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GRADUAÇÃO 2015.1 REGULAÇÃO E SERVIÇOS PÚBLICOS AUTORES: SÉRGIO GUERRA E PATRÍCIA SAMPAIO

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GRADUAÇÃO 2015.1

Regulação e SeRviçoS PúblicoS

AUTORES: SÉRGIO GUERRA E PATRÍCIA SAMPAIO

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SumárioRegulação e Serviços Públicos

IntRODUÇÃO ..................................................................................................................................................... 3

UnIDADe I: RefORmA DO eStADO e ReGUlAÇÃO ......................................................................................................... 8Aula 1 ............................................................................................................................................ 8Aula 2 .......................................................................................................................................... 13Aulas 3 e 4: .................................................................................................................................. 30

UnIDADe II: COnCeSSÃO De SeRvIÇOS PúblICOS e PARCeRIAS PúblICO-PRIvADAS (PPPS). COnSóRCIOS PúblICOS. ............... 40Aulas 5 e 6: .................................................................................................................................. 40Aulas 7 e 8 ................................................................................................................................... 52Aula 9 .......................................................................................................................................... 69Aula 10 ........................................................................................................................................ 80Aula 11 ........................................................................................................................................ 89

UnIDADe III: ReGIme jURíDICO DAS AtIvIDADeS mOnOPOlIzADAS PelO eStADO ............................................................ 94Aula 12 ........................................................................................................................................ 94

UnIDADe Iv: AGênCIAS ReGUlADORAS ................................................................................................................ 105Aula 13 ...................................................................................................................................... 105Aula 14 ...................................................................................................................................... 114

UnIDADe v: COntROle DOS AtOS ADmInIStRAtIvOS .............................................................................................. 127Aula 15 ...................................................................................................................................... 127Aula 16 ...................................................................................................................................... 132Aula 17 ...................................................................................................................................... 138

UnIDADe vI: PROCeSSO ADmInIStRAtIvO ............................................................................................................ 145Aula 18 ...................................................................................................................................... 145

UnIDADe vII: ReSPOnSAbIlIDADe CIvIl .............................................................................................................. 153Aulas 19 ..................................................................................................................................... 153

UnIDADe vIII: AGenteS eStAtAIS ....................................................................................................................... 161Aulas 20 e 21 ............................................................................................................................. 161Aula 22 ...................................................................................................................................... 169Aula 23 ...................................................................................................................................... 175Aula 24 ...................................................................................................................................... 182

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REGUlAçãO E SERvIçOS PúblIcOS

FGv DIREITO RIO 3

1 GUERRA, Sérgio. Discricionariedade e reflexividade: uma nova teoria sobre as escolhas administrativas. belo Horizon-te: Fórum, 2008.

2 Sobre a releitura da supremacia do interesse público sobre o privado, des-tacamos, para aqueles que desejam uma introdução sobre o assunto, a obra de MEDAUAR, Odete. O direito admi-nistrativo em evolução, p. 185 et seq., e, em maior profundidade, os diversos artigos que compõem a coletiva intitu-lada: Interesses públicos versus interes-ses privados: desconstruindo o princípio da supremacia do interesse público. Daniel Sarmento (Org.). Rio de Janeiro: lumen Juris, 2005; o artigo de ÁvIlA, Humberto. Repensando o “princípio da supremacia do interesse público sobre o particular”. In: SARlET (Org.). O direito público em tempos de crise: estudos em homenagem a Ruy Ruben Ruschel. Porto Alegre: livraria do Advogado, 1999. p. 99-127; o artigo de OSÓRIO, Fábio Medina. Existe uma supremacia do interesse público sobre o privado no direito administrativo brasileiro? Revista de Direito Administrativo, v. 220, 2000, p. 69-107.

3 cASSESE, . La globalización jurídica. Trad. luis Ortega, Isaac Martín Delgado e Isabel Gallego córceles. Madrid: Mar-cial Pons, 2006, p. 181.

4 Nesse sentido, consulte-se a obra DUGUIT. Les transformations du droit public, (que reproduz a obra publicada em 1913 por Max leclerc e H. bourrelier pela Ed. colin).

5 Expressão utilizada por Sérgio bu-arque de Holanda para se referir aos movimentos “aparentemente reforma-dores” ocorridos no brasil, conduzidos pelos grupos dominantes. Na obra clássica HOlANDA, Sérgio. Raízes do Brasil, p. 160.

Introdução

O direito administrativo brasileiro foi muito influenciado pelo direito ad-ministrativo francês. No contexto inicial de surgimento do ramo, o direito administrativo era considerado como sendo um mero conjunto de condições necessárias à conformação da estrutura burocrática do governo às regras cria-das pelo Poder Legislativo; isto é, pensava-se o direito administrativo como sendo a disciplina voltada à organização da máquina administrativa do Esta-do, com características de unidade, centralização e uniformidade, em posição privilegiada em relação ao cidadão e direcionada à manutenção do funciona-mento dos serviços públicos.1

A inquestionável superioridade do interesse público sobre o privado2 foi conjugada pela supremacia da Administração, o princípio da legalidade e a função discricionária;3 advindo daí o regime administrativo diferenciado, compreendendo as prerrogativas da Administração Pública: poder de polícia e radical desigualdade, unilateral e singular, tais como espécies diferentes de propriedade, contratos e responsabilidades (diversas, portanto, do direito pri-vado), submetidas as causas desta matéria, inclusive, a um tribunal próprio no caso francês.

Um passo importante para a evolução do direito administrativo ocorreu no início do século passado, com León Duguit, ao doutrinar acerca das trans-formações do direito público.4 Nessa obra, destacando a passagem, no direito administrativo, da puissance public para o service public, Duguit advertia que, com o desaparecimento do sistema imperialista, a noção de serviço público substituiu a de soberania e mudou a concepção de lei, do ato administrativo, da justiça administrativa e de responsabilidade estatal.

A concepção de direito administrativo no Brasil, seguindo os influxos do direito administrativo francês, pressupunha uma atuação executiva estatal hierarquizada e suportada por decisões de “cima para baixo”,5 à luz da teoria clássica da separação de poderes. Esse fato era justificado pelo modelo de estado social, com forte intervenção executiva estatal direta nas atividades econômicas.

O direito administrativo de que a sociedade atual necessita não se pode caracterizar como a mesma disciplina do século XIX e da primeira metade do século XX. Deve acompanhar as características e os riscos por que passa a sociedade contemporânea globalizada, que, por isso, clama por uma releitura de categorias, fórmulas e institutos desse ramo do direito público, cunhados há mais de um século.

A globalização forçou com que a sociedade repensasse a função, a estrutura e o custo dos Estados, especialmente à luz dos princípios da subsidiariedade e da eficiência. [...] Essa transição balança alicerces de

1. GUERRA, Sérgio. Discriciona-riedade e reflexividade: uma nova teoria sobre as escolhas adminis-trativas. belo Horizonte: Fórum, 2008.

2. Sobre a releitura da supremacia do interesse público sobre o privado, destacamos, para aqueles que dese-jam uma introdução sobre o assunto, a obra de MEDAUAR, Odete. O direito administrativo em evolução, p. 185 et seq., e, em maior profundi-dade, os diversos artigos que compõem a coletiva intitulada: Interesses públicos versus interesses pri-vados: desconstruindo o princípio da supremacia do interesse público. Daniel Sarmento (Org.). Rio de Janeiro: lumen Juris, 2005; o artigo de ÁvIlA, Humberto. Repensando o “princípio da supremacia do interesse público sobre o particular”. In: SARlET (Org.). O di-reito público em tempos de crise: estudos em homenagem a Ruy Ruben Ruschel. Porto Alegre: livraria do Advogado, 1999. p. 99-127; o artigo de OSÓRIO, Fábio Medina. Existe uma supremacia do interesse público sobre o privado no direito administrativo bra-sileiro? Revista de Direito Admi-nistrativo, v. 220, 2000, p. 69-107.

3. cASSESE, . La globalización jurídica. Trad. luis Ortega, Isaac Mar-tín Delgado e Isabel Gallego córceles. Madrid: Marcial Pons, 2006, p. 181.

4. Nesse sentido, consulte-se a obra DUGUIT. Les transformations du droit public, (que reproduz a obra publicada em 1913 por Max leclerc e H. bourrelier pela Ed. colin).

5. Expressão utilizada por Sérgio buarque de Holanda para se referir aos movimentos “aparentemente reforma-dores” ocorridos no brasil, conduzidos pelos grupos dominantes. Na obra clássica HOlANDA, Sérgio. Raízes do Brasil, p. 160.

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REGUlAçãO E SERvIçOS PúblIcOS

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6 SOUTO, Marcos Juruena villela. Direi-to Administrativo Regulatório. Rio de Janeiro: Editora lumen Juris, 2002, pp. 1, 2 e 16.

7 bRASIl (constituição de 1988). Art. 174. como agente normativo e regu-lador da atividade econômica, o Estado exercerá, na forma da lei, as funções de fiscalização, incentivo e planejamento, sendo este determinante para o setor público e indicativo para o setor pri-vado.

8 Por exemplo: é sabido que nas princi-pais questões submetidas à regulação estatal as normas têm linhas mestras da política econômica e social, fazendo com que seja necessária uma liberdade ao administrador público na hora de executar os comandos gerais da norma, dependendo: (i) dos dados empíricos decorrentes das técnicas disponíveis e testadas; (ii) da circunstância fática em que a norma está sendo aplicada, e; (iii) dos impactos prospectivos multilaterais decorrentes do ato. Estaremos diante, portanto, de questões que transcen-dem a vinculação do administrador público ao princípio da legalidade.

há muito solidificados no Direito Administrativo e que, por isso, preci-sam ser revistos para acompanhar a evolução dos fatos nos planos eco-nômico e social, proporcionando um necessário e seguro travejamento jurídico para as novas relações que se produzem no campo em expansão do público não estatal. [...] A globalização da economia tem ampliado as fronteiras comerciais entre os países gerando blocos econômicos e acordos internacionais que colocam a Administração Pública, direta e indireta, cada vez mais em contato com outros países, organismos internacionais — especialmente os de fomento — e cidadãos que ad-quirem liberdade de circulação e de ofício, com igualdade de tratamen-to, forçando, com isso, o aparecimento de novo aspecto no estudo do Direito Administrativo.6

A atividade administrativa vai, aos poucos, tornando-se um mecanismo de composição de interesses públicos e privados, que se manifestam no pro-cedimento, e que os órgãos de decisão devem regular de maneira a tomar a decisão mais adequada e que melhor salvaguarde os direitos subjetivos e os interesses em presença.

Nesse diapasão, desponta uma questão de capital importância estudada nas aulas de direito administrativo concernente à configuração da regulação estatal nas relações contemporâneas entre a Administração Pública descentra-lizada e o agente regulado que recebe a delegação dos serviços públicos. Essa forma de intervenção estatal (regulação) deve atender ao interesse público, sem, contudo, deixar de sopesar os efeitos e os impactos dessas decisões no subsistema regulado com os interesses de segmentos específicos da sociedade e, até mesmo, com o interesse individual no caso concreto. De certa forma, esse aspecto é uma novidade no estudo do Direito Administrativo.

Nesse campo de questões, as atribuições estatais, no contemporâneo Es-tado Regulador — confirmado, entre nós, com a promulgação da Carta de 19887 — deve atentar para a justiça material no caso real, impossível de ser previsível e positivada, na maioria das vezes, pelo Poder Legislativo. O Di-reito Administrativo se estruturou, no passado, no princípio da legalidade, mas que hoje parece não ser mais suficiente para desvendar todos os desafios postos aos estudiosos do Direito Administrativo.8

Assim, faz parte do objetivo desta disciplina chamar ao debate jurídico esta nova fase por que passa o estudo do direito administrativo, como, por exemplo, a forma de compatibilização dos instrumentos de regulação de ser-viços públicos dentro das premissas decorrentes do Estado Democrático de Direito.

6. SOUTO, Marcos Juruena villela. Direito Administrativo Regu-latório. Rio de Janeiro: Editora lumen Juris, 2002, pp. 1, 2 e 16.

7. bRASIl (constituição de 1988). Art. 174. como agente normativo e regulador da atividade econômica, o Estado exercerá, na forma da lei, as funções de fiscalização, incentivo e pla-nejamento, sendo este determinante para o setor público e indicativo para o setor privado.

8. Por exemplo: é sabido que nas principais questões submetidas à re-gulação estatal as normas têm linhas mestras da política econômica e social, fazendo com que seja necessária uma liberdade ao administrador público na hora de executar os comandos gerais da norma, dependendo: (i) dos dados empíricos decorrentes das técnicas dis-poníveis e testadas; (ii) da circunstância fática em que a norma está sendo apli-cada, e; (iii) dos impactos prospectivos multilaterais decorrentes do ato. Esta-remos diante, portanto, de questões que transcendem a vinculação do administrador público ao princípio da legalidade.

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REGUlAçãO E SERvIçOS PúblIcOS

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ReguLAçãO e seRvIçOs púBLIcOs:

a. Objeto geral da disciplina e temas relacionados, sua organização e abordagem teórica;

Discutir as funções desempenhadas pelo Estado no âmbito da Ordem Econômica, com ênfase na regulação estatal e na disciplina dos serviços pú-blicos. Os alunos também serão capacitados em temas como processo ad-ministrativo, responsabilidade civil do Estado e regime jurídico dos agentes estatais.

b. Finalidades do processo ensino-aprendizado

No curso Regulação e Serviços Públicos, a cada encontro serão discutidos um ou mais casos geradores construídos, na maioria das vezes, a partir de si-tuações concretas ou de precedentes que foram objeto de decisão do Superior Tribunal de Justiça ou do Supremo Tribunal Federal, a fim de familiarizar o aluno com questões discutidas no dia a dia forense e despertar o seu senso crítico com relação às posições adotadas pelos Tribunais.

A finalidade do processo de ensino-aprendizado deste curso é problemati-zar a complexidade dos temas enfrentados pelos administradores públicos e pelos administrados, com ênfase na pluralidade de correntes sobre os assun-tos abordados e sobre a análise da jurisprudência.

c. Método participativo

A metodologia do curso é eminentemente participativa, requerendo in-tensa interação dos alunos nos debates em sala e preparo prévio para as aulas, mediante a leitura das indicações bibliográficas obrigatórias e, sempre que possível, das leituras complementares.

d. Desafios e dificuldades do curso

O Curso exigirá do aluno uma visão reflexiva do direito administrativo e capacidade de relacionar a teoria exposta na bibliografia e na sala de aula com outras disciplinas, especialmente o direito constitucional. O principal desafio consiste em construir uma visão contemporânea e pós-moderna do direito administrativo, centrado nos direitos dos cidadãos, buscando sempre cotejar o conteúdo da disciplina com a realidade do País.

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e. critérios de Avaliação: clareza e objetividade acerca da postura do professor quanto ao exame das aprendizagens dos alunos;

A avaliação será composta por duas provas de igual peso. A nota final será composta pela média aritmética entre as duas notas obtidas pelo aluno, notas por conceito e eventuais atividades complementares que venham a ser opor-tunamente solicitadas aos alunos.

f. Atividades previstas: tipo da atividade, se em conjunto com outros professores, palestras, projetos, participação em pesquisas, blog etc.

O curso possui um blog que pode ser acessado em http://direitoadminis-trativofgvrio.wordpress.com/blog/. Os alunos são estimulados a contribuir para as discussões do blog ao longo do semestre.

g. conteúdo da disciplina

A disciplina Regulação e Serviços Públicos discutirá as funções desempe-nhadas pelo Estado no âmbito da Ordem Econômica, com ênfase na regula-ção estatal e na disciplina dos serviços públicos. Como decorrência necessária à compreensão dos limites da atuação da Administração Pública na Ordem Econômica, será apresentado o rol de controles a que se sujeitam os atos da Administração Pública. O programa abrange ainda a responsabilidade civil do Estado por atos e omissões da Administração Pública, bem como o esta-tuto jurídico do servidor público.

Em síntese, o curso será composto pelas seguintes unidades:

Unidade I: Reforma do Estado e regulação.Unidade II: Concessão de serviços públicos e Parcerias Público-Privadas.

Consórcios públicos.Unidade III: Regime jurídico das atividades monopolizadas pelo Estado.Unidade IV: Agências reguladoras.Unidade V: Controle dos atos administrativos.Unidade VI: Processo administrativo.Unidade VII: Responsabilidade civil do Estado.Unidade VIII: Agentes estatais.

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pLANO De eNsINO

Apresentamos abaixo quadro que sintetiza o Plano de Ensino da discipli-na, contendo a ementa do curso, sua divisão por unidades e os objetivos de aprendizado almejados com a matéria.

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9 cHEvAllIER, Jacques. O Estado pós--moderno. Tradução de Marçal Justen Filho. belo Horizonte: Editora Fórum, 2009. p. 16.

10 Post-modern condition. Minneapolis: University of Minnesota Press, 1985.

11 Eros Roberto Grau entende que estão inseridos nas atividades econômicas em sentido amplo (gênero) tanto os serviços públicos (espécie) quanto às atividades econômicas em sentido estrito (espécie). GRAU. A ordem eco-nômica..., p. 138 et seq. Em sentido contrário, ao qual aderimos, se ma-nifesta Odete Medauar: “A nosso ver, não parece adequado ao ordenamento brasileiro considerar o serviço público como atividade econômica. De um lado, tem-se o art. 175, que, de modo claro atribui o serviço público ao poder público, podendo ser realizado pelo setor privado mediante concessão ou permissão. vê-se que a constituição Fe-deral fixou um vínculo de presença do poder público na atividade qualificada como serviço público, presença esta que pode ser forte ou fraca, mas que não pode ser abolida. Esta presença se expressa na escolha do modo de reali-zação da atividade, na sua destinação ou atendimento de necessidades da coletividade.” MEDAUAR. Segurança jurídica e confiança legítima. In: ÁvIlA (coord.). Fundamentos do estado de di-reito: estudos em homenagem ao pro-fessor Almiro do couto e Silva, p. 125.

unIdade I: reforma do estado e regulação

aula 1

I. TeMA

Compreendendo a regulação estatal das atividades econômicas

II. AssuNTO

Regulação estatal.

III. OBJeTIvOs especÍFIcOs

O objetivo desta aula consiste em discutir alguns dos principais temas que comporão o curso Serviços Públicos e Controle da Administração Pública.

Iv. DeseNvOLvIMeNTO MeTODOLÓgIcO

O presente curso insere-se no contexto da crescente complexidade da so-ciedade contemporânea e fortalecimento da democracia. Segundo Jacques Chevallier, as transformações que os Estados conhecem atualmente não po-dem ser consideradas um fenômeno isolado: elas remetem a uma crise mais genérica das instituições e dos valores da modernidade nas sociedades ociden-tais; e essa crise parece dever conduzir a uma construção de um novo modelo de organização social.9

O termo “pós-modernidade”, popularizado por Jean-François Lyotard,10 indica novas concepções surgidas a partir da segunda grande guerra mundial, incrementadas nas décadas de oitenta e noventa do século XX. Nesta fase, adote-se ou não essa terminologia, vive-se sob um modelo de Estado em que o jusnaturalismo liberal e a intervenção social cedem lugar à interferência estatal nas atividades econômicas privadas (em sentido amplo e restrito)11 e setores sensíveis à sociedade sob configuração de escolha regulatória. Busca-se uma atuação eficiente e com foco no bem estar social mediante ponderação nos conflitos distributivos, à luz de princípios — não apenas regras — que trabalham com categorias econômicas.

Um dos principais traços dessa fase por que passa a sociedade está no fato de que a atuação estatal em um determinado aspecto do conjunto social ten-

9. cHEvAllIER, Jacques. O estado pós-moderno. Tradução de Marçal Justen Filho. belo Horizonte: Editora Fórum, 2009. p. 16.

10. post-modern condition. Minneapolis: University of Minnesota Press, 1985.

11. Eros Roberto Grau entende que estão inseridos nas atividades econô-micas em sentido amplo (gênero) tanto os serviços públicos (espécie) quanto às atividades econômicas em sentido estrito (espécie). GRAU. A ordem econômica..., p. 138 et seq. Em sentido contrário, ao qual aderimos, se manifesta Odete Medauar: “A nosso ver, não parece adequado ao ordena-mento brasileiro considerar o serviço público como atividade econômica. De um lado, tem-se o art. 175, que, de modo claro atribui o serviço público ao poder público, podendo ser realizado pelo setor privado mediante concessão ou permissão. vê-se que a constituição Federal fixou um vínculo de presença do poder público na atividade quali-ficada como serviço público, presença esta que pode ser forte ou fraca, mas que não pode ser abolida. Esta presen-ça se expressa na escolha do modo de realização da atividade, na sua desti-nação ou atendimento de necessidades da coletividade.” MEDAUAR. Segurança jurídica e confiança legítima. In: ÁvIlA (coord.). Fundamentos do esta-do de direito: estudos em home-nagem ao professor Almiro do couto e Silva, p. 125.

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12 JUSTEN FIlHO. Curso de direito ad-ministrativo. 2ª ed. São Paulo: Saraiva, 2006, p. 18.

13 conforme advertência de Sabino cassese, a regulação existe quando a classe política se libera de uma parte de seus poderes a favor de entidades não eleitas pelo povo, que são capazes de bloquear as decisões das eleitas. Para que essa condição ocorra, não basta a separação entre regulador e operador. É preciso, também, a separação entre regulador e governo, cujo fim é evitar a politização das decisões. Ele permite distinguir toda forma de intervenção ou controle desenvolvida sob a direção do governo da regulação em sentido estrito. La globalización jurídica. Trad. luis Ortega, Isaac Martín Delgado e Isabel Gallego córceles. Madrid: Marcial Pons, 2006, p. 151. Nas palavras de Egon bockmann Moreira, o fenômeno da concentração sem centralização faz com que o poder estatal seja fragmen-tado numa rede de autoridades inde-pendentes, detentoras de competên-cias autônomas, com o poder central apenas estabelecendo a política geral de todos os setores e as metas a serem atingidas. MOREIRA, Egon bockmann. Agências reguladoras independentes, déficit democrático e a “elaboração processual de normas”. In: Estudos de direito econômico. belo Horizonte: Ed. Fórum, 2004, p. 172.

14 GOMES, Joaquim b. barbosa. Agên-cias reguladoras: a “metamorfose” do Estado e da democracia (uma reflexão de direito constitucional e comparado). In: Direito da regulação. Revista de Direito da Associação dos Procuradores do Novo Estado do Rio de Janeiro. v. IX. Alexandre Santos de Aragão (org.) Rio de Janeiro: lumen Juris, 2002, p. 90.

de a produzir reflexos em outro segmento e afetar o direito individual. Nesse período, o problema básico de qualquer Constituição política contemporâ-nea não pode mais ser captado em toda sua extensão por aquela fórmula clás-sica em que se tinha um problema de delimitação do poder estatal em face do cidadão individualmente considerado. Hoje se demanda um disciplinamento da atividade política e econômica, permitindo a satisfação do interesse cole-tivo que as anima, compatibilizando-o com interesses de natureza individual e pública com base em um princípio de proporcionalidade.

O Quadro abaixo apresenta a evolução do Estado Moderno até a denomi-nada pós-modernidade:

Com as premissas da pós-modernidade e que acabaram por impor fortes mudanças na condução da Ordem Econômica em diversos países, notada-mente na Europa durante a década de 80, o modelo de Estado Regulador foi confirmado no Brasil com a promulgação da Constituição Federal de 1988.

Nesse novo sistema dito neoliberal, o modelo liberal e o intervencionismo social cedem lugar à intervenção estatal na ordem econômica social, impon-do-se que “novas necessidades sejam identificadas e expostas, especialmente para que o Estado neutralize os excessos e se valha de seu poder como instru-mento de controle da atuação privada”.12

Diante desse contexto, e sob o aspecto orgânico, a Administração Pública direta, considerando a premente necessidade de atrair investimentos — so-bretudo estrangeiros — decidiu abrir mão da função de regular diretamente os subsistemas privatizados de telecomunicações, energia elétrica, transportes etc., conferindo essa função a entidades reguladoras independentes. 13

O modelo regulatório decorre do fenômeno de “mutação constitucio-nal”14, desencadeado pelas alterações estruturais por que passou a sociedade e que esse acontecimento teve como consequência, no plano das instituições

12. JUSTEN FIlHO. curso de di-reito administrativo. 2ª ed. São Paulo: Saraiva, 2006, p. 18.

13. conforme advertência de Sabino cassese, a regulação existe quando a classe política se libera de uma parte de seus poderes a favor de entidades não eleitas pelo povo, que são capazes de bloquear as decisões das eleitas. Para que essa condição ocorra, não basta a separação entre regulador e operador. É preciso, também, a sepa-ração entre regulador e governo, cujo fim é evitar a politização das decisões. Ele permite distinguir toda forma de intervenção ou controle desenvolvida sob a direção do governo da regulação em sentido estrito. La globalizaci-ón jurídica. Trad. luis Ortega, Isaac Martín Delgado e Isabel Gallego cór-celes. Madrid: Marcial Pons, 2006, p. 151. Nas palavras de Egon bockmann Moreira, o fenômeno da concentração sem centralização faz com que o poder estatal seja fragmentado numa rede de autoridades independentes, detento-ras de competências autônomas, com o poder central apenas estabelecendo a política geral de todos os setores e as metas a serem atingidas. MOREIRA, Egon bockmann. Agências reguladoras independentes, déficit democrático e a “elaboração processual de normas”. In: estudos de direito econômico. belo Horizonte: Ed. Fórum, 2004, p. 172.

14. GOMES, Joaquim b. barbosa. Agências reguladoras: a “metamorfo-se” do Estado e da democracia (uma reflexão de direito constitucional e comparado). In: Direito da regulação. Revista de Direito da Associa-ção dos procuradores do Novo estado do Rio de Janeiro. v. IX. Alexandre Santos de Aragão (org.) Rio de Janeiro: lumen Juris, 2002, p. 90.

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15 Autoridades reguladoras independen-tes. coimbra: coimbra Editores, 2003, p. 10.

16 conrado Hübner Mendes aduz que: “as empresas que saem do domínio es-tatal e passam a fazer parte do domínio privado não podem estar submetidas, exclusivamente, às livres decisões de seus administradores, motivadas uni-camente pelas contingências econômi-cas. Devem, sim, estar em consonância com interesses que transcendem os meramente capitalistas. Por esse mo-tivo, ao retirar da máquina estatal tais empresas, nasce a necessidade de regu-lá-las intensamente.” MENDES, conrado Hübner. Reforma do Estado e agências reguladoras. In: Direito administrativo econômico. carlos Ari Sundfeld (coord.). São Paulo: Malheiros, 2000, p. 108.

17 cHEvAllIER. O Estado pós-moderno, p. 73.

18 SOUTO, Marcos Juruena villela. De-sestatização: privatização, concessões, terceirizações e regulação. 4. ed. Rio de Janeiro: lumen Juris, 2001, p. 441.

19 ARAGãO, Alexandre Santos de. Agên-cias reguladoras e a evolução do direito administrativo econômico. Rio de Janei-ro: Ed. Forense, 2002, p. 68.

20 MARQUES NETO, Floriano de Azevedo. Pensando o controle da atividade regu-lação estatal. In: SÉRGIO GUERRA (co-ord.). Temas de direito regulatório. Rio de Janeiro: Freitas bastos, 2005, p. 202.

políticas, o surgimento do imperativo de mudança nas formas de exercício das funções estatais clássicas. O fenômeno da regulação, tal como concebido nos dias atuais, nada mais representa do que uma espécie de corretivo in-dispensável a dois processos que se entrelaçam. De um lado, trata-se de um corretivo às mazelas e às deformações do regime capitalista e, de outro, um corretivo ao modo de funcionamento do aparelho do Estado engendrado por esse mesmo capitalismo.

Diante desses fatos, quais devem ser os objetivos dessa função regulatória descentralizada, adotada em diversos países, inclusive no Brasil? Vital Morei-ra e Fernanda Maças15 advertem serem várias as razões para a adoção do mo-delo de regulação estatal por entidades independentes, ao invés da regulação direta pelo Poder Executivo. Uma dessas razões está atrelada ao novo sentido de regulação administrativa.

Com efeito, no modelo intervencionista havia uma confusão entre inter-venção direta estatal na atividade econômica e as tarefas regulatórias e, em várias situações, a função regulatória competia ao próprio operador público, muitas vezes sob a figura do monopólio. Com o aparecimento de novos ope-radores privados na execução de atividades econômicas e serviços públicos, entendeu-se que deveria haver uma separação das funções de regulação e as funções de participação pública na própria atividade regulada.16

Para Jacques Chevallier, a regulação se distingue dos modos clássicos de in-tervenção do Estado na economia, pois consiste em supervisionar o jogo eco-nômico, estabelecendo certas regras e intervindo de maneira permanente para amortecer as tensões, compor os conflitos e assegurar a manutenção de um equilíbrio do conjunto. Ou seja, por meio da regulação o Estado não se põe mais como ator, mas como árbitro do processo econômico, limitando-se a en-quadrar a atuação dos operadores e se esforçando para harmonizar suas ações.17

Marcos Juruena Villela Souto18 leciona que um processo de regulação implica, tipicamente, em várias fases, em que se destacam a formulação das orientações da regulação, a definição e operacionalização das regras, a implementação e aplicação das regras, o controle da aplicação das regras, a sanção dos transgressores e a decisão nos recursos. Paralela e simulta-neamente aos desafios colocados pela globalização, o Estado atual sofre a crise do financiamento das suas múltiplas funções. Diante dessa crise há inevitabilidade da retração do Estado frente às necessidades sociais, ou, alternativamente, adotam-se novas estratégias de atuação compatíveis com a escassez de recursos.19

Nesse contexto, Floriano Azevedo Marques Neto20 anota: “A atividade re-gulatória é espécie do gênero atividade administrativa. Mas trata-se de uma espécie bastante peculiar. Como já pude afirmar em outra oportunidade, é na moderna atividade regulatória estatal que melhor se manifesta o novo paradig-ma de direito administrativo, de caráter menos autoritário e mais consensual,

15. Autoridades reguladoras independentes. coimbra: coimbra Editores, 2003, p. 10.

16. conrado Hübner Mendes aduz que: “as empresas que saem do do-mínio estatal e passam a fazer parte do domínio privado não podem estar submetidas, exclusivamente, às livres decisões de seus administradores, motivadas unicamente pelas con-tingências econômicas. Devem, sim, estar em consonância com interesses que transcendem os meramente capi-talistas. Por esse motivo, ao retirar da máquina estatal tais empresas, nasce a necessidade de regulá-las intensamen-te.” MENDES, conrado Hübner. Reforma do Estado e agências reguladoras. In: Direito administrativo econô-mico. carlos Ari Sundfeld (coord.). São Paulo: Malheiros, 2000, p. 108.

17. cHEvAllIER. O estado pós--moderno, p. 73.

18. SOUTO, Marcos Juruena villela. Desestatização: privatização, concessões, terceirizações e regulação. 4. ed. Rio de Janeiro: lumen Juris, 2001, p. 441.

19. ARAGãO, Alexandre Santos de. Agências reguladoras e a evo-lução do direito administrati-vo econômico. Rio de Janeiro: Ed. Forense, 2002, p. 68.

20. MARQUES NETO, Floriano de Aze-vedo. Pensando o controle da atividade regulação estatal. In: SÉRGIO GUERRA (coord.). Temas de direito regu-latório. Rio de Janeiro: Freitas bastos, 2005, p. 202.

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21 Sabino cassese chega a afirmar que as entidades reguladoras independen-tes “não devem ponderar o interesse público a elas confiado com outros interesses públicos secundários, como sucede em outros órgãos públicos que formam parte do Estado, começando, sobretudo, pelo governo.”. La globaliza-ción..., p. 151.

22 MARQUES NETO, Floriano de Azevedo. A nova regulação dos serviços públicos. Revista de direito administrativo, Rio de Janeiro, v. 228, p. 13-29, abr./jun.2002. Denominando esse modelo como Esta-do subsidiário, José Alfredo de Oliveira baracho denota que perseguindo os seus fins, harmoniza a liberdade auto-nômica com a ordem social justa, com a finalidade de manter o desenvolvi-mento de uma sociedade formada de autoridades plurais e diversificadas, re-cusando o individualismo filosófico. Por isso, a idéia de subsidiariedade aparece como a solução intermediária entre o Estado-providência e o Estado liberal. bARAcHO, José Alfredo. O princípio de subsidiariedade: conceito e evolução. Rio de Janeiro: Forense, 2000, p. 88.

23 JUSTEN FIlHO, Marçal. O direito das agências reguladoras independentes. São Paulo: Dialética, 2002, p. 21.

aberto à interlocução com a sociedade e permeado pela participação do ad-ministrado”.

Entretanto, o principal objetivo perseguido com a instituição de um mo-delo estatal regulatório foi a cessão de capacidade decisória sobre aspectos técnicos para entidades descentralizadas em troca de credibilidade e estabi-lidade, demonstrando-se, com isso, que a regulação estatal deixava de ser assunto de Governo para ser assunto de Estado. Adveio, com a globalização, a obrigação de se gerar salvaguardas institucionais que signifiquem um com-promisso com a manutenção de regras (segurança jurídica) e contratos de longo prazo.21

Por esse novo papel do Estado Regulador se abandona o perfil autoritá-rio em prol de uma maior interlocução do Poder Público com a sociedade. Enquanto na perspectiva do liberalismo compete ao poder público assegurar as regras do jogo para livre afirmação das relações de mercado, e no modelo social inverte-se este papel, de modo que a atividade estatal seja a provedora das necessidades coletivas, ao Estado neoliberal são exigidas funções de equa-lização, mediação e arbitragem das relações econômicas e sociais, ponderados os interesses em presença. 22

Nessa ordem de convicções, Marçal Justen Filho23 conclui que a concep-ção regulatória retrata uma redução nas diversas dimensões da intervenção estatal no âmbito econômico, incorporando uma concepção de subsidiarie-dade. Isso importa reconhecer os princípios gerais da livre iniciativa e da livre empresa, reservando-se ao Estado o instrumento da regulação como meio de orientar a atuação dos particulares à realização de valores fundamentais.

v. RecuRsOs/MATeRIAIs uTILIZADOs

Leitura obrigatória

GUERRA, Sérgio. Discricionariedade e reflexividade: uma nova teoria sobre as escolhas administrativas. Belo Horizonte: Fórum, 2008, p. 73 a 105.

Leitura complementar

BINEMBOJN, Gustavo. Uma teoria do direito administrativo. Rio de Janei-ro: Renovar, 2006, capítulo II.MOREIRA NETO, Diogo de Figueiredo. Juridicidade, pluralidade norma-tiva, democracia e controle social. In: Mutações do direito público. Rio de Janeiro: Renovar, 2006, p. 27 e ss.

21. Sabino cassese chega a afirmar que as entidades reguladoras indepen-dentes “não devem ponderar o interes-se público a elas confiado com outros interesses públicos secundários, como sucede em outros órgãos públicos que formam parte do Estado, começando, sobretudo, pelo governo.”. La globa-lización..., p. 151.

22. MARQUES NETO, Floriano de Azevedo. A nova regulação dos serviços públicos. Revista de direito ad-ministrativo, Rio de Janeiro, v. 228, p. 13-29, abr./jun.2002. Denominando esse modelo como Estado subsidiário, José Alfredo de Oliveira baracho denota que perseguindo os seus fins, harmo-niza a liberdade autonômica com a ordem social justa, com a finalidade de manter o desenvolvimento de uma sociedade formada de autoridades plurais e diversificadas, recusando o individualismo filosófico. Por isso, a idéia de subsidiariedade aparece como a solução intermediária entre o Estado-providência e o Estado liberal. bARAcHO, José Alfredo. O princípio de subsidiariedade: conceito e evolução. Rio de Janeiro: Forense, 2000, p. 88.

23. JUSTEN FIlHO, Marçal. O direito das agências reguladoras in-dependentes. São Paulo: Dialética, 2002, p. 21.

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vI. AvALIAçãO

caso gerador

Não há; trata-se da primeira aula do curso.

vII. cONcLusãO DA AuLA

O papel do Estado nas relações econômico-sociais se modificou com o passar do tempo. De um Estado interventor, tem-se hoje um papel regulador do Estado, exercido, precipuamente, por entidades descentralizadas, dotadas de tecnicidade e autonomia face ao Poder Executivo central.

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aula 2

I. TeMA

O papel do Estado na Ordem Econômica.

II. AssuNTO

Regulação e fomento estatal.

III. OBJeTIvOs especÍFIcOs

Esclarecer a conformação atual da participação do Estado na Ordem Eco-nômica e como as modificações introduzidas pela Constituição de 1988 in-fluenciaram mudanças nas funções desempenhadas pela Administração Pú-blica no tocante ao desempenho da atividade econômica.

Iv. DeseNvOLvIMeNTO MeTODOLÓgIcO

Introdução

A Constituição de 1988 e a participação do Estado na economia

A Constituição de 1988 constitui o ponto de partida para se compreender as mudanças observadas na forma de participação do Estado na economia nos últimos anos.

Neste aspecto, deve-se esclarecer que as formas e o grau de participação do Estado na dinâmica econômica de um País dependem fundamentalmente do tipo de organização expresso na Constituição Econômica, na qual se encon-tra a determinação do regime básico de ordenação dos fatores de produção, bem como seus princípios regedores e objetivos almejados.

Segundo Manoel Gonçalves Ferreira Filho, quatro são os requisitos que caracterizam uma ordem econômica com sendo “descentralizada” ou “de mercado”: trata-se de uma economia multipolar, constituída por redes de troca entre centros de produção, de oferta de fatores e de consumo, ligados por uma solidariedade funcional; trata-se de uma economia de empresa, que constitui uma “unidade econômica de produção que assegura a ligação entre os mercados de bens e serviços (demanda de consumo final) e os mercados

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24 FERREIRA FIlHO, Manoel Gonçalves. Direito constitucional econômico. São Paulo: Saraiva, 1990, p. 9. ver também GRAU, Eros Roberto. A ordem econômica na Constituição de 1988. 6a ed. São Pau-lo: Malheiros, 2001.

25 Direito constitucional econômico, ob. cit., p. 9.

26 Agências reguladoras e a evolução do direito administrativo econômico. 2ª edição. Rio de Janeiro: Forense, 2003, p. 132.

de fatores de produção (trabalho e capital); trata-se de uma economia de cálculos em moeda, sendo que os preços exprimem as tensões de escassez da vida econômica, traduzem as necessidades e as pretensões entre as quais se instaura um equilíbrio econômico; e trata-se de uma economia em que o Estado exerce somente uma interferência indireta e global, podendo orientar, influenciar a economia através de políticas, mas sem cunho determinante.24

A Constituição de 1988 adota o modelo de organização econômica capi-talista, sendo a livre iniciativa princípio fundamental da República (art 1º, IV) e da Ordem Econômica (art. 170, caput); garantindo-se o direito de propriedade, inclusive dos bens de produção (arts. 5º, XII e 170, II) e; respei-tando-se a liberdade de atividade econômica independentemente de prévia autorização, salvo nos casos previstos em lei (arts. 5º, XIII e 170, parágrafo único).25

O art. 173, caput, da Constituição consagra o princípio da subsidiariedade da participação do Estado na atividade econômica:

Art. 173. Ressalvados os casos previstos nesta Constituição, a ex-ploração direta de atividade econômica pelo Estado só será permitida quando necessária aos imperativos da segurança nacional ou a relevante interesse coletivo, conforme definidos em lei.

Portanto, a Constituição determina que, como regra geral, o Estado se abstenha de exercer diretamente atividade econômica. Para que possa de-sempenhá-la, faz-se necessário que exista previsão constitucional, ou lei que determine haver relevante interesse coletivo ou necessidade relacionada à se-gurança nacional.

Sobre o princípio da subsidiariedade e sua aplicação na Ordem Econômi-ca, expõe Alexandre Santos de Aragão:

Inserto no Princípio da Proporcionalidade, mais especificamen-te em seu elemento necessidade, está o Princípio da Subsidiariedade, que, na seara do Direito Econômico, impõe ao Estado que se abstenha de intervir e de regular as atividades que possam ser satisfatoriamente exercidas ou auto-reguladas pelos particulares em regime de liberdade. Ou seja, à medida que os valores constitucionalmente assegurados não sejam prejudicados, o Estado não deve restringir a liberdade dos agen-tes econômicos e, caso seja necessário, deve fazê-lo da maneira menos restritiva possível.26

A participação direta do Estado na atividade econômica, quando admi-tida, concretiza-se geralmente pela constituição de empresas públicas e so-ciedades de economia mista, para as quais a Constituição previu um regime

24. FERREIRA FIlHO, Manoel Gonçal-ves. Direito constitucional eco-nômico. São Paulo: Saraiva, 1990, p. 9. ver também GRAU, Eros Roberto. A ordem econômica na consti-tuição de 1988. 6a ed. São Paulo: Malheiros, 2001.

25. Direito constitucional econômico, ob. cit., p. 9.

26. Agências reguladoras e a evolução do direito adminis-trativo econômico. 2ª edição. Rio de Janeiro: Forense, 2003, p. 132.

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27 Faz-se relevante mencionar que a jurisprudência mitiga a equiparação das empresas públicas e sociedades de economia mista às pessoas jurídi-cas de direito privado quando aquelas desempenham atividades considera-das serviços públicos. Nesse sentido, veja-se decisão do Supremo Tribunal Federal relativa à Empresa brasileira de correios e Telégrafos, a qual, muito embora apresente natureza jurídica de empresa pública, goza de algumas prerrogativas inerentes à Fazenda Pública, em consideração à relevância do serviço público por ela prestado. ver, a respeito, Recurso Extraordinário nº 229.696, j. em 16.11.2000, Rel. do acórdão Min. Maurício corrêa, maioria.

28 Dispõe o art. 3º da constituição Fede-ral: “constituem objetivos fundamen-tais da República Federativa do brasil: I — construir uma sociedade livre, justa e solidária; II — garantir o desen-volvimento nacional; III — erradicar a pobreza e a marginalização e reduzir as desigualdades sociais e regionais; Iv — promover o bem de todos, sem preconceitos de origem, raça, sexo, cor, idade e quaisquer outras formas de discriminação”.

29 Mesmo antes da promulgação da constituição Federal de 1988, o profes-sor Fábio Konder comparato já ensinava que: “Quando se fala em função social da propriedade não se indicam as res-trições ao uso e gozo dos bens próprios. Essas últimas são limites negativos aos direitos do proprietário. Mas a noção de função, no sentido em que é emprega-do o termo nesta matéria, significa um poder, mais especificamente, o poder de dar ao objeto da propriedade des-tino determinado, de vinculá-lo a certo objetivo. O adjetivo social mostra que esse objetivo corresponde ao interesse coletivo e não ao interesse próprio do dominus; o que não significa que não possa haver harmonização entre um e outro. Mas, de qualquer modo, se se está diante de um interesse coletivo, essa função social da propriedade cor-responde a um poder-dever do proprie-tário, sancionável pela ordem jurídica.” cOMPARATO, Fábio Konder. Função social da propriedade dos bens de pro-dução. In Revista de Direito Mercantil. São Paulo: Malheiros, n. 63, p. 73.

jurídico próprio e aproximado daquele aplicável aos agentes privados, cujos princípios encontram-se estatuídos no art. 173, §1º, nos seguintes termos:

Art. 173. (...)§1º. A lei estabelecerá o estatuto jurídico da empresa pública, da so-

ciedade de economia mista e de suas subsidiárias que explorem ativida-de econômica de produção ou comercialização de bens ou de prestação de serviços, dispondo sobre:

I — sua função social e formas de fiscalização pelo Estado e pela sociedade;

II — a sujeição ao regime jurídico próprio das empresas privadas, inclusive quanto aos direitos e obrigações civis, comerciais, trabalhistas e tributários;

III — licitação e contratação de obras, serviços, compras e aliena-ções, observados os princípios da administração pública;

IV — a constituição e o funcionamento dos conselhos de adminis-tração e fiscal, com a participação de acionistas minoritários;

V — os mandatos, a avaliação de desempenho e a responsabilidade dos administradores.27

Para uma melhor compreensão do papel do Estado face à atividade eco-nômica, não se pode desconsiderar que a Constituição de 1988 possui uma plêiade de objetivos da República de conteúdo marcadamente redistributi-vo (art. 3º da Constituição de 1988)28, os quais vão reclamar uma atuação positiva do Estado na seara econômica para a sua efetivação. Além disso, os artigos 5o, XXIII e 170, III, da Constituição Federal determinam que a pro-priedade cumprirá função social29. Ademais, a livre concorrência como prin-cípio fundador da Ordem Econômica (art. 170, IV) exige uma intervenção do Estado na prevenção e repressão do abuso do poder econômico (art. 174, §3º, CF/88).

Em adição aos princípios supracitados, uma das chaves para guiar o esfor-ço de hermenêutica da Ordem Econômica é o artigo 174 da Constituição, o qual se mostra bastante elucidativo no que tange ao papel conferido ao Estado na atividade econômica após a inauguração do novo regime consti-tucional:

Art. 174. Como agente normativo e regulador da atividade econô-mica, o Estado exercerá, na forma da lei, as funções de fiscalização, incentivo e planejamento, sendo este determinante para o setor público e indicativo para o setor privado.

27. Faz-se relevante mencionar que a jurisprudência mitiga a equiparação das empresas públicas e sociedades de economia mista às pessoas jurídi-cas de direito privado quando aquelas desempenham atividades considera-das serviços públicos. Nesse sentido, veja-se decisão do Supremo Tribunal Federal relativa à Empresa brasileira de correios e Telégrafos, a qual, muito embora apresente natureza jurídica de empresa pública, goza de algumas prerrogativas inerentes à Fazenda Pública, em consideração à relevância do serviço público por ela prestado. ver, a respeito, Recurso Extraordinário nº 229.696, j. em 16.11.2000, Rel. do acórdão Min. Maurício corrêa, maioria.

28. Dispõe o art. 3º da constituição Federal: “constituem objetivos funda-mentais da República Federativa do brasil: I — construir uma sociedade livre, justa e solidária; II — garantir o desenvolvimento nacional; III — er-radicar a pobreza e a marginalização e reduzir as desigualdades sociais e regionais; Iv — promover o bem de todos, sem preconceitos de origem, raça, sexo, cor, idade e quaisquer outras formas de discriminação”.

29. Mesmo antes da promulgação da constituição Federal de 1988, o profes-sor Fábio Konder comparato já ensinava que: “Quando se fala em função social da propriedade não se indicam as res-trições ao uso e gozo dos bens próprios. Essas últimas são limites negativos aos direitos do proprietário. Mas a noção de função, no sentido em que é emprega-do o termo nesta matéria, significa um poder, mais especificamente, o poder de dar ao objeto da propriedade des-tino determinado, de vinculá-lo a certo objetivo. O adjetivo social mostra que esse objetivo corresponde ao interesse coletivo e não ao interesse próprio do dominus; o que não significa que não possa haver harmonização entre um e outro. Mas, de qualquer modo, se se está diante de um interesse coletivo, essa função social da propriedade cor-responde a um poder-dever do proprie-tário, sancionável pela ordem jurídica.” cOMPARATO, Fábio Konder. Função social da propriedade dos bens de produção. In Revista de Direito Mercantil. São Paulo: Malheiros, n. 63, p. 73.

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30 A terminologia é de Eros Roberto Grau. A ordem econômica na Constitui-ção de 1988, ob. cit., p. 169.

31 Sobre essa fase, e o início das privati-zações no brasil, ver item 2.4.

Interpretando-se esse artigo, observa-se que ao Estado é consagrado o pa-pel precípuo de agente normativo e regulador da atividade econômica, exer-cendo as funções de incentivo, fiscalização e planejamento, na forma em que dispuser a lei.

Ou seja, por um lado, o Poder Constituinte não previu a prestação direta da atividade econômica como função primordial do Estado (art. 173, caput, CRFB/88); por outro lado, conferiu-lhe amplos instrumentos de interven-ção indireta, mediante, por exemplo, das funções de planejamento e regula-ção. Nesse sentido, cumpre esclarecer que, ao transferir algumas atividades de utilidade pública à execução por particulares, por meio do processo de desestatização, o Estado brasileiro não deixou de possuir profunda influência sobre a atividade econômica, mas sua tradicional participação direta (como Estado-empresário) foi substituída por uma intervenção primordialmente de direção ou indução30.

Portanto, encontra-se no artigo 174 da Constituição Federal uma previsão genérica de ordenação da economia pelo Estado, baseada no exercício do poder-dever fiscalizatório, normativo e sancionador, no qual pode ser ante-visto o embrião do futuro desmembramento dessas competências nos orde-namentos setoriais regulatórios, hoje personificados na figura das agências reguladoras, que serão estudadas adiante neste Curso.

O programa Nacional de Desestatização

O último Governo brasileiro comandado por um militar foi o do General João Baptista de Oliveira Figueiredo (1979-1984). Foi nesse momento que se iniciou o “desmantelamento” do Estado Empresário com o Programa Nacio-nal de Desburocratização, iniciando o processo de privatizações.31

Por meio desse Programa, foram preconizadas as seguintes ações, visando “dinamizar e simplificar o funcionamento da Administração Pública Fede-ral”: a) construir para a melhoria do atendimento dos usuários do serviço público; b) reduzir a interferência do Governo na atividade do cidadão e do empresário e abreviar a solução dos casos em que essa interferência é neces-sária, mediante a descentralização das decisões, a simplificação do trabalho administrativo e a eliminação de formalidades e exigências cujo custo eco-nômico ou social seja superior ao risco; c) agilizar a execução dos programas federais para assegurar o cumprimento dos objetivos prioritários do Go-verno; d) substituir, sempre que praticável, o controle prévio pelo eficiente acompanhamento da execução e pelo reforço da fiscalização dirigida, para a identificação e correção dos eventuais desvios, fraudes e abusos; e) inten-sificar a execução dos trabalhos da Reforma Administrativa de que trata o Decreto-Lei nº 200, de 25 de fevereiro de 1967, especialmente os referidos

30. A terminologia é de Eros Roberto Grau. A ordem econômica na constituição de 1988, ob. cit., p. 169.

31. Sobre essa fase, e o início das pri-vatizações no brasil, ver item 2.4.

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32 No caso do setor elétrico, tinha-se o Departamento Nacional de Energia Elétrica — DNAEE, órgão do Ministério das Minas e Energia.

33 PINHEIRO, Armando castelar. “Re-gulatory Reform in brazilian Infras-tructure: Where do We Stand?” Rio de Janeiro, IPEA, Texto para discussão nº 964, maio de 2003, p. 7. Disponível em http://www.ipea.gov.br, consultada em 13.02.2005.

no Título XIII; f ) fortalecer o sistema de livre empresa, favorecendo a em-presa pequena e média, que constituem a matriz do sistema, e consolidando a grande empresa privada nacional, para que ela se capacite, quando for o caso, a receber encargos e atribuições que se encontram hoje sob a respon-sabilidade de empresas do Estado; g) impedir o crescimento desnecessário da máquina administrativa federal, mediante o estímulo à execução indire-ta, utilizando-se, sempre que praticável, o contrato com empresas privadas capacitadas e o convênio com órgãos estaduais e municipais; h) velar pelo cumprimento da política de contenção da criação indiscriminada de empre-sas públicas, promovendo o equacionamento dos casos em que for possível e recomendável a transferência do controle para o setor privado, respeitada a orientação do Governo na matéria.

Mas foi com a instituição de uma filosofia regulatória na matriz constitu-cional brasileira, implementou-se no país um amplo processo de desestatiza-ção, considerando-o como sendo a retirada da presença do Estado de ativi-dades reservadas constitucionalmente à iniciativa privada (princípio da livre iniciativa) ou de setores onde ela possa atuar com maior eficiência (princípio da economicidade).

Assim, a partir do arcabouço constitucional supracitado, em 1990 foi criado o Programa Nacional de Desestatização (“PND”), por intermédio da Medida Provisória nº 155/1990, posteriormente convertida na Lei nº 8.031, de 12.04.1990. Nos termos desta Lei, a desestatização compreende a alie-nação pela União, de direitos que lhe assegurem, diretamente ou por meio de outras controladas, preponderância nas deliberações sociais e o poder de eleger a maioria dos administradores da sociedade; e a transferência, para a iniciativa privada, da execução de serviços públicos explorados pela União, diretamente ou por meio de entidades controladas, bem como daqueles de sua responsabilidade.

Até os anos 90, as atividades relacionadas aos setores de infraestrutura eram executadas basicamente por empresas públicas e sociedades de econo-mia mista, sendo a regulação e gerência dos setores de infraestrutura atri-buída a departamentos ministeriais diretamente subordinados aos ministros de Estado.32 Armando Castelar Pinheiro33 comenta que tais departamentos apresentavam as seguintes características, as quais contribuíram significati-vamente para o cenário de ineficiência acima descrito: (i) não eram inde-pendentes do governo; (ii) mostravam-se capturados pelos agentes do setor (as chamadas “estatais”) e (iii) não possuíam competência no que concerne à determinação das tarifas, as quais eram fixadas pelo ministro da Fazenda como parte da política macroeconômica pretendida. Eram também comuns as práticas de subsídios cruzados entre diferentes segmentos de uma mes-ma atividade, assim como o recurso a empréstimos externos garantidos pelo governo, os quais permitiam manter as tarifas artificialmente baixas, dentre

32. No caso do setor elétrico, tinha-se o Departamento Nacional de Energia Elétrica — DNAEE, órgão do Ministério das Minas e Energia.

33. PINHEIRO, Armando castelar. “Regulatory Reform in brazilian Infras-tructure: Where do We Stand?” Rio de Janeiro, IPEA, Texto para discussão nº 964, maio de 2003, p. 7. Disponível em http://www.ipea.gov.br, consultada em 13.02.2005.

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34 Auto-regulação profissional e admi-nistração pública. lisboa: Almedina, 1997, p. 38.

35 bRASIl. Plano Diretor da Reforma do Estado. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/publi_04/cOlEcAO/ PlANDI.HTM>. Acesso em: 03 abr. 2010.

outros mecanismos que impediam a auto-suficiência dos agentes setoriais e, conseqüentemente, o seu funcionamento em bases de mercado.

Na verdade, como leciona Vital Moreira, o processo de privatização pode conduzir ao estabelecimento de esquemas reguladores que a anterior proprie-dade pública permitia dispensar. Muitos dos serviços públicos geridos pelo Es-tado começaram por ser serviços públicos concedidos altamente regulados, de modo que o binômio privatização/regulação significa, de certa maneira, retorno às origens.34 Com o diagnóstico acima descrito, não é surpreendente que, em 1988, o Constituinte brasileiro e, posteriormente, o Poder Constituinte Deri-vado (por emendas constitucionais) tenham pretendido inaugurar uma nova forma de participação estatal na vida econômica, conforme a seguir detalhado.

As emendas constitucionais de 1995

O Executivo Federal iniciou o processo de desestatização brasileiro com a edição da Lei nº 8.031/1990. Em 1995, notadamente com a promulgação de Emendas Constitucionais, o Estado pode avançar com a desestatização.

Convém registrar alguns trechos da apresentação do Plano Diretor da Re-forma do Aparelho do Estado,35 que bem reflete seus objetivos:

A crise brasileira da última década foi também uma crise do Esta-do. Em razão do modelo de desenvolvimento que Governos anteriores adotaram, o Estado desviou-se de suas funções básicas para ampliar sua presença no setor produtivo, o que acarretou, além da gradual de-terioração dos serviços públicos, a que recorre, em particular, a parcela menos favorecida da população, o agravamento da crise fiscal e, por consequência, da inflação. Nesse sentido, a reforma do Estado passou a ser instrumento indispensável para consolidar a estabilização e asse-gurar o crescimento sustentado da economia. Somente assim será pos-sível promover a correção das desigualdades sociais e regionais. Com a finalidade de colaborar com esse amplo trabalho que a sociedade e o Governo estão fazendo para mudar o Brasil, determinei a elaboração do “Plano Diretor da Reforma do Aparelho do Estado”, que define ob-jetivos e estabelece diretrizes para a reforma da Administração Pública brasileira. O grande desafio histórico que o País se dispõe a enfrentar é o de articular um novo modelo de desenvolvimento que possa tra-zer para o conjunto da sociedade brasileira a perspectiva de um futuro melhor. Um dos aspectos centrais desse esforço é o fortalecimento do Estado para que sejam eficazes sua ação reguladora, no quadro de uma economia de mercado, bem como os serviços básicos que presta e as políticas de cunho social que precisa implementar.

34. Auto-regulação profissional e ad-ministração pública. lisboa: Almedina, 1997, p. 38.

35. bRASIl. Plano Diretor da Reforma do Estado. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/publi_04/cOlEcAO/ PlANDI.HTM>. Acesso em: 03 abr. 2010.

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36 MOREIRA NETO, Diogo de Figueiredo. Reforma da ordem econômica e finan-ceira. Cadernos de Direito Constitucional e Ciência Política. São Paulo, v. 3, n. 9, p. 22-25, out/dez. 1994.

Sobre a necessidade de reforma constitucional para o atingimento dessa política absenteísta, de fato ocorrida em 1995, é digno de menção o posicio-namento de Diogo de Figueiredo Moreira Neto:

“Dois são os temas de reforma: o da ordem econômica e o da or-dem financeira. Com relação à necessidade de rever-se o capítulo da ordem econômica basta lembrar da Constituição de 1967-1969, dita estatizante e autocrática, era menos regulatória da economia e menos monopolista que a Constituição de 1988. Passamos de sete para mais de vinte modalidades de intervenção regulatória e de uma para seis pre-visões de intervenções monopolistas. Houve, portanto, um retrocesso. (...) O Estado, ao imiscuir-se na ordem econômica para competir com a sociedade ou para se substituir a ela com exclusividade, ou seja, nas modalidades de intervenção concorrencial e monopolista, se afasta do exercício regular de seu poder coercitivo, do qual detém o monopólio, para ser mais apenas uma empresa ou mais um concorrente. Com isso, ele perde suas características públicas. O Estado se privatiza, perdendo de vista os interesses gerais, que lhes são próprios, para ter interesses privados. Além de não existirem mais recursos para recapitalizar as em-presas do Estado, escasseiam também os recursos para o desempenho de suas atividades públicas: o Estado privatizado acaba se despublici-zando”.36

E conclui que:

“privatizar torna-se necessário para republicizar o Estado: fazê-lo retornar às prestações que só ele pode fazer numa sociedade; dar-lhe segurança jurídica, segurança física, segurança social, nos campos da

36. MOREIRA NETO, Diogo de Figuei-redo. Reforma da ordem econômica e financeira. cadernos de Direito constitucional e ciência po-lítica. São Paulo, v. 3, n. 9, p. 22-25, out/dez. 1994.

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37 Idem. Em sentido oposto a esse ra-ciocínio, Paulo bonavides assevera que “todas essas Emendas constitucionali-zam a dependência do País, um crime que jamais a ditadura militar de 1964 ousou perpetrar, pois os seus generais--presidentes — faça-se-lhes justiça — eram quase todos nacionalistas. Aceito e aplaudido por algumas elites como o determinismo deste fim de século, o ne-oliberalismo arvora a ideologia de sujei-ção, para coroar, como uma fatalidade, a abdicação, nos mercados globais, da independência econômica do País”. Cur-so de direito constitucional. 12a ed. São Paulo: Malheiros, 2002, p. 613.

38 bRASIl. Plano Diretor da Reforma do Estado. Disponível em: <http://www. planalto.gov.br/publi_04/cOlEcAO/ PlANDI.HTM>. Acesso em: 03 abr. 2010.

saúde e da educação, e, tão negligenciado, dar-lhe segurança monetá-ria, uma moeda estável, inconspurcada pelas emissões inflacionárias, essa modalidade imoral de obter recursos sem tributo, ou o que é pior, sem o respeito às reservas e condicionantes tributários”.37

As Emendas Constitucionais cujas matérias estão voltadas à nova política de retirada do Estado da execução direta das atividades econômicas são as de nº 5, de 15 de agosto de 1995, que transferiu aos Estados a competência para a exploração diretamente, ou mediante concessão, dos serviços públicos de dis-tribuição de gás canalizado; nº 6, de 15 de agosto de 1995, que pôs fim à dis-tinção entre o capital nacional e o estrangeiro; nº 7, de 15 de agosto de 1995, que tratou da abertura para navegação de cabotagem; nº 8, de 15 de agosto de 1995, que flexibilizou o monopólio dos serviços de telecomunicações e de ra-diodifusão sonora e de sons e imagens; e nº 9, de 9 de novembro de 1995, que flexibilizou o monopólio da exploração do petróleo e do gás natural.

Após a promulgação das Emendas Constitucionais de nºs 5 a 8, foi apro-vado, em 21 de setembro de 1995, o já mencionado Plano Diretor da Re-forma do Aparelho do Estado, sob a motivação de reconstruir o Estado de forma a resgatar sua autonomia financeira e sua capacidade de implementar políticas públicas:38

Este “Plano Diretor” procura criar condições para a reconstrução da Administração Pública em bases modernas e racionais. No passa-do, constituiu grande avanço a implementação de uma Administração Pública formal, baseada em princípios racional-burocráticos, os quais se contrapunham ao patrimonialismo, ao clientelismo, ao nepotismo, vícios estes que ainda persistem e que precisam ser extirpados. Mas o sistema introduzido, ao limitar-se a padrões hierárquicos rígidos e ao concentrar-se no controle dos processos e não dos resultados, revelou--se lento e ineficiente para a magnitude e a complexidade dos desafios que o País passou a enfrentar diante da globalização econômica. A si-tuação agravou-se a partir do início desta década, como resultado de reformas administrativas apressadas, as quais desorganizaram centros decisórios importantes, afetaram a “memória administrativa”, a par de desmantelarem sistemas de produção de informações vitais para o pro-cesso decisório governamental. É preciso, agora, dar um salto adiante, no sentido de uma Administração Pública que chamaria de “gerencial”, baseada em conceitos atuais de administração e efi ciência, voltada para o controle dos resultados e descentralizada para o poder chegar ao ci-dadão, que, numa sociedade democrática, é quem dá legitimidade às instituições e que, portanto, se torna “cliente privilegiado” dos serviços prestados pelo Estado.

37. Idem. Em sentido oposto a esse raciocínio, Paulo bonavides asse-vera que “todas essas emendas constitucionalizam a depen-dência do país, um crime que jamais a ditadura militar de 1964 ousou perpetrar, pois os seus generais-presidentes — faça-se-lhes justiça — eram quase todos nacionalistas. Aceito e aplaudido por algu-mas elites como o determi-nismo deste fim de século, o neoliberalismo arvora a ideo-logia de sujeição, para coroar, como uma fatalidade, a abdi-cação, nos mercados globais, da independência econômi-ca do país”. curso de direito constitucional. 12a ed. São Paulo: Malheiros, 2002, p. 613.

38. bRASIl. Plano Diretor da Reforma do Estado. Disponível em: <http://www. planalto.gov.br/publi_04/cO-lEcAO/ PlANDI.HTM>. Acesso em: 03 abr. 2010.

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39 Segundo dados obtidos no bNDES (www.bndes.gov.br/privatizacao - acesso em 31 de julho de 2003), entre 1990 e 1992 foram incluídas sessenta e oito empresas no PND, das quais de-zoito foram desestatizadas, com a arre-cadação de cerca de quatro bilhões de dólares norte-americanos, em grande parte através de títulos representati-vos da dívida pública federal. Nos três primeiros anos do PND a estratégia governamental constituiu-se em con-centrar esforços na venda de estatais produtivas, pertencentes a setores anteriormente estratégicos para o de-senvolvimento do País, tais como com-panhias siderúrgicas, petroquímicas e de fertilizantes. Em 1993 e 1994 inten-sificou-se o processo de transferência de empresas produtivas ao setor pri-vado, concluindo-se a privatização das empresas siderúrgicas. Nesse período foram desestatizadas quinze empresas, com a arrecadação de cerca de quatro e meio bilhões de dólares norte-ame-ricanos, em sua maior parte em mo-eda corrente. Em março de 1994, pelo Decreto nº 1.068 o Executivo Federal incluiu no PND as participações societá-rias minoritárias detidas por fundações, autarquias, empresas públicas, socie-dades de economia mista e quaisquer outras sociedades controladas, direta ou indiretamente, pela União Federal. com a eleição do Presidente Fernando Henrique cardoso em 1995 houve uma intensificação nas privatizações. O PND foi apontado como sendo um dos prin-cipais instrumentos do Programa Dire-tor da Reforma do Aparelho do Estado. Entre 1995 e 1996, após significativas alterações da matriz constitucional mediante a flexibilização dos serviços de telecomunicações e do monopólio da exploração do petróleo e do gás natural, dentre outras, e com a edição de lei específica acerca da concessão e permissão dos serviços públicos (lei nº 8.987/95), iniciou-se uma nova fase do PND, em que os serviços públicos foram sendo concedidos à iniciativa privada, com destaque para o setor elétrico, de transportes e telecomunicações. É re-levante registrar que em 1997 ocorreu um dos grandes marcos do PND, com a venda das ações da companhia vale do Rio Doce - cvRD, num processo de desestatização pautado por intensa batalha de liminares judiciais. com a privatização da companhia vale do Rio Doce encerrou-se praticamente a transferência à iniciativa privada das empresas industriais e o início de uma nova fase, cujo foco principal foi a pri-vatização de empresas ligadas à área de infra-estrutura e as concessões de serviços públicos. Além da privatiza-ção da cvRD, merece destaque, ainda, o término da desestatização da Rede Ferroviária Federal — RFFSA, com a venda da malha Nordeste e o leilão de sobras de 14,65% das ações ordinárias

A desestatização implementada no país foi executada mediante várias mo-dalidades39: alienação de participação societária detida pelo Estado, inclusive de controle acionário; abertura de capital; aumento de capital, com renúncia ou cessão, total ou parcial, de direitos de subscrição; alienação, arrendamen-to, locação, comodato ou cessão de bens e instalações; dissolução de socie-dades ou desativação parcial de seus empreendimentos, com a consequente alienação de seus ativos; e concessão, permissão ou autorização de serviços públicos.40 Conforme visto, o programa de desestatização fez-se acompanhar da instituição de toda uma estrutura reguladora por parte do Estado, sen-do relevante, por conseguinte, estudar o significado da regulação do Estado sobre a atividade econômica, a partir das considerações a seguir tecidas, e o conseqüente impacto sobre o estudo do direito administrativo.

Regulação da atividade econômica

A terminologia “regulação da atividade econômica” apresenta mais de um sentido, dependendo do contexto em que for utilizada. Com efeito, o termo pode ser interpretado tanto como significando um conjunto de atividades estatais voltadas à regulamentação de um determinado setor específico da economia (como, por exemplo, os setores de telecomunicações, energia, se-guros de saúde, petróleo, dentre outros), mas também como o conjunto das atividades estatais voltadas à fiscalização e regulamentação sobre a generali-dade dos agentes da economia, como é o caso das atividades exercidas pelos órgãos ambientais e de defesa da concorrência.41 De outra perspectiva, mas igualmente espelhando a pluralidade de significados que o termo pode abar-car, observa Vital Moreira:

39. Segundo dados obtidos no bNDES (www.bndes.gov.br/privatiza-

40. bem a propósito, o Programa Nacional de Desestatização foi objeto de amplo questionamento perante os Tribunais Superiores, onde destacamos o acórdão do Tribunal Pleno do Supre-mo Tribunal Federal, na ADIN 1078/RJ, julgada em 11 de maio de 1994, que confirmou a constitucionalidade das privatizações, em textual: Ação Dire-ta De Inconstitucionalidade. Medida cautelar. Medida Provisória n. 506, de 25/5/1994, art. 1º, e Decretos n.s 427, de 16/01/1992; 473, de 10/3/1992, e 572, de 22/6/1992, todos concernentes ao Programa Nacional de Desestati-zação, regulado pela lei nº 8.031, de 12/4/1990. 2. Alegação de ofensa ao art. 21, XII, 171, II e 176, par. 1.. da constituição. 3. Não conhecimento da ação, relativamente aos decretos n.s 427, 473 e 572, todos de 1992, por não serem atos normativos, mas, tão--só, atos administrativos individuais e concretos. 4. Diante da viabilidade de privatização de entidades da adminis-tração indireta, no sistema da consti-tuição, a lei nº 8.031, de 1990, instituiu o Programa Nacional de Desestatiza-ção, cujas modificações poderão ser feitas por lei, de acordo com a política da administração a ser seguida, respei-tadas as normas da constituição. 5. Os fundamentos da inicial não justificam a concessão da cautelar, não se caracte-rizando, também, o “periculum in mora”. 6. Se porventura houver pro-cesso de privatização de empresa, que se tenha como contrário à lei especial referida ou aos princípios da constitui-ção, há vias judiciais adequadas, para eventualmente atacar o ato adminis-trativo especifico, tal como já sucedeu. 7. Ação conhecida, em parte, e, nessa parte, indeferida a medida cautelar.

41. SUNDFElD, carlos Ari. “Intro-dução às Agências Reguladoras”. In SUNDFElD, carlos Ari (coord.). Direito Administrativo econômico. São Paulo: Malheiros, 2000, p. 18. Explica ainda o autor: “A regulação, enquanto espécie de intervenção es-tatal, manifesta-se tanto por poderes e ações com objetivos claramente eco-nômicos (o controle de concentrações empresariais, a repressão de infrações à ordem econômica, o controle de preços e tarifas, a admissão de novos agentes no mercado) como por outros de justificativas diversas, mas de efeitos econômicos inevitáveis (medidas am-bientais, urbanísticas, de normalização, de disciplina das profissões etc.).” Ob. cit., loc. cit.

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da companhia Espírito Santo centrais Elétricas - Escelsa. Nesse ano também foi realizada a primeira privatização no setor financeiro, envolvendo as ações do banco Meridional do brasil S/A. Em 16 de julho de 1997 foi editada a lei nº 9.472, a lei Geral de Telecomunicações, tornando-se possível o processo de privatização do setor de telecomuni-cações, no qual foram licitadas con-cessões de telefonia móvel celular para três áreas do território nacional. Em ju-lho de 1998 o governo federal alienou as ações das doze holdings, criadas a partir da cisão do Sistema Telebrás, re-presentando a transferência à iniciativa privada das Empresas de Telefonia Fixa e de longa Distância, bem como das empresas de Telefonia celular-banda A. O resultado financeiro com a venda das ações dessas doze empresas somou 22.057 milhões de reais, sendo que o ágio médio foi de 53,74% sobre o preço mínimo. Foi transferida para a iniciativa privada a exploração do Terminal de contêineres do Porto de Sepetiba (Te-con 1), da cia. Docas do Rio de Janeiro, do cais de Paul e do cais de capuaba (cia. Docas do Espírito Santo-cODESA), Terminal roll-on roll-off (cDRJ) e Porto de Angra dos Reis (cDRJ). No setor elétrico foi realizada a venda das ações de emissão da companhia centrais Elé-tricas Geradoras do Sul S/A - GERASUl,  após  a cisão efetivada em  29  de abril  de  1998.  A arrecadação foi de 800,4 milhões de dólares norte-americanos, pagos totalmente em moeda corren-te. Em 1999 o governo arrecadou 128 milhões de dólares norte-americanos com a outorga das concessões para exploração de quatro áreas de telefonia fixa das empresas espelho que fazem concorrência às atuais companhias de Telecomunicações.  Em 23 de junho daquele ano foi realizada a venda da Datamec S.A - Sistemas e Processa-mento de Dados, empresa do setor de Informática, que  foi adquirida pela Unisys brasil S.A pelo preço mínimo de 47,29 milhões de dólares norte-ame-ricanos. O Porto de Salvador (cODEbA) foi adquirido em 21 de dezembro pela Wilport Operadores Portuários pelo preço mínimo de 21 milhões de dólares norte-americanos. O resultado obtido com o Programa Nacional de Desestati-zação no ano 2000 atingiu cerca de 7,7 bilhões de dólares norte-americanos, representando, assim, a maior receita anual já auferida pelo Programa desde o seu início. O destaque no ano consis-tiu na venda das ações que excediam o controle acionário detido pela União na Petróleo brasileiro S.A. — Petrobrás, e a desestatização do banco do Estado de São Paulo S.A — banespa. A conclusão da mega operação de venda, no brasil e no exterior, das ações da Petrobrás ocorreu em 09 de agosto daquele ano e o valor total auferido foi de 4 bilhões de dólares norte-americanos. Observe-se

Quanto à amplitude do conceito, aparecem-nos três concepções de regulação: (a) em sentido amplo, é toda forma de intervenção do Estado na economia, independentemente de seus instrumentos e fins; (b) num sentido menos abrangente, é a intervenção estatal na economia por outras formas que não a participação direta na atividade econômica, equivalendo, portanto, ao condicionamento, coordenação e disciplina da atividade econômica privada; (c) num sentido restrito, é somente o condicionamento normativo da atividade econômica privada (por via de lei ou outro instrumento normativo).42

Dessa forma, a atividade estatal de regulação, em seu sentido mais técnico e restrito, constitui uma espécie do gênero intervenção estatal na economia, diferindo, todavia, da participação direta do Estado, tanto no que tange aos seus pressupostos, quanto aos seus objetivos e instrumentos. Nesse sentido, expõe Marçal Justen Filho:

A regulação econômico-social consiste na atividade estatal de in-tervenção indireta sobre a conduta dos sujeitos públicos e privados, de modo permanente e sistemático, para implementar as políticas de governo e a realização dos direitos fundamentais.43

A regulação estatal da atividade econômica, longe de diminuir a impor-tância da participação do Estado na economia, apenas lhe confere uma nova dimensão. O Estado deixa de ter uma função eminentemente empresarial, para passar a atuar principalmente de forma indireta, como ente fomentador, regulador, mediador, fiscalizador e planejador da vida econômica.

Conforme visto, a partir dessa mudança de perspectiva iniciada com a Constituição de 1988 e reforçada após as Emendas Constitucionais que pro-piciaram o processo de desestatização44, ganha ênfase, no Brasil, a figura do Estado regulador, cuja atuação, em sentido bastante amplo, é assim definida por Alexandre Santos de Aragão:

A regulação estatal da economia é o conjunto de medidas legislativas, administrativas e convencionais, abstratas ou concretas, pelas quais o Estado, de maneira restritiva da liberdade privada ou meramente indu-tiva, determina, controla, ou influencia o comportamento dos agentes econômicos, evitando que lesem os interesses sociais definidos no mar-co da Constituição e orientando-os em direções socialmente desejáveis.

É nesta perspectiva que o jurista, as entidades e os órgãos reguladores devem estar atentos para paradigmas regulatórios como a administrativiza-ção, fluidez, consensualidade, reflexibilidade, consensualismo, valorização

42. MOREIRA, vital. Auto-regula-ção profissional e administra-ção pública. coimbra: Almedina, 1997, p. 35. comumente, a doutrina administrativista utiliza a terminologia em seu segundo significado.

43. JUSTEN FIlHO, Marçal. curso de direito administrativo. São Paulo: Saraiva, 2005, p. 447.

44. Marcos Juruena villela Souto define o processo de desestatização nos seguintes termos: “É a retirada do Estado de atividades reservadas cons-titucionalmente à iniciativa privada (princípio da livre iniciativa) ou de se-tores em que ela possa atuar com maior eficiência (princípio da economicida-de); é o gênero do qual são espécies a privatização, a concessão, a permissão, a terceirização e a gestão associada de funções públicas”. SOUTO, Marcos Juruena villela. Direito adminis-trativo da economia. 3ª ed. Rio de Janeiro: lumen Iuris, 2003, p. 147.

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que se tratou de operação pioneira em que, pela primeira vez foram aceitos re-cursos do FGTS na aquisição das ações. Do mesmo modo, merece destaque a alienação das ações do banco do Estado de São Paulo — banespa, realizada em 20 de novembro. Nessa operação o ban-co espanhol Santander central Hispano adquiriu 60% do capital votante do banespa por 7 bilhões de reais, corres-pondendo a um ágio de 281% em rela-ção ao preço mínimo de 1,8 bilhões de reais. Foram realizadas no ano de 2000 vendas de participações minoritárias da União incluídas no PND no âmbito do Decreto 1068/94, bem como licita-das, pela Agência Nacional de Energia Elétrica - ANEEl, concessões para exploração de novos aproveitamentos hidrelétricos e de novas linhas de trans-missão. No ano 2001 foram realizados dois leilões de concessão dos serviços de telefonia celular para as bandas D e E. As Áreas 2 e 3 da banda D e Área 1 da banda E, foram vendidas para a Tele-com Itália, representando, respectiva-mente, 543 milhões de reais, com ágio de 0,56%, 997 milhões de reais, com ágio de 40,42% e 990 milhões de reais, com ágio de 5,3%. A Área 2 da banda D foi arrematada pela Telemar, pelo valor de 1.102 milhões de reais, com ágio de 17,3%, e as Áreas 2 e 3 da banda E não tiveram lances ofertados no dia do lei-lão. Em 30 de abril de 2001 foi realizado leilão de ações, no âmbito do Decreto 1.068/94, totalizando 26 milhões de reais, e, em 18 de julho encerrou-se a oferta  pública, no brasil e no exterior, de 41.381.826 ações preferenciais da Petrobrás, representativas de 3,5% do seu capital total, perfazendo com a venda um total de 808,3 milhões de dó-lares norte-americanos. Em janeiro de 2002 foi privatizado o banco do Estado do Amazonas — bEA, por 76,8 milhões de dólares norte-americanos.

40 bem a propósito, o Programa Na-cional de Desestatização foi objeto de amplo questionamento perante os Tribunais Superiores, onde destacamos o acórdão do Tribunal Pleno do Supre-mo Tribunal Federal, na ADIN 1078/RJ, julgada em 11 de maio de 1994, que confirmou a constitucionalidade das privatizações, em textual: Ação Dire-ta De Inconstitucionalidade. Medida cautelar. Medida Provisória n. 506, de 25/5/1994, art. 1º, e Decretos n.s 427, de 16/01/1992; 473, de 10/3/1992, e 572, de 22/6/1992, todos concernentes ao Programa Nacional de Desestati-zação, regulado pela lei nº 8.031, de 12/4/1990. 2. Alegação de ofensa ao art. 21, XII, 171, II e 176, par. 1.. da constituição. 3. Não conhecimento da ação, relativamente aos decretos n.s 427, 473 e 572, todos de 1992, por não serem atos normativos, mas, tão--só, atos administrativos individuais e concretos. 4. Diante da viabilidade de privatização de entidades da adminis-

dos resultados em relação aos meios, permeabilidade aos demais subsistemas sociais, etc.

A função reguladora da economia pelo Estado possui muitas e complexas faces, donde a importância de a interpretação dos atos estatais nessa seara ser realizada em consonância com os valores mencionados pelo autor.

Qual é o impacto para essa função reguladora para o Direito Administrativo?A regulação de atividades econômicas pelo Estado desponta como uma

“nova” categoria de escolha pela Administração Pública, sendo a estrutura estatal necessária para equilibrar os subsistemas regulados, suprir as falhas do mercado, mediar e ponderar os diversos interesses ambivalentes (sem pender para qualquer um dos lados).

A escolha regulatória descentralizada tem mais condições de enfrentar os desafios da reflexividade da vida social, que consiste no fato de que as práticas sociais são constantemente examinadas e reformadas à luz de informação re-novada sobre estas próprias práticas, alterando assim seu caráter.

A compatibilização desse modelo de atuação estatal com a pós-moderni-dade está no fato de que o Estado deve, ainda, conter os excessos perpetrados pelos agentes que detêm o poder econômico privado por meio de valores e princípios garantidos pela força normativa da Constituição Federal.

A associação do direito administrativo à fase pós-moderna indica, portan-to, sua necessária adaptação às mudanças econômicas e sociais, permitindo seu perfeito acoplamento ao contexto da realidade para ser instrumento de efetividade dos direitos fundamentais. A supremacia do interesse público e, indiretamente, da Administração Pública, nessa fase, deve deixar de ser um atributo permanente e prevalente.

Com efeito, as políticas nacionais típicas do Estado contemporâneo se põem em prática mediante a edição de muitas regras gerais, em grande par-te com indeterminações técnicas, que acabam por exigir mais do que uma simples integração dessas mesmas normas, como ocorre com a escolha deter-minativa de conceito (conceito jurídico indeterminado) e a escolha discricio-nária (discricionariedade).

Com as premissas da pós-modernidade e o ingresso do Brasil no modelo regulador, infere-se que novas necessidades devem ser identificadas e expos-tas, especialmente para que o Estado neutralize os excessos e utilize seu “po-der” como instrumento de controle da atuação privada.

A importância da escolha administrativa regulatória é detectada na confor-mação da garantia de equilíbrio de um subsistema, por meio de mecanismos para sua efetividade com vistas ao ajuste das oscilações econômicas e sociais, ainda que possam parecer surpreendentes por suas características inovadoras em relação ao direito administrativo passado.

Por meio do atual modelo de Estado, propício à escolha regulatória, deve--se buscar um planejamento preventivo, pois não se concebe mais a idéia de que

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tração indireta, no sistema da consti-tuição, a lei nº 8.031, de 1990, instituiu o Programa Nacional de Desestatiza-ção, cujas modificações poderão ser feitas por lei, de acordo com a política da administração a ser seguida, respei-tadas as normas da constituição. 5. Os fundamentos da inicial não justificam a concessão da cautelar, não se caracteri-zando, também, o “periculum in mora”. 6. Se porventura houver processo de privatização de empresa, que se tenha como contrário à lei especial referida ou aos princípios da constituição, há vias judiciais adequadas, para even-tualmente atacar o ato administrativo especifico, tal como já sucedeu. 7. Ação conhecida, em parte, e, nessa parte, indeferida a medida cautelar.

41 SUNDFElD, carlos Ari. “Introdução às Agências Reguladoras”. In SUNDFElD, carlos Ari (coord.). Direito Administra-tivo Econômico. São Paulo: Malheiros, 2000, p. 18. Explica ainda o autor: “A regulação, enquanto espécie de in-tervenção estatal, manifesta-se tanto por poderes e ações com objetivos claramente econômicos (o controle de concentrações empresariais, a repres-são de infrações à ordem econômica, o controle de preços e tarifas, a admissão de novos agentes no mercado) como por outros de justificativas diversas, mas de efeitos econômicos inevitáveis (medidas ambientais, urbanísticas, de normalização, de disciplina das profis-sões etc.).” Ob. Cit., loc. cit.

42 MOREIRA, vital. Auto-regulação profissional e administração pública. coimbra: Almedina, 1997, p. 35. co-mumente, a doutrina administrativista utiliza a terminologia em seu segundo significado.

43 JUSTEN FIlHO, Marçal. Curso de direi-to administrativo. São Paulo: Saraiva, 2005, p. 447.

44 Marcos Juruena villela Souto define o processo de desestatização nos seguin-tes termos: “É a retirada do Estado de atividades reservadas constitucional-mente à iniciativa privada (princípio da livre iniciativa) ou de setores em que ela possa atuar com maior eficiência (prin-cípio da economicidade); é o gênero do qual são espécies a privatização, a con-cessão, a permissão, a terceirização e a gestão associada de funções públicas”. SOUTO, Marcos Juruena villela. Direito administrativo da economia. 3ª ed. Rio de Janeiro: lumen Iuris, 2003, p. 147.

45 conforme GUERRA, Sérgio. Discricio-nariedade..., op. cit.

46 Exceções a essa regra geral são as ativi-dades de ensino e prestação de serviços de saúde que, embora caracterizadas como serviços públicos quando presta-das pelo Estado, encontram-se abertas ao seu exercício pela iniciativa privada.

há domínio, pelas casas legislativas, de todas as informações indispensáveis para apontar as variáveis mercadológicas a serem objeto de regras. Deve-se, ainda, perseguir a efetivação do fomento para seu correto desenvolvimento em bases sólidas, firmes; além de estar atento à proteção dos subsistemas, dian-te das pressões advindas dos interesses antinômicos — inseridos no próprio subsistema — ou do sistema social. Sob esses pilares, pensa-se que a regulação estará em condições próximas de se apresentar como apta a garantir direitos fundamentais, ponderando-os com outros interesses e direitos de idêntica dignidade jurídica e constitucional, observando-se princípios e valores sem uma predeterminada hierarquia entre os mesmos.45

Diferentes espécies de atividades reguladas: serviços públicos, monopólios estatais e atividades privadas regulamentadas.

Ao longo deste curso teremos a oportunidade de observar que as ativida-des econômicas, em sentido amplo, podem ser classificadas em atividades econômicas propriamente ditas, que são abertas à iniciativa privada; serviços públicos, que geralmente são de titularidade de um dos entes da federação;46 ou, ainda, monopólios públicos, que pertencem à União Federal e estão taxa-tivamente previstos na Constituição Federal.

Todas essas espécies de atividades podem ser reguladas pelo Estado, va-riando, no entanto, a intensidade da regulação a depender da espécie em questão. As próximas aulas serão dedicadas à disciplina jurídica dos serviços públicos.

Fomento estatal

É concebido ao Estado democrático de direito, como dever precípuo, a ga-rantia e realização dos direitos fundamentais estabelecidos na Constituição de 1988. Para que estes objetivos sejam plenamente alcançados, o desempenho estatal não se limita apenas às quatro funções tradicionais já estudadas — o poder de polícia, a prestação de serviços públicos, a intervenção do domínio econômico e a regulação. É incumbida ao Estado também a função de estí-mulo ao desenvolvimento integrado da sociedade, sendo este estímulo o fun-damento básico constitutivo da 5ª função administrativa: o fomento público.

Uma compreensão adequada desta função estatal se torna fundamental na medida em que pode ocorrer o que a doutrina chama de sub-teorização do instituto, ou seja, a ação administrativa de fomento é sempre examinada de passagem pelos doutrinadores, “sem reparar em sua singularidade nem deter-se na caracterização e no estudo dos atos em que se concretiza”.47

45. conforme GUERRA, Sérgio. Dis-cricionariedade..., op. cit.

46. Exceções a essa regra geral são as atividades de ensino e prestação de serviços de saúde que, embora caracte-rizadas como serviços públicos quando prestadas pelo Estado, encontram-se abertas ao seu exercício pela iniciativa privada.

47. POZAS, Juiz Jordana de. “en-sayo de una teoria general del fomento em el derecho administrativo”. Madri - Instituto de Estudios de Administracion local, 1961, p. 41-54.

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47 POZAS, Juiz Jordana de. “Ensayo de una teoria general del fomento em el derecho administrativo”. Madri - Institu-to de Estudios de Administracion local, 1961, p. 41-54.

48 HOUAISS, Antonio. Dicionário da lín-gua portuguesa. Rio de Janeiro. Objeti-va, 2001, p. 1367.

49 MOREIRA NETO, Diogo de Figueiredo. “Curso de direito administrativo: parte introdutória, parte geral e parte espe-cial” — Rio de Janeiro: Ed. Forense, 2009. p. 585.

50 MEllO, célia cunha. “O fomento da administração pública”. belo Horizonte: Del Rey, 2003, p.42 e 43.

51 SANTOS DE MENDONçA, José vicente. “Uma teoria do fomento público: Crité-rios em prol de um fomento público de-mocrático, eficiente e não paternalista” — Revista de direito Processual Geral, Rio de Janeiro, (65), 2010. p.123

O verbo “fomentar” está diretamente relacionado aos atos de estimular; incitar; favorecer; “proporcionar meios para o desenvolvimento de algo”.48 Nes-te sentido, aplicando-se esta definição à função administrativa de fomento, este poderia ser conceituado como um auxílio, concedido através de meios públicos, ao desenvolvimento e ao exercício de uma atividade privada que se supõe de interesse social. Nas palavras de Diogo de Figueiredo Moreira Neto, o fomento estatal consiste na “função administrativa através da qual o Estado ou seus delegados incentivam, direta, imediata e concretamente, a iniciativa dos administrados ou de entidades públicas e privadas, para desempenharem ativida-des que a lei haja destacado com especial interesse público para o desenvolvimento integral e harmonioso da sociedade”.49

Distinções e características específicas do Fomento público

Para se compreender o instituto do fomento público, incluindo suas ca-racterísticas peculiares, torna-se fundamental a sua diferenciação das outras funções estatais.

Em relação ao poder de polícia, o caráter voluntário e não coercitivo do fomento público constitui o principal elemento diferenciador entre essas duas faculdades. De acordo com Célia Cunha de Mello: “se o poder de polícia caracteriza-se pela restrição coercitiva da liberdade e da propriedade individuais, o fomento público, ao contrário, deixa os indivíduos livres para aderir ou não aos propósitos do Estado, independente de qualquer ação coercitiva”.50

Dessa forma, uma das principais características do fomento público con-siste no seu caráter voluntário para a iniciativa privada, ou seja, na inexistên-cia de qualquer obrigação dos administrados em aderir aos instrumentos de fomento disponibilizados pelo Estado.

Desta forma, enquanto o particular não aderir consensualmente a esses instrumentos, o Estado não possui legitimidade para obrigá-lo à consecução de determinadas atividades relacionadas ao fomento — o caráter não-coer-citivo se perpetua enquanto não há adesão do particular ao “convite” formu-lado pela política pública. Porém, a partir do momento em que o particular aceita exercer uma atividade fomentada pelo Estado, o poder público passa a ter a obrigação de fiscalizar o desempenho do fomentado no cumprimento das condições que lhe foram fixadas, tendo permissão para a imposição de multas e até mesmo para o requerimento da devolução de valores investidos.51

Já a diferenciação entre esta atividade e a prestação de serviço público pode ser resumida da seguinte forma: no fomento público a Administração Pública não possui uma obrigação de fazer, limitando-se apenas a incentivar/estimular o particular na consecução de determinada atividade, agindo, assim, de modo indireto. Exatamente o oposto ocorre na prestação de serviços públicos. O

48. HOUAISS, Antonio. Dicionário da língua portuguesa. Rio de Janeiro. Ob-jetiva, 2001, p. 1367.

49. MOREIRA NETO, Diogo de Figuei-redo. “curso de direito admi-nistrativo: parte introdutória, parte geral e parte especial” — Rio de Janeiro: Ed. Forense, 2009. p. 585.

50. MEllO, célia cunha. “O fomen-to da administração pública”. belo Horizonte: Del Rey, 2003, p.42 e 43.

51. SANTOS DE MENDONçA, José vicente. “uma teoria do fo-mento público: critérios em prol de um fomento público democrático, eficiente e não paternalista” — Revista de direito Processual Geral, Rio de Janeiro, (65), 2010. p.123

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52 como exemplo de sua seletividade, o poder público pode conceder isenções fiscais ao Norte e Nordeste, para esti-mular o desenvolvimento da atividade industrial, não sendo obrigado a conce-der as mesmas isenções às outras regi-ões, que já possuem um pólo industrial estabelecido.

53 caso o particular fomentado, agindo dentro da lei, assume compromissos financeiros baseado no entendimento de que a ação fomentadora continua-ria, e logo depois a administração re-voga tal incentivo, caberá indenização justificada pela proteção da confiança legítima do administrado, em relação à administração.

54 “Se a ideia é auxiliar o desempenho de uma atividade privada, mas sem que essa mesma atividade se confunda com aquelas que são exercidas pelo Estado, então não se pode admitir, nem lógica nem conceitualmente, um fomento público que se eternize”. SANTOS DE MENDONçA, José vicente. Uma teoria do fomento público: critérios em prol de um fomento público democrático, eficiente e não paternalista. Revista de Direito Processual Geral. Rio de Janeiro, (65), 2010. p. 140.

55 Exemplos de formas de se fazer valer esse critério: análise objetiva da situa-ção econômica da empresa fomentada e indicação mínima de expertise.

56 MOREIRA NETO, Diogo de Figueiredo. “Curso de direito administrativo: parte introdutória, parte geral e parte espe-cial” — Rio de Janeiro: Ed. Forense, 2009. p 585.

Estado, quando envolve serviços de interesse social, tem o dever de prestá-los diretamente — pois a titularidade dos mesmos é de exclusividade estatal (art. 175, CF/88). Deve ser ressaltado que esta dicotomia entre realização indireta e direta da função pública constitui também a principal diferença entre o fo-mento e a intervenção direta do Estado no domínio econômico.

Por fim, vale mencionar que, caso se utilize uma conceituação ampla de regulação, essa pode abranger, além da edição de normas, atos fiscalizatórios e composição de controvérsias, também a indução de comportamentos por intermédio do fomento.

Após o exposto acima, podemos enumerar as características definidoras do fomento público de acordo com José Vicente Santos de Mendonça, sendo elas: (i) seu exercício se dá, em um primeiro momento, sem coerção do Es-tado; (ii) não há obrigação do particular em aderir a ele; (iii) não se trata de mera liberalidade do poder público, ou seja, não é uma doação; (iv) é seletivo — a Administração Pública tem a faculdade de selecionar quais atividades e/ou regiões serão fomentadas;52 (v) é unilateral — a execução específica de determinada atividade fomentada não pode ser exigida, além do fato de que o fomento poder ser revogado pelo Estado — protegidos sempre a boa-fé e o direito de indenização ao particular, se for o caso;53 e (vi) é transitório — elemento essencial à sua configuração. 54

Requisitos e exemplos de fomento público

Em relação aos requisitos para a concessão de incentivo público, o requi-sito fundamental é a exigência de que o fomento se faça com base no princí-pio da legalidade. Exige-se uma autorização legal genérica para a atuação do fomento público, em que, de um lado, seus termos não sejam tão gerais que impossibilitem o estabelecimento de critérios objetivos; e, de outro, nem tão específicos que impossibilitem a atuação administrativa — pois tudo poderia ser considerado “ilegal”.

Além da legalidade, dentre outros requisitos podemos citar: (i) necessida-de de transparência e procedimentalização; (ii) não-lucratividade — o aporte dos investimentos para o fomento não pode ser superior ao valor da atividade fomentada; e (iii) eficiência do gasto público.55 Nas palavras de José Vicente Santos de Mendonça, “não se pode gastar dinheiro com quem não possui a me-nor condição de dar algum retorno, social ou econômico, ao Estado e a sociedade”.

Já em relação às formas existentes de fomento e a sua aplicação, Diogo de Figueiredo Moreira Neto divide essa função estatal em: planejamento estatal, fomento social, fomento econômico e fomento institucional.56

Em relação ao planejamento estatal, compreende-se, por exemplo, as ativi-dades de desenvolvimento regional, realizadas através de organismos regionais

52. como exemplo de sua seletivi-dade, o poder público pode conceder isenções fiscais ao Norte e Nordeste, para estimular o desenvolvimento da atividade industrial, não sendo obri-gado a conceder as mesmas isenções às outras regiões, que já possuem um pólo industrial estabelecido.

53. caso o particular fomentado, agindo dentro da lei, assume compro-missos financeiros baseado no enten-dimento de que a ação fomentadora continuaria, e logo depois a adminis-tração revoga tal incentivo, caberá indenização justificada pela proteção da confiança legítima do administrado, em relação à administração.

54. “se a ideia é auxiliar o de-sempenho de uma atividade privada, mas sem que essa mesma atividade se confunda com aquelas que são exerci-das pelo estado, então não se pode admitir, nem lógica nem conceitualmente, um fomen-to público que se eternize”. SAN-TOS DE MENDONçA, José vicente. Uma teoria do fomento público: critérios em prol de um fomento público democráti-co, eficiente e não paternalista. Revis-ta de Direito processual geral. Rio de Janeiro, (65), 2010. p. 140.

55. Exemplos de formas de se fazer valer esse critério: análise objetiva da situação econômica da empresa fomentada e indicação mínima de expertise.

56. MOREIRA NETO, Diogo de Figuei-redo. “curso de direito admi-nistrativo: parte introdutória, parte geral e parte especial” — Rio de Janeiro: Ed. Forense, 2009. p 585.

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57 MOREIRA NETO, Diogo de Figueiredo. “curso de direito administrativo: parte introdutória, parte geral e parte espe-cial” — Rio de Janeiro: Ed. Forense, 2009. p. 603.

58 Idem. p. 614.

como a SUDENE (Superintendência de desenvolvimento do Nordeste) e a SUDAM (Superintendência de desenvolvimento da Amazônia). Ambas as su-perintendências são definidas por lei como autarquias e possuem como função precípua proporcionar fomento econômico para suas respectivas regiões, atra-vés da criação de programas especiais e do desenvolvimento de polos econômi-cos, como a Zona Franca de Manaus.

Por sua vez, o fomento social tem como seu destinatário o homem em si. Guiado por vários preceitos constitucionais, como a dignidade da pessoa humana — art. 1º, III — e seus direitos imanentes, como educação (ex: Art. 5º, 150, VI; Art. 208, VII; Art. 211, 1º, art. 213) e cultura — (ex: art. 5º, art. 215 e art. 216), o fomento social busca auxiliar o homem em busca de uma vida condigna e produtiva. Como exemplo de órgãos da União Federal que buscam o fomento social à educação podemos citar a Comissão de Aperfei-çoamento do Pessoal de Ensino Superior — CAPES e o Conselho Nacional de Pesquisas — CNPq. Já em relação ao fomento público social à cultura, tal competência é prevista constitucionalmente — art. 23, III, IV e V— sendo comum a todos os entes políticos.

Em terceiro lugar, como exemplo de fomento público econômico pode-mos citar o fomento às empresas de pequeno porte. Como disposto na Cons-tituição Federal em seu art. 170, IX, deve-se fornecer “tratamento favorecido para as empresas de pequeno porte constituídas sob as leis brasileiras e que tenham sua sede e administração no país”. Como difusor deste princípio está o SE-BRAE — Serviço Brasileiro de Apoio às Micro e Pequenas Empresas, cujas atividades são custeadas por contribuições próprias e instituídas pelo decreto--lei nº 2.318/86.57

Por fim, em relação ao fomento institucional, de acordo com Diogo de Figueiredo Moreira Neto, este é pautado pela: (i) despolitização de interesses públicos — que possui como consequência a delegação a instituições que poderão tomar decisões de caráter exclusivamente técnico; (ii) por uma plu-ralização de interesses — decorrentes da emergência de interesses difusos e coletivos; e (iii) por entes intermédios — conceito que abrange “tanto entes intermediários que são criados pela sociedade para cuidar de problemas derivados da existência dos novos interesses coletivos e difusos, quanto aqueles que possam ser criados pelo próprio Estado, para atuar por delegação, de modo mais próximo das comunidades diretamente interessadas”.58

Como exemplo deste fomento institucional, podemos citar as “organiza-ções sociais” — instituídas pela lei nº 9637/98 — que atuam em setores de in-teresse público, como ensino, pesquisa científica e desenvolvimento tecnoló-gico; e as “organizações da sociedade civil de interesse público” — instituídas pela lei nº 9790/99 — que promovem, dentre outras atividades, a assistência social e a promoção da cultura, defesa e conservação do patrimônio histórico. Ambas podem firmar acordos com objetivo de receber recursos públicos.

57. MOREIRA NETO, Diogo de Figuei-redo. “curso de direito administrativo: parte introdutória, parte geral e parte especial” — Rio de Janeiro: Ed. Foren-se, 2009. p. 603.

58. Idem. p. 614.

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59 SANTOS DE MENDONçA, José vicente. “Uma teoria do fomento público: Crité-rios em prol de um fomento público de-mocrático, eficiente e não paternalista” — Revista de direito Processual Geral, Rio de Janeiro, (65), 2010. p.116.

60 Idem. “É possível que certas atividades nunca venham a ser viáveis, se desempe-nhadas de modo não fomentado, mas o objetivo da auto-sustentabilidade deve estar sempre presente e ser, de tempos em tempos averiguados”... “Por outro lado, se a atividade é ontologicamente deficitária, mas existem razões de inte-resse público para que subsista, melhor seria transformá-la, desde logo, em ser-viço público.”(p. 117. )

61 SANTOS DE MENDONçA, José vicente. “Uma teoria do fomento público: Crité-rios em prol de um fomento público de-mocrático, eficiente e não paternalista” — Revista de direito Processual Geral, Rio de Janeiro, (65), 2010. p. 175

considerações adicionais

Por último, é válido ressaltar que, de acordo com José Vicente Santos de Mendonça, existiriam dois grandes problemas que circundam o fomen-to público: o primeiro está relacionado à forma como ocorre sua concessão; e o segundo à sua intensidade e duração. O fomento pode ser instrumento adequado e necessário para a consecução de apoio ao desenvolvimento de atividades particulares que tenham como objetivo precípuo o atendimento a um interesse público, ou podem simplesmente ser objeto de corrupção, constituindo uma ajuda “do rei aos seus amigos”, devido à forma como são concedidos e à sua duração. 59

Assim, é de comum entendimento que as atividades beneficiadas pelo ins-trumento de fomento estatal devam receber benefícios na exata medida em que precisem desse aporte público e apenas durante o período em que este seja necessário a sua viabilidade econômica. 60 Assim, “o bom fomento é aquele calculado, que não falte nem exceda, e que dure o tempo suficiente para atingir seus objetivos.” 61

v. RecuRsOs/MATeRIAIs uTILIZADOs

Leitura obrigatória

JUSTEN FILHO, Marçal. Curso de direito administrativo. São Paulo: Ma-lheiros, 2005, cap. X (“Tipos de atividade administrativa: a regulação econô-mico-social”).

Leitura complementar

MELLO, Célia Cunha. O fomento da administração pública. Belo Horizonte: Del Rey, 2003.

MENDONÇA, José Vicente Santos de. Uma teoria do fomento público: critérios em prol de um fomento público, democrático, eficiente e não-pa-ternalista. Revista da Procuradoria-Geral do Estado 65, pp. 115-176, 2010.

POZAS, Juiz Jordana de. “Ensayo de una teoria general del fomento em el dere-cho administrativo”. Madri — Instituto de Estudios de Administracion local, 1961, p. 41-54.

59. SANTOS DE MENDONçA, José vicente. “uma teoria do fo-mento público: critérios em prol de um fomento público democrático, eficiente e não paternalista” — Revista de direito Processual Geral, Rio de Janeiro, (65), 2010. p.116.

60. Idem. “É possível que certas atividades nunca venham a ser viáveis, se desempenhadas de modo não fomentado, mas o objetivo da auto-sustenta-bilidade deve estar sempre presente e ser, de tempos em tempos averiguados”... “por outro lado, se a atividade é ontologicamente deficitária, mas existem razões de interes-se público para que subsista, melhor seria transformá--la, desde logo, em serviço público.”(p. 117. )

61. SANTOS DE MENDONçA, José vicente. “uma teoria do fo-mento público: critérios em prol de um fomento público democrático, eficiente e não paternalista” — Revista de direito Processual Geral, Rio de Janeiro, (65), 2010. p. 175

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vI. AvALIAçãO

caso gerador

Tendo em vista seus conhecimentos acerca dos papéis desempenhados pelo Estado na Ordem Econômica, quais são as principais diferenças entre as funções desempenhadas pelo Banco Central do Brasil, pelo Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social — BNDES e pelo Banco do Brasil?

vII. cONcLusãO DA AuLA

Com a Constituição da República Federativa de 1988, a intervenção esta-tal na economia passou por uma significativa transformação: de uma proemi-nente participação direta nos setores da economia passou a se dar ênfase a um papel principal de agente regulador e fomentador das atividades econômicas.

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62 DI PIETRO, Maria Sylvia Zanella. Di-reito administrativo. São Paulo: Atlas, 2000, p. 95.

63 Instituciones de derecho administrati-vo, tomo II, p. 364. como utilidade de natureza jurídica, o autor exemplifica a inscrição de uma hipoteca sobre um imóvel pela autoridade competente; dentre os serviços de natureza econô-mico-social, incluem-se os transportes públicos e a iluminação pública.

aulas 3 e 4:

I. TeMA

Regime jurídico dos serviços públicos.

II. AssuNTO

Princípios, características e divisão constitucional de competências em matéria de serviços públicos.

III. OBJeTIvOs especÍFIcOs

Discutir o regime jurídico aplicável aos serviços públicos.

Iv. DeseNvOLvIMeNTO MeTODOLÓgIcO

A prestação de serviços públicos à população constitui uma das principais finalidades da Administração Pública.

Conforme relata Maria Sylvia Zanella Di Pietro, a expressão “serviços pú-blicos” pode ser tomada tanto em concepção ampla como estrita; na primei-ra, insere-se toda atividade que o Estado exerce para cumprir suas finalidades, abrangendo, assim, não apenas a atividade administrativa, mas também a legislativa e a judiciária. Já a disciplina jurídica dos serviços públicos adminis-trativos, em sentido estrito, requer que se os diferencie não apenas das ativi-dades legislativa e jurisdicional, mas também da própria atividade de polícia da Administração Pública. Nosso objeto de análise nas aulas que se seguem se restringirá à concepção de serviço público em sentido estrito.62

De acordo com Renato Alessi, os serviços públicos, em sentido estrito, compreendem as atividades da Administração voltadas a buscar uma utili-dade para os particulares, tanto de natureza jurídica, como de ordem econô-mico-social. Dividem-se em serviços prestados uti universi, como o caso da iluminação pública, e uti singuli, como no caso dos transportes públicos.63

Os serviços públicos caracterizam-se por serem estatais e indelegáveis, ou seja, a sua titularidade não pode ser transferida à iniciativa privada, embora a sua execução, em determinadas hipóteses, possa sê-lo.

O conceito de serviços públicos se apresenta um dos temas mais contro-vertidos em direito administrativo. De acordo com José dos Santos Carvalho

62. DI PIETRO, Maria Sylvia Zanella. Direito administrativo. São Pau-lo: Atlas, 2000, p. 95.

63. Instituciones de derecho administrativo, tomo II, p. 364. como utilidade de natureza jurídica, o autor exemplifica a inscrição de uma hipoteca sobre um imóvel pela autori-dade competente; dentre os serviços de natureza econômico-social, incluem-se os transportes públicos e a iluminação pública.

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FGv DIREITO RIO 31

64 cARvAlHO FIlHO, José dos Santos. Manual de Direito Administrativo. 15a ed. Rio de Janeiro: lumen Iuris, 2006, pp. 265 e 266.

65 DI PIETRO, Maria Sylvia Zanella. Di-reito administrativo. 12a ed. São Paulo: Atlas, 98.

66 JUSTEN FIlHO, Marçal. Curso de direito administrativo. São Paulo: Malheiros, 2005, p. 478.

67 bANDEIRA DE MEllO, celso Antônio. Curso de direito administrativo. 21ª ed. São Paulo: Malheiros, 2006, p. 642.

Filho, existem três correntes distintas para a conceituação dos serviços públi-cos, que privilegiam três critérios distintos de análise:64

critério orgânico (ou subjetivo): serviço público é aquele prestado por ór-gãos públicos;

critério formal: serviço público é aquele disciplinado por regime de direito público, por disposição legal; e

critério material: serviço público é aquele que atende direta e essencial-mente a interesses da coletividade.

Para grande parte da doutrina, qualquer desses critérios, se considerado isoladamente, será insuficiente para abranger todas as características dos ser-viços públicos, de modo que o seu conceito emerge, o mais das vezes, da conjugação dos três. Nesse sentido, vejam-se as definições de alguns dos prin-cipais administrativistas brasileiros:

Maria Sylvia Zanella Di Pietro:

Serviço público [é] toda atividade material que a lei atribui ao Esta-do para que a exerça diretamente ou por meio de seus delegados, com o objetivo de satisfazer concretamente às necessidades coletivas, sob regime total ou parcialmente público.65

Marçal Justen Filho:

Serviço público é uma atividade pública administrativa de satisfação concreta de necessidades individuais ou transindividuais, materiais ou imateriais, vinculadas diretamente a um direito fundamental, destinada a pessoas indeterminadas e executada sob regime de direito público.66

Celso Antônio Bandeira de Mello:

Serviço público é toda atividade de oferecimento de utilidade ou comodidade material destinada à satisfação da coletividade em geral, mas fruível singularmente pelos administrados, que o Estado assume como pertinente a seus deveres e presta por si mesmo ou por quem lhe faça as vezes, sob um regime de Direito Público — portanto, consagra-dor de prerrogativas de supremacias e restrições especiais —, instituído pelo Estado em favor dos interesses definidos como públicos no sistema normativo.67

64. cARvAlHO FIlHO, José dos San-tos. Manual de Direito Admi-nistrativo. 15a ed. Rio de Janeiro: lumen Iuris, 2006, pp. 265 e 266.

65. DI PIETRO, Maria Sylvia Zanella. Direito administrativo. 12a ed. São Paulo: Atlas, 98.

66. JUSTEN FIlHO, Marçal. curso de direito administrativo. São Paulo: Malheiros, 2005, p. 478.

67. bANDEIRA DE MEllO, celso An-tônio. curso de direito adminis-trativo. 21ª ed. São Paulo: Malheiros, 2006, p. 642.

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68 Direito dos serviços públicos. Rio de Janeiro: Forense, 2007, p. 157.

69 GORDIllO, Agustín. Tratado de dere-cho administrativo. 5ª ed. belo Horizon-te: Del Rey, 2003, tomo 2, cap. vI, p. 37.

70 GORDIllO, Agustín. Tratado de de-recho administrativo. 5ª ed. belo Hori-zonte: Del Rey, 2003, tomo 2, cap. vI, pp. 40-41.

Alexandre Aragão:

Serviços públicos são as atividades de prestação de utilidades eco-nômicas a indivíduos determinados, colocadas pela Constituição ou pela Lei a cargo do Estado, com ou sem reserva de titularidade, e por ele desempenhadas diretamente ou por seus delegatários, gratuita ou remuneradamente, com vistas ao bem-estar da coletividade.68

A dificuldade na definição exata das características essenciais à classifi-cação de uma determinada atividade estatal como serviço público teve por consequência a chamada “crise do serviço público”, quando se percebeu que pelo menos dois elementos que durante longo tempo fizeram parte essencial do núcleo desse conceito, esvaíram-se com o passar dos anos. Conforme res-salta Agustín Gordillo, “dois elementos desta noção — a da pessoa que presta o serviço e o regime que o regula — entraram em crise há muito tempo”.69 Questionando a necessidade de uma conceituação doutrinária de serviço pú-blico, o autor observa:

A determinação de aplicar um regime de direito público a certa ati-vidade, estatal ou não, é uma decisão que a doutrina não pode estipular livremente, a partir da afirmação que resolva fazer no sentido de chamá--la “serviço público”; essa determinação vem dada pelo ordenamento jurídico, na medida em que efetivamente submeta ou não, em maior ou menor grau, alguma atividade humana ao direito público. Que alguém a chame “serviço público” antes de existir a regulação legal de direito público, expressa somente uma opinião pessoal de que conviria que essa atividade fora objeto de regulação pelo direito público. Que denomine “serviço público” a uma atividade qualquer, depois que o direito público a regulou, não apenas é intranscendente, como também enseja confu-sões, pois muitos poderão crer, seguindo a tradição conceitual, que se rege pelo direito público porque “é” um serviço público, esquecendo--se de que é chamado convencionalmente de serviço público porque está regido expressamente pelo direito público. Se o jurista encontra determinada atividade regida pelo direito privado, não pode chamá-la de serviço público sem induzir a equívocos. Tampouco efetua com isso alguma classificação juridicamente relevante ou útil. (...) Somente o re-gime jurídico positivo pode justificar a denominação (...).70

Em que pese uma tendência hoje observada de se privilegiar a dimensão formal da definição de serviços públicos, o regime de direito público que in-forma a prestação dos serviços públicos apresenta um conjunto de princípios

68. Direito dos serviços pú-blicos. Rio de Janeiro: Forense, 2007, p. 157.

69. GORDIllO, Agustín. Tratado de derecho administrativo. 5ª ed. belo Horizonte: Del Rey, 2003, tomo 2, cap. vI, p. 37.

70. GORDIllO, Agustín. Tratado de derecho administrativo. 5ª ed. belo Horizonte: Del Rey, 2003, tomo 2, cap. vI, pp. 40-41.

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que, quando presentes, permitem ao intérprete caracterizar a atividade estatal como serviço público.

Nesse sentido, ainda que a lei não o defina expressamente como “serviço público”, caso exija que o mesmo seja prestado à generalidade da população, de forma contínua, regularmente, eficiente e atual, com segurança, cortesia e preocupação com universalização e modicidade da tarifa cobrada como contraprestação, estar-se-á diante de um serviço público. Esses princípios en-contram fundamento no art. 175, IV, da Constituição Federal, que exige que os serviços públicos sejam prestados de forma “adequada”, a qual é então detalhada na Lei nº 8.987, de 13.02.1995, a Lei de Concessões e Permissões de Serviços Públicos, cujo art. 6º, §1º, dispõe:

§1º. Serviço adequado é o que satisfaz as condições de regularidade, continuidade, eficiência, segurança, atualidade, generalidade, cortesia na sua prestação e modicidade das tarifas.

O requisito de atualidade é detalhado no §2º desse mesmo artigo:

§2º. A atualidade compreende a modernidade das técnicas, do equi-pamento e das instalações e a sua conservação, bem como a melhoria e a expansão do serviço.

Atenta à realidade das atividades, a lei preocupou-se também em deter-minar hipóteses nas quais, embora seja interrompido o serviço, não resta caracterizada ofensa ao princípio da continuidade:

§3º. Não se caracteriza como descontinuidade do serviço a sua in-terrupção em situação de emergência ou após prévio aviso, quando:

I — motivada por razões de ordem técnica ou de segurança das instalações; e

II — por inadimplemento do usuário, considerando o interesse da coletividade.

O serviço público divisível pode ser remunerado por taxa ou tarifa. Nos termos do art. 145, II, da Constituição Federal, a taxa remunera serviços públicos obrigatórios, impostos ao administrado, específicos e indivisíveis, sendo um exemplo clássico a taxa de prevenção de incêndio. Os serviços públicos facultativos são remunerados por tarifa, que constitui um preço pú-blico, podendo o usuário optar por usufruir ou não do serviço que a Admi-nistração, de forma direta ou indireta, põe à sua disposição.

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71 Desestatização, Privatizações, Conces-sões e Terceirizações.4a. ed. Rio de Janei-ro: lumen Juris, 2.001.p. 144.

A partilha de competências constitucionais entre os entes federados para prestar ou conceder o serviço público

A estrutura que define a repartição de competências constitucionais entre os entes federativos opera-se com fundamento no princípio da predominância do interesse. Nesse sentido, a Constituição federal enumera os serviços públi-cos a serem prestados pelo ente federado, por si ou por terceiros, nos termos do art. 175 da Constituição Federal.

Os Estados-membros constituem instituições típicas do federalismo clás-sico, pois são os mesmos que dão a estrutura conceitual dessa forma de Es-tado. Nos termos do art. 21, §1o da Constituição Federal, aos Estados são reservadas todas as competências remanescentes, ou seja, aquelas que a Cons-tituição não tenha vedado expressamente.

Marcos Juruena Vilella Souto destaca, acerca da competência estadual, com arrimo em Manoel Gonçalves Ferreira Filho, que “a doutrina, muitas ve-zes, tem demonstrado certa vacilação em precisar quais seriam os limites rigo-rosos desta competência remanescente dos Estados-membros, reconhecendo mesmo que, em termos reais, seria das mais reduzidas, seja em extensão, seja em importância. Dessa maneira, numa primeira aproximação do preceito constitucional em comento, passou-se a considerar que estariam excluídas do âmbito da competência dos Estados todas aquelas matérias atribuídas de modo restritivo à competência da União e dos Municípios”.71

Porém, é extensa a lista de serviços públicos que os Estados podem, e de-vem, prestar diretamente ou transferir para terceiros, mediante concessão ou permissão.

Com efeito, as competências da União estão elencadas no art. 21, enquan-to que aos Municípios competem as concessões e permissões dos serviços públicos de interesse local.

Assim, compete à União explorar, ou conceder, os serviços de telecomuni-cações, serviço postal e aéreo; radiodifusão sonora e de sons e imagens; ener-gia elétrica; aproveitamento energético dos cursos d´água; navegação aérea e infra-estrutura aeroportuária; transporte ferroviário e aquaviário entre portos brasileiros, fronteiras nacionais e os que transponham limites de Estados e Territórios; transporte rodoviário interestadual e internacional de passagei-ros; serviços portuários. Além disso, é de competência da União instituir sistema nacional de gerenciamento de recursos hídricos e definir critérios de outorga de direitos de seu uso; instituir diretrizes para o desenvolvimento urbano, inclusive habitação, saneamento básico e transportes urbanos; e esta-belecer princípios e diretrizes para o sistema nacional de viação.

Aos Estados, cabe, expressamente, a prestação dos serviços públicos de distribuição de gás canalizado, e toda e qualquer competência que não tenha sido atribuída à União, nem seja estritamente de interesse local (poderes re-

71. Desestatização, pri-vatizações, concessões e Terceirizações.4a. ed. Rio de Janei-ro: lumen Juris, 2.001.p. 144.

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72 MOREIRA NETO, Diogo de Figueiredo. Mutações de Direito Administrativo. Rio de Janeiro: Renovar, p. 328.

73 Existem, ainda, regimes de parceria entre o poder público e pessoas de di-reito privado sem finalidades lucrativas (o chamado “terceiro setor”), dentre as quais se incluem as organizações sociais e as organizações da sociedade civil de interesse público. ver, a respei-to, cARvAlHO FIlHO, José dos Santos. Manual de direito administrativo. 15ª ed. Rio de Janeiro: lumen Iuris, 2006, pp. 287 a 295.

manescentes). São eles: transporte ferroviário, exceto quando competente a União, transporte metroviário; Transporte rodoviário intermunicipal; Trans-porte aquaviário, exceto quando for de competência da União, nos termos do art. 21, XII, d, da CF.

Cumpre destacar que aos Estados-membros compete, ainda, mediante lei complementar, instituir regiões metropolitanas, aglomerações urbanas e mi-crorregiões, constituídas por agrupamentos de municípios limítrofes, para integrar a organização, planejamento e a execução de funções públicas de interesse comum.

Aos Municípios compete a prestação dos serviços de interesse local (art. 30, V, CF), que “deve ser entendido como predominante e não exclusivo, para efeito da caracterização da competência em cada caso, máxime se con-siderarmos as alterações tecnológicas, sempre incidentes na evolução dos ser-viços públicos que são capazes de transformar, em pouco tempo, um serviço tipicamente local num serviço que poderá vir a ser prestado eficientemente em escala regional ou, mesmo, nacional.”72 Sob a competência municipal, tem-se, ainda, como inovação na Constituição de 1988, as atividades admi-nistrativas de interesse comum (art. 23), a exemplo do saneamento básico.

As formas de execução dos serviços públicos

Os serviços públicos podem ser prestados tanto diretamente pelo próprio ente titular da competência, como ter sua execução delegada a terceiros.

O Estado, quando decide prestá-los diretamente, pode instituir empresas públicas e sociedades de economia mista, como forma de gerir de forma mais eficiente a execução desses serviços.

Conforme se detalhará nas próximas aulas, caso decida delegar a presta-ção do serviço à iniciativa privada, aplicar-se-ão os institutos da concessão e da permissão de serviços públicos (por força da previsão do art. 175, CF), havendo ainda discussão doutrinária quanto à possibilidade de delegação de serviços públicos por meio do instituto da autorização, tendo em vista o dis-posto no art. 21, XI e XII, da Constituição.73

72. MOREIRA NETO, Diogo de Fi-gueiredo. Mutações de Direito Administrativo. Rio de Janeiro: Renovar, p. 328.

73. Existem, ainda, regimes de parce-ria entre o poder público e pessoas de direito privado sem finalidades lucrati-vas (o chamado “terceiro setor”), den-tre as quais se incluem as organizações sociais e as organizações da sociedade civil de interesse público. ver, a respei-to, cARvAlHO FIlHO, José dos Santos. Manual de direito administrativo. 15ª ed. Rio de Janeiro: lumen Iuris, 2006, pp. 287 a 295.

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v. RecuRsOs/MATeRIAIs uTILIZADOs

Leitura obrigatória

CARVALHO FILHO, José dos Santos. Manual de Direito Administrativo. São Paulo: Atlas, itens:

• Serviçospúblicos:introdução• Conceito• Características• Classificação• Titularidade• Princípios

Leitura complementar

DI PIETRO, Maria Sylvia. Direito administrativo. São Paulo: Atlas, capítulo 4 (“serviços públicos”).

vI. AvALIAçãO

caso gerador 1

Em agosto de 2009 o Supremo Tribunal Federal concluiu o julgamento da Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental n. 46, em que se discutia se o “monopólio” do serviço postal pela União, previsto em lei federal da década de 70, havia sido recepcionado pela Constituição de 1988. Tal questão possuía alta relevância prática, pois da decisão do STF dependia a conclusão sobre se empresas privadas poderiam atuar livremente no mercado de serviço de entrega de correspondências.

A controvérsia tem origem no fato de que a Constituição Federal determi-na, em seu art. 21, X, ser dever da União a prestação do serviço postal.

Art. 21. Compete à União:(...)X — manter o serviço postal e o correio aéreo nacional

Além disso, a lei nº 6.538/78, que dispõe sobre os serviços postais, conferiu-lhe monopólio para o desempenho dos serviços postais, nos seguintes termos:

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74 MARQUES NETO, Floriano Peixoto de Azevedo. “Reestruturação do setor postal brasileiro”. Revista Trimestral de DireitoPpúblico, nº 19, p. 149.

75 MARQUES NETO, Floriano Peixoto de Azevedo. Reestruturação do setor postal brasileiro. Revista Trimestral de Direito Público, nº 19, p. 161.

Art. 9º — São exploradas pela União, em regime de monopólio, as seguintes atividades postais:

I — recebimento, transporte e entrega, no território nacional, e a expedição, para o exterior, de carta e cartão-postal;

II — recebimento, transporte e entrega, no território nacional, e a expedição, para o exterior, de correspondência agrupada:

III — fabricação, emissão de selos e de outras fórmulas de franque-amento postal.

§1º — Dependem de prévia e expressa autorização da empresa ex-ploradora do serviço postal;a) venda de selos e outras fórmulas de franqueamento postal;b) fabricação, importação e utilização de máquinas de franquear cor-respondência, bem como de matrizes para estampagem de selo ou ca-rimbo postal.

§ 2º — Não se incluem no regime de monopólio:a) transporte de carta ou cartão-postal, efetuado entre dependências da mesma pessoa jurídica, em negócios de sua economia, por meios próprios, sem intermediação comercial;b) transporte e entrega de carta e cartão-postal; executados eventual-mente e sem fins lucrativos, na forma definida em regulamento.

Para Floriano de Azevedo Marques Neto, “não se nega que a atividade pos-tal seja de enorme relevância para a integração do país e para a preservação da identidade nacional. Mas isto remete muito mais à necessidade de existir um serviço postal universal (dever de manutenção do mesmo) do que à contingên-cia de ser ele monopolizado pelo Estado”.74 Adiante, o autor complementa:

Igualmente no que toca ao ‘monopólio’ público — que, como vi-mos, exclui a possibilidade do exercício de uma atividade por outrem que não o Poder Público — no próprio art. 21 vamos encontrar com-petências determinadas pelo verbo ‘manter’ e que nem de longe podem ser tidas como excludentes do exercício do exercício da atividade por entidades privadas. É o caso da obrigação de manter serviços oficiais de estatística, geografia, geologia e cartografia no âmbito nacional (inciso XV). Ora, é irrefutável que à União corresponde o encargo de sustentar e prover a coletividade nacional de tais serviços. Porém, a ninguém socorreria defender que tal atividade seria ‘monopólio’ da União, ve-dando às universidades, às organizações não-governamentais ou mes-mo às entidades o exercício das atividades de levantamento estatístico, geográfico ou, o que é mais comum, a realização de serviços de pesquisa geológica ou cartográfica de âmbito nacional.75

74. MARQUES NETO, Floriano Peixoto de Azevedo. “Reestruturação do setor postal brasileiro”. Revista Trimes-tral de Direitoppúblico, nº 19, p. 149.

75. MARQUES NETO, Floriano Peixoto de Azevedo. Reestruturação do setor postal brasileiro. Revista Trimes-tral de Direito público, nº 19, p. 161.

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Nesse sentido, pergunta-se:1) A atividade de entrega de correspondências constitui serviço público?

Em sua análise, comente o dispositivo constitucional acima transcrito bem como a lei nº 6.538/78.

2) Caso seja serviço público, deve necessariamente ser prestado através de “monopólio”? Por quê?

3) A Lei nº 6.538/78 foi recepcionada pela Constituição Federal?

caso gerador 2

O Ministério Público de Minas Gerais ajuizou ação civil pública exigindo que a Administração Pública de determinado município passasse a efetuar coleta de lixo domiciliar diária. Como se sabe, é dever das autoridades pú-blicas, em suas três esferas (federal, estadual e municipal), promover a saúde pública da população e prestar os serviços públicos de forma contínua. Em primeira instância, o juiz monocrático julgou procedente o pleito do Minis-tério Público. Inconformado, o Município interpôs recurso de apelação.

O Tribunal deu provimento ao recurso, o que ensejou a interposição de recurso especial ao Superior Tribunal de Justiça, que interpôs recurso especial ao Superior Tribunal de Justiça.

Analisando o caso acima, analisar as características da atividade de coleta de lixo domiciliar. Ela constitui um serviço público?

Na qualidade de promotor de justiça, quais seriam os argumentos para embasar a petição inicial?

Como procurador do município, quais seriam os argumentos para emba-sar a sua contestação?

Na qualidade de magistrado, a seu ver, como deveria ser resolvida a con-trovérsia?

caso gerador 3:

Lei aprovada na Assembleia Legislativa do Estado do Rio Grande do Sul isentou os trabalhadores desempregados domiciliados no Estado do paga-mento das tarifas de energia elétrica fornecida pela Companhia Estadual de Energia Elétrica (CEEE). Esta lei é constitucional?

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vII. cONcLusãO DA AuLA

Serviço público é uma expressão polissêmica que, todavia, tem inegável efeito prático sobre o regime jurídico aplicável às atividades econômicas. O regime jurídico de cada serviço público deve ser buscado no ordenamento jurídico do ente estatal que, por definição constitucional, tenha competência para sua disciplina.

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unIdade II: ConCessão de servIços públICos e parCerIas públICo-prIvadas (ppps). ConsórCIos públICos.

aulas 5 e 6:

I. TeMA

Delegação dos serviços públicos: concessão e permissão de serviços públi-cos. Licitação e contrato de concessão

II. AssuNTO

Formas de delegação dos serviços públicos.

III. OBJeTIvOs especÍFIcOs

Apresentar os institutos da concessão e da permissão de serviços públicos, expondo suas principais características.

Iv. DeseNvOLvIMeNTO MeTODOLÓgIcO

A concessão de serviços públicos na constituição de 1988

Os serviços públicos não se confundem com as atividades econômicas pri-vadas. Como visto, em termos de atividades econômicas, a Constituição dispõe sobre a ideia de subsidiariedade. A Constituição também indica que alguns serviços públicos podem ser considerados não privativos; isto é, alguns serviços públicos podem, ao mesmo tempo, ser considerados atividades econômicas livres à iniciativa privada. É, por exemplo, o caso da saúde e da educação:

Art. 196. A saúde é direito de todos e dever do Estado, garantido mediante políticas sociais e econômicas que visem à redução do risco de doença e de outros agravos e ao acesso universal e igualitário às ações e serviços para sua promoção, proteção e recuperação.

Art. 199. A assistência à saúde é livre à iniciativa privada.§ 1º — As instituições privadas poderão participar de forma com-

plementar do sistema único de saúde, segundo diretrizes deste, me-

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FGv DIREITO RIO 41

diante contrato de direito público ou convênio, tendo preferência as entidades filantrópicas e as sem fins lucrativos.

§ 2º — É vedada a destinação de recursos públicos para auxílios ou subvenções às instituições privadas com fi ns lucrativos.

§ 3º — É vedada a participação direta ou indireta de empresas ou capitaisestrangeiros na assistência à saúde no País, salvo nos casos previstos em lei.

§ 4º — A lei disporá sobre as condições e os requisitos que facili-tem a remoção de órgãos, tecidos e substâncias humanas para fi ns de transplante, pesquisa e tratamento, bem como a coleta, processamento e transfusão de sangue e seus derivados, sendo vedado todo tipo de comercialização.

Art. 205. A educação, direito de todos e dever do Estado e da fa-mília, será promovida e incentivada com a colaboração da sociedade, visando ao pleno desenvolvimento da pessoa, seu preparo para o exer-cício da cidadania e sua qualificação para o trabalho.

Art. 209. O ensino é livre à iniciativa privada, atendidas as seguintes condições:

I — cumprimento das normas gerais da educação nacional;II — autorização e avaliação de qualidade pelo Poder Público.

Os serviços públicos propriamente ditos são de exclusiva titularidade es-tatal. É errado, portanto, dizer que a delegação de serviço público constitui uma privatização. Para que os serviços publicos sejam exercidos pelo setor privado, só por meio de delegação do Estado. Como visto, as atividades eco-nômicas são regidas pelo art. 170 da Constituição Federal ao passo que o concessão de serviços públicos tem a base de seu regime jurídico estatuída no art. 175 da Constituição Federal, o qual dispõe:

Art. 175. Incumbe ao poder público, na forma da lei, diretamente ou sob regime de concessão ou permissão, sempre através de licitação, a prestação de serviços públicos.

Parágrafo único. A lei disporá sobre:I — o regime das empresas concessionárias e permissionárias de ser-

viços públicos, o caráter especial de seu contrato e de sua prorrogação, bem como as condições de caducidade, fiscalização e rescisão da con-cessão ou permissão;

II — os direitos dos usuários;III — política tarifária;IV — a obrigação de manter serviço adequado.

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FGv DIREITO RIO 42

A norma acima determina que as concessões devem ser precedidas de li-citação, bem como exige a promulgação de lei que viesse a dispor sobre o regime jurídico das concessionárias, o contrato de concessão, direitos dos usuários dos serviços públicos, política tarifária e adequação do serviço.

Conforme se pode observar, o dispositivo constitucional deixa assente, já no caput, que toda concessão ou permissão de serviço público pressupõe a realização de processo licitatório, exceto nos casos de dispensa e inexigibili-dade, os quais deverão, em todo caso, observar as formalidades e requisitos previstos na lei, especialmente na Lei nº 8.666/1993.

Em obediência ao supracitado mandamento constitucional, no sentido de que lei viria a dispor sobre o regime jurídico das concessionárias e permissio-nárias de serviços públicos, foi promulgada a Lei nº 8.987, de 13.02.1995.

A Lei nº 8.987/95 apresenta um conjunto de normas relativas à licitação para concessão de serviços públicos, cujo art. 2º traz as seguintes definições:

Art. 2o Para os fins do disposto nesta Lei, considera-se:I — poder concedente: a União, o Estado, o Distrito Federal ou o

Município, em cuja competência se encontre o serviço público, pre-cedido ou não da execução de obra pública, objeto de concessão ou permissão;

II — concessão de serviço público: a delegação de sua prestação, feita pelo poder concedente, mediante licitação, na modalidade de con-corrência, à pessoa jurídica ou consórcio de empresas que demonstre capacidade para seu desempenho, por sua conta e risco e por prazo determinado;

III — concessão de serviço público precedida da execução de obra pública: a construção, total ou parcial, conservação, reforma, amplia-ção ou melhoramento de quaisquer obras de interesse público, delega-da pelo poder concedente, mediante licitação, na modalidade de con-corrência, à pessoa jurídica ou consórcio de empresas que demonstre capacidade para a sua realização, por sua conta e risco, de forma que o investimento da concessionária seja remunerado e amortizado median-te a exploração do serviço ou da obra por prazo determinado;

(...)

A Lei disciplina também as licitações para concessão de serviços públicos, as quais devem observância aos princípios estatuídos no art. 14 da Lei nº 8.987/1995:

Art. 14. Toda concessão de serviço público, precedida ou não da execução de obra pública, será objeto de prévia licitação, nos termos da

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FGv DIREITO RIO 43

legislação própria e com observância dos princípios da legalidade, mo-ralidade, publicidade, igualdade, do julgamento por critérios objetivos e da vinculação ao instrumento convocatório.

O conjunto de normas gerais relativas à licitação para concessão de ser-viços públicos encontra-se nos artigos 15 a 22 da Lei nº 8.987/1995, cuja leitura faz-se necessária à completa compreensão do tema.

Interessante observar que, tendo em vista o intuito de introdução da con-corrência nos setores que foram objeto do processo de desestatização, o art. 16 da Lei nº 8.987/1995 determina que, sempre quando possível, as conces-sões devem ser concedidas sem caráter de exclusividade:

Art. 16. A outorga de concessão ou permissão não terá caráter de exclusividade, salvo no caso de inviabilidade técnica ou econômica jus-tificada no ato a que se refere o art. 5o desta Lei.

contrato de concessão de serviços públicos

As cláusulas essenciais a todo e qualquer contrato de concessão encon-tram-se previstas no art. 23 da Lei nº 8.987/1995, o qual dispõe:

Art. 23. São cláusulas essenciais do contrato de concessão as relati-vas:

I — ao objeto, à área e ao prazo da concessão;II — ao modo, forma e condições de prestação do serviço;III — aos critérios, indicadores, fórmulas e parâmetros definidores

da qualidade do serviço;IV — ao preço do serviço e aos critérios e procedimentos para o

reajuste e a revisão das tarifas;V — aos direitos, garantias e obrigações do poder concedente e da

concessionária, inclusive os relacionados às previsíveis necessidades de futura alteração e expansão do serviço e conseqüente modernização, aperfeiçoamento e ampliação dos equipamentos e das instalações;

VI — aos direitos e deveres dos usuários para obtenção e utilização do serviço;

VII — à forma de fiscalização das instalações, dos equipamentos, dos métodos e práticas de execução do serviço, bem como a indicação dos órgãos competentes para exercê-la;

VIII — às penalidades contratuais e administrativas a que se sujeita a concessionária e sua forma de aplicação;

IX — aos casos de extinção da concessão;

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FGv DIREITO RIO 44

X — aos bens reversíveis;XI — aos critérios para o cálculo e a forma de pagamento das inde-

nizações devidas à concessionária, quando for o caso;XII — às condições para prorrogação do contrato;XIII — à obrigatoriedade, forma e periodicidade da prestação de

contas da concessionária ao poder concedente;XIV — à exigência da publicação de demonstrações financeiras pe-

riódicas da concessionária; eXV — ao foro e ao modo amigável de solução das divergências con-

tratuais.Parágrafo único. Os contratos relativos à concessão de serviço pú-

blico precedido da execução de obra pública deverão, adicionalmente:I — estipular os cronogramas físico-financeiros de execução das

obras vinculadas à concessão; eII — exigir garantia do fiel cumprimento, pela concessionária, das

obrigações relativas às obras vinculadas à concessão.

Faz-se interessante constatar que, apesar de a lei, desde a sua promulgação, ter previsto no inciso XV que deveria constar dos contratos de concessão nor-mas relacionadas a formas amigáveis de solução de controvérsias, a fim de se evitarem dúvidas sobre se referida redação constituía autorização legal para a introdução da arbitragem nesses contratos, a Lei nº 11.196/2005 introduziu o art. 23-A à Lei nº 8.987/1995, cuja redação deixa extreme de dúvidas que:

Art. 23-A. O contrato de concessão poderá prever o emprego de mecanismos privados para resolução de disputas decorrentes ou rela-cionadas ao contrato, inclusive a arbitragem, a ser realizada no Brasil e em língua portuguesa, nos termos da Lei no 9.307, de 23 de setembro de 1996.

encargos do concessionário e do poder concedente

O concessionário de serviços públicos submete-se a uma série de encargos que decorrem diretamente da lei. Nesse sentido, veja-se o quanto dispõe o art. 31da Lei nº 8.987/95:

Art. 31. Incumbe à concessionária:I — prestar serviço adequado, na forma prevista nesta Lei, nas nor-

mas técnicas aplicáveis e no contrato;II — manter em dia o inventário e o registro dos bens vinculados à

concessão;

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FGv DIREITO RIO 45

III — prestar contas da gestão do serviço ao poder concedente e aos usuários, nos termos definidos no contrato;

IV — cumprir e fazer cumprir as normas do serviço e as cláusulas contratuais da concessão;

V — permitir aos encarregados da fiscalização livre acesso, em qual-quer época, às obras, aos equipamentos e às instalações integrantes do serviço, bem como a seus registros contábeis;

VI — promover as desapropriações e constituir servidões autoriza-das pelo poder concedente, conforme previsto no edital e no contrato;

VII — zelar pela integridade dos bens vinculados à prestação do serviço, bem como segurá-los adequadamente; e

VIII — captar, aplicar e gerir os recursos financeiros necessários à prestação do serviço.

Parágrafo único. As contratações, inclusive de mão-de-obra, feitas pela concessionária serão regidas pelas disposições de direito privado e pela legislação trabalhista, não se estabelecendo qualquer relação entre os terceiros contratados pela concessionária e o poder concedente.

Igualmente, o poder publico também possui uma série de encargos que decorrem da delegação do serviço publico, conforme expressa previsão do art. 29

Art. 29. Incumbe ao poder concedente:I — regulamentar o serviço concedido e fiscalizar permanentemente

a sua prestação;II — aplicar as penalidades regulamentares e contratuais;III — intervir na prestação do serviço, nos casos e condições previs-

tos em lei;IV — extinguir a concessão, nos casos previstos nesta Lei e na forma

prevista no contrato;V — homologar reajustes e proceder à revisão das tarifas na forma

desta Lei, das normas pertinentes e do contrato;VI — cumprir e fazer cumprir as disposições regulamentares do ser-

viço e as cláusulas contratuais da concessão;VII — zelar pela boa qualidade do serviço, receber, apurar e solucio-

nar queixas e reclamações dos usuários, que serão cientificados, em até trinta dias, das providências tomadas;

VIII — declarar de utilidade pública os bens necessários à execução do serviço ou obra pública, promovendo as desapropriações, direta-mente ou mediante outorga de poderes à concessionária, caso em que será desta a responsabilidade pelas indenizações cabíveis;

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FGv DIREITO RIO 46

76 JUSTEN FIlHO, Marçal. Concessões de serviços públicos. São Paulo: Dialética, 1997, p. 279.

77 JUSTEN FIlHO, Marçal. Concessões de serviços públicos. São Paulo: Dialética, 1997, p. 279.

IX — declarar de necessidade ou utilidade pública, para fins de ins-tituição de servidão administrativa, os bens necessários à execução de serviço ou obra pública, promovendo-a diretamente ou mediante ou-torga de poderes à concessionária, caso em que será desta a responsabi-lidade pelas indenizações cabíveis;

X — estimular o aumento da qualidade, produtividade, preservação do meio-ambiente e conservação;

XI — incentivar a competitividade; eXII — estimular a formação de associações de usuários para defesa

de interesses relativos ao serviço.

possibilidade de subconcessão e transferência do contrato de concessão

Em regra, a execução do objeto contratado deve ser realizada diretamente pela parte que o celebrou. Entretanto, a Lei nº 8.987/1995 permite a chama-da subconcessão, desde que obedecidas às seguintes formalidades:

Art. 26. É admitida a subconcessão, nos termos previstos no contra-to de concessão, desde que expressamente autorizada pelo poder con-cedente.

§1o. A outorga de subconcessão será sempre precedida de concor-rência.

§2o. O subconcessionário se sub-rogará todos os direitos e obriga-ções da subconcedente dentro dos limites da subconcessão.

A subconcessão é definida por Marçal Justen Filho como a situação em que “o concessionário abdica dos poderes recebidos, atinentes ao desempe-nho do serviço concedido”. Portanto, “atribui a outrem aqueles encargos que havia recebido do Estado”, de forma que “um terceiro assume a prestação do serviço sem sujeitar-se ao estrito controle do concessionário”76.

Essa caracterização faz-se relevante, pois nem toda contratação de terceiro para desenvolver parte do objeto da concessão traduz-se em subconcessão. Conforme explana Marçal Justen Filho:

Contratar um terceiro, ainda que para desempenho de atividades inerentes à concessão, não caracteriza cessão ou subconcessão. Dá-se uma dessas duas figuras quando o vínculo entre concessionário e tercei-ro produzir transferência de faculdades indissociáveis à gestão de servi-ços públicos. Ademais, também se configurará cessão ou subconcessão quando o terceiro assumir (ainda que parcialmente) a gestão do serviço por conta e risco próprios.77

76. JUSTEN FIlHO, Marçal. conces-sões de serviços públicos. São Paulo: Dialética, 1997, p. 279.

77. JUSTEN FIlHO, Marçal. conces-sões de serviços públicos. São Paulo: Dialética, 1997, p. 279.

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FGv DIREITO RIO 47

A transferência da concessão e a mudança no controle societário da con-cessionária devem ser precedidas de aprovação do poder concedente, sob pena de caducidade. Nesse sentido, dispõe o art. 27 da Lei nº 8.987/1995:

Art. 27. A transferência de concessão ou do controle societário da concessionária sem prévia anuência do poder concedente implicará a caducidade da concessão.

§1o. Para fins de obtenção da anuência de que trata o caput deste artigo, o pretendente deverá:

I — atender às exigências de capacidade técnica, idoneidade finan-ceira e regularidade jurídica e fiscal necessárias à assunção do serviço; e

II — comprometer-se a cumprir todas as cláusulas do contrato em vigor.

§2o. Nas condições estabelecidas no contrato de concessão, o poder concedente autorizará a assunção do controle da concessionária por seus financiadores para promover sua reestruturação financeira e asse-gurar a continuidade da prestação dos serviços.

§3o. Na hipótese prevista no § 2o deste artigo, o poder concedente exigirá dos financiadores que atendam às exigências de regularidade jurídica e fiscal, podendo alterar ou dispensar os demais requisitos pre-vistos no §1o, inciso I deste artigo.

§4o. A assunção do controle autorizada na forma do § 2o deste arti-go não alterará as obrigações da concessionária e de seus controladores ante ao poder concedente.

A norma tem por finalidade evitar que a condução do serviço público seja atribuída a outras pessoas que não as licitantes vencedoras da licitação sem prévia aprovação do poder público, já que, em tese, a referida transferência ou alteração de controle pode vir a prejudicar a execução do serviço.

Note-se, por outro lado, que a lei não veda a transferência da concessão nem a alteração do controle acionário. Ao contrário, admite-as expressamen-te, desde que previamente aprovadas pelo poder concedente. Essa possibili-dade tem razão de ser, por exemplo, à vista dos longos prazos dos contratos de concessão, que muitas vezes alcançam três décadas (ou mais, em caso de prorrogação), não podendo se esperar que, durante todo esse largo período temporal, não possa a situação da concessionária e de seu grupo econômico vir a ser alterado. Entretanto, em prol da preservação da continuidade e da qualidade do serviço, a lei exige que haja prévia aprovação do poder público a toda e qualquer mudança que implique transferência da concessão ou alte-ração do seu controle societário.

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FGv DIREITO RIO 48

78 cARvAlHO FIlHO, José dos Santos. Manual de direito administrativo. 15a ed. Rio de Janeiro: lumen Iuris, 2006, p. 338.

permissão de serviços públicos

A permissão de serviços públicos encontra-se definida no art. 2º, IV, da Lei nº 8.987/95:

Art. 2o Para os fins do disposto nesta Lei, considera-se:(...)IV — permissão de serviço público: a delegação, a título precário,

mediante licitação, da prestação de serviços públicos, feita pelo poder concedente à pessoa física ou jurídica que demonstre capacidade para seu desempenho, por sua conta e risco.

De acordo com José dos Santos Carvalho Filho, a permissão de serviços públicos constitui “o contrato administrativo através do qual o Poder Público (permitente) transfere a um particular (permissionário) a execução de certo serviço público nas condições estabelecidas em normas de direito público, inclusive quanto à fixação do valor das tarifas”.78

Classicamente, a permissão era considerada um ato unilateral da adminis-tração pública, e não uma forma de contratação.

Entretanto, com a Constituição de 1988, a doutrina passou a reconhecer o caráter contratual da permissão de serviços públicos, haja vista que o art. 175, parágrafo único, I, da Constituição faz referência ao “caráter especial de seu contrato”, ao dispor sobre a lei que viria a disciplinar o regime das empre-sas concessionárias e permissionárias:

Art. 175. (...)Parágrafo único. A lei disporá sobre:I — o regime das empresas concessionárias e permissionárias de ser-

viços públicos, o caráter especial de seu contrato e de sua prorrogação, bem como as condições de caducidade, fiscalização e rescisão da con-cessão ou permissão;

(...)

Sobre a controvérsia, expõe Diogo de Figueiredo Moreira Neto:

A Constituição de 1988 tratou, porém, do instituto da permissão de serviço público no seu art. 175, submetendo-o, do mesmo modo que a concessão de serviços públicos, à indispensável licitação e a um regime contratual.

Havia, entretanto, uma perplexidade, no inciso I, do parágrafo úni-co, do referido artigo 175 da Constituição, criada pela menção ao con-trato, que, à época, diante do que parecia ser uma deficiência técnica da redação, incluiria a permissão.

78. cARvAlHO FIlHO, José dos San-tos. Manual de direito adminis-trativo. 15a ed. Rio de Janeiro: lumen Iuris, 2006, p. 338.

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FGv DIREITO RIO 49

79 MOREIRA NETO, Diogo de Figueiredo. Curso de direito administrativo. 12ª ed. Rio de Janeiro: Forense, p. 438.

Ora, se tanto a concessão como a permissão fossem ambas modali-dades contratuais, não haveria distinção a ser feita, e o legislador cons-titucional teria sido superfetatório. A única exegese constitucional ra-zoável seria, portanto, aquela que resgatasse a autonomia do instituto, enquanto ato unilateral da Administração.

Porém, toda essa construção, destinada a salvar o instituto da per-missão, com suas características doutrinárias tradicionais, perdeu sua razão de ser com o advento da Lei nº 8.987, de 13 de fevereiro de 1995, que, em lacônico e impreciso dispositivo (art. 40), caracterizou-a como um contrato de adesão, confirmando, assim, sua submissão à mesma disciplina das concessões.79

O art. 40 da Lei nº 8.987/1995, a que se refere o autor, possui a seguinte redação:

Art. 40. A permissão de serviço público será formalizada mediante contrato de adesão, que observará os termos desta Lei, das demais nor-mas pertinentes e do edital de licitação, inclusive quanto à precariedade e à revogabilidade unilateral do contrato pelo poder concedente.

Parágrafo único. Aplica-se às permissões o disposto nesta Lei.

Portanto, em que pesem as críticas doutrinárias, a permissão de serviço público, por força do disposto no art. 175, parágrafo único, I, da Consti-tuição e do art. 40 da Lei nº 8.987/1995, em nosso ordenamento jurídico, apresenta atualmente natureza jurídica contratual.

Cumpre destacar que a concessão regida pela Lei 8.987/95 (concessão co-mum), não se confunde com a concessão especial, disposta na Lei 11.079/2004, a denominada parceria público-privada, objeto de aula específica.

v. RecuRsOs/MATeRIAIs uTILIZADOs

Leitura obrigatória

CARVALHO FILHO, José dos Santos. Manual de direito administrativo. São Paulo: Atlas, itens:

• ConcessãoePermissãodeserviçospúblicoso Introduçãoo Fontes normativaso Concessão de serviços públicos (Concessão comum — subitens

1 a 10)o Permissão de serviços públicos

79. MOREIRA NETO, Diogo de Figuei-redo. curso de direito admi-nistrativo. 12ª ed. Rio de Janeiro: Forense, p. 438.

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FGv DIREITO RIO 50

Leitura complementar

DI PIETRO, Maria Sylvia Zanella. Parcerias na administração pública. 4a ed. São Paulo: Atlas, 20025, pp. 96 a 121.

JUSTEN FILHO, Marçal. Curso de direito administrativo. São Paulo: Ma-lheiros, 2005, pp. 500 a 544.

MOREIRA NETO, Diogo de Figueiredo. Curso de direito administrativo. Rio de Janeiro: Forense, 2006, pp. 430 a 450.

vI. AvALIAçãO

caso gerador 1

O Governador do Estado do Rio de Janeiro, no momento da posse, anun-ciou que o desenvolvimento do Estado passará por uma ênfase em projetos de infraestrutura em parceria com a iniciativa privada.

Quais são as etapas que o governador deve percorrer para poder delegar serviços públicos à iniciativa privada?

Para a delegação do transporte intermunicipal de passageiros, deve-se op-tar pela permissão ou pela concessão? O que o governador deve levar em consideração ao tomar essa decisão? A sua resposta é necessariamente a mes-ma em relação aos serviços de transporte rodoviário (ônibus), ferroviário e metroviário?

caso gerador 2

O contrato de concessão do transporte metroviário de passageiros do Es-tado do Rio de Janeiro prevê deveres a serem prestados por ambas as partes contratantes. Dessa forma, por um lado, compete à concessionária promover a manutenção adequada do serviço, garantindo a sua continuidade. Por ou-tro lado, o poder público estadual obrigou-se a entregar novas estações e trens para exploração pela concessionária.

Nesse sentido, pergunta-se: caso, por qualquer razão, o poder público atrase o cronograma de entrega de trens, pode a concessionária deixar de prestar o serviço de transporte coletivo metroviário de passageiros?

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FGv DIREITO RIO 51

vII. cONcLusãO DA AuLA

Os serviços públicos podem ser executados por terceiros não integrantes da Administração Público. Nesse caso, esta execução se dá por meio dos con-tratos de concessão e/ou permissão, nos termos do art. 175 da Constituição da República.

A contratação de um terceiro para a execução de serviço público deve ser precedida de procedimento licitatório em que seja assegurada a isonomia entre os licitantes. A Lei nº 8.987/1995 deve ser estudada pelo aluno, pois é o diploma normativo que trata das disposições aplicáveis aos contratos de concessão e permissão de serviço público.

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FGv DIREITO RIO 52

aulas 7 e 8

I. TeMA

Direitos dos usuários e os princípios que regem a concessão de serviços públicos.

II. AssuNTO

Direitos dos usuários de serviços públicos e política tarifária

III. OBJeTIvOs especÍFIcOs

Apresentar os direitos dos usuários de serviços públicos concedidos e dis-cutir o significado dos princípios que regem as concessões de serviços públi-cos, com especial ênfase ao princípio do equilíbrio econômico-financeiro da concessão.

Iv. DeseNvOLvIMeNTO MeTODOLÓgIcO

Introdução

Direitos dos usuários de serviços públicos

Na Lei nº 8.987/1995 encontra-se o rol de direitos do usuário do servi-ço público concedido. Nesse sentido, dispõem os arts. 7º e 7-A da Lei nº 8.987/1995:

Art. 7º. Sem prejuízo do disposto na Lei no 8.078, de 11 de setem-bro de 1990, são direitos e obrigações dos usuários:

I — receber serviço adequado;II — receber do poder concedente e da concessionária informações

para a defesa de interesses individuais ou coletivos;III — obter e utilizar o serviço, com liberdade de escolha entre vá-

rios prestadores de serviços, quando for o caso, observadas as normas do poder concedente. (Redação dada pela Lei nº 9.648, de 1998)

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FGv DIREITO RIO 53

IV — levar ao conhecimento do poder público e da concessionária as irregularidades de que tenham conhecimento, referentes ao serviço prestado;

V — comunicar às autoridades competentes os atos ilícitos pratica-dos pela concessionária na prestação do serviço;

VI — contribuir para a permanência das boas condições dos bens públicos através dos quais lhes são prestados os serviços.

Art. 7º-A. As concessionárias de serviços públicos, de direito públi-co e privado, nos Estados e no Distrito Federal, são obrigadas a oferecer ao consumidor e ao usuário, dentro do mês de vencimento, o mínimo de seis datas opcionais para escolherem os dias de vencimento de seus débitos.

A definição legal de “serviço adequado”, por sua vez, é encontrada no art. 6º, o qual alude às condições de regularidade, continuidade, eficiência, segurança, atualidade, generalidade, cortesia na sua prestação e modicidade das tarifas:

Art. 6o. Toda concessão ou permissão pressupõe a prestação de servi-ço adequado ao pleno atendimento dos usuários, conforme estabeleci-do nesta Lei, nas normas pertinentes e no respectivo contrato.

§ 1o Serviço adequado é o que satisfaz as condições de regularidade, continuidade, eficiência, segurança, atualidade, generalidade, cortesia na sua prestação e modicidade das tarifas.

§ 2o A atualidade compreende a modernidade das técnicas, do equi-pamento e das instalações e a sua conservação, bem como a melhoria e expansão do serviço.

§ 3o Não se caracteriza como descontinuidade do serviço a sua inter-rupção em situação de emergência ou após prévio aviso, quando:

I — motivada por razões de ordem técnica ou de segurança das instalações; e,

II — por inadimplemento do usuário, considerado o interesse da coletividade.

Um tema bastante discutido em sede regulatória reside na aplicação do Código de Defesa do Consumidor à relação entre a concessionária de servi-ços públicos e os usuários dos referidos serviços.

Por um lado, a Constituição Federal prevê ser a defesa do consumidor princípio constitucional fundador da Ordem Econômica (art. 170, IV), ao passo que o art. 175, ao tratar dos serviços públicos, previu que lei viria a dispor sobre os direitos dos usuários.

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FGv DIREITO RIO 54

Tendo em vista que o constituinte não costuma utilizar termos distintos para aludir a um mesmo instituto jurídico, a doutrina discute a existência de peculiaridades relativas aos direitos dos usuários dos serviços públicos com-parativamente às disposições gerais do Código de Defesa do Consumidor (Lei nº 8.078/1990), que regem a generalidade das relações entre fornecedo-res de produtos ou serviços e seus usuários finais.

Por outro lado, tanto o CDC quanto a Lei de Concessões de Serviços Pú-blicos (Lei nº 8.987/1995) contêm normas prevendo a aplicação do CDC às concessões de serviços públicos:

CDC (Lei nº 8.078/1990):

Art. 6º. São direitos básicos do consumidor:(...)X — a adequada e eficaz prestação dos serviços públicos em geral

Lei de Concessões (Lei nº 8.987/1995):

Art. 7º. Sem prejuízo do disposto na Lei no 8.078, de 11 de setem-bro de 1990, são direitos e obrigações dos usuários:

(...)

Dessa forma, não se questiona a aplicabilidade do Código de Defesa do Consumidor às relações entre concessionária e usuário de serviços públicos, mas sim a extensão e o limite dessa aplicação, tendo em vista as peculiari-dades que informam a prestação de serviço público, tais como deveres de continuidade e universalidade, bem como a remuneração por meio de tarifa.

Nesse sentido, é preciso considerar que a prestação de serviço público traz subjacente a ideia de interesse coletivo e justiça distributiva, elemento ge-ralmente ausente das relações típicas de direito do consumidor, nas quais se enfoca a relação individual fornecedor-consumidor (e, portanto, questões de justiça comutativa). Além disso, a relação entre concessionária e usuário de serviço público não pode ser analisada desconsiderando-se o contrato de con-cessão celebrado entre o poder concedente e a prestadora do serviço público.

Dessa forma, Marçal Justen Filho observa ser necessário reconhecer a pri-mazia do regime de direito administrativo sobre a de direito consumerista nas relações entre usuários e concessionárias de serviços públicos:

O prestador de serviço privado estrutura sua operação econômica com finalidade diversa da satisfação do interesse público. Ele busca ob-ter o maio lucro possível, tendo em vista os princípios da atividade eco-nômica em sentido estrito (CF/88, art. 170). Já o prestador do serviço

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FGv DIREITO RIO 55

80 JUSTEN FIlHO, Marçal. Concessões de serviços públicos. São Paulo: Dialética, 1997, p. 131.

81 ARAGãO, Alexandre Santos de. “Ser-viços públicos e defesa do consumidor: possibilidades e limites da aplicação do cDc”. In: lANDAU, Elena (org). Regula-ção jurídica do setor elétrico. Rio de Ja-neiro: lumen Iuris, 2006, pp. 153 e 154.

público desempenha atividade disciplinada pelos princípios de direito público e apenas pode intentar a satisfação egoística de seu interesse na medida em que se realize o interesse público. 80

Da mesma forma, manifesta-se Alexandre Santos de Aragão:

Todavia, o CDC não pode ser aplicado indiscriminadamente aos serviços públicos, já que eles não são atividades econômicas comuns, sujeitas à liberdade de empresa e desconectadas da preocupação de ma-nutenção de um sistema prestacional coletivo.

Os serviços públicos, ao revés, constituem atividades de prestação de bens e serviços muitas vezes titularizadas pelo Estado com exclusivi-dade, só podendo ser prestados por particulares enquanto delegatários (res extra commercium). A razão para tais atividades econômicas serem retiradas da livre iniciativa e submetidas a um regime jurídico tão espe-cial se explica pelo fato de visarem a assegurar os interesses dos cidadãos enquanto integrantes de uma mesma sociedade, não como pessoas in-dividualmente consideradas.

O título habilitador do direito da empresa exercer a atividade de serviço público é totalmente diverso do existente nas atividades econô-micas stricto sensu, em que o direito decorre diretamente da proteção constitucional à livre iniciativa e à economia de mercado (art. 170, CF), que coloca na relação jurídica prestacional apenas a empresa e o consumidor. No caso do serviço público, o título habilitante não é a livre iniciativa, inexistente no caso, mas sim um contrato de concessão celebrado pela empresa com o Estado, de maneira que a relação pres-tacional é subjetivamente complexa, envolvendo, a um só tempo, o Poder Público, a concessionária e todos os usuários do serviço público.

(...)Os serviços públicos têm uma conotação coletiva muito mais ampla

que as atividades econômicas privadas. Visam à coesão social, sendo muitas vezes um instrumento técnico de distribuição de renda e re-alização da dignidade da pessoa humana (art. 1º, III, CF), com o fi-nanciamento, através das tarifas dos usuários que já têm o serviço, da sua expansão aos que ainda não têm acesso a ele. Se fosse apenas pelo sistema privatista do CDC, essas tarifas teriam que ser consideradas abusivas (artigos 39, V; e art. 51, IV, CDC), eis que superam o valor que seria decorrente apenas da utilidade individualmente fruída.81

A jurisprudência também tem se mostrado sensível à diferenciação entre as fi-guras do consumidor e a do usuário de serviço público. Nesse sentido, veja-se tre-cho de decisão proferida pelo E. Tribunal de Justiça do Estado do Rio de Janeiro:

80. JUSTEN FIlHO, Marçal. conces-sões de serviços públicos. São Paulo: Dialética, 1997, p. 131.

81. ARAGãO, Alexandre Santos de. “Serviços públicos e defesa do consu-midor: possibilidades e limites da apli-cação do cDc”. In: lANDAU, Elena (org). Regulação jurídica do setor elétrico. Rio de Janeiro: lumen Iuris, 2006, pp. 153 e 154.

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FGv DIREITO RIO 56

82 Apelação cível 2006.001.19958.

Serviço público de fornecimento de energia elétrica. A relação entre fornecedor e consumidor não se confunde com a firmada por concessio-nária e usuário, dado que o concedente é o poder público, caso em que se observa a supremacia do interesse público. Vácuo legislativo em reger os direitos do usuário em relação à concessionária. Inadimplemento do Congresso Nacional com o disposto no art. 37, da Emenda Constitu-cional nº 19/98, que determina a edição da lei de defesa do usuário de serviços públicos. Aplicação somente analógica da legislação consume-rista, que deve ser interpretada em harmonia com outros diplomas.

Se há regulamento administrativo estabelecendo a forma como será regulada a relação, descabe a invocação do Código de Defesa do Con-sumidor para obter algo que com aquele contrasta. Usuário inadim-plente no pagamento de suas contas. Suspensão do fornecimento por falta de pagamento. Autotutela admitida por lei após prévio aviso com-provado nos autos.82

No âmbito do Superior Tribunal de Justiça, reconheceu-se a juridicidade da atuação dos órgãos de defesa do consumidor na regulação de serviços públicos e atividades econômicas (RESP 1.138.591-RJ — Relator: Ministro Castro Meira):

PROCESSO CIVIL. CONSUMIDOR. EMBARGOS À EXE-CUÇÃO FISCAL. MULTA APLICADA PELO PROCON. DIVER-GÊNCIA JURISPRUDENCIAL. AUSÊNCIA DE SIMILITUDE FÁTICA. NÃO CONHECIMENTO. OMISSÃO. INEXISTÊNCIA. DOSIMETRIA DA SANÇÃO. VALIDADE DA CDA. REEXAME DE MATÉRIA FÁTICA. SÚMULA 07⁄STJ. COMPETÊNCIA DO PROCON. ATUAÇÃO DA ANATEL. COMPATIBILIDADE. [...] 5. Sempre que condutas praticadas no mercado de consumo atingirem diretamente o interesse de consumidores, é legítima a atuação do Procon para aplicar as sanções administrativas previstas em lei, no re-gular exercício do poder de polícia que lhe foi conferido no âmbito do Sistema Nacional de Defesa do Consumidor. Tal atuação, no entanto, não exclui nem se confunde com o exercício da atividade regulatória setorial realizada pelas agências criadas por lei, cuja preocupação não se restringe à tutela particular do consumidor, mas abrange a execução do serviço público em seus vários aspectos, a exemplo, da continuidade e universalização do serviço, da preservação do equilíbrio econômico--financeiro do contrato de concessão e da modicidade tarifária.

82. Apelação cível 2006.001.19958.

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FGv DIREITO RIO 57

83 No âmbito estadual e municipal, exis-tem alguns diplomas normativos pro-mulgados. A título ilustrativo, pode-se mencionar que o Estado de São Paulo possui o seu código de Proteção e De-fesa dos Usuários de Serviços Públicos — lei estadual nº 10.294/1999.

Dessa forma, doutrina e jurisprudência inclinam-se no sentido do reconhe-cimento de peculiaridades da situação jurídica do usuário do serviço público, que o afastam, em determinados tópicos, da disciplina prevista no CDC.

Também em sede normativa mostra-se relevante mencionar que a Emen-da Constitucional nº 19/1998 exigia que, dentro de 120 dias a contar de sua promulgação, viesse a ser expedido o Código de Defesa do Usuário dos Serviços Públicos:

Art. 27. O Congresso Nacional, dentro de 120 dias da promulgação da Emenda, elaborará lei de defesa do usuário de serviços públicos.

Entretanto, até a presente data, o referido diploma legal não foi exarado, de forma que se tem, nesse aspecto, um hiato normativo.83 A ausência de norma expressa, contudo, não impede o reconhecimento dos direitos dos usuários de serviços públicos, a partir da aplicação das previsões da Lei nº 8.987/1995 (a Lei de Concessões e Permissões de Serviços Públicos), bem como dos dispositivos do Código de Defesa do Consumidor, naquilo em não conflitarem com a ordenação jurídica dos serviços públicos.

O princípio do equilíbrio econômico-financeiro da concessão

Dentre os princípios que regem as concessões de serviços públicos destaca--se, por sua relevância, o princípio da modicidade tarifária, o qual somente pode ser compreendido à luz do princípio do equilíbrio econômico-financei-ro, os quais devem, por conseguinte, ser analisados em conjunto.

O equilíbrio econômico-financeiro da concessão constitui princípio cons-titucionalmente assegurado, podendo ser inferido do art. 37, XXI, da Cons-tituição Federal, quando se refere à exigência de “manutenção das condições efetivas da proposta” nos pagamentos relativos aos serviços contratados me-diante licitação:

Art. 37. (...)XXI — ressalvados os casos especificados na legislação, as obras,

serviços, compras e alienações serão contratados mediante processo de licitação pública que assegure igualdade de condições a todos os con-correntes, com cláusulas que estabeleçam obrigações de pagamento, mantidas as condições efetivas da proposta, nos termos da lei, o qual somente permitirá as exigências de qualificação técnica e econômica indispensáveis à garantia do cumprimento das obrigações.

83. No âmbito estadual e municipal, existem alguns diplomas normativos promulgados. A título ilustrativo, po-de-se mencionar que o Estado de São Paulo possui o seu código de Proteção e Defesa dos Usuários de Serviços Pú-blicos — lei estadual nº 10.294/1999.

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FGv DIREITO RIO 58

84 ZANEllA DI PIETRO, Maria Sylvia. Par-cerias na administração pública. 4a ed. São Paulo: Atlas, 2002, p. 97.

85 RESP 431121 / SP, j. em 20.08.2002.

86 ZANEllA DI PIETRO, Maria Sylvia. Par-cerias na administração pública. 4a ed. São Paulo: Atlas, 2002, p. 97.

87 “Rigorosamente, a manutenção do equilíbrio econômico-financeiro é um princípio regulador do contrato admi-nistrativo. Não é nem direito nem dever de cada parte, mas uma característica do contrato. Pode-se aludir ao direito da parte de obter elevação da remu-neração em virtude da ampliação de seus encargos. Isso será conseqüên-cia da natureza jurídica do contrato administrativo, que é integrada pelo princípio da manutenção do equilíbrio econômico-financeiro da contratação”. (Concessões de serviços públicos. São Paulo: Dialética, 1997, p. 146).

Igualmente, encontra-se positivado no art. 9º, §4º, da Lei nº 8.987/95, o qual dispõe:

§4º. Em havendo alteração unilateral do contrato que afete o seu inicial equilíbrio econômico-financeiro, o poder concedente deverá restabelecê-lo, concomitantemente à alteração.

Consoante Maria Sylvia Zanella di Pietro, o princípio do equilíbrio eco-nômico-financeiro da concessão fundamenta-se em quatro princípios, quais sejam, (i) equidade, (ii) razoabilidade, (iii) continuidade e (iv) indisponi-bilidade do interesse público.84 Como já esclareceu o Superior Tribunal de Justiça, “a finalidade da cobrança da tarifa é manter o equilíbrio financeiro do contrato, possibilitando a prestação contínua do serviço público”.85

Maria Sylvia Zanella di Pietro86 menciona que um dos aparentes parado-xos da teoria do equilíbrio econômico-financeiro da concessão reside na ne-cessidade de se conciliar o direito do concessionário ao equilíbrio com a ideia de que os riscos associados à execução do serviço devem correr por sua conta.

Em resposta a essa aparente contradição, a autora observa que os riscos ordinários da atividade devem ser atribuídos ao concessionário e, por con-seguinte, não lhe conferem direito à recomposição de eventuais perdas, pois que, nesses casos, não se pode falar propriamente de desequilíbrio.

Por outro lado, quanto às circunstâncias extraordinárias, sendo inimputá-veis ao concessionário, devem ser arcadas pelo poder concedente, autorizan-do a revisão tarifária (com fulcro nas teorias do fato do príncipe, do fato da administração e da imprevisão). A esse respeito, mostra-se relevante destacar lição de Marçal Justen Filho87, segundo a qual o equilíbrio econômico-fi-nanceiro da concessão não constitui propriamente um direito, mas antes um princípio regulador, uma garantia a ambos, concessionário e poder conce-dente, de que a equação original do contrato será mantida ao longo do exercí-cio da concessão. Especialmente, o princípio atua no sentido de conferir aos licitantes a certeza de que podem apresentar as melhores propostas possíveis no momento da licitação — pois não precisam incluir em seus cálculos pro-jeções de custos associados a perdas relacionadas a eventos imprevisíveis (o que seria mesmo impossível) — garantindo-se, dessa forma, a efetividade do objetivo do procedimento licitatório, que é a busca da proposta mais vanta-josa para a Administração. Nas palavras do autor:

Mas o fundamental se encontra no princípio da indisponibilidade do interesse público. Em primeiro lugar, impõe a necessidade de evitar que a Administração arque com desembolsos superiores aos necessários à satisfação dos seus fins. A Administração necessita selecionar a pro-posta mais vantajosa (...) A consagração desse princípio representa a

84. ZANEllA DI PIETRO, Maria Sylvia. parcerias na administração pública. 4a ed. São Paulo: Atlas, 2002, p. 97.

85. RESP 431121 / SP, j. em 20.08.2002.

86. ZANEllA DI PIETRO, Maria Sylvia. parcerias na administração pública. 4a ed. São Paulo: Atlas, 2002, p. 97.

87. “Rigorosamente, a manutenção do equilíbrio econômico-financeiro é um princípio regulador do contrato administrativo. Não é nem direito nem dever de cada parte, mas uma caracte-rística do contrato. Pode-se aludir ao direito da parte de obter elevação da remuneração em virtude da ampliação de seus encargos. Isso será conseqüên-cia da natureza jurídica do contrato administrativo, que é integrada pelo princípio da manutenção do equilíbrio econômico-financeiro da contratação”. (concessões de serviços pú-blicos. São Paulo: Dialética, 1997, p. 146).

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FGv DIREITO RIO 59

88 Concessões de serviços públicos. São Paulo: Dialética, 1997, p. 149.

89 SOUTO, Marcos Juruena villela. Direito administrativo regulatório. Rio de Janei-ro: lúmen Juris: 2002, p. 208.

90 Concessões de serviços públicos. São Paulo: Dialética, 1997 p. 263

garantia à Administração de que receberá as propostas mais vantajosas e de menor preço, porquanto o direito assegura ao particular que a re-lação entre encargos e remuneração não será alterada.(...) O particular não necessita incluir em suas previsões os eventos futuros prejudiciais, pois o direito lhe assegura a manutenção do arcabouço contratual de-lineado no momento inicial da contratação. Significa que o princípio da indisponibilidade do interesse público exclui a viabilidade de uma contratação sujeitável a riscos de imprevisão ou de modificações da re-lação econômica subjacente.88

O princípio da modicidade tarifária

Marcos Juruena Villela Souto se refere ao princípio da modicidade das tarifas como “a própria consequência do princípio da generalidade, por força do qual as tarifas devem ser o mínimo possível onerosas para os usuários”89.

A modicidade tarifária encontra previsão expressa no art. 6º, §1º, da Lei nº 8.987/95, o qual dispõe:

Art. 6º Toda concessão ou permissão pressupõe a prestação de servi-ço adequado ao pleno atendimento dos usuários, conforme estabeleci-do nesta Lei, nas normas pertinentes e no respectivo contrato.

§1º. Serviço adequado é o que satisfaz as condições de regularidade, continuidade, eficiência, segurança, atualidade, generalidade, cortesia na sua prestação e modicidade das tarifas.

O princípio da modicidade tarifária, em um regime de concessão de servi-ço público, exige, por outro lado, o adimplemento por parte dos usuários no que tange ao pagamento da tarifa. Sem mecanismos efetivos de cobrança, o equilíbrio econômico-financeiro da concessão poderá vir a romper-se, pondo em risco o funcionamento da concessionária e, por conseguinte, a continui-dade dos serviços públicos para os demais usuários.

A lei e os contratos de concessão preveem alguns mecanismos capazes de garantir ao concessionário e ao poder concedente a manutenção do equilí-brio econômico-financeiro da concessão, como o reajuste e a revisão tarifária. Sobre a diferença entre os institutos, Marçal Justen Filho observa que “o reajuste corresponde à modificação do valor da tarifa para enfrentar elevações normais de custos, relacionadas ao fenômeno inflacionário”. Já a revisão “en-volve a possibilidade de modificações imprevisíveis na formação dos custos necessários à prestação dos serviços”.90

O tema das tarifas praticadas por concessionárias de serviços públicos en-volve sempre questões complexas, sendo geralmente distintas as percepções

88. concessões de serviços públicos. São Paulo: Dialética, 1997, p. 149.

89. SOUTO, Marcos Juruena villela. Direito administrativo regu-latório. Rio de Janeiro: lúmen Juris: 2002, p. 208.

90. concessões de serviços públicos. São Paulo: Dialética, 1997 p. 263

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91 RIbEIRO, Solange e FAlcãO, Maria Isabel. O modelo tarifário brasileiro. In: lANDAU, Elena (org.) Regulação jurídica do setor elétrico. Rio de Janeiro: lumen Iuris, 2006, p. 265.

dos agentes afetados: para o poder concedente, a alta da tarifa pode produzir impacto negativo sobre o desenvolvimento econômico e um custo político; para a concessionária, liga-se à sua receita e consequente retorno sobre os investimentos realizados; já os usuários têm em regra uma sensação de que a tarifa se apresenta elevada, produzindo impacto significativo sobre o custo de vida.

Quanto aos conflitos envolvendo a questão tarifária, observam Solange Ribeiro e Maria Isabel Falcão, analisando o tema sob o prisma das tarifas do serviço público de distribuição de energia elétrica:

A definição tarifária é um mecanismo regulatório muito importante para a garantia do funcionamento eficiente do mercado em regime de monopólios naturais. A tarifa de fornecimento de energia elétrica pode ser vista sob diferentes óticas: (i) na percepção do consumidor, os dis-pêndios incorridos com energia elétrica são altos e as tarifas aumentam mais do que a inflação e os salários, restringindo sua capacidade de pa-gamento ao longo dos anos; (ii) na percepção do Governo, o custo de energia elétrica possui grande influência sobre a economia brasileira e, consequentemente, sobre o controle inflacionário; (iii) e finalmente, a percepção dos investidores que atuam em ambientes regulados é de que as tarifas não são suficientes para promover a rentabilidade esperada e que, portanto, o retorno sobre o capital investido não é adequado.91

A breve passagem acima permite perceber que a tarifa constitui sempre um tema delicado no âmbito das discussões regulatórias.

Instrumentos para preservação do equilíbrio econômico-financeiro da concessão

Conforme já estudado, a legislação prevê mecanismos de garantia do equi-líbrio econômico-financeiro da concessão. Nesse sentido, a Lei nº 8.987/1995 estabelece instrumentos para preservação desse princípio, tais como o reajus-te e a revisão tarifárias.

(a) O reajuste anual da tarifa

Os contratos de concessão, em conformidade com as previsões editalícias, costumam prever o direito das concessionárias ao reajuste anual da tarifa, para reposição das perdas decorrentes da inflação.

91. RIbEIRO, Solange e FAlcãO, Maria Isabel. O modelo tarifário brasileiro. In: lANDAU, Elena (org.) Regulação jurídica do setor elétrico. Rio de Janeiro: lumen Iuris, 2006, p. 265.

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FGv DIREITO RIO 61

(b) A revisão extraordinária

A lei de concessões confere ao concessionário o direito à revisão da tarifa quando houver alterações nos tributos incidentes sobre a atividade (à exceção daqueles relativos à renda), nos termos do art. 9º, §3º, da Lei nº 8.987/1995:

§3º. Ressalvados os impostos sobre a renda a criação, a alteração ou extinção de quaisquer tributos ou encargos legais, após a apresentação da proposta, quando comprovado seu impacto, implicará a revisão da tarifa, para mais ou para menos, conforme o caso.

Em alguns casos, também os editais e os contratos de concessão preveem o direito à revisão automática na hipótese de majoração do custo de insumos essenciais à execução da atividade concedida.

(c) A revisão periódica da tarifa

Adicionalmente, os editais e os contratos de concessão aludem ao direito à revisão periódica da tarifa, relativamente a fatores que tenham ocasionado perdas ou ganhos imprevisíveis para qualquer das partes e que tenham, nes-se sentido, alterado o equilíbrio econômico-financeiro. A revisão periódica se destina a estabelecer novos níveis tarifários para a concessionária, de acor-do com as alterações nos custos de serviço.

possibilidade de interrupção do serviço em caso de falta de pagamento

A possibilidade de interrupção do serviço por falta de pagamento rendeu profundas discussões na doutrina e na jurisprudência a partir do processo de desestatização, tendo em vista os princípios da continuidade e regularidade dos serviços públicos concedidos, previstos na Lei nº 8.987/1995, bem como a aplicação do Código de Defesa do Consumidor aos contratos entre conces-sionárias e particulares.

Contra essa possibilidade são geralmente levantados argumentos como essencialidade do serviço, dignidade da pessoa humana, existência de meio processual próprio para cobrança em casos de inadimplemento (como a ação de cobrança), direito do consumidor à essencialidade do serviço. Veja-se que os arts. 22, caput, e 42, caput, do Código de Defesa do Consumidor (Lei nº 8.078/1990) dispõem:

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FGv DIREITO RIO 62

Art. 22. Os órgãos públicos, por si ou suas empresas, concessioná-rias, permissionárias ou sob qualquer outra forma de empreendimen-to, são obrigados a fornecer serviços adequados, eficientes, seguros e, quanto aos essenciais, contínuos.

Art. 42. Na cobrança de débitos, o consumidor inadimplente não será exposto a ridículo, nem será submetido a qualquer tipo de cons-trangimento ou ameaça.

Conforme anteriormente mencionado, o CDC aplica-se, embora com ressalvas, às relações entre concessionária e usuário do serviço, por força do disposto no art. 7º, caput, da Lei nº 8.987/1995:

Art. 7º. Sem prejuízo do disposto na Lei no 8.078, de 11 de setem-bro de 1990, são direitos e obrigações dos usuários:

I — receber serviço adequado;II — receber do poder concedente e da concessionária informações

para a defesa de interesses individuais ou coletivos;III — obter e utilizar o serviço, com liberdade de escolha entre vá-

rios prestadores de serviços, quando for o caso, observadas as normas do poder concedente (Redação dada pela Lei nº 9.648, de 1998);

IV — levar ao conhecimento do poder público e da concessionária as irregularidades de que tenham conhecimento, referentes ao serviço prestado;

V — comunicar às autoridades competentes os atos ilícitos pratica-dos pela concessionária na prestação do serviço;

VI — contribuir para a permanência das boas condições dos bens públicos através dos quais lhes são prestados os serviços.

De outro lado, as concessionárias alegam que a impossibilidade de inter-rupção da prestação do serviço sinaliza ao mercado que “o inadimplemento compensa”, já que não levaria à imediata supressão do serviço, e a reparação do dano, somente se daria de forma imperfeita, tendo em vista o lapso tem-poral e os custos inerentes às demandas judiciais. Dessa forma, inadimple-mentos reiterados terminariam por colocar em risco o equilíbrio econômi-co-financeiro da concessão e, com isso, a possibilidade de a concessionária seguir prestando serviço adequado, contínuo e regular. Além disso, o próprio art. 6º, §3º, II da Lei nº 8.987/1995 determina que não caracteriza descon-tinuidade do serviço a interrupção do serviço, após prévio aviso, em caso de inadimplemento do usuário.

Após profundos embates, a Primeira Seção do Superior Tribunal de Justi-ça, por maioria de votos, veio a reconhecer, por exemplo, a legitimidade do

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FGv DIREITO RIO 63

92 REsp 363943/MG, Rel. Ministro Hum-berto Gomes de barros, Primeira Seção, julgado em 10.12.2003, DJ 01.03.2004 , p. 119.

93 voto vencedor do Min. Humberto Gomes de barros no RE 363.943, j. em 10.12.2003.

corte de energia elétrica a consumidores inadimplentes, desde que observadas as exigências previstas na legislação, em decisão que restou assim ementada:

ADMINISTRATIVO — ENERGIA ELÉTRICA — CORTE — FALTA DE PAGAMENTO — É lícito à concessionária interromper o fornecimento de energia elétrica, se, após aviso prévio, o consumidor de energia elétrica permanecer inadimplente no pagamento da respec-tiva conta (L. 8.987/95, Art. 6º, § 3º, II).92

Em sustentação da possibilidade de corte, foi considerada a necessidade de manutenção do equilíbrio econômico-financeiro da concessão. Em suas razões de decidir, o ministro-relator Humberto Gomes de Barros observou:

...a proibição [do corte] acarretaria aquilo a que se denomina “efeito dominó”. Com efeito, ao saber que o vizinho está recebendo energia de graça, o cidadão tenderá a trazer para si o tentador benefício. Em pouco tempo, ninguém mais honrará a conta de luz.

Ora, se ninguém paga pelo fornecimento, a empresa distribuidora de energia não terá renda. Em não tendo renda, a distribuidora não poderá adquirir os insumos necessários à execução dos serviços conce-didos e, finalmente, entrará em insolvência.

Falida, a concessionária interromperia o fornecimento a todo o mu-nicípio, deixando às escuras, até a iluminação pública.93

Cumpre mencionar que o STJ tem entendido que a possibilidade de corte atinge inclusive as pessoas jurídicas de direito público (como Estados e mu-nicípios), conforme se observa da decisão monocrática abaixo, da lavra no ministro Humberto Martins, a qual se pede licença para transcrever tendo em vista que explica, de forma bastante didática, a evolução da jurisprudên-cia pátria no que se refere ao tema das tarifas de energia elétrica, possibilidade de corte e o princípio da modicidade tarifária:

RECURSO ESPECIAL — ALÍNEAS “A” E “C” — ADMINIS-TRATIVO — ENERGIA ELÉTRICA — CONCESSÃO DE SER-VIÇO PÚBLICO — INADIMPLÊNCIA DO MUNICÍPIO CON-SUMIDOR — SUSPENSÃO DO SERVIÇO — POSSIBILIDADE — RECURSO PROVIDO.

DECISÃOVistos.Cuida-se de recurso especial interposto por AES Sul — Distribui-

dora Gaúcha de Energia S/A, com fundamento nas alíneas “a” e “c” do inciso III do artigo 105 da Constituição da República, contra v.

92. REsp 363943/MG, Rel. Ministro Humberto Gomes de barros, Primeira Seção, julgado em 10.12.2003, DJ 01.03.2004 , p. 119.

93. voto vencedor do Min. Humberto Gomes de barros no RE 363.943, j. em 10.12.2003.

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FGv DIREITO RIO 64

acórdão proferido pelo egrégio Tribunal Regional Federal da 4ª Região, cuja ementa guarda o seguinte teor:

“INTERRUPÇÃO NO FORNECIMENTO DE ENERGIA ELÉ-TRICA. MUNICÍPIO INADIMPLENTE.

É incontestável o direito do concessionário à remuneração prevista no contrato administrativo firmado com o Poder Concedente. Toda-via, esse direito não pode se sobrepujar ao interesse difuso da coletivi-dade municipal à manutenção do fornecimento do serviço público, de natureza essencial, sob pena de violação à própria dignidade da pessoa humana (art. 1º, III, CF/88). Em nome do princípio da proporciona-lidade, não está a concessionária autorizada a utilizar dos meios mais gravosos para a obtenção dos seus créditos, quando poderá fazê-lo pela via judicial própria” (fl. 567).

Aponta a recorrente violação do artigo 6º, §3º, II, da Lei n. 8.987/95 e negativa de vigência ao artigo 17 da Lei 9.427/96, além de divergên-cia jurisprudencial com julgados deste Sodalício. É, no essencial, o re-latório.

(...).Em verdade, a suposta necessidade da continuidade do serviço

público, de acordo com o Código de Defesa do Consumidor, não se traduz em uma regra de conteúdo absoluto, em vista das limitações previstas na Lei n. 8.987/97. Aliás, nessa linha de entender, a colenda Primeira Turma, por meio de voto condutor da lavra do ilustre Minis-tro Teori Albino Zavascki, assentou que “tem-se, assim, que a continui-dade do serviço público assegurada pelo art. 22 do CDC não constitui princípio absoluto, mas garantia limitada pelas disposições da Lei n. 8.987/95, que, em nome justamente da preservação da continuidade e da qualidade da prestação dos serviços ao conjunto dos usuários, per-mite, em hipóteses entre as quais o inadimplemento, a suspensão no seu fornecimento” (REsp 591.692-RJ, DJ 14/3/2005).

Seja como for, não se desconhece haver intenso debate doutrinário e jurisprudencial acerca do tema versado nos presentes autos, inclusive no âmbito das Turmas que compõem a egrégia Primeira Seção deste Sodalício. Há arestos da egrégia Primeira Turma nos quais restou con-signado o entendimento de que “é defeso à concessionária de energia elétrica interromper o suprimento de força, no escopo e compelir o consumidor ao pagamento de tarifa em atraso. O exercício arbitrá-rio das próprias razões não pode substituir a ação de cobrança” (REsp 223.778/RJ, Rel. Min. Humberto Gomes de Barros, DJU 13.3.2000).

Dispõe a Lei n. 8.987/95 que os serviços públicos, prestados em regime de concessão, deverão ser adequados ao pleno atendimento dos

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FGv DIREITO RIO 65

usuários, exigindo-se a regularidade, continuidade, eficiência, atuali-dade, generalidade, cortesia na sua prestação e modicidade das tarifas (art. 6º, § 3º).

Assegura o referido diploma, entretanto, que:

“Art. 6º. (...)§ 3º. Não se caracteriza como descontinuidade do serviço a sua

interrupção em situação de emergência ou após prévio aviso, quando:(...)II — por inadimplemento do usuário, considerado o interesse da

coletividade.”

Posteriormente, a Lei n. 9.427/96, que instituiu a Agência Nacional de Energia Elétrica — ANEEL e disciplinou o regime das concessões de serviços públicos de energia elétrica, admitiu o corte do fornecimen-to do serviço por falta de pagamento, condicionada à comunicação prévia da autoridade competente. Confira-se:

“Art. 17. A suspensão, por falta de pagamento, do fornecimento de energia elétrica a consumidor que preste serviço público ou essen-cial à população e cuja atividade sofra prejuízo será comunicada com antecedência de 15 (quinze) dias ao Poder Público local ou ao Poder Executivo Estadual.

Parágrafo único. O Poder Público que receber a comunicação adota-rá as providências administrativas para preservar a população dos efei-tos da suspensão do fornecimento de energia, sem prejuízo das ações de responsabilização pela falta de pagamento que motivou a medida.”

Sob outro enfoque, todavia, não se admite receba o usuário, se admitida a impossibilidade de suspensão do serviço, um estímulo à inadimplência. Não se pode olvidar que se trata de serviço oneroso, cujo fornecimento deve ser prestigiado pelo respectivo pagamento, na forma da lei.

Ademais, ao editar a Resolução 456, de 29 de novembro de 2000, a própria ANEEL, responsável pela regulamentação do setor de energéti-co no país, contemplou a possibilidade de suspensão do fornecimento do serviço em inúmeras hipóteses, dentre as quais o atraso no paga-mento de encargos e serviços vinculados ao fornecimento de energia elétrica prestados mediante autorização do consumidor, ou pela presta-ção do serviço público de energia elétrica (art. 91, incisos I e II).

Oportuno mencionar, por fim, que não será o Judiciário, entretan-to, insensível relativamente às situações peculiares em que o usuário

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FGv DIREITO RIO 66

94 STJ, RESP 757016, Min. Humberto Martins, DOU 09.08.2006

deixar de honrar seus compromissos em razão de sua hipossuficiência, circunstância que não se amolda ao caso em exame.

Confira-se o seguinte julgado desta Corte:“ADMINISTRATIVO — FORNECIMENTO DE ENERGIA

ELÉTRICA — FALTA DE PAGAMENTO — CORTE — MUNI-CÍPIO COMO CONSUMIDOR.

1. A Primeira Seção já formulou entendimento uniforme, no senti-do de que o não pagamento das contas de consumo de energia elétrica pode levar ao corte no fornecimento.

2. Quando o consumidor é pessoa jurídica de direito público, a mes-ma regra deve lhe ser estendida, com a preservação apenas das unidades públicas cuja paralisação é inadmissível.

3. Legalidade do corte para as praças, ruas, ginásios de esporte, etc.4. Recurso especial provido” (REsp 460.271/SP, Rel. Min. ElianaCalmon, DJ 6.5.2005).(...)Pelo que precede, com fundamento no §1º-A do artigo 557 do

CPC, dou provimento ao recurso especial.94

Portanto, também no que tange a entes públicos, existem algumas deci-sões reconhecendo a possibilidade de corte do fornecimento de energia elétri-ca, em vista da necessidade de se preservar o equilíbrio econômico-financeiro da concessão.

v. RecuRsOs/MATeRIAIs uTILIZADOs

Leitura obrigatória

CARVALHO FILHO, José dos Santos. Manual de direito administrativo. São Paulo: Atlas, itens:

• ConcessãoePermissãodeserviçopúblicoo Concessão de Serviços Públicos (concessão comum — itens 11 a 15)

Leitura complementar

DI PIETRO, Maria Sylvia Zanella de. Parcerias na administração pública. 4ª ed. São Paulo: Atlas, 2002, pp. 77 a 89.

GROTTI, Dinorah. O serviço público e a Constituição brasileira de 1988. São Paulo: Malheiros.

94. STJ, RESP 757016, Min. Humberto Martins, DOU 09.08.2006

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FGv DIREITO RIO 67

MEDAUAR, Odete. Serviços públicos e serviços de interesse econômico ge-ral. In: MOREIRA NETO, Diogo de Figueiredo. Uma avaliação das tendên-cias contemporâneas do direito administrativo. Rio de Janeiro: Renovar, 2003.

vI. AvALIAçãO

caso gerador 1

Trata-se de lei estadual que estabeleceu gratuidade aos deficientes físicos pobres no transporte ferroviário de passageiros.

Inconformada, a concessionária pleiteia, com base no princípio do equilí-brio econômico-financeiro da concessão, direito a reajuste da tarifa.

De outro lado, entidades de defesa dos usuários dos serviços públicos ale-gam que o princípio da modicidade tarifária e o dever constitucional de pro-teção aos que portadores de deficiência (art. 23, II; 24, XIV; 226; 227; 244) os objetivos de construção de uma sociedade solidária e de promoção do bem estar de todos (art. 3º, CF/88) conferem juridicidade à norma.

A seu ver, como deveria ser resolvida a controvérsia?

caso gerador 2

Considere as seguintes situações:1. João, morador de área pobre da cidade, não paga a conta de luz de sua

humilde casa há três meses, desde que perdeu seu emprego.2. Maria também não paga sua conta de luz há seis meses, pois, consi-

derando o seu apertado orçamento, está priorizando a economia de recur-sos para reformar sua casa. Acredita que seu consumo, sendo relativamente baixo, não trará qualquer prejuízo à “portentosa” concessionária, que possui como acionistas controladores de fundos de investimento e pujantes grupos internacionais.

3. Adicionalmente, a prefeitura da cidade onde moram João e Maria tam-pouco paga a conta de energia elétrica de suas repartições há mais de um ano, pois o prefeito vem priorizando investimentos nas escolas do municí-pio, alegando não sobrar recursos para essa despesa. A prefeitura depende da energia elétrica não apenas para iluminar suas repartições, mas também para o funcionamento de escolas e hospitais.

4. A concessionária que presta o serviço público de transporte urbano na cidade, por força de contrato de concessão, tampouco paga a conta de luz há mais de seis meses, alegando que a receita arrecadada com a venda de passa-

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gens tem sido insufi ciente para cobrir todos os seus gastos, sendo que está priorizando o pagamento dos funcionários.

Como advogado da concessionária de energia elétrica que distribui ener-gia elétrica para João, Maria, a prefeitura e a concessionária de transporte fer-roviário da cidade, que medida você proporia à sua cliente em cada uma das situações acima relatadas? É possível cortar o fornecimento de energia elétrica em todas as hipóteses? A sua resposta permaneceria a mesma se, ao invés de energia elétrica, o serviço cujo pagamento se encontra em aberto fosse o de fornecimento de água e esgoto?

vII. cONcLusãO DA AuLA

Os direitos dos usuários de serviço público são previstos no art. 7º e 7-A da Lei nº 8.987/1995. Tais direitos são exigíveis diretamente da concessionária de serviço público responsável pela prestação daquele determinado serviço. Por sua vez, esta concessionária possui uma relação administrativa com o Po-der Concedente que lhe concedeu a execução do serviço público por meio de um procedimento licitatório. Durante esta aula foi explorado conflitos que podem surgir diante da concomitância destas duas relações jurídicas distintas.

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aula 9

I. TeMA

Extinção do contrato de concessão de serviço público

II. AssuNTO

Análise das hipóteses de extinção das concessões e suas consequências.

III. OBJeTIvOs especÍFIcOs

Discutir as diferentes razões pelas quais pode ser encerrado o contrato de concessão. Apresentar o instituto da reversão dos bens do concessionário.

Iv. DeseNvOLvIMeNTO MeTODOLÓgIcO

Introdução

Da extinção do contrato de concessão

O art. 35 da Lei nº 8.987/1995 determina as hipóteses de extinção do contrato de concessão:

Art. 35. Extingue-se a concessão por:I — advento do termo contratual;II — encampação;III — caducidade;IV — rescisão;V — anulação; eVI — falência ou extinção da empresa concessionária e falecimento

ou incapacidade do titular, no caso de empresa individual.§ 1o. Extinta a concessão, retornam ao poder concedente todos os

bens reversíveis, direitos e privilégios transferidos ao concessionário conforme previsto no edital e estabelecido no contrato.

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95 MOREIRA NETO, Diogo de Figueiredo Moreira. Curso de direito administrativo. 14a ed. Rio de Janeiro: Forense, 2006, p. 444.

96 MOREIRA NETO, Diogo de Figueiredo Moreira. Curso de direito administrativo. 14a ed. Rio de Janeiro: Forense, 2006, p. 444.

§ 2o. Extinta a concessão, haverá a imediata assunção do serviço pelo poder concedente, procedendo-se aos levantamentos, avaliações e liquidações necessários.

§ 3o. A assunção do serviço autoriza a ocupação das instalações e a utilização, pelo poder concedente, de todos os bens reversíveis.

§ 4o. Nos casos previstos nos incisos I e II deste artigo, o poder concedente, antecipando-se à extinção da concessão, procederá aos le-vantamentos e avaliações necessários à determinação dos montantes da indenização que será devida à concessionária, na forma dos arts. 36 e 37 desta Lei.

A extinção ordinária é aquela que ocorre no advento do termo final, quan-do ocorre a reversão ao poder público dos bens vinculados ao serviço.

Adicionalmente, existem hipóteses em que o Estado poderá retomar an-tecipadamente a concessão, de forma transitória ou permanente. A primeira ocorrerá em casos de força maior, como greves, calamidades públicas, decre-tação do estado de defesa ou estado de sítio. A segunda terá lugar nos casos de anulação, encampação, caducidade, rescisão, distrato, renúncia e força maior.95

Sobre as hipóteses de anulação do contrato de concessão, observa Diogo de Figueiredo Moreira Neto:

Esta é forma de desfazimento contratual genérica, que se dá quando os elementos do contrato administrativo não se conformam aos dita-mes legais. Tanto cabe à Administração quanto ao Judiciário declarar a nulidade que, como é sabido, atua ex tunc, devolvendo as partes à situação anterior ao contrato desfeito.

Por outro lado, em razão da existência de cláusulas privadas insertas no contrato administrativo, no campo de aplicação da autonomia da vontade, será possível caracterizar-se também hipóteses de anulabilida-de, nos casos previstos na lei civil, por incapacidade da parte privada ou emanação viciada da sua vontade.96

A encampação, por sua vez, diz respeito às hipóteses de encerramento do contrato de concessão por interesse público, sem que tenha havido inadimple-mento da concessionária, estando prevista no art. 37 da Lei nº 9.897/1995:

Art. 37. Considera-se encampação a retomada do serviço pelo poder concedente durante o prazo da concessão, por motivo de interesse pú-blico, mediante lei autorizativa específica e após prévio pagamento da indenização, na forma do artigo anterior.

95. MOREIRA NETO, Diogo de Figuei-redo Moreira. curso de direito ad-ministrativo. 14a ed. Rio de Janeiro: Forense, 2006, p. 444.

96. MOREIRA NETO, Diogo de Figuei-redo Moreira. curso de direito ad-ministrativo. 14a ed. Rio de Janeiro: Forense, 2006, p. 444.

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FGv DIREITO RIO 71

Veja-se que o dispositivo legal exige que haja lei específica autorizando a encampação, a qual somente pode ser efetivada após o pagamento da inde-nização ao particular.

A caducidade, ao revés, poderá ocorrer nos casos de inexecução total ou parcial, pela concessionária, dos deveres assumidos no contrato de concessão:

Art. 38. A inexecução total ou parcial do contrato acarretará, a cri-tério do poder concedente, a declaração de caducidade da concessão ou a aplicação das sanções contratuais, respeitadas as disposições deste artigo, do art. 27, e as normas convencionadas entre as partes.

§1o. A caducidade da concessão poderá ser declarada pelo poder concedente quando:

I — o serviço estiver sendo prestado de forma inadequada ou de-ficiente, tendo por base as normas, critérios, indicadores e parâmetros definidores da qualidade do serviço;

II — a concessionária descumprir cláusulas contratuais ou disposi-ções legais ou regulamentares concernentes à concessão;

III — a concessionária paralisar o serviço ou concorrer para tanto, ressalvadas as hipóteses decorrentes de caso fortuito ou força maior;

IV — a concessionária perder as condições econômicas, técnicas ou operacionais para manter a adequada prestação do serviço concedido;

V — a concessionária não cumprir as penalidades impostas por in-frações, nos devidos prazos;

VI — a concessionária não atender a intimação do poder conceden-te no sentido de regularizar a prestação do serviço; e

VII — a concessionária não atender a intimação do poder conce-dente para, em 180 (cento e oitenta) dias, apresentar a documentação relativa a regularidade fiscal, no curso da concessão, na forma do art. 29 da Lei nº 8.666, de 21 de junho de 1993. (Redação dada pela Lei nº 12.767, de 2012)

§2o. A declaração da caducidade da concessão deverá ser precedida da verificação da inadimplência da concessionária em processo admi-nistrativo, assegurado o direito de ampla defesa.

§3o. Não será instaurado processo administrativo de inadimplência antes de comunicados à concessionária, detalhadamente, os descum-primentos contratuais referidos no § 1º deste artigo, dando-lhe um prazo para corrigir as falhas e transgressões apontadas e para o enqua-dramento, nos termos contratuais.

§4o. Instaurado o processo administrativo e comprovada a inadim-plência, a caducidade será declarada por decreto do poder concedente, independentemente de indenização prévia, calculada no decurso do processo.

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§5o. A indenização de que trata o parágrafo anterior, será devida na forma do art. 36 desta Lei e do contrato, descontado o valor das multas contratuais e dos danos causados pela concessionária.

§6o. Declarada a caducidade, não resultará para o poder concedente qualquer espécie de responsabilidade em relação aos encargos, ônus, obrigações ou compromissos com terceiros ou com empregados da concessionária.

Em razão da relevância da atividade desenvolvida — serviço público — a concessionária somente pode rescindir o contrato por meio de ação judicial, devendo manter a prestação do serviço até o trânsito em julgado da decisão que lhe defira o pedido formulado, conforme se observa do art. 39, parágrafo único, da Lei nº 8.987/1995:

Art. 39. O contrato de concessão poderá ser rescindido por inicia-tiva da concessionária, no caso de descumprimento das normas con-tratuais pelo poder concedente, mediante ação judicial especialmente intentada para esse fim.

Parágrafo único. Na hipótese prevista no caput deste artigo, os ser-viços prestados pela concessionária não poderão ser interrompidos ou paralisados, até a decisão judicial transitada em julgado.

Da intervenção

Nem sempre, todavia, o término imediato da concessão é a medida mais adequada à promoção do interesse público. Assim, quando as condições do caso concreto o recomendarem, o poder concedente poderá intervir na con-cessão, para que seja assegurada a adequação na prestação do serviço, bem como o fiel cumprimento das normas contratuais, regulamentares e legais pertinentes. Deverá ser aberto processo administrativo para apuração de eventuais irregularidades. A intervenção poderá, ao final, redundar na extin-ção da concessão.

Da reversibilidade dos bens objeto da concessão

Como já visto, a concessão corresponde a uma forma descentralizada de prestação de serviço público que se consubstancia por meio de um contrato administrativo, pelo qual o Poder Público concedente transfere a um conces-sionário a execução de determinado serviço público, sob sua efetiva regula-ção, mediante o pagamento de tarifas pagas pelos usuários.

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97 Curso de Direito Administrativo. 13ª ed. São Paulo: Malheiros, 2001, p. 632.

98 lei 8.987/95, art. 23.

Sobre a natureza jurídica da concessão, salienta Celso Antonio Bandeira de Mello, que a mesma constitui “uma relação jurídica complexa, composta de um ato regulamentar do estado que fixa unilateralmente condições de funcionamento, organização e modo de prestação do serviço, isto é, as con-dições por meio do qual o concessionário voluntariamente se insere debaixo da situação jurídica objetiva estabelecida pelo Poder Público, e de contrato, por cuja via se garante a equação econômico-financeira, resguardando os le-gítimos objetivos de lucro do concessionário”.97

Destarte, em se tratando a concessão de um contrato administrativo, esta se formaliza por intermédio de um instrumento escrito, onde são fixadas as cláusulas indispensáveis à validade do negócio jurídico. Com efeito, deve o contrato de concessão obrigatoriamente enunciar o objeto, a área e o prazo da concessão; o preço do serviço; os critérios e procedimentos para reajuste e revisão das tarifas; os direitos e deveres dos usuários para desfrute das presta-ções; os direitos, garantias e obrigações do poder concedente e da concessio-nária, inclusive os relacionados às previsíveis necessidades futuras de alteração e expansão do serviço; as penalidades contratuais e administrativas a que se sujeita a concessionária; os casos de extinção da concessão; os bens reversíveis; os critérios para o cálculo e a forma de pagamento das indenizações devidas à concessionária; as condições de prorrogação do contrato; a forma de presta-ção de contas da concessionária ao poder concedente; e, finalmente, o foro e o modo de solução das divergências contratuais.98

Deve-se observar que a legislação de regência, ao exigir a adoção de tais cláusulas no contrato de concessão, considerados essenciais para a sua forma-ção, dispôs sobre a natureza do referido negócio jurídico, onde se constata a necessidade do Poder Público, mediante o exercício da sua função regula-tória, ditar para o concessionário as condições pelas quais o serviço deva ser prestado ao usuário. Para tanto, necessário se faz que a organização e o fun-cionamento do serviço delegado, mesmo passando a ser executado por um particular, não percam as suas características de generalidade, essencialidade, continuidade, modicidade tarifária, relevância, de ser prestado de forma igual para todos os usuários e de ter, por fim, a satisfação de uma necessidade cole-tiva. Dentre as cláusulas essenciais do contrato encontram-se aquelas relativas aos bens reversíveis e aos critérios para o cálculo e a forma de pagamento das indenizações devidas à concessionária.

No que concerne às Concessionárias impõe-se, segundo o art. 31 da men-cionada Lei nº 8.987/1995, manter em dia o inventário e o registro dos bens vinculados à concessão, e zelar pela integridade dos mesmos. Esse regramento tem a finalidade de zelar pelo real cumprimento dos objetivos da concessão, traçando, de forma rígida, comportamentos a serem adotados por ambos os contratantes, notadamente para que o serviço público concedido seja presta-do de modo a alcançar os interesses da coletividade.

97. curso de Direito Adminis-trativo. 13ª ed. São Paulo: Malheiros, 2001, p. 632.

98. lei 8.987/95, art. 23.

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99 celso Antônio bandeira de Mello. Prestação de Serviços Públicos e Admi-nistração Indireta. RT, 1973, p.53.

Cumpre salientar que a reversão de bens constitui um preceito tradicional nas leis brasileiras referentes às concessões de serviços públicos. Nesse sen-tido, a normativa vigente estabelece que, extinta a concessão, retornam ao poder concedente todos os bens reversíveis, direitos e privilégios transferidos ao concessionário conforme previsto no edital e estabelecido no contrato.

A reversão pode ser definida como a entrega, pelo concessionário ao poder concedente, dos bens vinculados à concessão, por ocasião do fim do contrato, em virtude de sua destinação ao serviço público, de modo a permitir sua con-tinuidade. Essa devolução constitui um corolário do contrato em que o con-cessionário se coloca transitoriamente em lugar do Poder Público concedente para a prestação de um serviço que incumbe a este. Assim é a lição de Celso Antônio Bandeira de Mello: “a reversão é a passagem ao poder concedente dos bens do concessionário aplicados ao serviço, uma vez extinta a concessão. Portanto, através da chamada reversão, os bens do concessionário, necessários ao exercício do serviço público, integram-se no patrimônio do concedente ao se findar a concessão”.99

O ponto nodal nesse campo de questões está em saber se a reversão atinge todos os bens que entraram no acervo da concessão. Com efeito, a divergên-cia em torno da qualificação dos bens reversíveis é frequente, e isso se deve, na maioria das vezes, a pouca precisão dos editais de licitação e das cláusulas contratuais.

Pode-se assegurar que não há uma regra clara na legislação em vigor sobre os chamados bens reversíveis. Nada obstante, costuma-se conceituá-los como aqueles diretamente vinculados e necessários ao serviço público, que integra-rão o patrimônio do concedente ao se findar a concessão.

Ressalte-se que os bens envolvidos na prestação do serviço objeto da con-cessão podem ser públicos ou privados, dependendo de sua origem. A esse propósito, ao discorrer sobre o regime dos bens de propriedade da empresa estatal que desempenha serviço público, mediante concessão ou permissão, doutrina Maria Sylvia Zanella di Pietro que ela possui um patrimônio pró-prio, embora tenha que se utilizar, muitas vezes, de bens pertencentes à pes-soa pública política.

Assim, dentre os bens nele integrados, distinguem-se duas espécies: os que estão diretamente afetados à execução do serviço público e os que não estão afetados. Nesse sentido, esclarece a administrativista que, se os bens das concessionárias e permissionárias são afetados a um serviço público, eles têm que se submeter ao mesmo regime jurídico a que se submetem os bens pertencentes à União, Estados e Municípios, também afetados à realização de serviços públicos.

Se fosse possível a essas empresas alienar livremente esses bens, se esses bens pudessem ser penhorados, hipotecados, adquiridos por usucapião, ha-veria uma interrupção no serviço público. E o serviço é considerado público

99. celso Antônio bandeira de Mello. prestação de serviços públicos e Administração Indireta. RT, 1973, p.53.

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100 Maria Sylvia Zanella Di Pietro. Na-tureza jurídica dos bens das empresas estatais, Revista PGE de São Paulo, dez. 1988: 173-185, p. 182 e ss.

101 luiz Alberto blanchet. Concessão de Serviços Públicos. 2ª ed. Editora Juruá: 2000, p.102.

102 Hely lopes Meirelles. Direito Admi-nistrativo Brasileiro. 28ª ed. São Paulo: Malheiros, 2003, p. 379.

precisamente porque atende a necessidades essenciais da coletividade. Daí a impossibilidade de sua paralisação, e daí a sua submissão a regime jurídico publicístico.

No caso do serviço público, é a pessoa pública política (União, Estado ou município) que detém a sua titularidade; a concessionária apenas o executa e não tem qualquer disponibilidade sobre ele, como também não tem a livre disponibilidade sobre os bens afetados ao serviço público.100

Releva assinalar que diversas são as opiniões acerca da reversibilidade dos bens privados na concessão de serviços públicos. Colhe-se, nesse sentido, o magistério de Luiz Alberto Blanchet:

A opinião predominante é no sentido de que somente os bens ne-cessários à prestação do serviço concedido, e para esse fim efetivamente utilizados, deveriam ser revertidos ao poder concedente, conforme, ali-ás, entende também o Supremo Tribunal Federal. Este é o posiciona-mento mais condizente com o princípio da permanência, ou continui-dade, do serviço, pois se os bens efetivamente utilizados na prestação adequada do serviço já são suficientes para preservar a continuidade de sua prestação, a reversão dos demais bens é supérflua, e de qualquer modo terá sido paga com recursos públicos antes da concessão (se já existentes ou adquiridos pelo poder concedente para utilização na pres-tação do serviço), durante (dissolvido o seu custo no valor da tarifa), ou ao final da concessão mediante indenização ao concessionário (se assim estiver previsto no contrato).101

De fato, no entender de Hely Lopes Meirelles, somente devem ser rever-tidos os bens vinculados à prestação do serviço, podendo a empresa dispor livremente sobre os demais bens não utilizados no serviço. Assim sustenta o jurista, com singular clareza que:

Segundo a doutrina dominante, acolhida pelos nossos Tribunais, a reversão só abrange os bens, asseguram sua adequada prestação. Se o concessionário, durante a vigência do contrato, formou um acervo à parte, embora provindo da empresa, mas desvinculado do serviço e sem emprego na sua execução, tais bens não lhe são acessórios e, por isso, não o seguem necessariamente, na reversão.102

A noção de vinculação dos bens à prestação dos serviços também está re-lacionada ao regime tarifário, pois que a rigor somente os bens empregados na sua execução são alcançados pela tarifa. Essa relação fica muito bem real-çada na doutrina de José dos Santos Carvalho Filho: “... o objeto da reversão consiste apenas nos bens empregados pelo concessionário para a execução do

100. Maria Sylvia Zanella Di Pietro. Natureza jurídica dos bens das empresas estatais, Revista PGE de São Paulo, dez. 1988: 173-185, p. 182 e ss.

101. luiz Alberto blanchet. conces-são de serviços públicos. 2ª ed. Editora Juruá: 2000, p.102.

102. Hely lopes Meirelles. Direito Administrativo Brasileiro. 28ª ed. São Paulo: Malheiros, 2003, p. 379.

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103 José dos Santos carvalho Filho. Manual de Direito Administrativo. 10ª ed. Rio de Janeiro: lumem Júris, 2003, p. 330.

104 RE 32865. Relator Min. EDGARD cOS-TA. Julgamento em 28/08/1956. Órgão Julgador 2ª Turma.

105 RE 71727-RJ. Relator   Min. DJAcI FAlcãO. Julgamento em  11/12/1979. Órgão Julgador  2ª TURMA.

106 Art. 36. A reversão no advento do termo contratual far-se-á com a inde-nização das parcelas dos investimentos vinculados a bens reversíveis, ainda não amortizados ou depreciados, que tenham sido realizados com o objetivo de garantir a continuidade e atualidade do serviço concedido.

serviço, e isso porque apenas esses foram alcançados pela projeção das tarifas. Os bens adquiridos com sua própria parcela de lucros, todavia, permanecem em seu poder, até mesmo porque situação contrária vulneraria o direito de propriedade, assegurado no art. 5º, XXII, da CF.”103

No direito pátrio, a jurisprudência do Supremo Tribunal Federal há muito consagra o entendimento de que só são reversíveis os bens efetivamente im-prescindíveis ao contrato, conforme se constata do seguinte acórdão:

Serviço de bondes do Distrito Federal; Reversão à Prefeitura dos bens da companhia sua cessionária; Somente são reversíveis aque-les vinculados, próprios ou afetos à execução do serviço concedido, na conformidade do respectivo contrato, esclarecido por “termos de acordo” posteriores; Os adquiridos, portanto, pela concessionária, por aplicação de seus recursos, sem aquela destinação, são de sua livre pro-priedade e, conseqüentemente, não reversíveis. Recurso extraordinário por violação dos arts. 2º da lei de introdução ao código civil, 644 e 647 do código civil, 141, par. 2º, da constituição federal, e da lei nº. 1.533, de 1951; Improcedência das argüições. Revogabilidade de ato admi-nistrativo. Divergência inexistente, face à jurisprudência a respeito as-sentada. Argüição, sobre serôdia, descabida e violação da lei orgânica do distrito federal. Descabimento, conseqüente, do recurso; seu não conhecimento.104

Outro aresto pode ser destacado no mesmo sentido: “Concessão de Ser-viço Público — Reversão — Contrato — Não cabe a reversão de bens não vinculados ao serviço concedido, que podem ser livremente alienados pelo concessionário, nos termos do contrato de concessão”.105

Portanto, somente os bens efetivamente atrelados ao contrato de conces-são são passíveis de reversão. Não se pode olvidar que a reversão está sujeita a postulados fundamentais dos quais o poder concedente não pode afastar--se, podendo-se citar como exemplo o de que ninguém deve enriquecer-se às expensas de outro. Com base neste princípio, aliás, é que a Lei de Concessões (Lei nº 8.987/1995), no seu art. 36, se preocupou em prever o instrumento da indenização para o caso de investimentos feitos pelo concessionário refe-rentes a bens reversíveis que não tenham sido amortizados.106

Cabe enfatizar que, em princípio, por ocasião do término do prazo con-tratual, todos os investimentos já devem ter sido amortizados ou depreciados. A esse respeito, recorre-se do magistério de Maria Sylvia Zanella di Pietro: “Nesse caso, extinta a concessão ou a permissão, pelo decurso do prazo ini-cialmente estipulado, estará, em princípio, coberto o valor da indenização. Se a amortização não tiver sido total, por qualquer razão, ou se a extinção se der antes do prazo estipulado, caberá ao poder concedente indenizar o con-

103. José dos Santos carvalho Filho. Manual de Direito Administra-tivo. 10ª ed. Rio de Janeiro: lumem Júris, 2003, p. 330.

104. RE 32865. Relator  Min. EDGARD cOSTA. Julgamento  em 28/08/1956. Órgão Julgador 2ª Turma.

105. RE 71727-RJ. Relator  Min. DJAcI FAlcãO. Julgamento em  11/12/1979. Órgão Julgador  2ª TURMA.

106. Art. 36. A reversão no advento do termo contratual far-se-á com a inde-nização das parcelas dos investimentos vinculados a bens reversíveis, ainda não amortizados ou depreciados, que tenham sido realizados com o objetivo de garantir a continuidade e atualidade do serviço concedido.

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FGv DIREITO RIO 77

107 Maria Sylvia Zanella di Pietro, in Par-cerias na Administração Pública, 3ª ed., Atlas, 1999, p. 86.

108 Art. 36, lei 8.987/1995.

109 É o que dispõe o art. 18, da lei 8.987/1995: O edital de licitação será elaborado pelo poder concedente, ob-servados, no que couber, os critérios e as normas gerais da legislação própria sobre licitações e contratos e conterá, especialmente: (...) X - a indicação dos bens reversíveis; XI - as características dos bens reversíveis e as condições em que estes serão postos à disposição, nos casos em que houver sido extinta a concessão anterior;

cessionário pelo valor restante, ainda não amortizado. É o que estabelece o art. 36 da lei 8.987.”107

Com essas duas reservas, ao termo final do contrato de concessão o po-der concedente pode recolher o acervo vinculado ao contrato em condições regulares, capazes de assegurar a continuidade do serviço, e o concessionário recobrar inteiramente o que fora investido durante o contrato na manuten-ção dos bens reversíveis.

Via de regra, o prazo contratual é dimensionado em função de uma pre-visão inicial dos investimentos necessários. Porém, num contrato de longa duração, há sempre a necessidade de se fazer novos e até mesmo imprevis-tos investimentos, inclusive em período próximo ao final da concessão, tudo com o objetivo, como diz a lei108, de “garantir a continuidade e atualidade do serviço concedido”.

Destarte, os investimentos adicionais feitos pela concessionária podem ser insuscetíveis de amortização no prazo estabelecido inicialmente. Desse modo, somente se for garantido à concessionária o retorno da totalidade dos investimentos efetuados, ela os fará, atendendo com isso os interesses dos usuários.

Vale notar, todavia, que apesar da lei dispor sobre o pagamento de indeni-zação, no seu art. 36, “dos investimentos vinculados a bens reversíveis”, não esclareceu como e quando esse pagamento deverá ser efetuado. A Lei deixa implícito que, no caso de advento do termo contratual, o pagamento deverá ser feito após a extinção (§ 2º do art. 35), mas silencia totalmente quanto à forma.

Quanto à necessidade do instrumento contratual indicar os bens que re-verterão ao Poder Público ao término da concessão, como determina o inciso X, do art. 23 da Lei de Concessões, importa assinalar que a regra também deve ser prevista no edital da licitação.109 É de notar-se, entretanto, que essa relação de bens constante do instrumento contratual não é taxativa, sendo certo que outros bens que venham a ser adquiridos pela concessionária — e que efetivamente venham a ser utilizados no serviço — também serão consi-derados reversíveis.

Nessa ordem de considerações, pode-se asseverar que novos bens adqui-ridos pela concessionária, efetivamente utilizados na prestação dos serviços, serão passíveis de reversão ao poder concedente. Vale lembrar que os inves-timentos feitos pela concessionária em bens vinculados ao serviço objeto do contrato devem ser depreciados durante o decorrer da concessão, na forma do contrato, sendo correto afirmar que, caso ao final desta não tenha sido possí-vel amortizá-los em sua totalidade, deverá incidir a indenização dos mesmos pelo poder concedente. É importante mencionar também que, no caso de haver renovação dos bens arrolados no edital ou no contrato de concessão, e, por conseqüência, ser retirada do serviço qualquer dos referidos bens, esse

107. Maria Sylvia Zanella di Pietro, in parcerias na Administração pública, 3ª ed., Atlas, 1999, p. 86.

108. Art. 36, lei 8.987/1995.

109. É o que dispõe o art. 18, da lei 8.987/1995: O edital de licitação será elaborado pelo poder concedente, ob-servados, no que couber, os critérios e as normas gerais da legislação própria sobre licitações e contratos e conterá, especialmente: (...) X - a indicação dos bens reversíveis; XI - as características dos bens reversíveis e as condições em que estes serão postos à disposição, nos casos em que houver sido extinta a con-cessão anterior;

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FGv DIREITO RIO 78

procedimento importará na sua desafetação. Com efeito, se determinado bem não é mais utilizado na operação dos serviços, perde o seu caráter, para constituir bem privado da empresa.

v. RecuRsOs/MATeRIAIs uTILIZADOs

Leitura obrigatória

CARVALHO FILHO, José dos Santos. Manual de direito administrativo. São Paulo: Atlas, itens.

• ConcessãoePermissãodeserviçospúblicoso Concessão de Serviços Públicos (concessão comum) — itens 16 a 19.

Leitura complementar

DI PIETRO, Maria Sylvia Zanella. Parcerias na administração pública. 4a ed. São Paulo: Atlas, 20025, pp. 89 a 96.

SUNDFELD, Carlos Ari; CÂMARA, Jacintho de Arruda. O serviço telefô-nico fixo e a reversão de bens. In: GUERRA, Sergio. Temas de direito regula-tório. Rio de Janeiro: Freitas Bastos, 2004.

vI. AvALIAçãO

caso gerador

A concessionária de serviços públicos ABC, quando assumiu a concessão de transporte ferroviário de passageiros, não fez um inventário dos bens rece-bidos do Estado — Poder Concedente. Desse modo, a ABC ainda não cum-priu com o previsto na cláusula 9ª do contrato de concessão, de acordo com a qual constitui seu dever organizar e manter permanentemente atualizado o cadastro de bens e instalações vinculados aos respectivos serviços. Consi-derando que: (i) a cláusula 12 do contrato prevê expressamente que, extinta a concessão, operar-se-á a reversão de pleno direito dos bens vinculados à concessão; (ii) de acordo com o contrato de concessão, para efeito de rever-são, consideram-se bens vinculados aqueles realizados pela Concessionária e efetivamente utilizados na prestação dos serviços; (iii) de acordo com o con-trato de concessão e o edital, mais especificamente na parte que trata sobre a sistemática tarifária, a tarifa é composta de diversos fatores, dentre eles o tem-

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FGv DIREITO RIO 79

po de vida útil dos trens, devendo, inclusive, ser substituídos; (iv) a Agência Reguladora já solicitou um posicionamento da Concessionária ABC acerca dos bens que entende reversíveis; e (v) os investimentos que a Concessionária vem fazendo para a implantação das novas estações e trens; indaga-se: quais os procedimentos administrativos que a ABC deve adotar, de forma que no futuro, quando do advento do termo final do contrato, já estejam consolida-dos todos os seus direitos relacionados aos bens vinculados à concessão?

vII. cONcLusãO DA AuLA

O contrato de concessão de serviço público pode ser extinto de forma natural, pelo mero decurso do tempo, ou de forma antecipada, por culpa da concessionária e/ou do Poder Concedente. A depender da causa da extinção do contrato, a instauração de procedimento administrativo prévio com direi-to de ampla defesa e contraditório e o pagamento de indenização podem ser requisitos para a regular extinção do contrato.

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FGv DIREITO RIO 80

110 A terminologia “parceria público--privada” é utilizada, aqui, em seu sentido preciso. Não se pode descon-siderar, entretanto, a existência de ou-tros institutos, anteriormente às PPPs, que, em distintos graus, permitem a participação da iniciativa privada na consecução de finalidades públicas ou socialmente relevantes. Nesse sentido, citem-se as sociedades de economia mista, as organizações da Sociedade civil de Interesse Público — OScIPS, as concessões tradicionais, os convênios, dentre outras. ver, a respeito, ARAGãO, Alexandre Santos de. As parcerias pú-blico-privadas — PPPs no direito bra-sileiro. Revista de Direito da Associação dos Procuradores do Novo Estado do Rio de Janeiro, v. XvII — Parcerias público--privadas (coord. Flávio Amaral Garcia). Rio de Janeiro: lumen Iuris, 2006, p. 54.

111 JUSTEN FIlHO, Marçal. Curso de di-reito administrativo. São Paulo: Saraiva, 2005, p. 549.

112 PASIS, Jorge Antonio bozoti e bOR-GES, luiz Ferreira Xavier. “A nova defi-nição de parceria público-privada e sua aplicabilidade na gestão de infra-estru-tura pública”. Revista do BNDES. Rio de Janeiro,dez 2003, v.10, n. 20, p. 184.

aula 10

I. TeMA

Parcerias público-privadas.

II. AssuNTO

Parcerias público-privadas: concessões patrocinadas e concessões adminis-trativas.

III. OBJeTIvOs especÍFIcOs

Apresentar o instituto das parcerias público-privadas, distinguindo-as das concessões comuns.

Iv. DeseNvOLvIMeNTO MeTODOLÓgIcO

As parcerias público-privadas foram introduzidas no ordenamento ju-rídico brasileiro, em âmbito federal, por intermédio da Lei nº 11.079, de 30.12.2004.110

O instituto das PPPs foi definido por Marçal Justen Filho nos seguintes termos:

contrato organizacional, de longo prazo de duração, por meio do qual se atribui a um sujeito privado o dever de executar obra pública e (ou) prestar serviço público, com ou sem direito à remuneração, por meio da exploração da infra-estrutura, mas mediante uma garantia especial e reforçada prestada pelo Poder Público, utilizável para a obtenção de recursos no mercado financeiro.111

Uma das finalidades das PPPs consiste em “antecipar investimentos que exigiriam muito tempo para serem feitos apenas com recursos públicos, dan-do ao parceiro privado a obrigação de adiantar recursos a serem recebidos no futuro, de uma vez ou em parcelas”.112 Ou seja, cabe à iniciativa privada realizar primeiramente os investimentos e a obra necessários à colocação do serviço à disposição da população. Em princípio, apenas após estar o serviço em operação o poder público ingressa com recursos financeiros, seja comple-

110. A terminologia “parceria público--privada” é utilizada, aqui, em seu sentido preciso. Não se pode descon-siderar, entretanto, a existência de ou-tros institutos, anteriormente às PPPs, que, em distintos graus, permitem a participação da iniciativa privada na consecução de finalidades públicas ou socialmente relevantes. Nesse sentido, citem-se as sociedades de economia mista, as organizações da Sociedade civil de Interesse Público — OScIPS, as concessões tradicionais, os convênios, dentre outras. ver, a respeito, ARAGãO, Alexandre Santos de. As parcerias público-privadas — PPPs no direito brasileiro. Revista de Direito da Associação dos procuradores do Novo estado do Rio de Ja-neiro, v. XvII — Parcerias público--privadas (coord. Flávio Amaral Garcia). Rio de Janeiro: lumen Iuris, 2006, p. 54.

111. JUSTEN FIlHO, Marçal. curso de direito administrativo. São Paulo: Saraiva, 2005, p. 549.

112. PASIS, Jorge Antonio bozoti e bORGES, luiz Ferreira Xavier. “A nova definição de parceria público-privada e sua aplicabilidade na gestão de infra--estrutura pública”. Revista do BN-Des. Rio de Janeiro,dez 2003, v.10, n. 20, p. 184.

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FGv DIREITO RIO 81

mentando a tarifa ou remunerando integralmente o serviço prestado. Nesse sentido, dispõe o art. 7º da Lei nº 11.079/2004:

Art. 7o A contraprestação da Administração Pública será obrigato-riamente precedida da disponibilização do serviço objeto do contrato de parceria público-privada.

Parágrafo único. É facultado à Administração Pública, nos termos do contrato, efetuar o pagamento da contraprestação relativa à parcela fruível de serviço objeto do contrato de parceria público-privada.

Desde 2012 a lei passou a admitir que o poder concedente aporte recursos ao parceiro privado antes da disponibilização do serviço, desde que para a realização de obras e aquisição de bens reversíveis:

Art. 6º. (...)§ 2o O contrato poderá prever o aporte de recursos em favor do par-

ceiro privado para a realização de obras e aquisição de bens reversíveis, nos termos dos incisos X e XI do caput do art. 18 da Lei no 8.987, de 13 de fevereiro de 1995, desde que autorizado no edital de licitação, se contratos novos, ou em lei específica, se contratos celebrados até 8 de agosto de 2012.

As PPPs constituem espécies do gênero “concessão” e se dividem em PPPs patrocinadas e PPPs administrativas, conforme definidas no art. 2º, §§1º e 2º, da Lei nº 11.079/2004:

Art. 2o Parceria público-privada é o contrato administrativo de con-cessão, na modalidade patrocinada ou administrativa.

§1o. Concessão patrocinada é a concessão de serviços públicos ou de obras públicas de que trata a Lei no 8.987, de 13 de fevereiro de 1995, quando envolver, adicionalmente à tarifa cobrada dos usuários contra-prestação pecuniária do parceiro público ao parceiro privado.

§2o. Concessão administrativa é o contrato de prestação de serviços de que a Administração Pública seja a usuária direta ou indireta, ainda que envolva execução de obra ou fornecimento e instalação de bens.

A norma deixa claro que a característica que distingue as PPPs das de-mais concessões, disciplinadas pela Lei nº 8.987/1995 (denominadas pela lei “concessões comuns”), consiste na contraprestação pecuniária por parte da Administração Pública. Nesse sentido, dispõe o art. 2º, §3º, da Lei nº 11.079/2004:

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FGv DIREITO RIO 82

113 Manual de Direito Administrativo. 23ª. Ed. Rio de Janeiro: lumen Juris, 2010. p. 465

114 conforme observou Marcos Juruena villela Souto, sobre o limite mínimo de R$ 20 milhões: “Não há dúvidas de que diversos municípios ficarão impossibi-litados de adoção do mecanismo para aprimoramento da sua gestão” SOU-TO, Marcos Juruena villela. Parcerias público-privadas. Revista de Direito da Associação dos Procuradores do Novo Estado do Rio de Janeiro, v. XvII — Par-cerias público-privadas (coord. Flávio Amaral Garcia). Rio de Janeiro: lumen Iuris, 2006, p. 34.

§3o. Não constitui parceria público-privada a concessão comum, as-sim entendida a concessão de serviços públicos ou de obras públicas de que trata a Lei nº 8.987, de 13 de fevereiro de 1995, quando não envol-ver contraprestação pecuniária do parceiro público ao parceiro privado.

A doutrina critica a expressão “concessão administrativa”. Segundo José dos Santos Carvalho Filho113: “a expressão é vaga e de difícil inteligência. Ao que parece a lei pretendeu dar em concessão uma série de atividades tipicamente administrativas, para as quais precisará de investimentos do setor privado”.

As concessões comuns permanecem regidas pela Lei nº 8.987/1995, con-forme expressa previsão do art. 3º, §2º, d Lei nº 11.079/2004:

§2o. As concessões comuns continuam regidas pela Lei no 8.987, de 13 de fevereiro de 1995, e pelas leis que lhe são correlatas, não se lhes aplicando o disposto nesta Lei.

O art. 2º, §4º, da Lei nº 11.079/2004, prevê algumas limitações à cele-bração das parcerias:

§ 4o É vedada a celebração de contrato de parceria público-privada:I — cujo valor do contrato seja inferior a R$ 20.000.000,00 (vinte

milhões de reais);II — cujo período de prestação do serviço seja inferior a 5 (cinco)

anos; ouIII — que tenha como objeto único o fornecimento de mão-de-

-obra, o fornecimento e instalação de equipamentos ou a execução de obra pública.

O inciso I é alvo de ressalvas doutrinárias, uma vez que o valor de R$ 20 milhões mostra-se muito elevado para determinados Estados e Municípios da Federação. Assim, a doutrina critica o fato de que, a prevalecer o entendi-mento de que esse valor se aplica a toda e qualquer PPP, e não apenas às PPPs federais, os municípios muito dificilmente poderão utilizar esse instrumento inovador.114

Já o inciso III tem por objetivo impedir o desvirtuamento da finalidade das PPPs, uma vez que o seu intuito, como visto, é permitir à iniciativa pri-vada adiantar investimentos que, em princípio, seriam realizados pelo poder público. Dessa forma, as PPPs voltam-se a objetivos que exigem a consecução de obras de grande vulto, não se aplicando para simples compras e prestações de serviços, as quais devem seguir sendo regidas pela lei geral de licitações (Lei nº 8.666/1993) e, quando relativos a serviços públicos, aplicando-se a Lei nº 8.987/1995, conforme acima visto.

113. Manual de Direito Admi-nistrativo. 23ª. Ed. Rio de Janeiro: lumen Juris, 2010. p. 465

114. conforme observou Marcos Ju-ruena villela Souto, sobre o limite míni-mo de R$ 20 milhões: “Não há dúvidas de que diversos municípios ficarão impossibilitados de adoção do me-canismo para aprimoramento da sua gestão” SOUTO, Marcos Juruena villela. Parcerias público-privadas. Revista de Direito da Associação dos procuradores do Novo estado do Rio de Janeiro, v. XvII — Par-cerias público-privadas (coord. Flávio Amaral Garcia). Rio de Janeiro: lumen Iuris, 2006, p. 34.

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FGv DIREITO RIO 83

As cláusulas dos contratos de PPPs encontram-se previstas no art. 5º da Lei nº 11.079/2004:

Art. 5o As cláusulas dos contratos de parceria público-privada aten-derão ao disposto no art. 23 da Lei no 8.987, de 13 de fevereiro de 1995, no que couber, devendo também prever:

I — o prazo de vigência do contrato, compatível com a amortização dos investimentos realizados, não inferior a 5 (cinco), nem superior a 35 (trinta e cinco) anos, incluindo eventual prorrogação;

II — as penalidades aplicáveis à Administração Pública e ao par-ceiro privado em caso de inadimplemento contratual, fixadas sempre de forma proporcional à gravidade da falta cometida, e às obrigações assumidas;

III — a repartição de riscos entre as partes, inclusive os referentes a caso fortuito, força maior, fato do príncipe e álea econômica extraor-dinária;

IV — as formas de remuneração e de atualização dos valores con-tratuais;

V — os mecanismos para a preservação da atualidade da prestação dos serviços;

VI — os fatos que caracterizem a inadimplência pecuniária do par-ceiro público, os modos e o prazo de regularização e, quando houver, a forma de acionamento da garantia;

VII — os critérios objetivos de avaliação do desempenho do parcei-ro privado;

VIII — a prestação, pelo parceiro privado, de garantias de execução suficientes e compatíveis com os ônus e riscos envolvidos, observados os limites dos §§ 3o e 5o do art. 56 da Lei no 8.666, de 21 de junho de 1993, e, no que se refere às concessões patrocinadas, o disposto no inciso XV do art. 18 da Lei no 8.987, de 13 de fevereiro de 1995;

IX — o compartilhamento com a Administração Pública de ganhos econômicos efetivos do parceiro privado decorrentes da redução do ris-co de crédito dos financiamentos utilizados pelo parceiro privado;

X — a realização de vistoria dos bens reversíveis, podendo o parceiro público reter os pagamentos ao parceiro privado, no valor necessário para reparar as irregularidades eventualmente detectadas.

§1o. As cláusulas contratuais de atualização automática de valores baseadas em índices e fórmulas matemáticas, quando houver, serão aplicadas sem necessidade de homologação pela Administração Públi-ca, exceto se esta publicar, na imprensa oficial, onde houver, até o prazo de 15 (quinze) dias após apresentação da fatura, razões fundamentadas nesta Lei ou no contrato para a rejeição da atualização.

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FGv DIREITO RIO 84

§ 2o Os contratos poderão prever adicionalmente:I — os requisitos e condições em que o parceiro público autorizará

a transferência do controle da sociedade de propósito específico para os seus financiadores, com o objetivo de promover a sua reestruturação financeira e assegurar a continuidade da prestação dos serviços, não se aplicando para este efeito o previsto no inciso I do parágrafo único do art. 27 da Lei no 8.987, de 13 de fevereiro de 1995;

II — a possibilidade de emissão de empenho em nome dos finan-ciadores do projeto em relação às obrigações pecuniárias da Adminis-tração Pública;

III — a legitimidade dos financiadores do projeto para receber in-denizações por extinção antecipada do contrato, bem como pagamen-tos efetuados pelos fundos e empresas estatais garantidores de parcerias público-privadas.

A legislação exige, ainda, que o vencedor da licitação para contratação por intermédio de PPP constitua sociedade de propósito específico (SPE) para o projeto, cujo controle não poderá ser alterado sem a prévia aprovação do poder público (art. 9º, Lei nº 11.079/2004). A licitação para contratação das PPPs deverá ser por meio da modalidade concorrência, e ser precedida de es-tudo técnico que comprove a conveniência e a oportunidade de contratação pela modalidade PPP, bem como que os recursos empenhados pelo poder público na parceria não levarão ao descumprimento das metas estatuídas pela legislação de responsabilidade fiscal (art. 10).

Conforme visto, a principal característica das PPPs consiste no fato de que o particular receberá parte ou toda sua remuneração do poder público.

Dessa forma, a lei buscou proteger o investidor contra o risco de inadim-plemento da Administração. Nesse sentido, previu que os contratos de PPPs poderão ser protegidos por garantias outorgadas pelo poder público ao par-ceiro privado:

Art. 8o As obrigações pecuniárias contraídas pela Administração Pú-blica em contrato de parceria público-privada poderão ser garantidas mediante:

I — vinculação de receitas, observado o disposto no inciso IV do art. 167 da Constituição Federal;

II — instituição ou utilização de fundos especiais previstos em lei;III — contratação de seguro-garantia com as companhias segurado-

ras que não sejam controladas pelo Poder Público;IV — garantia prestada por organismos internacionais ou institui-

ções financeiras que não sejam controladas pelo Poder Público;

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FGv DIREITO RIO 85

115 bRAGA, Fabiana Andrada do Ama-ral Rudge. PPP: O Fundo Garantidor, a execução das garantias e a compatibili-dade com o sistema constitucional dos precatórios. Revista de Direito da Asso-ciação dos Procuradores do Novo Estado do Rio de Janeiro, v. XvII — Parcerias público-privadas (coord. Flávio Amaral Garcia). Rio de Janeiro: lumen Iuris, 2006, pp. 238 e 239.

V — garantias prestadas por fundo garantidor ou empresa estatal criada para essa finalidade;

VI — outros mecanismos admitidos em lei.

Assim, caso o poder público deixe de pagar a contraprestação pactuada, o parceiro privado poderá excutir a garantia. Especificamente no que se refere às PPPs da União, o art. 16 autorizou a União, suas autarquias e fundações públicas a participar, no limite global de R$ 6.000.000.000,00 em Fundo Garantidor de Parcerias Público-Privadas — FGP, com a finalidade de prestar garantia de pagamento de obrigações pecuniárias assumidas pelos parceiros públicos federais.

Conforme é sabido, em regra, as dívidas do Estado são pagas por meio de precatório, de forma que parte da doutrina vislumbra inconstitucionalidade na existência do fundo garantidor das PPPs, por ofensa ao princípio do pre-catório. Sustentando a constitucionalidade do Fundo, manifesta-se Fabiana Andrada Rudge:

A Lei nº 11.079/04, ao instituir o FGP na forma de um fundo de natureza privada e patrimônio próprio, separado do patrimônio dos cotistas, sujeito a direitos e obrigações próprios, criou, na verdade, uma nova espécie de entidade sem personalidade jurídica ou, confor-me usualmente designado, uma universalidade de direito que, embora destituída de personalidade jurídica, goza de algumas faculdades que somente a esta são comuns, sendo que a gestão, a representação judicial e extrajudicial, no caso do FGP, ficam a cargo da instituição financeira controladora.

A execução contra a Fazenda não se faz devida em razão da dívida que se visa quitar, mas, como regra, da natureza dos bens da pessoa exe-cutada. Assim, a partir do momento em que o patrimônio deixa de ser público e passa a ser privado, independentemente de visar garantir um interesse público, ele deixa de estar submetido à sistemática dos pre-catórios, passando a ser regido por normas comuns da execução civil.

Mas isso, é claro, somente até o limite do montante integraliza-do pelos cotistas. As obrigações que não puderem ser garantidas pelo Fundo, por falta de liquidez deste, terão que ser executadas, ainda que consubstanciadas em título extrajudicial, diretamente em face do pa-trimônio do parceiro público, sujeitando-se, já então, como visto, às disposições da Constituição Federal (art. 100) e do Código de Processo Civil (arts. 730 e 731).115

Em 2012, foi promulgada a Lei n. 12.766/12, a qual alterou substancial-mente o modo de aporte da contraprestação pecuniária pelo Poder Público.

115. bRAGA, Fabiana Andrada do Amaral Rudge. PPP: O Fundo Garan-tidor, a execução das garantias e a compatibilidade com o sistema consti-tucional dos precatórios. Revista de Direito da Associação dos pro-curadores do Novo estado do Rio de Janeiro, v. XvII — Parcerias público-privadas (coord. Flávio Amaral Garcia). Rio de Janeiro: lumen Iuris, 2006, pp. 238 e 239.

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FGv DIREITO RIO 86

No texto antigo da Lei nº 11.079/2004, este repasse de capital só pode-ria ocorrer após a efetiva entrada em operação da atividade financiada pela PPP. Entretanto, com a medida provisória 575, convertida na Lei 12.766/12, passou-se a permitir que o repasse do Poder Público possa ocorrer ainda du-rante a fase de construção do empreendimento financiado, isto é, o repasse da contraprestação ocorrerá concomitantemente e de maneira proporcional a parcelas de execução da obra/serviço. Tal alteração propicia que os particu-lares contratados tenham mecanismos adequados para se financiarem ime-diatamente por meio de recursos advindos do Poder Público, de forma mais célere e sem os encargos cobrados pelas financiadoras no mercado.

Nesse sentido, o § 2º do art. 7º da lei passou a vigorar com a seguinte redação:

“§ 2º O aporte de recursos de que trata o § 2o do art. 6o, quando realizado durante a fase dos investimentos a cargo do parceiro privado, deverá guardar proporcionalidade com as etapas efetivamente executa-das.”

Além desta mudança, a mencionada medida provisória trouxe ainda al-teração no tratamento tributário da contraprestação do Poder Público nas PPPs.

Outra mudança introduzida pela medida provisória foi o prazo para o particular contratado recorrer ao Fundo Garantidor de Parceria (FGP) na hipótese de inadimplemento do Poder Público. Com a nova redação dada ao §5º do art. 18 da lei 11.079/04, o prazo em referência passou a ser de 15 dias para crédito reconhecido pelo poder público, e de 45 dias após o vencimento para fatura emitida pelo particular, não aceita pelo Poder Público para reem-bolso, desde que não tenha havido motivação devida para a recusa:

“§5º O parceiro privado poderá acionar o FGP nos casos de:I — crédito líquido e certo, constante de título exigível aceito e

não pago pelo parceiro público após quinze dias contados da data de vencimento; e

II — débitos constantes de faturas emitidas e não aceitas pelo par-ceiro público após quarenta e cinco dias contados da data de vencimen-to, desde que não tenha havido rejeição expressa por ato motivado.”

Por fim, a Lei 12.766/12 alterou o limite do comprometimento da receita corrente líquida dos Estados, Distrito Federal e dos municípios com as PPPs. O novo texto estipula uma ampliação neste limite de comprometimento or-çamentário, estimulando, assim, que os entes federativos invistam na celebra-ção de contratos de PPP. O limite de 3% previsto anteriormente passou a ser

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FGv DIREITO RIO 87

de 5% da receita corrente líquida, nos termos da nova redação do art. 28 da lei 11.079/04:

“Art. 28. A União não poderá conceder garantia ou realizar transfe-rência voluntária aos Estados, Distrito Federal e Municípios se a soma das despesas de caráter continuado derivadas do conjunto das parcerias já contratadas por esses entes tiver excedido, no ano anterior, a cinco por cento da receita corrente líquida do exercício ou se as despesas anuais dos contratos vigentes nos dez anos subsequentes excederem a cinco por cento da receita corrente líquida projetada para os respectivos exercícios.”

vI. RecuRsOs/MATeRIAIs uTILIZADOs

Leitura obrigatória

CARVALHO FILHO, José dos Santos. Manual de direito administrativo. São Paulo: Atlas, item:

• Concessãoespecialdeserviçospúblicos(parceriaspúblico-privadas)

Leitura complementar

GARCIA, Flavio Amaral (coord.) Parcerias público-privadas. Revista de di-reito da Associação dos Procuradores do Novo Estado do Rio de Janeiro. Rio de Janeiro: Lumen Iuris, 2006, v. XVII.

SOUTO, Marcos Juruena Vilela. Direito administrativo das parcerias. Rio de Janeiro: Lumen Iuris, 2005.

vII. AvALIAçãO

caso gerador 1

A delegação do sistema carcerário à iniciativa privada poderia, em tese, ser uma solução economicamente eficiente para que o Poder Público equa-cionasse o problema que vem se agravando em alguns Estados da federação, no que concerne à segurança pública. Há um déficit de vagas para presos e que não pára de aumentar. Construir e operar as penitenciárias por meio de contratos de Parceria Público-Privada (PPP) poderia ser a solução.

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REGUlAçãO E SERvIçOS PúblIcOS

FGv DIREITO RIO 88

Considerando que, no Brasil, a legislação sobre as PPPs não trata especifi-camente da contratação de presídios, indaga-se:

(i) é possível, à luz da normativa que rege a matéria, a adoção da PPP em termos de penitenciárias?

(ii) Se possível, e numa leitura atenta da legislação, que atividades po-deriam ser executadas por parte do parceiro privado?

(iii) Como seria a contraprestação paga pela Administração Pública ao parceiro privado?

caso gerador 2

Para se construir, operar e manter uma linha de metrô, quando se deve preferir o modelo de PPP ao de concessão comum? Quais devem ser as prin-cipais preocupações na estruturação de um projeto de PPP?

vII. cONcLusãO DA AuLA

As parcerias público-privadas constituem um interessante meio de parti-lha de custos e riscos entre o poder público e a iniciativa privada na gestão de serviços públicos. Por meio delas, o parceiro privado pode prestar serviços públicos aos usuários finais, recebendo parcela de sua remuneração do poder público (PPP-patrocinada), ou, ainda, pode prestar serviços à Administração Pública, sendo integralmente remunerado por esta (PPP-administrativa).

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REGUlAçãO E SERvIçOS PúblIcOS

FGv DIREITO RIO 89

aula 11

I. TeMA

Consórcios públicos.

II. AssuNTO

Conceito e análise do regime jurídico dos consórcios públicos.

III. OBJeTIvOs especÍFIcOs

Discutir o regime jurídico aplicável aos consórcios públicos.

Iv. DeseNvOLvIMeNTO MeTODOLÓgIcO

Conforme visto nas aulas anteriores, a prestação de serviços públicos à população constitui uma das principais finalidades da Administração Públi-ca. Essa prestação pode ser feita diretamente pelos entes da Federação ou por entidades integrantes da Administração Pública Indireta. É neste contexto que surgem os consórcios públicos.

A Emenda Constitucional nº 19/98 acrescentou o art. 241 à Constituição Federal, estabelecendo que:

“Art. 241. A União, os Estados, o Distrito Federal e os Municípios disciplinarão por meio de lei os consórcios públicos e os convênios de cooperação entre os entes federados, autorizando a gestão associada de serviços públicos, bem como a transferência total ou parcial de en-cargos, serviços, pessoal e bens essenciais à continuidade dos serviços transferidos.”

Conforme se infere do dispositivo acima, o consórcio público é constitu-ído para que determinados entes que o integrem possam gerir cooperativa-mente e de forma associada a exploração de serviços públicos.

Maria Sylvia Zanella Di Pietro observa a importância dos consórcios pú-blicos ao afirmar que:

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FGv DIREITO RIO 90

116 DI PIETRO, Maria Sylvia Zanella. Di-reito administrativo. São Paulo: Atlas, 2010, p. 475.

“Muitas vezes, o serviço que uma pessoa jurídica pública não pode ou tem dificuldades para executar sozinha torna-se possível ou mais eficiente mediante a conjugação de esforços.”116

Assim, o consórcio público é uma alternativa à exploração de serviços pú-blicos pelos entes da Federação, que, de modo integrado e cooperado, podem prestá-los de maneira mais eficiente, maximizando os valores oriundos da alocação de recursos para essa prestação.

Natureza jurídica

A Lei nº 11.107/05 regulamenta, em caráter nacional, o art. 241 da Cons-tituição Federal, e dispõe que os consórcios públicos podem ter natureza de direito público ou de direito privado, a depender da forma que se revestirem.

No caso de constituir associação pública, o consórcio adquirirá personalidade jurídica de direito público (art. 41, IV, do Código Civil), sendo considerado, neste caso, uma espécie de autarquia. Ao revés, se atender os requisitos da legis-lação civil (em especial aqueles destinados às associações privadas — art. 53 e seguintes do Código Civil), adquirirá personalidade jurídica de direito privado.

A definição da personalidade jurídica dos consórcios públicos influencia o regime a eles aplicável, mas não atinge a essência de seu objetivo, qual seja: a gestão associada de um serviço público por entes diversos da Federação.

constituição e competência dos consórcios públicos

Nos termos da Lei nº 11.107/05, o consórcio público será constituído por contrato cuja celebração dependerá da prévia subscrição de protocolo de intenções pelo chefe do executivo de cada um dos entes da Federação.

São cláusulas necessárias do protocolo de intenções as que estabeleçam (art. 4º da Lei nº 11.107/05):

I — a denominação, a finalidade, o prazo de duração e a sede do consórcio;

II — a identificação dos entes da Federação consorciados;III — a indicação da área de atuação do consórcio;IV — a previsão de que o consórcio público é associação pública ou

pessoa jurídica de direito privado sem fins econômicos;V — os critérios para, em assuntos de interesse comum, autorizar

o consórcio público a representar os entes da Federação consorciados perante outras esferas de governo;

116. DI PIETRO, Maria Sylvia Zanella. Direito administrativo. São Pau-lo: Atlas, 2010, p. 475.

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FGv DIREITO RIO 91

VI — as normas de convocação e funcionamento da assembléia ge-ral, inclusive para a elaboração, aprovação e modificação dos estatutos do consórcio público;

VII — a previsão de que a assembléia geral é a instância máxima do consórcio público e o número de votos para as suas deliberações;

VIII — a forma de eleição e a duração do mandato do representante legal do consórcio público que, obrigatoriamente, deverá ser Chefe do Poder Executivo de ente da Federação consorciado;

IX — o número, as formas de provimento e a remuneração dos empregados públicos, bem como os casos de contratação por tempo determinado para atender a necessidade temporária de excepcional in-teresse público;

X — as condições para que o consórcio público celebre contrato de gestão ou termo de parceria;

XI — a autorização para a gestão associada de serviços públicos, explicitando:a) as competências cujo exercício se transferiu ao consórcio público;b) os serviços públicos objeto da gestão associada e a área em que serão prestados;c) a autorização para licitar ou outorgar concessão, permissão ou auto-rização da prestação dos serviços;d) as condições a que deve obedecer o contrato de programa, no caso de a gestão associada envolver também a prestação de serviços por ór-gão ou entidade de um dos entes da Federação consorciados;e) os critérios técnicos para cálculo do valor das tarifas e de outros pre-ços públicos, bem como para seu reajuste ou revisão; e

XII — o direito de qualquer dos contratantes, quando adimplente com suas obrigações, de exigir o pleno cumprimento das cláusulas do contrato de consórcio público.

Ainda nos termos da Lei nº 11.101/05, o contrato de consórcio público é considerado celebrado com a ratificação, mediante lei, do protocolo de inten-ções. A propósito, é importante salientar que o contrato de consórcio exterio-riza, como dito anteriormente, um acordo de vontades que se direciona para o mesmo sentido, razão pela qual o contrato de consórcio público é considerado um negócio jurídico multilateral, por meio do qual todos os entes participan-tes estão hierarquicamente na mesma posição e com os mesmos objetivos.

Desse modo, primeiramente, os chefes do Poder Executivo dos entes da federação devem subscrever o protocolo de intenções que regerá o consórcio e, em seguida, após a subscrição de seu teor, o Legislativo de cada um dos entes deverá ratificá-lo.

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FGv DIREITO RIO 92

Para atingir seus objetivos, o consórcio público poderá realizar as determi-nações previstas no §1º do art. 2º da Lei 11.107/05:

Art. 2o Os objetivos dos consórcios públicos serão determinados pelos entes da Federação que se consorciarem, observados os limites constitucionais.

§ 1o Para o cumprimento de seus objetivos, o consórcio público poderá:

I — firmar convênios, contratos, acordos de qualquer natureza, re-ceber auxílios, contribuições e subvenções sociais ou econômicas de outras entidades e órgãos do governo;

II — nos termos do contrato de consórcio de direito público, pro-mover desapropriações e instituir servidões nos termos de declaração de utilidade ou necessidade pública, ou interesse social, realizada pelo Poder Público; e

III — ser contratado pela administração direta ou indireta dos entes da Federação consorciados, dispensada a licitação.

§ 2o Os consórcios públicos poderão emitir documentos de cobran-ça e exercer atividades de arrecadação de tarifas e outros preços públicos pela prestação de serviços ou pelo uso ou outorga de uso de bens pú-blicos por eles administrados ou, mediante autorização específica, pelo ente da Federação consorciado.

§ 3o Os consórcios públicos poderão outorgar concessão, permissão ou autorização de obras ou serviços públicos mediante autorização pre-vista no contrato de consórcio público, que deverá indicar de forma es-pecífica o objeto da concessão, permissão ou autorização e as condições a que deverá atender, observada a legislação de normas gerais em vigor.

Estes poderes concedidos aos consórcios públicos são instrumentos postos à disposição pela lei para que os objetivos para os quais eles foram criados sejam alcançados.

contrato de rateio

O contrato de rateio constitui o instrumento contratual que regula a obrigação financeira dos entes consorciados no consórcio público. A Lei nº 11.107/05 determina que os entes consorciados, isolados ou em conjunto, bem como o consórcio público, são partes legítimas para exigir o cumpri-mento das obrigações previstas no contrato de rateio. Essa exigibilidade das obrigações assumidas é corolário natural da própria existência do consórcio

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REGUlAçãO E SERvIçOS PúblIcOS

FGv DIREITO RIO 93

público, eis que, sem o aporte de recursos, os objetivos assumidos pelo con-sórcio não poderão ser cumpridos.

A gravidade do não cumprimento das obrigações financeiras assumidas no contrato de rateio fez com que a Lei nº 11.107/05 previsse a possibilidade de exclusão do ente consorciado que não consignar, em sua lei orçamentária ou em créditos adicionais, as dotações suficientes para suportar as despesas assumidas por meio de contrato de rateio do consórcio público, após prévia suspensão.

v. RecuRsOs/MATeRIAIs uTILIZADOs

Leitura obrigatória

CARVALHO FILHO, José dos Santos. Manual de direito administrativo. São Paulo: Atlas, item: a. Consórcios públicos

Leitura complementar

ARAGÃO, Alexandre Santos de. Curso de direito administrativo. Rio de Ja-neiro: Forense, 2012, p. 131/134.

vI. AvALIAçãO

caso gerador

Reuniram-se o Presidente da República, o Governador do Estado do Rio de Janeiro e o Prefeito da Cidade do Rio de Janeiro para discutir qual a melhor forma de coordenar a participação desses entes da federação na or-ganização e realização dos Jogos Olímpicos de 2016. Foi-lhes sugerida, nesse sentido, a criação de um consórcio público. Informe se é possível a criação de um consórcio público para esse fim e, em caso positivo, informe as principais etapas para a sua criação válida. Quais seriam as vantagens da criação dessa espécie de entidade, no caso concreto?

vII. cONcLusãO DA AuLA

Os consórcios públicos consistem em uma reunião de esforços entre dis-tintos entes federativos com o objetivo de gerirem de forma associada deter-minados serviços públicos.

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REGUlAçãO E SERvIçOS PúblIcOS

FGv DIREITO RIO 94

117 SOUTO, Marcos Juruena villela. De-sestatização: privatização, concessões, terceirizações e regulação. 4. ed. Rio de Janeiro: lumen Juris, 2001. p. 22.

118 celso Antônio bandeira de Mello denota que existem três formas de interferência do Estado na ordem eco-nômica: poder de polícia, incentivos e atuação direta empresarial (bAN-DEIRA DE MEllO, celso Antônio. Curso de direito administrativo. 14. ed. São Paulo: Malheiros, 2002. p. 619). Diogo de Figueiredo Moreira Neto, sem con-siderar o fomento público por não ter natureza impositiva, as classifi ca em quatro tipos: regulatória, concorrencial, monopolista e sancionatória (MOREIRA NETO. Direito regulatório...., op. cit., p. 129). Por sua vez, Diogenes Gaspari-ni apresenta as seguintes formas de intervenção no domínio econômico: controle de preços, controle de abaste-cimento, repressão ao abuso do poder econômico, monopólio, fi scalização, incentivo e planejamento (GASPARINI, Diogenes. Direito administrativo. 7. ed. São Paulo: Saraiva, 2002. p. 605).

unIdade III: regIme jurídICo das atIvIdades monopolIzadas pelo estado

aula 12

I. TeMA

Regulação das atividades monopolizadas pelo Estado

II. AssuNTO

Atividades monopolizadas pelo Estado

III. OBJeTIvOs especÍFIcOs

Discutir a participação do Estado nas atividades econômicas que, sem apresentarem natureza jurídica de serviços públicos, constituem monopólio da União, especialmente os casos do petróleo e do gás natural. Apresentar a controvérsia de que se cercou a discussão quanto à constitucionalidade da Lei nº 9.478/1997.

Iv. DeseNvOLvIMeNTO MeTODOLÓgIcO

À luz do texto constitucional de 1988 pode-se identificar inúmeras formas de intervenção do Estado em face da ordem econômica, e que orientam as escolhas políticas em diversas atuações. Marcos Juruena Villela Souto, por exemplo, destaca que com vistas ao desenvolvimento do atual papel pelo Estado (regulador) estão previstas as seguintes formas de intervenção: norma-tiva, repressiva, tributária, regulatória e exploração direta da atividade econô-mica.117 Outros autores apresentam classificações distintas acerca das formas de intervenção.118

Malgrado haver dificuldade prática em apontar todos os mecanismos de intervenção estatal, no Estado Regulador, cumpre indicar algumas formas de fazê-lo.

O Estado intervém quando proíbe, por meio de lei, a exploração de ativi-dade econômica, como, por exemplo, a produção de materiais com o uso do amianto (Lei, do Estado de São Paulo, nº 12.684/07).

Constitui mecanismo de intervenção do Estado ao reservar algumas ati-vidades econômicas como sendo serviços públicos e, portanto, executados

117. SOUTO, Marcos Juruena villela. Desestatização: privatização, con-cessões, terceirizações e regulação. 4. ed. Rio de Janeiro: lumen Juris, 2001. p. 22.

118. celso Antônio bandeira de Mello denota que existem três formas de in-terferência do Estado na ordem econô-mica: poder de polícia, incentivos e atu-ação direta empresarial (bANDEIRA DE MEllO, celso Antônio. curso de di-reito administrativo. 14. ed. São Paulo: Malheiros, 2002. p. 619). Diogo de Figueiredo Moreira Neto, sem con-siderar o fomento público por não ter natureza impositiva, as classifi ca em quatro tipos: regulatória, concorrencial, monopolista e sancionatória (MOREIRA NETO. Direito regulatório...., op. cit., p. 129). Por sua vez, Diogenes Gas-parini apresenta as seguintes formas de

intervenção no domínio econômico: controle de preços, controle de abaste-cimento, repressão ao abuso do poder econômico, monopólio, fi scalização, incentivo e planejamento (GASPARINI, Diogenes. Direito administrati-vo. 7. ed. São Paulo: Saraiva, 2002. p. 605).

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FGv DIREITO RIO 95

119 Para uma parcela da doutrina, as atividades previstas no art. 21, XI e XII, da constituição Federal de 1988, quando prestadas no regime de au-torização, não caracterizam serviços públicos, mas sim atividades privadas de interesse público. Para essa corren-te, os serviços públicos efetivamente titularizados pelo Estado somente podem ser delegados à exploração pri-vada pelos institutos da concessão e da permissão, conforme a previsão do art. 175 da constituição, o que não impede, por outro lado, que haja serviços de interesse público autorizados relativa-mente àquelas atividades elencadas no art. 21.

pelos particulares por meio de concessão, permissão ou autorização.119 Exem-plos marcantes alcançam os serviços de telecomunicações, distribuição de energia elétrica e transporte público, atualmente regulados, em sua maioria, por Agências Reguladoras.

A presença do Estado é marcante quando atua na qualidade de agente econômico de forma direta, como nos casos de empresas estatais prestadoras de serviços públicos (serviços postais — Lei nº 6.538/78 ou no caso da ELE-TROBRAS).

A regulação do exercício de atividades determinadas como, por exemplo, a regulação do sistema financeiro — Lei nº 4.595/64, que dispõe sobre a política e as instituições monetárias, bancárias e creditícias, é forma de inter-venção estatal.

Mesmo atuando em sentido mais amplo, quando regula o exercício de atividades gerais — ex.: no caso da disciplina ambiental (Lei nº 6.938/81) e da concorrência (Lei nº 8.884/04) —, o Estado atua de maneira interven-cionista.

Também, o Estado disciplina normativamente o exercício de atividades econômicas — ex.: legislando acerca da atividade da indústria do tabaco (Lei nº 6.437, de 20 de agosto de 1977, Lei nº 9.294 de 15 de julho de 1996 e Lei nº 9.782, de 26 de janeiro de 1999).

Outra forma de intervenção está na delegação de funções de autorregula-ção, como, por exemplo, os casos das profissões regulamentadas (OAB, CRA, CRECI etc.).

Ao atuar na figura de “contratante” de bens e serviços, o Estado atua na intervenção da economia — ex.: contratação de infraestrutura por meio de Parcerias Público-Privadas (Lei nº 11.079/04).

Incentivando ou induzindo a atuação dos agentes econômicos privados (ex.: política aduaneira, disciplinada pelo vetusto Decreto-Lei nº 37, de 18 de novembro de 1966) ou quando o Estado exerce o poder de polícia sobre atividades econômicas, como no caso da vigilância sanitária (Lei nº 9.782, de 26 de janeiro de 1999), está ele intervindo.

Vale destacar que a forma de intervenção estatal pode ocorrer isolada ou, até mesmo, de forma cumulativa em determinados setores, de modo que o Estado reserva uma atividade econômica como serviço público, regulando--a, atuando como agente econômico e criando políticas indutivas (ex. setor elétrico).

Como se vê, são inúmeras formas de intervenção estatal na ordem econô-mica, de modo que o Estado deve estar preparado para atuação de sua orga-nização administrativa. Para a nossa aula, merece destacar que nos termos da Constituição Federal, algumas atividades da indústria do petróleo e do gás natural são monopólios da União Federal:

119. Para uma parcela da doutrina, as atividades previstas no art. 21, XI e XII, da constituição Federal de 1988, quando prestadas no regime de au-torização, não caracterizam serviços públicos, mas sim atividades privadas de interesse público. Para essa corren-te, os serviços públicos efetivamente titularizados pelo Estado somente podem ser delegados à exploração pri-vada pelos institutos da concessão e da permissão, conforme a previsão do art. 175 da constituição, o que não impede, por outro lado, que haja serviços de interesse público autorizados relativa-mente àquelas atividades elencadas no art. 21.

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FGv DIREITO RIO 96

Art. 177. Constituem monopólio da União:I — a pesquisa e a lavra das jazidas de petróleo e gás natural e outros

hidrocarbonetos fluidos;II — a refinação do petróleo nacional ou estrangeiro;III — a importação e exportação dos produtos e derivados básicos

resultantes das atividades previstas nos incisos anteriores;IV — o transporte marítimo do petróleo bruto de origem nacional

ou de derivados básicos de petróleo produzidos no País, bem assim o transporte, por meio de conduto, de petróleo bruto, seus derivados e gás natural de qualquer origem;

V — a pesquisa, a lavra, o enriquecimento, o reprocessamento, a in-dustrialização e o comércio de minérios e minerais nucleares e seus de-rivados, com exceção dos radioisótopos cuja produção, comercialização e utilização poderão ser autorizadas sob regime de permissão, conforme as alíneas b e c do inciso XXIII do caput do art. 21 desta Constituição Federal. (Redação dada pela Emenda Constitucional nº 49, de 2006)

A redação original da Constituição de 1988 vedava à União conceder qualquer tipo de participação, em espécie ou em valor, à iniciativa privada, no que tange ao monopólio do petróleo e gás natural.

Com a edição da Emenda Constitucional nº 9, de 09.11.95, passou a ser admissível que as atividades relacionadas à pesquisa, lavra, importação, exportação e transporte de petróleo e gás natural fossem contratadas com empresas estatais ou privadas, tendo em vista a alteração da redação do art. 177, §1º, da Constituição Federal:

Redação original Redação dada pela ec 9/95

177 (...)§ 1º O monopólio previsto neste artigo inclui os

riscos e resultados decorrentes das atividades nele mencionadas, sendo vedado à União ceder ou con-ceder qualquer tipo de participação, em espécie ou em valor, na exploração de jazidas de petróleo ou gás natural, ressalvado o disposto no art. 20, § 1º.

Art. 177 (...)§ 1º A União poderá contratar com empresas

estatais ou privadas a realização das atividades pre-vistas nos incisos I a IV deste artigo observadas as condições estabelecidas em lei

Dessa forma, passou a ser permitida a contratação, pela União, na forma da lei, das seguintes atividades que compõem a indústria do petróleo e gás natural,:

177. (...):I — a pesquisa e a lavra das jazidas de petróleo e gás natural e outros

hidrocarbonetos fluidos;II — a refinação do petróleo nacional ou estrangeiro;

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FGv DIREITO RIO 97

120 Na indústria do petróleo, a “explora-ção” e a “produção” são conceitos téc-nicos e definidos. No direito brasileiro, tais definições encontram-se no art. 6º da lei nº 9.478/97: “Art. 6º. Para os fins desta lei e de sua regulamentação, ficam estabelecidas as seguintes defini-ções: (...) Xv - Pesquisa ou Exploração: conjunto de operações ou atividades destinadas a avaliar áreas, objetivan-do a descoberta e a identificação de jazidas de petróleo ou gás natural; (...) XvI - lavra ou Produção: conjunto de operações coordenadas de extração de petróleo ou gás natural de uma jazida e de preparo para sua movimentação”..

121 Dependendo, logicamente, da com-provação de possuir os necessários requisitos de caráter técnico, ex vi do art. 25 da lei nº 9.478/97: “Art. 25. Somente poderão obter concessão para a exploração e produção de petróleo ou gás natural as empresas que atendam aos requisitos técnicos, econômicos e jurídicos estabelecidos pela ANP”.

III — a importação e exportação dos produtos e derivados básicos resultantes das atividades previstas nos incisos anteriores;

IV — o transporte marítimo do petróleo bruto de origem nacional ou de derivados básicos de petróleo produzidos no País, bem assim o transporte, por meio de conduto, de petróleo bruto, seus derivados e gás natural de qualquer origem;

Por força do art 177, §2º, da Constituição, as referidas atividades econô-micas são objeto de regulação estatal por meio de órgão regulador.

Em 06.08.1997, foi promulgada a Lei Federal nº 9.478, que dispõe sobre a Política Energética Nacional. Essa Lei estabeleceu os princípios da regu-lação das atividades econômicas relativas ao monopólio do petróleo, bem como a operação de instalações e equipamentos relacionados com o exercício dessas atividades. Esse mesmo ato legislativo instituiu a Agência Nacional do Petróleo, Gás e Biocombustível — ANP, a quem coube regular as atividades relativas ao monopólio da indústria do petróleo e do gás natural.

O art. 5º da Lei nº 9.478/97 prevê os institutos da concessão e da autori-zação para a exploração por terceiros das atividades da indústria do petróleo e do gás natural:

Art. 4º Constituem monopólio da União, nos termos do art. 177 da Constituição Federal, as seguintes atividades:

I — a pesquisa e lavra das jazidas de petróleo e gás natural e outros hidrocarbonetos fluidos;

II — a refinação de petróleo nacional ou estrangeiro;III — a importação e exportação dos produtos e derivados básicos

resultantes das atividades previstas nos incisos anteriores;IV — o transporte marítimo do petróleo bruto de origem nacional

ou de derivados básicos de petróleo produzidos no País, bem como o transporte, por meio de conduto, de petróleo bruto, seus derivados e de gás natural.

Art. 5º As atividades econômicas de que trata o artigo anterior serão reguladas e fiscalizadas pela União e poderão ser exercidas, mediante concessão ou autorização, por empresas constituídas sob as leis brasilei-ras, com sede e administração no País.

No que tange às atividades de exploração e produção de petróleo e gás natural120, com a entrada em vigor da Lei nº 9.478/1997 qualquer empresa constituída sob leis brasileiras passou a ter o direito de participar das licita-ções promovidas pela ANP com o objetivo de contratar a sua execução com terceiros121, devendo essa exploração correr— por conta e risco do concessio-

120. Na indústria do petróleo, a “explo-ração” e a “produção” são conceitos téc-nicos e definidos. No direito brasileiro, tais definições encontram-se no art. 6º da lei nº 9.478/97: “Art. 6º. Para os fins desta lei e de sua regulamentação, fi-cam estabelecidas as seguintes defini-ções: (...) Xv - Pesquisa ou Exploração: conjunto de operações ou atividades destinadas a avaliar áreas, objetivan-do a descoberta e a identificação de jazidas de petróleo ou gás natural; (...) XvI - lavra ou Produção: conjunto de operações coordenadas de extração de petróleo ou gás natural de uma jazida e de preparo para sua movimentação”..

121. Dependendo, logicamente, da comprovação de possuir os necessários requisitos de caráter técnico, ex vi do art. 25 da lei nº 9.478/97: “Art. 25. So-mente poderão obter concessão para a exploração e produção de petróleo ou gás natural as empresas que atendam aos requisitos técnicos, econômicos e jurídicos estabelecidos pela ANP”.

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REGUlAçãO E SERvIçOS PúblIcOS

FGv DIREITO RIO 98

122 ARAGãO, Alexandre Santos de. Agên-cias reguladoras e a evolução do direito administrativo econômico. Rio de Janei-ro: Forense, 2003, p. 156.

nário, mediante celebração de contrato de concessão. Nesse sentido dispõem os arts. 23 e 26, caput, da Lei nº 9.478/97:

Art. 23. As atividades de exploração, desenvolvimento e produção de petróleo e de gás natural serão exercidas mediante contratos de con-cessão, precedidos de licitação, na forma estabelecida nesta Lei.

Art. 26. A concessão implica, para o concessionário, a obrigação de explorar, por sua conta e risco e, em caso de êxito, produzir petróleo ou gás natural em determinado bloco, conferindo-lhe a propriedade desses bens, após extraídos, com os encargos relativos ao pagamento dos tributos incidentes e das participações legais ou contratuais corres-pondentes.

(...)

Cumpre não confundir a concessão da atividade petrolífera com a conces-são de serviços públicos. A diferenciação entre serviços públicos e atividades monopolizadas pelo Estado encontra-se, dentre outros, no fato de que os primeiros visam à satisfação de interesses coletivos, ao passo que as últimas teriam por finalidade principalmente o atendimento a interesses fiscais ou estratégicos do Estado, embora gerem reflexos mediatos sobre o bem-estar da sociedade.122

Assim, no caso das atividades que compõem a indústria do petróleo, tem--se que a concessão é para uso de bem público e desempenho de atividade econômica monopolizada, mas não se trata de concessão de serviço público (ver, a respeito, voto-vista do ministro Eros Roberto Grau, ADI 3273).

Regime de partilha de produção

A pesquisa e a exploração da lavra das jazidas de petróleo e gás natural e outros hidrocarbonetos fluidos são atividades de monopólio da União, que pode explorá-las diretamente ou mediante delegação a particular, nos termos do que dispõe o art. 177, inciso I e § 1º, da Constituição Federal.

A pesquisa e a exploração da lavra podem ser feitas sob diversas modalida-des. O Brasil, usualmente, utiliza o modelo simples de concessão, por meio do qual o concessionário vencedor da licitação paga à União determinada quantia pelo direito de buscar reservas petrolíferas (art. 23, Lei 9.478/97). Tendo êxito em tal busca, o produto da lavra é explorado pelo próprio con-cessionário, que remunera o Poder Público com royalties, que, nada mais são, do que participações devidas sobre esta exploração, eis que a propriedade do bem explorado é da União, nos termos do art. 20 da Constituição Federal.

122. ARAGãO, Alexandre Santos de. Agências reguladoras e a evolução do direito adminis-trativo econômico. Rio de Janeiro: Forense, 2003, p. 156.

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FGv DIREITO RIO 99

Este usual modelo adotado no Brasil é marcado pela atribuição do risco ao concessionário, uma vez que este emprega recursos financeiros e humanos na busca por reservas petrolíferas, sem qualquer garantia de resultado. A in-certeza quanto à existência de reservas faz com que este modelo conceda ao particular o produto de eventuais reservas petrolíferas encontradas, cabendo ao Poder Público os royalties decorrentes da eventual exploração e os valores provenientes do pagamento do bônus de assinatura dos contratos para a ex-ploração pelo particular, sem prejuízo da arrecadação dos tributos incidentes sobre a atividade.

Outro modelo exploratório das jazidas de petróleo e gás natural é o con-trato de partilha de produção. A sua utilização no Brasil está intimamente ligada a descoberta de acumulações de petróleo e gás natural em reservatórios situados na camada do “pré-sal” e, da mesma maneira, àquelas áreas conside-radas estratégicas pelo Conselho Nacional de Política Estratégica.

A denominada camada do “pré-sal” e as áreas consideradas estratégicas encontram suas respectivas definições legais nos incisos do art. 2°, da Lei 12.351/10, conforme se depreende abaixo:

“IV — área do pré-sal: região do subsolo formada por um prisma vertical de profundidade indeterminada, com superfície poligonal de-finida pelas coordenadas geográficas de seus vértices estabelecidas no Anexo desta Lei, bem como outras regiões que venham a ser delimita-das em ato do Poder Executivo, de acordo com a evolução do conheci-mento geológico;

V — área estratégica: região de interesse para o desenvolvimento na-cional, delimitada em ato do Poder Executivo, caracterizada pelo baixo risco exploratório e elevado potencial de produção de petróleo, de gás natural e de outros hidrocarbonetos fluidos;”

Diferentemente do modelo usual de concessão mencionado anteriormen-te, o modelo de partilha de produção é comumente utilizado em situações de baixo risco exploratório, isto é, quando há maior grau de certeza sobre a existência de potencial petrolífero.

Isso se deve às características deste modelo de exploração que, nos termos do art. 2º, inciso I, da Lei nº 12.351/10, é definido da seguinte forma:

“regime de exploração e produção de petróleo, de gás natural e de outros hidrocarbonetos fluidos no qual o contratado exerce, por sua conta e risco, as atividades de exploração, avaliação, desenvolvimento e produção e, em caso de descoberta comercial, adquire o direito à apropriação do custo em óleo, do volume da produção correspondente

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123 ARAGãO, Alexandre Santos de. Curso de Direito Administrativo. 1ª ed. Rio de Janeiro: Forense, 2012, p. 466.

aos royalties devidos, bem como de parcela do excedente em óleo, na proporção, condições e prazos estabelecidos em contrato”.

No modelo de partilha de produção, o particular vencedor da licitação, após ser ressarcido pelos custos da exploração (denominado cost oil), partilha o produto da exploração com as demais partes do contrato, na proporção e condições estabelecidas no contrato.

É possível antever que a adoção do modelo de partilha de resultado acar-reta em uma maior participação da União na exploração do petróleo, eis que o produto da exploração não será de exclusivo aproveitamento por parte do concessionário, mas partilhado com a União, que é a proprietária do bem explorado.

Sintetizado por Alexandre Santos de Aragão, o modelo de partilha de re-sultado na área do pré-sal funcionará da seguinte maneira:

“O modelo exploratório afinal adotado pelo Congresso Nacional (Leis n. 12.351, 12.304 e 12.276/10) para as áreas do pré-sal que não tenham sido anteriormente objeto de contratos de concessão é o de um contrato de partilha, com elementos de joint venture, a ser celebrado (1) pela União, representada pela nova estatal Empresa Brasileira de Admi-nistração de Petróleo e Gás Natural — Pré-Sal Petróleo S.A., com (2) a Petrobras, contratada sem licitação com um percentual mínimo de trinta por cento e sempre exercendo a função de operadora, ou seja, de empresa-líder do consórcio e de executora de material das atividades, e com (3) a empresa privada que vencer a licitação oferecendo à União a maior participação na produção, após ressarcido o seu cost oil.” 123

A descrição acima sintetiza o modelo de partilha de resultado adotado pelo Brasil para a exploração das reservas petrolíferas do pré-sal. Muito se questiona sobre a contratação da Petrobras sem licitação com um percentual mínimo de trinta por cento, sobretudo pelos estados produtores de petróleo, como o Rio de Janeiro e Espírito Santo.

Nesse sentido, encontra-se em trâmite no Supremo Tribunal Federal a ADI nº 4492, proposta pelo Governador do Estado do Rio de Janeiro contra a Lei federal nº 12.276/10, a qual permite que a Petrobras, dispensada de lici-tação, exerça atividades de pesquisa de lavra de petróleo, gás natural e outros hidrocarbonetos fluidos em áreas não concedidas do pré-sal, até o volume de 5 bilhões de barris, sem o pagamento das participações especiais, cujos esta-dos produtores recebem pela exploração do petróleo.

Na mencionada ADI, o Governador do Estado do Rio de Janeiro requer que seja dada a referida lei interpretação conforme a Constituição Federal da

123. ARAGãO, Alexandre Santos de. curso de Direito Administra-tivo. 1ª ed. Rio de Janeiro: Forense, 2012, p. 466.

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FGv DIREITO RIO 101

República de 1988, em especial diante das previsões constitucionais dos arts. 20, § 1º e 177, § 2º, bem como ressalta a violação aos princípios federativo e democrático e o impacto econômico que os estados produtores irão sofrer com a não arrecadação das participações especiais.

Segundo a fundamentação da ADI, o art. 5º da Lei nº 12.276/10 não confere expressamente aos estados e municípios produtores o direito à par-ticipação especial nos lucros da exploração das jazidas de petróleo, garantida pelo art. 20, § 1º da Constituição Federal. Sendo uma garantia constitucio-nal, a Lei federal, ao omitir este direito aos estados e municípios produtores, afronta diretamente o que dispõe o art. 20, § 1º da Constituição Federal.

A exclusão dos estados e municípios produtores da participação especial prevista pela na Constituição Federal implicaria, portanto, em violação aos princípios do federativo e da democracia. Ainda que a União Federal abra mão do benefício da participação especial que lhe é próprio, não poderia o Estado do Rio de Janeiro, como ente federativo autônomo, e os demais estados e municípios produtores sofrer as consequências desta renúncia da União, eis que os valores provenientes das participações especiais são con-siderados receitas próprias de cada ente produtor, de modo que somente os próprios titulares possuem legitimidade para renunciá-los. O princípio de-mocrático, por sua vez, estaria sendo violado, segundo posicionamento de-fendido na ADI, à medida que o processo legislativo da Lei nº 12.276/10 não foi permitiu um amplo debate sobre eventual redistribuição das participações especiais, sobretudo porque a intenção da lei era permitir exclusivamente o imediato financiamento da Petrobras.

Na ADI, comenta-se que a postura da Petrobras diante da Lei federal nº 12.276/10 seria de que, através do regime de cessão onerosa, teria sido instituído um novo regime de exploração de petróleo, cujo repasse das par-ticipações especiais aos estados produtores teria sido suprimido, em vista à omissão do art. 5º em tratar desta parcela. No entanto, no entendimento do Estado do Rio de Janeiro, tal interpretação estaria em desconformidade com o art. 177, § 2º da Constituição Federal, que determina que as condições de contratação de empresas públicas ou privadas na exploração de petróleo de-vem seguir um diploma legal único que desse maior uniformidade a questão, diploma este que é a Lei 9.478/97 — Lei Geral do Petróleo. Ao instituir um novo regime de exploração, a Lei federal nº 12.276/10, desatendendo o dis-posto na Lei Geral do Petróleo, viola o art. 177, § 2º da Constituição Federal.

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FGv DIREITO RIO 102

v. RecuRsOs/MATeRIAIs uTILIZADOs

Leitura obrigatória

Voto do Relator e voto-de-vista do ministro Eros Grau na ADI — MC 3.273-DF.

Leitura complementar

MARTINS, Daniela Couto. A regulação da indústria do petróleo segundo o modelo constitucional brasileiro. Belo Horizonte: Fórum, 2006.

VALOIS, Paulo (org.). Temas de direito do petróleo e do gás natural. Rio de Janeiro: Lumen Iuris, 2002.

__________. Temas de direito do petróleo e do gás natural II. Rio de Janei-ro: Lumen Iuris, 2005.

vI. AvALIAçãO

caso gerador

O Governo do Estado do Paraná ajuizou ação direta de inconstitucio-nalidade, com pedido de liminar, em face de diversos dispositivos da Lei nº 9.478/1997 — que dispõe sobre a política energética nacional, as atividades relativas ao monopólio do petróleo, institui o Conselho Nacional de Política Energética e a Agência Nacional do Petróleo.

Dentre os dispositivos legais impugnados, encontrava-se o art. 26, caput, da Lei nº 9.784/1997, cuja redação é a seguinte:

Art. 26. A concessão implica, para o concessionário, a obrigação de explorar, por sua conta e risco e, em caso de êxito, produzir petróleo ou gás natural em determinado bloco, conferindo-lhe a propriedade, desses bens, após extraídos, com os encargos relativos ao pagamento dos tributos incidentes e das participações legais ou contratuais corres-pondentes.

A insurgência referia-se, especialmente, à expressão “conferindo-lhe a pro-priedade, desses bens, após extraídos”.

Além dos incisos I a IV e §§1º e 2º do art. 177 da Constituição Federal, já acima transcritos, o art. 26 ofenderia, por exemplo, o art. 20, IX, o qual elen-

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FGv DIREITO RIO 103

ca, dentre os bens de titularidade da União, “os recursos minerais, inclusive os do subsolo”. Igualmente, o §1º do art. 30, da CF/88 determina:

§1º. É assegurada, nos termos da lei, aos Estados, ao Distrito Fe-deral e aos Municípios, bem como a órgãos de administração direta da União, participação no resultado da exploração de petróleo ou gás natural, de recursos hídricos para fins de geração de energia elétrica e de outros recursos minerais no respectivo território, plataforma conti-nental, mar territorial ou zona econômica exclusiva, ou compensação financeira por essa exploração.

Ao deferir a medida cautelar pleiteada, o relator afirmou que dentre os bens abrangidos pelo dispositivo em questão, encontravam-se o petróleo e o gás natural, que seriam classificados como recursos minerais. Em seguida, afirmou que, apesar de os recursos poderem ter pesquisa e lavra realizadas por particulares por meio de concessão ou autorização, essa delegação não podia chegar a transferir ao ente privado a titularidade sobre o resultado do produto da lavra, sob pena de ofensa aos arts. 176 e 177. Nesse sentido, argumentou:

I — petróleo e gás natural são bens da União, sejam os encontrados no subsolo, sejam os situados na plataforma continental, no mar terri-torial ou zona econômica exclusiva (art. 20, inciso IX e §1º);

II — do resultado da sua exploração participam ou são compensa-dos (conforme o caso) os Estados, o Distrito Federal e os Municípios, bem como certos órgãos da Administração Direta d União e mais o proprietário do respectivo solo, se de jazida em subsolo se tratar (§1º do art. 20, combinadamente com o §2º do art. 176);

(...)IV — revelam-se como propriedade distinta da do solo, para efeito

de exploração ou aproveitamento (caput do art. 176);V — são recursos passíveis de ter a sua pesquisa e lavra, ou sua ex-

ploração e aproveitamento, realizáveis por via de autorização ou con-cessão (art. 176 e seu §1º), mas agora sem a possibilidade de transferên-cia do produto da lavra para o concessionário, por ser essa transferência incompatível com o regime de monopólio a que se referem o inciso I do art. 177 e o §2º, inciso III, desse mesmo artigo);

(...)

Entretanto, conforme você poderá notar a partir da leitura obrigatória o entendimento acima acabou não prevalecendo, tendo sido exitosa a tese de que o art. 26, caput, da Lei nº 9.478/1997 não se apresenta incompatível com os arts. 20, IX, 176 e 177 da Constituição.

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FGv DIREITO RIO 104

Após ler o voto-vista do ministro Eros Roberto Grau, procure elencar os argumentos ali esposados em favor da constitucionalidade do referido dispo-sitivo legal.

vII. cONcLusãO DA AuLA

As atividades de monopólio estatal assim o são consideradas precipua-mente pelo interesse estratégico (segurança nacional, aspectos fiscais, etc) que detém. Especificamente em relação à pesquisa e a exploração da lavra das jazidas de petróleo e gás natural e outros hidrocarbonetos fluidos, recentes legislações alteraram o regime de exploração destes bens pelos particulares, de modo que, reduzido o risco da exploração, o Estado concentre para si maior participação na exploração de tais bens.

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FGv DIREITO RIO 105

124 bRASIl. Emenda constitucional nº 8 (15 de agosto de 1995): Art. 21, XI — explorar, diretamente ou mediante autorização, concessão ou permissão, os serviços de telecomunicações, nos termos da lei, que disporá sobre a or-ganização dos serviços, a criação de um órgão regulador e outros aspectos ins-titucionais. Emenda constitucional nº 9, de 9 de novembro de 1995: Art. 177, §2º: A lei a que se refere o §1º disporá sobre: I — a garantia do fornecimento dos derivados de petróleo em todo o território nacional; II — as condições de contratação; III — a estrutura e atribuições do órgão regulador do mo-nopólio da União.

unIdade Iv: agênCIas reguladoras

aula 13

I. TeMA

Agências reguladoras I. Agências reguladoras e sua constitucionalidade. Características.

II. AssuNTO

Regime jurídico das agências reguladoras.

III. OBJeTIvOs especÍFIcOs

Apresentar as características das agências reguladoras e as principais con-trovérsias atinentes à sua constitucionalidade.

Iv. DeseNvOLvIMeNTO MeTODOLÓgIcO

Além de órgãos independentes (Ministério Público e Tribunal de Contas), criados pela Constituição Federal de 1988, — e que não se inserem na clássi-ca teoria tripartite de separação de poderes — para melhor realizar o feixe de atribuições regulatórias da atividade econômica e social que lhe foi conferido pela Constituição de 1988 o Estado instituiu, por lei, entidades reguladoras autônomas conferindo-lhes competências para fiscalizar e ditar normas sobre determinados setores.

A função neutral regulatória — e seu modo de execução, por meio de ór-gãos com ou sem autonomia — não foi explicitada na Carta de 1988, sendo, portanto, decorrente de norma legal.

Apenas no art. 20, XI, e no art. 177 da Constituição Federal está prevista a criação de órgãos reguladores para os serviços públicos de telecomunicações e para as atividades monopolizadas da indústria do petróleo. Ambas as previsões não constavam do texto original, decorrendo de emendas constitucionais.124

Essas entidades, criadas por lei — e, repita-se, não estruturadas na Consti-tuição Federal — surgiram no âmbito de um movimento de descentralização administrativa (e, não, mera desconcentração), revestidas de natureza jurídi-ca autárquica especial.

124. bRASIl. Emenda constitucional nº 8 (15 de agosto de 1995): Art. 21, XI — explorar, diretamente ou mediante autorização, concessão ou permissão, os serviços de telecomunicações, nos termos da lei, que disporá sobre a or-ganização dos serviços, a criação de um órgão regulador e outros aspectos ins-titucionais. Emenda constitucional nº 9, de 9 de novembro de 1995: Art. 177, §2º: A lei a que se refere o §1º disporá sobre: I — a garantia do fornecimento dos derivados de petróleo em todo o território nacional; II — as condições de contratação; III — a estrutura e atribuições do órgão regulador do mo-nopólio da União.

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FGv DIREITO RIO 106

125 “Havia uma nova compreensão dos limites da expansão liderada pelo Es-tado. O setor público, limitado por uma crise fiscal e pela necessdade de esta-bilizar as finanças públicas, precisou reduzir as transferências de capital para empresas estatais. O governo encarava limites claros sobre seu poder de inves-timento. O que levou à busca de investi-dores privados que pudessem fornecer novos investimentos à infra-estrutura. Isso, por sua vez, exigia uma nova es-trutura regulatória, com mudanças de uma grandeza que provavelmente não havia sido imaginada no princípio. Os objetivos iniciais da reforma regulató-ria e da privatização eram facilitar as condições e atrair novos investimentos, inclusive do exterior, para aumentar a eficiência e reduzir a dívida pública. Porém, havia tensão entre o objetivo orçamentário de curto prazo e a neces-sidade de facilitar futuros investimen-tos e oferecer um cenário orientado ao crescimento” (ORGANIZAçãO PARA cOOPERAçãO E DESENvOlvIMENTO EcONÔMIcO — OcDE. Relatório sobre a reforma regulatória no Brasil: fortale-cendo a governança para o crescimen-to. Paris e brasília, 2008).

126 MOREIRA NETO, Diogo de Figueiredo. Mutações do direito administrativo. Rio de Janeiro: Renovar, 2001. p. 147.

127 Sobre o uso desse termo, ver: bINEN-bOJM, Gustavo. Uma teoria do direito administrativo: direitos fundamentais, democracia e constitucionalização. Rio de Janeiro: Renovar, 2006. p. 22.

128 celso Antônio bandeira de Mello, por exemplo, afi rma que a denomi-nação “agências reguladoras” deve ter sido copiada dos Estados Unidos da América, presumivelmente pelo fato de se imaginar que uma terminologia corrente na organização administrativa estadunidense conferiria prestígio e certa grandiosidade às nossas autar-quias. “Aliás, é sabido que países sub-desenvolvidos muitas vezes têm uma reverência servil para com os desenvol-vidos. Será, talvez, o atavismo cultural dos colonizados” (bANDEIRA DE MEllO, celso Antônio. Curso de direito adminis-trativo. 14. ed. São Paulo: Malheiros, 2002. p. 150).

129 cf. nosso GUERRA, Sérgio. Controle judicial dos atos regulatórios. Rio de Janeiro: lumen Juris, 2005. p. 99.

130 ver ADIN nº 1.494-RS.

131 bRASIl. constituição Federal (1988). Art. 84. compete privativamente ao Pre-sidente da República: II — exercer, com o auxílio dos Ministros de Estado, a di-reção superior da administração federal.

132 MOREIRA NETO, Diogo de Figueiredo. Poder, direito e Estado: o direito admi-nistrativo em tempos de globalização. belo Horizonte: Fórum, 2011. p. 89.

A descentralização autárquica, depois de certo declínio, ressurgiu restaura-da como a melhor solução encontrada para conciliar a atuação típica de Esta-do, no exercício de manifestações imperativas, de regulação e de controle.125

Estas atividades demandam personalidade jurídica de Direito Público, com a flexibilidade negocial, que é proporcionada por uma ampliação da autonomia administrativa e financeira, pelo afastamento das burocracias tí-picas da administração direta e, sobretudo, pelo relativo isolamento de suas atividades administrativas em relação à arena político-partidária.126

Como dito, a característica estrutural de rede ou policêntrica127 (não pira-midal), não encontra detalhamento na Carta Constitucional de 1988, que apenas utilizou o termo “órgão regulador” para se referir à criação de autori-dades regulatórias.

Em que pesem críticas formuladas128 à legislação infraconstitucional, parte da doutrina129 e a jurisprudência do Supremo Tribunal Federal130 não iden-tificaram haver inconstitucionalidade na criação dessas entidades, vis-à-vis o disposto no art. 84 da Constituição Federal de 1988,131 que atribui ao Chefe do Poder Executivo a direção superior da Administração Pública.

A principal característica dessas entidades, sem prejuízo da diversidade das áreas que regulam, foi o afastamento da clássica estrutura hierárquica dos ministérios e da direta influência política do Governo, com certo grau de autonomia.132 Na lição de Diogo de Figueiredo Moreira Neto: “As funções atribuídas a esta categoria de agentes que exercem funções estatais neutrais, duplamente legitimados, tanto pelo mérito em seu acesso — que é uma legi-timação originária — como pelo exercício político-partidariamente isento de suas funções — que vem a ser uma legitimação corrente — por atuarem no interesse direto da sociedade, o que lhes atribui essa legitimidade, e dotados de investidura estatal, o que lhes confere autoridade, vêm suprir as deficiên-cias crônicas na percepção e no atendimento dos legítimos interesses gerais da sociedade pós-moderna. Assim, os agentes neutrais, robustecidos por várias atuações paralelas — mas, frise-se, sempre independentes daquelas a cargo dos tradicionais estamentos e órgãos estatais político-partidários — para ob-ter esse resultado, se vão difundindo e se capilarizando por toda a sociedade, encontrando a sua mais autêntica e poderosa validação no exercício das fun-ções constitucionalizadas de zeladoria, de controle e de promoção de justiça”

E essa autonomia está diretamente ligada a sua caracterização como últi-ma instância decisória na esfera administrativa.133

surgimento das Agências Reguladoras brasileiras

O surgimento das Agências Reguladoras brasileiras, como já se teve a oportunidade de afirmar,134 começa, basicamente, paralelamente ao lança-

125. “Havia uma nova compreensão dos limites da expansão liderada pelo Estado. O setor público, limitado por uma crise fiscal e pela necessdade de estabilizar as finanças públicas, preci-sou reduzir as transferências de capital para empresas estatais. O governo en-carava limites claros sobre seu poder de investimento. O que levou à busca de investidores privados que pudes-sem fornecer novos investimentos à infra-estrutura. Isso, por sua vez, exigia uma nova estrutura regulatória, com mudanças de uma grandeza que pro-vavelmente não havia sido imaginada no princípio. Os objetivos iniciais da reforma regulatória

e da privatização eram facilitar as condições e atrair novos investimentos, inclusive do exterior, para aumentar a eficiência e reduzir a dívida pública. Porém, havia tensão entre o objetivo orçamentário de curto prazo e a neces-sidade de facilitar futuros investimen-tos e oferecer um cenário orientado ao crescimento” (ORGANIZAçãO PARA cOOPERAçãO E DESENvOlvIMENTO EcONÔMIcO — OcDE. Relatório sobre a reforma regulatória no Brasil: fortalecendo a governança para o crescimento.

Paris e brasília, 2008).

126. MOREIRA NETO, Diogo de Fi-gueiredo. Mutações do direito administrativo. Rio de Janeiro: Renovar, 2001. p. 147.

127. Sobre o uso desse termo, ver: bI-NENbOJM, Gustavo. uma teoria do direito administrativo: direitos fundamentais, democracia e constitu-cionalização. Rio de Janeiro: Renovar, 2006. p. 22.

128. celso Antônio bandeira de Mello, por exemplo, afi rma que a denomi-nação “agências reguladoras” deve ter sido copiada dos Estados Unidos da América, presumivelmente pelo fato de se imaginar que uma terminologia cor-rente na organização administrativa es-tadunidense conferiria prestígio e certa grandiosidade às nossas autarquias. “Aliás, é sabido que países subdesen-volvidos muitas vezes têm uma

reverência servil para com os de-senvolvidos. Será, talvez, o atavismo cultural dos colonizados” (bANDEIRA DE MEllO, celso Antônio. curso de direito administrativo. 14. ed. São Paulo: Malheiros, 2002. p. 150).

129. cf. nosso GUERRA, Sérgio. con-trole judicial dos atos regula-tórios. Rio de Janeiro: lumen Juris, 2005. p. 99.

130. ver ADIN nº 1.494-RS. 131. bRASIl. constituição Federal (1988). Art. 84. compete privativa-mente ao Presidente da República: II — exercer, com o auxílio dos Ministros de Estado, a direção superior da admi-nistração federal.

132. MOREIRA NETO, Diogo de Figuei-redo. poder, direito e estado: o direito administrativo em tempos de globalização. belo Horizonte: Fórum, 2011. p. 89.

133. TÁcITO, caio. Agências regula-doras da administração. Revista de Direito Administrativo, n. 221, p. 3, 4, jul./set. 2000.

134. GUERRA, Sérgio. Introdução ao direito das agências re-guladoras. Rio de Janeiro: Freitas bastos, 2004.

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REGUlAçãO E SERvIçOS PúblIcOS

FGv DIREITO RIO 107

133 TÁcITO, caio. Agências reguladoras da administração. Revista de Direito Administrativo, n. 221, p. 3, 4, jul./set. 2000.

134 GUERRA, Sérgio. Introdução ao direito das agências reguladoras. Rio de Janei-ro: Freitas bastos, 2004.

135 SARAvIA. Governança social..., op. cit., p. 22.

mento, pelo Governo Federal, do denominado Plano Diretor da Reforma do Aparelho do Estado, sob a motivação de reconstruir o Estado, de forma a resgatar sua autonomia financeira e sua capacidade de implementar políticas públicas.

Referindo-se às agências, o Plano Diretor da Reforma do Aparelho do Estado previu que dois fatores inspiraram a formulação do projeto: a respon-sabilização por resultados e a autonomia de gestão. Assim, o objetivo inicial — não implementado na prática — focava na modernização da máquina pública, visando transformar autarquias e fundações, que exerciam ativida-des exclusivas do Estado (com o necessário poder de polícia), em agências autônomas.

O Plano previa que o projeto das agências autônomas desenvolver-se-ia em duas dimensões. Em primeiro lugar, seriam elaborados os instrumentos legais necessários à viabilização das transformações pretendidas, e um levan-tamento visando superar os obstáculos na legislação, normas e regulações existentes.

Em paralelo, seriam aplicadas as novas abordagens em algumas autarquias selecionadas, que se transformariam em laboratórios de experimentação.

Influxos estrangeiros absorvidos na criação das agências reguladoras no Brasil

É comum indagar quais foram os influxos que inspiraram os autores do modelo brasileiro de Agências Reguladoras independentes.

Certamente, a ideia de descentralização advém do movimento estruturado no Reino Unido, denominado de New Public Management (NPM), adotado a partir da década de 80 visando modernizar a organização administrativa, isto é, esse termo foi utilizado para descrever a onda de reformas do setor público nesse período.

Enrique Saravia135 leciona que nas décadas de 80 e 90, vários países — entre eles o Brasil — tentaram reformas que permitissem maior agilidade e flexibilidade à atividade estatal. Os diversos planos de melhora receberam a denominação comum de Nova Gerência Pública (New Public Management) e seus principais enunciados foram sintetizados num memorável relatório da OCDE (1996). Tratava-se de medidas destinadas a dotar a Administração Pública de um comportamento gerencial que aliviasse a máquina ou o apa-relho do Estado. Muitos países avançaram por esse caminho e se registraram melhoras efetivas em muitos deles. No entanto, o modelo funcionou melhor nos países de democracias e economias evoluídas e estáveis. Não aconteceu idêntico fenômeno nos países com fortes desigualdades sociais e regionais, com pesados endividamentos e déficits fiscais, ou com sistemas políticos em transição.

135. SARAvIA. governança so-cial..., op. cit., p. 22.

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136 “Nas décadas de 1980 e 1990, vários movimentos, abrigados sob o guarda--chuva da New Public Management (NPM), especialmente nos países anglo-saxões, propunham soluções para a administração pública. Pontos centrais se referiam à adaptação e à transferência dos conhecimentos ge-renciais desenvolvidos no setor privado para o público, pressupondo a redução do tamanho da máquina administra-tiva, uma ênfase crescente na compe-tição e no aumento de sua efi ciência” (PEcI, Alketa; PIERANTI, Octavio Penna; RODRIGUES, Silvia. Governança e New Public Management: convergências e contradições no contexto brasileiro. O&S, v. 15, n. 46, jul./set. 2008).

137 cOSTA. Frederico lustosa da. Re-forma do estado e contexto brasileiro: crítica do paradigma gerencialista. Rio de Janeiro: FGv, 2010. p. 154.

138 Disponível em: <www.ofgem.gov.uk>. Acesso em: 13 dez. 2010.

139 Disponível em: <www.ofwat.gov.uk>. Acesso em: 13 dez. 2010.

140 Disponível em: <www.rail-reg.gov.uk>. Acesso em: 13 dez. 2010.

141 Disponível em: <www.caa.co.uk>.Acesso em: 13 dez. 2010.

142 Disponível em: <www.oft.gov.uk>.Acesso em: 13 dez. 2010.

143 Disponível em: <www.natlotcomm.gov.uk>. Acesso em: 13 dez. 2010.

O programa do NPM136 pode ser resumido, de forma objetiva, nas se-guintes medidas: (i) diminuir o tamanho do Estado, inclusive do efetivo do pessoal; (ii) privatização de empresas e atividades; (iii) descentralização de ati-vidades para os governos subnacionais; (iv) terceirização de serviços públicos (outsorcing); (v) regulação de atividades conduzidas pelo setor privado; (vi) transferência de atividades sociais para o terceiro setor; (vii) desconcentração de atividades do governo central; (viii) separação de atividades de formulação e implementação de políticas públicas; (ix) estabelecimento de mecanismos de aferição de custos e avaliação de resultados; (x) autonomização de serviços e responsabilização de dirigentes; (xi) flexibilização da gestão orçamentária e financeira das agências públicas; (xii) adoção de formas de contratualização de resultados; (xiii) abolição da estabilidade dos funcionários e flexibilização da relação de trabalho no serviço público.137

No bojo das reformas administrativas, trazidas nos governos Margareth Thatcher e John Major, foram criadas diversas entidades regulatórias.

Destaque-se a Office of Telecomunication (OFTEL), na área de teleco-municações, criada no ano de 1984; a Office of Gas (OFGAS), para regular o setor de gás, e a Office of Eletricity Regulation (OFFER), regulando o setor de eletricidade.

Estas entidades, após fusão no ano de 1999, transformaram-se na Office of Gas and Eletricity Markets (OFGEM), abrangendo os setores de gás e eletricidade.138

Foram criadas a Water Services Regulation Authority (OFWAT)139 para o setor voltado aos recursos hídricos; a Office of Rail Regulation (ORR),140 do sistema ferroviário, a Civil Aviation Authority (CAA),141 para o setor aéreo, a Office of Fair Trading (OFT),142 atuando na defesa da concorrência, e uma agência responsável por loterias, a Office of the National Lottery (OFLOT), sucedida pela National Lottery Commission.143

Registre-se, ainda, a influência estadunidense quanto à estruturação dos entes regulatórios, propriamente ditos. Com efeito, os Estados Unidos da América experimentaram um amplo e contínuo desenvolvimento da regula-ção setorial desde 1887, quando surgiu a Interstate Commerce Commission, com competência regulatória do transporte ferroviário interestadual.

A Independent Regulatory Commission é um ente estatal autônomo, di-rigido por um colegiado composto por Commissioners eleitos pelo Chefe do Poder Executivo, e investidos para exercer o múnus público por meio de mandato fixo. Desse modo, esses dirigentes só podem ser exonerados em caso de falta grave.

Os mandatos dos Commissioners variam, sendo certo que sempre são determinados por prazos escalonados, de forma que os mandatos não sejam coincidentes. A nomeação do Chairman, que preside o órgão colegiado, com-pete ao Chefe do Poder Executivo, com prévia aprovação do Senado Federal.

136. “Nas décadas de 1980 e 1990, vários movimentos, abrigados sob o guarda-chuva da New Public Manage-ment (NPM), especialmente nos países anglo-saxões, propunham soluções para a administração pública. Pontos centrais se referiam à adaptação e à transferência dos conhecimentos ge-renciais desenvolvidos no setor privado para o público, pressupondo a redução do tamanho da máquina administra-tiva, uma ênfase crescente na compe-tição e no aumento de sua efi ciência” (PEcI, Alketa; PIERANTI, Octavio Penna; RODRIGUES, Silvia. Governança e New public Management: convergên-cias e contradições no contexto brasi-leiro. O&s, v. 15, n. 46, jul./set. 2008).

137. cOSTA. Frederico lustosa da. Reforma do estado e contexto brasileiro: crítica do paradigma ge-rencialista. Rio de Janeiro: FGv, 2010. p. 154.

138. Disponível em: <www.ofgem.gov.uk>. Acesso em: 13 dez. 2010.

139. Disponível em: <www.ofwat.gov.uk>. Acesso em: 13 dez. 2010.

140. Disponível em: <www.rail-reg.gov.uk>. Acesso em: 13 dez. 2010.

141. Disponível em: <www.caa.co.uk>.Acesso em: 13 dez. 2010.

142. Disponível em: <www.oft.gov.uk>.Acesso em: 13 dez. 2010.

143. Disponível em: <www.natlo-tcomm.gov.uk>. Acesso em: 13 dez. 2010.

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144 Jean-Jacques Daigre leciona que as Agências Reguladoras francesas também tiveram como paradigma as agências norte-americanas. Por suas palavras: “les autorités de régulation sont nés de la transposition des agen-ces américaines et en particulier, dans le secter fi nancier, de la SEc, la Securi-ties and Exchange comission, mise em place à la suite de 1929, pour marquer la politique nouvelle engagée par Roo-sevelt” (DAIGRE, Jean-Jacques. Ombres et lumières: examen critique du fonc-tionnement des autorités administra-tives indépendantes. In: cHARETTE, Hervé de. Le contrôle démocratique des autorités administratives independántes à caractère économique. Paris: Economi-ca, 2002. p. 5).

145 Nesse sentido, ver: MEIREllES, Hely lopes. Direito administrativo brasileiro. 18. ed. São Paulo: Malheiros, 1993. p. 315.

146 luís Roberto barroso bem resume a questão ao denotar que “é desnecessá-rio com efeito, enfatizar que as agên-cias reguladoras somente terão condi-ções de desempenhar adequadamente seu papel se ficarem preservadas de in-gerências externas inadequadas, espe-cialmente por parte do Poder Público, tanto no que diz respeito a suas deci-sões político-administrativas quanto a sua capacidade financeira. constatada a evidência, o ordenamento jurídico cuidou de estruturá-las como autar-quias especiais, dotadas de autonomia político-administrativa e autonomia econômica-financeira” (bARROSO, luis Roberto. Apontamentos sobre as agências reguladoras. In: MORAES, Ale-xandre de (Org.). Agências reguladoras. São Paulo: Atlas, 2002. p. 121).

147 cf. Alexandre Santos de Aragão quando adverte que a qualificação de independente conferida a muitas das agências reguladoras deve ser entendi-da em termos. Em nenhum país em que foram instituídas possuem indepen-dência em sentido próprio, mas apenas uma maior ou menor autonomia, den-tro dos parâmetros fi xados pelo orde-namento jurídico (ARAGãO, Alexandre Santos de. As agências reguladoras independentes e a separação dos po-deres: uma contribuição da teoria dos ordenamentos setoriais. Revista dos Tribunais, São Paulo, v. 786, p. 11-56, abr. 2001).

148 MOREIRA, vital. Por uma regulação ao serviço da economia de mercado e do interesse público: a “declaração de condeixa”. Revista de Direito Público da Economia — RDPE, belo Horizonte, n. 01, p. 252, 253, jan./mar. 2003.

Por essas e outras características, verifica-se que, do ponto de vista estru-tural (e não quanto à ideia de adotar, na Administração Pública, mecanismos gerenciais), o paradigma das Agências Reguladoras brasileiras é a Indepen-dent Regulatory Commission norte-americana, que não se confunde com a denominada administrative agency,144 similar às nossas agências executivas, adiante examinadas.

A administrative agency é um ente criado por lei e dotado de personali-dade jurídica de Direito Público, com a atribuição de dirigir, de forma des-centralizada, um programa ou uma missão governamental. Essas entidades gozam de autonomia funcional, estando subordinadas hierarquicamente ao Presidente e ao Ministro de Estado responsável pela pasta a qual a agência está vinculada.

Natureza jurídica das Agências Reguladoras

As Agências Reguladoras brasileiras são autarquias de regime especial, pos-suindo autonomia em relação ao Poder Público.

Já foram criadas no Brasil, sob essa forma e nomenclatura, dez agências reguladoras federais: ANEEL, ANP, ANATEL, ANVISA, ANA, ANS, AN-CINE, ANTT, ANTAQ e ANAC, cada uma com as suas especificidades, adiante examinadas.

O regime especial — i.e. diferenciado — significa que à entidade autár-quica são conferidos privilégios específicos, visando aumentar sua autono-mia comparativamente com as autarquias comuns, sem infringir os preceitos constitucionais pertinentes a essas entidades de personalidade pública.145

Além das atribuições de competência regulatória, com a ampliação das funções normativas e judicantes da Administração Pública indireta, pode-se congregar os seguintes elementos confirmadores da autonomia das Agências Reguladoras: organização colegiada; impossibilidade de exoneração ad nu-tum dos seus dirigentes; autonomia financeira e orçamentária, e, por último, a independência decisória.146

Autonomia regulatória

As Agências Reguladoras são entidades autônomas em relação ao poder central, sendo, em termos,147 detentora de independência decisória.

Em prol da autonomia regulatória das Agências, Vital Moreira148 aponta diversas razões. A primeira seria a separação entre a política e a economia, de modo que a economia não permaneça nas mãos do Governo; a segunda seria a garantia de estabilidade e segurança no quadro regulatório (inamo-

144. Jean-Jacques Daigre leciona que as Agências Reguladoras francesas também tiveram como paradigma as agências norte-americanas. Por suas palavras: “les autorités de régula-tion sont nés de la transposition des agences américaines et en particulier, dans le secter fi nancier, de la SEc, la Securities and Exchange comission, mise em place à la suite de 1929, pour marquer la politique nouvelle engagée par Roosevelt”

(DAIGRE, Jean-Jacques. Ombres et lumières: examen critique du fonctio-nnement des autorités administratives indépendantes. In: cHARETTE, Hervé de. Le contrôle démocratique des autorités administratives independántes à caractère économique. Paris: Economica, 2002. p. 5).

145. Nesse sentido, ver: MEIREllES, Hely lopes. Direito administra-tivo brasileiro. 18. ed. São Paulo: Malheiros, 1993. p. 315.

146. luís Roberto barroso bem resume a questão ao denotar que “é desne-cessário com efeito, enfatizar que as agências reguladoras somente terão condições de desempenhar adequada-mente seu papel se ficarem preserva-das de ingerências externas inadequa-das, especialmente por parte do Poder Público, tanto no que diz respeito a suas decisões político-administrativas quanto a sua capacidade financeira. constatada

a evidência, o ordenamento jurídico cuidou de estruturá-las como autar-quias especiais, dotadas de autonomia político-administrativa e autonomia econômica-financeira” (bARROSO, luis Roberto. Apontamentos sobre as agências reguladoras. In: MORAES, Alexandre de (Org.). Agências re-guladoras.

São Paulo: Atlas, 2002. p. 121).

147. cf. Alexandre Santos de Aragão quando adverte que a qualificação de independente conferida a muitas das agências reguladoras deve ser enten-dida em termos. Em nenhum país em que foram instituídas possuem inde-pendência em sentido próprio, mas apenas uma maior ou menor autono-mia, dentro

dos parâmetros fi xados pelo orde-namento jurídico (ARAGãO, Alexandre Santos de. As agências reguladoras independentes e a separação dos po-deres: uma contribuição da teoria dos ordenamentos setoriais. Revista dos Tribunais, São Paulo, v. 786, p. 11-56, abr. 2001).

148. MOREIRA, vital. Por uma regula-ção ao serviço da economia de mercado e do interesse público: a “declaração de condeixa”. Revista de Direito pú-blico da economia — RDpe, belo Horizonte, n. 01, p. 252, 253, jan./mar. 2003.

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149 celso Antônio bandeira de Mello é radicalmente contra a garantia dos mandatos dos dirigentes das Agências Reguladoras por prazo posterior ao fim do mandato do chefe do Poder Executivo que o nomeou. “Isso seria o mesmo que engessar a liberdade administrativa do futuro Governo. Ora, é da essência da República a tempo-rariedade dos mandatos, para que o povo, se o desejar, possa eleger novos governantes com orientações políticas e administrativas diversas do Governo precedente” (bANDEIRA DE MEllO. Cur-so..., cit., p. 153).

150 ver ADIn nº 1.949-RS, em que essa matéria foi questionada perante o Supremo Tribunal Federal pelo Gover-nador do Estado do Rio Grande do Sul. vale registrar sobre o tema que a lei nº 9.986/00, que dispõe sobre a gestão de recursos humanos das Agências Regu-ladoras, padronizou a forma de escolha dos seus dirigentes.

vibilidade do mandato dos reguladores), de modo a não depender do ciclo eleitoral, mantendo a confiança dos agentes regulados quanto à estabilidade do ambiente regulatório. Segue sustentando, como razão para a autonomia, o favorecimento do profissionalismo e a neutralidade política, mediante o recrutamento

de especialistas profissionais, em vez de correligionários políticos dos go-vernantes. Tem-se, ainda, a separação do Estado-empresário do Estado regu-lador, com o indispensável tratamento isonômico entre os operadores públi-cos e privados. Destaca a “blindagem” contra a captura regulatória, mediante a criação de reguladores afastados das constrições próprias da luta partidária e do ciclo eleitoral, proporcionando melhores condições de resistência às pres-sões dos regulados e, por fi m, a garantia do autofinanciamento, de modo que a entidade reguladora potencialize a sua autonomia em relação ao Governo e aos regulados.

Analisando, em apertada síntese, esses traços que garantem a autonomia e independência decisória das Agências Reguladoras, pode-se trazer as seguin-tes observações.

A organização dessas entidades autárquicas estruturou-se de forma que as suas decisões definitivas observem, em regra, a forma colegiada. O Conselho Diretor é composto pelo Diretor-Presidente e demais Diretores, com quorum deliberativo por maioria absoluta. As nomeações desses dirigentes são feitas por mandatos por prazos certos e não coincidentes,149 havendo impossibili-dade de exoneração ad nutum.150

A autonomia financeira e orçamentária está assegurada nas leis institui-doras de cada Agência Reguladora, em que pese o contingenciamento de recursos (retardamento ou inexecução de parte da programação de despe-sa prevista na Lei Orçamentária) que essas autarquias vêm experimentando nos últimos anos. Veja-se, dentre diversas, uma notícia jornalística sobre essa questão:

“Orçamentos cada vez mais apertados estão na origem do poder cada vez mais escasso das agências reguladoras. No ano passado, so-freram o maior corte de repasses desde que foram criadas, em meados da década de 90, e acumulam R$37 bilhões em reduções entre 1998 e 2009. Já elevado, de 65,6% em 2002, o contingenciamento cresceu para 85,7% das receitas totais, segundo levantamento da Associação Brasileira de Infraestrutura e Indústrias de Base (Abdib), com infor-mações do Tesouro Nacional. Contingenciamento é uma espécie de limitação para reforçar o superávit primário do governo federal recur-sos que terminam sendo usados para pagar o juro da dívida pública interna. Só em 2009, foram contingenciados R$8 bilhões de receitas, como royalties, taxas de fiscalização cobradas das concessionárias e bô-

149. celso Antônio bandeira de Mello é radicalmente contra a garantia dos mandatos dos dirigentes das Agências Reguladoras por prazo posterior ao fim do mandato do chefe do Poder Executivo que o nomeou. “Isso seria o mesmo que engessar a liberdade admi-nistrativa do futuro Governo. Ora, é da essência da República a temporarieda-de dos mandatos, para que o povo, se o desejar, possa eleger novos

governantes com orientações po-líticas e administrativas diversas do Governo precedente” (bANDEIRA DE MEllO. curso..., cit., p. 153).

150. ver ADIn nº 1.949-RS, em que essa matéria foi questionada perante o Supremo Tribunal Federal pelo Gover-nador do Estado do Rio Grande do Sul. vale registrar sobre o tema que a lei nº 9.986/00, que dispõe sobre a gestão de recursos humanos das Agências Regu-ladoras, padronizou a forma de escolha

dos seus dirigentes.

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FGv DIREITO RIO 111

151 Acerca das questões orçamentárias em cotejo com a lei de Responsabilida-de Fiscal, em que se discutiu os limites de atuação do Poder Executivo em re-lação aos órgãos constitucionalmente independentes, ver o debate travado na ADIN nº 2.238-Mc/DF.

152 Nas Agências Reguladoras Estaduais e Municipais, a vinculação administra-tiva, logicamente, será às respectivas Secretarias.

nus, que pesam no preço dos serviços. Como esses recursos não podem ser usados para cobrir outro tipo de despesa, entram no superávit. Um dos principais refl exos da redução de receita é o enfraquecimento da fiscalização. Sem dinheiro suficiente e quadro de funcionários restrito, diminui a capacidade para detectar falhas no mercado. Isso dá mar-gem para a piora na prestação de serviços. No setor aéreo, o aumento da demanda provocou o caos nos aeroportos e testou a paciência dos passageiros. O último episódio, no início do mês, expôs a fragilidade da Agência Nacional de Aviação Civil (Anac), que não conseguiu evitar o colapso da mudança das escalas da Gol. No fim do ano passado, o mesmo havia ocorrido com a TAM, que mudou o sistema de check--in. [...] Esse tipo de medida enfraquece e reduz o poder de decisão das agências avalia o professor de direito administrativo da Fundação Ge-tulio Vargas, Carlos Ari Sundfeld. Até o final do mandato, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva deverá indicar mais sete dirigentes de agências reguladoras. Há duas vagas abertas, uma na ANP e outra na Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa). Nos próximos meses, haverá mais cinco a preencher” (Receita de agências reguladoras perde R$37 bilhões em 12 anos. Zero Hora, Porto Alegre, 16 ago. 2010).

Os recursos das Agências Reguladoras advêm das denominadas taxas de fiscalização ou regulação pagas por aqueles que exercem as respectivas ativi-dades econômicas reguladas, de modo a que inexista dependência de recursos do orçamento do Tesouro.151

Finalmente, a independência decisória representa o estabelecimento do Conselho Diretor da Agência Reguladora como última instância decisória, haja vista a sua vinculação administrativa (e não subordinação hierárquica) ao respectivo Ministério.152

Vale ressaltar que ato normativo de 2009, expedido pela Advocacia-Ge-ral da União (AGU), provocou certa polêmica envolvendo a autonomia das Agências Reguladoras.

A AGU é instituição prevista na Constituição Federal de 1988 (art. 131), cuja missão envolve a representação judicial e extrajudicial da União, seja por via direta ou por órgãos vinculados, além das atividades de consultoria e assessoramento jurídico do Poder Executivo.

Por meio da edição da Lei Complementar nº 73/93, foram disciplinadas as funções desse órgão, envolvendo: (i) o controle interno da legalidade dos atos administrativos; (ii) a fixação da interpretação da Constituição, das leis, tratados e demais atos normativos; (iii) a unificação da jurisprudência admi-nistrativa, com a solução de controvérsias entre órgãos jurídicos da Adminis-tração Federal, bem como que a edição de enunciados de súmula administra-tiva resultante da jurisprudência iterativa dos tribunais.

151. Acerca das questões orçamentá-rias em cotejo com a lei de Responsa-bilidade Fiscal, em que se discutiu os limites de atuação do Poder Executivo em relação aos órgãos constitucional-mente independentes, ver o debate travado na ADIN nº 2.238-Mc/DF.

152. Nas Agências Reguladoras Es-taduais e Municipais, a vinculação administrativa, logicamente, será às respectivas Secretarias.

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FGv DIREITO RIO 112

153 A Adjuntoria de contencioso é o ór-gão de direção da Procuradoria-Geral Federal, dirigida pelo Adjunto de con-tencioso, com as atribuições de coorde-nação e orientação das atividades de contencioso das Procuradorias Regio-nais Federais, Procuradorias Federais nos Estados, Procuradorias Seccionais Federais e Escritórios de Representação da PGF. Exerce a representação judicial das 157 autarquias e fundações pú-blicas federais e da União (esta por delegação de competência, na defesa de contribuições previdenciárias nas ações trabalhistas) junto ao Supremo Tribunal Federal, Tribunais Superiores e Turma Nacional de Uniformização dos Juizados Especiais Federais e, ex-traordinariamente, junto a qualquer outro juízo ou Tribunal. Exerce também, competências delegadas para autorizar acordos e aprovar análises de preca-tórios entre outras (Disponível em: <http://www.agu.gov.br>. Acesso em: 15 dez. 2010).

Em 2002, por meio da Lei nº 10.480/02, foi criada a Procuradoria-Geral Federal, órgão vinculado à AGU, a quem compete a representação judicial e extrajudicial das autarquias e fundações públicas federais. A partir de então, foram integrados à estrutura da AGU esses serviços de representação judicial e consultoria jurídica.

Nesse contexto, a AGU editou a Portaria nº 164, de 20 de fevereiro de 2009, por meio da qual se atribuiu à Adjuntoria de Contencioso da Procu-radoria Federal153 a representação judicial de autarquias e fundações públicas federais junto aos tribunais superiores (STF e STJ) e na Turma Nacional de Uniformização dos Juizados Especiais Federais. Assim, a representação judicial dos interesses das Agências Reguladoras, pela AGU, passou a ser considerada medida que, em tese, pode macular a autonomia desses entes autárquicos, haja vista que, originalmente, as Agências Reguladoras eram re-presentadas em juízo por procuradores dos seus próprios quadros.

v. RecuRsOs/MATeRIAIs uTILIZADOs

Leitura obrigatória

CARVALHO FILHO, José dos Santos. Manual de direito administrativo. São Paulo: Atlas. Tópico “agências reguladoras”.

Leitura complementar

ARAGÃO, Alexandre Santos de. Agências reguladoras e a evolução do direito administrativo econômico. 2a ed. Rio de Janeiro: Forense, 2003.

GUERRA, Sergio. Introdução ao direito das agências reguladoras. Rio de Janei-ro: Freitas Bastos, 2004.

vI. AvALIAçãO

caso gerador

A ANVISA baixou uma Resolução da Diretoria Colegiada impedindo a comercialização de artigos de conveniência por farmácias e drogarias. Lei estadual de São Paulo, no entanto, veio a disciplinar a atividade de drogarias e permite, dentre outros, a comercialização de leite em pó, pilhas, colas e

153. A Adjuntoria de contencioso é o órgão de direção da Procuradoria-Geral Federal, dirigida pelo Adjunto de con-tencioso, com as atribuições de coorde-nação e orientação das atividades de contencioso das Procuradorias Regio-nais Federais, Procuradorias Federais nos Estados, Procuradorias Seccionais Federais e Escritórios de Representação da PGF. Exerce a representação judicial das 157 autarquias e fundações pú-blicas federais e da União (esta por delegação de competência, na defesa de contribuições previdenciárias nas ações trabalhistas) junto ao Supremo Tribunal Federal, Tribunais Superiores e Turma Nacional de Uniformização dos Juizados Especiais Federais e, ex-traordinariamente, junto a qualquer outro juízo ou Tribunal. Exerce também, competências delegadas para autorizar acordos e aprovar análises de preca-tórios entre outras (Disponível em: <http://www.agu.gov.br>. Acesso em: 15 dez. 2010).

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FGv DIREITO RIO 113

cartões telefônicos por parte das drogarias e farmácias. Como deve ser solu-cionada a controvérsia?

vII. cONcLusãO DA AuLA

As agências reguladoras exercem função de ordenação dos mercados por elas regulados, tendo competências normativas, finscalizatórias e sanciona-doras. Para exercerem de modo eficiente a função que lhes é conferida, tais entidades gozam de personalidade jurídica de direito público e possuem au-tonomia reforçada.

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FGv DIREITO RIO 114

154 conforme observa Floriano de Aze-vedo Marques Neto, as políticas de governo “são os objetivos concretos que um determinado governante eleito pretende ver impostos a um dado setor da vida econômica ou social. Dizem respeito à orientação política e gover-namental que se pretende imprimir a um setor”. Agências reguladoras: ins-trumentos do fortalecimento do Estado. Texto disponível em http://www.abar.org.br, acesso em 15.02.2005.

aula 14

I. TeMA

Agências reguladoras. Funções.

II. AssuNTO

Agências Reguladoras

III. OBJeTIvOs especÍFIcOs

Apresentar as diferentes funções exercidas pelas agências reguladoras, es-pecialmente as funções normativa, fiscalizatória e sancionadora, o que exige uma releitura do princípio da separação dos poderes. Em seguida, será inicia-do o estudo da função normativa.

Iv. DeseNvOLvIMeNTO MeTODOLÓgIcO

As agências reguladoras exercem funções de estado

As funções de Estado são aquelas dispostas na Constituição e nas leis, as quais devem necessariamente ser observadas e executadas pela Administra-ção Pública, independentemente de quem seja o partido ou governante na chefia do Poder Executivo. As funções de governo, por sua vez, consistem nas prioridades concretas do governante democraticamente eleito para a im-plementação durante o seu governo e dizem respeito à orientação política e governamental que se pretende imprimir a um setor, sempre e em qualquer caso submetidas às políticas de Estado.154

As agências reguladoras desenvolvem funções de Estado, pois são criadas em decorrência da previsão genérica de regulação estatal da economia exposta no art. 174 da Constituição (além das previsões constitucionais específicas de criação da ANATEL e da ANP), exercendo função eminentemente pública.

Tal constatação já foi, inclusive, reconhecida pela jurisprudência do Su-premo Tribunal Federal, ao julgar medida cautelar em Ação Direta de In-constitucionalidade, na qual se discutia a constitucionalidade da previsão, constante da Lei nº 9.986/2000, de contratação de pessoal técnico para as agências, no regime de emprego público, portanto, mediante contratos regi-

154. conforme observa Floriano de Azevedo Marques Neto, as políticas de governo “são os objetivos concretos que um determinado governante eleito pretende ver impostos a um dado setor da vida econômica ou social. Dizem respeito à orientação política e gover-namental que se pretende imprimir a um setor”. Agências regulado-ras: instrumentos do fortaleci-mento do estado. Texto disponível em http://www.abar.org.br, acesso em 15.02.2005.

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FGv DIREITO RIO 115

155 Ação direta de inconstitucionalidade nº 2.310-1-DF, in Revista de Direito da Associação dos Procuradores do Novo Estado do Rio ed Janeiro”, v. IX, pp. 433 a 435.

156 O art. 1º, caput, da lei nº 10.871, determina ser a lei aplicável às autar-quias especiais intituladas agências reguladoras: “Art. 1o Ficam criados, para exercício exclusivo nas autarquias especiais denominadas Agências Re-guladoras, referidas no Anexo I desta lei, e observados os respectivos quan-titativos, os cargos que compõem as carreiras de: (...)”

157 vide, a respeito, MARQUES NETO, Floriano. “Agências reguladoras: instru-mentos do fortalecimento do Estado”. Texto disponível em http://www.abar.org.br, acesso em 15.02.2005.

dos pela Consolidação das Leis do Trabalho. Naquela ocasião, assim se ma-nifestou o ministro Marco Aurélio Mello, ao reconhecer a inconstitucionali-dade de tal norma:

Inegavelmente, as agências reguladoras atuam como poder de polí-cia, fiscalizando, cada qual em sua área, atividades reveladoras de ser-viço público, a serem desenvolvidas pela iniciativa privada (...) Está-se diante de atividade na qual o poder de fiscalização, o poder de polí-cia, fazem-se com envergadura ímpar, exigindo, por isso mesmo, que aquele que a desempenhe sinta-se seguro, atue sem receios outros, e isso pressupõe a ocupação de cargo público (...) [próprio] àqueles que desenvolvam atividades exclusivas de Estado (...).155

Assim, restou reconhecida, em sede liminar, que a natureza dos serviços desenvolvidos pelo pessoal técnico das agências mostrava-se incompatível com o regime contratual da CLT, devendo, portanto, esses servidores serem regidos pelo regime jurídico estatutário. Nesse sentido, em 2004, veio a ser editada nova lei, pondo fim à controvérsia, dispondo o art. 6º da Lei nº 10.871, de 24.05.2004:

Art. 6º. O regime jurídico dos cargos e carreiras referidos no art. 1o desta Lei é o instituído na Lei n. 8.112, de 11 de dezembro de 1990, observadas as disposições desta Lei.156

Além disso, nos termos das diversas leis que autorizaram a sua criação, as agências reguladoras brasileiras possuem natureza de autarquias em regime especial, sendo-lhes, portanto, aplicáveis todas as prerrogativas inerentes às autarquias em geral, tais como personalidade jurídica e patrimônio próprios, ausência de subordinação ao Ministério ao qual se vinculam, autonomia fi-nanceira e orçamentária, além de terem por finalidade “executar atividades típicas da Administração que requeiram, para seu melhor funcionamento, gestão administrativa e financeira descentralizada”, conforme a redação do art. 5º, I, do Decreto-Lei º 200/1967.

principais funções

Em breve síntese, pode esquematizar as atribuições das agências regulado-ras da seguinte forma: Função executiva, Função Normativa e Função Judi-cante (ou de solução de controvérsias).

Alguns autores sistematizam o tema de forma diversa, como, por exemplo:157

155. Ação direta de inconstituciona-lidade nº 2.310-1-DF, in Revista de Direito da Associação dos Procuradores do Novo Estado do Rio ed Janeiro”, v. IX, pp. 433 a 435.

156. O art. 1º, caput, da lei nº 10.871, determina ser a lei aplicável às autarquias especiais intituladas agên-cias reguladoras: “Art. 1o Ficam criados, para exercício exclusivo nas autarquias especiais denominadas Agências Re-guladoras, referidas no Anexo I desta lei, e observados os respectivos quan-titativos, os cargos que compõem as carreiras de: (...)”

157. vide, a respeito, MARQUES NETO, Floriano. “Agências reguladoras: instru-mentos do fortalecimento do Estado”. Texto disponível em http://www.abar.org.br, acesso em 15.02.2005.

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FGv DIREITO RIO 116

158 Sobre o princípio da legalidade e atuação da Administração Pública, ex-põe DIÓGENES GASPARINI: “o princípio da legalidade, resumido na proposição suporta a lei que fizeste, significa estar a Administração Pública, em toda a sua atividade, presa aos mandamentos da lei, deles não se podendo afastar, sob pena de invalidade do ato e responsa-bilidade de seu autor. Qualquer ação estatal sem o correspondente calço legal, ou que exceda ao âmbito demar-cado pela lei, é injurídica e expõe-se à anulação”. GASPARINI, Diógenes. Direito administrativo. 5ª ed. São Paulo: Sarai-va, 1995, p. 6

Poder normativo: poder de editar comandos gerais para o setor regulado, obedecido o princípio da legalidade. Existe grande controvérsia quanto à ex-tensão dos poderes normativos das agências reguladoras, a qual será apresen-tada adiante.

Poder de fiscalização: atribuição para monitorar o setor, prevenindo e re-primindo o desrespeito ao ordenamento jurídico setorial.

Poder de sanção: competência para impor sanções em caso de descumpri-mento das normas aplicáveis ao setor.

Poder de conciliação: capacidade de conciliar ou mediar interesses de ope-radores regulados, consumidores isolados ou grupos de interesses homogêne-os, ou ainda interesses de agentes econômicos que se relacionam com o setor regulado no âmbito da cadeia produtiva.

Poder de resolução de controvérsias: atribuição para dirimir conflitos. A maioria das leis que dispõem sobre as agências setoriais lhes conferiu compe-tência para dirimir conflitos no âmbito administrativo entre os agentes do se-tor. Por exemplo, no caso da Agência Nacional de Energia Elétrica — ANE-EL, a previsão encontra-se no art. 3º, V, da Lei nº 9.427/1996, o qual dispõe:

Art. 3º Além (...), compete à ANEEL:V — dirimir, no âmbito administrativo, as divergências entre con-

cessionárias, autorizadas, produtores independentes e autoprodutores, bem como entre esses agentes e seus consumidores.

Poder de recomendação: prerrogativa de orientar, subsidiar ou informar o poder político sobre as características do setor, recomendando medidas ou decisões a serem editadas no âmbito da política pública.

Função normativa das agências reguladoras

A possibilidade de as agências reguladoras emanarem atos normativos abs-tratos causa certa perplexidade na doutrina, especialmente à luz do princípio constitucional da legalidade158, positivado no art. 37, caput, da Constituição, e das competências privativas do chefe do Poder Executivo previstas no art. 84, II e IV, da Constituição Federal:

Art. 84. Compete privativamente ao Presidente da República:(...)

158. Sobre o princípio da legalidade e atuação da Administração Pública, ex-põe DIÓGENES GASPARINI: “o princípio da legalidade, resumido na proposição suporta a lei que fizeste, significa estar a Administração Pública, em toda a sua atividade, presa aos mandamentos da lei, deles não se podendo afastar, sob pena de invalidade do ato e responsabi-lidade de seu autor. Qualquer ação es-tatal sem o correspondente calço legal, ou que exceda ao âmbito demarcado pela lei, é injurídica e expõe-se à anu-lação”. GASPARINI, Diógenes. Direito administrativo. 5ª ed. São Paulo: Saraiva, 1995, p. 6

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FGv DIREITO RIO 117

159 Direito administrativo, 12a ed. São Paulo: Atlas, pp. 391/392.

160 NIcODEMO, Silvia.Gli atti normativi delle autoritá independenti. Milão: cE-DAM, 2002, p. 305.

161 ARAGãO, Alexandre Santos de e SAMPAIO, Patrícia Regina Pinheiro. Omissão no exercício do poder norma-tivo das agências e a concorrência des-leal. In: ARAGãO, Alexandre Santos de (coord.) O poder normativo das agências reguladoras. Rio de Janeiro: Forense, 2006, p. 547.

II — exercer, com o auxílio dos Ministros de Estado, a direção su-perior da administração federal;

(...)IV — sancionar, promulgar e fazer publicar as leis, bem como expe-

dir decretos e regulamentos para sua fiel execução;(...)”

Dessa forma, os limites do poder das agências reguladoras de gerar nor-mas abstratas e gerais são alvo de profunda controvérsia. Para Maria Sylvia Zanella di Pietro:

A função normativa que exercem não pode, sob pena de inconsti-tucionalidade, ser maior do que a exercida por qualquer outro órgão administrativo ou entidade da administração indireta. Elas nem po-dem regular matéria não disciplinada em lei, porque os regulamentos autônomos não têm fundamento constitucional no direito brasileiro, nem podem regulamentar leis, porque essa competência é privativa do Poder Executivo e, se pudesse ser delegada, essa delegação teria que ser feita pela autoridade que detém o poder regulamentar e não pelo legis-lador. As únicas normas que podem estabelecer têm de produzir efeitos internos, apenas, dirigidos à própria agência, ou podem dizer respeito às normas que se contêm no edital de licitações, sempre baseadas em leis e regulamentos prévios.159

Por outro lado, alguns autores defendem que “a atribuição de funções nor-mativas a órgãos de formação não eletiva, ou de composição mista, não cons-titui violação do princípio democrático. Deve, no entanto, ser reconhecida dentro daquele princípio fundamental, que encerra em si mesmo os demais, exprimindo o balanceamento das manifestações da vontade política com a garantia dos direitos, com respeito às razões de eficiência administrativa”160.

A partir dos debates doutrinários, observam Alexandre Santos de Aragão e Patrícia Sampaio que a possibilidade e os limites da função normativa das agências reguladoras “deve ser compreendida à luz da finalidade do exercício da atividade administrativa, a qual reside no cumprimento das competências constitucional e legalmente consagradas às autoridades. Nessa perspectiva, entende-se a feição normativa do poder de polícia como instrumento legí-timo de concretização desses objetivos. Não se trata, em qualquer hipótese, de autoridades administrativas exercendo competência legislativa ou quase--legislativa (no Brasil, a figura do regulamento autônomo mostra-se excep-cional — art. 84, VI, da Constituição Federal), mas sim de atividade nor-mativa inserida no bojo das competências administrativas do Estado e, por conseguinte, subordinada, sempre, à legalidade”161.

159. Direito administrativo, 12a ed. São Paulo: Atlas, pp. 391/392.

160. NIcODEMO, Silvia.gli atti nor-mativi delle autoritá indepen-denti. Milão: cEDAM, 2002, p. 305.

161. ARAGãO, Alexandre Santos de e SAMPAIO, Patrícia Regina Pinheiro. Omissão no exercício do poder nor-mativo das agências e a concorrência desleal. In: ARAGãO, Alexandre Santos de (coord.) O poder normativo das agências reguladoras. Rio de Janeiro: Forense, 2006, p. 547.

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FGv DIREITO RIO 118

162 GUERRA, Sérgio. Controle judicial dos atos regulatórios. Rio de Janeiro: lumen Iuris, 2005, pp. 350 e 351.

163 veja-se como devem ser os procedi-mentos para as delegações legislativas (Art. 68 da constituição de 1988): As leis delegadas serão elaboradas pelo Presidente da República, que deverá solicitar a delegação ao congresso Nacional. § 1º - Não serão objeto de delegação os atos de competência exclusiva do congresso Nacional, os de competência privativa da câmara dos Deputados ou do Senado Federal, a matéria reservada à lei complementar, nem a legislação sobre: I - organização do Poder Judiciário e do Ministério Público, a carreira e a garantia de seus membros; II - nacionalidade, cidadania, direitos individuais, políticos e eleito-rais; III - planos plurianuais, diretrizes orçamentárias e orçamentos. § 2º - A delegação ao Presidente da República terá a forma de resolução do congresso Nacional, que especificará seu conteú-do e os termos de seu exercício. § 3º - Se a resolução determinar a apreciação do projeto pelo congresso Nacional, este a fará em votação única, vedada qual-quer emenda.

164 MOREIRA NETO, Diogo. Direito regulatório. Rio de Janeiro: Renovar, pp.108-109.

165 Agência nacional de vigilância sani-tária: natureza jurídica, competência normativa, limites dos poderes regula-tórios. Revista de Direito Administrativo, Rio de Janeiro, v. 215, pp. 71-83, jan./mar. 1999.

166 Sobre a separação de poderes, diz Alexandre Aragão: “Qualquer que seja a nomenclatura adotada, em todos os países em que as comissões, agências ou autoridades administrativas inde-pendentes de regulação foram insti-tuídas, as maiores discussões jurídicas geradas disseram e dizem respeito à sua compatibilidade com o princípio da separação de poderes. É curioso notar como a disparidade dos sistemas jurídicos não impediu que esta questão possuísse uma impressionante pereni-dade e homogeneidade, e, mais, que a solução a ela dada nos E.U.A., na Europa ou no Brasil foi pela constitucionalidade destas entidades reguladoras, o que implica em uma nova leitura do prin-cípio da separação de poderes”. Notas de atualização da obra de bilac Pinto. Regulamentação efetiva os serviços de utilidade pública. 2.ed. atualizada por Alexandre Santos de Aragão. Rio de Janeiro: Forense, 2002, p. 119. Floriano Peixoto de Azevedo Marques Neto, em suas observações acerca do tema em comento, aduz que “quase diretamente relacionada com a dificuldade que a figura da autoridade reguladora inde-pendente tem com a tripartição dos Poderes, emerge a questão da suposta

De todo modo, há de se atentar para os riscos de desvios ou exercício abusivo dessa competência. Conforme salienta Sérgio Guerra: “na regulação normativa (portarias, resoluções, etc.), o dano pode decorrer de uma inter-venção desnecessária ou inadequada no subsistema regulado. Como dito, diante da imperatividade dos freios e contrapesos, são legítimas as restrições regulatórias à livre iniciativa privada, desde que razoáveis e proporcionais. Por isso, a regulação normativa deve ser praticada por meio de uma interpre-tação voltada para frente, orientada na ponderação de interesses, custos, ônus e benefícios da ação regulatória.”162

É possível concluir que as agências reguladoras têm o poder-dever de exer-cer uma função normativa secundária, desde que observadas as normas hie-rarquicamente superiores. Essa função normativa das agências reguladoras não é primária, e sim secundária, haja vista que, entre nós, a função nor-mativa primária é precípua do Poder Legislativo, sendo exercida de forma extravagante pelo Poder Executivo, seja por meio de medidas provisórias ou delegação legislativa163.

Diogo de Figueiredo Moreira Neto denota que além da modalidade tra-dicional da regulamentação secundária, que produz efeitos introversos, como característica dos órgãos administrativos, existem aquelas tipicamente regula-tórias, que se caracterizam por seus efeitos extroversos sobre as matérias desle-galizadas e na estrita medida em que o tenham sido.164 Esse mesmo jurista, ao examinar os limites da competência normativa outorgada às entidades regu-ladoras autônomas de serviços públicos, adverte que ultrapassar tais limites, ao acrescentar às normas reguladoras critérios político-administrativos onde não deveriam existir, caracteriza invasão de poderes que são próprios à esfera das decisões do Poder Legislativo e propositadamente retirados dos agentes da burocracia administrativa direta.165

A bem da verdade, a polêmica acerca da função normativa das agências reguladoras se insere numa discussão com maior profundidade, que envolve a adaptação das agências reguladoras ao sistema tripartite oitocentista, subsu-mido no princípio da separação e equilíbrio entre os poderes estatais.166

Pelas normas regulatórias se permite o exercício da capacidade técnica des-sas entidades descentralizadas (tecnicismo) para dispor, com maior densidade, sobre as matérias que lhe competem para equilibrar o subsistema regulado, diversamente das leis que, editadas pelo Poder Legislativo, assumem caráter genérico e sem concretude. Nas palavras de Marcos Juruena Villela Souto:

o legislador não tem, necessariamente, o conhecimento técnico nem a proximidade dos fatos a editar a norma, que, por isso, deve se manter num plano de generalidade, para abrigar todas as situações; não é, assim, viável que adentre em detalhes; ademais, as normas sobre o funciona-mento do mercado tendem a ser normas técnicas, econômicas e finan-

162. GUERRA, Sérgio. controle judicial dos atos regulatórios. Rio de Janeiro: lumen Iuris, 2005, pp. 350 e 351.

163. veja-se como devem ser os procedimentos para as delegações legislativas (Art. 68 da constituição de 1988): As leis delegadas serão ela-boradas pelo Presidente da República, que deverá solicitar a delegação ao congresso Nacional. § 1º - Não serão objeto de delegação os atos de compe-tência exclusiva do congresso Nacional, os de competência privativa da câmara dos Deputados ou do Senado Federal, a matéria reservada à lei complementar, nem a legislação sobre: I - organização do Poder Judiciário e do Ministério Público, a carreira e a garantia de seus membros; II - nacionalidade, cidadania, direitos individuais, políticos e eleito-rais; III - planos plurianuais, diretrizes orçamentárias e orçamentos. § 2º - A delegação ao Presidente da República terá a forma de resolução do congresso Nacional, que especificará seu conteú-do e os termos de seu exercício. § 3º - Se a resolução determinar a apreciação do projeto pelo congresso Nacional, este a fará em votação única, vedada qual-quer emenda.

164. MOREIRA NETO, Diogo. Direito regulatório. Rio de Janeiro: Renovar, pp.108-109.

165. Agência nacional de vigilância sanitária: natureza jurídica, compe-tência normativa, limites dos poderes regulatórios. Revista de Direito Administrativo, Rio de Janeiro, v. 215, pp. 71-83, jan./mar. 1999.

166. Sobre a separação de poderes, diz Alexandre Aragão: “Qualquer que seja a nomenclatura ado-tada, em todos os países em que as comissões, agências ou autoridades administrativas independentes de regulação foram instituídas, as maiores discussões jurídicas geradas disseram e dizem respeito à sua compatibilidade com o princípio da separação de po-deres. É curioso notar como a disparidade dos sistemas ju-rídicos não impediu que esta questão possuísse uma im-pressionante perenidade e ho-mogeneidade, e, mais, que a solução a ela dada nos e.u.A., na europa ou no Brasil foi pela constitucionalidade destas entidades reguladoras, o que implica em uma nova leitura do princípio da separação de poderes”. Notas de atualização da obra de bilac Pinto. Regulamen-tação efetiva os serviços de utilidade pública. 2.ed. atualizada por Alexandre Santos de Aragão. Rio de Janeiro: Forense, 2002, p. 119. Floriano Peixoto de Azevedo Marques Neto, em suas observações acerca do tema em comento, aduz que “quase diretamente relacionada com a dificuldade que a figura da autoridade reguladora inde-pendente tem com a tripartição dos Poderes, emerge a questão da suposta colidência com o princípio da legalida-de. (...) O fato é que a atuação destes órgãos reguladores reflete a crise vivi-da pelo princípio da legalidade; crise, esta, que não decorre meramente do fenômeno do surgimento das agências, mas da própria profusão de fontes nor-mativas. Aqui parece se colocar a chave para superar a crítica, sempre presente, relativa à suposta contraposição entre a nova regulação estatal e o princípio da legalidade. A oposição não está entre as competências das agências e a figura da lei como fonte necessária das competências do agente público. O que parece estar em questão é a motriz da legalidade”. MARQUES NETO, Floria-no Marques. A nova regulação estatal e as agências independentes. Direito administrativo econômico. carlos Ari Sundfeld (org.). São Paulo: Malheiros, 2000, p. 94. Acerca das dis-cussões ocorridas sobre a Separação de Poderes no período da Revolução Francesa, inclusive com profunda aná-lise dos cadernos de 1789, ver a obra de léon Duguit, originalmente publicada em 1893. La separación de po-deres y la asamblea nacional de 1789. Madri, centro de Estudios constitucionales, 1996, p. 9, ss.

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FGv DIREITO RIO 119

colidência com o princípio da legalida-de. (...) O fato é que a atuação destes órgãos reguladores reflete a crise vivi-da pelo princípio da legalidade; crise, esta, que não decorre meramente do fenômeno do surgimento das agências, mas da própria profusão de fontes nor-mativas. Aqui parece se colocar a chave para superar a crítica, sempre presente, relativa à suposta contraposição entre a nova regulação estatal e o princípio da legalidade. A oposição não está entre as competências das agências e a figura da lei como fonte necessária das competências do agente público. O que parece estar em questão é a motriz da legalidade”. MARQUES NETO, Floriano Marques. A nova regulação estatal e as agências independentes. Direito administrativo econômico. carlos Ari Sundfeld (org.). São Paulo: Malheiros, 2000, p. 94. Acerca das discussões ocor-ridas sobre a Separação de Poderes no período da Revolução Francesa, inclusi-ve com profunda análise dos cadernos de 1789, ver a obra de léon Duguit, originalmente publicada em 1893. La separación de poderes y la asamblea nacional de 1789. Madri, centro de Es-tudios constitucionales, 1996, p. 9, ss.

167 SOUTO, Marcos Juruena villela. Di-reito administrativo regulatório. Rio de Janeiro: lumen Iuris, p. 46.

168 Parte da doutrina compreende a fun-ção normativa como uma “delegação de poderes”. Ao examinar a função legi-ferante à luz da teoria da separação dos poderes, o constitucionalista Alexandre de Moraes acentua que as Agências Reguladoras poderão receber do Poder legislativo, por meio de lei de iniciativa do Poder Executivo, uma “delegação” para exercer seu poder normativo de regulação. Adverte, contudo, que com-pete ao congresso Nacional a fixação das finalidades, dos objetivos básicos e da estrutura das Agências, bem como a fiscalização de suas atividades. No ar-tigo intitulado “Agências reguladoras”, na obra coletiva de igual título sob a organização do Autor. (São Paulo: Atlas, 2002, p. 20). Também se referindo à função normativa das Agências Regula-doras como “delegação”, Tércio Sampaio Ferraz Júnior sustenta que com a cria-ção das Agências Reguladoras, ocorre “uma ostensiva delegação de poderes, quase-lesgislativos, outros quase-judi-ciais e outros quase-regulamentares”. Agências reguladoras: legalidade e constitucionalidade. Revista Tributária de Finanças Públicas, Rio de Janeiro, v. 35, p. 143-158, nov./dez. 2000. Floriano Peixoto de Azevedo Marques Neto utiliza a expressão “delegação de poderes” para as Agências Reguladoras pela lei de criação da entidade, confor-me nota de rodapé nº 48, do artigo A nova regulação estatal e as agências in-dependentes. In: SUNDFElD, carlos Ari (coord.). Direito administrativo econô-

ceiras, que mudam com a evolução tecnológica ou comercial; se a lei cuidasse de cada detalhe, estaria constantemente desatualizada e provo-caria a freqüente necessidade de movimentação do Poder Legislativo.167

Contudo, parte da doutrina sustenta que não se trata de “delegação”, haja vista que a função reguladora — incluindo parcela normativa — não com-pete originariamente ao Poder Legislativo.168 Se por um lado se admite como constitucional a função normativa prevista expressamente nas leis de criação das agências reguladoras,169 entende-se, por outro, que a função regulamentar de competência do presidente da República não se confunde com a função reguladora das agências reguladoras, que, em parte, se consubstancia na edi-ção de normas regulamentares.170

Nesse sentido, é valiosa a manifestação do mestre J.J. Gomes Canotilho que leciona: “A função de regulação (e de controle) de um determinado sec-tor (mercado de valores mobiliários, comunicação social, energia, água e re-síduos) atribuídas por lei a certas entidades independentes fará delas essen-cialmente autoridades reguladoras que estabelecem as regras e controlam a aplicação das normas. Fixar ‘regras reguladoras’ corresponde, tendencialmen-te, a regulamentar matérias no figurino clássico da administração pública”.171 Resta dizer, “regular” abrange outros institutos muito mais profundos do que a “regulamentação” de uma lei.

Nas palavras de Caio Tácito, a função regulamentar detida pelo chefe do Poder Executivo não é somente a de reproduzir analiticamente a lei, mas a de ampliá-la e completá-la, segundo o seu espírito e o seu conteúdo, sobretudo nos aspectos que a própria lei, expressa ou implicitamente, outorga à esfera regulamentar.172

Por outro lado, como assevera Marçal Justen Filho, a função regulatória (ou reguladora) visa realizar o gerenciamento dos múltiplos e antinômicos interesses da sociedade, se traduzindo “em restrições à autonomia privada para evitar que o exercício abusivo de certas prerrogativas ponha em risco a realização de outros valores”.173

Por isso que a competência normativa exercida pelas agências reguladoras, inserida no sistema de separação de poderes e considerando-se a proeminên-cia da instituição legislativa para a positivação das regras jurídicas, é incon-fundível com o “poder regulamentar” primário, de competência do chefe do Poder Executivo.174

Com isso, chega-se à seguinte distinção entre regulamentação e regulação apresentada por Diogo de Figueiredo Moreira Neto175: a regulamentação, é cometida a chefes de Estado ou Governo, é uma função política, que visa impor regras de caráter secundário em complementação às normas legais, com o objetivo de explicitá-las e dar-lhes execução. A regulação é uma função administrativa, que não decorre da prerrogativa do poder político, e sim, da

167. SOUTO, Marcos Juruena villela. Direito administrativo regu-latório. Rio de Janeiro: lumen Iuris, p. 46.

168. Parte da doutrina compreende a função normativa como uma “de-legação de poderes”. Ao examinar a função legiferante à luz da teoria da separação dos poderes, o constitucio-nalista Alexandre de Moraes acentua que as Agências Reguladoras poderão receber do Poder legislativo, por meio de lei de iniciativa do Poder Executivo, uma “delegação” para exercer seu po-der normativo de regulação. Adverte, contudo, que compete ao congresso Nacional a fixação das finalidades, dos objetivos básicos e da estrutura das Agências, bem como a fiscalização de suas atividades. No artigo intitulado “Agências reguladoras”, na obra cole-tiva de igual título sob a organização do Autor. (São Paulo: Atlas, 2002, p. 20). Também se referindo à função normativa das Agências Reguladoras como “delegação”, Tércio Sampaio Ferraz Júnior sustenta que com a cria-ção das Agências Reguladoras, ocorre “uma ostensiva delegação de poderes, quase-lesgislativos, outros quase-judi-ciais e outros quase-regulamentares”. Agências reguladoras: legalidade e constitucionalidade. Revista Tri-butária de Finanças públicas, Rio de Janeiro, v. 35, p. 143-158, nov./dez. 2000. Floriano Peixoto de Azevedo Marques Neto utiliza a expressão “de-legação de poderes” para as Agências Reguladoras pela lei de criação da entidade, conforme nota de rodapé nº 48, do artigo A nova regulação estatal e as agências independentes. In: SUN-DFElD, carlos Ari (coord.). Direito administrativo econômico. São Paulo: Malheiros, 2000, p. 93. Marçal Justen Filho inicialmente afirma que o instituto da delegação legislativa não se aplica ao tema em estudo. contudo, logo a diante, afirma que “pode se dar uma delegação normativa de cunho se-cundário”. O direito das agências reguladoras independentes. São Paulo: Dialética, 2002, pp. 512-513. Em sentido contrário - ao qual aderimos - denota Alexandre Santos de Aragão: “nestes casos, o que temos na realidade, é a execução pela Admi-nistração Pública da lei, que, contudo, deixou de estabelecer maiores deta-lhes sobre a matéria legislada, fixando apenas standards e finalidades gerais”. Agências reguladoras e a evo-lução do direito administrati-vo econômico., p. 411. leila cuéllar também não compartilha do entendi-mento de que se trata de delegação de “poder normativo” às Agências Regula-doras. (As agências reguladoras e seu poder normativo. São Pau-lo: Dialética, 2001, p. 116). No mesmo sentido, Romeu Felipe bacellar Filho (O poder normativo dos entes reguladores e a participação dos cidadãos nesta atividade. Serviços públicos e direitos fundamentais: os desafios da regulação na experiência brasileira. Revista de Direito Administrativo, Rio de Janeiro, v. 230, p. 153-162, out./dez. 2002, p. 160. Sobre a deslegalização (que tanto pode ocorrer pela exclusão legal de um comportamento a qual-quer tipo de regra ou pela substitui-ção do referencial normativo), e seu conceito oriundo da doutrina francesa, ver essa mesma obra na página 122, ss. Recomenda-se, ainda, sobre o tema da deslegalização no campo da sanção, a obra de Fábio Medina Osório. Direito administrativo sancionador. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2000, p. 215, ss.

169. A exemplo da lei criadora da ANvISA (lei nº 9782/1999): Art. 8º.  In-cumbe à Agência, respeitada a legisla-ção em vigor, regulamentar, controlar e fiscalizar os produtos e serviços que envolvam risco à saúde pública.

170. Ao comentar a função regulado-ra das Agências, José carlos Francisco afirma que: “a função reguladora abrangeria a função regulamentar (de fiel execução das leis)”. Agência regula-dora: atividade normativa. In: Direito da Regulação. Alexandre Santos de Aragão (coord.). Revista de Direito da Associação dos procurado-res do Novo estado do Rio de Janeiro. v. XI. Rio de Janeiro: lumen Juris, 2002, p. 129. Marcos Juruena villela Souto prefere a expressão “di-retrizes de cunho normativo”, para se referir a essa parcela da função regu-ladora. Direito administrativo regulatório. Rio de Janeiro: lumen Iuris, p. 46. Em sentido restritivo, Paulo césar Melo da cunha sustenta que “a natureza jurídica das Agências Regu-ladoras não lhes autoriza a prática de atos regulamentares, como observado da leitura de alguns pronunciamentos daqueles que se aplicaram ao estudo e se manifestaram sobre o assunto, eis que o papel da entidade regulató-ria se limita a editar atos normativos, implementá-los e a fiscalizar sua cor-reta aplicação”. A regulação jurídica da saúde suplementar no brasil. Rio de Ja-neiro: lumen Juris, 2003, pp. 141-142. A propósito, há possibilidade de susta-ção dos atos normativos das Agências Reguladoras pelo congresso Nacional, nos termos do art. 49, v, da cF.

171. cANOTIlHO, J. J. Gomes. Direi-to constitucional e Teoria da constituição. coimbra: Almedina, 1998, p. 818.

172. As delegações legislativas e o poder regulamentar. In: Temas de direito público, v. 1, Rio de Janeiro: Renovar, 1997, p. 510.

173. O direito das agências re-guladoras independentes. São Paulo: Dialética, 2002, p. 556.

174. Nesse sentido, cASTRO, carlos Roberto Siqueira. A constituição aberta e os direitos funda-mentais: ensaio sobre o cons-titucionalismo pós-moderno e comunitário. Rio de Janeiro: Foren-se, 2003, p. 213.

175. Direito regulatório..., cit., pp. 132-133. Nesse mesmo sentido, Marcos Juruena villela Souto afirma que enquanto a regulação é técnica, a regulamentação é política, havendo legitimidade eleitoral para tanto. O mesmo não ocorre na regulação, que se limita a implementar a decisão po-lítica. A regulação atende a interesses coletivos (setoriais), enquanto que a regulamentação a interesses públicos, gerais. Direito administrativo regulatório..., cit., p. 233.

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mico. São Paulo: Malheiros, 2000, p. 93. Marçal Justen Filho inicialmente afirma que o instituto da delegação legislativa não se aplica ao tema em estudo. con-tudo, logo a diante, afirma que “pode se dar uma delegação normativa de cunho secundário”. O direito das agências regu-ladoras independentes. São Paulo: Dia-lética, 2002, pp. 512-513. Em sentido contrário - ao qual aderimos - denota Alexandre Santos de Aragão: “nestes casos, o que temos na realidade, é a execução pela Administração Pública da lei, que, contudo, deixou de estabe-lecer maiores detalhes sobre a matéria legislada, fixando apenas standards e finalidades gerais”. Agências regulado-ras e a evolução do direito administrativo econômico., p. 411. leila cuéllar tam-bém não compartilha do entendimento de que se trata de delegação de “poder normativo” às Agências Reguladoras. (As agências reguladoras e seu poder normativo. São Paulo: Dialética, 2001, p. 116). No mesmo sentido, Romeu Fe-lipe bacellar Filho (O poder normativo dos entes reguladores e a participação dos cidadãos nesta atividade. Serviços públicos e direitos fundamentais: os desafios da regulação na experiência brasileira. Revista de Direito Administra-tivo, Rio de Janeiro, v. 230, p. 153-162, out./dez. 2002, p. 160. Sobre a desle-galização (que tanto pode ocorrer pela exclusão legal de um comportamento a qualquer tipo de regra ou pela substi-tuição do referencial normativo), e seu conceito oriundo da doutrina francesa, ver essa mesma obra na página 122, ss. Recomenda-se, ainda, sobre o tema da deslegalização no campo da sanção, a obra de Fábio Medina Osório. Direito administrativo sancionador. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2000, p. 215, ss.

169 A exemplo da lei criadora da ANvISA (lei nº 9782/1999): Art. 8º.  Incumbe à Agência, respeitada a legislação em vi-gor, regulamentar, controlar e fiscalizar os produtos e serviços que envolvam risco à saúde pública.

170 Ao comentar a função reguladora das Agências, José carlos Francisco afirma que: “a função reguladora abrangeria a função regulamentar (de fiel execução das leis)”. Agência regula-dora: atividade normativa. In: Direito da Regulação. Alexandre Santos de Aragão (coord.). Revista de Direito da Associa-ção dos Procuradores do Novo Estado do Rio de Janeiro. v. XI. Rio de Janeiro: lumen Juris, 2002, p. 129. Marcos Ju-ruena villela Souto prefere a expressão “diretrizes de cunho normativo”, para se referir a essa parcela da função regula-dora. Direito administrativo regulatório. Rio de Janeiro: lumen Iuris, p. 46. Em sentido restritivo, Paulo césar Melo da cunha sustenta que “a natureza jurídica das Agências Reguladoras não lhes au-toriza a prática de atos regulamentares, como observado da leitura de alguns

abertura da lei para que o agente regulador pondere, de forma neutra, os in-teresses concorrentes em conflitos setoriais, sejam eles potenciais ou efetivos.

O Superior Tribunal de Justiça já examinou e julgou a questão, tendo prevalecido a tese abaixo (MINISTRO LUIZ FUX — MARÇO/2006. STJ AGRG na MC 10443-PB):

LIMINAR E TELEFONIA. SERVIÇO PRÉ-PAGO. DEFESA AO CONSUMIDOR. LEGITIMAÇÃO DO MINISTÉRIO PÚBLI-CO. RECURSO ESPECIAL ADMITIDO. CAUTELAR E EFEITO SUSPENSIVO. FUMUS BONI IURIS E PERICULUM IN MORA PRESENTES. ATUAÇÃO CONFORME ATO DA AGÊNCIA RE-GULADORA. Vigente ato normativo da Agência Reguladora cujo escopo é regular o segmento, não podem os estabelecimentos regula-dos absorverem danos e punições pelo fato do cumprimento das regras maiores, posto engendrarem exercício regular do direito. Modificação ex abrupto dessas regras da Agência Reguladora por tutela provisória em liminar concedida em ação, acarreta periculum in mora, mercê de o fumus boni iuris repousar no cumprimento do ato da Agência. De-veras, somente a ausência de nulificação específica do ato da Agência autoriza o Judiciário e intervir no segmento, sob pena de invadir seara administrativa estranha ao Poder Judiciário. (Sergio Guerra in Contro-le Judicial dos Atos Regulatorios, Editora Lumem Juris, Jan⁄2005, pags. 355⁄369). Impossibilidade de atendimento técnico da decisão liminar, que configurou para o Relator periculum in mora inverso, máxime porque a adoção da providência contrária ao ato da ANATEL (art. 55 da Resolução 316⁄2002, e itens 4.6 e 4.6.1, da Norma 03⁄98).

Função executiva

As funções executivas, que incluem a fiscalização e a sanção, detidas pelas agências reguladoras, se assemelham às atribuições dos órgãos da administra-ção pública direta, no exercício do poder de polícia estatal.176 Por meio dessas funções, as agências reguladoras concedem, permitem e autorizam serviços e uso de bens públicos, expedem licenças, autorizam reajuste e revisão ordiná-ria e extraordinária de tarifas de serviços públicos para manter o equilíbrio econômico e financeiro das concessões.

Ademais disso, por meio das funções executivas, as agências reguladoras fiscali-zam o exercício das atividades econômicas, de modo à sua conformação aos parâ-metros dos atos que consentiram o ingresso dos agentes regulados no mercado.177

No exercício da regulação dos serviços públicos, a agência reguladora terá acesso aos dados relativos à administração, contabilidade, recursos técnicos,

176. Nas palavras de Marcos Juruena villela Souto, a regulação executiva se desenvolve, essencialmente, por meio de atos de consentimento de ingresso no mercado, mediante a concessão de licenças, autorizações e permissões. Essa função se opera, ainda, por meio de adjudicação do objeto de contratos administrativos de concessões e per-missões de serviços públicos, de uso de bens públicos ou do exercício de atividades econômicas relacionadas a bens ou serviços públicos. Destaca ainda o Autor que a regulação exe-cutiva se realiza por meio de atos de fiscalização da correta execução da atividade consentida ou contratada, nos limites estabelecidos na moldura regulatória, que envolve a constituição, lei, normas do órgão regulador e atos de consentimento ou de adjudicação. SOUTO, Marcos Juruena villela. Direi-to administrativo regulatório, p.57. Marçal Justen Filho retrata esse aspecto em sua obra sobre as Agências Reguladoras Independentes, anotando a desnecessidade de um estudo per-functório das funções executivas, eis que “ao desenvolver essas atividades, a agência estará desempenhando atu-ação muito similar àquele objeto de estudo no tocante às demais entidades da Administração indireta”. O direi-to das agências reguladoras independentes. São Paulo: Dialé-tica, 2002, p. 481. Diogo de Figueiredo Moreira Neto se refere ao tema como “funções administrativas”, exercidas em qualquer dos campos da administra-ção, tanto no campo da polícia admi-nistrativa, quanto no dos serviços pú-blicos, no do ordenamento econômico ou no do ordenamento social, inclusive no do fomento público, envolvendo, materialmente, desde atividades de planejamento às de gestão. Direito regulatório, p. 108.

177. Sobre as funções executivas das Agências Reguladoras, Alexandre Santos de Aragão deu destaque à competência fiscalizatória. Segundo o Autor, são poderes para aplicar sanções “decorrentes do descumprimento de preceitos legais, regulamentares ou contratuais pelos agentes econômicos regulados”. E complementa seu enten-dimento advertindo que a “aplicação de sanções deve estar apoiada em algum dispositivo legal, ainda que genérico, ficando a graduação e a especificação das penalidades a serem normatizadas pela agência”. Agências regula-doras e a evolução..., cit., p. 318.

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pronunciamentos daqueles que se aplicaram ao estudo e se manifestaram sobre o assunto, eis que o papel da entidade regulatória se limita a editar atos normativos, implementá-los e a fiscalizar sua correta aplicação”. A re-gulação jurídica da saúde suplementar no brasil. Rio de Janeiro: lumen Juris, 2003, pp. 141-142. A propósito, há possibilidade de sustação dos atos nor-mativos das Agências Reguladoras pelo congresso Nacional, nos termos do art. 49, v, da cF.

171 cANOTIlHO, J. J. Gomes. Direito Constitucional e Teoria da Constituição. coimbra: Almedina, 1998, p. 818.

172 As delegações legislativas e o po-der regulamentar. In: Temas de direito público, v. 1, Rio de Janeiro: Renovar, 1997, p. 510.

173 O direito das agências reguladoras independentes. São Paulo: Dialética, 2002, p. 556.

174 Nesse sentido, cASTRO, carlos Ro-berto Siqueira. A constituição aberta e os direitos fundamentais: ensaio sobre o constitucionalismo pós-moderno e comunitário. Rio de Janeiro: Forense, 2003, p. 213.

175 Direito regulatório..., cit., pp. 132-133. Nesse mesmo sentido, Marcos Juruena villela Souto afirma que enquanto a regulação é técnica, a regulamentação é política, havendo legitimidade eleitoral para tanto. O mesmo não ocorre na regulação, que se limita a implementar a decisão po-lítica. A regulação atende a interesses coletivos (setoriais), enquanto que a regulamentação a interesses públicos, gerais. Direito administrativo regulató-rio..., cit., p. 233.

176 Nas palavras de Marcos Juruena villela Souto, a regulação executiva se desenvolve, essencialmente, por meio de atos de consentimento de ingresso no mercado, mediante a concessão de licenças, autorizações e permissões. Essa função se opera, ainda, por meio de adjudicação do objeto de contratos administrativos de concessões e per-missões de serviços públicos, de uso de bens públicos ou do exercício de atividades econômicas relacionadas a bens ou serviços públicos. Destaca ainda o Autor que a regulação exe-cutiva se realiza por meio de atos de fiscalização da correta execução da atividade consentida ou contratada, nos limites estabelecidos na moldura regulatória, que envolve a constituição, lei, normas do órgão regulador e atos de consentimento ou de adjudicação. SOUTO, Marcos Juruena villela. Direito administrativo regulatório, p.57. Marçal Justen Filho retrata esse aspecto em sua obra sobre as Agências Reguladoras Independentes, anotando a desne-

econômicos e financeiros da concessionária.178 Nos casos de concessão de serviço público, malgrado a execução por conta e risco da concessionária, resta indisputável a necessidade de ser assegurada à Administração Pública (no caso, as agências reguladoras) a fiscalização das atividades desenvolvidas pela concessionária.

Como a Administração, pela concessão, não transfere a titularidade do serviço, mas apenas sua execução, ela tem que zelar pela fiel execu-ção do contrato. Dentro desse poder de direção e controle, insere-se (...) o poder de fiscalizar, de forma ampla, a execução do contrato.179

Em que pese esse direito de ter acesso e fiscalizar todas as atividades da concessionária, isso jamais poderá representar o “poder” sobre a gestão da companhia. Nesse sentido, diz Di Pietro com propriedade:

O exercício desse poder de direção e controle constitui um poder--dever da Administração, ao qual ela não pode furtar-se, sob pena de responsabilidade por omissão. Mas deve ser exercido dentro de limites razoáveis, não podendo a fiscalização fazer-se de tal modo que substitua a gestão da empresa. A Administração apenas fiscaliza. Ela não admi-nistra a execução do serviço.180

Marcos Juruena Villela Souto leciona que um importante instrumento de regulação executiva é a “interpretação regulatória”, haja vista que nem sempre a generalidade da lei ou de norma se adapta ao caso concreto. Desse modo, se impõe um juízo de equidade do agente regulador, de modo a atender à finalidade da norma, ponderando custos e benefícios.181

No que tange à função de solução de controvérsias detida pelas agências reguladoras, está voltada à solução de eventuais conflitos entre os diversos agentes regulados, entre esses agentes e os usuários/consumidores ou com o Poder Público (concedente, permitente ou autorizador). Contudo, essa atri-buição suscita controvérsias em sede doutrinária quanto a sua classificação ser ou não considerada uma função judicante, haja vista o papel desempenhado pelo Poder Judiciário em nosso ordenamento jurídico-constitucional.182

Marcos Juruena Villela Souto, admitindo a função judicante das agências reguladoras, denota que a diferença entre a função reguladora judicante e a função jurisdicional é que na grande maioria dos casos a função judicante do Poder Judiciário e da própria Administração é voltada para o passado, para as origens do problema e para a definição de quem errou e de quem foi víti-ma.183 Por outro lado, a função regulatória judicante é voltada para o futuro, impregnada de uma necessidade da interpretação prospectiva do julgador em vislumbrar quais são as prováveis conseqüências daquela decisão, que não

178. Nesse sentido, dispõe a lei nº 8.987/1995: Art. 30. No exercício da fiscalização, o poder concedente terá acesso aos dados relativos à adminis-tração, contabilidade, recursos técnicos, econômicos e financeiros da concessio-nária. Parágrafo único. A fiscalização do serviço será feita por intermédio de órgão técnico do poder concedente ou por entidade com ele conveniada, e, periodicamente, conforme previsto em norma regulamentar, por comissão composta de representantes do poder concedente, da concessionária e dos usuários.

179. DI PIETRO, Parcerias na adminis-tração pública. São Paulo: Atlas, p. 79.

180. Idem, p.80. Quanto à alteração do controle societário das concessionárias de serviços públicos, e a atuação e in-tervenção do poder concedente, ver o artigo de Arnold Wald (Da competência das agências reguladoras para intervir na mudança do controle das empresas concessionárias. Revista de Direito Ad-ministrativo. Rio de Janeiro, v. 229, p. 27-43, jul./set. 2002).

181. conforme texto gentilmente cedido pelo Autor, de suas palestras proferidas no Auditório do Superior Tribunal de Justiça no dia 24 de junho de 2002, no Seminário organizado pelo Instituto brasileiro do Petróleo e pelo Sindicato das Indústrias Distribuidoras de combustíveis, e no Encontro de Integração promovido pela Agência Nacional de Saúde Suplementar — ANS, no dia 10 de julho de 2002, no Rio de Janeiro, parcialmente vertido para o idioma francês, para apresentação como Professor visitante na Universida-de de Poitiers — França.

182. Para João bosco leopoldino da Fonseca essas atribuições não são con-sideradas judicantes, pois as Agências Reguladoras “são organismos públicos (a lei brasileira as caracteriza como au-tarquias especiais), desprovidos de po-der jurisdicional. Elas não têm, diferen-temente do que a lei concede ao cADE, no brasil, o poder judicante”. Direito econômico. Rio de Janeiro: Forense, 2002, p. 261. carlos Ari Sundfeld, ape-sar de hesitar na admissão da função judicante pela Agência Reguladora, no exercício de um papel que compete ao Poder Judiciário, acaba admitindo que o Judiciário não é capaz de conhecer todos os conflitos surgidos em decor-rência da vida cotidiana, “e das normas editadas para transformar em valores jurídicos os novos valores que foram sendo incorporados pela sociedade”. SUNDFElD, carlos Ari. Introdução às agências reguladoras. In: Direito Administrativo econômico. São Paulo: Malheiros, 2000., p. 31. Arnold Wald e luíza Rangel de Moraes sustentam, de forma temperada, que “considerando o grau de independên-cia que deve ter a agência, é admissível conceber que possa, eventualmente, ter uma competência quase judicial”. E advertem que seria preciso que se constituísse no âmbito da mesma uma “câmara Especial”, que, não sendo do-tada de competência administrativa, esteja apta a julgar os conflitos entre o poder concedente e o concessionário. Para esses Autores tal solução se consti-tuiria na organização de uma forma de contencioso administrativo, funcionan-do, em relação às concessões, como os conselhos de contribuintes atuam em matérias fiscais, ou como o conselho de Recursos do Sistema Financeiro Na-cional no tocante à área bancária, sem prejuízo da posterior apreciação pelo Poder Judiciário de qualquer lesão de direito. Agências reguladoras. Revista de Informação Legislativa, bra-sília, v.141, p. 143-171, jan./mar. 1999.

183. Função regulatória. In: Direito empresarial público. Marcos Ju-ruena villela Souto e carla c. Marshall (Orgs.). Rio de Janeiro: lumen Juris, 2002, p. 27.

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cessidade de um estudo perfunctório das funções executivas, eis que “ao desenvolver essas atividades, a agência estará desempenhando atuação muito similar àquele objeto de estudo no tocante às demais entidades da Admi-nistração indireta”. O direito das agên-cias reguladoras independentes. São Paulo: Dialética, 2002, p. 481. Diogo de Figueiredo Moreira Neto se refere ao tema como “funções administrativas”, exercidas em qualquer dos campos da administração, tanto no campo da polícia administrativa, quanto no dos serviços públicos, no do ordenamento econômico ou no do ordenamento so-cial, inclusive no do fomento público, envolvendo, materialmente, desde ati-vidades de planejamento às de gestão. Direito regulatório, p. 108.

177 Sobre as funções executivas das Agências Reguladoras, Alexandre Santos de Aragão deu destaque à competência fiscalizatória. Segundo o Autor, são poderes para aplicar sanções “decorrentes do descumprimento de preceitos legais, regulamentares ou contratuais pelos agentes econômicos regulados”. E complementa seu enten-dimento advertindo que a “aplicação de sanções deve estar apoiada em algum dispositivo legal, ainda que genérico, ficando a graduação e a especificação das penalidades a serem normatizadas pela agência”. Agências reguladoras e a evolução..., cit., p. 318.

178 Nesse sentido, dispõe a lei nº 8.987/1995: Art. 30. No exercício da fiscalização, o poder concedente terá acesso aos dados relativos à adminis-tração, contabilidade, recursos técnicos, econômicos e financeiros da concessio-nária. Parágrafo único. A fiscalização do serviço será feita por intermédio de órgão técnico do poder concedente ou por entidade com ele conveniada, e, periodicamente, conforme previsto em norma regulamentar, por comissão composta de representantes do poder concedente, da concessionária e dos usuários.

179 DI PIETRO, Parcerias na administração pública. São Paulo: Atlas, p. 79.

180 Idem, p.80. Quanto à alteração do controle societário das concessionárias de serviços públicos, e a atuação e in-tervenção do poder concedente, ver o artigo de Arnold Wald (Da competência das agências reguladoras para intervir na mudança do controle das empresas concessionárias. Revista de Direito Ad-ministrativo. Rio de Janeiro, v. 229, p. 27-43, jul./set. 2002).

181 conforme texto gentilmente cedido pelo Autor, de suas palestras proferidas no Auditório do Superior Tribunal de Justiça no dia 24 de junho de 2002, no Seminário organizado pelo Instituto brasileiro do Petróleo e pelo Sindicato

envolve apenas as partes envolvidas, mas todo o mercado que vai sofrer com a relação custo/benefício. E conclui que as agências reguladoras têm compe-tência judicante, pois essas entidades autárquicas têm por objetivo a solução de conflitos entre os agentes, buscando o equilíbrio entre os envolvidos.184

Por essa função judicante a agência reguladora deve buscar a promoção da competição e, onde houver, a livre concorrência, a não discriminação, a utilização eficiente e o incremento de investimentos em infra-estrutura voltada para a exploração das atividades econômicas e dos serviços públi-cos, viabilizando que as informações sejam fornecidas de forma precisa, sem criar dificuldades ao acesso de outros interessados pela sua ausência ou insuficiência.185

Desse modo, pode-se inferir, com aqueles doutrinadores que sustentam a legalidade e a legitimidade do exercício da função judicante pelas agências reguladoras, que somente as entidades tecnicamente preparadas e dotadas de todas as informações e mecanismos para regular um subsistema econômico ou social têm condições de visualizar todo o cenário que envolve uma decisão isolada diante do caso concreto.

Esse aspecto prospectivo da decisão que visa por fim a conflitos entre agentes regulados, ou até mesmo entre o Poder Público e os consumidores, tem reais condições de ponderar e estabelecer um efetivo equilíbrio entre os diversos interesses em presença.

A título exemplificativo, destaca-se no capítulo VII, da Lei nº 9.478/1997, que trata do transporte de petróleo, seus derivados e gás natural, que à Agên-cia Nacional de Petróleo — ANP foi atribuída competência para fixar o valor e a forma de pagamento da remuneração ao proprietário dos dutos de trans-porte, caso não haja acordo entre este e outros interessados em transportar seus produtos nesses mesmos dutos.186

No art. 153, §2o, da Lei nº 9.472/1997187, foi conferida função à Agência Nacional de Telecomunicações — ANATEL que a permite deliberar acerca das condições para interconexão de redes entre os interessados, caso não haja acordo entre os mesmos.

Tem-se, ainda, a previsão legal (Lei nº 9.427/1996, art. 3o,V)188 para que a Agência Nacional de Energia Elétrica — ANEEL delibere acerca das di-vergências nos conflitos entre concessionárias, permissionárias, autorizadas, produtores independentes e autoprodutores, bem como entre esses agentes e seus consumidores.

Algumas leis de criação das agências reguladoras dispõem sobre a previsão da solução de controvérsias entre os agentes regulados no âmbito da função reguladora judicante.189

A título exemplificativo, a Lei nº 9.478, de 6 de agosto de 1997, que dispõe sobre a criação da Agência Nacional de Petróleo — ANP, prevê que o contrato de concessão para as atividades de exploração, desenvolvimento

184. Idem.

185. Idem, p.7. Nesse mesmo sentido, Alexandre Santos de Aragão sustenta que a função julgadora das Agências Reguladoras não é, a exemplo do que se dá quando exercida pelo Poder Judiciário, voltada para o passado. Ao contrário, há um marcante caráter prospectivo de realização de políticas públicas cuja implementação lhes incumbe. Destaca, ainda, que mais do que visar a composição de determina-do conflito entre as partes envolvidas, objetiva precipuamente a composição dos conflitos entre subsistemas seto-riais. Agências reguladoras e a evolução..., cit., pp. 318-319. Para Manoel Gonçalves Ferreira Filho, as Agências Reguladoras gozam de poder judicante pois “têm atribuições que se estendem ao contencioso, porque estão habilitadas a dirimir litígios, seja os que envolvam empresas que exerçam atividade por ela controlada, seja entre estas e os usuários do serviço”. curso de direito constitucional. 28a ed. SP: Saraiva, 2002, p. 141. Em idên-tico sentido, Marçal Justen Filho aduz que “se pode conceber a intervenção da agência reguladora para composi-ção de conflitos de interesses — sejam aqueles derivados de relações entre Estado e particular, sejam os que com-portem controvérsias apenas entre par-ticulares”. O direito das agências reguladoras independentes. São Paulo: Dialética, 2002, p. 555.

186. bRASIl. lei n. 9.478, 06 de agosto de 1997. Art. 56. Observadas as dispo-sições das leis pertinentes, qualquer empresa ou consórcio de empresas que atender ao disposto no art. 5° poderá receber autorização da ANP para cons-truir instalações e efetuar qualquer modalidade de transporte de petróleo, seus derivados e gás natural, seja para suprimento interno ou para importação e exportação. Parágrafo único. A ANP baixará normas sobre a habilitação dos interessados e as condições para a autorização e para transferência de sua titularidade, observado o atendimento aos requisitos de proteção ambiental e segurança de tráfego. Art. 57. No pra-zo de cento e oitenta dias, a partir da publicação desta lei, a PETRObRÁS e as demais empresas proprietárias de equi-pamentos e instalações de transporte marítimo e dutoviário receberão da ANP as respectivas autorizações, ratifi-cando sua titularidade e seus direitos. Parágrafo único. As autorizações referi-das neste artigo observarão as normas de que trata o parágrafo único do artigo anterior, quanto à transferência da titu-laridade e à ampliação da capacidade das instalações. Art. 58. Facultar-se-á a qualquer interessado o uso dos dutos de transporte e dos terminais maríti-mos existentes ou a serem construídos, mediante remuneração adequada ao titular das instalações. § 1º A ANP fixa-rá o valor e a forma de pagamento da remuneração adequada, caso não haja acordo entre as partes, cabendo-lhe também verificar se o valor acordado é compatível com o mercado. § 2º A ANP regulará a preferência a ser atri-buída ao proprietário das instalações para movimentação de seus próprios produtos, com o objetivo de promover a máxima utilização da capacidade de transporte pelos meios disponíveis. Art. 59. Os dutos de transferência serão reclassificados pela ANP como dutos de transporte, caso haja comprovado interesse de terceiros em sua utilização, observadas as disposições aplicáveis deste capítulo.

187. bRASIl. lei n. 9.472, de 16 de ju-lho de 1997. Art. 153. As condições para a interconexão de redes serão objeto de livre negociação entre os interessados, mediante acordo, observado o disposto nesta lei e nos termos da regulamenta-ção. § 1° O acordo será formalizado por contrato, cuja eficácia dependerá de homologação pela Agência, arquivan-do-se uma de suas vias na biblioteca para consulta por qualquer interessado. § 2° Não havendo acordo entre os inte-ressados, a Agência, por provocação de um deles, arbitrará as condições para a interconexão.

188. bRASIl. lei nº 9427, 26 de de-zembro de 1996. Art. 3o Além das incumbências prescritas nos arts. 29 e 30 da lei no 8.987, de 13 de fevereiro de 1995, aplicáveis aos serviços de energia elétrica, compete especial-mente à ANEEl: v - dirimir, no âmbito administrativo, as divergências entre concessionárias, permissionárias, au-torizadas, produtores independentes e autoprodutores, bem como entre esses agentes e seus consumidores.

189. Diogo de Figueiredo Moreira Neto denota que a previsão dessas ativida-des administrativas judicantes nas leis de criação das Agências Reguladoras representa um importante passo do Direito Administrativo brasileiro, haja vista que ultrapassa rapidamente as objeções que durante muito tempo impediam o desenvolvimento das formas alternativas de composição de conflitos. In: Novos institutos consen-suais da ação administrativa. Revista de Direito Administrativo, Rio de Janeiro, v.231, p.129-156, jan./mar. 2003.

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REGUlAçãO E SERvIçOS PúblIcOS

FGv DIREITO RIO 123

das Indústrias Distribuidoras de com-bustíveis, e no Encontro de Integração promovido pela Agência Nacional de Saúde Suplementar — ANS, no dia 10 de julho de 2002, no Rio de Janei-ro, parcialmente vertido para o idioma francês, para apresentação como Professor visitante na Universidade de Poitiers — França.

182 Para João bosco leopoldino da Fonseca essas atribuições não são con-sideradas judicantes, pois as Agências Reguladoras “são organismos públicos (a lei brasileira as caracteriza como autarquias especiais), desprovidos de poder jurisdicional. Elas não têm, diferentemente do que a lei concede ao cADE, no brasil, o poder judicante”. Direito econômico. Rio de Janeiro: Fo-rense, 2002, p. 261. carlos Ari Sundfeld, apesar de hesitar na admissão da fun-ção judicante pela Agência Reguladora, no exercício de um papel que compete ao Poder Judiciário, acaba admitindo que o Judiciário não é capaz de co-nhecer todos os conflitos surgidos em decorrência da vida cotidiana, “e das normas editadas para transformar em valores jurídicos os novos valores que foram sendo incorporados pela socie-dade”. SUNDFElD, carlos Ari. Introdu-ção às agências reguladoras. In: Direito Administrativo Econômico. São Paulo: Malheiros, 2000., p. 31. Arnold Wald e luíza Rangel de Moraes sustentam, de forma temperada, que “considerando o grau de independência que deve ter a agência, é admissível conceber que possa, eventualmente, ter uma compe-tência quase judicial”. E advertem que seria preciso que se constituísse no âm-bito da mesma uma “câmara Especial”, que, não sendo dotada de competência administrativa, esteja apta a julgar os conflitos entre o poder concedente e o concessionário. Para esses Autores tal solução se constituiria na organização de uma forma de contencioso admi-nistrativo, funcionando, em relação às concessões, como os conselhos de con-tribuintes atuam em matérias fiscais, ou como o conselho de Recursos do Sistema Financeiro Nacional no tocante à área bancária, sem prejuízo da pos-terior apreciação pelo Poder Judiciário de qualquer lesão de direito. Agências reguladoras. Revista de Informação Legislativa, brasília, v.141, p. 143-171, jan./mar. 1999.

183 Função regulatória. In: Direito em-presarial público. Marcos Juruena villela Souto e carla c. Marshall (Orgs.). Rio de Janeiro: lumen Juris, 2002, p. 27.

184 Idem.

185 Idem, p.7. Nesse mesmo sentido, Alexandre Santos de Aragão sustenta que a função julgadora das Agências Reguladoras não é, a exemplo do que se dá quando exercida pelo Poder Judiciário, voltada para o passado.

e produção de petróleo e gás natural deverão conter “regras sobre solução de controvérsias, relacionadas com o contrato e sua execução, inclusive a conci-liação e arbitragem” (art. 43, X).

Do mesmo modo, a Lei nº 9.472, de 16 de julho de 1997, que criou a Agência Nacional de Telecomunicações — ANATEL, dispõe no seu art. 93, inciso XV, que o contrato de concessão deverá conter “o modo para solução extrajudicial das divergências contratuais”.190

É de notar-se que a conciliação é um meio de solução de conflitos onde o conciliador não decide o conflito, mas age para facilitar, sugerindo, inclusive, a forma de acordo entre as partes. Na solução de conflito por meio da con-ciliação não se leva em conta decisões anteriores, mas somente os interesses das partes.

Por sua vez, a mediação é um instrumento de resolução de conflitos por meio do qual as partes se aproximam para alcançar tal intento. A aproxima-ção das partes em conflito é feita por intermédio da agência reguladora, que deverá estar em posição de neutralidade.

Como leciona Marcos Juruena Villela Souto, o recurso à mediação por agente neutro é fundamental, pois o mediador intervém na pesquisa de solu-ções, no favorecimento de trocas construtivas, estimulando as comunicações e no enquadramento das negociações, determinando e explicando as regras procedimentais, resguardando a observância das normas regulatórias.191

Assim, pode-se dizer que as principais diferenças entre mediação e conci-liação consistem na forma de atuação da agência reguladora, haja vista que na mediação ela apenas é uma facilitadora, ao passo que na conciliação ela interfere no acordo e estimula os agentes regulados a se comporem.

Tem-se, ainda, como forma de resolução de conflito o instituto da arbi-tragem. Na arbitragem, a intervenção da agência reguladora, com poderes decisórios, consistirá no julgamento do conflito entre os agentes regulados, exarando e impondo uma decisão, contra a qual não caberá recurso. A arbi-tragem não se limita, como nas fases de conciliação ou mediação, a oferecer alternativas às partes para os conflitos, mas sim decidir sobre o problema e impor a solução. Com efeito, quando é instituída, a arbitragem torna-se obrigatória entre os agentes regulados, não podendo estes rediscutir o assun-to. Dessa forma, a diferença fundamental entre a mediação e a conciliação, de um lado, e a arbitragem, de outro, encontra-se na autoridade conferida à agência reguladora para decidir o conflito e impor a solução às partes, sendo que na mediação/conciliação a decisão é das partes, que podem, ou não, chegar a um acordo.

Diogo de Figueiredo Moreira Neto leciona que as funções judicantes po-dem ser exercidas sob diferentes modalidades, todas com características não jurisdicionais (como o são as atividades de conciliação, de mediação e até de arbitramento de interesses em conflito).192 E conclui que não existindo um

190. A lei de concessões de serviços públicos (lei nº 8.987/95) estabelece no seu art. 23 que uma das cláusulas essenciais do contrato de concessão deve estabelecer o foro e ao modo amigável de solução das divergências contratuais (inciso Xv).

191. Direito administrativo re-gulatório. Rio de Janeiro: Renovar, p. 61.

192. Prossegue o Autor, ao expor seu pensamento sobre a arbitragem: “Para executar as tarefas próprias, sob o re-gime administrativo, o Poder Público, no caso, as agências reguladoras, não prescinde do acesso aos mais diversos bens e serviços produzidos pelo mer-cado, o que o obriga a atuar também sob o regime privado para obtê-los, ou seja, sem recorrer à coerção, um expediente que nem sempre é jurídica ou politicamente admissível ou, ainda, politicamente aconselhável”. Direito regulatório..., cit., p. 109. Alexandre Freitas câmara discorda da possibilida-de das Agências Reguladoras atuarem como cortes arbitrais. “O motivo dessa absoluta impossibilidade é, em verda-de, bastante simples: a arbitragem é, por definição, uma atividade que se desenvolve à margem do Estado. É um método paraestatal (ou não-estatal) de composição de conflitos. É da própria natureza da arbitragem a sua incom-patibilidade com a atuação do Estado (através de qualquer de seus órgãos) como corte arbitral”. Arbitragem nos contratos envolvendo agências regu-ladoras. In: Direito da Regulação. Re-vista de Direito da Associação dos procuradores do Novo es-tado do Rio de Janeiro. Alexan-dre Santos de Aragão (coord.) v. XI. Rio de Janeiro: lumen Juris, 2002, p. 154.

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Ao contrário, há um marcante caráter prospectivo de realização de políticas públicas cuja implementação lhes incumbe. Destaca, ainda, que mais do que visar a composição de determinado conflito entre as partes envolvidas, ob-jetiva precipuamente a composição dos conflitos entre subsistemas setoriais. Agências reguladoras e a evolução..., cit., pp. 318-319. Para Manoel Gonçal-ves Ferreira Filho, as Agências Regula-doras gozam de poder judicante pois “têm atribuições que se estendem ao contencioso, porque estão habilitadas a dirimir litígios, seja os que envolvam empresas que exerçam atividade por ela controlada, seja entre estas e os usuários do serviço”. Curso de direito constitucional. 28a ed. SP: Saraiva, 2002, p. 141. Em idêntico sentido, Mar-çal Justen Filho aduz que “se pode con-ceber a intervenção da agência regula-dora para composição de conflitos de interesses — sejam aqueles derivados de relações entre Estado e particular, sejam os que comportem controvérsias apenas entre particulares”. O direito das agências reguladoras independentes. São Paulo: Dialética, 2002, p. 555.

186 bRASIl. lei n. 9.478, 06 de agosto de 1997. Art. 56. Observadas as dispo-sições das leis pertinentes, qualquer empresa ou consórcio de empresas que atender ao disposto no art. 5° po-derá receber autorização da ANP para construir instalações e efetuar qualquer modalidade de transporte de petróleo, seus derivados e gás natural, seja para suprimento interno ou para importa-ção e exportação. Parágrafo único. A ANP baixará normas sobre a habilitação dos interessados e as condições para a autorização e para transferência de sua titularidade, observado o atendimento aos requisitos de proteção ambiental e segurança de tráfego. Art. 57. No prazo de cento e oitenta dias, a partir da publicação desta lei, a PETRObRÁS e as demais empresas proprietárias de equipamentos e instalações de trans-porte marítimo e dutoviário receberão da ANP as respectivas autorizações, ratificando sua titularidade e seus di-reitos. Parágrafo único. As autorizações referidas neste artigo observarão as normas de que trata o parágrafo único do artigo anterior, quanto à transfe-rência da titularidade e à ampliação da capacidade das instalações. Art. 58. Facultar-se-á a qualquer interessado o uso dos dutos de transporte e dos ter-minais marítimos existentes ou a serem construídos, mediante remuneração adequada ao titular das instalações. § 1º A ANP fixará o valor e a forma de pagamento da remuneração ade-quada, caso não haja acordo entre as partes, cabendo-lhe também verificar se o valor acordado é compatível com o mercado. § 2º A ANP regulará a pre-ferência a ser atribuída ao proprietário das instalações para movimentação de

interesse público específico legalmente predefinido, todos os interesses em conflito ou potencialmente conflitivos admitem ser legitimamente pondera-dos e até negociados, o que patenteia a existência de uma ampla disponibili-dade relativa para o exercício judicativo extrajudicial da função reguladora.193

Contudo, a possibilidade de imposição, pelas agências reguladoras, de um juízo arbitral regulatório para a solução de conflitos com os agentes regulados não é tema livre de polêmicas.

Marcos Juruena Villela Souto distingue a arbitragem comercial — que não se submete à revisão judicial — e a arbitragem regulatória, que resulta de um ato administrativo regulatório. Nas palavras do próprio Autor:

Há quem não reconheça a competência para a arbitragem regulató-ria. Isto porque, no Direito brasileiro (Lei nº 9.307, de 23/09/96), a arbitragem comercial exige um prévio compromisso arbitral, pelo qual as partes acordam que qualquer conflito seja solucionado por um ár-bitro. Entretanto, a arbitragem comercial, que trata de interesses dis-poníveis, não se confunde com a arbitragem regulatória (que lida com os interesses de uma coletividade afetada pelo conflito) em razão de os comandos da Lei de Arbitragem não se aplicarem aos segmentos regu-lados, salvo, por analogia, na parte procedimental. Não há qualquer violação ao Princípio da Autonomia da Vontade. Quem adere a um segmento regulado se compromete a cumprir e a se submeter a todo o ordenamento jurídico setorial que orienta o seu funcionamento, que tem implícito o poder da agência reguladora baixar normas estabele-cendo limitações à liberdade do contratado, interferindo nas relações entre fornecedores e entre fornecedor e consumidor. Este contrato relacional vai ser constantemente fiscalizado e atualizado por normas emanadas da agência reguladora, e os conflitos vão ser, possivelmente, solucionados pela via arbitral regulatória também. Todo esse contexto integra o marco regulatório, ao qual o regulado voluntariamente adere ao pleitear um consentimento de polícia ou ao firmar um contrato com a Administração. A tanto não é obrigado, mas integrando o segmento, por decisão própria, deve se submeter a todas as regras que orientam o seu funcionamento.” 194

A esse respeito, Alexandre Santos de Aragão sustenta que diante da indis-ponibilidade dos interesses tutelados pelas agências reguladoras, a adoção da arbitragem só será possível se houver autorização legal. No caso das agências reguladoras de serviços públicos, essa autorização está atendida pela parte fi-nal do inciso XV do art. 23 e pelo art. 23-A da Lei nº 8.987/1995, que prevê como cláusula obrigatória dos contratos de concessão o estabelecimento do modo amigável de solução das divergências contratuais.195

193. Idem, p. 111.

194. conforme texto gentilmente ce-dido pelo Autor, em trabalho de cunho doutrinário ainda não publicado (ver nota de rodapé nº 134). ver, ainda, seu Direito administrativo regu-latório..., cit., pp. 63-65. Em sentido contrário, lúcia valle Figueiredo, In-tervenção do Estado no domínio eco-nômico e breves considerações sobre as agências reguladoras, Revista de Direito público da economia, v. 2, abri/jun 2003, p. 270.

195. Agências reguladoras e a evolução..., cit., p. 319. O Autor também expôs seu pensamento no artigo intitulado “Serviços públicos e concorrência”, publicado na Revista de Direito público da econo-mia — RDpe, belo Horizonte, n. 2, p. 59-123, abr./mai./jun. 2003, notada-mente nas pp. 118-123, onde colhemos o seguinte trecho: “A matéria é comple-xa e pode contemplar diversos pontos de vista. Entendemos que, se de fato a legislação tivesse imposto essas restri-ções de acesso ao Poder Judiciário, seria inconstitucional. Não se aplicariam as justificativas que legitimam que a ar-bitragem em geral exclua a apreciação substancial das matérias pelo Poder Ju-diciário, já que in casu inexistiria o com-promisso arbitral voluntário prévio”. Para uma análise aprofundada sobre o tema, recomenda-se a leitura do artigo do publicista Diogo de Figueiredo Mo-reira Neto, intitulado “Arbitragem nos contratos administrativos”, em sua obra Mutações do direito adminis-trativo, p. 221.

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FGv DIREITO RIO 125

seus próprios produtos, com o objetivo de promover a máxima utilização da capacidade de transporte pelos meios disponíveis. Art. 59. Os dutos de trans-ferência serão reclassificados pela ANP como dutos de transporte, caso haja comprovado interesse de terceiros em sua utilização, observadas as disposi-ções aplicáveis deste capítulo.

187 bRASIl. lei n. 9.472, de 16 de julho de 1997. Art. 153. As condições para a interconexão de redes serão objeto de livre negociação entre os interessados, mediante acordo, observado o disposto nesta lei e nos termos da regulamenta-ção. § 1° O acordo será formalizado por contrato, cuja eficácia dependerá de homologação pela Agência, arquivan-do-se uma de suas vias na biblioteca para consulta por qualquer interessado. § 2° Não havendo acordo entre os inte-ressados, a Agência, por provocação de um deles, arbitrará as condições para a interconexão.

188 bRASIl. lei nº 9427, 26 de dezembro de 1996. Art. 3o Além das incumbên-cias prescritas nos arts. 29 e 30 da lei no 8.987, de 13 de fevereiro de 1995, aplicáveis aos serviços de energia elé-trica, compete especialmente à ANEEl: v - dirimir, no âmbito administrativo, as divergências entre concessionárias, permissionárias, autorizadas, produto-res independentes e autoprodutores, bem como entre esses agentes e seus consumidores.

189 Diogo de Figueiredo Moreira Neto denota que a previsão dessas ativida-des administrativas judicantes nas leis de criação das Agências Reguladoras representa um importante passo do Direito Administrativo brasileiro, haja vista que ultrapassa rapidamente as objeções que durante muito tempo im-pediam o desenvolvimento das formas alternativas de composição de confli-tos. In: Novos institutos consensuais da ação administrativa. Revista de Direito Administrativo, Rio de Janeiro, v.231, p.129-156, jan./mar. 2003.

190 A lei de concessões de serviços pú-blicos (lei nº 8.987/95) estabelece no seu art. 23 que uma das cláusulas es-senciais do contrato de concessão deve estabelecer o foro e ao modo amigável de solução das divergências contratuais (inciso Xv).

191 Direito administrativo regulatório. Rio de Janeiro: Renovar, p. 61.

192 Prossegue o Autor, ao expor seu pensamento sobre a arbitragem: “Para executar as tarefas próprias, sob o re-gime administrativo, o Poder Público, no caso, as agências reguladoras, não prescinde do acesso aos mais diversos bens e serviços produzidos pelo mer-cado, o que o obriga a atuar também sob o regime privado para obtê-los,

v. RecuRsOs/MATeRIAIs uTILIZADOs

Leitura obrigatória

GUERRA, Sergio. Controle judicial dos atos regulatórios. Rio de Janeiro: Lu-men Iuris, 2004, pp. 92 a 98; 125 a 140.

Leitura complementar

ARAGÃO, Alexandre Santos de (coord.) O poder normativo das agências re-guladoras. Rio de Janeiro: Forense, 2006.

MARQUES NETO, Floriano de Azevedo. Agências reguladoras independentes — fundamentos e seu regime jurídico. Belo Horizonte: Fórum, 2006.

SOUTO, Marcos Juruena Villela. Direito administrativo regulatório. 2a ed. Rio de Janeiro: Lumen Iuris, 2005, pp. 25 a 72.

vI. AvALIAçãO

caso gerador

Um grupo norte-americano de telecomunicações decidiu que seria uma boa oportunidade para seus negócios ingressar no mercado brasileiro para prestar serviços de telecomunicações.

Tendo analisado a Lei Geral de Telecomunicações e a estrutura regulatória do setor, o grupo decide participar do mercado e se sagra vencedor em um procedimento licitatório, tornando-se o principal acionista de uma conces-sionária de serviços de telefonia fixa comutada (STFC).

Para a definição das tarifas que podem ser cobradas pela concessionária, a ANATEL possui uma resolução que dispõe sobre a definição de “área local”. A definição da área local é de capital importância, pois identifica as áreas en-tre as quais é admitida a cobrança de DDD — Discagem Direta a Distância, com tarifa diferenciada. Dentro de cada região, somente pode ser cobrada a tarifa local. A concessionária iniciou suas operações seguindo a cobrança das tarifas de acordo com a resolução da ANATEL.

Todavia, o Ministério Público ajuizou ação civil pública porque a conces-sionária tem exigido o pagamento de DDD entre pessoas domiciliadas na mesma região metropolitana; por vezes, dentro de um mesmo município.

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REGUlAçãO E SERvIçOS PúblIcOS

FGv DIREITO RIO 126

ou seja, sem recorrer à coerção, um expediente que nem sempre é jurídica ou politicamente admissível ou, ainda, politicamente aconselhável”. Direito regulatório..., cit., p. 109. Alexandre Freitas câmara discorda da possibilida-de das Agências Reguladoras atuarem como cortes arbitrais. “O motivo dessa absoluta impossibilidade é, em verda-de, bastante simples: a arbitragem é, por definição, uma atividade que se desenvolve à margem do Estado. É um método paraestatal (ou não-estatal) de composição de conflitos. É da própria natureza da arbitragem a sua incom-patibilidade com a atuação do Estado (através de qualquer de seus órgãos) como corte arbitral”. Arbitragem nos contratos envolvendo agências regula-doras. In: Direito da Regulação. Revista de Direito da Associação dos Procura-dores do Novo Estado do Rio de Janeiro. Alexandre Santos de Aragão (coord.) v. XI. Rio de Janeiro: lumen Juris, 2002, p. 154.

193 Idem, p. 111.

194 conforme texto gentilmente cedido pelo Autor, em trabalho de cunho dou-trinário ainda não publicado (ver nota de rodapé nº 134). ver, ainda, seu Direi-to administrativo regulatório..., cit., pp. 63-65. Em sentido contrário, lúcia valle Figueiredo, Intervenção do Estado no domínio econômico e breves conside-rações sobre as agências reguladoras, Revista de Direito Público da Economia, v. 2, abri/jun 2003, p. 270.

195 Agências reguladoras e a evolução..., cit., p. 319. O Autor também expôs seu pensamento no artigo intitulado “Serviços públicos e concorrência”, publicado na Revista de Direito Público da Economia — RDPE, belo Horizonte, n. 2, p. 59-123, abr./mai./jun. 2003, notadamente nas pp. 118-123, onde colhemos o seguinte trecho: “A matéria é complexa e pode contemplar diversos pontos de vista. Entendemos que, se de fato a legislação tivesse imposto essas restrições de acesso ao Poder Judiciário, seria inconstitucional. Não se aplica-riam as justificativas que legitimam que a arbitragem em geral exclua a apreciação substancial das matérias pelo Poder Judiciário, já que in casu inexistiria o compromisso arbitral vo-luntário prévio”. Para uma análise apro-fundada sobre o tema, recomenda-se a leitura do artigo do publicista Diogo de Figueiredo Moreira Neto, intitulado “Arbitragem nos contratos administra-tivos”, em sua obra Mutações do direito administrativo, p. 221.

Caso você seja membro do Ministério Público, que argumentos embasam sua petição inicial?

Como advogado da concessionária, que argumentos você utilizaria para sustentar a validade da cobrança de DDD?

Na qualidade de juiz, como você resolveria a controvérsia?

vII. cONcLusãO DA AuLA

Nessa aula foram estudados os poderes e funções exercidas pelas agências reguladoras: poder normativo, poder de fiscalização, poder de sanção, poder de conciliação, poder de resolução de controvérsias e poder de recomenda-ção, aos quais se remetem as definições acima apresentadas.

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REGUlAçãO E SERvIçOS PúblIcOS

FGv DIREITO RIO 127

unIdade v: Controle dos atos admInIstratIvos

aula 15

I. TeMA

Controle do ato administrativo I: controle no âmbito do Executivo. Anu-lação e revogação do ato administrativo. Recurso hierárquico e recurso hie-rárquico impróprio.

II. AssuNTO

Controle dos atos administrativos

III. OBJeTIvOs especÍFIcOs

Discutir as formas de controle dos atos praticados pelos órgãos e entida-des da Administração Pública no âmbito do Poder Executivo. Com relação às entidades integrantes da Administração indireta, discutir especialmente o cabimento de recurso hierárquico impróprio.

Iv. DeseNvOLvIMeNTO MeTODOLÓgIcO

Em um Estado Democrático de Direito, mostra-se primordial que os atos de uma entidade administrativa sejam passíveis de controle externo, isto é, por outras autoridades que não aquela que exarou o ato.

No âmbito administrativo, o “controle”, ou melhor, a “reconsideração” pelo próprio órgão que exarou o ato é sempre possível, sendo facultado à Ad-ministração revê-lo, em caso de conveniência e oportunidade, respeitados os direitos adquiridos, e tendo mesmo o dever de fazê-lo em caso de ilegalidade. Nesse sentido, mostra-se pacífico o entendimento da jurisprudência, confor-me se observa do enunciado 473 da Súmula do Supremo Tribunal Federal:

Súmula 473, STF — A administração pode anular seus próprios atos, quando eivados de vícios que os tornam ilegais, porque deles não se originam direitos; ou revogá-los, por conveniência e oportunidade, respeitados os direitos adquiridos e ressalvada, em todos os casos, a apreciação judicial.

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REGUlAçãO E SERvIçOS PúblIcOS

FGv DIREITO RIO 128

196 MOREIRA NETO, Diogo. Curso de direito administrativo. 14a ed. Rio de Janeiro: Forense, 2006, p. 104.

197 ARAGãO, Alexandre Santos de. Agên-cias reguladoras e a evolução do direito administrativo econômico. 2a ed. Rio de Janeiro: Forense, 2003, pp. 348-350.

Além disso, como regra geral, a Administração Pública organiza-se de for-ma hierárquica, podendo o cidadão, por conseguinte, recorrer contra determi-nada decisão ao ente hierarquicamente superior. Sobre o princípio da hierar-quia na Administração Pública, observa Diogo de Figueiredo Moreira Neto:

Este princípio diz respeito, assim, à coordenação e à subordinação desses entes, órgãos e agentes entre si e à distribuição escalonada das respectivas funções, com o objetivo de estabelecer uma sequência de autoridade progressiva, de modo a harmonizar esforços, ordenar atua-ções, fiscalizar atividades e corrigir irregularidades.

O princípio hierárquico, de natureza instrumental, é, por esse mo-tivo, notadamente essencial à disciplina da ação dos agentes da admi-nistração pública, que são os elementos humanos envolvidos, integran-do-se com institutos dos campos da responsabilidade, da teoria das nulidades e da sanatória dos atos administrativos.196

No entanto, as entidades da Administração não se relacionam com o Po-der Executivo central a partir de uma relação de subordinação, não havendo, nesses casos, que se falar em hierarquia. É o caso, por exemplo, das agências reguladoras, razão pela qual a doutrina discute se, relativamente a essas enti-dades não-subordinadas, caberia recurso contra seus atos ao Poder Executivo Central (o chamado “recurso hierárquico impróprio”).

Em princípio, a ausência de subordinação hierárquica das agências ao che-fe do Poder Executivo se apresenta incompatível com o fato de se admitir a possibilidade de os administrados recorrerem a esse último em caso de dis-cordância de uma decisão da agência. Cumpre lembrar, a esse respeito, que as agências reguladoras apresentam natureza jurídica de autarquias especiais, possuindo personalidade jurídica, receita e patrimônio próprios, dirigentes com mandato, e autonomia face ao Ministério a que se vinculam 197. De fato, a relação entre a agência reguladora e o Ministério é de mera vinculação, e não de subordinação. Partindo das características de autonomia e ausência de subordinação, é possível defender ser a sua natureza incompatível com a possibilidade de recurso de suas decisões ao ministro de Estado.

Dessa forma, para uma correta aproximação do problema, torna-se neces-sário compreender a amplitude do direito ao recurso na esfera administrativa, e compatibilizá-lo com a autonomia inerente às agências.

Por um lado, pode-se defender que a garantia constitucional do recurso na esfera administrativa é observada com a mera previsão de recursos admi-nistrativos interna corporis, como, por exemplo, o recurso contra uma decisão monocrática à diretoria colegiada da agência. Além disso, a jurisprudência do Supremo Tribunal Federal tem conferido interpretação restritiva ao art.

196. MOREIRA NETO, Diogo. curso de direito administrativo. 14a ed. Rio de Janeiro: Forense, 2006, p. 104.

197. ARAGãO, Alexandre Santos de. Agências reguladoras e a evolução do direito adminis-trativo econômico. 2a ed. Rio de Janeiro: Forense, 2003, pp. 348-350.

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FGv DIREITO RIO 129

198 veja-se, a respeito, manifestação do ministro Octávio Gallotti: “Sr. Pre-sidente, também entendo que não há direito constitucional ao duplo grau de jurisdição, seja na via administrativa, seja na via judicial e, por esse motivo, a lei, ao criar um recurso que poderia não instituir, pode submetê-lo à exi-gência de depósito, ficando a ampla defesa assegurada quanto à decisão de primeira instância”. (voto do ministro Octávio Gallotti no Recurso Extraordi-nário nº 210.246-6/GO, proferido em 21.11.19970).

199 Agências reguladoras e a evolução do direito administrativo econômico. 2a ed. Rio de Janeiro: Forense, 2003, p. 346 e ss.

200 GUERRA, Sérgio. Controle judicial dos atos regulatórios. Rio de Janeiro: lúmen Iuris, 2005, p. 256. ver, ainda, desse au-tor: Agências reguladoras e supervisão ministerial. In O poder normativo das agências reguladoras. Alexandre San-tos de Aragão (coord.) Rio de Janeiro: Forense, 2006.

201 Ob. cit., pp. 257 e 258.

5º, LV, da Constituição, no que tange ao recurso na esfera administrativa, atribuindo ao dispositivo constitucional um significado próximo a uma exi-gência de “meios” ou “instrumentos” necessários à ampla defesa, mas não propriamente de um duplo grau de jurisdição na esfera administrativa.198

Assim, para essa corrente, a natureza jurídica das agências se apresenta incompatível com a possibilidade de recurso ao chefe do Poder Executivo ou aos ministros de Estado, mencionando-se, dentre as razões para tal recusa, (i) ausência de previsão legal, sendo que, à luz do princípio da legalidade estrita (art. 37, caput, da CF/88), a autoridade administrativa somente pode agir em havendo atribuição conferida por lei; (ii) a exigência do art. 5º, LV, da Cons-tituição Federal encontrar-se-ia atendida pelos recursos internos à própria agência previstos nas leis que as instituíram; e (iii) admitir a possibilidade de recurso tornaria a estabilidade dos dirigentes conferida mediante mandato — justamente para torná-los insuscetíveis a pressões políticas — inócua. 199

Por outro lado, admitindo a possibilidade de recurso hierárquico impró-prio em determinadas circunstâncias excepcionais, especialmente em caso de flagrante usurpação de competência, manifesta-se Sérgio Guerra:

a provocação de instâncias executivas superiores não é apenas direito dos administrados, mas torna-se também imperativo caso se pretenda observar o esgotamento das instâncias administrativas antes de sujeitar a questão ao Poder Judiciário.200

Entretanto, para o autor, essa possibilidade de recurso não se apresenta ilimitada, pois que há de ser compatibilizada com a autonomia inerente às agências. Dessa forma, não é toda e qualquer matéria decidida pela agência que pode ser objeto de revisão pelo chefe do Poder Executivo. Como regra geral, quando realizadas dentro da sua esfera de competências, atos executi-vos, normativos ou judicantes das agências encontram-se imunes à revisão na esfera administrativa, sendo, no entanto:

plausível inferir ser cabível o recurso hierárquico impróprio contra as decisões do órgão máximo das Agências Reguladoras quando delibera-rem acerca de temas exclusivamente relacionados às políticas públicas do setor regulado, em flagrante usurpação de competência do Poder Legislativo e do Poder Executivo, aí estando incluída a esfera ministe-rial com supedâneo no art. 76 da Constituição da República.201

A visão acima descrita se encontra baseada no art. 76 da Constituição, segundo o qual:

198. veja-se, a respeito, manifestação do ministro Octávio Gallotti: “Sr. Pre-sidente, também entendo que não há direito constitucional ao duplo grau de jurisdição, seja na via administrativa, seja na via judicial e, por esse motivo, a lei, ao criar um recurso que poderia não instituir, pode submetê-lo à exi-gência de depósito, ficando a ampla defesa assegurada quanto à decisão de primeira instância”. (voto do ministro Octávio Gallotti no Recurso Extraordi-nário nº 210.246-6/GO, proferido em 21.11.19970).

199. Agências reguladoras e a evolução do direito adminis-trativo econômico. 2a ed. Rio de Janeiro: Forense, 2003, p. 346 e ss.

200. GUERRA, Sérgio. controle judicial dos atos regulatórios. Rio de Janeiro: lúmen Iuris, 2005, p. 256. ver, ainda, desse autor: Agências reguladoras e supervisão ministerial. In O poder normativo das agên-cias reguladoras. Alexandre San-tos de Aragão (coord.) Rio de Janeiro: Forense, 2006.

201. Ob. cit., pp. 257 e 258.

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FGv DIREITO RIO 130

Art. 76. O Poder Executivo é exercido pelo Presidente da República, auxiliado pelos Ministros de Estado.

O art. 84, II, da Constituição Federal, por sua vez, dispõe competir pri-vativamente ao presidente da República a direção superior da administração federal, com o auxílio dos ministros de Estado.

Em síntese, é com fulcro nos supracitados dispositivos constitucionais, que conferem ao presidente da República competência genérica de supervisão da administração federal, que essa vertente doutrinária sustenta a possibilidade de, quando uma decisão de agência reguladora for proferida em usurpação de competência privativa do chefe do Poder Executivo (como no caso da definição de políticas públicas), o ministro de Estado a que esteja vinculada a agência possa conhecer de recurso interposto pelo administrado que se jul-gar prejudicado. Explica-se a denominação recurso hierárquico “impróprio” pela ausência de subordinação entre a entidade que expediu a decisão ou ato questionado e a autoridade revisora.

v. RecuRsOs/MATeRIAIs uTILIZADOs

Leitura obrigatória

Parecer nº AGU/MS 04/2006 e Despacho do Consultor Geral da União nº 438/06 (Anexo a presente apostila)

Leitura complementar

GUERRA, Sérgio. Agências reguladoras e supervisão ministerial. In ARA-GÃO, Alexandre Santos de. O poder normativo das agências reguladoras. Rio de Janeiro: Forense, 2006.

JUSTEN FILHO, Marçal. O direito das agências reguladoras independentes. São Paulo: Dialética, 2002, pp. 584 a 593.

SOUTO, Marcos Juruena Villela. Direito administrativo regulatório. 2a ed. Rio de Janeiro: Lumen Iuris, 2005, pp. 349 a 383.

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FGv DIREITO RIO 131

vI. AvALIAçãO

caso gerador

A Agência Nacional de Transportes Aquaviários, no exercício de sua com-petência fiscalizatória, receou que estivesse havendo prática anticoncorrencial relativamente à cobrança de taxa praticada pelos terminais alfandegados so-bre a movimentação e entrega de contêineres destinados a terminais retroal-fandegados do Porto de Salvador.

Em razão dessa suspeita, a ANTAQ exarou ato administrativo, consistente na remessa de ofício contendo suas considerações sobre o tema ao Conse-lho Administrativo de Defesa Econômica — CADE, autarquia federal com competência para decidir administrativamente sobre infrações à Ordem Eco-nômica, para que essa adotasse as providências cabíveis na sua esfera de atri-buições.

Inconformada, uma das empresas investigadas recorreu ao Ministro dos Transportes, solicitando-lhe que anulasse o ato da agência reguladora que determinou o envio da questão ao CADE. A esse respeito, pergunta-se:

Deve o Ministro dos Transportes conhecer e julgar o recurso apresentado?Quais são as correntes existentes sobre o poder de revisão do Poder Execu-

tivo central sobre os atos das agências reguladoras?Por que, para a parcela da doutrina que admite a possibilidade de proposi-

tura de referido recurso, esse é denominado “recurso hierárquico impróprio”?Ainda que se admita essa possibilidade, quais seriam os limites da revisão

a ser exercida pelos membros do Poder Executivo central?

vII. cONcLusãO DA AuLA

Os atos da Administração Pública, a despeito de gozarem de presunção de legalidade, estão sujeitos a controle administrativo, sendo dever da Admi-nistração Pública anular seus próprios atos, quando eivados de vícios que os tornam ilegais, porque deles não se originam direitos; ou revogá-los, por con-veniência e oportunidade, respeitados os direitos adquiridos e ressalvada, em todos os casos, a apreciação judicial, nos termos da Súmula 473 do Supremo Tribunal Federal.

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FGv DIREITO RIO 132

aula 16

I. TeMA

Controle do ato administrativo II: Controle pelo Poder Legislativo, pelo Tribunal de Contas e pelo Ministério Público.

II. AssuNTO

Controle do ato administrativo

III. OBJeTIvOs especÍFIcOs

Apresentar o controle dos atos da administração pública pelo Poder Legis-lativo e pelo Tribunal de Contas, e discutir os limites desse poder de revisão.

Iv. DeseNvOLvIMeNTO MeTODOLÓgIcO

O controle parlamentar

Nos termos do art. 49, X, da Constituição Federal, compete exclusiva-mente ao Congresso Nacional fiscalizar e controlar, diretamente, ou por qualquer de suas Casas, os atos do Poder Executivo, incluídos os da adminis-tração indireta.

Merece também menção, o inciso V desse mesmo dispositivo constitucio-nal, segundo o qual incumbe ao Congresso Nacional “sustar os atos normati-vos do Poder Executivo que exorbitem do poder regulamentar ou dos limites de delegação legislativa”.

Quanto à extensão das matérias que podem ser objeto de controle pelo Congresso Nacional, observa Marçal Justen Filho, tratando especificamente dos atos das agências reguladoras:

O controle parlamentar pode versar, de modo ilimitado, sobre toda a atividade desempenhada pela agência, inclusive no tocante àquela prevista para realizar-se em épocas futuras — ressalvada a necessidade de sigilo em face das características da matéria regulada. Poderá ques-tionar-se não apenas a gestão interna da agência, mas também se exigir a justificativa para as decisões de cunho regulatório. Caberá fiscalizar

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FGv DIREITO RIO 133

202 JUSTEN FIlHO, Marçal. O direito das agências reguladoras independentes. São Paulo: Dialética, 2002, p. 588.

inclusive o processo administrativo que antecedeu a decisão regulatória produzida pela agência, com ampla exigência de informações sobre as justificativas técnico-científicas das opções adotadas.202

O controle pelo Tribunal de contas

A Administração Pública tem suas contas, atos e contratos submetidos ao controle do Congresso Nacional. Nesse sentido expressamente dispõe o art. 70, caput, da Constituição Federal:

Art. 70. A fiscalização contábil, financeira, orçamentária, operacio-nal e patrimonial da União e das entidades da administração direta e indireta, quanto à legalidade, legitimidade, economicidade, aplicação das subvenções e renúncia de receitas, será exercida pelo Congresso Nacional, mediante controle externo, e pelo controle interno de cada poder.

O art. 71 da Constituição, por sua vez, determina que, no exercício do controle externo, o Congresso Nacional será auxiliado pelo Tribunal de Con-tas da União, nos seguintes termos:

Art. 71. O controle externo, a cargo do Congresso Nacional, será exercido com o auxílio do Tribunal de Contas da União, ao qual com-pete:...

II — julgar as contas dos administradores e demais responsáveis por dinheiros, bens e valores públicos da administração direta e indireta, incluídas as fundações e sociedades instituídas pelo Poder Público fe-deral, e as contas daqueles que derem causa a perda, extravio ou outra irregularidade de que resulte prejuízo ao erário público;

III — apreciar, para fins de registro, a legalidade dos atos de admis-são de pessoal, a qualquer título, na administração direta e indireta, incluídas as fundações instituídas e mantidas pelo Poder Público, ex-cetuadas as nomeações para cargo de provimento em comissão, bem como a das concessões de aposentadoria, reformas e pensões, ressalva-das as melhorias posteriores que não alterem o fundamento legal do ato concessório (...)

VIII — aplicar aos responsáveis, em caso de ilegalidade de despesa ou irregularidade de contas, as sanções previstas em lei, que estabelecerá, entre outras cominações, multa proporcional ao dano causado ao erário;

IX — assinar prazo para que o órgão ou entidade adote as providên-cias necessárias ao exato cumprimento da lei, se verificada a ilegalidade;

202. JUSTEN FIlHO, Marçal. O direito das agências reguladoras in-dependentes. São Paulo: Dialética, 2002, p. 588.

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FGv DIREITO RIO 134

203 com relação aos órgãos e entidades da Administração Pública estadual, tal competência é exercida pelos Tribunais de contas dos Estados. Especificamente com relação aos municípios, por um lado, ainda são poucos os municípios que instituíram agências reguladoras. Por outro, a constituição Federal de 1988 proibiu a criação de novos tribu-nais de contas municipais, mantendo, todavia, em funcionamento aqueles em vigor anteriormente à sua promul-gação. Assim, em municípios onde não houver Tribunal de contas, as agências municipais deverão prestar contas ao Tribunal de contas estadual. veja-se, a esse respeito, o disposto no art. 75 da constituição Federal: “As normas esta-belecidas nesta seção aplicam-se, no que couber, à organização, composição e fiscalização dos Tribunais de contas dos Estados e do Distrito Federal, bem como dos Tribunais e conselhos de contas dos Municípios.” vide, ainda, art. 37, §4º, da cF/88: “É vedada a criação de Tribunais, conselhos ou órgãos de contas Municipais.”

204 A ASEP era a antiga Agência Regula-dora dos Serviços Públicos concedidos do Estado do Rio de Janeiro, substitu-ída nas suas funções pela AGETRANSP — Agência Reguladora de Serviços Públicos concedidos de Transportes Aquaviários, Ferroviários, Metroviários e de Rodovias do Estado do Rio de Janeiro e pela AGENERSA — Agência Reguladora de Energia e Saneamento básico do Estado do Rio de Janeiro.

205 ARAGãO, Alexandre Santos de. Agên-cias reguladoras e a evolução do direito administrativo econômico. 2a ed. Rio de Janeiro: Forense, 2003, p. 340.

X — sustar, se não atendido, a execução do ato impugnado, comu-nicando a decisão à Câmara dos Deputados e ao Senado Federal;(...)

§1º. No caso de contrato, o ato de sustação será adotado direta-mente pelo Congresso Nacional, que solicitará, de imediato, ao Poder Executivo as medidas cabíveis.

§2º. Se o Congresso Nacional ou o Poder Executivo, no prazo de noventa dias, não efetivar as medidas previstas no parágrafo anterior, o Tribunal decidirá a respeito. (...)

Dessa forma, por força de expressa previsão constitucional, a Administra-ção Pública federal direta e indireta submete-se ao controle externo do Con-gresso Nacional, auxiliado pelo Tribunal de Contas da União, cuja natureza jurídica, portanto, é de órgão auxiliar do Poder Legislativo. Exerce, assim, atividade eminentemente administrativa de cunho fiscalizatório.203

Um tema que merece análise mais cuidadosa diz respeito à necessidade de todos os atos e decisões das entidades da Administração Pública indire-ta (como as autarquias, sociedades de economia mista e empresas públicas) submeterem-se ao controle do Tribunal de Contas, ou se somente aqueles nos quais se observa um efeito direto sobre dispêndio de verbas públicas subordinam-se a tal revisão.

Tal questão se desdobra na controvérsia, por exemplo, sobre terem os Tri-bunais de Contas competência para controlar “atos de regulação”, tais como reajustes tarifários ou decisões sobre reequilíbrio econômico-financeiro de contrato de concessão. O assunto é apresentado por Alexandre Santos de Aragão nos seguintes termos:

Considerando que tais atos não implicam em gasto de verba pú-blica, isto é, que não geram despesas a serem arcadas pelo Estado, não eclodindo, consequentemente, o pressuposto do controle pelo Tribunal de Contas (art. 7, CF), Luís Roberto Barroso sustentou (...) que “não pode o Tribunal de Contas questionar decisões político-administrativas da ASEP-RJ204 nem tampouco requisitar planilhas e relatórios expedi-dos pela Agência ou por concessionário, que especifiquem fiscalização e procedimentos adotados na execução contratual”.

Posição diversa é a sustentada por Mauro Roberto Gomes de Matos, que afirma, com fulcro no art. 71, VIII, que “o ato administrativo que defere o aumento de tarifa se inclui no enredo constitucional de contas públicas, visto que mesmo ela sendo paga pelo usuário do serviço, é cobrada mediante a prestação de um serviço público outorgado pelo Estado”.205

203. com relação aos órgãos e en-tidades da Administração Pública estadual, tal competência é exercida pelos Tribunais de contas dos Estados. Especificamente com relação aos mu-nicípios, por um lado, ainda são poucos os municípios que instituíram agências reguladoras. Por outro, a constituição Federal de 1988 proibiu a criação de novos tribunais de contas municipais, mantendo, todavia, em funcionamento aqueles em vigor anteriormente à sua promulgação. Assim, em municípios onde não houver Tribunal de contas, as agências municipais deverão prestar contas ao Tribunal de contas estadual. veja-se, a esse respeito, o disposto no art. 75 da constituição Federal: “As normas estabelecidas nesta seção apli-cam-se, no que couber, à organização, composição e fiscalização dos Tribunais de contas dos Estados e do Distrito Federal, bem como dos Tribunais e con-selhos de contas dos Municípios.” vide, ainda, art. 37, §4º, da cF/88: “É vedada a criação de Tribunais, conselhos ou ór-gãos de contas Municipais.”

204. A ASEP era a antiga Agência Reguladora dos Serviços Públicos concedidos do Estado do Rio de Janei-ro, substituída nas suas funções pela AGETRANSP — Agência Reguladora de Serviços Públicos concedidos de Transportes Aquaviários, Ferroviários, Metroviários e de Rodovias do Estado do Rio de Janeiro e pela AGENERSA — Agência Reguladora de Energia e Saneamento básico do Estado do Rio de Janeiro.

205. ARAGãO, Alexandre Santos de. Agências reguladoras e a evolução do direito adminis-trativo econômico. 2a ed. Rio de Janeiro: Forense, 2003, p. 340.

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FGv DIREITO RIO 135

206 A Instrução Normativa TcU nº 27, de 07.12.1998, dispõe sobre a fiscalização, pelo Tribunal de contas da União, dos processos de desestatização. A Instru-ção Normativa nº 43, de 10.07.2002, dispõe sobre o acompanhamento, pelo Tribunal de contas da União, dos pro-cessos de revisão tarifária periódica dos contratos de concessão dos serviços de distribuição de energia elétrica.

Apesar da controvérsia, os Tribunais de Contas não têm se furtado ao exer-cício de ampla competência revisional em matéria regulatória, cujos limites, em todo caso, pautam-se necessariamente pelos princípios constitucionais já acima aduzidos.

Cumpre ressaltar, ainda, que o TCU exarou atos normativos especifica-mente para reger a sua fiscalização sobre os processos de desestatização e so-bre os processos de revisão tarifária periódica das distribuidoras de energia elétrica.206

O controle pelo Ministério público

Nos termos da Constituição Federal, o Ministério Público é instituição permanente, essencial à função jurisdicional do Estado, incumbindo-lhe a defesa da ordem jurídica, do regime democrático e dos interesses sociais e individuais indisponíveis. Nesse sentido, são princípios institucionais do Mi-nistério Público a unidade, a indivisibilidade e a independência funcional.

Competem ao Ministério Público atribuições muito amplas, abertas, haja vista o uso de conceitos jurídicos indeterminados no texto constitucional, a saber:

a) zelar pelo efetivo respeito dos Poderes Públicos e dos serviços de relevância pública aos direitos assegurados nesta Constituição, pro-movendo as medidas necessárias a sua garantia;

b) promover o inquérito civil e a ação civil pública, para a proteção do patrimônio público e social, do meio ambiente e de outros interes-ses difusos e coletivos.

Desse modo, e à luz dessa competência atribuída pela Carta Magna, o Ministério Público vem agindo em diversos assuntos submetidos à regulação estatal de serviços públicos e atividades econômicas. Algumas das medidas adotadas pelo Ministério traz riscos sistêmicos, conforme será discutido na aula sobre controle judicial dos atos administrativos.

v. RecuRsOs/MATeRIAIs uTILIZADOs

Leitura obrigatória

CARVALHO FILHO, José dos Santos. Manual de direito administrativo. São Paulo: Atlas, itens:

• ControledaAdministraçãoPúblicao Controle legislativo

206. A Instrução Normativa TcU nº 27, de 07.12.1998, dispõe sobre a fiscaliza-ção, pelo Tribunal de contas da União, dos processos de desestatização. A Ins-trução Normativa nº 43, de 10.07.2002, dispõe sobre o acompanhamento, pelo Tribunal de contas da União, dos pro-cessos de revisão tarifária periódica dos contratos de concessão dos serviços de distribuição de energia elétrica.

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FGv DIREITO RIO 136

Leitura complementar

JUSTEN FILHO, Marçal. O direito das agências reguladoras independentes. São Paulo: Dialética, 2002, pp. 584 a 593.

SOUTO, Marcos Juruena Villela. Direito administrativo regulatório. 2a ed. Rio de Janeiro: Lumen Iuris, 2005, pp. 349 a 383.

vI. AvALIAçãO

caso gerador 1

Em 2011, uma resolução da ANVISA proibiu a fabricação, importação, exportação, manipulação, prescrição e o comércio de remédios com as subs-tâncias femproporex, anfepramona e mazindol na fórmula (anfetaminas), utilizadas no controle da obesidade. No entanto, importante ala da sociedade sustenta que referida proibição prejudica as pessoas que sofrem com obesida-de, especialmente com a obesidade mórbida. O tema foi objeto de debate no Senado Federal e, em seguida, na Câmara. O Poder Legislativo pode tomar alguma iniciativa no intuito de controlar o ato praticado pela ANVISA, que não seja o exercício do seu poder de legislar?

caso gerador 2

A Agência Nacional de Telecomunicações fez publicar edital de licitação para outorga de faixas de frequência do serviço de provimento de acesso à internet banda larga sem fio. No edital, a ANATEL proibiu que a concessio-nária incumbente de telefonia fixa local participasse da referida licitação na região em que fosse titular da concessão.

O Ministério das Comunicações discordou desse posicionamento, ma-nifestando-se publicamente contra a restrição que, a seu ver, restringiria de forma desnecessária os potenciais licitantes.

Em defesa da restrição, a ANATEL alega que as concessionárias locais, por serem titulares da exploração da infraestrutura local e já operarem o serviço de banda larga por de linha telefônica (ADSL), encontram-se em posição fa-vorecida face às demais licitantes, e poderiam realizar concorrência predatória às entrantes.

Conforme visto, o Tribunal de Contas da União possui competência para acompanhar os processos de licitação realizados pelas entidades da adminis-

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REGUlAçãO E SERvIçOS PúblIcOS

FGv DIREITO RIO 137

tração pública indireta, como as agências reguladoras. Entretanto, discute-se qual o limite de intervenção do TCU nesses processos.

No caso em comento, o TCU determinou a suspensão da licitação a fim de que a ANATEL prestasse informações sobre o modelo escolhido para as outorgas, e as razões pelas quais as concessionárias de telefonia fixa local fo-ram impedidas de participar.

Considerando os fatos acima narrados, tem o TCU competência para de-terminar a suspensão da licitação?

vII. cONcLusãO DA AuLA

Em atenção ao controle entre os Poderes integrantes da República, os atos administrativos são sujeitos também ao controle do Poder Legislativo, nos termos do art. 49, V e X, da Constituição Federal, e do Tribunal de Contas, nos termos do art. 70 da Constituição Federal. Também os atos administra-tivos submetem-se ao crivo do Poder Judiciário, revisão essa, no entanto, que deve ser consistente com o princípio da separação dos poderes.

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FGv DIREITO RIO 138

aula 17

I. TeMA

Controle dos atos administrativos

II. AssuNTO

Controle dos atos administrativos pelo Poder Judiciário.

III. OBJeTIvOs especÍFIcOs

Discutir o âmbito e os limites de revisão, pelo Poder Judiciário, dos atos administrativos.

Iv. DeseNvOLvIMeNTO MeTODOLÓgIcO

O controle judicial dos atos administrativos

Conforme visto na matéria Atividades e Atos Administrativos, a amplitu-de do controle do Poder Judiciário sobre os atos da administração mostra-se questão profundamente controversa.

A sujeição desses atos ao controle do Poder Judiciário não é questionada, em razão do princípio da jurisdição una ou da inafastabilidade do conheci-mento de lesão a direito pelo Poder Judiciário, expressamente disposto no art. 5º, XXXV, da Constituição Federal:

Art. 5º (...)XXXV — A lei não excluirá da apreciação do Poder Judiciário lesão

ou ameaça a direito.

Ampla discussão emerge, no entanto, quanto aos limites desse controle.De fato, classicamente se entendia que o Poder Judiciário não pode aden-

trar o mérito de escolhas discricionárias da Administração, uma vez que a competência para o exercício do juízo de conveniência e oportunidade in-cumbe à Administração Pública — e não ao Poder Judiciário. Nesse sentido, manifesta-se Hely Lopes Meirelles: “quanto ao objeto do controle, (...) há de ser unicamente a legalidade, sendo-lhe vedado pronunciar-se sobre conveni-

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FGv DIREITO RIO 139

207 MEIREllES, Hely lopes. Direito admi-nistrativo brasileiro. 24a ed. São Paulo: Malheiros, 1999, p. 633

208 GUERRA, Sérgio. Controle judicial dos atos regulatórios. Rio de Janeiro: lumen Iuris, 2005, pp. 271-272.

209 JUSTEN FIlHO, Marçal. O direito das agências reguladoras independentes. São Paulo: Dialética, 2002, p. 590, grifou-se.

ência, oportunidade ou eficiência do ato em exame, ou seja, sobre o mérito administrativo”.207

Sobre a necessidade de o Poder Judiciário respeitar o âmbito de discricio-nariedade dos entes administrativos, expõe Sérgio Guerra, no âmbito dos atos regulatórios:

o excesso da atuação jurisdicional sobre as decisões administrativas traz consigo a controvérsia acerca das decisões de agentes públicos, demo-craticamente eleitos ou não, pelos juízes. (...) Se o julgador alterar um ato administrativo regulatório, que envolve, fundamentalmente, a elei-ção discricionária dos meios técnicos necessários para o alcance dos fins e interesses setoriais — despido das pressões políticas comumente sofridas pelos representantes escolhidos pelo sufrágio —, esse magis-trado, na maioria das vezes, poderá, por uma só penada, afetar toda a harmonia e equilíbrio de um subsistema regulado.208

No mesmo sentido, veja-se Marçal Justen Filho:

Insista-se em que o ato produzido pela agência, ainda quando apto a produzir efeitos abstratos e gerais, continua a se qualificar como ato ad-ministrativo. Trata-se de uma manifestação de discricionariedade, que demanda exame e qualificação pelo Judiciário segundo os princípios gerais vigentes. Isso significa que o exercício de competências vincula-das comporta ampla investigação pelo Judiciário. Mesmo no tocante à discricionariedade é possível cogitar da fiscalização jurisdicional. O controle jurisdicional não pode invadir aquele núcleo de autonomia decisória inerente à discricionariedade. (...) O Judiciário pode verificar se a autoridade administrativa adotou todas as providências necessá-rias ao desempenho satisfatório de uma competência discricionária. É possível invalidar a decisão administrativa quando se evidencie ter sido adotada sem as cautelas necessárias, impostas pelo conhecimento técnico-científico.209

Portanto, o Poder Judiciário não tem competência revisora sobre o exercí-cio da competência discricionária da Administração, desde que exercida nos limites da atribuição que lhe tenha sido legalmente atribuída e respeitados os princípios constitucionais regedores da atividade administrativa. Não se pode negar que a Administração — direta ou indireta — possui um nú-cleo de competências discricionárias, sobre as quais pode exercer um juízo de conveniência e oportunidade, e sobre o qual o Poder Judiciário não possui competência revisora. Conforme observa Sergio Guerra, “a Administração é livre para eleger, dentro do amplo espaço que em cada caso lhe permite a lei

207. MEIREllES, Hely lopes. Direito administrativo brasileiro. 24a ed. São Paulo: Malheiros, 1999, p. 633

208. GUERRA, Sérgio. controle judicial dos atos regulatórios. Rio de Janeiro: lumen Iuris, 2005, pp. 271-272.

209. JUSTEN FIlHO, Marçal. O direito das agências reguladoras in-dependentes. São Paulo: Dialética, 2002, p. 590, grifou-se.

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FGv DIREITO RIO 140

210 GUERRA, Sergio. “Atualidades sobre o controle judicial dos atos regulatórios”. In: lANDAU, Elena (org.). Regulação jurídica no setor elétrico. Rio de Janeiro: lumen Iuris, 2006, p. 174.

e o Direito, as razões (jurídicas, econômicas, sociais, técnicas, ambientais), a curto, médio e longo prazo, que servem de suporte a suas decisões”210. Essa constitui uma diferença intrínseca para o papel desempenhado pelo Poder Judiciário, que considera, em suas razões de decidir, unicamente questões jurídicas.

Veja-se, a título ilustrativo, a seguinte decisão do Superior Tribunal de Justiça. Na qual se discutiu o limite da revisão do Poder Judiciário sobre ato administrativo exarado por agência reguladora: A partir da decisão abaixo, pode-se perceber que o STJ tem reconhecido a importância da atividade de-sempenhada pelas agências reguladoras, bem como a limitação da compe-tência revisional do Poder Judiciário sobre os atos das agências, conforme se constata na decisão da lavra do ministro Edson Vidigal, no caso do reajuste tarifário da CELPE, cujo trecho segue a seguir transcrito.

Em breve síntese, foi proposta ação civil pública pretendendo a declaração de nulidade do reajuste tarifário autorizado pela ANEEL, tendo o pedido de antecipação de tutela sido deferido em primeira instância, para suspender os efeitos da Resolução Homologatória e do Despacho ANEEL que haviam fixado a nova tarifa. O juízo determinou, ainda, que a ANEEL fixasse provi-soriamente novos percentuais para as tarifas, bem como fossem mantidos os valores anteriormente praticados até a divulgação das novas tarifas provisó-rias, em conformidade com a decisão judicial.

Tendo a decisão sido mantida em segunda instância, sobreveio pedido de suspensão da referida antecipação da tutela ao Superior Tribunal de Justiça, ocasião em que assim se manifestou o ministro Edson Vidigal, ao deferir o pedido:

Quanto ao potencial lesivo da liminar em comento, a requerente enfatizou que o questionado reajuste foi fixado com base em critérios técnicos, fiéis à manutenção do equilíbrio econômico-financeiro do contrato de concessão vigente (Cláusula Sétima), determinados, inclu-sive, por componentes alheios à gestão da Concessionária, não havendo excesso.

É certo que na oportunidade da celebração do contrato de con-cessão da distribuidora de energia elétrica, conforme autorizado pela legislação pertinente, inseriram-se cláusulas prevendo mecanismos de manutenção de seu equilíbrio econômico-financeiro, como o reajuste tarifário. Esses mecanismos têm origem na política tarifária previamen-te aprovada pelo Conselho Nacional de Desestatização — CND, e são vitais para que a prestação do serviço público possa se dar em con-formidade com os princípios constitucionais e legais incidentes, e que não só permitam, mas viabilizem a celebração de tais contratos entre o Poder Público e o particular que se disponha a negociar com a Admi-

210. GUERRA, Sergio. “Atualidades sobre o controle judicial dos atos re-gulatórios”. In: lANDAU, Elena (org.). Regulação jurídica no setor elétrico. Rio de Janeiro: lumen Iuris, 2006, p. 174.

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211 STJ, SlS nº 162, Rel. Min. Edson vidi-gal, DJ 20.09.2005.

nistração, notadamente em se tratando de contratos de concessão com prolongado prazo de duração.

Assim já decidi em hipótese semelhante (SL 57-DF): o descumpri-mento de cláusulas contratuais, impedindo a correção do valor real da tarifa, nos termos em que previsto no contato de concessão, causa sérios prejuízos financeiros à empresa concessionária, podendo afetar gravemente a qualidade dos serviços prestados e sua manutenção, im-plicando ausência de investimentos no setor, prejudicando os usuários, causando reflexos negativos na economia pública, porquanto inspira insegurança e riscos na contratação com a Administração Pública, afas-tando os investidores, resultando graves conseqüências também para o interesse público como um todo, além, é claro, de repercutir negativa-mente no chamado “Risco Brasil”.

(...)Por isso, em que pesem os argumentos do Pleno do TRF/5ª Região,

que ressaltou a complexidade e inacessibilidade do sistema tarifário de energia elétrica e necessidade de contenção dos prejuízos impostos à sociedade — matéria a ser tratada no mérito da ação —, vejo carac-terizados aqui os pressupostos necessários ao deferimento do pedido de suspensão, e o risco inverso, vez que a decisão é passível de causar grave lesão aos interesses públicos privilegiados, ordem administrativa e economia pública, Lei nº 8.437/92, art. 4º.

Assim, defiro em parte o pedido, para suspender a decisão que ante-cipou a tutela nos autos da Ação Civil Pública nº 2005.83.00.008345-6, confirmada pelo Pleno do TRF 5ª Região, até o julgamento do mé-rito perante o Tribunal de origem.211

A decisão supratranscrita demonstra a inclinação do Superior Tribunal de Justiça em preservar o marco regulatório em vigor, reconhecendo a importân-cia do equilíbrio econômico-financeiro da concessão e da divisão de funções entre o Poder Executivo — formulador e executor de políticas públicas — e o Poder Judiciário, guardião do Estado de Direito. Conforme observado, a regulação possui uma dimensão prospectiva e de ordenação setorial, que não pode ser desconsiderada quando da análise jurídica das questões setoriais.

Por outro lado, os Tribunais pátrios não têm se furtado a declarar a nu-lidade de atos praticados pela Administração Pública quando afrontam os princípios constitucionais regedores da atuação administrativa, não mais se podendo dizer que tal controle se limita a critérios como legalidade e com-petência, mas inclui também revisão à luz de todos os princípios constitucio-nais, inclusive quanto à proporcionalidade e razoabilidade. Vejam-se, a título exemplificativo, as seguintes decisões do STJ:

211. STJ, SlS nº 162, Rel. Min. Edson vidigal, DJ 20.09.2005.

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FGv DIREITO RIO 142

212 AgRg na Mc 6146 / DF, 2a Turma do STJ, j. em 12.08.2003, v.u.

ADMINISTRATIVO. MEDIDA CAUTELAR. EFEITO ATIVO A RECURSO ESPECIAL. REGISTRO DE MEDICAMENTOS COM FÓRMULAS INSCRITAS NA FARMACOPÉIA BRASILEI-RA. PRODUTOS FITOTERÁPICOS. ISENÇÃO. LIMINAR DE-FERIDA.

(...) 2. A Lei nº 6.360/76, que disciplina a comercialização de pro-dutos farmacêuticos, é bastante clara ao estatuir, no art. 23, a desne-cessidade de registro para os medicamentos cujas fórmulas estejam inscritas na Farmacopeia Brasileira, situação na qual se enquadram os produtos fitoterápicos industrializados pela requerente.

3. A restrição imposta à requerente, consistente na apreensão, em todo o território brasileiro, dos produtos por ela comercializados, por falta de registro não exigido em lei, configura dano à sua imagem co-mercial, além de comprometer a própria existência da pessoa jurídica, impossibilitada que fica de exercer suas atividades comerciais, situação que coloca em risco, via reflexa, o emprego de inúmeros trabalhadores que ali ganham o seu sustento diário.

4. Não se pode atribuir conotação maniqueísta e discriminatória aos interesses comerciais da empresa requerente, tão-só porque confronta-dos, na espécie, com os sagrados princípios que dizem o direito à vida e à saúde da população brasileira, dos quais se coloca como guardiã a Agência requerida. (...)

7. Agravo regimental a que se nega provimento.212

ADMINISTRATIVO. TELECOMUNICAÇÕES. REGULA-MENTA-ÇÃO DO PLANO GERAL DE OUTORGAS. DECRE-TO Nº 2.534/98. CONCEITO DE EMPRESA COLIGADA. DES-CONSIDERAÇÃO DAS ALTERAÇÕES INTRODUZIDAS PELA RESOLUÇÃO Nº 101/99 DA ANATEL. INVASÃO DE CAMPO NORMATIVO ALHEIO. SENTENÇA REFORMADA. APELA-ÇÃO PROVIDA.

1. O Plano Geral de Outorgas de Serviços de Telecomunicações, editado pelo Decreto nº 2.534/98, mediante autorização expressa da Lei 9.472/97, art. 18, II, veda a autorização para prestação de serviços de telecomunicações em geral a empresa coligada com outra prestadora de serviço telefônico fixo, observados os demais termos do art. 10, § 2º.

2. O conceito de empresa coligada, havendo participação sucessiva de várias pessoas jurídicas, é fornecido pelo art. 15 e § único da referida disposição normativa, que manda considerar o valor final da participa-ção por meio da composição das frações de controle de cada empresa na linha de encadeamento.

212. AgRg na Mc 6146 / DF, 2a Turma do STJ, j. em 12.08.2003, v.u.

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FGv DIREITO RIO 143

213 Processo nº 200034000054157, 1a Turma do TRF da 1a Região, j. em 27.06.2001, v.u.

214 Nas palavras de Sérgio Guerra: “caso o Poder Judiciário anule uma decisão regulatória discricionária por inobservância, pelo agente regulador, de elementos conformadores do ato, o magistrado deve devolver o assunto à Agência Reguladora para que exare outra decisão, levando em considera-ção todos os aspectos apontados pelo Tribunal.” GUERRA, Sérgio. Controle judi-cial dos atos regulatórios. Rio de Janeiro: lúmen Iuris, 2005, p. 277.

215 ARAGãO, Alexandre Santos de. Agên-cias reguladoras e a evolução do direito administrativo econômico. 2ª ed. Rio de Janeiro: Forense, 2003, p. 353.

3. Tal conceito não pode ser alterado por critérios introduzidos pela Resolução 101/99 da ANATEL, porque refoge ao campo de compe-tência normativa adstrito à agência reguladora, não amparado pelo art. 19, XIX, da Lei 9.472/97.

4. Preliminares rejeitadas e apelação provida para determinar o exa-me do pedido administrativo com desconsideração dos dispositivos da aludida Resolução relativos à participação acionária sucessiva.

5. Sentença reformada. (Grifamos)213

Ainda no que tange aos limites da revisão judicial dos atos administrati-vos, faz-se necessário enfrentar o tema da possibilidade de o juiz substituir a decisão proferida na esfera administrativa.

Como regra geral, tem-se que tal substituição é possível, mas não devida, pois violaria o princípio da separação dos poderes. Com efeito, o juiz, ao anu-lar uma decisão administrativa, não pode substituir o juízo de conveniência e oportunidade que é próprio da Administração Pública, pois nem a Consti-tuição nem as leis lhe outorgam tal competência214. Assim, deverá reenviar a matéria para nova decisão pela entidade administrativa.

Excepcionalmente, em elogio ao princípio da eficiência, parcela da dou-trina admite que, quando apenas uma solução legítima puder ser extraída do ordenamento jurídico, estará o juiz autorizado a determiná-la, substituindo o ato administrativo anulado.215

v. RecuRsOs/MATeRIAIs uTILIZADOs

Leitura obrigatória

CARVALHO FILHO, José dos Santos. Manual de direito administrativo. São Paulo:Atlas, item:

• ControledaAdministraçãoPúblicao Controle judicial (itens 1 a 4)

vI. AvALIAçãO

caso gerador

O Ministério Público ingressou com uma ação civil pública em face de uma concessionária de serviço de telefonia fixa comutada, alegando que a co-brança de assinatura básica, i.e., de uma tarifa que o usuário do serviço paga à concessionária independentemente do seu uso efetivo, viola o Código de De-

213. Processo nº 200034000054157, 1a Turma do TRF da 1a Região, j. em 27.06.2001, v.u.

214. Nas palavras de Sérgio Guerra: “caso o Poder Judiciário anule uma decisão regulatória discricionária por inobservância, pelo agente regulador, de elementos conformadores do ato, o magistrado deve devolver o assunto à Agência Reguladora para que exare outra decisão, levando em considera-ção todos os aspectos apontados pelo Tribunal.” GUERRA, Sérgio. controle judicial dos atos regulatórios. Rio de Janeiro: lúmen Iuris, 2005, p. 277.

215. ARAGãO, Alexandre Santos de. Agências reguladoras e a evolução do direito adminis-trativo econômico. 2ª ed. Rio de Janeiro: Forense, 2003, p. 353.

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FGv DIREITO RIO 144

fesa do Consumidor, constituindo cláusula abusiva das relações de consumo. A cobrança, no entanto, tem a aprovação da ANATEL, estando autorizada em uma resolução da Diretoria Colegiada da autarquia.

Se você fosse membro do Ministério Público, há algum outro argumento que poderia incluir em sua petição inicial?

Na qualidade de advogado da concessionária, que argumentos de defesa apresentaria?

Se fosse magistrado, como decidiria a controvérsia?

vII. cONcLusãO DA AuLA

Os atos administrativos submetem-se ao crivo do Poder Judiciário, revisão essa, no entanto, que deve ser consistente com o princípio da separação dos poderes.

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FGv DIREITO RIO 145

unIdade vI: proCesso admInIstratIvo

aula 18

I. TeMA

Processo administrativo: princípios e fundamentos

II. AssuNTO

Processo administrativo.

III. OBJeTIvOs especÍFIcOs

Apresentar os princípios norteadores dos processos administrativos, com ênfase no processo administrativo federal e sua disciplina pela Lei nº 9.784/1999.

Iv. DeseNvOLvIMeNTO MeTODOLÓgIcO

Conforme vimos observando ao longo de todo o estudo do Direito Admi-nistrativo, a mudança do enfoque autoritário para a compreensão da função administrativa como provedora de serviços públicos e garantidora de direitos fundamentais veio a requerer uma maior sindicabilidade e transparência das atividades estatais. Também a proteção dos cidadãos ante os atos da Adminis-tração Pública ganha reforço, como já tivemos oportunidade de estudar, no que se refere aos princípios a que a Administração Pública deve obediência, em especial, legalidade, moralidade, impessoalidade, publicidade, eficiência, proporcionalidade, razoabilidade, finalidade e motivação.

Nesse contexto, a Constituição Federal garantiu a todo indivíduo também o direito ao contraditório e à ampla defesa no âmbito dos processos adminis-trativos.

Desde 1999, encontra-se em vigor a Lei nº 9.784, a qual apresenta as prin-cipais normas de direito administrativo processual em matéria federal, tendo por finalidade preservar direitos dos administrados e melhor cumprimento dos fins da Administração (art. 1º). Seus dispositivos aplicam-se a todos os processos administrativos em curso ante as autoridades que compõem a Ad-ministração Pública Federal, naquilo em que não conflitarem com eventuais

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FGv DIREITO RIO 146

216 cARvAlHO FIlHO, José dos Santos. Processo administrativo federal. Rio de Janeiro: lumen Iuris, 2005, p. 41.

leis especiais que prevejam ritos processuais próprios, que permaneceram em vigor (art. 69). Sobre o âmbito de incidência da lei, faz-se relevante observar a lição de José dos Santos Carvalho Filho:

A Administração Federal envolve, genericamente, todos os órgãos e pessoas administrativas federais. (...) vale a pena sublinhar que a lei se referiu expressamente à administração indireta, que, como é sabido, pode ser desempenhada por entidades dotadas de personalidade jurídi-ca de direito privado, como é o caso das sociedades de economia mista e empresas públicas. Conquanto sejam pessoas privadas, não deixam de integrar a Administração Pública federal, de modo que também elas deverão observar o procedimento estatuído na lei, sobretudo quando houver interesses de terceiros, administrados, que devem ser preserva-dos como deseja o diploma regulador.216

Os princípios norteadores dos processos administrativos federais são en-contrados logo no artigo 2º, caput, segundo o qual:

Art. 2o A Administração Pública obedecerá, dentre outros, aos prin-cípios da legalidade, finalidade, motivação, razoabilidade, proporcio-nalidade, moralidade, ampla defesa, contraditório, segurança jurídica, interesse público e eficiência.

Adicionalmente, no parágrafo único desse mesmo artigo apresenta outros princípios de primordial envergadura no que se refere à proteção do admi-nistrado face à Administração Pública, dentre os quais destacamos o dever de probidade e boa-fé (inc. IV); dever de fundamentação das decisões adminis-trativas (inc. VII); e a proibição de aplicação retroativa de nova interpretação adotada pela Administração (inc.XIII):

Art. 2º. (...)Parágrafo único. Nos processos administrativos serão observados,

entre outros, os critérios de:I — atuação conforme a lei e o Direito;II — atendimento a fins de interesse geral, vedada a renúncia total

ou parcial de poderes ou competências, salvo autorização em lei;III — objetividade no atendimento do interesse público, vedada a

promoção pessoal de agentes ou autoridades;IV — atuação segundo padrões éticos de probidade, decoro e boa-fé;V — divulgação oficial dos atos administrativos, ressalvadas as hipó-

teses de sigilo previstas na Constituição;

216. cARvAlHO FIlHO, José dos San-tos. processo administrativo federal. Rio de Janeiro: lumen Iuris, 2005, p. 41.

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FGv DIREITO RIO 147

VI — adequação entre meios e fins, vedada a imposição de obri-gações, restrições e sanções em medida superior àquelas estritamente necessárias ao atendimento do interesse público;

VII — indicação dos pressupostos de fato e de direito que determi-narem a decisão;

VIII — observância das formalidades essenciais à garantia dos direi-tos dos administrados;

IX — adoção de formas simples, suficientes para propiciar adequa-do grau de certeza, segurança e respeito aos direitos dos administrados;

X — garantia dos direitos à comunicação, à apresentação de ale-gações finais, à produção de provas e à interposição de recursos, nos processos de que possam resultar sanções e nas situações de litígio;

XI — proibição de cobrança de despesas processuais, ressalvadas as previstas em lei;

XII — impulsão, de ofício, do processo administrativo, sem prejuí-zo da atuação dos interessados;

XIII — interpretação da norma administrativa da forma que melhor garanta o atendimento do fim público a que se dirige, vedada aplicação retroativa de nova interpretação.

A Lei nº 9.784/1999 assegura ao Administrado os seguintes direitos:

Art. 3o O administrado tem os seguintes direitos perante a Adminis-tração, sem prejuízo de outros que lhe sejam assegurados:

I — ser tratado com respeito pelas autoridades e servidores, que deverão facilitar o exercício de seus direitos e o cumprimento de suas obrigações;

II — ter ciência da tramitação dos processos administrativos em que tenha a condição de interessado, ter vista dos autos, obter cópias de documentos neles contidos e conhecer as decisões proferidas;

III — formular alegações e apresentar documentos antes da decisão, os quais serão objeto de consideração pelo órgão competente;

IV — fazer-se assistir, facultativamente, por advogado, salvo quando obrigatória a representação, por força de lei.

Em contrapartida, impõe-lhe também importantes deveres, dentre os quais o de expor os fatos conforme a verdade e atuar de boa-fé:

Art. 4o São deveres do administrado perante a Administração, sem prejuízo de outros previstos em ato normativo:

I — expor os fatos conforme a verdade;II — proceder com lealdade, urbanidade e boa-fé;

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FGv DIREITO RIO 148

III — não agir de modo temerário;IV — prestar as informações que lhe forem solicitadas e colaborar

para o esclarecimento dos fatos.

A lei federal traz dispositivos eminentemente processuais, tais como com-petência, forma de processamento do feito, produção de provas, impedimen-to e suspeição do servidor ou autoridade que decidirá o pleito; forma, tempo e lugar do processo; instrução.

O princípio da motivação mereceu um capítulo especial na Lei, cujo dis-positivo é aqui reproduzido pela importância das garantias que conferem aos administrados:

CAPÍTULO XIIDA MOTIVAÇÃO

Art. 50. Os atos administrativos deverão ser motivados, com indica-ção dos fatos e dos fundamentos jurídicos, quando:

I — neguem, limitem ou afetem direitos ou interesses;II — imponham ou agravem deveres, encargos ou sanções;III — decidam processos administrativos de concurso ou seleção

pública;IV — dispensem ou declarem a inexigibilidade de processo licita-

tório;V — decidam recursos administrativos;VI — decorram de reexame de ofício;VII — deixem de aplicar jurisprudência firmada sobre a questão ou

discrepem de pareceres, laudos, propostas e relatórios oficiais;VIII — importem anulação, revogação, suspensão ou convalidação

de ato administrativo.§ 1o A motivação deve ser explícita, clara e congruente, podendo

consistir em declaração de concordância com fundamentos de anterio-res pareceres, informações, decisões ou propostas, que, neste caso, serão parte integrante do ato.

§ 2o Na solução de vários assuntos da mesma natureza, pode ser utilizado meio mecânico que reproduza os fundamentos das decisões, desde que não prejudique direito ou garantia dos interessados.

§ 3o A motivação das decisões de órgãos colegiados e comissões ou de decisões orais constará da respectiva ata ou de termo escrito.

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FGv DIREITO RIO 149

217 OSÓRIO, Fabio Medina. Direito admi-nistrativo sancionador. 2ª ed. São Paulo: RT, 2005, p. 104.

218 Direito administrativo sancionador. 2ª ed. São Paulo: RT, 2005, p. 487.

219 OSÓRIO, Fabio Medina. Direito admi-nistrativo sancionador, p. 488.

Direito Administrativo sancionador

Alguns processos administrativos têm por finalidade específica constatar a existência de um ilícito administrativo para, se for o caso, impor a correspon-dente sanção. Trata-se do denominado Direito Administrativo Sancionador.

A sanção administrativa, na visão de Fábio Medina Osório consiste:

em um mal ou castigo, porque tem efeitos aflitivos, com alcance geral e potencialmente pro futuro, imposto pela Administração Pública, ma-terialmente considerada, pelo Judiciário ou por corporações de direito público, a um administrado, jurisdicionado, agente público, pessoa fí-sica ou jurídica, sujeitos ou não a especiais relações de sujeição com o Estado, como conseqüência de uma conduta ilegal, tipificada em nor-ma proibitiva, com uma finalidade repressora ou disciplinar, no âmbito de aplicação formal e material do Direito Administrativa. A finalidade repressora, ou punitiva, já inclui a disciplinar, mas não custa deixar clara essa inclusão, para não haver dúvidas.217

No âmbito do direito administrativo sancionador, faz-se relevante trazer a lume algumas regras e princípios que vigoram no direito penal, a fim de analisar a extensão de sua aplicabilidade no âmbito do direito administrativo sancionador:

princípio da presunção de inocência

Na seara administrativa, o princípio aplica-se, de acordo com Fábio Me-dina Osório, com algumas nuances. O autor observa, por exemplo, que “no Direito Administrativo Sancionador, alguns atos gozam, sim, de alguma pre-sunção de veracidade”, a qual, no entanto, também não se mostra absoluta. Assim, poder-se-ia sugerir a existência de uma relativa inversão do ônus da prova, impensável em sede penal, onde o princípio da presunção de inocên-cia vigora de forma mais ampla.218 Assim, o autor constata a tendência a “um caminho restritivo à presunção de inocência, estabelecendo-se, com critérios de razoabilidade, uma equilibrada distribuição do ônus probatório, sem des-considerar as peculiaridades dos casos concretos e, inclusive, as necessidades sociais, a partir de avanços tecnológicos”.219

217. OSÓRIO, Fabio Medina. Direito administrativo sancionador. 2ª ed. São Paulo: RT, 2005, p. 104.

218. Direito administrativo sancionador. 2ª ed. São Paulo: RT, 2005, p. 487.

219. OSÓRIO, Fabio Medina. Direito administrativo sancionador, p. 488.

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220 ‘A questão a elucidar é se o indivíduo pode ser obrigado a produzir provas contra si mesmo, colaborando com a acusação à custa de sua liberdade fisiopsíquica, ou de outros direitos, o que, a meu ver, se revela, a priori, intolerável. E é intolerável semelhante exigência geral porque, evidentemen-te, o imputado não pode ser forçado a comportamentos positivos, físicos, contrários aos seus interesses, violando, claramente, sua integridade fisiopsí-quica, sua liberdade de movimentos, ou diversos direitos fundamentais em jogo, para fins de auxiliar a acusação ou o Poder Público. (...) Distinta a hi-pótese quando o sujeito venha a ser civilmente demandado em matéria de direitos indisponíveis. Havendo razo-abilidade, o Estado pode exigir do réu que se submeta a exame de DNA, para estabelecer paternidade biológica. Isso porque a mera recusa não basta, na medida em que o filho tem direito fundamental, correlato à sua dignidade humana, de conhecer o pai biológico. (...) Outro enfoque haveria na análise do comportamento do agente como meio de prova e inclusive como uma presunção contrária aos seus interes-ses. O sujeito que nega submeter-se a um exame de controle rotineiro deve, indiscutivelmente, comprovar motivos razoáveis e justificáveis de seu agir, afastando a mancha de culpabilidade que lhe resulta inerente. (...) Ademais, o indivíduo que adota determinados comportamentos, ilógicos e desarrazo-ados, deve arcar com as conseqüências no plano probatório. O que não se po-deria aceitar, a meu juízo, é a tipifica-ção de formas intoleráveis de forçar o indivíduo a um comportamento con-trário aos seus próprios interesses, sob pena de esvaziarmos sua presunção de inocência e seus direitos processu-ais fundamentais, ligados ao devido processo legal.” OSÓRIO, Fabio Medina. Direito administrativo sancionador, pp. 501 e 502.

221 OSORIO, Fabio Medina. Direito admi-nistrativo sancionador, p. 522.

222 OSÓRIO, Fabio Medina. Direito admi-nistrativo sancionador, p. 524.

223 “Nos processos administrativos, a ciência do acusado acerca das imputa-ções que lhe são formuladas é condição básica de validade do feito. (...) O aces-so aos processos, por advogados, é um direito fundamental dos acusados ou investigados em geral, salvo nas ex-cepcionais e fundamentadas hipóteses legais de sigilo, em que a autoridade competente delimita áreas restritas, provisoriamente, ao efeito de viabilizar medidas cautelares urgentes. Não ha-vendo concreta e plausível justificativa ao sigilo, este não deverá prevalecer, eis que o Estado Democrático de Direito supõe transparência dessas espécies

Ausência de dever de o acusado declarar ou produzir prova contra si mesmo

Como é sabido, na seara penal, o acusado tem o direito de se manter em silêncio.

No âmbito do direito administrativo sancionador, Fábio Medina Osório sustenta que, como regra geral, o administrado não deve ser obrigado a pro-duzir prova contra si mesmo.220

princípio da ampla defesa

Cumpre lembrar que, por força constitucional, o princípio da ampla defe-sa incide também em sede de direito administrativo sancionador:

Art. 5º.(...)LV — aos litigantes, em processo judicial ou administrativo, e aos

acusados em geral são assegurados o contraditório e ampla defesa, com os meios e recursos a ela inerentes.

No entanto, trata-se de direito que deve ser exercido no âmbito do devido processo legal:

A norma que consagra a ampla defesa há de ser interpretada com a razoabilidade que recomenda e exige o devido processo legal. Amplitude de defesa não é uma só, insisto, em processos penais, administrativos ou de improbidade administrativa. As distinções resultam da inserção da ampla defesa, ou dos direitos de defesa, no devido processo legal. Cada processo tem suas peculiaridades e disso depende, também o alcance dos direitos de defesa. Impossível uma generalização absoluta e radical.221

Direito à informação

A doutrina alude ao direito à informação como a necessidade de que o investigado seja chamado a responder às acusações que lhe estejam sendo for-muladas, sendo “condição essencial ao exercício da plena defesa e da proteção jurídica às legítimas expectativas”.222

Isso não significa, entretanto, que nos limites da lei não possa haver sigilo no interesse das investigações, devendo, todavia, essa possibilidade ser inter-pretada restritivamente, e somente subsistindo enquanto presentes as razões que o justificam.223

220. ‘A questão a elucidar é se o in-divíduo pode ser obrigado a produzir provas contra si mesmo, colaborando com a acusação à custa de sua liberda-de fisiopsíquica, ou de outros direitos, o que, a meu ver, se revela, a priori, intolerável. E é intolerável semelhante exigência geral porque, evidentemen-te, o imputado não pode ser forçado a comportamentos positivos, físicos, contrários aos seus interesses, violan-do, claramente, sua integridade fisiop-síquica, sua liberdade de movimentos, ou diversos direitos fundamentais em jogo, para fins de auxiliar a acusação ou o Poder Público. (...) Distinta a hi-pótese quando o sujeito venha a ser civilmente demandado em matéria de direitos indisponíveis. Havendo razo-abilidade, o Estado pode exigir do réu que se submeta a exame de DNA, para estabelecer paternidade biológica. Isso porque a mera recusa não basta, na medida em que o filho tem direito fundamental, correlato à sua dignidade humana, de conhecer o pai biológico. (...) Outro enfoque haveria na análise do comportamento do agente como meio de prova e inclusive como uma presunção contrária aos seus interes-ses. O sujeito que nega submeter-se a um exame de controle rotineiro deve, indiscutivelmente, comprovar motivos razoáveis e justificáveis de seu agir, afastando a mancha de culpabilidade que lhe resulta inerente. (...) Ademais, o indivíduo que adota determinados comportamentos, ilógicos e desarrazo-ados, deve arcar com as conseqüências no plano probatório. O que não se po-deria aceitar, a meu juízo, é a tipificação de formas intoleráveis de forçar o indi-víduo a um comportamento contrário aos seus próprios interesses, sob pena de esvaziarmos sua presunção de ino-cência e seus direitos processuais fun-damentais, ligados ao devido processo legal.” OSÓRIO, Fabio Medina. Direito administrativo sancionador, pp. 501 e 502.

221. OSORIO, Fabio Medina. Direito administrativo sancionador, p. 522.

222. OSÓRIO, Fabio Medina. Direito administrativo sancionador, p. 524.

223. “Nos processos administrativos, a ciência do acusado acerca das imputa-ções que lhe são formuladas é condição básica de validade do feito. (...) O aces-so aos processos, por advogados, é um direito fundamental dos acusados ou investigados em geral, salvo nas ex-cepcionais e fundamentadas hipóteses legais de sigilo, em que a autoridade competente delimita áreas restritas, provisoriamente, ao efeito de viabilizar medidas cautelares urgentes. Não ha-vendo concreta e plausível justificativa ao sigilo, este não deverá prevalecer, eis que o Estado Democrático de Direito supõe transparência dessas espécies de processos punitivos.” OSÓRIO, Fabio Medina. Direito administrativo sancionador, p. 525.

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FGv DIREITO RIO 151

de processos punitivos.” OSÓRIO, Fabio Medina. Direito administrativo sancio-nador, p. 525.

224 Além disso, existe expressa previsão no art. 93, X, da constituição, no que tange ao Poder Judiciário, aplicando-se tanto às decisões jurisdicionais quanto às decisões administrativas dos Tribu-nais. Assim, com igual razão devem ser motivadas as decisões da Administra-ção Pública. OSÓRIO, Fabio Medina. Di-reito administrativo sancionador, p. 531.

225 lei 9.873/99. Art. 1º. Prescreve em cinco anos a ação punitiva da Adminis-tração Pública Federal, direta e indireta, no exercício do poder de polícia, objeti-vando apurar infração à legislação em vigor, contados da data da prática do ato ou, no caso de infração permanen-te ou continuada, do dia em que tiver cessado.

princípio da motivação

Em que pese não se encontrar, de forma direta, o princípio da motivação em sede constitucional, a doutrina costuma extraí-lo da interpretação do art. 5º, incisos LIV e LV, da CF/88.224 Não se tecerá aqui maiores considerações sobre o princípio, o qual já foi alvo de profundo estudo no âmbito da matéria Atividades e Atos Administrativos.

coisa Julgada Administrativa

A coisa julgada administrativa não se confunde com o instituto da coisa julgada no âmbito judicial. No processo judicial significa a imutabilidade da decisão. No âmbito administrativo significa que o assunto não mais poderá sofrer alteração “na mesma via administrativa”, embora possa ser eventual-mente ainda revisto em âmbito judicial.

prazos extintivos no âmbito da Administração pública

Também a Administração Pública e os administrados submetem-se a pra-zos extintivos no curso de suas relações, em nome do princípio da segurança jurídica. Trata-se dos institutos da (i) prescrição administrativa, (ii) decadên-cia administrativa e (ii) preclusão administrativa.

Os prazos extintivos podem aplicar-se aos administrados (por exemplo, a preclusão do direito de recorrer no curso de um processo administrativo, por perda do prazo recursal), ou à Administração (veja-se a regra geral da Lei 9.873/99, segundo a qual prescreve em cinco anos o poder punitivo de polí-cia da Administração, contados da data do fato)225.

v. RecuRsOs/MATeRIAIs uTILIZADOs

Leitura obrigatória

CARVALHO FILHO, José dos Santos. Manual de direito administrativo. São Paulo: Atlas, item:

• ControledaAdministraçãoPúblicao Processo administrativo (subitens 7.1 a 7.6)

224. Além disso, existe expressa pre-visão no art. 93, X, da constituição, no que tange ao Poder Judiciário, aplican-do-se tanto às decisões jurisdicionais quanto às decisões administrativas dos Tribunais. Assim, com igual razão devem ser motivadas as decisões da Administração Pública. OSÓRIO, Fabio Medina. Direito administrativo sancionador, p. 531.

225. lei 9.873/99. Art. 1º. Prescreve em cinco anos a ação punitiva da Ad-ministração Pública Federal, direta e indireta, no exercício do poder de po-lícia, objetivando apurar infração à le-gislação em vigor, contados da data da prática do ato ou, no caso de infração permanente ou continuada, do dia em que tiver cessado.

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FGv DIREITO RIO 152

Leitura complementar

CARVALHO FILHO, José dos Santos. Comentários à Lei nº 9.784 de 29/11/1999. 2a ed. Rio de Janeiro: Lumen Iuris, 2005.

DALLARI, Adilson e FERRAZ, Sergio. Processo administrativo. São Paulo: Malheiros, 2000.

vI. AvALIAçãO

caso gerador

A empresa XYZ Energia S/A foi multada pela Agência Nacional de Ener-gia Elétrica (ANEEL) por supostamente ter infringido norma reguladora se-torial que estabelece o tempo máximo em que o consumidor pode aguardar atendimento ao telefone quando telefona para a concessionária.

Quando o Diretor da XYZ foi informado da decisão da ANEEL pelo departamento jurídico já havia transcorrido o prazo de dez dias, previsto na Lei 9.784/99, para a interposição de recurso administrativo. Todavia, o Di-retor está inconformado, pois sustenta que houve erro material da ANEEL na decisão, que teria confundido os índices de qualidade da XYZ com os da concessionária ABC Energy S.A. Além disso, o Diretor observou que a XYZ jamais havia sido notificada pela ANEEL da existência do referido processo administrativo que resultou na multa, razão pela qual não teve oportunidade de apresentar defesa. O Diretor, então, procura seus conselhos advocatícios. Como você responderia a essa consulta?

vII. cONcLusãO DA AuLA

As normas de processo administrativo constituem relevantes salvaguardas dos cidadãos e das entidades privadas no trato das mais diversas questões que envolvam relacionamento com a Administração Pública.

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FGv DIREITO RIO 153

226 MIRANDA, Pontes de. Tratado de Di-reito Privado. 2a edição. Rio de Janeiro: Editor borsoi, 1966, Tomo lIII, p. 447.

unIdade vII: responsabIlIdade CIvIl

aulas 19

I. TeMA

Responsabilidade civil do Estado.

II. AssuNTO

Responsabilidade civil do Estado.

III. OBJeTIvOs especÍFIcOs

Discutir a as hipóteses em que surge o dever de o Estado responder por atos lícitos e ilícitos da Administração Pública.

Iv. DeseNvOLvIMeNTO MeTODOLÓgIcO

A consagração da responsabilidade civil do Estado constitui imprescindí-vel mecanismo de defesa do cidadão face ao Poder Público. Mediante a pos-sibilidade de responsabilização, o administrado tem assegurada a certeza de que todo dano a direito seu ocasionado pela ação de qualquer agente público no desempenho de suas atividades será reparado pelo Estado. Funda-se nos pilares da equidade e da igualdade, como salienta Pontes de Miranda:

O Estado — portanto, qualquer entidade estatal — é responsável pelos fatos ilícitos absolutos, como o são as pessoas físicas e jurídicas. O princípio de igualdade perante a lei há de ser respeitado pelos legislado-res, porque, para se abrir exceção à incidência de alguma regra jurídica sobre responsabilidade extranegocial, é preciso que, diante dos elemen-tos fácticos e das circunstâncias, haja razão para o desigual tratamento.226

Celso Antônio Bandeira de Mello define a responsabilidade civil do Esta-do nos seguintes termos: “Entende-se por responsabilidade patrimonial ex-tracontratual do Estado a obrigação que lhe incumbe de reparar economica-mente os danos lesivos à esfera juridicamente garantida de outrem e que lhe

226. MIRANDA, Pontes de. Tratado de Direito privado. 2a edição. Rio de Janeiro: Editor borsoi, 1966, Tomo lIII, p. 447.

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FGv DIREITO RIO 154

227 MEllO, celso Antônio bandeira de. Curso de Direito Administrativo. 4a edi-ção. São Paulo: Malheiros, 1993, p.430.

228 cZAJKOWSKI, Rainer. Sobre a Res-ponsabilidade civil do Estado. Jurispru-dência Brasileira: cível e comércio. curiti-ba: Juruá, 1993, no. 170, pp.11/12.

sejam imputáveis em decorrência de comportamentos unilaterais, lícitos ou ilícitos, comissivos ou omissivos, materiais ou jurídicos”.227

A responsabilidade estatal não se confunde com a de seu agente. O cida-dão lesionado em seu direito por ato decorrente do agir estatal não necessita comprovar culpa do agente público para obter indenização, pois pode acio-nar diretamente o Estado, que responderá sempre que demonstrado o nexo de causalidade entre o ato do seu funcionário e o dano injustamente sofrido pelo indivíduo. Trata-se, portanto, de responsabilidade objetiva, expressa-mente prevista no art. 37, par. 6º, da Constituição Federal:

Art. 37. (...)§6º. As pessoas jurídicas de direito público e as de direito priva-

do prestadoras de serviços públicos responderão pelos danos que seus agentes, nessa qualidade, causarem a terceiros, assegurado o direito de regresso nos casos de dolo ou culpa.

Igualmente, determina o Código Civil de 2002:

Art. 43. As pessoas jurídicas de direito público interno são civilmen-te responsáveis por atos dos seus agentes que nessa qualidade causem danos a terceiros, ressalvado direito regressivo contra os causadores do dano, se houver, por parte destes, culpa ou dolo.

A culpa do agente público poderá ser discutida em um segundo momen-to, caso o Estado ingresse com ação de regresso. Assim:

(...) diz-se que a responsabilidade deste [o Estado] é objetiva, por-que não se impõe ao particular, lesado por uma atividade de caráter público (ou alguma omissão), que demonstre a culpa do Estado ou de seus agentes. Sinteticamente, a responsabilidade do Estado se carac-teriza pelo preenchimento dos seguintes pressupostos: 1) que se trate de pessoa jurídica de direito público ou de direito privado prestadora de serviços públicos; 2)que estas entidades estejam prestando serviço público; 3) que haja um dano causado a particular; 4) que o dano seja causado por agente (a qualquer título) destas pessoas jurídicas e; 5) que estes agentes, ao causarem dano, estejam agindo nesta qualidade.228

Portanto, o ordenamento jurídico brasileiro abraçou a tese da responsabi-lidade civil do Estado, decorrente da teoria do risco da atividade desenvolvi-da. Defende Diogo de Figueiredo Moreira Neto a superioridade desta teoria sobre as demais, afirmando que: “(...) a teoria do risco administrativo não vai ao ponto de ignorar a culpa concorrente ou exclusiva do prejudicado na cau-

227. MEllO, celso Antônio bandeira de. curso de Direito Adminis-trativo. 4a edição. São Paulo: Malhei-ros, 1993, p.430.

228. cZAJKOWSKI, Rainer. Sobre a Responsabilidade civil do Estado. Ju-risprudência Brasileira: cível e comércio. curitiba: Juruá, 1993, no. 170, pp.11/12.

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FGv DIREITO RIO 155

229 MOREIRA NETO, Diogo de Figueiredo. Curso de Direito Administrativo. 14a ed. Rio de Janeiro: Forense, p. 588.

230 cAETANO, Marcelo. Princípios Funda-mentais do Direito Administrativo. Rio de Janeiro: Forense, 1977 p. 544.

231 MEllO, celso Antonio bandeira de. Curso de direito administrativo , p. 453.

232 cAHAlI, Y. Responsabilidade Civil do Estado. 2a edição, 2a tiragem. São Paulo: Malheiros, 1996, pp. 96 e 97 .

233 TEPEDINO, Gustavo. Evolução da Responsabilidade civil no Direito brasi-leiro e suas controvérsias na Atividade Estatal. In: Temas de Direito Civil. Rio de Janeiro: Editora Renovar, p. 176.

sação do evento, pois, na realidade, seria iníquo que o Estado, ou seja, toda a comunidade, respondesse pela composição de um dano para o qual a vítima concorreu com culpa”.229

Marcelo Caetano, por sua vez, esclarece que a justificativa ético-jurídica da adoção desta teoria está em que “os riscos acarretados pelas coisas ou ati-vidades perigosas devem ser corridos por quem aproveite os benefícios da existência dessas coisas ou do desenrolar de tais atividades (...) A Adminis-tração deve responder pelos riscos resultantes de atividades perigosas ou da existência de coisas perigosas, quando não tenha havido força maior estranha ao funcionamento dos serviços (...) na origem dos danos e não consiga provar que estes foram causados por culpa de quem os sofreu”. 230

São, portanto, requisitos para o nascimento do dever ressarcitório do Esta-do, consoante a teoria do risco administrativo, hoje a mais difundida:

a) a existência de um dano correspondente a “lesão a um direito da víti-ma”231, certo e injusto (para os adeptos da teoria subjetiva em caso de omissão do poder público, estes casos exigem, ainda, o comportamento culposo da administração, conforme adiante explanado);

b) o responsável pelo ato deve se revestir da qualidade de agente da Admi-nistração Pública;

c) é preciso que haja nexo de causalidade entre o ato da Administração e o dano causado. Ressalte-se que, na apuração da causalidade, o STF abraça a teoria da interrupção do nexo causal, ou do dano direto e imediato, que pro-clama existir nexo causal apenas quando o dano é o efeito direto e necessário de uma causa.232

Conforme frisa Gustavo Tepedino, a adoção da responsabilidade objetiva se coaduna com os princípios constitucionais da República:

Com efeito, os princípios da solidariedade social e da justiça distri-butiva, capitulados no art. 3o., incisos I e III, da Constituição, segun-do os quais se constituem em objetivos fundamentais da República a construção de uma sociedade livre, justa e solidária, bem como a erra-dicação da pobreza e da marginalização e a redução das desigualdades sociais e regionais, não podem deixar de moldar os novos contornos da responsabilidade civil. (...) Impõem, como linha de tendência, o cami-nho da intensificação dos critérios objetivos de reparação do dano e do desenvolvimento de novos mecanismos de seguro social.233

Responsabilidade civil do estado por ato omissivo

Conforme acima visto, em relação ao ato comissivo do agente adminis-trativo, encontra-se consagrada a tese de que o Estado é responsável objeti-

229. MOREIRA NETO, Diogo de Figuei-redo. curso de Direito Admi-nistrativo. 14a ed. Rio de Janeiro: Forense, p. 588.

230. cAETANO, Marcelo. princípios Fundamentais do Direito Ad-ministrativo. Rio de Janeiro: Foren-se, 1977 p. 544.

231. MEllO, celso Antonio bandeira de. curso de direito adminis-trativo , p. 453.

232. cAHAlI, Y. Responsabilida-de civil do estado. 2a edição, 2a tiragem. São Paulo: Malheiros, 1996, pp. 96 e 97 .

233. TEPEDINO, Gustavo. Evolução da Responsabilidade civil no Direito brasi-leiro e suas controvérsias na Atividade Estatal. In: Temas de Direito civil. Rio de Janeiro: Editora Renovar, p. 176.

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FGv DIREITO RIO 156

234 A referência era ao código civil de 1916, já revogado.

235 TEPEDINO, Gustavo. “A Evolução da responsabilidade civil no direito brasi-leiro e suas controvérsias na atividade estatal”. In: Temas de Direito Civil. Rio de Janeiro: Editora Renovar, pp. 191 e 192. cumpre mencionar que a referência é ao artigo 15 do código civil de 1916, já revogado.

vamente pelos danos causados, devendo ressarcir à vítima a integralidade dos prejuízos sofridos. Todavia, quanto ao ato omissivo, tanto a doutrina quanto a jurisprudência são vacilantes, sendo que ainda é majoritária a tese de que neste caso impera a responsabilidade subjetiva, sendo necessária a comprova-ção de negligência do Poder Público. Entende-se que a omissão é suficiente para caracterizar a culpa, caso se comprove que a situação impunha um dever de agir ao Estado, por intermédio de seus órgãos.

Desde o advento da Constituição de 1988, Gustavo Tepedino sustenta ser a responsabilidade do Estado objetiva tanto por ato comissivo quanto por ato omissivo. Nesse sentido, ainda sob a égide do Código Civil de 1916 (revoga-do pela Lei nº 10.406/2002), já afirmava:

Não é dado ao intérprete restringir onde o legislador não restringiu, sobretudo em se tratando de legislador constituinte — ubi lex non dis-tinguit nec nos distinguere debemus. A Constituição Federal, ao introdu-zir a responsabilidade objetiva para os atos da administração pública, altera inteiramente a dogmática da responsabilidade neste campo, com base nos princípios axiológicos e normativos (dos quais se destaca o da isonomia e o da justiça distributiva), perdendo imediatamente base de validade o art. 15 do Código Civil,234 que se torna, assim, revogado ou, mais tecnicamente, não foi recepcionado pelo sistema constitucional.

Nem de objete que tal entendimento levaria ao absurdo, configu-rando-se uma espécie de panresponsabilização do Estado diante de to-dos os danos sofridos pelos cidadãos, o que oneraria excessivamente o erário e suscitaria uma ruptura no sistema da responsabilidade civil. A rigor, a teoria da responsabilidade objetiva do Estado comporta causas excludentes, que atuam, como acima já aludido, sobre o nexo causal entre o fato danoso (a ação administrativa) e o dano, e tal sorte a mi-tigar a responsabilização, sem que, para isso, seja preciso violar o texto constitucional e recorrer à responsabilidade aquiliana.235

Para Marçal Justen Filho, a responsabilidade civil do Estado por ato omis-sivo pode ser desdobrada em pelo menos duas situações distintas:

Os casos de ilícito omissivo próprio são equiparáveis aos atos comissi-vos, para efeitos de responsabilidade civil do Estado. Assim, se uma norma estabelecer que é obrigatório o agente público praticar certa ação, a omis-são configura atuação ilícita e gera a presunção de formação defeituosa da vontade. O agente omitiu a conduta obrigatória ou por atuar intencional-mente ou por formar defeituosamente sua própria vontade — a não ser que a omissão tenha sido o resultado intencional da vontade orientada a produzir uma solução conforme ao direito e por ela autorizada.

234. A referência era ao código civil de 1916, já revogado.

235. TEPEDINO, Gustavo. “A Evolução da responsabilidade civil no direito brasileiro e suas controvérsias na ativi-dade estatal”. In: Temas de Direito civil. Rio de Janeiro: Editora Renovar, pp. 191 e 192. cumpre mencionar que a referência é ao artigo 15 do código civil de 1916, já revogado.

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FGv DIREITO RIO 157

236 Curso de direito administrativo. São Paulo: Malheiros, 2005, p. 600.

O grande problema são as hipóteses de ilícito omissivo impróprio, em que o sujeito não está obrigado a agir de modo determinado e específico. Nesses casos, a omissão do sujeito não gera presunção de infração ao dever de diligência. É imperioso, então, verificar concreta-mente se houve ou não infração ao dever de diligência que recai sobre os exercentes de função estatal. Se existiam elementos fáticos indicati-vos do risco de consumação de um dano, se a adoção das providências necessárias e suficientes para impedir esse dano era da competência do agente, se o atendimento ao dever de diligência teria conduzido ao im-pedimento da adoção das condutas aptas a gerar o dano — então, estão presentes os pressupostos da responsabilidade civil.

Essa concepção conduz à responsabilização civil do Estado em ques-tões de fiscalização institucional e permanente, sempre que o exercício ordinário das competências de acompanhamento dos fatos permitisse inferir a probabilidade de resultado danoso a terceiro.236

Nas situações de ilícito omisso impróprio, prevalece na jurisprudência a tese da responsabilidade subjetiva do Estado, conforme ilustram as decisões abaixo do Superior Tribunal de Justiça:

PROCESSUAL CIVIL E ADMINISTRATIVO. RESPONSABI-LIDADE CIVIL DO ESTADO.

ATO OMISSIVO DA ADMINISTRAÇÃO. INSS. CONDENA-ÇÃO EM DANOS MORAIS.

CABIMENTO. QUANTUM DEBEATUR. REDUÇÃO. REE-XAME DO CONJUNTO FÁTICO-PROBATÓRIO. INVIABILI-DADE. SÚMULA 7/STJ.

1. Hipótese em que o Tribunal a quo, soberano no exame da prova, julgou que são ilegais os descontos nos proventos de aposentadoria da autora, porquanto inexistente o acordo de empréstimo consignado, e que a autarquia previdenciária agiu com desídia ao averbar contrato falso.

2. A jurisprudência do STJ é pacífica no sentido de que, caracteri-zada a responsabilidade subjetiva do Estado, mediante a conjugação concomitante de três elementos — dano, negligência administrativa e nexo de causalidade entre o evento danoso e o comportamento ilícito do Poder Público —, é inafastável o direito do autor à indenização ou reparação civil dos prejuízos suportados.

3. O valor dos danos morais, fixado em R$ 5.000,00 (cinco mil re-ais), não se mostra exorbitante ou irrisório. Portanto, modificar o quan-tum debeatur implicaria, in casu, reexame da matéria fático-probatória, obstado pela Súmula 7/STJ.

236. curso de direito adminis-trativo. São Paulo: Malheiros, 2005, p. 600.

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FGv DIREITO RIO 158

237 RIZZARDO, Arnaldo. Responsabilida-de Civil. 3ª. edição — Rio de Janeiro: Editora Forense, 2007. páginas 395-396.

238 AI 70043035377 RS, Décima câmara cível, Des. Rel. Ivan balson Araújo¸ Jul-gamento em 02/06/2011.

4. Recurso Especial não provido.(REsp 1228224/RS, Rel. Ministro HERMAN BENJAMIN, SE-

GUNDA TURMA, julgado em 03/05/2011, DJe 10/05/2011)

PROCESSUAL CIVIL E ADMINISTRATIVO. (...) ATO OMIS-SIVO DA ADMINISTRAÇÃO. CONDENAÇÃO EM DANOS MATERIAIS. CABIMENTO.

(...)4. A jurisprudência do STJ é pacífica no sentido de que, caracteri-

zada a responsabilidade subjetiva do Estado, mediante a conjugação concomitante de três elementos — dano, negligência administrativa e nexo de causalidade entre o evento danoso e o comportamento ilícito do Poder Público — é inafastável o direito do autor à indenização ou reparação civil dos prejuízos suportados.

(...)(REsp 1191462/ES, Rel. Ministro HERMAN BENJAMIN, SE-

GUNDA TURMA, julgado em 05/08/2010, DJe 14/09/2010)

Responsabilidade do agente público

O agente público que, agindo culposamente, tenha dado causa ao evento danoso, também pode ser responsabilizado. Assim, a ação de reparação de dano proposta pelo particular ofendido poderá conter o Estado, juntamente com o agente público que cometeu delito, em litisconsórcio passivo. Nesse sentido, é a doutrina de Arnaldo Rizzardo:

“Desde que a responsabilidade decorra da culpa, é natural que se deixe à livre escolha de quem está revestido de legitimidade ativa deci-dir contra quem ingressará com ação de ressarcimento de danos. Real-mente, se os danos causados a terceiros pelos agentes do Estado decor-rem de ato doloso ou culposo, faculta-se ao lesado acionar unicamente o Estado, ou o Estado e o servidor em litisconsórcio passivo, ou apenas o servidor.”237

A jurisprudência brasileira também defende o supramencionado posicio-namento, conforme se observa pelo julgamento do Agravo de Instrumento n° 70043035377 do Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul238:

AGRAVO DE INSTRUMENTO. RESPONSABILIDADE CI-VIL. AÇÃO INDENIZATÓRIA. OFENSAS VERBAIS E FISÍCAS PROFERIDAS POR DIRETORA DE ESCOLA MUNICIPAL. DE-

237. RIZZARDO, Arnaldo. Responsa-bilidade civil. 3ª. edição — Rio de Janeiro: Editora Forense, 2007. páginas 395-396.

238. AI 70043035377 RS, Décima câ-mara cível, Des. Rel. Ivan balson Araú-jo¸ Julgamento em 02/06/2011.

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FGv DIREITO RIO 159

MANDA AJUIZADA CONTRA O AGENTE PÚBLICO. POSSI-BILIDADE. DENUNCIAÇÃO DA LIDE AO ENTE PÚBLICO. DESCABIMENTO. INEXISTÊNCIA DE DIREITO DE REGRES-SO.

1. Fundada a ação reparatória em culpa ou dolo do agente público, o ofendido poderá propor a ação unicamente contra o Estado, ou o Es-tado e o servidor em litisconsórcio passivo, ou unicamente o servidor.

2. Optando a vítima pelo ajuizamento da ação contra o servidor, haverá uma relação de direito privado, inexistindo possibilidade de pre-juízo direto ao erário público, tampouco direito de regresso do agente contra o ente público.

3. Não havendo direito de regresso, inexiste justificativa para a de-nunciação da lide ao município.

4. Não verificadas as possibilidades de cabimento da denunciação da lide previstas no art. 70, CPC, é incabível o pleito.

5. O prequestionamento quanto à legislação invocada fica estabele-cido pelas razões de decidir.

Desse modo, considerando que, não raras vezes, o agente causador do dano não possui patrimônio suficiente para responder pelos prejuízos oca-sionados à vítima, é comum que as ações de responsabilidade civil sejam propostas em face do ente estatal presentado pelo agente, cabendo a este, em eventual condenação, exercer o direito de regresso contra o agente causador do dano na hipótese deste ter agido com culpa ou dolo.

v. RecuRsOs/MATeRIAIs uTILIZADOs

Leitura obrigatória

CARVALHO FILHO, José dos Santos. Manual de direito administrativo. São Paulo: Atlas, itens:

• ResponsabilidadecivildoEstadoo Introduçãoo Evoluçãoo Direito brasileiroo Aplicação da responsabilidade objetivao Reparação do danoo O Direito de regresso

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FGv DIREITO RIO 160

Leitura complementar

JUSTEN FILHO, Marçal. Curso de direito administrativo. São Paulo: Ma-lheiros, 2006, pp. 791 a 813.

MOREIRA NETO, Diogo. Curso de direito administrativo. 14a ed. Rio de Janeiro: Forense, 2006, pp. 586 a 590.

vI. AvALIAçãO

caso gerador

Ao ser chamada para atender a uma ocorrência, viatura policial com sire-ne ligada entrou na contramão em determinada rua, vindo a atropelar um menor. O motorista da viatura foi absolvido do crime de lesão corporal, por ausência de culpa. Há responsabilidade civil do Estado nesse caso?

vII. cONcLusãO DA AuLA

O Estado responde objetivamente pelos danos que seus agentes, nessa qualidade, causarem a terceiros. Existe controvérsia doutrinária acerca da na-tureza da responsabilidade administrativa do Estado na hipótese de ato omis-sivo, sendo ainda majoritária a tese que sustenta a responsabilidade subjetiva nesses casos.

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FGv DIREITO RIO 161

239 cARvAlHO FIlHO, José dos Santos. Manual de direito administrativo. 15a ed. Rio de Janeiro: lumen Iuris, 2006, p. 491.

240 Manual de direito administrativo, p. 491.

unIdade vIII: agentes estataIs

aulas 20 e 21

I. TeMA

Regime jurídico dos agentes estatais

II. AssuNTO

Agentes estatais.

III. OBJeTIvOs especÍFIcOs

Apresentar os dois principais regimes jurídicos que a Administração Publi-ca pode utilizar para contratar seus cargos.

Iv. DeseNvOLvIMeNTO MeTODOLÓgIcO

A maioria das funções administrativas é desempenhada por servidores pú-blicos, os quais, nas palavras de José dos Santos Carvalho Filho:

São todos os agentes que, exercendo com caráter de permanência uma função pública em decorrência de relação de trabalho, integram o quadro funcional das pessoas federativas, das autarquias e das funda-ções públicas de natureza autárquica.239

Portanto, “os servidores públicos fazem do serviço público uma profissão, como regra de caráter definitivo, e se distinguem dos demais agentes públicos pelo fato de estarem ligados ao Estado por uma efetiva relação de trabalho”240.

Até a Emenda Constitucional 19/98 vigeu o Regime Jurídico Único, se-gundo o qual todos os servidores da Administração Pública deveriam seguir o regime estatutário. Desde 1998, entretanto, por força das alterações intro-duzidas pela citada emenda, a Administração Pública passou a possuir dois regimes jurídicos básicos para reger a sua relação com os servidores, quais sejam, o (i) regime jurídico estatutário e (ii) o regime jurídico celetista. Veja--se o texto constitucional:

239. cARvAlHO FIlHO, José dos San-tos. Manual de direito adminis-trativo. 15a ed. Rio de Janeiro: lumen Iuris, 2006, p. 491.

240. Manual de direito admi-nistrativo, p. 491.

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FGv DIREITO RIO 162

241 Manual de direito administrativo, pp. 491 e 492.

Art. 37. A administração pública direta e indireta de qualquer dos Poderes da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios obedecerá aos princípios de legalidade, impessoalidade, moralidade, publicidade e eficiência e, também, ao seguinte: (Redação dada pela Emenda Constitucional nº 19, de 1998)

I — os cargos, empregos e funções públicas são acessíveis aos brasi-leiros que preencham os requisitos estabelecidos em lei, assim como aos estrangeiros, na forma da lei;

II — a investidura em cargo ou emprego público depende de apro-vação prévia em concurso público de provas ou de provas e títulos, de acordo com a natureza e a complexidade do cargo ou emprego, na forma prevista em lei, ressalvadas as nomeações para cargo em comissão declarado em lei de livre nomeação e exoneração;

A distinção dos regimes é realizada por José dos Santos Carvalho Filho da seguinte forma:

Servidores públicos estatutários são aqueles cuja relação jurídica de trabalho é disciplinada por diplomas legais específicos, denominados de estatutos. Nos estatutos estão inscritas todas as regras que incidem sobre a relação jurídica, razão por que nelas se enumeram os direitos e deveres dos servidores e do Estado.

(...)A segunda categoria é a dos servidores públicos trabalhistas (ou

celetistas), assim qualificados porque as regras disciplinadoras de sua relação de trabalho são as constantes da Consolidação das Leis do Tra-balho. Seu regime básico, portanto, é o mesmo que se aplica à relação de emprego no campo privado, com as exceções, é lógico, pertinentes à posição especial de ambas as partes — o Poder Público.241

Assim, o primeiro regime tem fulcro em um conjunto de normas que disciplinam a relação entre o servidor público e a Administração, ao passo que o segundo tem natureza contratual. No primeiro regime, após período probatório, o funcionário adquire direito à estabilidade no cargo, o que não se aplica aos servidores celetistas.

É importante destacar que na Ação Direta de Inconstitucionalidade (Me-dida Liminar) 2135-4, decidida em Plenário no dia 02.08.2007 e cujo acór-dão foi publicado em 07.03.2008, o Supremo Tribunal Federal, por maio-ria, vencidos os Ministros Nelson Jobim, Ricardo Lewandowski e Joaquim Barbosa, deferiu parcialmente a medida cautelar para suspender a eficácia do artigo 039, caput, da Constituição Federal, com a redação da Emenda Cons-titucional nº 019, de 04 de junho de 1998, nos termos do voto do relator

241. Manual de direito admi-nistrativo, pp. 491 e 492.

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FGv DIREITO RIO 163

242 Manual..., 24ª ed. p. 555-556.

originário, Ministro Néri da Silveira. O fundamento da decisão consiste em que a alteração do caput do art. 39 da Constituição não teria passado em dois turnos na Câmara dos Deputados e, por isso, haveria vício formal de apro-vação no Congresso Nacional. Com essa decisão cautelar do STF, voltou a vigorar o Regime Jurídico Único.

Sobre a questão do Regime Jurídico Único, observa José dos Santos Car-valho Filho:242

A unicidade de regime jurídico alcança tão-somente os servidores permanentes. Para os servidores temporários, continua subsistente o regime especial como previsto no art. 37, IX, da CF. Portanto, será sempre oportuno destacar que a expressão “regime único” tem que ser considerada cum grano salis, para entender-se que os regimes de pessoal são dois — um regime comum (tido como regime único) e outro, o regime especial (para servidores temporários).

servidores Temporários

A Constituição também admite a contratação de servidores públicos tem-porários, por prazo determinado, para atender a casos de excepcional interes-se público. Nesse sentido, determina o art. 37, IX:

Art. 37. (...)IX — A lei estabelecerá os casos de contratação por tempo determi-

nado para atender a necessidade temporária de excepcional interesse público;

(...)

Referida lei deve ser editada por cada ente federativo (União, Estados e municípios). No âmbito federal, a Lei nº 8.745/1993 dispõe sobre a contra-tação temporária de servidores.

servidores comissionados

Por fim, vale mencionar que também são admitidos na Administração Pú-blica pessoas estranhas aos seus quadros, na hipótese de cargos comissionados (que podem ser preenchidos por funcionários de carreira ou não). A previsão de cargos comissionados encontra-se no art. 37, II da Constituição Federal:

242. Manual..., 24ª ed. p. 555-556.

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FGv DIREITO RIO 164

243 cARvAlHO FIlHO, José dos Santos. Manual de direito administrativo. 17a ed. Rio de Janeiro: lumen Iuris, 2007, p. 528

244 Id.

245 Id. Ibid., p. 529.

Art. 37. A administração pública direta e indireta de qualquer dos Poderes da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios obedecerá aos princípios de legalidade, impessoalidade, moralidade, publicidade e eficiência e, também, ao seguinte:

(...)II — a investidura em cargo ou emprego público depende de apro-

vação prévia em concurso público de provas ou de provas e títulos, de acordo com a natureza e a complexidade do cargo ou emprego, na forma prevista em lei, ressalvadas as nomeações para cargo em co-missão declarado em lei de livre nomeação e exoneração;

Dos cargos públicos

Os servidores públicos estatutários ocupam cargos. Cargo público é o lugar dentro da organização funcional da Administração Direta, e de suas autarquias e fundações públicas que, ocupado por servidor público, tem fun-ções específicas e remuneração fixada em lei ou diploma a ela equivalente.243

Em âmbito federal, a Lei que rege a matéria é a Lei nº 8112, de 11/12/1990. Nessa lei são tratadas questões como: acessibilidade (a regra é o concurso pú-blico), provimento, investidura, reingresso, vacância, estabilidade etc.

Os servidores públicos dividem em três espécies de cargos: os vitalícios, os efetivos e em comissão.

Vitalícios: aqueles que oferecem a maior garantia de permanência a seus ocupantes.

Efetivos: constituindo a grande maioria, são aqueles que se revestem do caráter de permanência.

Cargo em comissão: são aqueles de ocupação transitória, e seus titulares são nomeados em função da relação de confiança.244

Cargo não se confunde com função de confiança, prevista no art. 37, V da Constituição Federal. Função corresponde “ao exercício de algumas funções específicas por servidores que desfrutam da confiança de seus superiores, os quais, por isso mesmo, percebem certa retribuição adicional para compensar tal especificidade. Retratam, em última análise, modalidade de gratificação, paga em virtude do tipo especial de atribuição e, somente podem ser exerci-das por servidores que ocupem cargo efetivo.”245

243. cARvAlHO FIlHO, José dos San-tos. Manual de direito adminis-trativo. 17a ed. Rio de Janeiro: lumen Iuris, 2007, p. 528

244. Id.

245. Id. Ibid., p. 529.

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FGv DIREITO RIO 165

vedação de Acumulação de cargos

A Constituição da República de 1988 consagrou a vedação de acumulação remunerada de cargos, empregos ou funções públicas, mantendo as ressalvas à acumulação nestes casos:

a) situação de professor com outra de idêntica natureza;b) situação de professor com outra técnica ou científi ca;c) duas situações privativas de médico; exigindo-se, tão-somente, o re-

quisito da compatibilidade de horários, a teor destas disposições.

A questão está disposta no art. 37 da Constituição de 1988:

Art. 37.XVI — é vedada a acumulação remunerada de cargos públicos, ex-

ceto quando houver compatibilidade de horários:a) a de dois cargos de professor;b) a de um cargo de professor com outro técnico ou científico;c) a de dois cargos privativos de médico;

XVII — a proibição de acumular estende-se a empregos e funções e abrange autarquias, empresas públicas, sociedades de economia mista e fundações mantidas pelo Poder Público;

Além das exceções previstas acima, observada, por óbvio, a compatibilida-de de horários, ficaram efetivamente assegurados os seguintes direitos:

a) aos magistrados e membros do Ministério Público, o exercício da função pública de magistério (arts. 95, parágrafo único, I; e 128, § 5º, II, c, respectivamente);

b) ao médico militar, o exercício cumulativo de dois cargos ou empre-gos privativos de médico que estivessem, na data da Constituição, sendo exercidos na Administração Pública Direta ou Indireta (art. 17, § 1º, do ADCT);

c) o exercício cumulativo de dois cargos ou empregos privativos de pro-fissionais de saúde que estivessem, em 05/10/88, sendo exercidos na Administração Direta e Indireta (art. 17, § 2º, do ADCT).

No caso, por exemplo, dos magistrados, a Constituição Federal foi expressa:

Art. 95. Os juízes gozam das seguintes garantias:Parágrafo único. Aos juízes é vedado:I — exercer, ainda que em disponibilidade, outro cargo ou função,

salvo uma de magistério;

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FGv DIREITO RIO 166

246 Manual de Direito Administrativo. Ob. cit., p. 567.

Malgrado o texto expresso, a interpretação doutrinária seguiu na linha de que essa limitação referia-se, apenas, a instituições públicas. Veja-se, por exemplo, a doutrina de José dos Santos Carvalho Filho:

“A ressalva quanto à permissividade — uma única função de ma-gistério — limita-se a cargos ou funções em instituições pertencentes à Administração, seja centralizada, seja descentralizada (...). Por outro lado, como a restrição do texto — uma única função — se refere a insti-tuições administrativas, nada impede que, além do cargo de magisté-rio nessas instituições, o magistrado tenha contrato com instituições ou cursos do setor privado, desde que, obviamente, haja compatibilida-de de horários com o exercício da judicatura. Da mesma forma, é legítimo que, não ocupando cargo em estabelecimento público, tenha um ou mais contratos com instriuições privadas para a função de professor.”246

Acerca dessa questão, o Conselho Nacional de Justiça, por exemplo, “alon-gou” essa interpretação e permitiu que magistrado ocupasse função de Dire-tor de Escola de Magistratura. Veja a ementa do Pedido de Providências No. 775106, cujo julgamento foi por maioria de votos:

EMENTA: Pedido de Providências. Vedações impostas aos magis-trados.

Consulta formulada por servidor público. Conhecimento. Vigência da LOMAN. Premissa fundamental. Conforme reiteradas decisões do Supremo Tribunal Federal, está em plena vigência os dispositivos da Lei Complementar no. 35/79, particularmente sobre os deveres e vedações aos magistrados. Matéria, aliás, também já apreciada no CNJ quando da edição da Resolução no. 10/05. Regras complementadas pelo art. 95 e parágrafo único da Constituição Federal. Prevalência do princípio da dedicação exclusiva, indispensável a função judicante. Não pode o magistrado exercer comércio ou participar, como diretor ou ocupante de cargo de direção, de sociedade comercial de qualquer espécie/na-tureza ou de economia mista (art. 36, 1 da LOMAN). Também está impedido de exercer cargo de direção ou de técnico de pessoas jurí-dicas de direito privado (art. 44 do Código Civil c/c art. 36, 11 da LOMAN). Ressalva-se apenas a direção de associação de classe ou de escola de magistrados e o exercício de um cargo de magistério. Não pode, consequentemente, um juiz ser presidente ou diretor de Rotary, de Lions, de APAEs, de ONGs, de Sociedade Espírita, Rosa-Cruz, etc, vedado também ser Grão Mestre da Maçonaria; síndico de edifício em condomínio; diretor de escola ou faculdade pública ou particular, entre

246. Manual de Direito Admi-nistrativo. Ob. cit., p. 567.

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FGv DIREITO RIO 167

outras vedações. Consulta que se conhece respondendo-se afirmativa-mente no sentido dos impedimentos.

Veja-se a manifestação do Relator, Desembargador Marcus Faver, ao sus-tentar essa “interpretação”:

“Por fim, a questão das escolas de magistratura me parece que haja uma diferença básica e absolutamente visível. Há um cargo que é o de direção da escola, que é um cargo executivo; portanto, pareceria vir de encontro ao que sustento. Mas atividade da escola é, ainda que a escola não seja um órgão interno, uma atividade própria do Judiciá-rio, de formação e aperfeiçoamento de juízes. Então, é evidente que é possível ao juiz exercitar cargo de direção de escola.”

Como se vê, a interpretação quanto à acumulação de cargos por Magis-trados mereceu apreciação do Conselho Nacional de Justiça — CNJ no caso concreto.

empresas estatais

Quanto às empresas públicas e sociedades de economia mista que, confor-me se sabe, integram a Administração Pública indireta com natureza jurídica de pessoa de direito privado, o art. 173, §1º, II, da Constituição Federal, em sua atual redação, determina que tais entidades adotem o regime celetista, pois o texto constitucional as equipara às empresas privadas no que tange às obrigações trabalhistas:

Art. 173. Ressalvados os casos previstos nesta Constituição, a ex-ploração direta de atividade econômica pelo Estado só será permitida quando necessária aos imperativos da segurança nacional ou a relevante interesse coletivo, conforme definidos em lei.

§1º. A lei estabelecerá o estatuto jurídico da empresa pública, da so-ciedade de economia mista e de suas subsidiárias que explorem ativida-de econômica de produção ou comercialização de bens ou de prestação de serviços, dispondo sobre:

(...)II — a sujeição ao regime jurídico próprio das empresas privadas,

inclusive quanto aos direitos e obrigações civis, comerciais, trabalhistas e tributários;

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FGv DIREITO RIO 168

v. RecuRsOs/MATeRIAIs uTILIZADOs

Leitura obrigatória

CARVALHO FILHO, José dos Santos. Manual de direito administrativo. São Paulo: Atlas, itens:

• Servidorpúblicoo Agentes públicoso Servidores públicoso Regimes jurídicos funcionaiso Organização funcionalo Regime constitucional (subitens 1 a 4)

Leitura complementar

MOREIRA NETO, Diogo. Curso de direito administrativo. 14a ed. Rio de Janeiro: Forense, 2006, capítulo XII.

vI. AvALIAçãO

caso gerador

Seu Manoel está em dúvida sobre se faz concurso publico para o Banco Central do Brasil ou para o Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES). O que você tem a lhe informar acerca da relação jurídica entre essas entidades e os agentes públicos que compõem os seus quadros efetivos?

vIII. cONcLusãO DA AuLA

Ao final dessas duas aulas o aluno deve ser capaz de diferenciar as diferen-tes espécies de agentes públicos, assim como as características inerentes aos cargos e empregos públicos. Deverá também conhecer as principais diferen-ças entre sindicância e processo administrativo disciplinar.

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FGv DIREITO RIO 169

247 cARvAlHO FIlHO, José dos Santos. Manual de direito administrativo. 17a ed. Rio de Janeiro: lumen Iuris, 2007, p. 846.

248 Idem, p. 848.

249 Idem, 849.

aula 22

I. TeMA

Agentes estatais

II. AssuNTO

Processo administrativo disciplinar.

III. OBJeTIvOs especÍFIcOs

Diferenciar sindicância e processo administrativo disciplinar. Conhecer as sanções a que se sujeita o agente público que falta com seus deveres funcionais.

Iv. DeseNvOLvIMeNTO MeTODOLÓgIcO

Dentre a generalidade dos processos administrativos destaca-se a espécie do processo administrativo disciplinar, a qual tem por finalidade a averigua-ção da ocorrência de um ilícito administrativo para, se for o caso, impor uma sanção de natureza administrativa ao servidor público que comete faltas no exercício de suas funções.

Não há uma base normativa específica que discipline a matéria. Incide, para esse tipo de processo, o princípio da disciplina reguladora difusa.247 As regras se encontram nos estatutos funcionais das diversas pessoas federativas (cada pessoa administrativa tem autonomia para instituir o seu estatuto funcional).

sindicância

Uma das fases da apuração da existência de alguma infração funcional é a sindicância. É uma apuração preliminar dos fatos, colhendo os seguintes in-dícios: i) existência de infração funcional; ii) autoria e iii) elemento subjetivo com que se conduziu o responsável.248

Em âmbito federal, a sindicância não se confunde com o Inquérito Admi-nistrativo.249 Este tem sinônimo de instrução. Portanto, não se trata de ins-tituto autônomo, e, sim, de uma das fases do processo disciplinar principal. Esse é o sentido empregado na normativa federal (Lei nº 8112/90):

247. cARvAlHO FIlHO, José dos San-tos. Manual de direito adminis-trativo. 17a ed. Rio de Janeiro: lumen Iuris, 2007, p. 846.

248. Idem, p. 848.

249. Idem, 849.

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FGv DIREITO RIO 170

Art. 143. A autoridade que tiver ciência de irregularidade no serviço público é obrigada a promover a sua apuração imediata, mediante sin-dicância ou processo administrativo disciplinar, assegurada ao acusado ampla defesa.

Art. 145. Da sindicância poderá resultar:I — arquivamento do processo;II — aplicação de penalidade de advertência ou suspensão de até 30

(trinta) dias;III — instauração de processo disciplinar.Parágrafo único. O prazo para conclusão da sindicância não excede-

rá 30 (trinta) dias, podendo ser prorrogado por igual período, a critério da autoridade superior.

Art. 146. Sempre que o ilícito praticado pelo servidor ensejar a im-posição de penalidade de suspensão por mais de 30 (trinta) dias, de demissão, cassação de aposentadoria ou disponibilidade, ou destituição de cargo em comissão, será obrigatória a instauração de processo dis-ciplinar.

Art. 151. O processo disciplinar se desenvolve nas seguintes fases:I — instauração, com a publicação do ato que constituir a comissão;II — inquérito administrativo, que compreende instrução, defesa e

relatório;III — julgamento.

Merece ser lembrado que Estados e municípios têm autonomia para le-gislar sobre seus respectivos processos disciplinares, tendo a Lei 8.112/90 natureza federal.

processo Administrativo Disciplinar

Processo Administrativo Disciplinar é todo aquele que tem por objeto a apuração de ilícito funcional. Apurado o ilícito, aplica-se a respectiva sanção. A mencionada regra federal disciplina a questão:

Do Processo Disciplinar

Art. 148. O processo disciplinar é o instrumento destinado a apurar responsabilidade de servidor por infração praticada no exercício de suas

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FGv DIREITO RIO 171

atribuições, ou que tenha relação com as atribuições do cargo em que se encontre investido.

Art. 149. O processo disciplinar será conduzido por comissão com-posta de três servidores estáveis designados pela autoridade competen-te, observado o disposto no § 3o do art. 143, que indicará, dentre eles, o seu presidente, que deverá ser ocupante de cargo efetivo superior ou de mesmo nível, ou ter nível de escolaridade igual ou superior ao do indiciado.

§ 1o A Comissão terá como secretário servidor designado pelo seu presidente, podendo a indicação recair em um de seus membros.

§ 2o Não poderá participar de comissão de sindicância ou de inqué-rito, cônjuge, companheiro ou parente do acusado, consangüíneo ou afim, em linha reta ou colateral, até o terceiro grau.

Art. 150. A Comissão exercerá suas atividades com independência e imparcialidade, assegurado o sigilo necessário à elucidação do fato ou exigido pelo interesse da administração.

Parágrafo único. As reuniões e as audiências das comissões terão ca-ráter reservado.

Art. 151. O processo disciplinar se desenvolve nas seguintes fases:I — instauração, com a publicação do ato que constituir a comissão;II — inquérito administrativo, que compreende instrução, defesa e

relatório;III — julgamento.

Art. 152. O prazo para a conclusão do processo disciplinar não ex-cederá 60 (sessenta) dias, contados da data de publicação do ato que constituir a comissão, admitida a sua prorrogação por igual prazo, quando as circunstâncias o exigirem.

§ 1o Sempre que necessário, a comissão dedicará tempo integral aos seus trabalhos, ficando seus membros dispensados do ponto, até a entrega do relatório final.

§ 2o As reuniões da comissão serão registradas em atas que deverão detalhar as deliberações adotadas.

Na esfera federal, são cabíveis as seguintes penalidades:

Art. 127. São penalidades disciplinares:I — advertência;II — suspensão;

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FGv DIREITO RIO 172

III — demissão;IV — cassação de aposentadoria ou disponibilidade;V — destituição de cargo em comissão;VI — destituição de função comissionada

Essas penalidades são aplicadas observando-se as seguintes regras:

Art. 128. Na aplicação das penalidades serão consideradas a natu-reza e a gravidade da infração cometida, os danos que dela provierem para o serviço público, as circunstâncias agravantes ou atenuantes e os antecedentes funcionais.

Parágrafo único. O ato de imposição da penalidade mencionará sempre o fundamento legal e a causa da sanção disciplinar. (Parágrafo acrescentado pela Lei nº 9.527, de 10.12.97)

Art. 129. A advertência será aplicada por escrito, nos casos de vio-lação de proibição constante do art. 117, incisos I a VIII e XIX, e de inobservância de dever funcional previsto em lei, regulamentação ou norma interna, que não justifique imposição de penalidade mais grave.

Art. 130. A suspensão será aplicada em caso de reincidência das faltas punidas com advertência e de violação das demais proibições que não tipifiquem infração sujeita a penalidade de demissão, não podendo exceder de 90 (noventa) dias.

§ 1o Será punido com suspensão de até 15 (quinze) dias o servidor que, injustificadamente, recusar-se a ser submetido a inspeção médica determinada pela autoridade competente, cessando os efeitos da pena-lidade uma vez cumprida a determinação.

§ 2o Quando houver conveniência para o serviço, a penalidade de suspensão poderá ser convertida em multa, na base de 50% (cinqüenta por cento) por dia de vencimento ou remuneração, ficando o servidor obrigado a permanecer em serviço.

Art. 131. As penalidades de advertência e de suspensão terão seus registros cancelados, após o decurso de 3 (três) e 5 (cinco) anos de efeti-vo exercício, respectivamente, se o servidor não houver, nesse período, praticado nova infração disciplinar.

Parágrafo único. O cancelamento da penalidade não surtirá efeitos retroativos.

Art. 132. A demissão será aplicada nos seguintes casos:I — crime contra a administração pública;

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FGv DIREITO RIO 173

250 cARvAlHO FIlHO, José dos Santos. Manual de direito administrativo. 17a ed. Rio de Janeiro: lumen Iuris, 2007, p.906.

II — abandono de cargo;III — inassiduidade habitual;IV — improbidade administrativa;V — incontinência pública e conduta escandalosa, na repartição;VI — insubordinação grave em serviço;VII — ofensa física, em serviço, a servidor ou a particular, salvo em

legítima defesa própria ou de outrem;VIII — aplicação irregular de dinheiros públicos;IX — revelação de segredo do qual se apropriou em razão do cargo;X — lesão aos cofres públicos e dilapidação do patrimônio nacional;XI — corrupção;XII — acumulação ilegal de cargos, empregos ou funções públicas;XIII — transgressão dos incisos IX a XVI do art. 117.

Como se vê, acima, um dos motivos ensejadores da demissão do servidor é a denominada Improbidade Administrativa. Segundo Carvalho Filho,250 a ação de improbidade administrativa é aquela em que se pretende o reconhe-cimento judicial de condutas de improbidade na Administração, perpetradas por administradores públicos e terceiros, e a consequência é a aplicação das sanções legais, com o escopo de preservar o princípio da moralidade, confor-me será visto na próxima aula.

v. RecuRsOs/MATeRIAIs uTILIZADOs

Leitura obrigatória

CARVALHO FILHO, José dos Santos. Manual de direito administrativo. São Paulo: Atlas, itens:

• Servidorpúblicoo Responsabilidade dos servidores públicos

• Processoadministrativo(subitem7.7—Processoadministrativodis-ciplinar)

Leitura complementar

250. cARvAlHO FIlHO, José dos San-tos. Manual de direito adminis-trativo. 17a ed. Rio de Janeiro: lumen Iuris, 2007, p.906.

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FGv DIREITO RIO 174

vI. AvALIAçãO

caso gerador

Trata-se de aplicação de pena de demissão, pelo Ministro da Justiça, a poli-cial do Departamento de Polícia Rodoviária Federal do Ministério da Justiça, em razão da prática de irregularidades na comprovação das despesas realiza-das com transporte público, para fins de recebimento do auxílio-transporte, o que lhe teria rendido um proveito pessoal próprio da ordem de R$ 36,80.

A seu ver, mostra-se proporcional a sanção aplicada face ao delito admi-nistrativo cometido? Pode o Poder Judiciário rever o ato administrativo de demissão? Sob qual fundamento?

vII. cONcLusãO DA AuLA

Não há que se confundir sindicância com processo administrativo disci-plinar. A imposição de sanções graves ao agente público se sujeita à prévia instauração de PAD.

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FGv DIREITO RIO 175

aula 23

I. TeMA

Improbidade administrativa.

II. AssuNTO

Análise da Lei de Improbidade Administrativa e a sua importância para a observância do dever de probidade dos agentes públicos.

III. OBJeTIvOs especÍFIcOs

Tratar dos atos que caracterizam violação do dever de probidade adminis-trativa pelos agentes públicos e as suas consequências.

Iv. DeseNvOLvIMeNTO MeTODOLÓgIcO

Os agentes públicos possuem determinados deveres intrínsecos aos car-gos e funções que desempenham, consagrados, em grande parte, na própria Constituição Federal, merecendo destaque os princípios insculpidos no caput do art. 37.

No âmbito destes deveres de observância obrigatória pelos agentes públi-cos se encontra o dever de probidade administrativa, decorrente do princípio da moralidade. A essência deste dever se correlaciona com conceitos como os de honestidade e lealdade, e compreende a exigência de um comportamento ético do agente público.

O agir do agente público em desconformidade com a probidade adminis-trativa o sujeita a diversas sanções nas esferas cível, administrativa e criminal, nos termos do que estabelece o artigo 37, § 4º, da Constituição da República de 1988:

§ 4º — Os atos de improbidade administrativa importarão a sus-pensão dos direitos políticos, a perda da função pública, a indispo-nibilidade dos bens e o ressarcimento ao erário, na forma e gradação previstas em lei, sem prejuízo da ação penal cabível.

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FGv DIREITO RIO 176

251 MOREIRA NETO, Diogo de Figueiredo. curso de Direito Administrativo. 15ª ed. Rio de Janeiro: Forense, 2010, p. 359.

252 DI PIETRO, Maria Sylvia Zanella. “Di-reito Administrativo”. 23ª ed. São Paulo: Atlas, 2010, p. 826.

Dando cumprimento a esse mandamento constitucional, foi promulgada a Lei nº 8.429/92 para regulamentar os atos de improbidade administrativa e suas respectivas sanções.

Sobre o tema, é clássica a lição doutrinária de Diogo de Figueiredo Mo-reira Neto:

Este dever, simplesmente de probidade, ou de probidade administra-tiva, como se lê na Constituição (art. 37, § 4º), vem a ser a particulari-zação do dever ético geral de conduzir-se honestamente (honeste vivere).

O referido mandamento constitucional prevê lei federal (Lei nº 8.429, de 02 de junho de 1992), que define os atos de improbidade ad-ministrativa, simples e qualificados (arts. 9, 10, 11) e estabelece penas específicas, independentemente das cominadas em outros diplomas.251

elementos do ato de improbidade administrativa

A Lei nº 8.429/92 enumera os atos tidos como ímprobos e as sanções aplicáveis a quem os comete.

Maria Sylvia Zanella Di Pietro analisa em sua obra os elementos constitu-tivos que compõem os atos de improbidade, quais sejam:

“a) sujeito passivo: uma das entidades mencionadas no artigo 1º da Lei n. 8.429/92;b) sujeito ativo: o agente público ou terceiro que induza ou concorra para a prática do ato de improbidade ou dele se beneficie sob qualquer forma direta ou indireta (arts. 1 º e 3º);c) ocorrência de ato danoso descrito na lei, causador de enriqueci-mento ilícito para o sujeito ativo, prejuízo para o erário ou atentado contra os princípios da Administração Pública; o enquadramento do ato pode dar-se isoladamente, em uma das três hipóteses, ou, cumu-lativamente, em duas ou três;d) elemento subjetivo: dolo ou culpa.”252

Para fins didáticos, o tema será tratado adotando a divisão dos elementos acima.

sujeitos do ato de improbidade administrativa

O sujeito passivo dos atos de improbidade administrativa é toda entida-de atingida pelo ato ímprobo praticado. Desse modo, quaisquer entidades

251. MOREIRA NETO, Diogo de Figuei-redo. curso de Direito Administrativo. 15ª ed. Rio de Janeiro: Forense, 2010, p. 359.

252. DI PIETRO, Maria Sylvia Zanella. “Direito Administrativo”. 23ª ed. São Paulo: Atlas, 2010, p. 826.

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FGv DIREITO RIO 177

253 Art. 1º da lei nº 8.429/92.

254 ARAGãO, Alexandre Santos de. Curso de Direito Administrativo. 22ª ed. Rio de Janeiro: Forense, 2012, p. 638.

integrantes da Administração Pública Direta e Indireta podem ser afetadas pela prática de atos de improbidade. A Lei de Improbidade Administrativa253 incluiu no rol de sujeitos passivos dos atos de improbidade as empresas in-corporadas ao patrimônio público ou entidades para cuja criação ou custeio o erário haja concorrido ou concorra com mais de cinquenta por cento do patrimônio ou da receita anual, e também as entidades que recebam sub-venção, benefício ou incentivo, fiscal ou creditício, de órgão público, bem como aquelas para cuja criação ou custeio o erário haja concorrido ou con-corra com menos de cinqüenta por cento do patrimônio ou da receita anual, limitando-se, nestes casos, a sanção patrimonial à repercussão do ilícito sobre a contribuição dos cofres públicos.

Por sua vez, considera-se sujeito ativo do ato de improbidade a pessoa que efetivamente o pratica ou que tenha contribuído ou sido beneficiada pela sua prática. Assim, são sujeitos ativos o agente público, servidor ou não, e o terceiro que induza ou concorra para a prática do ato de improbidade ou dele se beneficie sob qualquer forma direta ou indireta.

Ato Danoso

A Lei nº 8.429/92 elenca nos seus artigos 9º a 11 os atos de improbidade administrativa, dividindo-os em três modalidades distintas.

Comentando a divisão feita pela referida lei, Alexandre dos Santos de Ara-gão assevera que:

“Os tipos a serem punidos segundo a lei de ação de improbida-de administrativa, muitas vezes de baixa densidade normativa, podem consistir (a) em atos ou omissões que importem enriquecimento ilícito do agente público ou de particular, independentemente de prejuízo aos cofres públicos (art. 9º); (b) que, ao contrário, gerem prejuízo aos cofres públicos independentemente de enriquecimento de quem quer que seja (art. 10); ou que, simplesmente, (c) violem princípios da Ad-ministração Pública, mesmo que não tenha causado nenhum prejuízo à Administração Pública ou enriquecimentos ilícitos;”254

Desse modo, o art. 9º da Lei de Improbidade Administrativa determina que constitui ato de improbidade importando enriquecimento ilícito auferir qualquer tipo de vantagem patrimonial indevida em razão do exercício de cargo, mandato, função, emprego ou atividade nas entidades mencionadas no art. 1° da própria lei.

Por sua vez, o art. 10 da referida lei determina que constitui ato de impro-bidade administrativa que causa lesão ao erário qualquer ação ou omissão,

253. Art. 1º da lei nº 8.429/92.

254. ARAGãO, Alexandre Santos de. curso de Direito Administra-tivo. 22ª ed. Rio de Janeiro: Forense, 2012, p. 638.

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FGv DIREITO RIO 178

dolosa ou culposa, que enseje perda patrimonial, desvio, apropriação, malba-ratamento ou dilapidação dos bens ou haveres das entidades referidas no art. 1º da própria lei.

Finalmente, o art. 11 da Lei de Improbidade Administrativa determina que constitui ato de improbidade administrativa que atenta contra os princí-pios da administração pública qualquer ação ou omissão que viole os deveres de honestidade, imparcialidade, legalidade, e lealdade às instituições.

Ao definir atos de improbidade da forma acima, utilizando conceitos in-determinados e abertos, o legislador permite que o intérprete-julgador apure as circunstâncias dos casos levados ao seu conhecimento para considerá-los ou não como ato de improbidade. Os incisos dos referidos artigos elencam determinadas práticas que o legislador a priori pode seguramente considerar como ímproba, não excluindo, porém, a possibilidade de consumação de atos de improbidade fora do rol exemplificativo contido nestes incisos.

Especificamente em relação ao art. 11, que prevê que constitui ato de im-probidade aquele que atente contra os princípios da Administração Pública, cabe destacar que, para se configurar um ato como ímprobo, não é necessária a demonstração da ocorrência de dano ou de enriquecimento ilícito, sendo suficiente a prova da violação aos princípios tutelados por esse dispositivo.

Dolo ou culpa

O elemento subjetivo mostra-se essencial para a configuração do ato de improbidade administrativa; ou seja, faz-se necessária a demonstração de dolo ou culpa do agente público. Daí decorre que nem todo ato ilegal pode ser caracterizado como ímprobo. O agente público pode cometer ilegalidades sem agir com desonestidade, de modo que nesses casos não devem os atos praticados ser considerados como de improbidade administrativa, ressalva-da, de qualquer forma, eventuais responsabilidades pelos danos oriundos dos atos ilegais praticados.

Para fins de configuração de ato de improbidade administrativa e de res-ponsabilidade por sua prática, somente o ato que fere a moralidade admi-nistrativa, por meio de conduta eivada de má-fé, é que deve ser tido como caracterizador da violação ao dever de probidade administrativa. O Superior Tribunal de Justiça consolidou tal entendimento no julgamento do AgRg no AgRg no AREsp nº 166766 / SE, conforme se observa da passagem abaixo extraída da ementa do acórdão:

O reconhecimento da tipificação da conduta do réu como incurso nas previsões da Lei de Improbidade Administrativa requer a demons-tração do elemento subjetivo, consubstanciado no dolo para os tipos

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FGv DIREITO RIO 179

previstos nos arts. 9º e 11 e, ao menos, pela culpa, nas hipóteses do art. 10, todos da Lei n. 8429/92.

Como sucintamente descrito na ementa acima, os elementos culpa ou dolo são essenciais para a configuração do ato de improbidade administrati-va, sendo que nas hipóteses do art. 10 — que causem prejuízo ao erário — o próprio dispositivo, em seu caput, admite a prática na modalidade culposa.

sanções

O art. 37, § 4º, da Constituição da República de 1988, prevê que o ato de improbidade administrativa importará na suspensão dos direitos políticos, perda da função pública, indisponibilidade dos bens e ressarcimento ao erá-rio, na forma e gradação previstas em lei, sem prejuízo da ação penal cabível.

Por sua vez, o art. 12 da Lei de Improbidade Administrativa prevê outras punições ao agente público e terceiros que pratiquem atos de improbidade administrativa, dentre elas a perda dos bens ou valores acrescidos ilicitamen-te ao patrimônio, o pagamento de multa civil em pecúnia e a proibição de contratar com o Poder Público ou receber benefícios ou incentivos fiscais ou creditícios, direta ou indiretamente, ainda que por intermédio de pessoa jurídica da qual seja sócio majoritário, pelo prazo de três anos.

De acordo com o dispositivo legal, estas sanções podem ser aplicadas cumulativamente, mas o julgador deve estar atento ao postulado da propor-cionalidade na aplicação das sanções cabíveis, sendo necessária a adequada avaliação das circunstâncias do caso, do grau de culpa do infrator e da lesi-vidade da conduta do agente para fins de efetivação da dosimetria da sanção aplicável pelo ato de improbidade.

Responsabilização pela prática do ato de improbidade administrativa

Os atos tidos como de improbidade administrativa podem representar transgressões concomitantes na esfera administrativa, civil e criminal. Pode haver ainda sanções de natureza política, como suspensão de direitos políticos.

Deste modo, verificada a prática de ato de improbidade administrativa, cabe-rá à autoridade administrativa instaurar o competente processo administrativo disciplinar para fins de investigação do ato administrativo irregular e aplicação de eventuais sanções no âmbito administrativo, sem prejuízo da comunicação ao Ministério Público para que este adote as medidas na esfera cível — via, sobretudo, a ação civil pública por ato de improbidade administrativa — e criminais cabíveis. Sobre o tema, esclarece Diogo de Figueiredo Moreira Neto:

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FGv DIREITO RIO 180

255 MOREIRA NETO, Diogo de Figueiredo. curso de Direito Administrativo. 15ª ed. Rio de Janeiro: Forense, 2010, p. 690.

“Quanto à responsabilização do agente indiciado pela prática de atos de improbidade administrativa se fará por um processo adminis-trativo preparatório, a que se seguirá um processo judicial. Qualquer pessoa poderá representar à autoridade administrativa competente para que seja instaurada investigação destinada a apurar a prática de ato de improbidade, com designação de comissão competente e instauração de processo administrativo, no qual, se encontrados fundados indícios de responsabilidade, a comissão representará ao Ministério Público ou à Procuradoria do órgão para requerer ao juízo competente a decreta-ção do sequestro dos bens do agente ou terceiro que tenha enriquecido ilicitamente ou causado dano ao patrimônio público.”255

A ação civil pública por ato de improbidade administrativa é o mecanis-mo judicial de natureza punitiva que visa aplicar a sanção ao agente público e a terceiros beneficiados pela conduta lesiva do dever de probidade admi-nistrativa, sem prejuízo de outras ações judiciais para apuração da respon-sabilidade criminal e de processos administrativos para a responsabilização administrativa.

O art. 23 da Lei de Improbidade Administrativa fixa o prazo de prescrição para a aplicação das sanções previstas na lei:

“Art. 23. As ações destinadas a levar a efeitos as sanções previstas nesta lei podem ser propostas:

“I — até cinco anos após o término do exercício de mandato, de cargo em comissão ou de função de confiança;

“II — dentro do prazo prescricional previsto em lei específica para faltas disciplinares puníveis com demissão a bem do serviço público, nos casos de exercício de cargo efetivo ou emprego.”

Cabe destacar que, para fins de ressarcimento ao erário, a ação de impro-bidade é imprescritível, conforme determina o art. 37, § 5º, da Constituição da República:

“A lei estabelecerá os prazos de prescrição para ilícitos praticados por qualquer agente, servidor ou não, que causem prejuízos ao erário, ressalvadas as respectivas ações de ressarcimento.”

Desse modo, a ação de improbidade prescreve no prazo previsto no art. 23 da Lei de Improbidade Administrativa, sendo imprescritível no que se refere à pretensão de ressarcimento ao erário.

255. MOREIRA NETO, Diogo de Figuei-redo. curso de Direito Administrativo. 15ª ed. Rio de Janeiro: Forense, 2010, p. 690.

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FGv DIREITO RIO 181

v. RecuRsOs/MATeRIAIs uTILIZADOs

Leitura obrigatória

CARVALHO FILHO, José dos Santos. Manual de direito administrativo. São Paulo: Atlas, itens:

• ControledaAdministraçãoPúblicao Ação de improbidade administrativa

Leitura complementar

ARAGÃO, Alexandre Santos de. Curso de Direito Administrativo. 22ª ed. Rio de Janeiro: Forense, 2012, páginas 636 — 641.

MOREIRA NETO, Diogo de Figueiredo. Curso de Direito Administrativo. 15ª ed. Rio de Janeiro: Forense, 2010, páginas 689 — 691.

vI. AvALIAçãO

caso gerador

A Prefeita do Município X, candidata à reeleição, em processo investigató-rio em trâmite na Justiça Eleitoral, utiliza a Procuradoria do Município para efetuar sua defesa. Posicione-se sobre a legalidade do ato e se este poderia se caracterizar como de improbidade administrativa.

Como membro do Ministério Público, formule uma tese para embasar ação civil pública por improbidade administrativa.

Na qualidade de advogado, responda à consulta da Prefeita sobre se haveria argumentos para se defender da ação judicial movida pelo Ministério Público.

vII. cONcLusãO DA AuLA

A probidade administrativa é dever fundamental e basilar do agente pú-blico que exerça cargo ou função pública, eis que lida umbilicalmente com a máquina administrativa, cujo objetivo primordial é o atendimento ao inte-resse público.

Disso decorre a importância da Lei nº 8.429/92 — Lei de Improbidade Administrativa — uma vez que seus dispositivos são instrumentos garanti-dores da preservação do dever de probidade, assim como da punição aos que não observarem este dever.

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REGUlAçãO E SERvIçOS PúblIcOS

FGv DIREITO RIO 182

256 MOREIRA NETO, Diogo de Figueiredo. Curso de direito administrativo. Rio de Janeiro: Forense, p. 104.

257 Idem.

258 ZANEllA DI PIETRO, Maria Sylvia. Di-reito administrativo. 20ª ed. São Paulo: Atlas, p. 930.

aula 24

I. TeMA

Lei anticorrupção e abuso de autoridade

II. AssuNTO

Análise da entrada em vigor da lei anticorrupção e da lei de abuso de au-toridade.

III. OBJeTIvOs especÍFIcOs

Entender os principais aspectos da lei anticorrupção e suas consequências. Apresentar a lei de abuso de autordade.

Iv. DeseNvOLvIMeNTO MeTODOLÓgIcO

A lei anticorrupção

Em 1º de Agosto de 2013 foi promulgada a Lei nº 12.846, denominada “Lei anticorrupção”, que estabelece a responsabilização administrativa e civil de pessoas jurídicas pela prática de atos ilícitos que resultem em consequên-cias danosas à Administração Pública nacional ou estrangeira.256 De acordo com o doutrinador Diogo de Figueiredo Moreira Neto:

“A ratio do novel diploma é responsabilizar as pessoas jurídicas que estimulem a corrupção na Administração pública, por meio do finan-ciamento de atos ilícitos, da fraude a procedimentos licitatórios, ou causando empecilhos ao exercício da fiscalização de polícia das entida-des da administração direta, indireta e estrangeira”.257

A principal inovação desta lei é a aplicação da responsabilização objetiva às pessoas jurídicas, não sendo necessária, assim, a comprovação de dolo ou cul-pa para aplicação das sanções previstas. Desta forma, de acordo com a nova lei, para que a pessoa jurídica seja responsabilizada pela prática ilícita faz-se necessário apenas a demonstração: (i) de nexo de causa e efeito; (ii) da prática de ato lesivo; (iii) da prática deste ato lesivo ter sido realizada por pessoas jurídicas; e, por fim, (iv) do dano à administração pública.258

256. MOREIRA NETO, Diogo de Figuei-redo. curso de direito adminis-trativo. Rio de Janeiro: Forense, p. 104.

257. Idem.

258. ZANEllA DI PIETRO, Maria Sylvia. Direito administrativo. 20ª ed. São Paulo: Atlas, p. 930.

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FGv DIREITO RIO 183

259 ZANEllA DI PIETRO, Maria Sylvia. Di-reito administrativo. 20ª ed. São Paulo: Atlas, p. 931.

260 Idem.

Mostra-se relevante observar que a responsabilidade objetiva não se con-funde com a responsabilidade pelo risco integral — utilizada, por exemplo, em casos de graves danos ambientais. Desta forma, se a pessoa jurídica for ca-paz de comprovar, por meio de provas contundentes, que não houve danos à Administração Pública, ou que esses danos não foram decorrentes de ações de seus integrantes, ela se tornará isenta de qualquer punibilidade que poderia advir das sanções previstas. Além disso, quando se pretender responsabilizar os dirigentes ou administradores dessas sociedades, ainda será necessária a comprovação de sua culpabilidade, ou seja, a responsabilidade destes se man-tém subjetiva (art. 3º, §2º).

Quanto ao ato lesivo — que, como dito acima, deverá ser comprovado para que possa ocorrer a responsabilização da pessoa jurídica — o art. 5º o define como “todos aqueles que atentem contra o patrimônio público na-cional ou estrangeiro, contra princípios da Administração Pública ou contra compromissos internacionais assumidos pelo Brasil”. Após a definição, há uma lista que enumera as possíveis práticas que constituem os atos lesivos. Dentre elas, podemos citar: prometer, oferecer ou dar, direta ou indiretamen-te, vantagem indevida a agente público, ou a terceira pessoa a ele relaciona-da; comprovadamente utilizar-se de interposta pessoa física ou jurídica para ocultar ou dissimular seus reais interesses ou a identidade dos beneficiários dos atos praticados; e, no tocante a licitações e contratos, fraudar licitação pública ou contrato dela decorrente e criar, de modo fraudulento ou irregu-lar, pessoa jurídica para participar de licitação pública ou celebrar contrato administrativo.

Como se verifica, muitos dos atos lesivos correspondem a crimes contra a Administração Pública definidos pelo código penal ou pela lei 8.666/93 — também conhecida como “lei das licitações”. Além disso, praticamente todos eles correspondem a atos de improbidade administrativa.259 Apesar de tal coincidência, a aplicação da lei anticorrupção não é afastada, “porque, nesta última, cogita-se de infrações administrativas, que podem ensejar também a responsabilidade civil”.260

Por fim, em relação à instauração do processo administrativo contra os infratores, o art.8º confere competência à autoridade máxima de cada órgão ou entidade dos Poderes Executivo, Legislativo e Judiciário, admitindo ex-pressamente a possibilidade de delegação, incluindo, ainda, a Controladoria Geral da União — CGU, em seu §2º.

Acordo de leniência

Dentre os mecanismos trazidos pela lei para desestimular práticas de corrupção está o acordo de leniência, instituto que foi introduzido no di-

259. ZANEllA DI PIETRO, Maria Sylvia. Direito administrativo. 20ª ed. São Paulo: Atlas, p. 931.

260. Idem.

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FGv DIREITO RIO 184

reito brasileiro inicialmente no âmbito do direito da concorrência pela Lei 10.149/00, encontrando-se atualmente previsto na Lei 12.529/11.

O acordo de leniência constitui uma oferta de benefícios a agentes que denunciarem possíveis práticas ilícitas nas quais o próprio delator esteja en-volvido, ou seja, é uma espécie do gênero “delação premiada”. A lógica do acordo está em incentivar a quebra do elo existente para a prática de um ilíci-to, trocando informações importantes para a investigação do crime por uma redução ou até mesmo extinção de sua punibilidade. Um dos motivos para a instituição de tal mecanismo está na demasiada complexidade dos ilícitos econômicos. Assim, pode-se dizer que este tipo de acordo permite flexibilizar o gasto de recursos com a investigação, tendo em vista que ele incentiva a produção de provas pelos próprios praticantes do crime.

Como disposto no §1º do art. 16, são estabelecidos alguns requisitos que devem ser cumulativamente preenchidos pelos participantes da atividade ilí-cita que queiram realizar um acordo de leniência. São eles: (i) a pessoa jurídi-ca deve ser a primeira a se manifestar sobre seu interesse em cooperar para a apuração do ato ilícito; (ii) ela deverá cessar completamente seu envolvimen-to na infração investigada a partir da data de propositura do acordo; e (iii) ela deverá admitir sua participação no ilícito e cooperar plena e permanen-temente com as investigações e o processo administrativo, comparecendo, sob suas expensas, sempre que solicitada, a todos os atos processuais, até seu encerramento.

Fundamental destacar que mesmo que a pessoa jurídica cumpra todos os requisitos impostos pela lei, a Administração Pública pode rejeitar o acordo de leniência proposto pela delatora. Caso isso ocorra, não haverá qualquer redução de sua punibilidade, podendo a Administração celebrar o acordo com outro participante da fraude. Nesta hipótese, estabelece o §7º do art. 16 que: “não importará em reconhecimento da prática do ato ilícito investigado a proposta de acordo de leniência rejeitada.” Em relação a esta disposição, Maria Sylvia Zanella Di Pietro afirma que: “a norma é pelo menos estranha, tendo em vista que a própria proposta de celebração do acordo já implica o reco-nhecimento da prática de ilícito pela pessoa jurídica ou por terceiros, sem o que a proposta seria inútil”.

Abuso de Autoridade

A Lei nº 4.898, de 9 de Dezembro de 1965, elenca os atos de autoridade pública que constituem abuso de autoridade, e as penalidades aplicáveis pela prática destes atos.

Referido diploma legal estipula ainda a regulamentação do direito de re-presentação e o processo de responsabilidade administrativa, civil e penal,

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261 MOREIRA NETO, Diogo de Figueiredo. Curso de Direito Administrativo. 15. ed. Rio de Janeiro: Forense, p. 659.

naquelas circunstâncias caracterizadas como atos abusivos praticados por au-toridades públicas. Ademais, possibilita à vítima de qualquer abuso de poder por parte de um agente público levar tal fato ao conhecimento das autori-dades públicas, estando o autor do abuso sujeito a sanções administrativas de natureza cível e penal, previstas no caput, §1° e §2°, do art. 6º da Lei nº 4.898/65.

A responsabilidade do agente público que comete ato de abuso de autori-dade se dá mediante o procedimento previsto no art. 1º da referida lei:

“Art. 1º. O direito de representação e o processo de responsabilidade administrativa, civil e penal, contra as autoridades que, no exercício de suas funções, cometerem abusos, são regulados pela presente lei.”

No que se refere às sanções aplicadas aos agentes infratores, comenta Dio-go de Figueiredo Moreira Neto:

“A vítima, além da promoção da responsabilização administrativa e penal do servidor, que haja procedido com abuso de autoridade, terá a faculdade de acioná-lo civilmente, independentemente da condenação da Fazenda Pública pelo dano causado por seu servidor, através de uma ação autônoma.”261

Nos termos do art. 3º da lei, constitui ato de abuso de autoridade qual-quer atentado:

a) à liberdade de locomoção;b) à inviolabilidade do domicílio;c) ao sigilo da correspondência;d) à liberdade de consciência e de crença;e) ao livre exercício do culto religioso;f ) à liberdade de associação;g) aos direitos e garantias legais assegurados ao exercício do voto;h) ao direito de reunião;i) à incolumidade física do indivíduo; ej) aos direitos e garantias legais assegurados ao exercício profissional.

Acrescentando ao rol do art. 3º, caracterizam-se ainda como atos de abuso de autoridade as hipóteses dispostas no art. 4º da mesma lei:

a) ordenar ou executar medida privativa da liberdade individual, sem as formalidades legais ou com abuso de poder;

261. MOREIRA NETO, Diogo de Figuei-redo. curso de Direito Admi-nistrativo. 15. ed. Rio de Janeiro: Forense, p. 659.

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262 SANTOS DE ARAGãO, Alexandre. Cur-so de Direito Administrativo.Forense. Rio de Janeiro, p. 558.

b) submeter pessoa sob sua guarda ou custódia a vexame ou a cons-trangimento não autorizado em lei;

c) deixar de comunicar, imediatamente, ao juiz competente a prisão ou detenção de qualquer pessoa;

d) deixar o Juiz de ordenar o relaxamento de prisão ou detenção ilegal que lhe seja comunicada;

e) levar à prisão e nela deter quem quer que se proponha a prestar fiança, permitida em lei;

f ) cobrar o carcereiro ou agente de autoridade policial carceragem, custas, emolumentos ou qualquer outra despesa, desde que a co-brança não tenha apoio em lei, quer quanto à espécie quer quanto ao seu valor;

g) recusar o carcereiro ou agente de autoridade policial recibo de im-portância recebida a título de carceragem, custas, emolumentos ou de qualquer outra despesa;

h) o ato lesivo da honra ou do patrimônio de pessoa natural ou ju-rídica, quando praticado com abuso ou desvio de poder ou sem competência legal;

i) prolongar a execução de prisão temporária, de pena ou de medida de segurança, deixando de expedir em tempo oportuno ou de cum-prir imediatamente ordem de liberdade.

No que tange à responsabilização do autor do ato de abuso de autoridade, entende a doutrina que o ente estatal que o autor do ato responde objetiva-mente pelos danos provenientes, como se constata, exemplificadamente, no ensinamento de Alexandre Santos de Aragão:

“A ação ou omissão estatal que gerar prejuízo a terceiros (particula-res ou mesmo outra entidade pública) engendra responsabilidade ci-vil objetiva (independentemente de culpa ou ilicitude, bastando nexo causal) dos entes da Federação, das pessoas jurídicas de direito público da Administração Indireta, das pessoas jurídicas de direito privado da Administração Indireta que não exerçam atividades econômicas stricto sensu em concorrência com a iniciativa privada (art. 173, §1°, CF) e dos delegatários privados de serviços públicos (ex.: concessionários de serviços públicos).” 262

Isso, porém, não exclui a responsabilidade pessoal do autor do ato de abu-so de autoridade. Nesse sentido, o art. 37, §6°, da Constituição da República de 1988 prevê o direito de regresso do Estado contra o servidor que causar dano a particular, conforme leciona Alexandre Santos de Aragão:

262. SANTOS DE ARAGãO, Alexandre. curso de Direito Administrati-vo.Forense. Rio de Janeiro, p. 558.

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FGv DIREITO RIO 187

263 SANTOS DE ARAGãO, Alexandre. Curso de Direito Administrativo. Forense. Rio de Janeiro, p. 574.

264 http://www1.folha.uol.com.br/mercado/2014/12/1562367-lei-anti-corrupcao-nao-pega-em-empresas.shtml. Acesso em 11/01/2015.

“O art. 37, §6°, in fine, CF, prevê o direito de regresso do Estado contra o servidor que causou o dano. Há dois requisitos para essa res-ponsabilização: que o Estado tenha sido condenado a indenizar tercei-ros por ato lesivo do agente e que este tenha agido com dolo ou culpa (a responsabilidade do servidor é, repise-se, sempre subjetiva).”263

No mesmo sentido, o art. 9º da Lei nº 4.898/65 dispõe que a autoridade responsável pelo ato poderá ser responsabilizada não apenas de maneira re-gressiva pela Administração Pública, mas também de maneira isolada direta-mente pelo particular lesado. Dessa forma, o lesado tem a opção de propor a ação diretamente contra a autoridade responsável pelo ato ou contra o ente estatal que ela presente.

v. RecuRsOs/MATeRIAIs uTILIZADOs

Leitura obrigatória

DI PIETRO, Maria Sylvia. Direito administrativo. 27ª Ed. São Paulo: Atlas, pp. 929-940.

Leitura complementar

MOREIRA NETO, Diogo de Figueiredo. Curso de Direito Administrativo. 15. ed. Rio de Janeiro: Forense, pp. 102-105.

vI. AvALIAçãO

caso gerador

Em 15/12/2014, em notícia intitulada “Lei anticorrupção não pega em empresas”, o jornal Folha de São Paulo noticiou que “seis em cada dez empre-sas não estão preparadas para cumprir a lei anticorrupção no Brasil”, tendo destacado o fato de que faltaria ao país uma cultura de prevenção a esses eventos.264

Com a entregada em vigor da Lei 12.846/13, é esperado que as pessoas jurídicas se capacitem para conhecer e cumprir referida lei, evitando engaja-rem-se em atos de corrupção.

Na qualidade de advogado, você foi contratado para oferecer um progra-ma de compliance a uma multinacional que está se instalando no país. O que

263. SANTOS DE ARAGãO, Alexandre. curso de Direito Administrati-vo. Forense. Rio de Janeiro, p. 574.

264. http://www1.folha.uol.com.br/mercado/2014/12/1562367-lei-anti-corrupcao-nao-pega-em-empresas.shtml. Acesso em 11/01/2015.

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FGv DIREITO RIO 188

você tem a informar aos Diretores da empresa acerca: (i) da responsabilidade das pessoas físicas e jurídicas por atos de corrupção; (ii) das multas a que se sujeitam; e (iii) da possibilidade de firmar acordo de leniência com a Admi-nistração Pública? Responda justificadamente à consulta.

vII. cONcLusãO DA AuLA

A entrada em vigor da lei anticorrupção inaugura novas possibilidades de responsabilização das pessoas jurídicas que pratiquem atos de corrupção.

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FGv DIREITO RIO 189

sérgIo guerraPós-Doutor em Administração Pública pela EbAPE/FGv. Doutor, mestre e bacharel em Direito. visiting Researcher na Yale law School (2014). coordenador Geral do curso International business law - University of california (Irvine).  Editor da Revista de Direito Administrativo (RDA). consultor Jurídico da OAb/RJ (comissão de Direito Administrativo). coordenador do Mestrado em Direito da Regulação e vice-Diretor de Ensino, Pesquisa e Pós-graduação da FGv DIREITO RIO.

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FGv DIREITO RIO 190

fICHA tÉCnICA

fundação Getulio vargas

Carlos Ivan Simonsen lealPReSIDente

fGv DIReItO RIO

joaquim falcãoDIRetOR

Sérgio GuerravIcE-DIRETOR DE ENSINO, PESQUISA E PÓS-GRADUAçãO

Rodrigo viannavIcE-DIRETOR ADMINISTRATIvO

thiago bottino do AmaralcOORDENADOR DA GRADUAçãO

André Pacheco teixeira mendescOORDENADOR DO NúclEO DE PRÁTIcA JURÍDIcA

Cristina nacif AlvescOORDENADORA DE ENSINO

marília AraújocOORDENADORA EXEcUTIvA DA GRADUAçãO