relatorio educacaoo nas prisoes

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Relatoria Nacional para o Direito Humano Educao

Rua General Jardim, 660-4 andar-Vila Buarque CEP: 01223-010- So Paulo/SP Brasil +55 (11) 3151.2333 r.108/132 http://www.dhescbrasil.org.br e-mail [email protected]; [email protected] [email protected]

RELATORIA NACIONAL PARA O DIREITO HUMANO EDUCAO

EDUCAO NAS PRISES BRASILEIRASRelatora: Denise Carreira Assessora: Suelaine Carneiro

OUTUBRO DE 2009

Secretaria Executiva da Plataforma DhESCA Brasil

Rua Des. Ermelino de Leo, 15, conj. 72 Centro CEP: 80410-230 Curitiba/PR Brasil +55 (41) 3014-4651 - + 55 (41) 3232-4660 http://www.dhescbrasil.org.br [email protected]

Catalogao Brasil. Centro de Documentao de Ao Educativa

CARRREIRA, Denise Relatoria Nacional para o Direito Humano Educao: Educao nas Prises Brasileiras / Denise Carreira e Suelaine Carneiro - So Paulo: Plataforma DhESCA Brasil, 2009. 116 p.

1. Educao nas prises 2. Segurana pblica 3. Educao de jovens e adultos 4. Encarceramento 5. Direito humano educao I. CARREIRA, Denise. II. CARNEIRO, Suelaine. III. Plataforma DhESCA Brasil. IV. Ttulo

RESUMOAs pessoas encarceradas, assim como todos os demais seres humanos, tm o direito humano educao. Esse direito est previsto nas normas internacionais e na legislao nacional. Foi para verificar a garantia do direito educao nas prises brasileiras que a Relatoria Nacional para o Direito Humano Educao realizou misso entre outubro de 2008 e abril de 2009. O trabalho se vincula misso desenvolvida anteriormente pela ex-relatora de Educao, professora Edla Soares, e por sua assessora, professora Ednar Cavalcanti em 2008 sobre a situao da educao em unidades prisionais femininas do estado de Pernambuco1. A misso do atual mandato realizada nos estados de Par, Pernambuco, Rio Grande do Sul, So Paulo e Distrito Federal visitou unidades prisionais, entrevistou a diretores das unidades, profissionais de educao, pessoas encarceradas, ativistas de sociedade civil e agentes penitencirios; participou de eventos sobre o tema da educao no sistema prisional e pesquisou documentos oficiais e estudos que tratam do assunto. Alm de verificar a situao da educao no sistema prisional brasileiro, a misso buscou contribuir para o debate pblico sobre a apreciao urgente da proposta de Diretrizes Nacionais de Educao no Sistema Prisional pelo governo federal e dos projetos de lei da remio da pena por estudo que tramitam no Congresso Nacional. Por meio da misso da Relatoria Nacional para o Direito Humano Educao, foi constatado que: a educao para pessoas encarceradas ainda vista como um privilgio pelo sistema prisional; a educao ainda algo estranho ao sistema prisional. Muitos professores e professoras afirmam sentir a unidade prisional como uma ambiente hostil ao trabalho educacional; a educao se constitui, muitas vezes, em moeda de troca entre, de um lado, gestores e agentes prisionais e, do outro, encarcerados, visando a manuteno da ordem disciplinar; h um conflito cotidiano entre a garantia do direito educao e o modelo vigente de priso, marcado pela superlotao, por violaes mltiplas e cotidianas de direitos e pelo superdimensionamento da segurana e de medidas disciplinares. Quanto ao atendimento nas unidades: descontnuo e atropelado pelas dinmicas e lgicas da segurana. O atendimento educacional interrompido quando circulam boatos sobre a possibilidade de motins; na ocasio de revistas (blitz); como castigo ao conjunto dos presos e das presas que integram uma unidade na qual ocorreu uma rebelio, ficando merc do entendimento e da boa vontade de direes e agentes penitencirios; muito inferior demanda pelo acesso educao, geralmente atingindo de 10% a 20% da populao encarcerada nas unidades pesquisadas. As visitas s unidades e os depoimentos coletados apontam a existncia de listas de espera1

Ver relatrio completo sobre a misso realizada pela ex-relatora Edla Soares e assessora Ednar Cavalcanti s unidades de Pernambuco no site www.dhescbrasil.org.br

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extensas e de um grande interesse pelo acesso educao por parte das pessoas encarceradas; quando existente, em sua maior parte sofre de graves problemas de qualidade apresentando jornadas reduzidas, falta de projeto pedaggico, materiais e infraestrutura inadequados e falta de profissionais de educao capazes de responder s necessidades educacionais dos encarcerados.

Entendemos ser obrigao do Estado brasileiro combater efetivamente todas as formas de impunidade de crimes cometidos contra a sociedade e contra o Estado. Porm, a Relatoria vem se somar s vozes que questionam o modelo de punio centrado predominantemente na ampliao do confinamento de seres humanos em unidades prisionais como resposta no somente ao alegado crescimento do crime organizado no Brasil e no mundo, mas ao aumento dos conflitos sociais e interpessoais decorrentes das desigualdades (econmicas, tnico-raciais, regionais, de gnero, de orientao sexual, etrias etc) e da falta de acesso a direitos bsicos.

Parecer e Recomendaes A partir de uma anlise detalhada sobre a situao da educao nas unidades prisionais, a Relatoria Nacional para o Direito Humano Educao apresenta um conjunto de 9 recomendaes estruturais e 14 recomendaes complementares comprometidas em garantir condies para a efetivao do direito humano educao nas prises brasileiras. So medidas concretas e factveis que o Estado brasileiro pode assumir para cumprir a legislao nacional e o previsto nas normas internacionais dos quais signatrio. Informamos que este relatrio ser entregue s autoridades pblicas federais e estaduais e divulgado junto s organizaes e movimentos de educao e direitos humanos e opinio pblica brasileira. O documento ser encaminhado ao relator especial da ONU para o Direito Humano Educao, Vernor Munhoz; ao Conselho de Direitos Humanos e ao Subcomit de Preveno da Tortura e outros Tratamentos Cruis, Desumanos e Degradantes da ONU para conhecimento e a tomada de medidas cabveis, conforme previsto nos instrumentos internacionais de direitos humanos.

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NDICE

INTRODUO ............................................................................................................p. 5 1 O DIREITO HUMANO EDUCAO DAS PESSOAS ENCARCERADAS............p. 10 1.1 Educao nas Prises: Normas Internacionais..........................................p. 11 1.2 Educao nas Prises: Legislao Nacional.............................................p. 13 2 O ENCARCERAMENTO E AS POLTICAS PRISIONAIS NO MUNDO...................p. 16 2.1 Prises no Brasil...................................................................................................p. 18 2.2 Mulheres Encarceradas........................................................................................p. 21 2.3 A situao dos agentes prisionais.........................................................................p. 22 3 A EDUCAO NAS PRISES ...............................................................................p. 25 3.1 Amrica Latina......................................................................................................p. 25 3.2 Os modelos educativos e a ressocializao..........................................................p. 26 3.3 A Educao no sistema prisional brasileiro...........................................................p. 27 3.4 Mulheres encarceradas e a educao infantil.......................................................p. 28 3.5 O Projeto Educando para a Liberdade e o Pronasci.............................................p. 29 3.6 A organizao dos Profissionais de Educao que atuam nas Prises................p. 30 4 A MISSO DA RELATORIA AOS ESTADOS.........................................................p. 32 4.1 Misso ao estado de Pernambuco .......................................................................p.35 4.2 Misso ao estado de So Paulo...........................................................................p. 51 4.3 Misso ao estado do Rio Grande do Sul..............................................................p. 64 4.4 Misso ao estado do Par....................................................................................p. 71 4.5 Misso unidade do Distrito Federal...................................................................p. 79 5 PARECER E RECOMENDAES DA RELATORIA.............................................p. 81 5.1 A situao da educao nas prises........................................................p. 83 5.2 Responsabilidade do Estado....................................................................p. 88 5.3 Recomendaes......................................................................................p. 89 5.4 Um chamamento s autoridades e sociedade brasileira.......................p. 96 6. BIBLIOGRAFIA ....................................................................................................p. 97 7. ANEXOS...............................................................................................................p. 102 7.1 O Direito Humano ao Trabalho nas unidades prisionais de Pernambuco............p. 102 7.2 Reivindicaes dos Encarcerados do CDP de Diadema (SP).............................p. 113 7.3 Fotos das misses aos estados...........................................................................p. 117

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INTRODUOA Relatoria Nacional para o Direito Humano Educao vinculada Plataforma Dhesca (Direitos Humanos Econmicos, Sociais, Culturais e Ambientais), uma articulao de trinta e quatro organizaes e redes nacionais de direitos humanos. Alm da Educao, a Plataforma conta com mais cinco Relatorias Nacionais: sade, alimentao e terra rural, meio ambiente, moradia e trabalho. Para o desenvolvimento das investigaes e acompanhamento de casos paradigmticos de violao dos direitos humanos no Brasil, as Relatorias tm o apoio da Procuradoria Federal do Cidado, das Agncias da ONU no Brasil, em especial, do Programa de Voluntrios das Organizaes das Naes Unidas e da Unesco, e apoio institucional Plataforma por parte das agncias internacionais ICCO, EED e Fundao Ford. Inspirado na experincia dos Relatores Especiais Temticos da ONU, o Projeto Relatores entende os direitos humanos como universais (para todos e todas), interdependentes (todos os direitos humanos esto relacionados entre si e nenhum tem mais importncia que outro), indivisveis (no podem ser fracionados) e exigveis frente ao Estado em termos jurdicos e polticos. O Projeto procura analisar e difundir informaes sobre a situao dos direitos humanos no Brasil e contribuir para a efetivao desses direitos, com base na legislao brasileira e nos tratados e convenes internacionais de proteo dos direitos humanos ratificados pelo pas. A partir da experincia brasileira, foram desenvolvidas iniciativas similares em outros paises da Amrica Latrina e da sia. A Relatoria de Educao defende a educao como um direito humano inerente ao processo de humanizao de homens e mulheres, que deve ser percebida na concepo de universalidade e de no discriminao. A educao um direito humano intrnseco e um meio indispensvel para realizao de outros direitos humanos. Eleita em junho de 2007, Denise Carreira a atual Relatora Nacional para o Direito Humano Educao. 2Com uma trajetria de mais de vinte anos atuando no campo dos direitos humanos, Denise coordenadora do programa diversidade, raa e participao da organizao Ao Educativa, ex-coordenadora da Campanha Nacional pelo Direito Educao, feminista e autora de vrias publicaes. A assessoria da Relatoria exercida por Suelaine Carneiro, sociloga, educadora e integrante da organizao no-governamental Geleds Instituto da Mulher Negra. A organizao da misso A organizao de uma misso da Relatoria envolve as seguintes etapas: 1. qualificao da denncia levantamento de informaes sobre a problemtica; 2. realizao da misso visitas s comunidades, entrevistas com famlias, educadoras e educadores, dirigentes escolares, alunos (crianas e adultos); reunies com autoridades2

O projeto Relatores existe desde 2003. Os relatores e assessores de educao dos mandatos anteriores foram: Srgio Haddad e Maringela Graciano (2003-2005), e Edla Soares e Ednar Calvancanti (2006-2007). Para mais informaes acesse o site: .

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locais; realizao de audincias pblicas e apresentao de informe preliminar. 3. elaborao do relatrio o relatrio contm a denncia, o contexto, as vozes da comunidade e das autoridades, a anlise da situao levando em conta os marcos legais nacionais e internacionais e recomendaes para o enfrentamento do problema. 4. entrega do relatrio s autoridades e divulgao - o relatrio divulgado junto imprensa nacional e internacional e entregue s autoridades nacionais, estaduais e municipais para a tomada de providncias. Tambm apresentado a instncias internacionais vinculadas s Naes Unidas. 5. seguimento aps um perodo, a relatoria retorna ao local/locais para verificar se as recomendaes foram implementadas. A misso sobre educao nas prises brasileiras do atual mandato (2007-2009) deu continuidade ao trabalho desenvolvido pelo mandato da ex- relatoria Edla Soares e pela ex-assessora Ednar Cavalcanti, que em 2006, realizou investigao sobre a garantia do direito humano educao nas unidades prisionais femininas de Pernambuco. O documento resultante da misso apresentou uma anlise da situao e um conjunto de recomendaes visando o cumprimento da legislao nacional e das normas internacionais. No segundo semestre de 2008, o atual mandato da Relatoria inicio o processo de organizao da misso de seguimento a Pernambuco (incluindo unidades masculinas) e misso de apurao em outros estados brasileiros (Par, Rio Grande do Sul, So Paulo). A visita unidade do DF foi possvel graas a oportunidade que se abriu com a realizao de uma audincia pblica na Cmara dos Deputados do Congresso Nacional em maro de 2009, em parceria com a Unesco e com a Comisso de Educao da Cmara. Em todas as visitas, entrevistas e anlises de documentos buscou-se levantar informaes sobre os seguintes aspectos: 1) Atendimento educacional ofertado considerando-se desigualdades de gnero, raa, (recortes de gnero, raa, deficincias, orientao sexual etc) Acesso a vagas (por regime) e por etapas e modalidades da educao Critrios para seleo de encarcerados(as) para acesso educao Oferta de educao presencial ou a distncia Jornada escolar Nmero, situao (vnculo) e formao dos(das) profissionais de educao Infra-estrutura Barreiras/dificuldades Qualidade e continuidade (proposta pedaggica, equipe, trabalho pedaggico, acesso e qualidade de materiais/livros/cadernos, avaliao de aprendizagem etc) Certificao Continuao da trajetria escolar no sistema prisional e fora dele Bibliotecas e projetos de leitura Envolvimento de agentes e encarcerados(as) no processo educacional Oferta de educao no-formal 2) Gesto Responsabilidade pelo atendimento educacional 6

Relao entre secretarias de educao e os rgos responsveis pela administrao penitenciria Financiamento da educao nas prises Formao de profissionais de educao, agentes e monitores Desafios e problemas Fluxos de comunicao dentro e da unidade prisional com as varas de execuo penal Participao da sociedade civil e de outras instituies sociais Organizaes e grupos que atuam ou incidem no trabalho prisional Tipo de atuao Espaos de controle social Relao com as famlias O lugar das igrejas na educao

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4) Relao da educao com o acesso ao trabalho, sade e outros direitos sociais 5) O papel do ministrio pblico e da vara de execuo penal do poder judiciro A realizao da misso envolveu mais de duzentas entrevistas; visitas a uma amostra de onze unidades prisionais; anlise de documentos; realizao de audincias pblicas e de reunies com autoridades pblicas e organizaes da sociedade civil e a participao em dois eventos sobre a educao nas prises brasileiras. Tais eventos mobilizaram cerca de quatrocentos profissionais do sistema prisional alm de entidades que atuam no setor. Para efeito de proteo e preveno de retaliaes, garantimos aos entrevistados e entrevistadas a no divulgao de nomes neste relatrio. Somente as direes das unidades e pessoas que assim solicitaram tiveram seus nomes explicitados neste texto. Agradecimentos A realizao da misso em Pernambuco contou com a colaborao fundamental de pessoas, organizaes, redes e instituies comprometidas com a efetivao dos direitos humanos no Brasil. Em primeiro lugar, agradecemos a ex-relatora Edla Soares e a ex-assessora Ednar Cavalcanti pelo apoio em todos os momentos da misso a Pernambuco e ao grupo articulador da misso, conjunto das entidades e instituies que se mobilizou para apoiar as visitas. Em Pernambuco, o grupo foi composto pelo Movimento Nacional de Direitos Humanos (PE), Servio Ecumnico de Militncia nas Prises-SEMPRI/Recife, GAJOP, Movimento de Luta Antimanicomial, Movimento Negro Unificado, Observatrio Negro, GRAUNA, A-Colher, Centro Dom Helder Cmara (CENDHEC), Pastoral Carcerria, e escritrio da Save the Chidren-UK em Recife. organizao Centro de Cultura Luiz Freire e ao SEMPRI um agradecimento especial, nas figuras de Liz Ramos e Vilma Melo, por 7

terem exercido papel fundamental para a viabilizao da misso. Agradecemos a ateno e reconhecemos a disponibilidade em receber e dialogar com a equipe da Relatoria por parte do Secretrio de Educao do Estado de Pernambuco, Danilo Cabral; do secretrio de Desenvolvimento Social Roldo Joaquim dos Santos; do secretrio executivo de Ressocializao, Humberto Vianna; e do secretrio executivo de Justia e Direitos Humanos, Rodrigo Pellegrino de Azevedo. Tambm agradecemos Elizabeth Alcoforado, representante da Secretaria de Cincia, Tecnologia e Meio Ambiente, e Lucidalva Nascimento, representante da Secretaria da Mulher. fundamental destacar o apoio dado misso pelo Ministrio Pblico Estadual, na figura do promotor de justia Marco Aurlio Farias da Silva, coordenador do Centro de Apoio Operacional s Promotorias de Justia de Defesa da Cidadania, que organizou importante audincia pblica no Estado. Tambm agradecemos a participao do promotor de Justia e Execues Penais, Marcellus Ugiette, e o apoio fundamental da Secretaria de Ressocializao, na figura do gerente Reginaldo Almeida. Agradecemos ao senador Jarbas Vasconcelos e a sua equipe pela audincia em Recife e pela disponibilidade em construir um processo de dilogo no Senado em torno do projeto de remio da pena por estudo. Agradecemos a dedicao da assessora nacional para o direito humano ao trabalho, Rivane Arantes, cuja participao foi decisiva para o xito da misso em Pernambuco. Em So Paulo, contamos com o apoio do grupo articulador da Rede de Educao nas Prises composto por Ao Educao, Instituto Terra Trabalho e Cidadania-ITTC, Pastoral Carcerria, GT Mulheres Encarceradas, GT Privao, gabinete do deputado estadual Jos Cndido, Ilanud e IBCCrim, coletivo que tambm foi responsvel pela realizao dos eventos sobre educao nas prises durante o Frum Social em Belm do Par (28 e 29 de janeiro de 2009). Agradecimento especial pesquisadora sobre o tema e colega Maringela Graciano pela ateno e apoio em todo o processo de organizao e desenvolvimento da misso. Agradecemos equipe da FUNAP, por apoiar e acompanhar a Relatoria nas visitas s unidades prisionais, e professora Huguette Teodoro da Silva, da Secretaria Estadual de Educao, pelas informaes fornecidas; No Rio Grande do Sul, a Relatoria contou com o auxlio fundamental da Universidade Federal do Rio Grande do Sul, na figura da professora Carmem Craidy, pesquisadora que organizou o evento sobre educao nas prises, com apoio da Unesco e do Ministrio da Justia, na qual a Relatoria apresentou a misso. Agradecemos o apoio e a disposio para o dilogo de Carlos Teixeira, atual coordenador de educao nas prises do Ministrio da Educao; No Par, a Relatoria contou com o apoio de Adelaide Brasileiro, da Secretaria de Educao do Estado (SEE), Ivanildo de Oliveira, coordenador do projeto Educando para a Liberdade da SEE e de Ivete Brabo, da Superintendncia do Sistema Penitencirio (Susipe), que autorizou as visitas s unidades prisionais; 8

Queremos destacar, de forma especial, o apoio e participao da UNESCO em todas as etapas da misso e agradecer, em especial, o representante Vincent Defourny e o assessor Timothy Ireland. Tambm agradecemos ao Relator Especial da ONU sobre o Direito Educao, Vernor Muoz, pela interlocuo e apoio constante, e Associao dos Profissionais de Educao das Prises do Rio de Janeiro, na figura do educador prisional Mario Miranda. Agradecemos tambm: coordenao e equipe da secretaria-executiva da Plataforma Dhesca; ao Programa de Voluntrios das Naes Unidas e coordenao e ao comit diretivo da Campanha Nacional pelo Direito Educao (articulao da sociedade civil que apia as aes da Relatoria de Educao); agncia de Notcias do Direito Infncia (Andi), pela disposio permanente em contribuir para o nosso trabalho; organizao no-governamental Ao Educativa, nosso agradecimento especial, por garantir as condies de infra-estrutura e a liberao da Relatora para o desenvolvimento de suas atribuies. Agradecemos tambm seus apoiadores.

E, por ltimo e com imenso destaque, agradecemos a confiana das direes das unidades, dos(das) profissionais de educao, dos(das) agentes prisionais e das dezenas de pessoas encarceradas entrevistadas pelo pas. A elaborao deste relatrio foi alimentada pela esperana manifestada por muitos dos entrevistados(as), em especial educadores(as) e detentos(as), de que o Brasil possa avanar rumo a um modelo prisional que garanta direitos e condies dignas, algo urgente no somente para a vida dos presos e presas mas para o conjunto da sociedade brasileira.

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1. O DIREITO HUMANO ENCARCERADAS

EDUCAO

DAS

PESSOAS

As pessoas encarceradas, assim como todos os demais seres humanos, tm o direito humano educao. A Declarao Universal dos Direitos Humanos reconhece o direito humano educao em seu artigo 26 e estabelece que o objetivo dele o pleno desenvolvimento da pessoa humana e o fortalecimento do respeito aos direitos humanos. Entende-se que os direitos humanos so universais (para todos e todas), interdependentes (todos os direitos humanos esto relacionados entre si e nenhum tem mais importncia que outro), indivisveis (no podem ser fracionados) e exigveis frente ao Estado em termos jurdicos e polticos. O artigo 26 da Declarao ganhou status jurdico internacional e de carter obrigatrio para Estados Nacionais por meio dos artigos 13 e 14 do Pacto Internacional dos Direitos Econmicos, Sociais e Culturais (Pidesc), interpretados pelas Observaes Gerais 11 e 13 do Comit de Direitos Econmicos, Sociais e Culturais (Desc). O comit foi criado em 1985 no mbito das Naes Unidas para supervisionar o cumprimento dos direitos humanos econmicos, sociais e culturais. Dessa forma os Estados signatrios do pacto, entre eles o Brasil, assumem obrigaes de respeitar, proteger, satisfazer os padres de direitos humanos entendidos como parmetros que descrevem certa qualidade de vida. Aos Estados cabem: Respeitar: essa obrigao refere-se a que os Estados no devem criar obstculos ou impedir o gozo dos direitos humanos. Isto implica obrigaes negativas, pois trata daquilo que os Estados no deveriam fazer (por exemplo, impedir que as pessoas se eduquem); Proteger: essa uma obrigao de carter positivo, pois exige que os Estados atuem, e no se abstenham de faz-lo. Esta obrigao tambm exige medidas por parte dos Estados para impedir que terceiros criem obstculos para o exerccio dos direitos; Realizar: uma outra obrigao positiva para os Estados em relao ao cumprimento dos padres de direitos humano. Refere-se s determinaes que devem ser tomadas para a realizao e o exerccio pleno dos direitos humanos. Estas medidas podem ser de carter legislativo, administrativo, oramentrio, judicial, social, educativo, entre outros.

O direito humano educao classificado de distintas maneiras como direito econmico, social e cultural. Tambm tomado no mbito civil e poltico, j que se situa no centro das realizaes plenas e eficazes dos demais direitos. Nesse sentido, o direito educao tambm chamado de direito de sntese ao possibilitar e potencializar a garantia dos outros, tanto no que se refere exigncia, como no desfrute dos demais direitos (Graciano, 2005). A garantia do direito educao prev a aplicao de quatro caractersticas interrelacionadas e fundamentais, segundo a Observao 13, da Comisso Desc: 10

Disponibilidade: as instituies e programas devem garantir a educao obrigatria em quantidade suficiente para atender, de forma gratuita, a todas as pessoas. As instituies e programas educativos necessitam de edifcios, instalaes sanitrias para ambos os sexos, gua potvel, docentes qualificados com salrios competitivos, materiais educativos, entre outros; Acessibilidade: as instituies e programas educativos devem ser acessveis a todos, sem discriminao, especialmente aos grupos mais vulnerveis; Aceitabilidade: os programas educacionais e mtodos pedaggicos devem ser pertinentes e adequados culturalmente, Adaptabilidade: a educao deve ser flexvel para adaptar-se s necessidades das sociedades e comunidades em transformao e responder ao que imprescindvel aos estudantes em contextos culturais e sociais variados.

A garantia do direito educao est prevista tambm em outros documentos internacionais: Declarao Mundial sobre Educao para Todos (artigo 1o); Conveno Internacional sobre os Direitos da Criana (pargrafo 1o, art. 29); Conveno para a Eliminao de Todas as Formas de Discriminao contra a Mulher (artigos 10 e 14); Conveno contra a Discriminao no Ensino (artigos 3o, 4o e 5o); Declarao e Plano de Ao de Viena (parte no 1, pargrafo 33 e 80); Agenda 21 (captulo 36); Declarao de Copenhague(compromisso no 6); Plataforma de Ao de Beijing (pargrafos 69, 80, 81 e 82); Agenda de Habitat (pargrafos 2.36 e 3.43); Afirmao de Aman e Plano de Ao para o Decnio das Naes Unidas para a Educao na Esfera dos Direitos Humanos (pargrafo 2o) e a Declarao e o Programa de Ao de Durban contra o Racismo, Discriminao Racial, Xenofobia e Intolerncias Correlatas (dos artigos 117 a 143).

1.1 Educao nas Prises: normas internacionais O documento internacional Regras Mnimas para o tratamento de prisioneiros, aprovado pelo Conselho Econmico e Social da ONU em 1957, prev o acesso educao de pessoas encarceradas. O documento afirma que devem ser tomadas medidas no sentido de melhorar a educao de todos os reclusos, incluindo instruo religiosa. A educao de analfabetos e jovens reclusos deve estar integrada no sistema educacional do pas, para que depois da sua libertao possam continuar, sem dificuldades, a sua formao. Devem ser proporcionadas atividades de recreio e culturais em todos os estabelecimentos penitencirios em benefcio da sade mental e fsica. Segundo Graciano (2005), o documento Regras Mnimas apresenta trs grandes entraves ao reconhecimento do direito humano educao de pessoas presas. O primeiro deles contribui para a confuso entre educao formal, ensino religioso e educao no-formal. O segundo: restringe a obrigatoriedade do Estado em oferecer educao apenas em relao alfabetizao. O terceiro: torna facultativa a integrao da educao penitenciria ao sistema regular de ensino. Apesar desses limites, importante observar que o documento prev a possibilidade do atendimento de creche dentro da unidade prisional e a oferta de educao fsica, pontos que voltaremos a abordar no item a seguir referente legislao nacional. 11

A partir do documento internacional, a Resoluo n 14, de 11 de novembro de 1994, do Conselho Nacional de Polticas Criminal e Penitenciria (CNPCP), estabeleceu a adaptao e a aplicao no Brasil das Regras Mnimas para o Tratamento de Prisioneiro. Abordaremos a Resoluo a seguir, no item referente legislao e normas nacionais para educao nas prises. 1.1.1 Declarao de Hamburgo e a Conveno contra a Tortura A Declarao de Hamburgo e o Plano de Ao para o Futuro, aprovados na 5 Conferncia Internacional sobre Educao de Jovens e Adultos (Confintea), garantiram avanos para o direito das pessoas encarceradas em nvel internacional, afirmando-o como parte do direito educao de jovens e adultos no mundo. No item 47 do tema 8 do Plano de Ao de Hamburgo explicitada a urgncia de reconhecer: (...) o direito de todas as pessoas encarceradas aprendizagem: a) proporcionando a todos os presos informao sobre os diferentes nveis de ensino e formao, e permitindo-lhes acesso aos mesmos; b) elaborando e implementando nas prises programas de educao geral com a participao dos presos, a fim de responder a suas necessidades e aspiraes em matria de aprendizagem; c) facilitando que organizaes no-governamentais, professores e outros responsveis por atividades educativas trabalhem nas prises, possibilitando assim o acesso das pessoas encarceradas aos estabelecimentos docentes e fomentando iniciativas para conectar os cursos oferecidos na priso aos realizados fora dela. No marco da elaborao deste Relatrio tambm considerada a Conveno contra a Tortura e outros Tratamentos ou Penas Cruis, Desumanos ou Degradantes, aprovada pela ONU em 1984 e ratificada pelo Brasil em 1991. Em especial, os artigos 16 e 10, que possibilitam o enquadramento de situaes geradas por agentes penitencirios ao criarem resistncias e obstculos cotidianos para o acesso educao de pessoa privadas de liberdade: Cada Estado-parte se comprometer a proibir, em qualquer territrio sob a sua jurisdio, outros atos que constituam tratamentos ou penas cruis, desumanos ou degradantes que no constituam tortura tal como definida no artigo 1, quando tais atos forem cometidos por funcionrio pblico ou outra pessoa no exerccio de funes pblicas, ou por sua instigao, ou com o seu consentimento ou aquiescncia. Aplicar-se-o, em particular, as obrigaes mencionadas nos artigos 10, 11, 12 e 13, com a substituio das referncias a outras formas de tratamentos ou penas cruis, desumanos ou degradantes. (artigo 16) Cada Estado-parte assegurar que o ensino e a informao sobre a proibio da tortura (ou de atos que constituam tratamentos ou penas cruis, desumanos ou degradantes) sejam plenamente incorporados no treinamento do pessoal ou militar encarregado da aplicao da lei, do pessoal mdico, dos funcionrios publicou e de quaisquer outras pessoas que possam participar da custdia, interrogatrio ou tratamento de qualquer pessoa submetida a qualquer forma de priso, deteno ou recluso. (artigo 10) Em 2002, foi criado o Protocolo Facultativo Conveno contra a Tortura e Outros Tratamentos ou Penas Cruis, Desumanos ou Degradantes, ratificado pelo Brasil em 2007. O Protocolo estabelece medidas adicionais para atingir os objetivos da Conveno e reforar a proteo de pessoas privadas de liberdade contra a tortura e outros 12

tratamentos ou penas cruis, desumanos ou degradantes. Entre as medidas, est prevista a criao de um sistema de visitas regulares efetuadas por rgos nacionais e internacionais independentes s unidades prisionais. O Protocolo contribui para a ampliao da transparncia pblica de informaes sobre o sistema prisional e refora o direito do encarcerado(a) de dar entrevistas privadas (sem a presena de agentes de segurana) aos organismos nacionais e internacionais de monitoramento. O Protocolo um importante instrumento para a ampliao do controle social das unidades prisionais. 1.2 Educao nas prises: legislao nacional A educao de pessoas encarceradas no sistema prisional integra a chamada educao de jovens e adultos (EJA). A Lei de Diretrizes e Bases da Educao Nacional (LDB), de 1996, define a educao de jovens e adultos como aquela destinada a pessoas que no tiveram acesso ou continuidade de estudos no ensino fundamental e mdio na idade prpria. A LDB regulamenta o direito previsto na Constituio brasileira em seu captulo II, seo 1, artigo 208, inciso I, de que todos cidados e cidads tm o direito ao Ensino Fundamental obrigatrio e gratuito, assegurada, inclusive, sua oferta para todos os que a ele no tiverem acesso na idade prpria. O Plano Nacional de Educao (PNE), lei aprovada pelo Congresso em 2001, estabelece que at 2011 o Brasil deve implantar, em todas as unidades prisionais e nos estabelecimentos que atendam adolescentes e jovens infratores, programas de educao de jovens e adultos de nvel fundamental e mdio, assim como de formao profissional, contemplando para esta clientela as metas n 5 (financiamento pelo MEC de material didtico-pedaggico) e n14 (oferta de programas de educao a distncia) (17 meta) A Lei de Diretrizes e Bases da Educao Nacional determina tambm que os sistemas de ensino devem assegurar cursos e exames que proporcionam oportunidades educacionais apropriadas aos interesses, condies de vida e trabalho de jovens e adultos. Prev que o acesso e a permanncia devem ser viabilizados e estimulados por aes integradas dos poderes pblicos. No momento, aguarda avaliao do Conselho Nacional de Educao (CNE) a proposta de Diretrizes Nacionais para Educao no Sistema Prisional. Depois de mais dois anos de sua elaborao, o documento foi aprovado no incio de 2009 pelo Conselho Nacional de Poltica Criminal e Penitenciria. As Diretrizes foram elaboradas pelos participantes do Seminrio Nacional pela Educao nas Prises, realizado em Braslia entre os dias 12 e 14 de julho de 2006, e apresentam parmetros nacionais com relao a trs eixos: (1) gesto, articulao e mobilizao; (2) formao e valorizao dos profissionais envolvidos na oferta; (3) aspectos pedaggicos. Considerada uma proposta muito genrica pelo pesquisador da USP Roberto da Silva, sua possvel aprovao considerada um avano para grande parte das organizaes de sociedade civil que atuam no campo da educao de jovens e adultos e da questo prisional ao fixar parmetros para a construo de polticas estaduais de educao no sistema prisional. 1.2.1 A Lei de Execuo Penal A Lei de Execuo Penal (LEP), de 1984, prev a educao no sistema prisional 13

no captulo Da Assistncia, seo V, dos artigos 17 a 21. O artigo 17 estabelece que a assistncia educacional compreender a instruo escolar e a formao profissional do preso e do internado. O artigo 18 determina que o ensino de primeiro grau (ensino fundamental) obrigatrio e integrado ao sistema escolar da unidade federativa. O artigo 19 define que o ensino profissional ser ministrado em nvel de iniciao ou de aperfeioamento tcnico e que as mulheres tero educao profissional adequado a sua condio. O artigo 20 prev a possibilidade da realizao de convnios com entidades pblicas ou particulares, que instalem escolas ou ofeream cursos especializados. O artigo 21 estabelece a exigncia de implantao de uma biblioteca por unidade prisional, para uso de todas as categorias de reclusos, provida de livros instrutivos, recreativos e didticos. 1.2.2 A remio da pena por estudo A remio do tempo da pena por estudo no est prevista na legislao brasileira. A Lei de Execuo Penal, em seu artigo 126, prev somente a reduo da pena pelo trabalho seja ele intelectual, braal ou artesanal, na proporo de um dia descontado da pena para cada trs dias trabalhados, com jornadas que variam de 6 a 8 horas dirias. Tramitam sete projetos de lei na Cmara dos Deputados e dois no Senado que tratam da questo, que foi objeto de mobilizao de entidades da sociedade civil em 20063. Em junho de 2006, o Superior Tribunal de Justia (STJ) editou a smula 341, que reconhece a remio da pena por estudo. A smula fruto do julgamento do caso de Givanildo da Silva Ferreira, preso na Penitenciria de So Vicente, em So Paulo. A solicitao de remio por estudo pelo encarcerado havia sido negada pelo Tribunal de So Paulo. A smula 341 no vinculativa, ou seja, no garante que o julgamento pelo STJ de casos ligados mesma matria tenha a deciso similar, mas considerada um avano ao fixar jurisprudncia, estabelecer um referencial persuasivo e moral para muitos juizes e ser um instrumento em prol do acesso ao direito de remio por parte de pessoas privadas de liberdades. Com a smula, o Supremo Tribunal de Justia explicitou a compresso sobre a extenso do conceito de trabalho s atividades estudantis que demandam esforo intelectual como maneira de abreviar parte do tempo da condenao e de estimular a recuperao social do encarcerado. Segundo a fundadora da Associao dos Juizes pela Democracia (AJD), juiza Kenarik Boujikian Felippe4, a smula constituiu um passo importante, mas urgente que sejam consolidados no ordenamento jurdico nacional por meio de lei federal, a prtica dos magistrados, a uniformizao da razo entre horas estudadas e dias de pena remidos e outras questes acessrias visando que o direito remio pelo estudo seja garantidoEm 2006, documento elaborado por Ao Educativa, a Associao Juizes para a Democracia, o ITTC- Instituto Terra, Trabalho e Cidadania, a Pastoral Carcerria de So Paulo, o IDDD Instituto de Defesa do Direito de Defesa, entidades que compem, dentre outras, o Grupo de Estudos e Trabalho "Mulheres Encarceradas", o Geleds Instituto da Mulher Negra, o Instituto Paulo Freire e o Instituto Paulo Montenegro, fazia um apelo aos parlamentares da Comisso de Constituio e Justia para que aprovassem dois projetos de lei que tramitavam na Cmara dos Deputados (PL 6254/2005 e PL 4230/2004), e propunham a educao como meio para a remio de pena. O documento contou com a assinatura de 138 organizaes e indivduos. 4 Depoimento dado ao boletim Ebulio, n. 19, 2006, elaborado pelo Observatrio da Educao da organizao Ao Educativa. 3

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em todo o territrio nacional.

1.2.3 Resoluo para aplicao das Regras Mnimas no Brasil A Resoluo n 14, de 11 de novembro de 1994, do Conselho Nacional de Polticas Criminal e Penitenciria (CNPCP), estabeleceu a adaptao e a aplicao no Brasil da norma internacional Regras Mnimas para o Tratamento de Prisioneiro, aprovada pela ONU em 1957. O captulo XII da Resoluo trata das instrues e assistncia educacional. Infelizmente, neste captulo, o Conselho reproduziu o texto do documento internacional sem atualiz-lo, adapt-lo e complement-lo para a realidade brasileira. Os mesmos equvocos apontados anteriormente com relao norma internacional, so reafirmados aqui. No artigo 11 da Resoluo, previsto de forma genrica que aos menores de 0 a 6 anos, filhos de preso, ser garantido o atendimento de creches e pr-escola. A Resoluo brasileira suprimiu a possibilidade, prevista no item 2 da regra 23 do documento internacional, de implantao de creche nas unidades prisionais, dotada de pessoal qualificado, onde as crianas possam permanecer quando no estejam ao cuidado das mes. O documento nacional tambm suprimiu em sua adaptao o item 2 da regra 21 do documento internacional que prev que os presos jovens e outros cuja idade e condio fsica o permitam, recebero durante o perodo reservado ao exerccio uma educao fsica e criativa. Para este fim, sero colocados disposio dos presos o espao, as instalaes e os equipamentos necessrios. A Resoluo brasileira manteve somente o item 1 da regra 21, que estabelece o direito de, pelo menos, uma hora ao dia para a realizao de exerccios fsicos adequados. com base nas normas nacionais e internacionais e nas caractersticas interrelacionadas e fundamentais do direito humano educao, previstas na Observao 13, da Comisso Desc, que ser analisada a situao da educao no sistema prisional no Brasil.

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2. O ENCARCERAMENTO E AS POLTICAS PRISIONAIS NO MUNDOEstima-se que cerca de 30 milhes de pessoas no mundo esto privadas de sua liberdade. Estados Unidos, China, Rssia e Brasil so os pases com as maiores populaes encarceradas do mundo. O problema da superlotao das unidades prisionais uma realidade em todo planeta, ganhando dimenses extremamente dramticas na Amrica Central e na frica, continentes nos quais so encontradas unidades prisionais com at dez vezes mais presos do que a capacidade. As taxas de encarceramento se elevam em todo mundo, com maior ou menor intensidade (SALLA/BALLESTEROS, 2008). De 1990 a 2008, a populao encarcerada da Espanha cresceu de 35.200 para 72.000, a Gr-Bretanha passou de 44.700 para 83.500; a Polnia, de 61.400 para 85.500; a Holanda de 7.300 para 16.400. No mesmo perodo, o Brasil multiplicou em 4 vezes sua populao prisional, a Argentina quase triplicou e o Chile mais que dobrou, entre outros pases da Amrica Latina que sofreram forte incremento das prises. Com uma populao de 2,3 milhes de pessoas privadas de liberdade, os Estados Unidos continuam liderando o ritmo de encarceramento no mundo com uma taxa quatro vezes a mdia mundial (PAVARINI, 2008). Segundo informe recente da ONU, a situao das condies de aprisionamento tende a piorar j que muitos pases abandonaram nos ltimos meses a construo de novas prises em decorrncia da crise econmica global. Alm disso, como em outras crises econmicas mundiais, avalia-se que o crescimento acelerado do encarceramento que marcou as ltimas dcadas deve ganhar um novo impulso com a crise levando outros milhes de pessoas s prises. H toda uma literatura que discute o complexo fenmeno do encarceramento no mundo. Muitos autores apontam que foi a partir das dcadas de 1970 e 1980 que se viveu a transio do modelo prisional, principalmente, nos Estados Unidos. Essa mudana ecoou em todo mundo, somando-se a problemas estruturais de cada pas e ganhando contornos mais perversos conforme a realidade local e regional. Na Amrica Latina, a herana autoritria das ditaduras e a emergncia das polticas neoliberais acirraram desigualdades e conflitos sociais, levando ao conhecido quadro catico no sistema prisional. O pesquisador norte-americano David Garland explica a mudana ocorrida nos Estados Unidos: (...) at o comeo dos anos de 1970, a posio ortodoxa era a de que (...) o sistema de justia criminal deveria visar reabilitao ou correo dos indivduos que chegaram a essas instituies. (...) Ao invs de consider-los inteiramente responsveis, o sistema de justia criminal deveria trat-los provendo recursos de bem-estar social que solucionassem os problemas. (...) Em outras palavras, ao invs de simplesmente punir, procurava-se resolver os problemas de base que levaram ao crime. Isso no se aplicava a todos os criminosos, nem tampouco aos crimes brbaros ou aos reincidentes, mas especialmente queles jovens, primrios, pessoas com problemas mentais ou usurios de drogas. Essa atitude foi amplamente desacreditada a partir dos anos de 1970 por diversos motivos. Um deles foi a percepo de que o crime estava crescendo, o que realmente estava ocorrendo. Poderiam afirmar que a reabilitao estava falhando, que faltava o 16

esforo necessrio, inclusive, para atingir os criminosos cedo o suficiente, ou que recursos deveriam ser gastos corretamente. Poderiam ter privilegiado a preveno e focalizado tratamentos posteriores. Mas, ao invs disso, a resposta foi tipicamente vamos abandonar a reabilitao e mudar para mais punio e mais controle. (...) Nos EUA, por exemplo, houve um movimento contra as polticas de bem-estar social e contra o sucesso do movimento dos direitos civis um movimento que reduziu o privilgio branco da classe trabalhadora do sul. Alm disso, a crise econmica dos anos de 1970 foi resolvida, em grande parte, exigindo que o pobre carregasse o nus do desemprego e da reduo dos bens sociais. Os Estados Unidos comearam a abandonar o projeto de incluso e passaram a confiar em mecanismos de excluso. Isso levou ao abandono do projeto de bem-estar social que foi substitudo pelo gerenciamento de risco, controle prximo e punio retributiva severa5. Segundo os pesquisadores Fernando Salla e Paula Rodriguez Ballesteros, essa mudana nos EUA se traduziu na guerra contra as drogas, nas polticas repressivas como a tolerncia zero e na adoo de leis severas, que abarrotaram as prises do pas. Ela foi acompanhada pela adoo de formas mais rgidas de organizao e funcionamento do aparato repressivo, entre elas, a criao de regimes disciplinares mais duros que confrontam as perspectivas de reinsero social e a construo de unidades especiais de segurana e das unidades de segurana mxima-mxima (supermax). A implantao do Regime Disciplinar Diferenciado (RDD)6 no Brasil, por meio da alterao da Lei de Execuo Penal atravs da lei 10.792 de dezembro de 2003, faz parte desse movimento de endurecimento em nosso pas. Ainda sobre a experincia dos Estados Unidos, fundamental destacar o carter racista que o encarceramento assumiu nas ltimas dcadas. Segundo Garland, a priso nos EUA orientada muito diretamente para um grupo demogrfico especfico: homens jovens negros. Deteno se tornou agora um padro no curso de vida de homens jovens negros que no completaram o ensino mdio.(...). Portanto, uma sociedade precisa refletir no somente a respeito da questo menor de como os indivduos devem ser punidos, mas sobre questes mais amplas, como a poltica penal afeta comunidades, opinies polticas, economia e cultura da sociedade de maneira geral. Relatrio divulgado pelo Centro Pew (Pew Center on the States)7, sobre a populao adulta encarcerada norte-americana, a partir de informaes do Departamento da Justia de 2006, aponta que 1 em cada 36 adultos hispnicos e 1 em cada 15 adultos negros esto atrs das grades. Na faixa etria de 20 aos 34 anos, 1 em cada 9 jovens5

Entrevista de David Garland concedida Cristina Caldas e Marta Kanashiro para a Revista Eletrnica Com Cincia, edio n. 35 (www.ccomciencia.br) 6 Na gesto de Nagashi Furukawa, ex-secretrio de Segurana Pblica de So Paulo, foi adotada a Resoluo SAP 026, de 04 de maio de 2001, que criou o Regime Disciplinar Diferenciado-RDD, criticado por sua severidade. Por essa lei, presos que provoquem rebelies e atos de indisciplina podem ser mantidos at 360 dias em presdios ou alas especiais, confinados 22 horas por dia em celas individuais, sem realizao de atividades e com rigorosa restrio de visitas. Em dezembro de 2003, a lei federal n 10.792 foi aprovada, legalizando o RDD. (ADORNO,SALLA, 2007). Estudos apontam que o isolamento a mdio e longo prazo previsto no RDD leva s pessoas loucura. 7 Ver http://www1.folha.uol.com.br/folha/mundo/ult94u377233.shtml

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negros est nas prises. Entre as mulheres, 1 em cada 100 mulheres negras de 35 a 39 anos de idade est encarcerada, enquanto que com relao s mulheres brancas, apenas 1 em cada 355 na mesma faixa etria encontra-se nessa situao. 2.1 Prises no Brasil Segundo os ltimos dados consolidados sobre o sistema prisional, divulgados pelo Infopen (Sistema Integrado de Informaes Penitencirias) em dezembro de 2008, o Brasil possui 446.687 pessoas adultas privadas de liberdade, sendo que 94% so homens e 6% mulheres, distribudos em 1094 unidades prisionais estaduais e federais. Dados do Ministrio da Justia de 2006 apontam que: 95% so pobres ou muito pobres 65% so negros (pretos mais pardos) 2/3 teros cometeram crimes que no envolveram violncia somente 8,9% cometeu homicdio alta reincidncia entre 50% a 80% 8% so analfabetos e 70% no completou o ensino fundamental 60% so jovens, com idade entre 18 e 29 anos 26% participam de alguma atividade laboral e 18% participam de alguma atividade educacional dentro das unidades prisionais o custo mensal por pessoa no sistema prisional brasileiro varia de R$ 1.600,00 a R$ 1.800,00 (fonte CPI das Prises/2008) h um dficit estimado em 220 mil vagas (fonte CPI das Prises/2008) expressiva a participao de negros/as entre os encarcerados/as. Em todos os estados visitados pela Relatoria, dados do InfoPen e quando disponveis nas Secretarias Estaduais de Segurana Pblica, indicavam que negros representam mais de 50% da populao encarcerada. Segundo o Relatrio de Desenvolvimento Humano Brasil 2005: racismo, pobreza e violncia, a partir de dados de 2000, afirma que O perfil da populao carcerria o resultado de uma seqncia de fatores, dentro dos quais est includo a maior exposio de certos segmentos (homens, negros, jovens, pobres) a situaes que levam ao crime, mas tambm um eventual tratamento desigual da Justia, aplicando as penas mais ou menos rigidamente, dependendo do tipo de grupo de que se trate. Os indicadores desse setor, apesar de falhos em alguns pontos, no deixam dvidas: homens negros (sobretudo os de cor preta) tm participao maior na populao carcerria do que na populao brasileira adulta. (pg. 94) Do total da populao encarcerada, 43% so encarcerados(as) provisrios(as), aguardando em cadeias pblicas ou penitencirias o julgamento e a definio de suas penas. Segundo diagnstico sobre a situao das prises, realizado pelo Conselho Nacional de Justia (CNJ), o nmero de presos provisrios saltou no perodo de 2000 a 2008 de 42 mil para aproximadamente 191 mil, apresentando taxa de crescimento superior taxa de encarceramento geral. O CNJ realizou mutires em 2008 para avaliar a situao da execuo penal em unidades prisionais de quatro estados (Rio de Janeiro, Maranho, Piau e Par). Por meio desses mutires, foram analisados 6.227 casos e colocadas em liberdade mais de 2 mil 18

pessoas presas de forma irregular. Havia casos em que, depois de anos de priso, os inquritos policiais nem sequer tinham sido concludos. Segundo o presidente do CNJ e do Supremo Tribunal Federal, Gilmar Mendes, h um uso excessivo e equivocado da priso provisria no Brasil: (...) preciso que o juiz diga: essa pessoa perigosa, essa pessoa pode continuar a praticar crime e a ento haver realmente a necessidade de fazer o recolhimento8 (fev/2009). A avaliao do excessivo uso da priso provisria pela Justia no pas partilhada por pesquisadores e pesquisadoras que estudam a situao prisional brasileira e latinoamericana e a entendem como parte do problema que contribuiu para o encarceramento em massa e para o endurecimento da poltica prisional nas ltimas trs dcadas. O judicirio se preocupa mais com o patrimnio do que com a vida. Temos muitos assassinos at mesmo confessos respondendo a crimes em liberdade, e pessoas presas por tentativa de furto de desodorante. um desrespeito tanto com as pessoas presas que no conseguem habeas corpus quanto com as vtimas mortas por criminosos, observa a advogada e pesquisadora Sonia Drigo9, do Grupo de Estudos e Trabalho Mulheres Encarceradas10. Em 2008, o Supremo Tribunal Federal emitiu smula sobre os chamados crimes de bagatela, furtos de pequeno valor financeiro, afirmando serem insignificantes e que eles no deveriam se constituir em motivo para o encarceramento. Porm, grande parte do Judicirio brasileiro ainda no aplica tal smula. Alm do nmero excessivo de prises provisrias, tais problemas se revelam na lentido em garantir benefcios previstos na lei de execuo penal, na demora para a soltura de pessoas que j cumpriram suas penas (estimado em 9 mil pessoas) e na limitada presena de juizes e promotores nas unidades prisionais. O poder legislativo contribuiu para essa tendncia de endurecimento elaborando leis que frearam a reforma humanista em curso da legislao penitenciria nos anos de 1990, em resposta a uma opinio pblica indignada com a sucesso de crimes violentos na poca. A cada crime vinculado a setores das classes mdia e alta, explorado a exausto pela mdia, leis foram aprovadas que ampliaram o nmero de encarcerados e justificaram a severidade, o abandono e o arbtrio nas prises. Adorno e Salla exemplificam com a lei dos crimes hediondos, de 25 de julho de 1990 e as leis n. 8930, de 1994; 9677, de 1998 e 9695, de 1998. A implantao do RDD, j abordada anteriormente, tambm faz parte deste processo. Depois dos ataques da organizao criminosa PCC (Primeiro Comando da Capital) em 2006 na cidade de So8

IN STF na mandou soltar presos provisrios, alega Mendes, matria publicada no jornal O Estado de So Paulo no dia 16 de fevereiro de 2009. 9 Em entrevista reprter Marina Morena Costa, do site de notcias ltimo Segundo (28/03/2009) 10 O Grupo de Mulheres Encarceradas constitudo pelas seguintes entidades: Associao Juzes para a Democracia (AJD), Instituto Terra, Trabalho e Cidadania (ITTC), Associao Brasileira de Defesa da Mulher, da Infncia e da Juventude (ASBRAD), Instituto Brasileiro de Cincias Criminais (IBCCRIM), Instituto de Defesa do Direito de Defesa (IDDD) e Pastoral Carcerria.

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Paulo, projetos de leis que propunham penas mais rigorosas e o rebaixamento da idade penal voltaram a ser discutidos e leis foram aprovadas no Congresso Nacional ampliando o controle disciplinar nas unidades e a abrangncia da lei de crimes hediondos. Ao mesmo tempo, desde os anos de 1980, vrias gestes de governos estaduais buscaram atuar pela mudana do modelo prisional visando o cumprimento da lei nacional e dos acordos internacionais assinados pelo Brasil que reconheciam os direitos humanos de presos e presas. Nesse processo, a atuao de organizaes de sociedade civil vinculadas luta dos direitos humanos teve papel-chave. Porm, muitas dessas experincias e polticas inovadoras foram sabotadas ou ficaram margem, no conseguindo impactar o sistema prisional como um todo. Desde a democratizao do pas, as polticas penitencirias esto imersas numa dinmica contraditria: de um lado, pesam as heranas de arbtrio e violncia, de gesto autoritria, de invisibilidade dos territrios de encarceramento, de baixos controles sobre a administrao; de outro, a vigncia do estado de direito impondo a necessidade de ajuste de agncias e agentes s diretrizes democrticas (ADORNO, SALLA, 2007). Entre os exemplos de mudana e avanos dados pelos pesquisadores constam as polticas de humanizao dos presdios no Rio de Janeiro e So Paulo, ainda nos anos de 1980, nos governos de Leonel Brizola e Franco Montoro; a criao das Secretarias de Administrao Penitenciria, desvinculadas das Secretarias de Segurana Pblica e de Justia; o surgimento de Ouvidorias; a aprovao do Programa Nacional de Direitos Humanos e do Plano Nacional de Segurana Pblica, no governo do presidente Fernando Henrique Cardoso. No governo Lula, o grande destaque o Pronasci (Programa Nacional de Segurana com Cidadania). Lanado em agosto de 2007, um ano aps os ataques do PCC, foi divulgado amplamente pelo governo federal como programa que inaugura um novo paradigma nas polticas de segurana pblica ao articular polticas de segurana com aes sociais e ao priorizar a preveno e a busca das causas que levam violncia, sem abrir mo das estratgias de ordenamento social e segurana pblica. O Programa busca induzir mudanas nas polticas estaduais de segurana pblica por meio da transferncia de recursos pautada por condicionalidades propostas pelo governo federal. No incio de 2009, dezessete estados j haviam aderido ao Programa. A reestruturao do sistema penitencirio consta como um dos principais eixos do Pronasci, envolvendo aes vinculadas construo de unidades prisionais destinadas a jovens, formao de agentes penitencirios, ateno aos egressos e egressas do sistema e alteraes legais, entre outras. A pesquisadora Vanessa Cortes aponta alguns dos diversos desafios a serem enfrentados pelo Pronasci: Acabar com um sistema prisional onde o preso pobre no somente condenado recluso, mas a ter sua integridade fsica e moral violada pelos donos da priso exige o enfrentamento de diversos e difceis obstculos. (...) So relaes de fora e violncia que organizam e orientam as interaes sociais dentro das unidades prisionais e as extrapolam, fugindo a racionalidade legal que pauta um Estado Democrtico de Direito. Ter estas questes em mente possibilita visualizar minimamente a dimenso dos desafios

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que se ter de enfrentar na implementao do Pronasci (...)11 (2007) O Pronasci sofreu um golpe no incio de 2009 com a divulgao de um corte em seu oramento de 43% (na ordem de R$ 1,2 bilho), como parte da poltica de ajuste do governo federal frente crise econmica global. Em abril deste ano, aps negociao com o Ministrio do Planejamento e manifestaes pblicas por parte do Ministrio da Justia de que o corte condenaria fatalmente o programa, foram repostos R$ 235 milhes pelo Ministrio do Planejamento. Vale a pena destacar que em 2008, foi a primeira vez que no Brasil o nmero de cumpridores de penas e medidas alternativas (498.729) ultrapassou o nmero de pessoas presas (439.737). Um avano importante que precisa ser reconhecido e se deve ao trabalho do Ministrio da Justia e da Magistratura. Mas um nmero superior a 80 mil pessoas segue dentro das prises por crimes que poderiam ser punidos por penas e medidas alternativas. Na Europa ocidental, mais de 70% dos crimes so punidos com penas alternativas, o que significa menor custo para a sociedade, menor reincidncia e maior chance de retomada do convvio na sociedade. 2.2 Mulheres Encarceradas Segundo o Ministrio da Justia, divulgados em janeiro de 2008, 6% da populao prisional brasileira composta por mulheres, so cerca de 26 mil mulheres. Das 1094 unidades prisionais, somente 40 delas so destinadas especificamente a mulheres. Em mais de 400 unidades, as mulheres ocupam alas de unidades masculinas. A superlotao tambm uma realidade no mundo das mulheres encarceradas. O dficit de vagas estimado em 12 mil vagas. A maioria das mulheres tem entre 18 e 24 anos (17,6%), seguidas pelas que tm entre 25 e 29 anos (16,1%), 35 e 45 anos (13,4%) e 30 e 34 anos (12,5%). As brancas representam 27,9%, seguidas pelas de cor parda (25,8%) e pelas de cor preta (10,1%). Entre os crimes cometidos, esto a participao no trfico internacional de drogas (30,2%), seguido de roubo qualificado (4,8%), roubo simples (4,6%) e furto simples (3,9%). Apesar de representarem uma minoria no total da populao encarcerada, 25% esto presas no sistema de polcia, enquanto 13% dos homens. Desde 2002, a taxa de crescimento das mulheres nas prises brasileiras de cerca de 2,5 vezes a dos homens. Analistas apontam que isso se deve, em grande parte, a um maior envolvimento das mulheres no trfico de drogas, principalmente na funo de aviozinhos, sendo que a maioria delas so chefes de famlia. Na maior parte dos casos, sua priso leva desestruturao do ncleo familiar. Pases como o Equador optaram por soltar mulheres com baixo perfil de periculosidade das prises e atuar por meio de penas alternativas e acompanhamento social. Em 2007, sob liderana da Secretaria Especial de Polticas das Mulheres e do Ministrio da Justia, foi criado um Grupo Interministerial com a finalidade de elaborar propostas para a reorganizao e reformulao do Sistema Prisional Feminino.Artigo Panela de presso: o que esperar do Pronasci para o sistema prisional publicado no site Comunidade Segura em 7 de maro de 2007.11

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Envolvendo diferentes Ministrios e Secretarias do governo federal, o Grupo teceu um diagnstico da situao e elaborou um documento que foi divulgado em dezembro de 2007. Segundo o texto12, atualmente: (...) o retrato do sistema prisional brasileiro composto de imagens que revelam o desrespeito aos direitos humanos e, ao olharmos especificamente para as mulheres que esto neste sistema, as imagens so ainda mais aterradoras, pois a elas destinado o que sobra do sistema prisional masculino: presdios que no servem mais para abrigar os homens infratores so destinados s mulheres, os recursos destinados para o sistema prisional so carreados prioritariamente para os presdios masculinos e, alm disso, os presos masculinos contam sempre com o apoio externo das mulheres (mes, irms, esposas e ou companheiras) ao tempo que as mulheres presas so abandonas pelos 22seus companheiros e maridos. Restando- lhes, apenas, a solido e a preocupao com os filhos que, como sempre, ficam sob sua responsabilidade. (SEPM, 2007) Em muitas unidades, a violao de direitos, vivida pela gigantesca maioria da populao prisional, tem sua perversidade acentuada no caso das mulheres. A elas so negadas unidades com quadra de esporte, atendimento de sade especializado13, a convivncia com os filhos pequenos, visitas ntimas, acesso a determinados livros e a uma educao profissional que v alm dos cursos e oficinas, de pequena durao, considerados tradicionalmente de mulheres. O reforo aos esteretipos de gnero est na origem das prises femininas no Brasil, que nasceram vinculadas a ordens religiosas como espaos de purificao das mulheres criminosas. A inteno era que a priso feminina fosse voltada domesticao das mulheres criminosas e vigilncia da sua sexualidade. Tal condio delimita na histria da priso os tratamentos diferenciados para homens e mulheres. (SEPM, 2007). 2.3 A situao dos agentes prisionais Nesse quadro de encarceramento em massa, que gerou uma situao catica no sistema prisional, destaque deve ser dado situao dos agentes prisionais, grande parte deles e delas resistentes a iniciativas de promoo do direito humano educao e de outros direitos no ambiente prisional. Contratos precrios, pssimas condies de trabalho e salrios baixos marcam a vida desses profissionais. Em So Paulo, no sistema penitencirio, em 1994, a proporo era de um funcionrio para 2,17 presos (...). Em 2006, a proporo conheceu queda: um funcionrio para 4,99 presos (25.172 funcionrios para 125.523 presos). Ou seja, a populao presa quase que havia quadruplicado, enquanto a de funcionrios (cerca de 80% deles so agentes de segurana) nem mesmo havia duplicado. Pelo Brasil, a situao no diferente, e por vezes ainda mais grave em alguns Estados. (Adorno e Salla, 2007).12

Acessvel na ntegra em http://www.mpdft.gov.br/portal/pdf/unidades/promotorias/pdij/Publicacoes/RELATORIO_FINAL__versao_97-2003.pdf 13 Sobre mais informaes referentes sade das mulheres encarceradas, ver concluses do 3 Encontro A Mulher no Sistema Carcerrio, realizado em 5 e 6 de maio de 2008 pelo Grupo de Estudo e Trabalho Mulheres Encarceradas.

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A situao da categoria tambm destacada no relatrio14 da Comisso Parlamentar de Inqurito sobre o Sistema Carcerrio, a chamada CPI das Prises, que visitou durante 10 meses 60 unidades prisionais em diferentes estados do pas. O relatrio da Comisso, de responsabilidade do deputado Domingos Dutra (PT-MA), foi divulgado em junho de 2008 e apresenta, em suas mais de quinhentas pginas, um panorama amplo e aterrorizante das prises brasileiras. Destaca tambm algumas experincias consideradas positivas pelos parlamentares, como o modelo APAC Associao de Proteo e Assistncia aos Condenados15, de pequenas unidades prisionais com forte investimento em programas de insero social e um mtodo de trabalho baseado na evangelizao. Alm das condies de trabalho e da falta de reconhecimento da categoria, no relatrio da CPI est presente a polmica relativa se o agente prisional deve ser um profissional com funes de ressocializao e reinsero dos presos, inclusive com um papel educador, ou um profissional centrado na funo de polcia. Esse debate ganha concretude com a PEC 308 (Proposta de Emenda Constitucional), que tramita no Congresso Nacional desde 2004. Defendida por entidades sindicais da categoria, a PEC transforma os agentes prisionais em polcia penitenciria. Ela prev a equiparao salarial com os demais policiais, o porte autorizado de arma nas unidades e a possibilidade de realizar escoltas de presos(as) para fora das unidades, entre outras funes de polcia. alegado que sua aprovao levaria a sada de policiais militares que atuam em vrias unidades do pas. Em maro, de 2009, o Conselho Nacional de Poltica Criminal e Penitenciria (CNPCP) emitiu parecer contrrio a PEC 308 e a seu substitutivo elaborado pelo deputado Arnaldo de S, afirmando que os textos so frontalmente contrrios ao interesse pblico e que reforam o que h de pior do modelo autoritrio de polcia vigente no Brasil. Entretanto, o parecer de autoria do conselheiro Marco Rolim aponta ser compreensvel que a categoria apie a PEC em decorrncia da falta de perspectiva concreta de valorizao profissional: Encarregados da custdia de centenas de milhares de presos, trabalham em estabelecimentos que so verdadeiras masmorras sem poderem contar, como regra, com qualquer apoio institucional. Quase sempre, os funcionrios que atuam no sistema prisional ganham baixos salrios e esto as piores condies de trabalho. A esmagadora maioria deles no possui formao superior, nem recebe incentivos reais para seu aperfeioamento profissional. Diante destas condies, natural que apiem um projeto que lhes permita vislumbrar uma situao melhor, especialmente que lhes acene com a perspectiva de uma remunerao mais adequada. A anlise complementada pelo coordenador da Escola Penitenciria do Cear e pesquisador sobre o tema, Antonio Rodrigues de Sousa. Para ele, institucionalizar umaAcessvel em http://pfdc.pgr.mpf.gov.br A APAC foi criada em 1972 em So Jos dos Campos (SP) e implantada, com adaptaes, em 100 unidades no Brasil. A experincia est presente em pases como Alemanha, Bulgria, Cingapura, Chile, Costa Rica, Equador, El Salvador, Eslovquia, Estados Unidos, Inglaterra, Pais de Gales, Honduras, Nova Zelndia, Noruega, entre outros. (Relatrio CPI do Sistema Carcerrio, 2008).15 14

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polcia no mbito interno da organizao penitenciria significa jogar no lixo o princpio da reintegrao social da pessoa presa, previsto na Lei de Execuo Penal (LEP). Aponta tambm o risco que correria os integrantes da nova polcia: Institucionalizar uma polcia no mbito interno da organizao penitenciria significa promover um ambiente onde o estado de confronto ser um dispositivo permanentemente instalado, criando um ambiente precipuamente tenso e explosivo, inverso promoo de condies para o retorno do recluso ao convvio social. Uma coisa ser Agente Penitencirio no ambiente de uma priso, um cidado civil que a nica pessoa do mundo livre de quem a pessoa presa pode se socorrer em um momento de necessidade. Outra coisa ser policial no ambiente da priso, onde a Polcia reconhecida como oposto antagnico do marginal o inimigo de morte16. Esta Relatoria Nacional para o Direito Humano Educao entende que h uma grande lacuna que precisa ser enfrentada urgentemente pelo governo federal e pelo Congresso Nacional: a criao de um projeto de lei que regulamente a funo de agente penitencirio, explicitando seu papel, sua carga de trabalho, exigncia de concursos e formao e outros pontos de uma poltica de valorizao efetiva da categoria, em consonncia com a LEP e com os documentos internacionais assinados pelo Brasil que tratam dos direitos humanos das pessoas encarceradas. Somente a poltica de apoio formao e aquisio de moradia, prevista no Pronasci, insuficiente para enfrentar desafio to complexo que passa por reconhecer que os agentes podem assumir tambm uma funo educadora junto populao encarcerada, para alm de seu papel prioritrio de garantia da segurana no espao prisional.

Em artigo Polcia Penitenciria: algumas reflexes sobre a PEC 308, ainda no-publicado pelo autor.

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3. A EDUCAO NAS PRISESFaltam diagnsticos e informaes consolidadas que permitam traar um panorama preciso sobre a situao da educao prisional no mundo. Estima-se que menos de um tero da populao privada de liberdade no planeta tenha acesso a algum tipo de atividade educativa no ambiente prisional o que, em grande parte, no significa o acesso educao formal. Apesar de vrios pases contarem com legislaes nacionais que garantem o direito das pessoas encarceradas educao, a maioria est muito longe de concretiz-la nas unidades prisionais. Mesmo na Europa continente que apresenta experincias positivas e que realizou ao longo das ltimas dcadas esforos importantes para o estabelecimento de padres comuns nos sistemas prisionais nacionais , existe uma gigantesca diversidade interna com relao garantia do direito educao nas prises. Muitos dos pases europeus enfrentam problemas similares aos da Amrica Latina, conforme se deduz da anlise de Hugo Rangel (2007) sobre a educao no sistema prisional na Europa. Predominam a falta de estratgias nacionais, a insuficincia de recursos financeiros e a indefinio institucional de responsabilidades entre os diferentes organismos do Estado17. 3.1 Amrica Latina Complexidade, improvisao e disperso de aes caracterizam a educao nos sistemas prisionais da Amrica Latina, observa o pesquisador argentino Francisco Scarf (2008). Para ele, a fragilidade da garantia do direito educao tensionada pelo encarceramento acelerado e pela superlotao decorrente da priso como nica e excessiva resposta do Estado ao delito. Na composio desse quadro fazem parte: a lentido da justia, a falta de infra-estrutura, a indefinio de responsabilidades institucionais pelo atendimento educacional, a hipertrofia do critrio de segurana, a desateno com relao diversidade (gnero, tnico-racial, orientao sexual, regional etc) existente no ambiente prisional e a crescente demanda por segurana apresentada por setores da sociedade e amplificada pela mdia. Entre todos esses graves problemas que afetam a educao no sistema prisional, Hugo Rangel (2008)18 destaca a disfuncionalidade da justia: Um resultado direto desta disfuncionalidade a existncia, na maioria dos pases da Amrica Latina, de um nmero demasiado alto de presos em espera de julgamento e de uma condenao que sancione o delito cometido. Em muitos pases, este tipo de recluso representa mais da metade da populao penitenciria. O abuso da priso preventiva por parte das autoridades encarregadas da procurao da justia uma das principais causas do incremento da populao penitenciria. Este fenmeno ocorre na maioria dos pases da regio que contam com um grande nmero de reclusos emTal quadro refora a importncia da realizao pela Unesco da Conferncia Internacional sobre Educaes nas Prises, que deveria ter sido realizada em 2008, como parte do processo preparatrio Confintea em 2009, e que foi adiada para data indeterminada.18 17

Hugo Rangel tambm autor de um estudo recm concludo chamado Mapa regional latinoamericano sobre educao nas prises (2009). O estudo foi realizado no marco do programa europeu Eurosocial Educao pelo CIEP Centre International dtude pdagogiques, com apoio da RedLECE Red Latinoamericana de Educacin em Contextos de Encierro.

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qualidade preventiva. Neste sentido, evidente que no somente se trata de uma lentido em procedimentos administrativos, mas de falhas estruturais ou sistmicas das instituies da justia (Rangel, 2008). Como avanos, Rangel destaca: a existncia de legislaes que garantem o direito educao para pessoas encarceradas na maioria dos pases latino-americanos (apesar de no se constiturem em realidade na quase totalidade das unidades), a adoo por vrios pases de leis que prevem a remio da pena por estudo e um processo de articulao ainda inicial entre rgos governamentais de administrao penitenciria e de educao visando a concretizao do atendimento. 3.2 Os modelos educativos e a ressocializao Trs so os modelos educativos que predominam no atendimento educacional nas prises da Amrica Latina, segundo o Relator Especial da ONU sobre Educao, o costariquenho Vernor Muoz19. O primeiro deles toma a educao como parte de um tratamento teraputico, visando a cura das pessoas encarceradas. O segundo entende a educao em sua funo moral destinada a corrigir pessoas intrinsecamente imorais, e o terceiro assume um carter mais oportunista ao restringir a educao nas prises s necessidades do mercado de trabalho. Muoz alerta para o predomnio de um carter utilitarista da educao nas prises descomprometido com a afirmao da educao como direito humano das pessoas encarceradas. A anlise desses modelos educativos hegemnicos complementada por Scarf: La confusin, algunas vezes, es generada por las distintas agenciais estatales que llevan adelante la educacin pblica en las prisiones que suelen someter la educacin pblica al tratamiento de resocializacin o de reinsercin. Pensar que con slo recibir o ejercer la educacin, la persona privada de libertad estar en condiciones de reinsertarse o resocializarse es darle una linealidad de causa-efecto a la educacin. Esto lleva a que se reproduzcan estructuras cognoscitivas y hbitos sociales de personas civilizadas o bien comportadas o simplesmente receptoras obviando el proceso de constituir-se en personas protagonistas, con voz propria, que desarrollen una mirada critica capaz de entender y transformar su realidad, la pasada, la presente y al futura. La educacin es un derecho que al ejercerse reduce la situacin de vulnerabilidad social, cultural, emocional de la persona privada de libertad. Concebir la educacin como una accin teraputica o curativa implica considerar a la persona detenida como un enfermo al que hay que curar. Es colocar a la educacin como dispositivo, que segn como funcione, prevalecer o no dentro de la accin de tratamiento. Obviando que la educacin es un derecho humano fundamental si algun re le cabe en su objeto- es la reduccin de vulnerablidad social, psicolgica y cultural Como parte das perspectivas que tomam como base a linearidade educaoreinsero social, consta tambm a idia da educao como preveno de delito. Scarf19

Em palestra realizada em maro de 2009, no auditrio Nereu Ramos da Cmara Federal em Braslia para a Comisso de Educao da Cmara dos Deputados, onde foi apresentado o informepreliminar sobre a misso realizada entre setembro de 2008 e fevereiro de 2009.

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observa que esta viso nega a existncia de condies internas e externas que devem ser consideradas para que a pessoa tenha condies efetivas de reintegrar-se socialmente, entre elas, o acesso ao trabalho digno e bem remunerado, sade, moradia, segurana social, entre outras. Reconhecendo que a educao um dos requisitos para a reinsero social e contribuio ao desenvolvimento real e sustentvel da sociedade que a pe em prtica, o pesquisador argentino conclui: Em definitivo, a educao um direito humano e no uma ao teraputica ou uma varivel a mais de um tratamento. Um direito que permite s pessoas encarceradas fazerem escolhas e desenvolverem trajetrias educativas positivas, concretizando o direito humano a um projeto de vida. A educao um direitochave que possibilita conhecer e exercer outros direitos, facilitando, inclusive, a se defender da vida na priso (Scarf, 2008). 3.3 A Educao no sistema prisional brasileiro Dados do Ministrio da Justia apontavam que em 2004 cerca de 70% da populao encarcerada no pas no possua o ensino fundamental completo e 8% so analfabetos. Do total de pessoas privadas de liberdade, mais de 60% era formada por jovens entre 18 e 30 anos e somente 18% tinham acesso a alguma atividade educativa. Segundo informaes do Ministrio da Educao, o atendimento educacional se manteve em 2008 entre 18 a 20% da populao carcerria, sendo que 45% dos analfabetos(as), 12% dos que possuem ensino fundamental incompletos e 6% dos que possuem ensino mdio incompleto estavam matriculados na educao formal dentro das unidades prisionais20. Quando ofertada, a educao formal de responsabilidade das secretarias estaduais de educao ou realizadas por meio de convnios com secretarias municipais, organizaes no-governamentais ou com sistema S. Em So Paulo, a Secretaria Estadual de Educao no responde pela educao no sistema prisional, sendo essa assumida pela Funap Fundao Prof. Dr. Manoel Pedro Pimentel de Amparo ao Preso, instituio vinculada ao governo do estado de So Paulo. A certificao de etapa de escolarizao garantida diretamente pelas Secretarias de Educao ou por meio das certificaes nacionais realizadas pelo Ministrio da Educao atravs do Enceja (Exame Nacional de Certificao de Educao de Jovens e Adultos). O financiamento da educao nas prises varia conforme o estado, carecendo de uma orientao nacional mais precisa. Para aqueles que a Educao das Prises vinculada poltica de educao de jovens e adultos, h os recursos previstos no Fundeb (Fundo Nacional de Desenvolvimento da Educao Bsica e Valorizao dos Profissionais de Educao), mas nem todos estados nessa situao acessam taisA Relatoria Nacional para o Direito Humano Educao solicitou outros dados atualizados sobre a situao da educao no sistema prisional ao governo federal que informou estar em fase de anlise de informaes resultantes do Infopen e do Censo Escolar. Segundo o MEC, foram identificadas no incio de 2009 inconsistncias e contradies entre essas duas bases de dados que esto sendo apuradas.20

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recursos para garantir o atendimento. H estados, nos quais o atendimento garantido por meio de recursos do rgo do sistema prisional responsvel pela educao. Em So Paulo, estado no qual a educao das prises no foi assumido pela Secretaria Estadual de Educao, o atendimento garantido pela Funap por meio de recursos gerados, em sua maior parte, da venda de produtos confeccionados por pessoas presas. A educao nas prises tambm est prevista no programa Brasil Alfabetizado e no PAR Plano de Aes Articuladas, vinculados ao Plano de Desenvolvimento da Educao (PDE), implementado pelo Ministrio da Educao. Informaes e anlises de diversas apontam a profunda precariedade do atendimento educacional no sistema prisional brasileiro que enfrenta graves problemas de acesso e de qualidade marcados pela falta de profissionais de educao, projeto pedaggico, infra-estrutura, formao continuada, materiais didticos e de apoio; descontinuidade; resistncias de agentes e direes de unidades prisionais; desarticulao entre organismos do Estado, falta de planejamento e polticas de estado, baixo investimento financeiro, inexistncia de diagnsticos precisos, entre outros. A pesquisa Educao que Liberta: indicador de alfabetismo funcional da populao carcerria paulista, realizada em 2006, por iniciativa da Funap e desenvolvida em parceria com o Instituto Paulo Montenegro e com o Ibope Opinio, revelou a precariedade e os desafios do atendimento educacional no maior sistema prisional do pas. Na pesquisa destacada a valorizao da educao por parte de presos e presas e o grande interesse pela leitura e pela escrita, que deve ser potencializado por uma poltica de educao no sistema prisional. 3.4 Mulheres encarceradas e a educao infantil Das mulheres encarceradas, a maioria jovem: 17,6% tm entre 18 e 24 anos, 16,1% entre 25 e 29 anos, 12,5% entre 30 e 34 anos e 13,4% entre 35 a 45 anos, segundo dados do Infopen, divulgados em 2007. Do total de presas, 3,2% so analfabetas; 9,8% tm o ensino fundamental completo; 6,3% o ensino mdio e 0,5% o ensino superior. Da onde se deduz que quase 80% das mulheres no tm o ensino fundamental completo. Segundo estudo realizado pela pesquisadora Rosngela Peixoto Santa Rita, divulgado em 2007, a situao das crianas que permanecem com suas mes encarceradas extremamente precria. Cerca de 60% das unidades permitem somente que a criana permanea com a me at os 6 meses de idade. No restante das unidades, h crianas at a idade de seis anos. Somente 18,9% delas tm acesso a creches ou prescola, que oferecem em sua maioria um atendimento com problemas de qualidade. Em abril de 2009, foi aprovado pelo Senado o Projeto de Lei 335, de 1995, de autoria da deputada Ftima Pelaes. O projeto aborda, entre outros pontos, o direito educao infantil das crianas filhas de mulheres encarceradas at completarem o sete anos. O projeto retornou Cmara para apreciao final.

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3.5 O Projeto Educando para a Liberdade e o Pronasci Em resposta fragilidade do atendimento educacional nas unidades prisionais, no segundo semestre de 2005, os Ministrios da Justia e da Educao iniciaram articulao de suas aes. Desse processo, nasceu o projeto Educando para Liberdade, desenvolvido em parceria com a Unesco e com recursos do governo japons. Em 2008, segundo informaes do MEC, o projeto se transformou em estratgia da poltica de jovens e adultos vinculada ao PDE Plano de Desenvolvimento da Educao por meio dos Planos de Ao Articulada (PAR-Prisionais). So trs as aes previstas no PAR-Prisional: estmulo elaborao de planos estaduais de educao no sistema penitencirio, formao de profissionais do sistema prisional e aquisio de acervos s bibliotecas. Foram disponibilizados quatro milhes e duzentos mil reais para que os estados realizem estas aes21. Alm da expanso da oferta, o projeto assumiu como objetivo construir as bases de uma poltica nacional de educao no sistema prisional brasileiro. Para isso, foram realizadas visitas a unidades prisionais, oficinas tcnicas, proposies para alteraes da Lei de Execuo Penal e seminrios regionais e nacionais para identificao de problemas, desafios, experincias e propostas. Como parte do projeto, em julho 2006, ocorreu em Braslia, o Seminrio Nacional pela Educao nas Prises: significados e proposies. No evento, como j citado em captulo anterior, foi elaborada a proposta de Diretrizes Nacionais para a Educao no Sistema Prisional, estruturada em trs eixos: gesto, articulao e mobilizao; formao e valorizao dos profissionais envolvidos na oferta; aspectos pedaggicos. Depois de mais de dois anos de espera, as Diretrizes foram aprovadas no Conselho Nacional de Polticas Criminal e Penitenciria e encaminhadas em maro de 2009 para apreciao do Conselho Nacional de Educao. importante registrar que a partir de 2006, entidades da sociedade civil que constituram a Rede Paulista de Educao nas Prises fizeram presso22 por meio de abaixo-assinados e cartas junto ao Ministrio da Justia pela agilizao da aprovao das Diretrizes Nacionais e que desde 2005 h um importante esforo de constituio de uma Rede Nacional de organizaes comprometidas com a Educao nas Prises. O Projeto Educando para a Liberdade tambm contribuiu para fortalecer uma importante reivindicao de movimentos da sociedade civil, educadores(as) e de gestores21

Segundo informao fornecida pelo MEC Relatoria Nacional para o Direito Humano Educao, o PAR Prisional prev a formao de 6 mil profissionais e a aquisio de 35 mil ttulos para bibliotecas. O MEC tambm informou a existncia de duas resolues do FNDE (Fundo Nacional de Desenvolvimento da Educao) que incluem a populao carcerria: resoluo n. 44 de 16 de outubro de 2006, que estabelece critrios e procedimentos para a execuo de projetos de fomento leitura e a resoluo n. 48 de 28 de novembro de 2008, que estabelece orientaes para a apresentao, seleo e apoio financeiros a projetos que visem oferta de cursos de formao continuada na modalidade de EJA no formato de cursos de extenso, aperfeioamento e especializao. O MEC informou tambm que o Conselho Nacional de Justia procurou em 2009 o Ministrio com o objetivo de formalizar um termo de cooperao que contribua para aes de educao nas prises. 22 Ver Boletim Ebulio n.19 em www.observatoriodaeducacao.org.br

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governamentais: a garantia da remio da pena por estudo em lei, abordada no captulo anterior. Em resposta a esse desafio, em 2007, o governo federal apresentou ao Congresso Nacional proposta de lei do Executivo sobre a matria, como uma das 94 aes previstas no Pronasci Programa Nacional de Segurana com Cidadania. A proposta veio se somar aos outros oito projetos de lei em tramitao no Congresso Nacional sobre o assunto (Silva, 2009). Atualmente, a remio garantida em alguns estados brasileiros, dependendo do entendimento dos juzes e juzas locais23. Alm da remio, a educao no sistema prisional consta nas aes do Pronasci por meio do investimento em formao dos agentes prisionais, do apoio construo de novas unidades prisionais com mdulos de sade e de educao (sala de aula, laboratrio de informtica e biblioteca) e da realizao de uma pesquisa nacional sobre a situao da oferta de educao no sistema prisional, a ser desenvolvida por meio de convnio com a OEI Organizao dos Estados Ibero-americanos para a Educao, a Cincia e a Cultura. A pesquisa deve ser iniciada ainda no primeiro semestre de 2009. 3.6 A Organizao dos Profissionais de Educao que atuam nas Prises Em 2006, comea a ser articulada pelos profissionais de educao do Rio de Janeiro a criao de uma associao de professores que trabalham nas prises. Segundo o educador Mario Miranda, dirigente da Associao dos Educadores em Espaos de Privao da Liberdade do Rio de Janeiro, o fato de nascer no Rio de Janeiro a primeira organizao de educadores de prises do Brasil decorre do estado ter h mais de vinte anos uma poltica de educao especfica para tal realidade que conta com escolas como unidades administrativas autnomas. Esta poltica deu alguma segurana para os professores desempenharem suas funes com autonomia didtico-pedaggica e vem garantindo aos alunos acesso merenda, a livros, certificao, etc, observa do educador. Entre as motivaes para o surgimento da Associao constaram: a luta pela gratificao de periculosidade e insalubridade alm do adicional especfico em reconhecimento do trabalho; a necessidade de visibilidade e voz nas polticas pblicas voltadas para a educao nas prises, bem como a demanda por representao de professores junto aos rgos do estado; a importncia de uma organizao que fizesse a mediao com ONGs, pesquisadores e especialistas, para que o saber dos educadores que atuam na ponta fosse respeitado e a necessidade de diretrizes curriculares especficas e de uma organizao administrativa das unidades escolares de forma diferenciada das demais escolas. Em 2007, a Associao conquista a criao de uma Coordenadoria de Educao nas Prises na Secretaria de Educao do Estado do Rio de Janeiro, um assento na Comisso de Educao da Assemblia Legislativa do Rio de Janeiro e uma sala para sua sede com apoio da Ordem dos Advogados do Brasil, seo Rio de Janeiro. Entre os desafios colocados na agenda da organizao esto: a manuteno da mobilizao de seus associados(as);23

Como j abordado, a Smula no-vinculativa 341 do STJ, de junho de 2006, recomenda a remio da pena por estudo, tendo se constitudo em uma importante conquista na luta pelo direito educao nas prises. Porm, segundo depoimentos Relatora Nacional, muitos juzes a desconhecem ou afirmam ter um outro entendimento da matria, por isso a importncia de que a remio se transforme em lei.

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a defesa da remio da pena por estudo; o estabelecimento de regras e limites para atuao dos setores de segurana nas escolas das prises; o estabelecimento de critrios para indicao de diretores(as) das prises; uma poltica de formao que considere os saberes dos profissionais e a interrelao com as reas de direito, psicologia, servio social, psiquiatria; o estabelecimento de procedimento administrativo transparente para o caso de acusaes envolvendo professores dando-lhes direito a defesa; a submisso dos projetos educacionais de voluntrios e de ongs escola da unidade, para que assumam um papel complementar ao trabalho desenvolvido por profissionais de educao; a adequao do espao fsico conforme determina a Lei de Execuo Penal, j que muitas unidades prisionais contam somente com salinhas; a regularizao dos quadros da Coordenadoria em Educao nas Prises; a criao e implementao da Educao de Jovens e Adultos especfica para prises. o concurso especfico para professores levando em conta saberes necessrios para o trabalho em prises; um assento nos conselhos estaduais de educao; criminal e penitencirio e da comunidade. A Associao faz parte dos esforos do grupo articulador da Rede de Educao nas Prises que organizou evento sobre o tema no Frum Social Mundial, em janeiro de 2009, na cidade de Belm. A entidade vem prestando apoio a grupos de profissionais de educao de outros estados que discutem a possibilidade da criao de associaes locais similares.

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4. A MISSO DA RELATORIA AOS ESTADOSA Relatoria Nacional para o Direito Humano Educao realizou de outubro de 2008 a maro de 2009 a misso aos estados sobre educao no sistema prisional brasileiro. Foram visitadas onze unidades de Pernambuco, So Paulo, Rio Grande do Sul, Par e Distrito Federal. Alm das visitas, a Relatoria realizou reunies com organizaes da sociedade civil, foi recebida em audincias por autoridades pblicas estaduais e federais, participou de dois eventos - um com abrangncia estadual (RS) e outro nacional, com foco na temtica, co-organizou um audincia pblica com o Ministrio Pblico Estadual de Pernambuco e participou de uma outra promovida pela Comisso de Educao da Cmara Federal. Ao todo, foram coletados mais de duzentos depoimentos sobre o tema. Tambm foram solicitadas informaes oficiais por parte de rgos pblicos e realizado levantamento bibliogrfico e de outros documentos relavantes para os fins deste relatrio. A seguir, apresentamos a sntese das visitas e reunies realizadas e dos eventos que participamos nesse perodo de aproximadamente seis meses. 4.1 Misso ao estado de Pernambuco Dados do Sistema Integrado de Informaes Penitencirias (InfoPen), divulgados em junho de 2008, apontam que Pernambuco possui 86 estabelecimentos penitencirios cadastrados, sua populao carcerria de 18.888 pessoas, sendo 17.922 homens e 966 mulheres. Segundo o Infopen, a populao encarcerada composta por 3.828 brancos, 2722 pretos, 12.124 pardos, 55 amarelos, 34 indgenas e 325 outros. Informaes do governo estadual apontam a existncia de somente 700 agentes prisionais para atuar no conjunto destas unidades. Segundo informaes do Plano Estadual de Segurana Pblica de Pernambuco (2007), o sistema prisional pernambucano apresentou nos ltimos anos crescimento acelerado do encarceramento, passando de 99 presos por 100 mil habitantes em 1999, para 188 por 100 mil em 2007. O aumento foi de quase 90% em relao ao crescimento da populao do estado. Este crescimento impactou a capacidade de confinamento nas unidades prisionais: o dficit de vagas era estimado em 7.467 vagas (2006). A populao carcerria de Pernambuco eminentemente masculina, negra, jovem e de baixa escolaridade, apresenta 9% de ndice de reincidncia. Quarenta e seis por cento tm idade entre 22 e 30 anos, 23% entre 31 e 40 anos, 15% entre 18 e 21 anos e 15% mais de 40 anos. Aproximadamente 95% possuem baixo nvel econmico. Sobre a escolaridade, 21% so analfabetos, 42% possuem o ensino fundamental incompleto e 15% ensino mdio incompleto. Sobre o acesso ao direito humano ao trabalho, entendido no estado como laborterapia, no ano de 2006, 8% da populao carcerria (1.223 pessoas) trabalhavam, sendo 1.054 em atividades vinculadas ao funcionamento das unidades prisionais e 169 em empresas privadas. A responsabilidade pelo sistema penitencirio do estado da Secretaria Executiva de Ressocializao-SERES, rgo integrante da Secretaria de Desenvolvimento Social e Direitos Humanos, a quem compete garantir e manter em funciona