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ROTEIRO DE CURSO 2013.2 DIREITO DA PROPRIEDADE AUTOR: GUSTAVO KLOH MULLER NEVES

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ROTEIRO DE CURSO2013.2

DIREITO DA PROPRIEDADE

AUTOR: GUSTAVO KLOH MULLER NEVES

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SumárioDireito da Propriedade

INTRODUÇÃO ..................................................................................................................................................... 3

BLOCO DE AULAS: PROPRIEDADE E POSSE ................................................................................................................. 4Aula 1: O que é ser dono ............................................................................................................... 5Aula 2: Função social da propriedade: o dono pode fazer tudo? .................................................... 12Aula 3: A propriedade e a posse: eu estou aqui ............................................................................. 18Aula 4: A função social da posse e o critério da melhor posse. ...................................................... 22Aula 5: Na Justiça: a tutela jurídica da posse. Tutela possessória e petitória ................................... 32Aula 6: Propriedade e moradia ..................................................................................................... 36Aula 7: Só é dono quem registra ................................................................................................... 42Aulas 8, 9 e 10: Usucapião ........................................................................................................... 51Aula 11: Soluções para a ausência de registro. ............................................................................... 63Aula 12: Estatuto da cidade.......................................................................................................... 69Aula 13: Direito de vizinhança ..................................................................................................... 79Aula 14: Direito de construir ....................................................................................................... 88

BLOCO 2: NEGÓCIOS IMOBILIÁRIOS E DEMAIS DIREITOS REAIS ..................................................................................... 94Aula 15: Incorporações imobiliárias ............................................................................................. 95Aulas 16 e 17: Condomínio ....................................................................................................... 104Aula 18: Demais direitos reais .................................................................................................... 107Aula 19: Financiamento imobiliário ........................................................................................... 112Aula 20: Alienação fi duciária ...................................................................................................... 114Aula 21: Hipoteca e penhor ....................................................................................................... 119Aula 22 e 23: Superfície ............................................................................................................. 125Aula 24: Usufruto e servidão ...................................................................................................... 131

EXERCÍCIOS OAB — DIREITOS REAIS ................................................................................................................... 135

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DIREITO DA PROPRIEDADE

FGV DIREITO RIO 3

INTRODUÇÃO

APRESENTAÇÃO DOS OBJETIVOS DO CURSO

Você mora em um imóvel. Estuda em um imóvel. Conversa, compra, anda e se diverte em um imóvel. E, justamente por essa razão, os imóveis sempre foram alvo de especial atenção na sociedade. Quem adquire direi-tos sobre eles, acessa necessariamente uma riqueza perene e de valor único. Como consequência, a determinação dos critérios sobre quem assume a titu-laridade é crucial para que se entenda de que maneira o poder a as posições são distribuídas em sociedade.

A propriedade, o direito que se impõe ao mesmo tempo sobre as coisas e sobre os outros direitos sobre as coisas, é o índice para que se determine o resultado dessa pergunta. Seu estudo, em várias facetas, será nosso objeto de estudo.

Além de enfrentar as questões relativas aos imóveis, iremos tocar questões relevantes à compreensão da própria vida do homem nas cidades. Porque, quanto maior o mundo, menor a capacidade de reduzi-lo a uma dimensão puramente individual. O direito de um será, portanto cotejado, com o direi-to dos outros.

Busca-se, desse modo, a compreensão do individual e do coletivo na pro-priedade, e de que modo essa ligação intrínseca se dá.

METODOLOGIA E AVALIAÇÃO

A metodologia adotada é a amparada em casos, como nas demais disci-plinas do curso. Sobreleva o papel da realidade concreta na determinação do conteúdo dos casos, pois estão todos os alunos previamente vivenciados na experiência de convívio na realidade urbana e imobiliária. Dessa sorte, as experiências dos alunos serão especialmente valorizadas, com a condução do professor.

A avaliação consistirá de dois exames escritos, a serem realizados no ho-rário de aula. Na composição da nota do primeiro exame, será tomada em consideração desempenho em atividade de pesquisa, a ser realizada sob orien-tação do professor.

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DIREITO DA PROPRIEDADE

FGV DIREITO RIO 4

BLOCO DE AULAS: PROPRIEDADE E POSSE

OBJETIVO DO BLOCO DE AULAS

Nesse bloco de aulas, o objetivo da turma reside em compreender a rele-vância das situações proprietárias, de que maneira essas situações se delineiam na realidade contemporânea, as relações existentes entre posse e propriedade e o papel da função social na análise do conteúdo e efeitos da relação pro-prietária.

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AULA 1: O QUE É SER DONO

EMENTÁRIO DE TEMAS:

A tutela das titularidades. Conceito de Propriedade: Propriedade e pro-priedades. Sentidos e objetivos da proteção proprietária. Titularidade de di-reitos intelectuais e de ações.

LEITURA OBRIGATÓRIA

LORENZETTI, Ricardo, “Fundamentos de Direito Privado”.São Paulo:Revista dos Tribunais, bens1998, pp. 85-115 (cap. 2: o direito privado como ga-rantia de acesso a bens)

LEITURA COMPLEMENTAR:

LEAL, Rogério Gesta, “Função Social da Propriedade e da Cidade”, Porto Ale-gre: Livraria do Advogado, 1998, pp. 29-60.

PIPES, Richard Pipes. “Propriedade e Liberdade”, Rio de Janeiro: Record, 2001, pp. 331-342.

ROTEIRO DE AULA

A PROPRIEDADE EM SUA VISÃO TRADICIONAL

Desde o direito romano, a questão da propriedade se põe diante dos es-tudiosos do direito como das mais tormentosas, sem que se possa desde logo defi nir lineamentos imutáveis ou axiomas quaisquer.

Em primeiro lugar, vale referir que não apenas no Direito, como também na economia, na ciência política e na sociologia, as discussões em torno da função e do conceito de propriedade sempre tiveram maior vulto, havendo mesmo quem desejasse explicar a evolução histórico-econômica da sociedade humana como se fora uma história da propriedade sobre os bens de capital.

Ao largo desta circunstância passaremos, pois não é objetivo deste co-mentário descortinar maiores indagações sobre questões desta profundidade. Vamos nos deter sobre o que é exarado do dispositivo acima, portanto.

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DIREITO DA PROPRIEDADE

FGV DIREITO RIO 6

1 Martin Wolff , Derecho das Cosas, vol.

1°, 3ª ed, Barcelona, Bosch, 1971, p.

326.

2 Bevilacqua, Código Civil dos EUB, vol.

III, 11ª ed, Rio de Janeiro, Francisco

Alves, 1958, p. 45.

Na consolidação de Teixeira de Freitas, já se lia no art. 884: “Consiste o do-minio na livre faculdade de usar e dispor, das cousas e de as demandar por acções reaes”. Ou seja, a fórmula do artigo acima apenas consagra a conjugação de poderes já prevista nas Ordenações, e que se mantém até hoje. Ocorre que este desfi ar sintético de poderes, conquanto verdade, não encerra a compre-ensão jurídica da propriedade nos dias atuais.

Inicialmente, podemos afi rmar que a propriedade consiste no mais extenso direito real que um determinado ordenamento jurídico confere a um titular.1 Gostamos desta defi nição não porque ela é em especial boa, mas porque reconhe-ce como toda e qualquer uma há de ser ruim, ou seja, é impossível formular um conceito uno e a-histórico de propriedade. De qualquer sorte, todo direito sub-jetivo que consistir, em uma dada ordem, no direito mais amplo que se dá a um titular sobre uma coisa, será esta a propriedade, pois é esta a função que ocupa, a de ser meio de exercício de poder econômico e de atribuição de titularidades.

Consideramos também importante referir um outro aspecto: o titular da propriedade possui, em relação à coisa, um poder interno e outro externo; interfere no destino da coisa, e impede que terceiros o façam, ou só o façam de acordo com seus desígnios.2 Portanto, a distribuição das titularidades e da ri-queza efetivamente passam pela normativização da propriedade na sociedade.

PODERES PROPRIETÁRIOS

O art. 1.228 do Código Civil encerra os chamados poderes proprietários: usar, gozar, dispor e reivindicar, que permanecem com estrutura semelhante desde as Institutas de Justiniano. É esse o primeiro artigo do capítulo de pro-priedade do Código Civil de 2002, com a seguinte redação:

“Art. 1.228. O proprietário tem a faculdade de usar, gozar e dispor da coisa, e o direito de reavê-la do poder de quem quer que injustamente a possua ou detenha”

Essas características, todavia, não devem se tomadas isoladamente, e sim consideradas dentro de um quadro no qual a propriedade se comporta de modo diferenciado, de acordo com as respectivas situações. Deve-se destacar o papel ocupado pela propriedade de direitos imateriais, como cotas, ações, marcas, patentes, etc., como pedra de toque dessa revisão.

A PROPRIEDADE NA SOCIEDADE: RIQUEZA, ACÚMULO E ACESSO

Mas se ser proprietário é ter esses poderes, e ser considerado o principal interessado em relação a uma coisa, a propriedade é sempre uma situação “modelo”, a ser buscada e seguida, ou seria possível associar certas funções à propriedade, e qualifi cá-la de acordo com essas funções?

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DIREITO DA PROPRIEDADE

FGV DIREITO RIO 7

TEXTO

“Comprar ou alugar? Eis a questão (06.10.2004)Kênio de Souza Pereira (*)

Decidir-se por pagar aluguel ou por adquirir um imóvel é uma das maiores dúvidas que enfrentamos quando passamos a ter independência fi nanceira. Quando possuímos recursos sufi cientes para comprar, à vista, o que deseja-mos não há problema, pois certamente ter casa própria é fator de cidadania e segurança, especialmente para a família.

Mas, geralmente a aquisição só é possível através de fi nanciamento ou de parcelamento em longo prazo. Nesse momento são cometidos erros que podem levar a prejuízos expressivos, especialmente se ignorarmos que toda compra e venda de imóvel é complexa, seja pelo mercado, pela negociação, pela elaboração do contrato ou da documentação.

Cultuamos a idéia de que pagar aluguel é um péssimo negócio por ser di-nheiro jogado fora. Tal afi rmação não é verdadeira. É preferível, às vezes, pagar aluguel, especialmente quando o inquilino trabalha por conta própria e pre-cisa do dinheiro para capital de giro. Às vezes, descapitalizar a empresa pode comprometer a sua sobrevivência. O custo do aluguel mensal, em torno de 0,7% em relação ao valor do imóvel, é muito baixo, especialmente se compa-rado com o custo para uma empresa buscar dinheiro fi nanciado nos bancos.

Esquecemos, muitas vezes, que é saudável e necessário investirmos em nos-so bem estar, em morar ou trabalharmos num local que atenda às nossas ne-cessidades ou expectativas para que possamos nos realizar como pessoas ou profi ssionais, e, em grande parte das vezes, a única solução é alugar, dada a necessidade imediata de morar ou trabalhar em determinado tipo de imóvel.

Ao optar pela compra de um imóvel, o bem mais caro do mundo, é co-mum essa decisão vir acompanhada de grande carga emocional, o que atra-palha o raciocínio lógico. Primeiramente, devemos procurar constituir uma poupança prévia, num percentual mínimo de 50% do valor do imóvel que pretendemos adquirir. Para isso, é preciso pesquisar o que realmente deseja-mos e qual o valor da dívida que poderemos assumir.

É, ainda, aconselhável saber que quanto maior o valor da entrada, menor será o risco de inadimplência, mas que o contrário também é verdade, pois a idéia de fi nanciar de 70% a 100% do imóvel é arriscada, já que são poucos os brasileiros certos de que manterão a capacidade de pagamento das par-celas por dez ou vinte anos. Vemos com certa frequência pessoas honestas tornando-se réus em ações de cobrança, execução ou até perdendo o imóvel em decorrência do leilão do imóvel fi nanciado. O sonho da casa própria é tão intenso que as pessoas insistem em ignorar que ninguém está isento de fi car doente, de perder o emprego ou passar por uma crise fi nanceira em seu

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negócio, especialmente durante o longo prazo do fi nanciamento e num país em que a política econômica é instável e sujeita a planos e pacotes mirabo-lantes. A maioria não busca assessoria para entender os refl exos jurídicos das cláusulas do contrato, consistindo ingenuidade e amadorismo a idéia de que a compra de um imóvel é simples.

Para aqueles que têm a ilusão de que os agentes fi nanceiros vendem casa própria, é bom saberem que a coisa não é bem assim... Ocorre que o dinheiro no Brasil é uma mercadoria cara, que o custo fi nanceiro (TR mais juros de 12% a 16%) faz a dívida do fi nanciamento subir em torno de 18% ao ano, sem contar o custo mensal do seguro de vida e os danos físicos do imóvel. Portanto, o banco não vende imóvel e, sim, empresta dinheiro, sendo o imó-vel mera garantia hipotecária ou fi duciária. Por isso os agentes fi nanceiros, dentre eles a Caixa Econômica Federal, não aceitam o imóvel como paga-mento da dívida quando o mutuário não consegue quitar pontualmente as prestações. O comprador acaba sofrendo uma ação de execução, fi cando com o nome ‘sujo’ e perdendo crédito na praça e, fi nalmente, perde também o imóvel através do leilão decorrente da hipoteca.

O pior é que o comprador geralmente se vê forçado a sair do imóvel, sem nada receber, perdendo ainda as benfeitorias (reformas, armários,etc.) ins-taladas, o sinal e tudo que pagou durante anos. Portanto, cabe à pessoa que deseja comprar um imóvel fi nanciado atentar para os riscos e compreender porque tantos mutuários reclamam e se surpreendem ao constatarem que continuam a dever R$ 100 mil, ou seja, quase o dobro do que vale o imóvel avaliado em R$ 50 mil, após ter pago a entrada e durante anos, as prestações. O fato é que o governo induziu milhares de mutuários a fi nanciarem imó-veis sob a propaganda enganosa do PES (Plano de Equivalência Salarial) ou do PCR (Plano de Comprometimento de Renda), que prometiam que os valores das prestações acompanhariam a evolução salarial ou que a mesma não ultrapassaria o percentual de 25% ou 30% do rendimento do mutuário, levando-o a acreditar que quitaria toda a dívida ao fi nal do prazo. Ocorre que, ninguém explicou para o mutuário que quanto menor a sua prestação, que fi cava sem aumentar, maior se tornava a sua dívida, ou seja, o seu saldo devedor disparava em função do mesmo subir de forma capitalizada, em tor-no de 18% ao ano, sem qualquer ligação com a evolução do seu salário ou com a variação do valor do imóvel.

Portanto, para muitos seria melhor terem continuado a pagar aluguel, sem correr o risco do prejuízo da entrada e dezenas de prestações de um fi nancia-mento impagável, e ainda perder o crédito na praça e os valores investidos no imóvel com benfeitorias.

Obtendo recursos para dar entrada num imóvel, caso opte pela compra diretamente com a construtora, o risco será menor, pois o Código de Defesa do Consumidor proíbe que o comprador perca todas as parcelas que tiver

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quitado, caso se torne inadimplente. Neste caso, o comprador não perde tudo como ocorre na rescisão do contrato com o agente fi nanceiro. Ocor-rendo a rescisão na compra e venda feita diretamente com a construtora, o comprador receberá de volta parte do que pagou, cabendo a ele fi car atento para as complexas condições do contrato de promessa de compra e venda, de forma a lhe propiciar maior segurança.

(*) O autor é Diretor da Caixa Imobiliária, Advogado Especializado em Direito Imobiliário — Tel. (31) 3225-5599, e-mail: keniopereira@caixa imobiliaria.com.br”3

CASO GERADOR.

Leia o texto abaixo:

Sistema de tempo compartilhado em meios de hospedagem e turismo: o desenvolvimento do time sharing no Brasil

HISTÓRIAO Time Sharing surgiu logo após a 2ª Grande Guerra Mundial, como uma

solução para o turismo na Europa do pós-guerra, tanto para os proprietários de hotéis e agências de viagem, quanto para as famílias, que já não podiam comprar uma propriedade de férias, reuniam-se então os grupos familiares e juntos adquiriam e compartilhavam um imóvel de férias; ao mesmo tempo em que os hotéis turísticos também promoviam o compartilhamento de seus apartamentos, dividindo os períodos de utilização em três a quatro meses, conforme o aporte de cada família.

Os norte-americanos adotaram e aprimoraram esta fi losofi a, estabelecendo a divisão dos períodos em semanas, mais fáceis de se comercializar e de se utilizar; o sistema foi se desenvolvendo até 1.976, com o surgimento da Interval Internatio-nal, que criou o serviço de intercâmbio, permitindo ao proprietário trocar a sua semana de férias em um determinado hotel, por outra semana em outro hotel em qualquer parte do mundo. Os hotéis afi liados passaram a ser sempre resorts estruturados para lazer, em destinos potencialmente turísticos e as novas regras abrangiam adequações de projetos, como apartamentos grandes com estrutura de cozinha, procedimentos específi cos quanto a reservas de intercâmbios, etc.

Determinados destinos turísticos foram viabilizados, em grande parte, elas vendas de Time Sharing, como Cancún — México, outros em que este sistema é intensamente desenvolvido, como em Miami, Orlando e Disney World, na Flórida — EUA; além das principais atrações turísticas em todos os continentes.

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DIREITO DA PROPRIEDADE

FGV DIREITO RIO 10

Há no mundo duas grandes operadoras de intercâmbio de Time Sharing: a própria Interval International e a RCI, ambas com escritórios e cerca de 120 resorts afi liados no Brasil.

A RCI pertence a HFS — Hospitality Franchise Sistems, conglomerado americano que reúne 13 companhias, em sua maioria cadeias de hotéis como Days Inn e Howard Johnson e tem entre os resorts afi liados, redes como Ramada, Knights Inn, Wingate Inn, etc., totalizando 2,3 milhões de famílias associadas.

A Interval International pertence a uma holding composta por algumas redes de hotéis como Marriott, Hyatt, Disney e Carlson e conta com cerca de 1.600 empreendimentos em mais de 60 países, envolvendo as maiores cadeias hoteleiras mundiais, como Sheraton, Hilton, Holiday Inn, Ramada, Meliá, além das inicialmente citadas e 1 milhão de famílias são proprietárias de semanas de Tempo Compartilhado, movimentando cerca de US$ 4,3 bi-lhões por ano.

TIME SHARING PARA BRASILEIROSO Ministério da Indústria e Comércio, através da Embratur — Instituto

Brasileiro de Turismo, na sua Deliberação Normativa nº 378 de 12/08/97 re-gulamentou o Sistema de Tempo Compartilhado em Meios de Hospedagem e Turismo, estabelecendo os direitos e obrigações aos agentes intervenientes do sistema: empreendedor, comercializador, operador, administrador do in-tercâmbio e consumidor.

Esta regulamentação transmitiu a credibilidade necessária aos brasileiros, que não confi avam no sistema, devido a pouca clareza na cobrança de taxas extras ou à falta de vagas nos hotéis localizados nos destinos preferidos por brasileiros; hoje se comprova que 99% das solicitações de reservas para inter-câmbio são atendidas.

Há, na Flórida uma demanda muito grande para venda de semanas de Time Sharing para brasileiros, a ponto de alguns resorts em Orlando e Dis-ney montarem estruturas de venda específi cas para brasileiros, onde o idioma corrente é o português; estima-se que cerca de 50 brasileiros/ dia comprem semanas de Time Sharing nos EUA e México, pagando em média US$ 15.000 por 20 anos de direito de uso de uma semana/ ano; os valores praticados pelos resorts brasileiros são inferiores e o comprador pode usufruir de todos os hotéis afi liados em sua rede de intercâmbio, pagando somente as taxas de afi liação (uma vez por ano) e de intercâmbio (a cada troca de semana efetuada).

As tabelas de vendas praticadas pelos resorts têm como parâmetros de dife-renciação de preços o número de hospedes/ apartamento e o período do ano, dividido em 52 semanas. No litoral paulista, entre alguns empreendimentos, o Dana Inn Pousada Tabatinga, no Condomínio Costa Verde, entre Cara-guatatuba e Ubatuba, de frente ao mar em uma praia belíssima, está venden-

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FGV DIREITO RIO 11

4 http://www.etur.com.br/conteudo-

completo.asp?idconteudo=160

do a R$ 4.000, o apartamento para quatro hóspedes em semanas de Média Temporada — entre Março e Outubro; sua tabela dispõe de preços ainda de apartamentos para 6 e 8 pessoas e para Alta Temporada. A grande vantagem de se comprar semanas no período de Média Temporada é a de se conseguir um intercâmbio de Alta Temporada na Europa e EUA, pagando um preço baixo, neste caso específi co.

Alguns bancos brasileiros já anunciaram que estão estudando alternati-vas de fi nanciamento tanto para construção e reforma de resorts afi liados ao Sistema de Tempo Compartilhado, como para o consumidor fi nal; o atual impeditivo são as altas taxas de juros, que tendem a cair.

TENDÊNCIASO Time Sharing é o segmento do turismo que mais cresce no mundo,

oferecendo hospedagens em resorts de 4 e 5 estrelas a valores baixos. Com a chegada de marcas internacionalmente reconhecidas, aliado à nova tendên-cia, que é a adoção do sistema de pontos, substituindo a semana e permitindo maior fl exibilidade de escolha: ao invés de serem obrigados a usufruir das mesmas férias nas mesmas semanas todos os anos, o comprador de Time Sha-ring será proprietário de um determinado número de pontos, que poderão ser usados em qualquer resort afi liado, da forma que entender e será benefi cia-do com propostas de fi nais de semana mais baratos, vôos e pacotes executivos nos resorts afi liados.

Este fato será o responsável pela criação de uma ampla e leal base de clien-tes: ao mesmo tempo em que a medida da adoção do sistema de pontos, alia-do à entrada de redes internacionais no sistema concede a credibilidade e per-mite a fl exibilidade de escolha ao comprador, eleva o padrão e a sofi sticação do Time Sharing fi cará por conta do ingresso de redes hoteleiras, principal-mente européias, ofertando hotéis de luxo nos principais destinos turísticos do continente, vários servidos por campos de golfe e Spa. O proprietário de Time Sharing de um resort brasileiro poderá usufruir destes hotéis charmosos, onde as semanas são vendidas até por US$ 28.000, pagando, somente, as taxas da Interval, o transporte e alimentação.

A tendência da indústria hoteleira internacional passa obrigatoriamente pela evolução do sistema de Time Sharing, passando para os centros urbanos, criação de clubes de viagens, convênios, enfi m; esta será à base da estrutura turística dos novos tempos.”4

Você consideraria, em quais casos, a compra de um imóvel nas circunstân-cias acima? Ou seria melhor alugar?

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DIREITO DA PROPRIEDADE

FGV DIREITO RIO 12

5 Augusto Teizen, A Função Social no

Código Civil. São Paulo: RT, 2004, p. 132.

AULA 2: FUNÇÃO SOCIAL DA PROPRIEDADE: O DONO PODE FAZER TUDO?

EMENTÁRIO DE TEMAS

Função social. Função social da propriedade.

LEITURA OBRIGATÓRIA

TEPPEDINO, Gustavo. “Contornos constitucionais da propriedade priva-da”, em “Temas de Direito Civil”, Rio de Janeiro, Renovar, 1999, pp. 267-293,

LEITURA COMPLEMENTAR

VARELA, Laura Beck. “Das Sesmarias à Propriedade Moderna”, Rio de Janei-ro, Renovar, 2005, p. 219-234.

ROTEIRO DE AULA

FUNÇÃO SOCIAL

O que é dar função social? A propriedade, como a estamos concebendo, é um direito. Entretanto, um direito tão importante não pode ser exercitado sem que sejam delineados limites internos ao seu exercício. Daí a transição dos poderes proprietários para deveres-poderes proprietários,5 que deverão ser exercidos em consonância dos interesse sociais. Tal questão não escapou ao constituinte.

FUNÇÃO SOCIAL DA PROPRIEDADE

Este viés não escapou ao constituinte que defi niu a priori um conteúdo constitucional para a propriedade, que orienta todo o conjunto de normas ati-nentes ao referido direito. Trata-se da função social (art. 5°, XXIII, CRFB).

Função porque a propriedade passa, a partir deste momento, a não ser mais um direito vazio, mas uma situação patrimonial apenas passível de pro-

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DIREITO DA PROPRIEDADE

FGV DIREITO RIO 13

6 José Diniz de Morais, A Função Social

da Propriedade na Constituição Federal

de 1988. São Paulo: Malheiros, 1999,

p. 64.

teção na medida em que exercer um dado papel no ordenamento. Este papel é tomando em conta não individualmente, mas socialmente, daí a menção ao termo social. A propriedade de cada um está em termos de titularidade asso-ciada a cada um não por conta da utilidade que cada um aufere da coisa (que não é relegada nem desimportante, mas que não serve de parâmetro central para esta regulação), mas tendo em vista a utilidade que a sociedade obtém de benefício a cada titularidade associada. Estes conteúdos podem ganhar várias concreções, a saber:

Qual seria a natureza da função social? Para alguns, é princípio da ordem econômica.6 Gustavo Tepedino, todavia, entende que este princípio permeia todo o direito privado, porquanto diante das colocações acima não se possa conceber propriedade sem que haja atendimento a uma série de interesses não-proprietários, que em muitos casos não se ampararão na micro-consti-tuição econômica, mas em outros paradigmas perfi lados pela Constituição da República (em especial, situações subjetivas existenciais: intimidade, liberda-de, integridade, dignidade...).

Sendo princípio, ou seja, norma jurídica de redação sintética e de apli-cação e cogência variáveis, poderá a função social da propriedade admitir inúmeras concreções, cada uma com sua característica distintiva. O próprio Código Civil, no art. 1228, §1°, traz-nos algumas ideias que especifi cam o conteúdo da função social: meio ambiente, proteção do patrimônio históri-co, etc., além das previstas no próprio texto constitucional (CRFB, art. 182, §2°, sobre o atendimento ao plano diretor, art.170, sobre os princípios da ordem econômica, e art. 186 — sobre a propriedade rural: aproveitamento racional e adequado; utilização adequada dos recursos naturais disponíveis e preservação do meio ambiente; observância das disposições que regulam as relações de trabalho; exploração que favoreça o bem-estar dos proprietários e dos trabalhadores). A função social comporta-se, portanto, como conceito jurídico indeterminado, a ser preenchido pelo intérprete.

Além disso, a própria jurisprudência se incumbe de delinear outras hipó-teses nas quais se atenderá à função social. É ver o RESP 27039, DJ 7.02.94, julgado pelo STJ:

“Direito de internar e assistir seus pacientes. Cod. de ética medica aprovado pela resolução CFM n. 1.246/88, art. 25. Direito de propriedade. Cod. Civil, art. 524. Decisão que reconheceu o direito do médico, consubstanciado na resolução, de ‘in-ternar e assistir seus pacientes em hospitais privados com ou sem caráter fi lantrópico, ainda que não faça parte do seu corpo clinico, respeitados as normas técnicas da ins-tituição’, não ofendeu o direito de propriedade, estabelecido o art. 524 do Cód. Civil. Função social da propriedade, ou direito do proprietário sujeito a limitações. Cons-tituição, art. 5. —XXIII. 2. E livre o exercício de qual trabalho. A saúde é direito de todos. Constituição art. 5. —XXIII e 196. 3. Recurso especial não conhecido.”

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DIREITO DA PROPRIEDADE

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Ou ainda, confi rmando o caráter de cláusula geral:

TJ —RJ, 2006.001.44440 — APELACAO CIVELDES. AZEVEDO PINTO — Julgamento: 13/12/2006

Apelação. Ordinária. Concessão real de uso de bem público. Municipali-dade que não deu função social à propriedade dominical sua e pretende desa-lijar família de baixa renda, que ocupou imóvel abandonado. Sentença de im-procedência. Apelação do Município arguindo preliminares de apreciação de agravo retido e de inconstitucionalidade da Medida Provisória nº2220/2001. No mérito, requer a reforma da sentença alegando que:1 — não cumpriu a apelada os pressupostos da MP2220/2001; 2 — inexiste direito de retenção por benfeitorias;3 — a recorrida é devedora de perdas e danos, na qualidade de lucros cessantes, tendo em vista que habitou bem público por anos, sem qualquer pagamento. Desprovimento do agravo retido e do recurso prin-cipal. Correta a concessão de tutela antecipatória, uma vez que a decisão não é teratológica, contrária à lei ou à prova dos autos, aplicação do verbete sumular nº 59 deste Tribunal. Não merece acolhida a arguição de inconsti-tucionalidade da Medida Provisória 2220/2001, tendo em vista que o Poder Executivo Federal nada mais fez do que disciplinar matéria constitucional e legalmente prevista, através do ato administrativo normativo. Vale observar que não seria necessária Medida Provisória para se fazer respeitar o princípio constitucional da função social da propriedade (art. 5º, XXIII e 170, III da CRFB/88) que, na hipótese, se materializa pelo abandono do bem pela mu-nicipalidade e pela comprovação de sua utilização pela apelada e sua família, de acordo com o que se extrai do acervo probatório colacionado aos autos. No mérito, vê-se que há prova sufi ciente de que a apelada é possuidora do imóvel há mais de vinte anos, realizando, portanto, o comando insculpido no artigo 1º da MP nº2220/2001. Ausente a fi nalidade pública bem delimita-da, é viável a permanência da apelada e sua família no imóvel, uma vez que, mantida a situação fática existente, estar-se-ia, sem dúvida, cumprindo com a função social do imóvel. Como dito alhures, desnecessária a edição de me-dida de provisória com o fi to de disciplinar a função social da propriedade, tendo em vista que esta goza de assento constitucional (arts. 5º, XXIII e 170, III, CRFB/88), e, repita-se, não dando a municipalidade função social ao bem, este caracterizado como dominical, faz-se mister a chamada concessão de uso especial. Observando-se, contudo, que não se está conferindo o do-mínio, mas sim a posse do imóvel para o fi m específi co de moradia, estando o possuidor, que deu função social ao imóvel, sujeito à cassação da concessão do benefício, na hipótese de descumprimento dos requisitos e fi ns determi-nados. Recurso conhecido e desprovido.

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FGV DIREITO RIO 15

— As diferentes interpretações atribuídas pela jurisprudência ao conceito de função social da propriedade:

TJRJ — Agravo de Instrumento nº 0034470-72.2011.8.19.0000DES. CARLOS EDUARDO PASSOS — Julgamento: 14/07/2011 —

SEGUNDA CAMARA CIVELAGRAVO DE INSTRUMENTO. TUTELA ANTECIPADA. VERBE-

TE N º 59 DA SÚMULA DESTE TRIBUNAL. Reforma de decisão agrava-da somente em casos de teratologia, ilegalidade ou não observância da prova dos autos. Pronunciamento não enquadrado em qualquer dessas hipóteses. Ação civil Pública. Contrato de depósito de veículos apreendidos. Desco-berta de focos de mosquito transmissor da dengue no local. Dano iminente à incolumidade pública demonstrado. Obrigação de conservação da coisa depositada. Observância dos princípios da função social da propriedade e do contrato. Plausibilidade do direito invocado e risco de lesão grave à po-pulação. Determinação de paralisação da atividade negocial e cobertura do terreno, de modo a evitar a acumulação de água. Restrições razoáveis. Aten-dimento do interesse público. Recurso a que se nega seguimento.

— O acórdão abaixo, ao fi m, traz o conceito de função social ecológica da propriedade. Além disso, no item 7, o acórdão desconstrói a tese de que a utilidade econômica do imóvel não se esgote num único uso, nem tampouco no melhor uso.

STJ — REsp 1109778/SC, Rel. Ministro HERMAN BENJAMIN, SE-GUNDA TURMA, julgado em 10/11/2009, DJe 04/05/2011

PROCESSUAL CIVIL E ADMINISTRATIVO. AUSÊNCIA DE PRE-QUESTIONAMENTO. SÚMULA 211/STJ. MATA ATLÂNTICA. DE-CRETO 750/1993. LIMITAÇÃO ADMINISTRATIVA. PRESCRIÇÃO QÜINQÜENAL. ART. 1.228, CAPUT E PARÁGRAFO ÚNICO, DO CÓDIGO CIVIL DE 2002.

1. É inadmissível Recurso Especial quanto a questão que, a despeito da oposição de Embargos Declaratórios, não foi apreciada pelo Tribunal de ori-gem. Incidência da Súmula 211/STJ.

2. Ressalte-se, inicialmente, que a hipótese dos autos não se refere a pleito de indenização pela criação de Unidades de Conservação (Parque Nacional ou Estadual, p.ex.), mas em decorrência da edição de ato normativo stricto sensu (Decreto Federal), de observância universal para todos os proprietários rurais inseridos no Bioma da Mata Atlântica.

3. As restrições ao aproveitamento da vegetação da Mata Atlântica, trazi-das pelo Decreto 750/93, caracterizam, por conta de sua generalidade e apli-

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FGV DIREITO RIO 16

cabilidade a todos os imóveis incluídos no bioma, limitação administrativa, o que justifi ca o prazo prescricional de cinco anos, nos moldes do Decreto 20.910/1932. Precedentes do STJ.

4. Hipótese em que a Ação foi ajuizada somente em 21.3.2007, decor-ridos mais de dez anos do ato do qual originou o suposto dano (Decreto 750/1993), o que confi gura a prescrição do pleito do recorrente.

5. Assegurada no Código Civil de 2002 (art. 1.228, caput), a faculdade de “usar, gozar e dispor da coisa”, núcleo econômico do direito de propriedade, está condicionada à estrita observância, pelo proprietário atual, da obrigação propter rem de proteger a fl ora, a fauna, as belezas naturais, o equilíbrio eco-lógico e o patrimônio histórico e artístico, bem como evitar a poluição do ar e das águas (parágrafo único do referido artigo).

6. Os recursos naturais do Bioma Mata Atlântica podem ser explorados, desde que respeitadas as prescrições da legislação, necessárias à salvaguarda da vegetação nativa, na qual se encontram várias espécies da fl ora e fauna ameaçadas de extinção.

7. Nos regimes jurídicos contemporâneos, os imóveis — rurais ou ur-banos — transportam fi nalidades múltiplas (privadas e públicas, inclusive ecológicas), o que faz com que sua utilidade econômica não se esgote em um único uso, no melhor uso e, muito menos, no mais lucrativo uso. A ordem constitucional-legal brasileira não garante ao proprietário e ao empresário o máximo retorno fi nanceiro possível dos bens privados e das atividades exer-cidas.

8. Exigências de sustentabilidade ecológica na ocupação e utilização de bens econômicos privados não evidenciam apossamento, esvaziamento ou injustifi cada intervenção pública. Prescrever que indivíduos cumpram certas cautelas ambientais na exploração de seus pertences não é atitude discrimi-natória, tampouco rompe com o princípio da isonomia, mormente porque ninguém é confi scado do que não lhe cabe no título ou senhorio.

9. Se o proprietário ou possuidor sujeita-se à função social e à função eco-lógica da propriedade, despropositado alegar perda indevida daquilo que, no regime constitucional e legal vigente, nunca deteve, isto é, a possibilidade de utilização completa, absoluta, ao estilo da terra arrasada, da coisa e de suas virtudes naturais. Ao revés, quem assim proceder estará se apoderando ilici-tamente (uso nocivo ou anormal da propriedade) de atributos públicos do patrimônio privado (serviços e processos ecológicos essenciais), que são “bem de uso comum do povo”, nos termos do art.

225, caput, da Constituição de 1988.10. Finalmente, observe-se que há notícia de decisão judicial transitada

em julgado, em Ação Civil Pública, que também impõe limites e condições à exploração de certas espécies da Mata Atlântica, consideradas ameaçadas de extinção.

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11. Recurso Especial parcialmente conhecido e não provido.

CASO GERADOR

MS 2046 / DF; MANDADO DE SEGURANÇARelator Ministro HÉLIO MOSIMANN, DJ 30.08.1993, p. 17258.“MANDADO DE SEGURANÇA — AREA INDÍGENA — DECLA-

RAÇÃO DE POSSE E DEFINIÇÃO DE LIMITES PARA DEMARCA-ÇÃO ADMINISTRATIVA — PORTARIA MINISTERIAL DECOR-RENTE DE PROPOSIÇÃO DA FUNAI — INTERDIÇÃO DA ÁREA — TITULO DOMINIAL PRIVADO — CONSTITUIÇÃO FEDERAL, ART. 231 — ADCT, ART. 67 — LEI N. 6001/73 — DECRETO FEDE-RAL N. 11/91 — DECRETO FEDERAL N. 22/91.

1. O direito privado de propriedade, seguindo-se a dogmatica tradicional (código civil, arts. 524 e 527), a luz da constituição federal (art. 5., xxii, c. F), dentro das modernas relações jurídicas, políticas, sociais e econômicas, com limitações de uso e gozo, deve ser reconhecido com sujeição a disciplina e exigência da sua função social (art. 170, ii e iii, 182, 183, 185 e 186, c. F.). É a passagem do estado — proprietário para o estado — solidário, transportan-do-se do “monossistema” para o “polissistema” do uso do solo (arts. 5., xxiv, 22 ii, 24, vi, 30, viii, 182, parágrafos 3. E 4., 184 e 185, c. F.).

2. Na “área indígena” estabelecida o dominialidade (art. 20, xi e 231, c. F.), a união é nua — proprietária e os índios, situam-se como usufrutuários, fi cando excepcionado o direito adquirido do particular (art. 231, parágrafos 6. E 7., c. F.), porém, com a inafastável necessidade de ser verifi cada a habita-ção o ocupação tradicional dos índios, seguindo-se a demarcatória no prazo de cinco anos (art. 67, ADCT).

(...).”

Na situação acima, entendeu o STJ que se os não-indígenas cumprem a função social da propriedade, devem ser deixados dentro de terra demarcada como reserva indígena. Você concorda com a decisão?

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FGV DIREITO RIO 18

AULA 3: A PROPRIEDADE E A POSSE: EU ESTOU AQUI

EMENTÁRIO DE TEMAS

A propriedade e a posse: relação. Conceito de posse.

LEITURA OBRIGATÓRIA

TORRES, Marcos Alcino de Azevedo, “Posse e Propriedade”, Rio de Janeiro, Lumen Juris, 2006, p. 295-317.

LEITURA COMPLEMENTAR

Rudolf von Ihering, “Posse e Interditos Possessórios”, Salvador, Progresso, 1959, pp. 155-172.

ROTEIRO DE AULA

O QUE É A POSSE?

Como vimos, a propriedade consiste, na visão civilista tradicional, no exer-cício de poderes signifi cativos em relação a uma coisa. E se esses poderes são exercidos de fato, independente de uma situação juridicamente consolidada a ampará-los? Temos, nesse caso, a posse, que é a exteriorização do exercício desses poderes. Há, por exemplo, uma diferença evidente entre ter o direito de usar um carro, e efetivamente usá-lo. A exteriorização material constitui posse. O direito pode ser de qualquer natureza, inclusive a propriedade.

FUNDAMENTOS DA TUTELA POSSESSÓRIA NO DIREITO ROMANO.

Origens possíveis da palavra posse em latim:Pedes ponere — por os pés.Sedibus — deter algo. Ex: cargo, patrimônio...

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FGV DIREITO RIO 19

7 Conforme Astolpho Rezende, A Posse e

a Sua Proteção, 2ª Ed, São Paulo: Lejus,

2000, p. 1-26.

Origens da posse no Direito Romano:7

Savigny — campos comunais (ager publicus) e seus ocupantes, que neces-sitavam de tutela jurídica;

Ihering — inicialmente, defesa dos ocupantes que não eram o pater, na ausência dele ou mesmo contra ele (rendeiro agricultor, que muitas vezes era o fi lho-família); depois, ocupante de propriedade, que não tinha registro adequado, mas poderia se o dono; em terceiro lugar, a proteção da posse de bens móveis.

Disso derivam muitas das noções sobre posse, e as divergências entre am-bos. A visão de Savigny, marcadamente mais social e voltada para aquele que almeja a condição de proprietário, e a de Ihering, mais preocupada em justi-fi car a proteção jurídica do provável proprietário.

REQUISITOS PARA A CONFIGURAÇÃO DA POSSE

Os requisitos para a confi guração da situação possessória são descritos no art. 1996 do Código Civil:

“Art. 1.196. Considera-se possuidor todo aquele que tem de fato o exercício, pleno ou não, de algum dos poderes inerentes à propriedade.”

Esse dispositivo legal pode ser desmembrado, de maneira a que se extraiam os seguintes requisitos para a confi guração da situação possessória.

POSSE = CORPUS + AFFECTIO TENENDI + ANIMUS

No entanto, a determinação do conteúdo desses requisitos varia de acordo com a teoria adotada:

TEORIAS QUANTO AOS REQUISITOS PARA A CONFIGURAÇÃO DA POSSE:

Savigny: o possuidor é aquele que se comporta como proprietário e deseja ser dono.

Posse: corpus (poder sobre a coisa) + aff ectio tenendi (consciência do po-der sobre a coisa) + animus domini (vontade de ser dono). O locatário, o depositário, e outras fi guras assemelhadas, portanto, não teriam posse.

Ihering: Posse como proteção do possível proprietário, e não como prote-ção do aspirante a proprietário.

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FGV DIREITO RIO 20

8 Informativo no fi m dessa aula.

Posse: corpus (com animus; basta querer ter poder sobre a coisa) + aff ectio tenendi.

Detenção

O detentor é aquele que, embora exerça de fato os poderes inerentes ao domínio, não tem tutela jurídica que o ampare.

Situações de detenção:1) Fâmulo da posse (art. 1.198, CC);2) Atos de mera tolerância (art. 1.208, CC);3) A situação de quem adquire a posse com violência ou clandestini-

dade, enquanto essas não cessam (art. 1.208)8.

A RELAÇÃO DA POSSE COM A PROPRIEDADE

A posse, como situação de fato correlacionada, surge, então como a aparência dos poderes proprietários, ou se amparando na intenção de ser dono, ou na pro-vável propriedade. No entanto, tem se constatado cada vez mais que a visão ihe-ringuiana não foi capaz de antever atritos existentes entre o proprietário não-pos-suidor e o possuidor não proprietário, a quem Ihering imaginava falecer proteção jurídica. Na nossa sociedade, todavia, não é possível ignorar essa perspectiva.

CASO GERADOR 1

Um possuidor tem o seu imóvel desocupado à força, pois alegadamente es-taria ocupando área de propriedade do poder público. Processa o poder públi-co, que alega ser legítimo possuidor do bem, buscando voltar a possuir o bem. Ao ser questionado pelo magistrado, o representante de Administração admite que, conquanto seja proprietário, não sabe ao certo qual área possui, nem de qual modo são exercidos os poderes sobre a coisa. A administração tem posse?

CASO GERADOR 2

Transitado em julgado o acórdão que determina o despejo de locatário, o mesmo não é efetivado pelo locador, que deixa o processo parado. O despe-jado tampouco reinicia o pagamento do aluguel. Tem posse o sucumbente da ação?

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DECISÃO(ÕES).

*INFORMATIVO N° 0411Período: 12 a 16 de outubro de 2009Terceira TurmaReintegração, Posse e Terras Públicas.

Noticiam os autos que foram adquiridas terras públicas por instrumen-to de mandato outorgado por particular (mera detenção de posse); porém, durante o inventário decorrente da morte do adquirente, o imóvel sofreu apossamento, esbulho e grilagem por parte de terceiro. Então, houve o ajui-zamento de cautelar de sequestro julgada procedente e, nos autos da cautelar, o autor (o espólio) pretendeu a expedição de mandado de desocupação, o qual foi indeferido ao argumento de que deveria ser ajuizado processo apro-priado para tanto. Daí a ação de reintegração de posse interposta pelo espó-lio, em que a sentença extinguiu o processo sem resolução de mérito, sob o fundamento de que não cabe ao Judiciário decidir lide entre particulares que envolvam questões possessórias de ocupação de imóvel público, entretanto o Tribunal a quo deu provimento à apelação do recorrido (espólio), afi rmando ser possível o ajuizamento da ação possessória. Isso posto, o REsp do MPDF tem por objetivo saber se é possível ao particular que ocupa terra pública utilizar-se de ação de reintegração de posse para reaver a coisa esbulhada por outro particular. Ressaltou a Min. Relatora que o tema ainda não foi aprecia-do neste Superior Tribunal, que só enfrentou discussões relativas à proteção possessória de particular perante o Poder Público — casos em que adotou o entendimento de que, em tais situações, a ocupação de bem público não pas-sa de mera detenção, sendo, por isso, incabível invocar proteção possessória contra o órgão público. Observou que o espólio recorrido não demonstrou, na inicial, nenhum dos fundamentos que autorizam o pedido de proteção possessória e, sendo público o imóvel, nada mais é que mero detentor. Nesse contexto, concluiu haver impossibilidade de caracterização da posse por se tratar de imóvel público, pois não há título que legitime o direito do parti-cular sobre esse imóvel. Assim, a utilização do bem público pelo particular só se considera legítima mediante ato ou contrato administrativo constituído a partir de rigorosa observância dos mandamentos legais para essa fi nalidade. Ademais, explica que o rito das possessórias previsto nos arts. 926 e seguin-tes do CPC exige que a posse seja provada de plano para que a ação tenha seguimento. Por essa razão, a Turma extinguiu o processo sem resolução de mérito, pela inadequação da ação proposta com fundamento no art. 267, IV, do CPC. Destacou-se, ainda, que o Judiciário poderá apreciar esse confl ito por meio de outro rito que não o especial e nobre das possessórias. REsp 998.409-DF, Rel. Min. Nancy Andrighi, julgado em 13/10/2009.

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AULA 4: A FUNÇÃO SOCIAL DA POSSE E O CRITÉRIO DA MELHOR POSSE.

EMENTÁRIO DE TEMAS

Melhor posse e tipologia da posse. Efeitos da posse. A função social da posse. Confl itos entre critérios.

LEITURA OBRIGATÓRIA

ZAVASKI, Teori, “Tutela da posse na CRFB e no Novo Código Civil”, PDF.

LEITURA COMPLEMENTAR

CASTRO, Tupinambá, “Posse e Propriedade”, Porto Alegre, Livraria do Ad-vogado, 2003, p. 9-98.

ROTEIRO DE AULA

MELHOR POSSE E TIPOLOGIA DA POSSE.

O Código Civil, em boa parte do título dedicado à posse, cuida de de-terminar quais são os diferentes tipos de posse. Em alguns casos, falo com o objetivo de imputar efeitos a determinados tipos de posse, como por exem-plo, nos art. 1.214 e seguintes. Em muitos casos, contudo, a delineação da tipologia da posse é feita sem que se determine consequências específi cas para a adoção desse ou daquele regime jurídico.

A justifi cativa da ausência desses efeitos encontra-se no art. 507 do Códi-go Civil de 1916, que assim dispunha:

“Art. 507. Na posse de menos de ano e dia, nenhum possuidor será mantido, ou reintegrado judicialmente, senão contra os que não tiverem melhor posse.

Parágrafo único. Entende-se melhor a posse que se fundar em justo título; na falta de título, ou sendo os títulos iguais, a mais antiga; se da mesma data, a posse atual. Mas, se todas forem duvidosas, será sequestrada a coisa, enquanto se não apurar a quem toque.”

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FGV DIREITO RIO 23

Do dispositivo acima extraiu-se a interpretação de que aquele que, de acordo com os critérios de classifi cação da posse, tiver a melhor posse, deverá ter a sua posse juridicamente tutelada. Dá-se a essa situação o nome de crité-rio da melhor posse.

Para que se determine qual a melhor posse, é necessário que sejam conhe-cidos os critérios de classifi cação da posse, bem como de que maneira ela é adquirida ou perdida.

Classificação da posse

Posse derivada

Transmitida por outrem, com ou sem mediação — e ninguém transmite mais direitos do que possui.

Posse originária

Criada pelo surgimento espontâneo de uma relação com a coisa.

Posse Direta ou Imediata

Inferência sobre a coisa exercida pelo não proprietário;

Posse indireta ou mediata

Poder ainda resguardada pelo proprietário, que não perde de todo o con-trole sobre a coisa.

Requisito

A existência de uma relação jurídica que justifi que a mediação na posse. Opõe-se a mediação da posse à ideia de posse plena, a única ad usucapionem.

Posse justa e injusta

Art. 1200. nec vi, nec clam, nec precário. A posse é justa toda vez que não é injusta.

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FGV DIREITO RIO 24

Posse injusta — violenta

Tomada por um ato de força.

Posse injusta — clandestina

Ato de ocultamento.

Posse injusta — precária

Daquela que, recebendo a coisa com a obrigação de restituir, não a devol-ve, arrogando-se a qualidade de possuidor.

A posse injusta não se converte em justa por ato unilateral do possuidor. Mas circunstâncias outras podem legitimar a posse (como por exemplo, uma aquisição do bem). Vejamos as decisões abaixo:

STJ REsp 154733 / DF, Relator Ministro CESAR ASFOR ROCHADJ 19.03.2001 p. 111

“CIVIL. USUCAPIÃO EXTRAORDINÁRIO. COMPROVAÇÃO DOS RE-QUISITOS. MUTAÇÃO DA NATUREZA JURÍDICA DA POSSE ORIGINÁ-RIA. POSSIBILIDADE.

O usucapião extraordinário — art. 55, CC — reclama, tão-somente: a) posse mansa e pacífi ca, ininterrupta, exercida com animus domini; b) o decurso do prazo de vinte anos; c) presunção juris et de jure de boa-fé e justo título, “que não só dis-pensa a exibição desse documento como também proíbe que se demonstre sua inexis-tência”. E, segundo o ensinamento da melhor doutrina, “nada impede que o caráter originário da posse se modifi que”, motivo pelo qual o fato de ter havido no início da posse da autora um vínculo locatício, não é embaraço ao reconhecimento de que, a partir de um determinado momento, essa mesma mudou de natureza e assumiu a feição de posse em nome próprio, sem subordinação ao antigo dono e, por isso mes-mo, com força ad usucapionem. Precedentes. Ação de usucapião procedente. Recurso especial conhecido, com base na letra “c” do permissivo constitucional, e provido.”

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DIREITO DA PROPRIEDADE

FGV DIREITO RIO 25

— Acórdão permitindo a alteração do caráter originário da posse:

TJRJ — 0063848-46.2006.8.19.0001 — APELACAODES. RICARDO COUTO — Julgamento: 16/12/2010 — SETIMA CA-

MARA CIVELAPELAÇÃO CÍVEL — USUCAPIÃO —LOCAÇÃO— INVERSÃO DO

CARÁTER DA POSSE — POSSIBILIDADE. O falecimento do proprietário do imóvel e dos herdeiros conhecidos encerra a relação locatícia e permite que haja a modifi cação do caráter da posse originária, a autorizar o pleito de usuca-pião, desde que presentes os demais requisitos. Assim, a improcedência do pedi-do sem que haja dilação probatória, com a adequada citação do Espólio, importa em afronta ao direito de ação ou acesso à justiça. Recurso conhecido e provido, na forma do artigo 557, § 1º-a, do Código de Processo Civil.

— Alteração do caráter originário da posse, à luz, dentre outros motivos, da função social da posse.

TJRJ — APELAÇÃO 0091824-33.2003.8.19.0001 — j. 26/10/2010Apelação Cível. Ação de usucapião. Pretensão deduzida por possuidores de mais

de 20 anos, que afi rmam ter ingressado no imóvel como locatários, mas logo passado a exercer a posse com animus domini. Proprietários cujo paradeiro se desconhece. Citação por edital. Posse comprovadamente exercida de forma mansa e pacífi ca. Inversão do ca-ráter da posse. Existência de atos que, de forma inequívoca, indicam a mudança da qua-lidade da posse, originalmente precária, como a cessação do pagamento de 4 aluguéis, a realização de obras de conservação no bem e a quitação de débitos tributários de perío-dos pretéritos. Função social da posse. Desídia dos proprietários registrais exteriorizada pela ausência prolongada, que se extrai do insucesso das diligências realizadas pelo Juízo no intuito de localizá-los. Recurso ao qual se dá provimento para declarar os apelantes proprietários do imóvel descrito na inicial, consoante o artigo 1.238 do Código Civil.

— Em contrariedade aos julgados colacionados acima, o acórdão abaixo explicita o entendimento segundo o qual não é possível modifi car o caráter da posse por mera vontade da parte:

TJRJ — 0004255-56.2008.8.19.0053 — APELACAO DES. MARIO DOS SANTOS PAULO — Julgamento: 30/08/2010 —

QUARTA CAMARA CIVEL1. Usucapião. Bem móvel. 2. Veículo deixado em ofi cina mecânica com in-

tuito de proceder a reparos. 3. Mera detenção, ausente o animus domini. 4. Impossibilidade de modifi cação do caráter da posse por mera vontade da parte. 5. Recurso provido, na forma do Art. 557, § 1º — A do C.P.C.

— O acórdão abaixo explicita a impossibilidade de contratos de locação e arrendamentos obstarem a consumação da usucapião extraordinária.

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DIREITO DA PROPRIEDADE

FGV DIREITO RIO 26

(REsp 1194694/RS, Rel. Ministra NANCY ANDRIGHI, TERCEIRA TURMA, julgado em 17/03/2011, DJe 19/04/2011)

PROCESSO CIVIL. RECURSO ESPECIAL. AÇÃO REIVINDICATÓ-RIA. EXCEÇÃO DE USUCAPIÃO REJEITADA. AUSÊNCIA DE FUNDA-MENTAÇÃO. ANULAÇÃO.

1. A existência de decisão transitada formalmente em julgado, determinando a anulação de sentença para ingresso na fase de instrução, não vincula, pelas regras ine-rentes à disciplina da coisa julgada, a nova decisão a ser proferida. Contudo, as provas cuja realização foi determinada no primeiro acórdão devem ser levadas em conside-ração pelo segundo, sob pena de nulidade deste por ausência de fundamentação.

2. Se o possuidor propõe uma ação de usucapião discutindo determinada área, a sua posse deve ser analisada até a data do ajuizamento da ação. É possível, en-tretanto, em princípio, que, ainda que o pedido de usucapião venha a ser julgado improcedente, o possuidor volte a discutir em ação futura sua posse computando, agora, também o prazo em que tramitou a primeira ação, caso não se verifi que depois dela um ato inequívoco do proprietário visando à retomada do bem.

3. Há precedente, no STJ, considerando que a mera contestação a uma ação de usucapião não representa efetiva oposição à posse, interrompendo o prazo de prescrição aquisitiva. Para que o debate da questão volte a ser travado nesta sede, no entanto, é necessário a sua análise pelo acórdão recorrido.

4. Tendo sido precisamente esses temas que justifi caram a anulação da pri-meira sentença no processo, determinando-se o ingresso na fase de instrução, o novo julgamento deve enfrentá-las, sob pena de nulidade.

5. Para reconhecer a inexistência de usucapião em favor de pessoa que habita há mais de 20 anos em um imóvel, é necessário que o Tribunal identifi que precisamente os atos que tornam injusta sua posse ou, quando a alegação é de usucapião extraordinária, os atos que inequivocamente manifestam a intenção do proprietário de o reaver o bem.

6. A existência de atos de permissão, contratos de locação ou contratos de arrendamento, celebrados 30 anos antes da propositura da ação reivindicatória, pelo proprietário, não têm relevância para a decisão do processo, dado o prazo de 20 anos para a usucapião extraordinária, fi xado pelo art. 550 do CC/16.

7. Recurso especial conhecido e provido para o fi m de anular o acórdão recorrido.

As decisões do TJ-RJ e do STJ são contraditórias?

Posse de boa fé e de má fé (art. 1.201)

Quem tem ma fé é aquele que tem consciência da ilegitimidade de seu ato.Pode haver posse justa de má-fé: exemplo: alguém se apresenta como ou-

tra pessoa, e recebe um bem. Tem posse justa, de má fé.

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DIREITO DA PROPRIEDADE

FGV DIREITO RIO 27

Pode haver posse injusta de boa fé: alguém pode não ter consciência do vício que inquina a sua posse. Ex: o possuidor precário que entende não ter de devolver um bem, por motivo de justiça pessoal.

Justo título

Causa em tese hábil para justifi car a transferência da POSSE, e não da propriedade. Presunção iuris tantum de que quem possui justo título possui de boa fé. (CC, art. 1201, parágrafo único).

Objetivando a mudança desse paradigma, o enunciado das Primeiras Jor-nadas do Conselho de Justiça Federal:

“86 — Art. 1.242: A expressão “justo título”, contida nos arts. 1.242 e 1.260 do CC, abrange todo e qualquer ato jurídico hábil, em tese, a transferir a propriedade, independentemente de registro.”

Há alguma diferença entre os critérios justiça e injustiça da posse, e a fé na posse?

Art. 1.203: preservação do caráter da posse.

Art. 1.199: com posse — é exercitada na totalidade por todos os co-pos-suidores.

Aquisição e perda da posse

Artigo 1.205: a aquisição — acontece através de um ato jurídico. Toda vez que houver conduta e objeto, corpus e animus, haverá a aquisição da posse. Lembrar a tolerância e o fâmulo da posse.

Art.1.206: sujeitos da aquisição.

A aquisição derivada e originária:

Originária: a apreensão da coisa e exercício do direito.Derivada: plena: tradição, sucessão na posse;mediada: — sucessão.Tradição fi cta genérica (entrega de chaves: transmite a posse direta sobre

o bem).Tradição longa manu: proprietário transmite a posse para o novo proprie-

tário, sem que este toque e ocupe a coisa (que pode estar com o locatário).

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DIREITO DA PROPRIEDADE

FGV DIREITO RIO 28

9 La Funcion Social de la Possessión.

Tradição brevi manu: alguém que é possuidor direto o consolida em suas mãos todos os poderes do possuidor, adquirindo a propriedade. Ex: locatário que compra.

Constituto possessório: aliena se a propriedade, mas constitui-se a posse a non domine, de através da mediação. Ex: do dono que vende de conserva-se no imóvel por mais de 30 dias, ou como o usufrutuário ou como o locatário. É forma derivada de aquisição da posse, porque a posse e é toda a alienada ao novo dono, que empossa o alienante em possuidor imediato.

Sucessão na posse: a título universal; a título singular: e cessão da posse.Acessão na posse: a possibilidade de unir uma posse a outra. A acessão é

uma faculdade, já que a boa fé do adquirente da posse não retroage para lim-par a má fé do alienante. O adquirente de má-fé, por outro lado, não pode invocar a boa fé de seu antecessor.

Extensão da posse: presunção relativa. Exemplo: se os bens do vizinho se encontram caídos no meu quintal, e eu não pratico ato algum, não adquiro a posse.

Efeitos da posse

a) Usucapião.b) Presunção de propriedade.c) Direito aos frutos percebidos.d) Indenização de benfeitorias: Ler art. 1.219 a 1.122 (necessárias:

indeniza-se sempre; úteis: só ao de boa fé; voluptuárias: jus tolendi apenas aos possuidores de boa-fé).

e) Desforço possessório: art. 1.210, parágrafo único.f ) Indenização dos danos causados.

A função social da posse

A função social da posse pode ser doutrinariamente identifi cada com a obra de Hernandez Gil9, que pela primeira vez aventou da possibilidade de a posse desempenhar uma função social. Na doutrina brasileira, é facilmente identifi cável uma visão da função social da posse como sendo a materializa-ção do interesse não-proprietário, ou seja, do interesse juridicamente qualifi -cado como sendo atendedor da função social da propriedade. Assim, temos a fi gura da posse qualifi cada, que é a posse que atende a função social da propriedade.

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DIREITO DA PROPRIEDADE

FGV DIREITO RIO 29

Conflitos entre critérios

Não se pode ignorar que o Código Civil de 2002 não reproduz o art. 507. Qual critério utilizar?

CASO GERADOR

Vejamos as imagens abaixo, retiradas do site do Movimento dos Sem-Teto do Centro (www.mstc.org.br).

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DIREITO DA PROPRIEDADE

FGV DIREITO RIO 30

E ainda o texto a página seguinte:

“Manifesto dos Movimentos de Moradia

AUTORIDADES!Federal, Estadual e MunicipalExecutivo, Legislativo e Judiciário

Não aguentamos esperar!Se pagar o aluguel, não come. Se comer, não paga o aluguel. É este o

nosso dilema.Somos trabalhadores sem-teto desta magnífi ca cidade. Somos empurrados

para as favelas, cortiços, pensões e para o relento das ruas. Sofremos com o despejo do senhorio. Nossas crianças, devido às nossas condições precárias de vida, penam para se conservarem crianças. Somos tocados de um lado para outro. Não encontramos espaço, para nossas famílias, em nosso próprio território. Nossa cidade, que construímos e mantemos com nosso trabalho, afugenta-nos para fora, para o nada.

Dizem que os trabalhadores são a peça mais importante da sociedade. En-tretanto, estamos sendo triturados por esta engrenagem econômica perversa — mecanismo que destrói os trabalhadores em vida e conserva no luxo uns poucos privilegiados. Uma minoria que mantém centenas de imóveis vazios, abandonados, por vários anos. Imóveis que não cumprem sua função social. Enquanto somos empurrados para as periferias sem infra-estrutura urbana, em favelas, áreas de risco ou de mananciais.

Não podemos aceitar esta situação. Não podemos esperar. Nossas famílias e nossas vidas estão em perigo. Queremos que a Lei entre em vigor: dê função social a esses imóveis vazios e abandonados. Vamos eliminar esse desperdício criminoso.

Para tanto, pleiteamos:

1. O atendimento de 2.000 famílias de sem-teto no centro expandido da cidade, até o fi nal do ano;

2. Atendimento de emergência de 500 famílias de sem-teto. Este atendi-mento pode vir por meio de carta de crédito, locação social e outras formas de fi nanciamento;

3. Declarar de interesse social todos os prédios vazios que estão abandona-dos por mais de 2 (dois) anos. E disponibilizá-los para moradia popular;

4. Disponibilizar todas as terras, prédios do governo Federal, de autarquias ou imóveis penhorados pelo Banco do Brasil e Caixa Econômica Federal para moradia popular, em São Paulo;

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DIREITO DA PROPRIEDADE

FGV DIREITO RIO 31

10 Manifesto divulgado pelos movimen-

tos de moradia por ocasião da ocupação

de vários prédios em São Paulo, capital,

em 20 de julho de 2003, retirado de

http://www.midiaindependente.org/

pt/blue/2003/07/259208.shtml

5. Enquanto não houver atendimento defi nitivo, queremos morar nos imóveis que ocupamos.

São Paulo, 20 de julho de 2003

Associação Comunitária Direito da Cidadania Bem ViverAssociação de Moradores Jardim São Judas TadeuAssociação dos Trabalhadores Sem Terra de Francisco MoratoAssociação Morar e Preservar Chácara do CondeAssociação Oeste de Moradia DiademaMovimento de Luta por Moradia Campo ForteM. L. M. P — Movimento de Luta por Moradia PrópriaM. S. T. C. — Movimento Sem Teto do CentroM. S. T. R. C. — Movimento Sem Teto da Região CentralMovimento Sem Teto de Heliópolis — UnasMovimento Moradia Jardim Nova VitóriaProjeto Casarão Celso Garcia”10

Considerando-se o que foi aprendido sobre os critérios de qualifi cação da posse, a invasão é juridicamente aceitável?

DECISÃO(ÕES).

Informativo n. 0081Período: 4 a 8 de dezembro de 2000USUCAPIÃO EXTRAORDINÁRIO. COMPROVAÇÃO DOS RE-

QUISITOS

No início da posse houve um vínculo locatício, mas a recorrente nunca pagou o aluguel nem foi instada a fazê-lo — quer no decorrer do processo falimentar a que se submeteu a empresa proprietária ou após este ter encer-rado, ou, ainda, quando da extinção das obrigações (1990). Por mais de 20 anos o proprietário nunca procurou reaver a posse. A Turma proveu o recur-so, restabelecendo a sentença, por entender que nada impede que o vínculo locatício inicial, em decorrência de fatores circunstanciais, como abandono por parte do proprietário, modifi que-se assumindo feição de posse com força ad usucapionem. REsp 154.733-DF, Rel. Min. Cesar Asfor Rocha, julgado em 5/12/2000.

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DIREITO DA PROPRIEDADE

FGV DIREITO RIO 32

AULA 5: NA JUSTIÇA: A TUTELA JURÍDICA DA POSSE. TUTELA POSSESSÓRIA E PETITÓRIA

EMENTÁRIO DE TEMAS

Jus possessionis e jus possidendi. Reintegração, manutenção e interdito proibitório. Imissão na posse. Separação dos juízos possessório e petitório. Cumulação de ações. Procedimento da ação possessória. Liminar. Posse nova e posse velha.

LEITURA OBRIGATÓRIA

TORRES, Marcos Alcino de Azevedo. “A Posse e a Propriedade”, Rio de Janei-ro, Lumen Juris, 2006, p. 404-430.

LEITURA COMPLEMENTAR

RIZZARDO, Arnaldo. “Direito das Coisas”, Rio de Janeiro, Forense, 2003, p.103-120.

TORRES, Marcos Alcino de Azevedo. “A Posse e a Propriedade”, Rio de Janei-ro, Lumen Juris, 2006, p. 345-403.

ROTEIRO DE AULA

JUS POSSESSIONIS E JUS POSSIDENDI

A posse, como situação de fato, origina distintos tipos de tutela. Depen-dendo da situação na qual se encontra o possuidor, o direito estende tutela mais ampla ou menos ampla, e leva a um procedimento ou a outro.

Daí a diferenciação entre dois tipos de posse, de acordo com a tutela jurí-dica obtida: jus possessionis e jus possidendi.

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DIREITO DA PROPRIEDADE

FGV DIREITO RIO 33

11 Súmula 487, Supremo Tribunal Fe-

deral.

Jus possessionis Jus possidendi

NaturezaDireito ao não esbulho e

à não turbaçãoDireito à posse

Tutelas obtidasReintegração,

manutenção, interdito

Reintegração, manutenção, interdito,

imissão

Requisitos Estado fático da posseEstado fático da posse +

título ou só título

Ações possessórias

São aquelas cuja causa de pedir é a posse.

PRETENSÕES POSSESSÓRIAS CLÁSSICAS

— Reintegração;— Manutenção;— Interdito proibitório.

Na ação possessória só se discute posse: art. 921, Código de Processo Civil

‘Art. 921. É lícito ao autor cumular ao pedido possessório o de:I — condenação em perdas e danos;II — cominação de pena para caso de nova turbação ou esbulho;III — desfazimento de construção ou plantação feita em detrimento de sua posse.”

Todavia, previa o regime do CC1916: art. 505:

“Art. 505: Não obsta à manutenção, ou reintegração na posse, a alegação de domínio, ou de outro direito sobre a coisa. Não se deve, entretanto, julgar a posse em favor daquele a quem evidentemente não pertencer o domínio.”

O dispositivo veiculava uma visão da posse como aparência de proprie-dade, e não com a autonomia necessária que passou a se impor após o reco-nhecimento dos confl itos entre situações tituladas e não tituladas. Logo, na possessória não se discutiria apenas posse, e ela seria decidida com base na propriedade, se fosse por alguma das parte alegada.11

A redação do dispositivo foi alterada, no art. 1210, §2º, CC2002:

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DIREITO DA PROPRIEDADE

FGV DIREITO RIO 34

“Art. 1.210. O possuidor tem direito a ser mantido na posse em caso de tur-bação, restituído no de esbulho, e segurado de violência iminente, se tiver justo receio de ser molestado.

§ 1o O possuidor turbado, ou esbulhado, poderá manter-se ou restituir-se por sua própria força, contanto que o faça logo; os atos de defesa, ou de desforço, não podem ir além do indispensável à manutenção, ou restituição da posse.

§ 2o Não obsta à manutenção ou reintegração na posse a alegação de pro-priedade, ou de outro direito sobre a coisa.”

Desse modo, três conclusões se impuseram, muito bem resumidas pelos enunciados das primeiras Jornadas de Direito Civil do Conselho de Justiça Federal:

78 — Art. 1.210: Tendo em vista a não-recepção pelo novo Código Civil da exceptio proprietatis (art. 1.210, § 2º) em caso de ausência de prova sufi ciente para embasar decisão liminar ou sentença fi nal ancorada exclusivamente no ius possessionis, deverá o pedido ser indeferido e julgado improcedente, não obstante eventual alegação e demonstração de direito real sobre o bem litigioso.

79 — Art. 1.210: A exceptio proprietatis, como defesa oponível às ações pos-sessórias típicas, foi abolida pelo Código Civil de 2002, que estabeleceu a abso-luta separação entre os juízos possessório e petitório.

80 — Art. 1.212: É inadmissível o direcionamento de demanda possessória ou ressarcitória contra terceiro possuidor de boa-fé, por ser parte passiva ilegíti-ma diante do disposto no art. 1.212 do novo Código Civil. Contra o terceiro de boa-fé, cabe tão-somente a propositura de demanda de natureza real.

Se na ação possessória só se discute posse, quais os critérios possíveis para a sua decisão? O da melhor posse e o da função social da posse.

Para os que contam com título válido, a tutela dominial, em ação no procedimento comum ordinário, é a melhor opção. Mas o que ocorreria se ajuizassem ação possessória? Poderia ajuizar a petitória depois, e se arrepen-derem?

Na constância da possessória, não é possível ajuizar ação de imissão (CPC, art. 923), resultando seu ajuizamento em extinção sem apreciação do mérito. O contrário, no entanto, é possível.

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DIREITO DA PROPRIEDADE

FGV DIREITO RIO 35

12 Art. 508: “Se a posse for de mais de

ano e dia, o possuidor será mantido

sumariamente, até ser convencido pelos

meios ordinários.”

Características do procedimento especial das ações possessórias

— Conteúdo mandamental.— Fungibilidade: art. 920, CPC.— Caráter dúplice: art. 922, CPC.— Liminar: art. 928, CPC. Critérios: apenas fumus e periculum.— Natureza da liminar: satisfativa.

Ainda reside interesse na distinção entre posse nova e posse velha. A posse velha é aquela obtida ou perdida há mais de um ano e um dia. A nova, a me-nos de um ano e um dia. O CC 1916 estabelecia que se a posse fosse velha, na ação possessória não poderia haver concessão de liminar.12 Entretanto, o art. 924 do Código de Processo Civil ainda diferencia posse nova de posse velha.

CASO GERADOR

Se um imóvel de propriedade da prefeitura de São Paulo, nas condições precárias vistas nas fotos do caso da aula 4, fosse invadido pelo MSTC, e se instaurasse um confl ito entre eles e a municipalidade, qual ou quais as ações a serem ajuizadas pelo Município para reaver o imóvel? E pelo MSTC para se manter lá? Como obter tutela jurídica, em um caso ou em outro, o mais rápido possível?

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DIREITO DA PROPRIEDADE

FGV DIREITO RIO 36

AULA 6: PROPRIEDADE E MORADIA

EMENTÁRIO DE TEMAS:

Insufi ciência da proteção possessória. Titulação. Moradia e dignidade da pessoa humana.

LEITURA OBRIGATÓRIA:

SOTO, Hernando de. “O Mistério do Capital”, Rio de Janeiro, Record, p. 187-218.

LEITURA RECOMENDADA:

FACHIN, Luis Edson. “Estatuto Jurídico do Patrimônio Mínimo”, Rio de Ja-neiro, Renovar, 2001, p. 33-65.

ROTEIRO DE AULA

Posse e proteção da moradia

Os anseios de ampliação da proteção possessória se correlacionam, sem sombra de dúvida, com as necessidades de moradia. Alçada a direito social no art. 6º da Constituição Federal, não se pode imaginar a possibilidade de vida digna sem que haja acesso à moradia. Por outro lado, outros interesses sociais podem e serão postos em cotejo com a necessidade de prover moradia, como se pode ver das decisões a seguir.

2006.002.17927 — AGRAVO DE INSTRUMENTODES. JOSE DE SAMUEL MARQUES — Julgamento: 08/11/2006

“Agravo de Instrumento. — Ação de Despejo por Falta de Pagamento. — Recurso de Apelação recebido em duplo efeito. — Decisão contrária ao disposto no art. 58, V da Lei 8.245/91. — Embora seja notório o grave problema de moradia existente em nosso país, não cabe ao Judiciário, em interpretação contrária à lei, suprir a defi ciência do Poder Público, fazendo cortesia com o patrimônio do particular, que já é por demais onerado por tributos que, infelizmente, não são destinados aos seus fi ns. RECURSO PROVIDO.”

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DIREITO DA PROPRIEDADE

FGV DIREITO RIO 37

— O direito à moradia não pode garantir que se more em imóvel em pre-juízo do seu proprietário

0020743-80.2010.8.19.0000 — AGRAVO DE INSTRUMENTO

1ª EmentaDES. FERNANDO FOCH LEMOS — Julgamento: 30/09/2010 — TER-

CEIRA CAMARA CIVEL DIREITO PROCESSUAL CIVIL. Agravo de ins-trumento de decisão que, nos autos de ação de despejo cumulada com cobrança, deferiu a antecipação dos efeitos da tutela com fulcro no art. 273 do CPC, pelo que determinou a desocupação do imóvel em 15 dias sob pena de expedição de mandado de despejo.1. Não há falar em violação aos princípios constitucio-nais da segurança jurídica, do contraditório e da ampla defesa se a decisão que determinou o desalijo foi proferida após a contestação e depois de instadas as partes a se manifestarem em provas.2. É admissível a concessão da antecipação dos efeitos da tutela com fulcro no art. 273 do CPC nas hipóteses abrangidas pela Lei 8.245/91, pelo que as decisões proferidas com base naquele dispositivo legal independem de caução.3. Embora o direito à moradia seja de índole cons-titucional, não se pode pretender que seja ele protegido ao ponto de se garantir que se more em prejuízo do dono da morada alugada. 4. “Somente se reforma a decisão concessiva ou não da antecipação de tutela, se teratológica, contrária à Lei ou à evidente prova dos autos”. Súmula 59 do TJERJ.5. Recurso ao qual se nega seguimento, na forma do art. 557, caput, do CPC.

Como resultado, o direito à moradia será ponderado com outros direitos, de modo a que se determine qual o interesse prevalente.

Posse e titulação

Há, contudo, uma insufi ciência estrutural na concepção de um direito não titulado, que não permite o exercício pleno de suas faculdades por parte do titular. O texto a seguir ilustra bem essa problemática.

“¿Qué sucede si no puede demostrar que tenía una casa?Por Hernando de SotoLa importancia de un adecuado sistema de propiedad legalDos desastres naturales recientes nos han conmovido: el peor tsunami de la

historia, que asoló 11 países en las costas del Océano Indico, y el huracán lla-mado Katrina, que inundó la ciudad de Nueva Orleans. Las imágenes llegadas de ambas regiones fueron trágicamente similares: edifi cios derruidos, cadáveres fl otando, sobrevivientes estupefactos, y agua, agua por todas partes.

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DIREITO DA PROPRIEDADE

FGV DIREITO RIO 38

Había una profunda diferencia. En Nueva Orleans, lo primero que hicieron las autoridades para garantizar la paz y asegurar la reconstrucción fue salvar los registros de propiedad legal de la ciudad, los cuales rápido determinaron quién es dueño de qué y dónde, quién debe qué y cuánto, quién puede ser reubicado rápido, quién es sujeto de crédito para fi nanciar una reconstrucción, qué propie-dad está tan dañada que va a necesitar ayuda, y cómo dar energía y agua limpia a los pobres.

En el sudeste asiático no había esos registros legales disponibles que encon-trar, pues la mayoría de las víctimas del tsunami había vivido y trabajado por fuera de la ley.

Con las aguas de la inundación aún altas Stephen Bruno, el custodio de los registros notariales de Nueva Orleans, corrió hacia el sótano del juzgado donde se almacenaban los registros de propiedad de la ciudad, los sacó a rastras del agua, los acomodó en camiones refrigerantes que los transportaron a Chicago, donde fueron secados por expertos.

Los documentos restaurados fueron rápidamente devueltos a Nueva Orleans: 60.000 volúmenes ahora archivados bajo guardia armada, en el recientemente despejado centro de convenciones. ‘Abstractores’ moviéndose entre cajas hasta la altura del muslo revisan meticulosamente documentos que producirán las herramientas legales para diseñar y fi nanciar la recuperación de la ciudad, permi-tiendo que banqueros, aseguradores y corredores de inmuebles identifi quen pro-pietarios, activen garantías colaterales, consigan fi nanciamiento, accedan a mer-cados secundarios, realicen acuerdos, cierren contratos, y a la vez hagan rentable que las empresas de servicios bombeen energía y agua a los vecindarios. Toda la infraestructura legal de cuya necesaria existencia para mantener una economía moderna en movimiento gran parte de los estadounidenses no es consciente.

Una escena así fue imposible luego de que el tsunami de diciembre del 2004 lanzó a gran velocidad agua y olas del tamaño de edifi cios sobre las propiedades que daban a la playa, desde Indonesia y Tailandia hasta Sri Lanka y las Maldivas, matando a más de 270.000 personas (168.000 solo en Indonesia).

En Bandah Aceh, Indonesia, el agua se llevó 200.000 casas; la mayoría de ellas sin títulos de propiedad.

Cuando el agua se retiró de Nam Khem, Tailandia, un magnate bien conec-tado se lanzó a apropiarse de la valiosa primera fi la de terrenos frente de playa. Los sobrevivientes de las 50 familias que durante una década habían ocupado la orilla protestaron, pero no tenían derechos de propiedad legalmente documen-tados que respaldaran sus reclamos.

Ese es el caso de la mayoría de la gente en los países en desarrollo y en los que formaban parte del mundo soviético, donde los sistemas legales son inaccesibles a la mayoría de los pobres. La vida en el mundo ‘extralegal’ está en constante riesgo.

Un terremoto sacudió Pakistán el mes pasado, dejando un estimado de 73.000 muertos. Cuando un sismo de similar intensidad remeció Los Ángeles en

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DIREITO DA PROPRIEDADE

FGV DIREITO RIO 39

1994, murieron 60 personas. ¿Por qué la diferencia? Como les gusta decir a los sismólogos: “Los terremotos no matan a la gente, las casas sí”. Viviendas cons-truidas inadecuadamente, fuera de la ley, ignorando los códigos de construcción.

¿Pero qué propietario pobre —-para no hablar del promotor, del banco, de la ofi cina de crédito o del organismo gubernamental-— tiene algún incentivo para invertir en vivienda más segura y en concreto reforzado sin la evidencia de una propiedad garantizada y legal y la posibilidad de conseguir crédito?

Los gobiernos no tienen cómo hacer cumplir los códigos legales cuando la mayoría de las personas opera al margen de ellos.

En los países en desarrollo los desastres naturales no solo dejan a las ciudades en ruinas, sino que arrasan con economías enteras. El tsunami del 2004 liquidó el 62% del PBI de Las Maldivas; mientras que el costo del Katrina, según la Ofi -cina de Presupuesto del Congreso, será entre 0,5% y 1% del PBI de EE.UU.

Por lo general los gobiernos promueven el valor de la propiedad privada para incrementar los impuestos sobre ella. En la economía extralegal, las personas pueden pagar sobornos, pero nadie paga impuestos. ¿De dónde vendrá el dinero para la reconstrucción?

La propiedad privada en EE.UU. suele estar cubierta por seguros. Valorados en unos US$30.000 millones para el Katrina. En Sri Lanka, sin embargo, solo el 1% de las 93.000 víctimas del tsunami estaba cubierto.

En el mundo en desarrollo pocas personas tienen un documento de identi-dad legal ligado a un domicilio ofi cial, no importa el tipo de título legal de sus activos exigido por los aseguradores.

Sin una prueba de identidad o domicilio legal a partir del cual crear una lista de suscripción, ninguna compañía de servicios públicos va a suministrar electri-cidad o cualquier otro servicio.

Ni siquiera los gobiernos están seguros de quiénes son los que han muerto, puesto que la mayor parte de las víctimas nunca tuvo identidad legal.

En Perú, el debate sobre si los muertos dejados por la guerra que inició el terrorismo de Sendero Luminoso fueron 25.000 o 75.000, aún continúa.

Las autoridades de Nueva Orleans estudian la posibilidad de recurrir a leyes de usufructo. Cuando los pobres no pueden afrontar los gastos de reparación, estas leyes permiten al municipio reconstruir las viviendas, alquilarlas a los al-bañiles, aportando el necesario alojamiento, y ahorrar el escaso pequeño capital de los pobres, quienes eventualmente recuperan sus casas o tienen la posibilidad de venderlas al municipio a precio de mercado.

En el mundo en desarrollo ni el capital ni el crédito se aventuran allí donde los derechos de propiedad no son claros.

La diferencia entre un tsunami y un huracán termina siendo mucho más que el oleaje. Por eso es que en los países en desarrollo, que no cuentan con un sistema adecuado de legislación sobre propiedad, hasta la paz está en juego; como era el caso en Estados Unidos antes de que una buena —-y ampliamente

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DIREITO DA PROPRIEDADE

FGV DIREITO RIO 40

13 Em http://www.elcomercioperu.

com.pe/edicionimpresa/html/2006-

01-22/imppolitica0442713.html

accesible-— legislación sobre el derecho a la propiedad convirtiera a los violen-tos invasores en nobles pioneros.

Antes de aquello, los invasores habían amenazado con quemar las fi ncas del presidente George Washington si no se les entregaba títulos. Y Abraham Lincoln recordó cierta vez en un discurso que no haber podido ver la puesta del sol por la cantidad de cadáveres colgados de los árboles, víctimas de linchamientos a raíz de crímenes contra la propiedad. Así están hoy los países en desarrollo. Se puede detener el derramamiento de sangre.

Los medios de vida y los negocios podrían regenerarse en el mundo en desar-rollo, pero primero los pobres tienen que ser legalmente empoderados. Damos a la ley por sentado; pero sin documentación legal la gente no existe en el mercado. Si la propiedad, los negocios y las transacciones no se documentan legalmente, están destinados a ser obviados. La sociedad no podrá funcionar como un todo.

Los huracanes no pueden destruir la infraestructura oculta del dominio de la ley, que mantiene la paz y empodera al pobre. Los títulos avalados por la ley y los certifi cados de acciones generan inversión; los títulos de propiedad al día garan-tizan el crédito; los documentos permiten a la gente identifi carse y recibir ayuda, los estatutos de una compañía pueden acopiar fondos para la reconstrucción; las hipotecas reúnen dinero, los contratos afi rman los compromisos.

Cuatro mil millones de personas de los seis mil millones que hay en todo el mundo carecen de la habilidad de generar prosperidad y recuperarse de los desastres; su constante tragedia es vivir sin el benefi cio de alguna ley. Ninguna suma de ayuda internacional o caridad puede compensar eso.

Solo si los pobres son empoderados legalmente van a poder ellos mismos estar en situación de convertir el siguiente tsunami en una simple tormenta más.”13

Desse modo, o dilema se propõe: a tutela judicial da moradia já é assaz tênue, e em muitas decisões judiciais, outros interesses são atendidos em pre-juízo da moradia; e, além disso, mesmo que em todas as decisões judiciais fosse amparada a posse do habitante, mesmo assim isso seria insufi ciente.

A moradia é valor imprescindível para a promoção imediata da dignidade humana, mas a longo prazo a titulação é estritamente necessária.

CASO GERADOR

RE 407688 / SP — SÃO PAULORECURSO EXTRAORDINÁRIORelator (a): Min. CEZAR PELUSOJulgamento: 08/02/2006

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DIREITO DA PROPRIEDADE

FGV DIREITO RIO 41

“EMENTA: FIADOR. Locação. Ação de despejo. Sentença de procedên-cia. Execução. Responsabilidade solidária pelos débitos do afi ançado. Penhora de seu imóvel residencial. Bem de família. Admissibilidade. Inexistência de afronta ao direito de moradia, previsto no art. 6º da CF. Constitucionalidade do art.3º, inc. VII, da Lei nº 8.009/90, com a redação da Lei nº 8.245/91. Re-curso extraordinário desprovido. Votos vencidos. A penhorabilidade do bem de família do fi ador do contrato de locação, objeto do art. 3º, inc. VII, da Lei nº 8.009, de 23 de março de 1990, com a redação da Lei nº 8.245, de 15 de outubro de 1991, não ofende o art. 6º da Constituição da República.”

Voto do Min. Gilmar Mendes, no RE 407.688:

08/02/2006 TRIBUNAL PLENORECURSO EXTRAORDINÁRIO 407.688-8 SÃO PAULOVOTO DO SENHOR MINISTRO GILMAR MENDES — Senhor

Presidente, ouvi com atenção os votos proferidos pelos Ministros Cezar Pe-luso, Eros Grau, Joaquim Barbosa e Carlos Britto. De fato, o texto constitu-cional consagra expressamente o direito de moradia. Do que depreendi do debate, não me parece que qualquer dos contendores tenha defendido aqui a ideia de norma de caráter programático. Cuida-se, sim, de se indagar sobre o modus faciendi, a forma de execução desse chamado direito de moradia. E estamos diante de uma garantia que assume contornos de uma garantia de perfi l institucional, admitindo, por isso, múltiplas possibilidades de exe-cução. Sem negar que eventuais execuções que venham a ser realizadas pelo legislador possam traduzir eventuais contrariedades ao texto constitucional, no caso não parece, tal como já apontado pelo Ministro Cezar Peluso, que isso se verifi que. Não me parece que do sistema desenhado pelo texto cons-titucional decorra a obrigatoriedade de levar-se a impenhorabilidade a tal ponto. Já o Ministro Joaquim Barbosa destacou que aqui se enfrentam prin-cípios eventualmente em linha de colisão. E não Supremo Tribunal Federal podemos deixar de destacar e de ressaltar um princípio que, de tão elementar, nem aparece no texto constitucional: o princípio da autonomia privada, da autodeterminação das pessoas — é um princípio que integra a própria ideia ou direito de personalidade. Portanto, embora reconheça, no art. 6º, o direi-to de moradia, a criação ou a possibilidade de imposição de deveres estatais na Constituição de modos de proteção a essa faculdade desenhada no texto constitucional, não consigo vislumbrar, na concretização que lhe deu a Lei, a violação apontada. Nesses termos, acompanho o voto do Ministro Cezar Peluso, desprovendo o recurso extraordinário.

Como se delineia a ponderação feita pelo Supremo Tribunal Federal? A moradia é valor meramente programático, ou pode gerar efi cácia direta?

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DIREITO DA PROPRIEDADE

FGV DIREITO RIO 42

14 A atividade registral no Brasil é dele-

gada pelo poder público a particulares

(CRFB, art. 236), com base nos critérios

fi xados na Lei n° 8935-94 (Lei dos Car-

tórios).

15 Tratado de Registros Públicos, vol. I,

3ª ed, Rio de Janeiro, Freitas Bastos,

1955, p.2.

AULA 7: SÓ É DONO QUEM REGISTRA

EMENTÁRIO DE TEMAS

O dogma do modo de aquisição. Princípios registrais. A situação registral brasileira.

LEITURA OBRIGATÓRIA

RIZZARDO, Arnaldo. “Direito das Coisas”, p. 303-318.

ROTEIRO DE AULA

A AQUISIÇÃO PELO REGISTRO DO TÍTULO

A forma mais comum de aquisição derivada da propriedade ocorre em razão do registro do título translatício. O registro de imóveis é, in fi ne, o meio mais adequado para suprir as demandas de segurança jurídica envolvendo os negócios imobiliários. No entanto, o sistema de registro de imóveis no Brasil, que consiste em atividade administrativa autorizada,14 encontra-se imerso em grave crise, e necessita de urgente intervenção.

Se tudo der certo, o registro de imóveis opera produzindo efeitos reais sobre bens imóveis sempre que houver a anotação do fato.

Serpa Lopes defi ne registro público como “a menção de certos atos ou fatos exarada em registros especiais, por um ofi cial público, quer à vista da apresentação de títulos comuns que lhe são apresentados, quer em face de declarações escritas ou verbais das partes interessadas”.15 Os registro públicos são regulados atualmente pelas Leis n° 6015-73 (registro civil) e n° 8934-94 (registro de comércio). Sua serventia vem anunciada no próprio caput do art. 1° da Lei 6015-73: os registros promovem a “a autenticidade, segurança e efi cácia dos atos jurídicos.”

O registro público existe em nosso direito em quatro modalidades (art. 1°, Lei 6015-73), das quais nos interessará no momento apenas uma: o registro de imóveis, que tem o objetivo legal de permitir que, mediante negócio jurí-dico, seja transferida a propriedade de algum bem imóvel.

Em via de regra, no direito brasileiro, vige aquilo que se chama de prin-cípio da abstração, que determina que não haja a produção de efeitos reais decorrentes da prática de negócio jurídico. Para a produção destes referidos,

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é necessário uma ato jurídico strictu sensu, No caso de imóveis, este ato é pre-cipuamente o registro. Vejamos o art. 1245 do Código Civil:

Art. 1.245. Transfere-se entre vivos a propriedade mediante o registro do título translativo no Registro de Imóveis.

§ 1o Enquanto não se registrar o título translativo, o alienante continua a ser havido como dono do imóvel.

§ 2o Enquanto não se promover, por meio de ação própria, a decretação de invalidade do registro, e o respectivo cancelamento, o adquirente continua a ser havido como dono do imóvel.

O §1º consagra o princípio da presunção de veracidade do registro; segun-do o informado, será determinado o titular. No §2º, temos a presunção de legalidade. Assim, até que algo diferente resulte, o registro de qualquer imó-vel atribui ao titular matriculado o direito real correspondente, só podendo ser modifi cado por outro ato registral ou por decisão judicial.

Em outro turno, se o registro não exprimir a verdade, deverá ser corrigido:

Art. 1.247. Se o teor do registro não exprimir a verdade, poderá o interessado reclamar que se retifi que ou anule.

Parágrafo único. Cancelado o registro, poderá o proprietário reivindicar o imóvel, independentemente da boa-fé ou do título do terceiro adquirente.

O interessante no dispositivo é o que dispõe o parágrafo único. Conquan-to a propriedade seja fi rmada pelo registro, é possível que este não exprima a verdade, em especial diante da ocorrência de usucapião. Nesse caso, mesmo sem o documento do registro (que não é, portanto, documento essencial à propositura da demanda — v. art. 183, CPC), será possível ajuizar ação e provar a propriedade por outros meios. No caso de desconstituição do regis-tro, para que seja fi rmado outro este pedido pode ser combinado (cumulação sucessiva) com a reivindicação do bem. A vindicatio, contudo, não tem como exigência o acertamento registral.

O parágrafo único dispõe que o registro será corrigido, independente da boa-fé do terceiro adquirente. Num código que prima pelo respeito à boa-fé objetiva e que textualmente afi rma a proteção ao adquirente em caso de pa-gamento indevido, não se pode dar, em primeira vista, interpretação tão pa-ralisante ao art. 1247. Na verdade, o dispositivo não prevê que o registro seja sempre cancelado, mas que se for cancelado pela via judicial, haverá extensão dos efeitos da coisa julgada para com o terceiro de boa-fé, que terá ressalvado apenas os direitos de possuidor. Mas isso é um posterius, não sendo impossível ao magistrado reconhecer o direito de terceiro adquirente de boa-fé.

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DIREITO DA PROPRIEDADE

FGV DIREITO RIO 44

16 Martin Wolff , pp. 187 e ss.

17 Isabel Mendes, O Registro Predial e a

Segurança Jurídica nos Negócios Imobi-

liários, Coimbra, Almeidina, 1992, p. 29.

18 Em http://www.usp.br/fau/deppro-

jeto/labhab/biblioteca/textos/marica-

to_bombarelogio.pdf

19 Arquiteta, e urbanista, Coordenadora

do Curso de Pós Graduação da Facul-

dade de Arquitetura e Urbanismo da

USP, Coordenadora do Laboratório de

Habitação e Assentamentos Humanos,

ex- Secretária de Habitação e Desenvol-

vimento Urbano da prefeitura de São

Paulo (1989-1992).

Por conseguinte, o registro cria segurança a todo custo, desconsiderando valores caros ao texto constitucional. Ou não? Ou seria mais adequado um sistema de registro de imóveis rígido, que gerasse segurança?

O sistema brasileiro pressupõe a necessidade da transcrição para que haja a aquisição da propriedade (e para que se operem as formas negociais de cria-ção, transferência e extinção de direitos reais). “Só é dono quem registra”, é o mote dos ofi ciais registradores. O negócio jurídico não tem efi cácia translati-va, gerando apenas efeitos obrigacionais. Para que se obtenha o efeito deseja-do, deve-se atender ao requisito formal de publicidade, qual seja o registro. É o que determina o art. 676 do Código Civil.

PROPRIEDADE = ESCRITURA + REGISTRO

No sistema alemão, o negócio de índole contratual (negócio causal) tam-bém não origina a transferência de propriedade. É necessário que se celebre um negócio registral, abstrato, no qual se emite declaração receptícia de von-tade, a ser completada pelo onerado, e declara que deseja realizar o registro em benefício do adquirente.16 Uma vez efetuado o negócio registral, se hou-ver direitos de terceiros em jogo, só este poderá ser atacado caso haja nulida-de nele próprio (e não no negócio causal).17 Trata-se da abstração registral, presente no direito alemão. No sistema francês, o registro não é translativo de propriedade, tendo efeitos meramente declaratórios entre as partes. Entretan-to, para que terceiros estejam vinculados, é necessário que haja o registro. Por conseguinte, o registro é declaratório, mas a oponibilidade perante terceiros (que só pode ser exigida se houver publicidade) depende do acertamento do imóvel.

Seriam melhores esses sistemas?

O que não está no registro

Conquanto seja válido e interessante polemizar sobre o que não está no registro, mais relevante é lembrar-se de tudo aquilo que deveria estar lá certi-fi cado e não está. Vejamos no texto abaixo algumas das graves conseqüências da desordem fundiária.

“EXCLUSÃO SOCIAL, HABITAT E VIOLÊNCIA18

Por ERMINIA MARICATO19

Se na década de 40, quando 31% da população brasileira era urbana, as cidades eram vistas como avanço e modernidade em relação ao campo que representava o Brasil atrasado ou arcaico, no início de 2001, quando 80% da população é urbana, sua imagem passa a ser associada à violência, poluição,

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favela, criança desamparada, epidemias, tráfego caótico, entre outros inúme-ros males.

O processo de industrialização / urbanização, parecia representar um ca-minho para a independência de séculos de dominação da produção agrária e de mando coronelista, ligado diretamente à relação colonial. A evolução dos acontecimentos mostrou que ao lado de intenso crescimento econômico (7% em media entre 1940 e 1980), o processo de urbanização com crescimento da desigualdade resultou numa gigantesca concentração espacial da pobreza.

Nem todas as consequências do processo de urbanização são negativas como mostram a queda da mortalidade infantil, da taxa de natalidade e o aumento da esperança de vida ao nascer, nos últimos 50 anos. A década de 80 foi portadora de algumas novidades, confi rmadas pelo Censo do IBGE de 2000, como a diminuição da taxa geométrica de crescimento anual das metrópoles (cujo crescimento se concentra agora apenas nos municípios pe-riféricos) e a aceleração do crescimento das cidades de porte médio. As doze metrópoles brasileiras, entretanto, que concentram perto de 33% de toda a população revelam de modo mais evidente as consequências dramáticas desse processo de crescimento com exclusão social.

Durante os anos 80 e 90, sob as novas relações internacionais a desigualda-de se aprofunda: aumenta a informalidade nas relações de trabalho, aumenta o crescimento das favelas, aumenta o número de crianças abandonadas. Le-vantamentos científi cos comprovam o que nossos olhos constatam cotidia-namente. Entre essas características que são históricas em uma sociedade na qual o desemprego e a desigualdade são estruturais, talvez a maior novidade das duas últimas décadas esteja na explosão da violência urbana.

Falar de violência no Brasil, último país escravista do hemisfério ociden-tal e que ainda hoje mantém resquícios de trabalho escravo, requer alguma precisão. A violência urbana que cresce fortemente nas cidades brasileiras se diferencia da tradicional violência que sempre marcou a relação de trabalho. Trata-se daquela que é expressa pelo número de homicídios e que como a primeira, faz da população pobre sua principal vítima. O que nos interessa explorar aqui é a relação entre habitat e violência.

A segregação urbana é uma das faces mais importantes da exclusão social. Ela não é um simples refl exo, mas também motor indutor da desigualdade. À difi culdade de acesso aos serviços e infra-estrutura urbanos (transporte pre-cário, saneamento defi ciente, drenagem inexistente, difi culdade de abasteci-mento, difícil acesso aos serviços de saúde, educação e creches, maior exposi-ção à ocorrência de enchentes e desmoronamentos, etc.) somam-se menores oportunidades de emprego (particularmente do emprego formal), menores oportunidades de profi ssionalização, maior exposição à violência (marginal ou policial), discriminação racial, discriminação de gênero e idade, difícil acesso à justiça ofi cial, difícil acesso ao lazer. A lista é interminável.

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Ilegalidade na Ocupação do Solo e Segregação Urbana

A ilegalidade em relação à propriedade da terra, entretanto, tem sido o principal agente da segregação ambiental, no campo ou na cidade. A ilega-lidade fundiária participa de uma situação de ilegalidade generalizada: na relação de trabalho, na resolução de confl itos, na ação da polícia...

No meio urbano, a relação — legislação/mercado fundiário/exclusão — está no centro da segregação territorial. É nas áreas desprezadas pelo mercado imobiliário privado e nas áreas públicas situadas em regiões desvalorizadas, que a população trabalhadora pobre vai se instalar: beira de córregos, encos-tas dos morros, terrenos sujeitos a enchentes ou outros tipos de riscos, regiões poluídas, ou [...] áreas de proteção ambiental (onde a vigência de legislação de proteção e ausência de controle do uso do solo defi nem a desvalorização e o desinteresse do mercado imobiliário).

Apenas para dar alguns exemplos, em São Paulo, uma cidade que tem o PIB maior que o do Chile, aproximadamente 20% de seus 10 milhões de habitantes mora em favelas. Destas, 49,3 % tem alguma parte localizada em beira de córrego, 32,2% estão sujeitas a enchentes, 29,3% localizam-se em terrenos com declividade acentuada, 24,2 % estão em terrenos que apre-sentam erosão acentuada e 0,9 % estão em terrenos de depósitos de lixo ou aterro sanitário.

Na periferia sem urbanização, a precariedade dos transportes e o alto preço são fatores que infl uem na baixa mobilidade dos moradores, frequentemente exilados em seus bairros precários. (Santos 1990). “Não é de se estranhar que em tais situações de segregação territorial pode ocorrer o desenvolvimento de normas, comportamentos, mecanismos e procedimentos extralegais que são impostos à comunidade pela violência ou que são aceitos espontaneamente e até desejados.”

CASO GERADOR

Vejamos a notícia do Correio Braziliense:“Multiplicação de lotes no LagoAna D’AngeloCorreio Braziliense1/4/2005

Compradores do Pousada das Andorinhas travam batalha contra empre-endedora acusada de vender terrenos irregularmente. Grupo chegou a formar associação de interessados que teriam sido lesados

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O cobiçado Condomínio Pousada das Andorinhas, na QI 31 do Lago Sul, não foi regularizado, mas já está deixando um rastro de prejuízos, de denúncias de estelionato na polícia e de processos criminais. No centro da polêmica está a empreendedora do local, Rosa Lia Fenelon Assis, de 67 anos. Enquanto a regularização não vem, ela e a fi lha — Angela Beatriz de Assis, de 39 anos — são acusadas por dezenas de pessoas de se benefi ciar com o comércio de terrenos que alegam lhes pertencer, vendendo o mesmo lote para mais de uma pessoa. O total de prejudicados já é superior a 400 compradores, de acordo com Enock Goulart de Carvalho, síndico do con-domínio desde março de 2004.

O grupo de compradores é tão grande que eles se juntaram e criaram, em dezembro passado, a Associação dos Lesados pela Empreendedora do Condomínio Pousada das Andorinhas (Alecpa). Já tem 126 associados. Eles pretendem representar contra a empreendedora por estelionato. Funcionária pública aposentada, Rosa Lia Assis tem uma procuração passada em 1989 pela fi lha Angela Beatriz, dando-lhe plenos poderes para negociar 60,5 hec-tares em nome da fi lha. Desde então, já teriam sido vendidos cerca de 1.700 lotes. O problema é que só existem 1.002. Ou seja, tem gente comprando terreno que já pertenceria, em tese, a outro.

Ao Correio, Rosa Lia Assis admitiu que pode ter vendido o mesmo lote para mais de uma pessoa, mas alegou “desorganização” dos dados e não má-fé. Embora os 60,5 hectares negociados estejam em seu nome, Angela Beatriz se eximiu de responsabilidade. “Estão usando o meu nome para criar tumul-to. Nunca assinei documentos, nem vendi terra nenhuma. A minha mãe que é a dona legítima da terra”, alegou Angela Beatriz.

Em local privilegiado, à beira do asfalto e próximo à Ponte JK, o Con-domínio Pousada das Andorinhas está dentro da antiga fazenda Paranoá, de 527 hectares, originalmente pertencente ao espólio de Balbino de Souza Vas-concelos. Repartida entre herdeiros foi vendida em pedaços a várias pessoas. Angela Beatriz de Assis teria comprado 60,5 hectares. Mas somente 24 hec-tares estão registrados no 2º Ofício de Registro de Imóveis. Os outros 36,5 hectares são garantidos apenas por três escrituras.

Para completar o imbrólio, a Terracap (Companhia Imobiliária de Brasí-lia) também reivindica a posse de parte da área do condomínio. Há liminar da Justiça suspendendo qualquer alteração na matrícula dos 20 hectares que estão registrados em nome de Angela Beatriz de Assis no cartório de imóveis. Também está proibida qualquer edifi cação no local até que a situação seja regularizada. No local, existe uma portaria indicando a existência do “futuro” condomínio.

Auditoria feita pela atual administração constatou a existência de 1.746 lo-tes vendidos até outubro de 2004, dos quais 1.295 teriam sido adquiridos dire-tamente de Rosa Lia Assis, conforme declararam os compradores. Outros 373

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lotes foram comprados por meio de três pessoas, sendo 181 em duplicidade. Duas delas — Paulo Goulart e Hélio Ribeiro — foram autorizadas a transferir determinados lotes por procuração recebida de Rosa Lia Assis, que substabele-ceu o mandato da fi lha. A terceira, Eliane Pereira da Mota, alega ter contrato com a empreendedora para vender parte deles. Rosa Lia Assis negou conhecê-la. Há ainda 78 unidades vendidas sem documentos no condomínio.

De acordo com a auditoria, 567 lotes foram negociados em duplicidade. A maioria, 386, seriam de responsabilidade direta da empreendedora. Os preços de venda variaram entre R$ 1,5 mil e R$ 40 mil. De acordo com o síndico, somente de 2001 para cá, Rosa Lia teria embolsado mais de R$ 6 mi-lhões. Mas os compradores têm difi culdades de localizar bens em seu nome e da fi lha. As duas moram em casa alugada no Lago Sul.

Rosa Lia Assis afi rmou ao Correio que, das 1.002 unidades, vendeu em torno de 600 e que ainda tem cerca de 380 disponíveis — 165 estariam em nome da cozinheira e da babá e de uma ex-faxineira. O síndico Enoch de Carvalho contesta. Diz que ela tem apenas sete, em nome de empregados, porque os compradores dos demais já se apresentaram.

O processo para regularização do condomínio Parque das Andorinhas está na Terracap desde agosto de 2004. Mas existem três ações judiciais em tramita-ção na Vara de Registros Públicos do DF questionando a titularidade da área e a escritura de constituição do condomínio. A empreendedora apresentou o pro-jeto urbanístico e topográfi co, mas ainda não foram aprovados pela Terracap.

A empreendedora Rosa Lia Assis admitiu ao Correio a venda do mesmo lote a mais de uma pessoa “por desorganização” dos seus cadastros, mas promete devolver o dinheiro corrigido, conforme está no contrato, a todos os compra-dores que quiserem desfazer o negócio. “Estou disposta a devolver o dinheiro para todo mundo que queira desistir dos lotes”, garante. Ela alega que não pode tomar nenhuma atitude ou prestar esclarecimentos sem conhecer a lista-gem de lotes vendidos em duplicidade que a atual administração dispõe.

Rosa Lia conta que pediu essa lista ao atual síndico, mas que ele exigiu o pagamento de R$ 6.609,40 para fornecer os documentos, o que achou abusivo. “Como posso tomar qualquer atitude, sem saber a listagem que o condomínio tem e quem emitiu os documentos?” A empreendedora questio-nou também a auditoria, por não ter havido a participação de integrantes das administrações anteriores.

O síndico Enock de Carvalho afi rma que o preço cobrado, que poderia ser pago em duas parcelas, é para cobrir os custos das fotocópias (13.968 folhas) e de serviço de terceiros (R$ 2.500). Exigiu ainda que a empreendedora ex-plicasse a fi nalidade que pretende dar aos documentos. Segundo Carvalho, o condomínio teve custos para fazer a auditoria e catalogar todos os contratos dos compradores.

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Rosa Lia Assis nega o uso de “laranjas”. Diz que foi “obrigada” a colocar os lotes em nome de empregadas para facilitar a aprovação do condomínio jun-to aos órgãos públicos, porque não podem estar em nome do empreendedor. Segundo ela, para regularizar a área, é preciso ter o parcelamento efetuado e todas as frações vendidas. Afi rma que deu um lote para cada uma para colo-car os terrenos em nome delas.

Sobre as procurações em nome de Paulo Goulart e Hélio Ribeiro, explica que apenas deu lotes a eles como forma de pagamento de parte das terras que comprou e que pertenciam aos dois. “Nunca mandei vender em meu nome. Eles são donos dos lotes”, garante. A empreendedora nega conhecer Eliana Pereira, que apresentou à administração do condomínio contrato com Rosa Lia para vender os terrenos. “Nunca dei lote para corretor vender”, assegura.

A empreendedora afi rma que os projetos urbanístico e topográfi co apre-sentados por ela não foram aprovados pela Terracap porque o condomínio não cumpriu suas obrigações, como apresentação dos projetos de infra-estru-tura básicos (água, esgoto, luz). A empreendedora acusa ainda o síndico de tentar comprar lotes já vendidos por valor baixo, dizendo que o condomí-nio não será regularizado. Enock de Carvalho retruca que tem interesse em comprar lotes, mas em nome do condomínio. Segundo ele, não há espaço sufi ciente para acomodar o projeto da empreendedora, cujas projeções co-merciais invadiram até área pública. Afi rma que existem apenas 10% de área livre. Por isso, em assembléia no sábado passado, os condôminos autorizaram as aquisições, em nome do condomínio.

Rosa Lia Assis acusa ainda a atual administração de ter gastos excessivos para manutenção do condomínio. O síndico rebate dizendo que ela não é condômina e que os lotes que alega ter estão em nome de terceiros, inadim-plentes. Segundo ele, a convenção prevê acesso dos condôminos aos balance-tes e que as contas do ano passado foram aprovadas em assembléia realizada em março com a presença de 136 condôminos.

Carvalho afi rmou que os gastos são de R$ 189 mil por mês com a segu-rança do condomínio. “Ela mantém um segurança num dos acessos do con-domínio para permitir que ela entre e mostre o terreno para clientes. Vamos fechar todos os acessos para impedir sua entrada”, avisa.

A confusão no Parque das Andorinhas vem desde o fi nal dos anos 80, quando a empreendedora Rosa Lia Fenelon Assis dividiu os 60,5 hectares que teriam sido comprados pela fi lha em módulos, com cerca de 500 lotes de 800 metros quadrados aproximados. Foi criada então a associação dos condômi-nos, tendo ela como empreendedora. Segundo o atual síndico, nessa época, já teriam sido vendidos mais lotes do que havia de fato. Em 1991, a empre-endedora reformulou o projeto dos 60,5 hectares e transformou os módulos em conjuntos, reduzindo o tamanho dos lotes — viraram 1.002 com 501 metros quadrados. Ela negou a venda de lotes a mais. Segundo ela, o projeto

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foi redimensionado porque o original não contemplava os 35% de área livre exigidos pela legislação.

Novamente, apareceram no condomínio compradores de lotes que já ti-nham dono. Em julho de 2002, a nova administração do condomínio che-gou a acordo com a empreendedora e foi assinado um contrato particular em que ela se comprometia a relacionar os reais titulares dos 1.002 terrenos. Para surpresa dos condôminos, foram listados como donos de pouco mais de cem lotes três empregadas da empreendedora — a cozinheira, a faxineira e a babá da neta da empreendedora. Logo depois, começaram a aparecer vários compradores de lotes já vendidos com certifi cados de imissão de posse, que teriam sido emitidos pela empreendedora.

O fato fez com que a atual administração do condomínio representas-se contra Rosa Lia Assis junto ao Ministério Público do Distrito Federal, denunciando-a por estelionato e falsifi cação de certifi cados. Ela nega a acu-sação. Afi rmou ao Correio que a assinatura abreviada do seu nome nos cer-tifi cados, com carimbo de reconhecimento de fi rma do cartório Maurício de Lemos, não é dela. O cartório informou ao Correio que ela tem duas assina-turas (fi rmas) registradas no ofício, incluindo a forma abreviada.

Alguns compradores descobriram também que fi caram com menos lotes do que tinham adquirido inicialmente. É o que aconteceu com a advogada Linda Jacinto Xavier. Ela afi rma ter adquirido dois lotes terrenos diretamente de Rosa Lia de Assis no dia 31 de agosto de 2000 por R$ 9 mil cada um. No contrato de cessão de direitos, no entanto, a data é de 10 de dezembro de 1997, por imposição da vendedora.

Mas a advogada recebeu apenas o certifi cado de imissão de posse de ape-nas um deles “depois de muita insistência” junto à empreendedora. “Ela não quis mais me receber”, afi rma Linda Xavier, que chegou a ter nas mãos quatro mapas do condomínio. “Já não sabia mais quais eram os meus lotes.”

Como proteger os adquirentes de boa-fé, se é que eles devem ser protegi-dos?

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20 Os dicionaristas registram as duas

formas como corretas: o usucapião e a

usucapião. O CC2002 utiliza a palavra

no feminino.

AULAS 8, 9 E 10: USUCAPIÃO

EMENTÁRIO DE TEMAS

Usucapião: fundamentos e funcionamento. Justifi cativa constitucional. Modalidades.Usucapião tabular. Aquisição por interesse social (art. 1228, §§4º e 5º, Código Civil).

LEITURA OBRIGATÓRIA (PARA AS DUAS AULAS)

RIZZARDO, Arnaldo. “Direito das Coisas”, p. 247-303.

LEITURA COMPLEMENTAR

SALLES, José Carlos de Moraes. “Usucapião de Bens Imóveis e Móveis”, 6ª ed, São Paulo, RT, p. 47-144.

ROTEIRO DE AULA

NATUREZA DA USUCAPIÃO20

A usucapião é uma forma de aquisição de direito real decorrente da con-jugação de dois fatores: posse e tempo. A usucapião serve de forma de atri-buição de um direito real, assim como forma de extinção de um outro direito real. Por isso durante muito tempo o tratamento dado ao instituto do usuca-pião foi o mesmo tratamento dado ao instituto da prescrição extintiva. Hoje se entende praticamente de modo unânime no Direito Brasileiro que existe uma distinção de fundamento que impossibilita o tratamento conjunto da prescrição aquisitiva e do usucapião, amparada no fundamento dos referidos institutos. Existem, no Código Civil, e durante muito tempo existiram nor-mas separadas para disciplinar a usucapião e a prescrição extintiva, mas havia quem entendesse que o fundamento era igual nesses dois institutos (e ainda assim é hoje, por exemplo, no Direito espanhol). Sabe-se, atualmente, que o fundamento é distinto, por uma questão bastante simples: o usucapião se funda na concreção da ideia de função social da propriedade, e a prescrição extintiva na segurança jurídica. Isso não quer dizer que o usucapião também não tenha por objetivo criar segurança. É claro que se alguém possui um

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21 Caio Mário, vol. IV, p. 138.

bem durante muitos e muitos anos, cria-se na sociedade uma expectativa que aquele bem tenha a titularidade alterada, mesmo que isto não seja regra imutável, já que para que haja a contagem de tempo para o usucapião é fun-damental que a posse seja plena. Então não é apenas a mera segurança que justifi ca a usucapião.

No âmbito da ordenação urbana e dentro e rural, para que haja uma me-lhor utilização da propriedade, deve existir a fi gura do usucapião como meio de permitir a consolidação da propriedade nas mãos daquele que trabalha e dá ao bem a sua destinação constitucional, atendendo a função social. O instituto, portanto, foi elevado à normatividade constitucional, que a ele se refere expressamente em dois momentos: nos art.183 e 191.

O primeiro requisito para que haja aquisição do direito real através da fi gura do usucapião é a existência da posse. A posse ad usucapionem tem que ser plena, ou seja, não derivada de uma outra posse através de um processo conhecido como mediação na posse (v. art. 1197). Aquele que possui plena-mente possui o bem como se ele fora seu, independentemente da posse de outrem (que restará extinta). Como exemplo de possuidor pleno que não é proprietário, temos aquele que adquiriu um bem a non domino, ou ainda o próprio sujeito ativo do esbulho possessório.

Além de ter a posse plena do bem, existe um outro requisito que é funda-mental para todas as formas de usucapião, que é o decurso do tempo, que pode variar de três até vinte anos, dependendo da modalidade de usucapião. O termo inicial desse prazo de aquisição da propriedade é o momento em que se passa a ser exercida a posse plena do bem. O termo fi nal coincide com o momento no qual se esgota a previsão legal e tem-se por consumada a usucapião. Durante o decurso desse prazo pode haver tanto suspensão quanto interrupção.

A aquisição da propriedade por usucapião é originária, e esse entendimento é quase unânime na doutrina brasileira. A voz dissonante é a voz do professor Caio Mário da Silva Pereira que entende que a aquisição da propriedade por usucapião é uma aquisição derivada.21 Esposamos a tese majoritária, porque em relação àquele bem todo e qualquer gravame que havia sido anteriormen-te constituído é destruído, e a propriedade é recriada. Caio Mário entende que essa aquisição é derivada, por conta de da distinção existente no Direito alemão que diz respeito às formas de aquisição da propriedade, que não pres-cindem da prática de um negócio jurídico registral. O registro, no Direito brasileiro, não tem na sua realização a preponderância da vontade, trata-se de um ato jurídico strictu sensu. E por conta disso, aqui são consagradas formas de usucapião que não estão presentes no Direito alemão. Por conta desta distinção, no direito alemão não existe usucapião extraordinário, ou seja, é obrigatório que a posse seja de boa-fé e haja justo título (Wolff , op. cit, p.). Esta distinção desde logo impossibilita a comparação dos regimes legais e das conclusões doutrinárias de ambos os países.

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Não é possível, no direito pátrio, a usucapião de bem público (CC, art. 102, e CRFB, art. 181, §3º e art. 191, parágrafo único), nem a usucapião de bens de incapaz (art.1244). Por causa dessas duas ressalvas da lei brasileira Caio Mário da Silva Pereira entende que não é possível considerar o usu-capião como forma originária de aquisição da propriedade porque leva em conta efetivamente quem era o proprietário anterior. Também nesse particu-lar, vejamos o REsp 13663, julgado em 22/09/92 e relatado pelo ministro Gusmão Carneiro:

“AÇÃO REIVINDICATÓRIA. ALEGAÇÃO EM DEFESA DE USUCAPIÃO EXTRAORDINÁRIO. IMÓVEL COM CLÁUSULA DE FIDEICOMISSO E DE INALIENABILIDADE. A aquisição por usucapião é aquisição originária com relação ao usucapiente importa a posse pelo prazo de 20 anos, pacífi ca e ininterrupta com ânimo de dono. Nenhuma relação ou sucessão existe entre o perdente do direito de propriedade e o que a adquire pelo usucapião Com o usucapião simplesmente extingue-se o domínio do anterior proprietário bem como os direitos reais que tiverem constituído e sem embargos de quaisquer limitações a seu dispor. Ou seja, com essa ementa afi rma-se de forma cabal que qualquer gravame de ordem privada é descons-tituído pelo decurso do tempo e pela confi guração do usucapião. No caso dessa ementa o gravame era o fi deicomisso.”

— Usucapião como forma originária de aquisição de propriedade, motivo pelo qual as relações pretéritas não interferem na relação estabelecida ente o bem e o usucapiente:

STJ — REsp 118.360/SP, Rel. Ministro VASCO DELLA GIUSTINA (DESEMBARGADOR CONVOCADO DO TJ/RS), TERCEIRA TURMA, julgado em 16/12/2010, DJe 02/02/2011

CIVIL E PROCESSUAL CIVIL. JULGAMENTO EXTRA PETITA. INOCORRÊNCIA. AÇÃO REIVINDICATÓRIA. TÍTULO DE PROPRIE-DADE. SENTENÇA DE USUCAPIÃO. NATUREZA JURÍDICA (DECLA-RATÓRIA). FORMA DE AQUISIÇÃO ORIGINÁRIA. FINALIDADE DO REGISTRO NO CARTÓRIO DE IMÓVEIS. PUBLICIDADE E DIREITO DE DISPOR DO USUCAPIENTE. RECURSO DESPROVIDO.

1. Não há falar em julgamento extra petita, pois “cabe exclusivamente ao jul-gador a aplicação do direito à espécie, fi xando as conseqüências jurídicas diante dos fatos narrados pelas partes consoante os brocardos da mihi factum dabo tibi ius e jura novit curia” (EDcl no REsp 472.533/MS, Rel. Min. FERNANDO GONÇALVES, DJ 26.09.2005).

2. A usucapião é modo originário de aquisição da propriedade; ou seja, não há transferência de domínio ou vinculação entre o proprietário anterior e o usu-capiente.

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3. A sentença proferida no processo de usucapião (art. 941 do CPC) possui natureza meramente declaratória (e não constitutiva), pois apenas reconhece, com oponibilidade erga omnes, um direito já existente com a posse ad usucapio-nem, exalando, por isso mesmo, efeitos ex tunc. O efeito retroativo da sentença se dá desde a consumação da prescrição aquisitiva.

4. O registro da sentença de usucapião no cartório extrajudicial não é essen-cial para a consolidação da propriedade imobiliária, porquanto, ao contrário do que ocorre com as aquisições derivadas de imóveis, o ato registral, em tais casos, não possui caráter constitutivo. Assim, a sentença oriunda do processo de usu-capião é tão somente título para registro (arts. 945 do CPC; 550 do CC/1916;

1.241, parágrafo único, do CC/2002) — e não título constitutivo do direito do usucapiente, buscando este, com a demanda, atribuir segurança jurídica e efeitos de coisa julgada com a declaração formal de sua condição.

5. O registro da usucapião no cartório de imóveis serve não para constituir, mas para dar publicidade à aquisição originária (alertando terceiros), bem como para permitir o exercício do ius disponendi (direito de dispor), além de regulari-zar o próprio registro cartorial.

6. Recurso especial a que se nega provimento.

— Acórdão no sentido de que a usucapião, por se tratar de forma originá-ria de aquisição de propriedade, prevalece sobre o registro imobiliário, muito embora este detenha o caráter de obrigatoriedade e perpetuidade.

REsp 952.125/MG, Rel. Ministro SIDNEI BENETI, TERCEIRA TUR-MA, julgado em 07/06/2011, DJe 14/06/2011

PROCESSO CIVIL — PRESCRIÇÃO AQUISITIVA — CONFIGURA-ÇÃO — REQUISITOS DO ART. 942 DO CPC PREENCHIDOS — JUN-TADA DA CERTIDÃO DO CARTÓRIO DE IMÓVEIS DE CADA UM DOS CONFRONTANTES DESNECESSÁRIA — RECURSO ESPECIAL PROVIDO.

1.— A usucapião, forma de aquisição originária da propriedade, caracteri-zada, entre outros requisitos, pelo exercício inconteste e ininterrupto da posse, prevalece sobre o registro imobiliário, não obstante os atributos de obrigatorie-dade e perpetuidade deste, em razão da inércia prolongada do proprietário em exercer os poderes decorrentes do domínio.

2.— A determinação do art. 942 do CPC, diz respeito à citação daquele em cujo nome estiver registrado o imóvel usucapiendo, bem como dos confi nantes, não se exigindo a juntada de certidão do Cartório de Registros de Imóveis relati-vamente a cada um dos confrontantes, até porque as confrontações, como parte da descrição do bem, incluem-se no registro do imóvel usucapiendo.

3.— Provido o recurso especial, com o afastamento do requisito da juntada de certidões imobiliárias atinentes aos confrontantes, não há como passar ao

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22 Ver Sùm 340, STF.

23 STJ, Resp 36959-SP.

julgamento do mérito, pois a apelação devolveu ao conhecimento do Tribunal de origem matéria fática, envolvendo, inclusive, ação reinvidicatória conexa e apensada, relativa à origem e qualidade da posse alegada pela prescribente, ma-téria essa que não foi apreciada pelo Acórdão recorrido, de modo que não pode, agora, ser enfrentada neste julgamento, visto que isso somente seria possível em se tratando de matéria exclusivamente de direito (CPC, art. 515, § 3º).

4.— Recurso Especial provido, com anulação do Acórdão e determinação de novo julgamento.

RECURSO ESPECIAL PROVIDO

A posse ad usucapionem tem que ser plena. Isso não quer dizer que uma posse que comece mediata não possa se tornar plena. Isso é chamado de fenô-meno da interversão da posse, e é a partir da interversão que começa a contar o prazo para a usucapião.

O curso do prazo tem que ser ininterrupto, excetuando-se as hipóteses de sus-pensão (v. art. 1.244). Também poderá ocorrer na usucapião a acessão na posse. Ela é possível por conta do art. 1243 CC. Este dispositivo faz referência à norma genérica de acessão na posse prevista no art.1.207 CC, que estabelece que para aquele que sucede a título universal, ou seja, para aquele que é herdeiro, a soma é obrigatória, não se podendo deixar de contar prazo (e posse) anteriormente transcorridos. Agora, aquele que sucede a título singular, ou seja, aquele que não recebe um patrimônio e sim um bem pode escolher valer desta prerrogativa.

Vedações à usucapião

— bens de incapazes;— bens públicos (CF, art. 183, par. 3°, e art. 191, par. único), ao contrário

do disposto no art. 4° da Lei 6969-80.22 Não se pode, contudo, ignorar que até que se declare a vacância (e não jacência) de um bem, é possível que se dê a sua aquisição por usucapião.23

Qualquer ato inequívoco, mesmo que extrajudicial, do proprietário que indique reivindicação pode ser invocado como motivo para a interrupção (STJ, Resp. 21222-BA). Não há mais distinção na contagem de prazo entre presentes e ausentes, como ocorre também na prescrição.

Modalidades: Imóveis

Extraordinário: art. 1.238: presume-se, absolutamente, a boa fé e o justo título. E quanto à injustiça? Deve cessar na forma do art.1.208. Critério

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objetivo para a redução do prazo: parágrafo único do art. 1238. Natureza da sentença: declaratória. Ação de usucapião: sentença capaz de ser transcrita. Usucapião. Alegado em defesa: é reconhecido como questão prejudicial (STF Súmula 237), mas não pode originar a transcrição. Exceção: Lei 6969/81, art. 7°, e Estatuto da Cidade, art. 13.

Ordinário: art. 1242: com boa fé e justo título. O conceito de justo título deve ser sempre o mesmo?

Quadro comparativo:

U. extraordinária U. Ordinária U. Especial

Requisitos Posse + TempoPosse + Tempo + Justo

TítuloPosse + Tempo + Desti-

nação

Prazo 15 anos 10 anos 5 anos

Alteração pela destinação específi ca

(vira especial)

Para 10, se houver atendimento da função

social do bem

Para 5, se houver atendimento da função

social do bem—

Especial: Lei 6969 e CF 88; NCC, 1239, 1240.Usucapião especial constitucional urbana: art. 183, CF, 1240, CC. Requi-

sitos específi cos: cumprir metragem, não ser proprietário, utilização específi -ca para moradia, e não descumprimento do §2° do art. 183, CF.

Estatuto da Cidade (lei 10.257/01): art. 9 e seguintes: regulação da usuca-pião constitucional urbana. Art. 10: usucapião coletiva.

Usucapião especial constitucional rural: art. 191, CF, art. 1239, CC. req.: utilização específi ca (produção rural como cultivador direto), metragem, e não ser proprietário. Integração com o regime da Lei 6969.

Usucapião de bens móveis

Ordinária: (Art. 1.260): Aquele que possuir coisa móvel como sua, contí-nua e incontestadamente durante três anos, com justo título e boa-fé, adqui-rir-lhe-á a propriedade.

Extraordinária: (Art. 1.261): Se a posse da coisa móvel se prolongar por cinco anos, produzirá usucapião, independentemente de título ou boa-fé.

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FGV DIREITO RIO 57

Usucapião tabular

Art. 214, §5º, da Lei 6015/73: verdadeira modalidade de usucapião?Efeitos retroativos do usucapião tabular.

CASO GERADOR 1

Extrato de reportagem do “Jornal do Brasil”, de 14.01.2001.

“Brasileiro disputa terras da Barra com libanês e chinês.Área de 10 milhões de metros quadrados, na Barra da Tijuca, tem um

terceiro pretendente, Wilson Figueiredo, 64 anos, munido de certidão da 11ª Vara de Órfãos e Sucessões, disputa com o chinês Tjong Hiong Oei e com o libanês Mohamad Ismail El Samad terras equivalentes a 1.000 campos do Maracanã.”

Além desse processo, o Sr. Tjong é autor de mais de vinte ações questio-nando a titularidade de extensas áreas na Barra da Tijuca — RJ. Se ele tiver razão, poderiam os moradores dessas áreas se socorrer de alguma modalidade de usucapião?

CASO GERADOR 2

“COMARCA DE OLINDA, VARA DA FAZENDA PÚBLICAProcesso nº 2003.008384-4*S E N T E N Ç A*

A ASSOCIAÇÃO DOS MORADORES DA VILA MANCHETE, pessoa jurídica de direito privado, conforme Certidão de Personalidade Jurídica de fl s. 14, instituição civil sem fi ns lucrativos, nesta Comarca sediada, por seu Presi-dente (Ata de Fundação, Eleição e Posse de fl s. 16 a 21), no exercício de suas atribuições estatutárias e através dos Advogados bastante constituídos, com fulcro no Art. 10 c/c o Art. 12, III, da Lei nº 10.257/2001, ingressou neste juízo com a presente Ação de Usucapião Especial Coletivo de uma Gleba Urbana com área de 92.738,00 m² (noventa e dois mil, setecentos e trinta e oito metros quadrados), localizada no Bairro de Ouro Preto, Olinda/PE, inscrita no Registro de Imóveis em nome da empresa Novolinda/Construtora e Incorporadora SA, CGC/MF nº 11.223.781/0001-08, e de uma área de 15.574 m² (quinze mil, quinhentos e setenta e quatro metros quadrados), localizada no Bairro de Jardim Brasil II, de propriedade desconhecida, conforme os limites e confrontações que especifi ca às fl s.

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04 a 08, na totalidade constituída de um assentamento subnormal com constru-ções residenciais edifi cadas sem planejamento, se prestando, especifi cadamente, a moradias para pessoas de baixa renda.

Aduz que a Vila Manchete, como é conhecida a área há muito edifi cada, não se distingue por qualquer obra de infra-estrutura e não é dotada de qualquer equipamento urbano, linhas regulares de coletivos, postos de concessionárias do serviço público, correios, delegacias ou postos de segurança comunitária. Assevera que a população da Vila Manchete, a qual representa, ocupa as irregulares arté-rias há mais de quinze anos, iniciada que foi — a ocupação — nos idos dos anos 80, de forma pacífi ca e sem oposição de ninguém, não possuindo os moradores ora REPRESENTADOS — CONFORME Relação Cadastro de Moradores Associa-dos de fl s. 36 a 64 qualquer outro bem imóvel, preenchendo, assim, os requisitos do Usucapião Especial. Diz da existência do Programa Habitar-Brasil-BID, que contempla comunidades carentes, e dos esforços dos Poderes Executivos Federal, do Estado de Pernambuco e do Município de Olinda no sentido de aquinhoar a co-munidade com instrumentos de infra-estrutura para proporcionar aos moradores condições dignas de vida, o que reclama, para a obtenção dos benefícios dos recur-sos fi nanceiros, a titularidade dos imóveis pelos ocupantes da área contemplada, razão da presente demanda judicial.

Juntando os documentos e plantas de fl s. 14 e 66, notadamente o Cadastro de Moradores de fl s. 36 a 64, pugnou pela criação da empresa requerida e dos inte-ressados incertos e desconhecidos, pela notifi cação das Fazendas Federal, Estadual e Municipal, pela intervenção do Ministério público, pela produção das provas e, a fi nal, pela procedência do pedido, determinando-se, por Carta de Sentença, ao Ofício do Regimento de Imóveis que proceda ao assentamento, em áreas iguais de 80.00 m² (oitenta metros quadrados), a favor dos seus associados nominados no Cadastro referido.

Como sabemos a popular Vila Manchete, verdadeiro aglomerado ao derredor da torre de transmissão da Rede Manchete de Televisão lá instalada, é constituída quase que absolutamente de construções disformes, irregulares e às vezes sobrepos-tas, servidas por estreitas ruelas becos muito estreitos, que se entrelaçam em seus fugidios e sinuosos traçados, sendo extremamente difícil descrever-se em memorial o casebre e suas limitações e vinculá-lo ao seu possuidor, tudo a reclamar interven-ção do poder público para que se dê aos seus moradores, todos de baixíssima renda, condições mais dignas de vivência, notadamente o remanejamento dos paupér-rimos para residências novas e a disponibilização de creche e centro comunitário e desportivo, tudo sob comando da sociedade condominial que se instalará e sob os auspícios do Banco Interamericano de Desenvolvimento. Os nomes das ruelas e a numeração das moradias — quase inúteis, pois não há serviços dos correios — foram escolhidos ao alvedrio dos ocupantes, sem ostentar nem mesmo uma or-denação lógica, embora haja fornecimento de energia elétrica e extensões de bicos

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de fornecimento de água, além de uma escola, no bairro vizinho, conhecida como “Centro Embrião”.

Os imóveis não se acham gravados de hipoteca nem sob fi nanciamento públi-co, conforme deixou claro a Caixa Econômica Federal, que encampou o Sistema Financeiro de Habitação, o que faz desmoronar a tese da impossibilidade de deferimento pela ocorrência de crime de esbulho possessório nos termos do Art. 9º da Lei nº 5.741 71.

Os associados nominados às fl s. 36 a 64 e que constam da Certidão de fl s. 161 a 170, demonstram quantum satis, quer pela prova documental quer pela testemunhal, que exerceram e exercem a posse sobre a gleba e área individualiza-das na inicial, nelas residindo com suas famílias, de forma contínua e pacífi ca, por todos aqueles anos, não bastassem os precários títulos que alguns exibem, e que não são proprietários de um imóvel, positivando o atendimento de todos os requisitos da usucapião especial constitucional. De outro lado, a alegação da ré de que a posse dos moradores da Vila Manchete é ilegítima, ou que provém de atos de raposia, não encontra qualquer respaldo nos autos, sendo pública e notória a existência daquela comunidade naquelas terras desde o ano de 1980, consolidada a Vila, com a precária infra-estrutura que exibe, pela inércia ou aquiescência dos proprietários das glebas.

A inexistência de contrariedade de eventuais interessados, dita contumácia, tem efeitos reforçados no vigente sistema do Código Adjetivo Civil, pois “se o réu não contestar a ação, reputar-se-ão verdadeiros os fatos afi rmados pelo autor”. A Fazenda Pública Municipal, devidamente alertada, demonstrou seu interesse no feito, na qualidade de senhorio direto das terras, não pondo óbice à aquisição do domínio útil, invocando a Carta Foral de 1.537 — o texto faz parte do acervo histórico do nosso município — aquela que o então Governador Duarte Coelho, donatário da Capitania de Pernambuco ou Nova Lusitânia, deu e doou a esta sua Vila de Olinda, para o seu serviço e de todo o seu povo, moradores e povoado-res”, ”as cousas” que elenca — os montes e seus assentos, a ribeira do mar, todas as fontes, todos os mangues, os varadouros — e vai por ele assinada em 12 de março de 1.537, devidamente ”confi rmada por Provisão Régia de sua Majestade de 14 de julho de 1678”, cujo registro consta no Cartório de Imóveis de Olinda, no Livro de Tombo do Mosteiro de São Bento e à fl s. 161 a 169 do Cartório do Primeiro Registro Geral de Imóveis de Olinda PE, datado de 27 de outubro de 1919. Questionada, obteve a Carta Foral referida incontáveis decisões favoráveis à sua pertinência e legalidade, já que o direito real que consubstancia foi ”origi-nário de uma doação válida do nobre Duarte Coelho, chancelada pelo Rei — de quem emanava, à época, a lei” (Dr. Artur Barbosa Maciel-Juiz Federal da 1ª Vara Pernambuco Processo Tombo 167 70). Em suma como asseverou a ilustre Promotoria de Justiça em seu judicioso Parecer: ”Consolidada esta a compreensão de que a propriedade sem função social não tem o status que antes lhe atribuía, criando o Estado meios de retirar-lhe do meio social quando não cumpra o seu

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essencial caráter, destinando-a a um fi m de utilidade social, criando mecanismos que permitam a inserção da propriedade como utilidade à comunidade. Dentro destes meios é que vem se inserir a presente ação de usucapião coletivo”.

Foram as Fazenda Públicas notifi cadas (fl s. 74 a 76, 81, 82 e 85). A Fazen-da Federal manifestou seu desinteresse no feito (fl s. 95/96). A Fazenda Estadual manteve-se silente (fl s. 176). A Fazenda Municipal asseverou ser a área a usuca-pir gravada de enfi teuse ao Município de Olinda/PE, em razão da Carta Foral do ano de 1.537, nada opondo ao deferimento parcial do pedido, conferindo-se aos associados da autora apenas o usucapião do domínio útil (fl s. 90/91).

Citados, os interessados incertos e desconhecidos não ofereceram resposta (fl s. 78 e 176). Citada, a empresa Novolinda Construtora e Incorporadora SA ofereceu Contestação (fl s. 100 a 102 e 104 a 110), arguindo, em preliminar, a nulidade de citação, que foi devidamente rechaçada (fl s. 113). No mérito, asseverou ser impossível o pedido, por estar à área gravada de hipoteca “em favor de instituição vinculada ao Sistema Financeiro de Habitação”, caracterizando-se crime o seu esbulho possessório; que o dispositivo legal invocado no exórdio só pode ser aplica-do quando impossível identifi car os terrenos ocupados por cada possuidor; que os “invasores” não fi zeram prova de não possuírem outro imóvel; e que a posse dos “invasores” nunca foi de boa-fé. Por tal, pugnou pela improcedência do pedido.

(...)Relatados, decido.Somente as pessoas capazes de alienar e adquirir podem usucapir a propriedade

ou outro direito real, sejam elas físicas ou jurídicas. A pessoa jurídica associativa regularmente criada reside em juízo, em representação de todos os seus afi liados, por quem o respectivo estatuto designar ou por seus diretores (Art. 17, do Código Civil), cujos atos dizem respeito ao agrupamento de associados, primando-se pela solidariedade que os une em busca de um objetivo comum, desde que /”deter-minado, lícito e possível”/. Neste sentido, nos termos do Art. 12, III, da Lei nº 10.257/01, é que vem a Associação dos Moradores da Vila Manchete, na quali-dade de substituto processual, por seu presidente, perseguir em juízo o usucapião coletivo das áreas descritas na exordial e delimitadas nas Plantas de fl s. 34 e 35.

O usucapião é forma originária de aquisição da propriedade, ou de direitos reais susceptíveis de apropriação material, através da posse continuada, durante certo espaço de tempo, com a observância dos requisitos em lei estabelecidos. Em razão do decurso do prazo, que gera um direito em favor daquele que tem a posse da coisa e extingue o direito de ação do até então titular para reavê-la, é que se diz ter ocorrido, em relação àquele, a prescrição aquisitiva e, em relação a este, a prescrição extintiva. Os demais direitos reais susceptíveis de ser adquiridos por usucapião são o usufruto, o uso, a habitação, as servidões e a enfi teuse, este último — ainda no regime do revogado Código Civil de 1.916 — quando, por ato entre vivo ou disposição de última vontade, o proprietário atribuía a outrem o domínio

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útil do imóvel, pagando o enfi teuta, a partir de então, uma pensão anual, dito foro, ao titular do domínio direto, o senhorio. A propósito, cito:

/”Usucapião. Imóvel foreiro. Possibilidade de se usucapir o domínio útil. A existência da enfi teuse ou do aforamento não constituiria obstáculo ao usucapião, como bem sustentou a douta Procuradoria Geral de Justiça, desde que o domínio útil, sendo alienável, também poderia ser objeto de usucapião em razão de posse contínua e incontestada pelo prazo fi xado na lei substantiva/”. (TJSP — 1ª CC, Ac. Unân. Ap. 87.598-1, Rel. Des. Moretzsohn de Castro).

Atualmente, com a vigência da atual Constituição Republicana, tem-se des-tacado mais o cunho social do instituto do usucapião, através do qual — como se lhe colhe em inúmeras decisões judiciais — pode-se atingir o bem comum, pois à coletividade interessa que se dê à coisa usucapienda o uso a ela mais adequado, seja mediante o cultivo da terra ou sua utilização como morada, cumprindo a propriedade imóvel, assim, aquela função social a que se reporta o texto constitu-cional (Art. 170, III, e 5º, XXIII).

Neste diapasão, visando fi xar o pequeno lavrador no campo, bem como atenu-ar os graves problemas habitacionais enfrentados pelas pessoas de poucos recursos dentro dos grandes centros urbanos, instituiu o legislador constitucional (Art. 183, /caput/)/, literes: “Aquele que possuir como sua área urbana de até duzentos e cinquenta metros quadrados, por cinco anos, ininterruptamente e sem oposição, utilizando-a para sua moradia ou de sua família, adquirir-lhe-á o domínio, desde que não seja proprietário de outro imóvel urbano ou rural”. /Tal dispositivo foi regulamentado pelo Art. 9º da Lei nº 10.257/2001, que estabeleceu diretrizes de política urbana, repetindo aquele dispositivo da lei maior.

Portanto são requisitos indispensáveis à consumação do usucapião nestes autos postulado, além da posse mansa e pacífi ca, exercida após simples ocupação, por mais de cinco anos, que o usucapiente não seja proprietário de outro imóvel rural ou urbano, que toda a área usucapienda ultrapasse os 250m2 (duzentos e cin-quenta metros quadrados) e que os ocupantes e/ou sua famílias, todos de baixa renda, tenham no imóvel fi xado residência.

Da exegese dos textos regulamentadores exsurge clara a intenção do legislador de estabelecer, na hipótese do Art. 10 e seus parágrafos, um condomínio especial indivisível, administrado pela maioria dos votos dos condôminos aquinhoados, pela decisão judicial, com uma fração ideal de todo o terreno usucapido, uma vez impossível a identifi cação e particularização dos espaços ocupados por cada pos-suidor, como acontece nas aglomerações de casebres e comunidades carentes outras, que crescem desordenadamente tanto no sentido horizontal como no vertical.

Com estes fundamentos de fato e de direito, julgo procedente em parte o pedido nestes autos formulado pela ASSOCIAÇÃO DOS MORADORES DA VILA MANCHETE, para declarar apenas o domínio útil dos seus associados, aqueles elencados no Cadastro de fl s. 36 a 64 e concomitantemente na Certidão de fl s. 161 a 170v, sobre a gleba e área descritas na exordial e delimitada conforme as

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plantas de fl s. 34 e 35, atribuindo a cada um deles, como requerido, a fração ide-al de 80,00m² (oitenta metros quadrados), destinando o remanescente das áreas aos logradouros públicos, praças, postos de saúde e de segurança, escola, creche, centro comunitário e desportivo e demais obras de infra-estrutura, servindo esta Sentença de título hábil para a transcrição no Registro Geral de Imóveis e para a constituição do Condomínio Especial, acompanhada dos competentes Mandados, como também para se fi rmar Termo de Aforamento perante a Prefeitura Muni-cipal de Olinda/PE.

Publique-se. Registre-se. Intimem-se.Transitada em julgado e expedidos os mandados, vão ao arquivo, com anota-

ções de praxe baixa na distribuição.Olinda, PE, 31 de maio de 2005Elson Zopollaro MachadoJuiz de Direito”

Há inconvenientes e vantagens no regime da usucapião coletiva do Esta-tuto da Cidade?

DECISÃO(ÕES).

INFORMATIVO:N°0385PERÍODO: 2 A 6 DE MARÇO DE 2009

USUCAPIÃO. IMÓVEL. REDE FERROVIÁRIA.Cinge-se a matéria à viabilidade da propositura de ação de usucapião de

bem imóvel pertencente à rede ferroviária. O Min. Relator entendia que, uma vez desativada a via férrea e, consequentemente, afastado o bem de sua destinação de interesse público, o imóvel perdeu o caráter especial, motivo pelo qual passou a ter natureza de bem particular pertencente à sociedade de economia mista, portanto passível de usucapião. Mas o Min. Carlos Fernan-do Mathias (Juiz convocado do TRF da 1ª Região), discordando do Min. Relator, entendeu tratar-se de bem incluído entre os da União, conforme o art. 1º do DL n. 9.760/1946. Além de também mencionar as Leis ns. 3.115/1957 e 6.428/1977, ressaltou que a recente Lei n. 11.483/2007, com a redação dada ao inciso II do art. 2º pela Lei n. 11.772/2008, dispôs que os bens imóveis da extinta RFFSA fi cam transferidos para a União. Diante disso, a Turma, por maioria, conheceu do recurso da União e lhe deu pro-vimento. REsp 242.073-SC, Rel. originário Luis Felipe Salomão, Rel. para acórdão Min. Carlos Fernando Mathias (Juiz convocado do TRF da 1ª Re-gião), julgado em 5/3/2009.

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AULA 11: SOLUÇÕES PARA A AUSÊNCIA DE REGISTRO.

EMENTÁRIO DE TEMAS

Regularização fundiária. Moradia, propriedade e ordenação urbana. Aces-so à moradia e direito à cidade.

LEITURA OBRIGATÓRIA

SAULE JR., Nelson. Novas perspectivas do direito urbanístico brasileiro. Cap. 2. Ed. Sérgio Antônio Fabris.

LEITURA COMPLEMENTAR

RAMOS, Maria Helena de (Org.). Metamorfoses sociais e políticas urbanas. Textos 6, 7 e 8.

LEAL, Rogério Gesta. Função social da propriedade e da cidade. Cap. 2.

ROTEIRO DE AULA

MORADIA E DIREITO À CIDADE

A proteção constitucional do direito à moradia, incorporada no art. 6º da Constituição em razão da EC nº 26/2000, tem ainda os efeitos, do ponto de vista da efi cácia direta, altamente discutíveis. Uma questão já vista diz respei-to ao julgamento, pelo STF, da proteção do bem de família do fi ador. Outra questão, mais candente e de constatação mais simples, refere-se à utilização da proteção constitucional à moradia como fundamento para a implementa-ção de políticas urbanas, em especial a regularização fundiária.

REGULARIZAÇÃO FUNDIÁRIA

Cientes dos problemas registrais enfrentados no Brasil e a par da proposi-ção de novos modelos, é necessário conhecer os programas de regularização já implantados, de modo que se compreendam as possibilidades imediatas de solução de problemas já tentadas.

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MODALIDADES DE SOLUÇÕES

— Concessão de direito real de uso (o estatuto da cidade e seus instru-mentos, MP 2.220, MP 2.92).

— Concessão especial para fi ns de moradia— Superfície— Usucapião coletivo— Cessão de aforamento gratuito

PROCEDIMENTOS JUDICIAIS

— Ações possessórias— Ações dominiais— Ação de usucapião— Ação publiciana

CASO GERADOR

“ESTADO DE SANTA CATARINA. PODER JUDICIÁRIOAutos n°“A decadência de uma sociedade começa quando o homem pergunta a si

próprio: ‘o que irá acontecer?’ em vez de inquirir: ‘o que posso fazer?’” (De-nis de Rougemont, escritor suíço — arguto defensor da unidade européia e estudioso da ocidentalidade).

VISTOS, ETC.Trata-se de pedido de declaração de domínio com fulcro no art. 5º, XXII

e XXIII da Constituição Federal, e artigo 10 do Provimento 37/99 da Corre-gedoria Geral da Justiça, formulado por MAIS DE 60 OCUPANTES, domi-ciliados no Bairro Vila Rica, cidade de Chapecó-SC. Em síntese, esclarecem que são possuidores de uma área de terras com 146.209,57 m2 há mais de 20 anos sem interrupção nem oposição, sita no Bairro Vila Rica, com as confrontações noticiadas à fl . 06. Que dita área não se encontra transcrita no Ofício Imobiliário, porém é certo que tem origem em uma área de cerca de 224.520 m2 que pertencia ao casal Adelina Correia de Jesus e Estevão Macha-do de Jesus e registrada sob nº 1809, sendo que com o falecimento de Adeli-na ocorrido em 16/09/1930 realizou-se inventário julgado em 22/10/1931, com o que o viúvo meeiro Estevão passou a deter 50% da área (122.260) que foi registrada no Ofício Imobiliário sob nº 4.837, e os outros 50% couberam aos fi lhos do casal que, porém, não registraram e sequer a cadastraram no INCRA, sendo que não se têm mais notícias de seus paradeiros. Que cada herdeiro passou a vender seu quinhão hereditário de forma desordenada atra-

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vés de contratos particulares, com o que se originou o Loteamento Vila Rica, onde atualmente residem cerca de 140 famílias em condição irregular há dé-cadas, com posse de mais de 20 anos, em situação consolidada e irreversível. Que desde a povoação do Vila Rica o poder público municipal vem desenvol-vendo programas sócio-educativos e no ano de 1997 iniciou o programa de regularização fundiária (posto que sequer no mapa da cidade era localizada a Vila Rica, não haviam ruas, nem infra-estrutura básica nem registro da área), com o que foi contratado serviço de agrimensura, abertas ruas, implementada a infra-estrutura necessária e aprovado o projeto de Loteamento pela Câmara de Vereadores. Faltou, porém, a declaração de domínio. O Município de Chapecó ingressou perante este Juízo com pedido de registro de Loteamento, julgado nos autos 018.00.003393-3, no qual determinou-se o registro junto ao CRI sob nº 59.593. O que se busca, aqui, é a declaração de domínio a cada um dos proprietários de cada lote do Vila Rica, ou seja, a titulação para o pleno e adequado exercício da posse.

Pedem a gratuidade da Justiça.Juntam documentos às fl s. 22/992.Recebida a inicial (fl . 994), sobreveio a manifestação doMinistério Público às fl s. 995/996.DECIDO.Merece imediata apreciação o pedido, vez que a matéria ventilada nos

autos (seu objeto) é estritamente de direito, descabendo dilação probatória. Muito embora a manifestação contrária do digno e diligente Promotor de Justiça, Dr. Rafael de Moraes Lima, exarada às fl s. 995/996, tenho mereça deferimento o pedido. Convém destacar que o “Loteamento Vila Rica” so-mente surgiu “de direito” após aprovada pela Câmara Municipal de Vereado-res de Chapecó a Lei nº 4.026/99 e Lei Complementar nº 86/99, com base na qual (e considerando todo o histórico daquela comunidade) este Juízo houve por bem deferir o pedido de registro do dito Loteamento, pedido formulado pelo próprio Município de Chapecó nos autos 018.00.003393-3. Eis que assim nasceu o “Vila Rica” (muito embora, de fato, exista há várias décadas). Importa ressaltar também que no processo antes referido o Muni-cípio de Chapecó esclarece que o Loteamento constituiu-se pelos próprios cidadãos que ocupam a área há mais de 30 anos, e que tão-somente investiu na melhoria das condições sanitárias e ambientais gerais da população que lá reside em condições precaríssimas e onde se registrava o maior índice se mortalidade infantil do município. Lá esclareceu o Município que para tanto “foram gastos com serviços de agrimensura, implantação de infra-estrutura básica, construção de 78 kits sanitários, estação de tratamento de efl uentes e construção de 14 casas para relocar famílias de áreas de risco, cerca de R$ 170.000,00 provenientes de recursos próprios e do Orçamento Geral da União, sendo que os projetos passaram pela aprovação e fi scalização dos

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órgãos municipais, estaduais e federais competentes”. Que a questão ambien-tal tem sido tratada com seriedade pela equipe de regularização fundiária, inclusive abrangendo educação ambiental em projetos articulados entre o Município, escola e comunidade. O direito à propriedade é garantia consti-tucional, consoante dita o artigo 5º, XXII com a ressalva do inciso XXIII: “A propriedade atenderá a sua função social”. Nesta perspectiva, nosso Tribunal de Justiça, através da Corregedoria-Geral, em visão humanista extraordinária editou o Provimento nº 37/99 que “Institui o Projeto ‘Lar Legal’, objetivan-do a regularização do parcelamento (loteamento e desmembramento) do solo urbano”, que, em seus vários e irrespondíveis considerandos, dispõe: a invio-labilidade do direito à propriedade merece ser dimensionada em harmonia com o princípio de sua função social; a função do Direito não se restringe à solução de confl itos de interesse e busca de segurança jurídica, mas em criar condições para a valorização da cidadania e promover a justiça social; as leis visam a proteção dos adquirentes de imóveis; a Constituição Federal não garante apenas o acesso à posse, mas a decorrente e imprescindível titulação; que os fracionamentos, mesmo quando não planejados ou autorizados ad-ministrativamente, geram em muitas hipóteses fatos consolidados e irrever-síveis; o art. 18, § 4º, da Lei 6.766/79 dispensa o título de propriedade para efeito de registro do parcelamento, que pode inclusive ser posteriormente justifi cado em juízo; que eventual irregularidade no registro pode ser alvo de ação própria para fi ns de anulação, em processo contencioso (art. 216 da Lei 6.015/73); que os municípios necessitam regularizar a ocupação das áreas situadas em seu perímetro urbano ou periferia, preservando o meio ambien-te, e permitindo a realização de obras de infra-estrutura compatíveis com as exigências da dignidade humana. Este provimento regulou o procedimento a ser adotado, de forma simplifi cada, permitindo o registro, especialmente em situações consolidadas, estas que defi ne como “aquelas em que o prazo de ocupação da área, a natureza das edifi cações existentes, a localização das vias de circulação ou comunicação, os equipamentos públicos disponíveis, urbanos ou comunitárias, dentre outras situações peculiares, indique a irre-versibilidade da posse titulada que induza ao domínio” (§ 1º do art. 3º, do Provimento). Para estabelecer no § 2º que “Na aferição da situação jurídica consolidada, valorizar-se-ão quaisquer documentos provenientes do Poder Público, em especial o Município”. Encontra-se nos autos a prova do registro do Loteamento, com suas descrições e características (fl s. 39/47; matrícula 59.593), onde se constata inclusive a reserva de área de ruas (27.944,55) e de área institucional (6.546,01). Vide, a propósito, fl . 39. [...] Neste momento, o Judiciário não pode abrir mão do dever que emana de seu poder, atuando com desassombro, em intervenção consciente (como menciona Mario Sérgio Cortella, fi lósofo, professor PUC/SP) sem o sorrateiro entorpecimento que acomete a muitos e que aniquila pouco a pouco a capacidade de reagir e

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apontar como fora de lugar muitas coisas que parecem encaixar-se, sem ares-tas, na vida cotidiana e que precisam ser fortemente rejeitadas, de modo que esta não dê lugar ao abatimento que apenas aguarda, em vez de buscar provo-car resultados. Lembro aqui de Fernando Pessoa, para o qual “na véspera de não partir nunca, ao menos não há que arrumar malas”. Tratemos o Direito com esperança, porém como insistia o inesquecível Paulo Freire, não se pode confundir esperança do verbo esperançar com esperança do verbo esperar. Aliás, uma das coisas mais perniciosas que temos neste momento é o apodre-cimento da esperança; em várias situações, as pessoas acham que não há mais jeito, que não há alternativa, que a vida é assim mesmo... violência? O que posso fazer? Espero que termine... Desemprego? O que posso fazer? Espero que resolvam... Fome? O que posso fazer? Espero que impeçam... Corrup-ção? O que posso fazer? Espero que liquidem... Isso não é esperança, é espera. Esperançar é se levantar, esperançar é ir atrás, esperançar é construir, espe-rançar é não desistir! Esperançar é levar adiante, esperançar é juntar-se com outros para fazer de outro modo. E, se há algo que Paulo Freire fez o tempo todo, foi incendiar a nossa urgência de esperanças. A propósito: “A simples consciência do alcance da atividade jurisdicional como que habilita o magis-trado a promover mudanças, de modo a ensejar o avanço social necessário a que o País mude de fi sionomia. O juiz há de ser um verdadeiro alquimista, atualizando, ao aplicar a lei, os textos normativos, sem no entanto, colocá-los em segundo plano. Costumo ressaltar que, sendo as leis elaboradas para pro-porcionar o bem comum, o magistrado, diante de um confl ito de interesses, deve idealizar, em primeiro lugar, a solução mais justa e somente após ir à dogmática para buscar o respaldo indispensável a torná-la prevalecente. Ao adotar essa postura, realiza a almejada justiça e, aí, atende aos anseios sociais” (Ministro MARCO AURÉLIO MELLO, Presidente do Supremo Tribunal Federal — in “Jornal do Magistrado”, Julho/Agosto/2001, nº 65, p. 10). Dito isto, e fulcrado na lição de cidadania trazida ao mundo jurídico pelo Provimento 37/99 e nos incisos XXII e XXIII do artigo 5º da Constituição da República Federativa do Brasil, DEFIRO O PEDIDO INICIAL, para que se extraia em favor dos requerentes Carta de Sentença que lhes permita a transcrição imobiliária nos exatos termos de fl s. 08/17, devendo o Ofício Imobiliário promover a abertura de matrícula individualizada para cada um dos lotes em questão, evitando assim condomínio indesejado. A teor do que dispõe o artigo 14 do Provimento 37/99, ressalvo que o máximo dos emolu-mentos a ser cobrado pela abertura da matrícula e o primeiro registro será de R$ 20,00 (vinte reais), e que na forma do artigo 15 do mesmo Provimento fi ca dispensado o recolhimento de valor ao Fundo de Reaparelhamento da Justiça.

Sem custas, porquanto defi ro a gratuidade.

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Ofi cie-se, para conhecimento, à secretaria de habitação do município, in-clusive para que promova as anotações necessárias junto ao setor de cadastro de imóveis do município (com o ofício, cópia desta sentença e de fl s. 08/17).

P.R.I.Chapecó, 15 de Novembro de 2001.Selso de OliveiraJuiz de Direito”

Pode ser reconhecido judicialmente o pedido de regularização sem que haja suporte legislativo para tanto? E as normas aplicáveis à usucapião coletiva?

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24 Art. 4º do Estatuto da Cidade.

AULA 12: ESTATUTO DA CIDADE

EMENTÁRIO DE TEMAS

Estatuto da cidade. Instrumentos de intervenção urbanística. Limitações à propriedade e à ordenação urbana. Questões da ordenação urbana do Rio de Janeiro. LUPOS. Plano Diretor.

LEITURA OBRIGATÓRIA

CARDOSO, Adalto Lúcio. Reforma Urbana e planos diretores: avaliação da experiência recente.

LEITURA COMPLEMENTAR

SAULE, N. Efi cácia dos planos diretores. In: SILVA, Cátia Antônia da (Org). Metropole: governo, sociedade e território. Cap 7.

ROTEIRO DE AULA

ESTATUTO DA CIDADE

O Estatuto da Cidade, Lei nº 10.257/2001, traça políticas gerais para a ordenação do espaço urbano, dando cumprimento ao mandamento conti-do no art. 182 da Constituição. Todavia, a aplicação dos instrumentos de intervenção urbanística24 vem se mostrando pouco subsistente, por razões políticas e jurídicas.

Texto: “Competências constitucionais dos entes federativos sobre a política urbana”

O Estatuto da Cidade dispõe, no seu artigo 3°, as competências da União sobre a política urbana com base na repartição das competências constitucio-nais sobre essa política atribuída aos entes federativos. A Federação Brasileira tem como característica fundamental a defi nição das funções e dos deveres das entidades federadas, direcionados para assegurar os direitos e garantias fundamentais das pessoas, por meio da implementação de políticas públicas

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FGV DIREITO RIO 70

que atendam os objetivos fundamentais de promover a justiça social, erradi-car a pobreza e reduzir as desigualdades sociais, tornar plena a cidadania e a dignidade da pessoa humana. A Constituição tornou exigência a formação do sistema de normas de direito urbanístico, que deve ser composto pelas normas constitucionais referentes à política urbana, lei federal de desenvol-vimento urbano, o conjunto de normas sobre a política urbana estabelecidas nas Constituições dos Estados, lei estadual de política urbana e a legislação estadual urbanística, e o conjunto de normas municipais referentes à política urbana estabelecidas nas Leis Orgânicas dos Municípios, no Plano Diretor e na legislação municipal urbanística. A União, de acordo com o artigo 21, inciso XX, tem a competência para estabelecer as diretrizes para a habitação, saneamento básico e transportes urbanos. Com base no artigo 24, inciso I, a União, no âmbito da competência concorrente sobre direito urbanístico, tem como atribuição estabelecer as normas gerais de direito urbanístico por meio da lei federal de desenvolvimento urbano. Essa lei deve conter as diretrizes de desenvolvimento urbano, os objetivos da política urbana nacional, a regula-mentação dos artigos 182 e 183 da Constituição e instituir os instrumentos urbanísticos e o sistema de gestão desta política. A União tem ainda a com-petência privativa de acordo com o artigo 21, inciso IX da Constituição, para elaborar e executar planos nacionais e regionais de ordenação do território e de desenvolvimento econômico e social. De acordo com o § 4° do art. 182, a lei federal de desenvolvimento urbano é necessária para a regulamentação dos instrumentos urbanísticos do parcelamento ou edifi cação compulsórios, do imposto sobre a propriedade predial e territorial urbanos progressivo no tem-po, e a desapropriação para fi ns de reforma urbana; que devem ser aplicados pelo Município para garantir o cumprimento da função social da proprieda-de urbana com base no Plano Diretor. O Estatuto da Cidade é a lei federal de desenvolvimento urbano exigida constitucionalmente, que regulamenta os instrumentos de política urbana que devem ser aplicados pela União, Estados e especialmente pelos Municípios. Os Estados, com base na competência concorrente com a União, podem editar uma lei estadual de política urbana na ausência de lei federal. O Estado pode editar normas gerais de direito ur-banístico, na ausência da lei federal visando a capacitar os Municípios para a execução da política urbana municipal. Essas normas gerais terão sua efi -cácia suspensa se fi carem em desacordo com as normas gerais estabelecidas pela União por meio da lei federal de desenvolvimento urbano, com base no artigo 24, parágrafo 4º da Constituição. Os Estados podem editar uma lei estadual de política urbana, de modo a aplicar essas políticas de forma inte-grada com seus Municípios. Aos Estados cabe instituir um sistema de política urbana metropolitana com organismos e instrumentos próprios, cuja política deve ser destinada em especial para as áreas metropolitanas. Com relação ao Município, a Constituição atribui a competência privativa para legislar sobre

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FGV DIREITO RIO 71

25 Retirado do Guia do Estatuto da

Cidade, em http://www.cidades.gov.

br//index.php?option=content&task

=category&id=590.

assuntos de interesse local, suplementar a legislação federal e a estadual no que couber, e de promover, no que couber adequado ordenamento territorial, mediante planejamento e controle do uso, parcelamento e da ocupação do solo urbano, de acordo com o artigo 30, incisos I, II, e VIII. O Município, com base no artigo 182 e no princípio da preponderância do interesse, é o principal ente federativo responsável em promover a política urbana de modo a ordenar o pleno desenvolvimento das funções sociais da cidade, de garantir o bem-estar de seus habitantes e de garantir que a propriedade urbana cum-pra sua função social, de acordo com os critérios e instrumentos estabelecidos no Plano Diretor, defi nido constitucionalmente como o instrumento básico da política urbana.25

Como se pode imaginar há uma série de confl itos administrativos decor-rentes dessa superposição de competências.

Possíveis instrumentos de intervenção urbanística

“Art. 4º. Para os fi ns desta Lei, serão utilizados, entre outros instrumentos:I — planos nacionais, regionais e estaduais de ordenação do território e de

desenvolvimento econômico e social;II — planejamento das regiões metropolitanas, aglomerações urbanas e mi-

crorregiões;III — planejamento municipal, em especial:a) plano diretor;b) disciplina do parcelamento, do uso e da ocupação do solo;c) zoneamento ambiental;d) plano plurianual;e) diretrizes orçamentárias e orçamento anual;f ) gestão orçamentária participativa;g) planos, programas e projetos setoriais;h) planos de desenvolvimento econômico e social;IV — institutos tributários e fi nanceiros:a) imposto sobre a propriedade predial e territorial urbana — IPTU;b) contribuição de melhoria;c) incentivos e benefícios fi scais e fi nanceiros;V — institutos jurídicos e políticos:a) desapropriação;b) servidão administrativa;c) limitações administrativas;d) tombamento de imóveis ou de mobiliário urbano;e) instituição de unidades de conservação;

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f ) instituição de zonas especiais de interesse social;g) concessão de direito real de uso;h) concessão de uso especial para fi ns de moradia;i) parcelamento, edifi cação ou utilização compulsórios;j) usucapião especial de imóvel urbano;l) direito de superfície;m) direito de preempção;n) outorga onerosa do direito de construir e de alteração de uso;o) transferência do direito de construir;p) operações urbanas consorciadas;q) regularização fundiária;r) assistência técnica e jurídica gratuita para as comunidades e grupos sociais

menos favorecidos;s) referendo popular e plebiscito;t) demarcação urbanística para fi ns de regularização fundiária; (Incluído pela

Medida Provisória nº 459, de 2009)u) legitimação de posse. (Incluído pela Medida Provisória nº 459, de 2009)t) demarcação urbanística para fi ns de regularização fundiária; (Incluído pela

Lei nº 11.977, de 2009)u) legitimação de posse. (Incluído pela Lei nº 11.977, de 2009)VI — estudo prévio de impacto ambiental (EIA) e estudo prévio de impacto

de vizinhança (EIV).§ 1o Os instrumentos mencionados neste artigo regem-se pela legislação que

lhes é própria, observado o disposto nesta Lei.§ 2o Nos casos de programas e projetos habitacionais de interesse social,

desenvolvidos por órgãos ou entidades da Administração Pública com atuação específi ca nessa área, a concessão de direito real de uso de imóveis públicos po-derá ser contratada coletivamente.

§ 3o Os instrumentos previstos neste artigo que demandam dispêndio de recursos por parte do Poder Público municipal devem ser objeto de controle social, garantida a participação de comunidades, movimentos e entidades da sociedade civil.

VI — estudo prévio de impacto ambiental (EIA) e estudo prévio de impacto de vizinhança (EIV).”

Os instrumentos acima, determinadas a conveniência e a oportunidade da atuação da administração pública, podem ser utilizados separadamente ou combinados.

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O plano diretor dos municípios

A política urbana deverá seguir as diretrizes determinadas pelo Plano Di-retor, o qual é obrigatório para municípios com mais de 20.000 habitantes e tem natureza de Lei. Ele traçará os objetivos gerais para o desenvolvimento municipal em médio prazo, geralmente dez anos, estando sujeito a reavalia-ções periódicas.

No Rio de Janeiro, o Plano Diretor consiste na Lei nº 11/2011.

A Lei de Uso e Parcelamento do Solo Urbano (LUPOS)

A LUPOS existe, em geral, nas cidades que não possuem plano diretor, ou por ausência de obrigatoriedade ou por descumprimento do mandamus constitucional.

As áreas de proteção ambiental e do ambiente cultural (APAs E APACs)

As APAs são áreas com restrições urbanísticas especiais, para fi ns de preser-vação ambiental, instituídas por Lei. Nas APACs, o que se busca é a proteção de um entorno cultural. Não é exclusividade do Rio de Janeiro, mas é este o município que tem se notabilizado pela sua implementação.

Texto: “Memória e qualidade de vida”

A Prefeitura do Rio vem trabalhando para aperfeiçoar as Áreas de Proteção do Ambiente Cultural (APACs) como forma de contribuir para a formação da memória de uma cidade moderna.

A sigla APAC — que o uso constante em discussões e notícias na mídia já transformou, na prática, em substantivo — signifi ca que o olhar do Patrimônio Cultural não está focado apenas nos prédios e monumentos notáveis de nossa história (ver bens tombados), mas também na preserva-ção de conjuntos urbanos representativos das diversas fases de ocupação de nossa cidade.

Na formação da identidade cultural urbana entra uma complexa série de ingredientes que tornam cada bairro único e familiar aos seus moradores e frequentadores Preservar esse ambiente, sua paisagem e fi sionomia aproxi-mam o Patrimônio do cotidiano da cidade e da vida de seus habitantes. E representa a parceria do poder público com a comunidade — que em diver-sas ocasiões inicia o processo de discussão e reivindica proteção da memória

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27 http://www.rio.rj.gov.br/sedrepahc/

apac.shtm

edifi cada de seu bairro — para a manutenção da qualidade de vida e à parti-cipação no planejamento da cidade.

APAC, a preservação ganha valor em conjunto

Numa APAC, independente do valor individual deste ou daquele imóvel, o que importa é o valor de conjunto. A proposta de proteção de uma área é precedida de um estudo da evolução urbana do lugar, mapeando sua forma de ocupação e seu patrimônio edifi cado, bem como as relações que os imó-veis, logradouros e atividades ali desenvolvidas estabelecem entre si.

A partir daí, os elementos de composição são inventariados, cadastrados e classifi cados como tombados, preservados ou tutelados. Os bens de valor excepcional são tombados; os que são caracterizadores do conjunto são pre-servados; e os demais são tutelados.

A APAC protege conjuntos arquitetônicos que, por suas características, conferem qualidades urbanas à região, sem, contudo, impedir o seu desen-volvimento.

As APACs podem variar em tamanho, desde a preservação de um conjun-to de imóveis situados em uma única rua, até áreas que compreendem um ou mais bairros. Atualmente, o DGPC detém a tutela de 36 áreas urbanas protegidas, entre APACs e áreas de proteção de entorno de bens tombados, localizadas nas Zonas Norte, Sul, Oeste e Central da Cidade e que incluem cerca de 30 mil imóveis, entre bens tombados, preservados e tutelados.27

Pólos gastronômicos

São áreas de utilização especial, nas quais se fomenta o terceiro setor, faci-litando-se estacionamento, ampliando-se a possibilidade de funcionamento de estabelecimento dessa natureza, etc.

CASO GERADOR 1

Por que a APAC do Leblon?Nireu Oliveira Cavalcanti

“À cerimônia de posse do novo Conselho Municipal de Proteção do Pa-trimônio Cultural do Rio de Janeiro, além dos 16 membros titulares e su-plentes, estiveram presentes seu presidente, o jurista Marcelo Cerqueira, o Secretário das Culturas, senador Arthur da Távola (responsável pela cons-

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tituição do Conselho) e o diretor do Departamento Geral do Patrimônio Cultural, Cláudio Murilo. Dirigindo-se aos conselheiros, o Prefeito César Maia solicitou um Conselho dinâmico, operativo, responsável e, sobretudo, propositivo, voltado à cidade como um todo.

Por sua vez, o senador Arthur da Távola expressou sua visão reconhecedora da riqueza da diversidade cultural existente na cidade do Rio, rebatida na singularidade de cada um de seus bairros, característica a ser impressa, com ênfase, no trabalho produzido pelo Conselho.

As balizas conceituais para atuação estavam sugeridas, assim como a dis-posição do Secretário e do Prefeito de reforçar os quadros técnicos dos nú-cleos de apoio ao trabalho do Conselho. A necessidade de novas instalações e de equipamentos também foi reconhecida. A ida para a Casa Afonso Arinos constitui o primeiro sinal desse investimento.

Motivados, os conselheiros viram-se, logo de início, frente a uma imensa pilha de processos legada pelo Conselho anterior. Chamou a atenção de to-dos os mais de 20 processos referentes a pedidos de demolição de prédios no Leblon, evidenciando a ação especulativa imobiliária que estava por se insta-lar naquele tradicional bairro da Zona Sul da cidade. A análise detalhada de cada um deles sedimentou a proposta de intervenção imediata do Conselho no sentido de elaboração de uma APAC para a área, por ser o instrumento mais ágil e efi caz de que se dispunha.

Não só o Leblon estava sob a ameaça de perda de parte signifi cativa de seu patrimônio ambiental e cultural. A presença da hidra destruidora movia-se, insaciável, na direção de outros bairros, de modo a exigir da administração pública urgente adoção de políticas de preservação da urbe carioca; de po-líticas culturais coadunadas com as recomendações da Declaração de Ams-terdã (Congresso do patrimônio arquitetônico europeu, 1975) que aconse-lha ao planejamento das áreas urbanas e ao planejamento físico-territorial acolherem as exigências da conservação do patrimônio arquitetônico e não considerá-las de uma maneira parcial, ou como um “elemento secundário”, atitude bastante comum que estampa a ausência total de diálogo entre “os conservadores e os planejadores”.

Trata-se de uma visão nova que busca afi nar as ações da administração pública, no sentido de tomar os espaços da cidade não como equivalentes, mas como coisas peculiares que encerram características que lhes são pró-prias. Com esse olhar o Conselho debruçou-se sobre o Leblon com o fi to de aí identifi car, conforme recomendações da Conferência Geral da UNESCO (Nairóbi, 26.11.1976) que considera como conjunto histórico ou tradicio-nal digno de ser protegido “todo grupamento de construções e de espaços, inclusive os sítios arqueológicos e palenteológicos, que constituam um as-sentamento humano, tanto no meio urbano quanto no rural e cuja coesão e valor são reconhecidos do ponto de vista arqueológico, arquitetônico, pré-

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28 http://www.armazemdedados.rio.

rj.gov.br/arquivos/100_fundamen-

tos%20da%20apac%20leblon.PDF.

histórico, histórico, estético ou sócio-cultural”, imóveis ou trechos do bairro a serem preservados.

Estão de acordo os mesmos conselheiros com as “medidas de salvaguarda” propostas por essa mesma Conferência da UNESCO de que convém “revisar as leis relativas ao planejamento físico-territorial, ao urbanismo e à política habitacional, de modo a coordenar e harmonizar suas disposições com as das leis relativas à salvaguarda do patrimônio arquitetônico” dos diversos bairros do Rio de Janeiro.

É público que muitas cidades vêm sofrendo a pressão de grupos econô-micos voltados à construção imobiliária que, sob pretexto “de expansão ou de modernização”, ignoram os valores culturais dos conjuntos arquitetônicos históricos ou tradicionais, os destroem, acarretando perdas imensas à quali-dade de vida e à identidade das comunidades que neles residem.

Com a APAC do Leblon, a Prefeitura do Rio deu um basta a gana demo-lidora que iria se instalar no bairro. Agiu o Conselho estribado nos princípios estabelecidos no “Documento do MERCOSUL” (Mar Del Plata, junho de 1997), segundo o qual a pluralidade de culturas de cada região da cidade é fator “positivo e enriquecedor da nossa visão de mundo e do próprio desen-volvimento da personalidade humana”.28

Existem razões ambientais e culturais que justifi quem a preservação socio-cultural do imobiliário urbano do bairro do Leblon?

AXEXO

D.O. nº 93 — Segunda-feira. 30 de julho de 2001DECRETO N.º 20300 DE 27 DE JULHO DE 2001CRIA A ÁREA DE PROTEÇÃO DO AMBIENTE CULTURAL DO

BAIRRO DO LEBLON VI RA. E ESTABELECE CRITÉRIOS PARA SUA PROTEÇÃO. DETERMINA O TOMBAMENTO DOS BENS QUE MENCIONA, LOCALIZADOS NO BAIRRO DO LEBLON

— O PREFEITO DA CIDADE DO RIO DE JANEIRO, no uso de suas atribuições e;

CONSIDERANDO o desenho urbano, o tipo de ocupação e a qualidade de vida que compõem a tradicional paisagem do bairro do Leblon; CONSI-DERANDO o valor dos bens aqui mencionados e sua relevância histórica e cultural; CONSIDERANDO que o Decreto nº 6. 115, de 11 de setembro de 1986, que instituiu o Projeto de Estruturação Urbana (PEU) do Leblon e estabeleceu condições de uso e ocupação do solo, não é sufi ciente para salvaguardar o bairro de ações que prejudiquem sua identidade e ambiência; CONSIDERANDO o aperfeiçoamento dos estudos elaborados pelo Depar-

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tamento Geral de Patrimônio Cultural da Secretaria Municipal das Culturas, que indicaram a necessidade de adoção de forma mais efetiva, de proteção do patrimônio cultural do bairro; CONSIDERANDO o que consta no proces-so nº 12/002.378/2001; CONSIDERANDO o pronunciamento favorável do Conselho Municipal de Proteção do Patrimônio Cultural do Rio de Ja-neiro; DECRETA

Art. 1º — Fica criada a Área de Proteção do Ambiente Cultural (APAC) do bairro do Leblon, conforme a delimitação constante no Anexo I, fi cando sob a tutela do órgão executivo de proteção do patrimônio cultural do Mu-nicípio.

Art. 2º — Para efeito de proteção fi cam preservados os bens de relevante interesse para o patrimônio cultural do Rio de Janeiro, localizados na Área de Proteção do Ambiente Cultural (APAC) do bairro do Leblon, listados no Anexo II, e tutelados os demais, em obediência ao artigo 131 da Lei Com-plementar nº 16, de 04 de junho de 1992 (Plano Diretor Decenal da Cidade do Rio de Janeiro).

Art. 3º — Ficam tombados defi nitivamente, nos termos do artigo 4º da Lei 166, de 27 de maio de 1980, os seguintes bens localizados no bairro do Leblon — VI RA.: — Escadaria no fi nal da Rua General Urquiza que dá acesso para a Rua Capitão César de Andrade; — Jardim de Alah, inclusive as praças Almirante Saldanha da Gama, Grécia e Poeta Gibran; — Praça Atahualpa e as pontes sobre o canal da Avenida Visconde de Albuquerque.

Art. 4º — Ficam tombados provisoriamente, nos termos do artigo 5º da Lei 166, de 27 de maio de 1980, os seguintes bens localizados no bairro do Leblon — VI RA.: — Avenida Ataulfo de Paiva, 391/397 e Rua Carlos Góes, 64 (Cinema Leblon); — Avenida Borges de Medeiros, 701 (Clube Monte Líbano); — Avenida Niemeyer, 2 (fachada do Hotel Leblon); — Praça Bel-fort Vieira, 6; — Praça Baden Powell, 862; — Rua Almirante Guilhem, 421 (Prédio da CEG).

Art. 5º — Quaisquer obras ou intervenções a serem executadas nos re-feridos bens devem ser previamente aprovadas pelo Conselho Municipal de Proteção do Patrimônio Cultural do Rio de Janeiro.

Art. 6º — Ficam incluídos no tombamento dos referidos bens: a volu-metria, a cobertura, os elementos arquitetônicos e decorativos originais da tipologia estilística da(s) fachada(s), os materiais de acabamento, os vãos, as esquadrias, além dos demais aspectos físicos relevantes para sua integridade.

Art. 7º — Os bens preservados não podem ser demolidos, podendo sofrer pequenas intervenções para adaptação ou reciclagem, respeitando a volume-tria básica, a linguagem estilística e os elementos construtivos originais, sem-pre com orientação do órgão de tutela.

Parágrafo único — É permitido modifi car o interior das edifi cações preser-vadas, desde que seja garantida a integridade físico-funcional da(s) fachada(s).

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Art. 8º — Quaisquer obras ou intervenções a serem realizadas nos limites da Área de Proteção do Ambiente Cultural (APAC) do bairro do Leblon, inclusive nos espaços públicos, devem ser previamente aprovadas pelo órgão de tutela.

Parágrafo Único — Para o licenciamento de pintura ou quaisquer outros reparos em bens tombados ou preservados para os quais não é exigida a apre-sentação de projeto, é obrigatória a apresentação de fotografi a do imóvel no tamanho mínimo de 9 cm (nove centímetros) por 12 cm (doze centímetros) e o esquema com as intervenções a serem feitas.

Art. 9º — Os bens tutelados podem ser modifi cados ou demolidos, desde que as alterações ou as novas construções sejam compatíveis com o conjunto urbanístico preservado e previamente aprovadas pelo órgão de tutela.

Art. 10 — Em caso de sinistro, demolição não autorizada ou obras que resultem em descaracterizações do bem tombado ou preservado, o órgão de tutela pode estabelecer a obrigatoriedade de reconstrução ou recomposição do bem, reproduzindo suas características originais, conforme o previsto no artigo 133 da Lei Complementar nº 16 de 4 de junho de 1992 (Plano Dire-tor da Cidade do Rio de Janeiro).

Parágrafo Único — As novas construções e os acréscimos em edifi cações tuteladas situadas dentro dos limites da Área de Proteção do Ambiente Cul-tural (APAC) do bairro do Leblon terão altura máxima compatível com as edifi cações tombadas e preservadas e em nenhuma hipótese ultrapassarão as alturas previstas no Decreto nº 6. 115/86.

Art. 11 — A colocação de letreiros, anúncios, engenhos de publicidade ou toldos, nos bens situados na Área de proteção do Ambiente Cultural (APAC) do bairro do Leblon, assim como qualquer intervenção urbanística, coloca-ção de mobiliário urbano ou monumentos nos limites da mesma deverão ser previamente aprovadas pelo órgão de tutela.

Art. 12 — Para obtenção dos benefícios previstos no Decreto nº 6.403/86 para bens tombados e preservados, será considerada a edifi cação inteira, in-clusive quando for constituída por mais de uma unidade com numerações diferentes.

Art. 13 — Observada a legislação reguladora da espécie, poderá ser admis-sível a transferência do direito correspondente ao complemento não utilizado da capacidade construtiva prevista no Decreto nº 6.115, de 11 de setembro de 1986, vinculada aos bens tombados e preservados por este decreto, a ser exercido nos limites do bairro do Leblon.

Art. 14 — Este Decreto entra em vigor na data de sua publicação.”

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AULA 13: DIREITO DE VIZINHANÇA

EMENTÁRIO DE TEMAS

Direito de vizinhança. Cláusula geral de proteção da vizinhança. Situações tipicamente listadas no Código Civil. Ações para a proteção da incolumidade da vizinhança.

LEITURA OBRIGATÓRIA

DANTAS JR., Aldemiro Rezende. O direito de vizinhança, p. 52-80. Ed. Forense.

LEITURA COMPLEMENTAR

DANTAS, Aldemiro Rezende, cap. 7.

ROTEIRO DE AULA

DIREITO DE VIZINHANÇA

São as regras relativas às propriedades imóveis contíguas, que buscam a composição de interesses entre o exercício de poderes proprietários e a preser-vação do conteúdo da propriedade vizinha. Fundam-se na vedação ao abuso de direito e na função social da propriedade.

Uso nocivo da propriedade: cláusula geral

Arts. 1.277 a 1.281 do Código Civil

Critérios de aplicação das normas dos artigos citados: anterioridade, utili-zação do bem e confi guração do abuso de direito.

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REGULAÇÃO IN CONCRETU

— Árvores limítrofes— Passagem forçada— Limites— Direito de construir— Tapagem

SITUAÇÕES NÃO REGULADAS PELAS NORMAS TÍPICAS

— Poluição visual— Poluição sonora— Animais— Odores— Etc.

AÇÕES ENVOLVENDO DIREITO DE VIZINHANÇA

— Ação de dano infecto— Ação de nunciação de obra nova— Tutela específi ca das obrigações de não fazer e tutela inibitória

Texto: “Problemas de vizinhos”

Direito de propriedade vigora sob ótica da função socialPor Gisele LeiteOs direitos de vizinhança são previsões legais que têm por objeto regula-

mentar a relação social e jurídica que existe entre os titulares de direito real sobre imóveis, tendo em vista a proximidade geográfi ca entre os prédios ou entre apartamentos num condomínio de edifícios.

Os prédios não precisam necessariamente ser contíguos ou vicinais, porém a atividade exercida possa de alguma forma repercutir em outro prédio. Para efeitos legais, quem sofrer a repercussão nociva será reputado vizinho, inde-pendentemente de confrontar com o prédio ou não.

Os direitos de vizinhança são criados por lei e não visam aumentar a uti-lidade do prédio, mas sim reputados necessários para a coexistência pacífi ca entre os vizinhos. Estas duas características distinguem o direito de vizinhança do direito real sobre coisa alheia denominado de servidão predial, cuja regula-mentação se encontra nos artigos 1.378 até 1.389 do Código Civil de 2002.

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O direito de preservação da pessoa contra a utilização da posse ou da pro-priedade alheia de modo a não causar dano à segurança ou sossego ou a saúde é exercido ainda em caráter de reciprocidade.

É sabido que o uso regular de um direito reconhecido não constitui ato ilícito, conforme se verifi ca da análise do artigo 188, I do C.C.

Desta forma, o exercício irregular de um direito enseja o ato ilícito deno-minado tecnicamente de abuso de direito. Alguns doutrinadores apontam que o abuso de direito, a priori não se revela como ilícito, mas com o tempo e, por infringir a esfera jurídica de outrem, passa a se confi gurara como ato ilícito.

Abusa do direito de propriedade de imóvel quem a utiliza nocivamente, pondo em risco ou afetando a segurança, o sossego e a saúde dos donos dos prédios vizinhos. Portanto, defi ne-se o uso da propriedade conforme prevê o artigo 1.228 do CC privilegiando sua função social com efetivo interesse do proprietário ou a sua comodidade e, nunca sendo utilizada como instru-mento de vingança, capricho ou com o fi to de perturbar ou causar dano a outrem.

É abuso de direito, por exemplo, construir muro altíssimo apenas para fazer sombra sobre o prédio vizinho ou para atrapalhar a navegação aérea; ou construir um poço profundo para suprimir as águas dos demais adquirentes do lote, ou não permitir a passagem forçada para o proprietário que necessite escoar sua produção agrícola, encontrando-se a estrada pública em péssimas condições, entre outros comportamentos igualmente reprováveis.

Todavia, há casos que se tem que tolerar as interferências à propriedade em razão do interesse público (artigo 1.1278 CC) podendo requerer a qual-quer tempo a redução ou a própria cessação da atividade considerada como nociva, basta que se prove que tal fato não traria prejuízo à atividade em prol do interesse público.

O direito de vizinhança é uma restrição ou limitação ao direito de pro-priedade em benefício do direito privado. San Tiago Dantas preleciona: “para que haja confl ito de vizinhança é sempre necessário que um ato praticado pelo possuidor de um prédio, ou o estado de coisas por ele mantido, vá exer-cer seus efeitos sobre o imóvel vizinho, causando prejuízo ao próprio imóvel ou incômodos ao seu morador”.

O fundamento da responsabilidade nessa seara não se esteia na culpa e as-senta-se efetivamente na responsabilidade objetiva. Assim, se o ato praticado no imóvel vizinho repercute de modo prejudicial e danoso ao outro, impõe-se o dever de remover o mal causado ou indenizar o dano experimentado, a exemplo da construção de um imóvel em terreno contíguo, cujo sistema de estaqueamento cause trincas, fi ssuras, rachaduras no imóvel vizinho.

Atenção. Imóveis vizinhos não são apenas os confi nantes, mas também os que se localizam nas proximidades desde que o ato praticado por alguém

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em determinado prédio vá repercutir diretamente sobre o outro, causando incômodo ou prejuízo ao seu ocupante.

Compreende o direito de vizinhança: o uso anormal da propriedade; as árvores limítrofes; a passagem de cabos e tubulações, as águas, os limites entre prédios, o direito de tapagem e o direito de construir (artigos 1.277 ao 1.313 do CC de 2002).

Procura a lei coibir o uso anormal da propriedade lançando mão por vezes da chamada tutela inibitória que impõe ao réu (proprietário-infrator) condena-do uma obrigação de não-fazer, ou ainda, uma multa cominatória (astreinte).

Aponta a doutrina alguns critérios seguros para efeito de composição dos confl itos. São eles: a pré-ocupação, a natureza da utilização, a localização do prédio, as normas relativas às edifi cações e os limites de tolerância dos mora-dores vizinhos. É óbvio que entre um mero detentor e um proprietário, esse último goza de maiores prerrogativas legais para impor o respeito ao direito de vizinhança.

A pré-ocupação ou precedência signifi ca que ao analisar o confl ito, o juiz verifi cando qual dos vizinhos se instalou antes no local. Analisará, ipso facto, se houve inclusive a intenção danosa.

Com isso, se alguém fi xa residência nas imediações de uma fábrica em zona industrial, e sabidamente reconhece de antemão tais condições, não lídimo reclamar das condições ambientais do local. Assim, havendo confl ito de vizinhança, o juiz não se limitará a analisar apenas a pré-ocupação, mas igualmente outros elementos para melhor formar seu convencimento.

O barulho é sem dúvida um dos motivos corriqueiros de atritos entre vizinhos e há até engenheiros e ambientalistas que fornecem uma tabela contendo os níveis de ruídos em decibéis, e só a guisa de curiosidade, uma banda de rock em geral produz 110 dB enquanto que a decolagem de um jato a 100 metros de distância produz 125 dB; (nesse sentido o TJ-RS, 18ª Câmara Cível, relator André Luiz Planella Villarinho, decidiu no processo 70.003.573.029 que os ensaios da banda de rock estão proibidos em uma residência de Pelotas, por incomodar os vizinhos).

O critério basilar a ser adotado para a composição do confl ito é o de uso normal em confronto com o uso anormal. Mas a questão é complexa e subje-tiva, pois não há marco divisório nítido entre a normalidade e anormalidade. E devem ser levados a termo, o fator objetivo que é o ato causador do confl ito e, o outro fato subjetivo, concernente à pessoa que se vê prejudicada.

É certo que, para se viver em sociedade, é mesmo preciso reconhecer li-mites e tolerar e o ponto de equilíbrio nem sempre é fácil de alcançar. A jurisprudência tem procurado fi xar remos capazes de aferir a normalidade no uso da propriedade:

“A utilização indevida de apartamento em edifício estritamente residencial como escritório de empresa ou mesmo de atividade profi ssional pelo locatá-

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rio importa em uso nocivo da propriedade por prejudicar a segurança e, so-bretudo, o sossego de moradores dos demais apartamentos” (RT 708:159).

“A responsabilidade civil pelos danos de vizinhança é objetiva, conduzin-do a obrigação de indenizar independentemente da existência de culpa, se da atuação nociva do agente resultar dano efetivo. É necessária a comprovação de nexo causal entre a ação do vizinho e o dano sofrido pelo outro como pres-suposto essencial para caracterização do dever de indenizar recaindo o ônus da prova, tratando-se se de ação de indenização ao autor” (TA/MG, Ap. Civ. 259 054-3, relatora Desa. Jurema Brasil, DJ 1.7.98).

Recentemente, a cantora Simone recebeu do STJ a confi rmação das deci-sões de primeira e segunda instâncias que obrigaram sua vizinha, a ambien-talista Fernanda Colagrossi, a retirar de seu apartamento os 25 cães que lá mantinha. Pela mesma decisão, Fernanda poderia manter apenas três cães no imóvel, é a decisão tomada unanimemente pela 3ª Turma do STJ e põe fi m a lide que vinha sido debatida na Justiça desde 1998.

A ministra Nancy Andrighi, relatora do processo acima, afi rmou que a ambientalista, apesar de não ser proprietária do imóvel, é parte legítima, uma vez que a obrigação de não causar interferência prejudiciais à segurança, ao sossego e à saúde surge da qualidade de vizinho e, não de proprietário”. (Resp 622.303).

Vamos mormente defi nir mais amiúde alguns relevantes conceitos para o tema, como por exemplo, segurança que tem haver com solidez, estabili-dade material do prédio e a incolumidade pessoal de seus moradores. Deve ser afastado qualquer perigo pessoal ou patrimonial, como a instalação de indústria de infl amáveis e explosivos, ou uma de produtos químicos nocivos à saúde.

Sossego é bem jurídico inestimável, componente dos direitos da perso-nalidade, intrinsecamente ligado ao direito à privacidade. Não é a ausência completa de ruídos, mas a possibilidade de afastar ruídos excessivos que com-prometam a incolumidade da pessoa.

É direito dos moradores a uma relativa tranquilidade na qual bailes, festas, algazarras, animais e vibrações intensas provenientes de vizinhos acarretem enormes desgastes a paz do ser humano.

A violação do sossego agride o equipamento psíquico do homem e deve ser encarado como ofensa ao direito à integridade moral do homem, conceito muito próximo ao direito à intimidade, à imagem e a incolumidade mental.

Afora os danos extrapatrimoniais, os ruídos impedem o repouso, acaban-do por comprometer a saúde e a própria segurança do indivíduo.

O artigo 1.277 do Código Civil possui rol taxativo (numerus clausus) e não admite interpretação extensiva. Desta forma, se as interferências prejudiciais causadas não repercutirem sob o trinômio (saúde — segurança — sossego) a questão extrapolará do confl ito de vizinhança.

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DIREITO DA PROPRIEDADE

FGV DIREITO RIO 84

Ressalte-se que a segurança, sossego e saúde são direitos da personalidade inerentes a qualquer ser humano e não apenas aos vizinhos. E o mau uso da propriedade dá-se pela prática de atos ilegais, abusivos ou excessivos (não raros classifi cados na esfera criminal como contravenções ou crimes, o mais comum o crime de dano).

Atos excessivos são aqueles praticados com fi nalidades legítimas, porém, ainda assim gerando danos anormais e injustos passíveis de indenização em sede de responsabilidade objetiva.

Assim é sábia a popular parêmia: “é vedado exercer nossos direitos com sacrifícios dos direitos alheios” ou ainda “o direito de um acaba quando co-meça o direito do outro”.

O limite do uso normal ou anormal da propriedade não pode ser teori-zado, o artigo 1.277 do CC disciplina a questão justamente pelas exceções. Temos também como uso anormal, o não-uso ou a subutilização da proprie-dade de forma a causar confl itos de vizinhança. É o caso de imóvel usado com desídia ou legado ao abandono. Onde os vizinhos podem sofrer, dentre outras coisas, ameaças de ruína do prédio.

Da mesma maneira, a postura passiva ou permissiva do titular do prédio acarreta o seu uso por terceiros para atividades prejudiciais a todos e mesmo ilícitas (como drogas, prostituição, depósito de entulhos, lixo tóxico, mata-gal, etc.) gerando insegurança e danos à saúde e tranquilidade de todos os vizinhos.

O não-uso também fere o direito urbanístico (artigo 182, parágrafo 4º, da CF) por ser ofensivo à função social da propriedade no município. Tem também a questão relativa à proteção aos prédios tombados.

Destarte, a tutela a saúde e da segurança é resguardada pelos artigos 30 e 38 do Decreto-Lei 3.668/41 que cuida do perigo de desabamento e da emis-são de fumaça, vapores ou gases.

Há um julgado (JTACSP-RT 117:43) que teve a oportunidade de apre-ciar a poluição sonora produzida por uma araponga (ave canora) cujo canto é anormal, excessivamente alto, irritante, estridente e ensurdecedor, e o fato de seu dono suportar não faz com que os demais vizinhos devam ter o mesmo comportamento compassivo.

Abre exceção em prol do interesse público o artigo 1.278 do CC. Porém, não isenta ao causador dos danos de responder por sua respectiva indeniza-ção.

A questão quanto à ruína de prédio vizinho é disciplinada pelo artigo 1.280 CC, e dá direito tanto ao proprietário como ao possuidor de exigir do dono do imóvel vizinho a demolição ou a reparação do prédio que ameace a ruir, bem como exigir que se preste caução por dano iminente.

Admite que se exija caução por meio da chamada ação por dano infecto pela qual se constitui uma garantia para indenização do dano futuro e even-

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29 http://www.conjur.com.br/2007-

jan-29/direito_propriedade_vigo-

ra_otica_funcao_social

tual. Porém, se o dano já ocorreu, sendo consumado, o ressarcimento deverá ser requerido por meio de uma ação indenizatória.

Caberá, por outro lado, se a obra estiver em andamento, à ação de nuncia-ção de obra nova. O artigo 1.281 CC prevê a possibilidade de se exigir garan-tia contra eventual dano, que se perfaz na forma do artigo 827 do CPC.

Sobre as árvores limítrofes há a previsão nos artigos 1.282 a 1.284 do CC e envolve aquelas que se localizam na linha divisória ou bem próxima a esta.

Quando a árvore tiver seu tronco na linha divisória, há a presunção iuris tantum de pertencer em partes iguais, aos dois vizinhos, em condomínio necessário.

Sendo que nenhum dos proprietários poderá cortá-la sem anuência do ou-tro (artigo 1.282 CC). A propriedade comum prevalecerá mesmo se a maior parte da árvore se encontrar no terreno de um dos confi antes, pois avulta apenas saber se esta está na linha divisória.

Quando os frutos naturalmente caírem sobre o terreno vizinho, em lo-cal próximo a linha divisória, pertencerão estes, ao dono do local da queda, evitando-se assim as invasões em terrenos alheios e, posterior, contenda entre vizinhos (artigo 1.284 CC).

Pontes de Miranda ensina que essa inspiração é de origem germânica e se prende à ideia de que quem arca com ônus deve desfrutar o bônus. O fun-damento defl ui do brocardo “wer den bosen tropfen geniesst, geniesse auch den guten” — quem traga as gotas más que traga as boas.

Revista Consultor Jurídico, 29 de janeiro de 2007. ”29

CASOS GERADORES

1)Uma pessoa gosta de aparecer nua na janela. Outra se mostra incomoda-da com o fato, pois mora em apartamento de mesmo andar, só que de frente, do outro lado da rua. É possível a caracterização de algum tipo de proteção, amparada no direito de vizinhança?

2)A convenção de condomínio permite a presença de animais no prédio, nomeadamente cães. Seria possível criar um mastim napolitano, nomeada-mente a raça com maior relação peso x altura, ou seja, o maior cão? E um casal de mastins? ABUSO.

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FGV DIREITO RIO 86

DECISÃO(ÕES).

INFORMATIVO N°0364PERÍODO: 18 A 22 DE AGOSTO DE 2008.

DIREITO. OBSTRUÇÃO. VISTA PANORÂMICA.Prosseguindo o julgamento, a Turma, por maioria, decidiu que, sob o

prisma do direito de vizinhança, realmente é uma situação difícil a do pro-prietário que teve a vista panorâmica de seu imóvel comprometido. No caso, cabível coibir os abusos, pois, pelo acordo fi rmado entre as partes, fi cou esta-belecido que o muro entre os dois imóveis não poderia ultrapassar dois me-tros e cinqüenta de altura. Outrossim, considerou-se violado o acordo com o plantio de árvores junto ao muro, obstruindo totalmente a vista do recor-rente. Diversamente, o Min. Relator originário (vencido) entendia que, pelo direito de vizinhança, o proprietário poderia plantar o que bem entendesse dentro de seu terreno, não importando a altura ou espessura das plantas, até porque, na hipótese, não fi cou demonstrado cabalmente o alegado prejuízo para o imóvel do recorrente no que se referia à ensolação. REsp 935.474-RJ, Rel. originário Min. Ari Pargendler, Rel. para acórdão Min. Nancy Andrighi, julgado em 19/8/2008.

— Abuso de direito caracterizado pela obstrução de vista panorâmica do imóvel vizinho.

(REsp 935.474/RJ, Rel. MIN. ARI PARGENDLER, Rel. p/ Acórdão MIN. NANCY ANDRIGHI, TERCEIRA TURMA, julgado em 19/08/2008, DJe 16/09/2008)

DIREITO CIVIL. SERVIDÕES LEGAIS E CONVENCIONAIS. DIS-TINÇÃO. ABUSO DE DIREITO. CONFIGURAÇÃO.

— Há de se distinguir as servidões prediais legais das convencionais. As pri-meiras correspondem aos direitos de vizinhança, tendo como fonte direta a pró-pria lei, incidindo independentemente da vontade das partes. Nascem em fun-ção da localização dos prédios, para possibilitar a exploração integral do imóvel dominante ou evitar o surgimento de confl itos entre os respectivos proprietários.

As servidões convencionais, por sua vez, não estão previstas em lei, decorren-do do consentimento das partes.

— Na espécie, é incontroverso que, após o surgimento de confl ito sobre a construção de muro lindeiro, as partes celebraram acordo, homologado judi-cialmente, por meio do qual foram fi xadas condições a serem respeitadas pelos recorridos para preservação da vista da paisagem a partir do terreno dos recorren-tes. Não obstante inexista informação nos autos acerca do registro da transação na matrícula do imóvel, essa composição equipara-se a uma servidão convencio-

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FGV DIREITO RIO 87

nal, representando, no mínimo, obrigação a ser respeitada pelos signatários do acordo e seus herdeiros.

— Nosso ordenamento coíbe o abuso de direito, ou seja, o desvio no exer-cício do direito, de modo a causar dano a outrem, nos termos do art. 187 do CC/02. Assim, considerando a obrigação assumida, de preservação da vista da paisagem a partir do terreno dos recorrentes, verifi ca-se que os recorridos exerce-ram de forma abusiva o seu direito ao plantio de árvores, descumprindo, ainda que indiretamente, o acordo fi rmado, na medida em que, por via transversa, sujeitaram os recorrentes aos mesmos transtornos causados pelo antigo muro de alvenaria, o qual foi substituído por verdadeiro “muro verde”, que, como antes, impede a vista panorâmica.

Recurso especial conhecido e provido.

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AULA: 14 DIREITO DE CONSTRUIR

EMENTÁRIO DE TEMAS

Acessões. Direito de construir. Limitações privadas ao direito de construir. Limitações públicas ao direito de construir.

LEITURA OBRIGATÓRIA

FIGUEIREDO, Lucia Valle Figueiredo. Disciplina urbanística da proprieda-de, p.114-144.

LEITURA COMPLEMENTAR

CARLOS, Ana Alessandra (Org.). Dilemas urbanos. p. 167-180: Acessões e regularização fundiária. Outras modalidades de acessão.

ROTEIRO DE AULA

DIREITO DE CONSTRUIR

O direito de construir representa uma das faculdades essenciais do pro-prietário. Contudo, não pode, à evidência, ser exercido sem que se respeite uma série de limitações previstas na legislação. Algumas já são conhecidas, como a vizinhança e as limitações urbanísticas. Cumpre entender o que ocor-re quando se constrói e de que modo atuam as limitações.

Acessão

Acessão é a união de um bem a um imóvel.Acessões naturais: aluvião; avulsão; formação de ilhas; formação de álveo.Acessões artifi ciais: construções; plantações.

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30 Súmula 414, STF.

31 Súmula 120, STF.

Princípio da acessão

Determina o princípio da acessão que tudo aquilo que se incorpora a um terreno é de propriedade do dono do terreno.

Exceções: acessão invertida (fi gura dos art. 1.258 e 1.259 do Código Civil).

LIMITES ENTRE PRÉDIOS PREVISTOS NO CÓDIGO CIVIL

Limite para abertura de janela: 1,5 m e 0,75 m, não se distinguindo a vi-são direta da oblíqua30, como determina o art. 1.301 do Código Civil, desde que não se trate de parede de tijolos translúcidos, não caracterizada como janela.31

Limites para a colocação de fornos e chaminés.Limites para a utilização de parede-meia.

Fundamentos para os direitos de luz e vista

Limitações públicas ao direito de construir: zoneamento, gabarito, recuo, etc.Podem as limitações frear a especulação imobiliária?

CASO GERADOR

Espaço urbano e Estado

Como o Estado se comporta diante dessas transformações territoriais co-mandadas pela classe dominante e pelo seu sistema de mercado imobiliário?

O Estado, em primeiro lugar, faz nas regiões onde se concentram as ca-madas de mais alta renda enormes investimentos em infra-estrutura urbana, especialmente no sistema viário, ao mesmo tempo em que abre frentes pio-neiras para o capital imobiliário, como o Centro Administrativo de Salvador, a Avenida Rio Branco ou a esplanada do Castelo, no Rio, ou a Avenida Faria Lima, em São Paulo. Assim, o sistema viário naquelas regiões é muito melhor que no restante da cidade, não só para atender ao maior número de automó-veis, mas também para abrir frentes de expansão para o capital imobiliário.

São inúmeras as obras públicas para melhorar a região central da cidade, onde se instala a burguesia, inclusive na face do centro da cidade para ela vol-tada. A abertura das Avenidas Central e Beira-Mar no Rio de Janeiro foi uma obra custosíssima proporcionalmente aos recursos e ao tamanho da cidade na época. Obras igualmente enormes e custosas foram os desmontes dos mor-ros. É signifi cativo que os morros arrasados tenham sido exatamente aqueles

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que se encontravam na extremidade sul do centro. Para abrir espaço para a renovação e modernização do centro do Rio foram removidos os morros do Castelo, do Senado e de Santo Antônio, enquanto os morros da extremidade norte — o morro de São Bento e o da Conceição — permanecem lá até hoje. A sequência de obras gigantescas no eixo sul do Rio de Janeiro é impressio-nante. As Avenidas Mem de Sá, Henrique Valadares e outras ocuparam a área do morro do Senado. Vastas áreas, todas na extremidade sul do centro, foram oferecidas ao capital imobiliário para as maiores obras de remodelação urbana já realizadas no País: as valorizadíssimas terras centrais obtidas com o desmonte dos morros do Castelo e, depois, o de Santo Antônio. A essas obras deve ser acrescentada uma grande quantidade de aterros da orla marítima, do aeroporto Santos Dumont a Botafogo, os gigantescos aterros do Flamengo e de Copacabana, e ainda o elevado do Joá e inúmeros túneis. Note-se que tais obras atendem exclusivamente à Zona Sul, ou seja, são obras que nem parcialmente atendem aos interesses de outras regiões da cidade. O contrário se deu na Zona Norte. As obras de vulto da região, como a Avenida Presi-dente Vargas, a Avenida Brasil ou os elevados associados à Ponte Rio-Niterói, destinam-se também a atender o escoamento do tráfego rodoviário extra-urbano e, portanto, não são obras destinadas a atender exclusivamente aos interesses da Zona Norte. O mesmo deu-se com as ferrovias e rodovias. Essas obras foram construídas para atender a interesses regionais extra-urbanos, e a população da Zona Norte apenas tirou partido delas. Mesmo assim, as ferro-vias sofreram um violento processo de deterioração, dado o abandono a que foram relegados os seus serviços suburbanos de passageiros.

O que fez o governo baiano ao construir o Centro Administrativo de Sal-vador numa região quase virgem, porém estrategicamente localizada na dire-ção da cidade para onde a média e alta burguesia vêm se deslocando há déca-das? Não só colocou o aparelho do Estado bem mais acessível a essas classes (e mais longe das classes subalternas) e melhorou o acesso a elas através de novas e rápidas avenidas expressas, mas também desbravou inúmeras novas fronteiras e oportunidades fabulosas para a especulação imobiliária. Além disso — em que pese alegar o contrário —, colocou o aparelho do Estado muito afastado (em termos de distância, mas especialmente em termos de tempo e oportunidades de viagem) das classes subalternas.

Em São Paulo não foi menor a ação do Estado para preparar a expansão das chamadas “zonas nobres” da cidade e ainda abrir novas fronteiras para a especulação imobiliária. Através de um de seus mais conhecidos prefeitos, Prestes Maia, renovou toda a região do centro da cidade voltada para o qua-drante sudoeste e sobre a qual incidia o interesse da burguesia. A maioria das grandes avenidas que abriu localiza-se nessa região. Não só a mais famosa e importante delas, a Avenida Ipiranga, mas também a Avenida Vieira de Car-valho e o novo Largo do Arouche, a Avenida Duque de Caxias, a Avenida

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DIREITO DA PROPRIEDADE

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32 VILLAÇA, Flávio. O que todo cidadão

precisa saber sobre habitação. São Pau-

lo: Global, 1986. p. 98-101.

Rio Branco, Rua São Luís e a nova Rua da Consolação. Porém, bem antes disso, o Estado já vinha preparando a cidade para os interesses da burguesia. A construção do Viaduto do Chá, obra arrojada e da mais avançada tecno-logia da época (estrutura de ferro), custosíssima para uma pequenina cidade de algumas dezenas de milhares de habitantes, não representava outra coisa senão a oferta de acesso mais direto entre o centro e a região que as elites queriam ocupar, ou seja, as encostas de Santa Cecília, Vila Buarque, Avenida Paulista e depois seu próprio espigão. Antes, a ligação entre o centro e essa região era pelo Acú, atual ponto de onde a Avenida São João cruza o Vale do Anhangabaú e representava um percurso longo. O Viaduto do Chá veio re-presentar uma signifi cativa melhoria daquela ligação. O alargamento da Rua Libero Badaró e da Rua São João e a urbanização do Vale do Anhangabaú (todas no quadrante sudoeste) são outros exemplos de melhoramentos que benefi ciaram a faceta sudoeste do centro.

Em segundo lugar, o Estado transfere suas próprias instalações para a mes-ma direção de crescimento da classe dominante, mostrando claramente, atra-vés do espaço urbano, seu grau de captura por essa classe. O já citado exem-plo de Salvador não é único. O Palácio do Governo do Estado de São Paulo era inicialmente no Pátio do Colégio, no coração da cidade. Transferindo-se para o Palácio dos Campos Elíseos e, depois, para o Morumbi. A Assembléia Legislativa saiu do Parque D. Pedro I e foi para o Ibirapuera. O Gabinete do Prefeito saiu do Anhangabaú e foi para o Ibirapuera, e a absoluta maioria das repartições e empresas públicas transferiu-se para a região da Paulista e Faria Lima.

No Rio, tanto o Senado como a Câmara Municipal eram no Campo de Santana e transferiram-se para a nova “zona nobre” do centro, que passou a ser sua extremidade sul, a Praça Floriano Peixoto. Também o Executivo, as-sim que foi proclamada a República, instalou-se na direção norte, no Palácio do ltamarati, e depois se transferiu para o Catete. Processos idênticos ocor-reram em maior ou menor escala em muitas cidades brasileiras até mesmo entre as pequenas.32

Você concorda com o afi rmado no texto? As alterações de zoneamento podem estimular a especulação imobiliária? Ou é melhor abrir a trilha do “progresso”?

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DECISÃO(ÕES).

Informativo n. 0370Período: 29 de setembro a 3 de outubro de 2008.Os recorridos adquiriram de boa-fé o terreno em questão. Nele construí-

ram sua residência. No entanto, o recorrente ajuizou contra eles ação reivin-dicatória, resolvida pela celebração de transação (homologada por sentença), a qual regulava o direito de retenção: os recorridos obrigavam-se a entregar o imóvel após serem indenizados pelas benfeitorias construídas (art. 516 do CC/1916). Não se estipulou, na oportunidade, qualquer valor a título de aluguel pelo tempo que durasse a retenção. Arbitrado judicialmente o valor das benfeitorias (R$ 31.000,00), o recorrente alegou não ter como ressarci-las por falta de condições econômicas para tanto. Permaneceram os recorri-dos na posse e uso do imóvel. Contudo, a doutrina admite que, apesar de não ser obrigado a devolver a coisa até que se satisfaça seu crédito, o retentor não pode utilizar-se dela. Assim, é justo que o recorrente deva pagar pelas aces-sões introduzidas de boa-fé, mas também que os recorridos sejam obrigados a indenizá-lo pelo uso do imóvel (valor mensal a ser arbitrado em liquidação, devido desde a data da citação). A jurisprudência deste Superior Tribunal já admite semelhante solução na hipótese relacionada com a separação ou o di-vórcio, enquanto um cônjuge permanece residindo no imóvel do outro. Por fi m, os créditos recíprocos deverão ser compensados de forma que o direito de retenção seja exercido no limite do proveito que os recorridos têm com o uso da propriedade alheia. Anote-se que a retenção não é um direito absoluto ou ilimitado sobre a coisa, mas mera retentio temporalis: os princípios da vedação ao enriquecimento sem causa e da boa-fé objetiva, ao mesmo tempo em que impõem ao retentor o dever de não usar a coisa, determinam que a retenção não se estenda por prazo interminável. Com esse entendimento, a Turma, por maioria, deu provimento ao recurso. Precedentes citados: REsp 673.118-RS, DJ 6/12/2004, e REsp 23.028-SP, DJ 17/12/1992. REsp 613.387-MG, Rel. Min. Nancy Andrighi, julgado em 2/10/2008.

Direito de construir — artigo 1313 do CC:

0003111-06.2004.8.19.0209 (2005.001.38787) — APELACAO

JDS. DES. LUIZ FERNANDO DE ANDRADE PINTO — Julgamento: 15/02/2006 — DECIMA QUINTA CAMARA CIVEL

OBRIGAÇÃO DE FAZER. INGRESSO EM TERRENO VIZINHO A EMPREENDIMENTO. Tem o proprietário de terreno o dever de tolerar que o vizinho ingresse em sua propriedade para dela temporariamente usar, quan-do for indispensável à construção, se for este o único meio para conclusão da

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DIREITO DA PROPRIEDADE

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obra. Inteligência do art.1.313 do Código Civil. Alegação de risco à estrutura do imóvel não demonstrada. Laudo produzido em feito que tramitou pelo Juízo da 17ª Vara Cível que afi rma ter cessado o perigo para estabilidade do imóvel, com relação a sua estrutura. Impossibilidade da apelante condicionar o término da obra ao pagamento de indenização já reconhecida em sentença proferida pelo Juízo supra mencionado, atualmente em grau de apelação. Recurso desprovido.

0019342-82.2006.8.19.0001 (2007.001.10931) — APELACAO

DES. FRANCISCO DE ASSIS PESSANHA — Julgamento: 22/08/2007 — SEXTA CAMARA CIVEL

OBRIGAÇÃO DE FAZER. PRÉDIO LIMÍTROFE. REALIZAÇÃO DE OBRA. INGRESSO EM TERRENO VIZINHO. PROCEDÊNCIA DO PE-DIDO. SENTENÇA MANTIDA.Tem o proprietário de prédio limítrofe o dever de tolerar que o vizinho ingresse em sua propriedade para dela tempo-rariamente usar, quando for indispensável à construção.RECURSO DESPRO-VIDO.

— Direito de retenção que se torna irregular com o uso da coisa:

REsp 613.387/MG, Rel. MIN. NANCY ANDRIGHI, TERCEIRA TUR-MA, julgado em 02/10/2008, DJe 10/12/2008

DIREITO CIVIL. DIREITO DE PROPRIEDADE. POSSE DE BOA-FÉ. DIREITO DE RETENÇÃO QUE SE TORNAR IRREGULAR COM O USO DA COISA. DEVER DO RETENTOR DE INDENIZAR O PRO-PRIETÁRIO COMO SE ALUGUEL HOUVESSE.

— O direito de retenção assegurado ao possuidor de boa-fé não é absoluto. Pode ele ser limitado pelos princípios da vedação ao enriquecimento sem causa e da boa-fé objetiva, de forma que a retenção não se estenda por prazo indeter-minado e interminável.

— O possuidor de boa-fé tem o direito de detenção sobre a coisa, não sendo obrigado a devolvê-la até que seu crédito seja satisfeito, mas não pode se utilizar dela ou perceber seus frutos. Reter uma coisa, não equivale a servir-se dela. O uso da coisa retida constitui abuso, gerando o dever de indenizar os prejuízos como se aluguel houvesse.

— Afi gura-se justo que o proprietário deva pagar pelas acessões introduzidas, de boa-fé, no terreno e que, por outro lado, os possuidores sejam obrigados a pa-gar um valor, a ser arbitrado, a título de aluguel, pelo uso do imóvel. Os créditos recíprocos haverão de ser compensados de forma que o direito de retenção será exercido no limite do proveito que os retentores tenham da propriedade alheia.

Recurso Especial provido.

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DIREITO DA PROPRIEDADE

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BLOCO 2: NEGÓCIOS IMOBILIÁRIOS E DEMAIS DIREITOS REAIS

OBJETIVO DO BLOCO DE AULAS

Obtido o conhecimento básico dos institutos da posse e da propriedade e das questões envolvendo a função social da propriedade e a ordenação ur-bana, passamos agora a conhecer questões mais atreladas à realidade dos ne-gócios imobiliários e, também, utilizações dos demais direitos reais em uma perspectiva negocial.

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DIREITO DA PROPRIEDADE

FGV DIREITO RIO 95

AULA 15: INCORPORAÇÕES IMOBILIÁRIAS

EMENTÁRIO DE TEMAS

Incorporações imobiliárias. Modalidades de contratação. Patrimônio de afetação nas incorporações imobiliárias.

LEITURA OBRIGATÓRIA

CHALHOUB, Melhim. Da incorporação imobiliária, p. 9-34. Ed. Renovar.

LEITURA COMPLEMENTAR

CHALHOUB, Melhim. Da incorporação imobiliária, cap. 3.

ROTEIRO DE AULA

INCORPORAÇÕES IMOBILIÁRIAS

— Natureza das incorporações imobiliárias— Negócios de incorporação imobiliária— Escritura de incorporação imobiliária

Patrimônio de afetação nas incorporações imobiliárias

— Legislação: Lei 10.931/04— Instituição do patrimônio de afetação— Problemas práticos e tributários

Texto: “O que muda com o patrimônio de afetação”

O patrimônio da afetação é um instrumento sistematizado no início do mês de agosto de 2004, quando o Presidente da República sancionou um conjunto de medidas intituladas “pacote da construção”, cujo objetivo é o

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DIREITO DA PROPRIEDADE

FGV DIREITO RIO 96

33 http://www.precisao.eng.br/fmn-

resp/afeta.htm.

incentivo ao mercado imobiliário, sendo estimado um crescimento da ordem de 4% a 8% no próximo ano.

Dentre as medidas anunciadas, destacam-se aquelas que sinalizam boas perspectivas às empresas, através de linhas de créditos mais acessíveis e redu-ção da carga tributária, e ao adquirente das unidades, que passará a contar com maiores garantias de recebimento de seu imóvel.

Dentre estas garantias está o patrimônio de afetação, que consiste na ado-ção de um patrimônio próprio para cada empreendimento, que passará a ter a sua própria contabilidade, separada das operações da incorporada/cons-trutora, o que confere segurança aos adquirentes quanto à destinação dos recursos aplicados na obra.

Esta medida se torna relevante para evitar o que o mercado apelidou de “efeito bicicleta” ou “pedalada”, que signifi ca a situação das empresas em difi -culdade econômica que desviam recursos de um novo empreendimento para um anterior e assim sucessivamente, formando um ciclo vicioso que tantos prejuízos já causou no passado, ainda vivos na memória recente do país.

Com a nova regra, todas as dívidas, de natureza tributária, trabalhista e junto a instituições fi nanceiras, fi cam restritas ao empreendimento em cons-trução, não tendo qualquer relação com outros compromissos e dívidas assu-midas pela empresa.

Dessa forma, na hipótese de ocorrer falência da empresa construtora/in-corporadora, os compradores poderão dar continuidade à obra, contratando outra empresa no lugar da falida, confi gurando o objetivo de garantir ao consumidor a entrega de imóvel comprado na planta.

Em decorrência dos casos notórios que macularam o mercado no passado, cogitou-se na criação de empresas específi cas para alguns empreendimentos, de-nominadas SPE, ou Sociedade de Propósito Específi co, o que não se constitui na melhor opção, uma vez não haver garantir de um possível desvio de recursos.

No caso da fi gura do patrimônio de afetação, que é de uso facultativo, existem maiores garantias aos mutuários, pois prevê a existência de uma co-missão de representantes desde o início da obra, o que difi cultará a ocorrência de desvios, mesmo porque o patrimônio do incorporador irá responder pelo empreendimento objeto da afetação.

Na verdade, o que a Lei 10.931/94 fez não foi instituir o patrimônio de afetação, mas regulamentá-lo, pois sua previsão veio com a Medida Provisó-ria 2.221, de setembro de 2004, embora de forma imprecisa, que não surtiu os efeitos desejados.

O que se espera, de mais importante como efeito prático, e que virá a re-percutir positivamente na economia, é que este instrumento, ao gerar maior segurança aos contratos, resultará na diminuição dos juros, pois estes são diretamente ligados ao risco da transação, que irá reduzir.”33

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FGV DIREITO RIO 97

CASO GERADOR

Histórico do processo xxxx, movido pelo escritório yyy contra a Encol Incorporadora:

HISTÓRICO DO PROCESSO ENCOL

O TERRENONa data de 07 de junho de 1993, CLÁUDIO MACÁRIO CONSTRU-

TORA LTDA. e a ENCOL S/A ENGENHARIA, COMÉRCIO E INDÚS-TRIA celebraram três escrituras públicas de promessa de compra e venda dos imóveis constituídos por 3 frações de 1/7 do lote 04 do PA 27.233, na Barra da Tijuca, Rio de Janeiro, onde, construir-se-iam os projetos arquitetônicos previamente aprovados de prédios residenciais multifamiliares, cabendo à empresa permutante dos terrenos 68 (sessenta e oito) do total das 264 uni-dades previstas para cada um dos prédios, num total de 204 apartamentos, dos 792 (setecentos e noventa e dois) que integram os três prédios a serem construídos — SAN FILIPO e VILLA BORGHESE (BLOCO I Ed. SAN MARCO e BLOCO II Ed. SAN MICHEL).

PROMESSAS DE VENDA NÃO REGISTRADASComo praxe da empresa, em todos os seus empreendimentos, a ENCOL

não registrava memoriais de incorporação embora protocolasse no cartório pedido a ele referente, isso fazendo no intuito de conseguir prometer diferen-tes datas de entrega e até prometer vender mais apartamentos do que efetiva-mente existentes, esquema denunciado pelos jornais, que funcionava como overbooking para desistências e retomadas de unidades no curso da obra, po-dendo assim operar sucessivas transferências de titularidade em prejuízo dos cofres públicos.

SONHO DESFEITOCom a paralisação das obras, contados os cobres e feitas as contas, os com-

pradores tinham entregue à Encol 27 milhões e os engenheiros da própria diziam que a construção continha pouco mais do que a metade desse valor.

CAUTELA DOS ADQUIRENTESMais de uma centena de adquirentes lesados requereram a averbação do

contrato particular de promessa de compra e venda da sua unidade perante o cartório do Registro de Imóveis, com o intuito de conferir direito real opo-nível a terceiros, nos termos do Art. 35, § 4º da Lei de Condomínio e Incor-

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FGV DIREITO RIO 98

porações nº 4591/64. O prazo avançado com o permutante do terreno para que a ENCOL — promissária compradora — alcançasse o adimplemento de sua obrigação de fazer foi o de 50 (cinquenta) meses, contados daquela data (07/06/93), ou seja, até 07 de agosto de 1997, quando já estavam há muito abandonadas as obras.

PERMUTANTE RETOMA POSSEVencido o prazo sem que a ENCOL lograsse cumprir com a sua obrigação

de fazer, entregando para a permutante, prontas e acabadas com seus respec-tivos “habite-se”, as unidades representativas do preço, e em meio ao notório quadro de insolvência da empresa, estando às construções totalmente parali-sadas, inclusive com o abandono dos canteiros de obras, cuidou a permutante de obter o socorro da tutela jurisdicional, ingressando na via judiciária com ação de procedimento ordinário pleiteando a rescisão dos negócios jurídicos celebrados com a ENCOL e reintegração na posse dos imóveis, além das perdas e danos decorrentes do descumprimento das obrigações assumidas pela ENCOL.

JUIZ RESGUARDA OS ADQUIRENTESA mencionada ação de procedimento ordinário foi distribuída para a 34ª

Vara Cível da Capital do Rio de Janeiro, processo registrado sob o número 97.001.116940-8, tendo a sua autora CLÁUDIO MACÁRIO CONSTRU-TORA LTDA, na data de 17 de outubro de 1997, obtido daquele MM. Juízo Tutela Antecipada, no sentido de ver-se reintegrada na posse do imóvel compromissado a ENCOL S/A ENGENHARIA, COMÉRCIO E INDÚS-TRIA, além de rescisão provisória do contratado.

ENCOL EVITA CITAÇÃO E PEDE CONCORDATAA partir de então, respeitando o teor da referida decisão de Tutela Anteci-

pada que ressalvou expressamente o respeito aos direitos dos adquirentes das demais unidades comercializadas pela ENCOL, foram estabelecidas diversas, longas e exaustivas tratativas entre todos os envolvidos, com o objetivo de virem a encontrar uma solução para o impasse que fosse conveniente aos interesses em confl ito.

Das tão extensas tratativas, restou a impossibilidade de virem os adquiren-tes e a permutante conciliar as suas respectivas vontades e interesses com a ENCOL S/A ENGENHARIA, COMÉRCIO E INDÚSTRIA, entendendo aqueles serem completamente descabidas as exigências desta, feitas por quem recusava receber citação.

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FGV DIREITO RIO 99

JUIZ CONDENA MÁ-FÉAconteceu então, que o MM Juízo da 34ª Vara Cível da Capital do Rio de

Janeiro, na data de 14 de maio de 1998, proferiu sentença de mérito, publi-cada na imprensa ofi cial do dia 19 de maio de 1998, dando por rescindidas as três promessas de compra e venda celebradas, consolidando a reintegração de posse antecipada à permutante e condenando a ré a compor em favor daquela as perdas e danos decorrentes da sua inadimplência.

TRIBUNAL CONFIRMA SENTENÇAA ENCOL apresentou apelação (nº 98.001.07409), vendo então con-

fi rmada a sentença pelo Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro, em acórdão que teve como Relatora a Des. Maria Henriqueta Lobo, da Décima Quarta Câmara Cível.

ENCOL INSISTE COM RECURSO ESPECIALNão satisfeita, a Encol, concordatária e na iminência do pagamento da 1ª

parcela, apresentou recurso especial, no único e exclusivo intuito de evitar o trânsito em julgado da decisão e amarrar a si o negócio já desfeito, e que não mais a legitima a fi gurar como incorporadora dos terrenos em que se assen-tam os prédios que não completou.

ADQUIRENTES ORGANIZAM COMISSÃO, CONTRATAM RE-CUPERAÇÃO E CONTINUAÇÃO DA CONSTRUÇÃO

Levando em consideração que, com o passar do tempo, maior será o agravamento dos prejuízos impostos pela ENCOL a permutante do terre-no e ao conjunto dos adquirentes das diversas unidades de apartamentos a serem construídos, notadamente face aos fatos, entre outros, de haverem sido as incorporações promovidas de forma ilícita, sem observância das imperativas disposições da Lei específi ca, sem a prévia averbação do Memo-rial de Incorporação nem a outorga dos competentes contratos relativos às comercializadas frações de terreno, sem se falar que os impostos incidentes sobre os imóveis não foram pagos, tampouco as contas de água e luz foram honradas, fato que determinou cortes e desligamentos, e considerando que as benfeitorias realizadas estão relegadas ao abandono e sujeitas às intem-péries, resolveram adquirentes e a permutante do terreno, no objetivo de melhor ajustar os seus recíprocos direitos e interesses, além dos da coletivi-dade, em razão do intenso interesse social em jogo, primeiro transacionar, para, na forma do artigo 1.025 e seguintes do Código Civil Brasileiro, prevenir qualquer litígio que entre eles pudesse se estabelecer e contratar promessa de compra e venda, onde a permutante dos terrenos respeita e mantém o objeto e a posição que cada um dos adquirentes deteria para com a ENCOL, caso esta houvesse concluído os prédios e entregue, prontas e

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DIREITO DA PROPRIEDADE

FGV DIREITO RIO 100

acabadas com os respectivos “habite-se”, as unidades habitacionais que com cada um deles foi compromissada.

Tal ajuste, entretanto, só se aperfeiçoará com o trânsito em julgado da de-cisão que restitui a permutante a titularidade dos imóveis, condição suspen-siva, posto que a efi cácia do negócio subordina-se à defi nitiva confi rmação pelas instâncias superiores, da sentença proferida em primeira instância pelo MM. Juízo da 34ª Vara Cível da Capital do Rio de Janeiro, na já mencionada lide de rescisão do contrato de permuta.

ADQUIRENTES CONSEGUEM ASSISTÊNCIAExibindo as escrituras, o 3º Vice-Presidente do Tribunal de Justiça, deferiu

assistência litisconsorcial para ingresso dos adquirentes no processo movido pela permutante para rescisão dos contratos com a Encol, aceitando-se nos autos as suas razões, que ressaltaram a inutilidade do recurso apresentado pela concordatária, cuja má-fé fora proclamada pela sentença e confi rmada pelo Tribunal.

ENCOL VAI À FALÊNCIAOcorrendo a decretação da falência antes de decidida a admissibilidade

do recurso pelo 3º Vice-Presidente do Tribunal, expediu-se carta precatória à comarca de Goiânia-GO, para que o síndico seja intimado à regularização da representação da massa falida nos autos, a fi m de que seja dado prossegui-mento ao feito, como de direito.

CONTAGEM REGRESSIVACom o fi m do recesso do Tribunal de Justiça, começa a contagem regres-

siva para a solução fi nal do processo que libertará os três prédios das garras da ENCOL. Lembro a todos que, no momento, o processo está aos cuida-dos do Dr. Samy Glanz, 3º Vice-Presidente do Tribunal de Justiça, a quem caberá dizer se o recurso da ENCOL tem ou não condições de prosseguir a exame do Superior Tribunal de Justiça — STJ, em Brasília. Por óbvio, não trabalhamos única e exclusivamente com uma decisão favorável, que acabe logo com esse absurdo protelar do desfecho, mas é bom esclarecer que, se o Sr. Desembargador concluir pelo preenchimento de todas as formalidades legais, NÃO HÁ AGRAVO CONTRA O DESPACHO QUE ADMITIR O RECURSO ESPECIAL DA ENCOL! Em outras palavras, se o recurso tiver seu seguimento negado, a ENCOL pode ainda levar o caso ao STJ, mas, se o recurso for admitido, não há como impedir que siga seu curso, passando a questão diretamente ao Relator sorteado no STJ. Pensando nisso, resolvemos estudar a possibilidade de mais uma vez denunciar os abusos cometidos pelos comissários da concordata e síndicos na administração da massa falida, pois é evidente a manha de quem sabe que não vai construir nada, mas insiste

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FGV DIREITO RIO 101

em se amarrar ao negócio frustrado por sua própria culpa, na tentativa de auferir lucros, quando deve amargar indenização pelos danos causados às suas dezenas de milhares de vítimas em todo o país. O derrame é tão grande e envolve tantas e tão altas esferas de governo que a questão balança a sobera-nia nacional, não se podendo admitir que os assaltantes fujam pela porta dos fundos de Brasília. Não importa quantos anos o Sr. Pedro Paulo vai fi car na cadeia, mas onde é que foi parar tanto dinheiro, em um mundo inteiramente informatizado em transações fi nanceiras desse porte. Se for possível rastrear o PC, por que não o do Pedro Paulo? Reconheçam-se as difi culdades que o MP Federal teve para reunir informações necessárias ao recente ajuizamento, em Brasília, da ação criminal que fi nalmente quebrará o sigilo bancário de todos os envolvidos no escândalo. Também no começo de agosto, com o fi m do recesso parlamentar, está marcado para acontecer uma série de depoimentos sobre o caso ENCOL, ainda não confi rmados, mas que incluem juiz, síndico, comissário, advogados, ANCE, etc. Aguardem!

De que modo podem os dispositivos da Lei 10.931/04 auxiliar os adqui-rentes? Para as instituições fi nanceiras, o novo regime legal é vantajoso?

DECISÃO(ÕES).

INFORMATIVO N°0194PERÍODO: 1° A 5 DE DEZEMBRO DE 2003.

CONDOMÍNIO DE CONSTRUÇÃO. LEILÃO EXTRAJUDICIAL

O art 63, § 1º, da Lei n. 5.491/1964, que rege os condomínios e in-corporações imobiliárias, facultou às partes — construtor, incorporador e adquirentes — adotar sistema de penalização ao adquirente inadimplente, com a possibilidade de promoção, pela Comissão de Representantes, de lei-lão extrajudicial da sua fração ideal do terreno e da parte construída, a fi m de evitar interrupção na obra. Protegem-se, assim, os interesses dos demais adquirentes, que têm que arcar com todos os custos da construção. Entre-tanto tal procedimento instituído pela citada lei requer convenção expressa. O cuidado do legislador justifi ca-se ante a extrema restrição de direitos que sofrerá a parte inadimplente. Isso posto, a Turma deu provimento ao REsp, a fi m de declarar a impossibilidade de realização de leilão extrajudicial da quota parte do condômino inadimplente ante a ausência de previsão contratual e inverteu os ônus da sucumbência. REsp 345.677-SP, Rel. Min. Antônio de Pádua Ribeiro, julgado em 2/12/2003

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DIREITO DA PROPRIEDADE

FGV DIREITO RIO 102

(AgRg nos EDcl no REsp 1107117/SC, Rel. MIN. VASCO DELLA GIUSTINA (DESEMBARGADOR CONVOCADO DO TJ/RS), TERCEI-RA TURMA, julgado em 22/02/2011, DJe 28/02/2011)

AGRAVO REGIMENTAL. RECURSO ESPECIAL. DIREITO CI-VIL. RESCISÃO DE CONTRATO. ART. 40 DA LEI 4.591/64 — LEI DE CONDOMÍNIO EM EDIFICAÇÕES E INCORPORAÇÕES IMOBILIÁ-RIAS. PERMUTA DE TERRENO URBANO POR ÁREA CONSTRUÍDA. INADIMPLEMENTO DA INCORPORADORA. RETORNO DO IMÓ-VEL AOS ALIENANTES EM RAZÃO DE ACORDO EXTRAJUDICIAL. TRANSAÇÃO QUE EXIME A RESPONSABILIDADE DOS ALIENAN-TES EM RELAÇÃO A EVENTUAIS ADQUIRENTES. CLÁUSULA INE-FICAZ. INDENIZAÇÃO AOS EX-TITULARES.

1. O agravante não trouxe argumentos novos capazes de infi rmar os fun-damentos que alicerçaram a decisão agravada, razão que enseja a negativa de provimento ao agravo regimental.

2. Nos termos do art. 257 do RISTJ e da Súmula 456 do STF, é possível a este Tribunal Superior julgar a causa, aplicando o direito à espécie, quando conhecido o recurso especial.

3. Se a matéria objeto de insurgência no recurso especial foi devidamente prequestionada, ainda que implicitamente, não há falar em aplicação da Súmula 211 do STJ.

4. Este Tribunal Superior consagrou o entendimento de que “o proprietário de terreno que o aliena a terceiro, dele recebendo em pagamento futuros aparta-mentos decorrentes de edifi cação a ser erigida no local, cujo contrato de compra e venda foi rescindido por transação, é responsável pelo ressarcimento de tudo quanto foi pago pelos compradores de outros apartamentos vendidos por aquele terceiro quando o primitivo negócio ainda estava vigente”, sendo inefi caz com relação aos adquirentes das unidades imobiliárias qualquer cláusula exoneratória de responsabilidade dos alienantes do terreno, haja vista que a mesma “vincula-ria apenas as partes que a tivessem estabelecido” (REsp 282.740/SP, Rel. Min. CESAR ASFOR ROCHA, DJ de 18.02.2002).

5. O descumprimento, pela incorporadora, da obrigação constante no art. 32 da Lei 4.591/64, consistente no registro do memorial de incorporação no Cartório de Imóveis, não implica a nulidade ou anulabilidade (nulidade relativa) do contrato de promessa de compra e venda de unidade condominial, tampouco impede, ao ex-titular de direito à aquisição de unidade autônoma, a reparação a que alude o art. 40 da Lei 4.591/64. Precedentes.

6. É certo que “em contrato de permuta, no qual uma das partes entra com o imóvel e outra com a construção, não tendo os proprietários do terreno exercido atos de incorporação — uma vez que não tomaram a iniciativa nem assumi-ram a responsabilidade da incorporação, não havendo contratado a construção

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DIREITO DA PROPRIEDADE

FGV DIREITO RIO 103

do edifício — não cumprida pela construtora sua parte, deve ser deferida aos proprietários do imóvel a reintegração na posse”. Todavia, “o deferimento fi ca condicionado às exigências do § 2º do art. 40 da Lei das Incorporações, Lei nº 4.591/64, para inclusive resguardar os interesses de eventuais terceiros interes-sados”, que “deverão ser comunicados do decidido, podendo essa comunicação ser feita extrajudicialmente, em cartório” (REsp 489.281/SP, Rel. para acórdão Min. SÁLVIO DE FIGUEIREDO TEIXEIRA, DJ de 15.03.2003).

7. “O valor da indenização, de que trata o 2 do art. 40 da Lei 4.591/64, a ser paga pelo primitivo proprietário do terreno ao ex-titular da unidade an-teriormente adquirida deve ter como base de cálculo, na sua aferição, o que efetivamente valer referida unidade no momento do pagamento da indenização, proporcional ao estágio da construção quando foi paralisada, por ter sido des-constituído o primitivo negócio, incluído aí o valor da fração ideal do terreno” (REsp 282.740/SP, Rel. Min. CESAR ASFOR ROCHA, DJ de 18.02.2002).

8. Agravo regimental a que se nega provimento.

— Restituição ao condômino inadimplente das parcelas pagas quando do leilão de seu imóvel.

(REsp 472.533/MS, Rel. MIN. FERNANDO GONÇALVES, QUARTA TURMA, julgado em 12/08/2003, DJ 25/08/2003, p. 318)

CONTRATO DE INCORPORAÇÃO. LEILÃO EXTRAJUDICIAL. AD-JUDICAÇÃO DO IMÓVEL DO ADQUIRENTE PELO CONDOMÍNIO. SALDO DEVEDOR. ENRIQUECIMENTO SEM CAUSA. IMPOSSIBILI-DADE. RESTITUIÇÃO AO CONDÔMINO INADIMPLENTE DAS PAR-CELAS EFETIVAMENTE PAGAS. INCIDÊNCIA. CÓDIGO DE DEFESA DO CONSUMIDOR. LEI 4.591/64.

1. Afronta os princípios gerais de direito e a justiça contratual almejada pelo Código de Defesa do Consumidor a não restituição, ao condômino inadim-plente, das parcelas efetivamente saldadas para a construção de empreendimento mediante contrato de incorporação.

2. Cabível a restituição das parcelas adimplidas devidamente corrigidas, au-torizada a retenção, pelo condomínio, de 15% do valor referente à comissão e multa remuneratória, a que se refere o § 4º do artigo 63 da Lei 4.951/64.

3. Recurso especial conhecido e parcialmente provido.

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DIREITO DA PROPRIEDADE

FGV DIREITO RIO 104

AULAS 16 E 17: CONDOMÍNIO

EMENTÁRIO DE TEMAS

Condomínio edilício. Administração dos confl itos condominiais. Órgãos condominiais.

LEITURA OBRIGATÓRIA

PEREIRA, Caio Mário da Silva. Instituições de direito civil, vol. 4, cap. 53.

LEITURA COMPLEMENTAR

AVVAD, Pedro. Condomínio e incorporações no Novo Código Civil: conclusões e questões polêmicas (em anexo, ao fi nal do livro).

ROTEIRO DE AULA

CONDOMÍNIO COMUM OU VOLUNTÁRIO

Conceito: Exercício, por mais de uma pessoa, em frações inicialmente ideais, dos direitos inerentes à propriedade.

Origem: pode ser incidente ou convencional, ordinário ou forçado.

DIREITOS DOS CONDÔMINOS

— Cada um pode usar a coisa, de modo a não incompatibilizar a indivi-são.

— Cada um pode alhear a sua parte, ou gravá-la, respeitada a preferência.— Reivindicar a coisa de terceiro.

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DIREITO DA PROPRIEDADE

FGV DIREITO RIO 105

DEVERES DOS CONDÔMINOS

— Responder pelos frutos auferidos.— Não modifi car a coisa.— Não poder dar uso e gozo da coisa para estranho sem o consentimento

dos demais.— Responder pelos custos e dívidas comuns, presumivelmente de acordo

com sua cota parte.— Pode-se optar por escolha de administrador para o condomínio.Condomínio decorrente da separação dos bens: art. 1.327: há condomí-

nio quanto aos muros, cercas...

EXTINÇÃO DO CONDOMÍNIO COMUM

— Art. 1.320. O destino natural de qualquer bem é a divisão.— Art. 1.322. Extinção pela alheação.

CONDOMÍNIO EDILÍCIO

Condomínio do CC e da Lei nº 4.591/64 (edilício, art. 1). Revogação desta lei pelo CC?

— Áreas de uso exclusivo e áreas de uso comum.— Síndico e convenção condominial.— Cota condominial.— Deveres dos condôminos.Aplicação imediata dos dispositivos do Código Civil, a despeito do dis-

posto na convenção de condomínio.

ADMINISTRAÇÃO DE GARAGEM E COBERTURA.

Cobertura: área comum ou exclusiva?Regimes jurídicos para a garagem:a) área comum indivisa;b) área comum indivisa com ocupação determinada na convenção;c) vaga na escritura, acessória da unidade;d) vaga autônoma.

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DIREITO DA PROPRIEDADE

FGV DIREITO RIO 106

34 http://www.lexinform.com.br/arti-

gos1.asp?Codigo=12.

CASO GERADOR

Vejamos o exemplo dado por Américo Isidoro Angélico:34

“Imaginemos a hipótese de um condômino dado ao exacerbado alcoolis-mo, frequentemente é encontrado nas escadas do condomínio em desalinho, bem como desfalecido nos elevadores, expelindo vômito e dejetos. Ante tal fato, o condomínio, através de seu síndico, convoca uma Assembléia Geral Extraordinária (artigo 1.354, do NCC), em cuja pauta convocativa desti-na a aplicação do constrangimento de até dez vezes a taxa condominial ao proprietário da ‘unidade 150’, ante reiterado comportamento anti-social, gerando incompatibilidade de convivência com a sociedade condominial já desgastada em decorrência de tal comportamento.

A assembléia por 3/4 (três quartos) de seus condôminos restantes (artigo 1.337 do NCC), excluindo assim o condômino do ‘apartamento 150’, que convocado e presente à assembléia defendeu-se alegando que haveria de mu-dar o seu comportamento, aplicou no ato assemblear a multa com fundamen-to no artigo 1.337, parágrafo único, de dez vezes o quantum da contribuição condominial (smj, o quorum exigido na Nova Lei Civil, nas hipóteses: reite-radamente inadimplente, infrator e anti-social é simples, restando entender pela aplicação das multas com muita facilidade pelo condomínio).

Posteriormente, foi paga a multa, contudo, o condômino prosseguiu em seu exacerbado alcoolismo, e até mesmo agudou este comportamento anti-social (codifi cação — direito de vizinhança, artigos 1.277 e 1.279, do NCC). O condomínio ingressa com pedido de tutela jurisdicional antecipada, coli-mando a exclusão do condômino do condomínio, trazendo inequívoca prova dos fatos ocorridos, demonstrando a verossimilhança das alegações e preen-chendo todos os demais pressupostos legais exigidos (artigo 273, do CPC), requerendo a exclusão do condômino daquele condomínio.”

Art. 1.337: a punição após ulterior deliberação da assembléia: possibili-dade de expulsão do condômino? Como interpretar o dispositivo? É mesmo possível expulsar condômino anti-social?

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DIREITO DA PROPRIEDADE

FGV DIREITO RIO 107

AULA 18: DEMAIS DIREITOS REAIS

EMENTÁRIO DE TEMAS

Demais direitos reais. Teoria do fracionamento e crítica. Tipicidade dos Direitos Reais. Multipropriedade. Direitos reais extintos: enfi teuse e renda. A profusão das enfi teuses na vida prática e a regra de transição do art. 2.038.

LEITURA OBRIGATÓRIA

MORAES, Maria Celina Bodin de. Princípios de direito civil contemporâneo: O princípio da tipicidade dos direitos reais, por Gustavo Kloh Muller Neves. Ed. Renovar.

ROTEIRO DE AULA

CARACTERÍSTICAS DOS DIREITOS REAIS

Polêmica Realismo vs. Personalismo:Direito real — caráter externo — signifi ca um poder exercido sobre uma

coisa. Esta conclusão é identifi cada com o trabalho dos glosadores medievais.Crítica personalista — burguesia européia — o direito real não pode ser

uma relação entre pessoa e coisa, pois só existem relações entre pessoas. Prin-cipal fi gura: Planiol.

O personalismo e a ideia de obrigação passiva universal justifi cam a apro-priação dos direitos reais pelos burgueses. A relação entre a pessoa e a coisa pode trazer inferências religiosas; se a propriedade e demais direitos reais fo-rem como o crédito, o burguês poderá ter acesso a estes direitos. Lembrar que privilégios reais (talha, corvéia, etc.) eram direitos reais.

Crítica ao realismo: impossibilidade de relação entre pessoa e coisa; há direitos reais onde a interfencia da pessoa sobre a coisa é mínima, como no caso das rendas.

Crítica ao personalismo: a obrigação passiva universal nada mais é que o neminem laedere e vale também para qualquer tipo de direito. Carvalho de Mendonça diz que a obrigação passiva universal não é obrigação, pois não é patrimonial, não podendo ser lançada no passivo.

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DIREITO DA PROPRIEDADE

FGV DIREITO RIO 108

DIFERENÇA PARA OS DIREITOS OBRIGACIONAIS: MÉTODOS DE EXPLICAÇÃO

M. I. Carvalho de Mendonça: poder sobre a coisa x poder sobre a pessoa.Oliveira Ascensão: o direito real é absoluto, por prescindir de uma relação

jurídica prévia; ele prevalece por si só.Relevância econômica das coisas e dos negócios (art. 170, CF).Figuras intermédias: Ônus reais: rendas...Obrigação propter rem: lembrar polêmica Santiago Dantas e C. Mário so-

bre a natureza da obrigação.Execução específi ca e tutela específi ca da obrigação: ius ad rem, segundo

Venosa, como a adjudicação compulsória e a imissão na posse.Proteção erga omnes de obrigações: preferência na Lei 8.245.Penhor de créditos: art. 789 e seguintes do CC.Olympio Costa Jr. e Diez-Picazo: Propriedade como situação jurídica, ca-

paz de gerar outras relações reais.Propriedade como unidade fundamental dos direitos reais: avançar noção

de propriedade como somatório de poderes sobre uma coisa — CC, art. 524, e art. 1229, Projeto.

— Oponibilidade perante terceiros.— Sequela ou ambulatoriedade: o direito real “persegue” a coisa onde

quer que ela esteja. Exemplo: furto, hipoteca, venda de imóvel sobre o qual pesa um usufruto.

— Preferência: falar dos direitos reais de garantia. S. Lopes: a preferência também diz respeito à predominância de um direito real constituído ante-riormente, sobre um constituído posteriormente.

— Abandono: o titular de um direito real pode dele abrir mão, em geral, sem prestar contas a ninguém (lembrar regime de proteção do patrimônio mínimo: pródigo, doação universal e inofi ciosa).

— Perpetuidade: emborca com exceções, os direitos reais não são consu-míveis pelo exercício, protraindo-se no tempo.

— Titularidade: para cada direito real, deve haver apenas um titular (ou núcleo de titularidade), que deve ser o tempo todo determinado. A estrutura da titularidade representa como, em uma sociedade, é repartida a riqueza. Falar de exceção: multipropriedade (time sharing).

— Tipicidade ou numerus clausus: os direitos reais não podem ser criados por via negocial, devendo estar previstos em lei. Falar do direito romano, da gewere, dos códigos. Empecilho, no caso de direitos reais sobre imóveis (S. Rodrigues): o registro. Leis extravagantes prevêem direitos reais diferentes: Estatuto da Cidade (superfície), Lei 6.766 (direito real de preferência, no compromisso de compra e venda), por exemplo. Falar do sistema espanhol.

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DIREITO DA PROPRIEDADE

FGV DIREITO RIO 109

CLASSIFICAÇÃO DOS DIREITOS REAIS

Direitos reais sobre coisa própria: Propriedade.Direitos reais sobre coisa alheia:de uso, gozo e fruição: usufruto; uso; ha-

bitação; renda constituída sobre imóvel; servidão; superfície.De garantia: penhor; hipoteca; anticrese.De aquisição: Direito de preferência na promessa de compra e venda.

São todos desmembramentos do direito de propriedade (ou melhor, dos seus poderes).

Alienação fi duciária: não cria “novo” direito real, mas sim um novo con-trato legitimador de posse imediata.

ENFITEUSE E RENDA

— Defi nição legal.— Ultratividade.— Art. 2.038: aplicabilidade da regra de transição e direito intertemporal.

CASO GERADOR

O instituto da enfi teuse e a atual administração

Prof. Marcos CoimbraArtigo publicado em set./2003 no jornal Ombro a Ombro

O líder do governo da atual administração Lula no Senado, Aloizio Mer-cadante, acaba de pronunciar-se contrário ao fi m do instituto da enfi teuse no Brasil, em nome do “interesse econômico da União” e da “necessidade de se manter elevados superávits primários para garantir a confi ança na capacidade de o governo honrar os seus compromissos impede que a União abra mão, neste momento, dos recursos arrecadados com as receitas patrimoniais”. Na melhor tradição monetarista, S. Exª subordina fi ns a meios. De início, a atual administração Lula está cumprindo seus compromissos, engajadamente, com os banqueiros e as multinacionais, mas não com os trabalhadores, a exemplo da Caixa de Previdência dos Funcionários do Banco Brasil (PREVI), onde os benefi ciários, que teriam direito ao reajuste de 30,05%, em junho do corren-te ano, obtiveram apenas 18%, a pretexto de se evitar défi cit pelo terceiro ano consecutivo. S. Exª conhece muito bem os prejuízos ocasionados à PREVI em função de sua utilização no processo de privatização selvagem de estatais

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35 http://www.brasilsoberano.com.br/

artigos/Anteriores/oinstitutodaenfi-

teuse.htm.

brasileiras, como no crime de lesa pátria da “doação” da Companhia Vale do Rio Doce, por infl uência de políticos com poder na administração anterior, mesmo sendo de “oposição”. Para diminuir o défi cit nominal do Tesouro não é preciso a utilização das receitas oriundas da enfi teuse, mas sim diminuir o extorsivo pagamento de juros exorbitantes da dívida pública, da corrupção desenfreada e do empreguismo utilizado pela tomada de assalto pelas políti-cas clientelistas da nova administração, atingindo até o INCA. As “reformas previdenciária e tributária” são outras demonstrações de “ajustes fi scais”, que provocarão perdas irreparáveis à classe trabalhadora, em especial à classe mé-dia, para alegria dos rentistas e do FMI.

A outra linha de argumentação exposta por S. Exª, quanto à propriedade de terras brasileiras, leva ao raciocínio absurdo de que então não existe mais propriedade privada no Brasil. Na realidade, tudo deveria pertencer à União. Tal, contudo, não ocorre. Por que só as chamadas “terras da Marinha”? De fato, quem recolhe o foro e o laudêmio é o Serviço de Patrimônio da União, subordinado ao Ministério do Planejamento, atualmente com suas direções regionais entregues, no loteamento de cargos para garantir a maioria no Con-gresso, a um partido político, com grande infl uência religiosa, sempre pre-sente em todos os governos, cabendo à Marinha, caso receba, irrisória fatia da arrecadação. Sob o ponto de vista da justiça e sob o aspecto ético, não há razão para a manutenção no anacrônico instituto, de origem medieval, capaz de permitir até à família imperial brasileira, em Petrópolis, arrecadação per-manente, bem como a outras instituições privadas e religiosas.

Não conseguimos descobrir a importância estratégica na segurança e so-berania nacionais, em pleno século XXI, na era dos mísseis intercontinentais, de áreas costeiras. Não há porque serem de propriedade da União, por esta razão. É um argumento sem fundamento. Quanto à preservação ecológica e do meio ambiente, as condições atuais das citadas regiões como, por exem-plo, a triste situação da baía de Guanabara mostra, à saciedade, o abandono a que estão submetidas, “sob a proteção da União”. A hipótese, então, destes “terrenos para instalação de unidades militares” está fora da realidade, saben-do-se que a prioridade um da estratégia nacional é a de ocupar a Amazônia, não havendo sentido na manutenção de organizações militares na costa, pois as existentes, por falta de utilidade, estão sendo transformadas em museus, centros culturais e outras.

Os títulos fraudulentos e os aterros criminosos existem, apesar de serem de propriedade da União, e vão continuar existir, sejam ou não de sua pro-priedade. A solução está no cumprimento da legislação vigente para qualquer parte do território nacional. Portanto, não há justifi cativa racional para a manutenção do instituto da enfi teuse no Brasil.

Professor Titular de Economia junto à Universidade Cândido Mendes, Professor na UERJ e Conselheiro da ESG.”35

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Levando-se em consideração que os sucessores da Família Real já recebem foro há mais de um século, seria possível a extinção do domínio direto, por alegação de não cumprir a função social da propriedade?

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FGV DIREITO RIO 112

AULA 19: FINANCIAMENTO IMOBILIÁRIO

EMENTÁRIO DE TEMAS

Financiamento imobiliário. SFH e SFI. Histórico e formas de fi nancia-mento. Securitização do mercado imobiliário. Consórcio de imóveis para fi ns residenciais.

LEITURA OBRIGATÓRIA

CHALHOUB, Melhim. Incorporação imobiliária, cap. 7.

LEITURA COMPLEMENTAR

CARNEIRO, Dionísio Dias. Financiamento à habitação e instabilidade eco-nômica: experiências passadas, desafi os e propostas para a ação futura.

ROTEIRO DE AULA

QUADRO COMPARATIVO DO FINANCIAMENTO IMOBILIÁRIO

Aumento do preço do imóvel

PROGRAMA DE ARRENDAMENTO RESIDENCIAL

SISTEMA FINANCEIRO DE HABITAÇÃO

SISTEMA FINANCEIRO DE IMÓVEIS

LEASINGLei 10.188/01

MÚTUO C/ HIPOTECALei 4.380/64 e outras

MÚTUO C/ ALIENAÇÃO FIDUCIÁRIA

Lei 9.514/97

VICISSITUDES DAS MODALIDADES DE FINANCIAMENTO

— Critérios de correção das prestações.— Correção do saldo devedor.— Execução no Dec. 70/66.

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DIREITO DA PROPRIEDADE

FGV DIREITO RIO 113

CASO GERADOR

SIMULAÇÕES DE COMPRA DE APARTAMENTOS (Roleplay).

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FGV DIREITO RIO 114

AULA 20: ALIENAÇÃO FIDUCIÁRIA

EMENTÁRIO DE TEMAS

Alienação fi duciária de móveis e imóveis. Compreensão do instituto. Comparação com hipoteca e penhor. Aspectos polêmicos da alienação fi du-ciária na aquisição de bens. Proteção do alienante.

LEITURA OBRIGATÓRIA

RIZZARDO, Arnaldo. Direito das coisas, cap. 20.

LEITURA COMPLEMENTAR

COMPARATO, F.K. Função social dos bens de produção. Revista de Direito Mercantil, n. 63.

ROTEIRO DE AULAS

ORIGENS DA ALIENAÇÃO FIDUCIÁRIA NO DIREITO BRASILEIRO

— Dec. 911/69.— A propriedade fi duciária.— A lei 9.514/97.

ASPECTOS PROCESSUAIS

— Liminar.— Purga da mora.— Busca e apreensão.— Sentença.

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CASO GERADOR.

A função social da propriedade dos bens de produção e a alienação fi duciária.

“RECURSO ESPECIAL N° 128.048— lis (1997/0026362-2) RELA-TOR: MINISTRO ALUIR PASSARINHO JUNIOR — EMENTA: PRO-CESSUAL CIVIL. RECURSO ESPECIAL. ALIENAÇÃO FIDUCIÁRIA. BUSCA E APREENSÀO MAQUNÁRIO AGRÍCOLK MEDIDA LIMI-NAR INDEFERIDA BEM NECESSÁRIO AO SUSTENTO DO DEVE-DOR. DL N.91 1/69, ART. 30 1..... II. Merece tempero a concessão da medida liminar prevista no art. 3° do Decreto-Lei n. 922/69, quando se trate de bem necessário ao sustento do réu, caso do maquinário agrícola fi duciariamente alienado. III. Recurso especial não conhecido. ACÓRDÃO Vistos e relatados estes autos, em que são partes as acima indicadas, Decide a Quarta Turma do Superior Tribunal de Justiça, rejeitada a preliminar, à una-nimidade, não conhecer do recurso, na forma o relatório e notas taquigráfi cas constantes dos autos, que fi cam fazendo parte integrante 46 presente julgado. Participaram do julgamento os Srs. Ministros Sálvio de Figueiredo Teixeira, Barros Monteiro, Cesar Asfor Rocha e Ruy Rosado de Aguiar.”

O que deve prevalecer: a necessidade de sustento do réu ou a proteção à propriedade e ao crédito?

DECISÃO(ÕES).

INFORMATIVO n° n. 0413Período: 26 a 30 de outubro de 2009.

FINANCIAMENTO. ALIENAÇÃO FIDUCIÁRIA. ARREPENDIMENTO

Trata-se de Resp. em que se discute, em síntese, o direito de arrependi-mento, previsto no art. 49 do Código de Defesa do Consumidor (CDC), como cláusula de resolução de contrato de fi nanciamento com alienação fi duciária em garantia. Na hipótese em questão, o recorrente assinou dois contratos, um de compra e venda com a concessionária de veículos e outro de fi nanciamento com o banco recorrido. Após a assinatura do contrato de fi nanciamento, ocorrido em lugar diverso do estabelecimento comercial do recorrido, o recorrente arrependeu-se e enviou notifi cação a este no sexto

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dia seguinte à celebração do negócio. Diante disso, a Turma entendeu que é facultado ao consumidor desistir do contrato no prazo de sete dias a contar da assinatura, quando a contratação ocorrer fora do estabelecimento comer-cial, nos termos do referido dispositivo legal. Assim, notifi cado o vendedor, a cláusula de arrependimento, implícita no contrato de fi nanciamento reali-zado em local diverso do estabelecimento comercial da instituição fi nanceira, deve ser interpretada como causa de resolução tácita do contrato, cuja con-sequência é restabelecer as partes ao status quo ante. Ademais, não prospera a argumentação do recorrido de que não é possível o exercício do direito de arrependimento, porque o valor referente ao contrato de empréstimo foi repassado para a concessionária de veículos antes da manifestação do recor-rente. Pois, como visto este, ao exercer o direito de arrependimento, agiu em exercício regular de direito amparado pelo referido art. 49 do CDC. Outros-sim, o eventual arrogo na posse do valor referente ao contrato de empréstimo pela concessionária de veículos não pode ser imputado ao recorrente nem dele ser exigido, uma vez que o contrato de compra e venda celebrado entre ele e a concessionária não se perfectibilizou; na verdade, sequer houve imissão na posse do bem. Ressalte-se que, nos termos do art. 2º do DL n. 911/1969, a ação de busca e apreensão é fundamentada com o inadimplemento ou mora nas obrigações contratuais. Todavia, no caso, ocorreu a resolução do contrato pelo exercício do direito de arrependimento e não houve formação nem ajus-te de obrigações contratuais. Nesse contexto, deu-se provimento ao recurso. REsp 930.351-SP, Rel. Min. Nancy Andrighi, julgado em 27/10/2009.

— Manutenção dos bens com o devedor quando indispensáveis à sua atividade.

AgRg no REsp 1193791/MG, Rel. MIN. LUIS FELIPE SALOMÃO, QUARTA TURMA, julgado em 28/06/2011, DJe 01/07/2011

DIREITO CIVIL E PROCESSUAL CIVIL. AGRAVO REGIMENTAL EM RECURSO ESPECIAL. BUSCA E APREENSÃO. ALIENAÇÃO FIDU-CIÁRIA. BENS INDISPENSÁVEIS. SÚMULA 7/STJ.

1. Admite-se a manutenção dos bens garantidores da alienação fi duciária na posse do devedor se demonstrada a indispensabilidade de tais bens para o exercício da empresa.

2. No presente caso, ante a ausência de manifestação pelo Tribunal de origem acerca da indispensabilidade, ou não, dos bens alienados fi duciariamente e obje-tos da garantia, o acolhimento da argumentação dos ora recorrentes demandaria necessário revolvimento do conjunto fático-probatório, o que é vedado em sede de recurso especial.

Incidência da Súmula 7/STJ.3. Agravo regimental não provido.

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— Manutenção dos bens com o devedor quando indispensáveis à sua ati-vidade, mesmo quando este se encontrar em recuperação judicial.

CC 110.392/SP, Rel. MIN. RAUL ARAÚJO, SEGUNDA SEÇÃO, julga-do em 24/11/2010, DJe 22/03/2011

CONFLITO DE COMPETÊNCIA. IMISSÃO DE POSSE NO JUÍZO CÍVEL. ARRESTO DE IMÓVEL NO JUÍZO TRABALHISTA. RECUPE-RAÇÃO JUDICIAL EM CURSO. CREDOR TITULAR DA POSIÇÃO DE PROPRIETÁRIO FIDUCIÁRIO. BEM NA POSSE DO DEVEDOR. PRIN-CÍPIOS DA FUNÇÃO SOCIAL DA PROPRIEDADE E DA PRESERVA-ÇÃO DA EMPRESA. COMPETÊNCIA DO JUÍZO DA RECUPERAÇÃO.

1. Em regra, o credor titular da posição de proprietário fi duciário de bem imóvel (Lei federal n. 9.514/97) não se submete aos efeitos da recuperação judi-cial, consoante disciplina o art. 49, § 3º, da Lei 11.101/05.

2. Na hipótese, porém, há peculiaridade que recomenda excepcionar a regra. É que o imóvel alienado fi duciariamente, objeto da ação de imissão de posse movida pelo credor ou proprietário fi duciário, é aquele em que situada a própria planta industrial da sociedade empresária sob recuperação judicial, mostrando-se indispensável à preservação da atividade econômica da devedora, sob pena de inviabilização da empresa e dos empregos ali gerados.

3. Em casos que se pode ter como assemelhados, em ação de busca e apreen-são de bem móvel referente à alienação fi duciária, a jurisprudência desta Corte admite fl exibilização à regra, permitindo que permaneça com o devedor fi du-ciante “ bem necessário à atividade produtiva do réu” (v. REsp 250.190-SP, Rel. Min. ALDIR PASSARINHO JÚNIOR, QUARTA TURMA, DJ 02/12/2002).

4. Esse tratamento especial, que leva em conta o fato de o bem estar sendo empregado em benefício da coletividade, cumprindo sua função social (CF, arts. 5º, XXIV, e 170, III), não signifi ca, porém, que o imóvel não possa ser entregue oportunamente ao credor fi duciário, mas sim que, em atendimento ao princípio da preservação da empresa (art. 47 da Lei 11.101/05), caberá ao Juízo da Recu-peração Judicial processar e julgar a ação de imissão de posse, segundo prudente avaliação própria dessa instância ordinária.

5. Em exame de confl ito de competência pode este Superior Tribunal de Justiça declarar a competência de outro Juízo ou Tribunal que não o suscitante e o suscitado. Precedentes.

6. Confl ito conhecido para declarar a competência do Juízo da 2ª Vara Cível de Itaquaquecetuba — SP, onde é processada a recuperação judicial da sociedade empresária.

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— Discussão acerca da validade do recebimento da notifi cação extrajudi-cial, requisito necessário à execução extrajudicial de bens alienados fi ducia-riamente.

AgRg no Ag 1315109/RS, Rel. MIN. RAUL ARAÚJO, QUARTA TUR-MA, julgado em 01/03/2011, DJe 21/03/2011

AGRAVO REGIMENTAL NO AGRAVO DE INSTRUMENTO. BUS-CA E APREENSÃO. ALIENAÇÃO FIDUCIÁRIA. MORA. COMPROVA-ÇÃO. NOTIFICAÇÃO EXTRAJUDICIAL. PROVA DO RECEBIMENTO. NECESSIDADE.

1. A jurisprudência desta Corte fi rmou-se no sentido de que, em caso de alienação fi duciária, a mora deve ser comprovada por meio de notifi cação ex-trajudicial realizada por intermédio do Cartório de Títulos e Documentos a ser entregue no domicílio do devedor, sendo dispensada a notifi cação pessoal.

2. Na hipótese, o Eg. Tribunal de origem consigna que não há comprovação de que a notifi cação, embora remetida para o endereço constante do instrumen-to contratual, foi efetivamente recebida no endereço do domicílio do devedor, não restando, portanto, comprovado o atendimento do requisito da constituição deste em mora para prosseguimento da ação de busca e apreensão.

3. Embora desnecessário o recebimento da notifi cação pelo próprio devedor, exige-se, pelo menos, a comprovação de que efetivamente houve o recebimento no endereço do seu domicílio.

4. Agravo regimental a que se nega provimento.

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FGV DIREITO RIO 119

AULA 21: HIPOTECA E PENHOR

EMENTÁRIO DE TEMAS

Princípios dos direitos reais de garantia. Hipoteca, penhor e alienação como meios de fi nanciamento de projetos. Corporate fi nance e project fi nance.

LEITURA OBRIGATÓRIA

COUTO E SILVA, Clóvis do. Hipoteca no direito comparado. In: FRA-DERA, Vera Jacob (Org.). O direito privado no pensamento de Clóvis do Couto e Silva. Ed. Livraria do Advogado.

ROTEIRO DE AULA

PRINCÍPIOS DOS DIREITOS REAIS DE GARANTIA

Indivisibilidade (art. 1.421);Especifi cidade (art. 1.424);Vedação ao pacto comissório (art. 1.428).

PENHOR

Concepção tradicional.Registro do penhor.Deveres de credor e de devedor.

HIPOTECA

Hipóteses do art. 1.473 do Código Civil.Hipoteca no direito comparado: cédula de crédito hipotecário.

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CORPORATE FINANCE E PROJECT FINANCE

Distinções.

Papel do penhor e hipoteca no project fi nance.Penhor de futuros.

CASO GERADOR

É calculado erroneamente o valor de um imóvel fi nanciado para fi ns de hi-poteca. O mesmo é sub-avaliado e, em vez de ser cotado em 500.000, é cotado em 250.000. Pago o valor de 250.000, o adquirente pede o levantamento da hipoteca; o Banco X S.A. recusa, alegando que os custos de construção foram revistos e, na realidade, há ainda metade do valor a pagar. Quem tem razão?

DECISÃO(ÕES).

INFORMATIVO N. 0399PERÍODO: 15 A 19 DE JUNHO DE 2009SFH. FCVS. EQUÍVOCO. CEF. QUITAÇÃO. IMÓVELNa espécie, a mutuária adquiriu um imóvel da CEF e pagou, juntamente

com as prestações, as parcelas referentes ao Fundo de Compensação e Varia-ção Salarial (FCVS). Ao término do pagamento, exigiu a quitação do imóvel e a respectiva baixa da hipoteca incidente sobre ele. A CEF, então, recusou-se à quitação, dizendo que o contrato não era submetido ao FCVS, que estava fora daquele limite. O máximo que a mutuária poderia fazer era receber o seu dinheiro de volta, não a quitação. Inicialmente, o Min. Relator destacou que o recurso interposto pela alínea c permite a adoção de soluções análogas aos casos semelhantes. A existência de erro inescusável, em razão do preparo técnico dos agentes da CEF que atuam na área de fi nanciamento, impõe ao agente fi nanceiro arcar com as conseqüências econômicas advindas de eventual equívoco quando da elaboração das cláusulas contratuais. In casu, o erro quanto à previsão de cobertura pelo FCVS, mercê de o valor fi nanciado exceder o limite regulamentar encartado na Circular n. 1.214/1987, item 15; Resolução n. 1.361/1987 do Bacen, bem como a indevida cobrança das parcelas relativas ao FCVS juntamente com a prestação e o seguro, decorreu de equívoco dos agentes da CEF, que, evidentemente, não pode se valer da própria torpeza para afastar o benefício de cobertura do saldo devedor pelo FCVS, em razão da presunção de boa fé dos mutuários, reafi rmada, no caso concreto, pelo adimplemento das prestações do contrato de mútuo habita-

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cional. Diante disso, a Turma, por maioria, deu provimento ao recurso para aplicar à hipótese o entendimento adotado por este Superior Tribunal em casos análogos, a fi m de reconhecer o direito dos recorrentes à quitação do imóvel nos moldes da Lei n. 10.150/2000, bem como à respectiva baixa da hipoteca incidente sobre o imóvel. Precedentes citados: REsp 684.970-GO, DJ 20/2/2006, e REsp 562.729-SP, DJ 6/2/2007. REsp 972.890-DF, Rel. Min. Luiz Fux, julgado em 16/6/2009.

(REsp 757.598/MG, Rel. MIN. LUIZ FUX, PRIMEIRA TURMA, julga-do em 17/05/2007, DJ 31/05/2007, p. 340)

PROCESSUAL CIVIL. INSTITUIÇÃO FINANCEIRA. LIQUIDAÇÃO EXTRAJUDICIAL. INDISPONIBILIDADE DE BENS. HIPOTECA. ALIE-NAÇÃO. DISTINÇÃO DA NATUREZA JURÍDICA DOS INSTITUTOS.

1. Embargos de terceiros opostos para impugnar arresto de bens indisponí-veis em razão da declaração de liquidação extrajudicial de instituição bancária, ao argumento de que gravados com hipoteca, por ser “forma indireta de aliena-ção”.

2. Essa indisponibilidade patrimonial — que não implica perda de titulari-dade dominial sobre os bens — reveste-se de importante função instrumental, pois visa a impedir que o ex-administrador da instituição fi nanceira venha a desfazer-se desses mesmos bens, difi cultando ou impossibilitando, com atos de ilícito desvio de seu patrimônio, a própria liquidação de sua responsabilidade civil, gerando, com esse injusto comportamento, prejuízos gravíssimos a uma vasta coletividade de credores da instituição sob intervenção ou em regime de liquidação extrajudicial (lei n° 6.024/74, art. 49 e respectivo parágrafo 1°). (...) Na realidade, a indisponibilidade patrimonial, que apenas afeta os jus abutendi vel disponendi do proprietário, qualifi ca-se como legítima restrição jurídica que incide sobre o direito de livre disposição dos bens pertencentes ao dominus. Precedente: Petição 1.343-9/DF, Relator Ministro Celso de Mello, à época Pre-sidente do STF, DJ:21.08.97 (In “Jurisprudência em Matéria de Intervenção e Liquidação Extrajudicial — Volume 2 — FGC — Organizadores: Jairo Saddi e Rodrigo Ferraz da Camargo — páginas 290/298).

3. Mercê da indisponibilidade patrimonial constituir efeito necessário que decorre do ato que decreta a intervenção ou a liquidação extrajudicial de qual-quer instituição fi nanceira o art. 36, § 4º, da Lei 6.024/74, exclui expressamente da referida restrição contratos específi cos, desde que registrados em data anterior à sua decretação, dentre os quais não se extrai a hipoteca 4. O art. 36, § 4º, da Lei 6.024/74 dispõe que: “§ 4º Não são igualmente atingidos pela indis-ponibilidade os bens objeto de contrato de alienação, de promessa de compra e venda, de cessão de direito, desde que os respectivos instrumentos tenham sido levados ao competente registro público, anteriormente à data da decretação da intervenção, da liquidação extrajudicial ou da falência. “ 5. A exclusão da

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FGV DIREITO RIO 122

indisponibilidade de bens por força da decretação de liquidação extrajudicial é taxativamente prevista no rol do artigo 36, § 4º da Lei 6.024/74, no qual não se incluiu a hipoteca, motivo pelo qual, há que se reconhecer a indisponibilidade do bem por ela gravado.

6. Merece prestígio o entendimento adotado pelo acórdão recorrido no sen-tido de que: “A hipoteca não consubstancia contrato de alienação, para efeito do disposto no art. 36, § 4º, da Lei nº 6.024/74 antes transcrito, e a sua existência não é sufi ciente para que se declarem disponíveis os bens adquiridos pelo recor-rente, em 03.06.1996 (f. 79/80-TJ), ou seja, após a decretação da liquidação extrajudicial do Banco Hércules, que se deu em 28.07.1994. A manutenção da declaração da indisponibilidade dos bens, no presente caso, é adequada para evitar lesão aos interesses de pessoas de boa-fé.” 7. Deveras, em situação análoga, este Tribunal já se manifestou no sentido de que o art. 36 da Lei nº 6.024, de 13.03.74 impede a alienação ou oneração dos bens, por iniciativa do próprio administrador da instituição fi nanceira, mas não a penhora por interesse e a requerimento do credor. Precedentes: REsp 204668/MG DJ 29.04.2002; REsp 113039/MG DJ 28.02.2000.

8. Recurso Especial desprovido.

RECURSO ESPECIAL Nº 433.688 — DF (2002/0052153-4)RELATOR: MINISTRO ALDIR PASSARINHO JUNIOR— 23 de se-

tembro de 2003 (Data do Julgamento)

CIVIL E PROCESSUAL. EMPREENDIMENTO IMOBILIÁRIO. HI-POTECA INCIDENTE SOBRE A TOTALIDADE DO IMÓVEL. VENDA ANTERIOR DE UNIDADES AUTÔNOMAS. CONSTRUTORA QUE NÃO HONROU SEUS COMPROMISSOS PERANTE O BANCO FINAN-CIADOR. EXCLUSÃO DO GRAVAME REAL.

I. O adquirente de unidade autônoma somente é responsável pelo pagamen-to integral da dívida relativa ao imóvel que adquiriu, não podendo sofrer cons-trição patrimonial em razão do inadimplemento da empresa construtora perante o banco fi nanciador do empreendimento, posto que, em face da celebração da promessa de compra e venda, aqui, inclusive, em data anterior à constituição da hipoteca, a garantia passa a incidir apenas sobre os direitos decorrentes do con-trato individualizado, nos termos do art. 22 da Lei n. 4.864/65, não podendo subsistir se o débito já foi quitado pelo comprador junto à vendedora.

II. Precedentes do STJ.III. Recurso especial não conhecido.

Hipoteca — Efi cácia real erga omnes x súmula 308 STJ0084675-78.2006.8.19.0001 (2008.001.22202) — APELACAO

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DIREITO DA PROPRIEDADE

FGV DIREITO RIO 123

DES. MIGUEL ANGELO BARROS — Julgamento: 10/06/2008 — DE-CIMA SEXTA CAMARA CIVEL

AÇÃO DE EMBARGOS DE TERCEIRO — TERCEIRO QUE PROME-TE COMPRAR IMÓVEL SABIDAMENTE HIPOTECADO A AGENTE DO SFH E QUITA O PREÇO SEM EXIGIR DO PROMITENTE VENDE-DOR PROVA DE QUE ELE QUITOU A HIPOTECA E DEPOIS TENTA SE OPOR À PENHORA DO IMÓVEL EM EXECUÇÃO DA HIPOTECA NÃO PAGA PELOS PROMITENTES VENDEDORES — SENTENÇA DE PROCEDÊNCIA DOS EMBARGOS APELAÇÃO DO CREDOR HIPO-TECÁRIO — ATO DO RELATOR QUE DEU PROVIMENTO LIMINAR AO RECURSO — AGRAVO INOMINADO DO § 1° DO ART. 557 DO CPC MANEJADO PELA EMBARGANTE.1. Se a ação é de embargos de ter-ceiro e a embargante é a promitente compradora do apartamento penhorado, negócio que celebrou o negócio sabendo que o imóvel estava hipotecado a um agente do SFH (tanto que no instrumento de promessa de venda e compra há cláusula versando sobre a dita hipoteca), afi gura-se absolutamente correto o des-pacho do relator que no Tribunal deu provimento liminar à Apelação do agen-te fi nanceiro embargado, porque defi nitivamente a embargante apelada, que já contratou sabendo que o imóvel estava hipotecado, não pode se dizer terceira de boa-fé somente no momento em que o credor executa a hipoteca e penhora o imóvel hipotecado e a ela prometido vender, não tendo ela direito nenhum de pretender que seja declarada a inefi cácia da hipoteca em relação a ela e muito menos pretender a revogação da penhora do imóvel, pois a hipoteca é direito real oponível a terceiros, já tendo a Egrégia 2ª Câmara Cível deste Tribunal em 1/4/2003 na Apelação nº 2002.001.16596 (D. Of. 27/11/2003, pg. 415), de-cidido que a compra e venda de imóvel hipotecado é ato jurídico possível, mas que nesse caso a hipoteca continua onerando o imóvel e se não for paga o credor pode executá-la e penhorar o imóvel, mesmo que já vendido pelo devedor hipo-tecário a terceiro.2. Agravo Inominado a que se nega provimento.

(REsp 314.122/PA, Rel. Ministro ARI PARGENDLER, TERCEIRA TURMA, julgado em 27/06/2002, DJ 05/08/2002, p. 329)

CIVIL. PROMESSA DE COMPRA E VENDA. HIPOTECA ANTE-RIOR. Se, à data da promessa de compra e venda, o imóvel já estava gravado por hipoteca, a ela estão sujeitos os promitentes compradores, porque se trata de direito real oponível erga omnes; o cumprimento da obrigação de escriturar a compra e venda do imóvel sem quaisquer onerações deve ser exigida de quem a assumiu, o promitente vendedor. Recurso especial conhecido, mas não provido.

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DIREITO DA PROPRIEDADE

FGV DIREITO RIO 124

(REsp 593.474/RJ, Rel. Ministro PAULO DE TARSO SANSEVERINO, TERCEIRA TURMA, julgado em 16/11/2010, DJe 01/12/2010)

RECURSO ESPECIAL. EMBARGOS DE TERCEIRO. IMÓVEL HI-POTECADO. GRAVAME FIRMADO ENTRE A CONSTRUTORA E O AGENTE FINANCEIRO. INEFICÁCIA EM RELAÇÃO AO ADQUIREN-TE. SÚMULA 308/STJ.

1. “A hipoteca fi rmada entre a construtora e o agente fi nanceiro, anterior ou posterior à celebração da promessa de compra e venda, não tem efi cácia perante os adquirentes do imóvel” (súmula 308/STJ).

2. RECURSO ESPECIAL CONHECIDO E PROVIDO.

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DIREITO DA PROPRIEDADE

FGV DIREITO RIO 125

AULA 22 E 23: SUPERFÍCIE

EMENTÁRIO DE TEMAS

Perspectivas de utilização urbanística. A superfície como modelo para uma revisão da propriedade.

LEITURA OBRIGATÓRIA

LIMA, Ricardo C. Pereira. O regime de superfície no Novo Código Civil. em Aspectos Polêmicos do Novo Código Civil, Ed. RT.

LIMA, Henrique Viegas de. O direito de superfície como instrumento de orde-nação urbanística, conclusões. Ed. Renovar.

ROTEIRO DE AULA

Superfície

Tudo isso por um “três quartos”? A frase, de uso cotidiano, encerra com precisão um dos graves problemas da realidade contemporânea urbana: o custo dos terrenos. As famílias em geral passam muitos anos da sua vida pen-sando em adquirir um imóvel, e já vimos a série de difi culdades encontradas, tanto do ponto de vista dos direitos reais quanto do ponto de vista contra-tual. Há também evidente infl uência do custo dos terrenos na especulação imobiliária, na desordem urbana e no refreio ao crescimento econômico. É necessário desatar o nó, que é muito maior do que pensamos, pois nem sem-pre consideramos o custo ínsito à desordem e à especulação imobiliária, que impulsiona sem direção o crescimento da cidade e aumenta o custo de vida e os custos nos empreendimentos. Uma mercadoria não é mais cara no shop-ping do que na loja de rua? Pense nisso em escala global. Mas como baratear? Racionalizando o uso do solo. Quem pode fazê-lo? A resposta, nesse caso, não é tão evidente.

Mas a introdução do direito de superfície no direito brasileiro deve ser considerada um caminho possível. É possível baratear a construção de imó-veis por meio da superfície? Ela consiste num desdobramento da propriedade, sendo que o dono do terreno passa a ser uma pessoa, e o dono da construção ou plantação, outra.

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DIREITO DA PROPRIEDADE

FGV DIREITO RIO 126

36 “Art. 1.369. O proprietário pode con-

ceder a outrem o direito de construir ou

de plantar em seu terreno, por tempo

determinado, mediante escritura públi-

ca devidamente registrada no Cartório

de Registro de Imóveis.

Parágrafo único. O direito de superfície

não autoriza obra no subsolo, salvo se

for inerente ao objeto da concessão.”

37 CC, art. 1375.

A estrutura do direito de superfície

Em se tratando de direito de construir ou plantar sobre solo alheio, fi ca claro que o direito de superfície representa exceção ao chamado princípio da acessão. O direito de superfície pode então ser desmembrado em duas reali-dades: consistirá no direito de utilizar o domínio útil do solo alheio, excluído o subsolo, e também resultará na criação de uma propriedade superfi ciária, que terá por objeto a construção ou plantação lançada ao solo alheio.36 O di-reito de superfície é, portanto, o direito real sobre coisa alheia e também uma forma de criação de propriedade resolúvel (art. 1.375). Portanto, para que se constituam os efeitos por ele criados, é vital a sua consignação no Registro de Imóveis.

SUPERFÍCIE = REGISTRO DE PROPRIEDADE + ESCRITURA DE SUPERFÍCIE + REGISTRO DE SUPERFÍCIE

MAS EU PERCO O QUE É MEU?

Propriedade resolúvel? Trata-se de uma lógica básica do direito de superfí-cie. Terminado o prazo, a construção passa a ser de propriedade do dono do terreno, que, salvo haja previsão em sentido contrário, nem mesmo é obri-gado a indenizar a perda do bem.37 Parece não ser vantajoso, mas a prática oriunda de países nos quais a superfície é difundida mostra bem o contrário. Na realidade, a superfície é mais barata por isso. O preço de um bem não-perecível como o solo varia de acordo com o tempo que se será dono dele. Assim, se alguém for comprar um apartamento por 100 anos, pagará mais barato do que se fosse comprar a fração ideal do terreno para sempre.

Mas por que só a fração é para sempre? Porque, de acordo com as moder-nas técnicas de construção, os prédios têm vida útil limitada. Além disso, se o prazo for longo, por exemplo, 100 anos, não faria muita diferença?

DUPLICIDADE DE REGIMES

O instituto não foi introduzido no direito brasileiro pelo Código de 2002. A previsão inicial do direito de superfície deu-se no chamado Estatuto da Cidade, Lei nº 10.257/01. O direito de superfície encontra-se regulado dos artigos 21 e seguintes deste diploma legal, que tem por objetivo servir de ins-trumento para a criação de políticas urbanas nas cidades brasileiras.

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DIREITO DA PROPRIEDADE

FGV DIREITO RIO 127

38 Direito de superfície. In: DALLARI,

Adilson de Abreu; FERRAZ, Sérgio

Ferraz (Orgs.). Estatuto da cidade. São

Paulo: Malheiros, 2002. p. 181

39 “93 – Art. 1.369: As normas previstas

no Código Civil sobre direito de super-

fície não revogam as relativas a direito

de superfície constantes do Estatuto

da Cidade (Lei n. 10.257/2001) por ser

instrumento de política de desenvolvi-

mento urbano.”

40 OSÓRIO, Letícia Marques. Direito de

superfície. In: ______. (Org.). Esta-

tuto da cidade e reforma urbana. Porto

Alegre: Sérgio Fabris.

41 LIMA, Viegas de. Op. cit., p. 379.

42 O direito de superfície..., p. 543.

Ocorre que esta superposição de regimes legais é problemática. Alguns, por exemplo, poderiam afi rmar que a entrada em vigor do Código serve de meio de revogação dos dispositivos do Estatuto da Cidade atinentes ao direi-to de superfície. Os comentadores do Estatuto fazem entender que a super-fície urbana será regrada pela Lei especial, enquanto a rural será normatizada pelo Código Civil. Por exemplo, vejamos a opinião de Maria Sylvia di Pietro:

“Uma primeira conclusão, portanto, é no sentido de que o direito de superfí-cie, tal como disciplinado nessa lei, não abrange imóveis rurais. Já no projeto de CC a extensão do instituto é maior, por que não distingue propriedade urbana ou rural. O artigo 1.368 estabelece que o proprietário pode conceder a outrem o direito de construir ou de plantar em seu terreno por tempo determinado, mediante escritura pública devidamente inscrita no registro de imóveis. Uma vez promulgado o novo CC, e entrando em vigor, o direito de superfície poderá ser indistintamente utilizado pelo proprietário rural ou urbano”.38

Já Ricardo Lira, no texto obrigatório, defende visão distinta, corroborada pelo enunciado 93 da 1ª Jornadas de Direito Civil, do CJF.39

EFETIVIDADE COMO MEIO DE ORDENAÇÃO URBANA: CRÍTICA

Do ponto de vista dos formuladores, o direito de superfície surge no esta-tuto da cidade, de modo à “democratizar o acesso à terra urbana e dinamizar o mercado imobiliário, permitindo a separação do direito de construir do direito de propriedade, barateando o processo de construção civil e fomen-tando a produção habitacional”.40 A superfície, com efeito, facilita o adequa-do cumprimento da ideia de função social da propriedade, porque elemento dinamizador da ocupação do solo urbano, evitando, em muitos casos, o ônus excessivo decorrente da compra do terreno e possibilitando a renovação ur-banística, posto que sempre temporária (art. 1.374, CC; Estatuto da Cidade, art. 21). Mas será que tem sido assim?

SUPERFÍCIE POR CISÃO: POSIÇÕES DOUTRINÁRIAS

Será possível a constituição de superfície por cisão, uma vez que o art. 1.369 menciona o terreno como objeto da superfície, o que poderia ser in-terpretado como a possibilidade de constituição somente sobre terra nua?41 Ricardo Lira entende possível a superfície constituída por cisão, de modo que o proprietário anterior torna-se superfi ciário, alienando-se a propriedade do terreno para terceiro, ou mesmo a operação ocorrendo inversamente.42

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DIREITO DA PROPRIEDADE

FGV DIREITO RIO 128

43 Em: http://www.cbic.org.br/mostra-

Pagina.asp?codServico=486&codPag

ina=1689

CASO GERADOR

Vítimas da Encol esperam 12 anos

Invadido pelo matagal e eventualmente por ratazanas, o esqueleto de ci-mento aparente na rua Corinto é a face exposta de um trauma que há mais de uma década atinge pelo menos 2.500 famílias da cidade de São Paulo: a falência da construtora Encol.

As ruínas são do Village Park, um prédio que seria erguido ao lado de um dos portões da USP (Universidade de São Paulo), no Butantã, na zona oeste. Fazem parte de uma história de decepção e esperança, contada por Suhaila Shibli, professora de física da USP que tem um sonho: ir a pé de casa para o trabalho.

Ela comprou um apartamento no edifício Village Park ainda na planta, em 1994. Uniu esforços com os familiares e em apenas dois anos quitou as prestações, que totalizavam cerca de R$ 100 mil. Quando já se preparava para a mudança, a obra parou. “Inicialmente, achei que era um problema menor e mal dei atenção. Mas, no ano seguinte [em 1997], a Encol conse-guiu a concordata na Justiça. E então eu percebi que poderia me dar mal”.

Foi o que aconteceu com Suhaila e outros 59 condôminos do Village Park. Em 1999, a Encol faliu. E, desde então, os dez andares erguidos dos 15 pre-vistos começaram a ser invadidos pelo mato.

Quem tinha apostado o seu futuro nesses apartamentos teve de ir morar de aluguel ou com familiares. Alguns, sem dinheiro, tiveram o imóvel leilo-ado.

Suhaila e outros 29 ainda mantêm a esperança de viver ao lado da fl ores-ta da USP. Após ganharem na Justiça o direito pelo prédio e de formarem uma associação de moradores, buscam construtoras interessadas em retomar a obra. “Já gastei mais que o dobro do valor inicial. Não vou desistir nunca”, afi rma a professora.43

O direito de superfície poderia ser utilizado para resolver o problema dos prédios em ruína, permitindo a retomada das construções?

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DIREITO DA PROPRIEDADE

FGV DIREITO RIO 129

SUPERFÍCIE: COMPARAÇÃO DOS REGIMES

Código Civil Estatuto da Cidade

Cessão do subsolo não Sim

Sempre prazo determinadosim Não

Estipulação de valor a ser pago ao concedente em caso

de transferêncianão Sim

Texto: “Locação built to suit”

Convergente com os avanços regulatórios e o esforço conjunto dos players da indústria em dinamizar o mercado imobiliário, apresentamos mais uma modalidade de investimento: Locações Built to Suit. Esta, apresenta-se como uma alternativa à locações de imóveis urbanos, hoje legislada pela Lei das Lo-cações (Lei 8.1245/91). Trata-se de uma estrutura designada a um específi co locatário onde o locador recebe algumas garantias de que seu investimento terá o retorno pretendido. Tal mecanismo possibilita que empresas não pre-cisem adquirir imóveis próprios e imobilizarem alto volume de seu capital, além de usufruírem de instalações desenvolvidas de acordo com suas necessi-dades. Basicamente, a empresa interessada (“Locatária”) contrata os serviços de um terceiro (“Locador”) para que este último: (i) adquira um determinado terreno; (II) defi na um projeto que atenda às necessidades da primeira; (III) desenvolva e construa, caso seja uma empresa de construção civil, ou contra-te um terceiro para tanto; e (iv) loque o empreendimento pronto por valor pré-defi nido. No desenvolvimento de projetos sob a forma contratual built to suit, a Locatária pode também fi scalizar a obra, garantindo que o projeto, sob o qual ela tem um comprometimento contratual de locação, seja desenvolvi-do de acordo com o projeto aprovado. O empreendimento em questão, di-ferentemente do convencional, é entregue à locatária completamente pronto para ser ocupado (turn key contract), não sendo necessário altos investimentos de readequação interna. Os contratos built to suit têm um prazo entre 10 a 20 anos, dependendo da remuneração negociada, uma vez que os investi-mentos realizados pelo Locador devem ser amortizados e rentabilizados. A efi cácia contratual tem início na data de assinatura do contrato, fi cando os fl uxos de recebimentos atrelados à entrega da obra. Em suma, a formatação contratual built to suit tem por objetivo garantir ao Locador: (i) o retorno dos investimentos realizados no projeto; e (II) a remuneração pelo uso do imóvel. Neste sentido, esta relação preza pela exigibilidade da permanência

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DIREITO DA PROPRIEDADE

FGV DIREITO RIO 130

44 CORDEIRO, Thiago Augusto Cor-

deiro. Disponível em: http://www.

superobra.com/admin/news.asp?ID_

New=1978&Pag=all_news.asp&ID_

Sessao_New=2&ID_ANew=10

do Locatário bem como as previsibilidades e seguranças dos fl uxos futuros. Em função dessas

características, este tipo de contrato é passível de securitização, permitindo que o investidor antecipe sua saída do negócio. O processo de securitização de recebíveis imobiliários foi consolidado pela criação dos CRI’s — Certifi ca-dos de Recebíveis Imobiliários pela Lei 9.514/97. Com esta regulamentação, sociedades por ações podem adquirir os créditos e, através de uma securitiza-dora, emitir os CRI’s. Estes títulos são distribuídos à investidores e tem como lastro o pagamento dos aluguéis. Os riscos quanto à previsibilidade dos fl uxos de receita são minimizados, uma vez que o contrato built to suit não busca apenas remunerar o uso do imóvel, como a Lei das Locações, mas também amortizar os investimentos efetuados na concretização do negócio. Frente a um cenário de rompimento de contrato por parte da Locatária, a esta cabe uma multa que, no mínimo, refl etirá a somatória dos valores restantes do contrato, garantindo assim o instrumento fi rmado e os fl uxos esperados. O parágrafo único do art. 473 do Código Civil (Lei 10.406/02) valida o con-ceito de que uma locação no formato built to suit só poderá ser rescindida antes do prazo, pela Locatária, quando transcorrido o período equivalente à natureza e ao vulto dos investimentos realizados pelo Locador.44

Pode haver, ou não, associação da locação built to suit à superfície. O que é mais interessante?

SUPERFÍCIE ASSOCIADA AO PLANEJAMENTO TRIBUTÁRIO

Discussão do art. 1.371 do Código Civil.

CASO GERADOR

É possível garantir um empréstimo em dinheiro com a constituição de uma superfície?

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DIREITO DA PROPRIEDADE

FGV DIREITO RIO 131

45 ALMEIDA, Lacerda de. Direito das cou-

sas, vol. I, p. 347.

46 MENDONÇA, M. I. Carvalho de. Do

usufruto, do uso e da habitação, p. 29.

47 CORDEIRO, Menezes. Direitos reais,

p. 649.

AULA 24: USUFRUTO E SERVIDÃO

EMENTÁRIO DE TEMAS

Usufruto. Perspectivas tradicionais e utilização contemporânea. Usufrutos de cotas e de ações. Servidão. Características e utilização. Usucapião de servidão.

LEITURA OBRIGATÓRIA

GOMES, Orlando. Direitos reais, cap. 26 e 27. Ed. Forense.

ROTEIRO DE AULA

USUFRUTO

O aproveitamento das utilidades de uma coisa por quem não é dono pode ser exercido por efeito de relação contratual, como no arrendamento e no comodato, em que o titular exerce o seu direito em nome do proprietário ou pode ser de direito próprio de ser exercido em nome do titular não-proprie-tário.45 Este direito que se exerce em nome próprio sobre coisa alheia, e que resulta na faculdade de usá-la e de gozá-la, recebe o nome de usufruto.

Diferentemente do Código Civil de 1916 (art. 713), o Código Civil de 2002 prescindiu de uma conceituação legal do usufruto. A lei anterior dispu-nha que “constitui usufruto o direito real de fruir as utilidades de frutos de uma coisa, enquanto temporariamente destacado da propriedade”.

A principal característica do usufruto consiste no fato de ele ser sempre temporário. A razão da necessidade da fi xação de prazo para esse direito real reside no fato de que faculdades elementares que ele encerra — o uso da coisa e a percepção dos frutos — são quase tão extensas quanto os do titular da coisa.46 Considerando-se que o jus in re aliena no qual se constitui o usufruto não deve servir de meio para a perda da propriedade, o que ocorreria na prá-tica se este durasse para sempre (daí o fi m da previsão legal da enfi teuse), o artigo 1.410 do Código Civil prevê a duração temporária do usufruto.

Além destas características, verifi ca-se que usufruto é direito limitado e não exclusivo.47 Real e limitado porque abrange apenas os frutos e as utili-dades de um determinado bem ou patrimônio, nos limites do artigo 1.394 do Código Civil. E ele não é exclusivo porque a exclusividade é um atributo específi co da propriedade. Melhor: o usufruto é o direito referido a uma coisa

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DIREITO DA PROPRIEDADE

FGV DIREITO RIO 132

48 Direitos reais, p. 288.

49 Direitos reais, p. 334.

50 Op. loc. cit.

51 Op. cit, p. 91.

52 Comentários ao Código Civil, vol. XVI,

p. 622.

53 Art. 1.393

que implica sempre a existência de um outro direito real sobre a mesma coisa, o qual se usufrui.

Como afi rma Darcy Bessone48, historicamente o usufruto tem função ali-mentar. Quase sempre é instituído para proporcionar meios de subsistência ao usufrutuário, muito embora a gratuidade não seja da sua essência. Toda-via, alguns autores, como Orlando Gomes49 e o próprio Darcy Bessone50, são especialmente radicais ao analisar tal caráter do direito, negando mesmo qualquer utilidade maior do usufruto na contemporaneidade.

Por outro lado, alguns autores, como Manuel Inácio Carvalho de Men-donça51 e Marco Aurélio Viana52, entendem que é perfeitamente admissível a fi gura do usufruto instituído a título oneroso. Não lhes parece em nada estranho o instituto, bem como não parece a nós, por algumas razões que passamos a expender.

Em primeiro lugar, se o Código Civil admite a cessão onerosa do usufruto,53 no qual terceiro é legitimado no exercício dos direitos dele decorrentes, quem dirá a constituição onerosa do usufruto. Em segundo lugar, comparando-se a redação dos art. 1.412 e 1.414 do Código Civil, que tratam dos direitos reais de uso e de habitação, verifi camos que os referidos têm, efetivamente, caráter intuitu familiae. O art. 1.412 exige, para o adequado exercício do direito de uso, que este seja feito em atendimento das necessidades do “usuário e da sua família”. No art. 1414, o titular do direito real de habitação pode simples-mente residir em uma casa “com sua família”. Nada semelhante é encontrado no capítulo de usufruto no Código Civil.

SERVIDÃO

Defi ne-se servidão como o direito real constituído de um prédio em relação ao outro, no qual se estabelece, em proveito deste, um serviço ou utilidade. Ao primeiro se denomina prédio dominante, ao segundo, prédio serviente. Trata-se de um direito de uso e gozo, ou fruição sobre coisa alheia, portanto, estabelecido de um prédio em relação a outro

Tradicionalmente, são elencados alguns requisitos para que se tenha a constituição de uma servidão: devem existir dois prédios, ou seja, dois bens imóveis, para que se tenha o surgimento de uma servidão. Não se nega, to-davia, a possibilidade do desmembramento de um bem imóvel em dois ser realizado concomitantemente com a criação deste direito real: cuida-se da hipótese classicamente referida da servidão criada pelo pai de família que, ao dividir seu patrimônio, procede à criação de servidões em favor de um e ou-tro proprietário. Além disto, tradicionalmente se afi rma que os proprietários dos prédios devem ser distintos, excetuada a exceção acima demonstrada. Se isto ocorrer, enquanto não for alienado um dos prédios, a servidão permane-

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DIREITO DA PROPRIEDADE

FGV DIREITO RIO 133

cerá sem efeitos. Ocorre que a alienação necessária para que isto ocorra não é a da propriedade, e sim a da posse. Se um proprietário de prédios contíguos cria servidão de passagem de um para com outro, e loca dos dois, aquele que alugou o prédio dominante poderá passar pelo interior do serviente. De qual-quer modo, vale aguardar pela interpretação larga do dispositivo legal, que se refere expressamente a dois proprietários.

Além disto, deve haver relação de serviço ou utilidade — não se pode falar em servidões inúteis, na medida que sua constituição é negocial e as circuns-tâncias negociais para a sua formação exigem seriedade dos contratantes.

Como características das servidões, temos a sua criação voluntária, oriunda da celebração de um negócio unilateral ou bilateral, do que resulta o fato de que as chamadas servidões administrativas não são propriamente servidões, e sim limitações específi cas impostas aos particulares pela Administração Pú-blica. Também as chamadas servidões legais são apenas limitações ao uso da propriedade, oriundas do direito de vizinhança, bem como a passagem força-da (art. 1285), também imposta por Lei.

Outra característica das servidões é a sua dupla ambulatoriedade: se algumas servidões pessoais, como o direito real de habitação, são intuitu personae, as ser-vidões impõem-se a qualquer proprietário (ou possuidor derivado) do prédio dominante e do serviente. E, por ser real, como prevê o dispositivo acima, e relativa à imóvel, é obrigatório o registro do negócio (contrato ou testamento) no RGI para que a servidão tenha efeitos reais. Não é impossível a hipótese de servidão meramente contratual, cujo descumprimento acarrete a condenação em perdas e danos; ocorre que este expediente teria pouca utilidade — justa-mente por isto, desde o direito romano, as servidões têm caráter real.

As servidões são sempre acessórias: perdida a propriedade, sucumbirão junto, já que incorpóreas; além disto, tendem a ter prazo indeterminado, se nada se dispuser em sentido contrário (art. 1387).

Classifi cam-se, com efi cácia prática, em positivas (que importam em um agir do ocupante do prédio serviente) e negativas (que importam em absten-ção do mesmo); contínuas (cujo exercício não depende de ação específi ca de quem quer que seja, e independem de exercício, portanto) e descontínuas (que são exercidas vez por vez, como tirar argila, v.g.); e aparentes (que se reve-la por obras exteriores) e não-aparentes (que escapam ao exame ocular). Sobre esta última classifi cação, dispõe a súmula 415 do STF que “servidão de tran-sito não titulada, mas tornada permanente, sobretudo pela natureza das obras realizadas, considera-se aparente, conferindo direito a proteção possessória”.

Como estabelecia o art. 696 do CC, a servidão não se presume, devendo existir prova inequívoca de sua constituição. Na dúvida, é sabido, o domínio se presume desembaraçado (art. 1231).

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DIREITO DA PROPRIEDADE

FGV DIREITO RIO 134

USUCAPIÃO DE SERVIDÃO: REQUISITOS (ART. 1.379)

CASO GERADOR

Pergunta-se: é possível a usucapião da servidão?

Muro que divide o condomínio do clube

Terreno do condomínio

MAR

Portão

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DIREITO DA PROPRIEDADE

FGV DIREITO RIO 135

EXERCÍCIOS OAB — DIREITOS REAIS

PARTE GERAL

1. (161) (Questão 21 — 129º Exame OAB — SP) Sobre as pertenças, é correto afi rmar que

(A) são bens acessórios e por isso seguem a sorte do principal.(B) constituem parte integrante do bem principal e destinam-se ao seu

aformoseamento.(C) são benfeitorias úteis.(D) apesar de consideradas bens acessórios, não seguem a sorte do prin-

cipal.

2. (162) (Questão 21 —122º Exame OAB — SP) Assinale a alternativa falsa;

(A) A posse — trabalho, para atender ao princípio da função social da propriedade, reduz o prazo da usucapião extraordinária de 15 para 10 anos e o da ordinária, de 10 para 5 anos, em se tratando de bem imóvel.

(B) O mandatário, ao aceitar o encargo, passará a ter o direito de pedir ao mandante que adiante a importância das despesas necessárias à execução do mandato.

(C) Se a mistura de coisas pertencentes a pessoas diversas for involuntária, sendo uma delas a principal, cada proprietário continuará a ter o domínio sobre o mesmo bem que lhe pertencia antes da mistura.

(D) O portador de demência arteriosclerótica é considerado, havendo interdição, como absolutamente incapaz, devendo ser representado por um curador.

3. (163) (Questão 8 — 13º Exame OAB — RJ) Arnóbio, hospedeiro de Creso, negou-se a entregar a este seus pertences sob sua guarda, em razão de despesas efetuadas pelo mesmo em seu estabelecimento. O agir de Arnóbio confi gura:

(A) Abuso de direito sujeito às penas da lei;(B) Antiga prática atualmente abandonada pelo direito;(C) Prática relaciona da ao penhor legal;(D) Praxe vetusta revogada pelo CDC

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DIREITO DA PROPRIEDADE

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4. (164) (Questão 3 — 8º Exame OAB — RJ) São direitos reais de frui-ção sobre coisas alheias:

(A) A enfi teuse, as servidões, o usufruto, o uso, a habitação e a promessa irretratável de venda;

(B) O penhor, a hipoteca, a anticrese, a enfi teuse e as servidões;(C) O uso, o usufruto, a habitação, o penhor, a hipoteca e a anticrese;(D) A hipoteca, a habitação, o uso, o usufruto, o empréstimo, o penhor e

a cessão de uso.

5. (165) (Questão 26 —128º Exame OAB — SP) Sobre os direitos reais, é correto afi rmar:

(A) o bem móvel não pode ser adquirido mediante usucapião.(B) aluvião, avulsão e álveo abandonado são formas de aquisição de pro-

priedade móvel.(C) o prazo mínimo para usucapião de bem imóvel é de 15 anos.(D) o devedor hipotecário pode alienar o imóvel hipotecado sem consen-

timento do seu credor.

6. (166) (Questão 5 — 7º Exame OAB — RJ) Para que se faça a venda de um bem imóvel de propriedade de um adolescente sob tutela, é necessário haver comprovação de manifesta vantagem e:

(A) Alvará judicial;(B) De que o adolescente tem mais de 16 anos;(C) Que haja autorização judicial, devendo a venda ser feita em hasta

pública;(D) Anuência do tutor judicial em todos os casos.

7. (167) (Questão 13 — 32º Exame OAB — RJ) Em relação aos direitos reais, no direito brasileiro, assinale a opção correta.

(A) Estão previstos na lei em caráter exaustivo.(B) Podem ser criados livremente pela vontade das partes.(C) Sua constituição nunca depende de registro do título.(D) Têm efi cácia idêntica aos direitos de crédito.

8. (168) (Questão 23 — 31º Exame OAB — RJ) Podem ser objeto de hipoteca:

(A) Os monumentos arqueológicos;(B) Os terrenos de marinha;(C) Ações, debêntures e títulos de crédito ao portador;(D) O domínio útil sobre determinado bem.

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9. (169) (Questão 21 — 30º Exame OAB — RJ) São Direitos Reais:(A) A enfi teuse; as servidões; o usufruto; a habitação; as rendas constituí-

das sobre imóveis; o penhor; a hipoteca; e, a anticrese;(B) A tradição; a confusão; a enfi teuse; a compensação; a propriedade; e, a

transcrição do título imobiliário;(C) A propriedade; a superfície; as servidões; o usufruto; o uso; a habita-

ção; o direito do promitente comprador do imóvel; o penhor; a hipoteca; e, a anticrese;

(D) A propriedade; a tradição; a compensação; o usufruto; a locação; o usucapião; a descoberta; a posse direta; a disposição; o espaço aéreo; o sub-solo e, a acessão.

10. (170) (Questão 25 — 129º Exame OAB — SP) Sobre os direitos reais, é errado afi rmar

(A) mesmo que convencionada a indivisibilidade de um bem em condo-mínio, por prazo certo, o juiz poderá dividir a coisa comum dentro desse prazo.

(B) confusão e adjunção são modos de aquisição da propriedade móvel.(C) o menor prazo de usucapião previsto pelo Código é de 5 anos.(D) penhor é um direito real sobre coisa alheia de garantia.

BEM DE FAMÍLIA

11. (171) (Questão 29 — 124º Exame OAB — SP) O bem de família regulado pelo Código Civil de 2002:

(A) revogou o bem de família criado pela Lei nº 8.009/90 (residencial).(B) não revogou o bem de família criado pela Lei nº 8.009/90, regulando

o bem de família independentemente da vontade (involuntário).(C) não revogou o bem de família criado pela Lei nº 8.009/90, regulando

o bem de família voluntário móvel.(D) não revogou o bem de família criado pela Lei nº 8.009/90, regulando

o bem de família voluntário imóvel.

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TRANSMISSÃO DE BENS

12. (172) (Questão 29 — 122º Exame OAB — SP) Se o transmitente de bem móvel, que o possui em nome próprio, passar a possuí-lo em nome do adquirente, ter-se-á aquisição da propriedade mobiliária por

(A) tradição real.(B) tradição simbólica.(C) traditio breve manu.(D) constituto possessório ou tradição fi cta.

13. (173) (Questão 4 — 5º Exame OAB —RJ) Considerando-se o insti-tuto da tradição no direto civil, podemos afi rmar que:

(A) Executam-se as obrigações assumidas verbalmente;(B) Não se transfere o domínio dos bens móveis;(C) Transfere-se o domínio de qualquer bem imóvel;(D) Transfere-se o domínio dos bens móveis.

POSSE

14. (174) (Questão 26 — 123º Exame OAB — SP) “A”, domiciliado em Curitiba, é proprietário de um sítio em Londrina, onde mantém o caseiro “B”. “A” arrendou parte desse sítio a “C”, que plantou, nesse local arrendado, um alqueire de cana.

(A) “A” é possuidor indireto, com ius possessionis; “B” é possuidor direto; “C” é possuidor ilegítimo, mas de boa-fé, com direito de retenção sobre a benfeitoria feita.

(B) “A” é possuidor direto, com ius possidendi; “B” é possuidor indireto; “C” é possuidor de boa-fé, mas sem direito de retenção pela acessão realizada.

(C) “A” é possuidor indireto, com ius possidendi; “B” é detentor; “C” é possuidor legítimo, de boa-fé, com direito de retenção sobre a acessão feita.

(D) “A” é possuidor indireto, com ius possessionis; “B” é detentor; “C” é possuidor legítimo, de boa-fé, com direito de retenção pela benfeitoria rea-lizada.

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15. (175) (Questão 26 — Caderno A — 34º Exame OAB — RJ) A res-peito da posse e da proteção possessória, assinale a opção correta.

(A) A posse natural é um direito real de aquisição da propriedade de bens móveis e imóveis. Para a obtenção dessa posse, exige-se o exercício de poderes de fato sobre a coisa.

(B) Na ação de reintegração de posse, a procedência do pedido fi ca condi-cionada à efetiva comprovação da posse, do esbulho praticado pelo réu e da perda da posse. Exige-se, ainda, a demonstração da data do esbulho, para que seja defi nido o rito pelo qual deverá tramitar o processo.

(C) A ação possessória tem natureza dúplice, mesmo que o réu não de-mande, na contestação, proteção possessória nem indenização por benfeito-rias erigidas na coisa. Nessas ações, admite-se a conversão de uma possessória em outra, ou, ainda, em petitória.

(D) O possuidor de má-fé tem direito à retenção da coisa alheia até ser in-denizado pelas benfeitorias necessárias e melhorias implementadas, tais como plantações ou construções.

16. (176) (Questão 13 — 28º Exame OAB — RJ) 13. Em matéria de posse, é correto afi rmar que:

(A) O justo título gera presunção juris et de jure, de boa fé;(B) O direito de retenção tem seu fulcro na cláusula geral de boa fé, sub-

jacente a todos os contratos;(C) Pelo constituto possessório ocorre a aquisição da posse, sem a entrega

material do bem;(D) A composse somente é admitida em relação aos bens indivisíveis.

17. (177) (Questão 21 — 117º Exame OAB — SP) “A” vende a “B” a casa de que é proprietário e onde reside, fi cando convencionado que “A” permanecerá no referido imóvel, não mais como dono, mas como locatário, de modo que o possuidor antigo, que tinha posse plena e unifi cada, passará a ser possuidor direto, ao passo que o novo proprietário se investirá na posse indireta. Operou-se, no caso, o modo aquisitivo derivado da posse, que é

(A) a traditio brevi manu.(B) a traditio longa manu.(C) a acessão.(D) o constituto possessório.

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FGV DIREITO RIO 140

18. (178) (Questão 14 — 28º Exame OAB — RJ) Dá-se a traditio breve manu quando:

(A) O possuidor de um imóvel em nome próprio passa a possuí-lo em nome alheio;

(B) Se substitui a entrega material por ato indicativo do propósito de transmitir a posse;

(C) A posse pode ser continuada com a soma do tempo do atual possuidor com a posse dos seus antecessores;

(D) O possuidor de uma coisa em nome alheio passa a possuí-la como própria.

19. (179) (Questão 46 — 25º Exame OAB — RJ) Sobre os vícios da posse, diga qual a opção correta:

(A) A violência, precariedade e clandestinidade são vícios sanáveis;(B) Só a precariedade é insanável, enquanto a clandestinidade e a violência

são sanáveis;(C) A violência e a precariedade são vícios insanáveis ;(D) A violência, precariedade e clandestinidade são vícios insanáveis.

20. (180) (Questão 1 — 15º Exame OAB — RJ) No que diz respeito à posse é correto afi rmar:

(A) A companheira tem justo título na posse de bens comuns do casal, quando do falecimento do companheiro;

(B) Para que haja composse é necessário que todos os compossuidores tenham ciência da posse dos demais;

(C) O possuidor direto pode exercitar a repulsa legítima à invasão de sua esfera possessória por parte do possuidor indireto, ainda que não mais vigen-te o título jurígeno autorizador do desdobramento da posse;

(D) Não se caracteriza a posse violenta quando alguém se apossa de pro-priedade onde não encontrou ninguém e depois tão-somente impede o dono de nela reentrar.

21. (181) (Questão 2 — 14º Exame OAB — RJ) Assinale a alternativa incorreta:

(A) O possuidor tem direito de ser mantido na posse em caso de turbação e reintegrado em caso de esbulho;

(B) Considera-se possuidor aquele que, achando-se em relação de depen-dência para com outro, conserva a posse em nome deste e em cumprimento de ordens ou instruções;

(C) O Código Civil reconhece como justas a posse que não for violenta, clandestina ou precária;

(D) A posse de terras públicas não autoriza a aquisição da propriedade através de usucapião.

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22. (182) (Questão 85 — 118º Exame OAB — SP) Com relação aos efei-tos jurídicos, a posse de boa-fé distingue-se da posse de má-fé porque confere ao possuidor o direito

(A) a usucapião.(B) de retenção por benfeitorias necessárias e úteis.(C) de indenização por benfeitorias necessárias.(D) de defender a posse contra turbação.

23. (183) (Questão 26 — 129º Exame OAB — SP) Devedor transfere a posse de seu imóvel ao credor, a fi m de que este possa se pagar do crédito do qual é titular, utilizando para tanto os frutos e rendimentos do imóvel. Verifi ca-se, neste caso,

(A) enfi teuse.(B) anticrese.(C) penhor.(D) hipoteca.

ACESSÃO E BENFEITORIAS

24. (184) (Questão 5 — 13º Exame OAB — RJ) João, tendo locado um imóvel em ruínas, obteve do proprietário autorização para demolí-lo, cons-truindo um prédio de dois andares no local do antigo. Vencido o contrato, o proprietário entrou com pedido de retomada na justiça, fundamentando a desnecessidade de indenizar o réu uma vez que o contrato de locação vedava o direito de retenção por benfeitorias. João não se conformando o procura como advogado, recebendo de sua parte a seguinte orientação:

(A) Diante do que estabelece o contrato e o princípio de pacta sunt ser-vanda João não terá direito a indenização;

(B) João terá direito a indenização, vez que não se trata de simples benfei-toria e sim de verdadeira acessão, edifi cada com autorização do proprietário;

(C) João está agindo de má-fé, pois tinha ciência que as benfeitorias não seriam indenizáveis;

(D) João terá direito de permanecer no imóvel compensando-se em alu-guéis os gastos que efetuou com o imóvel.

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AQUISIÇÃO DA PROPRIEDADE

25. (185) (Questão 22 — 30º Exame OAB — RJ) Quais são os meios aquisitivos da propriedade sobre bens imóveis:

(a) Usucapião; registro do título aquisitivo; acessão;(b) Usucapião; aluvião; avulsão; abandono de álveo; plantações ou cons-

truções;(c) Usucapião; escritura de promessa de compra e venda; escritura de com-

pra e venda; posse de área resultante de formação de ilhas em correntes co-muns ou particulares;

(d) Usucapião; escritura de compra e venda de bens imóveis; Transcrição do Título de Transferência no Registro de Imóveis; acessão; construção de obras ou plantações; e, cessão de direitos hereditários.

26. (186) (Questão 30 — 119º Exame OAB — SP) Quando houver acréscimo de terras às margens de um rio mediante desvio de águas ou afas-tamento destas, que descobrem parte do álveo, importando em aquisição da propriedade, por parte do dono do terreno marginal, do solo descoberto pela retração daquelas águas, confi gura-se a

(A) aluvião imprópria.(B) avulsão.(C) aluvião própria.(D) acessão por abandono de álveo.

27. (187) (Questão 42 — 26º Exame OAB — RJ) Tício esbulhou um imóvel urbano de 1.000m² de propriedade de Semprônio, fi cando na posse por 08(oito) anos, quando foi esbulhado por Caio, que permaneceu no imó-vel por 1(um) ano. Sabendo que Caio não estabeleceu no imóvel esbulhado sua moradia habitual e nem, tampouco, realizou qualquer tipo de obra ou serviço, diga, dentre as opções abaixo, qual representa o lapso temporal ainda necessário para que Caio venha a usucapir o imóvel:

(A) 1 (um) ano(B) 6 (Seis) anos(C) 14 (Quatorze) anos(D) Caio nunca irá usucapir o imóvel

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28. (188) (Questão 30 — 126º Exame OAB — SP) A aquisição da pro-priedade imobiliária pela avulsão dá-se

(A) com o acréscimo paulatino de terras, às margens de um rio, por meio de lentos e imperceptíveis depósitos ou aterros naturais ou de desvio de águas.

(B) pela formação de ilhas em rios não navegáveis em virtude de movi-mentos sísmicos.

(C) pelo repentino deslocamento de uma porção de terra por força natural violenta, desprendendo-se de um terreno para juntar-se a outro.

(D) pelo rebaixamento de águas, deixando a descoberto e a seco uma parte do fundo ou do leito do rio.

29. (189) (Questão 1 — 5º Exame OAB — RJ) Considerando-se os mo-dos de aquisição dos direitos, podemos afi rmar que:

(A) A aquisição por usucapião é modo originário de aquisição de direito de propriedade, face a inexistência de vínculo jurídico com o antecessor;

(B) A aquisição por usucapião é modo derivado de aquisição de direito de propriedade, desde que o imóvel se ache registrado no cartório de registro de imóveis;

(C) A aquisição originária somente ocorre com as terras devolutas;(D) A aquisição originária será sempre onerosa e a título universal.

SERVIDÃO

30 (190) (Questão 25 — 128º Exame OAB — SP) Sobre a servidão é INCORRETO afi rmar:

(A) extingue-se pela reunião do prédio serviente e do prédio dominante no domínio da mesma pessoa.

(B) pode ser constituída mediante testamento.(C) pode surgir mediante usucapião.(D) a servidão de trânsito é obrigatória quando favorecer prédio encrava-

do que não tenha saída para a via pública.

31. (191) (Questão 18 — 29º Exame OAB — RJ) Em se tratando de servidões:

I. A servidão de não construir é negativa e aparente;II. A servidão de não abrir janela é contínua e não aparente;III. As servidões legais são restrições impostas pelo direito de vizinhança;IV. As servidões urbanas dizem respeito à localização em zona urbana.

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Das proposições acima:(A) Todas as respostas estão corretas;(B) I e IV estão corretas;(C) II e III estão corretas;(D) II e IV estão corretas.

32. (192) (Questão 4 — 17º Exame OAB — RJ) Extingue-se a servidão predial:

(A) Pelo falecimento do dono do prédio dominante ou do prédio serviente;(B) Apenas pelo óbito do dono do prédio dominante, pois a obrigação, no

caso de morte do dono do prédio serviente, transmite-se aos herdeiros;(C) Pela confusão;(D) Pela constituição de hipoteca sobre o prédio serviente.

DESAPROPRIAÇÃO

33. (193) (Questão 25 — 120º Exame OAB-SP) A desapropriação judi-cial de imóvel, fundada na posse-trabalho, dá-se quando houver posse por

(A) 5 anos, sem oposição, de área rural não superior a 50 hectares, por quem não for proprietário de imóvel rural ou urbano.

(B) mais de 5 anos, de uma extensa área, reivindicada pelo proprietário e traduzida em trabalho criador de um número considerável de pessoas, con-cretizado em construção de moradia ou em investimentos de caráter produti-vo ou cultural, mediante pagamento de justo preço ao titular da propriedade, valendo a sentença como título para o registro da propriedade imobiliária em nome dos possuidores.

(C) 5 anos, de área urbana de até 250 m² por quem, não sendo proprietá-rio de imóvel urbano ou rural, a utilizar para sua moradia.

(D) 10 anos, independentemente de título e boa fé, de imóvel, por quem nele estabelecer morada habitual e realizar obras produtivas.

34. (194) (Questão 2 — 4º Exame OAB — RJ) A desapropriação, consi-derada em relação ao direito de propriedade, supõe:

(A) Restrição ou limitação ao direito de propriedade em razão de interesse público ou social;

(B) Restrição voluntária de perda do direito de propriedade, mediante prévia e justa indenização em dinheiro;

(C) Ato unilateral de direito privado por meio do qual o proprietário é obri-gado a entregar aquilo que lhe pertence, mediante justa indenização em dinheiro;

(D) Só ocorre face o notório abandono da coisa pelo dono, passando o bem ao poder público em razão da lei.

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FGV DIREITO RIO 145

USUFRUTO

35. (195) (Questão 17 — 28º Exame OAB—RJ) O usufruto estabelecido para benefi ciar duas ou mais pessoas, quando se extingue gradativamente em relação a cada uma das que falecerem, denomina-se:

(A) Usufruto simultâneo;(B) Usufruto temporário;(C) Usufruto sucessivo;(D) Usufruto universal.

36. (196) (Questão 25 — 130º Exame OAB-SP) Sobre o usufruto, é errado afi rmar que

(A) constituído em favor de dois usufrutuários, extingue-se o usufruto na parte daquele que falecer.

(B) constituído em favor de dois usufrutuários, o direito de usufruto do que vier a falecer acresce à parte do sobrevivente.

(C) pode recair sobre títulos de crédito.(D) se extingue o usufruto pelo não uso, ou não fruição, da coisa em que

o usufruto recai.

37. (197) (Questão 27 — 131º Exame OAB-SP) Sobre o usufruto, é ERRADO afi rmar que

(A) a lei considera que o direito de usufruto sobre um terreno é um bem imóvel.

(B) falecendo o usufrutuário, o direito de usufruto transmite— se aos seus herdeiros.

(C) falecendo o nu-proprietário, seu direito transmite-se aos seus herdeiros.(D) o direito de usufruto não pode ser alienado.

PENHOR

38. (198) (Questão 4 — 4º Exame OAB-RJ) A notifi cação ao devedor pelo credor pignoratício tem o condão:

(A) De dar ciência ao mesmo da cessão do título de crédito;(B) De tomar o devedor ciente que poderá pagar o título tanto a um

quanto ao outro;(C) Obrigar o devedor involuntariamente ao negócio jurídico em razão da

caução do título feita pelo credor originário;(D) Consiste na ciência do devedor que o título de crédito foi alienado.

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DIREITO DA PROPRIEDADE

FGV DIREITO RIO 146

39. (199) (Questão 26 — 130º Exame OAB-SP) Sobre o penhor, é errado afi rmar que

(A) implica sempre na transferência da posse ao credor, da coisa dada em garantia.

(B) se extingue com o perecimento da coisa dada em garantia.(C) o pagamento de uma das prestações não implica exoneração corres-

pondente da garantia, ainda que esta compreenda vários bens.(D) o condômino pode dar em garantia sua parte ideal da coisa, indepen-

dentemente da autorização dos demais.

40. (200) (Questão 29 — 119º Exame OAB-SP) É direito do credor pignoratício

(A) impedir o uso da coisa gravada.(B) receber o remanescente do preço na venda judicial.(C) exigir o reforço da garantia se a coisa empenhada se deteriorar ou

perecer.(D) conservar a posse indireta do bem empenhado.

CONDOMÍNIO EDILÍCIO

41. (201) (Questão 26 — 127º Exame OAB-SP) Se o condômino, no condomínio edilício, for julgado nocivo, por seu reiterado comportamento anti-social, e expulso por deliberação da assembléia, reiterada por decisão judicial,

(A) perderá a propriedade de sua unidade autônoma.(B) perderá a propriedade e a posse direta de utilização da unidade autô-

noma.(C) perderá a posse direta de utilização da unidade autônoma.(D) não poderá ceder o uso da unidade autônoma a terceiros.

42. (202) (Questão 21 — 119º Exame OAB-SP) Por deliberação de 2/3 em assembléia condominial de prédio residencial, o síndico ajuizou ação con-tra condômino, por perturbação do sossego, visando interditar-lhe o acesso ao edifício. A medida intentada é

(A) legal, por constituir contravenção penal.(B) ilegal, porque as transgressões a deveres dos condôminos são passíveis

apenas de sanções pecuniárias.(C) legal, pois que a decisão da Assembléia é soberana no regime das rela-

ções de condomínio.(D) ilegal, por falta de decisão unânime dos condôminos.

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DIREITO DA PROPRIEDADE

FGV DIREITO RIO 147

36. (OAB — FGV — 2011.2) Durante assembleia realizada em condomínio edilício residencial, que conta com um apartamento por andar, Giovana, nova proprietária do apartamento situado no andar térreo, solicitou explicações sobre a cobrança condominial, por ter verifi cado que o valor dela cobrado era superior àquele exigido dos demais condôminos. O síndico prontamente esclareceu que a cobrança a ela dirigida é realmente superior à cobrança das demais unidades, tendo em vista que o apartamento de Giovana tem acesso exclusivo, por meio de uma porta situada em sua área de serviço, a um pequeno pátio localizado nos fundos do condomínio, conforme consta nas confi gurações originais do edifício devidamente registradas. Desse modo, segundo afi rmado pelo síndico, podendo Giovana usar o pátio com exclusividade, apesar de constituir área comum do condomínio, caberia a ela arcar com as respectivas despesas de manutenção.

Em relação à situação apresentada, assinale a alternativa correta.(A) Não poderão ser cobradas de Giovana as despesas relativas à manuten-

ção do pátio, tendo em vista que este consiste em área comum do condomí-nio, e a porta de acesso exclusivo não fora instalada por iniciativa da referida condômina.

(B) Poderão ser cobradas de Giovana as despesas relativas à manutenção do pátio, tendo em vista que ela dispõe de seu uso exclusivo, independente-mente da frequência com que seja efetivamente exercido. (X)

(C) Somente poderão ser cobradas de Giovana as despesas relativas à ma-nutenção do pátio caso seja demonstrado que o uso por ela exercido impõe deterioração excessiva do local.

(D) Poderá ser cobrada de Giovana metade das despesas relativas à manu-tenção do pátio, devendo a outra metade ser repartida entre os demais condô-minos, tendo em vista que a instalação da porta na área de serviço não foi de iniciativa da condômina, tampouco da atual administração do condomínio.

CONDOMÍNIO — CO-PROPRIEDADE

43. (203) (Questão 45 — 25º Exame OAB-RJ) Com base na atuais con-cepções normativas acerca dos direitos reais, estabelecidas pelo Código Civil de 2002, marque a assertiva correta:

(A) A convenção de condomínio é oponível contra terceiros, independen-temente do fato de não estar registrada no cartório de Registros de Imóveis;

(B) O possuidor de má-fé não tem direito à indenização por quaisquer benfeitorias realizadas;

(C) Os direitos reais sobre imóveis transmitidos causa mortis só se adqui-rem com o registro no Cartório de Registro de Imóveis;

(D) Na hipótese de alienação de unidade de condomínio, a responsabilidade por débitos do imóvel relativamente ao condomínio está a cargo do adquirente.

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DIREITO DA PROPRIEDADE

FGV DIREITO RIO 148

44. (204) (Questão 22 — 117º Exame OAB-RJ) Se o condômino de coisa indivisível vender sua fração ideal sem dar preferência aos demais consortes,

(A) a venda, como ato jurídico, é nula de pleno direito, pois não obedeci-da a forma prescrita em lei.

(B) o condômino preterido, respeitado o prazo legal, pode depositar o preço pelo qual a fração foi vendida a terceiro e havê-la para si.

(C) não há direito de prelação na com propriedade da coisa indivisível, uma vez que todos os condôminos devem assinar o ato de alienação.

(D) o condômino preterido pode apenas pleitear perdas e danos, provan-do que tinha condições fi nanceiras para adquirir a parte ideal vendida ou que o imóvel remanescente perde parte de seu valor em função da diminuição da possibilidade de seu aproveitamento.

EXERCÍCIOS OAB — FGV (2011 — OUTUBRO)

45. (40) Numa ação de reintegração de posse em que o esbulho ocorreu há menos de 1 ano e 1 dia, ao examinar o pedido de liminar constante da petição inicial, o juiz

(A) deve sempre realizar a inspeção judicial no local, sendo tal diligência requisito para a concessão da liminar.

(B) deve deferir de plano, sem ouvir o réu, se a petição inicial estiver devi-damente instruída e sendo a ação entre particulares.

(C) deve sempre designar audiência prévia ou de justifi cação, citando o réu, para, então, avaliar o pedido liminar.

(D) pode deferir a liminar de plano, sem ouvir o réu, desde que haja pare-cer favorável do Ministério Público.

EXERCÍCIOS OAB — FGV (2011 — JULHO)

46. (33) Noêmia, proprietária de uma casa litorânea, regularmente consti-tuiu usufruto sobre o aludido imóvel em favor de Luísa, mantendo, contudo, a sua propriedade. Inesperadamente, sobreveio uma severa ressaca marítima, que destruiu por completo o imóvel. Ciente do ocorrido, Noêmia decidiu re-construir integralmente a casa às suas expensas, tendo em vista que o imóvel não se encontrava segurado.

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DIREITO DA PROPRIEDADE

FGV DIREITO RIO 149

A respeito da situação narrada, assinale a alternativa correta.

(A) O usufruto será mantido em favor de Luísa, tendo em vista que o imóvel não fora destruído por culpa sua.

(B) O usufruto será extinto, consolidando-se a propriedade em favor de Noêmia, independentemente do pagamento de indenização a Luísa, tendo em vista que Noêmia arcou com as despesas de reconstrução do imóvel.

(C) O usufruto será extinto, consolidando-se a propriedade em favor de Noêmia, desde que esta indenize Luísa em valor equivalente a um ano de aluguel do imóvel.

(D) O usufruto será mantido em favor de Luísa, independentemente do pagamento de qualquer quantia por ela, tendo em vista que Noêmia somente poderia ter reconstruído o imóvel mediante autorização expressa de Luísa, por escritura pública ou instrumento particular.

47. (38) Acerca da servidão de aqueduto, assinale a alternativa correta.(A) Não se aplicam à servidão de aqueduto as regras pertinentes à passa-

gem de cabos e tubulações.(B) O aqueduto deverá ser construído de maneira que cause o menor pre-

juízo aos proprietários dos imóveis vizinhos, e a expensas do seu dono, mas a quem não incumbem as despesas de conservação.

(C) Se o uso das águas não se destinar à satisfação das exigências primárias, o proprietário do aqueduto não deverá ser indenizado pela retirada das águas supérfl uas aos seus interesses de consumo.

(D) O proprietário do prédio serviente, ainda que devidamente indeniza-do pela passagem da servidão do aqueduto, poderá exigir que seja subterrânea a canalização que atravessa áreas edifi cadas, pátios, jardins ou quintais.

EXERCÍCIOS OAB — FGV (2010.3)

48. (15) Félix e Joaquim são proprietários de casas vizinhas há cinco anos e, de comum acordo, haviam regularmente delimitado as suas propriedades pela instalação de uma singela cerca viva. Recentemente, Félix adquiriu um cachorro e, por essa razão, o seu vizinho, Joaquim, solicitou-lhe que substitu-ísse a cerca viva por um tapume que impedisse a entrada do cachorro em sua propriedade. Surpreso, Félix negou-se a atender ao pedido do vizinho, argu-mentando que o seu cachorro era adestrado e inofensivo e, por isso, jamais lhe causaria qualquer dano.

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DIREITO DA PROPRIEDADE

FGV DIREITO RIO 150

Com base na situação narrada, é correto afi rmar que Joaquim(A) poderá exigir que Félix instale o tapume, a fi m de evitar que o cachor-

ro ingresse na sua propriedade, contanto que arque com metade das despesas de instalação, cabendo a Félix arcar com a outra parte das despesas.

(B) poderá exigir que Félix instale o tapume, a fi m de evitar que o cachor-ro ingresse em sua propriedade, cabendo a Félix arcar integralmente com as despesas de instalação.

(C) não poderá exigir que Félix instale o tapume, uma vez que a cerca viva fora instalada de comum acordo e demarca corretamente os limites de ambas as propriedades, cumprindo, pois, com a sua função, bem como não há indí-cios de que o cachorro possa vir a lhe causar danos.

(D) poderá exigir que Félix instale o tapume, a fi m de evitar que o cachorro ingresse em sua propriedade, cabendo a Félix arcar com as despesas de insta-lação, deduzindo-se desse montante metade do valor, devidamente corrigido, correspondente à cerca viva inicialmente instalada por ambos os vizinhos.

EXERCÍCIOS OAB — FGV (2010.2)

49. (25) Sobre o constituto possessório, assinale a alternativa correta.(A) Trata-se de modo originário de aquisição da propriedade.(B) Trata-se de modo originário de aquisição da posse.(C) Representa uma tradição fi cta.(D) É imprescindível para que se opere a transferência da posse aos her-

deiros na sucessão universal.

50. (26) Passando por difi culdades fi nanceiras, Alexandre instituiu uma hipoteca sobre imóvel de sua propriedade, onde reside com sua família. Pos-teriormente, foi procurado por Amanda, que estaria disposta a adquirir o referido imóvel por um valor bem acima do mercado. Consultando seu ad-vogado, Alexandre ouviu dele que não poderia alienar o imóvel, já que havia uma cláusula na escritura de instituição da hipoteca que o proibia de alienar o bem hipotecado. A opinião do advogado de Alexandre

(A) está incorreta, porque a hipoteca instituída não produz efeitos, pois, na hipótese, o direito real em garantia a ser instituído deveria ser o penhor.

(B) está incorreta, porque Alexandre está livre para alienar o imóvel, pois a cláusula que proíbe o proprietário de alienar o bem hipotecado é nula.

(C) está incorreta, uma vez que a hipoteca é nula, pois não é possível ins-tituir hipoteca sobre bem de família do devedor hipotecário.

(D) está correta, porque em virtude da proibição contratual, Alexandre não poderia alienar o imóvel enquanto recaísse sobre ele a garanti a hipotecária.

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DIREITO DA PROPRIEDADE

FGV DIREITO RIO 151

51. (28) Por meio de uma promessa de compra e venda, celebrada por instrumento particular registrada no cartório de Registro de Imóveis e na qual não se pactuou arrependimento, Juvenal foi residir no imóvel objeto do contrato e, quando quitou o pagamento, deparou-se com a recusa do promi-tente-vendedor em outorgar-lhe a escritura defi nitiva do imóvel.Diante do impasse, Juvenal poderá

(A) requerer ao juiz a adjudicação do imóvel, a despeito de a promessa de compra e venda ter sido celebrada por instrumento particular.

(B) usucapir o imóvel, já que não faria jus à adjudicação compulsória na hipótese.

(C) desisti r do negócio e pedir o dinheiro de volta.(D) exigir a substituição do imóvel prometido à venda por outro, muito

embora inexistisse previsão expressa a esse respeito no contrato preliminar.

PROVA A — 1ª FASE — 2006.2

52. (36) Acerca da propriedade fi duciária em garantia, assinale a opção correta.

(A) Na propriedade fi duciária, o credor pode apropriar-se da coisa garan-tida quando o fi duciante voluntariamente deixar de pagar o débito garantido, transformando, assim, a propriedade resolúvel em propriedade defi nitiva do fi duciário. No entanto, havendo saldo a favor do devedor, após o desconto das taxas de administração e dos demais encargos decorrentes da mora, este deve ser entregue ao fi duciante.

(B) Capitalizar juros signifi ca somar o valor dos juros vencidos ao capital mutuado, de modo que os juros futuros passem a incidir sobre o resultado dessa soma, e assim sucessivamente, procedimento também conhecido como juros compostos. Nos contratos de mútuo com alienação fi duciária em garan-tia, desde que expressamente pactuada, é admitida a capitalização dos juros.

(C) O bem dado em propriedade fi duciária não faz parte dos ativos do devedor, pois trata-se de patrimônio separado, imune à ação de terceiros e que não pode ser penhorado, e a falta de devolução do bem alienado fi ducia-riamente autoriza a prisão civil do devedor.

(D) O objetivo da propriedade fi duciária é garantir um empréstimo feito pelo credor fi duciário ao fi duciante, para que este pague o preço da aquisi-ção. Para garantir o reembolso da quantia mutuada, o adquirente transfere ao fi nanciador o domínio da coisa comprada, que a conserva até o preço ser pago. O devedor fi ca com a posse direta e o fi nanciador, titular da proprieda-de resolúvel, conserva a posse indireta, enquanto o domínio não se resolver.

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DIREITO DA PROPRIEDADE

FGV DIREITO RIO 152

PROVA A — 1ª FASE — 2006.3

53. (33) Quanto à usucapião, assinale a opção correta.(A) Caso uma pessoa exerça com ânimo de dono a posse mansa, pacífi ca e

ininterrupta do imóvel há 11 anos, adquirirá a sua propriedade por meio da usucapião extraordinária.

(B) Usucapião é modo originário de aquisição da propriedade e ocorre quando uma pessoa mantém a posse mansa e pacífi ca, por determinado es-paço de tempo, de um bem, gerando, assim, a chamada prescrição aquisitiva, que lhe permite buscar, por meio de uma ação judicial, a declaração de seu domínio sobre aquele bem.

(C) A usucapião especial de imóvel localizado em área urbana possui como um dos requisitos o justo título, assim considerado o documento hábil à aquisição do domínio e a boa-fé, isto é, o desconhecimento do vício que lhe impede a aquisição do bem.

(D) Na usucapião rural, o possuidor deve ser pessoa física ou jurídica que houver estabelecido no imóvel sua moradia habitual, ou nele realizado obras ou serviços de caráter produtivo, ou seja, que retire da terra a sua subsistência ou que torne a terra produtiva com atividade agrícola, extrativa ou agroin-dustrial.

54. (35) Quanto à posse e à propriedade, assinale a opção correta.(A) Ao possuidor de má-fé são assegurados os interditos possessórios, bem

como o direito de retenção do bem possuído até a completa indenização pelo proprietário das benfeitorias necessárias e das úteis feitas na coisa possuída.

(B) Adquire-se a propriedade de bem móvel ou imóvel pela tradição da coisa negociada pelas partes, exigindo-se para a validade dessa aquisição que a coisa seja de propriedade do vendedor ou de terceiro por ele representado.

(C) Acessão natural é o direito em razão do qual o proprietário de um bem passa a adquirir a propriedade de tudo aquilo que nele adere. Por se tratar de modo originário de aquisição, não há transmissão e, para todos os efeitos, o histórico da propriedade inicia-se com o adquirente; portanto, esse fato jurí-dico não é gerador do imposto de transmissão.

(D) Na aquisição derivada da propriedade por causa mortis, seja bem mó-vel ou imóvel, a título singular ou universal, ocorre a transferência da integra-lidade do patrimônio que pertencia à pessoa falecida, assumindo o sucessor todas as obrigações e as dívidas pessoais do de cujus.

— assunto: posse e propriedade (aula 3)

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DIREITO DA PROPRIEDADE

FGV DIREITO RIO 153

55. (39) Com relação aos direitos reais sobre coisas alheias, assinale a op-ção correta.

(A) O penhor comum ou convencional só pode ser instituído por escrito e completa-se com a entrega da coisa móvel de propriedade do devedor ou de terceiro garantidor ao credor pignoratício, com a fi nalidade de garantir o pagamento de um débito.

(B) O mesmo imóvel pode ser dado em garantia hipotecária a mais de uma dívida até o limite do valor venal do imóvel e exigindo-se para tanto que o credor originário e o da segunda hipoteca sejam a mesma pessoa e que haja sua concordância expressa com a divisibilidade da referida garantia.

(C) Extingue-se a hipoteca com a alienação da propriedade, transforman-do-se a obrigação real em obrigação pessoal do devedor originário que assu-miu a dívida perante o credor hipotecário.

(D) A anticrese é um direito real de garantia com efi cácia erga omnes em que o devedor ou um terceiro garantidor transmite a posse direta e indire-ta de bem móvel ao credor como garantia de uma dívida. Em hipótese de inadimplemento do débito garantido, poderá o credor promover a venda amigável do bem para o pagamento.

— assunto: hipoteca e penhor (aula 21)

PROVA ROXA — 1ª FASE — 2007.2

56. (25) Acerca da desapropriação, assinale a opção correta.(A) Desapropriação indireta é o fato administrativo por meio do qual o

Estado se apropria de bem particular, sem a observância dos requisitos da declaração e da indenização prévia.

(B) Na desapropriação por interesse social para fi ns de reforma agrária, serão indenizadas por título da dívida pública não apenas a terra nua, mas também as benfeitorias úteis e necessárias, sendo que as voluptuosas não se-rão indenizadas.

(C) Os bens públicos não podem ser desapropriados.(D) Na desapropriação por zona, devem ser incluídos os imóveis contí-

guos ao imóvel desapropriado, necessários ao desenvolvimento da obra a que se destina.

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DIREITO DA PROPRIEDADE

FGV DIREITO RIO 154

PROVA A — 1ª FASE — 2007.3

57. (26) A respeito da posse e da proteção possessória, assinale a opção correta.

(A) A posse natural é um direito real de aquisição da propriedade de bens móveis e imóveis. Para a obtenção dessa posse, exige-se o exercício de poderes de fato sobre a coisa.

(B) Na ação de reintegração de posse, a procedência do pedido fi ca condi-cionada à efetiva comprovação da posse, do esbulho praticado pelo réu e da perda da posse. Exige-se, ainda, a demonstração da data do esbulho, para que seja defi nido o rito pelo qual deverá tramitar o processo.

(C) A ação possessória tem natureza dúplice, mesmo que o réu não de-mande, na contestação, proteção possessória nem indenização por benfeito-rias erigidas na coisa. Nessas ações, admite-se a conversão de uma possessória em outra, ou, ainda, em petitória.

(D) O possuidor de má-fé tem direito à retenção da coisa alheia até ser in-denizado pelas benfeitorias necessárias e melhorias implementadas, tais como plantações ou construções.

PROVA DISCURSIVA — 2ª FASE — 2010.3

1) Tarsila adquiriu determinado lote íngreme. A entrada se dá pela parte alta do imóvel, por onde chegam a luz e a água. Iniciadas as obras de cons-trução da casa, verifi ca-se que, para realizar adequadamente o escoamento do esgoto, as tubulações deverão, necessariamente, transpassar subterraneamente o imóvel vizinho limítrofe, de propriedade de Charles. Não há outro cami-nho a ser utilizado, pois se trata de região rochosa, impedindo construções subterrâneas ou qualquer outra medida que não seja excessivamente onerosa. De posse de parecer técnico, Tarsila procura por Charles a fi m de obter auto-rização para a obra. Sem justo motivo, Charles não consente, mesmo ciente de que tal negativa inviabilizará a construção do sistema de saneamento do imóvel vizinho. Buscando um acordo amigável, Tarsila propõe o pagamento de valor de indenização pela área utilizada, permanecendo a recusa de Charles.

Considere que você é o(a) advogado(a) de Tarsila. Responda aos itens a seguir, empregando os argumentos jurídicos apropriados e a fundamentação legal pertinente ao caso.

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DIREITO DA PROPRIEDADE

FGV DIREITO RIO 155

a) Há alguma medida judicial que possa ser tomada em vista de obter au-torização para construir a passagem de tubulação de esgoto?

R: José descobriu, após o casamento, que Tânia praticou crime que, por sua natureza, tornará insuportável a relação do casal. Cuida-se de erro es-sencial sobre o cônjuge, podendo José propor ação judicial a fi m de que o casamento seja anulado. Cabe, portanto, Ação Anulatória de Casamento, fundada no art. 1.557, II, c/c art. 1.556 do CC.

b) Considere que houve paralisação da obra em razão do desacordo entre Tarsila e Charles. Há alguma medida emergencial que possa ser buscada ob-jetivando viabilizar a construção do sistema de saneamento?

R: A medida cabível será a Ação Cautelar de Sequestro, nos termos do art. 822, III, do CPC, a fi m de proteger os bens do casal, enquanto tramita a ação principal. O examinando deverá mencionar que há presença de fumus boni iuris e do periculum in mora, elementos essenciais à concessão de medidas de urgência.

GABARITO — CESPE OAB

1. D2. C3. C4. A5. D6. C7. A8. D9. C10. C11. D12. D13. D14. C15. B16. C17. D18. D19. B20. A21. B

22. B23. B24. B25. A26. A27. C28. C29. A30. C31. C32. C33. B34. A35. A36. B37. B38. C39. A40. C41. C42. B43. D44. B

GABARITO — PROVA OAB FGV

45. B46. B47. D48. B49. C50. B51. A52. D53. D54. B55. A56. A57. B

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DIREITO DA PROPRIEDADE

FGV DIREITO RIO 156

GUSTAVO KLOH MULLER NEVESMestre e Doutor em Direito Civil pela Universidade do Estado do Rio de Janeiro. Professor da Fundação Getúlio Vargas. Sócio do Escritório Na-varro, Botelho, Nahon & Kloh.

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DIREITO DA PROPRIEDADE

FGV DIREITO RIO 157

FICHA TÉCNICA

Fundação Getulio Vargas

Carlos Ivan Simonsen LealPRESIDENTE

FGV DIREITO RIO

Joaquim FalcãoDIRETOR

Sérgio GuerraVICE-DIRETOR DE ENSINO, PESQUISA E PÓS-GRADUAÇÃO

Rodrigo ViannaVICE-DIRETOR ADMINISTRATIVO

Thiago Bottino do AmaralCOORDENADOR DA GRADUAÇÃO

André Pacheco Teixeira MendesCOORDENADOR DO NÚCLEO DE PRÁTICA JURÍDICA

Cristina Nacif AlvesCOORDENADORA DE ENSINO

Marília AraújoCOORDENADORA EXECUTIVA DA GRADUAÇÃO

Paula SpielerCOORDENADORA DE ATIVIDADES COMPLEMENTARES E DE RELAÇÕES INSTITUCIONAIS