutura do Antigo Sistema Colonial, explicitando que as relações entre
metrópole e colônia se dão em dois níveis: na legislação e no comércio. 7WEHLING, Arno. A pesquisa da história militar brasileira. In.: Da cultura, ano I, n. I,p. 35-41., jan/jun.
2001. Disponível em > http://www.funceb.org.br/images/revista/11_5q3t.pdf>. Acessado em 14/04/2013.
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Estado. O que se tem como proposta é uma nova história militar com olhares e
propostas diferenciadas.8
No seio da história militar está o tema das ordenanças que pouco a pouco vem
despertando interesse de historiadores do período colonial. O estudo da militarização na
colônia vem sendo realizado com discussões que apontam para uma releitura de obras
clássicas como a de Caio Prado Júnior e Nelson Werneck Sodré. Os resultados obtidos
apresentam o Estado português com um exército mal formado, mas insistente em
defender seus domínios a partir do contingente populacional das capitanias brasileiras,
seja através de recrutamento forçado ou da institucionalização das ordenanças.9
A capitania de Sergipe del Rei
A região que compreende a capitania de Sergipe del Rei é cortada pelos rios São
Francisco, o rio Vasa-Barris, o rio Real, o rio Sergipe e afluentes que foram
importantes para a metrópole portuguesa porque permitia a comunicação, fluxo de
gente, de mercadorias e metais preciosos da colônia brasileira, articulando, dessa
forma, os centros produtores de açúcar, a exemplo de Pernambuco e a Bahia, centro
administrativo do Estado do Brasil na época. Esses rios mesmo antes da efetiva
colonização no século XVI já tinham sido relatados por religiosos, como o padre
8Exemplo claro dessa nova investidas são as obras Nova história militar de Portugal, dirigida por Manuel
Themudo Barata e Nuno Severiano Teixeira; e Nova história militar brasileira, organizada por Celso
Castro, Vitor Izeckson e Hendrik Kraay. 9SILVA, Kalina Vanerlei. O miserável soldo e a boa ordem da sociedade colonial: militarização e
marginalidade na capitania de Pernambuco dos séculos XVII e XVIII. Recife: Fundação Cultura Cidade
do Recife, 2001.
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Gabriel Soares de Sousa, quando percorria as localidades do que depois passou a ser a
capitania, na tentativa de estabelecer bases evangelizadoras e povoadoras, registrando
em seus escritos e chamando atenção para a presença de piratas europeus que visitavam
com frequência a costa litorânea.10
Da mesma forma que o cronista Gabriel Soares de Sousa descreveu sobre as
condições espaciais, Frei Vicente do Salvador narrou o acontecimento acerca do
processo da Conquista do território que ocorreu no período da União Ibérica.11 Outra
testemunha de época foi Ambrósio Fernandes Brandão, alertando que a capitania
sergipana era real.12 Após essa fase, o território foi tomado dos grupos indígenas, foi
parcelado em sesmarias e doado aos que fizeram parte do grupo de Cristóvão de
Barros13.
No início do povoamento de Sergipe del Rei, a partir de 1590, a economia
estabelecida na capitania foi a pecuária, voltada para abastecer o mercado interno. Nesse
momento, no Brasil, já existiam dois núcleos importantes que estruturava o sistema
colonial, a exemplo de Pernambuco, que estava em processo de expansão da cultura da
cana de açúcar e a Bahia, centro administrativo da colônia brasileira. A intenção da
Coroa portuguesa com as atividades pecuaristas era também promover a contiguidade
territorial da colônia estabelecendo condições para rotas terrestres e comerciais com a
criação de gado.14 Nessa condição, já se pode perceber o lugar e o sentido atribuído pela
10SOUSA, Gabriel Soares de. Tratado descritivo do Brasil em 1587. Rio de Janeiro: Typographia
Universal de Laemmert. 1851. p. 43-46. 11SALVADOR, Frei Vicente do Salvador. História do Brasil. 5 ed. São Paulo: Melhoramentos, 1965. p.
301-303. 12BRANDAO, Ambrósio Fernandes. Diálogos das grandezas do Brasil. São Paulo: Melhoramentos,
1977. p. 53. 13 Cristóvão de Barros, que a mando do governador geral Luís de Brito, empreendeu a conquista da
região. 14MELLO, Astrogildo Rodrigues de. O Brasil no período dos Filipes. In.: HOLANDA, Sérgio Buarque
de. História geral da civilização brasileira. Época colonial. Tomo I. Rio de Janeiro,: Bertrand Brasil,
1997. pp. 176-189.
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metrópole a capitania sergipana dentro do sistema colonial estruturando o território com
objetivos de estar voltado para abastecer o mercado interno e servir como elo de ligação
intercapitania.
A economia do gado começou a prosperar de forma rápida em Sergipe del Rei.
Em 1611 Gabriel dos Campos Morenos atestou essa realidade, além de informar sobre o
quadro populacional e a presença da capital São Cristóvão, que já se constituía com foro
de cidade. As informações desse cronista revelaram o desenvolvimento rápido dessa
atividade econômica com pouco contingente populacional residente e um incipiente
aparelho administrativo que contava com a presença de juízes, vereadores, almoxarife e
milicianos organizados em regime de ordenanças.15
No momento da invasão holandesa no nordeste açucareiro, a quantidade de gado
chamou atenção dos soldados e serviu para alimentar as tropas beligerantes que usavam
a capitania como local para espoliação. Cientes da importância dessa economia para as
tropas inimigas, os soldados holandeses saquearam, incendiaram e devastaram o que
havia de atividade econômica, de vida social e de paisagem urbana existente.
A guerra holandesa deixou danos irreparáveis para Sergipe, pois a presença dos
soldados desestruturou a pecuária na capitania. A estratégia utilizada pelos soldados
consistia em atingir o inimigo baiano destruindo o território que servia como espaço de
abastecimento de carne e couro das capitanias produtoras de açúcar, desarticulando
assim as relações comerciais que havia entre elas. O resultado foi de destruição total e
fuga dos moradores para capitanias vizinhas como evidenciou Gaspar Barleus.16
15 MORENO. Diogo de Campos. Livro que dá Razão ao Estado do Brasil. In.: Revista de Aracaju,
Aracaju, v. 2, 1944. p. 257. 16BARLEUS, Gaspar. História dos feitos recentemente praticados durante oito anos no Brasil e noutras
partes sob o governo do ilustríssimo João Maurício o conde de Nassau. Rio de Janeiro: Ministério da
Educação, 1940. p. 65-66.
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A restruturação da capitania de Sergipe del Rei começou assim que a União
Ibérica teve fim e a dinastia de Bragança ascendeu ao trono de Portugal sob o governo
de D. João IV. Esse momento foi importante para o Brasil porque o século XVII marcou
definitivamente a virada do domínio português para o Atlântico e, como tal, para
colônia brasileira.17 Em consequência da queda de metal precioso na Europa, em
especial prata da América Espanhola; das guerras em diversos flancos como na África,
no oceano Índico e no nordeste brasileiro, fez Portugal se voltar para o Brasil. Assim,
depois da expulsão dos holandeses, em 1654, da crise geral europeia, e da queda dos
preços do açúcar resultante da concorrência antilhana, as finanças de Portugal como da
colônia brasileira ficaram precárias. Para sair da situação de crise algumas medidas
foram importantes como a criação de companhias de comércio, a proibição de
arrematação de engenhos de açúcar e estímulo oficial à busca de metais preciosos no
interior, o incentivo à colonização, vigilância das capitanias contra a presença de piratas
inimigos, dentre outras. Essas ações tendiam a fixar, de uma vez por todas, a
administração portuguesa em terras brasileiras.
Na capitania de Sergipe del Rei o rei D. João IV nomeou como capitão mor
Baltazar de Queirós, em 1648. O objetivo era reestruturar Sergipe del Rei do ponto de
vista militar econômico e social. As preocupações podem ser notadas a partir da atuação
do novo governador geral, o conde de Castelmelhor que em carta destinada ao capitão
mor deixou claras as intenções para com a capitania.
Desejando eu que essa cidade se a reedifique e a capitania se aumente de
maneira que brevemente se restitua a seu antecedente ser, e felicidade, e
respeitando as causas que VM. me representou para não ser conveniente a
17WEHLING, Arno, WEHLING, Maria José C. de. Formação do Brasil colonial. Rio de Janeiro: Nova
Fronteira, 1994. p. 105.
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este meu intento, o praticar-se o bando que mandei lançar, com as pessoas
que tiveram praça, e estão casadas nessa capitania; me pareceu fazer-lhes
favor continuem em sua fazendas.18
O interesse em desenvolver a capitania sergipana começava pelas condições
materiais, com a reedificação da cidade de São Cristóvão que fora destruída pelos
holandeses quando estiveram em Sergipe. Na mesma carta, o governador pediu ao
capitão mor que passasse informação pormenorizada de tudo, relatando a infantaria, o
número de moradores e quantos seriam capazes de tomar armas, as fortificações, e se
havia companhia de ordenanças e se poderia fazer planta da cidade, dentre outros. Essa
tarefa era urgente porque a capital sergipana necessitava ser reedificada e guarnecida de
soldados. Ao nomear o capitão mor Baltazar de Queirós para administrar, o governador
geral expressava, de forma clara, essa necessidade. Na sua ótica, seria importante essa
tarefa porque afastaria o inimigo. Em consequência dessa fragilidade foi designado, em
junho de 1650, quinze soldados para fazer defesa da mesma localidade.19 Cinco meses
depois, o Conde de Castelmelhor agraciou a cidade com o envio de artilharia, contando
com duas peças de bronze.20
A organização das ordenanças e tropas auxiliares
18CARTA para o capitão mor da capitania de Sergipe Del Rei Baltazar de Queirós em 01/06/1650. In.:
Documentos Históricos da Biblioteca Nacional (1648-1661). Vol. III da Série I. p. 61. 19CARTA para o capitão Garcia D’Ávila em 09/06/1650. In.: Documentos Históricos da Biblioteca
Nacional (1648-1661). Vol. III da Série I. p. 66. 20CARTA para o capitão mor da capitania de Sergipe del Rei 10/11/1650. In.: Documentos Históricos da
Biblioteca Nacional (1648-1661). Vol. III da Série I. p. 85.
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A ordenança fora criada em Portugal em 1570, no reinado de D. Sebastião e
refletia o momento cultural de atividade bélica porque passava o exército português e a
Coroa para manter suas colônias no além-mar, cujo reflexo vinha de uma lei anterior, a
Leis das Armas.21 Segundo Fernando Dores Costa, a proposta de criação desse tipo de
companhia não era a guerra, mas a guarnição temporária de fronteiras a partir de
trabalho de particulares, ou seja, de moradores da localidade. 22
As ordenanças eram um tipo de organização militar que se diferenciava das
tropas pagas e das recrutadas na colônia porque não serem remuneradas. A Sua
composição era de homens, na faixa etária de 18 a 60 anos de idade, abastados, de
diversos setores econômicos. Era uma tropa fixa, não podendo se deslocar como as
demais.23 Em Portugal, era um tipo de organização convocada em casos de urgência,
mas acabou por se tornando permanente em Sergipe del Rei.
A organização das ordenanças partiu de Portugal para as colônias e foi instituída
através do Regimento dos capitães mores de 1570.24 De acordo com os artigos 10, 11 e
12 desse corpo militar legal, cada companhia de ordenança seria formada de 250
homens composta de um capitão, um alferes, um sargento, um meirinho, um escrivão e
dez cabos. Esse agrupamento maior era dividido em dez esquadras de vinte e cinco
“soldados” cada uma. Caso ocorresse que não tivesse o número de homens suficiente na
21COSTA, Fernando Dores. Milícia e sociedade. In.:BARATA, Manuel Themudo, TEIXEIRA, Nuno
Severiano. Nova História Militar de Portugal. V. II. Lisboa: Círculo de Leitores, 2004. p. 71. 22 Idem. p. 71. 23 PRADO Jr, Caio. Formação do Brasil contemporâneo. São Paulo: Brasiliense/Publifolha, 2000. p. 320. 24REGIMENTO dos capitães mores, e mais capitaes, e oficiais das companhias de gente de cavalo, e de
pé, e de ordem que tem que se exercitarem. Disponível em:
<http://www.iuslusitaniae.fcsh.unl.pt/verlivro.php?id_parte=115&id_obra=74&pagina=228-250 >Acesso
em 23/03/2013.
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localidade, o artigo 14 determinava que pelo menos se organizasse uma esquadra com
cem homens.25
A escolha dos militares que ocupavam os postos mais altos nas ordenanças, a
exemplo do capitão, alferes e sargentos mores, ocorria por eleição nas câmaras de
vereadores, como determinava o referido Regimento de 1570.26 No caso de Sergipe del
Rei, como só havia a Câmara de São Cristóvão, cabia a esse senado escolher os sujeitos
para ocuparem tais cargos. Os sujeitos escolhidos tinha que ser os considerados
“pessoas de valor” ou os “melhores da terra” que após serem escolhidos, juravam com a
mão na Bíblia defender os povos locais e só fazer guerra com a autorização real.27
De acordo com os artigos 18 e 19 do Regimento de 1570, o treinamento ou
“exercício” militar ocorria a cada oito dias da semana e sempre aos domingos e dias
santos, que era comum as tropas a pé. Entre as tropas a pé havia prêmio para cada
atividade bem realizada, como o melhor tiro, a melhor lança arremessada, entre outros
No caso das “gentes” de cavalo o exercício ocorria uma vez por mês, ocorria com os
cavalos correndo e “escaramuçando.”28
Em Sergipe del Rei, a historiografia local, a exemplo de Felisbelo Freire, afirma
que a institucionalização das ordenanças data de meados da década de 1660 como
consequência da divisão da capitania em distritos militares29. No entanto, o cronista
Diogo de Campos Moreno informou que desde quando São Cristóvão fora fundada com
status de cidade já existia ordenança guarnecendo as barras dos rios.30 Outras fontes
pesquisadas informam que tanto o parcelamento em distritos militarizados quanto a
presença dessa instituição no período após a expulsão dos holandeses do nordeste
25 Idem. 26Idem. 27 Idem. Artigo 7º. 28 Idem. 29 FREIRE, Felisbelo. História territorial de Sergipe. 30 Diogo de Campos Moreno. Livro que dá Razão. Op. Cit. p. 257.
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açucareiro, ocorreram no inicio da década de 1650, como se pode ver a partir da tabela
construída a partir das provisões das patente dos cargos militares.
Tabela 01
Infantaria das ordenanças
Nome Distrito/local Cargo/ patente Ano
Francisco Nunes Vassalo Rio Real e Piauí Capitão da ordenança 165031
Vicente Murim Passos Praça de São
Cristóvão
Capitão da ordenança 165032
Belchior da Costa Cotinguiba Capitão de infantaria 165033
Agostinho Pinto de Mattos Rio Real a Inhabupe
pela parte do sertão
Capitão de infantaria da
ordenança
165134
Antonio das Neves Ferro Rio Sergipe ao rio São
Francisco
Capitão de infantaria da
ordenança
165135
Thomé Nunes Cidade de São
Cristóvão
Sargento mor de
infantaria da ordenança
165136
João de Almeida Pestana Cotinguiba Capitão de infantaria 165837
31PATENTE de capitão de infantaria da ordenança dos distritos de Rio Real e Pyaguhy provido na
pessoas de Francisco Nunes Vassalo. Documentos Históricos da Biblioteca Nacional (1650-1693).
Provisões, Patentes e Alvarás. vol. XXXI. p.74-75. 32PATENTE de capitão de infantaria da ordenança da Praça de Sergipe del Rei provido na pessoas de
Vicente Murim Passos. Idem . p.74-75. 33PATENTE de capitão da Cotenguiba provido na pessoa de Belchior da Costa. Documentos Históricos
da Biblioteca Nacional (1650-1693). Provisões, Patentes e Alvarás. vol. XXXI. p.274-275. 34PATENTE de capitão de infantaria da ordenança dos distritos de Rio Real até o Inhambupe provido na
pessoa de Agostinho de Pinto Mattos. Idem. . p.75-76. 35PATENTE de capitão da ordenança do districto de Sergipe del Rei ao rio São Francisco. Idem p. 110-
111. 36PATENTE de sargento maior da ordenança da cidade de são Cristóvão até Campos do rio Real. Idem.
p. 92-93.
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Francisco Correa Fialho Itabaiana Capitão de infantaria 166138
Domingos de La Penha Lagarto Capitão de infantaria 166439
Fonte:. Dados extraídos pelo autor a partir das patentes militares dos Documentos Históricos da
Biblioteca Nacional, n. XXXI.
De acordo com a tabela acima, pode-se inferir que na reestruturação da capitania
de Sergipe os administradores portugueses perceberam a incapacidade de garantir a
defesa e a condição de governabilidade da terra, logo, aconselharam o Rei D. João IV a
recorrer a forças particulares nas capitanias, como as ordenanças, dividindo o território
em zonas ou distritos militar.
A atitude da Coroa portuguesa em tornar obrigatória as ordenanças em Sergipe
del Rei coincidiu com o que a historiografia militar portuguesa recente vem afirmando
acerca da insistência dessa dinastia bragantina em defender fronteiras.40 Aliado a isso,
fazia-se necessário marcar o território como domínio português, afastando a tentativa de
invasão dos espanhóis, pois eles poderiam reclamar por direito aposse da terra, uma
vez que os dois reinos estiveram unidos sob um só governo.
Como se disse, as ordenanças eram tropas organizadas para defenderem
fronteiras, mas em caráter de urgência, de acordo com as necessidades locais. No
entanto, na capitania sergipana esse tipo de companhia militar se tornou perene. Essa
condição coloca Sergipe del Rei como um território totalmente militarizado.
Provavelmente, a localização e a situação socioeconômica foram condições essenciais
para a existência dessa instituição na capitania.
37PATENTE de uma companhia da ordenança da capitania de Sergipe del Rei provida na pessoas de João
de almeida Pestana. Idem. p. 230-231. 38 Patente de capitão da companhia da ordenança da capitania de Sergipe del Rei provido na pessoa de
Francisco Correia Falleiro. Idem. p. 269-270. 39PATENTE de capitão da ordenança da dos districtos de Lagarto da capitania de Sergipe del Rei provido
na pessoas de domingos de La Penha. Idem. p. 351-352. 40 Fernando Dores Costa. Op. Cit. p. 71.
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A estratégia de estabelecer ordenanças nas localidades sergipanas tinha como
objetivo a eliminação de mocambos que iam se formando no interior, garantir a defesa
das fronteiras contra inimigos externos, afastar a presença de piratas europeus,
estabelecer segurança das estradas/caminhos que ligavam a capitania da Bahia a de
Pernambuco, e assegurar que os impostos cobrados fossem bem guarnecidos nessas
travessias, estabelecendo assim condições para o desenvolvimento econômico e
comercialização intercapitania. Além disso, as forças militares locais supria a carência
do contingente militar profissional português, que na época era insuficiente.
Na capitania sergipana, a institucionalização das ordenanças pode ser
considerada como um negócio vantajoso tanto para os colonos quanto para os
administradores coloniais. Para os moradores abastados da capitania, participar dessa
instituição garantiria poder, prestígio, status, riqueza sem precisar se deslocar para
outras capitanias ou parte das possessões portuguesas como as demais tropas militares.
Ainda para esses colonos, servindo ao rei, era uma oportunidade de se conseguir mercês
com o acúmulo de funções e serviços prestados, como o hábito da Ordem de Cristo e
sesmarias, podendo ser considerado como “homem bom” e, ao mesmo tempo, estaria
zelando pelos interesses particulares sem sair de suas propriedades. Para a Coroa
portuguesa, resolvia-se a carência de um exército eficiente, garantindo vigilância das
fronteiras e das vias terrestres por onde se trafegava o gado, a produção de gêneros
alimentícios e “drogas do sertão”, não necessitando de gastos do erário público por não
estarem os soldados das ordenanças numa instituição bélica do tipo burocrático.
Há que se destacar que a metrópole não só contou com a institucionalização da
ordenança e soldados pagos na capitania de Sergipe del Rei, mas também com
companhias especiais formadas de acordo com a necessidade local. Por exemplo, a que
foi criada na década de 1680 na cidade de São Cristóvão para proteger as atividades
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comerciais.41 E outra criada quando da notícia da presença de holandeses em costas
sergipanas. A primeira tropa o governador Geral Alexandre de Souza Freire determinou
a condição de ser provida a comerciante e forasteiro cuja graça em 1668 caiu na pessoa
de Mathias Leal42 e a segunda recebeu o nome de Terço de Gente Escolhida e teve
como militares as pessoas consideradas de “valor” pelos administradores
metropolitanos, como se pode ver na nomeação de José Rebello.
Por quanto convem prover o posto de capitão de uma das companhias do
Terço da gente escolhida da Infantaria da Ordenança da capitania de Sergipe
de El-Rei de que é coronel Matheus Marinho Falcão que ora mandei vir em
socorro desta praça pelo aviso que tive de Sua Magestade de poder vir a ella
a armada hollandeza, e que seja em pessoa de valor, pratica de disciplina
militar e muita experiência da guerra. 43
A provisão de José Rebello reforça o que se tinha dito antes a respeito da
utilização de contingentes particulares assumindo funções militares, pois a criação do
Terço de Gente Escolhida acaba por revelar que Sergipe del Rei se configurava como
uma capitania altamente militarizada. A utilização do termo “pessoa de valor” presente
no documento revelou também a forte presença de sujeitos abastados como sinal de que
o desenvolvimento econômico começava a entrar em funcionamento. Desse modo, se
41CARTA patente do posto de capitão da Companhia dos homens de negócio da capitania de Sergipe del
rei provido na pessoa de Matias Leal. Documentos Históricos da Biblioteca Nacional (1675-1709).
Provisões e correspondência dos governadores gerais. Vol. XI da série IX. p.416-417. 42Idem. p. 416. 43CARTA Patente do posto do Troço(Terço) da gente escolhida da Infantaria da ordenança da Capitania
de Sergipe de El Rei deu que é coronel Matheus Marinho Falcão provido na pessoa de José Rebello.
Documentos Históricos da Biblioteca Nacional (1650-1693). Provisões, Patente, Alvarás e Mandados.
vol. XXXII. p.5.
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fazia necessário um poder de polícia para defender as atividades econômicas e garantir
tranquilidade e boa rearticulação do sistema colonial.
Considerações
O estudo sobre as ordenanças no século XVII em Sergipe del Rei revelou uma
forte militarização na capitania. Como se pode perceber a partir dos poucos exemplos
que se mostrou neste artigo, a teve importância estratégica para a Coroa portuguesa que
via a administração do território como salutar para o desenvolvimento do sistema
colonial, pois estava situado entre dois polos importantes da colônia, Pernambuco e
Bahia. Nessa condição, tronava-se imprescindível a manutenção da posse territorial e
defesa das fronteiras contra perigos iminentes de negros fugidos e piratas europeus. E
ainda ao se evidenciar as determinações metropolitanas, suscita-se a necessidade de se
rediscutir algumas verdades afirmadas sobre o passado colonial sergipano, a exemplo do
que afirmou Felisbelo Freire quando pintou um cenário de desordem, falta de leis e
desgoverno para a capitania.
A estratégia da Coroa portuguesa de criar o corpo de ordenança, dividir a
capitania em distritos militares e instituir outras tropas similares revela a capitania como
território militarizado, e organizado para atender as características da política
mercantilista da época, tais como o protecionismo. O que em Portugal era usado de
forma emergencial e se desfazia com o afastamento do perigo, na capitania sergipana as
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ordenanças acabaram sendo permanentes até o século XIX.44 Sem essa condição de
perenidade militar local, talvez o sistema colonial fosse um projeto ineficiente.
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44 Até o século XIX existem documentos do Arquivo Histórico Ultramarino que atestam essa afirmação.
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