o uso da hipnose no tratamento da obesidade* · lembrar ser a hipnoterapia um método de exceção,...

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O USO DA HIPNOSE NO TRATAMENTO DA OBESIDADE* Jorge Cavalcanti Boucinhas Professor Assistente de Nutrologia da Faculdade de Medicina da UFR N Unitermos: Hipnose Obesidade I - INTRODUÇÃO A obesidade dia a dia ameaça tornar-se problema de Saúde Pública em nosso país, tal como já o é reconhecida, desde 1975, nos países desenvolvidos, pela OMS. Infelizmente, apesar de bem estudada e do interesse que tem despertado, ainda não são satisfatórios os resultados obtidos pelos métodos te- rapêuticos usuarmente empregados, o que está de acordo com o dizer deMARGARETH ALBRINK I1} de ser a patologia em que a prescrição é a mais simples e em que os resultados são os mais precários. Stunkard e Hume, citados por DAVIDSON etalii ( 2 ), revisaram os resultados obtidos em 7 clí- nicas dos EUA, tendo encontrado que, após seguimento de 5 anos, os sucessos foram de tão só 12 a 28% quando de perdas de 12 kg. Para as perdas de 18 kg foram de 2 a 8%, percentuais ridiculamente baixos. Dados de Rose (ibid.) revelaram que 36% dos pacientes não passavam da primeira consulta, sendo que apenas 15% recebiam alta após terem alcançado a perda de peso desejada. Visando superar tais problemas'séries de métodos têm sido propostos e testados, alguns com maiores e outros com menores resultados, uns, mesmo, podendo ser considerados perigosos, como o by-pass intestinal ( 3 ). Partindo do pressuposto de ser a dieta hipocalórica a ferramenta básica do tratamento, fazem-se necessários meios que facilitem ao paciente o pleno seguimento da prescrição alimentar. Técnicas psi- canalíticas e comportamentalistas têm sido empregadas experimentalmente, seja em forma individual seja grupai ( 4 ). WINKELSTEIN ( s ), em 1959, parece ter sido o pioneiro do uso da hipnose como au- xiliar do tratamento da obesidade, tendo divulgado os bons resultados obtidos com 42 pacientes. O presente trabalho, que pode ser tido como nota prévia a um de maior envergadura, tem por fito apresentar o que se conseguiu ao empregar a hipnoterapia em pacientes obesas que não mais res- pondiam com perda de peso à pura e simples psicoterapia de apoio. Visa chamar a atenção do espe- cialista para o importante campo que se abre ao serem associadas as técnicas hipnoterápicas à dietote- rapia. Trabalho apresentado no VI? Congresso Pan Americano de Hipnologia e Medicina Psicossomática, Rio de Ja- neiro, 12-17, março, 1978. 17

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O USO DA HIPNOSE NO TRATAMENTO DA OBESIDADE*

Jorge Cavalcanti Boucinhas Professor Assistente de Nutrologia da Faculdade de Medicina da UFR N

Unitermos: Hipnose — Obesidade

I - INTRODUÇÃO

A obesidade dia a dia ameaça tornar-se problema de Saúde Pública em nosso país, tal como já o é reconhecida, desde 1975, nos países desenvolvidos, pela OMS. Infelizmente, apesar de bem estudada e do interesse que tem despertado, ainda não são satisfatórios os resultados obtidos pelos métodos te­rapêuticos usuarmente empregados, o que está de acordo com o dizer d e M A R G A R E T H A L B R I N K I1} de ser a patologia em que a prescrição é a mais simples e em que os resultados são os mais precários.

Stunkard e Hume, citados por D A V I D S O N eta l i i ( 2 ) , revisaram os resultados obtidos em 7 clí­nicas dos E U A , tendo encontrado que, após seguimento de 5 anos, os sucessos foram de tão só 12 a 28% quando de perdas de 12 kg. Para as perdas de 18 kg foram de 2 a 8%, percentuais ridiculamente baixos. Dados de Rose (ibid.) revelaram que 36% dos pacientes não passavam da primeira consulta, sendo que apenas 15% recebiam alta após terem alcançado a perda de peso desejada.

Visando superar tais problemas'séries de métodos têm sido propostos e testados, alguns com maiores e outros com menores resultados, uns, mesmo, podendo ser considerados perigosos, como o by-pass intestinal ( 3 ) .

Partindo do pressuposto de ser a dieta hipocalórica a ferramenta básica do tratamento, fazem-se necessários meios que facilitem ao paciente o pleno seguimento da prescrição alimentar. Técnicas psi­canalíticas e comportamentalistas têm sido empregadas experimentalmente, seja em forma individual seja grupai ( 4 ) . W I N K E L S T E I N ( s ) , em 1959, parece ter sido o pioneiro do uso da hipnose como au­xiliar do tratamento da obesidade, tendo divulgado os bons resultados obtidos com 42 pacientes.

O presente trabalho, que pode ser t ido como nota prévia a um de maior envergadura, tem por f ito apresentar o que se conseguiu ao empregar a hipnoterapia em pacientes obesas que não mais res­pondiam com perda de peso à pura e simples psicoterapia de apoio. Visa chamar a atenção do espe­cialista para o importante campo que se abre ao serem associadas as técnicas hipnoterápicas à dietote-rapia.

Trabalho apresentado no VI? Congresso Pan Americano de Hipnologia e Medicina Psicossomática, Rio de Ja­neiro, 12-17, março, 1978.

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II - M A T E R I A L E MÉTODOS

Foram selecionadas inicialmente 10 pacientes, sendo 8 do sexo feminino e 2 do masculino, to­dos caracterizados por resistência à terapia de apoio psicológico convencional em consultórios de nu-trólogos (consistindo em permissão e incentivo à catarse e em exortações). Posteriormente foram sele­cionadas 6 pacientes do sexo feminino a fim de padronizar o tempo em que foi empregada a hipnose em cerca de 2 112 meses, com 2 sessões por semana.

Todas pacientes acataram a ideia de serem submetidas à hipnose com a finalidade de lhes ser possível a adoção, à risca, de dieta de 1.200 kcal (ver seu sumário no Anexo) . Todas foram atendidas pela primeira vez por período de 45 a 60 minutos, tempo empregado em lhes obter a confiança e ex­plicar os fundamentos do método, bem como em ensaiar os primeiros passos. Seguiram-se sessões se­manais de 40 minutos (duas por semana), tendo sido empregada a metodologia de Torres Norry ( 6 ) . Nenhuma das pacientes atingiu a Etapa Sonambúlica.

Algumas características delineadoras de cada paciente estão descritas a seguir: Caso 1 — Paciente M.F.C.B. , 24 anos, estudante, 1,70m de altura, 84 kg de peso. Submetida a 8 tra^

tamentos para emagrecer, tendo obtido perdas de até 5 kg em dois meses, sem condições de prosseguir na dieta por longos períodos, logo ficando ansiosa e desistindo (sic). Não se submetia a tratamento há pelo menos 8 meses do início do atual.

Caso 2 — Paciente M.N.E., 17 anos, estudante, 1,68m de altura e 104 kg de peso. Apenas duas ten­tativas prévias de perda de peso, sendo que na última caíra de 107 a 100 kg em 6 meses.

Caso 3 — Paciente M.D.P., 60 anos, 1,70 m de altura e 115 kg de peso. Em duas tentativas anteriores sua perda de peso final alcançara apenas 1 kg.

Caso 4 — Paciente M.O.F., 35 anos, 1,48m de altura e 80 kg de peso. Submetida há 7 tratamentos prévios, tendo perdido média de 4,5 kg ao cabo deles (em média após 3 meses, com varia­ção de 14 a 2 meses),

Caso 5 — Paciente A . G . P . , 25 anos, 1,59m de altura e 87 kg de peso. Submetida a 3 tratamentos an­teriores, em 2 deles tendo fugido à dieta logo aos primeiros dias.

Caso 6 — Paciente I.D.B., 47 anos, 1,50 m e 99 kg de peso. Tentara anteriormente 24 tratamentos para emagrecer, com perdas de até 23 kg quando das primeiras vezes e de tão só 2 a 3 kg quando das últimas, todas as vezes tendo porfiado pelo menos 6 meses. Praticamente viveu de dietas para emagrecer (sic).

I l l - R E S U L T A D O S

Os resultados podem ser facilmente apreendidos à inspeção da Tabela I, colocada abaixo, a qual sumariza, em períodos quinzenais, as perdas médias sofridas pelas pacientes durante os 2 1/2 me­ses de acompanhamento.

T A B E L A 1 — Perdas médias de peso, por períodos quinzenais e em até 2 1/2 meses, de 6 pacientes obesas submetidas a dietoterapia com suporte hipnoterápico.

Quinzenas Paciente

1 a 2 a 3 a 4 a 5 a médias

1 2,2 kg 2,9 kg 3,1 kg 4,5 kg 9,0 kg 4,3 kg 2 1,2 kg 4,0 kg 6,5 kg 9,0 kg 14,0 kg 6,9 kg 3 3,0 kg 5,5 kg 6,2 kg 7,0 kg 8,1 kg 5,9 kg 4 4,0 kg 7,2 kg 7,9 kg 10,0 kg 11,1 kg 8,0 kg & 4,0 kg 2,0 kg 1,1 kg 1,0 kg 0,5 kg 1,7 kg • 6 4,0 kg 8,0 kg 9,5 kg 12,1 kg 13,3 kg 9,3 kg

Médias 3,0 kg 4,9 kg 5,7 kg 7,2 kg 9,0 kg 5,5 kg

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I V - C O M E N T Á R I O S

Em se levando em consideração terem todas as pacientes sido selecionadas por já terem sido submetidas, infrutiferamente, a tratamento para emagrecer, ou se terem mostrado refratárias ao mes­mo quando das últimas tentativas, os resultados de uma perda média de 5,5 kg por quinzena parecem até muito altos, especialmente em se levando em consideração ser considerada ideal uma perda men­sal de aproximadamente 4 kg ( 2 > 4 ) .

É importante notar que não houve grandes perdas iniciais seguidas de plateau no qual não se te­nha notado perda de peso, o que faria pressupor relaxamento do interesse do paciente em manter a dieta. Pelo contrário, as maiores perdas ocorreram justamente quando da 4? e da 5? quinzenas, o que parece indicar um certo efeito cumulativo da terapêutica, o qual parece sensível enquanto o V.C.T. ingerido permite o prosseguimento da perda ponderal, tendo na última semana iniciado a esperada re­dução da perda, motivada pela aproximação da ingesta às menores necessidades calóricas condiciona­das por um peso mais baixo e por, consequentemente, um menor dispêndio energético, seja em con­dições basais seja quando em movimento.

Obviamente este é um trabalho de âmbito l imitado, sem pretensões de ser decisivo, não só pela pequena casuística como pelo pequeno espaço de tempo em que foram atendidos os pacientes (tão somente 2 1/2 meses). A série de pacientes de que dispõe o autor é bem maior, não se tendo exposto outros casos para uniformização no que respeita às características gerais do paciente, tendo-se deseja­do enfocar casos com pouca ou péssima resposta ao tratamento que pode-se denominar, à guisa de di­ferenciação, de "convencional" (uso de dieta com apoio psicológico exortativo e emprego de natará-xicos e/ou de anoréticos).

Deve ser dito, também, que a forma ideal de comparação de resultados englobaria a exposição do que teria sido conseguido em número igual ou superior de pacientes aos quais se tivesse aplicado a referida "terapia convencional". Tal ideia foi abandonada pelo fato de a pequena quantidade de pa­cientes submetidos à hipnose não permitir, em qualquer caso, conclusões precisas, tendo parecido me­lhor manter no trabalho seu cunho meramente informativo.

Lembrar ser a Hipnoterapia um método de exceção, pelo tempo que demanda, devendo ser re­servada a casos especiais, como os aqui revistos.

V - R E S U M O

O autor relata os resultados obtidos pelo emprego da hipnose no tratamento de 6 pacientes obe­sas que não mais apresentavam perda de peso ao tratamento "convencional" (psicoterapia de apoio, ataráxicos e/ou anoréticos como auxiliares da dieta e da atividade física). Considera os resultados obtidos excelentes, tendo sido obtida uma perda média de 5,5 kg por quinzena durante 2 1/2 meses. São pequenos o tempo de seguimento e a casuística, mas o trabalho é apresentado apenas como nota prévia a um estudo de maior fôlego.

S U M M A R Y

The author exposes the results he had using hypnosis in the treatment of 6 obese women that failed in achieving weight loss in being treated "convent ional ly" (diet plus physical exercises and exhortative psychotherapy, tranquilizers and anorexigenic drugs). He thinks these results were excellent, the patients having had a monthly loss of 5.5 kg/2 weeks for a 2 1/2 months period. He knows the follow-up is small as is srhall the number of cases but his presentation must be considered as a f irst report of a continuous experience.

VI - REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

1. ALBRINK, M. - Obernutrition and the Fat Celi, in BONDY, P. K. and ROSENBERG, L. E. - Duncan's Diseases of Metabolism. I. Genetics and Metabolism. 7th. ed. Philadelphia, W. B. Saunders, 1974. pp. 417-443.

2. DAVIDSON, S.; PASSMORE, R.; BROCK, J. F. & TRUSWELL, A.S. - Human Nutrition and Dietetics. 6th.

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4. 5,

ed. London, Churchill Livingstone, 1975. pp. 288-301 BACKMAN, L. & H A L L B E R G ; D. — Complicações somáticas após operação de "by-pass" intestinal para a obe­

sidade. Clinica e Terapêutica. Nov. 1977, p. 511 (resumo do Acta Chir. Scand. 141 :790, 1975). BRAY, G.A. - The Obese Patient. Philadelphia,- W.B. Saunders, 1976. pp. 300-442. WINKELSTEIN, L. B. - Hypnosis, Diet and Weight Reduction. N. Y. State J. Med. 59:1751-1756, 1959. AKSTEIN, D. - Hipnologia, Vol. I., Hypnos, Rio de Janeiro, 1973.

A N E X O

Dieta de 1200 calorias, sendo 150 g de hidratos de carbono, 78 gramas de proteínas e 32 g de gorduras.

Distribuição:

1 T refeição — (desjejum)

café leite torradas adoçante artif.

à vontade 1 xícara de chá cheia 5 torradinhas (obs. 5) à vontade

2? refeição (almoço)

vegetais A vegetais B carne ovo arroz cozido mamão

à vontade (obs. 6) 4 colheres (obs. 7) 1 bife grande (obs. 8) 1 cozido (obs. 9) 2 colheres de sopa (obs. 10) 1 talhada média (obs. 11)

3? refeição (merenda)

4? refeição (jantar)

laranjas

igual ao almoço

2 unidades

Observações: 1) não comer entre as refeições; 2) preparar os alimentos sem gorduras de cocção, pre­ferindo para carnes as preparações cozidas, gralhadas ou assadas; 3) variar os vegetais o mais possível para não cair em monotonia alimentar; 4) cozinhar os legumes em água e sal e condimentá-los com vi­nagre; 5) usar Sucari l , Diet i l , Suita, Sacarina ou Assugrin para adoçar as infusões; 6) são vegetais A o alface, o tomate, o agrião, a bertalha, a beringela, o maxixe, o palmito, o espinafre, a couve, o couve-flor, o brócolis, o caruru, o giló, a chicória, o repolho, o pepino e a abobrinha; 7) são vegetais B o chuchu, a cenoura, a abóbora, o nabo, a vagem, a ervilha verde e o quiabo; 8) substituir a carne por peixe magro, frango ou camarão; 9) substituir 1 ovo por 1 fatia de presunto ou 1 fatia de queijo mi­nas; 10) substituir o arroz cozido por 2 batatas inglesas médias ou macarrão na mesma quantidade; 11) substituir 1 fatia de mamão por 1 maçã, 1 pera, 1 cacho de uva, 2 laranjas, 1 fatia de melão ou melancia, 2 rodelas de abacaxi; 12) preparar o molho de vinagre, com 1 colher de vinagre, 1 colher de sobremesa de óleo, cebola, sal e pimenta; 13) não tomar bebidas alcoólicas, refrigerantes e sorvetes; 14) não comer chocolates, docinhos e açúcar.

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