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Versão On-line ISBN 978-85-8015-075-9 Cadernos PDE OS DESAFIOS DA ESCOLA PÚBLICA PARANAENSE NA PERSPECTIVA DO PROFESSOR PDE Produções Didático-Pedagógicas

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Versão On-line ISBN 978-85-8015-075-9Cadernos PDE

OS DESAFIOS DA ESCOLA PÚBLICA PARANAENSENA PERSPECTIVA DO PROFESSOR PDE

Produções Didático-Pedagógicas

SECRETARIA DE ESTADO DA EDUCAÇÃO DO PARANÁ – SEED

PROGRAMA DE DESENVOLVIMENTO EDUCACIONAL – PDE

UNIVERSIDADE FEDERAL DO PARANÁ – UFPR

ODETE GUALBERTO

A LEITURA DE CONTOS DE CLARICE LISPECTOR: UMA REFLEXÃO PARA A VIDA

CURITIBA

2013

2

ODETE GUALBERTO

A LEITURA DE CONTOS DE CLARICE LISPECTOR: UMA REFLEXÃO PARA A VIDA

Projeto de Intervenção Pedagógica apresentado ao Programa de Desenvolvimento Educacional – PDE da Secretaria de Estado da Educação do Paraná – SEED.

Área de Conhecimento: Língua Portuguesa

Orientador: Prof. Bruno Bohomoletz de Abreu Dallari

CURITIBA

2013

3

PRODUÇÃO DIDÁTICA PEDAGÓGICA

A leitura de contos de Clarice Lispector:

Uma reflexão para a vida

A temática proposta tem como finalidade

repensar o papel da leitura dos contos de Clarice

Lispector, oportunizando melhores condições de

interpretação das diferentes práticas do uso da

língua – leitura, oralidade e escrita- através dos

contos.

O público alvo são os alunos do nono ano do Ensino

Fundamental do Colégio Estadual Antônio Lacerda

Braga, em Colombo.

Os objetivos desse material didático são:

incentivar a leitura de contos; estimular o gosto pela

"contação" recriá-los através de textos orais e

escritos.

A metodologia utilizada será qualitativa, com

base no método recepcional. Motivação para a

prática da leitura; compartilhamento de

conhecimentos; debates, interpretação dos contos

escritos e orais, pesquisas, dramatizações e outras

atividades.

O método recepcional utilizado em sala de

aula: o primeiro passo do professor seria o de

efetuar a determinação do horizonte de expectativas

4

da classe, a fim de prever estratégias de ruptura e

transformação do mesmo. Esse horizonte de

expectativas conterá os valores prezados pelos

alunos, em termo de crenças, modismos, estilos de

vida, preferências quanto ao trabalho e lazer,

preconceitos de ordem moral e social e interesse na

área de leitura. As características desses horizontes

podem ser constatadas através de técnicas

variadas: como observação direta do

comportamento, pelas reações espontâneas a

leituras realizadas nos contos de Clarice Lispector e

através da expressão dos próprios alunos em

debates, discussões, respostas às entrevistas e

questionários, dramatizações e outras

manifestações quanto a sua experiência da obra.

A análise comparativa das experiências de

leitura, a sala debaterá sobre seu próprio

comportamento em relação aos contos lidos levando

em conta os desafios enfrentados, os processos de

superação dos obstáculos textuais, tais como

pesquisas empreendidas para compreensão de

composição. Este é o momento dos alunos

verificarem que conhecimentos ou vivências

pessoais, proporcionaram a eles facilidades de

entendimento do texto. O papel do professor neste

momento é o de provocar seus alunos e criar

condições para que eles avaliem o que foi alcançado

e o que resta a fazer. Conscientes das suas

possibilidades de conhecimento da literatura, partem

5

para outros contos ou textos o que proporciona uma

motivação.

O foco da leitura em diferentes funções sociais,

buscando sempre o letramento do aluno.

Fundamentação Teórica

A ideia de explorar o gênero conto dentro da

prática desenvolvida no ambiente escolar. A

necessidade de trazer o aluno para o mundo

imaginário e confrontá -lo com o mundo real e social

da leitura e escrita.

Alguns requisitos básicos, para que o aluno

atinja tal estágio de atuação:

a) Refere-se à quantidade e à qualidade de

informações que o sujeito recebe, o que exige

que o professor esteja preparado para

selecionar textos referentes à realidade do

aluno, e ao mesmo tempo, capazes de romper

com ela;

b) Apontar a importância do desenvolvimento da

capacidade de refletir sobre a literatura e os

fatores estruturais de seu material por parte dos

alunos. Dessa forma, com o aprimoramento da

leitura numa percepção estética e ideológica

mais aguda e com visão crítica sobre sua

6

atuação e a de seu grupo, o aluno torna-se

agente de aprendizagem, determinando ele

mesmo a continuidade do processo, num

constante enriquecimento cultural e social.

Portanto o que constitui um processo de

aprendizagem é envolver o estudante em atividades

onde ocorra a interação com o objeto de estudo, no

caso os contos de Clarice Lispector.

Clarice Lispector nasceu numa pequena aldeia

Tchetchelnik, na Ucrânia em 1925 e mudou-se com

a família para o Brasil em janeiro de 1926. Morou

em Alagoas e em Pernambuco e aos 12 anos,

passou a viver no Rio de Janeiro, cursou a

Faculdade Nacional de Direito. O primeiro livro

publicado em 1943 – Perto do coração selvagem

ano em que se casa com um diplomata, e o último

livro em 1977, A Hora da Estrela – ano em que a

escritora falece no Rio de Janeiro. Uma das maiores

escritoras brasileira.

A literatura produzida por Clarice Lispector não

se preocupa com a construção de um enredo

tradicionalmente estruturado. Ela busca a

compreensão da consciência individual, marcada

sempre pela introspecção dos personagens. Trata

da condição feminina, da dificuldade de

relacionamento humano, da hipocrisia dos papéis

socialmente definidos.

7

Portanto a aprendizagem está relacionada com

a motivação para contemplar e integrar os contos de

Clarice Lispector, no envolvimento de adquirir

conhecimento socialmente, que são construídos com

o tempo.

A necessidade educacional para o leitor

conseguir decodificar e relacionar um conto com

outras situações vividas, e descobrir um mundo novo

dentro de cada conto.

Dentro do gênero literário: conto é uma narrativa

ficcional curta, condensada, que apresenta poucos

personagens, ações, tempo e espaço reduzido. O

enredo é geralmente estruturado em introdução,

desenvolvimento, clímax e conclusão e as

personagens são mais aprofundadas

psicologicamente. Emprega geralmente padrão da

língua.

Para Evely Boruchovitch “Encontrar meios

pelos quais a concepção de Inteligência como

possível de ser plenamente e adequadamente

ampliada pelo contexto educacional é um desafio

importante que nos permitirá caminhar ao sentido da

promoção de uma motivação adequada à

aprendizagem autorregulada em nossos alunos”.

(página 112), (Livro a Motivação). A linguagem é

vista como um fenômeno social, que nasce da

necessidade de interação entre as pessoas. Tendo

como base teórica as reflexões do Círculo de

8

Bakhtin: [...] Toda a palavra comporta duas faces.

Ela é determinada tanto pelo fato de que precede

de alguém, como pelo fato de que se dirige a

alguém. Ela constitui justamente o produto da

interação do locutor e do ouvinte. Toda palavra

serve de expressão a um em relação ao outro. [...].

Nos conceitos bakhtinianos de gênero

primário e secundário, Roxane Rojo propõe uma

dissociação entre gênero e texto e associa a nação

de gênero à de discurso enquanto produto de um

enunciador. Mais elaborados como “instrumentos

semióticos complexos” e apropriação dos recursos

do letramento não podemos ignorá-la enquanto

forma, pois, está voltada para o conhecimento

histórico-social.

Para Magda Soares: letramento é o resultado

da ação de ensinar ou de aprender a ler e escrever:

o estado ou a condição que adquire um grupo social

ou um indivíduo como consequência de ter-se

apropriado da escrita. O letramento cobre uma vasta

gama de conhecimento, habilidades, capacidades,

valores, usos e funções sociais. O conceito de

letramento envolve, portanto, sutilezas e

complexidades difíceis de serem explicadas em uma

única definição. Uma definição que é priorizada é a

que dá ênfase nas habilidades individuais de ler e

escrever, nos usos, funções e propósitos da língua

escrita no contexto social.

9

Segundo a UNESCO – apud SOARES, Magda,

1958, (p. 4) é letrada a pessoa que consegue tanto

ler quanto escrever com compreensão uma frase

simples e curta sobre sua vida cotidiana. E no

sentido social quando participa de atividades nas

quais o letramento é necessário para o efetivo

funcionamento de seu grupo e comunidade, na vida

diária, nas situações que requerem o uso da leitura

ou da produção de textos escritos, com o direito de

assumir suas responsabilidades cívicas e políticas.

Enquanto, Luiz Antônio Marcuschi, sugere uma

relação entre letramento e oralidade, evitando a

nação de autonomia e supremacia da escrita

vinculada ao contexto de produção; com a inserção

da fala e da escrita na cultura e vida social.

Portanto, os elementos se interpenetram, sejam

em termos de função social, potencial cognitivo,

práticas comunicativas, nível de organização, estilos,

estratégias de formulação, tudo e um texto

colaborativo da prática do letramento.

A narração, argumentação, exposição, diálogo

são tipos textuais, mais do que textos concretos e

completos são designações para sequências típicas.

Os gêneros são cristalizações linguísticas de

práticas sociais.

10

Chegamos à conclusão que o letramento é uma

prática social estreitamente relacionada a situações

de poder social e etnograficamente situada.

A falta de interesse dos alunos com relação à

leitura é grande; são diversos os motivos entre eles:

a dificuldade de compreender o contexto que as

narrativas contemplam.

O contato que existe com práticas pedagógicas

que valorizem a leitura crítica impedem a construção

do saber.

Por isso, os diversos campos das atividades

humanas estão ligados ao uso da linguagem, e para

comunicar – se bem é necessário à leitura como

conhecimento e interação social como um todo.

A necessidade educacional de motivar e manter

essa motivação ressalta a importância do papel do

professor e da família nessa empreitada.

Para Bakhtin, a valorização da fala, o

enunciado, afirma sua natureza social, não

individual: a fala está indissoluvelmente ligada às

condições da comunicação, que por sua vez, estão

sempre ligadas às estruturas sociais.

A literatura produzida por Clarice Lispector se

preocupa com as condições sociais do individuo e

não com a construção de um enredo

tradicionalmente estruturado. Ela busca a

11

compreensão da consciência individual, marcada

sempre pela introspecção das personagens.

Trata da condição feminina, da dificuldade de

relacionamento humano, da hipocrisia dos papéis

socialmente definidos. Portanto a necessidade

educacional para o leitor conseguir decodificar e

relacionar um conto com outras situações vividas e

descobrir um mundo novo dentro de cada conto,

pois, a linguagem é vista como um fenômeno social,

que nasce da necessidade de interação entre as

pessoas. Tendo como base teórica as reflexões do

Círculo de Bakhtin. “ [ Toda a palavra comporta

duas faces. Ela é determinada tanto pelo fato de que

procede de alguém, como pelo fato de que se dirige

a alguém. Ela constitui justamente o produto da

interação do locutor e do ouvinte. ] “

Escolhi Clarice Lispector, pois, ela se distingue

como iniciadora do romance metafísico no Brasil e

as características de uma ficção – aventura, que

além de contar sobre o assunto, busca desvendar

por meio da palavra, o mistério do mundo e das

ideias, domínio pouco explorado.

O domínio do enunciado puramente ligado à

exploração do vocábulo e se entretém na

enunciação, a interioridade é sentida ao mesmo

tempo em que se lê o conto, como se imaginasse a

cena em si.

12

O estilo de Clarice Lispector é construído pela

metafísica, pois, seus contrastes trazem ao texto

muita imaginação e a complexidade que os tornam

atraentes.

Do simbólico a lógica discursiva: a sedução,

num corpo aparentemente convencional, numa

sequencia linguística, levando em conta o

aprendizado como um todo.

Roland Barthes tratou das unidades narrativas

utilizando, como critério de depreensão das

mesmas, a significação. Em contraste com a vida, a

arte não possui ruídos, constituindo um sistema que

desconhece unidades perdidas. Tudo é significativo,

embora os graus de significação sejam variáveis.

As produções literárias de Clarice Lispector

despertam a tensão semântica do discurso,

mantendo o contato com o narrador, como

verdadeiros núcleos. Privilegiar a estratégia

digressiva evadindo-se da abordagem direta, sem os

discursos, tantas vezes inquietantes e estatizados,

da logicidade verbal. A prática digressiva é uma

tradição de intertextualidade, porque ao deslocar-se,

Clarice Lispector cria, estrategicamente, em espaço

paródico-diálogo de vozes em que narra, subsidiária

e paralelamente, os fatos.

Além da consciência de linguagem é o

desempenho guiado pelo senso de pesquisa e de

13

descoberta do mundo: ponto de encontro de uma

proliferação de vozes. O universo textual de Clarice

Lispector deixa-se flagrar – espelho invertido e

revertido – no estranhamento e na revolução

paródica.

O diálogo entre dois eus funda-se na utopia de

uma práxis inaugural, digressão da subjetividade

pretensamente única, rompendo a completude

estabilizadora dos discursos lógicos.

Uma estrutura recorrente

Nos romances e contos, Clarice Lispector trata

da condição feminina, das dificuldades de

relacionamento humano, da hipocrisia dos papéis

socialmente definidos, da busca pelo eu.

As narrativas apresentam uma estrutura

semelhante, que o crítico Affonso Romano de

Sant’Anna definiu em quatro passos:

A personagem é disposta numa determinada

situação cotidiana.

Prepara-se um evento que é pressentido

discretamente pela personagem (algo como uma

inquietação).

Ocorre o evento que ilumina sua vida (epifania).

14

Apresenta-se o desfecho, no qual a situação da

vida da personagem, após a epifania, é

reexaminada.

O trabalho com a linguagem é fundamental para

que esse processo de autodescoberta adquira a

dimensão intimista que permite, ao leitor,

acompanhar os efeitos, na personagem, do

momento de iluminação. A autora promove, na

forma do texto, uma desconstrução equivalente

àquela vivida pelas personagens, fazendo com que

a própria linguagem assuma uma função libertadora.

Outra característica recorrente, na ficção de

Clarice, é a presença constante de animais (cavalo,

galinha, barata, aranha, búfalo, gato, etc.) que

representam o “coração selvagem” da vida, que

pulsa descontrolada, sem se submeter às regras e

expectativas sociais. Essa é uma forma também

revolucionária de simbolizar a busca incessante das

personagens pela libertação das amarras sociais e o

mergulho no irreversível processo de individuação.

3° Geração do Modernismo ou pós-modernismo

– (Geração 45 até os dias atuais).

Contexto histórico:

Criação do ONU;

Publica-se a Declaração dos Direitos Humanos;

Fim da ditadura Vargas (redemocratização);

15

Inicio da guerra-fria (norte-americanos e soviéticos).

Os contos de Clarice Lispector respeitam as

características fundamentais do gênero. Seguem o

mesmo eixo mimético dos romances, assente na

consciência individual como limiar originário do

relacionamento entre o sujeito narrador e a

realidade, o que resultam do ponto de vista

assumido pelo sujeito narrador em relação ao

personagem. O episódio único que serve de núcleo

é um momento de tensão conflito – é um momento

de crise interior condicionado e qualificado em

função do desenvolvimento. Essa tensão conflitiva

estabelece uma ruptura do personagem com o

mundo. Porém a crise declarada que raramente se

resolve através de um ato, mantem-se do principio

ao fim, seja como devaneio ou aspiração, de embate

de sentimentos.

O confronto pelo olhar, troca de olhares entre as

personagens. O poder mágico do olhar e do

descortino contemplativo silencioso. A existência e

liberdade, contemplação e ação, linguagem e

realidade, o eu e o mundo, conhecimento das coisas

e relações intersubjetivas, são os pontos de

referência do horizonte de pensamento que se

descortina na ficção de Clarice Lispector.

O que importa é a inquietação, o desejo de ser,

o predomínio da consciência reflexiva, a violência

interiorizada nas relações humanas o impulso ao

16

dizer expressivo e o descortinar silencioso das

coisas.

A temática marcadamente existencial com

tópicos de filosofia da existência e mais ao

existencialismo de Sartre.

A perspectiva mística suplantada a existencial

inerente à temática da obra, a subjetividade, e,

portanto a experiência interior, o existencialismo do

próprio individuo, que mesmo quando ama, precisa

de cólera. O dizer modifica o sentir sujeito a estados

imutáveis. A acuidade reflexiva e a inquietação

formam os elos inseparáveis da consciência de si.

A coisificação pelo olhar, perigo que espreita os

personagens de Clarice Lispector um aspecto do

regime conflitivo de suas relações mútuas.

O silêncio é a origem e o destino que sustenta a

diferença do sentido assinalada pelo paradoxo e a

própria linguagem mostra uma realidade

indeterminada. A escritura assombrada pelo silêncio,

porque pela presença mística da coisa, é uma

escritura conflitiva, que problematiza as relações

entre linguagem e realidade. Escrever é dilatar o

tempo decompondo em instantes sucessivos.

A ficcionista expôs-se a si mesma, o

dilaceramento de sua escritura equívoca que só

possui e cria uma realidade negativa. A obra de

17

Clarice Lispector se reveste de uma importância

exemplar, de um valor indiscutível.

Como a crônica o conto é um texto curto que

pertence ao grupo dos gêneros narrativos ficcionais.

Caracteriza – se por ser condensado, isto é, por

apresentar poucas personagens, ações e tempo e

espaço reduzidos.

A estrutura do enredo

Introdução ou apresentação – geralmente

coincide com o começo da história; é o momento em

que o narrador apresenta os fatos iniciais, as

personagens e, às vezes, o tempo e o espaço.

Desenvolvimento ou complicação – é a parte do

enredo em que é desenvolvido o conflito.

Clímax – é o momento culminante da história,

ou seja, aquele de maior tensão, no qual o conflito

atinge o seu ponto máximo.

Conclusão ou desfecho – é a solução do

conflito, que pode ser surpreendente, trágica,

cômica, etc., e corresponde ao final da história.

FELICIDADE CLANDESTINA

Felicidade => qualidade ou estado de feliz;

ventura; contentamento.

18

Bom êxito; sucesso.

Clandestina => ilegítimo; ilegal; feito em

segredo; quem entra ilegalmente num país ou

mesmo num meio de transporte.

Mas possuía o que qualquer criança devoradora

de histórias gostaria de ter: um pai dono de livraria.

Mas que talento tinha para a crueldade (prazer

em fazer o mal; maltratar os outros). Ela todo era

pura vingança. Comigo exerceu com calma

ferocidade (caráter cruel) o seu sadismo. Na minha

ânsia de ler, eu nem notava as humilhações a que

ela me submetia: continuava a implorar-lhe

emprestados os livros que ela não lia. Até que um

dia, quando eu estava à porta da sua casa, ouvindo

humilde e silenciosa a sua recusa, apareceu sua

mãe; disse firme e calma para a filha: você vai

emprestar o livro agora mesmo. E para mim: “E

você fica com o livro por quanto tempo quiser”.

Como contar o que se seguiu? Eu estava

estonteada, (deslumbrada, tonta, maravilhar-se) e

assim recebi o livro na mão. Acho que não disse

nada. Peguei o livro, comprimia-o contra o peito.

Meu peito estava quente, meu coração pensativo. A

felicidade sempre iria ser clandestina para mim,

(fluxo de consciência). Parece que eu já pressentia.

Como demorei! Eu vivia no ar. Havia orgulho e poder

em mim. Eu era uma rainha delicada. Às vezes

19

sentava-me na rede, balançando-me com o livro

aberto no colo, sem tocá-lo, em êxtase puríssimo.

Não era mais uma menina com um livro: era uma

mulher com o seu amante.

1 – Leitura do conto Felicidade Clandestina de

Clarice Lispector.

2 – No conto Felicidade Clandestina, vamos

pesquisar no dicionário palavras cujo sentido você

desconheça, para esclarecer o significado no

contexto.

3 – Qual o conflito apresentado?

4 – Quem são os personagens?

5 – Onde a história acontece?

6 – Quando a história poderia ter acontecido? Por

que não há indicações precisas de tempo?

7 – Qual o clímax do conto?

8 – É possível deduzir qual a condição

socioeconômica das duas meninas que conversam?

A partir de que indicativos?

9 – Comentários sobre a situação em si do conto.

10 – Em círculo, debate sobre Felicidade

Clandestina.

20

11 – Pode – se afirmar que o conto está expondo, de

forma figurada, um pensamento sobre a sociedade.

Que pensamento é esse?

12 – Os requintes de crueldades constituem tema de

vários contos de Clarice Lispector. Nesse conto, o

que pode estar gerando o sentimento desumano, o

gosto em fazer o mal ou a insensibilidade?

13 – Comentários sobre o conto em questão, em

círculo, colocaram suas ideias.

Contos próximos e distantes do mundo real. O

conto é um texto ficcional, narra uma história

inventada ou recriada por um autor. Entretanto,

segundo o grau de aproximação entre o mundo real

e o da ficção, podem – se reconhecer diferentes

tipos de contos.

1 – Realista – os elementos ( fatos, personagens,

tempo, lugar ) representam uma realidade possível;

– Fantásticos – baseiam–se em elementos da

realidade, mas apresentam os fatos de uma maneira

diferente do modo habitual, muitas vezes de maneira

assombrosa.

UMA AMIZADE SINCERA

Conhecemo-nos no último ano da escola.

Chegamos a um ponto de amizade que não

21

podíamos mais guardar um pensamento: um

telefonava logo ao outro, marcando um encontro

imediato. Esse estado de comunicação continua

chegou a tal exaltação que, no dia em que nada

tínhamos a nos confiar, procurávamos com alguma

aflição um assunto. Às vezes um telefonava

encontrávamo-nos, e nada tínhamos a nos dizer.

Éramos muito jovens e não sabíamos ficar calados.

Experimentávamos ficar calados, mas tornávamo-

nos inquietos logo depois de nos separarmos.

Quando minha família mudou para São Paulo e

ele morava sozinho, pois sua família era do Piauí, foi

quando o convidei para morar em meu apartamento.

Que rebuliço de alma. Radiantes, arrumávamos

nossos livros e discos, preparávamos um ambiente

perfeito para a amizade.

Queríamos tanto salvar o outro. Amizade é

matéria de salvação (fluxo de consciência).

Mas como se nos revelava sintética a amizade.

Não havia paz. Só muito depois eu ia compreender

que estar é também dar. Um aperto de mão

comovido foi o nosso adeus no aeroporto. Sabíamos

que não nos veríamos mais. Mais que isso: que não

queríamos nos rever. E sabíamos também que

éramos amigos. Amigos sinceros.

22

1 – Leitura do conto Uma amizade sincera de Clarice

Lispector.

2 – Comentários sobre amizade.

3 - O que é uma amizade sincera? Exemplos.

4 - Qual o tipo de comunicação eles mantinham?

5 – Quais os primeiros sinais de perturbação entre

eles?

6 – Qual o significado: “Queríamos tanto salvar o

outro. Amizade é matéria de salvação.” Dentro do

contexto.

7 – Por que eles consideravam a amizade insolúvel?

8 – A solidão e a falta de paz entre eles eram

constante. Justifique.

9 – Por que as pessoas se presenteiam? Justifique.

10 – Você daria outro final ao conto? Qual? Por

quê?

11 – Como se classifica o conto Amizade sincera?

12 – Que fatos podem ser considerados possíveis

no mundo real?

13 – Um grupo de três integrantes e comecem a

planificar um conto sobre amizade, utilizando os

passos propostos a seguir. O planejamento é

provisório, servirá para produzir as primeiras ideias.

Mais adiante, poderão modificá-lo.

23

Tipo de conto:

Título:

Lugar:

Tempo:

Personagens:

Enredo:

Clímax:

Expansão dos fatos:

Como você já viu, a estrutura do conto pode

apresentar uma situação inicial, um conflito e uma

estrutura tão simples. É preciso despertar o

interesse do leitor e, para isso é importante o modo

como se desenvolve ou se expande cada uma

dessas partes. Expansões são ações que ampliam

ou desenvolvem uma ação fundamental.

1 – Em que parte do conto – início, conflito,

resolução – o relato se deteve?

2 – Que tipo de expansão – descrição, comentário

ou explicação – predomina no conto? Por quê?

3 – Fazer um grande círculo para comentários e

debates sobre o conto.

24

O PRIMEIRO BEIJO

Os dois mais murmuravam que conversavam: era o amor. Amor com o que vem junto: ciúme.

- Vá nunca beijou uma mulher antes de me beijar?

- Sim, já beijei antes uma mulher.

- Quem era ela?

Não sabia como dizer.

O ônibus da excursão subia lentamente a serra.

E nem sombra de água. O jeito era juntar saliva, e foi o que fez.

O ônibus parou, todos estavam com sede, mas ele conseguiu ser o primeiro a chegar ao chafariz de pedra, antes de todos.

De olhos fechados entreabriu os lábios e colou-os ferozmente ao orifício de onde jorrava a água. Era a vida voltando e com esta encharcou todo o seu interior arenoso até se saciar (fluxo de consciência). A vida havia jorrado dessa boca de uma boca para outra. Intuitivamente, confuso na sua inocência, sentia intrigado: mas não é de uma mulher que sai o líquido vivificador, o liquido germinador de vida... Olhou a estátua nua.

Ele a havia beijado.

Perplexo, num equilíbrio frágil.

Até que, vinda da profundeza de seu ser, jorrou de uma fonte oculta nele à verdade. Que logo o encheu de susto e logo também de um orgulho antes jamais sentido. Ele... (fluxo de consciência).

25

Ele se tornara homem.

1 – Leitura do Conto O primeiro beijo.

2 – Como se inicia o conto?

3 – Quais os personagens?

4 – Qual o conflito surgido? Por quê?

5 – “Ficar quieto, sem quase pensar e apenas

sentir, era tão bom”. Justifique.

6 – A sede começa com o brincar com a turma, falar

bem alto, mais alto que o barulho do motor do

ônibus da excursão, rir, gritar, pensar, sentir, puxa

vida. Como deixava a garganta seca. Que atitude o

personagem tomou? Explique.

7 – No texto: “E soube então que havia colado sua

boca na boca da estátua de pedra. A vida havia

jorrado dessa boca, de uma boca para outra”. Que

associação o personagem faz? Justifique.

8 – Releia o texto, em que também se verifica

ambiguidade: “Estava em pé, docemente agressivo,

sozinho no meio dos outros, de coração batendo

fundo espaçado, sentindo o mundo se transformar.

A vida era inteiramente nova, era outra, descoberta

com sobressalto. Perplexo, num equilíbrio frágil”.

a) Que sentidos podem depreender desse trecho?

26

b) Levante hipóteses: Por que o personagem se

sentia assim?

c) O que representa a estátua da mulher de pedra?

9 – Nos gêneros narrativos, a sequência de fatos

que mantêm entre si uma relação de causa e efeito

constitui o enredo. Um dos mais importantes

elementos que compõem o enredo é o conflito.

Identifique o conflito do conto.

10 – No desfecho do conto geralmente ocorre à

solução do conflito ou uma revelação para o

personagem. A revelação acontece quando um fato

ou uma situação muda o modo de agir do

personagem, levando - o a romper com

determinados valores a questionar seu modo de

vida, etc.

No desfecho do conto ocorre a solução do conflito,

uma revelação ou ambos? Justifique.

11 – O discurso indireto livre – consiste na fusão da

fala ou do pensamento do personagem com o

discurso do narrador.

Destaque do conto, os trechos que correspondem

ao discurso indireto livre.

12 – Reúna – se com seus colegas (máximo de três)

e juntos concluam:

- Quais as características do conto?

27

- Seu grupo irá pesquisar, escolher, produzir e expor

um conto com uma temática livre.

13 – Cada grupo lerá e debaterá os contos criados.

Os diálogos e as vozes entre os contos: 1) Felicidade Clandestina, 2) Uma Amizade Sincera e 3) O Primeiro Beijo, são uma constante da escritora Clarice Lispector em suas obras; há a tomada de consciência, quando ela conversa com seu interior, há uma mudança de comportamento, uma transformação em suas atitudes, uma maturidade.

1) “Não era mais uma menina com um livro: era uma mulher com seu amante”.

2) “Queríamos tanto salvar o outro. Amizade é matéria de salvação”.

3) “A vida havia jorrado dessa boca, de uma boca para a outra. Ele se tornara homem”.

As narrativas de Clarice Lispector sublinham a precariedade e o nomadismo da consciência e da existência, entre as aleluias e as agonias de ser.

Para Bakhtin, todas as vivências interiores do outro individuo – sua alegria, seu sofrimento e finalmente, propósito semântico, ainda que nada disso se manifeste em nada exterior, se enuncie, se reflita em seu rosto, na expressão do seu olhar...

A vivência moral do outro têm uma exterioridade interior voltada para mim, e vou contemplar como olhos interiores.

Os três eixos básicos do pensamento:

28

1. Unicidade do ser e do evento; Base da concepção

dialógica da linguagem. 2. Relação eu/outro; 3. Dimensão axiológica

Toda interpretação é a correlação de dado texto com outros textos. O comentário é a índole dialógica dessa relação.

O lugar da filosofia começa onde termina a cientificidade exata e começa a heterocientificidade; é a metalinguagem de todas as ciências.

Segundo DALLARI, a literatura não era apenas uma referência formal. Seus conteúdos também eram considerados como referência: ali se discutia política, filosofia, ciência, sociedade, a psicologia e as emoções humanas, se fazia reflexões sobre a natureza humana, suas expectativas, desejos, fantasias, etc.

As abordagens educacionais e de letramento produzem a capacitação de comunicação do aluno, realçando os aspectos práticos e profissionais.

Os jovens querem ou são livres, fazendo o que bem entendem, se fecham em seu mundo e vivem em outra realidade, nunca participam da realidade onde estão inseridos. Assim como Clarice Lispector está em seu mundo interior, mas ao mesmo tempo querendo ficar só. Criando situações, diálogos que mais parece um monólogo, pois, ela conversa com o seu interior e imagina uma resposta para os seus questionamentos. Assim são os jovens que criam diálogos para uma situação também imaginária, que

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ele supõe que pode ocorrer por causa do seu envolvimento com determinadas situações.

Clarice Lispector dá importância às vozes dos contos e participa como narrador personagem.

Essa é a relação que existe entre os jovens que querem e vivem o seu mundo interior, agindo como se fosse o único e que o mundo girasse ao seu redor. Para Clarice Lispector o mundo interior é o mais importante, pois, ela se completa e vive feliz dessa maneira. Os personagens são interiorizados, ela se coloca em seu lugar, algumas vezes não faz distinção entre as personagens e si mesma. Essa forma de ser de Clarice Lispector que chama atenção dos seus leitores jovens, que se identificam com a mesma. Clarice Lispector “Mas o Deus é hoje: seu reino já começou”.

I. Valorização das experiências de leitura trazidas pelo aluno:

Perguntar aos alunos quais foram os contatos que tiveram com uma leitura durante a escolarização e se estes contatos foram prazerosos.

II. A leitura na formação do cidadão:

Mostrar que a leitura, apesar de ser uma prática individual se socializada pode fazer a diferença na vida das pessoas, uma vez que as tornam detentoras de novos conhecimentos e de novas possibilidades.

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III. Apresentação do gênero literário conto:

Expor aos alunos quais são as características do gênero literário conto.

IV. Leitura dos contos:

Apresentar o título dos contos Felicidade Clandestina, Uma Amizade Sincera e o Primeiro Beijo que serão lidos e solicitar que pensem sobre o enredo e verbalizem suas impressões.

V. Representação da leitura por imagens e desenhos:

Solicitar que os alunos façam desenhos ou recortes de imagens de revistas ou jornais que tenham relação com a história lida e produzem um quadro.

VI. Exibição de filmes relacionados com os temas trabalhados nos contos:

Selecionar filmes relacionados à temática dos contos lidos.

VII. A música e a leitura:

Propor que os alunos relacionem alguma música que tenham ouvido à temática dos contos lidos.

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VIII. Leitura coletiva dos contos escolhidos:

Fazer uma roda de leitura para que os contos sejam lidos coletivamente.

IX. Roda de conversa:

Conversar com os alunos para saber se foi significativa a experiência que tiveram com a leitura dos contos.

X. Produção de conto:

Propor aos alunos que produzam o seu próprio conto com tema escolhido por eles.

REFERÊNCIAS

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BARTHES, R (2002) O Prazer do Texto, Ed. Elos, São Paulo.

BAKHTIN, M. (2003) Estética da Criação Verbal. Martins Fontes, São Paulo.

BAKHTIN, M. (1988) Marxismo e Filosofia da Linguagem. Hucitec, São Paulo.

GNERRE, M. (1985) Linguagem, Escrita e Poder. Martins Fontes, São Paulo.

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SCOTOLO, I. (2008) O Discurso Midiático: articulação entre representações e produção dos sentidos. In A Leitura como Ofício, Scotolo, I. (org.). Ed. Porto de Idéias, São Paulo.

VIGOSTKY, I. (1987) A Formação Social da Mente. São Paulo, Martins Fontes.

DALLARI, Bruno B. A. (2010), Mídia, cidadania e as novas práticas de letramento.

NUNES, Benedito de (1973), Leitura de Clarice Lispector.

FARACO, Carlos Alberto (2010), Linguagem e Diálogo. As ideias Linguísticas do Circulo de Bakhtin.

FIORIN, José Luiz (2008), Introdução ao Pensamento de Bakhtin.

SOARES, Magda (2012), Letramento, um tema em três gêneros.

GOMES, André Luís (2008), Seminário Internacional, Clarice em cena: 30 anos depois.

Parâmetros Curriculares Nacionais – Língua Portuguesa. Secretaria de Educação Fundamental, MEC, 1997.

Parâmetros Curriculares Nacionais – Língua Portuguesa. Terceiro e quarto ciclos do ensino fundamental. Secretaria de Educação Fundamental, MEC, 1998.