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ISSN: 2316-3992 Comunicação & Mercado/UNIGRAN - Dourados - MS, vol. 01, n. 02 – edição especial, p. 169-181, nov 2012 O POSICIONAMENTO DA FOLHA DE S.PAULO NA COBERTURA DA CRISE DO PODER JUDICIÁRIO BRASILEIRO DE 2012: UMA ANÁLISE DE CONTEÚDO 1 Palavras-chave: jornalismo; Folha de S. Paulo; crise do Judiciário; análise de conteúdo. Resumo Este estudo apresenta uma análise de conteúdo sobre o posicionamento do jornal Folha de S.Paulo na co- bertura da crise do Poder Judiciário brasileiro iniciada em 2011. O corpus do estudo constitui-se de 63 títulos de chamadas na capa, manchetes, reportagens de abre de página, reportagens, notícias e de editoriais sobre a crise, mapeados durante o primeiro trimestre de 2012. O estudo observou como a Folha retratou o tema e conclui que o jornal mostrou-se convencido da verdade apresentada pelo CNJ, que expôs de forma negativa e generalizada o Poder Judiciário e os magistrados brasileiros, sem destinar equivalente espaço às versões apre- sentadas por associações de magistrados ou por tribunais sob investigação. Danusa Santana Andrade 2 1 Trabalho apresentado no 1º Encontro Centro-Oeste de História da Mídia – Alcar CO 2012, 31/10 e 01/11 2012, Unigran/ Dourados/ MS. 2 Estudante do curso de especialização Comunicação Empresarial e Governamental da Unitoledo, e-mail: danusa.santana. [email protected].

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ISSN: 2316-3992

Comunicação & Mercado/UNIGRAN - Dourados - MS, vol. 01, n. 02 – edição especial, p. 169-181, nov 2012

O POSICIONAMENTO DA FOLHA DE S.PAULO NACOBERTURA DA CRISE DO PODER JUDICIÁRIO

BRASILEIRO DE 2012: UMA ANÁLISE DE CONTEÚDO 1

Palavras-chave: jornalismo; Folha de S. Paulo; crise do Judiciário; análise de conteúdo.

Resumo

Este estudo apresenta uma análise de conteúdo sobre o posicionamento do jornal Folha de S.Paulo na co-

bertura da crise do Poder Judiciário brasileiro iniciada em 2011. O corpus do estudo constitui-se de 63 títulos

de chamadas na capa, manchetes, reportagens de abre de página, reportagens, notícias e de editoriais sobre

a crise, mapeados durante o primeiro trimestre de 2012. O estudo observou como a Folha retratou o tema e

conclui que o jornal mostrou-se convencido da verdade apresentada pelo CNJ, que expôs de forma negativa e

generalizada o Poder Judiciário e os magistrados brasileiros, sem destinar equivalente espaço às versões apre-

sentadas por associações de magistrados ou por tribunais sob investigação.

Danusa Santana Andrade 2

1 Trabalho apresentado no 1º Encontro Centro-Oeste de História da Mídia – Alcar CO 2012, 31/10 e 01/11 2012, Unigran/

Dourados/ MS.2 Estudante do curso de especialização Comunicação Empresarial e Governamental da Unitoledo, e-mail: danusa.santana.

[email protected].

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Comunicação & Mercado/UNIGRAN - Dourados - MS, vol. 01, n. 02 – edição especial, p. 169-181, nov 2012

Introdução

O Poder Judiciário brasileiro vem atravessando, há décadas, diversas crises. A última delas - uma das mais

polêmicas – teve início em 2011, quando a ex-corregedora do CNJ (Conselho Nacional de Justiça), Eliana

Calmon, usou levantamento do Coaf (órgão de inteligência financeira do Ministério da Fazenda) que apontou

movimentação financeira de juízes e servidores de R$ 856 milhões, entre 2000 e 2012, para preparar apurações

em 22 Tribunais de Justiça, a começar pelo de São Paulo. A atuação do CNJ gerou a recente crise no Judiciá-

rio e colocou em lados contrários o ex-presidente do STF (Supremo Tribunal Federal), Ministro César Peluzo, que

criticava supostos abusos cometidos pela corregedoria do CNJ, e a corregedora que sustentava haver privilégios

no Judiciário, e que entrou em choque com associações de magistrados ao iniciar investigações sobre a vida

financeira de juízes e de desembargadores. Essa crise, que gera tanta polêmica, é evidenciada pela imprensa que

influencia a opinião pública e agenda os fatos a serem apresentados aos leitores.

O principal objetivo deste estudo é tecer considerações sobre o posicionamento do jornal Folha de S.Paulo

na cobertura dessa crise. Entre os objetivos específicos estão: verificar se o periódico contribuiu para o esclare-

cimento da crise, identificar como foi a abordagem da folha sobre o assunto e investigar o número de vezes em

que a crise do Judiciário foi destaque na Folha de S.Paulo .

O corpus da pesquisa constitui-se dos títulos de chamadas na capa, manchetes, reportagens de abre

de página, reportagens, notícias e de editoriais sobre o Poder Judiciário durante os três primeiros meses de

2012, totalizando 63 títulos.

As questões que norteiam essa investigação são o espaço que a Folha de S.Paulo dedicou à divulgação da

referida crise e como o periódico mencionou o CNJ e o STF em seus títulos durante o período analisado. Uma

provável resposta a essas questões é que o periódico pode ter dado ênfase maior às denúncias do CNJ, gene-

ralizando as acusações a todo o Poder Judiciário brasileiro. Buscando responder a esses questionamentos, a

pesquisa recorrerá ao método análise de conteúdo.

Essa crise vivenciada pelo Poder Judiciário gerou seu descrédito perante a sociedade, como aponta o ICJBra-

sil (Índice de Confiança na Justiça no Brasil) da Fundação Getúlio Vargas, que retrata a confiança do cidadão

nas instituições ligadas ao Poder Judiciário. O resultado dessa pesquisa aponta que o ICJBrasil do primeiro tri-

mestre de 2012 foi de 5,2 pontos. Em relação ao trimestre anterior, o Índice de Confiança na Justiça caiu de 5,3

para 5,2 pontos. No que diz respeito à mensuração da confiança da população nas instituições, na declaração

espontânea sobre o quanto os entrevistados confiam no Poder Judiciário, o percentual de confiança chegou a

42%, como mostra o gráfico abaixo:

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O Índice também apontou que depois das suas atribuições constitucionais terem sido questionadas no Su-

premo Tribunal Federal, o Conselho Nacional de Justiça (CNJ) ocupou espaço de destaque na mídia nacional.

Abaixo, o gráfico mostra o resultado de um questionário que analisou qual o tipo de notícias sobre o CNJ que

chamou a atenção dos entrevistados naquele período:

Fonte: ICJBrasil – FGV

Fonte: ICJBrasil – FGV

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O relatório da FGV é preenchido com entrevistas da população de grandes capitais brasileiras, suas regiões

metropolitanas e do interior dos Estados. Esses dados apontam para o crescente descrédito do Poder Judiciário

perante a sociedade. Esse descrédito é resultado de crises que desgastam a imagem do Judiciário e um dos prin-

cipais canais de exposição é a mídia.

Após essas colocações, é oportuno ressaltar a importância desta pesquisa. Conforme José Marques de Melo

(1997), não se pode compreender a história recente do País sem levar em consideração o comportamento dos

jornais diários. Neste sentido, o estudo pretende apresentar considerações ao enfoque do jornal Folha de S.

Paulo acerca da crise do Poder Judiciário, proporcionando à sociedade uma nova perspectiva sobre o posiciona-

mento do periódico e acrescentando algo novo às relevantes pesquisas de comunicação já existentes no Brasil.

A delimitação do corpus da pesquisa recaiu sobre o primeiro trimestre de 2012 devido a grande exposição

da crise do Judiciário na mídia nesse período. A metodologia utilizada é análise de conteúdo porque apresenta-

se como procedimento de investigação mais adequado à linguagem jornalística, pois, como remete Laurence

Bardin (1977, p. 31), “[...] a análise de conteúdo é um conjunto de técnicas de análise das comunicações [...]”.

No Capítulo 1 serão apresentados o conceito de jornalismo, a história do jornal Folha de S.Paulo, e os con-

ceitos de Poder Judiciário, quarto poder, opinião pública e agenda-setting – parte relevante para o embasamento

teórico desta pesquisa. Em seguida, no Capítulo 2, é realizada a análise de conteúdo do corpus da pesquisa, 63

títulos de chamadas na capa, manchetes, reportagens de abre de página, reportagens, notícias e de editoriais

sobre o Poder Judiciário e, após, serão apresentadas as considerações finais.

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1. Fundamentação Teórica

O conceito de jornalismo sustenta essa pesquisa. Melo (2006, p 38) explica que “reproduzir o real, por

intermédio da lente de aumento da imprensa, significa ser fiel aos acontecimentos, permitir que eles ganhem

repercussão pública exatamente como ocorreram”.

Manuel Carlos Chaparro (1998) conceitua jornalismo como linguagem de relato e análise da atualidade que

se realiza por um conjunto de técnicas desenvolvidas na experiência do fazer.

Para o autor Nilson Lage (2005) o que caracteriza o texto jornalístico é o volume de informação factual. Re-

sultado da apuração e tratamento dos dados, pretende informar, e não convencer. O texto básico do jornalismo

é a notícia, que expõe um fato novo ou desconhecido, ou uma série de fatos novos ou desconhecidos no mesmo

evento, com suas circunstâncias. O conceito da palavra news é mais amplo, abrangendo outros gêneros jorna-

lísticos como a reportagem e a entrevista.

A notícia parte do aspecto mais importante da informação. O lead, segundo Lage (2005), é o primeiro pará-

grafo da notícia – é tipicamente um parágrafo tópico, que se inicia pela sentença-tópico. A origem do lead está

relacionada ao uso oral, ou seja, à maneira como, numa conversação, alguém relata o que assistiu.

O jornal Folha de S.Paulo, elemento central desta pesquisa, é o jornal de maior circulação do País com tira-

gem de 320.504 exemplares aos domingos e 292.251 em dias úteis, e é considerado um dos mais influentes,

pois, conforme Melo (2008) os jornais de maior tiragem são exatamente os que detém prestígio nacional.

A história do jornal Folha de S.Paulo começa em 19 de fevereiro de 1921 quando Olival Costa e Pedro

Cunha fundam o jornal Folha da Noite. Em julho de 1925, é criada a Folha da Manhã. A Folha da Tarde é fun-

dada 24 anos depois. Em 1º de janeiro de 1960, os três títulos da empresa (Folha da Manhã, Folha da Tarde e

Folha da Noite) se fundem e surge o jornal Folha de S.Paulo. Em 1962 Octavio Frias de Oliveira e Carlos Cal-

deira Filho assumem o controle da empresa. Em 1967 o jornal é pioneiro na impressão offset em cores, usada

em larga tiragem pela primeira vez no Brasil.

Em 1971, a Folha abandona a composição a chumbo e se torna o primeiro jornal a usar o sistema eletrônico

de fotocomposição. Em junho de 1983 a Folha se torna a primeira Redação informatizada na América do Sul

com a instalação de terminais de computador.Em 1984 é publicado o primeiro Projeto Editorial. No mesmo ano,

a Folha implanta o Manual da Redação, editado em livro. Em 1991 o noticiário é reorganizado em cadernos

temáticos. Em 1992 o empresário Octavio Frias de Oliveira passa a deter a totalidade do controle acionário da

companhia. Em 1995 começa a funcionar o Centro Tecnológico Gráfico-Folha, em Tamboré, e o jornal passa a

circular com a maioria das páginas coloridas. Em 1996 é lançado pelo Grupo Folha o Universo Online, primeiro

serviço on-line de grande porte no país. No mesmo ano, o Universo Online e o Brasil Online, do Grupo Abril,

se fundem em nova empresa, o Universo Online S.A.

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Em 1997 o jornal publica a versão mais recente de seu projeto editorial. Em 2001 é lançada a quarta edição

do novo Manual da Redação. Em 2010 ocorre a unificação das Redações do jornal impresso e on-line. A Folha

Online é reestruturada e passa a se chamar Folha.com. Aplicativos para iPhone, iPad e Galaxy Tab são lançados.

O conceito de Poder Judiciário que fundamenta esta pesquisa, ampara-se no artigo 92 da Constituição

Federal que diz respeito à estrutura organizacional do Judiciário e classifica os órgãos deste poder: o Supremo

Tribunal Federal, o Conselho Nacional de Justiça, o Superior Tribunal de Justiça, os Tribunais Regionais Federais

e Juízes Federais, os Tribunais e Juízes do Trabalho, os Tribunais e Juízes Eleitorais, os Tribunais e Juízes Militares,

os Tribunais de Justiça e Juízes dos Estados e do Distrito Federal e Territórios.

O autor Marcelo Novelino (2012) sustenta que o Poder Judiciário, assim como os demais poderes, exerce

funções típicas e atípicas. Sua função típica consiste no exercício da jurisdição, atividade pela qual o Estado subs-

titui as partes em conflito para dizer quem tem o direito (caráter substitutivo). Dentre as funções atípicas, exerce

algumas de natureza legislativa, como a elaboração de seus regimentos internos, e outras de caráter administra-

tivo, tais como a organização de secretarias e serviços auxiliares.

Por apresentar sempre o mesmo conteúdo e finalidade, o Poder Judiciário é uno e indivisível: não é federal,

nem estadual, mas nacional. Trata-se de um único e mesmo poder que atua por meio de diversos órgãos, estes

sim, federais e estaduais (NOVELINO, 2012, p. 888).

Novelino (2012) explica que visando a assegurar a independência dos magistrados, foram consa-

gradas três garantias funcionais: vitaliciedade, inamovibilidade e irredutibilidade de subsídios, previstas no

artigo 95 da Constituição Federal.

Segundo Dalmo de Abreu Dallari (1996), o Poder Judiciário tem situação peculiar pois, ou por temor

reverencial, ou por falta de reconhecimento de sua importância social e política, o Legislativo e o Executivo nun-

ca deram a devida atenção aos problemas relacionados com a organização judiciária e o acesso do povo aos

juízes. Poucos percebem que isso tem muita importância num sistema político que pretende ser democrático. En-

quanto Legislativo e Executivo dialogam permanentemente, muitas vezes exigindo a satisfação de seus respectivos

interesses como condição para apoiar ou realizar um objeto de interesse público, o Judiciário tem sido mantido

à margem, num honroso isolamento.

Conforme Torquato (2003, p.15), “casos de maus juízes comprometem a imagem da instituição. O caso

do juiz Nicolau dos Santos Neto, o Lalau, atingiu a instituição judiciária, vista como fechada, mordômica, de pré-

dios suntuosos, com muitas regalias para os juízes”.

Dallari (1996, p. 73) sustenta que “o Poder Judiciário tem posição de extrema relevância na organização

pública, pela natureza de suas atribuições e pelos efeitos políticos e sociais que decorrem de suas decisões”.

O conceito Quarto Poder também ampara este estudo. Murilo Cesar Soares (2007) aponta que a ideia

do Quarto Poder coloca em pauta a questão da representação política pela mídia. Originalmente, Fourth State

(o Quarto Estado), a expressão foi cunhada por Edmund Burke, para se referir ao poder político na imprensa na

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Inglaterra do século 18, ao lado dos três outros “estados”: os Lordes, a Igreja e os Comuns. Em português, usa-

se a expressão Quarto Poder, em analogia aos três poderes da República (Legislativo, Executivo e Judiciário).

O autor português Nelson Traquina (2004) sustenta que o novo designado Quarto Poder, a imprensa,

o jornalismo, necessitava de uma legitimidade para tranqüilizar os receios, justificar o seu lugar crescente na

sociedade, e dar cobertura a um negócio rentável. Encontrou essa legitimidade nos intérpretes convincentes e

influentes da teoria da opinião pública.

O poder relativo dos jornalistas é também condicionado pelos constrangimentos organizacionais, bem como

pelas práticas e rotinas que as empresas jornalísticas e os jornalistas necessitam criar para dar conta do recado:

produzir as notícias em tempo útil. O jornalismo é altamente condicionado pela obsessão de dar resposta à ava-

lanche de acontecimentos que “acontecem” (TRAQUINA, 2004, p. 207).

Traquina (2004, p. 206) afirma que o jornalismo e os jornalistas têm poder, consoante a sua posição na

hierarquia profissional. Quer seja quer não, o jornalismo é um “Quarto Poder” que, sobretudo devido ao acesso

habitual às fontes oficiais, sustenta o poder instituído e o “status quo”.

Este estudo também é fundamentado pelo conceito de opinião pública, produto das filosofias liberais de finais

do século XVII e XVIII (Traquina, 2004). Walter Lippman (2008, p. 40) aponta que aqueles aspectos do mundo

exterior que têm a ver com o comportamento de outros seres humanos, na medida em que o comportamento

cruza com o nosso, que é dependente do nosso, ou que nos é interessante, podemos chamar rudemente de

opinião pública. As imagens nas cabeças destes seres humanos, a imagem de si próprios, dos outros, de suas

necessidades, propósitos e relacionamento, são suas opiniões públicas.

Lippman (2008) presume que o que cada homem faz está baseado não em conhecimento direto e determi-

nado, mas em imagens feitas por ele mesmo ou transmitidas a ele. Neste sentido, os pseudo-ambientes desses

indivíduos, suas representações interiores de mundo, são um elemento determinante do pensamento, sentimento

e ação.

Sobre a imprensa, Lippman (2008) coloca que, para serem adequadas, as opiniões públicas precisam ser

organizadas para a imprensa e não pela imprensa, como é o caso hoje.

Numa primeira instância, portanto, as notícias não são um espelho das condições sociais, mas o relato de um

aspecto que se impôs. As notícias não lhe dizem como a semente está germinando do solo, mas pode lhe informar

quando seu primeiro broto atravessa até a superfície (LIPPMAN, 2008, p. 291).

Lippman (2008) sustenta que as notícias e a verdade não são a mesma coisa e as distingue afirmando que

a função da notícia é sinalizar um evento e a função da verdade é trazer luz aos fatos escondidos. A imprensa

(Lippman, 2008, p. 308) é como um raio de holofote que se move sem descanso, trazendo um episódio e depois

o outro fora da escuridão à visão. Os homens não podem fazer o trabalho do mundo através desta luz somente.

Eles não podem governar a sociedade por episódios, incidentes e erupções.

Essa pesquisa baseia-se na hipótese da agenda-setting, elaborada por Maxwell E. McCombs e Donald Shaw

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no final da década de 1960, durante estudos sobre a opinião pública em épocas eleitorais. Para esses autores,

cada receptor agendaria seu pensamento e suas preocupações como uma conseqüência da ação dos meios de

comunicação. A audiência tomaria conhecimento ou ignoraria, focaria sua atenção ou esqueceria, realçaria ou

negligenciaria temas específicos dos cenários públicos sob a influência do que é divulgado pelos meios de co-

municação. A audiência tenderia a incluir ou ignorar aquilo que os meios de comunicação incluem ou ignoram

durante a organização do seu próprio conteúdo.

A hipótese sustenta que a mídia apresenta ao público uma lista de fatos a respeito dos quais se pode ter uma

opinião e discutir. Mauro Wolf (2005) recorre a Shaw (1979) para afirmar que em consequência da ação dos

jornais, da televisão e dos outros meios de informação, o público é ciente ou ignora, dá atenção ou descuida,

enfatiza ou negligencia elementos específicos dos cenários públicos. As pessoas tendem a incluir ou excluir dos

próprios conhecimentos no que a mídia inclui ou exclui do próprio conteúdo.

É oportuna a colocação de Wolf (2005) sobre a aplicação da agenda-setting: as características de produção

dos noticiários televisivos não permitem uma eficácia cognitiva duradoura, enquanto, por outro lado, a informa-

ção impressa ainda possui a capacidade de indicar com eficácia a variada relevância dos problemas apresen-

tados.

2. Análise de Conteúdo

Este capítulo foca especificadamente a análise do corpus deste trabalho – 63 títulos de chamadas na capa,

manchetes, reportagens de abre de página, reportagens, notícias e de editoriais acerca do Poder Judiciário, com

o objetivo de aferir as hipóteses levantadas sobre o enfoque da Folha de S. Paulo na cobertura da crise do Poder

Judiciário brasileiro. Optou-se realizar análise de conteúdo com viés qualitativo, buscando reinterpretar as men-

sagens por meio da frequência de aparição de certos elementos da mensagem e atingir uma nova compreensão

de seus significados.

Wilson Correa da Fonseca (2011) afirma que a análise de conteúdo, em concepção ampla, se refere a um

método das ciências humanas e sociais destinado à investigação de fenômenos simbólicos por meio de várias

técnicas de pesquisa. Esse conjunto de instrumentos metodológicos, em constante aperfeiçoamento, vem sendo

utilizado, pelo menos, desde o século XVIII, quando a corte suíça analisou minuciosamente uma coleção de 90

hinos religiosos anônimos, denominados Os cantos de Sião, para saber se eles continham ideias perniciosas.

Para Heloiza Hercovitz (2007) se uma parte da humanidade desaparecesse amanhã, mas restassem livros,

jornais, revistas, vídeos, filmes, CDs e DVDs, arquivos com discursos e cartas e artefatos afins, teríamos o material

necessário para interpretar a vida social de uma época. A análise de conteúdo da mídia seria um dos métodos

mais eficientes para rastrear esta civilização por sua excelente capacidade de fazer inferências sobre aquilo que

ficou impresso ou gravado.

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Amplamente empregada nos vários ramos das ciências sociais empíricas, a análise de conteúdo revela-se

como um método de grande utilidade na pesquisa jornalística. Pode ser utilizada para detectar tendências e mo-

delos na análise de critérios de noticiabilidade, enquadramentos e agendamentos. Serve também para descrever

e classificar produtos, gêneros e formatos jornalísticos, para avaliar características da produção de indivíduos,

grupos e organizações, para identificar elementos típicos, exemplos representativos e discrepâncias e para com-

parar o conteúdo jornalístico de diferentes mídias em diferentes culturas (HERCOVITZ, 2007, p. 123).

O universo da presente análise de conteúdo contempla cinco títulos de chamada na capa, duas manchetes,

oito títulos de editoriais, 30 títulos de reportagens de abre de página, 10 títulos de reportagens e sete títulos de

notícias. A definição do universo de pesquisa em análise de conteúdo, para Bardin (1977), abrange a pré-aná-

lise, fase de organização propriamente dita. Geralmente (BARDIN, 1977, p. 95), esta primeira fase possui três

missões: a escolha dos documentos a serem submetidos à análise, a formulação das hipóteses e dos objetivos e

a elaboração de indicadores que fundamentem a interpretação final.

Nesta primeira fase realiza-se a definição das hipóteses. Neste estudo, considera-se relevante identificar três

hipóteses: 1. se o periódico contribuiu para o esclarecimento da crise, 2. verificar como foi a abordagem da Folha

sobre o assunto e 3. investigar o número de vezes em que a crise do Judiciário foi destaque na Folha de S.Paulo .

Após a fase da pré-análise, passa-se à fase da categorização do universo pesquisado. Bardin (1977) explica

que a categorização é uma operação de classificação de elementos constitutivos de um conjunto. Laurence Bar-

din (1977, p. 118) remete que “[...] categorização é um processo de tipo estruturalista e comporta duas etapas,

o inventário (isolar os elementos) e a classificação: repartir os elementos [...]”. A categoria escolhida foi: “espaço

destinado”.

2.1 Títulos sobre a crise do Poder Judiciário brasileiro

Neste tópico serão apresentados e classificados os títulos de chamadas na capa, manchetes, editoriais, re-

portagens de abre de página, reportagens e notícias sobre o Poder Judiciário publicados pela Folha de S. Paulo

no primeiro trimestre de 2012. O quadro contém indicação do título, página e data da publicação na ordem

cronológica de publicação.

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2.2 Interpretação dos títulos

As informações e dados apresentados na tabela acima servirão para a fase de interpretação e verificação das hipó-

teses propostas. A próxima etapa diz respeito à exploração do material, utilizando a categoria para analisar os títulos.

Na categoria “espaço destinado” verificou-se que durante o período analisado, a Folha de S. Paulo publicou

cinco títulos de chamada na capa, duas manchetes, oito títulos de editoriais, 30 títulos de reportagens de abre de

página, 10 títulos de reportagens e sete títulos de notícias, configurando volume considerável de espaço nobre.

Apesar de apresentar o tema que é de interesse público nacional, agendando o assunto, provocando uma

discussão sobre a questão, o periódico, em seus editoriais, mostrou-se convencido da verdade apresentada pelo

CNJ, que expôs de forma negativa e generalizada o Poder Judiciário e os magistrados brasileiros, como consta

nos títulos dos editoriais analisados: “Além dos padrões”, “Vigiar e punir”, “Autonomia ou soberania”, “Justiça

ou barbárie”; Tribunais à luz do dia”, “Impunidade no poder”, “Banco de promessas” e “Duas faces da Justiça”.

Essa última fase corresponde à interpretação e tratamento dos resultados obtidos. Conforme Bardin (1977),

os resultados são tratados de maneira a serem significativos e válidos. Operações estatísticas permitem estabe-

lecer quadros de resultados, diagramas.

Em alguns títulos observa-se novamente a generalização do Poder Judiciário como aponta o título da repor-

tagem de abre de página “Judiciário fez movimentação ‘fora do padrão’ de R$856 mi” e o título da reportagem

“Corregedora volta a atacar ‘vagabundos’ do Judiciário”.

Uma das questões que nortearam este estudo é a identificação da forma como o periódico mencionou o

CNJ e o STF em seus títulos durante o período analisado. Seguem os títulos em que os órgãos foram citados:

“Diretora do CNJ deixa cargo e volta para o TJ-SP” (título de reportagem); “CNJ vê R$ 856 mi atípicos em

contas bancárias de juízes” (manchete); “Grupo tenta reduzir poder de Peluso na presidência do CNJ” (título de

reportagem de abre de página);“Mudança no CNJ tem apoio de 7 conselheiros” (título de reportagem de abre

de página); “Dirigente do CNJ divulgou empresa a juízes” (título de reportagem de abre de página); “R$ 6,4

mi em doações do CNJ a tribunais desapareceram” (título de reportagem de abre de página); “Procuradoria

diz que CNJ não violou sigilo de juízes” (título de reportagem de abre de página); “Grupo recua de ação para

tirar poder do presidente do CNJ” (título de reportagem de abre de página); “CNJ amplia investigações sobre

juízes em São Paulo” (título de reportagem de abre de página); “Supremo mantém poder do CNJ para investigar

juízes” (manchete); “Judiciário tem de resistir à pressão da maioria, diz ministro do STF” (chamada);“Decisão do

STF reforça necessidade de prosseguir com investigações isentas” (notícia); “Supremo rejeita pedido de reajuste

de 4,8% de magistrados” (notícia); “Supremo libera investigação sobre juízes” (título de reportagem de abre de

página); “Enteada de ministro do STF é assessora de senador do DEM” (título de reportagem de abre de página).

Após apresentar a maneira como a Folha de S.Paulo mencionou o CNJ e o STF, parece oportuno apontar o nú-

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3. Conclusão

Estudar o posicionamento da Folha de S. Paulo sobre a crise do Poder Judiciário brasileiro resultou em algumas

considerações. As hipóteses levantadas foram aferidas: o periódico destacou a crise 63 vezes durante o período

analisado; a Folha também agendou o assunto no tema da sociedade, mas deixou de contribuiu para o esclare-

cimento da crise, já que não investigou a fundo quais magistrados realizaram movimentação financeira acima de

suas posses e se fizeram realmente, apontando os eventuais culpados; sobre a abordagem da Folha de S.Paulo so-

bre o assunto, o periódico mostrou-se convencido da verdade apresentada pelo CNJ, que expôs de forma negativa

e generalizada o Poder Judiciário e os magistrados brasileiros, dedicando amplo espaço especialmente às críticas

oriundas daquele órgão, sem destinar equivalente espaço às versões apresentadas por associações de magistrados

ou por tribunais sob investigação, desprestigiando o contraditório como princípio fundamental ao esclarecimento

de fatos políticos controvertidos em um Estado Democrático, como se apresenta o Brasil.

As questões que nortearam essa investigação também foram identificadas apontando o espaço que a Folha de

S.Paulo dedicou à divulgação da referida crise e como o periódico mencionou o CNJ e o STF em seus títulos duran-

te o período analisado. A provável resposta a essas questões, sugerida no início deste estudo, se confirmou, já que o

periódico deu ênfase maior às denúncias do CNJ, generalizando as acusações a todo o Poder Judiciário brasileiro.

O objetivo deste estudo foi alcançado, tecendo considerações sobre o posicionamento do jornal Folha de

S.Paulo na cobertura dessa crise, identificando uma nova reinterpretação para a cobertura do jornal. Não se

pretendeu, com isso, afirmar que essa seja a tônica predominante no posicionamento do periódico. A finalidade

foi apenas discutir o assunto e apresentar um viés diferente sobre o tema estabelecido.

ANDRADE, Danusa Santana 181

Comunicação & Mercado/UNIGRAN - Dourados - MS, vol. 01, n. 02 – edição especial, p. 169-181, nov 2012

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