o projeto político-pedagógico para a educacao em prisoes

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89 O projeto político-pedagógico para a educação em prisões Roberto da Silva Fábio Aparecido Moreira Resumo A aprovação das Diretrizes Nacionais para a Oferta da Educação em Estabelecimentos Penais, em 2009, abriu o caminho para uma discussão em torno da pertinência de um projeto político-pedagógico para o sistema penitenciário brasileiro, assentado nos dispositivos da Lei de Diretrizes e Bases da Educação e da Lei de Execução Penal. Tomando a pedagogia do oprimido de Freire como a sua inspiração teórica, a especificidade de tal projeto é analisada com base na experiência dos Estados de Mato Grosso do Sul, Santa Catarina e Mato Grosso. Conclui que esse instrumento educacional seria um meio de ressignificação do sentido historicamente atribuído ao crime, à pena e à prisão no Brasil, a partir do momento em que se coloca a educação e seus objetivos como elemento importante para a reabilitação penal. Palavras-chave: educação em prisões; projeto político-pedagógico; Mato Grosso; Mato Grosso do Sul; Santa Catarina. Em Aberto, Brasília, v. 24, n. 86, p. 89-103, nov. 2011

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O PPP para as prisões.

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    O projeto poltico-pedaggico para a educao em prisesRoberto da SilvaFbio Aparecido Moreira

    Resumo

    A aprovao das Diretrizes Nacionais para a Oferta da Educao em

    Estabelecimentos Penais, em 2009, abriu o caminho para uma discusso em torno da

    pertinncia de um projeto poltico-pedaggico para o sistema penitencirio brasileiro,

    assentado nos dispositivos da Lei de Diretrizes e Bases da Educao e da Lei de

    Execuo Penal. Tomando a pedagogia do oprimido de Freire como a sua inspirao

    terica, a especificidade de tal projeto analisada com base na experincia dos Estados

    de Mato Grosso do Sul, Santa Catarina e Mato Grosso. Conclui que esse instrumento

    educacional seria um meio de ressignificao do sentido historicamente atribudo ao

    crime, pena e priso no Brasil, a partir do momento em que se coloca a educao

    e seus objetivos como elemento importante para a reabilitao penal.

    Palavras-chave: educao em prises; projeto poltico-pedaggico; Mato

    Grosso; Mato Grosso do Sul; Santa Catarina.

    Em Aberto, Braslia, v. 24, n. 86, p. 89-103, nov. 2011

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    AbstractA political-pedagogical project for education in prisons

    The approval of the National Guidelines for the Provision of Education in Penal

    Institutions in 2009 opened the way for a discussion concerning the relevance of a

    political-pedagogical project (PPP) for the Brazilian penitentiary system based on

    the terms of the Law of Guidelines and Bases for Education and the Law of Penal

    Execution. Taking Freires pedagogy of the oppressed as its theoretical inspiration,

    the article explores the specificity of the PPP for the prison context anchored on the

    experience of the states of Mato Grosso do Sul, Santa Catarina and Mato Grosso.

    The elaboration of the PPP for education in prisons makes it possible to conceive

    this educational instrument as a means of altering the historical meaning attributed

    to crime, to punishment and to prison in Brazil starting from the moment in which

    education and its objectives are situated as an important element for penal

    rehabilitation.

    Keywords: education in prisons; political-pedagogical project; Mato Grosso; Mato

    Grosso do Sul; Santa Catarina.

    Introduo

    A convenincia de discutir um projeto poltico-pedaggico para o sistema

    penitencirio brasileiro decorre das Diretrizes Nacionais para a Oferta da Educao

    em Estabelecimentos Penais aprovadas pela Resoluo n 3, de 11 de maro de 2009,

    do Conselho Nacional de Poltica Criminal e Penitenciria (CNPCP) e homologadas

    pelo Ministrio da Educao por meio da Resoluo n 2 do Conselho Nacional de

    Educao (CNE), de 19 de maio de 2010. Uma consequncia prtica dessa normativa

    a obrigatoriedade de que cada Estado da Federao tenha o seu Plano Estadual de

    Educao nas Prises, de onde emerge, implcita ou explicitamente, o projeto

    poltico-pedaggico, cuja estrutura ser analisada a partir dos dispositivos da Lei de

    Diretrizes e Bases da Educao (LDB Lei n 9.394/1996) e da Lei de Execuo

    Penal (LEP Lei n 7.210/1984). Como documentos subsidirios, recorremos ao

    Catlogo Nacional de Cursos Tcnicos (Brasil. MEC, 2004) e ao Plano Nacional de

    Sade no Sistema Penitencirio, pelas possibilidades que oferecem articulao

    entre educao e trabalho.

    Diferentemente de outros espaos nos quais a educao de jovens e adultos

    (EJA) foi implantada com sucesso, sem nenhuma alterao do meio, a priso precisa

    ser ressignificada como espao potencialmente pedaggico. Como transformar

    carcereiros em educadores? Como transformar presos em alunos? Como situar a

    educao como um valor dentro da priso e como fazer para que as relaes entre

    todos sejam predominantemente pedaggicas?

    Em Aberto, Braslia, v. 24, n. 86, p. 89-103, nov. 2011

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    Dados os princpios da valorizao da relao entre teoria e prtica e das

    experincias anteriores (art. 61 da LDB), como transformar saberes construdos no

    submundo do crime em conhecimentos socialmente teis?

    Todas as consideraes acima foram suscitadas e ensaiadas durante o processo

    coletivo de elaborao dos planos estaduais de educao em prises nos Estados de

    Mato Grosso do Sul, Mato Grosso e Santa Catarina pelo Grupo de Estudos e Pesquisas

    sobre Educao em Regimes de Privao da Liberdade (GepPrivao), sediado na

    Faculdade de Educao da Universidade de So Paulo.

    As reflexes so aqui ampliadas em face do conhecimento que o GepPrivao

    tem de que outros Estados brasileiros tambm deram incio com metodologias di-

    versificadas construo seja do plano estadual seja do projeto poltico-pedaggico

    para a educao em prises.

    Apontamentos tericos e epistemolgicos para o projeto poltico-pedaggico de educao em prises

    A implantao das Diretrizes Nacionais para a Oferta da Educao em

    Estabelecimentos Penais no Brasil orientada por trs eixos que envolvem, de forma

    articulada, o sistema pblico de ensino e a execuo penal, seja por meio dos

    Ministrios da Educao e da Justia, seja por meio das aes entre Secretarias da

    Educao e da Administrao Penitenciria ou equivalente nos Estados.

    O Eixo A (gesto, articulao e mobilizao) orienta a formulao, a execuo

    e o monitoramento da poltica pblica para a educao nas prises, inclusive com a

    participao da sociedade civil, prtica coletiva comum na seara da educao, mas

    nova para a administrao penitenciria e a execuo penal.

    O Eixo B (formao e valorizao dos profissionais envolvidos na oferta) indica

    que a educao nas prises deve atender, alm das bvias necessidades dos presos,

    as necessidades de formao continuada e permanente de educadores, agentes

    penitencirios e operadores da execuo penal.

    O Eixo C (aspectos pedaggicos) impe aos Estados a obrigatoriedade da

    criao de seus prprios projetos poltico-pedaggicos, com base nos fundamentos

    conceituais e legais da educao de jovens e adultos, bem como nos paradigmas da

    educao popular, calcada nos princpios da autonomia e da emancipao dos sujeitos

    do processo educativo.

    Como se depreende da anlise desses trs eixos e do conjunto das Diretrizes,

    o projeto poltico-pedaggico das prises possui uma dimenso orgnica e estrutu-

    rante para as aes de mltiplos atores (projeto); impacta a execuo penal, os

    procedimentos disciplinares e a rotina prisional (poltico); e organiza as condies

    de ensino, o tempo, o espao e o currculo (pedaggico).

    Como a mais nova fronteira da educao, o projeto poltico-pedaggico das

    prises possibilita a salutar complementaridade entre a legislao educacional e a

    penal (LDB e Lei de Execuo Penal), favorece a articulao entre polticas setoriais

    (educao, trabalho, sade, segurana pblica e servio social), potencializa a sinergia

    Em Aberto, Braslia, v. 24, n. 86, p. 89-103, nov. 2011

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    entre duas cincias (pedagogia e direito penitencirio) e mobiliza distintos campos

    profissionais (professores e agentes penitencirios) em torno de objetivos comuns.

    A criativa explorao dos dispositivos da LDB constitui a priso como campo

    promissor para a experimentao de inovaes pedaggicas que no foram implementadas

    na rede regular de ensino, apesar de serem autorizadas pela lei. A mesma liberalidade

    apresentada pela legislao de ensino no encontra correspondncia nem na legislao

    penal nem na execuo penal que, no obstante, devem sofrer significativos impactos

    da educao, especialmente quanto aos regimentos disciplinares e atuao do Conselho

    da Comunidade e do Patronato.

    Entre essas inovaes, merecem destaque a relao educao/trabalho, a

    qualificao tcnica e profissional do preso para trabalhar ainda durante o

    cumprimento da pena e a integrao deste proposta de reabilitao penal dentro

    da prpria priso, como so os casos do monitor de educao e do agente prisional

    de sade (art. 11, 2 das Diretrizes).

    H, entretanto, justificadas preocupaes de que ocorra com a educao

    exatamente o que ocorreu com o trabalho dentro das prises brasileiras. Em vigncia

    desde a LEP de 1984, sem nenhuma avaliao oficial at os dias de hoje e com

    distores de todos os tipos (Chies, 2008), a remio da pena pelo trabalho serviu

    como analogia para se adotar a remio da pena por meio dos estudos.

    O trabalho como obrigatrio para o preso e a remio da pena por meio dele

    como direito no foram suficientes para instaurar dentro das prises brasileiras a

    cultura do trabalho, no fomentou a profissionalizao da mo de obra do preso e

    no serviram aos nobres propsitos de acumular um peclio para seu usufruto em

    liberdade nem para a reparao dos danos causados s suas vtimas.

    H fundados receios de que a educao seja utilizada como estratgia para

    diminuio da superlotao prisional, de que se atribua a ela o papel de diminuir a

    reincidncia criminal, a violncia, as fugas e as mortes dentro da priso e mesmo

    de que seja capaz de dissuadir a pessoa da carreira criminosa.

    A educao consiste em projeto de mdio e longo prazos, trabalha em funo

    de objetivos e metas prprios, mas que podem ser perfeitamente compatveis com

    os objetivos e as metas da reabilitao penal (Silva, Moreira, 2006). O papel da

    educao dentro da priso deve ser nica e exclusivamente o de ajudar o ser humano

    privado da liberdade a desenvolver habilidades e capacidades para estar em melhores

    condies de disputar as oportunidades socialmente criadas.

    A recente alterao na LEP,1 que permite a remio da pena pelos estudos,

    louvvel em sua inteno, mas infeliz nos seus critrios, ignora os objetivos e as

    metas prprias da educao e autoriza a concesso da remio apenas pela frequncia

    sala de aula, independentemente de o preso concluir ou no um ciclo, modalidade

    ou nvel de estudos.

    Entre as possibilidades apresentadas pelo projeto poltico-pedaggico e a

    operacionalizao da remio da pena pelos estudos, temos uma aparente contradio,

    ou seja, diversas instncias da educao, da execuo penal, da administrao

    1 A Lei n 12.433/2011 altera o artigo 126 da LEP para incluir a normatizao da remio pelo estudo.

    Em Aberto, Braslia, v. 24, n. 86, p. 89-103, nov. 2011

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    penitenciria e da sociedade civil so mobilizadas para assegurar a oferta da educao

    nas prises, porm no existem mecanismos que induzam o preso ao cumprimento

    das metas e dos objetivos da educao consignados no projeto.

    Preocupaes em relao a esse problema estiveram presentes nas discusses

    nos trs Estados referenciados neste artigo: a assinatura de um termo de compro-

    misso por parte do preso/aluno quanto concluso dos estudos, a meno desse

    compromisso na sentena de liberao condicional e a fiscalizao por parte do

    Conselho Penitencirio, do Conselho da Comunidade e do Patronato surgiram en-

    quanto propostas, mas precisam ser devidamente regulamentadas no mbito de

    cada comarca e Estado.

    A perspectiva freireana para o direito educao dos manos

    Foi a priso de Paulo Freire em setembro de 1964, quando passou cerca de

    setenta dias preso em Olinda e Recife, que ensejou o exlio do educador e, conse-

    quentemente, a amplificao de suas ideias mundo afora. Moacir Gadotti, herdeiro

    intelectual de Paulo Freire, sugere que a elaborao terica da Pedagogia do oprimido2

    remete a essa experincia que, alis, relatada pelo prprio Paulo Freire no livro

    Aprendendo com a prpria histria, em co-autoria com Srgio Guimares.

    A bibliografia especializada, entretanto, possui um nico registro de

    pronunciamento feito por Paulo Freire especificamente sobre educao de presos.

    Em conversa com os educadores que atuavam em prises durante o I Encontro

    de Monitores de Educao de Adultos Presos do Estado de So Paulo (1993), Paulo

    Freire afirmou que a singularidade da condio de presidirio no requer necessa-

    riamente um mtodo pedaggico especfico. Advertiu ainda que se os educadores

    enveredassem por uma metodologia especfica, inclusive com materiais didticos

    prprios, estariam discriminando o aluno preso duas vezes, negando-lhes acesso

    informao/formao que de todos de direito (Rusche, 1995, p. 17).

    Essa afirmao tem permeado desde ento a maioria das discusses sobre quais

    so os mtodos e as tcnicas mais adequadas para a educao em prises. A afirmao

    aparentemente contradiz outra do prprio Freire (2003, p. 34), que consiste em uma

    recomendao aos educadores brasileiros incitando-os a desenvolver mtodos e

    tcnicas adequadas para lidar com a diversidade da populao brasileira e suas

    experincias: escrevam pedagogias e no sobre pedagogias.

    A primeira afirmao parece corroborar a hiptese de que a educao de

    jovens e adultos deva ser, a exemplo do que sugere a Organizao das Naes Unidas

    para a Educao, a Cincia e a Cultura (Unesco, 2006, p. 63), a modalidade prefe-

    rencial para a educao de presos. J a segunda afirmao corrobora a hiptese

    destes autores, reiteradamente manifestada, de que a EJA em sua verso ofertada

    nos sistemas pblicos de ensino no atende especificidade da condio dos presos.

    2 O manuscrito de 1968. Em 1969, Paulo Freire, no exlio, foi convidado a ser professor visitante na Harvard University (USA), poca em que esse livro foi publicado em ingls (Pedagogy of the oppressed. New York: Herder & Herder, 1970) e em espanhol, ou seja, quatro anos antes da edio brasileira.

    Em Aberto, Braslia, v. 24, n. 86, p. 89-103, nov. 2011

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    As Diretrizes Nacionais tambm confirmam esta ltima hiptese, instando os

    gestores pblicos a adotarem os dispositivos capazes de trazer inovaes para a

    educao e a integrarem as diferentes alternativas educacionais, sejam elas formais,

    no formais ou decorrentes das experincias de vida e do trabalho.

    Paulo Freire cimentou a concepo de educao como libertao, entendendo

    o ato de educar como equivalente a libertar, que tem como corolrios a conscientizao,

    a autonomia, a emancipao, a capacidade de autodeterminao e a vocao para

    ser mais. Sua atuao junto Rede Brasileira de Educao em Direitos Humanos

    logo aps o retorno do exlio foi fundamental para que a convergncia entre os dois

    termos assumisse uma dimenso prtica por meio do Projeto Educar para os Direitos

    Humanos, desenvolvido pela Comisso de Justia e Paz da Arquidiocese de

    So Paulo.

    A dedicatria do livro Pedagogia do oprimido foi direcionada aos esfarrapados

    do mundo, mas a categoria central no pensamento pedaggico libertador de Paulo

    Freire no , entretanto, este esfarrapado, o preso, o proletrio ou qualquer outro

    tipo sociolgico em particular e sim o oprimido/opressor, relao dialtica que faz

    com que o processo de libertao de um seja, na verdade, o processo de libertao

    do outro.

    O opressor se desumaniza ao desumanizar o oprimido, no importa que coma bem, que vista bem, que durma bem. No seria possvel desumanizar sem desumanizar-se tal a radicalidade social da vocao. No sou se voc no , no sou, sobretudo, se probo voc de ser. (Freire, 1994, p. 100).

    Na concepo freireana, humanizao e desumanizao so possibilidades

    dos homens como seres inconclusos e conscientes da sua inconcluso, mas se ambas

    constituem uma possibilidade s a primeira parece constituir a vocao do homem.

    A desumanizao uma distoro da vocao de ser mais; distoro possvel na

    histria, mas no uma vocao histrica. E ainda que a desumanizao seja real

    na histria, contudo, no um destino contra o qual no se possa lutar, mas o

    resultado de uma ordem injusta que gera violncia por parte dos opressores, a qual,

    por sua vez, gera o ser menos (Freire, 1994, p. 48).

    A radicalidade proporcionada por essa concepo torna responsabilidade da

    educao a tarefa humanstica e histrica de libertar-se a si e aos seus opressores

    (Freire, 1987, p. 16). Oprimido e opressor devem ser entendidos como categorias

    dialticas e no estticas, relativas e no absolutas, dadas a natureza cambiante das

    relaes humanas e sociais e a possibilidade de uma mesma pessoa estar simulta-

    neamente nas duas posies, ainda que em relao a pessoas diferentes. Ningum

    100% oprimido e ningum 100% opressor, constituindo-se em ato de

    conscientizao saber quando e como o sujeito est em uma ou outra posio.

    No livro Professora sim, tia no: cartas para quem ousa ensinar, Paulo Freire

    (1997, p. 34) sustenta a tese de que os problemas relacionados com a educao

    no so somente pedaggicos, mas sim polticos e ticos, e que os problemas da

    educao de adultos, particularmente nas prises, evidenciam esse carter tico

    e poltico.

    Em Aberto, Braslia, v. 24, n. 86, p. 89-103, nov. 2011

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    Alguns dados permitem visualizar essas dimenses ticas e polticas a que

    se refere Freire. Mais de 63% das pessoas recolhidas priso no Brasil tm idade

    entre 18 e 35 anos, confirmando que a priso est, cada vez mais, sendo destinada

    a indivduos de extratos sociais historicamente mais vulnerveis e cuja educao foi

    negligenciada pelas instncias tradicionais de socializao, como devem ser a famlia,

    a escola, a igreja e o mercado de trabalho. Observa-se ainda a predominncia de

    delitos de pouco ou nenhum impacto ofensivo, como os crimes contra o patrimnio

    e o envolvimento com drogas, responsveis por 45% dos encarceramentos no Brasil.

    Jovens que em liberdade no puderam aprimorar o desenvolvimento de suas

    potencialidades humanas, no encontraram ainda o sentido de suas vidas e no

    adquiriram escolarizao ou profissionalizao suficiente para lhes assegurar um

    lugar em suas comunidades esto sendo cada vez mais compelidos a encontrar na

    priso o espao que lhes forje o carter e a personalidade, e a priso que temos hoje

    em nada contribui para isso. Srgio Adorno (1991, p. 79) chama a isso de socializao

    incompleta.

    Diante desse quadro, as definies clssicas de crime, pena e priso no so

    mais suficientes para explicar os processos sociais que estamos vivenciando neste

    incio de sculo 21, marcado pelo acirramento das desigualdades sociais, da pobreza

    e do desemprego (Silva, Moreira, 2006, p. 5).

    Esses fatores precisam ser considerados com vistas a uma redefinio das

    funes da pena e da priso, pois os estabelecimentos penitencirios brasileiros

    esto cada vez mais se caracterizando como instncias de socializao de jovens que

    no puderam completar esse processo quando em liberdade.

    As especificidades da EJA prisional

    No obstante a adeso do Brasil a todos os tratados e convenes internacionais

    na rea de direitos humanos e as conquistas na universalizao do ensino fun-

    damental, o Pas negligenciou a oferta da educao s pessoas em regimes de privao

    da liberdade. Sua elevao ao status de poltica pblica requer agora o enfrenta-

    mento e a superao de algumas questes que so prprias e especficas do sistema

    penitencirio.

    A chamada cultura prisional, leia-se o modelo de administrao penitenciria,

    sustentada por um trip cujos pilares so: 1) a elevada tolerncia em relao a

    todas as formas de violncia que se torna o principal fator de mediao das relaes

    entre instituio/agentes, agentes/presos e presos/presos; 2) a elevada tolerncia

    em relao corrupo no s no sentido pecunirio, mas tambm em relao a

    valores, hbitos e costumes que caracterizam o universo prisional como uma con-

    tracultura; e 3) a compra e a venda de privilgios como tcnica de empoderamento

    de presos e agentes, sem nenhuma correspondncia no mundo real.

    A prevalncia do binmio segurana/disciplina sobre toda e qualquer iniciativa

    de ressocializao tem sido apontada como o maior dos entraves execuo do

    trabalho, da educao, da psicologia e do servio social dentro da priso (Portugus,

    Em Aberto, Braslia, v. 24, n. 86, p. 89-103, nov. 2011

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    2001; Silva, 2001), mas deve-se apontar tambm para a relao de subordinao

    que essas cincias tm em relao s cincias jurdicas, como se fossem apndices

    destas.

    Das mais de 1.800 unidades prisionais existentes no Brasil, nenhuma planta

    penitenciria foi concebida, na origem, como estabelecimento educacional, isto ,

    como uma escola para atendimento aos presos, havendo salas de aulas geralmente

    adaptadas ou ocupando espaos improvisados, originalmente destinados

    administrao penitenciria (Brasil. MJ, 2010).

    Sob o prisma organizacional, em vrios Estados brasileiros a administrao

    penitenciria ainda sequer concebida como rea de conhecimento (direito

    penitencirio), estando subordinada Secretaria de Justia, Secretaria de Segurana

    Pblica ou a outro arranjo poltico que no uma Secretaria da Administrao

    Penitenciria, dirigida por especialistas e no por coronis, com oramento prprio,

    quadro de recursos humanos concursado, escola de formao do pessoal penitencirio

    e rgida distino de funes entre quem prende e quem tem a responsabilidade

    pela custdia do preso.

    Elo importante na oferta, fiscalizao e avaliao da educao em prises so

    as instituies auxiliares da justia (Lei n 7.210, art. 61), especialmente o Conselho

    Penitencirio, o Patronato e o Conselho da Comunidade, cujas atribuies so

    necessrias e desejveis na elaborao, fiscalizao e avaliao de um projeto

    poltico-pedaggico destinado s prises, tal como as instituies auxiliares da escola,

    a saber, Conselho de Escola e Associao de Pais e Mestres (APM).

    A formao de professores para a educao em prises, com regime prprio

    de trabalho, ainda que dentro da categoria nica do magistrio constitui caso

    parte, pois os cursos de formao de professores, mesmo das universidades pblicas,

    ainda no esto sensibilizados para a necessidade de formar quadro docente para

    atuao em espaos outros que no sejam a escola e a sala de aula. Lecionar nas

    prises tem sido a ltima opo para professores que no encontram lugar na rede

    regular de ensino, em incio de carreira, provisrios ou readaptados.

    O mesmo se pode dizer em relao ao mercado editorial quanto aos apelos

    para desenvolvimento ou adequao de bibliografia e de material didtico- pedaggico

    para a educao em prises. Sem o apelo comercial e a possibilidade do ganho em

    escala, persiste nas prises a utilizao do material originalmente concebido para a

    educao de jovens e adultos ofertada no sistema pblico de ensino.

    Essa ltima questo em particular possibilita dialogar com a posio de Paulo

    Freire no incio do texto. Em que circunstncias a discriminao contra os presos seria

    acentuada com a adoo de uma pedagogia especialmente concebida para o universo

    prisional? Escrever pedagogias para quem? Se o contexto em que vive a pessoa

    determinante na constituio de sua forma de produzir conhecimentos e de ler o mundo,

    a condio de encarceramento, sobretudo o confinamento prolongado, propcia para

    estabelecer formas outras de produo e de reproduo do conhecimento?

    E como desconstruir a lgica imanente priso, cuja contracultura a

    caracteriza como escola/universidade do crime, dotada que de uma pedagogia que

    de forma contnua, persistente e independente da vontade das pessoas, da sociedade

    Em Aberto, Braslia, v. 24, n. 86, p. 89-103, nov. 2011

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    e do Estado produz e reproduz os pseudovalores da criminalidade e da violncia,

    agora de forma intrafamiliar e intergeracional com anseios de exportao de suas

    tecnologias para a sociedade extramuros?

    Sem pretender tornar o cenrio mais feio e cruel do que ele j , ressalta-se

    a necessidade de conhecimento geral quanto natureza dos desafios a serem

    enfrentados, especialmente por parte dos novos atores chamados luta, tais como

    professores, educadores, formadores de formadores, coordenadores de cursos e

    gestores universitrios.

    Destacar a especificidade da EJA prisional , portanto, determinante para a

    adequada formao de professores, para a especializao da carreira, para a produo

    de material didtico-pedaggico e para a elaborao de indicadores de avaliao que

    deem conta de apreender a multiplicidade de fatores presentes na relao de ensino

    e aprendizagem dentro da priso.

    O projeto poltico-pedaggico para as prises

    No livro Educao na cidade, Paulo Freire (2001, p. 24), falando sobre

    sua experincia como secretrio da Educao na cidade de So Paulo, apresenta sua

    concepo de construo de projeto poltico-pedaggico:

    Evidentemente, para ns a reformulao do currculo no pode ser algo feito, elaborado, pensado por uma dzia de iluminados cujos resultados finais so encaminhados em forma de pacotes para serem executados de acordo ainda com as instrues e guias igualmente elaborados pelos iluminados.

    A necessidade de um projeto poltico-pedaggico pode ser entendida como

    decorrncia direta do processo de maturidade democrtica pelo qual o Brasil passou

    recentemente. Uma caracterstica desse processo foi a supresso de modelos refe-

    renciais para organizar a vida pessoal, familiar e social e a consequente valorizao

    do indivduo e de suas experincias. Historicamente, a religio forneceu os modelos

    de pai, me, filho, assim como os parmetros para julgamento do que certo ou

    errado e do que bom ou mau.

    A educao, mais do que qualquer outra rea de conhecimento, aprendeu a

    trabalhar com a diversidade, gerando respostas que contemplam quase todo o es-

    pectro das necessidades educacionais diferenciadas (indgena, quilombola, gnero,

    opo sexual, deficincias, estrangeiros, hospitalizados etc.). Paulo Freire (2000)

    tratou da questo da diferena em Pedagogia da indignao, fazendo a defesa do

    multiculturalismo, no qual o direito de ser diferente em uma sociedade dita

    democrtica, enquanto uma liberdade conquistada de cada cultura, tambm deve

    proporcionar um dilogo crtico entre as diversas culturas, com o objetivo de

    consolidar e ampliar os processos de emancipao.

    Portanto, na ausncia de modelos nicos, hegemnicos e culturalmente

    impostos, cabe comunidade, juntamente com a escola pblica que a atende, definir

    de comum acordo o perfil do educando a ser formado.

    Em Aberto, Braslia, v. 24, n. 86, p. 89-103, nov. 2011

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    As bases de um projeto poltico-pedaggico coletivamente construdo podem

    ser assim resumidas:

    Que tipo de pessoas o Estado, a sociedade e a priso querem formar?

    Quais os recursos fsicos, humanos e financeiros disponibilizados para a escola?

    Como sero organizados os processos de ensino/aprendizagem,

    monitoramento e avaliao do projeto poltico-pedaggico?

    Cada Estado brasileiro possui conjunturas especficas tanto na educao

    quanto no seu sistema penitencirio, mas h documentos de referncia que podem

    subsidiar a formulao dos respectivos projetos. So eles:

    1) Plano Estadual de Educao nos Estados em que existe, pertinente

    verificar se ele faz alguma referncia educao em prises.

    2) Plano Diretor do Sistema Penitencirio entre suas 22 metas, merece

    ateno a Meta 15 (educao e profissionalizao), na qual se faz o

    detalhamento quanto ao nvel de escolaridade de toda a populao prisional

    no Brasil.

    3) Plano Operativo Estadual de Sade no Sistema Penitencirio desdobramento

    do Plano Nacional de Sade no Sistema Penitencirio, que coloca a ateno

    sade do preso como atribuio do Sistema nico de Sade (SUS).

    4) Deliberaes do Conselho Estadual de Educao sobre a oferta da educao

    em prises ou, analogamente, sobre educao de jovens e adultos e

    educao tcnica e profissional.

    Observada a diretriz que determina ser a educao em prises obrigao do

    Estado por meio da articulao entre as secretarias que cuidam das prises e da

    educao, uma primeira definio a se fazer quanto forma de organizao do

    sistema de ensino para atender as unidades prisionais.

    O Mato Grosso do Sul, por exemplo, que iniciou a elaborao coletiva do seu

    plano estadual mesmo antes da homologao das Diretrizes Nacionais, atende 21

    de suas 44 unidades prisionais por meio da Escola Estadual Polo Prof Regina Lcia

    Anffe Nunes Betine, criada em dezembro de 2003. Essa escola est credenciada pelo

    Conselho Estadual de Educao para oferecer todas as modalidades da educao

    bsica, possui um quadro prprio de 60 professores e cinco coordenadores pedag-

    gicos e cada unidade prisional atendida concebida como uma extenso da escola.

    Esse o modelo que podemos chamar de escola vinculadora ou escola polo.

    O Estado de Santa Catarina, no obstante possuir desde 1975 uma denominada

    Escola Supletiva Penitenciria, faz o atendimento escolar da populao prisional por

    meio dos Centros de Educao de Jovens e Adultos (Cejas), diretamente subordinados

    a uma coordenadoria da Secretaria Estadual de Educao. Apesar de haver uma

    coordenao nica para os 36 Cejas, resguarda-se a autonomia de cada um na ela-

    borao do seu projeto poltico-pedaggico, caracterizando-se como um modelo

    descentralizado de atendimento.

    Em Aberto, Braslia, v. 24, n. 86, p. 89-103, nov. 2011

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    No Mato Grosso existe desde 2009 a Escola Estadual Nova Chance, vinculada

    Secretaria Estadual da Educao, que atende 19 das 60 unidades prisionais do

    Estado. Essa escola tambm se caracteriza como uma escola vinculadora e as unidades

    prisionais atendidas so concebidas como salas anexas da escola oficial.

    H ainda a possibilidade de que cada unidade prisional esteja diretamente

    vinculada unidade escolar mais prxima ou tenha sua prpria escola, inclusive

    dotada das respectivas instituies auxiliares, como grmio, Conselho de Escola e

    Associao de Pais e Mestres.

    Nos trs Estados aqui referenciados, o Plano Estadual de Educao em Prises

    foi concebido como as diretrizes estaduais para o tema, articulando secretarias e

    rgos de governo, criando infraestrutura e logstica, organizando as carreiras pro-

    fissionais, estabelecendo atribuies e competncias e organizando as condies de

    oferta, fiscalizao e avaliao da educao nas prises.

    O projeto poltico-pedaggico constitui o instrumento operacional por meio do

    qual a Escola Regina Betine, os Cejas e a Escola Nova Chance definiram prioridades,

    objetivos e metas a serem alcanados em determinado perodo de tempo. O modelo

    da escola vinculadora ou escola polo possibilita que o projeto poltico-pedaggico seja

    nico para todo o Estado, abrangendo a totalidade das unidades prisionais atendidas.

    Importante ressaltar que no mbito de um plano estadual no h uma soluo

    nica para oferta da educao em prises.

    Quando analisados os dados relativos ao perfil de escolarizao da populao

    prisional no Brasil, a alfabetizao surge como um desafio tico a ser enfrentado

    pelo Estado e pela sociedade, pois inadmissvel hoje a existncia de analfabetismo

    entre jovens e adultos em sociedades contemporneas. A elevao da escolaridade

    para cerca de 80% dos presos que no concluram o ensino fundamental soa como

    uma ao reparadora perante o fato de ter sido negado a eles o direito educao

    na idade apropriada.

    Durante o processo de elaborao dos planos estaduais para a educao em

    estabelecimentos penais nos Estados de Mato Grosso do Sul, Santa Catarina e Mato

    Grosso, a anlise dos dados de escolarizao dos presos apontaram para a necessi-

    dade de que a educao de jovens e adultos a ser oferecida assumisse modelagens

    diversas para atender s diferentes necessidades de homens e mulheres presos.

    A primeira modelagem, para contemplar os presos que no so alfabetizados

    ou no exercitaram o direito constitucional educao bsica de nove anos, foi

    prioritariamente nos sentidos de alfabetizao e de elevao da escolaridade.

    Cruzados os dados de escolaridade e de trabalho, entretanto, ficou evidente

    que so exatamente esses os presos que mais constantemente optam pelo trabalho

    em detrimento da educao, por razes bvias. Logo, a proposta de educao para

    esse contingente teve que, inexoravelmente, considerar a relao trabalho e

    educao, possibilitada pelo conceito de qualificao pelo trabalho enunciado no

    artigo 27, inciso III, combinado com o artigo 37, 2 da LDB, que autoriza, inclusive,

    o reconhecimento de saberes e habilidades adquiridos por meios informais.

    A segunda modelagem contemplou os que possuem o ensino fundamental

    completo e, portanto, exercitaram o direito constitucional escolarizao bsica de

    Em Aberto, Braslia, v. 24, n. 86, p. 89-103, nov. 2011

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    nove anos, mas devem ser estimulados continuidade dos estudos com vistas

    elevao no apenas da escolaridade, mas tambm de suas competncias tcnicas

    relacionadas ao trabalho.

    Os artigos 35, 36 e 41 da LDB autorizam o atendimento dessa demanda por

    meio do ensino mdio, no qual tambm podem ser aproveitados os conhecimentos

    e as habilidades anteriormente adquiridos, resultando em certificao de educao

    profissional de nvel mdio com validade nacional e em uma profisso para o indivduo

    quando em liberdade.

    Uma terceira modelagem objetivou atender os presos que comearam, mas

    no concluram o ensino mdio, e que, no obstante isso, exercem no interior da

    priso ofcios indexados na Classificao Brasileira de Ocupaes (CBO). O artigo

    40 da LDB autoriza diferentes articulaes da educao profissional, inclusive com

    o prprio ambiente de trabalho. A nfase, nesse caso, foi estimular a concluso

    dessa etapa, explorando as possibilidades tambm previstas nos artigos 39, 41 e

    42 da LDB.

    Os presos que possuem o ensino mdio completo podem se beneficiar da

    educao profissional, no sentido de aprendizagem de uma profisso de nvel tc-

    nico, como so os casos dos monitores de educao ( 2 do artigo 9 das Diretrizes)

    e do agente prisional de sade (artigo 9 da Portaria Interministerial n 1.777, de 9

    de setembro de 2003, que institucionaliza o Plano Nacional de Sade no Sistema

    Penitencirio). Esse Plano prev a qualificao profissional de pelo menos 5% dos

    presos como agentes prisionais de sade, com formao equivalente ao do agente

    comunitrio de sade.

    Somente o uso desses dois dispositivos possibilita formar, de imediato, 25

    mil presos para ajudar a enfrentar os graves problemas de sade no sistema peni-

    tencirio. Usada a analogia e a mesma proporo para formao de presos como

    monitores de educao, seriam outros 25 mil auxiliares para os profissionais da

    educao. Dadas as caractersticas que fazem com que a sade e a educao possuam

    alto valor agregado na reabilitao e que os presos possuem, de modo geral, uma

    boa representao social dessas ocupaes, mesmo quando exercidas por outros

    detentos, estas so duas profisses sociais de nvel tcnico capazes de impactar

    positivamente a cultura prisional, inclusive na formao de lideranas positivas

    entre a populao prisional.

    Essas possibilidades esto regulamentadas no Catlogo Nacional de Cursos

    Tcnicos e as Diretrizes Nacionais fazem meno preparao especial (formao

    pedaggica) que devem receber os presos para atuao no apoio aos profissionais

    da educao, servindo a mesma orientao em relao aos profissionais da sade.

    Concluso

    A conjuno dos fatores, da legislao, das reas de conhecimento e da

    articulao interinstitucional implcitos na elaborao do projeto poltico- pedaggico

    para a educao em prises possibilita conceber esse instrumento educacional como

    Em Aberto, Braslia, v. 24, n. 86, p. 89-103, nov. 2011

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    meio de ressignificao do sentido historicamente atribudo ao crime, pena e

    priso no Brasil, a partir do momento em que se coloca a educao e seus objetivos

    como elementos importantes para a reabilitao penal.

    Mesmo resguardando-se a finalidade e o papel que a educao deve cumprir

    dentro da priso e considerando que esta no vai ser de imediato transformada em

    um escolo, no est fora de seu escopo o enfrentamento das diversas questes que

    afligem o crcere, especialmente a transformao da cultura prisional, os novos

    parmetros para conduo das relaes, a formao de lideranas positivas e o res-

    suscitar das esperanas por meio da qualificao tcnica e profissional que possam

    assegurar meios honestos e legtimos de reorganizao da vida aps a obteno da

    liberdade.

    O breve relato dos arranjos ensaiados na elaborao coletiva dos projetos

    poltico-pedaggicos de Mato Grosso do Sul, Mato Grosso e Santa Catarina no

    esgotam as possibilidades nem do respostas definitivas regulamentao das

    Diretrizes em mbito estadual, na forma de Plano Estadual ou de projeto poltico-

    pedaggico. Entretanto, a elaborao coletiva desses instrumentos tem

    possibilitado confrontar preconceitos, medos, receios e preocupaes legtimas

    de parte a parte. A sociedade em geral e os meios de comunicao enfatizam os

    custos e duvidam dos resultados da iniciativa; a administrao penitenciria

    precisa assegurar ao Estado, sociedade e aos meios de comunicao a segurana

    coletiva; agentes e dirigentes penitencirios se preocupam tanto com a prpria

    segurana quanto com a segurana dos educadores, alm de expressarem dvidas

    quanto disciplina dos presos e s cobranas da sociedade civil organizada. O

    Estado, por fim, e para responder s expectativas de todos os demais setores,

    precisa de resultados e estes ainda no possuem indicadores suficientemente

    consensuais para dimension-los dentro do tempo poltico que caracteriza as

    aes de governo.

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    de Privao da Liberdade (GepPrivao).

    [email protected]

    Fbio Aparecido Moreira, mestre em Educao, integrante do GepPrivao.

    [email protected]

    Em Aberto, Braslia, v. 24, n. 86, p. 89-103, nov. 2011