a capitania real

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1 A Capitania Real do Rio de Janeiro: A Companhia de Jesus e os Correas de Sá na Apropriação Régia do Espaço Vicentino Renato Pereira Brandão - Universidade Estácio de Sá In: Actas do Congresso Luso-Brasileiro Portugal-Brasil: Memórias e Imaginários. Lisboa, Grupo de Trabalho do Ministério da Educação para as Comemorações dos Descobrimentos Portugueses, 2000. Vol. I, pp. 118-132. Introdução: A presente comunicação propõe-se a apresentar os resultados, ainda parciais, do projeto de pesquisa desenvolvido na UNESA centrado na formação da Capitania Real do Rio de Janeiro Esta capitania tem origem no processo de desapropriação do espaço inicialmente pertencente à Capitania de São Vicente, em função da implantação da cidade de São Sebastião do Rio de Janeiro na baía da Guanabara. Contudo, permanece desconhecida qualquer documentação referente a desapropriação deste espaço vicentino por parte da Coroa. Do mesmo modo, não foi ainda descoberto algum foral ou qualquer autorização régia que permitisse Estácio de Sá fundar uma vila no Morro Cara de Cão, em princípio direito exclusivo do capitão de São Vicente, ou que o Governador- Geral Mém de Sá elevasse esta vila, quando de sua transferência para o morro do Castelo, à condição de cidade, status reservado, em princípio, aos centros urbanos que abrigassem uma sé episcopal Discordando do modelo hipotético que considera tais fontes como extraviadas dos arquivos régios e coloniais, propomo-nos a demonstrar, a partir de questões de cunho cartográfico, que esta documentação nunca foi emitida, levando-nos a considerar que tanto a fundação da cidade de São Sebastião como a ocupação régia do espaço vicentino circundante, que permitiu a expansão da Capitania Real do Rio de Janeiro, deram-se sem o devido respaldo legal e de forma anômala, dentro da política de ocupação e povoamento implementada pela Coroa portuguesa em território americano.

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Page 1: A capitania real

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A Capitania Real do Rio de Janeiro: A Companhia de Jesus e os Correas de Sá na Apropriação Régia do Espaço Vicentino

Renato Pereira Brandão - Universidade Estácio de Sá In: Actas do Congresso Luso-Brasileiro Portugal-Brasil: Memórias e Imaginários. Lisboa, Grupo de Trabalho do Ministério da Educação para as Comemorações dos Descobrimentos Portugueses, 2000. Vol. I, pp. 118-132.

Introdução:

A presente comunicação propõe-se a apresentar os resultados, ainda parciais, do

projeto de pesquisa desenvolvido na UNESA centrado na formação da Capitania Real do Rio

de Janeiro

Esta capitania tem origem no processo de desapropriação do espaço inicialmente

pertencente à Capitania de São Vicente, em função da implantação da cidade de São

Sebastião do Rio de Janeiro na baía da Guanabara. Contudo, permanece desconhecida

qualquer documentação referente a desapropriação deste espaço vicentino por parte da Coroa.

Do mesmo modo, não foi ainda descoberto algum foral ou qualquer autorização

régia que permitisse Estácio de Sá fundar uma vila no Morro Cara de Cão, em princípio

direito exclusivo do capitão de São Vicente, ou que o Governador- Geral Mém de Sá

elevasse esta vila, quando de sua transferência para o morro do Castelo, à condição de

cidade, status reservado, em princípio, aos centros urbanos que abrigassem uma sé episcopal

Discordando do modelo hipotético que considera tais fontes como extraviadas dos

arquivos régios e coloniais, propomo-nos a demonstrar, a partir de questões de cunho

cartográfico, que esta documentação nunca foi emitida, levando-nos a considerar que tanto a

fundação da cidade de São Sebastião como a ocupação régia do espaço vicentino

circundante, que permitiu a expansão da Capitania Real do Rio de Janeiro, deram-se sem o

devido respaldo legal e de forma anômala, dentro da política de ocupação e povoamento

implementada pela Coroa portuguesa em território americano.

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1-As Latitudes das Capitanias Concedidas aos Irmãos Pero Lopes e Martim Afonso de

Sousa

Após um período de quase abandono, afora umas poucas feitorias fundadas ao

longo do litoral, D. João III assume uma política efetiva de ocupação e colonização do Brasil,

iniciada com a expedição sob o comando de Martim Afonso de Sousa, da qual participava

também seu irmão, Pero Lopes de Sousa. Esta expedição partiu em 1530 de Lisboa, chegando

à baía de Guanabara em março do ano seguinte, onde permaneceu por três meses. Contudo,

não foi aí que Martim Afonso ensejou maiores esforços colonizadores mas sim mais ao sul,

em São Vicente, onde encontrou já um povoado que eleva à condição de vila, como da mesma

maneira ao povoado fundado por João Ramalho no planalto de Piratininga, a nove léguas no

interior. Quando aí encontrava-se, recebeu o capitão uma carta do rei notificando sua

determinação em dividir o território do Brasil sob a forma de capitanias, com cinqüenta

léguas de costa cada , separando de antemão 100 léguas para ele, Martim Afonso, e oitenta

para seu irmão, Pero Lopes.

Em 1534 são então lavradas as primeiras cartas de capitanias. Curiosamente, as

capitanias situadas da região sul ao nordeste foram concedidas em dois grandes blocos. O

primeiro tinha como ponto referencial a foz do rio São Francisco. A Capitania de

Pernambuco, primeira a ser concedida, possuía sessenta léguas de costa contadas a partir da

foz do São Francisco em direção norte, até a ilha de Itamaracá. Em seguida foram concedidas

as Capitanias da Baía de Todos os Santos, Ilhéus, Porto Seguro e Espírito Santo, possuindo

todas 50 léguas de costas, contadas sucessivamente em direção sul, a partir da foz do São

Francisco (1). Assim, este primeiro bloco tinha como limite meridional o ponto situado a 200

léguas ao sul da foz deste rio São Francisco, que corresponde, com uma pequena margem de

erro, a foz do rio Itapemirim (2).

Já as capitanias de Sant’Ana, Santo Amaro e São faziam parte do segundo bloco,

que assim foram concedidas aos irmãos Pero Lopes e Martim Afonso de Sousa.

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Hey por bem, e me apraz de lhe fazer mercê (a Pero Lopes), de 80 legoas de terra na dita Costa do Brazil, repartidas desta maneira: 40 legoas de terra que começaram de 12 legoas ao sul da Ilha de Cananéia, e acabaram na terra de Santa Anna, que está em altura de 28 graos, e hum terço; e na dita altura se porá o Padram, e se lançará huma linha, que se correrá a Loeste: e de 10 legoas, que começaram do Rio de Curparê, e acabaram no Rio de S. Vicente; e no dito de Curparê da banda do Norte se porá Padram, e se lançará huma linha, pelo rumo de Noroeste athe altura de 23 graos, e desta dita altura cortará diretamente a Loeste; e as 30 legoas, que fallecem, começaram no rio, que cerca em redondo a Ilha de Itamaracá, ao qual rio eu ora puz nome, Rio da Santa Cruz, e acabaram na Bahya da traycam, que está em altura de 6 graos, e isto com tal declaraçam, que a 50 passos da Caza da Feitoria , que de principio fez Christovam Jacques (...) (3) Hey por bem, e me apraz de lhe fazer mercê (a Martim Afonso de Sousa) (...) segundo irá declarado de cem leguas, que começarão de treze leguas ao Norte de Cabo Frio, e acabarão no Rio de Curpare, e do dito Cabo Frio começarão as ditas treze leguas ao longo da Costa para a banda do Norte, e no cabo dellas se porá um padrão das minhas armas, e se lançará uma linha pelo rumo de Noroeste até altura de vinte e um graus, e desta dita altura se lançará outra linha que corra direitamente a Loeste, e se porá outro padrão da banda do Norte do dito Rio de Curpare, e se lançará uma linha pelo rumo de Noroeste até altura de vinte e tres graus e desta altura cortará a linha direitamente a Loeste, e as quarenta, e cinco leguas, que fallecem começarão do Rio de São Vicente, e acabarão doze leguas ao Sul da Ilha de Cananea. (4)

Assim, este segundo bloco tem como referência inicial o paralelo de 28 graus e 1/3,

ou seja, 28º 20’ S. A partir deste, contavam-se então as distâncias correspondentes em direção

norte, até o paralelo 21º S, limite setentrional da Capitania de São Vicente e,

consequentemente, deste segundo bloco. Os domínios de Pero Lopes completavam-se com a

capitania de Itamaracá, situada no primeiro bloco, ao norte de Pernambuco.

Estas cartas de doação das capitanias dos irmãos Sousa nos revelam dados

surpreendentes. Inicialmente, por ter este segundo bloco seus limites definidos não por ponto

referencial costeiro ou distâncias lineares a outras capitanias, conforme ocorrido no primeiro

bloco, mas sim por paralelos geográficos, precisão a princípio surpreendente e inexplicável ao

considerar que haviam passados somente três décadas do descobrimento do Brasil. Além

disso, como a carta de Pero Lopes refere-se à capitania situada mais ao sul, este documento

tem a particular importância de identificar o paralelo da terra de Santa Anna como o limite

meridional da América portuguesa, reconhecido então pela Coroa. Este paralelo, de 28º 20’

S, corresponde ao da Ponta de Imbituba, em Santa Catarina, ponto notável igualmente

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próximo ao meridiano definido por Tordesilhas, tomado em sua extensão máxima ocidental.

Assim, o limite meridional dos domínios americanos da Coroa de Portugal definido por

latitude na carta de capitania de Pero Lopes coincide, de forma precisa, com este mesmo

definido em termos de longitude, estabelecido em 1494 pelo Tratado de Tordesilhas. (5)

Ao mesmo tempo, este segundo bloco de capitanias, concedido do sul para o norte

a partir do paralelo de 280 20’ S, tem como limite setentrional o paralelo 21º S, que intercepta

a linha costeira exatamente sobre a foz do rio Itapemirim. Por conseguinte, o limite

meridional do primeiro bloco de capitanias concedido do norte para o sul, encontrava-se da

mesma forma precisa com o limite setentrional do segundo bloco de capitanias, delimitado do

sul para o norte, sobre o paralelo 21º S.

Um outro dado surpreendente neste bloco meridional refere-se a estreita faixa de 10

léguas, concedida a Pero Lopes, na porção mediana da Capitania de São Vicente.

Desconhecemos as razões que levaram a Coroa a adotar esta estranha configuração espacial.

Sabemos que as incursões interioranas partiam, preferencialmente, do planalto vicentino,

salomônicamente a ser compartilhado pelos irmãos Sousa. Contudo, em princípio, a

existência deste mais importante acesso interiorana deveria ser ainda do desconhecimento dos

responsáveis por esta divisão territorial.

Todavia, a divisa setentrional entre a Capitania de Santo Amaro, que corresponde a

esta estreita faixa de 10 léguas, e a de São Vicente, e assim como entre esta Capitania e a de

Espírito Santo, não foram definidos unicamente pelos paralelos geográficos de 21ºS e 23ºS,

mas também por linhas de rumo noroeste que interceptavam estes paralelos, a partir de pontos

referenciais costeiros.

Assim, a divisa setentrional entre Santo Amaro e São Vicente era formada também

por uma linha de rumo noroeste que atingia o paralelo 23º S partindo da foz do rio Curparê,

ou Jucuriquerê. Da mesma maneira, o limite setentrional de São Vicente era também formado

por uma linha igualmente de rumo noroeste, cujo ponto de origem situava-se a treze léguas de

Cabo Frio, atingindo o referido paralelo 21º S, segundo nossos cálculos, próximo a atual

cidade de Visconde do Rio Branco, no Estado de Minas Gerais.

Acreditamos que este foi um recurso que os responsáveis pela redação destas cartas

de capitanias encontraram para evitar superposição de áreas, optando por deixar uma zona de

segurança entre as Capitanias de Santo Amaro e São Vicente e entre os dois referidos blocos

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de capitanias, um deles, conforme visto, delimitado a partir da foz do rio São Francisco para o

sul e o outro do paralelo de 28º 20’ para o norte.

Contudo, no caso desta divisa com o paralelo 21º S, deixou-se uma área triangular

de dimensões excessivas. Essa cunha sobrante foi então doada a Pero de Góis em 1536, como

capitania de São Tomé. Apesar de não observar-se na carta de capitania que esta área teria a

forma triangular e não, como todas as restantes, de faixa estendendo-se ao interior, a

dimensão a ela concedida na costa, trinta léguas, corresponde exatamente à distância entre as

trezes léguas de Cabo Frio ao paralelo 21º S. (6).

Neste mesmo ano de 1536, Martim Afonso, que não demonstrou maiores interesses

por sua capitania, transfere a administração para sua esposa, D. Ana de Pimentel. Em 1539,

seu irmão Pero Lopes morre próximo a Madagascar, ao retornar da Ásia. Assume então a

administração de suas capitanias também sua esposa, D. Isabel de Gamboa. Os esforços

colonizadores das capitanias dos irmãos Sousa restringem-se, neste momento, a região

litorânea próxima a São Vicente, onde é fundada a vila de Santos, em 1545, e ao planalto de

Piratininga, que não se sabia onde se encontrava situado, se na capitania de Martim Afonso ou

de Pero Lopes, ocupado por João Ramalho, seus descendentes mamelucos e indígenas aliados.

Em 1546 Pero de Góis abandona a capitania de São Tomé devido aos constantes

ataques dos índios goitacá, transferindo os colonos para as capitanias do Espírito Santo e São

Vicente Pouco depois, a Coroa incorpora a capitania de Todos os Santos ao indenizar o filho

do donatário, Francisco Pereira Coutinho, morto pelos indígenas após naufragar na costa da

Baía. Em 1549, instala-se nesta capitania real Tomé de Sousa, primeiro governador-geral, que

traz a determinação em seu regimento de fundar uma cidade na baía de Todos os Santos, onde

já havia uma vila, estabelecida por seu finado donatário. O limite desta cidade, que recebe o

nome de São Salvador, deveria ser de seis léguas em roda, a partir de seu centro. Logo em

seguida, em 1551, o papa Júlio III instaura o bispado do Brasil, com sede em São Salvador,

que ganha assim sua verdadeira dimensão de cidade ao abrigar a sé episcopal.

Acompanhando Tomé de Sousa vem, sob o comando do P. Manuel de Nóbrega, o

primeiro contingente jesuítico. Após inicialmente instalado na cidade de São Salvador,

Nóbrega acompanha Tomé de Sousa em viagem a Capitania de São Vicente, resolvendo então

este religioso em não medir esforços na instalação da Companhia de Jesus no planalto

vicentino, onde se encontra a vila fundada por João Ramalho, denominada Santo André.

Page 6: A capitania real

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Próxima a esta vila Nóbrega funda um pequeno colégio, que denomina de São Paulo, para

atender a população local Neste momento, a porção setentrional da capitania de São Vicente,

incluindo a baía da Guanabara, encontrava-se praticamente abandonada. .

1- A Invasão Francesa e a Instalação da Cidade de São Sebastião

Dois anos após, em 1555, entrou nesta baía uma esquadra de naus francesas, ocupando

uma ilhota próxima à sua barra. Era essa expedição militar comandada por Nicolas Durand de

Villegaignon, que logo se transfere para uma outra ilha maior e melhor abrigada, dando início

à construção de uma fortificação. Essa ilha, denominada pelos índios de Serigipe, guarda até

hoje o nome deste comandante francês, Ilha de Villegaignon.

Assim que chegou, Villegaignon estabeleceu uma aliança guerreira com os indígenas

Tupinambá, que, após a expulsão de seus inimigos Temiminó, dominavam inteiramente a baía

da Guanabara Em 30 de abril de 1557, parte de Portugal para o Brasil Mem de Sá, 3º

Governador Geral. Assim que chegou, Mem de Sá defrontou-se com a eclosão de um grande

levante indígena na Capitania do Espírito Santo. Depois de conseguir pacificar esta Capitania,

preparou-se para dar combate aos franceses na Guanabara, aonde chegou em 1560,

acompanhado do Pe. Manoel de Nóbrega. Villegaignon tinha partido pouco antes para

Europa, a fim de procurar apoio ao seu empreendimento, deixando o comando sob a

responsabilidade de seu sobrinho, Bois-le-Comte. Após intensos combates, o Governador

expulsou os franceses de sua fortaleza, retirando-se para São Vicente. Os franceses, com

ajuda dos aliados Tamoios refugiaram-se nas matas, reconstruindo a fortaleza, depois da

partida de Mem de Sá.

Essa expedição, conhecida como "invasão francesa", costuma ser considerada como

um empreendimento calvinista apoiado pelo rei Henrique II, de França, com finalidade de

fundar uma nova colônia na América, a França Antártica. Contudo, o comandante desta

expedição não era protestante, mas sim um freire católico da Ordem São João de Jerusalém,

também conhecida como Ordem de Malta (7).

Em França, Villegaignon convidou os jesuítas a participarem deste empreendimento,

conforme carta do Padre Nicolau Liétard, de 6 de março de 1560, ao Geral da Companhia (8).

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Em 1562, por motivos que nos são ainda desconhecidos, o Geral da Companhia de Jesus

decidiu não aceitar o convite da aliança com este frei da Ordem de Malta (9). Neste mesmo

ano de 1562, Villegaignon, que não mais voltou ao Brasil, negociou com o embaixador

português em Paris, Pereira Dantas, a renúncia deste empreendimento em solo americano,

recebendo em troca uma indenização de 30.000 ducados. Contudo os soldados franceses, sob

o comando de Bois-le-Comte, permaneceram resistindo, obrigando assim à continuidade da

guerra.

A 1º de maio de 1563 chegou à Bahia, acompanhado de mais quatro jesuítas, Estácio

de Sá, filho de Diogo de Sá, por sua vez primo direto do pai do governador Mem de Sá, o

cônego Mendes de Sá (10). Veio ele com a incumbência de ajudar o Governador a expulsar da

Guanabara os invasores e ocupá-la, em definitivo, fundando uma povoação. Após organizar

uma esquadra, Estácio de Sá partiu da Bahia em direção ao Espírito Santo e São Vicente a fim

de receber reforços de índios e mamelucos (11). A 20 de janeiro de 1565 saiu ele de Bertioga

para o Rio de Janeiro acompanhado dos jesuítas Gonçalo de Oliveira, capelão da expedição, e

Anchieta, ainda coadjutor temporal. Acompanhava-o também uma tropa indígena comandada

por Araribóia, "principal" Temiminó originário do aldeamento jesuítico de São João, no

Espírito Santo, que, ao ser batizado, adotara o nome cristão de Martim Afonso de Sousa (12).

Ao chegar à baía da Guanabara, Estácio de Sá estabeleceu-se próximo a sua barra,

entre os morros Cara de Cão e Pão de Açúcar, fundando aí um povoado. Iniciou-se então uma

luta de escaramuças entre as tropas comandadas por Estácio de Sá e Bois-le-Comte, sem

vitória decisiva para nenhum deles. Em maio de 1566, partiu do Tejo uma armada de três

galeões comandada por Cristóvão Cardoso de Barros, trazendo reforços e com ordens

expressas para Mem de Sá ir pessoalmente ao Rio e expulsar definitivamente os franceses.

Em 18 de janeiro de 1567 Mem de Sá chegou à Guanabara iniciando logo o ataque às

posições francesas. Em um desses ataques Estácio de Sá foi atingido por uma flecha no rosto,

vindo a falecer um mês depois. Contudo, as tropas portuguesas, com o apoio decisivo dos

indígenas comandados por Araribóia, conseguiram tomar todos os bastiões franceses. Batidos

na Guanabara, os franceses dirigiram-se então para Pernambuco tomando posse de Recife, de

onde foram novamente expulsos pelo comandante da praça de Olinda, então uma das mais

importantes e florescentes vilas do Brasil.

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Neste mesmo ano, o governador geral transfere o povoado fundado por Estácio

de Sá do morro Cara de Cão para o morro do Castelo. Passa então a denominar este novo

núcleo urbano de cidade de São Sebastião do Rio de Janeiro, em homenagem ao futuro rei de

Portugal, D. Sebastião, iniciando então a distribuição de sesmarias, apesar de nas primeiras

cartas de concessão reconhecer que seu regimento não fale nesta cidade de São Sebastião do

Rio de Janeiro. Para tanto, Mém de Sá utiliza-se do artifício de estender para o Rio os poderes

a ele concedidos pela Coroa unicamente para a cidade de São Salvador (13). No ano seguinte,

em 1568, Mém de Sá retorna à Salvador, nomeando Salvador Corrêa de Sá como capitão-mor

e governador da Capitania do Rio de Janeiro e da cidade de São Sebastião. Os limites da

cidade restringiam-se ao núcleo urbano centrado no morro do Castelo e à capitania as seis

léguas em torno deste ponto ainda hoje central da cidade. Contudo, ao contrário do ocorrido

na Bahia, onde a Capitania de Todos os Santos foi reincorporada pela Coroa e para onde esta

mesma Coroa concedeu foral de instalação de uma cidade, a Capitania do Rio de Janeiro

surge sem que a Capitania de São Vicente fosse reincorporada aos domínios da Coroa ou que

esta tenha concedido algum foral para que na capitania de Martim Afonso fosse fundada uma

cidade. Neste mesmo ano assume o trono D. Sebastião que concede autorização para que a

Companhia de Jesus instale um colégio na capitania de São Vicente. Contudo, este colégio

será implantado na sesmaria concedida aos jesuítas no ano anterior de 1567 por Mém de Sá

no morro do Castelo, no Rio de Janeiro (14).

Em 1571 morre em Portugal Martim Afonso de Sousa, deixando como

donatário de São Vicente seu filho, Pero Lopes de Sousa. Ainda neste ano D. Sebastião

nomeia Cristóvão de Barros capitão e governador da capitania e cidade de São Sebastião do

Rio de Janeiro. Ao mesmo tempo, passa a Cristóvão de Barros uma provisão sobre doação de

sesmarias no Rio de Janeiro onde determina que todas as terras que estão a roda desta cidade

que foram dadas a moradores de outras capitanias se, dentro de um ano, não estivessem

ocupadas que fossem tomadas e doadas a moradores do Rio de Janeiro (15). Acreditamos que

este documento corresponda à certidão de batismo da capitania, já que a referência aos

moradores de outras capitanias dirigia-se, certa e principalmente, aos sesmeiros de São

Vicente. Sua existência nos faz crer em algum acordo informal estabelecido por Martim

Afonso com a Coroa no sentido desta incorporar as terras em roda da cidade. Contudo,

conforme veremos tal acordo, se realmente existiu, nunca foi devidamente legalizado.

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Em 1578 morre D. Sebastião no norte da África. Junto com D. Sebastião morre

na batalha de Álcacer Quibir o filho de Martim Afonso, de mesmo nome do tio, Pero Lopes

de Sousa, deixando como herdeiro da Capitania de São Vicente seu filho, Lopo de Sousa. Já a

capitania de Santo Amaro será herdada por sua prima, Isabel de Lima que posteriormente irá

ceder seus direitos de donatárias a seu primo, unindo assim as duas capitanias e resolvendo-

se, a princípio, o difícil problema de descobrir se a vila de São Paulo situava-se em Santo

Amaro ou São Vicente. Contudo, esta doação será contestada judicialmente pelo Conde de

Monsanto, genro de Isabel de Lima.

2- Os Sás e a Expansão da Capitania Real

Neste mesmo ano de 1578, Salvador Correa de Sá reassume o governo da Capitania do

Rio de Janeiro, passando a conceder sesmarias inclusive fora dos limites das seis léguas

inicialmente estabelecido, conforme o regimento de Mém de Sá para a cidade de Salvador,

como a sesmaria concedida em 1580 ao Convento do Carmo do Rio de Janeiro, tendo três

léguas de extensão pela costa, da barra do Rio goandu da banda do leste e virá correndo

pella praia p. (a) a banda do Rio Guaratiba, e quatro pelo sertão (16). Neste momento, apesar

dos locos tenentes de Lopo de Sousa não mais concederem sesmarias no espaço de seis léguas

referentes ao Rio de Janeiro, permanece este donatário a considera como espaço vicentino

regiões próximas a esta cidade, conforme se vê na carta de sesmaria concedida em 1596 ao

mesmo Convento do Carmo por Jorge Correa, capitão-mor de São Vicente, correspondente a

uma légua de terra da ponta de Maraitiba ao morro de Saquarema (17).

Em 1602 Martim de Sá, filho de Salvador de Sá, assume o governo da

Capitania do Rio de Janeiro que faz esta capitania crescer ao conceder sesmarias situadas fora

dos limites iniciais de seis léguas em torno do núcleo urbano. Dentre os principais

beneficiados desta expansão estavam seus familiares e os padres jesuítas. Assim, os Sás e a

Companhia de Jesus tornam-se os detentores dos principais latifúndios desta capitania real.

Em 1610 morre Lopo de Sousa, deixando como sua sucessora nas duas

capitanias sua irmã, a Condessa de Vimieiro. Porém, em 1615, a justiça dá sentença favorável

ao Conde de Monsanto, no pleito iniciado por seu pai contra a Condessa de Vimieiro,

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transferindo ao Conde os direitos donatários das Capitanias de Itamaracá e Santo Amaro.

Como não se sabia em que capitania encontrava-se situada a vila de São Paulo, se na de São

Vicente ou de Santo Amaro, inicia-se então uma nova contenda judicial pela posse desta vila.

Preocupada, segundo parece-nos, em preservar a posse de São Paulo, a

Condessa de Vimieiro não atentou para a usurpação da porção setentrional da Capitania de

São Vicente que se complementou com a criação da Capitania de Cabo Frio pelo Governador-

Geral Gaspar de Souza em 1616, nomeando então Estevão Gomes como seu primeiro capitão.

Lembramos que a Capitania de São Tomé iniciava-se a 13 léguas de Cabo Frio, onde a linha

demarcatória deveria seguir em direção nordeste. Assim, esta nova capitania é criada também

dentro do espaço vicentino, no que resultou numa superposição de concessões de sesmarias

por parte dos capitães de São Vicente e Cabo Frio. Uma das primeiras concessões feita por

Estevão Gomes é um acréscimo a uma sesmaria que os jesuítas tinham recebido de Jerônimo

Leitão, capitão-mor de São Vicente, loco tenente Lopo de Sousa (18).

Em 1620 o governador-geral Luis de Sousa empossa o procurador do Conde

de Monsanto nos domínio das Capitanias de Itamaracá e, erradamente, de São Vicente,

quando a Capitania de Pero Lopes era a de Santo Amaro. Instaura-se assim uma confusão de

natureza cartográfica nunca devidamente esclarecida, apesar de três anos depois o

governador-geral Diogo de Mendonça ter determinado a demarcação dos limites das duas

capitanias. No ano seguinte, em 1624, o Conde de Monsanto ocupa as vilas de São Vicente,

Santos e São Paulo. A Condessa de Vimieiro transfere a sede de sua capitania para a vila

Itanhaém, na porção meridional da capitania de São Vicente.

A partir de então passamos a ter a seguinte configuração. A porção meridional

da Capitania de São Vicente original passa a ter a denominação de Capitania de Itanhaém,

tendo como donatários a linhagem descendente de Martim Afonso, representada pela casa dos

Vimieiros. Já a porção setentrional é anexada a Capitania de Santo Amaro, passando a ter a

denominação de Capitania de São Vicente e São Paulo, tendo como donatários a linhagem

descendente de Pero Lopes de Sousa, representada pela casa dos Monsantos. Desta porção

meridional a Coroa ocupa uma parte da Ilha Grande a Cabo Frio, delimitada no interior até a

serra da Mantiqueira, divididas em duas capitanias, do Rio de Janeiro e Cabo Frio (19).

Martim de Sá, novamente governador da Capitania do Rio de Janeiro desde

1623, concede em 1627 aos jesuítas uma extensa sesmaria que se estendia da foz do rio das

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Ostras à foz do Macaé. Esta sesmaria encontrava-se não só fora dos limites de seis léguas

referentes à Capitania do Rio de Janeiro como dentro da Capitania de Cabo Frio, que tinha

como limite o mesmo rio Macaé. Em 1630 Martim de Sá acrescente a esta sesmaria uma

outra que corresponderia a todos os pastos que correm do Rio Maquiê até a Paraíba, região

pertencente à Capitania de São Tomé. Contudo, apesar de assinar esta carta de sesmaria como

capitão-mor e governador do Rio de Janeiro, em seu despacho se identifica também como

procurador de Gil de Góis e da Condessa de Vimieiro, donatários das Capitanias de São Tomé

e São Vicente (20).

O poder dos Sás no Rio de Janeiro é consolidado com a nomeação de Salvador

Corrêa de Sá e Benevides, filho de Martim de Sá em 1635, como Governador da Capitania do

Rio de Janeiro, cargo em que será confirmado por D. João VI em 1641, com o fim da União

Ibérica. Em 1653, quando Salvador de Sá e Benevides encontrava-se no auge de seu prestígio

político junto às cortes de Lisboa, ocupando um lugar no Conselho Ultramarino após ter

expulsado os holandeses de Angola, o tutor de D. Diogo de Faro e Sousa, da casa dos

Vimieiros e herdeiro da Capitania de Itanhaém, ou seja, originalmente de São Vicente,

transfere seus direitos donatários do herdeiro para a irmã deste, casando esta com o Conde da

Ilha do Príncipe, D. Luis Carneiro, que recebe estes direitos donatários como dote de

casamento.

Em 1664, o rei Afonso VI concede o morgadio do Paul dos Assecas, uma

comenda da Ordem de Cristo, a Salvador de Sá e Benevides. Dois anos depois, este mesmo

rei concede o título de Visconde dos Assecas a Martim Corrêa de Sá, primogênito de

Benevides. Em 1674 o Visconde dos Assecas receberá, como reconhecimento da Coroa pelos

serviços prestados por seu pai, os direitos hereditários da Capitania de São Tomé, incorporada

pela Coroa após a morte de Gil de Góis, conhecida então como Paraíba do Sul. Contudo, esta

nomeação resultou em um grande conflito com os pecuaristas instalados nesta capitania, que

acusavam Benevides ter usurpado, junto com os jesuítas, a maior parte das terras concedidas

aos 7 capitães, primeiros sesmeiros a ocupar a capitania (21).

Em 1709 o Marques de Cascais, herdeiro das Capitanias de Itamaracá e de

Santos e São Vicente, pede autorização da Coroa para transferir seus direitos de donatários

desta última capitania para José de Goes de Moraes por 40. Mil cruzados (22). O Conselho

Ultramarino manifesta-se contra esta transferência “(...) porque esta Capitania he hoje a mais

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importante que V. M. tem em seus reais dominios e que conthem em si minas, ficando nas

vezinhanças das mais preciozas, e passagem para ellas (...)”, por esta razão o Conselho opina

na compra pela Coroa da capitania pelo valor referido, no que é acatado pelo rei. Contudo,

conforme nota-se na petição do Marque de Caiscais translada no documento do Conselho

Ultramarino, era ele donatário não da capitania original de São Vicente, mais sim da de Santo

Amaro que, em razão do imbrolio cartográfico, tinha indevidamente adotado o nome de São

Vicente. Portanto, não era nesta capitania que se encontravam as minas, mas sim na de

Itanhaém. Em 1710 a Coroa formaliza a compra da capitania do Marque de Cascais, criando a

Capitania de São Paulo e Minas.

Este equívoco vem à tona quando 1716 o Conde da Ilha do Príncipe faz uma

petição ao Conselho Ultramarino solicitando o pagamento da redízima que lhe pertencia das

100 léguas de terra que era donatário na Capitania do Rio de Janeiro (23). Desconhecemos

ainda o desdobramento da petição do Conde da Ilha do Príncipe, contudo a existência deste

documento não nos deixa dúvidas de que a ocupação régia da porção setentrional da Capitania

de São Vicente deu-se de forma indevida e sem base legal, o que permitiu ao Conde

reivindicar seus direitos donatários sobre a Capitania do Rio de Janeiro, mas que na verdade,

estendia-se também para a Capitania de São Paulo e Minas. É bem provável também que os

conselheiros ultramarinos só tenham percebido de que a Capitania Real do Rio de Janeiro não

fazia ainda parte do patrimônio da Coroa e que esta ainda não havia incorporando a região das

minas onde pouco depois iria encontrar também diamantes. Provavelmente também esta

petição resultou na incorporação da capitania do Conde da Ilha do Príncipe pela Coroa, pois

em 1720 as Capitanias de São Paulo e de Minas são criadas como independentes.

Devido aos conflitos na Capitania de Paraíba do Sul, degenerado em uma

verdadeira guerra civil, a Coroa, em 1733, a retoma dos Assecas. Contudo, pouco depois

retorna esta capitania aos domínios donatários dos Assecas, reacendendo os conflitos.

Finalmente, em 1752, a Coroa incorpora definitivamente a Capitania de São Tomé à Capitania

Real do Rio de Janeiro, definindo praticamente a configuração do atual Estado do Rio de

Janeiro.

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Considerações Finais:

Sem dúvidas, o mais significativo em toda esta demanda de natureza cartográfica,

um verdadeiro puzzle geodésico onde as peças encaixam-se perfeitamente, encontra-se em

revelar que os registros cartográficos referentes ao litoral brasileiro, da foz do São Francisco a

ponta de Imbituba, disponíveis a quem a Coroa incumbiu a divisão da América portuguesa em

capitanias eram de precisão só comparável as obtidas nos levantamentos executados já no

limiar do século XVIII Esta precisão se encontra expressa não só em relação as extensão de

costa como também em termo de coordenadas geográficas, latitude e longitude.

Evidentemente, estas informações cartográficas só poderiam estar disponíveis após exaustivas

medições e observações astronômicas. Contudo, o cálculo da longitude não estava ao alcance

dos navegadores quinhentistas e seiscentistas. Somente a partir de 1762, quando o inglês

John Harrison inventou o cronômetro de marinha, que mantém a precisão de 1 segundo ao

mês independente das condições da instabilidade das embarcações, o problema da longitude

ficou resolvido para o navegador (24). Até o século XVII somente cosmógrafos doutos

possuíam capacitação para realizar este cálculo de coordenada, através de observações

simultâneas de conjunções planetárias (25).

Porém, não existe registro, ou mesmo indício, da execução destas determinações

astronômicas nas três décadas que separam o descobrimento do Brasil e sua divisão em

capitanias. Evidentemente que navegadores quinhentistas fizeram determinação de latitudes

em nosso litoral porém, em sua maioria, como no caso da registrada por Pero Lopes de Sousa,

foram observações expeditas que não permitiriam dimensionar a costa com maior precisão. O

mais antigo registro histórico de observação feita por astrônomos no Brasil refere-se à datada

por Harley de 1660, com finalidade de determinar a declinação magnética em Cabo Frio (26).

A constatação de que esta precisa partilha do território brasileiro dependeria,

necessariamente, de dados obtidos por medições topográficas e observações astronômicas

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leva-nos a sustentar a hipótese não só do conhecimento pré-colombiano da América, por parte

da Coroa de Portugal, como também da presença de cosmógrafos doutos no Brasil,

antecedendo a chegada da frota cabralina. Contudo, como a controle do Índico dependia do

domínio estratégico do Atlântico Sul, estes conhecimentos tiveram que permanecer

estritamente reservado até o momento em que a frota comandada por Cabral desse início à

conquista do Oriente (27).

Todavia, esta precisão não se encontra expressa na delimitação da divisa meridional

da estreita faixa concedida a Pero Lopes de Sousa na porção mediana da capitania de seu

irmão. Como a carta de doação não define em qual barra de São Vicente esta faixa inicia,

torna-se impossível precisar, ainda hoje, em que capitania se encontravam as vilas de São

Vicente e Santos. Mesmo o posicionamento da vila de São Paulo, que sabemos encontrar-se

na Capitania de Santo Amaro, era uma tarefa de difícil realização aos agrimensores do século

XVII (28).

É provável que o rei D. Sebastião e o herdeiro de Martim Afonso, homônimo de seu

tio Pero Lopes, tenham acertado informalmente a transferência da posse da região da baía da

Guanabara à Coroa, pois, após a expulsão dos franceses e a ocupação efetiva Guanabara, os

capitães de São Vicente não mais concederam sesmarias dentro do espaço reservado de seis

léguas. Porém, suas mortes prematuras e inesperadas no Norte da África impediram que este

acordo fosse devidamente oficializado.

Deste modo, esta estranha configuração cartográfica, de difícil delimitação

demarcatória, acabou por dar margem a uma demanda jurídica pela posse de São Paulo

responsável, indiretamente, pelo abandono da porção setentrional da Capitania de São Vicente

e sua posterior incorporação à Capitania do Rio de Janeiro, através de concessões de

sesmarias por seus governadores, principalmente quando os Corrêa de Sá estiveram à frente

desta capitania real.

A princípio, parece estranho Vimieiros e Monsantos iniciarem uma disputa tão

fervorosa pelo domínio da região de São Paulo, antes mesmo da descoberta das minas de ouro

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e quando era ainda uma vila pobre, situada em uma região de difícil acesso do litoral, dada a

íngreme encosta da Serra do Mar a ser vencida neste percurso, e habitada principalmente por

mamelucos de poucos recursos. Contudo, parece-nos que a motivação foi a mesma que fez o

P. Manuel de Nóbrega procurar logo instalar a Companhia de Jesus no planalto vicentino.

Refere-se o superior jesuíta a este planalto, em 1554, como a porta e o caminho mais certo e

seguro para entrar nas gerações do sertão (29). Porém, considerando a imensidão do

território que os poucos colonizadores tinham a desbravar, parece-nos surpreendente como,

tão pouco tempo após iniciada a ocupação colonial do Brasil, este jesuíta recém chegado

tivesse já o conhecimento do posicionamento estratégico do planalto vicentino como principal

via de acesso às regiões interioranas, inclusive andina, da América do Sul.

Assim, nas capitanias reservadas aos irmãos Sousa situavam-se dois importantes,

senão principais, pontos estratégicos da América portuguesa – o planalto vicentino e a baía da

Guanabara. Do primeiro controlavam-se as principais rotas interioranas, enquanto a

Guanabara apresentava-se como o melhor porto natural em nossa costa, de importância

estratégica não só na defesa do litoral como também no controle da rota para o Índico que,

necessariamente, passava ao longo da costa brasileira, a partir do litoral do Rio Grande do

Norte ao de Santa Catarina. Deste modo, não é sem motivo que, até os dias atuais, o eixo Rio

- São Paulo permanece como o mais importante do Brasil.

Finalmente, apesar de não comungar com aqueles que vêm a colonização portuguesa

do Brasil pela ótica única do negativismo ou como responsável maior de nossas atuais

mazelas, não há como deixar de ressaltar o fato de, em uma colônia de tão grande dimensão,

logo deflagrar conflitos fundiários, certamente conseqüência de ambições desmedidas que

vivamente marcaram o imaginário agrário senhorial de nossas elites.

NOTAS

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1- O translado das cartas de doação das capitanias de Pernambuco, Porto Seguro e Espírito Santo fazem partem do códice I-19, 7,2 da Biblioteca Nacional do Rio de Janeiro, que os publicou em Documentos Históricos: 1677-1678 Patentes; 1534-1551 Foraes, Doações Regimentos e Mandados. Vol. XIII da série E XI dos documentos da Bibl. Nacional. Rio de Janeiro, Biblioteca Nacional, 1929, pp. 68/81, 91/103, 112/120.

2-Analiticamente, calculamos em 185 léguas a distância em linha reta entre os estuários

destes dois rios (referências de coordenadas e distância do grau de longitude na latitude média de 15º 30’ em Nories’s Nautical Table. Londres, Norie & Wilson, 1944). Graficamente, através de cartas na escala de 1: 1 000 000, encontramos 197 léguas para esta distância, ao longo da linha litorânea. . Evidentemente, não é possível precisar o ponto exato referente às duzentas léguas, dado a sinuosidade da linha costeira. Porém, este ponto certamente encontra-se localizado na faixa que vai da foz do rio Itapemirim e a do Itabapoana, que distam entre si cerca de 6 léguas, correspondendo assim a uma variação de, no máximo, a 3% da distância total. Interessante observar que no roteiro de navegação de Pero Lopes de Sousa, a latitude da foz do rio São Francisco está calculada com um erro de cerca de 1º. Se correta, esta medida impossibilitaria que todas estas capitanias coubessem no espaço previsto Cf. - Naveguaçam q fez pº lopez de sousa no descobrimento da costa do brasil militamdo na capitania de mati aº de sousa seu irmão : na era de emcarnaçam de 1530. In Jaime CORTESÃO, (org.) Pauliceae Lusitana Monumenta Historica. Lisboa, Real Gabinete Português de Leitura do Rio de Janeiro, 1956, V 1, p. 455: “ Sa fa xj do dito mes ao meo dia tomei o sol em xj . g. e meo faziame de tra dez leguoas fazia o caminho do sudueste cõ ho veto sueste, em que se pondo o sol demos nuã aguaje do Rio de sã frco q fazia muj grãde escarçeo”-.

3-Translado da Carta de Confirmação de D. João V ao marquês de Cascais. In Frei

Gaspar da Madre de Deus - Memórias para a História da Capitania de São Vicente; Belo Horizonte, Itatiaia / São Paulo, Eduz; 1975, pp. 152/3.

4- Translado da Doação da Capitania de São Vicente, de que é Capitão Martim

Afonso de Sousa. In Documentos Históricos: 1677-1678 Patentes; 1534-1551 Foraes, Doações Regimentos e Mandados. Vol. XIII da série E XI dos documentos da Bibl. Nacional. Rio de Janeiro, Biblioteca Nacional, 1929, pp. 136/148.

5- Dado à imprecisão dos termos do Tratado, que não definia a extensão da légua a ser usada,

sua origem de contagem e se esta se daria pelo equador ou pelo paralelo de Cabo Verde, na verdade foi uma faixa o que, a princípio, foi estabelecido. Dependendo, assim, dos referencias adotados, a discussão sobre a longitude do meridiano de Tordesilhas variou do estabelecido pelos cálculos dos cosmógrafos espanhóis da Junta de Badajoz, que chegaram ao valor correspondente a aproximadamente 45º 30' a oeste de Greenwich, ao cálculo do cosmógrafo português Diego Ribeiro que chegou a longitude correspondente a 49º 45' oeste de Greenwich. Considerando a ponta de Santo Antão como ponto referencial, por encontrar-se no extremo ocidental do arquipélago dos Açores, e adotando os valores de 6 600 m. para a légua (correspondente a 300 braças) e de 110 573 m para o comprimento de 1º de longitude no equador encontramos o valor de 48º 26’ W, contando as 370 léguas sobre o paralelo 17º 05’ N, latitude da ponta referida:

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. Longitude da ponta oeste de Santo Antão: 25º 20’ W Latitude : 17º 04' 1 légua = 300 braças = 6,6 Km 370 X 6,6 Km = 2442 km Compr. de 1º long. no Equador = 110,573 km 2442 / 110,573 = 22.0849 = 22º 05' 22º 05’ / cos 17º 04’ = 23º 06’ 25º 20’ W + 23º 06’ = 48º 26’ W Coordenadas da Ponta de Imbituba: Lat. = 28º 27’ S Long. = 48º 40’ W Há apenas uma diferença de aproximadamente 20 Km em termos de longitude para que

esta interseção fosse perfeita, correspondendo assim a um erro de menos de 1% . Esta proximidade demonstra que os responsáveis por estes cálculos trabalhavam com valores para o comprimento do grau de longitude muito próximos os atuais.

6- Cf. Registro de uma carta de doação que Sua Alteza fêz mercê ao visconde de

Asseca e a seu irmão em que Gil de Góes teve a capitania de umas trintas léguas das terras entre a capitania de Cabo Frio, Espírito Santo, lhe fiquem vinte léguas das terras dela em capitania como os mais donatários. In Documentos Históricos: Livro 1º de Regimento 1653-1684. Vol. LXXIX da Biblioteca Nacional. Rio de Janeiro, Ministério da Educação e Saúde, 1930, p. 210.

7- Hebert Ewaldo WetzeL. Mém de Sá, terceiro Governador-Geral (1557-1572). Tese de Doutorado na Faculdade de História Eclesiástica da Pontifícia Universidade Gregoriana de Roma. Rio de Janeiro, Conselho Federal de Cultura, 1972 p: 70/78: Antes de chegar ao Brasil, Villegaignon já havia publicado dois livros, mas apesar de sua inclinação à vida intelectual, preferiu a carreira das armas, entrando na ordem militar de S. João de Jerusalém, também chamada Ordem Eqüestre de Malta. Por sua filiação a essa Ordem, Villegaignon passou a ser chamado por alguns "O cavaleiros de Malta". Ele era sobrinho de Villiers de I'Isle Adam, Grão-Mestre da Ordem.(...) Villegaignon era cavaleiro da Ordem de S. João de Jerusalém (Hospitalário) aos quais pertencia a ilha de Rodes até 1522 quando os Turcos a tomaram. Os Hospitalários retiraram-se então para a ilha de Malta. Por isso Villegaignon ‚ chamado cavaleiro de Rodes ou também de Malta.

8- Bibl. de Évora, cod. CVIII/2-2, f. 4v-5. 2§ tomo das Cartas da Europa: Quadrimestre

de Paris, escrita a seis de março de 1560, por Nicolau Liatrão Paredense. Códice que pertenceu ao Colégio de Coimbra. Apud Herbert Wetzel, opus cit. pp. 77/8: Por muitas vias se nos vão acrescentando as esperanças de alevantarmos muito cedo Colégio, por meio de um cavaleiro principal de Rodes, homem assim nas letras gregas e latinas como em virtudes assinalado, o qual haver cinco anos que, por mandado do Cristianíssimo Rei, foi à Ilha América para conquistar. E conquistando perto de duzentas léguas, parte com boas obras que fazia, parte à força de armas, haver três meses que chegou, não

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com outro intento senão buscar Bispo e sacerdotes para cultivar esta Ilha e reduzirem a nossa santa Fé. O Ilustríssimo Cardeal Lotarigiense, lhe prometeu que lhe daria alguma gente da nossa Companhia. Com esta confiança veio este cavaleiro a Paris. (...). Em América há assaz grande lugar, e acomodado, para se exercitarem nossos ministérios. Há perto de duzentas léguas, onde há muitos infiéis, que se podem reduzir ao grêmio da igreja, nem faltam lá mancebos franceses, que entendem já a língua da terra, os quais nos podem servir, na obra do catecismo, de intérpretes, como tenho entendido de um deles que de lá veio. As naus se ficam aviando em um porto daqui perto. O nome deste Cavaleiro é Nicolau Villegaignon. Rogue Vossa Reverência ao Senhor que mande operários para sua messe”. Desta maneira não tem nenhum sentido afirmar que Villegaignon teria abraçado o protestantismo quando da invasão à Guanabara, voltando ao catolicismo posteriormente. Devemos observar ainda que quando da sua chegada a América, em 1555, estava não só acompanhado de um frade franciscano, Thevét, como de uma guarda pessoal de soldados escoceses (cf. nota de Milliet, in Lery, opus cit., p. 38) súditos da rainha católica Maria, salva por Villegaignon. Observa também Wetzel que o próprio Anchieta não desconhecia a condição de Cavaleiro católico do almirante francês, pois em uma das suas cartas informa que: De Nicolau de Villegaignon afirmavam todos eles ser católico e muito douto e grande cavaleiro. (Ibidem, p.78)

9- Herbert Wetzel, opus cit. p. 78: "A proposta de Villegaignon não foi aceita pelo Pe. Geral.

Os fatos vieram a comprovar o acerto de sua decisão, pois a essa data já a armada de Mém de Sá ancorava na Guanabara e com ela o Pe. Nóbrega. De Roma escrevia o Geral Laynez ao Provincial de Portugal, a 18 de abril de 1561: "En lo de aquel cavallero de Rodas, y la empresa de América no hay más que tratar. Émonos consolado no poco con lo que scriven del Brasil acerca de aquella gente que tenia tomado la fortaleza ..." (Archivum Romanum Societatis Jesu, Roma, Hisp. 66, f. 169r". Ainda permanecem obscuras as razões que levaram a Villegaignon estabelecer uma aliança com Coligny. Contudo, a repressão logo desencadeada contra os calvinistas demonstra que este frei hospitalário não tinha a menor intenção de cumprir a promessa de fazer da França Antártica um território onde imperasse a liberdade de culto. Todavia, o que apresenta-se como mais intrigante neste episódio é a negociação mantida por Villegaignon com a Companhia de Jesus para uma aliança na consolidação da França Antártica. Esta negociação é comprovada também por um manuscrito jesuíta do século XVI, encontrado na Biblioteca de Évora cuja autoria Capistrano de Abreu atribui a José de Anchieta, onde encontra-se o seguinte relato: Daí a muito tempo, que parece que foi no ano de 1567, começara (os franceses) a fazer povoações no Rio de Janeiro, e então se fez aquela fortíssima torre com baluartes e muita artilharia e casas de moradores, cujo autor foi Nicolau de Villegaignon, cavaleiro de Malta, e fundou-a em uma ilha que está a entrada da barra no princípio daquela baía, a qual ficou com o nome de Villegaignon. (...) De Nicolau de Villegaignon afirmavam todos eles ser catolico e muito douto e grande cavalheiro (...). No ano de 60 ou 61 segundo parece, vieram sete ou oito frades de habitos brancos, Franceses, ao Rio de Janeiro depois da fortaleza destruída, porque como Nicolau de Villegaignon era catolico, tornando á França trabalhou de mandar religiosos ao Rio de Janeiro, assim para redução dos hereges como para conversão do gentio. Com êste desejo se foi a um Colegio da Companhia em França onde, depois de confessado e comungado, pediu Padres para este empreza, dizendo que tinha na Índia o

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Brasil 200 leguas de terras povoadas de gentio sujeito e pacífico: os Padres muito alvoraçados com esta nova, responderam que mandariam recado ao Padre Geral a pedir licença para isso e, como isto não se efetuou pela Companhia, trabalhou de mandar êstes outros religiosos como já disse. José de Anchieta. Cartas: informações, fragmentos históricos e sermões. Belo Horizonte; Itatiaia / São Paulo; Edusp, 1988 [1584], pp. 309/355..

10- Herbert Wetzel - Opus cit., p. 94. 11- Ibidem, p. 100. 13- - Carta do Governador Mem de Sá, concedendo a Miguel de Moura, secretário de

Estado, uma terra de sesmaria no Rio de Janeiro; e doação desta terra, feita pelo dito Miguel de Moura e por sua mulher D. Beatriz de Sousa, em favor dos padres da Companhia de Jesus do Rio de Janeiro. Rio de Janeiro, 29 de outubro de 1567. In Joaquim Veríssimo Serrão. O Rio de Janeiro no século XVI. Secretaria Nacional de Informação, Cultura Popular e Turismo, Lisboa, 1965 - V. II documentos dos arquivos portugueses. Original: Arquivo Nacional da Torre do Tombo, Chancelaria de D. Sebastião e D. Henrique, Doações, livro 26, fol 312 vº. Este documento consta de um translado da carta de concessão de sesmaria no Rio de Janeiro ao secretário de Estado Miguel de Moura pelo Governador Geral Mem de Sá, que transfere esta sesmaria aos padres da Companhia de Jesus. Sua importância maior reside no fato do Governador Geral, representante maior da Coroa, reconhecer não haver em seu Regimento nenhuma referência à cidade do Rio de Janeiro nem fazer nenhuma referência a qualquer outro documento que delegasse poderes para concessão de sesmarias na capitania de São Vicente. Nesta documento pode-se observar que, na realidade, os poderes de Mem de Sá restringe-se à cidade de Salvador, mas que ele surpreendentemente estende ao Rio de Janeiro: Despacho do sennhor gouernador Dou a mjguel de moura tres legoas de tera de largo (...) e asj ey por bem que posto que o dito meu Regimento não diga nem falle em esta dita çidade de são sebastjão deste Rjo de janeiro ej por seruiço dell Rej nosso sennhor que esta carta tenha força e vigor como tem as que se fazem na cidadedo salluador da baya de todos os santos etc...

14 – Cf. escriptura do sítio e cêrca do Collegio do Rio de Janeiro, e Estromento de posse

e confirmação do Governador Men de Sáa por mandado d’El-Rey.. Documento n. 18 do Livro de Tombo do Colégio de Jesus do Rio de Janeiro, datada de maio de 1617.. In Anais da Biblioteca Nacional vol. 82. Rio de Janeiro, Biblioteca Nacional, 1968, pp. 33/7. Nesta escritura Mém de Sá repete que (...) posto que o dito meu Regimento não diga nem fale em esta dita cidade de São Sebastião do Rio de Janeiro, ei por serviço d’El Rei, nosso Senhor (...). Este colégio se diferenciava do estabelecimento de ensino fundado pelos jesuítas em São Vicente, voltado primordialmente para o ensino básico, enquanto o Colégio do Rio de Janeiro voltava-se, em princípio, para a formação dos noviços que iriam ingressar na Companhia. Contudo, os colégios jesuíticos passaram também a desempenhar a importante papel de formador educacional da nossa elite leiga colonial.

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15- Trelado de outra provisão do dito cristovão de barros de como dará terras as pesoas que viverem na capitania de são sebastião. Conselho Ultramarino, Registros, Vol. II, fls. 90-91, no Instituto Histórico e Geográfico Brasileiro. In Documentos para a história do açúcar. Rio de Janeiro, Instituto do Acúcar e do Álcool / Serviço Especial de Documentação Histórica. 1954, pp. 229/230

16 –Tombo dos bens pertencentes ao Convento de Nossa Senhora do Carmo, da Capitania do

Rio de Janeiro. Anais da Biblioteca Nacional do Rio de Janeiro- Vol. LVII. Rio de Janeiro, Biblioteca Nacional, 1935, pp. 187

17–Tombo dos bens pertencentes ao Convento de Nossa Senhora do Carmo, da Capitania do

Rio de Janeiro. Anais da Biblioteca Nacional do Rio de Janeiro- Vol. LVII. Rio de Janeiro, Biblioteca Nacional, 1935, pp 196/200.

18- Cf. Vários papeis pertencentes às terras que deu de sesmaria o capitão Estêvão

Gomes, defronte da pouvoação e outras partes, mandados passar e tresladar por ordem do prelado que então era, as quaes estão no Cabo Frio. . Documento n. 163 do Livro de Tombo do Colégio de Jesus do Rio de Janeiro, datada de maio de 1617.. In Anais da Biblioteca Nacional vol. 82. Rio de Janeiro, Biblioteca Nacional, 1968, pp. 320/6. Nestes papeis encontra-se a transcrição da provisão de Gaspar de Souza de criação da Capitania de Cabo Frio e nomeação de Estevão Gomes como capitão.

19 – Cf Atlas do cosmógrafo João Teixeira Albernas. Edição de 1631. Mapoteca do

Ministério das Relações Exteriores (Itamaraty). Observamos que no mapa referente à Cap. do Rio de Janeiro, seus limites estão definidos pela enseada da Ilha Grande, divisa com a Cap. de Santo Amaro, e Cabo Frio, divisa com a Cap. de Pero de Góis, que iria somente até o Cabo de São Tomé. Desconhece assim Albernás a existência da Capitania de Cabo Frio, trazendo também a divisa da Cap. de Pero de Góis para o Cabo de São Tomé, a meia distância entre as treze léguas de Cabo Frio e a foz do Itapemirim.

20- Petição e carta de sesmaria aprezentada a mim tabalião por Antônio Fagundes

procurador bastante do R.do P.e Reitor F.co FRZ. Documento n. 150 do LIVRO DE TOMBO DO COLÉGIO DE JESUS DO RIO DE JANEIRO. Anais da Biblioteca Nacional do Rio de Janeiro, 82, 1968. Tem este documento o despacho do Governador Martim de Sá, datado de primeiro de agosto de 1630. Nesta, os jesuítas reivindicam uma extensa faixa de terra em nome dos índios da aldeia de Cabo Frio, na sua maioria da etnia Tupi e os da "nação" Goitacá (Aitacazes). Alegam que são esses indígenas os responsáveis pela defesa desta porção litorânea, que percorrem em cavalgadas, contra as incursões de corsários holandesas. Identificando-os também como criadores de gado, alegam ainda os religiosos que estes indígenas necessitam de todos os pastos que correm do Rio Macaé ao Paraíba. Pedem, igualmente, de sesmaria todos os campos a entre os rios Macaé e Liripe (atual rio das Ostras), no que são também atendidos

21- Discutimos a questão referente ao conflito envolvendo o acerto feito entre Benevides,

beneditinos, jesuítas e herdeiros dos 7 capitães em Renato P. Brandão: O Roteiro dos Sete Capitães e a Capitania de São Tomé: Confrontações Documentais Numa

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Perspectiva Interdisciplinar Anais da Jornada de Trabalho Memória: Contribuições Para a Preservação da Região Norte Fluminense. Campos dos Goytacazes Centro de Ciências do Homem da Universidade Estadual do Norte Fluminense, 1997

22- Consulta do Conselho Ultramarino, sobre a licença que pedia o Marques de Cascaes

para renunciar a capitania de Santos e S. Vicente, de que era donatario, na pessoa de José de Goes de Moraes. Lisboa, 4 de mar;co de 1709. In Eduardo de Castro e Almeida. Inventário dos documentos relativos ao Brasil existentes no Archivo de Marinha e Ultramar de Lisboa. Rio de Janeiro, Biblioteca Nacional, 1921, v. VI, p. 319, doc. nº 3162.

23- Consulta do Conselho Ultramarino, sobre a petição em que o Conde da Ilha do

Príncipe solicitava o pagamento da dízima, que lhe pertencia, das 100 legoas de terra de que era donatario na Capitania do Rio de Janeiro, expedido em Lisboa em 21 de Janeiro de 1716. In Eduardo de Castro e Almeida. Inventário dos documentos relativos ao Brasil existentes no Archivo de Marinha e Ultramar de Lisboa. Rio de Janeiro, Biblioteca Nacional, 1921, v. VI, p. 349, doc. nº 3450 . Neste , o Conde da Ilha do Príncipe, como herdeiro da Capitania de São Vicente, reivindica o direito de juros e herdade sobre o redízimo de todas as rendas da Capitania do Rio de Janeiro: O Conde da Ilha do Príncipe, Antonio Carneiro de Sousa fez petição a V.M. por este tribunal em que reprezenta que V. M. lhe fez mercê de confirmar a doação de 100 legoas de terra, formadas em capitania no districto do Rio de Janeiro de juro e herdade para sempre, com todas as jurisdições, proeminencias e tudo mais que contem a doção qoe o Senhor Rey D. João, o terceiro, fez no anno de 1535 a Martim Affonso de Sousa, 4º avô do supplicante etc...

24- Seu inventor ganhou um prêmio de 10.000 libras esterlinas que tinha sido oferecido a

quem resolvesse o problema da longitude 30 anos antes. 25- Em 1610 Galileu Galilei desenvolveu um método de calcular a longitude através das

eclipses das luas de Júpiter, que ocorrem de forma previsível. Este método acabou finalmente por ser aceito após 1650, porém para determinações feitas exclusivamente em terra.

26- Cf. Harley, 1683. Apud Horace E. Willians. Livro de campo contendo azimuth de

circumpolares para 1929. São Paulo, L. Schimidt, 1929, p. 17. Desconhecemos o registro de qualquer determinação de longitude no Brasil antes do século XVIII, quando da invenção do cronômetro de marinha.

27- Os veleiros seguem, em suas viagens transoceânicas, por rotas (derrotas, em linguagem

náutica) determinadas não só pelos regimes de ventos mas, e principalmente, pelas correntes marinhas. No Atlântico sul as corrente das Canárias e Guiné percorrem o litoral ocidental africano no sentido norte-sul até a região equatorial, sendo, a partir de então, dominante a Corrente de Benguela, que corre no sentido inverso. Por outro lado, a Corrente do Brasil percorre o nosso litoral no sentido norte-sul até o encontro da Corrente das Malvinas que, originária da Antártica, muda de direção para leste na altura do litoral sul do Brasil. Para as

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embarcações à vela, os pontos referenciais básicos da navegação atlântica para o Oriente são, de um lado, o Cabo de São Roque, a partir do qual a Corrente do Brasil acompanha o nosso litoral e, de outro lado, o ponto extremo meridional do continente africano, o Cabo da Boa Esperança. Assim, a rota para às Índias acompanhava o nosso litoral até a altura de Santa Catarina, quando então afastava-se progressivamente para leste, afim de vencer o Cabo da Boa Esperança, com a ajuda das correntes das Malvinas. Deste modo, as naus portugueses que dirigiam-se às Índias acompanhavam a costa brasileira desde a o litoral do Rio Grande do Norte até Santa Catarina, afastando-se da costa coincidentemente no limite meridional determinado pela linha divisória de Tordesilhas. Ao contrário do que costuma-se considerar, na verdade a ação da frota portuguesa no Oriente voltava-se para impedir o fluxo do Índico para o Mediterrâneo de especiarias, ao bloquear as entradas do Golfo Pérsico e Mar Vermelho. Passada somente uma década após a descoberta do Brasil, Afonso de Albuquerque instala-se em Goa, após conquistar, em 1507, a cidade de Ormuz, estratégica para o controle do Golfo Pérsico, e Francisco de Almeida ter derrotado a frota do sultão do Cairo, aliado dos venezianos, na batalha de Diu, em 1509. A conquista de Málaca, em 1511, sepultou definitivamente a hegemonia das potências mediterrâneas na economia européia, abrindo uma nova página na História ocidental . Por conseguinte, Portugal atinge o Índico não para vencer o bloqueio ao Mediterrâneo mas, contrariamente, para impor este bloqueio.

28- Como estas vilas foram estabelecidas pelos gestores da Capitania de São Vicente, e na

dúvida de seus posicionamentos, o correto seria, parece-nos, que fossem incorporadas à capitania de Martim Afonso. Acreditamos que a decisão judicial favorável aos Monsantos expressa, na verdade o maior prestígio que esta casa desfrutava na Corte do que seus contentores, os Vimieiros

29-Cf. Manuel da Nóbrega. Cartas do Brasil, 1549-1560. Belo Horizonte / São Paulo, Itatiaia/

Edusp. 1988, p. 144.