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OS MÚLTIPLOS USOS DAS ÁGUAS DAS LAGOAS DA REGIÃO NORTE FLUMINENSE/RJ
Leidiana Alonso Alves Instituto Federal Fluminense
Vinícius Santos Lima Universidade Federal Fluminense
José Maria Ribeiro Miro Instituto Federal Fluminense
André Luiz Nascentes Coelho Universidade Federal do Espírito Santo
1 – INTRODUÇÃO
Ao abordar o conceito de lagoas em Geografia deve-se partir da imagem que se
têm delas como objeto, das visões de seus usuários tradicionais, dos legisladores e
daqueles que pretendem defini-la cientificamente. Numa visão geomorfológica, elas
podem ser vistas como uma extensão de água confinada e cercada de terra por todos os
lados (GUERRA & GUERRA, 2011).
O objeto lagoa será aqui considerado como uma coisa no mundo, que pode ser
representada geograficamente por meio do seu conceito enquanto coisa concreta,
determinada e diferenciada de outros corpos hídricos. Isso se dá através da obtenção de
imagens observadas na paisagem e das ideias intelectivas que se têm sobre elas
enquanto objeto de uso (MOREIRA, 2007).
Ao fazer análise em escala pequena sobre corpos lênticos, Trindade (1996)
emprega os termos lagos, lagunas e lagoas para designar as depressões continentais
cercadas por terras e contendo água doce, salobra ou salgada. Para ela, o estudo sobre
suas origens é complexo, pois podem ser formadas a partir de vários processos
geológico-geomorfológicos.
Em limnologia é difícil diferenciar lagos (inglês: lakes) de lagoas (inglês: pond
ou lagoon), mas como ponto de partida pode-se tomar a profundidade da bacia lacustre
e a profundidade que alcança a região iluminada na coluna d’água, em que nas lagoas a
radiação solar pode atingir o sedimento de fundo, possibilitando o crescimento de
macrófitas aquáticas em toda a sua extensão e a produtividade primária do corpo hídrico
(ESTEVES, 1998).
Numa escala regional, Amador (1986) diz que o Rio de Janeiro é o estado
brasileiro que possui os corpos lagunares mais expressivos, tanto em quantidade, quanto
em extensão. Ele os classificou de acordo com sua origem geológica, estágio de
evolução, geometria, natureza de renovação da água e estágio de conservação.
Na paisagem regional destacam-se compartimentos geomorfológicos
condicionados pelo seu material de origem e pela dinâmica climática. O primeiro: mais
para oeste, representado pela Serra do Mar tem origem Pré-Cambriana definindo o
Cinturão Orogênico do Atlântico, onde se observam afloramentos rochosos, falhas,
fraturas, além de morros cristalinos isolados e arredondados. O segundo, em direção a
Planície Costeira, encontram-se depósitos sedimentares Terciários do Grupo Barreiras,
formados por material não consolidado e erodido, resultando em superfícies aplainadas
e vales abruptos construídos nos eventos glaciais e interglaciais. A Baixada Campista,
formada no Quaternário, tem como destaque os depósitos fluviomarinhos acomodados
entre o rio Paraíba do Sul e lagoa Feia. Próximo à costa, observam-se depósitos
sedimentares de formação arenosa, que todos juntos constituíram o Cabo de São Tomé
(GEIGER, 1956).
Juridicamente, as lagoas são amparadas pela legislação ambiental disposta por
meio da Lei 650/83, em que o Estado do Rio de Janeiro define as políticas de defesa e
proteção dos recursos hídricos, tais como lagoas e lagunas, demarcando suas Faixas
Marginais de Proteção (FMP) com o intuito de proteger as águas públicas.
A Região Norte Fluminense localiza-se no baixo curso da bacia hidrográfica do
rio Paraíba do Sul. Nela, a paisagem é marcada pela ocorrência de dezenas de corpos
hídricos, como exposto por Carneiro (2003), Soffiati Netto (2011) e Alves et al. (2013),
que elaboraram estudos no intuito de melhor compreende-los. Para este trabalho
considerou-se as relações de uso da terra com as águas das lagoas dos seis municípios
costeiros, onde elas estão localizadas. Na Figura 1 observam-se os municípios da
Região Norte Fluminense onde há ocorrência de lagoas.
Exposto isso, tem-se o seguinte questionamento: qual ou quais são os usos das
águas das lagoas da região Norte Fluminense/RJ?
Figura 1 – Localização dos municípios da Região que possuem lagoas expressivas Elaborado pelos autores. 2 – OBJETIVO
Esta pesquisa está inserida no projeto em andamento no Instituto Federal
Fluminense (IFF), sob o título O novo mapa da Região de São Tomé: lagoas,
desenvolvido em parceria com a Universidade Federal Fluminense e a Universidade
Federal do Espírito Santo, que nesta etapa teve por objetivo entender de forma
qualitativa os múltiplos usos da água das lagoas existentes na Região Norte Fluminense.
3 – MÉTODO
Nas fontes consultadas não se identificou um método específico que
correlacionasse o uso da água de lagoas com o uso da terra em seu entorno. Por isso, o
método de Análise Ambiental foi escolhido, por considerar ele que atende aos
pressupostos teórico-conceituais adequados para o desenvolvimento desta pesquisa.
Discutida por Xavier da Silva (1992), esta metodologia está associada ao uso das
geotecnologias, podendo correlacionar à evolução espacial e temporal de um fenômeno
geográfico com suas inter-relações causais. Através dele, também foi possível associar
os usos da terra com os ambientes lacustres, o que proporciona sínteses dos processos
espaciais ou princípios lógicos geográficos, dentre os quais, os de localização e
proximidade, também definidos por Moreira (2007). Para eles, estes processos ou
princípios lógicos são importantes para estruturar geograficamente fenômenos antes de
projeta-los em mapas. Assim, considerou-se que os usos das águas das lagoas é função
da sua localização no relevo, dos usos da terra em seu entorno imediato e da
proximidade que há entre elas.
3.1 – PROCEDIMENTOS
Para a realização deste trabalho, utilizou-se a escala nominal. Ela registra a
presença de variáveis qualitativas, só havendo distinção entre suas ocorrências, isto se
aplica adequadamente a estudos ambientais, como a do Uso da Terra (XAVIER DA
SILVA, 1992). Os elementos básicos para a interpretação dos produtos cartográficos
foram: textura, tonalidade/cor, forma, tamanho, padrão e localização, como sugere
Jensen (2009).
O Software ArcGIS 10.2.2 viabilizou a elaboração de mapas com informações
das lagoas. Os Planos de Informações (PIs) de Uso e Cobertura da Terra e de
Geomorfologia (escala 1:100.000) foram obtidos de forma gratuita no site do Instituto
Estadual do Ambiente (INEA, 2011), no formato Shapefile (shp), que possibilitaram
projetar informações nos mapas produzidos. Após adicionar o Shapefile dos corpos
lagunares produzidos a partir de Ortofotos do Projeto RJ-25 (escala de 1:25.000) e
resolução final de 1 metro, que são disponibilizadas pelo IBGE (2008), foi possível
correlaciona-las ao uso da terra. Definiu-se a escala de 1:800.000 para a composição dos
produtos cartográficos do trabalho, compatibilizando os dados adquiridos, os fenômenos
observados e a redução para a representação em formato A4.
Trabalhos de Campo foram realizados para obtenção de registros fotográficos
detalhando a paisagem, o que veio a promover um melhor entendimento sobre o entorno
das lagoas, qualificando-as em relação ao seu uso.
Para elaborar os mapas com as 73 lagoa foi criado um projeto no ArcGIS 10.2.2
e adicionado os seguintes layers: Uso e Cobertura da Terra, Geomorfologia e
Hidrografia dos corpos lênticos. Para inserir as áreas do entorno das lagoas, criou-se na
aba Geoprocessing um buffer em Input Fectures com raios variáveis em função da área
das lagoas, como se vê na Tabela 1 e Figura 2.
Tabela 1 – Definição do raio do entorno das lagoas
Organizado pelos autores.
Classe Intervalo de áreas das lagoas (ha) Raio do Buffer (m) 1 2,08 a 25,16 300 2 26,60 a 97,62 600 3 108,10 a 194,50 900 4 212,97 a 756,59 1.200 5 829,91 a 21.127,30 1.500
Na tabela acima é possível observar o comprimento dos buffers para o entrono das
lagoas, criados em função das suas áreas, determinando cinco intervalos ou classes.
Dessa maneira, foi possível extrair informações sobre o uso de seu entorno imediato,
como se vê no exemplo abaixo, no caso da lagoa do Açu.
Figura 2 – Principais usos e cobertura da terra no entorno da lagoa do Açu Organizado pelos autores. Foto: Arquivo Sala Verde IFF Campos.
Os layers foram categorizados tematicamente na aba Simbology. Após a
organização do projeto os mapas foram exportados para o formato JPEG. Todos os
layers foram ajustados para projeção Universal Transversa de Mercator (UTM), Datum
WGS 84 e Fuso 24 S. Estes critérios foram estabelecidos para que todos os mapas
seguissem a mesma padronização cartográfica.
4 – RESULTADOS E DISCUSSÕES
No mapa geomorfológico adotado, construído a partir de informações
disponibilizadas pelo órgão ambiental do estado do Rio de Janeiro (INEA), percebe-se
que nos municípios do Norte Fluminense há lagoas correlatas aos compartimentos onde
estão localizadas (Figura 3). Nos Tabuleiros do Grupo Barreiras encontram-se lagoas
alongadas e direcionadas para a Planície Holocênica devido a sua dissecação
diferenciada até alcançar o lençol freático; na Planície Fluviomarinha, observam-se
depressões rasas e arredondadas que formaram lagoas e alagadiços construídos pela
migração da foz do rio Paraíba do Sul em direção a Atafona (São João da Barra); na
Planície Costeira localizam-se lagunas nas depressões deixadas pelos antigos talvegues
de rios barrados no litoral ou nas cristas de praias antigas, que são testemunhos dos
movimentos de Transgressão e Regressão Marinhas Quaternárias.
Figura 3 – Unidades Geomorfológicas da Região Norte Fluminense Elaborado pelos autores.
Na Figura 4 do Uso e Cobertura da Terra, construído a partir da mesma base
cartográfica, observa-se que há predomínio de agricultura de cana-de-açúcar e pastagem
no entorno das lagoas e dos corpos lóticos, provavelmente pela fertilidade natural dos
solos oriundos de depósitos fluviais e lacustres; já nos Cordões Arenosos das Planícies
Costeiras observa-se uso diversificado das Áreas de Preservação Permanente, que pode
variar entre Manguezal, Restinga e Áreas Úmidas, podendo ser encontradas pequenas
manchas de Áreas Agricultáveis que são frágeis devido à infertilidade natural dos solos.
Figura 4 – Uso e Cobertura da Terra da Região Norte Fluminense Elaborado pelos autores. Considerando o que nos conta Ross (2006), a geografia é a ciência que deve
integrar informações físicas, bióticas e socioeconômicas num espaço territorial para
entender a relação sociedade-natureza, principalmente após as possibilidades técnico-
científicas atuais que intensificam as possibilidades antrópicas de alteração da natureza.
Desta forma, partiu-se de um Inventário Genético do relevo e das lagoas da região para
se chegar a uma Análise Dinâmica da natureza e de seus usos sociais.
Carneiro (2003) ao estudar o processo de modernização da tradicional
agroindústria canavieira no início da década de 1970, observa que medidas foram
implementadas na região para expandir a fronteira agrícola e que este novo modelo
tinha como objetivo principal o aumento da produtividade agrícola, via incorporação de
instrumentos mecanizados e novas tecnologias como a agricultura irrigada e financiada
pelo Programa Nacional do Álcool (Proálcool). A partir destes estímulos as disputas
pela água causaram conflitos entre a tradicional indústria canavieira e outros atores
sociais como os pescadores e pequenos produtores rurais.
Neste cenário, projetos de ordenamento territorial que visavam à macro
drenagem das bacias hidrográficas da região, foram intensificados sem considerar a
importância dos corpos hídricos e as áreas úmidas como patrimônio natural e recurso
indispensável para a reprodução social e cultural de todos.
Estudos sobre os recursos hídricos são realizados na Região Norte Fluminense
no intuito de entender as relações existentes entre eles e os múltiplos usos da terra. Nela
encontram-se uma variada rede de canais artificiais, rios e corpos lagunares de
diferentes características e usos. Esta pesquisa teve como ponto de partida alguns
questionamentos fundamentados na relação entre o Uso da Terra e o uso das águas de
suas lagoas.
A partir do estabelecimento de raios de comprimentos variados para o entorno
dessas lagoas em função de suas áreas, usos e proximidades, foi possível constatar que
elas devem ser pensadas como objetos contínuos ou subsistemas.
Apesar dos resultados obtidos apresentarem limitações cartográficas, a
metodologia empregada mostrou-se satisfatória, onde se estabeleceram conjuntos de
lagoas e lagoas isoladas como se vê na Figura 5. Isso foi possível a partir da utilização
de parâmetros geomorfológicos e dos princípios lógicos de localização e proximidade
dos corpos lagunares.
5 – CONSIDERAÇÕES FINAIS
Após a definição dos Subsistemas das lagoas da Região Norte Fluminense, é
possível sugerir uma Análise Integrada destes corpos lênticos que se organizam nos
seguintes subsistemas: Rio Itabapoana, Lagoa do Campelo, Gargaú, Lagoa de
Grussaí/Iquipari, Lagoa do Açu, Lagoa Feia e Jurubatiba, além de lagoas isoladas, como
as de Imboassica, Lagamar, Taí, Cima e da Onça. Observa-se que apesar de se mostrar
isolada geograficamente, a lagoa de Cima está conectada ao Subsistema Lagoa Feia por
meio do rio Ururaí e que a lagoa do Lagamar está conectada a lagoa do Açu pelo
banhado de Bela Vista.
Através dos mapas sínteses apresentados anteriormente e de Trabalhos de
Campo, foi possível correlacionar os usos diversos, tais como: agricultura diversificada,
monocultura da cana-de-açúcar, ocupação urbana, pastagem, além de áreas de
conservação permanente como manguezais e restingas. Desta maneira, concluiu-se a
qualificação do uso das águas das lagoas em função das atividades existentes em seu
entorno imediato, que são os de lazer, pesca, abastecimento humano, dessedentação
animal e irrigação. Além disso, observou-se que a qualidade da água das lagoas da
região é variada em função de seu uso, e considerando aspectos lógicos: havendo
pastagem, há dessedentação animal; havendo agricultura, há irrigação; e havendo
ocupação urbana, há risco quanto à balneabilidade das lagoas da Região Norte
Fluminense.
Figura 5 – Subsistemas das lagoas da Região Norte Fluminense Elaborado pelos autores.
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