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Consulente: ABRACEEL Ref.: Consulta Pública nº 007/2007–ANEEL

PARECER

Os consumidores livres, os consumidores especiais e o custeio do Sistema de Medição para Faturamento – SMF

Brasília Agosto de 2007

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ÍNDICE

I. Consulta .............................................................................................................. 3

II. Fundamentação da resposta à primeira questão............................................. 3

II.1. As regras sobre o custeio do sistema de medição para faturamento......... 3

II.1.1. A Resolução nº 281/99....................................................................... 3

II.1.2. A Resolução Normativa nº 166/05...................................................... 5

II.2. O duplo pagamento pelos mesmos equipamentos........................................ 7

II.3. O princípio da isonomia no acesso às infra-estruturas essenciais.............. 9

II.3.1. O § 6º do artigo 15 da Lei nº 9.074/95 e a introdução da livre concorrência e da livre negociação no setor elétrico brasileiro......................................... 9

II.3.2. O § 6º do artigo 15 da Lei nº 9.074/95, a teoria das “essencial facilities” e o direito de acesso às infra-estruturas essenciais.......................................... 11

II.3.3. Os usuários e o direito de acesso em condições isonômicas: a expressão livre acesso....................................................................................................... 16

II.3.4. O direito de acesso em condições isonômicas em confronto com o custeio dos equipamentos de outros consumidores...................................................... 18

III. Fundamentação da resposta à segunda questão................................................. 21

III.1. As alternativas para que os consumidores livres e especiais respondam financeiramente pelo SMF ............................................................................................ 21

III.2. O desconto sobre os custos associados ao transporte de energia..................... 21

III.2.1. O § 1º do artigo 26 da Lei nº 9.427/96.................................................. 21

III.2.2. O Parecer nº 202/2004-PF/ANEEL....................................................... 22

III.2.3. O desconto previsto no § 1º do artigo 26 da Lei nº 9.427/96 e os custos relativos ao SMF................................................................................................. 27

IV. Fundamentação da resposta à terceira questão................................................... 29

IV.1. A adequação técnica do SMF e o exercício do poder de polícia...................... 29

IV.2. A exigência legal de que haja concorrência efetiva entre os agentes setoriais.. 30

V. Fundamentação da resposta à quarta questão....................................................... 31

V.1. O item 10.2.8 do PdC ME.07.............................................................................. 31

V.2. O princípio da isonomia...................................................................................... 32

V.3. O princípio da proporcionalidade e a política setorial definida em lei............ 33

VI. Conclusão …………………......................………................................................... 34

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I. CONSULTA

1. A Associação Brasileira dos Agentes Comercializadores de Energia

Elétrica – ABRACEEL – formula consulta sobre as seguintes questões:

“1ª Questão - Considerando que os custos relativos aos medidores de energia e de potência e aos transformadores de corrente e de potencial são computados no cálculo das tarifas de uso dos sistemas de distribuição – TUSD –, há base jurídica para que os consumidores paguem a TUSD dimensionada com esses ativos e, ao mesmo tempo, sejam obrigados a custear a implantação e/ou adequação do sistema de medição ou a ressarcir os custos incorridos pelas distribuidoras com a implantação e/ou adequação desse sistema?

2ª Questão – Qual a solução jurídica adequada para que os consumidores livres e especiais se responsabilizem financeiramente pelos seus sistemas de medição para faturamento?

3ª Questão – Há base jurídica para que a efetiva migração para o mercado livre seja condicionada à validação do SMF do consumidor pelas concessionárias de distribuição? 4ª Questão – A propósito do item 10.2.8 do PdC ME.07, submetido à Audiência Pública nº 007/2007, é adequada a fixação de multas de idêntico valor para consumidores de diferentes classes?”

II. FUNDAMENTAÇÃO DA RESPOSTA À PRIMEIRA QUESTÃO

II.1. As regras sobre o custeio do sistema de medição para faturamento

II.1.1. A Resolução nº 281/99

2. A Resolução nº 281, de 1º de outubro de 1999, a qual “estabelece as

condições gerais de contratação do acesso, compreendendo o uso e a conexão, aos

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sistemas de transmissão e distribuição de energia elétrica”, prevê, em seu artigo

18, § 3º, que:

"§ 3º Em se tratando de unidades consumidoras, o sistema de medição para faturamento de energia elétrica, necessário à conexão, será instalado:

I - pela concessionária de transmissão, para os casos de acesso a instalações integrantes da Rede Básica; ou

II - pela concessionária ou permissionária de distribuição local, nos casos de acesso às demais instalações de transmissão, não integrantes da Rede Básica, ou às instalações de distribuição."

3. Por seu turno, o § 4º do mesmo artigo 18 afasta os consumidores livres

e os consumidores especiais do campo de incidência da regra encartada no § 3º ao

estipular que:

“§ 4° O sistema de medição a que se refere o parágrafo anterior será de responsabilidade financeira dos consumidores que exercerem a opção prevista nos arts. 15 e 16 da Lei n° 9.074, de 7 de julho de 1995, com redação dada pelas Leis n° 9.648, de 27 de maio de 1998, e n° 10.848, de 15 de março de 2004, bem como daqueles a que se refere o § 5° do art. 26 da Lei n° 9.427, de 26 de dezembro de 1996, com redação dada pela Lei n° 10.762, de 11 de novembro de 2003.”

4. Em compasso com o disposto no § 4º, os §§ 6º e 7º do artigo 18 da

Resolução nº 281/99 revelam a regra de que os consumidores livres e especiais

deverão custear as adequações dos sistemas de medição para faturamento – SMF –

ao disposto no Módulo 12 dos Procedimentos de Rede, regra essa excepcionada

para os consumidores livres que assinaram os contratos de uso e de conexão no

período compreendido entre a publicação da Resolução nº 208, de 7 de junho de

2001, e a publicação da Resolução nº 67, de 8 de julho de 2004:

“§ 6° Os consumidores existentes a que se refere o § 4º que assinaram os Contratos de Uso e de Conexão em data anterior à publicação da Resolução nº 208, de 7 de junho de 2001 ou em data posterior à publicação da Resolução n° 067, de 8 de junho de 2004, deverão observar o prazo de 30 de outubro de 2007, para adequação do sistema de medição para faturamento, conforme disposto no Módulo 12 dos Procedimentos de Rede.”

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“§ 7º Os consumidores a que se refere o § 4º e que assinaram os Contratos de Uso e de Conexão em data posterior à publicação da Resolução nº 208, de 7 de junho de 2001, e anterior à publicação da Resolução n° 067, de 2004, deverão ter as adequações dos seus sistemas de medição para faturamento realizadas e custeadas pela concessionária ou permissionária a qual se conecta, observando-se o prazo de 30 de outubro de 2007.”

5. Diante dos §§ 4º, 6º e 7º do artigo 18 da Resolução nº 281/99, verifica-

se que os consumidores livres e especiais devem:

(i) responder financeiramente pela implantação de seu sistema de

medição para faturamento; e

(ii) responder financeiramente pelas adequações de seu sistema de

medição para faturamento ao disposto no Módulo 12 dos Procedimentos de Rede,

exceção feita aos consumidores que assinaram os contratos de uso e de conexão no

período compreendido entre a publicação da Resolução nº 208/01 e a publicação da

Resolução nº 67/04, os quais terão suas adequações custeadas pela concessionária

ou permissionária a qual se conecta.

6. Invocando os referidos dispositivos da Resolução nº 281/99, as

Superintendências de Regulação dos Serviços de Distribuição – SRD – de

Regulação dos Serviços de Transmissão – SRT – de Regulação Econômica – SRE –

e de Fiscalização Econômica e Financeira – SFF – anunciaram, no Ofício nº

0235/2007-SRD/SRT/SRE/SFF/ANEEL, que:

“Para o caso dos pontos de medição de responsabilidade financeira dos Consumidores Livres e Especiais, mas com os custos da implantação dos equipamentos realizados pela concessionária, os equipamentos deverão ser ressarcidos à distribuidora, considerando os seguintes itens: [...]”

II.1.2. A Resolução Normativa nº 166/05

7. Além de terem o dever de (i) custear a implantação do sistema de

medição para faturamento ou (ii) de ressarcir as distribuidoras pelos equipamentos

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por elas implantados, os consumidores livres e especiais remuneram os

equipamentos de medição via TUSD, conforme denota o artigo 12, inciso I, da

Resolução Normativa nº 166, de 10 de outubro de 2005, combinado com o Anexo II

da Resolução nº 493, de 3 de setembro de 2002:

(i) Resolução Normativa nº 166/05

“Art. 12. A receita requerida de distribuição será segregada em função das componentes da TUSD definidas neste artigo. § 1º A componente da tarifa de uso dos sistemas de distribuição, correspondente ao custo do serviço prestado pela própria distribuidora, denominada TUSD – Fio B, será formada pelo valor dos seguintes itens: I – remuneração dos ativos de distribuição de energia elétrica, calculado no âmbito da revisão tarifária periódica; [...]”

(ii) Resolução nº 493/02

“Os grupos de contas de ativos relativos a Terrenos; Edificações, Obras Civis e Benfeitorias; e Máquinas e Equipamentos, abaixo relacionados, vinculados ao serviço público de distribuição de energia elétrica, relacionados às atividades de Distribuição, Administração, Comercialização e Geração, serão objeto de avaliação para determinação do seu valor de mercado em uso, a partir do seu custo de reposição novo, com vistas à composição da base de remuneração das concessionárias de distribuição de energia elétrica: [...] Dentro dos grupos de contas de ativos listados na Tabela 1, serão objetos de avaliação, para determinação do valor de mercado em uso, a partir do custo de reposição novo, no mínimo, os ativos a seguir relacionados: [...] c.3) Medição: c.3.1) Medidores de energia; c.3.2) Medidores de potência. [...] c.4.10) Transformadores de Corrente (alta tensão); c.4.11) Transformadores de Potencial (alta tensão); [...]”

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8. É de se constatar, portanto, que os consumidores livres e especiais

remuneram, via TUSD, parte dos equipamentos que compõem o SMF, sistema esse

assim descrito no item 1.3 do Submódulo 12.1 do Módulo 12 dos Procedimentos de

Rede:

“1.3 O SMF é um sistema composto pelos medidores principal e de retaguarda, pelos transformadores para instrumentos (TI) – transformadores de potencial e de corrente –, pelos canais de comunicação entre os agentes e a CCEE, e pelos sistemas de coleta de dados de medição para faturamento.”

9. Em face desse cenário, a situação dos consumidores livres e especiais

em relação ao custeio do SMF caracteriza 1 (uma) de 2 (duas) situações:

(i) duplo pagamento por um mesmo bem jurídico, caso os

equipamentos de medição desses consumidores não sejam excluídos da base de

remuneração dos ativos das distribuidoras; ou

(ii) na hipótese de os equipamentos serem excluídos da base de

remuneração dos ativos das distribuidoras, o subsídio, por esses consumidores, do

custeio dos equipamentos dos consumidores cativos e potencialmente livres e da

adequação do sistema de medição dos consumidores livres que assinaram os

contratos de uso e de conexão no período compreendido entre a publicação da

Resolução nº 208/01 e a publicação da Resolução nº 67/04.

II.2. O duplo pagamento pelos mesmos equipamentos

10. Na hipótese de os equipamentos de medição dos consumidores livres e

especiais não serem excluídos da base de remuneração dos ativos das distribuidoras,

os agentes de distribuição serão remunerados por um mesmo ativo via TUSD e via

ressarcimento promovido pelos consumidores, ou seja, receberão 2 (duas) vezes por

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um mesmo bem, o que viola “a garantia constitucional implícita vedadora do

enriquecimento sem causa”1.

11. A par da violação à garantia constitucional que veda o enriquecimento

sem causa, haverá violação ao princípio do “no bis in idem”2, o qual assegura que

uma pessoa não pagará 2 (duas) vezes por um mesmo bem.

12. Cumpre observar que o princípio do “no bis in idem” está consagrado

na jurisprudência nacional, conforme denotam os seguintes precedentes do Supremo

Tribunal Federal:

“De outra parte, o critério de cálculo endossado pelo acórdão recorrido, permitindo que uma vantagem sob o mesmo título ou idêntico fundamento incorporada ao estipêndio seja considerada para integrar a base de cálculo da outra, é violador da proibição estabelecida no art. 37, inc. XIV, da Constituição, por representar um bis in idem. Recurso conhecido e provido.”3 “Inexistência de direito adquirido a receber gratificações previstas na norma vigente ao tempo da inativação, pois, em face do novo reenquadramento, haveria verdadeiro ‘bis in idem’.”4

“SE OS TITULOS HABILITADOS NA FALÊNCIA TEM VALORES EXPRESSOS EM OBRIGAÇÕES DO TESOURO NACIONAL, A SUA LIQUIDAÇÃO SERÁ FEITA PELA COTAÇÃO DESSAS OBRIGAÇÕES. A CONVERSAO DO VALOR DOS TITULOS EM MOEDA CORRENTE PARA APLICAÇÃO POSTERIOR DA CORREÇÃO MONETÁRIA, IMPORTARIA EM BIS IN IDEM, EIS QUE ESSA CORREÇÃO OBEDECE AOS INDICES DAS OTN'S.”5

1 Trecho da ementa do AI-AgR 182.458/SP. STF, Segunda Turma, relator Ministro Marco Aurélio, DJ de 16.5.1997. 2 O termo “bis in idem” pode ser traduzido como:

(i) “duas vezes (o que deve ser repetido)” (FELIPPE, Donaldo J. Terminologia latina forense (do latim para o português). – 2ª ed. – Campinas: Julex Livros, 1991, p. 45. e expressões latinas de uso forense. – 16ª ed. – Campinas, SP: Milennium Editora, 2004, pág. 279); ou

(ii) “dois no mesmo, repetição” (OLIVEIRA NETTO, José de. Dicionário Jurídico Universitário. – 2ª ed. – São Paulo: CL Edijur, p. 621. 3 STF, Primeira Turma, RE 217.422/ES, relator Ministro Ilmar Galvão, DJ de 15.6.1999, p. 28. 4 STF, Segunda Turma, RE 178.802/RS, Relator Ministro Maurício Corrêa, DJ de 19.4.1996, p. 12.229. 5 STF, Segunda Turma, RE 116.288/PR, Relator Ministro Carlos Madeira, DJ de 12.8.1988, p. 19.521.

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“SE HOUVE REESTRUTURAÇÃO DE CARGOS EM QUE SE OBSERVARAM VANTAGENS, DANDO PADROES DE VENCIMENTOS ABRANGENTES, NÃO HÁ DIREITO ADQUIRIDO A RECEBER GRATIFICAÇÃO ANTERIOR, POIS, ASSIM, HAVERIA VERDADEIRO ‘BIS IN IDEM’.”6

13. Além de consagrado na jurisprudência, o princípio do “no bis in

idem” encontra manifestação no artigo 319 do Código Civil, entre outros

dispositivos legais:

“Art. 319. O devedor que paga tem direito a quitação regular, e pode reter o pagamento, enquanto não lhe seja dada.”

II.3. O princípio da isonomia no acesso às infra-estruturas essenciais

14. Já na hipótese de os equipamentos serem excluídos da base de

remuneração dos ativos das distribuidoras, os consumidores livr es e especiais, ao

pagarem a TUSD dimensionada de forma a cobrir os custos relativos aos

equipamentos dos demais usuários, subsidiarão o custeio dos equipamentos dos

consumidores que permanecerem contratando o fornecimento de energia junto ao

agente de distribuição.

15. Para avaliar a situação jurídica desse possível subsídio, afigura-se

necessário apresentar o contexto fático e normativo à vista do qual devem ser

interpretados os dispositivos legais que versam sobre o acesso aos sistemas de

transmissão e de distribuição.

II.3.1. O § 6º do artigo 15 da Lei nº 9.074/95 e a introdução da livre concorrência e

da livre negociação no setor elétrico brasileiro

16. O principal dispositivo a versar sobre o acesso aos sistemas de

distribuição e transmissão é o § 6º do artigo 15 da Lei nº 9.074/95, o qual assim

dispõe: 6 STF, Segunda Turma, AI-AgR 118.894/SP, Relator Ministro Carlos Madeira, DJ de 2.10.1987, p. 21.154.

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“§ 6º É assegurado aos fornecedores e respectivos consumidores livre acesso aos sistemas de distribuição e transmissão de concessionário e permissionário de serviço público, mediante ressarcimento do custo de transporte envolvido, calculado com base em critérios fixados pelo poder concedente.”

17. Ao lado do caput do artigo 15 da Lei nº 9.074/95 – que relativizou o

monopólio dos agentes de distribuição ao outorgar a determinados consumidores o

direito de optar por contratar seu fornecimento com agente outro que não a

distribuidora local –, o § 6º do mesmo artigo 15 constituiu uma das medidas

normativo-estruturais centrais para a introdução da livre concorrência e da livre

competição no setor elétrico brasileiro, movimento que se completou com o artigo

10 da Lei nº 9.648/98, o qual estabeleceu que passaria a ser de livre negociação a

compra e venda de energia elétrica entre concessionários, permissionários e

autorizados.

18. É inequívoco que, sem a garantia legal de livre acesso aos sistemas de

transmissão e de distribuição, restaria frustrada a tentativa de introdução da livre

negociação e da livre concorrência no setor elétrico brasileiro.

19. Com efeito, o § 6º do artigo 15 da Lei nº 9.074/95 consubstancia

manifestação dos princípios constitucionais da função social da propriedade e da

livre concorrência 7 , bem como reflete a encampação, pela legislação do setor

elétrico brasileiro, da teoria das “essencial facilities”.

7 Vale reproduzir o disposto no artigo 170, incisos III e IV, da Constituição Federal:

“Art. 170 – A ordem econômica, fundada na valorização do trabalho humano e na livre iniciativa, tem por fim assegurar a todos existência digna, conforme os ditames da justiça social, observados os seguintes princípios: [...]

III – função social da propriedade;

IV – livre concorrência; [...]”.

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II.3.2. O § 6º do artigo 15 da Lei nº 9.074/95, a teoria das “essencial facilities” e o

direito de acesso às infra-estruturas essenciais

20. Conforme observa Calixto Salomão Filho:

“O conceito de essencial facitily foi desenvolvido no direito concorrencial para as hipóteses de extrema concentração econômica. Geralmente, essas hipóteses coincidem com os casos de monopólio natural ou com outros casos de monopólio decorrentes de razões estruturais e nos quais não há como presumir que o mercado seja capaz, por si, de dar solução a essas falhas. ... uma essencial facility existe [...] diante de situações de dependência de um agente econômico em relação a outro, no qual a oferta de certos produtos ou serviços não se viabilizaria sem o aceso ou o fornecimento do essencial” 8.

21. Diante dessas situações em que o acesso à infra-estrutura detida por

um agente é indispensável para a atuação de seus concorrentes, a teoria das

“essencial facilities” é utilizada pelo Estado para impor o compartilhamento das

infra-estruturas.

22. A propósito, vale reproduzir o magistério de Calixto Salomão Filho e

Alexandre Wagner Nester, respectivamente:

“... reconhecida a inviabilidade de uma solução estrutural para o problema, dada a impossibilidade de o bem ser duplicado, o legislador intervém diretamente na forma como a atividade será prestada, exigindo que o acesso aos bens essenciais seja garantido com preços e condições que tornem viável e competitiva a atividade das empresas que deles dependem.”9 “A assimetria de poder gerada entre o monopolista (tanto o histórico como o novo detentor da antiga infra-estrutura) e os potenciais novos entrantes passou a exigir uma regulação própria voltada ao estímulo da concorrência.

8 SALOMÃO FILHO, Calixto. Regulação e concorrência (estudos e pareceres). São Paulo: Malheiros, 2002, p. 40. 9 Ob. cit. p. 50.

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O Estado passou então a atuar na regulação dessas situações a fim de compensar o desequilíbrio existente entre os agentes atuantes no mercado e promover a competição nos setores em que esse regime se mostrou adequado. [...] Dentre as formas de que se vale o Estado para atingir essa finalidade está a aplicação da teoria das essencial facilities, através da qual se impõe a obrigação de compartilhamento das redes e infra-estruturas existentes, cuja duplicação afigura-se inviável, quer sob o prisma econômico, quer sob os aspectos fático ou jurídico.”10

23. Faz-se necessário observar que, desde a sua origem, a teoria das

“essencial facilities” assegura não apenas o direito de acesso às infra-estruturas

essenciais, mas o direito de acesso em condições isonômicas.

24. No precedente United States v. Terminal Railroad Association,

apontado como a origem da teoria da “essential facility”11, a Suprema Corte dos

Estados Unidos examinou o monopólio sobre todos os terminais ferroviários que

faziam conexão com a cidade de St. Louis, no Estado do Missouri, consoante anota

Alexandre Wagner Nester:

10 NESTER, Alexandre Wagner. Regulação e concorrência (compartilhamento de infra-estruturas e redes). São Paulo: Dialética, 2006, pp. 14-15. 11 Segundo Calixto Salomão Filho, “uma essencial facility existe [...] diante de situações de dependência de um agente econômico em relação a outro, no qual a oferta de certos produtos ou serviços não se viabilizaria sem o aceso ou o fornecimento do essencial” (Regulação e concorrência (estudos e pareceres). São Paulo: Malheiros, 2002, p. 40.).

Noticiando que United States v. Terminal Railroad Association configura a origem jurisprudencial da teoria da “essential facility”, assim consignam, respectivamente, Calixto Salomão Filho, Alexandre Wagner Nester e Alexandre Santos Aragão:

“O conceito de essential facility foi desenvolvido no direito concorrencial para hipóteses de extrema concentração econômica. [...]

Sua formulação tem origem jurisprudencial. Em United States v. Terminal Railroad Association of St. Louis, a Suprema Corte reconheceu que a criações de obstáculos ao acesso a determinada infra-estrutura poderia caracterizar uma infração ao Sherman Act, diante de certas circunstâncias.” (Ob. cit. p. 38-39).

“... a literatura costuma atribuir o seu surgimento a um julgamento mais antigo da Suprema Corte, de 1912: o United States v. Terminal Railroad Association. Este precedente, apesar de não ter feito expressa menção à teoria, assentou as bases para a noção de essential facility e o seu compartilhamento, com fulcro no Sherman Act.” (Regulação e concorrência (compartilhamento de infra-estruturas e redes). São Paulo: Dialética, 2006, p. 78).

“A Essencial Facilities Doctrine foi aplicada pela primeira vez no caso Terminal Railroad, julgado em 1912 pela Suprema Corte...” (Serviços públicos: regulação para concorrência. In: Temas de direito regulatório. Rio de Janeiro: Freitas Bastos, 2004, p. 94).

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“O caso envolveu uma situação de monopólio que abrangia todos os terminais ferroviários que faziam a conexão com a cidade de St. Louis (Estado do Missouri), assim como as linhas férreas que chegavam à cidade e as pontes que atravessavam o Rio Mississipi. O transporte ferroviário era o único meio de transporte coletivo e de grandes cargas na época. Sem a utilização desses terminais, era impossível a qualquer composição ferroviária entrar ou mesmo passar através de St. Louis, a fim de chegar às indústrias e estabelecimentos comerciais lá existentes. As condições geográficas e topográficas da região impediam o acesso por outra via. Essas mesmas condições físicas adversas inviabilizavam, tanto sob o aspecto econômico como físico, a duplicação dos terminais por outras empresas. E mais, justificavam inclusive a formação de um sistema único de terminais, através da combinação entre as empresas que os controlavam. Diante dessas circunstâncias, os detentores desse sistema único garantiam posição extremamente privilegiada, podendo impor preços abusivos, dificultar o acesso das composições dos demais concorrentes e, até mesmo, impossibilitá-las de ingressar na cidade. [...] Com base em depoimentos prestados por especialistas, concluiu-se não ser possível para os concorrentes construir um sistema paralelo. Como já apontado, as condições físicas e topográficas da região eram peculiares e não permitiam a duplicação dos terminais. Por esse motivo, entendeu-se que o controle exercido por aquele grupo sobre o sistema de terminais caracterizava um obstáculo substancial ao comércio de St. Louis e também ao comércio interestadual, visto que as linhas férreas de transporte de carga e passageiros entre os estados em questão necessariamente tinham que cruzar o Rio Mississipi naquela localidade (tanto em sentido leste como oeste). Essa situação de concentração econômica, portanto, foi considerada uma restrição ilegal ao comércio e, ao mesmo tempo, uma tentativa de monopolização.”12

25. Ao decidir o referido caso, a Suprema Corte Americana determinou

não apenas o acesso aos terminais ferroviários, mas o acesso em condições

isonômicas:

12 NESTER, Alexandre Wagner. Regulação e concorrência (compartilhamento de infra-estruturas e redes). São Paulo: Dialética, 2006, pp. 82 a 84.

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“A decisão da Suprema Corte pôs fim à controvérsia oferecendo aos detentores da facility a opção de promover, dentro de um prazo de noventa dias, uma reestruturação dos seus estatutos, de modo a: [...] (ii) prover o acesso aos terminais por qualquer outra empresa férrea que não se dispusesse a ingressar no grupo controlador (também com base em condições razoáveis de uso, qualidade e custo, de modo equivalente ao praticado pelas empresas do grupo); (iii) eliminar dos estatutos qualquer disposição que restringisse o uso das facilities por terceiros; (iv) aplicar tarifas equivalentes para as empresas provenientes de ambas as direções (leste e oeste); (v) eliminar qualquer cobrança diferenciada para o uso dos terminais pelo tráfego originado dentro de determinados limites de distância [...]”13

26. A respeito da necessidade de garantia de igualdade no acesso às redes

de transmissão e de distribuição, assim discorre Maurício Tolmasquim:

“... pode-se detectar uma dualidade estrutural no setor de energia elétrica, caracterizada pela mudança de um ambiente monopolista, para outro, mais competitivo, nos segmentos de geração e comercialização, e pela manutenção da situação de monopólio natural do segmento de transporte de energia elétrica. Neste contexto, os governos têm implementado um conjunto de inovações regulatórias visando ao tratamento dessa realidade diferenciada que, em linhas gerais, trata do estímulo à competição, nos segmentos de geração e comercialização, e da regulação ativa, nos que atuam de forma monopolística (transmissão e distribuição). Nos segmentos de geração e comercialização, as preocupações regulatórias se concentram na remoção das barreiras legais à entrada de novos concorrentes no mercado, até então dominado por empresas incumbentes, tradicionalmente fornecedoras de serviços de energia elétrica, no controle e no acompanhamento do processo de concentração de mercado, e na regulação do acesso à rede de transporte desta energia. A remoção das barreiras à entrada vem acompanhada da flexibilização das regras de operação dos novos agentes na geração (produtores independentes) e comercializadoras que, em termos gerais, obtêm autorização de entrada sem as obrigações de serviço público a que estão sujeitas as empresas incumbentes.

13 NESTER, Alexandre Wagner. Regulação e concorrência (compartilhamento de infra-estruturas e redes). São Paulo: Dialética, 2006, p. 84.

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Por sua vez, o acompanhamento do processo de concentração do mercado se torna necessário para coibir, preventivamente, e de forma reativa, as ações que representem abuso do poder de mercado. Para isso, os reguladores do setor elétrico vêm incorporando os instrumentos de defesa da concorrência e de controle do abuso do poder de mercado, utilizados em outros setores industriais. Vêm, também, desenvolvendo esforços de articulação com entidades de regulação antitruste, para o adequado acompanhamento e fiscalização de acordos de mercado, de aquisições acionárias e de eventuais abusos do poder de monopólio, visando à criação do ambiente mais competitivo possível. A regulação do acesso, por sua vez, é requisito essencial para que se criem, efetivamente, condições para o estabelecimento de rivalidade no mercado, tendo em vista que a firma incumbente controla o acesso ao consumidor final, mesmo que se elimine, formalmente qualquer restrição à entrada de agentes no mercado de geração ou comercialização de energia elétrica. Esta vantagem competitiva das firmas incumbentes fez com que se desenvolvessem três linhas básicas de ação regulatória, que devem ser encaminhadas de forma inter-relacionada, objetivando incentivar a competição e reduzir a discriminação do acesso contra entrantes. São elas: - garantia de igualdade de acesso, - desagregação estrutural (unbundling); e - regulamentação do preço de interconexão. Para a primeira, garantia de igualdade de acesso, o regulador deve dispor de instrumentos adequados a fim de evitar práticas discriminatórias contra os entrantes, por meio de preços ou de outras formas não pecuniárias, como a má qualidade de interconexão. A ênfase, neste caso, está na conduta do monopolista e não impacta diretamente a estrutura de mercado. A firma que possui o controle monopolista do acesso tem este preço regulado e deve fornecê-lo com qualidade e sem discriminação, participando do segmento competitivo do mercado. [...] A separação estrutural entre os segmentos competitivos e monopolistas das empresas incumbentes objetiva eliminar práticas de subsídios cruzados e de discriminação do acesso por parte do monopolista.”14

14 TOLMASQUIM, Maurício Tiomno; OLIVEIRA, Ricardo Gorini; CAMPOS, Adriana Fiorotti. As empresas do setor elétrico brasileiro: estratégias e performance. Rio de Janeiro: CENERGIA, 2002, pp. 20 a 22.

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II.3.3. Os usuários e o direito de acesso em condições isonômicas: a expressão

“livre acesso”

27. Cumpre notar que, no âmbito do setor elétrico, o direito de acesso em

condições isonômicas deve contemplar não apenas os agentes que exploram as

atividades de energia elétrica, mas também os consumidores de energia.

28. Isso porque, nos dias atuais, a energia elétrica, por ser universalmente

reconhecida como insumo inevitável e indispensável ao exercício de atividades

industriais, assume fundamental importância como fator de competitividade entre os

chamados insumidores, os consumidores que a utilizam em seus processos

produtivos.

29. Sobre o assunto, vale trazer a lume observação do jurista espanhol

Juan Carlos Cruz Ferrer:

“Os clientes industriais consideram o custo elétrico como um fator produtivo mais relevante na hora de tomar decisões relativas à produção. [...] Por isso, as tarifas elétricas se submetem à comparação com as dos países em que se localizam os principais competidores de nossas indústrias. Começa assim um processo de pressão sobre as tarifas elétrica e, quando estas não se consideram competitivas, os grandes consumidores industriais têm buscado energias alternativas, têm empreendido processos de autoprodução ou, em determinados casos, têm eleito estabelecimentos mais competitivos desde o ponto de vista dos custos de fornecimento energético (deslocamento). Os custos de eletricidade têm aumentado sua importância como fator de vantagem ou desvantagem competitiva.” 15

15 “Los clientes industriales consideran el coste eléctrico como un factor productivo más, relevante a la hora de tomar decisiones relativas a la producción. [...] Por ello, las tarifas eléctricas se someten a comparación con las de los países en que se ubican los principales competidores de nuestras industrias. Comienza así un proceso de presión sobre las tarifas eléctricas y, cuando éstas no se consideran competitivas, los grandes consumidores industriales han buscado energías alternativas, han emprendido procesos de autoproducción o, en determinados casos, han elegido emplazamientos más competitivos desde el punto de vista de los costes del suministro energético (deslocalización). Los costes de la electricidad han aumentado su importancia como factor de ventaja o desventaja competitiva.” (FERRER, Juan de la Cruz. La Liberalización de los servicios públicos y el sector eléctrico: modelos y análisis de la Ley 54/1997. Madrid: Marcial Pons, 1999, pp. 29 e 30).

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30. Em face desse cenário fático e normativo é que deve ser interpretada a

expressão “livre acesso”, constante do § 6º do artigo 15 da Lei nº 9.074/95.

31. Por constar de lei ordinária – Lei nº 9.074/95 –, a expressão “livre

acesso” revela que o acesso de consumidores e seus respectivos fornecedores aos

sistemas de transmissão e distribuição não pode ser alvo de restrições ou exigências

que não sejam fundadas em lei ordinária.

32. Por outras palavras, o ato infralegal que, sem amparo em expressa

previsão constante de lei ordinária, criar óbices ou restrições ao uso dos aludidos

sistemas violará a garantia legal de livre acesso.

33. Ademais, (i) o movimento que o § 6º do artigo 15 da Lei nº 9.074/95

inaugura – de introdução da livre concorrência e da livre negociação no setor

elétrico brasileiro –, (ii) a teoria das “essencial facilities” – em que esse dispositivo

se inspira –, (iii) o princípio constitucional da livre concorrência e (iv) a

circunstância de a energia constituir um fator de vantagem ou desvantagem

competitiva conduzem à conclusão de que o “livre acesso” pressupõe o acesso em

condições isonômicas, seja o acesso feito por agentes do setor ou por consumidores

de energia.

34. Nesse sentido, o artigo 7º, inciso I, do Decreto nº 2.655, de 2 de julho

de 1998, em compasso com o artigo 15, § 6º, da Lei nº 9.074/95, alude

expressamente ao princípio da isonomia no acesso aos sistemas de transmissão e de

distribuição:

“Art 7º A ANEEL estabelecerá as condições gerais do acesso aos sistemas de transmissão e de distribuição, compreendendo o uso e a conexão, e regulará as tarifas correspondentes, com vistas a:

I - assegurar tratamento não discriminatório a todos os usuários dos sistemas de transmissão e de distribuição, ressalvado o disposto no § 1º do

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art. 26 da Lei nº 9.427, de 1996, com a redação dada pelo art. 4º da Lei nº 9.648, de 1998; [...]”

35. Ao assegurar tratamento não discriminatório a todos os usuários dos

sistemas de transmissão e de distribuição, o Decreto nº 2.655/98 reforça que o

direito de acesso em condições isonômicas contempla tanto os agentes setoriais

quanto os usuários dos sistemas.

II.3.4. O direito de acesso em condições isonômicas em confronto com o custeio

dos equipamentos de outros consumidores

36. Constata-se, assim, que, na hipótese de os equipamentos de medição

dos consumidores livres e especiais serem excluídos da base de remuneração dos

ativos das distribuidoras, a circunstância de esses consumidores subsidiarem, via

TUSD, o custeio dos equipamentos dos consumidores que permanecem contratando

o fornecimento de energia junto ao agente de distribuição viola o princípio da livre

concorrência sob dupla perspectiva.

37. Sob a perspectiva dos consumidores livres ou especiais que custeiam

os equipamentos de outros consumidores, há violação (i) à garantia legal de livre

acesso, a qual, conforme observado, pressupõe acesso em condições isonômicas, e

(ii) à garantia de tratamento não discriminatório a todos os usuários dos sistemas de

transmissão e de distribuição.

38. Sob a perspectiva dos agentes comercializadores e geradores que

concorrem com os agentes de distribuição, há violação ao princípio constitucional

da livre concorrência e à garantia legal de concorrência efetiva entre os agentes

setoriais16, pois o fato de os consumidores livres e especiais custearem parte dos

16 De acordo com o disposto no artigo 3º, incisos VIII e IX, da Lei nº 9.427/96, compete à ANEEL:

“VIII - estabelecer, com vistas a propiciar concorrência efetiva entre os agentes e a impedir a concentração econômica nos serviços e atividades de energia elétrica restrições, limites ou condições para empresas, grupos empresariais e acionistas, quanto à obtenção e transferências de concessões, permissões e autorizações, à concentração societária e à realização de negócios entre si;

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equipamentos de medição dos consumidores cativos e potencialmente livres

representa, a um só tempo, um desestímulo à migração do consumidor para o

mercado livre e um estímulo à manutenção da condição de cativo, ou seja, constitui,

sem base legal, uma vantagem competitiva dos agentes de distribuição.

39. Impende asseverar que as hipóteses de subsídio devem estar previstas

em lei. Exemplo dessa diretriz reside no artigo 13 da Lei nº 10.438, de 26 de abril

de 2002, o qual estipulou que a Conta de Desenvolvimento Energético – CDE –, a

onerar todos os consumidores finais, garantiria recursos para atendimento à

subvenção econômica destinada à modicidade da tarifa de fornecimento de energia

elétrica aos consumidores finais integrantes da Subclasse Residencial Baixa

Renda17.

40. Ciente da impossibilidade de os consumidores livres e especiais serem

chamados, sem base legal, a subsidiar custos dos consumidores cativos, a ANEEL,

por ocasião da revisão da metodologia da TUSD e da Tarifa de Energia – TE – no

âmbito da Audiência Pública nº 47/04, transferiu da TUSD para a TE custos

exclusivos de consumidor cativo que já eram remunerados diretamente pelos

consumidores livres, tais como transporte de Itaipu, Encargos de Serviços do

Sistema – ESS –, perdas na rede básica e custos de geração própria.

IX - zelar pelo cumprimento da legislação de defesa da concorrência, monitorando e acompanhando as práticas de mercado dos agentes do setor de energia elétrica; [...]” 17 Vale conferir o artigo 13, caput e § 1º, da Lei nº 10.438/02:

“Art. 13. Fica criada a Conta de Desenvolvimento Energético - CDE, visando o desenvolvimento energético dos Estados e a competitividade da energia produzida a partir de fontes eólica, pequenas centrais hidrelétricas, biomassa, gás natural e carvão mineral nacional, nas áreas atendidas pelos sistemas interligados, promover a universalização do serviço de energia elétrica em todo o território nacional e garantir recursos para atendimento à subvenção econômica destinada à modicidade da tarifa de fornecimento de energia elétrica aos consumidores finais integrantes da Subclasse Residencial Baixa Renda, devendo seus recursos se destinar às seguintes utilizações: [...]

§ 1º Os recursos da Conta de Desenvolvimento Energético - CDE serão provenientes dos pagamentos anuais realizados a título de uso de bem público, das multas aplicadas pela ANEEL a concessionários, permissionários e autorizados e, a partir de 2003, das quotas anuais pagas por todos os agentes que comercializem energia com consumidor final, mediante encargo tarifário, a ser incluído a partir da data de publicação desta Lei nas tarifas de uso dos sistemas de transmissão ou de distribuição.”

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41. Na espécie, não há base legal para o subsídio que se caracterizaria

caso os consumidores livres e especiais custeassem, via TUSD, os equipamentos de

medição de outros consumidores.

42. Com efeito, consoante demonstrado, a circunstância de os

consumidores livres e especiais custearem os equipamentos de medição de outros

consumidores implica violação:

(i) ao artigo 15, § 6º, da Lei nº 9.074/95, que estampa a garantia legal

de livre acesso aos sistemas de transmissão e de distribuição;

(ii) ao artigo 7º, inciso I, do Decreto nº 2.655/98, que assegura

tratamento não discriminatório a todos os usuários dos sistemas de transmissão e de

distribuição ;

(iii) ao artigo 170, inciso IV, da Constituição Federal, no qual está

plasmado o princípio da livre concorrência; e

(iv) aos incisos VIII e IX do artigo 3º da Lei nº 9.427/96, os quais

impõem à ANEEL o dever de conformação de uma estrutura normativa e

regulatória que propicie concorrência efetiva entre os agentes.

43. Verificado que não há base jurídica para que os consumidores livres e

especiais subsidiem, via TUSD, os custos relativos aos equipamentos de medição,

impõe-se avançar para o exame da segunda questão objeto da consulta, a qual

consiste em identificar a solução adequada para que os mencionados consumidores

respondam financeiramente pelo SMF.

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III. FUNDAMENTAÇÃO DA RESPOSTA À SEGUNDA QUESTÃO

III.1. As alternativas para que os consumidores livres e especiais respondam

financeiramente pelo SMF

44. Duas são as soluções passíveis de serem cogitadas para que os

consumidores livres e especiais respondam financeiramente pelo SMF sem

subsidiarem outros consumidores:

(i) os consumidores livres e especiais ressarciriam diretamente as

distribuidoras pelo SMF, mas pagariam uma TUSD específica que não

contemplasse custos relativos a equipamentos de medição; ou

(ii) os consumidores livres e especiais continuariam remunerando seus

equipamentos de medição via TUSD e ressarciriam as distribuidoras apenas em

relação aos equipamentos adicionais, ou seja, aqueles que não são exigidos dos

consumidores cativos.

III.2. O desconto sobre os custos associados ao transporte de energia

III.2.1. O § 1º do artigo 26 da Lei nº 9.427/96

45. A adoção da primeira alternativa implicaria o descumprimento, por via

transversa, do disposto no § 1º do artigo 26 da Lei nº 9.427/96.

46. Por intermédio de seu artigo 4º, a Lei nº 9.648/98 acresceu o § 1º ao

artigo 26 da Lei nº 9.427/96, o qual prevê que a ANEEL estabelecerá, em favor de

determinados agentes, percentual de redução – desconto – a ser aplicado à TUST e à

TUSD:

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“§ 1º Para cada aproveitamento de que trata o inciso I, a ANEEL estipulará percentual de redução não inferior a 50% (cinqüenta por cento), a ser aplicado aos valores das tarifas de uso dos sistemas elétricos de transmissão e distribuição, de forma a garantir competitividade à energia ofertada pelo empreendimento.”

III.2.2. O Parecer nº 202/2004-PF/ANEEL

47. A questão relativa ao alcance do desconto previsto pelo § 1° do artigo

26 da Lei nº 9.427/96 foi solucionada com base no Parecer nº 202/2004-

PF/ANEEL, lavrado pelo ilustre Procurador Federal Luiz Eduardo Diniz Araújo.

48. No referido parecer, restou alcançada a conclusão de que o desconto

incide somente sobre os valores que guardem relação com o transporte de energia,

sem alcançar as componentes inseridas na TUST e na TUSD tão-somente para o fim

de operacionalizar a cobrança dos respectivos valores.

49. Para chegar a essa conclusão, a Procuradoria Federal junto à ANEEL

fixou, de início, que o objetivo das tarifas de uso dos sistemas de transmissão e de

distribuição seria remunerar os custos com o transporte de energia:

“16. Podendo produzir energia (produtores independentes de energia) e escolher o fornecedor livremente (consumidores livres), a tais agentes se garantiu o livre acesso – uso e conexão – aos sistemas elétricos de transmissão e de distribuição, mediante ressarcimento do custo do transporte, nos termos do art. 15, § 6°, da Lei n° 9.074/1995: [...] 17. Portanto, esse deve ser o objetivo das tarifas de uso dos sistemas de distribuição e transmissão estabelecido em lei: contraprestação pelo custo do transporte envolvido.”18

50. Em seguida, foi consignado que a ANEEL, em observância ao

disposto na Lei nº 9.074/95, sinalizava, em resoluções, a vinculação entre as tarifas

de uso e o ressarcimento dos custos de transporte de energia:

18 Destaques do original.

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“19. Pelas disposições da Resolução ANEEL n° 281/1999, as tarifas de uso refletiam unicamente o ressarcimento do custo do transporte, em estreita consonância com o disposto no art. 15, § 6°, da Lei n° 9.074/1995. A redação de seu art. 13 deixa bastante clara a vinculação dos elementos ali inscritos com o transporte de energia... 20. A Resolução ANEEL nº 286, de 1° de outubro de 1999, estabeleceu os valores das tarifas de uso dos sistemas de distribuição de energia elétrica a serem praticados para os consumidores livres e geradores conectados a estes sistemas, mantendo-se as tarifas de uso restritas à finalidade de ressarcir o custo do transporte de energia.”

51. Retida a relação entre as tarifas de uso e o ressarcimento dos custos de

transporte de energia, a Procuradoria Federal concluiu que o desconto previsto no §

1º do artigo 26 da Lei nº 9.427/96 incidiria somente sobre os valores relativos ao

ressarcimento dos custos de transporte:

“21. A Lei n° 9.648, de 27 de maio de 1998, que houvera instituído o desconto nas tarifas de uso dos sistemas de transmissão e distribuição, incidia exclusivamente sobre o ressarcimento do custo do transporte, já que o objetivo das tarifas de uso dos sistemas de distribuição – TUSD e das tarifas de uso dos sistemas de transmissão – TUST refletia fielmente o disposto no art 15, § 6°, da Lei n° 9.074/1995.”

52. Após assentar que o desconto incidiria somente sobre os valores

relativos ao ressarcimento dos custos de transporte, o parecer cuidou de expor as

razões que teriam levado à “distorção” dessa sistemática:

“22. Essa situação de incidência exclusiva do desconto sobre o custo do transporte restou distorcida, em relação à TUSD, a partir da edição da Resolução ANEEL n° 666/2002, como se verá a seguir. ... a Resolução CNPE n° 12/2002 dispôs em seu art. 1°, § 1°, que ‘na definição do valor das tarifas para os contratos de conexão e de uso dos sistemas de transmissão ou distribuição a que se refere este artigo, serão consideradas as parcelas apropriadas dos custos de transporte e das perdas de energia elétrica, bem como os encargos de conexão e os encargos setoriais de responsabilidade do segmento de consumo.’ 25. Em atenção ao disposto no art. 1°, § 1°, da referida Resolução do CNPE, a ANEEL editou a Resolução ANEEL no 666, de 29 de novembro 2002, inserindo, no cálculo das tarifas de uso dos sistemas de distribuição para os consumidores, os valores referentes às perdas

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comerciais de energia elétrica e aos encargos setoriais de responsabilidade do segmento consumo... 28. Mais adiante, a Lei n° 10.848, de 15 de março de 2004 – resultante da conversão da Medida Provisória n° 144/2003 – determinou a inclusão dos valores da Conta de Desenvolvimento Energético – CDE, que fora criada pelo art. 13 da Lei n° 10.438, de 26 de abril de 2002, nas tarifas de uso dos sistemas de transmissão e de distribuição. Desse modo, a CDE, a partir de 2004, vem sendo cobrada na parcela de encargos da TUSD e, assim, o desconto nas tarifas de uso também vêm sendo aplicado sobre os valores da CDE. 29. Vale notar que, a partir da Resolução ANEEL n° 666/2002, os descontos previstos no art. 26, § 1°, da Lei n° 9.427/1996, com redação dada, naquele momento, pela Lei n° 10.438/2002, passaram, na prática, a ser aplicados não apenas sobre o ressarcimento do custo do transporte, como ocorria até então, mas também sobre as perdas comerciais e sobre os encargos acima mencionados.”

53. Na seqüência, asseverou a Procuradoria Federal que as perdas

comerciais e os encargos afetos ao segmento consumo não guardam relação com o

transporte de energia. Ressaltou, ainda, que a inclusão das perdas comerciais e dos

encargos na TUSD ocorreu apenas para facilitar a cobrança dos respectivos valores:

“... as perdas comerciais e os encargos afetos ao segmento consumo não guardam qualquer relação com o transporte de energia. A inserção dos valores das perdas comerciais e dos encargos na TUSD se deu primordialmente com vistas a facilitar a sua cobrança. A intenção era, assim, além de atender às diretrizes traçadas pela Resolução CNPE n° 12/2002, utilizar o veículo das tarifas de uso para operacionalizar a cobrança dos valores dos encargos e das perdas – que dificilmente se materializaria por outra via – sem alargar a finalidade das tarifas de uso, mesmo porque, como se verá mais adiante, diplomas infra-legais não podem confrontar o disposto em lei e, ademais, não se poderia interpretar a lei a partir da leitura do regulamento. 31. Na prática, o desconto passou a ser aplicado sobre todos os elementos veiculados na tarifa de uso dos sistemas de distribuição, como se as perdas comerciais e os encargos de responsabilidade do segmento consumo representassem o custo do transporte. No entanto, apesar de estarem sendo cobrados sob a rubrica tarifas de uso, perdas comerciais e encargos de responsabilidade do segmento consumo não são, em essência, tarifas de uso, vez que estas têm por finalidade remunerar o uso dos sistemas, ao passo que aqueles têm finalidades outras. Essa situação terminou por gerar a aparência de que a Resolução ANEEL n° 666/2002 poderia ter alargado o que fora definido pelo art. 15, § 6°, da Lei n° 9.074/1995.”

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54. Nesse diapasão, a Procuradoria Federal junto à ANEEL firmou o

entendimento de que o desconto previsto no § 1º do artigo 26 da Lei nº 9.427/96 não

pode incidir sobre as componentes da TUSD que não correspondam ao

ressarcimento dos custos de transporte, sob pena de violação ao princípio da

legalidade.

55. Com acerto, consignou a Procuradoria que os atos infralegais não

podem “dilatar ou restringir o disposto em lei”, que “o desconto apenas pode ser

ampliado ou restringido por diploma da mesma hierarquia”:

“65. De logo, e após a expensão sobre a legalidade e atividade normativa do Poder Executivo, vê-se que diploma infra-legal não poderia ampliar o âmbito do benefício legal, já que, como visto, o regulamento se põe a meio caminho da lei e da atividade administrativa, não restando qualquer possibilidade para dilatar ou restringir o disposto em lei. Concedido por lei formalmente editada, o desconto apenas pode ser ampliado ou restringido por diploma da mesma hierarquia. 66. Enfim, tendo em vista a impossibilidade de regulamento – seja veiculado por Resolução da ANEEL, seja veiculado por Decreto Presidencial – alargar o conteúdo estabelecido por lei para as tarifas de uso dos sistemas de distribuição, a única interpretação legal para o fenômeno é que a Resolução apenas poderia utilizar o veículo das tarifas de uso para efetivar a cobrança das perdas comerciais e dos encargos setoriais de responsabilidade do segmento consumo, sem, contudo, alterar-lhes a finalidade – ressarcimento do custo do transporte. 67. Ou seja, apesar de ser possível a utilização do veículo tarifas de uso para se operacionalizar a cobrança das perdas comerciais e dos encargos setoriais de responsabilidade do segmento consumo, não se pode pretender que o desconto – que, nos termos da lei, deve ser aplicado sobre o ressarcimento do custo do transporte – alcance também tais exações.”

56. Ao final, foi alcançada a conclusão de que os descontos devem ser

aplicados sobre a Parcela Fio da TUSD e da TUST:

“78. Ante todo o exposto, verifica-se a impossibilidade de os descontos previstos no art. 26, § 1°, da Lei n° 9.427/1996 serem aplicados sobre as perdas comerciais e os encargos tarifários de responsabilidade do

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segmento consumo veiculados na TUSD, assim como sobre os encargos tarifários – CCC e CDE – veiculados na TUST. Os descontos devem ser aplicados apenas sobre a Parcela Fio das mencionadas tarifas.”19

57. Em síntese, o parecer afirma que o desconto deve incidir

exclusivamente sobre os valores relativos ao ressarcimento dos custos de transporte,

ou seja, os valores da componente Fio, os quais, de acordo com a Procuradoria

Federal, “refletem fielmente o conceito de custo do transporte.”

58. O entendimento adotado no parecer em questão foi encampado pela

Diretoria da ANEEL, que, ao editar a Resolução Normativa nº 77/04, fez constar,

do artigo 4º e dos incisos I e II do artigo 5º, o seguinte:

“Art. 4º O componente Fio será calculado observando as seguintes etapas: I – determinar os custos operacionais eficientes e a remuneração de investimentos prudentes relativos à atividade de distribuição de energia elétrica; II – adicionar aos custos e à remuneração referidos, o valor das despesas a seguir indicadas: a) montante das perdas técnicas do sistema de distribuição de energia elétrica; b) quota de Reserva Global de Reversão – RGR; c) encargos de conexão e do Operador Nacional do Sistema Elétrico – ONS; d) encargos de uso dos sistemas de distribuição; e) Pesquisa e Desenvolvimento - P&D e Eficiência Energética; f) PIS/PASEP e COFINS; e, g) Taxa de Fiscalização de Serviços de Energia Elétrica - TFSEE. Art. 5º A contratação de acesso e o respectivo faturamento, para as unidades consumidoras já conectadas, assim como para os novos interessados no acesso ao sistema, deverão cumprir as disposições da Resolução nº 281, de 1999, além de observar os seguintes critérios:

19 Original sem destaques.

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I - o percentual de redução para as unidades consumidoras conectadas na Rede Básica será aplicado somente sobre a parcela fio das Tarifas de Uso dos Sistemas de Transmissão – TUST vigentes; II - o percentual de redução para as unidades consumidoras conectadas na rede de distribuição será aplicado somente sobre a parcela fio das Tarifas de Uso dos Sistemas de Distribuição – TUSD vigentes; e III – o percentual de redução não incidirá sobre o valor do uso do sistema de transmissão e distribuição cobrado nos contratos de reserva de capacidade de que trata a Resolução nº 371, de 29 de dezembro de 1999.”

III.2.3.O desconto previsto no § 1º do artigo 26 da Lei nº 9.427/96 e os custos

relativos ao SMF

59. O fundamento utilizado para a definição das parcelas sobre as quais

incide o desconto previsto no § 1º do artigo 26 da Lei nº 9.427/96 pode ser assim

traduzido:

(i) o desconto incide sobre os custos relativos ao transporte de energia,

os quais estão refletidos na componente fio das tarifas de uso; e

(ii) “concedido por lei formalmente editada, o desconto apenas pode

ser ampliado ou restringido por diploma da mesma hierarquia”20.

60. Retido o entendimento firmado pela Procuradoria Federal e

encampado pela Diretoria da ANEEL, impende destacar que os custos relativos a

equipamentos de medição são custos associados ao transporte de energia, ou seja,

são custos associados ao serviço de distribuição em sentido estrito 21 , e não

exclusivamente ao serviço de fornecimento, pois os aludidos equipamentos são

20 Fl. 23 do Parecer nº 202/2004-PF/ANEEL. 21 É pacífico o entendimento de que distribuição de energia e fornecimento de energia são atividades distintas. A distribuição consiste no transporte de energia no âmbito das redes de distribuição. Já o fornecimento consiste na venda de energia para consumo. Os consumidores cativos contratam as duas atividades – de distribuição e de fornecimento – com as distribuidoras, ao passo que os consumidores livres contratam com as distribuidoras apenas a atividade de distribuição, uma vez que o fornecimento de energia é feito por agente outro que não a distribuidora local.

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indispensáveis para identificar o quão demandado foi o serviço de transporte de

energia pelo consumidor.

61. Sem os equipamentos de medição, não seria possível identificar o uso

que se faz dos serviços de transporte e, por conseqüência, não haveria como saber

os custos de transporte correspondentes ao uso que o consumidor faz dos sistemas

de transmissão e distribuição.

62. Resta evidente, portanto, que os custos incorridos com a implantação,

adequação e manutenção do SMF são associados ao transporte de energia.

63. Tanto assim o é que esses custos relativos aos equipamentos de

medição são remunerados na componente fio da TUSD, na chamada “TUSD – Fio

B”, conforme denota o já transcrito artigo 12, § 1º, inciso I, da Resolução nº 166/05,

combinado com passagem, também já transcrita, da Resolução nº 493/02.

64. Constata-se, assim, que a alternativa de os consumidores livres e

especiais ressarcirem diretamente as distribuidoras pelo SMF e pagarem uma TUSD

específica que não contemple custos relativos a equipamentos de medição exclui, da

base sobre a qual incide o desconto, custos relativos ao transporte de energia.

65. Em virtude de restringir o alcance do desconto, essa alternativa

somente poderia ser implementada por lei ordinária ou ato de força hierárquica

idêntica ou superior, sob pena de violação ao princípio da legalidade e ao § 1º do

artigo 26 da Lei nº 9.427/96.

66. Nesse ponto, convém invocar, uma vez mais, o assentado no parecer

jurídico que embasou a sistemática de definição do alcance do desconto no artigo

26, § 1º, da Lei nº 9.427/96:

“Concedido por lei formalmente editada, o desconto apenas pode ser ampliado ou restringido por diploma da mesma hierarquia.”

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67. Conclui-se, assim, que, para responderem financeiramente pelo SMF,

os consumidores livres e especiais devem ressarcir diretamente as distribuidoras

apenas em relação aos equipamentos adicionais – não exigidos dos consumidores

cativos –, mantendo a remuneração dos demais equipamentos de medição via

TUSD.

IV. FUNDAMENTAÇÃO DA RESPOSTA À TERCEIRA QUESTÃO

IV.1. A adequação técnica do SMF e o exercício do poder de polícia

68. O exame da questão de saber se há base jurídica para que a efetiva

migração do consumidor para o mercado livre seja condicionada à validação do

SMF pelas concessionárias de distribuição deve ser levado a efeito sob (2) dois

aspectos.

69. Primeiro, cumpre ter presente que a implantação do SMF deve

observar regras definidas pelo Operador Nacional do Sistema Elétrico – ONS – e

aprovadas pela ANEEL, quais sejam essas regras, as encartadas nos Procedimentos

de Rede.

70. Assim como a competência da ANEEL para estabelecer regras a

propósito da implantação do SMF decorre de sua atribuição de regular a

comercialização de energia elétrica, a averiguação do cumprimento dessas regras

configura exercício da atividade de fiscalização da comercialização de energia

elétrica, atividade que também compete à ANEEL, conforme revela o artigo 2º,

caput, da Lei nº 9.427/96:

“Art. 2º. A Agência Nacional de Energia Elétrica - ANEEL tem por finalidade regular e fiscalizar a produção, transmissão, distribuição e comercialização de energia elétrica, em conformidade com as políticas e diretrizes do governo federal.”

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71. Como o agente de distribuição, sob pena de violação aos princípios da

legalidade, da concorrência e do livre acesso, não pode impor exigências outras que

não as previstas na legislação setorial, a averiguação da presença, ou não, das

condições necessárias à migração para o mercado livre deve cingir-se à verificação

da observância das regras prescritas pela legislação.

72. Afigura-se inequívoco, pois, que a averiguação da presença das

condições necessárias à migração para o mercado livre configura típico ato de

fiscalização da atividade de comercialização de energia elétrica, fiscalização essa

que, por sua vez, constitui manifestação de exercício de poder de polícia, o qual , em

virtude de ser atividade típica de Estado, não pode ser delegado a particular,

conforme já decidido pelo Supremo Tribunal Federal:

“... a interpretação conjugada dos artigos 5°, XIII, 22, XVI, 21, XXIV, 70, parágrafo único, 149 e 175 da Constituição Federal, leva à conclusão, no sentido da indelegabilidade, a uma entidade privada, de atividade típica de Estado, que abrange até poder de polícia, de tributar e de punir, no que concerne ao exercício de atividades profissionais regulamentadas, como ocorre com os dispositivos impugnados.”22

73. Destarte, à luz da pacífica jurisprudência do Supremo Tribunal

Federal, impõe-se a conclusão de que a migração de consumidores para o mercado

livre não pode depender de qualquer ato de controle ou constatação a cargo dos

agentes de distribuição, sob pena restar caracterizada delegação do exercício do

poder de polícia.

IV.2. A exigência legal de que haja concorrência efetiva entre os agentes

setoriais

74. Ademais, não há como perder de perspectiva que os agentes

distribuidores concorrem por consumidores com geradores e agentes

comercializadores.

22 STF, Pleno, ADI 1717/DF, relator Ministro Sydney Sanches, DJ de 28.3.2003, p. 61.

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75. Logo, a circunstância de a migração de consumidores para o mercado

livre estar condicionada a qualquer ato de controle ou de constatação a cargo dos

distribuidores de energia opera em sentido contrário à exigência legal de que a

ANEEL atue na conformação de uma estrutura normativa e regulatória que propicie

concorrência efetiva entre os agentes, exigência essa imposta pelo artigo 3º, inciso

VIII, da Lei nº 9.427/96:

“Art. 3º. ... compete à ANEEL:

VIII - estabelecer, com vistas a propiciar concorrência efetiva entre os agentes e a impedir a concentração econômica nos serviços e atividades de energia elétrica restrições, limites ou condições para empresas, grupos empresariais e acionistas, quanto à obtenção e transferências de concessões, permissões e autorizações, à concentração societária e à realização de negócios entre si; [...]”

V. FUNDAMENTAÇÃO DA RESPOSTA À QUARTA QUESTÃO

V.1. O item 10.2.8 do PdC ME.07

76. A última questão objeto da consulta sob exame gravita em torno do

item 10.2.8 do Procedimento de Comercialização “PdC ME.07 – Penalidades de

Medição”, item esse vazado nos seguintes termos:

“10.2.8. A penalidade de multa por Infração na Instalação e/ou Adequação do Sistema de Medição para Faturamento - SMF terá como valor o montante de R$ 50.000,00 (cinqüenta mil reais), aplicáveis para cada ponto de medição irregular do Agente.”

77. É fácil perceber que o referido dispositivo estabelece uma multa no

valor fixo R$ 50.000,00 (cinqüenta mil reais), a ser aplicada independentemente da

demanda ou da condição econômica do consumidor, o que remete a reflexões a

propósito do princípio da isonomia.

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V.2. O princípio da isonomia

78. Segundo definição aristotélica universalmente aceita, o princípio da

igualdade consiste em tratar igualmente os iguais e desigualmente os desiguais,

na medida de suas desigualdades23.

79. Em compasso com o princípio da isonomia, o artigo 3º, inciso X, da

Lei nº 9.427/96, de maneira a fazer com que as multas sejam graduadas de acordo

com a capacidade econômica dos agentes, alça o faturamento do agente à condição

de parâmetro para cálculo da sanção:

“X - fixar as multas administrativas a serem impostas aos concessionários, permissionários e autorizados de instalações e serviços de energia elétrica, observado o limite, por infração, de 2% (dois por cento) do faturamento, ou do valor estimado da energia produzida nos casos de autoprodução e produção independente, correspondentes aos últimos doze meses anteriores à lavratura do auto de infração ou estimados para um período de doze meses caso o infrator não esteja em operação ou esteja operando por um período inferior a doze meses; [...]”

80. Atenta à necessidade de as multas serem dimensionadas de acordo

com a capacidade econômica do agente, a própria Superintendência de Estudos

Econômicos do Mercado – SEM – fez a seguinte ressalva na Nota Técnica nº

238/2007-SEM/ANEEL, a qual instrui a Audiência Pública nº 007/2007:

“Devem ser observados os seguintes pontos na minuta de PdC encaminhada pela CCEE: [...] · Alteração da Premissa 10.3.7: “A penalidade de multa por Infração na Inspeção Lógica terá como valor o montante de R$ 1.500,00 (hum mil e

23 Vale conferir a lição de Manoel Jorge e Silva Neto acerca da matéria:

“... ultrapassado o modelo de Estado burguês, que se ocupava da dimensão meramente formal do postulado isonômico, passou o ente estatal a interferir na vida em sociedade para efetivar a isonomia de natureza substancial, que vem a ser a intervenção do estado para, ao reconhecer diferenças essenciais entre os indivíduos, tratar igualmente os iguais e desigualmente os desiguais, na medida de suas desigualdades, segundo a célebre definição aristotélica.” (SILVA NETO, Manoel Jorge e. Curso de direito constitucional . – Rio de Janeiro: Lúmen Júris, 2006, p. 478).

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quinhentos Reais) por MWmed comercializado no mês em questão, aplicáveis para cada ponto de medição irregular do Agente.” para haver melhor balizamento na penalidade a ser aplicada em função do tamanho do agente.”24

V.3. O princípio da proporcionalidade e a política setorial definida em lei

81. É preciso atentar, ainda, para a possibilidade de a redução de custo

obtida pelos consumidores com a migração para o mercado livre, sobretudo pelos

consumidores indicados no § 5º do artigo 26 da Lei nº 9.427/96, ser inferior ao valor

da multa sugerida no item 10.2.8 do Procedimento de Comercialização “PdC

ME.07 – Penalidades de Medição”.

82. A multa prevista no referido item tem possui a finalidade de exortar o

consumidor a promover a devida instalação e/ou adequação do SMF. Logo, fixá-la

em patamar superior à redução de custo obtida pelo consumidor significa desvirtuá-

la, pois, para além de censurar e punir o consumidor cujo SMF é inadequado, a

multa é convolada em um desestímulo à própria migração para o mercado livre.

83. Nessas condições, a multa ofende o princípio da proporcionalidade, o

qual exige que as medidas estatais correspondam exatamente ao meio necessário e

suficiente ao alcance do resultado pretendido.

84. Consoante observa o Ministro Gilmar Mendes, o princípio da

proporcionalidade:

“pressupõe não só a legitimidade dos meios utilizados e dos fins perseguidos pelo legislador, mas também a adequação desses meios para consecução dos objetivos pretendidos e a necessidade de sua utilização. Um juízo definitivo sobre a proporcionalidade ou razoabilidade da medida há de resultar da rigorosa ponderação entre o significado da intervenção para o atingido e os objetivos perseguidos pelo legislador (proporcionalidade ou razoabilidade em sentido estrito)”25.

24 Fl. 5 da Nota Técnica nº 238/2007-SEM/ANEEL. 25 MENDES, Gilmar Ferreira. Moreira Alves e o controle de constitucionalidade no Brasil. São Paulo: Saraiva, 2004, p. 83.

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85. Vale destacar que o princípio da proporcionalidade se encontra

plasmado de forma expressa nos artigos 2º, caput e parágrafo único, inciso VI, da

Lei nº 9.784/99 e 5º, inciso V, do Anexo à Resolução nº 233/98:

“Art. 2o A Administração Pública obedecerá, dentre outros, aos princípios da legalidade, finalidade, motivação, razoabilidade, proporcionalidade, moralidade, ampla defesa, contraditório, segurança jurídica, interesse público e eficiência. Parágrafo único. Nos processos administrativos serão observados, entre outros, os critérios de: [...] VI - adequação entre meios e fins, vedada a imposição de obrigações, restrições e sanções em medida superior àquelas estritamente necessárias ao atendimento do interesse público; [...]” “Art. 5º Os processos administrativos observarão o disposto na Lei nº 9.784, de 29 de janeiro de 1999, e, dentre outros, os seguintes critérios: [...] V - adequação entre meios e fins, vedada a imposição de obrigações, restrições e sanções em medida superior àquelas estritamente necessárias ao atendimento do interesse público; [...]”

86. Com efeito, a multa sugerida no item 10.2.8 do Procedimento de

Comercialização “PdC ME.07 – Penalidades de Medição” afronta o princípio da

proporcionalidade, na medida em que:

(i) está fixada em medida superior à necessária para o alcance do fim

a que deve servir; e

(ii) desestimula a migração, sobretudo dos consumidores de menor

porte, o que contraria a política setorial estampada nos artigos 15 da Lei nº 9.074/95

e 26, § 5º, da Lei nº 9.427/96.

VI. CONCLUSÃO

87. Ao cabo do exposto, alcançam-se as seguintes conclusões:

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(i) caso sejam remunerados por um mesmo ativo via TUSD e via

ressarcimento ou pagamento direto promovido pelos consumidores livres e

especiais, os agentes de distribuição receberão 2 (duas) vezes por um mesmo bem, o

que viola “a garantia constitucional implícita vedadora do enriquecimento sem

causa”26 e o princípio do “no bis in idem”;

(ii) a circunstância de os consumidores livres e especiais custearem os

equipamentos de medição de outros consumidores implica violação (ii.a) ao artigo

15, § 6º, da Lei nº 9.074/95, que estampa a garantia legal de livre acesso aos

sistemas de transmissão e de distribuição, (ii.b) ao artigo 7º, inciso I, do Decreto nº

2.655/98, que assegura tratamento não discriminatório a todos os usuários dos

sistemas de transmissão e de distribuição, (ii.c) ao artigo 170, inciso IV, da

Constituição Federal, no qual está plasmado o princípio da livre concorrência e

(ii.d) aos incisos VIII e IX do artigo 3º da Lei nº 9.427/96, os quais impõem à

ANEEL o dever de conformação de uma estrutura normativa e regulatória que

propicie concorrência efetiva entre os agentes;

(iii) a alternativa de os consumidores livres e especiais ressarcirem

diretamente as distribuidoras pelo SMF e pagarem uma TUSD específica que não

contemple custos relativos a equipamentos de medição exclui, da base sobre a qual

incide o desconto, custos relativos ao transporte de energia, o que, por restringir o

alcance do desconto, somente pode ser implementado por lei ordinária ou ato de

força hierárquica idêntica ou superior, sob pena de violação ao princípio da

legalidade e ao § 1º do artigo 26 da Lei nº 9.427/96;

(iv) para responderem financeiramente pelo SMF, os consumidores

livres e especiais devem ressarcir diretamente as distribuidoras apenas em relação

26 Trecho da ementa do AI-AgR 182.458/SP. STF, Segunda Turma, relator Ministro Marco Aurélio, DJ de 16.5.1997.

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aos equipamentos adicionais – não exigidos dos consumidores cativos –, mantendo

a remuneração dos demais equipamentos de medição via TUSD;

(v) a migração de consumidores para o mercado livre não pode

depender de qualquer ato de controle ou constatação a cargo dos agentes de

distribuição, sob pena restar caracterizada delegação do exercício do poder de

polícia;

(vi) a circunstância de a migração de consumidores para o mercado

livre estar condicionada a qualquer ato de controle ou de constatação a cargo dos

distribuidores de energia opera em sentido contrário à exigência legal de que a

ANEEL atue na conformação de uma estrutura normativa e regulatória que propicie

concorrência efetiva entre os agentes setoriais; e

(vii) a multa sugerida no item 10.2.8 do Procedimento de

Comercialização “PdC ME.07 – Penalidades de Medição” afronta os princípios da

isonomia e da proporcionalidade, na medida em que (vii.a) consiste em um valor

fixo a ser cobrado independentemente da demanda ou da condição econômica do

consumidor, (vii.b) está fixada em medida superior à necessária para o alcance do

fim a que deve servir e (vii.c) desestimula a migração sobretudo dos consumidores

de menor porte, o que contraria a política setorial estampada nos artigos 15 da Lei

nº 9.074/95 e 26, § 5º, da Lei nº 9.427/96.

É o parecer, s.m.j.

Brasília, 31 de agosto de 2007.

Julião Silveira Coelho

OAB/DF nº 17.202