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GRADUAÇÃO 2014.1 ORGANIZAÇÃO JURÍDICA DA GRANDE EMPRESA AUTORES: MARCELO MOURA E MARCIO GUIMARÃES COLABORAÇÃO: GUILHERME MELLO E PEDRO GARCIA DE SOUZA

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GRADUAÇÃO 2014.1

ORGANIZAÇÃO JURÍDICA DA

GRANDE EMPRESAAUTORES: MARCELO MOURA E MARCIO GUIMARÃES

COLABORAÇÃO: GUILHERME MELLO E PEDRO GARCIA DE SOUZA

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SumárioOrganização Jurídica da Grande Empresa

ROTEIRO DO CURSO............................................................................................................................................. 3

AULA 1: A ERA DAS GRANDES EMPRESAS .................................................................................................................. 5

AULA 2: SOCIEDADE ANÔNIMA: EVOLUÇÃO HISTÓRICA, NOÇÕES GERAIS E CARACTERÍSTICAS PRINCIPAIS............................... 14

AULAS 3 E 4: COMPANHIA ABERTA E FECHADA. MERCADO DE VALORES MOBILIÁRIOS. COMISSÃO DE VALORES MOBILIÁRIOS. NOÇÕES GERAIS. ............................................................................................. 27

AULAS 5 E 6: AÇÕES E OUTROS VALORES MOBILIÁRIOS. .............................................................................................. 42

AULA 7: ACIONISTAS E ACIONISTA CONTROLADOR: NOÇÕES GERAIS; DIREITOS E OBRIGAÇÕES; PODER DE CONTROLE; ACORDOS DE ACIONISTAS ....................................................................................................... 58

AULAS 8 E 9: ÓRGÃOS ADMINISTRATIVOS: ADMINISTRAÇÃO. CONSELHO DE ADMINISTRAÇÃO E DIRETORIA: CARACTERÍSTICAS, COMPOSIÇÃO, FUNCIONAMENTO E COMPETÊNCIA. DEVERES E RESPONSABILIDADES DOS ADMINISTRADORES. ......................................................................................... 77

AULAS 12 E 13: GOVERNANÇA CORPORATIVA ......................................................................................................... 104

AULAS 14 E 15: TRANSFORMAÇÃO, INCORPORAÇÃO, FUSÃO E CISÃO. ............................................................................ 122

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ORGANIZAÇÃO JURÍDICA DA GRANDE EMPRESA

FGV DIREITO RIO 3

ROTEIRO DO CURSO

1.1. APRESENTAÇÃO GERAL

O principal objetivo da disciplina é entender a Sociedade Anônima, como organização jurídica mais adotada pela Grande Empresa, mediante a análise de conceitos jurídicos, da legislação, da regulamentação da CVM e de casos reais.

1.2. MATERIAL DIDÁTICO E METODOLOGIA

O material didático apresenta o roteiro das aulas, indicação de textos para leitura, casos práticos e outras questões relevantes para cada aula. Para um melhor aproveitamento do curso, recomenda-se que tanto o material didáti-co quanto os textos indicados sejam lidos antes de cada aula.

Também serão indicados textos de leitura complementares, que permiti-rão um maior aprofundamento acerca de temas específi cos de especial inte-resse dos alunos.

Pretende-se utilizar bastante em aula a metodologia de análise de casos.

1.3. FORMAS DE AVALIAÇÃO

Serão realizadas 02 (duas) provas, em sala de aula, compreendendo toda a matéria ministrada até a data de cada prova. As provas poderão ser feitas com consulta apenas à Lei das Sociedades Anônimas, sem comentários ou anotações.

Eventualmente, poderão ser feitas avaliações complementares com base em atividades ou em trabalhos sobre temas específi cos a serem indicados pelo professor.

Com base em tais avaliações, obter-se-á a média aritmética referente à disciplina. Caso o aluno obtenha média aritmética inferior a 7 (sete), deverá realizar uma terceira prova, a qual compreenderá toda a matéria do semestre.

1.4. LIVROS TEXTO:

A maior parte da matéria pode ser acompanhada pelo Volume 2 do Curso de Direito Comercial de Fábio Ulhoa Coelho, Editora Saraiva. Além desse, recomenda-se o Curso de Direito Comercial de Rubens Requião, Volume 2, Editora Saraiva e os Comentários à Lei das Sociedades Anônimas de Modesto

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Carvalhosa, Editora Saraiva. Para a primeira aula, o Volume 1 do Curso de Direito Comercial de Rubens Requião é a leitura indicada.

Professor: também indico o livro Direito Societário, de autoria de José Edwaldo Tavares Borba (Renovar, 2009).

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1. Tal foi a afi rmação de J. X. Carvalho

de Mendonça, autor que propôs co-

nhecidíssima classifi cação dos atos de

comércio, nos seguintes termos: “Os

códigos e tratados de direito comer-

cial não oferecem conceito jurídico

unitário e completo sobre os atos de

comércio. Legislação e doutrina não se

harmonizam em tão relevante assunto,

o que multiplica os embaraços à cons-

trução de sólido sistema científi co” (J.

X. Carvalho de Mendonça, “Tratado de

Direito Comercial Brasileiro”, vol. I, livro

I, 6ª ed., Rio de Janeiro: Freitas Bastos,

1957, p. 419). Na mesma obra, o autor

revela a amplitude do problema no di-

reito comparado, citando entre os que

compartilham de seu entendimento

Lyon Caen et Renault, na França, Vidari,

Vivante e Navarrini, na Itália, alem do

suíço Muzinger, do espanhol Estasén

e do argentino Segovia (pp. 419-421).

2. Arnoldo Wald, “O espírito empresarial,

a empresa e a reforma constitucional”.

Revista de Direito Mercantil, Industrial,

Econômico e Financeiro nº 98/51-57,

São Paulo: Ed. RT, abril/junho, 1995, p.

55 (grifou-se).

AULA 1: A ERA DAS GRANDES EMPRESAS

A) MATERIAL DE LEITURA

Leitura Básica

Curso de Direito Comercial, Rubens Requião, Vol.1, págs. 75-88;

B) ROTEIRO DE AULA

Para que possamos analisar a organização jurídica que mais comumente adota a grande empresa, temos antes de lembrar o que é empresa, conceito discutido nos períodos anteriores à luz da teoria da empresa.

B.1) O QUE É A EMPRESA?

Observada a imprecisão científi ca e a insufi ciência da teoria dos atos de comércio1, impôs-se a necessidade de construir um novo sistema adequado aos avanços da economia que delimitasse o âmbito de aplicação das normas comerciais, de forma a adaptar a disciplina às necessidades da sociedade con-temporânea.

De fato, é inquestionável a importância do papel ecônomico e social atu-almente exercido pela empresa — em especial a grande empresa —, tendo-se tornado esta imprescindível na ordem econômica globalizada. Tal relevância é salientada por economistas e juristas dos mais renomados, chegando-se a afi rmar, com todo acerto, que:

“A evolução da empresa representa, na realidade, um elemento básico para a compreensão do mundo contemporâneo. Do mesmo modo que, no passado, tivemos a família patriarcal, a paróquia, o Mu-nicípio, as corporações profi ssionais, que caracterizam um determinado tipo de sociedade, a empresa representa, hoje, a célula fundamental da economia de mercado”2.

No mesmo sentido, Fábio Konder Comparato resume bem a importância da empresa nos dias atuais:

“Se se quiser indicar uma instituição social que, pela sua infl uência, dinamismo e poder de transformação, sirva de elemento explicativo e

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3. Fábio Konder Comparato, Direito

empresarial: estudos e pareceres, São

Paulo: Saraiva, 1990, p. 3.

4. Walter Lippkann, A cidade livre, 1938,

p. 329 apud Georges Ripert, Aspectos

jurídicos do capitalismo moderno. Cam-

pinas: RED livros, 2002, p. 67.

5. Tullio Ascarelli vê a manutenção de

um critério objetivo, pela importância

que se dá à atividade na qualifi cação do

empresário (“O empresário” (Tradução

de Fábio Konder Comparato, in “Corso

di Diritto Comerciale — Introduzione

e Teoria dell’Impresa”, 3ª ed., Milano:

Giuff rè, 1962; pp. 145-160). Revista de

Direito Mercantil, Industrial, Econômico e

Financeiro n.º 109/183-189, São Paulo:

Malheiros, janeiro/março, 1998).

6. Constata Rubens Requião que “são

juristas italianos os que mais se dedi-

cam ao estudo da empresa. Já sabemos

que o moderno direito privado da Itália

funda-se sobre a teoria da empresa.

Mas, antes mesmo da reforma de 1942,

os comercialistas peninsulares indaga-

vam, como Vivante, sobre o seu concei-

to, em face das referências a ela feitas

na enumeração dos atos de comércio”

(Rubens Requião, “Curso de Direito

Comercial”, vol. I, 24a ed., São Paulo:

Saraiva, 2000; p. 53).

7. Rubens Requião, “Curso de Direito

Comercial”, vol. I, 24ª ed., São Paulo:

Saraiva, 2000; p. 50.

8. O jurista italiano Vivante igualou o

conceito jurídico ao conceito econô-

mico, consoante apontado por Rubens

Requião, “Curso de Direito Comercial”,

vol. I, 24ª ed., São Paulo: Saraiva, 2000;

p. 53.

9. Sylvio Marcondes, “Questões de Direi-

to Mercantil”, São Paulo: Saraiva, 1977;

p.8. No mesmo sentido temos a lição

de Waldírio Bulgarelli, nos seguintes

termos: “Os economistas vêm-se esfor-

çando desde a Revolução Industrial em

conceituar a empresa, nem sempre com

êxito. Hoje, contudo, é quase unânime a

idéia de que a empresa é uma unidade

organizada de produção e comercia-

lização de bens e serviços para o mer-

cado” (Waldírio Bulgarelli, “Sociedades,

Empresa e Estabelecimento”, São Paulo:

Atlas, 1980; p. 19). O mesmo autor, em

obra diversa, demonstra o seu aceite

pelo conceito econômico de empresa:

“Uma vez, portanto, que há verdadeira

unanimidade em relação ao conceito

econômico de empresa, como aliás

assinala muito bem Sylvio Marcondes,

nada há de errado na sua aceitação por

parte do Direito, e foi nessa conformi-

dade que a legislação veio regulando os

seus vários aspectos (...)” (Waldírio Bul-

garelli, “Estudos e Pareceres de Direito

Empresarial: o Direito das Empresas”,

São Paulo: Ed. RT, 1980; p. 17).

defi nidor da civilização contemporânea, a escolha é indubitável: essa instituição é a empresa”3.

Essa constatação é também freqüente entre os economistas. Referindo-se especifi camente às sociedades anônimas, assevera-se que “o capitalismo mo-derno não teria podido se desenvolver se a sociedade por ações não existisse”4.

No entanto, sob a égide da teoria objetiva, diversas atividades de caráter intrinsecamente empresarial eram ignoradas pelo Direito Comercial, visto não se enquadrarem nas acepções legais de ato de comércio. Apenas para ci-tar um entre diversos exemplos admissíveis, o desenvolvido setor de serviços, por não se enquadrar nas defi nições elaboradas para os atos de comércio, não se encontrava regulado pelas normas comerciais, o que per si demonstrava a imprescindibilidade de uma nova sistemática.

Como já citado, a teoria subjetiva moderna apresenta como núcleo fun-damental o conceito de empresa5. Ocorre que mesmo entre os adeptos da “teoria da empresa”, em especial os italianos, marcados pelo seu pioneirismo6, tem-se encontrado difi culdades para defi nir o seu conceito jurídico, não obs-tante sua pacífi ca conceituação nas ciências econômicas. A esse propósito, vale registrar a lição de Rubens Requião:

“Em vão, os juristas têm procurado construir um conceito jurídico próprio para tal organização. Sente-se em suas lições certo constran-gimento, uma verdadeira frustração por não lhes haver sido possível compor um conceito jurídico próprio para a empresa, tendo o comer-cialista que se valer do conceito formulado pelos economistas. Por isso, persistem os juristas no afã de edifi car em vão um original conceito ju-rídico de empresa, como se fosse desdouro para a ciência jurídica trans-por para o campo jurídico um bem elaborado conceito econômico”7.

Ensina Giuseppe Ferri que a noção econômica de empresa, sob a qual deve se assentar o seu conceito jurídico8, incorpora-se na organização dos fatores de produção, baseada em princípios técnicos e leis econômicas, propondo-se à satisfação de necessidades alheias, vale dizer, do mercado. A esse propósito, vale citar, pela clareza, os ensinamentos precisos de Sylvio Marcondes:

“O conceito econômico de empresa está na organização dos fatores de produção de bens ou de serviços para o mercado, coordenada pelo empresário, que lhe assume os resultados. Sobre este conceito econô-mico ninguém põe dúvida. Mas, como o Direito trata este conceito econômico?”9.

Para responder à indagação formulada pela doutrina, deve-se atentar para uma observação feita por Alberto Asquini, o qual com muito acerto indicou

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10. Apud Sylvio Marcondes, “Questões

de Direito Mercantil”, São Paulo: Sarai-

va, 1977; p.8.

11. Apud Rubens Requião, “Curso de

Direito Comercial”, vol. I, 24a ed., São

Paulo: Saraiva, 2000; p. 55.

12. A referida tese foi publicada na

Rivista del Diritto Commerciale, fascs.

1 e 2, 1943, sob o titulo “Profi li

dell’Imprensa”, conforme Rubens Re-

quião, “Curso de Direito Comercial”, vol.

I, 24a ed., São Paulo: Saraiva, 2000; p.

71. Em português, a tese foi publicada,

com tradução de Fábio Konder Com-

parato, na Revista de Direito Mercantil,

Industrial, Econômico e Financeiro n.º

104/109-126, São Paulo: RT, outubro/

dezembro, 1996.

13. Rubens Requião, “Curso de Direito

Comercial”, vol. I, 24a ed., São Paulo:

Saraiva, 2000; p. 55.

14. Art. 2.082 do Codice Civile italiano de

1942: “Imprenditore — È imprenditore

chi esercita professionalmente una atti-

vità economica organizzata al fi ne della

produzione o dello scambio di beni o di

servizi”.

15. Art. 966 do Novo Código Civil: “Art.

966. Considera-se empresário quem

exerce profi ssionalmente atividade

econômica organizada para a produção

ou a circulação de bens ou de serviços”.

16. Rubens Requião, “Curso de Direito

Comercial”, vol. I, 24a ed., São Paulo:

Saraiva, 2000; p. 55.

17. Waldírio Bulgarelli, “Sociedades,

Empresa e Estabelecimento”, São Paulo:

Atlas, 1980; p. 22.

que as difi culdades da conceituação jurídica de empresa derivam do fato de esta ser um “fenômeno poliédrico”. Com essa afi rmação, quis o eminente comercialista italiano demonstrar que a empresa apresenta um conceito eco-nômico unitário, o mesmo não ocorrendo com o seu conceito jurídico, rece-bendo a empresa tratamentos legislativos diversos10.

Firmado esse entendimento, sugere o jurista italiano que se abdique da tentativa de elaboração de um conceito jurídico de empresa, devendo-se fo-car no estudo dos “aspectos jurídicos da empresa econômica”, na expressão de Giuseppe Ferri11. Sob esses argumentos, Asquini elabora a sua difundida “teoria dos perfi s da empresa”12, bem resumida por Rubens Requião:

“Vislumbra, então, Asquini a empresa sob quatro diferentes perfi s: a) o perfi l subjetivo, que vê a empresa como o empresário; b) o perfi l funcional, que vê a empresa como atividade empreendedora; c) o perfi l patrimonial ou objetivo, que vê a empresa como estabelecimento; d) o perfi l corporativo, que vê a empresa como instituição”13.

O Codice Civile italiano de 1942, pioneiro ao sugerir um modelo que superasse o sistema francês, não chega a estabelecer um conceito jurídico de empresa, preferindo defi nir o seu perfi l subjetivo — o empresário — em seu art. 2.08214, como sendo aquele que exerce profi ssionalmente uma atividade econômica organizada para a produção e circulação de bens ou serviços.

O legislador brasileiro, inspirado pelo modelo italiano, não apresenta ino-vações em relação ao Codice Civile de 1942, ao defi nir o empresário como sendo “quem exerce profi ssionalmente atividade econômica organizada para a produção ou a circulação de bens ou de serviços15“.

Das defi nições legais supracitadas decorrem os elementos essenciais à em-presa, quais sejam, no entendimento de Rubens Requião, o sujeito de direito, a sua atividade particular, a fi nalidade produtiva e o caráter profi ssional16. En-contramos também em Waldírio Bulgarelli a referência a quatro elementos. Contudo, o renomado comercialista os apresenta como sendo a organização, a atividade econômica, o fi m lucrativo e a profi ssionalidade17. Bugarelli acres-centa o fi m lucrativo como elemento essencial à empresa, posto que não há empresa que não vise o lucro.

Por esse contexto, cabe observar que, no esforço de construir um conceito jurídico de empresa, pouco se afastou da noção econômica. A esse propósito, é incisiva a conclusão de Waldírio Bulgarelli, centralizando o conceito de em-presa no seu perfi l subjetivo, seguindo a opção legislativa italiana e brasileira:

“Dessume-se, assim, o conceito de empresa daquele de empresário, podendo-se conceituá-la como a organização da atividade econômica para o fi m de produção ou de troca de bens ou serviços. Verifi ca-se,

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18. Waldírio Bulgarelli, “Sociedades,

Empresa e Estabelecimento”, São Paulo:

Atlas, 1980; pp. 22-23.

19. Disponível em http://www.sebrae.

com.br/br/aprendasebrae/estudose-

pesquisas.asp. Acesso em outubro de

2006.

portanto, a transmudação que ocorreu no conceito econômico na sua passagem para o âmbito jurídico, sob a égide do empresário, ou seja, de organização da atividade econômica para o de exercício profi ssional da atividade econômica organizada”18.

B.2) O QUE É A GRANDE EMPRESA?

Relembrado o conceito de empresa, cabe, neste momento, uma indaga-ção: o que é precisamente a grande empresa? É notório que a grande empresa exerce atualmente infl uência dominante no cenário econômico-social con-temporâneo, igualando ou, em muitos casos, superando o poder antes atribu-ído aos Estados. Mas quais são os critérios para defi nir uma grande empresa? O que a diferencia da pequena empresa?

Diversos critérios podem ser utilizados. Por exemplo, o SEBRAE classifi ca a empresa em função do número de pessoas ocupadas. Ao defi nir a micro e pequena empresa, entender-se-ia, a contrario sensu, que o SEBRAE classifi ca como grandes empresas aquelas que, na indústria e na construção, empregam mais de 100 (cem) pessoas, e que, no comércio e serviços, empregam mais de 50 (cinqüenta) pessoas19. Também por via indireta, a interpretação conjunta da Lei nº 9.841/1999 (Estatuto da Microempresa e da Empresa de Pequeno Porte) com o Decreto nº 5.028/2004 levaria à conclusão de que são grandes empresas aquelas que tivessem uma receita bruta anual superior a R$ 2.133.222,00 (dois milhões, cento e trinta e três mil, duzentos e vinte e dois reais).

A Lei 11.638/2007, que estende às sociedades de grande porte às dispo-sições da Lei das Sociedades Anônimas sobre escrituração e elaboração de demonstrações fi nanceiras, defi ne como sendo de grande porte “a sociedade ou conjunto de sociedades sob controle comum que tiver, no exercício so-cial anterior, ativo total superior a R$ 240.000.000,00 (duzentos e quaren-ta milhões de reais) ou receita bruta anual superior a R$ 300.000.000,00 (trezentos milhões de reais)”. Seria essa, então, a grande empresa no Brasil? É um critério.

No entanto, esses critérios exemplifi cativos são insufi cientes para defi nir o fenômeno que se pretende analisar, por não se coadunarem com a realida-de sócio-econômica. O conceito de grande empresa é histórico, variando de acordo com cada época e lugar. Na verdade, constata-se que, apesar da noção quase que intuitiva do que é a grande empresa, é difícil a tarefa de apresentar critérios objetivos e precisos que a defi nam. Em geral, podemos utilizar pa-râmetros comparativos: compara-se uma empresa com outra de uma mesma região, ou, ainda, faz-se uma confrontação com os dados do país ou do mun-do. A grande empresa de Moçambique poderá ser uma pequena ou média empresa nos Estados Unidos.

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20. Alfredo Lamy Filho, “A reforma da Lei

de Sociedades Anônimas”. IN: Temas de

Direito Societário. Rio de Janeiro: Reno-

var, 2006, p. 39.

21. BORBA, José Edwaldo Tavares. Direi-

to Societário. Rio de Janeiro: Renovar,

2009.

Em geral, as sociedades anônimas são o instrumental adequado para a constituição da grande empresa, pois por meio delas é possível realizar uma dupla função, primordial para o desenvolvimento econômico: 1) limitar a responsabilidade da sociedade e de seus participantes e 2) capitalizar a socie-dade sem necessidade de pagamento de juros, nem de constituição de dívi-das. Para Alfredo Lamy Filho,

“admitindo a limitação de responsabilidade de todos os sócios, a S/A tornou possível a mobilização de recursos em montante ilimitado, através de junção de capitais das mais variadas procedências de grandes e pequenos investidores, movidos pelas mais diversas inspirações, em-bora com o denominador comum da colimação de lucros. Por outro lado, a livre transferibilidade do papel que incorporava essa partici-pação tornava-o extremamente atraente porque possibilitava liquidez imediata. Com esses atributos, revela-se a S/A dotada de explosiva força de expansão”.20

Embora a sociedade anônima seja a forma jurídica mais adotada para a grande empresa, não é a única. São muitas as grandes empresas no Brasil que adotam a forma de limitadas e mesmo consórcios, cooperativas e sociedades profi ssionais. O professor José Edwaldo Tavares Borba, em sua obra, coloca que a atual Lei de S.A. buscou inspiração no direito europeu e norte-america-no. Segundo o professor, a “renovação ocorrida na Itália, na Alemanha e prin-cipalmente na França, com a Lei nº 67.537, de 25 de julho de 1966, infl uiu decisivamente na elaboração de nossos legisladores”21. É preciso ressaltar que a prática norte-americana, extremamente rica e diversifi cada, principalmente no que concerne a valores mobiliários e procedimentos de mercado, serviu de matriz a muitos dos institutos consagrados na lei atual.

As grandes empresas têm um relevante papel na economia mundial. Em algumas situações, o poderio econômico de determinadas empresas é tamanho que ultrapassa o PIB de inúmeros países. Nas palavras de Gustavo Franco,

“Países e empresas vivem em dimensões diferentes, e são medidos com escalas próprias, os primeiros por meio do PIB, ou seja, pelo valor adicionado total gerado dentro de suas fronteiras, enquanto o tamanho das empresas é medido pelo faturamento. Conciliando as escalas, um cálculo para o ano 2000, feito pela Conferência das Nações Unidas sobre o Comércio e o Desenvolvimento (Unctad), mostrou que, entre os cinqüenta maiores países e empresas, há apenas duas empresas, mas, dentro dos cinqüenta seguintes, 27 são empresas. Ou seja, para o total dos 100 maiores países e empresas, 29 eram empresas, sendo que a maior delas, a ExxonMobil, tinha um “PIB” estimado em cerca de 63

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22. FRANCO, Gustavo. “Globalização e

poder”., IN: VEJA, Edição 1857, de 09 de

junho de 2004. IN: http://www.econ.

puc-rio.br/gfranco/VEJA121.htm

23. Fábio Konder Comparato. Aspectos

jurídicos da macroempresa. São Paulo:

Editora Revista dos Tribunais. 1970,

pp. 4 e 5.

24. FRIEDMAN, Thomas. O mundo é pla-

no: uma história breve do século XXI. Rio

de Janeiro: Objetiva, 2005.

bilhões de dólares, ligeiramente inferior ao do Chile e das Filipinas e maior que o do Paquistão”22.

Percebe-se que o poder econômico das grandes empresas pode, em última instância, infl uenciar social e politicamente uma determinada sociedade e, até mesmo, a ordem mundial. Esta constatação se mostra ainda mais presente quando se verifi ca a expansão do fenômeno da concentração.

A concentração, em seu sentido econômico, representa a aquisição de mais meios de produção. A tendência à concentração e à necessidade de cres-cimento de empresas refere-se, em última instância, à capacidade de realizar de forma mais adequada os investimentos de que necessitam para o seu de-senvolvimento. De acordo com Fábio Konder Comparato,

“(...) a evolução da economia capitalista nos últimos 40 anos, e no-tadamente a partir da Segunda Guerra Mundial, tem sido comandada pelo fenômeno da concentração empresarial. Desde a primeira Revolu-ção Industrial as vantagens da constituição dessas ‘economias internas de escala’, segundo expressão consagrada por ALFRED MARSHALL, eram de todos conhecidas: baixa do custo unitário de produção com o aumento do volume de unidades produzidas; possibilidade de auto-fi nanciamento, libertando a empresa das injunções do mercado fi nan-ceiro; multiplicação de estabelecimentos, permitindo que atingissem diretamente os diferentes centros de consumo, com a supressão dos intermediários; estocagem de matéria-prima, atenuando as variações de preços; estudos de mercado e publicidade em larga escala”.23

Quanto maior uma empresa, mais vantagens, portanto, ela retira de sua posição dominante no mercado, pois maior é sua capacidade de diminuir custos de produção, angariar lucros e aumentar seus investimentos.

Atualmente, além do processo de integração econômica internacional, por meio das grandes empresas e da concentração, percebe-se uma nova onda de crescimento das empresas, por meio do fenômeno da pulverização de capital, em que se estabelece uma difusão das ações entre milhares de acionistas, sendo o controle da companhia exercido não mais por acionistas, mas por meio de órgãos de administração, fenômeno que classicamente se denomina de con-trole gerencial. Th omas Friedman tem uma obra interessante que demonstra o fenômeno de pulverização de controle acionário e espraiamento geográfi co das empresas por diversas localidades do globo, com intuito de conquistar mercados e diminuir os custos de produção da empresa. O título da obra é bem sugestivo — “O mundo é plano” 24, e retrata bem esse fenômeno.

A pulverização do controle acionário existe em todos os países em que há um mercado de valores mobiliários forte, que atrai a poupança popular

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25. Gustavo Franco. IN: http://www.

econ.puc-rio.br/gfranco/VEJA121.htm

e que é acessado em grande escala pelas S.A. locais (as corporations america-nas, ou public limited companies inglesas). Em geral, as empresas nascem por iniciativa e capacidade de um líder, o empreendedor sob o qual crescem e se afi rmam. Para se expandirem, contudo, precisam de recursos fi nanceiros, recorrendo ao mercado de capitais, onde encontra capital farto e barato.25 Constitui-se, assim, a empresa “sem dono”, mas capitalizada ao extremo. So-bre este tema, voltaremos em aulas seguintes.

D) TEXTO DE APOIO

“Megaempresa.com — Fusão entre Americanas.com e Submarino cria companhia de R$ 2 bi de olho no exterior

A Americanas.com e o Submarino, maiores lojas de vendas pela Internet do país, anunciaram ontem a fusão de suas operações para enfrentar o avanço das grandes redes de varejo tradicional e, também, investir em mercados in-ternacionais. O negócio, que ainda depende da aprovação dos acionistas do Submarino, resultará na criação da B2W Companhia Global de Varejo, que nascerá com receitas anuais de mais de R$ 2 bilhões e valor de mercado de R$ 6,5 bilhões.

‘Eles querem ser grandes, ter escala para ter preços competitivos, pois seus fornecedores são os mesmos de redes como Ponto Frio, Casas Bahia, Pão de Açúcar e Wal-Mart’, disse um executivo de um banco que participou do negócio.

Embora cresça a taxas de 40% ao ano, o comércio eletrônico deve movi-mentar pouco mais de R$ 4 bilhões este ano no Brasil, 2% apenas das vendas totais do varejo brasileiro. Além das vendas pela Internet, a B2W deve valer--se de outros canais de venda, em que a Lojas Americanas já atua, como o Shoptime (com TV), para enfrentar as grandes redes.

‘Esse movimento é estratégico e nós temos obrigação de procurar bons negócios para nossos acionistas’, disse o presidente do Submarino, Flavio Jansen.

CVM vai investigar possível vazamento

O Submarino ingressou em abril no Novo Mercado, com a pulverização de ações na Bolsa de Valores de São Paulo. Como não tem mais controlado-res, a proposta de fusão com a Americanas.com será analisada em assembleias de acionistas no próximo mês. A expectativa é de que as duas empresas pas-sem a operar como B2W já a partir de janeiro de 2007.

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‘Estamos criando uma grande companhia, com receitas de U$ 1 bilhão e enorme potencial de crescimento’, disse o diretor de Relações com Investido-res da Americanas.com, Roberto Martins, ao justifi car seu otimismo.

Segundo Martins, países latino-americanos em que o comércio eletrônico tem grande potencial, como México, e emergentes de outros continentes, como a Índia, são mercados de interesse da nova empresa.

‘As oportunidades internacionais hoje são muito efetivas e temos que aproveitar nossos conhecimentos nos canais em que atuamos’, confi rma Jan-sen, que deve dividir a direção da B2W com Anna Saicali, que preside a Americanas.com.

Pela proposta, as Lojas Americanas S.A. (Lasa), controladora da Ameri-canas.com, passarão a deter 53,25% do capital total da B2W. Os acionistas do Submarino fi cariam com 46,75%. Além da aprovação dos acionistas, a transação também precisa passar pelo crivo do Conselho Administrativo de Defesa Econômica (Cade), do Ministério da Justiça, pois a empresa resultan-te da fusão terá mais de 50% das vendas do varejo online do país.

Na prática, será a segunda operação de fusão envolvendo companhias abertas no país em que uma delas não tem controlador. Na anterior, a Sadia fez uma oferta hostil pela Perdigão, mas o negócio não prosperou. Agora, a fusão resultou de consenso entre os dirigentes das duas empresas.

A Lasa é controlada por um trio de fi nancistas: Jorge Paulo Lemann, Carlos Alberto Sicupira e Marcel Telles. À frente do banco Garantia, ou da GP Investimentos, os três lideraram operações como a fusão de Antarctica e Brahma, que resultou na criação da AmBev, e mais recentemente sua união com a belga Interbrew (InBev).

As ações ordinárias (com direito a voto) do Submarino subiram ontem 15,80%, cotadas a R$ 60,80, após abrirem em alta de 20% no pregão da Bolsa de São Paulo. Já as ações preferenciais das Americanas caíram 8,25, fechando a R$ 100. Na abertura, a alta chegou a ser de 6,4%. Segundo Da-niella Marques, gestora de renda variável da Mercatto Gestão de Recursos, o mercado não reagiu bem à falta de informações: ‘Enquanto os acionistas da Americanas.com fi cam sem informação, os do Submarino receberão um belo prêmio (R$ 500 milhões em dividendos antecipados) na operação’.

Nos últimos 30 dias, as ações do Submarino subiram 54%, contra 8,86% do Ibovespa. ‘Tudo indica que houve vazamento (de informações)’, disse o presidente da Comissão de Valores Mobiliários (CVM), Marcelo Trindade. A CVM abriu investigação.

(...)

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26. O Globo. Disponível em www.oglobo.

globo.com. Acesso em 24 de novembro

de 2006.

27. Portal Exame. Disponível em http://

portalexame.abril.com.br. Acesso em

27 de dezembro de 2006.

Operação preocupa varejistas menores

Para o analista do Banco Modal, Eduardo Roche, a fusão também teve como objetivo proteger o mercado de concorrentes estrangeiros, como a americana Amazon.com. Ele lembrou ainda que, recentemente, a America-nas.com comprou o Shoptime.com, que também tem canal de vendas na TV.

A fusão entre as duas maiores empresas de vendas pela Internet gerou preocupações no setor, que este ano movimenta cerca de R$ 4,3 bilhões. ‘As vendas fi carão concentradas. A tendência é um mercado mais apertado para as empresas menores que não aderirem à guerra dos preços’, disse Marcos Zignal, vice-presidente da rede de locadoras Blockbuster.

Empresas que trabalham em parceria com as duas maiores do setor ainda não sabem o futuro dos negócios. ‘A Americanas.com representa entre 10% e 15% de nosso faturamento. Hoje, nosso principal concorrente é o Sub-marino. Não sabemos como a nova companhia vai funcionar’, diz Marcelo Franco, diretor da Sacks, responsável por 60% das vendas do setor de beleza pela rede e que atua com Americanas.com e Shoptime”26.

2. “Cade avaliará união de Americanas.com e Submarino após 17 de janeiro

A avaliação do Conselho Administrativo de Defesa Econômica (Cade) sobre a união entre a Americanas.com e o Submarino terá início apenas a partir de 17 de janeiro, data da próxima reunião do órgão, quando o proces-so a respeito da operação será destinado a um dos conselheiros. De acordo com o Cade, não há prazo para a emissão do parecer defi nitivo sobre a pos-sibilidade de operação da B2W, fruto da união das duas empresas. O último encontro do órgão ocorreu em 13 de dezembro, mesmo dia da aprovação da união pelos acionistas do Submarino em assembleia geral extraordinária. O Cade deverá se basear em instrução fornecida pela Secretaria de Direito Econômico. Inicialmente, a Lojas Americanas, controladora da B2W, e o Submarino previam o funcionamento da nova empresa ainda para o início de janeiro. Ontem, a B2W anunciou a criação de quatro fi liais. De acordo com a empresa, as unidades referem-se a endereços já existentes da America-nas.com e do Submarino. Três deles estão no Estado de São Paulo e outro, na cidade do Rio de Janeiro. A decisão da ofi cialização das fi liais foi tomada em reunião do conselho de administração da B2W ocorrida no último dia 20. Ainda em 13 de dezembro, logo após a reunião do Submarino, a B2W realizou a primeira assembleia, destinada à aprovação da constituição da empresa. Na ocasião, esteve em pauta também a aprovação dos laudos de avaliação de cada companhia e o estatuto social da B2W, além da eleição do conselho de administração”27.

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FGV DIREITO RIO 14

28. Nesse sentido aponta Fran Martins:

“Dentre as diversas sociedades co-

merciais, a anônima sempre requereu

normas muito especiais para a sua

constituição e funcionamento. Deve-se

isso ao fato de, em regra, se destinarem

essas sociedades a grandes empreen-

dimentos, exigindo capitais avultados

e um relacionamento especial com o

público e os credores, em face dos prin-

cípios, dominantes nas companhias, de

que todos os acionistas têm responsa-

bilidade limitada às importâncias com

que concorrem para a sociedade e de

que não há alteração na estrutura so-

cial com a entrada ou saída de qualquer

sócio” (Fran Martins, Comentários à Lei

das Sociedades Anônimas, vol. I. Rio de

Janeiro: Forense, 1977, p. 3).

29. Nos termos do artigo 1.052 do Código

Civil Brasileiro.

30. Conforme dispõe o artigo 1º da Lei

das S.A.

AULA 2: SOCIEDADE ANÔNIMA: EVOLUÇÃO HISTÓRICA, NOÇÕES GERAIS E CARACTERÍSTICAS PRINCIPAIS

C) MATERIAL DE LEITURA

Leitura Básica

Fabio Ulhoa Coelho, Curso de Direito Comercial, Vol. 2, págs. 63/69;

Leitura Complementar

Rubens Requião, Curso de Direito Comercial, Vol.2., págs 23/42 e 49/50

D) ROTEIRO DE AULA

Na aula anterior, foi avaliada a importância da grande empresa no atual cenário econômico e social. Ainda, concluiu-se que a sociedade anônima é a principal forma jurídica adotada, em escala mundial, pelas grandes organiza-ções empresariais28.

Passaremos, então, a analisar as principais características que distinguem as sociedades anônimas — também denominadas “companhias” — dos de-mais tipos societários no ordenamento jurídico brasileiro.

O artigo 1º da Lei nº 6.404, de 15 de dezembro de 1976 (“Lei das S.A.”), defi ne de modo expresso 2 (duas) características principais das sociedades anônimas, quais sejam: (i) a divisão do seu capital social em ações; e (ii) a limitação da responsabilidade dos acionistas pelas dívidas e obrigações sociais ao preço de emissão das ações subscritas ou adquiridas. Além dessas duas, há uma terceira característica, que decorre da primeira e que torna a S.A. particularmente atraente: a facilidade de venda da participação societária, em outras palavras, a livre circulação das ações.

José Edwaldo Tavares Borba resume bem as características da sociedade anô-nima: a) sociedade de capitais; b) sempre empresária; c) capital é dividido em ações transferíveis pelos processos aplicáveis aos títulos de créditos; d) a respon-sabilidade dos acionistas é limitada ao preço de emissão das ações subscritas.

Note-se que há pequenas variações no regime de responsabilidade dos só-cios das sociedades limitadas e anônimas: enquanto nas sociedades limitadas “a responsabilidade de cada sócio é restrita ao valor de suas quotas, mas todos respondem solidariamente pela integralização do capital social”29, nas socie-dades anônimas, a abrangência da responsabilidade é, em regra, ainda menor, já que “a responsabilidade dos sócios ou acionistas será limitada ao preço de emissão das ações subscritas ou adquiridas”30.

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Importa destacar que as características acima indicadas não são as únicas que diferenciam as sociedades anônimas dos demais tipos societários, exis-tindo diversos institutos e conceitos que são peculiares das companhias. Isso se deve principalmente, à sua concepção como instrumento efi caz para a captação de recursos junto ao público investidor, de maneira a se fi nanciar diretamente, sem necessariamente recorrer a bancos e instituições fi nanceiras para esse fi m. Essa captação se dá mediante a emissão de valores mobiliários tais como ações ou debêntures para venda aos investidores, propiciando a capitalização da companhia.

A doutrina diverge quanto à origem das Sociedades Anônimas. Em um breve resumo, há quem diga que a Casa di San Giorgio, uma associação de credores da cidade de Gênova, criada para fi nanciar a guerra contra Veneza na Renascença italiana foi o “embrião” da Sociedade Anônima, na medida em que os credores trocaram seus créditos por frações ideais dessa associação e passaram a administrar seus créditos conjuntamente. Muitos, contudo, re-jeitam a ideia que a Casa di San Giorgio foi a origem das S.A.s, assemelhan-do-se mais à uma comunhão de credores.

Na verdade, a Sociedade Anônima como conhecemos hoje se originou nas grandes sociedades coloniais do Século XVII, que fi nanciaram o comércio com o oriente e a exploração de colônias, empreendimentos com custos ele-vadíssimos e forte interesse do Estado. A primeira dessas grandes empresas foi a Companhia das Índias Orientais holandesa, fundada em 1602. Em 1621 foi fundada a Companhia das Índias Ocidentais, que teve grande importân-cia na história do Brasil, tendo patrocinado a invasão holandesa no Nordeste brasileiro.

Várias sociedades similares foram criadas na França, Inglaterra e Portugal, sempre com o intuito de fi nanciar grandes empreendimentos ultramarinos. O primeiro grande movimento especulativo com ações de uma sociedade anônima aconteceu em 1720 com as ações da South Sea Company, uma companhia formada para explorar o monopólio do comércio entre a Ingla-terra e a América espanhola. Esse movimento especulativo, conhecido como “South Sea Bubble”, gerou o famoso “Bubble Act”, obrigando todas as novas empresas a serem formadas apenas mediante um ato de outorga do parla-mento.

No seu início, portanto, as sociedades anônimas começaram como verda-deiras sociedades de economia mista, com forte participação e interesse esta-tal, buscando a poupança privada para fi nanciar grandes empreendimentos de interesse público. As sociedades eram criadas por outorga estatal, criando um mecanismo de controle da captação de recursos da poupança popular.

No Brasil, exemplos de sociedades constituídas sob o regime de outorga são a Companhia Geral do Grão Pará, criada para colonizar o norte do país e o Banco do Brasil.

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31. Artigo 11 da Lei das S.A.: “O estatuto

fi xará o número das ações em que se

divide o capital social e estabelecerá se

as ações terão, ou não, valor nominal”.

Na França, o Código Civil napoleônico, instituiu em 1807 um sistema de autorização governamental para a constituição de uma sociedade por ações, que passou a vigorar em todo o continente. Para a constituição de uma so-ciedade anônima não era mais necessária a outorga estatal, mas apenas uma autorização regulatória.

Em meados do Século XIX, Inglaterra e Estados Unidos, em plena Re-volução Industrial, buscavam maneiras de facilitar o acesso ao capital para o fi nanciamento dos empreendimentos, o que fi zeram mediante a abolição do sistema de outorga, substituindo-o por um sistema de regulamentação. Em outras palavras, desde que seguisse a regulamentação vigente, a constituição de uma sociedade anônima não dependia mais da autorização governamen-tal. Esse sistema foi adotado pela França em 1867, após o acordo de livre comércio com a Inglaterra fi rmado em 1862, que fez com que as sociedades anônimas constituídas na França fi cassem em desvantagem comercial em re-lação às sociedades anônimas constituídas na Inglaterra.

No Brasil, o regime de outorga da colônia e do primeiro reinado foi subs-tituído pelo regime de autorização primeiro por Decreto de 1849, confi rma-do depois no Código Comercial de 1850. Em 1882 o regime de autorização foi abolido e o Brasil passou a adotar o regime de regulamentação, sendo necessária autorização apenas em casos excepcionais, como bancos, segura-doras, sociedades estrangeiras, etc.

Com a Lei das S.As., de 1976, e a criação da CVM, o Brasil passou a conviver com um regime dualista: regulamentação para as sociedades fe-chadas e autorização para as companhias abertas, que precisam de autori-zação prévia da CVM para se constituírem ou terem suas ações negociadas em bolsa de valores.

Como vimos, a primeira e evidente característica de uma sociedade anô-nima é a divisão de seu capital em ações. A ação representa uma fração do capital social de uma sociedade anônima, por meio da qual se atribui ao seu titular a qualidade de acionista31.

As ações são, portanto, títulos que representam o investimento do acio-nista na companhia. Diferentemente do relacionamento dos sócios em uma sociedade limitada, os acionistas são primariamente investidores na sociedade anônima e têm com ela e com os demais acionistas uma relação primordial-mente fi nanceira e não pessoal. Portanto, o princípio é que as ações podem ser livremente negociadas, a não ser em casos excepcionais. Essas ações têm capacidade de circulação autônoma, tal como os títulos de créditos.

Nesse momento, cabe tratarmos brevemente dos requisitos para a consti-tuição de uma sociedade anônima.

Em primeiro lugar, a constituição da companhia exige a subscrição, pú-blica ou particular, por pelo menos dois acionistas, de todas as ações repre-sentativas do capital social e a integralização de pelo menos 10% do preço

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32. Rubens Requião, Curso de Direito Co-

mercial, Vol. 2, pág.50.

33. José Edwaldo Tavares Borba, Direito

societário. 8ª ed. Rio de Janeiro: Reno-

var, 2003, p. 194.

34. Idem, ibidem.

35. GUIMARÃES, Márcio Souza. O Con-

trole Difuso das Sociedades Anônimas

pelo Ministério Público. Rio de Janeiro:

Lúmen Juris, 2005.

36. REsp 480.418-RO, 3ª Turma, Rel. Min.

Carlos Filho, julgado em 21/10/2003.

de emissão das ações subscritas em dinheiro, mediante o depósito da quan-tia correspondente no Banco do Brasil ou em outro banco autorizado pela CVM.

Além disso, a Companhia se constitui na Assembleia Geral de constitui-ção (ou mediante escritura pública) em que os acionistas fundadores apro-vam a constituição da sociedade, subscrevem o capital social e estabelecem os Estatutos Sociais. O regime institucional das companhias determina que o Estatuto Social é o conjunto de normas que irá reger as relações sociais. Ao contrário do Contrato Social, que é o contrato entre os quotistas de uma limitada que só pode ser alterado mediante alteração contratual, os Estatutos têm um caráter normativo, institucional, estabelecendo “as normas segundo as quais a sociedade atuará e se desenvolverá” 32 e é instituído ou reformado em Assembleia Geral dos acionistas.

Toda companhia possui um estatuto, que é “a lei interna da sociedade, funcionando como corpo normativo da atuação social e como instrumento de polarização dos acionistas, através da defi nição de seus direitos e obriga-ções” 33. Os estatutos sociais trazem em si previsões necessárias e facultativas. Nas palavras de Tavares Borba:

“O estatuto deverá dispor sobre a denominação e o domicílio da sociedade, o capital e as características das ações, a administração da sociedade, as assembleias gerais, o exercício social, as demonstrações fi nanceiras, a distribuição do lucro, a duração da sociedade e a forma de liquidação, bem como sobre tudo o mais que for considerado relevante”34.

Como vimos anteriormente, o regime das Sociedades Anônimas é o mais adequado para o desenvolvimento da grande empresa. Pela facilidade de atra-ção de capitais e liberdade de circulação do investimento, ele permite o fi nan-ciamento de grandes empreendimentos a um custo infi nitamente menor que os juros que seriam cobrados em uma transação creditícia. Esse mecanismo fez fl orescer as grandes corporações com capital pulverizado e receitas supe-riores a de países, de que tratamos na aula anterior.

A S.A., em seu art. 154, também defi ne que a grande empresa deve ob-servar, prioritariamente, o tríplice interesse institucional, defi nido a seguir: (i) capital — acionistas; (ii) trabalho — empregados; (iii) sociedade — co-munidade. O professor Márcio Guimarães discute em sua obra a ação do Ministério Público na proteção do interesse difuso e sua relação com a S.A35. O professor aponta que hipótese indicativa de interesse difuso foi chancelada pelo STJ ao reconhecer a legitimidade do MP para intentar ação de responsa-bilidade civil em fase dos ex-administradores de institui ções fi nanceiras em li-quidação extrajudicial36. A jurisprudência selecionada no STJ demonstra que

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37. GUIMARÃES, Márcio Souza. O Con-

trole Difuso das Sociedades Anônimas

pelo Ministério Público. Rio de Janeiro:

Lúmen Juris, 2005.

houve evolução da atuação do MP na tutela dos interesses transindividuais societários, tendência que se intensifi ca diante do fortalecimento institucio-nal do Parquet. Desse modo:

“ A relação jurídica clássica credor-devedor, com enfoque à proteção do direito individual, traduzida por um feixe de retas paralelas, desde 1977, está fadada a apresentar-se como exceção. Os interesses da coleti-vidade, representativos de uma sociedade de massa, afi gurando-se como feixes convergentes, assumem proporções cada vez mais acentuadas — denominados de direitos transindividuais ou metaindividuais”37.

Outro ponto interessante é que o nome empresarial da sociedade anô-nima revestirá sempre a forma da denominação, já que esta se compõe de expressões ligadas à atividade da sociedade, às quais se adicionará a locução “sociedade anônima” (ou, abreviadamente, S.A.) que poderá fi gurar indife-rentemente no começo, no meio ou no fi m da denominação. Pode-se adotar o vocábulo “Cia”., o qual deverá constar no início da denominação. A Lei 6.404/76 não exigia que a denominação indicasse os fi ns da empresa, ao passo que a CC/02, em seu art. 1.160, indica que a denominação terá que “designar o objeto social”.

A denominação deverá ser original, cabendo ao registro de empresas recu-sar o arquivamento de sociedades anônimas cuja denominação seja idêntica ou semelhante àquelas já existentes. Como exemplos de denominação, pode-mos elencar abaixo:

— S.A. COSTA PINTO DE COMÉRCIO E INDÚSTRIA— MONTREAL BANK LEASING S.A. — ARRENDAMENTO MER-

CANTIL— BANCO BRADESCO S.A.— COMPANHIA NACIONAL DE TECIDOS NOVA AMÉRICA— CIA. BRASILEIRA DE COMÉRCIO E INDÚSTRIA — CBCINas próximas aulas, iremos explorar mais detalhadamente esse regime das

sociedades anônimas, de forma a entender os conceitos que lhe são peculia-res e a sua aplicação prática. Faremos a distinção entre companhia aberta e fechada, registro da companhia perante a Comissão de Valores Mobiliários, dentre outros aspectos.

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C) TEXTO DE APOIO

A Sociedade Anônima e a Vocação de ter Sócios

Autor: Luis Antonio de S. Campos (Diretor da CVM)

Fonte: Revista CVM 34 (Janeiro — 2002)

Muito se tem discutido sobre a reforma da Lei de Sociedades por Ações (Lei nº 6.404/76), notadamente no que toca ao reforço aos direitos e garan-tias dos acionistas minoritários. As críticas ao projeto fi nalmente convertido na Lei nº 10.303, na Medida Provisória nº 8, e no Decreto Presidencial nº 3.995, todos do dia 31 de outubro de 2001, são feitas por ambos os lados, tanto por acionistas controladores como por acionistas minoritários.

Felizmente, vivemos numa democracia e o Congresso Nacional detém a representação de todos os setores da sociedade. Seria ingênuo, então, supor que o projeto aprovado, após passar pelas duas casas do Congresso Nacional, pela Câmara dos Deputados pudesse atender apenas a um interesse. Não se deve, portanto, esperar que uma reforma na Lei de Sociedades por Ações seja imposta, mas sim que seja o resultado de amplo debate por parte da socieda-de, conciliando-se, no que for possível, os interesses. Não há dúvidas de que o projeto tem coisas boas e coisas ruins e este artigo não é o local adequado para discutir se o projeto avançou muito ou pouco em termos de companhias abertas. Certamente, a reforma que ocorreu não é o ideal nem para os acio-nistas controladores, nem para os acionistas minoritários.

Mas o que me parece ser o maior mérito de toda a discussão em torno da Lei de Sociedades por Ações é que o debate serviu para criar, pelo menos por parte dos investidores, um certo grau de consenso do que seria um complexo mínimo de direitos desejáveis para os acionistas minoritários. Muitos desses direitos chegam mesmo a estar compilados nos códigos daquilo que se con-vencionou chamar de boa governança corporativa (ou governo societário, como preferem alguns) que começam a surgir, na esteira de um movimento que não é local, mas sim mundial, observadas, evidentemente as peculiarida-des dos respectivos mercados de capitais e legislações.

Hoje, então, os investidores mais ou menos organizados, já reconhecem os direitos e comportamentos mínimos que devem exigir de uma companhia aberta e de seu controlador em troca do investimento de seus recursos. Co-meça a haver uma padronização nestas pretensões mínimas.

Aí está, a meu ver, a grande virtude de todo o longo debate que vem sendo travado em torno da boa governança corporativa e da reforma da Lei de So-ciedades por Ações. E este fator chega a ser mais importante do que a própria lei em si, pois decorre da conscientização dos investidores.

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É cediça a experiência de que não se mudam os hábitos por promulgação de lei; antes, as leis devem ser fruto de um razoável nível de consenso e cla-mor em torno de uma determinada conduta. Daí certamente uma das razões porque no Brasil se diz que algumas leis pegam e outras não. De muito pouco adiantaria mudar a lei sem que houvesse essa uniformidade de pensamento por parte dos investidores. Como disse Carlos Drummond de Andrade “as leis não bastam: os lírios não nascem da lei”. Aliás, complementaria para dizer que a conscientização dos investidores já valeria mesmo que a lei não sofresse reforma.

Veja-se, então, que existem pessoas que têm vocação para ter sócios e ou-tras que são destituídas desta vocação. Da mesma forma, há sociedades que têm vocação para ser companhias abertas. De fato, temos hoje no Brasil di-versas companhias abertas que não têm efetivamente o propósito de sê-lo; companhias abertas que exerçam, sua atividade deve ser exercida em benefí-cio de todos os acionistas e não apenas de alguns; que entendam a necessida-de de prestar contas ao mercado em geral e em especial, à sua comunidade de acionistas, através de ampla divulgação de informações.

Estas companhias são fruto de uma outra época, de um outro Brasil-que vem sendo referido como o “Brasil velho”, onde não se sabia exatamente o que era ser companhia aberta; no qual havia incentivos fi scais e tratamento mais benéfi co para as companhias que fossem abertas; onde havia uma forte indução governamental para a aplicação de recursos nas companhias abertas. E tudo isto, diga-se, sem que houvesse preocupação com a qualidade dos administradores das companhias abertas, dos seus acionistas controladores e dos direitos que estavam sendo entregues aos acionistas minoritários em troca dos recursos que eram investidos.

Companhias assim difi cilmente obterão sucesso se recorrerem, novamen-te, ao mercado de capitais. Para estas companhias, decididamente, não adian-ta alterar a Lei de Sociedades por Ações, são companhias que não têm voca-ção para ter sócios e não desejam, de fato, ser uma companhia aberta.

Mas, nesse ponto, a questão fundamental que precisa ser resolvida passa necessariamente pelo convencimento dos empresários de que o mercado de capitais é uma alternativa efi ciente de obtenção de recursos e de fi nanciamen-to da atividade empresarial; e mais, que o mercado sabe reconhecer as com-panhias que respeitam e consideram seus acionistas, dando-lhes o tratamento adequado, e que tal reconhecimento se traduz na valorização das ações. O empresário deve ver o mercado de capitais como uma fonte permanente de recursos, que auxiliará no fi nanciamento do seu projeto e sempre que houver um bom plano empresarial a ser executado.

Existem estudos científi cos nesse caminho. Esse convencimento certa-mente dará grande impulso ao relacionamento entre acionistas minoritários e controladores, eliminando o perverso antagonismo entre estes acionistas

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FGV DIREITO RIO 21

que certamente destrói valor da companhia para permitir o alinhamento de interesses no crescimento e na lucratividade da companhia.

Aos investidores e ao mercado em geral recomenda-se a judiciosa escolha das companhias para seus investimentos; compete a eles investir seus recursos apenas nas companhias que lhes garantam um complexo de direitos aceitáveis dentro do consenso que se vem formando. A companhia que não oferecer tais direitos não deverá receber investidores e se os receber certamente pagará um preço maior do que pagaria acaso estivesse disposta a conferir os direitos que caracterizam a boa governança corporativa.

O Governo, de sua parte, vem incentivando esta postura, não só mediante a reforma da Lei de Sociedades por Ações e pelas reiteradas manifestações da CVM, mas também através da regulamentação aplicável aos fundos de previdência privada, de que é exemplo a recente Resolução do Conselho Mo-netário Nacional nº 2829/01.

A Bovespa, a seu turno, também vem se empenhando nessa tarefa, de per-mitir a listagem das companhias abertas em diversos níveis, conforme o rol de direitos que estas companhias estão dispostas a conferir aos seus acionistas mi-noritários, o que se dá através dos níveis 1 e 2 e fi nalmente do novo mercado.

Esse caminho, o da liberdade e do convencimento, que é caro ao liberalis-mo, parece-me sem dúvida acertado, pois não limita nem tolhe o direito de se escolher o caminho que melhor apraz às companhias e a seus acionistas, arcando, evidentemente, com os ônus decorrentes destas escolhas. É assim que funciona nos mercados mais desenvolvidos, onde o investidor decide se vai ou não participar do produto que lhe é oferecido.

O investidor deve estar atento para escolher companhias que efetivamente têm vocação para ser companhias abertas, para ter acionistas minoritários, que deseja ter sócios, que devem ser respeitados.

E, nesse passo, deve-se dizer que a atual Lei de Sociedades por Ações — embora não imperativamente — já permite que todos esses direitos sejam conferidos aos acionistas minoritários, inclusive através do estatuto social. A companhia é livre para estabelecer estes direitos. É verdade que a atual lei não os impõe, mas o mercado pode exigir que sejam conferidos aos acionistas. Já temos visto isto em algumas companhias abertas;

o caminho já está traçado. Portanto, devem os investidores exigir estes direitos mesmo que a lei não os estabeleça.

O maior avanço, este sim imprescindível, da reforma da Lei de Sociedades por Ações e da Lei nº 6.385 está na parte relativa à Comissão de Valores Mo-biliários, cujos poderes dependem exclusivamente de lei que os estabeleça; o projeto permite que a CVM atue de forma mais efi ciente na proteção dos investidores das companhias abertas, inclusive

para fi scalizar melhor se o pacto estabelecido entre os acionistas da companhia aberta está sendo cumprido e para zelar pela integridade do mercado em geral.

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FGV DIREITO RIO 22

E) SUGESTÃO DE LEITURA

A inclusão da micro, pequena e média empresa no mercado brasileiro de Valores Mobiliários

Raul Fernando Portugal Neto (Universidade Federal do Rio De Janeiro — Instituto De Economia — 2005)

Dissertação de monografi a para conclusão do conclusão do Curso de Re-gulação do Mercado de Capitais, a título de Pós-Graduação Lato Sensu, no Instituto de Economia da Universidade Federal do Rio de Janeiro — UFRJ. Disponível em www.cvm.org.br

F) JURISPRUDÊNCIA

TRIBUTÁRIO. COFINS. LEI Nº 9.430/1996. ISENÇÃO. REQUISI-TOS. INDEFERIMENTO DA INICIAL. SOCIEDADE ANÔNIMA. 1. Conforme se infere da ata de Assembléia Geral de Constituição de So-ciedade Anônima, a impetrante passou a ser regida pela Lei 6.404, de 15 de dezembro de 1976, portanto, ainda que seu “objeto social” volte-se para a prestação de serviços educacionais, passou a ter a natureza mer-cantil, nos exatos termos desse ordenamento. 2. Correto o indeferimento da inicial, quando verifi cado não ser a impetrante regida pelo Decreto-lei nº 2.397, de 21 de dezembro de 1987, destinado à argüir a ilegalidade do ato de autoridade, consistente na exigência da COFINS, nos moldes do artigo 56 da Lei 9.430. 3. Apelação improvida. Apelação Cível — 276909; relatora Eliana Marcelo, TRF 3ª Região, julgado em 28.06.2007.

RECURSO ESPECIAL. —SOCIEDADE ANÔNIMA — PEDIDO DE DISSOLUÇÃO INTEGRAL — SENTENÇA QUE DECRETA DISSO-LUÇÃO PARCIAL E DETERMINA A APURAÇÃO DE HAVERES.— JULGAMENTO EXTRA PETITA — INEXISTÊNCIA.— Não é extra pe-tita a sentença que decreta a dissolução parcial da sociedade anônima quando o autor pede sua dissolução integral. II — PARTICIPAÇÃO SOCIETÁRIA DO AUTOR. CONTROVÉRSIA. DEFINIÇÃO POSTERGADA À FASE DE LIQUIDAÇÃO DA SENTENÇA. IMPOSSIBILIDADE DE EXAME DA ALEGADA ILEGITIMIDADE ATIVA. 1. A Lei 6.404/76 exige que o pedido de dissolução da sociedade parta de quem detém pelo menos 5% do capital social. 2. Se o percentual da participação societária do autor é contro-vertido nos autos e sua defi nição foi remetida para a fase de liquidação da sen-tença, é impossível, em recurso especial, apreciar a alegação de ilegitimidade ativa. III — SOCIEDADE ANÔNIMA. DISSOLUÇÃO PARCIAL. POS-SIBILIDADE JURÍDICA.REQUISITOS. 1. Normalmente não se decreta dissolução parcial de sociedade anônima: a Lei das S/A prevê formas especí-

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FGV DIREITO RIO 23

fi cas de retirada —voluntária ou não — do acionista dissidente. 2. Essa pos-sibilidade é manifesta, quando a sociedade, embora formalmente anônima, funciona de fato como entidade familiar, em tudo semelhante à sociedade por cotas de responsabilidade limitada. IV — APURAÇÃO DE HAVERES DO ACIONISTA DISSIDENTE. SIMPLES REEMBOLSO REJEITADO NO ACÓRDÃO RECORRIDO. FUNDAMENTO NÃO ATACADO. SÚMULA 283/STF.— Não merece exame a questão decidida pelo acórdão recorrido com base em mais de um fundamento sufi ciente, se todos eles não foram atacados especifi camente no recurso especial. REsp 507490; relator Humberto Gomes de Barros, 3ª Turma do STJ, julgado em 19.09.2006.

G) QUESTÕES DE CONCURSO

(28º Exame de Ordem OAB-RJ) 35 — Assinale a resposta correta:a. A companhia terá o capital dividido em ações, e a responsabilidade

dos acionistas será sempre ilimitada;b. A sociedade anônima não pode ter fi m lucrativo;c. A contribuição do sócio para o capital social na limitada pode con-

sistir em prestação de serviços;d. Na sociedade limitada, a responsabilidade de cada sócio é restrita

ao valor de suas quotas, mas todos respondem solidariamente pela integralização do capital social.

(24º Exame de Ordem OAB-RJ) 50 — Não é uma característica da socie-dade anônima:

a. Capital social dividido em ações, respondendo os acionistas pelo preço de emissão das ações subscritas ou adquiridas

b. Independentemente de seu objeto social, a sociedade anônima é sempre mercantil

c. A sociedade anônima pode exercer a sua atividade sob fi rma ou razão social, da qual só farão parte os nomes dos sócios diretores ou gerentes

d. A assembleia geral ordinária e a assembleia geral extraordinária são órgãos de deliberação da sociedade anônima

(11º Exame de Ordem OAB-RJ) 23 — Assinale a resposta correta:a. O estatuto não precisa defi nir o objeto social de forma clara, o que

pode ser feito pelo regimento interno da companhia;b. A sociedade anônima tem o seu capital dividido em ações, e os acionis-

tas respondem solidariamente até a importância total do capital social;c. A companhia não pode ter por objeto participar de outras sociedades;

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FGV DIREITO RIO 24

d. Qualquer que seja o objeto, a sociedade anônima é mercantil e se rege pelas leis e usos do comércio.

(11º Exame de Ordem OAB-RJ) 25 — As características da sociedade anônima são:

a. O capital dividido em ações e a responsabilidade dos acionistas li-mitada ao preço de emissão das ações;

b. O capital dividido em ações e a responsabilidade dos sócios até o valor do total do capital social;

c. O capital social dividido em quotas;d. O capital social dividido em ações ou debêntures, e a responsabili-

dade dos sócios até o valor do capital social.

(3º Exame de Ordem OAB-RJ) 25 — Ação é:a. A parte mínima em que se divide o capital;b. A parte do lucro atribuída a cada acionista;c. Um título de crédito próprio;d. Título representativo de empréstimo tomado pela SA.

(1º Exame de Ordem OAB-RJ) 26 — As duas formas de constituição da sociedade anônima são:

a. Aberta ou fechada;b. Simultânea ou sucessiva;c. Por ações ou por cotas;d. Pública ou privada.

No que tange à sociedade anônima, analise as proposições abaixo e assina-le a alternativa correta (TJ-SC — 2013 — Juiz)

I. As sociedades anônimas classifi cam-se em dois tipos distintos: sociedade anônima de capital aberto e sociedade anônima de capital fechado. Distin-guem-se conforme os valores mobiliários de sua emissão estejam ou não ad-mitidos à negociação em bolsa ou no mercado de balcão.

II. Uma sociedade anônima de capital aberto deve obrigatoriamente emi-tir debêntures.

III. Em havendo inadimplemento do acionista, a sociedade anônima po-derá promover contra ele e os que forem solidariamente responsáveis, pro-cesso de execução para cobrar as importâncias devidas, servindo como título extrajudicial o boletim de subscrição e o aviso de chamada.

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FGV DIREITO RIO 25

IV. O acionista controlador de uma sociedade anônima somente pode ser pessoa física.

a. Somente as proposições I e III estão corretas.b. Somente as proposições II e III estão corretas.c. Somente as proposições I, III e IV estão corretas.d. Somente as proposições III e IV estão corretas..e. Nenhuma das alternativas.

Assinale a opção correta a respeito das sociedades anônimas. (TJ-BA — 2012 — Juiz)

a. O valor de emissão da ação não pode coincidir com o valor do capi-tal divido pelo número de ações, e não há impedimento, em se tra-tando de ações com ou sem valor nominal, a que lhes seja aplicado deságio ou acrescido ágio.

b. Conversão é a operação pela qual as ações de determinada classe ou espécie são transformadas em ações de outra classe ou espécie mediante previsão estatutária, podendo as ações preferenciais ser transformadas em ações ordinárias, assim como as ordinárias em preferenciais, desde que se obedeça à limitação legal de três quartos das ações emitidas.

c. O capital social da companhia é intangível, ou seja, os acionistas não podem receber, a título de restituição ou dividendos, os re-cursos aportados à sociedade sob a rubrica de capitalização, não prevendo a Lei das Sociedades por Ações capital social mínimo para a constituição da sociedade anônima, fato que a torna compatível com os pequenos negócios.

d. As debêntures subordinadas gozam de garantia e contêm cláusula de subordinação aos credores da companhia, o que implica, no caso de liquidação da companhia, preferência dos debenturistas em rela-ção aos demais credores para o ressarcimento do valor aplicado.

e. Pode ser objeto da sociedade anônima qualquer empresa de fi m lucrativo não contrário à lei, à ordem pública e aos bons costumes; contudo, caso venha a explorar atividade tipicamente de natureza civil, como é o caso da comercialização de bens imóveis, não será a sociedade anônima considerada sociedade empresarial.

H) GLOSSÁRIO

CISÃO: Operação pela qual a companhia transfere parcelas do seu patrimô-nio para uma ou mais sociedades, constituídas para esse fi m ou já existentes,

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FGV DIREITO RIO 26

extinguindo-se a companhia cindida, se houver versão de todo o seu patrimô-nio, ou dividindo-se o seu capital, se parcial a versão.

CVM: Comissão de Valores Mobiliários. Agência reguladora do mercado de capitais, responsável pela fi scalização e autorização de atuação de socieda-des no mercado fi nanceiro.

DEBÊNTURE: é um título de crédito representativo de empréstimo que uma companhia emite junto a terceiros e que assegura a seus detentores direito contra a emissora, nas condições constantes da escritura de emissão.

SOCIEDADES COLIGADAS: Sociedade de cujo capital outra sociedade partici-pa com dez por cento ou mais do capital, sem controlá-la

SOCIEDADES CONTROLADAS: 1) Sociedade de cujo capital outra sociedade possua a maioria dos votos nas deliberações dos cotistas ou da assembleia geral e o poder de eleger a maioria dos administradores; ou 2) sociedade cujo controle esteja em poder de outra, mediante ações ou quotas possuídas por sociedades ou sociedades por esta já controladas (Fonte: www.bovespa.com.br).

PARTICIPAÇÃO ACIONÁRIA PULVERIZADA: participação de múltiplos acionistas numa sociedade anônima por meio de aquisição de ações que não perfazem um poder acionário majoritário, de forma a gerar “companhias sem dono” e multiplicar a capacidade de investimentos.

TÍTULOS DE CRÉDITO: papéis representativos de uma obrigação e emitidos de conformidade com a legislação específi ca de cada tipo ou espécie. Exem-plos: cheque, nota promissória, duplicata etc.

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FGV DIREITO RIO 27

38. Fabio Ulhoa Coelho — Curso de Di-

reito Comercial, p. 28.

39. Modesto Carvalhosa — Comentários

à Lei de Sociedades Anônimas. 5ª ed.

Vol. I. São Paulo: Saraiva, 2009, p. 5.

40. Por exemplo, nas aulas 6 e 7 estuda-

remos os valores mobiliários; nas aulas

10 e 11, o funcionamento do controle

acionário; e na aula 18, os procedimen-

tos para transformação, incorporação,

fusão e cisão das sociedades anônimas.

AULAS 3 E 4: COMPANHIA ABERTA E FECHADA. MERCADO DE VALORES MOBILIÁRIOS. COMISSÃO DE VALORES MOBILIÁRIOS. NOÇÕES GERAIS.

F) MATERIAL DE LEITURA

Leitura Básica

COELHO, Fábio Ulhoa. Curso de direito comercial. Vol. 2. 6ª ed. São Paulo: Saraiva, 2003, pp. 69-79.

REQUIÃO, Rubens. Curso de Direito Comercial. Vol. 2. 23ª ed. São Paulo: Saraiva, 2003, pp. 31-44.

Leitura complementar

TRINDADE, Marcelo F. “O papel da CVM e o mercado de capitais no Bra-sil”. IN: Fusões e Aquisições: aspectos jurídicos e econômicos”. São Paulo: IOB, 2002, pp. 296-329.

G) ROTEIRO DE AULA

Na aula passada, vimos algumas noções gerais e características próprias das sociedades anônimas. Também identifi camos a importância estratégica, do ponto de vista econômico, social e político, da constituição de uma sociedade anônima quando comparada com a sociedade limitada.

Agora, passaremos ao exame mais detido da Sociedade Anônima, seu con-ceito, suas classifi cações e tipos, bem como sua forma de constituição.

Nesse sentido, inicialmente indaga-se: Qual o Conceito de S.A.?De acordo com Fabio Ulhoa Coelho, a sociedade anônima “é a sociedade

empresária com capital social dividido em ações, na qual os sócios, chamados acionistas, respondem pelas obrigações sociais até o limite do preço de emissão

das ações que possuem.”38 Modesto Carvalhosa possui mesmo entendimento acerca da S.A., e acrescenta que as ações possuem livre negociabilidade, o que reforça a característica da S.A. de ser uma sociedade de capitais39.

Há ainda peculiaridades específi cas — as quais serão estudadas ao longo no nosso curso40 — caso se esteja tratando de companhias abertas ou fecha-das. Vale assinalar que o artigo 4º da Lei das S.A. distingue as sociedades anônimas de capital aberto ou fechado, nos seguintes termos:

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FGV DIREITO RIO 28

41. José Edwaldo Tavares Borba. Direito

Societário. 11ª ed. Rio de Janeiro: Re-

novar, 2008.

42. Alfredo Lamy Filho e José Luiz Bu-

lhões Pedreira, A Lei das S.A. 3ª ed. Vol.

I. Rio de Janeiro: Renovar, 1997, p. 84.

43. Fábio Ulhoa Coelho. Curso de direito

comercial. Vol. 2. 6ª ed. São Paulo: Sa-

raiva, 2003, p. 136. São exemplos de

valores mobiliários as ações, já tratadas

superfi cialmente na aula passada.

44. Informações baseadas no site da

Comissão de Valores Mobiliários (www.

cvm.org.br).

“Art. 4º Para os efeitos desta Lei, a companhia é aberta ou fechada conforme os valores mobiliários de sua emissão estejam ou não ad-mitidos à negociação no mercado de valores mobiliários”.

Em termos iniciais, companhia aberta é aquela cujos valores mobiliários estejam admitidos à negociação no mercado de valores mobiliários (bolsa de valores ou mercado de balcão); fechada, ao invés disso, é a que não conta com essa admissão. O professor Tavares Borba conclui que a companhia aberta se encontra sujeita a normas mais rígidas, a publicidade mais acentuada e a constante fi scalização da Comissão de Valores Mobiliários (CVM)41.

Em relação ao tratamento jurídico que é dado a um ou outro tipo de sociedade, apontam Alfredo Lamy Filho e José Luiz Bulhões Pedreira, co--autores do anteprojeto da Lei das S.A.:

“Os mecanismos básicos do funcionamento interno das companhias abertas e fechadas são os mesmos, mas, nas relações com o público, as companhias abertas assumem obrigações relevantes e específi cas com os participantes dos mercados de valores mobiliários, e o público em geral”42.

O conceito de valores mobiliários e as suas noções gerais serão estudados, de modo pormenorizado, nas aulas 6 e 7. Nesse momento, importa apenas compreender que os valores mobiliários “são instrumentos de captação de recursos, para o fi nanciamento da empresa, explorada pela sociedade anô-nima que os emite, e representam, para quem os subscreve ou adquire, uma alternativa de fi nanciamento”43.

As vantagens presentes na abertura de capital de determinada sociedade anônima decorrem da análise inicial de sua viabilidade. A abertura de ca-pital é recomendável apenas quando existam objetivos bem delimitados e um projeto para seu alcance. Dentre outros benefícios, podemos destacar as seguintes vantagens que geralmente podem ser encontradas na abertura do capital de uma companhia44:

1. A abertura de capital amplia a base para se captar recursos, já que existe o oferecimento público em bolsa de ações de emissão da socie-dade para aquisição e investimento do público em geral. Ao mesmo tempo, amplia-se o potencial de crescimento da sociedade, na medida em que se permite, em tese, um maior aporte fi nanceiro para o fi nan-ciamento de projetos e outros objetivos buscados pela sociedade.

Ainda, a abertura de capital é a alternativa mais adequada para o fi nanciamento dos objetivos da sociedade se comparada aos fi nancia-

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FGV DIREITO RIO 29

45. Nos termos do parágrafo 1º do arti-

go 3º da Instrução CVM nº 400, de 29

de dezembro de 2003, “considera-se

como público em geral uma classe,

categoria ou grupo de pessoas, ainda

que individualizadas nesta qualidade,

ressalvados aqueles que tenham prévia

relação comercial, creditícia, societária

ou trabalhista, estreita e habitual, com

a emissora”. Ainda, conforme estabele-

ce o artigo 3º da aludida norma: “Art. 3º

São atos de distribuição pública a ven-

da, promessa de venda, oferta à venda

ou subscrição, assim como a aceitação

de pedido de venda ou subscrição de

valores mobiliários, de que conste

qualquer um dos seguintes elementos:

I — a utilização de listas ou boletins de

venda ou subscrição, folhetos, prospec-

tos ou anúncios, destinados ao público,

por qualquer meio ou forma; II — a

procura, no todo ou em parte, de subs-

critores ou adquirentes indeterminados

para os valores mobiliários, mesmo

que realizada através de comunicações

padronizadas endereçadas a destinatá-

rios individualmente identifi cados, por

meio de empregados, representantes,

agentes ou quaisquer pessoas naturais

ou jurídicas, integrantes ou não do

sistema de distribuição de valores mo-

biliários, ou, ainda, se em desconformi-

dade com o previsto nesta Instrução, a

consulta sobre a viabilidade da oferta

ou a coleta de intenções de investimen-

to junto a subscritores ou adquirentes

indeterminados; III — a negociação

feita em loja, escritório ou estabeleci-

mento aberto ao público, destinada,

no todo ou em parte, a subscritores

ou adquirentes indeterminados; ou IV

— a utilização de publicidade, oral ou

escrita, cartas, anúncios, avisos, espe-

cialmente através de meios de comuni-

cação de massa ou eletrônicos (páginas

ou documentos na rede mundial ou

outras redes abertas de computadores

e correio eletrônico), entendendo-se

como tal qualquer forma de comunica-

ção dirigida ao público em geral com o

fi m de promover, diretamente ou atra-

vés de terceiros que atuem por conta do

ofertante ou da emissora, a subscrição

ou alienação de valores mobiliários”.

46. São, contudo, muito mais numerosas

no Brasil as sociedades anônimas de

capital fechado. Isso se deve a um fato

histórico: a constituição originalmente

familiar das sociedades anônimas e a

proteção dos acionistas da ingerência

externa de algum acionista fora do

âmbito de conhecimento e confi ança

dos demais.

mentos bancários (contratos de mútuo a juros, por exemplo) que têm um custo altíssimo.

2. A abertura de capital permite uma maior liquidez patrimonial, garantindo uma capacidade de posicionamento estratégico maior. Isso se deve à diluição do risco empresarial e, ao mesmo tempo, à valoriza-ção da participação acionária.

3. A abertura de capital permite uma maior exposição da reputação e da marca da companhia no mercado, podendo gerar um incremento da imagem institucional e reforçando sua capacidade de negociar. Isso é possível graças à transparência necessária para a abertura de capital. A companhia deve informar, de forma clara e precisa, as suas condições de operação, o que permite aos investidores conhecer a sociedade e confi ar em sua posição no mercado. Nessa linha, o status de companhia aberta tende a facilitar, também, as associações internacionais.

4. A abertura de capital leva à aceleração da profi ssionalização da companhia. Inicialmente, esse processo é conseqüência das disposições legais, dada a eleição de conselheiros representantes dos novos acionistas e a exigência da fi gura do Diretor de Relações com Investidores (DRI).

Por outro lado, há desvantagens na constituição de uma companhia aber-ta, dentre as quais podemos destacar:

1. Os custos associados ao processo de abertura de capital, à remu-neração do capital dos novos acionistas (política de dividendos) e à administração de um sistema de informações específi co para o controle da propriedade da empresa.

2. A necessidade de atendimento a normas mais específi cas e rigoro-sas, no que tange aos procedimentos e princípios contábeis, de audito-ria, e divulgação de demonstrações fi nanceiras.

Nota-se, assim, que a vocação original e principal da sociedade anônima — de representar um instrumento efi caz para a captação de recursos junto ao público investidor, permitindo uma maior capitalização da sociedade — se revela nas companhias abertas, uma vez que às sociedades anônimas de ca-pital fechado não se faculta a oferta ou distribuição de títulos ao público em geral45,46. E é exatamente nesse aspecto que reside a mais relevante distinção entre as companhias abertas e fechadas, nas palavras de Alfredo Lamy Filho e José Luiz Bulhões Pedreira:

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FGV DIREITO RIO 30

47. Alfredo Lamy Filho e José Luiz Bu-

lhões Pedreira, A Lei das S.A. 3ª ed. Vol.

I. Rio de Janeiro: Renovar, 1997, p. 84.

48. José Edwaldo Tavares Borba. Direito

Societário. 11ª ed. Rio de Janeiro: Reno-

var, 2008, p. 171.

49. A esse respeito, dentre outros dispo-

sitivos legais, pode-se destacar o artigo

8º, inciso I, da Lei nº 6.385/76, transcri-

to abaixo.

50. Consoante determina o artigo 11 da

Lei nº 6.385/76: “Art. 11. A Comissão de

Valores Mobiliários poderá impor aos

infratores das normas desta Lei, da lei

de sociedades por ações, das suas re-

soluções, bem como de outras normas

legais cujo cumprimento lhe incumba

fi scalizar, as seguintes penalidades:

I —advertência; II — multa; III —

suspensão do exercício do cargo de

administrador ou de conselheiro fi scal

de companhia aberta, de entidade do

sistema de distribuição ou de outras

entidades que dependam de autoriza-

ção ou registro na Comissão de Valores

Mobiliários; IV — inabilitação tem-

porária, até o máximo de vinte anos,

para o exercício dos cargos referidos

no inciso anterior; V — suspensão da

autorização ou registro para o exercício

das atividades de que trata esta Lei; VI

— cassação de autorização ou registro,

para o exercício das atividades de que

trata esta Lei; VII — proibição tempo-

rária, até o máximo de vinte anos, de

praticar determinadas atividades ou

operações, para os integrantes do sis-

tema de distribuição ou de outras en-

tidades que dependam de autorização

ou registro na Comissão de Valores Mo-

biliários; VIII — proibição temporária,

até o máximo de dez anos, de atuar, di-

reta ou indiretamente, em uma ou mais

modalidades de operação no mercado

de valores mobiliários”.

51. Dispõe o artigo 8º da referida lei:

“Art. 8º Compete à Comissão de Valores

Mobiliários: I — regulamentar, com

observância da política defi nida pelo

Conselho Monetário Nacional, as ma-

térias expressamente previstas nesta

Lei e na lei de sociedades por ações; II

— administrar os registros instituídos

por esta Lei; III — fi scalizar permanen-

temente as atividades e os serviços do

mercado de valores mobiliários, de que

trata o Art. 1º, bem como a veiculação

de informações relativas ao mercado, às

pessoas que dele participem, e aos va-

lores nele negociados; IV — propor ao

Conselho Monetário Nacional a eventu-

al fi xação de limites máximos de preço,

comissões, emolumentos e quaisquer

outras vantagens cobradas pelos inter-

mediários do mercado; V — fi scalizar

e inspecionar as companhias abertas

dada prioridade às que não apresentem

lucro em balanço ou às que deixem de

pagar o dividendo mínimo obrigatório”.

“Com efeito, a diferença mais importante entre a companhia fecha-da e a aberta é que esta, além das relações (internas) com os investidores do mercado que são seus acionistas, mantém — pelo fato de participar do mercado como emissora de valores mobiliários negociados median-te oferta pública — relações com todos os investidores do mercado — inclusive os que não são titulares de valores de sua emissão, mas apenas adquirentes em potencial desses valores”47.

Em face dessas diferenças estruturais e visando à proteção do público in-vestidor, a legislação — não só no Brasil, mas também em escala mundial — dispensa às companhias abertas uma regulamentação mais rígida, impondo determinadas obrigações e exigências que, em regra, não se aplicam às socie-dades anônimas de capital fechado.

Nesse sentido, a Lei nº 6.385, de 07 de dezembro de 1976, criou no Brasil a Comissão de Valores Mobiliários (“CVM”), autarquia federal vinculada ao Ministério da Fazenda, e regulou o mercado de valores mobiliários, o qual pode ser dividido em primário e secundário. O mercado primário destina--se à colocação original dos títulos emitidos pelas sociedades, ao passo que o mercado secundário caracteriza-se pela revenda desses títulos pelos seus adquirentes, dando liquidez e circulação aos valores mobiliários.

O professor José Edwaldo Tavares Borba defende que a “a atuação da CVM encontra-se restrita às companhias abertas, pois somente estas podem recorrer ao mercado, sendo, portanto, ilegítima toda e qualquer ingerência sua em companhias fechadas. Ressalva-se o caso específi co das sociedades benefi ciárias de incentivos fi scais, que, mesmo sendo fechadas, observadas algumas exceções, encontram-se sujeitas a um registro especial na CVM, de-terminado pela Instrução nº 265/97”48.

Dentre outras atribuições da CVM — como, por exemplo, os seus po-deres normativo49 e sancionador50 —, destacam-se a fi scalização e inspeção das companhias abertas e das atividades e serviços do mercado de valores mobiliários51, sendo importante notar que “somente os valores mobiliários de emissão de companhia registrada na Comissão de Valores Mobiliários podem ser negociados no mercado de valores mobiliários”52.

A CVM também desempenha função consultiva, que é exercida junto aos agentes do mercado e investidores, por meio dos chamados “pareceres de orientação”, os quais devem limitar-se às questões concernentes às matérias de competência da própria CVM, abrangendo apenas problemas de merca-dos ou sujeitos a sua regulamentação. Essa função consultiva pode ser inter-pretada pela leitura do art. 13, da Lei nº 6.385/76, que prevê a existência, na CVM, de serviço com atividade consultiva e de orientação.

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ORGANIZAÇÃO JURÍDICA DA GRANDE EMPRESA

FGV DIREITO RIO 31

52. Artigo 4º, parágrafo 1º, da Lei das

S.A.

53. A esse respeito, veja-se a Instrução

CVM nº 400, de 29 de dezembro de

2003, a qual dispõe sobre as ofertas

públicas de distribuição de valores

mobiliários, nos mercados primário ou

secundário.

54. Artigo 4º, parágrafo 2º, da Lei das

S.A.

55. “§ 4º O registro de companhia aberta

para negociação de ações no mercado

somente poderá ser cancelado se a

companhia emissora de ações, o acio-

nista controlador ou a sociedade que

a controle, direta ou indiretamente,

formular oferta pública para adquirir

a totalidade das ações em circulação

no mercado, por preço justo, ao menos

igual ao valor de avaliação da compa-

nhia, apurado com base nos critérios,

adotados de forma isolada ou combi-

nada, de patrimônio líquido contábil,

de patrimônio líquido avaliado a preço

de mercado, de fl uxo de caixa descon-

tado, de comparação por múltiplos, de

cotação das ações no mercado de valo-

res mobiliários, ou com base em outro

critério aceito pela Comissão de Valores

Mobiliários, assegurada a revisão do

valor da oferta, em conformidade com

o disposto no art. 4º-A.”. Adicionalmen-

te, o parágrafo 5º do mesmo dispositivo

estabelece que “Terminado o prazo da

oferta pública fi xado na regulamenta-

ção expedida pela Comissão de Valores

Mobiliários, se remanescerem em

circulação menos de 5% (cinco por

cento) do total das ações emitidas pela

companhia, a assembléia-geral poderá

deliberar o resgate dessas ações pelo

valor da oferta de que trata o § 4º, des-

de que deposite em estabelecimento

bancário autorizado pela Comissão de

Valores Mobiliários, à disposição dos

seus titulares, o valor de resgate, não se

aplicando, nesse caso, o disposto no §

6º do art. 44”.

Cumpre assinalar que, caso se pretenda fazer com que uma companhia fechada se torne uma companhia aberta — em outras palavras, realizar uma “abertura de capital” —, deverão ser observadas as normas editadas pela CVM para esse fi m53, já que “nenhuma distribuição pública de valores mobiliários será efetivada no mercado sem prévio registro na Comissão de Valores Mobi-liários”54. Em contrapartida, a companhia pode deliberar pelo fechamento de capital, conforme se visualiza abaixo:

Processo de Fechamento de Capital — OPA

Como ressaltado, a Companhia, por intermédio da convocação de uma AGE (Assembléia Geral Extraordinária), pode deliberar sobre o processo de “fechamento de capital”, no qual uma companhia aberta passa a ser uma companhia fechada — também se submete a um procedimento específi co, o qual se encontra previsto no parágrafo 4º do artigo 4º da Lei das S.A.55 e regulado pela Instrução CVM nº 361, de 05 de março de 2002. Esse proce-dimento é denominado de OPA — oferta pública de aquisição de ações.

A principal exigência para o cancelamento do registro da companhia na CVM e o fechamento de seu capital, de acordo com a Instrução aludida, diz respeito ao acolhimento por parte de, no mínimo, 2/3 das ações em circula-ção, seja da oferta pública de aquisição de ações a ser promovida pelo acionis-ta controlador ou pela própria companhia, seja da proposta de cancelamento do registro, não computadas as ações dos que não se habilitarem para o leilão da oferta pública. Tal exigência não se sobreleva a outras que devem ser ob-servadas pela companhia ao longo da realização da OPA.

Cumpre ressaltar que os princípios gerais aplicáveis à OPA, de acordo com o art. 4º da Instrução 361/02 são os seguintes: (i) a OPA deve ser desti-nada aos titulares de ações da mesma espécie e classe daquelas que sejam seu objeto, sem distinção; (ii) tratamento equitativo aos destinatários da OPA; (iii) registro prévio da OPA na CVM; (iv) lançamento da OPA por preço uniforme, salvo as exceções previstas no inciso V do art. 4º da Instrução; (v) intermediação da OPA por sociedade corretora ou distribuidora de títulos e valores mobiliários ou instituição fi nanceira com carteira de investimento; (vi) a OPA deve ser acompanhada do laudo de avaliação; (vii) realização da OPA em leilão na bolsa de valores ou em entidade de mercado de balcão or-ganizado; e (viii) a OPA deve ser imutável e irrevogável, após a publicação do edital, salvo as hipóteses previstas no art. 5º da Instrução.

Tais exigências confi rmam o poder fi scalizatório da CVM em prezar pelo bom funcionamento do mercado de capitais, além de proteger seus inves-tidores. Por fi m, a CVM pode, a qualquer tempo, suspender a OPA, caso verifi que alguma irregularidade sanável, ao passo que pode cancelá-la se ob-servado vício insanável na operação.

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FGV DIREITO RIO 32

56. Publicado em 09 de novembro de

2006, na Gazeta Mercantil (Finanças &

Mercados — Pág. 1).

H) TEXTOS DE APOIO

1. A Bolsa muda de patamar e qualidade, com os novos setores

“São Paulo, 9 de Novembro de 2006 — O volume de ofertas públicas de ações atingiu R$ 24,4 bilhões este ano, volume que já é recorde no período pós-Plano Real e representa mais que o dobro do emitido no ano passado. Apesar da turbulência que derrubou as bolsas de valores internacionais no segundo trimestre — estendendo-se ao Brasil —, o movimento crescente de ofertas, verifi cado a partir do fi nal de 2003, não chegou a ser interrompido.

Entre abril e junho, o ritmo fi cou mais lento, mas as empresas continua-ram obtendo sucesso com a venda de suas ações. Foi o caso da operação do Banco do Brasil que, no mês de junho, em plena turbulência, obteve R$ 1,9 bilhão com a venda de ações, até então a maior realizada em 2006. Até o fi nal de outubro, a maior captação foi a da Cesp, de R$ 3 bilhões.

Este ano, até agora, 35 empresas realizaram ofertas públicas de ações, sen-do que a maioria delas abriu o capital. A conjuntura internacional, de cres-cimento econômico e farta liquidez, impulsionou esse desempenho — cerca de 80% dos papéis foram comprados por investidores estrangeiros. Mas a modernização da regulamentação e principalmente a criação dos níveis de governança corporativa pela Bovespa tiveram papel determinante nesse con-junto de atrações.

Com tudo isso, o mercado mudou de patamar e de qualidade. Das novas empresas da bolsa, a maioria entrou no Novo Mercado (o mais elevado nível de governança), que obriga as companhias a terem apenas ações ordinárias (com direito de participação no controle) e tag along de 100%.

Além disso, a bolsa ganhou novos setores como o de construção e incor-poração, que já conta com sete companhias listadas, entre elas Gafi sa, Rossi, Company e Abyara. Outras cinco já pediram registro e estão na fi la. O setor de construção e incorporação deve ser para a bolsa o que foi o de telecomu-nicações — por mais de uma década líder em valorização, volume e liquidez.

Outros setores, antes ausentes da bolsa, também aumentaram a opção dos investidores: internet, saúde, seguros, laboratórios de análises clínicas, infor-mática. Essa diversifi cação atrai novos investimentos, puxando mais cresci-mento”56.

2. “20/10/2006 — Apetite por crescimentoO dinamismo da Bolsa neste ano revela novo perfi l e aptidões das candidatas

ao pregãoO mercado de capitais brasileiro deve viver neste último quarto do ano

um movimento muito intenso, comparável ao de 1996, quando as privatiza-ções o inundaram com papéis novos. A marca dos R$ 100 bilhões em lança-

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mentos das várias modalidades virtualmente foi rompida no mês passado, se somados os registros concedidos no ano pela Comissão de Valores Mobiliá-rios (CVM) — R$ 82,6 bilhões — e as ofertas em análise. Especialmente no mercado acionário, até setembro, foram registradas 48 emissões, entre ações, certifi cados e bônus, no valor total de R$ 22,8 bilhões.

Exame preparatórioAs candidatas mais fortes à abertura de capital são aquelas das quais o Ban-

co Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES) é sócio e as apadrinhadas pela Financiadora de Estudos e Projetos (Finep), vinculada ao Ministério de Ciência e Tecnologia. Entre as companhias que passaram pelo Fórum Brasil de Abertura de Capitais, promovido pelas duas entidades em parceria com a Bovespa, encontram-se Datasul, Lupatech, Microsiga, CSU e Company — todas atualmente de capital aberto. Esse fórum, que consiste em montar periodicamente apresentações de novas empresas a investidores e analistas, funciona desde 2002.

A Lupatech, que participou da iniciativa em novembro daquele ano, é um dos casos de sucesso da Finep. Parceira da agência ofi cial desde 1993, recebeu dela apoio para três projetos, um fi nanciamento total de aproximadamente R$ 6 milhões. Líder nacional no fornecimento de válvulas industriais para o setor de petróleo e gás, a Lupatech iniciou em maio deste ano seu vôo solo, ao abrir capital e entrar no Novo Mercado.

Após a oferta de ações que a capitalizou com R$ 452,7 milhões, a compa-nhia comprou todas as quotas da Metalúrgica Ipê Limitada (Mipel-SP), de forte marca e presença no segmento de válvulas industriais de bronze. Em seguida, arrematou também a totalidade das ações da Itasa, empresa sediada na Argentina, dona de destacada tecnologia de fundição de ligas especiais com alta resistência a corrosão, usadas principalmente em aplicações para o setor de petróleo e gás. Outra medida de crescimento foi a produção de uma nova linha de válvulas em aço, carbono e inox, mediante investimento de R$ 11,5 milhões.

Motivações semelhantesDesempenho como esse naturalmente incentiva outros empreendedores

que têm projetos similares de crescimento a seguir a trilha até o mercado de capitais. É o caso da Memphis, fabricante de produtos de higiene; da produtora de autopeças Controil; da Teikon, que atua na área de tecnologia e da DBA, exportadora de serviços de tecnologia de informação. As quatro preparam-se pacientemente para abrirem o capital a médio prazo de forma a ampliar a capacidade instalada, realizar aquisições e atingir novos mercados.

A Memphis, quinta maior fabricante de sabonetes do Brasil, com pro-dução anual de 113 milhões de unidades e receita de R$ 98 milhões, traçou

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FGV DIREITO RIO 34

plano ambicioso, ao fi xar como objetivo o crescimento da receita em 17% ao ano a partir de 2007. Calcula que isso custará um investimento na casa de R$ 15 milhões nos próximos anos, sem contar eventuais aquisições. “Neste segundo cenário, a empresa pode crescer 30% ao ano”, afi rma Clóvis Dinis Cortesia, diretor de Vendas e Marketing. Os projetos envolvem a ampliação da atual linha de cosméticos e de produtos de higiene pessoal e o lançamento de novos produtos, além do aumento da produção de marcas tradicionais da empresa. “A partir de janeiro, o consumidor vai se deparar com os novos produtos que já estão sendo desenvolvidos”, garante Cortesia.

Para tocar tudo isso está sendo considerada uma expansão física que mul-tiplicará por cinco as instalações atuais: os dois pavilhões que abrigam a fábri-ca, sediada no município de Portão, RS, poderão chegar a dez. “A velocidade de crescimento dependerá da concretização das previsões de aumento das vendas”, pondera o executivo. “Se a aceitação do público for maior do que esperamos, naturalmente ampliaremos de forma mais rápida.”

Para apoiar a expansão projetada, a Memphis se volta para um mercado altamente promissor, que cresce a taxas chinesas e não dá mostras de perder o fôlego: o brasileiro. Filho dileto do Plano Real, o segmento de higiene pessoal, perfumaria e cosméticos simplesmente dobrou entre o início e o fi m da década de 1990: saiu de US$ 1,7 bilhão, em 1992 para US$ 3,4 bilhões em 2000, cometendo alguns exageros no caminho, como os US$ 4,3 bilhões cravados em 1998. Cresce agora ao redor dos 9% ao ano. “É um mercado em alta expansão e focado em marcas tradicionais”, anima-se Cortesia.

A opção pelo mercado interno não signifi ca virar inteiramente as costas às exportações. A Memphis vende atualmente para Panamá, Bolívia, Chi-le, Uruguai e Paraguai o correspondente a 1,5% do faturamento total; nos próximos cinco anos, pretende ampliar a participação para 5%, agregando Argentina e Peru ao cadastro de clientes.

Governança na miraCom projeto tão ambicioso quanto o da Memphis, a Controil espera qua-

druplicar, em 2010, o faturamento bruto do ano passado, de R$ 80 milhões, ou seja, crescer 24% ao ano. No mercado de reposição de freios hidráulicos pretende atingir a clientela primária, as montadoras de veículos. Outro ob-jetivo é aumentar a participação das exportações no faturamento, dos 4,2% atuais para 15% também em 2010.

“O investimento necessário para aumentar a capacidade instalada e oti-mizar a produção é da ordem de R$ 100 milhões”, tem na ponta do lápis Gilso Gotardo, superintendente da empresa. Inicialmente é preciso melhorar os testes de qualifi cação, de forma a modernizar o processo produtivo com absorção de novas tecnologias que resultem na redução de custos.

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57. Disponível em http://revistarazao.

uol.com.br/textos.asp?codigo=10736.

Acesso em 10 de novembro de 2006.

Essa será uma segunda mudança de patamar para a companhia. Entre 1997 e 1998 a Controil tocara um projeto de expansão com o qual o fatu-ramento cresceu 19,4%. “Passamos por novas contratações e qualifi cação. O objetivo agora é crescer ainda mais. Queremos expandir e qualifi car a empre-sa. Hoje temos 500 empregados diretos; vamos criar mais 300 vagas”, destaca Gotardo

No passado, a fonte de fi nanciamento foi o BNDES. O diretor diz que pode voltar a bater na porta do banco, mas considera também o mercado acionário.

Há quem já faça tais preparativos dentro da própria casa. A Teikon, por exemplo, que pretende ampliar os negócios para turbinar sua receita, de R$ 34,3 milhões em 2005, contratou auditoria e conselheiros independentes para se enquadrar em padrões elevados de governança. A DBA criou uma di-retoria de Relações com Investidores convencida de que a Bolsa é o caminho para conduzi-la em boas condições no processo de consolidação em seu setor de atuação.

PragmatismoA afl uência de empresas à Bolsa realça cada vez mais a principal transfor-

mação pela qual passou o mercado de capitais: a troca da quantidade pela qualidade. No momento em que foi mais populosa, 1998, a Bovespa tinha 599 empresas no pregão; hoje, tem 387. O valor de mercado delas, porém, era de R$ 194,4 bilhões (US$ 160,9 bilhões) e agora chega a R$ 1,25 trilhão (US$ 568,5 bilhões) ou seja, cravou um aumento de 543% em real e de 264,5% em dólar.

Por sonoro que pareça, tal aumento ainda não é o ideal. “O mercado de capitais brasileiro ainda é pequeno na comparação com o tamanho da nossa economia”, lembra Fernando Alves, da Price. Tem razão. O tamanho da Bol-sa brasileira — medido pelo valor de mercado das empresas — não chega aos 60% do Produto Interno Bruto (PIB); nas economias capitalistas avançadas até ultrapassa os 100%. É preciso levar em conta no entanto que, há dez anos, aquela relação era de 28%. E que hoje todos os indícios apontam para um crescimento sustentado do mercado”57.

D) CASO

Caso do avestruz — Grupo Avestruz Máster

Por força de denúncias que lhe foram feitas, a CVM obteve cópia de anún-cio publicitário veiculado em canais de televisão em que o presidente do “Grupo Avestruz Máster”, sociedade limitada, anuncia, dentre outras infor-mações, que “nos últimos meses a CVM — Comissão de Valores Mobiliários

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vem inspecionando e acompanhando todas as nossas negociações, mesmo que as negociações não sejam por ela regulamentadas”.

Além disto, a referida peça publicitária informa que a Avestruz Máster “está se adequando às deliberações fi nais da CVM, cujas orientações vêm ao en-contro de nossas metas”.

O texto utilizado pela Avestruz Máster induz explicitamente o público à impressão oposta, de que a CVM “vem inspecionando e acompanhando todas as nossas negociações”, o que é absolutamente falso, dado que a CVM vem apenas buscando alertar tal empresa de que sua captação de recursos fi nan-ceiros, da maneira como vinha sendo feita, pode caracterizar exercício ilegal de distribuição pública de valores mobiliários, tanto que já há inquérito ad-ministrativo instaurado nesta autarquia.

Assim sendo, a CVM alerta ao público em geral que determinou à Aves-truz Máster que interrompesse imediatamente a veiculação da peça publici-tária antes referida, e se abstivesse de utilizar o nome da CVM em qualquer modalidade de publicidade, salvo para nelas incluir, como determinado pelo inciso II, alínea (d), da Deliberação CVM 473, de 01/12/2004, em destaque, o alerta de que a “Avestruz Máster e os investimentos por ela ofertados não são regulados ou fi scalizados pela CVM”.

A Avestruz Máster não é registrada na CVM, seus negócios não são fi scali-zados por esta autarquia, nem tampouco são auditados por auditor indepen-dente registrado na CVM.

Pergunta-se:1) Qual o papel realizado pela CVM neste caso?2) Tratando-se de sociedade limitada, existe legitimidade da atuação da

CVM?3) Qual a sanção que poderia ser aplicada pela CVM neste caso?4) Os investidores da Avestruz Máster podem responsabilizar a CVM pe-

las eventuais perdas de seus investimentos?

E) JURISPRUDÊNCIA

TRIBUTÁRIO. EXECUÇÃO FISCAL. COMISSÃO DE VALORES MOBILIÁRIOS — CVM. COBRANÇA DE TAXA DE FISCALIZAÇÃO. NÃO CABIMENTO. SUSPENSÃO DA NEGOCIAÇÃO DAS AÇÕES DA EMBARGANTE NA BOLSA DE VALORES E DO REGISTRO DE COMPANHIA. ADOÇÃO DA TÉCNICA DA FUNDAMENTA-ÇÃO PER RELATIONEM. 1. Apelação interposta pela CVM em face de sentença que julgou procedente o pedido formulado nos embargos à exe-cução, para cancelar as CDA’s que embasaram a execução fi scal nº 13630-69.2006.4.05.8300. 2. Adoção da chamada fundamentação per relationem,

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FGV DIREITO RIO 37

após a devida análise dos autos, tendo em vista que a compreensão deste Relator sobre a questão litigiosa guarda perfeita sintonia com a apresentada pelo Juízo de Primeiro Grau, motivo pelo qual se transcreve, como razão de decidir, nesta esfera recursal, a fundamentação da sentença (itens 3 a 5). 3. “[...] as atividades da CVM são reguladas pela Lei n. 6.385/76, com as alte-rações dadas pela Lei n. 10.303/2001. O art. 1º da norma citada prevê que serão “disciplinadas e fi scalizadas” pela CVM diversas atividades, entre elas a auditoria de “companhias abertas” (inciso VII do dispositivo). Já o art. 8º, inciso V, da norma de regência reforça a competência para a fi scalização das companhias abertas.” 4. “Ocorre, entretanto, que o embargante comprovou que a CVM suspendeu a negociação das suas ações na bolsa de valores no ano de 1995, pela incorporação da companhia pelo Banco Bandeirantes S/A (fl . 94), de forma que não seria mais viável a fi scalização pela CVM ante a perda do critério de companhia aberta.” 5. “Como as multas cobradas na execução fi scal são do ano de 2002, evidentemente não são devidas tanto pela suspensão da negociação das ações ocorrida em 1995, como pela suspensão do registro de companhia fi scalizada ocorrida no ano de 2003.” 6. Apelação desprovida.

Apelação Cível 557167, de relatoria do Desembargador Federal Francisco Cavalcanti, TRF 5. Julgado datado de 16/05/2013.

Decisões da CVMPEDIDO DE REGISTRO DE OPA COM ADOÇÃO DE PROCE-

DIMENTO DIFERENCIADO — EXCELSIOR ALIMENTOS S.A. — PROC. RJ2012/8019 (ATA DA REUNIÃO DO COLEGIADO Nº 24 DE 25.06.2013) Reg. nº 8719/13 Relator: SRE/GER-1

Trata-se de pedido apresentado pela Marfrig Alimentos S.A. (“Ofertante”) de registro de oferta pública de aquisição de ações (“OPA”) por alienação do controle de Excelsior Alimentos S.A. (“Companhia”), com adoção de pro-cedimento diferenciado, nos termos do art. 34 da Instrução CVM 361/02 (“Instrução”).

A Ofertante solicita a dispensa dos seguintes requisitos da Instrução: (i) realização de leilão em bolsa de valores (inciso VII do art. 4º da Ins-trução); (ii) contratação de instituição intermediária da OPA (inciso IV do art. 4º da Instrução); (iii) publicação de instrumento de OPA em for-ma de edital em jornal de grande circulação utilizado pela Companhia (arts. 10 e 11 da Instrução).

A Superintendência de Registro de Valores Mobiliários — SRE manifes-tou-se favorável ao pedido, tendo em vista que: (i) aplica-se ao caso concreto o disposto no inciso II do § 1º do art. 34 da Instrução; (ii) o procedimento diferenciado proposto atende ao princípio previsto no inciso II do art. 4º da Instrução; (iii) os custos incorridos no rito ordinário da OPA são elevados

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quando comparados ao seu valor total; (iv) a presente oferta guarda propor-ção com as características observadas em outros precedentes da Autarquia; e (v) a ausência de prejuízo para os destinatários da oferta.

O Colegiado, com base na manifestação da área técnica, consubstanciada no Memo/SRE/GER-1/N° 30/2013, e, ainda, tendo em vista os precedentes já autorizados, deliberou conceder as dispensas pleiteadas.

RECLAMAÇÃO ACERCA DE CANCELAMENTO DE REGISTRO DE COMPANHIA ABERTA — MARCELO AVANCINI NETO — PROC. RJ2010/6915 (ATA DA REUNIÃO DO COLEGIADO Nº 16 DE 30.04.2013) Reg. nº 5561/07 Relator: DOZ

Trata-se de processo instaurado em razão de reclamação apresentada no âmbito do Processo Administrativo Sancionador RJ 2007/13030 (“PAS”), que foi instaurado para apurar a responsabilidade da administração da Em-presa de Embalagens Metálicas Ltda. (“MMSA”) e de seu controlador, na transformação da natureza jurídica da MMSA para sociedade limitada. Na reclamação, a Multiplic Empreendimentos e Comércio Ltda. (“Multiplic”), na qualidade de debenturista da MMSA, depois de fazer uma série de consi-derações sobre as debêntures e sobre a reorganização societária por que pas-sou a MMSA, requereu que fossem juntados vários documentos e que fosse intimada sobre todos os atos relacionados ao PAS.

O Relator Otavio Yazbek sugere o arquivamento do processo, por enten-der que os interesses de todos os envolvidos foram devidamente respeitados, destacando que (i) em reunião de 27.12.11 foi aprovado termo de compro-misso apresentado por todos os acusados no âmbito do PAS; (ii) como condi-ção para a celebração deste termo de compromisso, a MMSA comprovou que celebrou, com os detentores de todas as debêntures, acordo judicial para o pagamento dos valores devidos; (iii) uma das obrigações assumidas no termo de compromisso envolvia o oferecimento, a todos os acionistas preferencia-listas da MMSA, da opção de vender suas ações a fi m de reparar eventuais danos a tais acionistas por possíveis prejuízos causados; e (iv) em reunião de 19.03.13, foi atestado o cumprimento do termo de compromisso em ques-tão.

O Colegiado, por unanimidade, acompanhando o voto apresentado pelo Relator Otavio Yazbek, deliberou o arquivamento do Proc. RJ2010/6915.

AUTORIZAÇÃO PARA NEGOCIAÇÃO PRIVADA DE AÇÕES — ENERGIA SÃO PAULO FIA — BNY MELLON — PROC.RJ2013/0869 (ATA DA REUNIÃO DO COLEGIADO DE 22.03.2013) Reg. nº 8614/13 Relator: SIN/GIF

Trata-se de pedido de autorização formulado pela BNY Mellon Serviços Financeiros DTVM S.A., nos termos do art. 64, inciso VI, da Instrução

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FGV DIREITO RIO 39

CVM 409/04, bem como no disposto no §4º do art. 118 da Lei 6.404/76, para que o Energia São Paulo Fundo de Investimento em Ações (“Fundo”) adquira ações de emissão da CPFL Energia S.A. que se encontram impedidas para negociação em bolsa ou mercado de balcão organizado.

O assunto havia sido originalmente submetido ao Colegiado na reunião de 12.03.13, tendo o Colegiado então decidido solicitar manifestação da Su-perintendência Nacional de Previdência Complementar — PREVIC, uma vez que os cotistas do Fundo são Entidades Fechadas de Previdência Com-plementar.

Diante da manifestação favorável da PREVIC, o Colegiado unanimemen-te deliberou dispensar a observância do art. 64, inciso VI, da Instrução CVM 409/04 e autorizar a operação pretendida. Em sua decisão, o Colegiado destacou as circunstâncias específi cas do caso que motivaram a sua de-cisão, em especial (1) o reduzido número de cotistas do Fundo, todos qualifi cados, (2) a aprovação da operação em assembleia, e (3) as razões apresentadas para justifi car o preço estabelecido para a aquisição das ações pelo Fundo ser superior ao preço de mercado do ativo.

F) QUESTÕES DE CONCURSO

(6º Exame de Ordem OAB-RJ) 23 — A venda ao público de ações emiti-das pela S.A., depende de autorização:

a. Da Bolsa de Valores;b. Do Banco Central;c. Da C.V.M.;d. Do Conselho Fiscal da S.A.

(3º Exame de Ordem OAB-RJ) 27 — Diz-se sociedade de capital aberto aquela que:

a. Foi constituída mediante subscrição pública;b. Possui ações de várias espécies e formas;c. Tem suas ações negociadas em bolsa;d. É de capital autorizado.

(122º Exame de Ordem OAB-SP) 50 — O mercado de capitais primário:(A) abrange operação de compra e venda de ação, ou seja, a negociação

feita pelo dono de uma participação societária.(B) não admite emissão pública de valores mobiliários, nem sua aliena-

ção.(C) visa à alienação de uma ação, transferindo-a do patrimônio do pri-

meiro acionista para o do segundo.

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FGV DIREITO RIO 40

(D) compreende as operações de subscrição de ações e de outros valo-res mobiliários, sendo um negócio entre a companhia emissora e o investidor.

(CESPE — Analista ECB — 2011) A sociedade anônima é uma socie-dade simples, devendo, nesse caso, ser registrada no registro civil das pessoas jurídicas.

( ) Certo ( ) Errado(TCE/ES — CESPE — 2009) A respeito da sociedade anônima aberta e

das regras que lhe são aplicáveis, assinale a opção correta.A. A venda de ações para aumento de capital exige que o capital social

esteja integralizado.B. Em regra, não há responsabilidade solidária entre os administrado-

res.C. O estatuto não pode eliminar o direito de preferência para subscri-

ção de ações.D. Se o representante age nos limites da lei e do contrato social, terá

responsabilidade limitada.E. A subscrição do capital social é, em regra, retratável.

G) GLOSSÁRIO

GOVERNANÇA CORPORATIVA: é o sistema pelo qual as sociedades são dirigi-das e monitoradas, envolvendo os relacionamentos entre Acionistas/Sócios, Conselho de Administração, Diretoria, Auditoria Independente e Conselho Fiscal. As boas práticas de governança corporativa têm a fi nalidade de au-mentar o valor da sociedade, facilitar seu acesso ao capital e contribuir para a sua perenidade (Fonte: www.ibgc.org.br).

MERCADO PRIMÁRIO: Colocação de títulos resultantes de novas emissões. As companhias podem utilizar o mercado primário para captar os recursos ne-cessários ao fi nanciamento de suas atividades (Fonte: www.bovespa.com.br).

MERCADO SECUNDÁRIO: Negociação de ativos, títulos e valores mobiliários em mercados organizados, onde investidores compram e vendem em busca de lucratividade e liquidez, transferindo, entre si, os títulos anteriormente adquiridos no mercado primário (Fonte: www.bovespa.com.br).

NOVO MERCADO: segmento de listagem da Bolsa de Valores de São Pau-lo destinado à negociação de ações emitidas por companhias que se com-prometem, voluntariamente, com a adoção de certas práticas de governança

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corporativa e disclosure adicionais em relação ao que é exigido pela legislação (Fonte: www.bovespa.com.br).

OFERTA PÚBLICA DE AÇÕES: Distribuição de títulos e valores mobiliários junto ao público investidor e colocação junto ao público de determinado nú-mero de ações de emissão de uma companhia (Fonte: www.bovespa.com.br).

TAG ALONG: Uma das modalidades de tag along é previsto na legislação brasileira (Lei das S.A., Artigo 254-A) e assegura que a alienação, direta ou indireta, do controle acionário de uma companhia aberta somente poderá ocorrer sob a condição, suspensiva ou resolutiva, de que o acionista adquiren-te se obrigue a fazer oferta pública de aquisição das demais ações ordinárias, de modo a assegurar a seus detentores o preço mínimo de 80% do valor pago pelas ações integrantes do bloco de controle. Confi gura-se, assim, como um importante instrumento de proteção dos interesses dos acionistas minoritá-rios (Fonte: www.bovespa.com.br).

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58. Na defi nição de Fabio Ulhoa Coelho:

“Valores mobiliários são instrumentos

de captação de recursos pelas socie-

dades anônimas emissoras e repre-

sentam, para quem os subscreve ou

adquire, um investimento” (Fábio Ulhoa

Coelho, Curso de direito comercial. Vol. 2.

6ª ed. São Paulo: Saraiva, 2003, p. 137).

AULAS 5 E 6: AÇÕES E OUTROS VALORES MOBILIÁRIOS.

I) MATERIAL DE LEITURA

Leitura Básica

COELHO, Fábio Ulhoa. Curso de direito comercial. Vol. 2. 6ª ed. São Paulo: Saraiva, 2003, pp. 136-155.

REQUIÃO, Rubens. Curso de direito comercial. 2º vol. 24ª ed. São Paulo: Saraiva, 2006, pp. 73-105.

Leitura complementar

EIZIRIK, Nelson. “Os valores mobiliários na nova Lei das S.A.”. In Revista de Direito Mercantil, Industrial, Econômico e Financeiro. São Paulo: Malhei-ros, n. 124, pp. 72-79.

J) ROTEIRO DE AULA

B.1) VALORES MOBILIÁRIOS: INTRODUÇÃO

Na última aula, analisamos as particularidades relativas ao capital social de uma companhia. Observamos, ainda, que a sociedade anônima possui duas alternativas principais no que tange à obtenção de recursos para o desenvol-vimento de sua atividade econômica, quais sejam, (i) contrair fi nanciamento junto a terceiros, principalmente instituições fi nanceiras ou (ii) buscar recur-sos adicionais dos sócios ou de investidores no mercado de capitais.

Em regra, a segunda hipótese se viabiliza pela emissão dos chamados valo-res mobiliários, que são títulos emitidos pelas companhias — sejam abertas ou fechadas — para a captação de recursos e fi nanciamento da companhia58. Desse modo, valores mobiliários são instrumentos de captação de recursos pelas companhias e representam, para que os subscreve ou adquire, um in-vestimento. Via de regra, os recursos obtidos pela disponibilização dos valo-res mobiliários no mercado são mais baratos, tendo em vista que a taxa de remuneração é menor.

A Lei nº 6.385, de 7 de dezembro de 1976, enumera as diversas espécies de valores mobiliários, nos seguintes termos:

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59. COELHO, Fábio Ulhoa. Curso de Direito

Comercial — vol. 02. São Paulo: Sarai-

va, 2006.

“Art. 2º São valores mobiliários sujeitos ao regime desta Lei:I — as ações, debêntures e bônus de subscrição;II — os cupons, direitos, recibos de subscrição e certifi cados de des-

dobramento relativos aos valores mobiliários referidos no inciso II;III — os certifi cados de depósito de valores mobiliários;IV — as cédulas de debêntures;V — as cotas de fundos de investimento em valores mobiliários ou

de clubes de investimento em quaisquer ativos;VI — as notas comerciais;VII — os contratos futuros, de opções e outros derivativos, cujos

ativos subjacentes sejam valores mobiliários;VIII — outros contratos derivativos, independentemente dos ativos

subjacentes; eIX — quando ofertados publicamente, quaisquer outros títulos ou

contratos de investimento coletivo, que gerem direito de participação, de parceria ou de remuneração, inclusive resultante de prestação de serviços, cujos rendimentos advêm do esforço do empreendedor ou de terceiros.

§ 1º Excluem-se do regime desta Lei:I — os títulos da dívida pública federal, estadual ou municipal;II — os títulos cambiais de responsabilidade de instituição fi nancei-

ra, exceto as debêntures”.

O professor Fábio Ulhoa faz uma diferenciação em função do valor mo-biliário emitido, distinguindo entre capitalização e a securitização59. Na pri-meira, a companhia emite ações, e o investidor que as subscreve torna-se sócia dela, com o consequente aumento do patrimônio acionário; na outra, são emitidos os demais tipos de valores mobiliários, e o investidor passa a titularizar, perante a companhia emissora, alguns direitos, variáveis conforme o valor subscrito. Com efeito, dependendo da espécie subscrita, o investidor pode, por exemplo, se tornar acionista da companhia ou, então, passar a de-ter outros direitos perante a companhia emissora, não se confundindo com os direitos assegurados aos acionistas.

Apesar do extenso rol acima apresentado, as principais espécies de valores mobiliários emitidas pela sociedade anônima são (i) ações, (ii) debêntures, (iii) partes benefi ciárias, e (iv) bônus de subscrição. Vale destacar que o tipo de valor mobiliário emitido apresenta relevantes conseqüências práticas.

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60. Artigo 11 da Lei das S.A.: “O estatuto

fi xará o número das ações em que se

divide o capital social e estabelecerá se

as ações terão, ou não, valor nominal”.

61. Conforme comentado por Tavares

Borba, “o capital representa um dado

da maior importância na sociedade

anônima, pois, além de signifi car uma

medida do desempenho social — ape-

nas é lucrativa a sociedade cujo patri-

mônio líquido excede o capital social,

dependendo a distribuição de dividen-

dos da existência desse excesso —,

serve para defi nir o sistema de forças

dentro da sociedade — a posição de

cada acionista e o seu número de votos

decorre da parcela do capital (número

de ações) de que é titular”. In: BORBA,

José Edwaldo Tavares. Direito Societário.

Rio de Janeiro: Renovar, 2008.

62. Rubens Requião. Curso de direito

comercial. 2º vol. 24ª ed. São Paulo:

Saraiva, 2006, p. 76.

B.2) AÇÕES

O conceito e algumas peculiaridades das ações já foram exploradas na Aula 3, quando do estudo das características principais das sociedades anô-nimas. Neste tópico, pretende-se explorar as demais classifi cações das ações e sua relevância prática.

Conforme mencionado, a ação representa uma fração do capital social de uma sociedade anônima, por meio da qual se atribui ao seu titular a qualida-de de acionista60. Cumpre fazer uma distinção prática: o capital social não se confunde com o patrimônio da sociedade. Capital é consignado no estatuto, formado pelas ações, ao passo que patrimônio é a universalidade de bens de uma sociedade em certo momento, sujeito às fl utuações da vida e do desen-volvimento da companhia61.

A ação, como foi apresentada ao longo dessa apostila, investe o proprietá-rio no estado de sócio, do qual resultam direitos e deveres perante a socieda-de. A relação entre o acionista e a ação é de direito real — trata-se de direito de propriedade, ao passo que alguns autores tentam encará-la como títulos de crédito (a exemplo de Tullio Ascarelli).

Existem vários critérios para classifi cação das ações de emissão de uma companhia. Inicialmente, cabe assinalar que as ações podem ter ou não valor nominal, conforme dispuser o estatuto de cada sociedade anônima. De um modo geral, cada ação tem um valor ideal, resultado da divisão do capital social pelo número de ações emitidas. Se este valor é declarado estatutaria-mente, tem-se uma ação com valor nominal. Caso contrário, está-se diante de uma ação sem valor nominal. Sobre o tema, Rubens Requião afi rma:

“Note-se, porém, que ao se dizer que a ação ’não tem valor nomi-nal’, não se quer signifi car que ela não tenha, ou não represente, um valor correspondente à fração do capital social. Ela representa uma fra-ção do capital social e, portanto, possui efetivamente um valor. Apenas não se expressa nominalmente, no seu texto, um valor. Consultando--se o estatuto, saber-se-á que o capital social foi dividido em frações, e qual o valor relativo a essa fração tendo em vista a quantidade de ações emitidas”62.

Na prática empresarial, difundiu-se a adoção da ação sem valor nominal, tendo em vista a simplifi cação que tal opção representa na operacionalização de sociedades com grande número de acionistas. Isso porque a ausência do valor nominal das ações dispensa a constante atualização de tal informação nos documentos das companhias, além de permitir uma maior fl exibilidade nos aumentos de capital social da companhia. Portanto, a ausência de valor nominal permite trazer o preço de emissão dessas ações para a realidade do

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FGV DIREITO RIO 45

63. Assim dispõe o referido dispositivo

legal: “Art. 13. É vedada a emissão de

ações por preço inferior ao seu valor

nominal. § 1º A infração do disposto

neste artigo importará nulidade do

ato ou operação e responsabilidade dos

infratores, sem prejuízo da ação penal

que no caso couber”.

64. Trata-se, nesse caso, de hipótese de

ágio. Nos termos do parágrafo 2º do ar-

tigo 13 da Lei das S.A., “A contribuição

do subscritor que ultrapassar o valor

nominal constituirá reserva do capital

(art. 182, § 1º)”. Mesmo no caso das

companhias com ações sem valor no-

minal, uma parte do preço de emissão

também pode se destinar à reserva de

capital, consoante dispõe o parágrafo

único do artigo 14 da lei societária: “O

preço de emissão pode ser fi xado com

parte destinada à formação de reserva

de capital; na emissão de ações prefe-

renciais com prioridade no reembolso

do capital, somente a parcela que

ultrapassar o valor de reembolso po-

derá ter essa destinação”. As reservas e

suas destinações serão analisadas mais

adiante em nosso curso.

65. Consoante assevera Rubens Requião,

as ações de fruição são “as que resul-

tam, se assim dispuser o estatuto ou

determinar a assembléia geral extra-

ordinária, da amortização das ações

comuns ou preferenciais”. Em breve

resumo, a amortização pode ser enten-

dida como a antecipação de valores que

caberiam às ações em caso de liquida-

ção da companhia. A respeito das ações

de fruição, veja-se o disposto no artigo

44, parágrafo 5º da Lei das S.A.: “§ 5º

As ações integralmente amortizadas

poderão ser substituídas por ações de

fruição, com as restrições fi xadas pelo

estatuto ou pela assembléia geral que

deliberar a amortização; em qualquer

caso, ocorrendo liquidação da com-

panhia, as ações amortizadas só con-

correrão ao acervo líquido depois de

assegurado às ações não amortizadas

valor igual ao da amortização, corrigido

monetariamente”.

66. É importante ressaltar que, nos ter-

mos do parágrafo 1º do artigo 109 da

Lei das S.A., “as ações de cada classe

conferirão iguais direitos aos seus ti-

tulares”.

67. “Art. 16. As ações ordinárias de com-

panhia fechada poderão ser de classes

diversas, em função de: I — conversi-

bilidade em ações preferenciais; II —

exigência de nacionalidade brasileira

do acionista; ou III — direito de voto

em separado para o preenchimento

de determinados cargos de órgãos

administrativos. Parágrafo único. A

alteração do estatuto na parte em que

regula a diversidade de classes, se não

for expressamente prevista, e regulada,

requererá a concordância de todos os

titulares das ações atingidas”.

mercado, de modo a viabilizar o lançamento e colocação do pretendido au-mento de capital.

Com efeito, nas companhias cujas ações possuem valor nominal, a Lei das S.A. veda a emissão de ações por preço inferior ao seu valor nominal63, embora seja expressamente admitida a possibilidade de emissão de ações com preço de emissão superior ao valor nominal64.

Uma das principais formas de classifi cação das ações gira em torno de suas diferentes espécies. Embora a Lei das S.A. estabeleça três espécies diversas — ações ordinárias, preferenciais e de fruição65 —, interessa-nos, tendo em vista a sua importância prática, apontar as características gerais aplicáveis às ações ordinárias e às ações preferenciais.

As ações ordinárias são aquelas que conferem ao acionista os direitos de um sócio comum. Não possuem, em regra, vantagens ou restrições no que tange aos direitos e deveres normalmente atribuídos aos acionistas da socie-dade anônima. Desta forma, em geral faz-se desnecessária a previsão estatutá-ria de suas prerrogativas, já que estas decorrem diretamente da lei.

Deve-se notar, entretanto, que a Lei das S.A. faculta às companhias fecha-das — observados certos requisitos legais — terem diversas classes de ações ordinárias. Em tal hipótese, o estatuto social poderá estabelecer diferentes direitos para cada classe66, dentro dos limites estabelecidos no artigo 16 do referido diploma legal67.

Em visão contraposta, as ações ordinárias, pela sua própria natureza, não comportam a subdivisão em classes. Tavares Borba acentua que a lei atual, ao permitir na companhia fechada, classes diversas de ordinárias, incorreu em grave contra-senso, pois abalou a condição de padrão que estava reservada à ação ordinária. Tudo que se quer alcançar com as classes de ordinárias seria alcançável com a preferencial68.

Já as ações preferenciais conferem necessariamente aos seus titulares al-guma espécie de vantagem relativamente às ações ordinárias, embora o seu direito de voto possa ser limitado ou excluído69. Faculta-se a cada companhia, seja aberta ou fechada, ter uma ou mais classes de ações preferenciais, bem como simplesmente não emitir tal espécie de ações.

As vantagens deverão ser defi nidas pelo estatuto social da companhia emissora, podendo constituir, no mínimo, na prioridade na distribuição de dividendos ou no reembolso do capital, ou, ainda, na acumulação de tais vantagens70. Outras preferências ou vantagens podem ser atribuídas aos acio-nistas titulares de ações preferenciais, desde que estabelecidas de forma pre-cisa no estatuto da companhia71. Deve-se frisar que a ação com dividendo prioritário não faz jus a uma renda

Cumpre ressaltar que a Lei nº 10.303/01 alterou, de modo substancial, o regime de preferências e vantagens patrimoniais concedidas aos titulares de ações preferenciais sem direito de voto, ou com voto restrito, criando uma

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FGV DIREITO RIO 46

68. BORBA, José Edwaldo Tavares. Direi-

to Societário. Rio de Janeiro: Renovar,

2008, p. 237.

69. O parágrafo 2º do artigo 15 da lei so-

cietária dispõe que “o número de ações

preferenciais sem direito a voto, ou

sujeitas a restrição no exercício desse

direito, não pode ultrapassar 50% (cin-

qüenta por cento) do total das ações

emitidas”.

70. Ainda a respeito das vantagens atri-

buídas às ações preferenciais, importa

destacar o disposto no parágrafo 1º do

artigo 17 da Lei das S.A.: “§ 1º Indepen-

dentemente do direito de receber ou

não o valor de reembolso do capital

com prêmio ou sem ele, as ações pre-

ferenciais sem direito de voto ou com

restrição ao exercício deste direito,

somente serão admitidas à negociação

no mercado de valores mobiliários se a

elas for atribuída pelo menos uma das

seguintes preferências ou vantagens:

I — direito de participar do dividen-

do a ser distribuído, correspondente

a, pelo menos, 25% (vinte e cinco por

cento) do lucro líquido do exercício, cal-

culado na forma do art. 202, de acordo

com o seguinte critério: a) prioridade

no recebimento dos dividendos men-

cionados neste inciso correspondente

a, no mínimo, 3% (três por cento) do

valor do patrimônio líquido da ação; e

b) direito de participar dos lucros dis-

tribuídos em igualdade de condições

com as ordinárias, depois de a estas

assegurado dividendo igual ao mínimo

prioritário estabelecido em conformi-

dade com a alínea a; ou

II — direito ao recebimento de divi-

dendo, por ação preferencial, pelo me-

nos 10% (dez por cento) maior do que o

atribuído a cada ação ordinária; ou

III — direito de serem incluídas na

oferta pública de alienação de controle,

nas condições previstas no art. 254-A,

assegurado o dividendo pelo menos

igual ao das ações ordinárias”.

71. Nesse sentido, o artigo 17, parágra-

fo 2º da Lei das S.A. estabelece que

“deverão constar do estatuto, com

precisão e minúcia, outras preferências

ou vantagens que sejam atribuídas aos

acionistas sem direito a voto, ou com

voto restrito, além das previstas neste

artigo”.

72. BORBA, José Edwaldo Tavares. Direi-

to Societário. Rio de Janeiro: Renovar,

2008, p. 251.

73. “Art. 36. O estatuto da companhia

fechada pode impor limitações à cir-

culação das ações nominativas, con-

tanto que regule minuciosamente tais

limitações e não impeça a negociação,

nem sujeite o acionista ao arbítrio dos

órgãos de administração da companhia

ou da maioria dos acionistas. Parágrafo

único. A limitação à circulação criada

por alteração estatutária somente se

distinção de tratamento para as ações preferenciais negociadas no mercado de valores mobiliários e para as ações preferenciais não negociadas.

Nessa mesma linha, a reforma de Lei das S.A. promovida em 2001 acres-centou o § 7º ao art. 17, que diz respeito à ação preferencial de classe especial, criada pelas companhias objeto de desestatização (chamadas de Golden Sha-res). A criação dessas ações já era prevista no Programa Nacional de Deses-tatização (Lei nº 8.031/90), e tem por característica a titularidade exclusiva do ente que vinha controlando a estatal e o poder de veto às deliberações da assembleia geral nas matérias que forem especifi cadas.

Quanto à circulação das ações, predomina nas sociedades anônimas o princípio da sua livre transmissibilidade. Em outras palavras, a companhia, em regra, não interfere na negociação das ações, a qual pode ser feita livre-mente pelos acionistas. Tavares Borba acresce que:

“a regra na sociedade anônima é a livre circulação das ações. Essa regra, na companhia aberta, é absoluta, sendo nula qualquer disposição estatutária que se proponha a limitar ou restringir as transferências de ações, ressalvados, naturalmente, os pequenos períodos de suspensão desses serviços, a que se reporta o art. 37.”72

Esse princípio, no entanto, pode sofrer limitações, tanto na companhia fechada quanto na companhia aberta. Com relação às companhias fechadas, o artigo 36 da Lei das S.A. permite que os estatutos estabeleçam limites à cir-culação de ações, desde que tais restrições não impeçam sua negociação nem tampouco sujeitem o acionista ao arbítrio da administração da sociedade ou, ainda, da maioria dos acionistas73.

Adicionalmente, pode haver restrições à circulação das ações estabelecidas em acordos de acionistas, os quais podem abranger tanto companhias abertas quanto fechadas. Os acordos de acionistas serão estudados mais adiante em nosso curso.

Cabe assinalar, ainda, que o alienante de ações não integralizadas, durante dois anos contados da transmissão, responde solidariamente com o adqui-rente pela correspondente integralização, nos termos do artigo 108 da Lei das S.A74.

Ainda a respeito da circulação das ações, cumpre ressaltar que, em regra, as sociedades anônimas, por determinação legal75, não podem negociar com as próprias ações, sendo este ato autorizado somente em hipóteses excepcionais.

Dentre as situações de negociação permitidas por lei, a sociedade anônima pode adquirir ações de sua própria emissão para permanência em tesouraria ou cancelamento, desde que utilize, no pagamento de tais ações, os recursos contabilizados como lucros e reservas, restando inalterado o capital social.

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FGV DIREITO RIO 47

aplicará às ações cujos titulares com

ela expressamente concordarem, me-

diante pedido de averbação no livro de

“Registro de Ações Nominativas””.

74. “Art. 108. Ainda quando negociadas

as ações, os alienantes continuarão

responsáveis, solidariamente com os

adquirentes, pelo pagamento das pres-

tações que faltarem para integralizar as

ações transferidas. Parágrafo único. Tal

responsabilidade cessará, em relação

a cada alienante, no fi m de 2 (dois)

anos a contar da data da transferência

das ações”.

75. “Art. 30. A companhia não poderá ne-

gociar com as próprias ações. § 1º Nessa

proibição não se compreendem: a) as

operações de resgate, reembolso ou

amortização previstas em lei; b) a aqui-

sição, para permanência em tesouraria

ou cancelamento, desde que até o valor

do saldo de lucros ou reservas, exceto a

legal, e sem diminuição do capital so-

cial, ou por doação; c) a alienação das

ações adquiridas nos termos da alínea b

e mantidas em tesouraria; d) a compra

quando, resolvida a redução do capital

mediante restituição, em dinheiro, de

parte do valor das ações, o preço destas

em bolsa for inferior ou igual à impor-

tância que deve ser restituída”.

76. BORBA, José Edwaldo Tavares. Direi-

to Societário. Rio de Janeiro: Renovar,

2008, p. 275.

77. “Art. 52. A companhia poderá emitir

debêntures que conferirão aos seus

titulares direito de crédito contra ela,

nas condições constantes da escritura

de emissão e, se houver, do certifi cado.”

Vale ressaltar que as ações mantidas em tesouraria não possuem direito a voto, nem tampouco a recebimento de dividendos. No caso das companhias abertas, a aquisição das próprias ações deverá ainda obedecer as normas edi-tadas pela Comissão de Valores Mobiliários — CVM.

Outras modalidades relevantes de negociação com as próprias ações admi-tidas em lei são as hipóteses de operações de resgate, reembolso ou amortiza-ção de ações, reguladas pelos artigos 44 e 45 da Lei das S.A.

Em breve resumo, o resgate representa a recuperação da ação pela socieda-de, que as retira defi nitivamente de circulação, podendo ocorrer, como con-seqüência, a redução ou não do capital social ou a elevação do valor nominal das demais ações. Tavares Borba acrescenta que o resgate e a amortização, que subentendem a existência de lucros ou reservas livres, decorrem de autoriza-ção estatutária ou de assembleia geral, enquanto o reembolso é uma prerro-gativa do acionista, a ser exercida nas hipóteses em que a lei lhe assegura o direito de recesso ou retirada76.

A amortização, por sua vez, consiste no pagamento parcial ou total do valor da ação a título de antecipação daquilo que o acionista receberia na liquidação da sociedade. Neste caso, o acionista não se retira necessariamente da sociedade, haja vista a possibilidade de criação de ações de fruição.

Por fi m, o reembolso de ações corresponde ao direito conferido ao acio-nista dissidente da assembleia geral de receber da companhia o valor de suas ações. Trata-se do chamado direito de recesso, o qual será analisado de forma mais detida mais adiante no nosso curso.

B.3) DEBÊNTURES

As debêntures são valores mobiliários que conferem aos seus titulares di-reito de crédito perante a companhia, de acordo com as condições estabe-lecidas na escritura de emissão e, se houver, no certifi cado77. Podem, assim, ser utilizadas como importante mecanismo de fi nanciamento de uma com-panhia, tanto aberta quanto fechada. A IN CVM 404/04 disciplina sobre o procedimento simplifi cado de registro e padrões de cláusulas e condições que devem ser adotados nas escrituras de emissão de debêntures destinadas a ne-gociação em segmento especial de bolsas de valores ou entidades do mercado de balcão organizado.

Nesse sentido, as debêntures podem propiciar à sociedade anônima re-cursos de longo prazo, os quais podem ser destinados, por exemplo, a fi -nanciamentos de investimentos fi xos. Adicionalmente, as debêntures podem atender às necessidades do capital de giro da companhia, sendo colocadas ou retiradas do mercado conforme as exigências do seu fl uxo de caixa. Tavares Borba acrescenta que o campo de aplicação das debentures situa-se, preferen-

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FGV DIREITO RIO 48

78. BORBA, José Edwaldo Tavares. Das

Debêntures. Rio de Janeiro: Renovar,

2005.

79. José Edwaldo Tavares Borba, Direito

Societário, 9ª ed. Rio de Janeiro: Reno-

var, 2004, p. 266.

80. “Art. 57. A debênture poderá ser

conversível em ações nas condições

constantes da escritura de emissão, que

especifi cará: I — as bases da conver-

são, seja em número de ações em que

poderá ser convertida cada debênture,

seja como relação entre o valor nomi-

nal da debênture e o preço de emissão

das ações; II — a espécie e a classe das

ações em que poderá ser convertida;

III — o prazo ou época para o exercício

do direito à conversão; IV — as demais

condições a que a conversão acaso fi -

que sujeita”.

81. BORBA, José Edwaldo Tavares. Das

Debêntures. Rio de Janeiro: Renovar,

2005.

cialmente, no âmbito dos empréstimos de longo prazo, destinados à implan-tação ou expansão de projetos empresariais em geral. Por ser uma alternativa aos empréstimos bancários, as taxas de juros das debêntures fl utuam, via de rega, muito abaixo das praticadas pelas instituições fi nanceiras, e as condições gerais da operação são normalmente mais fl exíveis78.

Sobre as características da emissão de debêntures, José Edwaldo Tavares Borba acentua:

“As debêntures, ao contrário, não confi guram capital próprio da so-ciedade. A companhia, ao emiti-las, contrai uma dívida, colocando, dessarte, diante de uma obrigação que fi gura no seu passivo exigível. A debênture, em princípio tem data de vencimento determinada e confe-re a seu titular, salvo em caso de taxa variável ou mera participação nos lucros, uma renda fi xa — o juro —, a qual independe do desempenho da sociedade, sendo, por isso, exigível, quer haja lucro, quer haja pre-juízo”79.

Ainda, as debêntures podem eventualmente ser conversíveis em ações, conforme especifi cado na escritura de emissão80. Uma vez efetuada a conver-são das debêntures, seus titulares tornam-se acionistas da sociedade. Os direi-tos e deveres dos titulares das debêntures estão consagrados na Escritura de Emissão, que também estipula o agente fi duciário, fi gura comum no Direito Americano, e introduzida no Brasil pela Lei das S.A.

O agente fi duciário é o representante da comunhão de debenturistas pe-rante a companhia emissora, e deve agir como se fora ele o próprio titular, competindo-lhe proteger os interesses dos debenturistas, elaborar relatório anual para ciência destes, determinar medidas judiciais contra a companhia, declarar vencidos antecipadamente os títulos na hipótese de inadimplência, promover excussão de garantias, requerer a falência da emitente e tomar toda e qualquer providência que considere necessária à tutela dos interesses dos debenturistas 81.

Por ser um título fracionado, a debênture possibilita a subdivisão da emis-são pretendida em inúmeros títulos, os quais compõem uma série única de debêntures ou grupo de séries. Cumpre ressaltar que uma nova emissão so-mente poderá ser efetuada depois de colocadas todas as debêntures da emis-são anterior. Cada série será composta por debêntures necessariamente iguais, conforme dicção do art. 53 p. único, sendo que a regra é a da igualdade dentro da série, mas não entre as séries.

Sobre as garantias de emissão das debêntures, deve-se aduzir que apresen-tam garantia real ou fl utuante, e subordinada, como também a debênture quirografária. No regime anterior à Lei das S.A., a debênture gozava sempre de um privilégio geral, o qual, por conseguinte, era-lhe essencial.

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FGV DIREITO RIO 49

82. Nos termos do artigo 71 da Lei das

S.A., “os titulares de debêntures da

mesma emissão ou série podem, a

qualquer tempo, reunir-se em assem-

bléia a fi m de deliberar sobre matéria

de interesse da comunhão dos deben-

turistas”.

83. “Art. 46. § 1º As partes benefi ciárias

conferirão aos seus titulares direito de

crédito eventual contra a companhia,

consistente na participação nos lucros

anuais (art. 190)”.

84. Fábio Ulhoa Coelho, Curso de direito

comercial. Vol. 2. 6ª ed. São Paulo: Sa-

raiva, 2003, p. 151.

85. “Art. 47. As partes benefi ciárias pode-

rão ser alienadas pela companhia, nas

condições determinadas pelo estatuto

ou pela assembléia geral, ou atribuídas

a fundadores, acionistas ou terceiros,

como remuneração de serviços presta-

dos à companhia”.

A Lei das S.A. estabeleceu o limite de emissão das debêntures de acordo com o valor do patrimônio líquido da empresa. Tavares Borba e Mota de Souza criticam esse critério, ao rebater que o capital social não é um in-dicador de consistência econômica da companhia, ao contrário, um mero dado formal e contábil. Desse modo, Tavares Borba acentua que ao ocorrer a emissão das debêntures com garantia real, o limite constituído pelo capital social poderá ser ultrapassado até alcançar 80% do valor dos bens gravados, próprios ou de terceiros.

Importa ressaltar, por fi m, que a lei societária prevê a fi gura da assembleia de debenturistas, na qual deverão ser aprovadas eventuais modifi cações das condições das debêntures82.

B.4) PARTES BENEFICIÁRIAS

As partes benefi ciárias são valores mobiliários que asseguram ao seu titular direito de participação nos lucros líquidos anuais da companhia83.

Tais títulos distinguem-se das ações, já que não representam parcelas do capital social, e, também, das debêntures, vez que não possuem natureza de reembolso, mas tão-somente de crédito eventual, pendente da efetiva aferição de lucro no exercício. As partes benefi ciárias de uma companhia serão todas absolutamente iguais quanto aos direitos que conferem, constituindo assim uma classe única.

As partes benefi ciárias podem ter, a curto prazo, a função de fi nanciar a companhia, conforme salienta Fabio Ulhoa Coelho:

“A primeira função das partes benefi ciárias é a captação de recur-sos. A companhia emite-as para aliená-las a investidores interessados na rentabilidade proporcionada pela participação nos seus resultados líquidos. Nesse caso, ela recebe dos investidores o pagamento do preço atribuído ao valor mobiliário — o qual comporá obrigatoriamente a reserva de capital — e torna-se devedora eventual do valor correspon-dente a parte de seus lucros”84.

Adicionalmente, a lei permite que as partes benefi ciárias assumam função de caráter remuneratório, na hipótese, por exemplo, de serem atribuídas a fundadores, acionistas ou terceiros, como contraprestação por serviços pres-tados à companhia85, notadamente fechada. As partes benefi ciárias devem ter um prazo de duração, o qual não ultrapassará dez anos para as que forem atribuídas gratuitamente, salvo as entidades de empregados.

Ressalte-se, contudo, que a emissão de partes benefi ciárias sofre diversas restrições, tal qual a impossibilidade de a companhia se comprometer a pagar

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FGV DIREITO RIO 50

86. “Art. 46. § 2º A participação atribuída

às partes benefi ciárias, inclusive para

formação de reserva para resgate, se

houver, não ultrapassará um décimo

dos lucros”.

87. “Art. 47. (...) Parágrafo único. É veda-

do às companhias abertas emitir partes

benefi ciárias”.

88. “Art. 77. Os bônus de subscrição serão

alienados pela companhia ou por ela

atribuídos, como vantagem adicional,

aos subscritores de emissões de suas

ações ou debêntures. Parágrafo único.

Os acionistas da companhia gozarão,

nos termos dos artigos 171 e 172, de

preferência para subscrever a emissão

de bônus”.

aos seus titulares valor superior a 10% (dez por cento) de seus lucros86. Ainda, nos termos do parágrafo único do artigo 47 da Lei das S.A.87, é proibida a emissão de partes benefi ciárias por companhias abertas.

Por fi m, ao estatuto social é dado convencionar a conversão das partes benefi ciárias em ações, mediante a capitalização da reserva para tanto criada. Para que isso aconteça, impõe-se a prévia acumulação, no fundo de reserva, de recursos sufi cientes para atender ao preço de emissão das ações. Do con-trário, o capital estaria sendo vazado. As cláusulas de conversibilidade em ações acarreta a incidência das normas sobre direito de preferência, as quais somente se aplicam nas hipóteses de alienação onerosa.

B.5) BÔNUS DE SUBSCRIÇÃO

Nos termos do parágrafo único do artigo 75 da Lei das S.A., “os bônus de subscrição conferirão aos seus titulares, nas condições constantes do certifi ca-do, direito de subscrever ações do capital social (...)”. Cada bônus permitirá a subscrição de tantas ações quantas estiverem indicadas no respectivo certi-fi cado, mediante o pagamento do preço convencionado.

Os bônus de subscrição são títulos negociáveis, podendo ser emitidos pe-las companhias a título gratuito ou oneroso. Para evitar que os acionistas da companhia possam ser prejudicados na emissão dos bônus de subscrição, a lei os confere o direito de preferência na subscrição dos próprios bônus de subscrição88.

Apenas as sociedades cujos estatutos contenham autorização para aumen-to de capital poderão emitir bônus de subscrição, ao passo que a emissão deve se situar dentro dos limites do capital autorizado, de acordo com os termos do art. 75 da Lei das S.A. Desse modo, a companhia deve proceder a uma reserva de ações, dentro do capital autorizado, para fazer face ao eventual exercício do direito de subscrição, somente liberando o saldo dessa reserva após o término do prazo de validade dos bônus.

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FGV DIREITO RIO 51

-K) TEXTOS DE APOIO

1. “Vale diz que oferta de debêntures somará R$ 5,5 bilhõesValor Online08/12/2006

SÃO PAULO — O Conselho de Administração da Companhia Vale do Rio Doce (CVRD) confi rmou que será de R$ 5,5 bilhões sua emissão de debêntures simples e não-conversíveis em ações. A cifra foi ratifi cada em pro-cesso de coleta de intenções de investimento (“bookbuilding”) realizado hoje.

Conforme esclareceu a Vale, a operação será dividida em duas séries, sen-do que a primeira contempla uma oferta de 150 mil debêntures ao preço unitário de R$ 10 mil e com vencimento em 20 de novembro de 2010. A segunda série prevê o lançamento de 400 mil debêntures, também ao valor de R$ 10 mil e com resgate em 20 de novembro de 2013.

As debêntures ofertadas na primeira série pagarão remuneração corres-pondente a 101,75% da variação acumulada do Certifi cado de Depósito In-terbancário (CDI). Já a segunda série pagará a oscilação do CDI mais uma taxa de 0,25% ao ano.

A oferta ainda está precisa do registro da Comissão de Valores Mobiliários (CVM).

2. “Net começa a amortizar 5ª emissão de debêntures a partir de 27 de dezembro

Valor Online05/12/2006

SÃO PAULO — A Net Serviços de Comunicação pretende amortizar o saldo total de sua quinta emissão de debêntures, cuja amortização inicial esta-va prevista para 2008, a partir do dia 27 de dezembro deste ano. Os recursos virão de uma nova emissão para alongar o perfi l da dívida.

A quinta emissão, de R$ 650 milhões, foi feita em setembro do ano passa-do e é hoje o único endividamento da Net. A companhia, entretanto, prefe-riu aproveitar o momento favorável do mercado para uma nova emissão, de R$ 580 milhões, além de ter captado US$ 150 milhões em uma emissão de bônus perpétuos.

Segundo comunicado enviado hoje à Comissão de Valores Mobiliários (CVM), a amortização total da quinta emissão está condicionada à efetiva realização do novo programa de títulos.

Francisco Valim, presidente da Net, informou aos jornalistas no fi nal de outubro que a melhora dos índices de avaliação da companhia junto às agên-

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FGV DIREITO RIO 52

cias de classifi cação de risco vai permitir que ela refi nancie a dívida com maior prazo e menor custo.

O momento mais favorável à captação também vai permitir que a opera-dora amplie o programa de investimentos em 2007. A Net informou que, além dos R$ 350 milhões que pretendia investir na aquisição de novos clien-tes, vai destinar outros R$ 300 milhões para ampliar a cobertura bidirecional de sua rede de cabos. Dos atuais 2,8 milhões de domicílios que hoje têm a cobertura da rede bidirecional da Net, o número passará a 4,5 milhões resi-dências. A empresa precisa dos cabos bidirecionais para oferecer internet em banda larga na sua rede, além da distribuição de programas de TV paga.

A agência Moody´s, por exemplo, colocou os ratings da Net em revisão para possível elevação depois que a empresa anunciou a intenção da Net de adquirir o controle da Vivax, feito no início de outubro e que ainda depende de autorização da Agência Nacional de Telecomunicações (Anatel)”.

3. CVM suspende oferta de debêntures da Comgás por até 30 diasRevista Exame — 16/06/2013

Rio de Janeiro — A superintendência de registro de valores mobiliários da Comissão de Valores Mobiliários (CVM) suspendeu a oferta pública de distribuição de emissão de debêntures da Comgás, informou a autarquia em comunicado nesta quinta-feira.

“Esta decisão (...)foi tomada devido à publicação, em 12 de junho, de matérias jornalísticas, com declarações sobre a oferta proferidas pelo diretor da emissora”, informou a CVM. A suspensão poderá ser revogada se a irregu-laridade for corrigida, segundo a autarquia.

Na quarta-feira, o diretor-presidente da empresa Luis Henrique Guima-rães, disse que a distribuidora de gás natural canalizado retomou a operação de emissão de debêntures em infraestrutura, que havia sido interrompida em abril, e que agora estimava que poderia levantar até 520 milhões de reais.

L) CASOS

Caso Companhia Vale do Rio Doce

De janeiro a setembro de 2006, a CVRD faturou mais de R$ 30 bilhões e lucrou mais de R$ 100 bilhões, respondendo sozinha por mais de 20% do saldo da balança comercial brasileira.

A Companhia Vale do Rio Doce é uma empresa de capacidade global, tendo atividades exploradas em inúmeros países. Desde a sua privatização em 1997, a CVRD vem crescendo exponencialmente, tendo desenvolvido

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FGV DIREITO RIO 53

anualmente aquisições de outras companhias que exploram setores correlatos à atividade da companhia (exploração de minério de ferro).

Uma das últimas aquisições — e a mais importante do ponto de vista estratégico — foi da companhia canadense de exploração de níquel, Inco.

Em decorrência desta aquisição, a CVRD lançou recentemente no merca-do de valores mobiliários proposta para um pacote de operações de captação de recursos.

Esta captação de recursos tem como objetivo o alongamento de uma dívi-da de US$ 17,6 bilhões contraída em empréstimo-ponte de dois anos junto a bancos europeus, para pagar a aquisição à vista da companhia canadense Inco.

A rolagem do empréstimo-ponte deverá ser feita num prazo mínimo de 10 anos.

Pergunta-se:1) Qual o instrumento adequado para a captação destes recursos extras?2) Qual a vantagem para a realização destas específi cas operações de cap-

tação?

M) JURISPRUDÊNCIA

“TRIBUTÁRIO. EXECUÇÃO FISCAL. DEBÊNTURES DA ELE-TROBRÁS. RECUSA.

1. (...)2. Debêntures são valores mobiliários emitidos pelas S/A representativos

de empréstimo que uma companhia faz junto a terceiros e que assegura a seus detentores direito contra a emissora, direito esse fi xado na escritura da emissão. Considerando que o seu valor de mercado decorre de livre negocia-ção, não há falar-se em ‘plena liquidez’, típica dos títulos cotáveis embolsa. Dessa forma, ausente o requisito de ‘caução idônea’ na obrigação ao portador apresentada, não restando atendido o requisito expressamente exigido pelo disposto no art. 11, II, da Lei 6.830/80.

3. O valor de mercado das debêntures decorre da livre negociação entre comprador/vencedor, como simples decorrência das leis de oferta e procura, sendo desinfl uente o valor de face que ostentam, por isso que não se coaduna com a expressão econômica ‘facilmente aferível’ ou ‘plena liquidez’, típicas dos títulos cotáveis em bolsa.

4. Recurso especial improvido” (STJ, 1ª T, REsp 608223/RS, Rel. Min. Luiz Fux, j. 07.10.2004, v.u., DJ 25.10.2004, p. 237).

“DEBÊNTURE. ASSEMBLEIA GERAL. INEFICÁCIA DA CLÁU-SULA. IMPROCEDÊNCIA DA NULIDADE. Ação constitutiva negati-va. Assembleia de debenturistas. Alteração de cláusula. Decisão unânime.

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FGV DIREITO RIO 54

Indivisibilidade da decisão. Não pode a Companhia pretender a inefi cácia do expresso no ‘caput’ da cláusula 13, que convencionou a prorrogação do prazo de vencimento para recompra de debêntures, e, simultaneamente, a nulidade de obrigação ínsita no parágrafo único da referida cláusula, que conferiu à emissora a obrigação de recompra das debêntures no prazo origi-nal se assim desejarem os debenturistas, tanto que a referida cláusula, no seu todo, não encerra qualquer ilegalidade. Apelo provido” (TJRJ, 9a CC, AC 1999.001.09967, Rel. Des. Laerson Mauro, j. 03.11.1999, v.u.).

N) QUESTÕES DE CONCURSO

(25º Exame de Ordem OAB-RJ) 50 — Quais são as garantias da debên-ture:

a. Subordinativa aos demais credores da companhia e real;b. Real e fl utuante;c. Preferencial e juros;d. Flutuante e subordinativa aos demais credores da companhia

(Prova 23º Exame de Ordem OAB-RJ) 5 — Quais as garantias que a de-bênture pode ter? Justifi que a resposta.

(Prova 23º Exame de Ordem OAB-RJ) 23 — Assinale a alternativa corre-ta, levando-se em consideração o que dispõe a Lei 6.404/76:

a. as ações preferenciais jamais possibilitam o direito de voto ao acio-nista preferencialista;

b. as ações preferenciais sem direito de voto adquirirão o exercício desse direito se a companhia, pelo prazo previsto no estatuto, não superior a 5 (cinco) exercícios consecutivos, deixar de pagar os divi-dendos fi xos ou mínimos a que fi zerem jus, direito que conservarão até o pagamento, se tais dividendos não forem cumulativos, ou até que sejam pagos os cumulativos em atraso;

c. as ações preferenciais sem direito de voto adquirirão o exercício desse direito se a companhia, pelo prazo previsto no estatuto, não superior a 3 (três) exercícios consecutivos, deixar de pagar os divi-dendos fi xos ou mínimos;

d. as ações preferenciais que adquirirem o direito de voto, de nenhum modo perderão essa qualidade.

(14º Exame de Ordem OAB-RJ) 3 — Carlos Carvalho pretende adquirir debêntures de uma companhia aberta. Para tal, indaga sobre as garantias que esses títulos oferecem ao debenturista.

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FGV DIREITO RIO 55

(9º Exame de Ordem OAB-RJ) 5 — O que são valores mobiliários? Fun-damente a resposta.

(9º Exame de Ordem OAB-RJ) 25 — As ações, nas sociedades anônimas, em relação à forma de circulação, podem ser:

a. Ao portador e endossáveis;b. Somente nominativas;c. Nominativas, endossáveis ou ao portador;d. Endossáveis ou ao portador.

(130º Exame de Ordem/SP) 46 — São as seguintes as possíveis caracterís-ticas das ações em que se divide o capital social de uma sociedade anônima:

(A) nominativas ou ao portador, com ou sem valor nominal, ordinárias, preferenciais ou de fruição.

(B) ao portador, com ou sem valor nominal, ordinárias ou preferen-ciais.

(C) nominativas ou ao portador, com valor nominal, ordinárias ou pre-ferenciais.

(D) nominativas, com ou sem valor nominal, ordinárias, preferen-ciais ou de fruição.

(129º Exame de Ordem/SP) 48 — Assinale a afi rmativa verdadeira. As debêntures emitidas por uma sociedade anônima conferem aos seus titulares direitos de crédito contra elas, nas condições:

(A) estabelecidas em lei.(B) constantes da escritura de emissão e, se houver, do certifi cado.(C) estabelecidas pelo Banco Central.(D) negociadas entre o seu titular e a companhia.

(128º Exame de Ordem/SP) 43 — A ação de uma sociedade por ações(A) deverá, obrigatoriamente, ter valor nominal.(B) pode ou não ter valor nominal.(C) só terá valor nominal, quando subscrita e integralizada em moeda

corrente nacional.(D) só terá valor nominal, quando subscrita e integralizada em moeda

corrente nacional e, concomitantemente, for objeto de emissão do respectivo certifi cado.

(123º Exame de Ordem/SP) 43 — Os valores mobiliários que não re-presentam parcelas do capital social e que conferem a seu titular direito de participação nos lucros da sociedade anônima denominam-se:

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FGV DIREITO RIO 56

(A) bônus de subscrição.(B) debêntures.(C) warrants.(D) partes benefi ciárias.

(110º Exame de Ordem/SP) 19 — Numa sociedade anônima, as ações classifi cam-se em:

1. ordinárias ou preferenciais e em nominativas ou ao portador, aque-las registradas em nome de seus proprietários nos livros da socieda-de, estas transferíveis por mera tradição.

2. ordinárias, preferenciais ou de fruição e todas elas são nominativas, uma vez que não mais se permitem títulos ao portador, inclusive ações.

3. ordinárias, preferenciais, escriturais, debêntures e partes benefi ciá-rias, todas elas podendo ser nominativas, endossáveis ou ao porta-dor.

4. preferenciais escriturais, preferenciais nominativas, debêntures con-versíveis, debêntures simples, partes benefi ciárias comuns e partes benefi ciárias resgatáveis, todas obrigatoriamente nominativas, mas endossáveis.

(110º Exame de Ordem/SP) 20 — Preferenciais são as ações de sociedade anônima em que:

1. o estatuto outorga determinados privilégios patrimoniais em rela-ção às ações ordinárias, podendo, em contrapartida, deixar de con-ferir-lhes o direito de voto ou restringi-lo.

2. o contrato social confere direito ao recebimento de certifi cados de ações negociáveis, podendo, em contrapartida, determinar que so-mente detentores de ações ordinárias possam ser proprietários de ações preferenciais, ou mesmo limitar o direito de voto às matérias de competência dos Conselhos Fiscal e de Administração.

3. a lei impõe direito de voto ilimitado, podendo a assembleia, se o estatuto assim o determinar, exigir que para o exercício desse direito de voto, o sócio seja proprietário de um número mínimo de ações.

4. a lei contempla direito de voto e direito à percepção de vantagens patrimoniais, sendo estas determinadas, defi nidas e especifi cadas no estatuto social.

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FGV DIREITO RIO 57

O) GLOSSÁRIO

AÇÃO DE FRUIÇÃO: São as ações atribuídas aos acionistas cujas ações foram totalmente amortizadas, nos termos do artigo 44, parágrafo 5º da Lei das S.A. Por meio da amortização, o acionista recebe, de forma antecipada, os valores a que faria jus no momento da liquidação da companhia.

ACORDO DE ACIONISTAS: O acordo de acionistas é o instrumento utilizado para disciplinar muitos interesses dos acionistas. Disciplinado no artigo 118 da Lei das S.A., este tipo de acordo é um contrato “parassocial”, pois é distin-to dos documentos societários da companhia, como estatuto social e atas de assembleias. Seu regramento jurídico é aquele dos contratos civis e comerciais em geral, apesar de ter diversos refl exos no campo societário. Enquanto no estatuto social estão presentes as regras que disciplinam a sociedade e às quais ela própria e todos os sócios estão sujeitos, no acordo de acionistas os sócios procuram regular seus interesses individuais em face da sociedade. Apesar de ser um contrato entre um determinado grupo de acionistas, o acordo traz obrigações para a sociedade e refl exos para sócios que não são signatários, desde que observados certos requisitos legais (Fonte: Celso A. Barbi Filho. “Acordo de acionistas: panorama atual do instituto no Direito Brasileiro e propostas para a reforma de sua disciplina legal”. IN: RDM vol. 121, janeiro--março 2001 pp.31-55).

EMPRÉSTIMO PONTE: empréstimo concedido em antecipação aos recursos de uma outra transação.

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FGV DIREITO RIO 58

AULA 7: ACIONISTAS E ACIONISTA CONTROLADOR: NOÇÕES GERAIS; DIREITOS E OBRIGAÇÕES; PODER DE CONTROLE; ACORDOS DE ACIONISTAS

A) MATERIAL DE LEITURA

Leitura Básica

COELHO, Fábio Ulhoa. Curso de direito comercial, v. 2. 6. ed. São Paulo: Saraiva, 2003. pp. 272-324.

REQUIÃO, Rubens. Curso de direito comercial, v. 2. 24. ed. São Paulo: Sarai-va, 2006. pp. 135-163.

BORBA, José Edwaldo Tavares. Direito Societário. 11. ed. Rio de Janeiro: Renovar, 2008. pp. 345-363.

SIQUEIRA, Carlos Augusto Junqueira de. Transferência do Controle Acioná-rio: interpretação e valor. Niterói: FMF Editora, 2004.

CARVALHOSA, Modesto. Comentários à Lei das Sociedades Anônimas. São Paulo: Saraiva, 2011.

Leitura complementar

COMPARATO, Fábio Konder. O poder de controle na sociedade anônima. 4. ed. Rio de Janeiro: Forense, 2005. pp. 51-103.

FRANÇA, Erasmo Valladão A. e Novaes. “Acionista controlador — impe-dimento ao direito de voto (comentários ao inquérito administrativo CVM nº TA/RJ2001/4977)”. Revista de Direito Mercantil, Industrial, Econômico e Financeiro, São Paulo, Malheiros, n. 125, jan./mar. 2002, pp. 139-172.

WALD, Arnoldo. A reforma da lei das sociedades anônimas: os direitos dos minoritários na nova Lei das S.A. In: LOBO, Jorge (Coord.). Reforma da Lei das Sociedades Anônimas. Rio de Janeiro: Forense, 2002. pp. 219-247.

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FGV DIREITO RIO 59

89. Sobre os diferentes perfi s dos acionis-

tas, afi rma Rubens Requião: “Com efei-

to, em nosso mercado identifi camos

exatamente, hoje em dia, essas espé-

cies de acionistas, classifi cados confor-

me suas pretensões: o acionista-ren-

deiro pretende das ações apenas uma

renda permanente, objetivando em sua

carteira acionária a constituição de um

patrimônio rentável. [...] O acionista-

-especulador mais se preocupa com os

pregões da bolsa, onde pretende lucros

imediatos, pouco se importando em

usufruir dividendos ou direitos, pois

visa apenas aos resultados de sua espe-

culação. O acionista-empresário não se

preocupa senão com a prosperidade da

empresa que lhe dá poder e, sobretudo,

infl uência social. Este último é o gênio

da empresa moderna e pretende man-

ter, a todo custo, a posição de controle,

vale dizer, de domínio da companhia”

(Curso de direito comercial, v. 2. 23. ed.

São Paulo: Saraiva, 2003. p. 136).

90. É o caso, por exemplo, do art. 110, §

1º, e do art. 111, ambos da Lei das S.A.

B) ROTEIRO DE AULA

ACIONISTAS: DIREITOS E OBRIGAÇÕES

Nas aulas anteriores, estudamos os principais valores mobiliários que po-dem ser emitidos pelas sociedades anônimas. Naquela oportunidade, desta-camos a importância das ações, uma vez que essa espécie de valor mobiliário é necessariamente emitida por qualquer companhia. Após termos fi xado estes conceitos, cabe tratarmos, em linhas gerais, do tratamento legislativo dado aos detentores das ações, assim como das relações de poder existentes no âm-bito das sociedades anônimas.

É intuitiva a noção de que o acionista é o titular de ações de emissão de determinada sociedade. Da mesma forma, percebe-se que são do interesse do acionista — em diferentes gradações, de acordo com seu perfi l89 — o desenvolvimento e a prosperidade da companhia, podendo ser esta um ins-trumento de renda permanente, de lucros imediatos ou, então, de poder e infl uência social.

Ao passar a ser titular de participação acionária, o acionista passa a gozar de uma série de direitos, os quais podem se apresentar de forma essencial ou não-essencial, conforme sejam inerentes à condição de titular de participação acionária ou não.

Os direitos essenciais dos acionistas não podem ser afastados nem pelo estatuto nem pela assembleia geral. Conforme dispõe o artigo 109 da Lei das S.A., os direitos essenciais dos acionistas são: (i) participar dos lucros sociais; (ii) participar do acervo da companhia, em caso de liquidação; (iii) fi scalizar a gestão dos negócios sociais; (iv) ter preferência para a subscrição de ações, partes benefi ciárias conversíveis em ações, debêntures conversíveis em ações e bônus de subscrição; e (v) retirar-se da sociedade nos casos previstos em lei.

Nesse contexto, percebe-se que o direito de voto dos acionistas nas assem-bleias gerais da companhia não é considerado um direito essencial, uma vez que a lei faculta, em certos casos, a possibilidade de o estatuto restringi-lo90. Tal fato se realça com o fortalecimento do fenômeno de dispersão acionária, em que o acionista, cada vez mais preocupado com a renda de suas ações, perde o interesse nos processos decisórios da companhia.

Sobre a limitação do direito de voto nas deliberações sociais de uma com-panhia, José Edwaldo Tavares Borba afi rma:

“No silêncio do estatuto, todas as ações terão direito de voto, inclu-sive as preferenciais. Permite-se, no entanto (art. 111), que o estatuto retire às ações preferenciais, ou a uma classe destas, o direito de voto, ou

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FGV DIREITO RIO 60

91. José Edwaldo Tavares Borba. Direi-

to societário. 10. ed. Rio de Janeiro:

Renovar, 2007. p. 347. No entanto, as

ações preferenciais sem direito a voto

adquirem o exercício desse direito se a

companhia deixar de pagar aos seus ti-

tulares os dividendos fi xos ou mínimos

no prazo previsto no estatuto, não su-

perior a 3 (três) exercícios consecutivos,

consoante previsto no art. 111, § 1º, da

Lei das S.A.

92. O artigo 107 da Lei das S.A. estabele-

ce que, “verifi cada a mora do acionista,

a companhia pode, à sua escolha:

I — promover contra o acionista, e

os que com ele forem solidariamente

responsáveis (artigo 108), processo de

execução para cobrar as importâncias

devidas, servindo o boletim de subscri-

ção e o aviso de chamada como título

extrajudicial nos termos do Código de

Processo Civil; ou II — mandar vender

as ações em bolsa de valores, por conta

e risco do acionista”.

93. “Art. 115. O acionista deve exercer o

direito a voto no interesse da compa-

nhia; considerar-se-á abusivo o voto

exercido com o fi m de causar dano

à companhia ou a outros acionistas,

ou de obter, para si ou para outrem,

vantagem a que não faz jus e de que

resulte, ou possa resultar, prejuízo para

a companhia ou para outros acionistas.

§ 1º O acionista não poderá votar

nas deliberações da assembléia geral

relativas ao laudo de avaliação de

bens com que concorrer para a forma-

ção do capital social e à aprovação de

suas contas como administrador, nem

em quaisquer outras que puderem

benefi ciá-lo de modo particular, ou em

que tiver interesse confl itante com o da

companhia.

§ 2º Se todos os subscritores forem

condôminos de bem com que concorre-

ram para a formação do capital social,

poderão aprovar o laudo, sem prejuízo

da responsabilidade de que trata o § 6o

do art. 8º.

§ 3º O acionista responde pelos da-

nos causados pelo exercício abusivo do

direito de voto, ainda que seu voto não

haja prevalecido.

§ 4º A deliberação tomada em de-

corrência do voto de acionista que tem

interesse confl itante com o da compa-

nhia é anulável; o acionista responderá

pelos danos causados e será obrigado a

transferir para a companhia as vanta-

gens que tiver auferido”.

94. A esse respeito, além das disposições

da Lei das S.A., cabe ressaltar o disposto

(i) no art. 2º, parágrafo único, da Con-

solidação das Leis do Trabalho (Decre-

to-lei nº 5.452/1943); (ii) no art. 28, §

2º, do Código de Defesa do Consumidor

(Lei nº 8.078/199); e (iii) no art. 13,

parágrafo único, da Lei nº 8.620/1993.

95. Conforme aponta, por todos, Fran

Martins (Comentários à lei das socieda-

ainda que, embora admitindo-o, faça-o com restrições, estabelecendo matérias ou situações em que essas ações não votarão”91.

Ocorre que a propriedade das ações não assegura apenas direitos aos acio-nistas. Com efeito, todos os titulares de ações de emissão de uma companhia possuem diversas e relevantes obrigações. Entre as obrigações dos acionistas estipuladas em lei ou no estatuto social, destaca-se aquela referente à integrali-zação das próprias ações. De acordo com o artigo 106 da Lei das S.A., “o acio-nista é obrigado a realizar, nas condições previstas no estatuto ou no boletim de subscrição, a prestação correspondente às ações subscritas ou adquiridas”.

O acionista que não cumprir com tais obrigações fi nanceiras fi ca constitu-ído em mora, de pleno direito, sujeitando-se ao pagamento de juros, correção monetária e da multa que o estatuto determinar, além das sanções previstas em lei92. Adicionalmente, os acionistas têm o dever de exercer o direito de voto no interesse da companhia, consoante estabelece o artigo 115 da Lei das S.A.93

ACIONISTA CONTROLADOR

Além das obrigações que vinculam, de forma indiscriminada, todos os acionistas da companhia, o legislador estabeleceu — uma vez que são preci-samente os detentores do poder de controle que possuem os mais efi cientes meios e mecanismos legais para dirigir os rumos das atividades das sociedades — certos deveres dirigidos especifi camente ao acionista controlador. Desse modo, o controle é um fenômeno de poder, na medida em que controla uma companhia quem detém o poder de comandá-la, escolhendo os seus administradores e defi nindo os rumos tomados pela companhia. Poder deve ser efetivamente, pois quem tem a maioria das ações e não a utiliza é sócio majoritário, mas não é controlador.

Note-se, assim, que a defi nição do acionista controlador não é posta por razões meramente teóricas ou por preciosismos formais, conduzindo, em ver-dade, a conseqüências práticas importantes. De fato, a conceituação de deter-minada pessoa como controlador de uma sociedade acarreta um sem-número de deveres e responsabilidades, gerando, por conseguinte, a incidência de diversas normas jurídicas94.

Ao contrário de outros sistemas legislativos95, a Lei das S.A. inovou ao introduzir uma defi nição de acionista controlador, nos termos a seguir elen-cados. Tavares Borba faz uma ponderação de que a Lei das S.A. superou a ilusão de uma assembleia geral democrática, destacando a fi gura do acionista controlador:

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ORGANIZAÇÃO JURÍDICA DA GRANDE EMPRESA

FGV DIREITO RIO 61

des anônimas, v. 2, t. I. Rio de Janeiro:

Forense, 1978. p. 87).

96. Criticando o referido dispositivo

legal, afi rma Ricardo Ferreira de Ma-

cedo: “Todavia, os parâmetros fáticos

eleitos pelo legislador podem ou não

conduzir o operador do direito ao fato

que se pretendeu disciplinar, o fato do

controle, cabendo ao intérprete, as-

sim, reconhecer a insufi ciência desses

parâmetros, quando essa insufi ciência

sobrevier. Os elementos identifi cados

pelo legislador de 1976 como supos-

tamente determinantes do efeito fático

controle podem, em confronto com

outros fatos, não conduzir a esse efeito,

tornando-se irrelevantes à sua identi-

fi cação. Dessarte, é imperativo que se

reconheça que o substrato das normas

de balizamento do controle não está

situado nos fatos que dão ensejo à sua

confi guração (sejam os fatos pressu-

postos pelo legislador, sejam quaisquer

outros), mas, sim, no controle en-

quanto efeito, i.e., na possibilidade de

imposição da vontade de um sujeito na

condução de uma empresa” (Controle

não societário. Rio de Janeiro: Renovar,

2004. p. 177).

97. Art. 15, § 2º, da Lei das S.A.

98. Consoante assevera Rubens Requião:

“Hoje, na sociedade moderna, nem

todos os acionistas têm direito a voto,

e o conceito de ‘maioria’ se refere ao

volume das ações com voto. Como a

imensa maioria dos acionistas detém

ações sem voto [...] bem de ver que a

maioria absoluta da sociedade não tem

acesso, sequer, às disputas do controle”.

(Curso de direito comercial, v. 2. 23. ed.

São Paulo: Saraiva, 2003. p. 137).

“Art. 116 Entende-se por acionista controlador a pessoa, natural ou jurídica, ou o grupo de pessoas vinculadas por acordo de voto, ou sob controle comum, que:

a) é titular de direitos de sócio que lhe assegurem, de modo per-manente, a maioria dos votos nas deliberações da assembleia-geral e o poder de eleger a maioria dos administradores da companhia; e

b) usa efetivamente seu poder para dirigir as atividades sociais e orientar o funcionamento dos órgãos da companhia”.

Apesar do mérito de introduzir a questão, a disposição legal acima trans-crita tem merecido críticas de notável corrente doutrinária. Com efeito, uma interpretação literal da previsão legal — na qual ambos os requisitos aponta-dos nas alíneas do artigo 116 seriam imprescindíveis para a caracterização de determinada pessoa como controlador — restringiria ao extremo o conceito de controle, ocasionando a diminuição do raio de incidência de normas diri-gidas ao exercício do poder de controle.

Fora algumas críticas pontuais, expõe-se o ponto crucial no reconhe-cimento de que o controle é um fenômeno fático e, por tal razão, não pode ser verifi cado de forma apriorística96. Ao contrário, deve ser aferido casuisticamente, de acordo com os elementos dados na realidade fática. O acionista controlador detém o bloco de controle, o qual é defi nido pelo conjunto de ações usado pelo acionista ou grupo deles para assegurar a preponderância de sua vontade na vida societária da companhia. Esse bloco pode alterar-se com frequência, sendo diminuído em um dia e aumentado em outro. Se o seu titular permanecer o mesmo, não terá ocorrido alteração no controle da companhia.

Cumpre observar que, diante da possibilidade de se emitir ações sem di-reito a voto até o limite de 50% (cinqüenta por cento) do total das ações emitidas por uma companhia97, verifi ca-se a desvinculação entre a quantida-de de ações detidas por um acionista e o exercício do poder de controle em determinada companhia98.

Com efeito, considerando que, em regra, o poder de controle é exercido a partir das ações com direito a voto, pode-se entender que, em tese, não há necessária identifi cação entre o acionista controlador e o detentor de partici-pação superior à metade do capital social de uma sociedade.

Por exemplo, em uma companhia na qual 50% das ações emitidas são preferenciais sem direito de voto, o acionista ABC — detentor de ações or-dinárias representativas de 25,00001% do capital social total da sociedade anônima — será, em regra, o acionista controlador, apesar de 74,99999% das ações serem de propriedade de outros acionistas.

Isso porque se adota, nas sociedades anônimas, o princípio majoritário como o critério mais democrático para a coexistência de interesses diver-

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FGV DIREITO RIO 62

99. COMPARATO, Fábio Konder. O poder

de controle na sociedade anônima. 4.

ed. Rio de Janeiro: Forense, 2005. p. 60.

100. BERLE, Adolf A.; MEANS, Gardiner

C. A moderna sociedade anônima e a

propriedade privada. São Paulo: Abril

Cultural, 1984.

101. Acerca do controle externo, José

Edwaldo Tavares Borba afi rma: “O con-

trole externo caberia a entidades es-

tranhas ao capital social, basicamente

credores da sociedade ou dos acionistas

com o poder de infl uir em certas delibe-

rações da sociedade” (Direito societário.

10. ed. Rio de Janeiro: Renovar, 2007.

p. 335).

102. O tema é amplamente desenvolvido

na famosa obra de Fábio Konder Com-

parato (O poder de controle da sociedade

anônima. 4. ed. Rio de Janeiro: Forense,

2005. pp. 51 e seguintes).

103. COELHO, Fábio Ulhoa. Curso de direito

comercial, v. 2. 6. ed. São Paulo: Saraiva,

2003. p. 276.

gentes na condução dos negócios sociais. Sobre a adoção de tal princípio no âmbito das sociedades anônimas, vale mencionar a lição de Fábio Konder Comparato:

“(...) efetivamente, companhias há que contam com centenas de mi-lhares de acionistas. Nessas condições, seria totalmente desarrazoado aceitar a regra contratual do consentimento unânime, nas deliberações sociais. Em todas as legislações, estabeleceu-se o princípio majoritário, notadamente em matéria de sociedade por ações. Mas por que a maio-ria deve comandar? Parte-se, sem dúvida, do postulado de que a socie-dade existe no interesse dos sócios, e como ninguém, em princípio, está investido da prerrogativa de decidir pelos interesses alheios, prevalece sempre a vontade do maior número, julgando cada qual segundo o seu próprio interesse”99.

Outro ponto ressaltado por Tavares Borba diz respeito que a permanência do poder de controle não se apóia, necessariamente, na maioria do capital votante, referindo-se o texto legal à “maioria dos votos nas deliberações da assembleia geral”. O que indica a maioria nas assembleias é a própria história dessas, em função do comparecimento que normalmente se verifi ca. O nível de presença mostrará a maioria necessária e, consequentemente, o titular do poder de controle.

Baseada na clássica lição de Adolf Berle e Gardiner Means100 — a qual se ampara na referida ideia de separação entre propriedade de ações e controle —, a doutrina costuma apontar que o controle pode ser exercido de forma externa — na qual o exercício se dá por mecanismos diversos da propriedade de valores mobiliários, o qual pode até concomitantemente se verifi car101 — ou interna, decorrente, direta ou indiretamente, da participação societária, subdividida em controle totalitário, majoritário, minoritário (também denominado majoritá-rio eventual) ou gerencial102.

Em breve resumo, o controle totalitário caracteriza-se pela concentração da quase totalidade das ações com direito a voto na propriedade de uma úni-ca pessoa, física ou jurídica103. Já o controle majoritário é exercido por quem é titular de mais da metade das ações com direito a voto, seja isoladamente ou em conjunto (como ocorre, por exemplo, na hipótese de celebração de um acordo de acionistas que regule o exercício do direito de voto ou do poder de controle, conforme será analisado a seguir).

Em geral, manifesta-se o controle minoritário, por sua vez, nas companhias abertas em que há alta dispersão acionária, verifi cando-se o conseqüente absen-teísmo dos acionistas nas assembleias. Em tais casos, determinado acionista — ou grupo de acionistas reunidos — representa a maioria nas assembleias, em-bora possa deter apenas parcela minoritária do capital votante da companhia.

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FGV DIREITO RIO 63

104. A Lei das S.A. estabelece, em seu

art. 116, o princípio da função social

da empresa. Em resumo, tal princípio

consagra o entendimento de que, além

de atender aos objetivos dos acionistas,

o acionista controlador deve se preocu-

par também em dirigir a companhia

para a realização dos interesses dos

empregados e da comunidade em que

atua. Note-se que o princípio da fun-

ção social da empresa é um dos que

conduzem os códigos de Governança

Corporativa. A esse respeito, Jorge Lobo

defi ne governança corporativa como “o

conjunto de normas, consuetudinárias

e escritas, de cunho jurídico e ético, que

regulam os deveres de cuidado, diligên-

cia, lealdade, informação e não intervir

em qualquer operação em que tiver

interesse confl itante com o da compa-

nhia, e respectivas responsabilidades, e

que disciplinam o exercício das funções,

atribuições e poderes dos membros

do conselho de administração, da di-

retoria executiva e do conselho fi scal

e dos auditores externos, em especial

de companhias de capital aberto, e o

relacionamento entre si e com a própria

sociedade, seus acionistas e o mercado

em geral” (artigo disponível em www.

migalhas.com.br).

105. COELHO, Fábio Ulhoa. Curso de direito

comercial, v. 2. 6. ed. São Paulo: Saraiva,

2003. p. 283.

Por fi m, a doutrina aponta o controle gerencial como uma modalidade de exercício do poder de controle. Apesar de bastante difundido em países com um desenvolvido mercado de capitais, o controle gerencial ainda não apre-senta relevância prática no Brasil. Tal forma de controle caracteriza-se por ser exercida por administradores que, através de procurações, se perpetuam na direção da sociedade, diante do elevado grau de dispersão das ações no mercado. Abaixo, segue o quadro resumido dos diferentes tipos de controle:

Controle MajoritárioAcionista reúne metade + 1 das ações,

com o domínio da companhia

Controle Minoritário Alto grau de dispersão acionária

Controle Concentrado (Gerencial) Deriva de acordo de acionistas

Controle Difuso (externo)Não possui controlador defi nido, o

voto é exercido pela AG.

Expostas, em linhas gerais, as características e modalidades do poder de controle em uma sociedade anônima, faz-se necessário destacar algumas res-ponsabilidades inerentes ao papel do acionista controlador. A questão da res-ponsabilidade será tratada, de modo mais detalhado, em aula específi ca.

Conforme já aludido, a Lei das S.A. sujeita o acionista a um conjunto de direitos e obrigações. Do mesmo modo, ao acionista controlador é dispensado um tratamento legislativo mais rígido com o objetivo de se equilibrarem as re-lações de poder na companhia e imputarem responsabilidades ao controlador que não atuar em consonância com os interesses da sociedade, dos acionistas em geral, dos empregados ou da comunidade em que a companhia atua104.

Sobre a condição do controlador e seu exercício irregular, Fábio Ulhoa Coelho acentua:

“O acionista que controla a sociedade anônima usufrui de uma con-dição privilegiada relativamente aos demais. Como titular da maioria dos votos manifestados em assembleia geral, ele escolhe os adminis-tradores, fi xa a remuneração destes, altera o estatuto em muitas partes (...). Essa condição privilegiada, e o seu completo desfrute, nada têm de irregular. Pelo contrário, são a legítima decorrência dos direitos que o controlador titulariza. (...) A lei, contudo, reconhecendo a importância de acionistas dos mais variados perfi s para o pleno desenvolvimento da empresa, e preocupada com o equilíbrio das relações de poder no inte-rior da companhia, imputa ao controlador responsabilidades por danos causados com abuso de poder”105.

Nessa linha, o parágrafo 1º do artigo 117 da Lei das S.A. enumera, de forma meramente exemplifi cativa, algumas hipóteses em que o acionista con-

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FGV DIREITO RIO 64

106. “Art. 117. O acionista controlador

responde pelos danos causados por

atos praticados com abuso de poder. §

1º São modalidades de exercício abu-

sivo de poder: a) orientar a companhia

para fi m estranho ao objeto social ou

lesivo ao interesse nacional, ou levá-la

a favorecer outra sociedade, brasileira

ou estrangeira, em prejuízo da partici-

pação dos acionistas minoritários nos

lucros ou no acervo da companhia, ou

da economia nacional; b) promover a li-

quidação de companhia próspera, ou a

transformação, incorporação, fusão ou

cisão da companhia, com o fi m de ob-

ter, para si ou para outrem, vantagem

indevida, em prejuízo dos demais acio-

nistas, dos que trabalham na empresa

ou dos investidores em valores mobili-

ários emitidos pela companhia; c) pro-

mover alteração estatutária, emissão

de valores mobiliários ou adoção de po-

líticas ou decisões que não tenham por

fi m o interesse da companhia e visem

a causar prejuízo a acionistas minoritá-

rios, aos que trabalham na empresa ou

aos investidores em valores mobiliários

emitidos pela companhia; d) eleger ad-

ministrador ou fi scal que sabe inapto,

moral ou tecnicamente; e) induzir, ou

tentar induzir, administrador ou fi scal

a praticar ato ilegal, ou, descumprindo

seus deveres defi nidos nesta Lei e no

estatuto, promover, contra o interesse

da companhia, sua ratifi cação pela

assembléia-geral; f ) contratar com a

companhia, diretamente ou através de

outrem, ou de sociedade na qual tenha

interesse, em condições de favoreci-

mento ou não equitativas; g) aprovar

ou fazer aprovar contas irregulares de

administradores, por favorecimento

pessoal, ou deixar de apurar denúncia

que saiba ou devesse saber proceden-

te, ou que justifi que fundada suspeita

de irregularidade; h) subscrever ações,

para os fi ns do disposto no art. 170,

com a realização em bens estranhos ao

objeto social da companhia”.

107. COELHO, Fábio Ulhoa. Curso de direito

comercial, v. 2. 6. ed. São Paulo: Saraiva,

2003. p. 314.

108. “Art. 118. Os acordos de acionistas,

sobre a compra e venda de suas ações,

preferência para adquiri-las, exercí-

cio do direito a voto, ou do poder de

controle deverão ser observados pela

companhia quando arquivados na sua

sede”.

trolador responde pelos danos causados por atos praticados com abuso de poder106.

Ressalte-se, ainda, que a lei prevê outras normas de proteção à minoria, visando a resguardar o grupo minoritário de acionistas que não participa ativamente dos processos decisórios da companhia. Assim, além dos direitos essenciais dos acionistas já mencionados, os acionistas minoritários contam com outros instrumentos de atuação, tais como: (i) poder de convocar a assembleia geral em algumas hipóteses; (ii) direito de requerer a instalação do conselho fi scal; (iii) prerrogativa de exigir a exibição integral dos livros da companhia; e (iv) direito ao dividendo obrigatório.

ACORDOS DE ACIONISTAS

As relações de poder entre os acionistas podem ser reguladas através de um acordo de acionistas cujo objetivo principal, em regra, é a estabilização das res-pectivas posições acionárias. A esse respeito, Fábio Ulhoa Coelho acrescenta:

“No Brasil, os acionistas interessados em estabilizar relações de po-der no interior da companhia podem negociar obrigações recíprocas que garantam certa permanência nas posições. (...) Os acionistas que detêm juntos o controle da companhia podem contratar, por exemplo, que todos votarão em determinadas pessoas para os cargos da diretoria; ou que se reunirão, previamente à assembleia, para defi nir, por maioria, o voto que todos irão manifestar no conclave. Podem, por outro lado, contratar que ninguém alienará suas ações a determinados investido-res, para evitar o fortalecimento de outras posições acionárias; ou que concederão uns aos outros direito de preferência, em igualdade de con-dições, se decidirem alienar suas participações”107.

Desta forma, acordo de acionistas é um instrumento jurídico que pos-sibilita a convergência dos interesses dos acionistas de uma companhia, no sentido de possibilitar o exercício dos direitos provenientes da condição de acionista, especialmente aqueles relacionados aos seus direitos políticos pe-rante a Companhia e patrimoniais sobre suas ações. A Lei das S.A. traz a previsão do acordo de acionistas em seu art. 118, possibilitando a compra e venda de ações e o exercício do direito de voto ou do poder de controle da companhia108.

Por possuir natureza contratual, o acordo é um contrato disciplinado pelas normas comuns de validade e efi cácia dos negócios jurídicos privados. Deve observar, inclusive, os requisitos de validade e efi cácia previstos no art. 104 do CC/02, e pode ser celebrado por prazo determinado ou indeterminado.

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FGV DIREITO RIO 65

O acordo de acionistas também pode ser utilizado nas Sociedades Limitadas cujo contrato social preveja a regência supletiva da Lei das S.A., tal como dispõe o parágrafo único, do artigo 1.053, do CC/02.

A efi cácia do acordo de acionistas perante terceiros, cuja regra encontra--se disposta no parágrafo primeiro, do art. 118, da Lei das S.A., a seguir: “as obrigações ou ônus decorrentes desses acordos somente serão oponíveis a terceiros, depois de averbados nos livros de registro e nos certifi cados das ações, se emitidos”. Sendo assim, o acordo de acionistas deverá ser arquivado na sede da companhia, gerando efi cácia erga omnes.

Em linhas gerais, o acordo de compra e venda de ações equivale a uma promessa de contratar; o acordo de preferência acarreta a obrigação de não alienar a terceiro sem previamente afrontar os signatários do contrato. O acordo de acionistas destinado a disciplinar o direito de voto é o que ganha maior importância, em face da infl uência que poderá exercer sobre a defi ni-ção do poder de controle.

Ao incluir o exercício comum do poder de controle, a Lei nº 10.303/01 instituiu o acordo de voto em bloco (pooling agreement), por meio do qual os acionistas convenentes deliberam majoritariamente, em reunião prévia, a direção dos votos que serão dados pelas ações do bloco de controle nas assem-bleias. O leading case do acordo de voto em bloco se deu em 1897, no caso Smith v. San Francisco & N.P.Ry. Co.

No momento da assembleia, o presidente deve recusar o voto contra o acordo, fazendo-o como membro do órgão da sociedade. O voto a ser recu-sado é aquele que, de forma clara e frontal, viola o acordo arquivado na sede da sociedade. Tavares Borba defende que se a matéria for contravertida, ou se envolver problemas interpretativos, o presidente da assembleia fi ca engessa-do, ao passo que cabe ao Poder Judiciário dirimir as controvérsias. A crítica que se pode fazer diz respeito à eventual morosidade diante da celeridade do mundo negocial, que exige decisões rápidas.

Por fi m, o p. único do art. 116 da Lei das S.A. institui o dever fi duciário do controlador, singular ou comum (o qual deriva do controle de acionis-tas), cujo poder de governar autonomamente a companhia corresponde ao dever de fazê-lo visando à realização do objeto social. O dever fi duciário dos controladores decorre de sua situação jurídica de poder dispor dos bens da companhia como um proprietário. Em outras palavras: os controladores têm o poder de governar a sociedade autonomamente, sem o concurso dos mi-noritários para a formação, a declaração e a consecução/implementação da vontade social. Desse modo, subsiste o caráter permanente do exercício de controle, conforme ressaltado no item antecedente.

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FGV DIREITO RIO 66

109. FILHO, Alfredo Lamy; PEDREIRA, José

Luiz Bulhões. Anteprojeto à Lei das So-

ciedades Anônimas.

TAG ALONG

O tag along é um mecanismo previsto na Lei das S.A. e foi introduzido pela Lei nº 10.303/01, que acrescentou o art. 254-A na legislação. O insti-tuto tem por objetivo proteger os acionistas minoritários diante da transfe-rência do controle de determinada companhia. A citada lei não restaurou o princípio do tratamento igualitário contido originalmente no art. 254 da Lei nº 6.404/76, mas consagrou o princípio do valor diferenciado de ações da mesma espécie, obrigando a oferta pública em se tratando de alienação do controle acionário.

O tag along assegura que a alienação, direta ou indireta, do controle acio-nário de uma companhia aberta somente poderá ocorrer sob a condição, sus-pensiva ou resolutiva, de que o acionista adquirente se obrigue a fazer oferta pública de aquisição das demais ações ordinárias, de modo a assegurar a seus detentores o preço mínimo de 80% do valor pago pelas ações integrantes do bloco de controle. A IN 361/02, em seus arts. 29 e 30, disciplina a OPA por alienação do controle.

Em termos didáticos, pressuponha que um acionista ou terceiro ofereçam 100 reais por ação do bloco de controle. Ao se perfazer a compra, é necessário que esse acionista ou terceiro realizem uma OPA, ofertando, no mínimo, 80 reais por ação dos minoritários, que têm a liberdade de alienar ou não suas ações. A não alienação das ações da companhia por parte dos minoritários pode representar uma estratégia de médio/longo prazo.

Alfredo Lamy Filho e José Luiz Bulhões Pedreira, autores do anteprojeto da Lei das S.A., manifestaram-se sobre o tema:

“Toda a controvérsia reside em saber se os acionistas minoritários têm ou não direito de venderem suas ações ao mesmo comprador e nas mesmas condições de preço, sempre que o acionista controlador alienar as suas ações. O Projeto adota normas destinadas a evitar que a aliena-ção do controle da companhia possa se processar com prejuízo dos de-mais acionistas, especialmente no caso em que esse controle é adquiri-do por sociedade que, em seguida, incorpora a controlada. Não defi ne, porém, em todos e qualquer caso, um direito dos demais acionistas de participarem do preço da venda das ações de propriedade do acionista controlador (...). O espírito do Projeto é levar ao extremo a defesa dos interesses do acionista minoritário mas não ao ponto de permitir, sob esse pretexto, a destruição do instituto da sociedade anônima”109.

Autores clássicos como Nelson Eizirik e Modesto Carvalhosa assinalam que, antes do advento da Lei nº 10.303/01, prevalecia a denominada “Lei Kandir” (em homenagem Deputado Antonio Kandir), a qual confi gurava

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FGV DIREITO RIO 67

um retrocesso no direito societário brasileiro, na medida em que eliminava a oferta pública obrigatória de aquisição de ações dos minoritários.

O art. 254-A da Lei das S.A. atribui, portanto, ao bloco de controle uma mais-valia, permitindo que as ações que o integram recebam um preço su-perior ao das ações dos minoritários, por ocasião de sua alienação. Desse modo, o dispositivo coloca que a oferta pública é obrigatória por ocasião da alienação do controle de qualquer companhia aberta, independentemente de quais valores mobiliários de sua emissão sejam objeto de negociação pública.

Os destinatários da oferta pública de que trata o art. 254-A da Lei das S.A. são todos os titulares de ações com direito de voto que não integram o bloco de controle. Os acionistas que detêm ações preferenciais, com direito de voto, igualmente são contemplados pela OPA.

Modesto Carvalhosa assinala que dois são os elementos fundamentais para que se caracterize a alienação do controle acionário, quais sejam: 1) que da operação, em seu conjunto e de uma só vez ou por etapas, resulte a presença de um novo acionista controlador ou de um grupo de controle (art. 118); 2) e que a transferência do controle, não importa a sua modalidade, apresente um caráter oneroso, ou seja, que algum momento o antigo controlador ou participante do bloco de controle receba alguma remuneração, inclusive por permuta, pela transferência de suas ações ou valores mobiliários conversíveis em ações.

A obrigatoriedade da oferta pública já foi comentada no tópico, mas alie-nação do controle acionário é juridicamente instrumentalizada mediante um contrato de cessão de ações que compõem o bloco de controle. Trata-se de um contrato de compra e venda de ações, cujo ajuste é de natureza civil.

Por fi m, dúvidas são suscitadas quando o controle é exercido por um grupo de acionistas cujas ações se encontram vinculadas por acordo de acionistas, não havendo nenhum que, individualmente, detenha o poder de controle. Nesse caso, ocorrendo transferências de posições acionárias dentro do acordo de acionistas ou entre pessoas que constituem o bloco de controle, não há alienação do controle para efeitos do art. 254-A da Lei das S.A., uma vez que a operação, mesmo que onerosa, não resultará o surgimento de um acionista controlador. No caso, pode eventualmente ocorrer uma troca de posições dentro de um bloco de controle (art. 118) que não caracteriza a alienação do controle acionário.

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ORGANIZAÇÃO JURÍDICA DA GRANDE EMPRESA

FGV DIREITO RIO 68

C) TEXTOS DE APOIO

Casino leva à arbitragem suposto confl ito de interesse de Abilio DinizFonte: Estado de São Paulo, 01.05.2013

O Casino, controlador do Grupo Pão de Açúcar (GPA), entrou nesta quarta-feira com um novo pedido de arbitragem contra o sócio Abilio Diniz. No documento enviado à Câmara de Comércio Internacional, os franceses questionam a existência de confl ito no acúmulo de funções por parte de Di-niz, já que ele agora preside os conselhos de administração do GPA e da BRF, um dos maiores fornecedores da varejista.

O grupo francês alega que a presença do empresário brasileiro em postos de poder nas duas empresas viola o acordo de acionistas e a lei brasileira. “Nenhum acordo privado pode ferir a lei e, nesse caso, a lei das S.A. proíbe que um conselheiro exerça o cargo se fi car confi gurado confl ito de interesse”, explica uma fonte próxima ao Casino.

Além disso, os franceses também pediram à câmara de arbitragem a con-fi rmação de que eles “podem tomar as medidas necessárias para proteger os interesses do GPA em conformidade com o acordo de acionistas”. Com isso, caso a decisão dos árbitros seja de que há confl ito de interesse, o Casino po-deria pedir a destituição de Abilio Diniz do conselho de administração do Pão de Açúcar.

Isso já poderia ser feito hoje, de forma arbitrária, contrariando o acordo de acionistas, que dá a Abilio Diniz o direito de presidir o conselho do Pão de Açúcar. Os franceses chegaram a cogitar essa possibilidade, segundo fontes, mas a descartaram porque o caso provavelmente seria levado à Justiça e vira-ria uma guerra de liminares.

Na câmara de arbitragem, o processo pode levar de um a dois anos para ser concluído. Para acelerar a decisão, o Casino optou por não iniciar um novo processo (que demandaria a escolha de árbitros por ambos os lados e outras burocracias). Em vez disso, fez uma espécie de “adendo” a um pedido de ar-bitragem feito pelo próprio Diniz em dezembro do ano passado.

Na ocasião, depois de ter várias propostas recusadas pelo conselho de ad-ministração do Pão de Açúcar, Abilio recorreu à arbitragem com o objetivo de evitar o esvaziamento de sua atual função no GPA. Vinte dias depois, vazou no mercado a informação que Abilio estaria negociando um acordo para se tornar presidente do conselho da BRF. Ele foi eleito para o cargo no dia 9 de abril.

Desde que se tornou público o interesse de Diniz em substituir Nildemar Secches no conselho da fabricante de alimentos, o representante do Casino no GPA, Arnaud Strasser, manifestou-se por duas vezes contrário ao acúmulo de funções do empresário durante as assembleias do Pão de Açúcar e da Wi-

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lkes, holding que controla a varejista e na qual Casino e Diniz têm participa-ção. Strasser pediu ao empresário que renunciasse ao cargo no GPA.

Confl ito. A resposta de Abilio Diniz ao Casino tem sido de que não há confl ito de interesse. Foi o que ele voltou a afi rmar nesta quarta-feira, por meio da assessoria de imprensa, em relação ao pedido de arbitragem. Fontes próximas ao empresário dizem ter se surpreendido com a atitude do Casi-no. Elas esperavam que os franceses adotassem outra estratégia e recorressem direto à Justiça. Para as fontes ligadas a Abilio, os representantes do Casino devem ter avaliado que teriam mais chances de usar o argumento de confl ito de interesse na câmara de arbitragem.

Na câmara de arbitragem, a vitória do Casino seria mais fácil, mas não é garantida, já que não há jurisprudência. Os casos que se aproximam deste imbróglio envolvem conselheiros comuns em empresas concorrentes, o que não é o caso de Pão de Açúcar e BRF.

A primeira vez que o Casino pediu arbitragem contra Diniz foi em 2011, após informações de que o Pão de Açúcar estaria negociando uma fusão o Carrefour sem seu aval.

“Abilio Diniz fecha acordo com Casino e deixa o Grupo Pão de Açúcar”Fonte: O Globo, 06.09.2013

O empresário Abilio Diniz chegou nesta sexta-feira (6) a um acordo com o grupo francês Casino e anunciou sua renúncia à presidência do conselho de administração do Grupo Pão de Açúcar (GPA), empresa fundada por seu pai em 1948.

“Estou feliz de pôr fi m a esses dois anos de luta”, afi rmou o empresário, em pronunciamento em São Paulo. “Renuncio à presidência e aos meus po-deres lá”, acrescentou.

“Na véspera do dia que simboliza a liberdade do Brasil, eu também abraço a minha liberdade para continuar perseguindo os meus sonhos”, completou.

O acordo sela o fi m do confl ito com o Casino como também a saída de Abilio do Pão de Açúcar, que já era controlado pelo grupo francês desde junho de 2012. A partir de agora, o empresário será apenas acionista, sem direitos políticos na empresa.

O Casino cobrava a saída de Abilio da presidência do conselho do GPA desde que o empresário também passou a acumular a presidência do conselho da BRF — um dos maiores fornecedores do Pão de Açúcar. Os termos do acordo feito com o Casino em 2005 garantia que o empresário permanecesse no cargo mesmo depois da transferência do controle do grupo aos franceses.

Por várias vezes durante a entrevista, Abilio disse que os últimos anos não foram fáceis ao se referir à disputa com o Casino. “Os últimos dois anos não foram fáceis e, hoje, com alegria, encontramos uma solução sufi cientemente

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boa para todos”, disse, agradecendo à família por tê-lo “aguentado” nestes dois anos “que não foram prazerosos”.

Abílio lembrou ainda que ele comunica a renúncia exatamente 65 anos depois de seu pai, Valentim dos Santos Diniz, fundar o Pão de Açúcar, em 7 de setembro de 1948.

Termos do acordoFoi decidido que Abílio trocará as ações ordinárias que tem na Wilkes,

holding controladora do GPA, e receberá ações preferenciais, as negociadas em bolsa, na razão de 1 para 1. Com isso, o empresário passará a ter cerca de 9% das ações preferenciais do Grupo Pão de Açúcar — aquelas que não dão direito a voto — juntando com os cerca de 2% de ações ordinárias que ele tinha anteriormente ao negócio.

Em fato relevante, o GPA informou que o Casino trocará 19,375 milhões de ações preferenciais do Pão de Açúcar pela mesma quantidade de ordinárias emitidas pela Wilkes detidas por Abilio.

O empresário destacou que considera o investimento no Pão de Açúcar “excelente” e que não planeja novas vendas de ações preferenciais.

Em comunicado conjunto, Abilio e Jean-Charles Naouri, presidente do Casino, afi rmaram que decidiram “terminar suas disputas e concluir sua par-ceria de maneira benéfi ca para ambos, de forma que cada um possa livremen-te seguir em frente e perseguir novas oportunidades”.

Pelos termos, o acordo Wilkes deixa de existir e os conselheiros Luiz Fer-nando Figueiredo e Modesto Carvalhosa também renunciam ao conselho de administração do Pão de Açúcar.

As duas partes também decidiram encerrar todos os litígios que têm entre si. Abilio afi rmou, porém, que o acordo não foi motivado por temores em relação ao Cade impedir a atuação dele ao mesmo tempo na presidência dos conselhos do Pão de Açúcar e da BRF. O motivo de ter ocorrido neste mo-mento, disse, foi o de terem conseguido um acordo.

Entenda o casoA saída de Abilio da presidência do Conselho do Pão de Açúcar põe fi m a

uma conturbada relação do empresário com o Casino. As relações do brasi-leiro com o grupo francês se deteriorou desde que o empresário tentou uma fusão do Pão de Açúcar com o Carrefour no Brasil em 2011.

O Casino conseguiu, porém, barrar a iniciativa de Abilio. O conselho de administração do grupo francês rejeitou a oferta de fusão e o BNDES não confi rmou o apoio, o que impediu o avanço do projeto de fusão. Na ocasião, o Casino argumentou que a fusão teria o objetivo de impedir que o grupo assumisse o controle do Pão de Açúcar, como previa o acordo as-sinado em 2005.

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As desavenças entre as duas partes se agravaram neste ano, quando o em-presário foi eleito para ser a presidência do conselho da BRF, uma das maiores companhias de alimentos do Brasil e que tem o Pão de Açúcar como seu principal distribuidor de produtos no mercado interno.

Após transferir o controle da varejista ao Casino, no ano passado, Abilio reduziu de forma signifi cativa sua presença no capital da varejista. Em apenas três leilões de venda de ações preferenciais em seu portfólio desde o fi m de 2012, ele embolsou mais de R$ 2,5 bilhões.

Íntegra do comunicado conjunto de Abilio Diniz e Jean-Charles Na-ouri:

“Movidos pelo sentimento de respeito mútuo, Abilio Diniz, Presidente do Conselho do Grupo Pão de Açúcar, e Jean-Charles Naouri, Presidente do Conse-lho do Grupo Casino, decidem terminar suas disputas e concluir sua parceria de maneira benéfi ca para ambos, de forma que cada um possa livremente seguir em frente e perseguir novas oportunidades.

Esse é um momento importante na história de negócios no Brasil, sendo que há exatamente 65 anos — em 7 de setembro de 1948 — a família Diniz fundava o Grupo Pão de Açúcar, a maior empresa de distribuição do Brasil.

Abilio Diniz deseja muito sucesso ao Sr. Naouri e ao Grupo Casino. Ele expressa seus desejos mais sinceros para que o Grupo Pão de Açúcar continue crescendo com suas pessoas, sua cultura e seus valores, contribuindo para o desenvolvimento do país.

Jean-Charles Naouri expressa sua gratidão pelas muitas contribuições do Sr. Diniz e de sua família, e deseja muito sucesso em seus projetos futuros. Sr. Naouri espera continuar estimulando o crescimento do GPA em benefício de seus consu-midores, funcionários, acionistas e da sociedade brasileira.”

Íntegra de carta lida por Abilio:“Em 7 de setembro de 1948 meu pai, Valentim dos Santos Diniz, fundou

o Pão de Açúcar. Desde então dediquei a minha vida à construção deste sonho. Hoje, exatos 65 anos depois, encerro um importante ciclo dessa história de sucesso para a empresa, para a nossa família e para mim.

É com emoção que renuncio à presidência do Conselho do Grupo Pão de Açú-car. Tenho comigo sentimentos de gratidão, felicidade, realização, respeito e orgu-lho por essa empresa, por essa gente e por esse país.

Na véspera do dia que simboliza a liberdade do Brasil, eu também abraço a minha liberdade para continuar perseguindo os meus sonhos. Como costumo dizer, quero hoje ser melhor do que ontem e, amanhã, melhor do que hoje.

No Pão de Açúcar sempre buscamos a efi ciência, o crescimento e o êxito, com muito trabalho e dedicação, e assim construímos uma empresa única, admirada no Brasil e no mundo. Perseguimos sempre a felicidade e não é à toa que o Pão de Açúcar tem como slogan “Lugar de Gente Feliz”.

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ORGANIZAÇÃO JURÍDICA DA GRANDE EMPRESA

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Levo comigo os desafi os, as conquistas, as derrotas, as vitórias e, acima de tudo, os aprendizados. É claro que num momento como esse também sinto tristeza; tristeza pela saudade que terei da empresa, das pessoas, das lojas e dos símbolos que tanto amo.

Mas assim é a vida. É preciso ter sabedoria para aceitar as mudanças. É preci-so se reinventar e ir em frente. Seguirei a minha vida empresarial fazendo aquilo que sempre fi z, com coragem, correção, alegria e determinação, descobrindo e aceitando novos desafi os. Peço a Deus que continue me dando saúde e iluminan-do o meu caminho, assim como o de vocês.

Agradeço a todos que compartilharam comigo esse sonho, a começar pelos meus pais, Valentim e Floripes, meus irmãos, minha mulher, Geyze, meus fi lhos Ana Maria, João Paulo, Adriana, Pedro Paulo, Rafaela e Miguel, e aos que, ao longo desses 65 anos, trabalharam e colaboraram com o Pão de Açúcar — são milhares de pessoas que dedicaram suas vidas para fazer dessa empresa realmente um lugar de gente feliz. Agradeço também a todos os consumidores e parceiros que acredi-taram em mim e no Pão de Açúcar, mesmo nos momentos mais desafi adores da nossa história.

Sinto-me realizado por liderar o Grupo Pão de Açúcar por todos esses anos. Sinto que contribuí com o meu trabalho e a minha liderança e deixar esse legado me faz muito feliz.

Os últimos dois anos não foram fáceis e, hoje, com alegria, encontramos uma solução sufi cientemente boa para todos.

Desejo ao Grupo Casino e aos acionistas do Pão de Açúcar sucesso na condução dessa empresa, que ela continue crescendo com a sua gente, a sua cultura e os seus valores, contribuindo para o desenvolvimento do nosso país e sendo sempre um lugar de gente feliz.”

“Justiça impede voto do Previ e do BNDES em assembleia da TelemarDecisão toma como base o artigo da Lei das S/A, que trata do abuso do direito

de voto e confl ito de interesses.

Agência Estado. O Tribunal de Justiça do Rio concedeu nesta quinta-feira (23/11) liminar que impede o voto do Previ (fundo de pensão dos funcioná-rios do Banco do Brasil) e do Banco Nacional de Desenvolvimento Econômi-co e Social (BNDES), que participam do bloco de controle da Telemar, nas assembleias de acionistas que vão decidir a reestruturação do grupo, marca-das para hoje e segunda-feira (27/11). A decisão toma como base o artigo 115 da Lei das S/A, que trata do abuso do direito de voto e confl ito de interesses.

No dia 7 de novembro, o fundo Polo Norte, da gestora de recursos Polo Capital, entrou com uma ação contra a Telemar alegando abuso de poder do controlador, por causa da grande diferença de preços entre as ações ordinárias e preferenciais da empresa embutida na reestruturação societária. Em linhas

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gerais, o objetivo das mudanças é simplifi car a estrutura acionária da Telemar, hoje formada por três empresas e seis diferentes classes de ação, que fi cariam juntas numa única empresa. Para fazer a troca, os controladores estipularam uma cotação para cada tipo de papel que provocou reação irritada dos mino-ritários”.

(Exame Online, Daniela Milanese, 24.11.2006)

D) JURISPRUDÊNCIA

“DIREITO COMERCIAL. SOCIEDADE ANÔNIMA. ACIONISTA CONTROLADOR. Em tese, é suscetível de confi gurar a situação de acio-nista controlador a existência de grupo de pessoas vinculadas sob controle co-mum, bastando que um ou alguns de seus integrantes detenham a titularidade dos direitos de sócio de tal ordem que garanta ao grupo a supremacia nas deli-berações da assembleia geral e o poder de eleger a maioria dos administradores da companhia. Questão de fato a ser deslindada na oportunidade da prolação da sentença. Alegação de negativa de vigência dos arts. 116 e 118 da Lei das Sociedades Anônimas e do art. 3. do C.P.C. repelida. Recursos Especiais não conhecidos” (STJ, 4ª Turma, REsp 784/RJ, Rel. Min. Barros Monteiro, j. 24.10.1989, v.u., DJ 20.11.1989, p. 17.296 e RSTJ, v. 6, p. 422).

“SOCIEDADE ANÔNIMA. ACORDO DE ACIONISTAS. RESO-LUÇÃO COM BASE NA QUEBRA DA AFFECTIO SOCIETATIS E DO DEVER DE LEALDADE E COOPERAÇÃO ENTRE OS CONVE-NENTES. POSSIBILIDADE JURÍDICA. INCIDÊNCIA DOS ENUN-CIADOS NOS 5 e 7 DA SÚMULA/STJ QUANTO À ILEGITIMIDADE ATIVA DA RECORRIDA. INOCORRÊNCIA DE DECISÃO EXTRA PETITA. MATÉRIA NÃO DEBATIDA NA APELAÇÃO. ACÓRDÃO QUE NÃO PADECE DE FALTA DE FUNDAMENTAÇÃO. RECURSO NÃO CONHECIDO.

I — Admissível a resolução do acordo de acionistas por inadimplemento das partes, ou de inexecução em geral, bem como pela quebra da aff ectio societatis, com suporte na teoria geral das obrigações, não constituindo impe-dimento para tal pretensão a possibilidade de execução específi ca das obriga-ções constantes do acordo, prevista no art. 118, § 3º da Lei 6.404/76.

II — Estando a questão da ilegitimidade ativa da autora do pedido de resolução contratual fundamentada na falta de cumprimento de cláusulas do acordo quanto à anuência dos demais convenentes, que o acórdão recorrido tem por expressamente manifestada nos documentos que analisou, não é vi-ável o seu reexame em sede de Recurso Especial com a incidência dos enun-ciados nos 5 e 7 da súmula deste Tribunal.

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III — Contendo a inicial pedido de resolução do acordo de acionistas e de seus aditivos e constando do dispositivo da sentença que é julgado proceden-te esse pedido, ‘tendo por resolvidos o acordo de acionistas consubstanciado no instrumento original de fl s. 14 e seus aditivos’, não há que argumentar-se com nulidade da decisão por ser extra petita. Questão sobre a qual, ade-mais operou-se a preclusão, uma vez não agitada nas razões da apelação. (...)” (STJ, 4ª Turma, REsp 388423/RS, Rel. Min. Sálvio de Figueiredo Teixeira, j. 13.05.2003, v.u., DJ 04.08.2003, p. 308).

“DIREITO SOCIETÁRIO. ACORDO DE ACIONISTAS. [...] Acordo de acionistas sujeito a condição suspensiva. Sua validade. Obrigatoriedade de averbação pela companhia, que não pode exercer juízo de valor quanto ao seu conteúdo. O fato de alguns convenentes serem acionistas indiretos mas sob condição resolutiva, qual seja, de desconstituição da controladora, implemento da condição, que os tomarão diretos, perdendo aquele status e ganhando outro, não impede o seu arquivamento. Prática de ato judi-cial de conservação, visando o conhecimento de terceiros, que não poderão alegar o desconhecimento do referido acordo (art. 130 do Código Civil). Preliminar de nulidade repelida, Recurso desprovido” (TJRJ, 18ª CC, AC 2004.001.05257, Rel. Des. Carlos Eduardo Passos, j. 06.04.2004).

“AÇÃO CAUTELAR. DECISÃO QUE DEFERE PARCIALMENTE LIMINAR PARA REVIGORAR ACORDO DE ACIONISTAS JÁ RESILI-DO PELO DECURSO DO TEMPO. ALEGAÇÃO DE VÍCIO DE VON-TADE. CASSAÇÃO DA LIMINAR. AGRAVO REGIMENTAL. Não pode o Judiciário, sem relevante razão de direito, e prova de prejuízo irrecuperável, ou de difícil reparação, intervir em acordo de acionistas, revigorando o já resilido ou estabelecendo regras, pena de ofensa a princÍpio constitucional consubstanciado nos artigos 5º, caput e inciso XXII, da Carta Magna de 88. Improvimento do primeiro e provimento parcial do segundo agravo, fi cando prejudicado o agravo regimental” (TJRJ, 9ª CC, AI 2000.002.09024, Rel. Des. Jorge Magalhães, j. 12.09.2000).

“AGRAVO DE INSTRUMENTO. DECISÃO QUE, EM DISSOLU-ÇÃO DE SOCIEDADE ANÔNIMA FECHADA, ANTECIPA TUTELA, CONTRARIANDO ACORDO DE ACIONISTA.

1. Os acordos de acionistas, sobretudo quanto ao sagrado direito de voto, deverão ser observados pela companhia, quando arquivados em sua sede (art. 118, da Lei 6.404/76);

2. Não pode validamente o magistrado, em concessão de tutela antecipada, pena de abuso de poder, autorizar o contrário do que resulta do acordo, sob o fundamento de objetivar mais uma oportunidade extrajudicial, de se compo-

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rem os acionistas. Agravo provido” (TJRJ, 9ª CC, AI 1998.002.06291, Rel. Des. Jorge Magalhães, j. 13.10.1998).

“CONTRATO. ACORDO DE ACIONISTAS. INTERPRETAÇÃO DE ACORDO. DESCUMPRIMENTO. Contrato. Interpretação. Acordo de acionistas. Intenção das partes contratantes. Regras de hermenêutica contratu-al. Segundo os critérios da hermenêutica contratual, segundo a Lei Civil, bem como a Lei Comercial, nas convenções, deve-se indagar, de preferência, qual foi a vontade comum das partes contratantes, em vez de prender-se ao sentido literal das expressões contratadas, considerando-se as manifestações volitivas do ato, mediante análise lógica e razoável. [...] Recursos improvidos” (TJRJ, 6ª CC, AC 1997.001.02467, Rel. Des. Luiz Zveiter, j. 10.06.1997, v.u.).

“SOCIEDADE ANÔNIMA.I — Sociedades de capital aberto do ‘Grupo Real’. Ação ajuizada por acio-

nistas e substitutos processuais das empresas do conglomerado, objetivando a indenização da diferença entre honorários, participações e verbas de repre-sentação efetivamente recebidas, pelo administrador e controlador das com-panhias e a importância que deveria ter recebido, considerando-se o valor do mercado.

II — Improcedência da ação em grau de embargos infringentes para resta-belecer-se a sentença de 1. grau que considerara desnecessária a produção de provas oral e pericial, ante os elementos já constantes dos autos.

III — Recurso extraordinário que vislumbra ofensa aos artigos 117, pará-grafo 1º, alíneas ‘c’ e ‘f ’, e 152 das Leis das Sociedades Anônimas e 130, 332 e 333, inciso I, do C.P.C., além de divergência jurisprudencial, propugnando pela produção das provas oportunamente requeridas.

IV — Insubsistência da prejudicial de coisa julgada suscitada pelos recor-ridos. o pedido formulado no recurso extremo é, precisamente, o da anulação da sentença, em face do julgamento antecipado da lide.

V — Provas requeridas desnecessárias para os efeitos pretendidos, porquan-to visam não a infi rmar a política lesiva aos interesses das companhias, mas sim a demonstrar as disparidades das remunerações individuais dos diretores. Falta de legitimidade dos recorrentes para postularem em juízo quanto a estes.

VI — Inexistência de violação dos dispositivos legais apontados e falta de comprovação do dissídio jurisprudencial (art. 322 do RISTF). RE não co-nhecido pelas alíneas ‘a’ e ‘d’ do permissivo constitucional” (STF, 2ª Turma, RE 108650, Rel. Min. Célio Borja, j. 21.08.1987, v.u., DJ 25.09.1987, p. 20.415).

“SOCIEDADE COMERCIAL. ANÔNIMA. Anulação de deliberação para aumento de capital. Ação movida por acionistas minoritários, questio-

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ORGANIZAÇÃO JURÍDICA DA GRANDE EMPRESA

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nando a legalidade dos critérios adotados pela administração da sociedade. Impossibilidade. Falta de legítimo interesse processual. Ausência de compro-vação de abuso ou desvio de poder da controladora e de dolo, culpa, ou, ain-da, intuito de prejudicar a minoria da administradora. Pedido de indenização bem rejeitado. Cerceamento de prova inocorrente. Embargos infringentes desacolhidos” (TJSP, 2ª CDPri, EI 83.319-4/1-02, Rel. Des. J. Roberto Be-dran, j. 26.09.2000).

E) QUESTÕES DE CONCURSO

(21º Exame de Ordem OAB-RJ)3 — Pode-se dizer que o direito de voto seja um dos direitos essenciais do

acionista?

Questão (CESPE — 2012 — AGU)

O número de ações preferenciais sem direito a voto ou sujeitas a restrições no exercício desse direito não pode ultrapassar 50% do total das ações emiti-das pela sociedade anônima.

( ) Certo ( ) Errado

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AULAS 8 E 9: ÓRGÃOS ADMINISTRATIVOS: ADMINISTRAÇÃO. CONSELHO DE ADMINISTRAÇÃO E DIRETORIA: CARACTERÍSTICAS, COMPOSIÇÃO, FUNCIONAMENTO E COMPETÊNCIA. DEVERES E RESPONSABILIDADES DOS ADMINISTRADORES.

A) MATERIAL DE LEITURA

Leitura Básica

REQUIÃO, Rubens. Curso de direito comercial, v. 2. São Paulo: Saraiva, 2003. pp. 190-222.

TOLEDO, Paulo F. C. Salles de. “Modifi cações introduzidas na lei das so-ciedades por ações, quanto à disciplina da administração das companhias” In: LOBO, Jorge (Coord.) Reforma da Lei das Sociedades Anônimas. Rio de Janeiro: Forense, 2002. pp. 423-452.

BORBA, José Edwaldo Tavares. Direito Societário. Rio de Janeiro: Renovar, 2008.

Leitura complementar

LAMY FILHO, Alfredo; PEDREIRA, José Luiz Bulhões. A lei das S.A., v. I. Rio de Janeiro: Renovar, 1996. pp. 240-243.

MARTINS, Henrique Cordeiro; RODRIGUES, Suzana Braga. Atributos e papéis dos conselhos de administração das empresas brasileiras. Revista de Administração de Empresas, v. 45, nov./dez. 2005. Disponível em www.rae.com.br/raeespecial/index.cfm?FuseAction=Artigo&ID=3517&Secao=ARTIGOS&Volume=45&numero=0&Ano=2005.

B) ROTEIRO DE AULA

ADMINISTRAÇÃO: NOÇÕES GERAIS

Os órgãos administrativos são os que conferem concretude à companhia, com o intuito de executar o objeto social disposto em seu respectivo contrato social. O Professor Fábio Ulhôa Coelho faz uma ponderação sobre o desdo-bramento da sociedade anônima em órgãos, já que do ponto de vista da ad-ministração, a estruturação da companhia em órgãos se relaciona à adequada

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ORGANIZAÇÃO JURÍDICA DA GRANDE EMPRESA

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110. Citação retirada do site http://www.

geocities.com/Athens/Atlantis/7763/

concadm.htm.

divisão do trabalho, à racionalidade do fl uxo de informações, à agilidade do processo decisório. Sob o prisma do direito, a criação dos órgãos tem impor-tância para o atendimento de formalidades ligadas à validade e efi cácia dos atos da sociedade.

Dois são os órgãos decisórios, quais sejam o conselho de administração e a diretoria. Em linhas introdutórias, o conselho de administração tem funções deliberativas e de ordenação interna, ao passo que a diretoria exerce atribui-ções efetivamente executivas, que são de competência absoluta e indelegável. A diretoria constitui órgão indispensável, ao passo que o Conselho de Admi-nistração é optativo, salvo com relação às companhias abertas e às de capital autorizado, por força do disposto do art. 138 §2º da Lei das S.A. Em termos gerais, administrar signifi ca:

“Dirigir recursos humanos, fi nanceiros e materiais, reunidos em unidades organizadas, dinâmicas e capazes de alcançar os objetivos da organização e, ao mesmo tempo, proporcionar satisfação àqueles que obtêm o produto/serviço e àqueles que executam o trabalho.

Numa organização empresarial capitalista, três objetivos principais procuram ser alcançados: a satisfação do consumidor com o produto/serviço produzido pela empresa, o lucro obtido na comercialização da produção ou com o serviço prestado, e a remuneração para todos que executaram o trabalho (funcionários, empregados).

Os administradores de todas as hierarquias de uma empresa/organi-zação devem buscar o alcance desses três objetivos de maneira efi ciente e efi caz, atendendo às expectativas de todos os envolvidos dentro e fora da organização. O administrador de qualquer escalão planeja, organiza, dirige e controla todos os recursos necessários, desde fi nanceiros, hu-manos até máquinas e equipamentos”110.

O funcionamento de toda sociedade ou instituição requer organização. O problema da administração nas sociedades anônimas é evidentemente com-plexo, na medida em que impõe a necessária distribuição de poderes geren-ciais entre grupos ou pessoas que terão como encargo buscar a consecução do objetivo social. Procura o direito brasileiro disciplinar os núcleos de poderes sociais, fi cando a administração das companhias ao encargo da Diretoria e, conforme o caso, também do Conselho de Administração, objetos de nossas aulas. Segundo assinala Rubens Requião:

“(...) dispõe o art. 138 [da Lei das S.A.] que a administração da companhia competirá, conforme dispuser o estatuto, ao conselho de administração e à diretoria, ou somente à diretoria. Esse preceito deixa, com efeito, a opção aos acionistas de adotarem qualquer dos dois tipos

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ORGANIZAÇÃO JURÍDICA DA GRANDE EMPRESA

FGV DIREITO RIO 79

111. REQUIÃO, Rubens. Curso de direito

comercial. São Paulo: Saraiva, 2005. pp.

198-199.

112. Art. 146 da Lei das S.A.

113. Art. 147, § 1º, da Lei das S.A.

de administração da sociedade: ou o clássico, existente na lei revogada, ou o moderno, em que a administração se divide em conselho e dire-toria”111.

Administrador será tanto um membro do Conselho de Administração quanto um membro da Diretoria. Mas enquanto o Conselho exerce funções deliberativas e de ordem interna, a Diretoria em regra exerce funções execu-tivas, que são de sua competência exclusiva. Antes de analisarmos especifi ca-mente a composição, funcionamento e regras específi cas para cada um dos órgãos mencionados, vejamos as regras gerais atinentes a ambos.

NORMAS COMUNS AOS ADMINISTRADORES: REQUISITOS E IMPEDIMENTOS; INVESTIDURA E TÉRMINO DA GESTÃO

A primeira regra referente à administração diz respeito a quem está auto-rizado a gerir uma sociedade anônima. A administração de uma companhia só pode ser atribuída, por meio de voto, a pessoas físicas, e não a pessoas ju-rídicas112. Este impedimento deve-se mais a uma questão de tradição jurídica do que a um verdadeiro obstáculo lógico, pois, na realidade, tanto as pessoas físicas quanto as jurídicas possuem os atributos jurídicos da personalidade e capacidade civil, o que, em tese, seria o primeiro requisito para tornar uma pessoa elegível para um dos órgãos de administração da sociedade.

Ainda em relação às proibições, não podem ser eleitas para os cargos de administração as pessoas que tenham algum impedimento estabelecido em lei, ou tenham sido condenadas por crime falimentar, de prevaricação, peita ou suborno, concussão, peculato, contra a economia popular, a fé pública ou a propriedade, ou a pena que vede, ainda que temporariamente, o acesso a cargos públicos113.

Adicionalmente, impede-se também a eleição de administradores que ocupem cargo em outra sociedade considerada concorrente, ou ainda, que tenha interesses confl itantes ao da sociedade, tendo em vista o resguardo ao dever de sigilo inerente ao cargo de administrador. Cumpre observar que es-tes impedimentos relacionam-se a uma das principais qualidades que se quer e se exige de um administrador, qual seja, uma reputação ilibada.

Em relação à investidura dos administradores, o procedimento, tanto para os cargos da Diretoria quanto para aqueles do Conselho de Administração, é semelhante. Os conselheiros e diretores, após sua eleição por meio de voto — seja na Assembleia-Geral (para os conselheiros e, também, para os diretores nas sociedades anônimas em que não há Conselho de Administração), seja no Conselho de Administração (para os diretores nas companhias em que se adota o modelo bipartido de administração) —, são investidos no cargo por

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ORGANIZAÇÃO JURÍDICA DA GRANDE EMPRESA

FGV DIREITO RIO 80

114. De acordo com a CVM, “considera-

ções sobre o mérito das decisões de ne-

gócio, em geral, extrapolam o papel do

regulador, em sua tarefa de revisão da

legalidade dos atos dos administrado-

res de companhia aberta. O regulador

deve evitar que sua eventual avalia-

ção seja fator que infl uencie a análise

sobre a legalidade da atuação dos

administradores, pois, pode observar

as decisões tomadas por eles em con-

dições de certa forma mais favoráveis,

e sem dúvida bastante distintas das

que enfrente o gestor na hora de fazer

escolhas. O gestor de companhia lida

com restrições de tempo e de recursos

que o levam a dedicar mais ou menos

tempo a certas decisões, a realizar

estudos mais ou menos aprofundados

em cada caso, e isso faz parte de suas

responsabilidades. Além disso, ele cer-

tamente dispõe de dados que não estão

disponíveis para o regulador, os quais

considera em suas decisões. Mas é tudo

vantagem, que não seria justo permitir

que fosse usada em prejuízo dos admi-

nistradores”. (PAS CVM 2005/0097)

115. BALLANTINE, Henry. Ballantine

Corporation. New York: Callaghan &

CO, 1946.

meio da assinatura do livro correspondente (Atas de Reuniões do Conselho de Administração, se houver, ou Atas de Reuniões da Diretoria), que deve ser realizada no prazo de até 30 dias após a nomeação, sob pena de tornar-se inefi caz.

Uma vez nomeados, os membros do Conselho de Administração e os Di-retores realizam suas funções dentro do prazo de gestão estabelecido pelo estatuto. Contudo, em regra são permitidos à Assembleia e ao Conselho a destituição e substituição dos nomeados a qualquer tempo, independente de motivação.

DEVERES E RESPONSABILIDADES: DEVERES DE DILIGÊNCIA, DE LEALDADE E DE INFORMAR. CONFLITO DE INTERESSES.

Ainda no âmbito das normas gerais aplicáveis tanto aos diretores quanto aos membros do Conselho de Administração, importa observar que os ad-ministradores das sociedades anônimas possuem uma série de deveres decor-rentes da atribuição de poderes inerentes à sua função de direção do objetivo social da empresa. O interesse fundamental ao qual se aplica o administrador é o da própria empresa, a cujos fi ns ele serve, ainda que tenha sido eleito por um grupo determinado de acionistas. Com efeito, o administrador deve exer-cer suas atribuições no interesse da companhia, satisfazendo as exigências do bem público e da função social da empresa.

O processo de tomada de decisão deve cumprir o dever de diligência e lealdade, que na visão da CVM, traduz-se (i) na decisão informada; (ii) na decisão refl etida e (iii) decisão desinteressada. Esses requisitos foram expres-samente colocados no Processo Administrativo Sancionador nº 2005/1443, de relatoria do Diretor Pedro Oliva Marcilio de Sousa (em 21.03.2006)114.

Em contrapartida, na tradição jurídica do common law, o standard of care, diligence and judgment indica a responsabilidade não apenas por atos, mas também por omissão (negligência do administrador). O grau de negligência capaz de levar à responsabilização de um administrador depende do respec-tivo nível de cuidado e diligência devido em cada caso específi co. A regra em inglês, de acordo com Ballantine, é “the more fair and satisfactory rule is that degree of care and diligence which an ordinarily prudent director could reasona-bly be expected to exercise in a like position under similar circumstances”115.

Diante de tais considerações, devemos destacar o dever de diligência, o dever de lealdade e, ainda, o dever de informar, comentados abaixo:

O dever de diligência, previsto no artigo 153 da Lei das S.A., determi-na que o administrador deve desempenhar suas funções com o cuidado e a diligência esperados de um homem probo, embora tal critério possa ser de difícil aferição prática. Esse dever de diligência trata-se, no entendimento

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ORGANIZAÇÃO JURÍDICA DA GRANDE EMPRESA

FGV DIREITO RIO 81

116. TUNC, André. Le Droit Américan de

Sociétés Anonymes. Paris, 1985.

117. EIZIRIK, Nelson. Deveres dos admi-

nistradores de S.A. Confl ito de inte-

resses. Diretor de S.A. indicado para

conselho de companhia concorrente.

In: Temas de direito societário. Rio de

Janeiro: Renovar, 2005. p. 69.

de Modesto Carvalhosa, de um conceito abstrato que não implica um com-portamento determinado, mas padrão de comportamento, como se referia o antigo Código Comercial, em seu art. 142 (ora revogado pelo art. 2.045 do Código Civil de 2002). André Tunc assevera que “incumbe ao administrador o dever de respeitar os limites da personalidade moral da sociedade, bem como de seus poderes”, confi gurando o dever de diligência116.

Já o dever de lealdade — estabelecido no artigo 155 da lei societária — é consequência natural da atribuição do poder de direção atribuído ao admi-nistrador. Pela imputação do dever de lealdade, fi ca o administrador impedi-do, por exemplo, de:

“usar em benefício próprio ou de outra pessoa, com ou sem prejuízo para a sociedade, as oportunidades comerciais de que tenha conheci-mento em razão do exercício de seu cargo; omitir-se no exercício ou proteção de direitos da companhia, ou, visando à obtenção de van-tagem, deixar de aproveitar oportunidade de negócios de interesse da companhia; adquirir, para revenda com lucro, bem ou direito que sabe necessário à companhia, ou que esta pretenda adquirir”117.

O que caracteriza o dever de lealdade — sempre no âmbito do dever fi -duciário — é que a confi guração do dano à companhia não é um requisito essencial para a responsabilização do administrador que falta à observância desse princípio. A simples conduta desleal, em si, basta para a confi guração da responsabilidade administrativa sancionável, segundo entendimento da CVM. Isto porque a inobservância do dever de lealdade não pode ser repara-da com a mera compensação de eventuais danos daí decorrentes, na medida em que constitui quebra de confi ança, que não convalesce ou se substitui materialmente (Parecer de Orientação CVM nº 35, de 01.09.2008).

Corolário do dever de lealdade encontra-se na proteção contra o chamado “insider trading”, confi gurado pela utilização, em benefício próprio ou de terceiros, de informações confi denciais da companhia. Nessa linha, o dever de lealdade abarca também o dever de sigilo, a signifi car que o administrador deve guardar para si qualquer informação que tenha obtido por conta de sua posição privilegiada que possa ser de utilidade para concorrentes ou que pos-sa, uma vez a informação divulgada, trazer prejuízos para a sociedade.

A violação do dever de lealdade pode ocorrer, por exemplo, em hipótese de confl ito de interesses que eventualmente surgir entre o administrador e a companhia. Segundo Eizirik:

“haverá confl ito substancial de interesse ou confl ito de interesses stricto sensu, quando o voto é utilizado como desvio de fi nalidade, para promover interesses incompatíveis do acionista com o objeto social.

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ORGANIZAÇÃO JURÍDICA DA GRANDE EMPRESA

FGV DIREITO RIO 82

118. Idem, p. 72.

119. Idem, pp. 69-70. A respeito da divul-

gação de informações, a CVM editou a

Instrução Normativa nº 358, de 03 de

janeiro de 2002.

Caracteriza-se o desvio de fi nalidade quando o acionista, embora ob-servando as formalidades do voto e não cometendo violação alguma expressa em lei ou no estatuto, exerce esse direito com uma fi nalidade diversa daquela para a qual lhe foi por lei conferido”118.

Ao mesmo tempo, o administrador de companhia aberta tem a obriga-ção de divulgar, tanto à sociedade quanto ao público, quaisquer situações relevantes a respeito da vida da sociedade que possam interferir no mercado. Trata-se do dever de informar. Tavares Borba complementa que o dever de informar não confl ita com o dever de sigilo, porquanto com este evita-se o vazamento da notícia para pessoas específi cas, e com aquele estimula-se a sua difusão para todos. Assim,

“estando o administrador na posse de informação relevante, sua obrigação fundamental é revelá-la ao público, em obediência ao princí-pio fundamental do “disclosure”. É possível, porém, que tal informação possa pôr em risco interesse legítimo da companhia (artigo 157, pa-rágrafo 5º). Nesse caso, enquanto a informação não for publicamente divulgada, o “insider” está proibido de utilizá-la em proveito próprio, comprando ou vendendo valores mobiliários da companhia, ou reco-mendando a terceiros que o façam”119.

Se houver algum dano gerado pela conduta do administrador, é ele ci-vilmente responsável pelos prejuízos que causar quando atuar com dolo ou culpa, sendo importante destacar que o administrador não responde por atos regulares de gestão. Vale notar que a responsabilidade do administrador é subjetiva, devendo o prejudicado provar o dano, a conduta ilegal e culposa do administrador e o nexo de causalidade entre esta conduta e o dano.

TEORIA DO BUSINESS JUDGMENT RULE

Com base nas informações citadas, as quais descrevem os deveres dos ad-ministradores perante a companhia, o direito norte-americano desenvolveu a teoria do business judgment rule, com a fi nalidade de proteger a discriciona-riedade das decisões tomadas pelos administradores quando do exercício de sua função. Nesse sentido, o instituto consiste em um conjunto de decisões referentes ao controle do poder judiciário sobre as deliberações dos adminis-tradores, tendo em vista a presunção de regularidade dos seus atos.

O instituto teve sua origem no julgamento do caso Otis & Co. v. Pennsyl-vania R. Co., 61 F. Supp. 905 (D.C. Pa. 1945) nos Estados Unidos, por meio do qual a Corte Federal americana determinou que erros cometidos

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FGV DIREITO RIO 83

no exercício das atribuições de um administrador, sobretudo, no se refere ao julgamento de um negócio, não o sujeita à responsabilidade por negligência perante os acionistas.

A regra tem como objetivo evitar que os tribunais e os próprios sócios substituam os administradores arbitrariamente, de acordo com seus interes-ses e necessidades. Assim sendo, o administrador, dentro dos limites da lei e do estatuto social, é garantida a liberdade para decidir sobre a oportuni-dade e a conveniência de seus atos, considerando-se a priori os interesses da sociedade. O processo de tomada de decisões é muito emblemático para a continuidade da companhia, e a atividade empresarial está sujeita aos riscos inerentes ao negócio, motivo pela qual é dada uma certa discricionariedade ao administrador.

Cabe destacar, entretanto, que a teoria do business judgment rule não pos-sui um conteúdo de obrigações e princípios delimitado e nem tampouco se situa codifi cado de maneira uniforme no sistema jurídico americano. Ob-serva-se um conjunto de precedentes que tem por fi nalidade de identifi car alguns parâmetros para a aplicação da teoria, a partir do julgamento de ações de responsabilidade dos administradores face sua obrigação de agir de boa-fé e em cumprimento aos deveres de diligência (duty of care) e lealdade (duty of loyalty) com os acionistas.

Embora esses deveres corroborem a presunção de que os administrado-res estavam bem informados ao tomarem suas decisões, é possível afastar tal presunção comprovada a grave negligência (gross negligence) de sua conduta. Desse modo, no caso Smith v. Van Gorkom a Corte de Delaware, por três votos contra dois, decidiu que os administradores não haviam se informado adequadamente a respeito da proposta de compra da companhia, nem reali-zaram maiores diligências sobre o negócio, tendo concluído que estes agiram com grave negligência, não fazendo jus à proteção oferecida pelo business judgment rule.

Por fi m, pode-se concluir que comprovado o devido cuidado e a boa-fé aplica-da no exercício das funções desempenhadas pelo administrador visando à conse-cução do objeto social e os interesses da companhia, este não pode ser responsa-bilizado pelo insucesso de sua decisão ou por erros de julgamento e de valoração de um negócio, estando, portanto, protegido pelo business judgment rule.

O dever de transparência e informação também se coloca de maneira cla-ra na teoria do business judgment rule. No caso Ovitz v. Disney, julgado em 2006 pela Corte de Delaware, o executivo Michael Ovitz foi contrato pela empresa para exercer a cargo de Presidente da Disney por um período de 5 anos. Os acionistas da companhia ingressaram com uma ação questionando o desempenho do Presidente da Disney, entendendo não ser devido o paga-mento da multa indenizatória de US$ 130 milhões, fi rmada em seu contrato de trabalho (golden parachute), quando da sua demissão.

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ORGANIZAÇÃO JURÍDICA DA GRANDE EMPRESA

FGV DIREITO RIO 84

120. A Medida Provisória nº 1.958,

de 2000 (convertida na Lei nº

10.194/2001) eliminou o requisito

de residência no país do membro do

Conselho de Administração, descon-

siderando assim o disposto no art. 5º

da Constituição Federak de 1988, que

assegura aos brasileiros e aos estran-

geiros residentes no país o direito ao

trabalho e à propriedade.

Entretanto, a Corte de Delaware não acatou o pedido, sob o argumento de que não houve violação aos princípios conexos ao business judgment rule, ressaltando que o Delaware Corporation Law [Section 102 (b) (7)] permite a inclusão nos estatutos sociais de uma cláusula limitando a responsabilidade dos administradores por atos praticados com violação do dever de diligência em ações ou omissões sem boa-fé.

CONSELHO DE ADMINISTRAÇÃO: CARACTERÍSTICAS, COMPOSIÇÃO (VOTO MÚLTIPLO), FUNCIONAMENTO E COMPETÊNCIA

O Conselho de Administração, disciplinado pelos artigos 138 e seguintes da Lei das S.A., é um órgão colegiado, eleito pela Assembleia Geral, cuja existência é obrigatória nas companhias abertas, nas sociedades de economia mista e nas companhias com capital autorizado, sendo facultativas nas de-mais companhias fechadas.

É ele um órgão intermediário entre a Assembleia Geral e a Diretoria. For-mando um órgão colegiado, reúnem-se os conselheiros de maneira periódica, a fi m de orientar os negócios da companhia, bem como para acompanhar e fi scalizar a atuação dos diretores. A Lei nº 10.303/01 trouxe diversas inovações na disciplina do Conselho de Administração, introduzindo alterações nos arts. 140, 141, 142, 146 e 147 da Lei das S.A., sendo as mais relevantes aquelas atinentes à composição do órgão e à forma de eleição de seus membros.

Nas companhias abertas a obrigatoriedade do conselho de administração fundamenta-se na necessidade de conciliar os interesses dos acionistas con-troladores com os dos minoritários. De outro lado, nas companhias fecha-das, a facultatividade seria justifi cada pela tendência de profi ssionalização da administração. Como regra geral, os conselheiros são eleitos pela assembleia geral ordinária, por maioria absoluta de votos (art. 132).

Os membros do Conselho de Administração — que será sempre com-posto por no mínimo 03 (três) acionistas, residentes ou não no Brasil120 — atuam sempre conjuntamente, sendo suas deliberações realizadas em nome do órgão e sem atribuição individual de cada membro. Modesto Carvalhosa assinala que a adoção paulatina do regime de governança governativa tem se traduzido na escolha de conselheiros independentes, e que tenham experiên-cia no setor de atuação da companhia. O próprio segmento do Novo Mer-cado da BM&F Bovespa traz regras específi cas de governança, relacionadas à transparência e à fi scalização por parte do conselho de administração.

Note-se que os membros do Conselho de Administração, diferentemente do que ocorre com os diretores, não representam a sociedade perante tercei-ros — não podendo, portanto, assumir direitos e obrigações —, nem exer-cem atribuições de natureza executiva, mas simplesmente estabelecem, em

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ORGANIZAÇÃO JURÍDICA DA GRANDE EMPRESA

FGV DIREITO RIO 85

121. EIZIRIK, Nelson. Deveres dos admi-

nistradores de S.A. Confl ito de inte-

resses. Diretor de S.A. indicado para

conselho de companhia concorrente.

In: Temas de direito societário. Rio de

Janeiro: Renovar, 2005. pp. 69-70.

122. BORBA, José Edwaldo Tavares. Direi-

to societário. Rio de Janeiro: Renovar,

2007. p. 407.

conjunto, a orientação geral dos negócios da companhia, elegendo e des-tituindo os diretores e fi scalizando sua atuação. Carvalhosa assevera que o conselho de administração, sendo órgão da companhia, não possui persona-lidade jurídica, não havendo responsabilidade perante terceiros. Daí que, em relação à atribuição de responsabilidades:

“a) enquanto a responsabilidade dos diretores é individual, os mem-bros do Conselho de Administração, cuja vontade somente pode ser ma-nifestada de forma coletiva, têm uma responsabilidade coletiva e solidária;

b) nas decisões do Conselho de Administração, a responsabilidade será sempre de todos os membros, salvo se os discordantes fi zerem con-signar sua divergência em ata de reunião do órgão;

c) os membros do Conselho de Administração não são responsáveis pelos atos ilegais praticados pelos diretores e que não chegam a seu co-nhecimento, salvo se forem coniventes, se negligenciarem em descobri--los, ou se, deles tendo conhecimento, deixarem de agir para impedir a sua prática (...)”121.

Tem-se, assim, que a deliberação do órgão colegiado vincula todos os seus membros, mesmo aqueles discordantes ou que não compareceram à sessão deliberativa.

Uma das principais vantagens da organização administrativa por meio de um Conselho de Administração é que se permite maiores agilidade e especia-lização na tomada de decisões estratégicas da companhia. Em regra, o contro-lador tem o poder de eleger todos os conselheiros, na medida em que a eleição é realizada através de voto em bloco, isto é, “o grupo que tiver a preferência da maioria da assembleia torna-se vitorioso, daí decorrendo o preenchimento de todos os cargos do conselho pelos integrantes de uma mesma facção”.122

Cumpre observar, no entanto, que a Lei das S.A. outorga aos minoritários a possibilidade de, através de seu voto, estarem representados no órgão. Uma das formas previstas em lei para permitir a representação dos minoritários é por meio do chamado voto múltiplo, o que permite a associação de votos de acordo com o número de ações pertencentes a cada acionista. Em exemplo trazido por Tavares Borba:

“Se o capital se divide em 10.000 ações e são seis os cargos a pre-encher, cada ação dará direito a seis votos, assim distribuídos entre os acionistas:

Acionista A — 5.100 ações = 30.600 votosAcionista B — 2.500 ações = 15.000 votosAcionista C — 2.400 ações = 14.400 votosTotal = 60.000 votos

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ORGANIZAÇÃO JURÍDICA DA GRANDE EMPRESA

FGV DIREITO RIO 86

123. Idem, p. 408.

124. Idem, p. 408.

Ora, como temos um total de 60.000 votos e são seis os cargos a preencher, o acionista que tiver 10.000 votos contará, seguramente, com a eleição de um membro do conselho, desde que concentre to-dos esses votos em um só nome. No exemplo apresentado, “B” e “C” poderiam eleger cada um o seu conselheiro, restando quatro para o controlador”123.

A adoção do processo de voto múltiplo, contudo, depende de requeri-mento formulado até 48 horas antes da assembleia que elegerá os membros do Conselho.

Ainda de acordo com Tavares Borba:

“o voto múltiplo é uma espécie de voto repartido, uma vez que cada ação, por esse processo, passa a dispor de tantos votos quantos sejam os cargos a preencher, correspondendo, porém, cada voto a um só cargo e não a uma chapa (todos os cargos), como no processo normal. Faculta--se, então, ao acionista a prerrogativa de concentrar todos os seus votos em um só candidato ou de dispersá-los entre vários”124.

O voto múltiplo tem, portanto, o mérito de impedir que o controlador eleja a maioria dos membros do Conselho, permitindo aos minoritários sua representação no órgão. A importância desta representação é evidente: se o Conselho de Administração é órgão que estabelece e vela pelos rumos ne-gociais da empresa, o fato de um grupo de minoritários estar representado permite que a ele seja dada a possibilidade de infl uenciar e participar de sua direção, sempre no interesse da companhia.

DIRETORIA: CARACTERÍSTICAS, COMPOSIÇÃO, FUNCIONAMENTO E COMPETÊNCIA

Conforme já aludido, enquanto o Conselho de Administração cumpre uma função de orientação de negócios da empresa, a Diretoria é o seu órgão executivo, cabendo a ela a representação da companhia perante terceiros, na forma estabelecida estatutariamente. Os diretores vivem o dia a dia da com-panhia, pois lhes compete a direção da sociedade, em todos os planos: desen-volvimento dos negócios, comando dos empregados, conquista de mercados, adoção de novas técnicas, programação fi nanceira, concessão de crédito, den-tre outras funções.

A diretoria é composta por dois ou mais diretores, acionistas ou não da companhia, residentes no Brasil, eleitos e destituíveis a qualquer momen-to pela Assembleia Geral ou pelo Conselho de Administração, conforme o

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ORGANIZAÇÃO JURÍDICA DA GRANDE EMPRESA

FGV DIREITO RIO 87

125. Art. 143, § 2º, da Lei das S.A.

126. “Art. 152. A assembleia-geral fi xará

o montante global ou individual da

remuneração dos administradores, in-

clusive benefícios de qualquer natureza

e verbas de representação, tendo em

conta suas responsabilidades, o tempo

dedicado às suas funções, sua compe-

tência e reputação profi ssional e o valor

dos seus serviços no mercado”.

caso. Esta forma de nomeação, todavia, não signifi ca o engessamento das funções atribuídas aos diretores. Estes têm liberdade para agir, executando os direcionamentos negociais traçados pelo Conselho de Administração ou pela Assembleia Geral, sem que para tanto exista uma fi scalização prévia e autorizativa destes atos, desde que em conformidade com o disposto em lei, no estatuto e em eventual acordo de acionistas devidamente arquivado na sede da companhia.

Se assim não fosse, haveria uma verdadeira paralisação da atividade em-presarial, que acabaria por esbarrar em entraves excessivamente burocráticos. Portanto, a diretoria não é órgão coletivo permanente, na medida em que os diretores têm poderes e funções individuais de administração.

Diferentemente do que ocorre com o Conselho de Administração, cuja atuação é colegiada, em regra os Diretores atuam isoladamente, de acordo com suas atribuições e poderes determinados pelo estatuto da companhia, o qual, no entanto, pode prever a necessidade de atuação conjunta dos direto-res para certos atos ou, ainda, que determinadas decisões, de competência da Diretoria, sejam tomadas em reunião125.

Cumpre ressaltar que alguns atos de competência da diretoria poderão exi-gir, por força de disposição estatutária, a prévia aprovação dos diretores, em reunião para a qual o próprio estatuto estabelecerá livremente o quórum de instalação e o quórum de deliberação. Tavares Borba também assinala que os poderes dos diretores são indelegáveis, não cabendo, por conseguinte, trans-feri-los a terceiros. No entanto, a sociedade poderá constituir procuradores, os quais representarão a própria sociedade e não os diretores que fi rmaram o instrumento.

REMUNERAÇÃO DO ADMINISTRADOR

De acordo com o artigo 152 da Lei das S.A., compete à Assembleia Geral a fi xação da remuneração dos administradores, buscando equilíbrio entre o serviço efetivamente prestado e a remuneração ofertada. Cumpre observar que a atual redação de tal dispositivo legal determina a necessidade de se fi xar um valor global ou individual desta remuneração, bem como eventuais benefícios126.

A ideia é equilibrar os interesses individuais dos membros com o interesse geral da sociedade, o que justifi ca a importância da transparência do montan-te destinado à remuneração dos administradores.

Ao estipular o valor a ser pago a título de remuneração dos administrado-res, os acionistas deverão considerar o tipo de serviço a ser prestado pelo indi-víduo em questão, bem como a qualidade do mesmo e o tempo despendido no exercício das suas funções.

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ORGANIZAÇÃO JURÍDICA DA GRANDE EMPRESA

FGV DIREITO RIO 88

C) ESTUDO DE CASO

A Companhia X é controlada por acordo de voto, conforme Acordo de Acionistas celebrado entre os Grupos A, B, C e D. A participação de cada um dos acionistas controladores no capital votante da Companhia X é assim distribuída:

— Grupo A — 28%— Grupo B — 28%— Grupo C — 28%— Grupo D — 12%

A posição acionária do Grupo B está sendo transferida para a Companhia Y. A Companhia Y, contudo, é concorrente da Companhia X. A Companhia Y passará a ser titular de ações representativas de 28% do capital votante da Companhia X, estando obrigada a aderir ao Acordo de Acionistas pré-exis-tente — em virtude de disposição expressa no referido acordo de acionistas — e, por conseguinte, ao grupo de controle.

Passando a pertencer ao grupo de controle em virtude do acordo de voto, a Companhia Y poderá indicar três dos dez membros do Conselho de Ad-ministração da Companhia X. Os três nomes indicados são de membros da Diretoria da Companhia Y.

Pergunta-se:

(i) existem impedimentos que podem ser alegados para a nomeação dos membros do Conselho de Administração da Companhia X pela Companhia Y?

(ii) em caso positivo, estes impedimentos referem-se a que tipo de situ-ação?

D) DECISÃO DA CVM NO PROCESSO ADMINISTRATIVO SANCIONADOR ACERCA DOS DEVERES DOS ADMINISTRADORES

Processo Administrativo Sancionador CVM n.º 24/06Acusado: Ricardo Augusto de Oliveira SacramentoAssunto: Responsabilidade de administrador por descumprimento do de-

ver de diligênciaRelator: Diretor Otavio YazbekData: 18.02.2013Observação: alguns trechos do voto foram suprimidos, tendo em vista de

conferir objetividade ao argumento trazido pela CVM.

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FGV DIREITO RIO 89

Voto1. O que está em discussão, no presente caso, é se algumas falhas encon-

tradas pela comissão de inquérito nos procedimentos de autorização de des-pesas publicitárias da Telemig podem caracterizar o descumprimento, pelo acusado, do seu dever de “empregar, no exercício de suas funções, o cuidado e diligência que todo homem ativo e probo costuma empregar na administração dos seus próprios negócios” (art. 153 da Lei n.º 6.404/1976), mais especifi camente com relação à constituição de controles internos adequados.

2. Considerando este objeto, procurarei demonstrar, antes de mais nada, que o acusado era, na qualidade de diretor superintendente da Telemig, responsável pelas atividades relacionadas ao departamento de marketing da Companhia.

3. E, para chegar a esta conclusão, parece-me necessário referir, ainda que brevemente, o sistema de distribuição de competências criado pela lei acionária e, mais precisamente, as duas estratégias que se adota na defi nição das atribuições e dos poderes dos órgãos sociais. No caso do conselho de administração, a lei claramente defi ne, no art. 1421, as suas competências, deixando espaço para que o estatuto social fi xe novos poderes. O mesmo vale para a assembleia geral, que tem competência para deliberar sobre certas matérias previstas no art. 1222 e em outros dispositivos espalhados pela lei.

4. Mas, se isto se aplica ao conselho de administração e à assembleia, o mesmo não pode ser dito com relação à diretoria. Veja-se que, com relação a este órgão, o ponto de partida da lei é outro: o §1º do art. 1383 e o art. 1444 atribuem aos diretores poderes bastante amplos, limitados apenas pelos poderes dos demais órgãos (inclusive por conta do art. 1395) e — como não podia deixar de ser — pelo objeto social da companhia.

5. Trata-se, portanto, de uma competência extremamente ampla, que, vale lembrar, pode ser reduzida pelo estatuto e por deliberação do conselho de administração — nos termos dos artigos 142, II6, e 143, IV7, da Lei n.º 6.404/1976.

6. Assim é que, na ausência de cláusula estatutária e de deliberação do conselho de administração discriminando aquele amplo poder entre os dire-tores (estatutários) da companhia, cada um desses diretores permanece, em princípio, responsável por toda a atividade executiva e de representação da companhia.

7. E, analisando especifi camente o estatuto da Telemig à época dos fa-tos que serviram de base para a acusação (fl s. 17.351-17.362), assim como as deliberações do conselho de administração (fl s. 17.392-17.396, 17.397-17.400, 17.401-17.402 e 17.405-17.406), salta aos olhos a amplitude dos poderes do diretor presidente e do diretor superintendente (competentes, respectivamente, pela “execução da política, das diretrizes e das atividades re-lacionadas ao objeto social da Companhia, conforme especifi cado pelo Conselho

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FGV DIREITO RIO 90

de Administração” e por “Estabelecer e propor diretrizes e estratégias de negócios para a Companhia, responsabilizando-se pela obtenção dos resultados específi cos da Companhia, conforme especifi cado pelo Conselho de Administração”).

8. Ao lado desses elementos, havia, ainda, o fato de, à época que o acusa-do desempenhava o cargo de diretor superintendente, a organização interna da Telemig estabelecer que a área de marketing — que não contava com um diretor estatutário — estava sob a sua responsabilidade8. De acordo com a acusação, ele era o único diretor estatutário responsável pela área de marke-ting da Companhia e, a meu ver, não parece que haja um único elemento a contradizer essa assunção.

9. Até se poderia questionar se a falta de qualquer dos procedimentos aptos a delimitar, nos termos da lei acionária, a responsabilidade dos direto-res não acarretaria, também, a responsabilidade do diretor presidente sob a área de marketing9, mas, quanto ao acusado, não me parece haver dúvida. A abrangência da redação estatutária, associada à falta de delimitação por parte do conselho e ao organograma da Telemig à época, parece-me mais do que sufi ciente para atestar sua responsabilidade sobre a área de marketing. Aliás, tanto isso parece certo que nem mesmo a defesa chega a sugerir algo diferen-te, tendo, na verdade, reconhecido o fato.

10. O que ocorria era, na verdade, um certo distanciamento do acusado do dia-a-dia do setor, que era conduzido por funcionários a ele subordinados. Esta prática, nos dias de hoje, tende a ser bastante comum, ainda mais nos casos de companhias, como a Telemig, que têm um porte bastante grande e contam com um reduzido número de diretores estatutários.

11. E, se é verdade que se reconhece esta realidade e se aceita uma espécie de transferência dos poderes para a prática de atos executivos, isto não signi-fi ca que os diretores (estatutários) deixem de ser responsáveis. Pelo contrário, continuam a sê-lo, mas, exatamente porque deixam de atuar diretamente, o cuidado e a diligência que envolvem suas atividades passam a exigir que estes diretores fi scalizem/monitorem os seus subordinados. Em outras palavras, quando os atos são praticados diretamente, o art. 153 impõe que as deci-sões correspondentes sejam todas tomadas de forma diligente; ao passo que, quando os atos são praticados por subordinados do diretor, cabe a este fi sca-lizar/monitorar aqueles que, na prática, os realizam, a fi m de que eles atuem com a diligência e a lealdade esperadas.

12. Assim, quando os diretores não tomam diretamente decisões nego-ciais, eles devem se assegurar que a Companhia conta com um sistema de controle que represente aquele que um homem ativo e probo constituiria se estivesse na administração dos seus próprios negócios. Este sistema (que pode adotar uma infi nidade de formas) deve servir para proporcionar razoá-vel segurança de que os atos praticados pelos subordinados serão, ao menos, praticados de forma diligente e com lealdade.

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FGV DIREITO RIO 91

13. Considerando que é precisamente com essa dimensão do dever de di-ligência que estamos lidando no presente caso, parece-me que as preliminares suscitadas pela defesa perdem sua consistência. Com efeito, o que motivou as alegações de inépcia da peça acusatória parece ser a inexistência de elementos nos autos evidenciando (i) a participação direta do acusado nos procedimen-tos — reputados defi cientes — de aprovação de notas fi scais; assim como (ii) de qualquer “sinal de alerta” que devesse provocá-lo a supervisionar mais incisivamente a atuação dos funcionários do setor.

14. Ora, à luz do que já se expôs, tais elementos probatórios, em uma acusação focada na adequação de determinado sistema de controles internos, tornam-se desnecessários. Ao revés, em situações como a presente, faz-se ne-cessário demonstrar, num primeiro momento, a competência do diretor so-bre determinado setor para, na sequência, abordar os elementos que apontam para a adequação ou a inadequação dos controles internos implementados na companhia. E, pelo menos em tese, ambas estas etapas foram cumpridas pela acusação.

15. Destaco, ademais, que as ponderações mais diretamente relacionadas à nota fi scal n.º 30.877, são igualmente descabidas. Ao afi rmar que seria incongruente condenar o acusado por algo que se verifi cou quando ele não mais era responsável pela área de marketing, a defesa ignora, de forma ainda despropositada, que o objeto do presente processo é o descumprimento do dever de diligência no que envolve a não constituição de controles internos adequados e que o possível problema no sistema de controles internos não surgiu depois da renúncia do acusado. Pelo contrário, a proximidade no tem-po (menos de quinze dias)11 seria mais do que sufi ciente para comprovar que, se o problema existia, deveria ter sido por conta da falta de diligência do acu-sado durante o tempo em que ele foi diretor superintendente que permitiu essa falha se verifi car.

16. Já no que toca o mérito da acusação, um dos pilares da defesa é o de que a atuação do acusado à frente da supervisão do setor de marketing, se analisada pelo prisma da business-judgment rule, não destoaria do padrão de diligência exigido dos administradores de companhias abertas, posto que sempre se deu de maneira informada, refl etida e desinteressada.

17. Embora compreenda a busca do acusado pela proteção oferecida pela referida regra, penso que ela desconsidera não só características importantes do processo de evolução ou, melhor dizendo, de construção do dever de di-ligência no sistema norte-americano (onde surgiu a business-judgment rule), como também ignora certas particularidades do regime da responsabilidade dos administradores de companhias no Brasil.

18. Como já tive oportunidade de afi rmar no voto que proferi no Proces-so Administrativo Sancionador CVM n.º 19/05 (julgado em 15.12.2009), consolidou-se nos Estados Unidos o entendimento de que o conteúdo do

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FGV DIREITO RIO 92

dever de diligência possui duas naturezas distintas: uma de cunho negocial, sujeita ao teste da business-judgment rule; e outra de natureza fi scalizatória, su-jeita a uma análise de razoabilidade e de adequação. Isto signifi ca que, mesmo no sistema norte-americano, e por diversas razões12, o cumprimento do dever de constituir controles internos adequados e efi cientes não se confunde com a tomada de decisões protegidas pela business-judgment rule.

19. O mesmo ocorre no direito brasileiro. Veja-se que, conforme a sua formulação mais comum, e a despeito de possíveis críticas sobre a sua “tro-picalização”13, a business-judgment rule blinda as decisões negociais tomadas de maneira informada, desinteressada e refl etida. No entanto, os autores na-cionais que se debruçaram sobre o conteúdo do dever de diligência vislum-braram, no conceito aberto do art. 153, a presença de uma série de outros comportamentos, dentre os quais destaco, para os fi ns do presente processo, o dever de vigilância e o dever de investigar14.

20. Assim, fi ca clara a impropriedade da tentativa de equiparação, sem maiores cuidados, do padrão de comportamento da business-judgment rule ao presente caso. Se não por outro motivo porque, ao proceder dessa maneira, ignora-se que o dever de diligência não se resume ao dever de tomar decisões negociais diligentes, envolvendo, também, toda uma dimensão voltada à su-pervisão das atividades da companhia, à qual não se aplicam os mesmos pa-râmetros (i.e., se se trata de decisões tomadas de maneira informada, refl etida e desinteressada).

21. Essa interpretação, é bom salientar, em nada inova ou contraria os precedentes da CVM. Não se está negando a aplicabilidade, ao direito brasi-leiro, da racionalidade subjacente à business-judgment rule, presente tanto na doutrina quanto nas decisões norte-americanas e mesmo naquelas tomadas por esta autarquia. O exercício feito acima pretende, apenas, distinguir com maior clareza as hipóteses em que se deve aplicar esta racionalidade (ainda que com alguns temperamentos) de outras cujo reexame reclama pondera-ções de ordem distinta15.

22. E o presente caso é uma delas. Aqui estamos tratando com algo dife-rente de uma decisão negocial — decisões sobre controles internos são deci-sões organizacionais de outra ordem.

23. Em casos como esse, mais do que uma ênfase no procedimento, a apuração da conduta dos administradores, ao que me parece, deve passar pela análise concreta da forma pela qual se “procedimentalizaram” as atividades dentro da sociedade. Há que se avaliar se os procedimentos criam uma razo-ável segurança para as atividades da companhia e, para que isto aconteça, é necessário verifi car se a “procedimentalização” dos controles internos é razoá-vel e adequada16. No presente voto, e dado o enfoque proposto pela acusação, me concentrarei na verifi cação de falhas sistemáticas ou totais.

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24. Um exemplo de falha total foi objeto do Processo Administrativo Sancionador CVM n.º 18/2008 (julgado em 15.12.2010), no qual se cons-tatou que as pessoas responsáveis pelos controles do setor fi nanceiro eram subordinadas ao mesmo diretor que era responsável pela realização das opera-ções, não havendo, ademais, qualquer canal de comunicação alternativo en-tre esses profi ssionais e o comitê fi nanceiro ou, ainda, entre esses profi ssionais e o conselho de administração17. Desse quadro, inferiu-se a responsabilidade dos membros do conselho de administração, que faltaram com o seu dever de fi scalizar as atividades dos diretores, nos termos do art. 142, III, da Lei n.º 6.404/197618.

25. Mas, se este sistema existia, será que se pode afastar, de pronto, a hi-pótese de falha sistemática ou total dos controles do sistema de marketing da Telemig?

26. A resposta me parece ser negativa, pois uma análise como esta envol-ve, também, a avaliação da eventual impropriedade ou inadequação do sis-tema ou, mais especifi camente, da sua capacidade ou incapacidade de servir como efetivo indutor para que a contratação dos serviços de marketing fosse realizada de forma diligente e leal pelos integrantes do setor de marketing.

27. A este respeito, o primeiro ponto para o qual gostaria de chamar aten-ção é o do procedimento relacionado à aprovação da nota fi scal n.º 30.877. Veja-se que, segundo a Telemig (fl s. 11.147-11.148), esta nota foi aprovada “sob a forma de adiantamento” e sem seguir o escalonamento porque “havia urgência na divulgação das informações”, já que, se assim não se procedesse, haveria o risco de a Telemig vir a responder na esfera administrativa e civil pela não divulgação exigida pela Anatel.

28. Vale lembrar que esse foi o principal argumento utilizado pelos acu-sados no Processo Administrativo Sancionador n.º 19/05 (que abordou a responsabilidade dos diretores da Brasil Telecom S.A. pela aprovação de notas fi scais emitidas pelas Agências) e, da mesma forma como, naquela oportu-nidade, o então diretor Eliseu Martins desconstruiu a urgência, parece-me que, no caso da nota n.º 30.877, quando ela foi enviada para pagamento, a veiculação já havia sido feita pelas rádios. Assim, se a veiculação já havia sido realizada (inclusive porque, pelas regras da Anatel, ela deveria acontecer até o fi nal de julho), a urgência no pagamento (que se deu em agosto), se existia, defi nitivamente não estava associada à possibilidade de a Telemig ser respon-sabilizada administrativa e civilmente pela não divulgação.

29. De toda forma, mesmo que aceitássemos o argumento da urgência na aprovação, nada afasta a conclusão de que o procedimento para aprovação não foi respeitado: ignorou-se não só a necessidade de um analista verifi car a regularidade da nota e o cumprimento dos serviços, como também o sistema escalonado de alçadas.

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FGV DIREITO RIO 94

30. A mesma conclusão vale para o outro argumento, baseado na con-fi ança e nos custos, utilizado para justifi car a fl exibilização do procedimento de aprovação das notas fi scais ora investigadas. Veja-se que o procedimento descrito pela Companhia era rígido, sem nenhuma relativização para as notas emitidas pelas agências com quem a Companhia mantinha uma relação de confi ança, ou ainda para aprovações urgentes.

31. E, se já me parece bastante arriscado permitir que os casos excep-cionais sejam tratados quando da sua ocorrência (pois, nesses momentos, é muito provável que não se cogite das possíveis repercussões negativas), ainda mais problemático é que, analisando-se exclusivamente o episódio do paga-mento da nota fi scal n.º 30.877, parece ser plausível a conclusão de que não havia qualquer controle com relação ao descumprimento do procedimento estabelecido pela própria Companhia.

32. Se esta conclusão fosse mesmo inevitável (ou mesmo altamente pro-vável), entendo que estaríamos diante de um segundo exemplo de falha total dos controles internos, a se somar àquela que se constatou no já referido Processo Administrativo Sancionador CVM n.º 18/2008 e a caracterizar a responsabilidade administrativa do acusado. Explico.

33. Constituir controles internos adequados não é, em hipótese alguma, estabelecer um procedimento cujo respeito dependa exclusivamente da dili-gência e da lealdade das pessoas envolvidas. Por essa razão, não são adequados modelos de controles construídos essencialmente sobre a confi ança deposita-da nos funcionários da companhia, sem qualquer tipo de “controle sobre os controles”.

34. É necessário que haja algo a mais; é necessário que os processos/siste-mas criem certa impessoalidade na condução dos negócios e que, de alguma forma, eles reforcem a tendência à sua observância. Afi nal, se não fosse assim, tais processos/sistemas não trariam real contrapartida aos custos que repre-sentariam às companhias, pois não chegariam nem perto de evitar, até onde é possível, que a imagem e o patrimônio das companhias em questão fi cassem vulneráveis a falhas de alguns indivíduos envolvidos na sua gestão.

35. Assim, se estivéssemos diante de uma prova ou de indícios a indicar, de maneira sufi cientemente robusta, que os processos/sistemas estabelecidos para o departamento de marketing da Telemig à época dos fatos apurados dependiam exclusivamente da diligência e da lealdade das pessoas envolvidas, o acusado não só poderia, como deveria ser condenado por não “empregar, no exercício de suas funções, o cuidado e diligência que todo homem ativo e probo costuma empregar na administração dos seus próprios negócios” (art. 153 da Lei n.º 6.404/1976).

36. Por esses motivos, entendo que imputar responsabilidade ao acusado, neste caso, seria temerário. Os elementos constantes dos autos não me pare-cem sufi cientes para indicar que o acusado descumpriu com o seu dever de

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FGV DIREITO RIO 95

127. Disponível em http://www.nytimes.

com/2006/09/26/business/26tissue.

html. Acesso em: out. 2006.

diligência no que concerne a constituição de controles internos adequados no departamento de marketing da Telemig.

[Alguns trechos do voto foram suprimidos tendo em vista a eventuais di-gressões]

37. Assim, e independentemente dos motivos que levaram a essa diferen-ça24, o fato é que uma tal incongruência parece-me mais do que sufi ciente para despertar a atenção de um administrador diligente que, a partir de uma constatação como esta, certamente suspeitaria que as análises realizadas pelos auditores não se aplicariam, em larga medida, aos procedimentos adotados pelo departamento de marketing da Telemig. E essa dúvida, a meu ver, é sufi ciente para afastar a utilidade dos relatórios preparados pelos auditores independentes para fi ns de avaliação do cumprimento do dever de diligência do acusado.

38. De qualquer maneira, proponho, por todo o exposto, a absolvição do acusado.

E) TEXTOS DE APOIO

Ex-Paper Chief Gets 15-Year Term in FraudTh e former chief executive of American Tissue, Mehdi Gabayzadeh, was

sentenced yesterday to 15 years in prison for organizing a fraud that cost banks and investors almost $300 million when the paper manufacturer collapsed.

Judge Joanna Seybert of Federal District Court in Central Islip, N.Y., who sentenced Mr. Gabayzadeh, also ordered him to pay $65 million. Mr. Ga-bayzadeh was convicted of eight criminal charges, including conspiracy and wire fraud, after a 10-week trial last year.

Th is case involved a massive corporate fraud and breach of trust that led to the bankruptcy of a major corporation, hundreds of millions of dollars in losses to lenders and investors and the elimination of jobs for thousands of former employees,’ Roslynn R. Mauskopf, a United States attorney in Brooklyn, said in a statement.

Prosecutors said Mr. Gabayzadeh, 61, infl ated American Tissue’s accounts receivable and net income in an eff ort to defraud both a group of banks that loaned the company $145 million and the purchasers of $165 million in bonds from American Tissue, based in Hauppauge, N.Y”127.

(Bloomberg News, 26.09.2006)

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FGV DIREITO RIO 96

E) JURISPRUDÊNCIA

“SOCIEDADE ANÔNIMA — Contas do exercício fi ndo de parte dos administradores e apresentação dos demonstrativos fi nanceiros — Questão sobre indispensabilidade, ou não, de parecer do conselho de administração antes da assembleia geral ordinária se pronunciar a respeito — Distinção de entendimento quando se trata de sociedade fechada ou de companhia aberta — Artigos 122, 132, 142, 138, parágrafo 2º, e 139, da Lei n. 6.404, de 15 de dezembro de 1.976 — Ação proposta por sociedade fechada para impedir realização de assembleia geral ordinária com ordem do dia com previsão para discussão e aprovação de contas, quando o conselho de administração não havia se manifestado previamente — Concessão de medida de antecipação de tutela, todavia, o que levou a empresa a convocar o conselho de adminis-tração e a designar nova data para a assembleia geral ordinária, que examinou e decidiu sobre as contas do exercício anterior — Fato novo que implicava no reconhecimento de falta de interesse dos autores para a causa — Honorários advocatícios e custas a serem pagos, porém, pelos autores, que perderiam a ação (C.P.C., artigo 20) — Provimento ao recurso dos autores, em parte, somente para afastar do julgamento o reconhecimento de terem agido com má-fé, pelo que aplicada na sentença multa e operada condenação no paga-mento de indenização” (TJSP, 4ª CDPri, AC 326.434-4/2-00, Rel. Des. J. G. Jacobina Rabello, j. 01.04.2004).

“EMPRESARIAL E PROCESSUAL CIVIL. AÇÃO ORDINÁRIA. LEI DAS SOCIEDADES ANÔNIMAS. Pleito deduzido por empresa acionista minoritária de outra. Em litisconsórcio com dois membros do conselho fi scal desta última, para que lhes seja permitido participar das reuniões do conse-lho de administração sempre que entenderem necessário e receberem toda e qualquer informação que solicitarem. Tutela antecipatória deferida e cas-sada em agravo de instrumento. Sentença de ilegitimidade ativa da 1.º ape-lante e de improcedência em relação aos demais. Participação dos membros do conselho fi scal nas reuniões do conselho de administração caracterizada como poder-dever limitado às situações previstas no art. 163, § 3.º, da Lei 6.404/76. Inexistência do pretendido caráter absoluto do direito à presença nas reuniões ou do pedido de qualquer informação, sob pena de instalar--se confl ito entre os órgãos societários. Manifestação de perda do interesse processual dos 2.º e 3.º apelantes, em decorrência de não fazerem mais parte do conselho fi scal da ré. Preclusão lógica em relação ao seu apelo. Ilegitimi-dade ativa da apelante que se confi rma, não possuindo a mesma legitimação ordinária ou extraordinária para litigar pelo suposto direito dos conselheiros fi scais. Litígio que se mostra decorrente da falta de representatividade da 1.º apelante no conselho de administração da apelada aplicação dos princípios

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FGV DIREITO RIO 97

da instrumentalidade do processo e das formas. Improvimento do apelo” (TJRJ, 3a CC, AC 2003.001.17119, Rel. Des. Luiz Fernando de Carvalho, j. 02.03.2004).

“Sociedade anônima — Destituição de diretor-presidente em reunião do conselho de administração da companhia — Ação movida buscando sustar a efi cácia dessa medida. Ausência de prova inequívoca da verossimilhança da ilicitude alegada, com referência ao conteúdo da deliberação — Matéria de-pendente de instrução probatória aprofundada — Irrelevância do fato de não constar esse tema da ordem do dia — Reunião do conselho administrativo e não de assembleia geral — Diretor destituível a qualquer tempo, nos termos do artigo 143, da Lei 6.404/76 — Observância, no essencial, da simetria e equilíbrio, no conselho, entre os grupos integrantes da companhia, com a imediata eleição de outro diretor presidente, indicado, porém, também, pela acionista majoritária. Representação — Diretores faltantes cujas procurações e delegações de voto foram rejeitadas, sucessivamente — Semelhança desses institutos, dotados da mesma fi nalidade — Inadmissibilidade da outorga de poderes genéricos — Necessidade de que específi cos e direcionados a deter-minados atos — Artigo 144, parágrafo único, da Lei 6.404/76 — Falta de autenticidade das assinaturas de um mandante e delegante, a invalidar os instrumentos — Artigo 1.289, § 3º, do Código Civil — Redação complexa de cláusula contratual (4.2), sobre a necessidade, ou não, de prévia notifi ca-ção, quando representados os conselheiros através de procuração, a obstar, também, nesse ângulo, o preenchimento do requisito da ‘prova inequívoca’. Recurso improvido” (TJSP, 5ª CDPri, AI 245.186-4/0, Rel. Des. Marcus Andrade, j. 27.06.2002).

“MEDIDA CAUTELAR — EXIBIÇÃO DE LIVROS E DOCUMEN-TOS — SOCIEDADE ANÔNIMA — POSTULAÇÃO FORMULADA POR MEMBRO DO CONSELHO DE ADMINISTRAÇÃO — LIMI-NAR DEFERIDA — FUMUS BONI IURIS E PERICULUM IN MORA CARACTERIZADOS — RECURSO DESPROVIDO. Persegue o reque-rente a tutela de outra. Em litisconsórcio com dois membros do conselho fi scal desta última, para que lhes seja permitido participar das reuniões do conselho de, na qualidade de integrante de órgão da administração (Conse-lho) hierarquicamente superior ao órgão executivo (diretoria), examinar atos, documentos e registros contábeis da sociedade. Esse direito, como claramen-te se pode verifi car, não está no art. 105, da Lei nº 6.404/76, e, sim, no art. 142, da mesma lei, como decorrência dos poderes atribuídos ao órgão de administração ao qual integra, independentemente da existência ou de fun-dada suspeita de graves irregularidades praticadas pela diretoria, pressuposto absolutamente inexigível para o órgão superior da administração societária,

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FGV DIREITO RIO 98

cujo poder fi scalizatório é permanente. Na medida em que o exercício desse direito é cerceado pelo próprio órgão ao qual pertence o agravado ou pelo órgão executivo, há sempre um prejuízo irreparável, porquanto prejudica a regularidade do próprio exercício da função, que, eletivo, tem prazo certo de duração. Assim, não é porque tivesse o agravado esperado mais de sete meses após ter recebido a resposta negativa da diretoria em lhe prestar esclareci-mentos que tenha desaparecido o perigo de dano, ou este não tenha existido” (TJSP, 9ª CDPri, AI 236.907-4/0, Rel. Des. Ruiter Oliva, j. 30.04.2002, ROTJESP 258/314).

“SOCIEDADE ANÔNIMA. CONSELHO DE ADMINISTRAÇÃO. NULIDADE PARCIAL DE ASSEMBLEIA GERAL EXTRAORDINÁ-RIA. MEDIDA CAUTELAR. MEDIDA LIMINAR CONCEDIDA. ART. 804. C.P.C. DESCUMPRIMENTO. AGRAVO PROVIDO. Sociedade anônima. Conselho de administração. Assembleia geral extraordinária con-vocada para deliberar sobre a destituição de dois conselheiros e eventual elei-ção de outros dois em lugar dos destituídos. Voto múltiplo. Possibilidade. Conseqüente destituição dos demais conselheiros e eleição dos novos. Presi-dência do conselho de administração. Eleição pelos seus próprios membros, se o contrário não dispuser o estatuto social da companhia. Destituição do presidente do conselho de administração, sob a justifi cativa de deliberação da assembleia geral de ajuizar ação de responsabilidade contra ele. Matéria que não estava incluída na ordem do dia do edital de convocação, impossibilitan-do defesa. Razões invocadas que não guardam pertinência com as contempla-das na Lei das Sociedades Anônimas. Liminar concedida em medida cautelar afrontando o disposto no art. 804 do C.P.C. e confi rmando o afastamento do presidente do conselho de administração. Agravo provido” (TJRJ, 17a CC, AI 2001.002.08605, Rel. Des. Fabrício Bandeira Filho, j. 05.09.2001, v.u.).

“APELAÇÃO — Sentença de improcedência em ação movida por acio-nistas visando anular deliberação tomada pelo conselho de administração. Conselheira que, por não ser acionista, não poderia ser eleita conselheira — Vício sanado por deliberação da assembleia geral — Argüição de nulidade consubstanciada na ocorrência de abuso no direito de votar — Inadmissi-bilidade — Matéria que só poderia ser suscitada pela sociedade anônima — Recurso improvido” (TJSP, 10ª CDPri, AC 102.974-4/2-00, Rel. Des. Ruy Camilo, j. 08.08.2000).

“REPRESENTAÇÃO COMERCIAL. CONTRATO. SOCIEDADE ANÔNIMA. INTERESSE DE DIRETOR.

— Incide a regra do art. 156, parágrafo 1, da Lei 6.404/76 (S/A). Sobre o contrato celebrado com representante comercial, no interesse de um de seus

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ORGANIZAÇÃO JURÍDICA DA GRANDE EMPRESA

FGV DIREITO RIO 99

diretores, contendo cláusulas inusuais e lesivas aos interesses da representada, entre elas a da determinação de prazo longo de dez anos e previsão de indeni-zação correspondente ao total das comissões devidas pelo tempo restante, em caso de rescisão do contrato.

— Extinção do contrato e redução da indenização.— Restabelecimento da sentença que julgara procedente em parte a ação

e a reconvenção, e dera pela precedência da cautelar.— Recurso conhecido em parte e em parte provido” (STJ, 4ª Turma,

REsp 156076/PR, Rel. Min. Ruy Rosado de Aguiar, j. 05.05.1998, v.u., DJ 29.06.1998, p. 201).

“No silêncio dos estatutos compete a qualquer diretor o desempenho dos atos atinentes ao funcionamento da sociedade. Ainda que nem todos os ad-ministradores da sociedade hajam diretamente concorrido para prática de ato irregular ou ilícito, serão eles civil e solidariamente responsáveis sempre que por omissão de seus deveres não o tenham evitado. Recurso extraordinário inadmitido. Agravo improvido” (STF, 2ª Turma, AI 30934/SP, Rel. Min. Ribeiro da Costa, j. 05.11.1963, v.u., DJ 04.12.1963).

“Os atos dos diretores de sociedade anônima fora de seus poderes, não são nulos, mas considerados inexistentes. Mas, se confi rmados, o negócio se torna efi caz” (STF, 1ª Turma, RE 30632/RJ, Rel. Min. Candido Motta, j. 25.04.1957, v.u., DJ 16.05.1957).

F) QUESTÕES DE CONCURSO

(Prova 29º Exame de Ordem OAB-RJ)3 — Em que situação o acionista pode utilizar o voto múltiplo e como

este se processa? Fundamente com o dispositivo legal aplicável.

(Prova 27º Exame de Ordem OAB-RJ)43 — O Conselho de Administração, como órgão das Sociedades Anôni-

mas, é obrigatório:a. Nas companhias abertas, nas sociedades de capital autorizado e nas so-

ciedades empresáriasb. Nos grupos de sociedades, nas companhias fechadas e nas sociedades de

capital autorizadoc. Nas sociedades de economia mista, nos grupos de sociedades e nas com-

panhias abertasd. Nas sociedades de capital autorizado, nas companhias abertas e nas

sociedades de economia mista

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FGV DIREITO RIO 100

(Prova 26º Exame de Ordem OAB-RJ)1 — Tiago Gomes, diretor da Companhia Paulista de Tecidos, procura

seu advogado, indagando o seguinte: “É possível ajuizar ação de responsabi-lidade civil contra os administradores da companhia, apesar de a assembleia geral ter aprovado, sem reservas, as demonstrações fi nanceiras e as contas dos administradores?” Dê seu parecer a respeito, indicando os dispositivos legais aplicáveis.

(Prova: 24º Exame de Ordem OAB-RJ)2 — Asclepíades, Hermínia e Cibele são diretores e únicos acionistas da

CIA. De Transportes Modernos, que não possui ações admitidas à negocia-ção no mercado de valores mobiliários. Pergunta-se: Poderão os citados ad-ministradores votar, como acionistas, o relatório da administração sobre os negócios sociais e os principais fatos administrativos do exercício fi ndo na Assembleia Geral Ordinária? Responda, justifi cando o seu entendimento e indicando o dispositivo legal adequado.

(Prova 24º Exame de Ordem OAB-RJ)3 — O estatuto da Cia. de Frutas Amargas criou o Conselho Executivo,

delegando a esse Órgão atribuições legais de seu Conselho de Administração. Frente a lei, é válida, ou não, essa disposição estatutária? Responda, mencio-nando o dispositivo legal pertinente.

(Prova 21º Exame de Ordem OAB-RJ)1 — Na Companhia Altavista — Construtora e Incorporadora, reuniu-se

a Assembleia Geral Extraordinária às 14h do dia 22 de janeiro de 2003, ten-do sido convocada para deliberar sobre a seguinte. Ordem do Dia: “Exame, discussão e deliberação acerca da Denúncia do Conselho Fiscal n° 02/2002, versando sobre atos e fatos recentes”. Instalada a Assembleia nos termos da lei, os acionistas, após examinarem os termos da Denúncia do Conselho Fiscal n° 02/2002 e outros documentos, por maioria deliberaram destituir imediatamente dois Membros do Conselho de Administração. Encerrada a Assembleia, o Diretor-Presidente da Companhia na mesma tarde lhe telefona e pede seu parecer jurídico sobre quais providências devem ser em seguida adotadas, inclusive perguntando-lhe se é de fato necessário ou urgente preen-cher essas duas vagas surgidas no Conselho de Administração.

Responda à consulta por meio de uma carta-parecer, sabendo-se que: (a) os Membros destituídos haviam sido eleitos pelo sistema de voto múltiplo; (b) os fatos pelos quais foram destituídos causaram alto prejuízo à empresa e envolviam ilícito penal; (c) o Conselho de Administração é estatutariamente composto de onze membros; (d) a companhia é aberta.

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FGV DIREITO RIO 101

(Prova 19º Exame de Ordem OAB-RJ)24 — Assinale a alternativa CORRETA sobre a sociedade por ações:a. A Assembleia Geral dos Acionistas e a Diretoria são órgãos dispensá-

veis, se o acionista controlador tiver todas as atividades da sociedade sob seu controle;

b. Inexiste qualquer solidariedade entre o subscritor que houver contri-buído para a formação do Capital Social com bens ou direitos, e os peritos avaliadores que houverem feito a respectiva avaliação;

c. O Conselho de Administração é órgão obrigatório, ainda que a socieda-de seja fechada e independa de autorização para funcionar;

d. Algumas das publicações determinadas pela lei de regência devem ser promovidas com antecedência em relação a certos eventos societários, e ou-tras devem ser promovidas subseqüentemente aos eventos.

(Prova 18º Exame de Ordem OAB-RJ)1 — Na Companhia de Navegação Fluvial da Amazônia, empresa privada,

o Diretor Financeiro Josemar Almeida, em colusão com o Diretor-Presidente Pedro Paulo Lopes Mancuso, adquiriu, agindo como representante legal da empresa e sob a justifi cativa de que esta necessitava ampliar suas instalações construindo estaleiros de reparo, cinco terrenos em região pantanosa com-ponente de área de preservação ambiental. A aquisição foi feita pelo preço certo e irreajustável de R$ 1.200.000,00, pago à vista. Um grupo de sócios da empresa, após desenvolver sindicâncias privadas, verifi cou que os terrenos pertenciam à mãe de Josemar, e que haviam sido adquiridos por preço equi-valente ao décuplo da avaliação feita por empresa especializada, avaliação essa que datava de antes da publicação do Decreto que havia transformado a área em zona de preservação ambienta!. Notifi cados por esse grupo de sócios para prestar contas de seus atos, já que o orçamento de capital não contemplava in-vestimento congênere no exercício social em curso, ambos os administradores ignoraram o questionamento. Nem sequer se justifi caram, porque entendiam que apenas necessitavam prestar contas à assembleia geral que os havia eleito. O grupo de sócios, à vista da omissão dos administradores em responder, hou-ve por bem questioná-los sobre esse mesmo tema, durante a assembleia geral extraordinária convocada para o mês seguinte, e de cuja ordem do dia apenas constava a apreciação da renúncia do Diretor de Controle, Edmar Florestan de Albuquerque. Durante a assembleia, esse mesmo grupo de sócios, que de-tém no Capital Social um percentual equivalente a 9%, expondo aos demais sócios a conduta dos dois administradores e insatisfeito com as frágeis expli-cações dadas, propôs a respectiva destituição, que contou com a concordância da maioria dos presentes, tendo então sido eleitos três novos administradores para a empresa, e autorizadas as medidas judiciais necessárias ao ressarcimento

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FGV DIREITO RIO 102

à empresa, dos valores indevidamente utilizados pelos Diretores destituídos. Você foi procurado em seu escritório de advocacia pelo novo Diretor Presi-dente, no dia 10 de julho de 2002, exatamente dois meses após a deliberação assemblear, e foi contratado para adotar as medidas cabíveis. Elabore a petição inicial da ação, embasando-a na legislação societária em vigor e datando-a; não se esqueça dos demais aspectos técnicos atinentes ao contencioso judicial.

(Prova 18º Exame de Ordem OAB-RJ)26 — Assinale a afi rmativa FALSA sobre os administradores das socieda-

des por ações abertas:a. Eles têm que cuidar unicamente do intuito da sociedade, para que esta

distribua sempre bons dividendos aos seus acionistas;b. Eles têm os deveres de atuar com diligência e lealdade, e de prestar in-

formações ao mercado em geral;c. Eles não devem agir como empregados, mas sim como representantes

legais das empresas;d. Eles devem ser atentos e cuidadosos, pois pode ocorrer que, em deter-

minados momentos, eles tenham interesses pessoais confl itantes com os da própria sociedade.

(Prova 15º Exame de Ordem OAB-RJ)2 — Sandra Célia Gentil irritou-se por razões pessoais com uma prima Ana

Regina Teixeira, diretora-presidente da Petropolitana — Importações e Exporta-ções S.A, quando ambas, acionistas da empresa, estavam presentes à Assembleia Geral Ordinária dos Acionistas, Sandra Célia procurou então seu advogado, a quem expressou sua intenção de, na qualidade de acionista controladora, propor aos demais sócios a destituição de Ana Regina do cargo que ocupa na adminis-tração, e a expulsão da mesma da sociedade, pois, segundo disse, “ela passara a ser sua inimiga”. Como seu advogado, responda fundamentadamente à dupla consulta: opine quanto à possibilidade de destituição e quanto à de expulsão.

(Prova 11º Exame de Ordem OAB-RJ)5 — Daniel Gomes, acionista e Presidente do Conselho de Administração

da construtora Internacional de Engenharia S/A quer adotar o sistema do voto múltiplo na eleição dos membros deste órgão societário. Assim, indaga sobre o funcionamento desse sistema de votação, perguntando, ainda, sobre a distinção entre voto múltiplo e voto plural.

(Prova 10º Exame de Ordem OAB-RJ)5 — José Alexandre, presidente da Companhia Industrial Fluminense,

pretende saber se, como acionista, pode votar na Assembleia Geral que exa-minará as suas contas como administrador.

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ORGANIZAÇÃO JURÍDICA DA GRANDE EMPRESA

FGV DIREITO RIO 103

G) GLOSSÁRIO

Concussão: Art. 316, Código Penal — Exigir, para si ou para outrem, direta ou indiretamente, ainda que fora da função ou antes de assumi-la, mas em razão dela, vantagem indevida.

Conselho Fiscal: Órgão que fi scaliza a situação fi nanceira da empresa.Peculato: Art. 312, Código Penal — Apropriar-se o funcionário público

de dinheiro, valor ou qualquer outro bem móvel, público ou particular, de que tem a posse em razão do cargo, ou desviá-lo, em proveito próprio ou alheio.

Prevaricação: Art. 319, Código Penal — Retardar ou deixar de praticar, indevidamente, ato de ofício, ou praticá-lo contra disposição expressa de lei, para satisfazer interesse ou sentimento pessoal.

Responsabilidade civil subjetiva: obrigação de indenizar danos gerados por conta de conduta negligente, imprudente ou imperita de uma pessoa.

Subsidiária integral: Sociedade anônima cujo capital pertence integral-mente a outra sociedade brasileira, nos termos do artigo 251 da Lei das S.A.

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ORGANIZAÇÃO JURÍDICA DA GRANDE EMPRESA

FGV DIREITO RIO 104

128. Assim observam João Laudo de Ca-

margo e Maria Isabel do Prado Bocater:

“[A governança corporativa] desperta

interesse, portanto, não apenas dentre

os estudiosos do Direito, mas também

entre os que se dedicam a outros cam-

pos, como Economia, Administração e

Finanças” (Conselho de administração:

seu funcionamento e participação de

membros indicados por acionistas mi-

noritários e preferencialistas. In: LOBO,

Jorge (Coord.). Reforma da Lei das

Sociedades Anônimas. Rio de Janeiro:

Forense, 2002; p. 387). Reconhecendo a

interdisciplinaridade da matéria, a dou-

trina ibérica aponta que “não se trata

[...] de um tema estritamente jurídico”

(SAN PEDRO, Luis Antonio Velasco. O

governo das sociedades cotadas (cor-

porate governance) em Espanha: o “Re-

latório Olivencia”. Boletim da Faculdade

de Direito da Universidade de Coimbra, v.

75, p. 279-314, Coimbra, 1999, p. 279).

129. À guisa de exemplo, podemos lem-

brar, no Brasil, a Lei nº 10.303/01, que

reformou a Lei das Sociedades Anôni-

mas, e, no direito norte-americano, o

Sarbanes-Oxley Act. Ainda, no direito

italiano, data de fevereiro de 1998 o

Decreto Legislativo nº 58/98, que in-

crementou a proteção dos acionistas

minoritários (BIANCHI, Marcelo; ENRI-

QUES, Luca. Corporate Governance in

Italy after the 1998 Reform: What role

for institutional investors?. Quaderni di

Finanza, nº 43, Consob — Comissione

Nazionale per le Societá e la Borsa,

Janeiro 2001. Disponível em: http://

www.consob.it/index.htm. Acesso

em: jul. 2002. p. 7). Vale lembrar que a

auto-regulação costuma ser a caracte-

rística primordial da governança corpo-

rativa (nesse sentido, seja consentido

remeter, por todos, a SAN PEDRO, Luis

Antonio Velasco. Op. cit., p. 288). Em re-

lação à utilização de mecanismos legais

para implemento de boas práticas de

governança, cumpre observar que “as

reformas legislativas para aumentar

os direitos dos minoritários geralmente

encontram sérios obstáculos políticos.

Reformas brancas, via mecanismos de

adesão voluntária por meio de con-

tratos privados aparecem como uma

alternativa mais factível” (CARVALHO,

Antonio Gledson de. Efeitos da migra-

ção para os níveis de governança da

Bovespa. Disponível em: www.econ.

fea.usp.br/gledson/artigo.htm. Acesso

em: maio 2003).

130. Nesse sentido, aponta-se a opinião

de Cláudio Oksenberg: “A recente dis-

cussão em torno das boas práticas de

governança corporativa nas sociedades

anônimas, embora pareça um tema

novo e inédito no Direito, não é nada

mais que uma roupagem diferente

dada a velhas discussões jurídicas em

torno do poder de controle e da admi-

nistração nas sociedades anônimas.

Contudo, devido a diversos fatores sur-

AULAS 12 E 13: GOVERNANÇA CORPORATIVA

A) LEITURA BÁSICA

LOBO, Jorge (Coord.) Reforma da Lei das Sociedades Anônimas. Rio de Janei-ro: Forense, 2002. pp. 423-452.

BORBA, José Edwaldo Tavares. Direito Societário. Rio de Janeiro: Renovar, 2008.

WALD, Arnoldo. Revista de Direito Bancário e Mercado de Capitais. Editora RT.

GARCIA, Felix Arthur. Governança Corporativa. Monografi a apresentada no Instituto de Economia da Universidade Federal do Rio de Janeiro, em 2005.

B) ROTEIRO DE AULA

CONSELHO DE ADMINISTRAÇÃO: NOÇÕES INTRODUTÓRIAS E ORIGEM

Nos últimos anos, o tema da governança corporativa invadiu o universo jurídico e econômico128, ensejando discussões abrangentes, objeto de uma multidisciplinariedade de temas, como fi nanças, economia, ao mesmo tempo que em propiciou o desenvolvimento da atividades acadêmicas e relevantes reformas legislativas129.

Desse modo, o estudo da governança corporativa vai tratar do conjunto de instrumentos de natureza pública e privada, que incluem leis, normativos expedidos por órgãos reguladores, regulamentos internos das companhias e práticas comerciais que organizam e comandam a relação, numa economia de mercado, entre os controladores e administradores de uma empresa, de um lado, e aqueles que nela investem recursos através da compra de valores mobiliários por ela emitidos como, entre outros, os acionistas minoritários e debenturistas.

Apesar de criticada por alguns por ser apenas um novo rótulo para o sis-tema de relacionamentos entre os acionistas e a administração da empresa130, é inegável sua relevância prática131, tendo em vista que a adoção de boas práticas de governança corporativa tem atraído a atenção dos investidores no momento de direcionar suas aplicações no mercado de valores mobiliários 132. Cumpre também ressaltar que a escassez de recursos públicos nos mercados

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ORGANIZAÇÃO JURÍDICA DA GRANDE EMPRESA

FGV DIREITO RIO 105

gidos nas últimas décadas, esse tema

voltou a ser amplamente discutido,

de forma bastante salutar, no âmbito

das sociedades anônimas em todo o

mundo, em especial no que tange ao

cada dia mais importante mercado

de capitais” (Governança corporativa:

o poder de controle na sociedade

anônima. Monografi a apresentada ao

Departamento de Direito da Pontifícia

Universidade Católica, Rio de Janeiro,

p. 6 — grifou-se). Em linhas análogas,

João Bosco Lodi, salientando o papel

reservado ao Conselho de Administra-

ção, defi ne a governança corporativa

como “um novo nome para o sistema

de relacionamento entre acionistas,

auditores independentes e executivos

da empresa, liderado pelo Conselho de

Administração” (Op. cit., p. 9 — grifou-

-se).

131. Paulo César Gonçalves Simões de-

monstra tal importância, nas seguintes

palavras: “Afi rmam alguns que gover-

nança corporativa é apenas um novo

nome para designar um conceito que

se identifi ca com uma nova concepção

modernizada da aff ectio societatis,

ajustada à característica de mutabilida-

de da pessoa do acionista. É inegável,

entretanto, que esse movimento ex-

pressa uma nova dinâmica nas relações

societárias, que produz seus efeitos em

todo o mundo capitalista e merece,

portanto, uma denominação própria”

(Governança corporativa e o exercício

do voto nas S.A. Rio de Janeiro: Lumen

Juris, 2003. p. xii).

132. Tal efeito apresenta uma impor-

tância crescente em face da conjun-

tura econômica atual. De fato, “com o

advento da globalização, juntamente

com a política de altos juros praticada

em um passado recente pelo Fede-

ral Reserve e as sucessivas crises nos

mercados chamados ‘emergentes’, a

captação e a alavancagem de recursos

pelas empresas brasileiras no mercado

de capitais nacional têm se tornado

cada vez mais difíceis. Some-se a

esses fatores a concorrência exercida

pelas bolsas internacionais” (RIBEIRO,

Milton Nassau. Fundamentos e efeitos

jurídicos da governança corporativa

no Brasil. Revista de Direito Mercantil,

Industrial, Econômico e Financeiro, São

Paulo, Malheiros, v. 127, jul./set. 2002,

p. 165, grifou-se). O processo de privati-

zação implementado na última década

também incrementou a importância

dos investidores particulares. Nesse

sentido, preconiza Norma Parente: “O

Brasil, seguindo a tendência mundial,

já privatizou as grandes estatais e

abriu sua economia. Em conseqüência,

o Estado hoje pode se dedicar mais a

atender as necessidades sociais básicas,

como saúde e educação. Tais objetivos

não se coadunam com a transferência

de recursos públicos para o setor priva-

do. Desse modo, só resta ao empresário

de capitais na década de 90 (resultado da “década perdida”) ensejou um novo modelo legislativo que fosse atrativo ao investimento privado, assegurando também sua proteção.

De acordo com o professor Arnold Wald, a governança corporativa “sig-nifi ca o estabelecimento do Estado de Direito na sociedade anônima”, pois asse-gura a prevalência do interesse social sobre os eventuais interesses particulares dos acionistas, sejam eles controladores, sejam representantes da maioria ou minoria. Por meio do instituto da governança corporativa, cria-se a “demo-cracia societária”, sistema de equilíbrio e separação de poderes, em oposição ao regime anterior de onipotência e poder absoluto e discricionário do con-trolador ou grupo de controle. A governança corporativa também permite a participação mais assertiva dos acionistas nos rumos e condução dos negócios empresariais, fomentando os stakeholders.

As raízes da governança corporativa ligam-se à tradição anglo-saxônica, notadamente na década de 1990, embora se possam verifi car distinções entre as abordagens da Inglaterra e dos Estados Unidos ao tema133. As razões são autoexplicativas para o surgimento da governança corporativa nesses países, devido ao dinamismo de seus mercados, atrelado aos escândalos fi nanceiros no seio das companhias.

Deve-se assinalar, em resumo, que não há uma completa convergência so-bre a correta aplicação das práticas de governança nos mercados, entretanto, pode-se afi rmar que se baseiam nos princípios de transparência, independên-cia e prestação de contas (accountability) como meio de atrair investimentos e fomentar o mercado de capitais.

Evidenciou-se, assim, a necessidade de serem revistas as atribuições e as responsabilidades dos administradores das companhias. Nesse cenário, surgi-ram diversos códigos ao redor do mundo com intuito de estudar e propagar as práticas de boa governança corporativa134. Tais códigos, embora lhes falte coercibilidade legal, vêm se tornando cada vez mais necessários para uma atuação competitiva no mercado acionário globalizado, em face da pressão exercida pelos investidores. No direito brasileiro, cita-se o “Código das Me-lhores Práticas de Governança Corporativa”, editado pelo Instituto Brasileiro de Governança Corporativa (IBGC).

No âmbito internacional, a governança corporativa é fomentada por al-gumas coalizões de países, a exemplo do G8 (hoje substituído pela prepon-derância econômica do G20), da OCDE (Organização para Cooperação e Desenvolvimento Econômico), além dos órgãos fi nanceiros criados pela Conferência de Bretton Woods (1944), quais sejam o Fundo Monetário In-ternacional (FMI) e o Banco Mundial, que tratam gestão mais transparente das questões

Com efeito, não é simples a tarefa de delimitar o conceito da expressão ‘‘governança corporativa’’, tanto que ainda não se encontra uma noção jurídi-

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ORGANIZAÇÃO JURÍDICA DA GRANDE EMPRESA

FGV DIREITO RIO 106

socorrer-se do mercado de capitais,

nos moldes dos países desenvolvidos”

(Principais inovações introduzidas pela

Lei nº 10.303, de 31 de outubro de

2001, à lei de sociedades por ações.

In: LOBO, Jorge (Coord.). Reforma da

Lei das Sociedades Anônimas. Rio de

Janeiro: Forense, 2002. p. 11). Sugere

Cláudio Oksenberg que “talvez a princi-

pal causa para a recente discussão em

torno da governança corporativa nas

sociedades anônimas seja a cada vez

mais marcante presença de investido-

res institucionais no mercado brasileiro.

Tanto os investidores institucionais es-

trangeiros, como fundos private equity

e venture capital, quanto os nacionais,

como as entidades fechadas de previ-

dência privada (‘EFPP’), além de outros

fundos mútuos de investimento, são

responsáveis por uma soma signifi ca-

tiva de recursos para serem investidos

em diversos segmentos da economia,

inclusive no mercado de valores mo-

biliários, inclusive nas companhias de

capital fechado” (op. cit., p. 54). Conso-

ante estudo da empresa de consultoria

norte-americana McKinsey, “as priva-

tizações, fusões, aquisições e as novas

gerações que assumem o comando de

empresas familiares estão forçando as

companhias brasileiras a mudar os pa-

drões usuais de governança. O objetivo

é melhorar a capacidade estratégica

e ter maior acesso a investimentos e

às bolsas de valores” (PORTAL EXAME.

Empresas brasileiras querem gover-

nança, mas sem perder o controle, diz

McKinsey).

133. Assim constata Paulo da Veiga

Monteiro: “Há distinções entre as

abordagens americana e britânica ao

tema. Enquanto nos EUA o foco está

nas relações entre acionistas, dire-

tores e conselheiros, no Reino Unido

a abordagem é muito mais ampla.

No entendimento britânico, a Gover-

nança Corporativa deve harmonizar

não somente os interesses das partes

citadas, mas também de todas as

partes interessadas (stakeholders), aí

incluídos empregados, clientes, forne-

cedores, instituições fi nanciadoras e a

comunidade diretamente afetada pelos

negócios da empresa. Esta ampliação

da noção do que sejam as melhores

práticas de gestão da empresa, está

ligada, inegavelmente, à crescente

exigência de responsabilidade social da

corporação, algo que vai muito além da

fi lantropia com interesses publicitários”

(E a governança corporativa?. Valor

Econômico, Rio de Janeiro, 25.03.2003).

134. No Brasil, destacam-se o código

do Instituto Brasileiro de Governança

Corporativa — IBGC e a cartilha da Co-

missão de Valores Mobiliários — CVM.

135. Nesse sentido, recorda Paulo César

Gonçalves Simões: “Não existe ainda

uma noção jurídica do termo ‘gover-

ca do termo135, apesar do esforço envidado pela doutrina. O conciso conceito proposto pelo Cadbury Report — um dos importantes códigos de governança corporativa — é talvez um dos que melhor traduz a abrangência do termo: “Governança corporativa é o sistema pelo qual as sociedades são administra-das e controladas”136.

De acordo com o manual editado pelo IBGC, governança corporativa pode ser defi nida como:

“Governança Corporativa é o sistema que assegura aos sócios-pro-prietários o governo estratégico da empresa e a efetiva monitoração da diretoria executiva. A relação entre propriedade e gestão se dá através do conselho de administração, a auditoria independente e o conselho fi scal, instrumentos fundamentais para o exercício do controle. A boa Governança assegura aos sócios eqüidade, transparência, responsabi-lidade pelos resultados (accountability) e obediência às leis do país (compliance). No passado recente, nas empresas privadas e familiares, os acionistas eram gestores, confundindo em sua pessoa propriedade e gestão. Com a profi ssionalização, a privatização, a globalização e o afas-tamento das famílias, a Governança Corporativa colocou o Conselho entre a Propriedade e a Gestão.”

Trata-se de um olhar mais acentuado ao controle e direção dos negócios, que, em última instância, ajuda a trazer novos investimentos, ao mesmo tem-po em que atrai novos sócios, além dos mecanismos de poupança pública que são utilizados para os investimentos nas empresas. Em última análise, a go-vernança corporativa coaduna-se com o espírito normativo do art. 154 da Lei das S.A., o qual defi ne que a grande empresa deve observar, prioritariamente, o tríplice interesse institucional, defi nido pelo: (i) capital — acionistas; (ii) trabalho — empregados; (iii) sociedade — comunidade.

PRINCÍPIOS BÁSICOS DA GOVERNANÇA CORPORATIVA

• Transparência: é a obrigação de informar aos investidores e à socie-dade as ações da companhia, como forma de controle. Como tratado nesse trabalho, a CVM disciplina a divulgação de informações e uso de fatos relevantes ao mercado por meio da Instrução Normativa nº 358/02.

• Equidade: tratamento justo dos stakeholders, como forma de assegu-rar sua participação nas decisões tomadas pela companhia.

• Accountability: prestação de contas pelos administradores por sua atuação;

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FGV DIREITO RIO 107

nança corporativa’, que designa, em

geral, uma tendência, ainda em plena

evolução nos mercados de capitais, de

melhorar as relações entre os agentes

da poupança pública, que circula nes-

ses mercados, e os detentores do poder

nas empresas para onde é canalizada

essa poupança” (op. cit., p. 1).

136. No original, “Corporate governance

is the system by which companies

are directed and controlled. Boards of

directors are responsible for the go-

vernance of their companies” (Cadbury

Report, section 2.5). Já na defi nição

do Instituto Brasileiro de Governança

Corporativa: “Governança corporativa é

o sistema pelo qual as sociedades são

dirigidas e monitoradas, envolvendo

os relacionamentos entre Acionistas/

Cotistas, Conselho de Administração,

Diretoria, Auditoria Independente e

Conselho Fiscal. As boas práticas de go-

vernança corporativa têm a fi nalidade

de aumentar o valor da sociedade, fa-

cilitar seu acesso ao capital e contribuir

para a sua perenidade” (disponível em:

www.ibgc.org.br).

• Responsabilidade Corporativa: zelar pela sustentabilidade da organi-zação, visando a sua longevidade, incorporando considerações de or-dem social e ambiental nos negócios e operações;

CÓDIGOS DE MELHORES PRÁTICAS DA GOVERNANÇA CORPORATIVA NO MUNDO

Com a evolução e a importância cada vez maior do estudo da governança corporativa foram surgindo, inicialmente nos países com mercado de capitais mais desenvolvidos, os “Códigos de Melhores Práticas de Governança Cor-porativa”.

O primeiro desses códigos surgiu no Reino Unido em 1992, como resul-tado da iniciativa da Bolsa de Valores de Londres (London Stock Exchange), que criou o chamado comitê Cadbury (mencionado no tópico anterior) com o objetivo de revisar certas práticas de governança corporativas relacionadas a aspectos contábeis, que deu origem ao Th e Cadbury Report, publicado em 01.12.1992.

Devido à limitação dos temas tratados no relatório preparado pelo comitê Cadbury, foram posteriormente instalados dois novos comitês: comitê Green-bury e comitê Hempel, abordando temas como a remuneração de executivos e conselheiros e as atribuições e responsabilidades do Conselho de Administração.

Como exemplo de outros códigos voltados para a governança corporativa no exterior podemos citar, entre outros, os seguintes: Th e OECD Report, publicado abril de 1999, Th e NACD Report, relatório preparado pela National Association of Corporate Directors e publicado em novembro de 1996, Euroshareholders Cor-porate Governance Guideline 2000, publicado pelo European shareholders Group em fevereiro de 2000 e Global Share Voting Principles, publicado pela Interna-tional Corporate Governance Network — ICGN em julho de 1998.

Vários investidores institucionais estrangeiros também passaram a criar seus próprios códigos com regras de governança corporativa que devem ser adotadas pelas empresas nas quais investem.

Um dos maiores e mais importantes Fundos de Pensão americanos, a CALPERS — Califórnia Public Employees’ Retirement System, preparou um documento denominado Corporate Governance Core Principles and Guideli-nes, com princípios básicos e regra de governança tais como: independência, funcionamento e avaliação do Conselho de Administração, remuneração de executivos e características dos diretores individuais e direito dos acionistas. A CALPERS foi responsável por questionar a operação promovida pela Te-xaco na década de 1980, que determinou o resgate de ações, diminuindo a participação nos lucros dos minoritários, em face de eventual perda do poder de controle.

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FGV DIREITO RIO 108

137. CANTIDIANO, Luis Leonardo. Aspec-

tos da Lei Sarbanes-Oxley. Revista RI,

junho de 2005.

Na mesma linha, a TIAA-CREF — Teachers Insurance and Annuity Asso-ciation — College Retirement Equities Fund, por meio de seu Comitê de Go-vernança Corporativa e Responsabilidade Social, edita regularmente um rela-tório denominado Policy Statement on Corporate Governance, periodicamente atualizado, com regras de governança envolvendo o Conselho de Adminis-tração, direito dos acionistas, remuneração de executivos, o papel de conse-lheiros independentes tais como: auditores, fi rmas de advogados e bancos de investimento, governança corporativa em companhias domiciliadas fora dos EUA e questões relacionadas à responsabilidade social das companhias.

No Brasil, os principais investidores institucionais também têm adotado códigos de melhores práticas de governança corporativa. A PREVI (Caixa de Previdência dos Funcionários do Banco do Brasil), maior fundo de pensão do país, elaborou seu próprio Código e institui políticas de orientação para seus representantes. As diretrizes do Código de Governança da PREVI são as seguintes: (i) transparência, divulgação, responsabilidade; (ii) tratamento equânime dos acionistas; (iii) direito dos acionistas e (iv) sustentabilidade. Por sua vez, há mecanismos específi cos de proteção aos acionistas, dentre os quais destacamos as defi nições de acordo de acionistas e poison pills.

GOVERNANÇA CORPORATIVA E A LEI SARBANES-OXLEY NOS EUA

A Lei Sarbanes-Oxley é uma reação da legislação americana aos escânda-los fi nanceiros praticados por empresas como a Enron, WorldCom e a Xerox. A lei foi promulgada em janeiro de 2002, nos Estados Unidos, e procurou restaurar a credibilidade do mercado fi nanceiro e de capitais diante desses escândalos. Esta lei estabelece regras para governança corporativa relativas à divulgação e à emissão de relatórios fi nanceiros, ao mesmo tempo em que se destina às empresas americanas, atingindo as companhias de capital aberto com ações negociadas na Bolsa de Nova York (NYSE).

O ex-presidente da CVM, Luis Leonardo Cantidiano, afi rma que:

“outro aspecto que chama nossa atenção é o fato de a Sarbanes-Ox-ley, uma lei federal, invadir o campo antes reservado às leis estaduais ao instituir normas que dizem respeito à governança das ‘public com-panies’, fazendo com que a SEC também passe a ter uma competência para interferir nessa esfera”137.

Em termos gerais, os objetivos elencados pela lei são:• Coibir abusos, ampliando exigências de governança corporativa;• Implementar mudanças efetivas e sustentáveis para recuperar a con-

fi ança dos investidores no mercado de capitais;

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FGV DIREITO RIO 109

• Aumentar a transparência das informações geradas pelas empresas e instituições do mercado de capitais (os investidores preocupam-se com a forma como seus investimentos são gerenciados e como são protegidos);

• Desencorajar afi rmações dos executivos de que “não tinham conheci-mento” das atividades duvidosas praticadas por suas companhias; e

• Participações não registradas nos livros contábeis.

EVOLUÇÃO DA GOVERNANÇA CORPORATIVA NO BRASIL

Alguns analistas observam que o modelo empresarial brasileiro encontra-se em um momento de transição. De grandes oligopólios, empresas de controle exclusivamente familiar e controle acionário defi nido e altamente concen-trado, com acionistas minoritários, verifi ca-se que o Brasil está caminhando para uma nova estrutura de empresa, marcada pela participação crescente de investidores institucionais, fragmentação do controle acionário e pelo foco na efi ciência econômica e transparência de gestão.

Pelo exposto, a evolução da governança corporativa no Brasil está atre-lada ao próprio desenvolvimento do mecanismo no âmbito internacional e do processo de internacionalização das empresas. Desse modo, a abertura e consequente modifi cação da estrutura societária fomentaram práticas de governança nas companhias, com necessidade de defi nição mais clara de ob-jetos e questões negociais, além da proteção dos investidores minoritários, que poderiam fi car desguarnecidos face às mudanças abruptas na estrutura da companhia.

Como resultado da necessidade de adoção das boas práticas de governan-ça, em 1999 foi publicado o primeiro código sobre governança corporativa, elaborado pelo IBGC. O código trouxe, inicialmente, informações sobre a composição do Conselho de Administração, e a conduta esperada dos conse-lheiros e o tratamento com os acionistas minoritários.

Em 2002, na esteira de reforma da Lei das S.A., a CVM trouxe uma car-tilha sobre governança corporativa, procurando se adequar à evolução das práticas em outros países. Seu objetivo é orientar nas questões que podem infl uenciar signifi cativamente a relação entre administradores, conselheiros, auditores independentes, acionistas controladores e acionistas minoritários, além das contribuições práticas e operacionais que a CVM identifi cou ao longo dos anos. Essas regras não têm caráter exaustivo, e foram observadas ao longo dos anos com a atuação da autarquia, que propõem algumas diretrizes:

(i) Transparência: a CVM preconiza que assembleias gerais devam ser realizadas em data e hora que não difi cultem o acesso dos acionis-

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FGV DIREITO RIO 110

tas. Ao mesmo tempo, o edital de convocação de AG deve conter descrição precisa dos assuntos a serem tratados. O conselho deve incluir na pauta matérias relevantes e oportunas sugeridas por acio-nistas minoritários, independentemente do percentual exigido por lei para convocação de assembleias geral de acionistas.

A companhia deve tornar plenamente acessíveis a todos os acio-nistas quaisquer acordos de seus acionistas de que tenha conheci-mento, bem como aqueles em que a companhia seja interveniente.

(ii) Processo de votação: o estatuto deve regular com clareza as exigên-cias necessárias para voto e representação de acionistas em assem-bleias, tendo como objetivo facilitar a participação e votação.

(iii) Estrutura do Conselho de Administração: o conselho de adminis-tração deve atuar de forma a proteger o patrimônio da companhia, perseguir a consecução de seu objeto social e orientar a diretoria a fi m de maximizar o retorno do investimento, agregando valor ao empreendimento.

O conselho deve ter o maior número possível de membros inde-pendentes da administração da companhia, ao passo que o manda-to de todos os conselheiros deve ser unifi cado, com prazo de gestão de um ano, permitida a reeleição.

O conselho deve adotar um regimento com procedimentos so-bre suas atribuições e periodicidade mínima das reuniões, além de dispor sobre comitês especializados para analisar certas questões em profundidade, notadamente relacionamento com o auditor e operações entre partes relacionadas. O conselho de administração deve fazer anualmente uma avaliação formal do desempenho do executivo principal, ao passo que os conselheiros devem receber os materiais para suas reuniões com antecedência compatível com o grau de complexidade da matéria.

(iv) Preenchimento de cargos na companhia: os cargos de presidente do conselho de administração e presidente da diretoria (executivo principal) devem ser exercidos por pessoas diferentes. Essas ques-tões são polêmicas, e têm certa resistência do empresariado, além da regra colocada pelo segmento do Novo Mercado da Bovespa.

(v) Mecanismos de proteção aos acionistas minoritários: inclusão de tag-along (foram esmiuçadas em aula específi ca), transações com partes relacionadas.

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FGV DIREITO RIO 111

(vi) Pagamento de dividendos: O estatuto da companhia deverá deter-minar que, se a assembleia geral não deliberar pelo pagamento dos dividendos fi xos ou mínimos às ações preferenciais ou a companhia não pagá-los no prazo permitido por lei, tais ações adquirirão ime-diatamente o direito a voto. Se a companhia não pagar dividendos por 03 anos, todas as ações preferenciais adquirirão direito de voto.

Outra contribuição signifi cativa foi a adoção de níveis de governança cor-porativa na negociação de ações no âmbito da Bovespa. De acordo com a Bo-vespa, houve a criação do IGC (Índice de Ações com Governança Corporativa Diferenciada), que tem por escopo medir o desempenho de uma carteira teórica composta por ações de empresas que apresentem bons níveis de governança corporativa. Tais empresas devem ser negociadas no Novo Mercado ou estar classifi cadas nos Níveis 1 ou 2 da Bovespa.

Desse modo, além das regras disciplinadas pela Lei das S.A., os níveis de negociação das ações da Bovespa devem observar determinadas regras de governança corporativa, as quais podem ser visualizadas no quadro abaixo (Fonte: BM&FBovespa, julho de 2013)

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FGV DIREITO RIO 112

138. Recomendações da Comissão de

Valores Mobiliários — CVM sobre go-

vernança corporativa. In: www.cvm.

gov.br.

Um ponto interessante das companhias que participam do segmento Novo Mercado da Bovespa diz respeito à adesão obrigatória às câmaras de ar-bitragem, prezando pela celeridade e especialização na apreciação de eventu-ais litígios societários. Atualmente, as práticas de governança corporativa são estimuladas, com implementação cada vez mais constante de seus princípios e regras nos estatutos da companhia.

ALGUNS EXEMPLOS DE BOAS PRÁTICAS DE GOVERNANÇA CORPORATIVA

(i) É recomendável que a assembleia geral ordinária realize-se na data mais próxima possível ao fi m do exercício fi scal a que ela se refere;

(ii) A companhia deve tornar plenamente acessíveis a todos os acionis-tas quaisquer acordos de seus acionistas de que tenha conhecimen-to, bem como aqueles em que a companhia seja interveniente;

(iii) O conselho de administração deve ter de cinco a nove membros tecnicamente qualifi cados, com pelo menos dois membros com ex-periência em fi nanças e responsabilidade de acompanhar mais de-talhadamente as práticas contábeis adotadas. O conselho deve ter o maior número possível de membros independentes da administra-ção da companhia;

(iv) O conselho deve adotar um regimento com procedimentos sobre suas atribuições e periodicidade mínima das reuniões, além de dis-por sobre comitês especializados para analisar certas questões em profundidade, notadamente relacionamento com o auditor e ope-rações entre partes relacionadas;

(v) As decisões de alta relevância devem ser deliberadas pela maioria do capital social, cabendo a cada ação um voto, independentemente de classe ou espécie;

(vi) O conselho de administração deve se certifi car de que as transações entre partes relacionadas estão claramente refl etidas nas demonstra-ções fi nanceiras e foram feitas por escrito e em condições de merca-do; e

(vii) O estatuto da companhia deve estabelecer que as divergências entre acionistas e companhia ou entre acionistas controladores e acionis-tas minoritários serão solucionadas por arbitragem138.

QUESTÃO: GOVERNANÇA CORPORATIVA GERA VALOR AGREGADO ÀS AÇÕES DA COMPANHIA?

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FGV DIREITO RIO 113

139. Publicação Relações com Investido-

res nº 29 e 79.

Muito se discute quais são os propósitos da governança corporativa, e se de fato, a implementação de regras tem impacto na geração de valor agregado e negocial às ações cujas empresas adotam práticas de governança.

Em junho de 2000, a empresa de consultoria McKinsey & Co., em par-ceria com o Banco Mundial, conduziu uma pesquisa (“Investors Opinion Survey”) junto a investidores, representando um total de carteira superior a US$ 1.650 bilhões, destinada a detectar e medir eventuais acréscimos de valor às companhias que adotassem boas práticas de governança corporativa.

Apurou-se, em termos empíricos, que os investidores pagariam entre 18% e 28% a mais por ações de empresas que adotam melhores práticas de admi-nistração e transparência. Algumas outras das conclusões dessa pesquisa:

a) os direitos dos acionistas foram classifi cados como a questão mais im-portante de governança corporativa da América Latina;

b) três quartos dos investidores dizem que as práticas do Conselho de Ad-ministração são pelo menos tão importantes quanto a performance fi nanceira quando estão avaliando companhias para investimentos. Na América Latina, quase metade dos investidores consultados considera que as práticas de con-selho de administração são mais importantes que a performance fi nanceira;

c) na América Latina e na Ásia, onde os relatórios fi nanceiros são limita-dos e frequentemente de má qualidade, os investidores preferem não confi ar apenas em números. Eles acreditam que seus investimentos estarão mais bem protegidos por companhias com boa governança que respeitem direitos dos acionistas;

d) a qualidade da administração da companhia não raro é mais importan-te do que questões fi nanceiras nas decisões sobre investimentos139.

Como exposto anteriormente, a tendência de evolução do mercado de capitais impactou na adoção de práticas de governança corporativa. Fatores como a globalização e necessidade de atração de investimentos formaram um contexto importante para governança, como foi detectado pela pesquisa “Panorama da Governança Corporativa do Brasil” conduzida em 2001 em parceria da consultoria McKinsey com Korn Ferry International, onde são enfocadas características da estrutura de propriedade e liderança das empresas nacionais e a organização e as práticas dos Conselhos de Administração.

A pesquisa aponta, de maneira enfática, que as empresas nacionais, premi-das por necessidades de fi nanciamento e pelos desafi os impostos pela com-petição em nível global, estão reformulando suas práticas de governança cor-porativa. O processo de internacionalização de algumas empresas brasileiras também permitiu que houvesse a adoção paulatina de regras de governança diante da possibilidade de captação de recursos no mercado internacional.

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JURISPRUDÊNCIA

Decisão do Colegiado da CVM

ALTERAÇÃO DA DELIBERAÇÃO CVM 498/2006 — COMITÊ CONSULTIVO DE EDUCAÇÃO — PROC. RJ2006/0156

O Colegiado aprovou a proposta apresentada pela Superintendência de Proteção e Orientação aos Investidores de alteração da Deliberação CVM 498/06, que criou o Comitê Consultivo de Educação. Tal alteração tem por fi nalidade atualizar o rol das instituições integrantes do Comitê, contem-plando a admissão da CETIP S.A. — Mercados Organizados e do Instituto Brasileiro de Governança Corporativa (IBGC).

Aplicação da Cartilha de Governança Corporativa no julgado da CVMPROCESSO CVM Nº RJ 2003/3718Interessadas: Telesp S/ATelefônica Data Brasil Holding S/AManifestação de Voto da Diretora Norma Jonssen Parente, 17 de ju-

nho de 2003.I — Disposição Legal2. O assunto está assim disciplinado no artigo 161 da Lei nº 6.404/76:

“Art. 161. A companhia terá um conselho fi scal e o estatuto disporá sobre seu funcionamento, de modo permanente ou nos exercícios sociais em que for instalado a pedido de acionistas.

§ 1º O conselho fi scal será composto de, no mínimo, 3 (três) e, no má-ximo, 5 (cinco) membros, e suplentes em igual número, acionistas ou não, eleitos pela assembléia-geral.

§ 4º Na constituição do conselho fi scal serão observadas as seguintes normas:

a) os titulares de ações preferenciais sem direito a voto, ou com voto restrito, terão direito de eleger, em votação em separado, 1 (um) membro e respectivo suplente; igual direito terão os acionistas minoritários, desde que representem, em conjunto, 10% (dez por cento) ou mais das ações com direito a voto;

b) ressalvado o disposto na alínea anterior, os demais acionistas com direito a voto poderão eleger os membros efetivos e suplentes que, em qual-quer caso, serão em número igual ao dos eleitos nos termos da alínea a, mais um.”

II — Fundamentos3. O Conselho Fiscal, apesar das críticas que freqüentemente recebe, vem

sendo mantido na legislação societária pois, como a própria Exposição de Motivos do Projeto da Lei nº 6.404/76 reconhece, a existência de um sistema de controle interno sobre a administração da companhia é muito importante na diminuição dos riscos de uma gestão onipotente.

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4. Observando-se o histórico do Conselho Fiscal, percebe-se que o órgão começou a se desenvolver a partir do momento em que a administração da companhia deixou de ser exercida por seus proprietár ios. Com isso, os pro-prietários da companhia, ou seja, seus acionistas, começaram a exigir meca-nismos de controle mais efi cientes sobre os atos daqueles que agora estavam gerindo e administrando o seu patrimônio.

5. Desse modo, o Conselho Fiscal foi evoluindo e ganhando maior im-portância, bem como atribuições e obrigações mais complexas, tais como, (i) o dever de fi scalizar os atos de gestão e a contabilidade da companhia, em consonância com o direito essencial do acionista de fi scalização da gestão dos negócios sociais, previsto no artigo 109, inciso III, da Lei de S/A; e (ii) o dever de informar os erros, fraudes ou crimes que descobrirem aos órgãos da administração e, se estes não tomarem providências, à Assembléia Geral.

6. A recente reforma da Lei das S/A, implementada pela Lei nº 10.303/01, representou um signifi cativo avanço no desenvolvimento do Conselho Fiscal, na medida em que, consolidando a tendência doutrinária e jurisprudencial, ampliou consideravelmente as hipóteses de atuação individual dos seus mem-bros. No entanto, continuaram resguardadas pela lei societária situações em que o Conselho Fiscal só pode atuar como um órgão colegiado, deliberando por maioria.

7. Note-se, também, que o legislador, ao longo do tempo, manteve uma especial preocupaç ão em assegurar a proporcional representação do corpo acionário da companhia na composição do Conselho Fiscal, de modo a con-ciliar a prevalência do princípio majoritário com a efetiva participação dos minoritários no órgão.

9. O cuidado do legislador em assegurar a representatividade do minoritá-rio no Conselho Fiscal se justifi ca. Conforme se percebe na prática societária, infelizmente é comum a ocorrência de diversos abusos da maioria, de tal sorte que os minoritários, muitas vezes, vêem seus direitos de representatividade tolhidos em razão de uma interpretação equivocadamente extensiva do prin-cípio majoritário.

10. Quando a Lei das S/A, em seu artigo 161, § 4º, alínea “b”, enuncia que “os demais acionistas”, ou seja, os controladores, poderão eleger tantos conselheiros quanto os minoritários e preferencialistas o fi zerem mais um, sem dúvida o que pretendeu foi assegurar a prevalência do princípio majo-ritário. E foi justamente por este motivo que não prosperou a proposta do Deputado Luiz Carlos Hauly, no Projeto de Lei nº 3.115/97, que previa que os acionistas minoritários poderiam eleger, em todos os casos, um conselhei-ro fi scal a mais do que os controladores.

III — Conclusões14. A partir da análise dos casos apresentados, devo afi rmar, destarte, que

a discrepância existente entre o número de conselheiros indicados pelos con-

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troladores e o número indicado pelos minoritários não se coaduna com a previsão legal que assegura aos acionistas majoritários apenas um conselheiro a mais do que os minoritários e fere princípios da boa governança corporati-va. De fato, essa situação representa um desvirtuamento da própria lógica do Conselho Fiscal, visto que os controladores, que já indicam a maioria dos ad-ministradores, também indicariam a esmagadora maioria daqueles que iriam fi scalizar os atos destes. Trata-se, no mínimo, de um contra-senso.

15. A Cartilha de Governança Corporativa da CVM manifesta a seguin-te recomendação a respeito da composição do Conselho Fiscal:

“Os titulares de ações preferenciais e os titulares de ações ordinárias, excluído o controlador, terão direito de eleger igual número de membros eleitos pelo controlador. O controlador deve renunciar ao direito de eleger sozinho o último membro (terceiro ou quinto membro), o qual deverá ser eleito pela maioria do capital social, em assembléia na qual cada ação corresponda a um voto, independente de sua espécie ou classe, incluindo as ações do controlador.”

16. Nota-se que a Cartilha, quando menciona que o controlador “deve renunciar ao direito de eleger sozinho o último membro (terceiro ou quinto mem-bro)”, reputou adequada uma participação eqüitativa entre controladores e minoritários. Parece claro que foi considerado como prática de boa gover-nança que o controlador, ao invés de ter mais um membro no conselho, deveria abrir mão deste direito e eleger o último conselheiro em um colégio eleitoral à parte, do qual também fi zessem parte os demais acionistas, com ou sem direito de voto. Não é condizente com a almejada governança, portanto, que o controlador indique três ou quatro membros no conselho fi scal e os minoritários somente um.

17. Uma posição majoritária nesses moldes, além de, desnecessariamente, elevar os custos da companhia, decorrente da remuneração de tantos conse-lheiros, fere o equilíbrio previsto na lei para a composição do conselho fi scal. Ademais, pode enfraquecer o parecer ou a opinião do conselheiro eleito pelos minoritários perante a Assembléia Geral, pois, em caso de dissidência, repre-sentaria apenas uma única e isolada voz frente ao restante do órgão, ampla-mente dominado pela maioria acionária.

18. Por exemplo, uma demonstração fi nanceira aprovada por quatro con-selheiros e rejeitada por apenas um (80% x 20% do Conselho Fiscal) enseja-ria muito mais confi ança por parte dos acionistas do que uma demonstração aprovada por três conselheiros e rejeitada por dois (60% x 40%). De fato, não restam dúvidas de que o acionista assumirá uma postura muito mais cautelosa diante de um demonstrativo rejeitado por quase metade dos con-selheiros fi scais do que quando estiver diante de um demonstrativo rejeitado por apenas um dentre cinco conselheiros.

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19. O que se busca afi rmar, portanto, é que graus variados de maiorias no Conselho Fiscal exercem, e isso é o mais importante, distintas infl uências sobre a orientação de voto dos acionistas nas Assembléias Gerais.

20. Vislumbra-se, com isso, outra situação em que uma ampla posição majoritária dos controladores prejudicaria a efetiva representatividade dos minoritários no Conselho Fiscal, uma vez que fi caria ainda mais difícil para estes conseguir vencer alguma deliberação colegiada do Conselho Fiscal.

22. Nessa mesma linha, Trajano de Miranda Valverde, chamando atenção para a competência colegiada do Conselho Fiscal, expôs o que se segue:

“Tratando-se de um órgão colegial, claro é que a escolha do perito com-pete ao Conselho Fiscal por decisão da maioria de seus membros. Cada fi scal não tem a faculdade de indicar o seu perito, ainda que represente, no Conselho Fiscal, acionistas dissidentes ou preferenciais.”

23. Desse modo, permitindo-se que os controladores indiquem uma exa-gerada maioria para compor o Conselho Fiscal, a efetiva representatividade dos minoritários no órgão, já bastante reduzida, restaria comprometida.

24. Devo, ainda, dizer que não concordo com o argumento de que a exis-tência de três grupos distintos de controladores justifi caria a eleição de um conselheiro fi scal por cada um destes três grupos, mesmo tendo os minori-tários indicado apenas um. Nos dizeres de Waldirio Bulgarelli, a reivindica-ção de participação no Conselho Fiscal de várias correntes acionárias, além daquelas taxativamente previstas nas alíneas “a” e “b” do artigo 161, § 4º, representa uma violação à “efetiva representação da minoria” e, até mesmo, “fraudes e manobras do controlador para se assenhorar do órgão”.

25. O mais razoável, a meu ver, seria que esses três grupos controladores indicassem, em comum acordo entre si, dois conselheiros, de modo a preser-var uma vaga para os minoritários e, assim, manter o necessário equilíbrio no Conselho Fiscal. Caso fi zessem questão de três conselheiros, os controladores deveriam abrir ao grupo de minoritários, ou aos preferencialistas que mani-festaram interesse em eleger conselheiro, o direito de eleger um outro co n-selheiro. Considerando-se o majoritário no direito de eleger um conselheiro a mais, nada mais justo do que assegurar aos demais acionistas o mesmo direito. Só assim estará preservado o equilíbrio da participação da maioria e minoria no Conselho Fiscal, como previsto na lei.

26. Ademais, o fato de estarem reservadas algumas competências indivi-duais aos conselheiros não torna indiferente o tamanho da maioria que os controladores terão no Conselho Fiscal, pois uma maioria exagerada, como já foi dito, não só minaria a credibilidade das já restritas formas de manifes-tação individual dos conselheiros, mas também deixaria os minoritários em manifesta desvantagem nos assuntos em que o Conselho Fiscal deve, por lei, deliberar por maioria, como órgão colegiado.

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FGV DIREITO RIO 118

140. Disponível em: www.bovespa.com.

br/InstSites/RevistaBovespa/98/Capa.

shtml.

32. Cabe, ainda, mencionar que, com o acréscimo das funções do Conse-lho Fiscal em decorrência da promulgação da Sarbanes Oxley Act, ao menos nas empresas brasileiras emissoras de ADR’s, haverá a necessidade de se es-tabelecer maior independência na escolha dos membros do Conselho Fiscal em relação aos controladores e maior facilidade de acesso às informações das companhias, além da necessidade de que o funcionamento do órgão seja permanente, problemas esses que deverão ser solucionados até 31.07.2005.

Obs.: alguns trechos do voto foram suprimidos.

TEXTO DE APOIO

O valor da governança corporativa — Milton Gamez140

Empresas bem dirigidas já dominam os negócios

Qual é o efeito da adoção das melhores práticas de governança corporativa no valor de uma empresa? Esta pergunta, por si só, vale bilhões de dólares — que o digam os acionistas lesados pelas quebras escandalosas de corpora-ções globais como a Enron e a WorldCom, no início da década. A resposta, por sua vez, vale ainda mais: investidores do mundo todo demonstram um apetite crescente por ações de companhias que, além de lucro e retorno sobre o capital, asseguram respeito aos direitos dos acionistas minoritários e trans-parência nos atos e resultados da administração. Ao que tudo indica, a boa governança está em alta e leva de carona os negócios e os preços das ações por onde passa.

(...)Causa e efeito — O desafi o, por trás dos números, é estabelecer se exis-

te de fato alguma relação de causa e efeito entre a adoção de boas práticas — como um Conselho Fiscal independente, membros externos no Conse-lho de Administração, ações com direito a voto para todos os acionistas, tag along, adesão à Câmara de Arbitragem — e o valor das empresas em Bolsa. Estudos publicados nos últimos anos ainda não deram a palavra fi nal, mas sugerem que sim: a qualidade dos sistemas de decisão, fi scalização e solução de confl itos societários das companhias tem refl exos positivos em seu valor de mercado.

A principal premissa dos pesquisadores é que as empresas com boa gover-nança são mais procuradas pelos investidores, o que resulta na redução do seu custo de capital e na valorização de suas ações. Evidências nesse sentido fo-ram levantadas por Leora Klaper e Inessa Love, em 2004, ao analisarem 374 grupos em 14 países emergentes, a partir de um índice criado pelo Credit Lyonnais Securities Asia. Outros acadêmicos também notaram a correlação

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FGV DIREITO RIO 119

positiva da boa governança e o valor de mercado em países como Estados Unidos, Suíça, Coréia do Sul, China e Brasil.

Executivos veteranos já sabem, por experiência, o que os estatísticos tentam provar. “As empresas com melhor governança valem mais”, diz José Guima-rães Monforte, presidente do Instituto Brasileiro de Governança Corporativa (IBGC) e conselheiro de companhias fechadas e abertas, dentre elas a Natura. O presidente da Embraer, Maurício Botelho — que prepara a companhia para a pulverização do capital no Novo Mercado, em maio — também não tem dúvidas se os investidores premiam as empresas com boas práticas de governança. “Certamente que sim”, afi rma Botelho. De que forma? “Dando maior liquidez às ações da companhia. Isso traz, por conseqüência, aumento do preço das ações.”

Na prática, há efeitos importantes da governança que podem infl uenciar o desempenho econômico de uma empresa e, conseqüentemente, suas cotações em Bolsa. Segundo Alexandre di Miceli da Silveira, autor do livro Governan-ça Corporativa e Estrutura de Propriedade (Saint Paul Institute of Finance, 2006), um sistema de governança corporativa efi ciente pode gerar, além da redução do custo de capital, um conjunto de benefícios internos que melho-ram as perspectivas de fl uxo de caixa da companhia. Dentre esses benefícios, estão o aprimoramento do processo decisório da alta gestão e a separação clara de papéis entre acionistas, conselheiros e executivos. Também ocorre uma melhoria dos mecanismos de avaliação de desempenho e recompensa dos executivos e uma diminuição da probabilidade de ocorrência de fraudes e corrupção. E, ainda, a maior institucionalização e a melhor imagem da companhia. Questões desse tipo são levadas em consideração pelos investido-res de longo prazo, especialmente os institucionais, quando defi nem quanto estão dispostos a pagar por uma determinada ação. O mercado, para formar o preço, funciona como uma “máquina de prêmio-desconto”, explica Mon-forte. “O fator determinante é o risco do negócio. Conforme a percepção do risco maior ou menor, o investidor estabelece descontos ou prêmios para as ações de determinadas empresas”, afi rma. “A governança bem instalada leva a uma percepção de risco menor de expropriação por parte dos acionistas que não são controladores ou não estão na gestão.” Daí a redução das taxas de descontos e a ocorrência de prêmios nas ações das companhias bem avaliadas pelo mercado.

No fundo, a empresa precisa construir uma relação de confi ança com os investidores e adotar mecanismos e processos de proteção dos seus direitos para poder acessar o mercado de capitais com sucesso. A credibilidade vem com o tempo e o exercício constante das práticas de boa governança com to-dos os públicos relacionados à companhia, defende o presidente da Embraer. “Algumas empresas não respeitam nem os empregados, como vão respeitar os acionistas?”, indaga Botelho. Nesse processo, a transparência é fundamental

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FGV DIREITO RIO 120

para gerar confi ança, avalia o executivo. “O respeito aos acionistas se traduz com informações corretas, seguras, no tempo adequado e com base em pro-cessos que dão segurança com relação aos riscos que estão sendo assumidos pela empresa.”

QUESTÕES DE CONCURSOS

1 — Segundo o Instituto Brasileiro de Governança Corporativa — IBGC, governança corporativa é o sistema pelo qual as organizações são dirigidas, monitoradas e incentivadas, envolvendo os relacionamentos entre proprietá-rios, Conselho de Administração, Diretoria e órgãos de controle. Nesse con-texto, também aponta o IBGC os seguintes princípios básicos de governança corporativa, todos passíveis de aproveitamento no âmbito do setor público, exceto: (ESAF — 2012 — CGU — Analista de Controle)

a) Equidade.b) Responsabilidade Corporativa.c) Legalidade e Legitimidade.d) Transparência.e) Prestação de Contas (accountability).

2 — Com relação à abordagem sistêmica das organizações, o item abaixo: (CESPE — 2010 — ANEEL — Analista Administrativo)

Todas as informações que infl uem nos processos decisórios das organiza-ções devem ser de conhecimento exclusivo da governança corporativa.

( ) Certo ( ) Errado

3 — Os modelos de governança corporativa, especialmente os resultantes da separação da propriedade e da gestão, conferem ao estabelecimento e ao funcionamento de conselhos de administração um papel fundamental como força interna de controle. Nessa perspectiva, afi rma-se que o Conselho de Administração é o guardião (CESGRANRIO — 2011 — Petrobrás — Con-tador Júnior)

a) do objeto social e do sistema de governança corporativa.b) do orçamento e da estratégia empresarial.c) da estratégia da empresa para os próximos anos.d) das informações contábeis confi denciais.e) das decisões de gestão corporativa da empresa.

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4 — Um dos valores relevantes da Lei Sarbanes-Oxley, também aplicá-vel ao conceito de Governança Corporativa, é o de Accountability. Um dos principais fatores determinantes do Accountability é a possibilidade de: (CES-GRANRIO — 2011 — Petrobrás — Contador Júnior)

a) resolver os confl itos de agenda.b) constituir comitê de auditoria.c) incluir as contingências no balanço patrimonial.d) aprovar, através do conselho de administração, os planos de stock op-

tions.e) evitar o deságio de governança.

5 — Governança tem sido um conceito cada vez mais utilizado no âmbi-to da administração pública, tendo seu sentido associado, particularmente, à nova forma de atuação estatal, que substitui perspectivas gerencialistas e burocráticas que se mostram insufi cientes para lidar com a realidade contem-porânea. Destaca-se, como característica dessa governança: (CESGRANRIO — 2010 — BACEN — Analista do Banco Central)

a) a retomada do poder do Estado em defi nir e implementar políticas públicas. b) o fortalecimento dos princípios de legalidade, impessoalidade e moralidade na administração pública.

c) o uso de instrumentos com base na teoria da escolha pública e na teoria da agência para confi guração do aparelho de Estado.

d) um conjunto de práticas que segue a lógica da governança corporativa adotada pelas empresas privadas.

e) um conjunto de reformas administrativas e de Estado que tem como objeto a ação conjunta, compartilhada pelo Estado, pelas empresas e pela sociedade civil.

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FGV DIREITO RIO 122

141. BARRETO FILHO, Oscar. Teoria do

Estabelecimento Comercial: fundo de

comércio ou fazenda mercantil. São

Paulo: Saraiva, 1988.

AULAS 14 E 15: TRANSFORMAÇÃO, INCORPORAÇÃO, FUSÃO E CISÃO.

A) MATERIAL DE LEITURA

Leitura Básica

LAMY FILHO, Alfredo e BULHÕES PEDREIRA, José Luiz, “Capítulo 12”, In A Lei das S.A., Vol. II — Pareceres, Ed. Renovar, 2ª ed., pp. 538-607, Rio de Janeiro.

BORBA, José Edwaldo Tavares. Direito societário. 8ª ed. Rio de Janeiro: Re-novar, 2003, pp. 479-492.

Leitura complementar

MATTAR FILHO, Paulo, “O Sistema de Proteção aos Credores nas Ope-rações de Incorporação, Fusão e Cisão” in Reorganização societária (coord. Rodrigo R. Monteiro de Castro e Leandro Santos de Aragão). São Paulo: Quartier Latin, 2005. 309-333.

B) ROTEIRO DE AULA

1. CONCEITO DE REORGANIZAÇÃO SOCIETÁRIA

Chama-se reorganização societária a operação ou o conjunto de operações utilizado pelas sociedades para reordenar sua estrutura, com o objetivo de obter algum tipo de vantagem comparativa, tais como ganhos operacionais ou isenções fi scais. A evolução do mundo empresarial implicou na concepção de concentração empresarial e da reorganização societária, com o objetivo de ter ganhos de economia de escala. O professor Oscar Barreto Filho, neste as-pecto, assinala que “o emprego cada vez maior do maquinismo, a fabricação em série, a utilização de processos técnicos mais aperfeiçoados, a necessidade de capitais vultosos para os grandes empreendimentos, a ampliação dos mer-cados consumidores são outros tantos fatores que conduzem à concentração de empresas, para melhor realização de seus fi ns”141.

Nessa mesma linha, Modesto Carvalhosa acentua que “nos anos 90, o resultado do crescente acirramento da competição no plano global, carac-terístico do fi nal do século XX e início do XXI, tem levado as empresas que necessitam de escala para explorar suas atividades a adotar estratégias ativas

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FGV DIREITO RIO 123

142. CARVALHOSA, Modesto. Comentá-

rios à Lei de Sociedades Anônimas. 4º

volume. São Paulo: Saraiva, 2012.

de concentração, reestruturação societária (fusão, incorporação, cisão), bem como a formar alianças empresariais que resultem em gestão e produção mais efi cientes e competitivas”142.

No direito brasileiro, são quatro os principais tipos de instrumentos de reorganização societária: transformação, incorporação, fusão e cisão. Cada um destes será abordado individualmente, em breve trecho.

Enquanto a transformação envolve uma única sociedade, as operações de incorporação, fusão e cisão são realizadas entre duas ou mais sociedades, que podem inclusive ser de tipos diferentes, tais como limitadas e anônimas. O requisito para que seja realizada qualquer destas reestruturações é o respeito às previsões estatutárias ou contratuais das sociedades envolvidas, além da natural observância às disposições legais.

Ressalte-se que, caso haja a participação de companhia aberta nessas ope-rações, a eventual sociedade resultante deverá requerer seu registro junto à Comissão de Valores Mobiliários, que realizará seu poder fi scalizatório e re-gulatório.

2. TIPOS DE REORGANIZAÇÃO SOCIETÁRIA

Conforme salientado, os principais tipos de reorganização societária pre-vistos em nosso ordenamento são:

• a transformação,• a cisão,• a incorporação• a fusão.

2.1. Transformação

A transformação é a operação pela qual a sociedade altera o seu tipo, sem implicar sua dissolução ou liquidação. A sociedade mantém, portanto, a sua personalidade jurídica, alterando-se somente o seu estatuto ou contrato para fazer constar o novo tipo societário escolhido por seus sócios. Nesse ponto, a transformação muda-lhe as características, mas não a individualidade, que permanece a mesma, mantendo-se íntegros a pessoa jurídica, o quadro de sócios, o patrimônio, os créditos e os débitos.

É possível que este tipo de reorganização seja mais utilizado a partir do ad-vento do Código Civil de 2002, tendo em vista o aumento das formalidades previstas no regime das sociedades limitadas, passando a optar-se pelo tipo societário das sociedades anônimas. A opção pelo tipo societário de S.A. im-plica necessariamente a observância das regras colocadas pela CVM e registro da companhia, conforme foram estudadas ao longo desse apostila.

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FGV DIREITO RIO 124

143. REQUIÃO, Rubens. Curso de direito

comercial, v. II. São Paulo: Saraiva,

2003. p. 254.

144. CARVALHOSA, Modesto. Comentá-

rios à Lei de Sociedades Anônimas. 4º

volume. São Paulo: Saraiva, 2012.

De qualquer maneira, a transformação é o tipo de reorganização societária mais simples, tendo em vista a relativa facilidade de seu procedimento. De acordo com Rubens Requião:

“por meio da transformação da sociedade torna-se possível, com a modifi cação do ato constitutivo, imprimir-lhe outra tipicidade. Pode--se, como é comum, constituir uma sociedade “piloto” sob a forma de sociedade limitada, como primeira etapa, que, depois de montada em toda a sua estrutura legal, é transformada em sociedade anônima, fechada ou aberta. Muitos consideram — e em certos casos assim é — mais fácil e conveniente criar-se uma companhia, através de duas etapas, usando-se o mecanismo da transformação.”143

Essa operação exige consenso unânime entre os sócios — pois se modifi ca também a extensão da limitação da responsabilidade dos sócios e/ou acionis-tas — e deverá ser realizada de acordo com o regime de constituição do novo tipo societário a ser adotado. Cumpre observar que a unanimidade pode ser dispensada se originariamente prevista no ato constitutivo a possibilidade de sua implementação, devendo-se destacar que, nesse caso, o sócio ou acionista dissidente terá o direito de se retirar da sociedade.

Perceba-se que, consoante dispõe o art. 222 da Lei das S.A., a transforma-ção não prejudicará os direitos dos credores da sociedade transformada. Estes continuarão, até a quitação integral de seus créditos, com as mesmas garantias que o tipo societário anterior lhes assegurava. Somente os créditos que surgi-rem após a transformação irão obedecer à disciplina do novo tipo societário.

Esta ressalva faz-se necessária tendo em vista que, conforme visto em nossas aulas anteriores, as obrigações dos sócios de uma sociedade limitada podem ser mais amplas que as dos acionistas de uma sociedade anônima, podendo, assim, a transformação de uma sociedade limitada em anônima eventual-mente servir como subterfúgio para a fuga de responsabilidades eventuais dos sócios para com os credores da sociedade que se visa transformar.

Deve-se também ressaltar que a transformação poderá revestir a sociedade de forma simples, como ressaltado por Modesto Carvalhosa, já que “será simples pela mera adaptação ao novo tipo societário das cláusulas contratuais ou estatutárias, na medida em que couberem, com os mesmos elementos de capital, objeto social e quadro de sócios. Por outro lado, a transformação poderá ser constitutiva, sem que, no entanto, se modifi quem em nenhum aspecto sua natureza e função”144.

2.2. Incorporação

Nos termos do artigo 227 da Lei das S.A., a incorporação é a operação societária pela qual uma ou mais sociedades (incorporadas), de tipos iguais

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145. Idem, p. 283.

ou diferentes, são absorvidas por outra (incorporadora), que lhes sucede em todos os direitos e obrigações, devendo os órgãos competentes de todas as sociedades envolvidas aprovar tal operação, consoante as regras próprias dos seus respectivos tipos. Temos o que se convenciona chamar de “sucessão uni-versal”. Entenda-se que:

“Da incorporação não surgirá nova sociedade, uma vez que a incor-poradora irá suceder as suas incorporadas, permanecendo ela, incorpo-radora, com sua personalidade jurídica intacta. As incorporadas é que serão extintas com a implementação da incorporação.”145

Essa operação envolve, em regra, o aumento do capital da sociedade incor-poradora, posto que a mesma absorverá o patrimônio líquido da incorpora-da. O resultado fi nal dessa operação é sempre uma única sociedade.

A incorporação acarreta a extinção da sociedade, sem que sobre ela se apliquem os institutos da dissolução e da liquidação. A incorporação é causa direta de extinção, por força do art. 219, II da Lei S.A. Na incorporação, não há liquidação de obrigações e débitos previamente à extinção, pois as obrigações da sociedade incorporada passam à incorporadora no estado con-tratual e extracontratual em que se encontravam no momento da consuma-ção do negócio.

Portanto, a incorporação leva à sucessão universal, compreendendo todos os direitos, obrigações e responsabilidades da incorporada pela in-corporadora.

De acordo com a relação societária previamente existente entre a socie-dade incorporadora e a incorporada, a operação pode ser classifi cada como lateral, ascendente ou descendente.

Na incorporação lateral, por exemplo, a sociedade A — que não detém qualquer participação societária na sociedade B — incorpora esta sociedade, extinguindo-se a sociedade B e subsistindo a sociedade A, conforme a seguin-te estrutura:

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FGV DIREITO RIO 126

Em tal situação, ocorre um aumento do capital da sociedade incorpora-dora, com a atribuição de ações de sua emissão aos acionistas da sociedade incorporada, que é extinta.

Já na incorporação denominada ascendente, a sociedade incorporadora X detém ações ou quotas representativas do capital social da sociedade Y, con-forme descrito abaixo:

Em tal caso, o aumento do capital da incorporadora será realizado so-mente em valor correspondente ao percentual do capital da sociedade in-corporada que é detido por seus demais acionistas, excluindo-se, portanto, a participação detida pela sociedade incorporadora no capital da incorporada. Haverá, assim, atribuição de ações de emissão da sociedade X (incorporado-ra) aos acionistas da sociedade Y (incorporada).

Por fi m, na incorporação conhecida como descendente, ocorre, por exem-plo, a incorporação da sociedade W pela sociedade Z, sendo que a sociedade W detém participação societária na sociedade Z, conforme o exemplo abaixo:

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FGV DIREITO RIO 127

Assim, em tal hipótese, as ações de emissão da sociedade incorporado-ra, inicialmente de propriedade da sociedade incorporada, são canceladas, emitindo-se novas ações que são entregues aos acionistas da sociedade incor-porada, a qual se extingue.

Note-se que a incorporação regulada no artigo 227 da Lei das S.A. difere da chamada incorporação de ações, disciplinada no artigo 252 do mesmo diploma legal..

Incorporação de ações

A incorporação de ações é a operação em que uma sociedade incorpora to-das as ações de emissão de outra sociedade para transformá-la em subsidiária integral, sem que tal sociedade seja extinta, conforme fi gura abaixo:

Note-se, assim, que a incorporação de ações — regulada no artigo 252 da Lei das S.A. — difere da incorporação prevista no artigo 227 da referida lei, uma vez que, enquanto naquela a sociedade incorporada subsiste como subsidiária integral, nesta, a sociedade incorporada é extinta.

Diversas são as funções da subsidiária integral, a exemplo da constituição de sociedade de propósito específi co (SPE) ou para concessão ou permissão de serviços públicos, com a devida participação em procedimento licitatório.

Na incorporação de ações há o aumento do capital da sociedade incor-poradora em valor correspondente ao valor das ações de emissão da socieda-de a ser transformada em subsidiária integral que não sejam de propriedade da sociedade incorporadora, com a conseqüente emissão de ações atribuídas àqueles que originalmente detinham participação na sociedade incorporada.

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2.3. FUSÃO

A fusão é a operação pela qual duas sociedades, de tipos iguais ou dife-rentes, se extinguem, dando lugar a uma nova que as sucede em todos os direitos e obrigações, conforme disposto no artigo 228 da Lei nº 6.404/76. Vários são os fatores que levam as empresas a utilizar-se deste instituto, como racionalização da produção, adoção de progressos tecnológicos, reorganizar a estrutura e evitar práticas concorrenciais.

De forma exemplifi cativa, tem-se a seguinte estrutura:

Assim como na incorporação, a nova sociedade é sucessora universal das sociedades extintas.

Note-se, no entanto, que, na prática, são raras as operações de fusão pro-priamente ditas, tendo em vista os inúmeros inconvenientes envolvidos na sua implementação — como, por exemplo, a necessidade de se constituir uma nova sociedade. Opta-se, assim, por estruturas societárias que permitam que se alcance fi ns similares aos de uma fusão — como uma incorporação ou um aumento de capital —, mas que não esbarram nas mesmas difi culdades.

Em termos contábeis, a assembleia geral de cada companhia intervenien-te, se aprovar o protocolo de fusão, deverá nomear os peritos que avaliarão o patrimônio líquido das demais sociedades. Apresentados os laudos de ava-liação, os administradores convocarão os sócios ou acionistas das sociedades intervenientes para uma assembleia geral, onde tomarão conhecimentos dos laudos e resolverão sobre a constituição defi nitiva da nova sociedade.

2.4. CISÃO

A cisão é a operação pela qual a sociedade anônima transfere a totalida-de ou parcelas de seu patrimônio para uma ou mais sociedades, sendo que,

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FGV DIREITO RIO 129

146. Idem, p. 285.

147. Art. 137, II, alínea a, da Lei das S.A.

148. Art. 137, II, alínea b, da Lei das S.A.

no primeiro caso, extingue-se a sociedade cindida, e, no segundo, mantém--se a sociedade parcialmente cindida. Em resumo, na cisão a sociedade se fragmenta, divindo-se em duas ou mais parcelas. Essas parcelas patrimoniais podem originar novas sociedades, como integrar-se em sociedades existentes.

Reiterando nossa conceituação, afi rma Rubens Requião:

“A cisão é a operação na qual uma sociedade transfere, para uma ou mais sociedades, constituídas para esse fi m ou já existentes, parcelas de seu patrimônio. Verifi cando-se a versão de todo o seu patrimônio, a sociedade restará extinta, qualifi cando-se a cisão de total; sendo par-cial, a sociedade não se extingue, ocorrendo a divisão de seu capital, nominando-se o evento, nesse caso, de cisão parcial.”146

Se a cisão importar na completa transferência do patrimônio, a socieda-de cindida se extinguirá; remanescendo uma parcela do patrimônio em seu poder, preservada estará a primitiva sociedade, com o capital naturalmente reduzido na proporção do patrimônio líquido transmitido.

3. DIREITO DE RECESSO

Com o advento da Lei nº 10.303/01 — a qual alterou diversos disposi-tivos da Lei das S.A. —, o direito de retirada dos acionistas de sociedades anônimas, quando da aprovação de operações de reorganização societária, sofreu signifi cativas alterações.

Fusão da companhia, ou sua incorporação em outra: conforme estabelece o artigo 137, II, da Lei das S.A., não terá direito de retirada o titular de ação de espécie ou classe que tenha liquidez e dispersão no mercado.

Há liquidez quando a espécie ou classe de ação integre índice geral repre-sentativo de carteira de valores mobiliários admitido à negociação no mer-cado de valores mobiliários, no Brasil ou no exterior, defi nido pela CVM147.

Há dispersão quando o acionista controlador, a sociedade controladora ou outras sociedades sob seu controle detiverem menos da metade das ações daquela espécie ou classe148.

Cisão da companhia: somente haverá direito de retirada se a cisão implicar mudança do objeto social, redução do dividendo obrigatório ou participação em grupo de sociedades, nos termos do artigo 137, III, da Lei nº 6.404/76.

Conforme preconiza Modesto Carvalhosa, o direito de recesso origina-se do reconhecimento legal da natureza contratual da companhia. O instituto tem por objetivo tutelar o interesse do acionista individual que decide não permanecer vinculado a uma sociedade, cujas transformações institucionais (fusão, incorporação), que não lograram alcançar a sua concordância.

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FGV DIREITO RIO 130

149. Art. 233 da Lei das S.A.

150. Art. 233, parágrafo único, da Lei

das S.A.

4. DIREITO DOS CREDORES

Os direitos dos credores das sociedades envolvidas em operações de incor-poração, cisão ou fusão encontram-se protegidos pela Lei nº 6.404/76, va-riando de acordo com o tipo de operação societária. Assim, temos diferentes direitos para os credores para os casos de incorporação e fusão, de um lado, e para os casos de cisão, de outro.

4.1. Na incorporação e na fusão

No caso de incorporação ou fusão, os credores da sociedade têm o direito de pleitear judicialmente a anulação da operação em questão, nos termos do artigo 232 da Lei das S.A.

Esse direito, como não poderia deixar de ser, não pode tornar a sociedade refém de um eventual credor de má-fé, razão pela qual a lei societária garante à sociedade envolvida na operação o direito de consignar em pagamento ou garantir a execução (para o caso de dívida ilíquida), permitindo a continui-dade da operação.

4.2. Na cisão

Nos casos de cisão parcial, a cindida e as sociedades que absorverem parcela de seu patrimônio respondem solidariamente pelas obrigações da primeira149. Não obstante, a lei faculta às sociedades a possibilidade de estabelecer que as sociedades que absorverem o patrimônio da cindida somente respondem pe-las obrigações que lhes forem transferidas, sem solidariedade. No entanto, em tal hipótese, cabe aos credores da sociedade originária o direito de oposição a tal estipulação, devendo o mesmo ser manifestado no prazo de 90 (noventa) dias da data da publicação da ata que deliberou a cisão150.

Por outro lado, nos casos de cisão com extinção da cindida (cisão total), as sociedades que sobrevierem respondem solidariamente pelas obrigações daquela, consoante estabelece o artigo 233 da Lei das S.A.

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C) CASO: SATIPEX/DURATEX

Fatos da Operação:

• Satipel incorpora Duratex;• Acionistas de Duratex receberão ações ordinárias de Satipel —

NM;• Relação de Substituição: — 3,053 ação de Satipel por ação ordiná-

ria de Duratex detida pelo controlador; — 2,544 ação de Satipel por ação ordinária detida pelos minoritários;

• Estatuto Social: ON e PN tinham direito a tag-along a 80%• Relação de Substituição mais favorável que tag-along — prêmio

de apenas 16.63% controle (20% Art. 254-A).• Relação de Substituição negociada por partes independentes.• Ações da Duratex têm pouca liquidez.• Nova companhia terá liquidez (free fl oat) de 40% do capital.

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COTAÇÃO DAS AÇÕES DE DURATEX X SATIPEL

60 pregões anteriores à divulgação da operação

45 pregões anteriores á divulgação da operação

30 pregões anteriores à divulgação da operação

Ações ON da DURATEX 3,608493 3,5139094 3,4784874

Ações PN da DURATEX 3,0327513 2,9420382 2,9416232

Questionamentos:

O tratamento dos minoritários foi equitativo?Há prêmio de controle na incorporação?O controlador pode votar na age de incorporação da duratex?

D) TEXTO DE APOIO

Empresas cotadas em Bolsa aquecem os negócios

Ano eleitoral costuma ser sinônimo de arrefecimento no mercado de fu-sões e aquisições, mas, em 2006, a regra não prevaleceu. De janeiro a setem-bro, foram realizadas 386 transações desse tipo no País, 46% mais do que no mesmo período de 2005 e quase igualando as 387 negociações do ano pas-sado, segundo levantamento da consultoria PricewaterhouseCoopers. Outra consultoria, a KPMG, também constatou esse aquecimento surpreendente, estimando em 36% o crescimento dos negócios nos primeiros nove meses do ano. As operações que mais cresceram (+200%) foram as compras de em-presas estrangeiras por brasileiras (chamadas cross-border). E as previsões são de uma nova temporada aquecida. “2007 deve ser o ano de apogeu do ciclo de alta para essas transações”, prevê Cláudio Leoni Ramos, sócio da KPMG Corporate Finance. Outro especialista, o advogado Juliano Battella Gotlib, sócio do escritório Azevedo Sette, confi rma: “As perspectivas para o próximo ano são excepcionais”.

A expansão do mercado de capitais alavanca as fusões e aquisições. “A evo-lução do mercado de capitais foi fundamental para incentivar os negócios de compra de empresas”, nota Raul Beer, sócio da área de Corporate Finance da Pricewaterhouse. Houve, afi rma, um salto qualitativo das companhias com papéis negociados na Bovespa, sufi ciente para manter as transações aquecidas em ano de eleições.

Empresas que fazem um lançamento inicial de ações (IPO), enfatiza Beer, podem levantar recursos destinados a aquisições. “Esse é um movimento que

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nunca vimos antes no Brasil, mas que fi cou claro neste ano com vários exem-plos, como o da Companhia de Concessões Rodoviárias (CCR) e da Totvs”. Os números sustentam os argumentos de Beer: até meados de outubro, os lançamentos de ações somaram cerca de R$ 27 bilhões e superaram em 60% o total de 2005. Para isso, contribuiu muito a adoção de padrões contábeis reconhecidos internacionalmente e o elevado nível de governança corporati-va das empresas cotadas na Bovespa. Empresas com essas características têm, ao mesmo tempo, mais capacidade de compra e são mais atrativas para in-vestidores.

As fusões e aquisições são diversifi cadas, mas alguns segmentos se destaca-ram, como mineração, tecnologia de informação, usinas de açúcar e álcool, construção e energia. Pelo critério de volume, o setor fi nanceiro se destaca. Segundo a Pricewaterhouse, os três maiores negócios realizados até setembro foram desse segmento: a compra do Pactual pelo UBS por US$ 2,5 bilhões e a aquisição, pelo Itaú, do BankBoston no Brasil, por US$ 2,2 bilhões e no Chile e Uruguai, por US$ 1,1 bilhão. Essas transações somaram US$ 5,8 bilhões, mais que o dobro do total dos outros quatro maiores negócios em volume no período, que acumularam US$ 2,78 bilhões — entre os quais outra transação no segmento fi nanceiro: a compra do American Express pelo Bradesco, por US$ 490 milhões.

Os lucros favoreceram as aquisições. O balanço do terceiro trimestre mos-trou que todo o ágio referente à compra do BankBoston foi pago com o lucro de três meses do Itaú.

Pique em outubro — Em outubro, os números ganharam impulso com a compra, pela Companhia Vale do Rio Doce, de 75,6% do capital da mi-neradora canadense Inco, segunda maior produtora de níquel do mundo. A operação, estimada em US$ 17,2 bilhões, foi a maior feita por uma empresa brasileira. A Vale tornou-se a segunda maior mineradora do mundo, atrás somente da BHP Billiton. Também em outubro, a Companhia Siderúrgica Nacional (CSN) anunciou a intenção de fundir-se com a norte-americana Wheeling Pittsburgh para as operações nos Estados Unidos. A Wheeling tem capacidade para produzir 2,8 milhões de toneladas de placas e 3,4 milhões de toneladas de laminados a quente por ano, e seu valor de mercado é calculado em US$ 291,6 milhões.

A evolução dos investimentos brasileiros no exterior é simbólica. Segun-do o Banco Central, as empresas brasileiras tinham investimentos diretos de US$ 79,2 bilhões, em 2005, contra US$ 69,1 bilhões, em 2004, e US$ 49,6 bilhões, em 2001. É uma tendência, segundo os especialistas, fortalecida pelo crescimento do mercado de capitais brasileiro. “Empresas com presença na Bovespa conseguem captar recursos via emissão de ações e também têm visibilidade e excelência administrativa”, afi rma Cláudio Ramos, da KPMG. “Essa situação permite que tenham força para crescer também via aquisições

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FGV DIREITO RIO 134

de empresas no exterior, como aconteceu este ano com Vale e Gerdau, entre outras. Elas ganham força para investir valores expressivos, de olho no merca-do externo, já que identifi caram que em muitos casos a concorrência é mais global do que local.”

O segundo semestre de 2006, segundo Ramos, foi o “período em que as empresas brasileiras mais foram às compras no exterior”. Em outubro, a Ger-dau Ameristeel, subsidiária da Gerdau nos Estados Unidos, fechou parceria com a Pacifi c Coast Steel, ampliando sua presença no país. O grupo brasileiro pagará US$ 104 milhões por participação majoritária na PCS, com a qual reforçará sua atuação no mercado de corte e dobra de aço para construção. Em setembro, a Vale já tinha anunciado associação com uma empresa da China. Pelos estudos da KPMG, esse tipo de aquisição se expandiu também entre empresas menos conhecidas do investidor, como a Forjas Taurus, que comprou 49% da Taurusplast, que pertenciam à Contenedores Argentinos e à italiana Triulzi.

As companhias brasileiras listadas na Bovespa destacam-se entre as mais internacionalizadas, conforme ranking da Fundação Dom Cabral. A avalia-ção foi feita por sete itens referentes à presença externa. A líder é a Gerdau, a Vale ocupa o terceiro lugar (sem levar em conta a compra da Inco), seguindo--se a Petrobras e a Marcopolo. Outras empresas do ranking são Embraer, Sadia, Aracruz Papel e Celulose, Randon, Perdigão, Datasul e Braskem.

Outro levantamento, feito por consultorias e pelo jornal Valor, destaca a importância das empresas listadas na Bovespa: houve 26 operações de fu-são ou aquisição envolvendo companhias que ingressaram na Bovespa nos últimos dois anos. Os negócios superaram R$ 5 bilhões. Além da CCR e Totvs, entre as “novatas” na Bolsa que fi zeram aquisições estão Dasa, Sub-marino, OHL, Cyrela, Cosan, Gafi sa, Lupatech, ALL, GP Investments, Brasilagro e Net.

Depois de optar pelo mercado de capitais, a Totvs deslanchou. Recebeu recursos de um fundo de private equity e do BNDES e fez um lançamento de ações. Levantou R$ 460 milhões e comprou a RM Sistemas. Outro exemplo foi o da construtora Cyrela, cujas ações entraram em Bolsa em setembro de 2005: ela incorporou a RJZ, do Rio de Janeiro e fi rmou parcerias com seis empresas.

O mercado brasileiro de fusões começa a entrar no ritmo aquecido da economia global. Em 2006, serão superados os recordes do número e volume de transações de 2000 (com 30.812 negócios, somando US$ 3,3 trilhões), se-gundo a KPMG, baseando-se nos dados do primeiro semestre (16.259 tran-sações, no valor de US$ 1,96 trilhão).

Além do Brasil, destacaram-se a Índia, a China e a Rússia — onde a fusão das russas Rusal e Sual com a suíça Glencore gerou a United Company Ru-sal, maior fabricante mundial de alumínio. A chinesa Lenovo investiu mais

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de US$ 1 bilhão na compra da divisão de computadores pessoais da IBM e tornou-se a terceira maior do mundo no segmento. Na siderurgia, a indiana Tata Steel adquiriu a anglo-holandesa Corus e a Mittal Steel, maior do mun-do, adquiriu a Arcelor, segunda no ranking, por US$ 31 bilhões.

Apesar do avanço já ocorrido, o Brasil tem espaço para crescer em fusões e aquisições. Ganhou cinco posições em relação a 2005, mas ainda ocupa um modesto 52º lugar numa mostra de 62 nações avaliadas pelo índice de nível de globalização da consultoria A.T. Kearney. O mercado de capitais alavanca a internacionalização. “A economia brasileira está num estágio em que é cada vez mais difícil crescer organicamente, ou seja, instalar uma empresa cum-prindo todos os passos do processo, como compra de terreno para instalar fá-brica, aquisição de máquinas, etc.”, constata Beer. Uma Bolsa forte dá alento às operações. Como observa Ramos, “temos empresas de alto nível e muitas delas ganharam força com sua presença no mercado de capitais”.

(Fonte:http://www.bovespa.com.br/InstSites/RevistaBovespa/100/Fuso-es.shtml)

E) JURISPRUDÊNCIA

“SOCIEDADE ANÔNIMA — CISÃO PARCIAL — RESPONSABILI-DADE PERANTE OS CREDORES — MATÉRIA DE FATO — SÚMU-LA 7/STJ. Afi rma o acórdão recorrido da ausência de prova da concretização da alegada cisão entre a recorrente e a sociedade Sintagro S/A. Igualmente, não há anuência expressa do credor com a transferência de seu crédito ou repactuação da cédula rural pignoratícia e hipotecária, com a conseqüente aplicação da regra do caput do artigo 233 da Lei nº 6.404/76, impondo a solidariedade entre as sociedades cindida e cindenda. Logo, inviável o recurso especial que pretende demonstrar violação aos seus termos, por incidência do enunciado nº 7 da súmula desta Corte. Com ressalvas do relator quanto à ter-minologia, recurso especial não conhecido” (STJ, 3ª Turma, REsp 276.013/MG, Rel. Min. Castro Filho, j. 16.05.2002, v.u., DJ 10.06.2002, p. 203).

“PROCESSUAL CIVIL E COMERCIAL — CISÃO PARCIAL DE SO-CIEDADE — REPERCUSSÃO QUANTO AOS DIREITOS DO CRE-DOR — RESPONSABILIDADE SOLIDÁRIA ENTRE A COMPANHIA CINDIDA E AQUELAS QUE INCORPORARAM PARTE DO SEU PATRIMÔNIO SOCIAL — ART. 233 DA LEI Nº 6.404/76 — INTE-LIGÊNCIA — LITIGÂNCIA DE MÁ-FÉ — CARACTERIZAÇÃO — APLICAÇÃO DE MULTA — INOCORRÊNCIA DE VIOLAÇÃO AO ART. 18 DO C.P.C..

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FGV DIREITO RIO 136

I — Em se tratando de cisão parcial, nada pactuando as partes acerca da responsabilidade das obrigações sociais em relação a terceiros, prevalece a responsabilidade solidária prevista no caput do art. 233 da Lei nº 6.404/76, restando afastada a aplicação do seu parágrafo único.

II — Sobrevindo conduta temerária capaz de tornar lesivo o exercício do direito processual da parte, correta a imposição da sanção prevista no art. 18 do C.P.C..

III — Recurso especial não conhecido” (STJ, 3ª Turma, REsp 195.077/SC, Rel. Min. Waldemar Zveiter, j. 04.05.2000, v.u., DJ 26.06.2000, p. 158; RT 782/218).

“SOCIEDADE POR AÇÕES. CISÃO DE SOCIEDADE ANÔNIMA. CONFIGURAÇÃO. OBRIGAÇÃO SOLIDÁRIA. PROSSEGUIMENTO DA EXECUÇÃO. AGRAVO DE INSTRUMENTO. EXECUÇÃO. EX-CEÇÃO DE PRÉ-EXECUTIVIDADE. CISÃO DE EMPRESA. TRANS-FERÊNCIA DE ATIVO E PASSIVO. OBRIGAÇÃO SOLIDÁRIA. Confi -gura-se cisão o negócio jurídico pelo qual uma sociedade transfere parcelas de seu patrimônio para outra sociedade criada a fi m de prosseguir na exploração de suas atividades comerciais. Não importa o nome dado pelas empresas en-volvidas ao negócio jurídico, o que importa é a realidade fática e jurídica criada por esse negócio, bem como a situação dos credores diante dessa nova situação. Logo, a obrigação de responder por dívidas originárias de execuções judiciais anteriores à cisão transferiu-se para o BANERJ S/A, pois é solidário e absorve diretamente os efeitos dessa execução. Recurso não provido” (TJRJ, 8ª CC, AI 2003.002.13112, Rel. Des. Marco Aurélio Fróes, j. 04.11.2003).

“EMBARGOS INFRINGENTES — Ação de anulação de deliberação tomada em assembleia — Transformação de sociedade anônima em socie-dade por quotas de responsabilidade limitada — Pretensão de acionista no sentido de obter anulação da deliberação da maioria — Impossibilidade de acolhimento da pretensão, porque: a) não houve irregularidade nas delibe-rações das assembleias; b) a conduta posterior da embargante mostrou-se incompatível com a sua inconformidade — Embargos rejeitados” (TJSP, 1ª CDPri, EI 156.252-4/0-01, Rel. Des. Alexandre Germano, j. 13.02.2001).

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FGV DIREITO RIO 137

F) QUESTÕES DE CONCURSO

(30º Exame de Ordem OAB-RJ)51 — “A operação pela qual uma ou mais sociedades anônimas são ab-

sorvidas por outra, que lhes sucede em todos os direitos e obrigações” é a defi nição de qual dos institutos abaixo indicados:

a. Fusão;b. Transformação;c. Incorporação;d. Cisão.

(27º Exame de Ordem OAB-RJ)1 — A empresa Cia. Vale do Paraíba, sediada no Rio de Janeiro-RJ, de

capital fechado, deliberou em Assembleia Geral por sua cisão parcial no dia 10/01/2005, cuja publicação ocorreu em 10/05/2005. Foram regularmente cumpridas as exigências dos artigos 224, 225 e 226 da Lei 6404/76 (Lei de SA), bem como os artigos 1113 e 1114 da Lei 10406/2002 (Código Civil). A opera-ção manteve a Cia. Vale do Paraíba e criou a Paraibinha Extração Ltda., tendo esta absorvido 70% do patrimônio da companhia cindida. O ato de cisão esti-pulou que Paraibinha Extração Ltda. será responsável apenas pelas obrigações havidas antes de 2003, restando as demais para a Cia. Vale do Paraíba.

Esteve em seu escritório, no dia 30/05/2005, o procurador da empresa Tratores Martins Ltda., credora da companhia cindida em R$ 550.000,00 (quinhentos e cinqüenta mil reais), através de duplicata de compra e venda mercantil, com vencimento em 20/09/2005. Este cliente entende que, por conta da cisão, seu crédito fi cou ameaçado, já que setenta por cento do patri-mônio de sua devedora foi transferido a outra empresa, que por sua vez não tem solidariedade com a Cia. Vale do Paraíba.

Como advogado da credora, prepare a peça pertinente ao caso apresentado.

(25º Exame de Ordem OAB-RJ)48 — Assinale a alternativa correta:a. Nas sociedades anônimas, o capital social poderá ser formado com con-

tribuições em qualquer espécie de bens suscetíveis de avaliação em dinheiro, desde que referida avaliação seja feita por 1 (um) perito, sendo vedada a con-tratação de empresa especializada para tal fi m;

b. Concluída a operação de incorporação, a sociedade incorporada não se extinguirá até que sejam satisfeitas todas as suas obrigações;

c. De acordo com o direito brasileiro, é expressamente vedada a cessão, total ou parcial, da patente ou do pedido de patente;

d. A nota promissória é uma promessa de pagamento e deve conter como um dos requisitos essenciais para sua validade o nome da pessoa a quem deve ser paga.

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FGV DIREITO RIO 138

(5º Exame de Ordem OAB-RJ)5 — Entre as modifi cações sociais, dizer em qual delas ocorre a transferên-

cia de parte do patrimônio de uma sociedade para outra já existente ou criada especialmente para isso.

(27º Exame de Ordem OAB-RJ)47 — Marque a alternativa CORRETA:a. Na fusão é vedado aos sócios votar o laudo de avaliação do patrimônio

da sociedade de que façam parte.b. Na fusão uma ou mais sociedades são absorvidas por outra, que lhes

sucede em todos os direitos e obrigações.c. Na fusão apenas os credores de dívidas líquidas e certas poderão promo-

ver judicialmente a anulação desta.d. Na fusão não há a extinção das sociedades que se unem, permanecendo

estas com suas personalidades jurídicas independentes.

G) GLOSSÁRIO

Lançamento inicial de ações (IPO): primeiro lançamento de ações ao público realizado por uma companhia.

Fundo de private equity: Modalidade de fundo de investimento que compra participação acionária em sociedades.

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FGV DIREITO RIO 139

MÁRCIO SOUZA GUIMARÃESDoutorando pela Université de Toulouse (Centre de Droit des Aff aires). Mestre em Direito. Visiting scholar na Harvard Law School. Professor visitante da Universidade de Toulouse. Professor de Direito Empresarial da Graduação e Coordenador do Curso de Direito Societário e Mercado de Capitais da Pós-Graduação da Escola de Direito Rio da FGV — Fun-dação Getúlio Vargas. Promotor de Justiça (RJ) titular da 1ª Promotoria de Massas Falidas da Capital.

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FGV DIREITO RIO 140

FICHA TÉCNICA

Fundação Getulio Vargas

Carlos Ivan Simonsen LealPRESIDENTE

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Joaquim FalcãoDIRETOR

Sérgio GuerraVICE-DIRETOR DE ENSINO, PESQUISA E PÓS-GRADUAÇÃO

Rodrigo ViannaVICE-DIRETOR ADMINISTRATIVO

Thiago Bottino do AmaralCOORDENADOR DA GRADUAÇÃO

André Pacheco Teixeira MendesCOORDENADOR DO NÚCLEO DE PRÁTICA JURÍDICA

Cristina Nacif AlvesCOORDENADORA DE ENSINO

Marília AraújoCOORDENADORA EXECUTIVA DA GRADUAÇÃO

Paula SpielerCOORDENADORA DE ATIVIDADES COMPLEMENTARES E DE RELAÇÕES INSTITUCIONAIS