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DIREITO CONSTITUCIONAL Marcelo Novelino LFG – Intensivo 2012 - CONSTITUCIONALISMO - Constitucionalismo nada mais é do que o estudo da história das Constituições, o que nos permite uma visão panorâmica da evolução histórica do D. Constitucional ao longo do tempo. Conceito : é a história das Constituições, analisada através da busca pela limitação do poder. Assim, a ideia principal do constitucionalismo se relaciona à busca do homem político pelo limite ao poder estatal. Nesse sentido, podemos concluir que o constitucionalismo é o oposto do absolutismo. Três ideias principais vão estar presentes em todas as fases do constitucionalismo. São elas: Limitação do poder; Garantia dos direitos; e Separação dos Poderes. O constitucionalismo assegura aos cidadãos o exercício dos seus direitos, a divisão dos poderes e, segundo um dos seus grandes teóricos, a limitação do governo pelo direito. O constitucionalismo garante aos cidadãos o exercício dos seus direitos, mesmo que tenha que limitar o poder do governo. O constitucionalismo pode ser corretamente definido como um movimento que visa limitar o poder e estabelecer um rol de direitos e garantias individuais, o que cria a necessidade de se instituir uma carta, em regra escrita, que possa 1

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DIREITO CONSTITUCIONALMarcelo Novelino

LFG – Intensivo 2012

- CONSTITUCIONALISMO -

Constitucionalismo nada mais é do que o estudo da história das Constituições, o que

nos permite uma visão panorâmica da evolução histórica do D. Constitucional ao longo do

tempo.

Conceito: é a história das Constituições, analisada através da busca pela limitação do

poder. Assim, a ideia principal do constitucionalismo se relaciona à busca do homem político

pelo limite ao poder estatal. Nesse sentido, podemos concluir que o constitucionalismo é o

oposto do absolutismo.

Três ideias principais vão estar presentes em todas as fases do constitucionalismo. São

elas:

Limitação do poder;

Garantia dos direitos; e

Separação dos Poderes.

O constitucionalismo assegura aos cidadãos o exercício dos seus direitos, a divisão dos

poderes e, segundo um dos seus grandes teóricos, a limitação do governo pelo direito.

O constitucionalismo garante aos cidadãos o exercício dos seus direitos, mesmo que

tenha que limitar o poder do governo.

O constitucionalismo pode ser corretamente definido como um movimento que visa

limitar o poder e estabelecer um rol de direitos e garantias individuais, o que cria a

necessidade de se instituir uma carta, em regra escrita, que possa juridicizar essa

relação entre Estado e cidadão, de forma a se gerar mais segurança jurídica.

O constitucionalismo pode ser definido como uma teoria (ou ideologia) que ergue o

princípio do governo limitado indispensável à garantia dos direitos em dimensão

estruturante da organização político-social de uma comunidade. Nesse sentido, o

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constitucionalismo moderno representa uma técnica de limitação do poder com fins

garantísticos.

1. FASES DO CONSTITUCIONALISMO

1.1. CONSTITUCIONALISMO ANTIGO

A primeira fase do constitucionalismo não é mencionada pela maioria dos autores, mas é importante estudá-la, pois pode ser cobrada em concurso público. Ela começa na Antiguidade Clássica e vai até o final do século XVIII. A primeira experiência considerada como constitucional, no sentido de entar limitar o poder estatal, se deu com o Estado Hebreu. Tal Estado era teocrático, de forma que os dogmas religiosos limitavam não só os súditos, mas também o soberano. De fato, estabeleceu-se no Estado teocrático limitações ao poder político ao assegurar aos profetas a legitimidade para fiscalizar os atos governamentais que extrapolassem os limites bíblicos.

Essa fase também foi seguida de outras experiências, a exemplo da Grécia, Roma e

Inglaterra (Rule of Law).

As características principais do constitucionalismo antigo são:

Constituições consuetudinárias : até o final do século XVII não havia Constituição

escrita, mas costumeira, ou seja, aquela baseada, principalmente, nos

precedentes e costumes judiciais;

Garantia da existência de direitos perante o monarca, limitando o seu poder :

apesar de não existir, à época, Constituição escrita, existiam mecanismos de

limitação do poder, a exemplo de dogmas religiosos, documentos etc.

Supremacia do Parlamento (Inglaterra) : nos países que adotam o Commom

Law, com exceção dos Estados Unidos, parte-se da premissa de que a

supremacia é do Parlamento, e não da Constituição.

A origem do constitucionalismo remonta à antiguidade clássica, especificamente ao

povo hebreu, do qual partiram as primeiras manifestações desse movimento

constitucional em busca de uma organização política fundada na limitação do poder

absoluto.

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É possível identificar traços do constitucionalismo mesmo na antiguidade clássica e na

Idade Média.

Acerca da história do constitucionalismo, é correto afirmar que Karl Loewenstein

identificou indícios do seu surgimento entre os hebreus durante a Antiguidade, por ter lá

encontrado certas limitações ao poder político, mormente aquelas que asseguravam aos

profetas a legitimidade para fiscalizar os atos governamentais que extrapolassem os

limites bíblicos.

1.2. CONSTITUCIONALISMO CLÁSSICO OU LIBERAL

Essa fase do constitucionalismo pode ser considerada a mais importante. Tem início no

final do século XVIII e vai até o fim da 1ª Guerra Mundial. O aspecto determinante para o início

dessa fase é o surgimento das Constituições escritas.

As experiências constitucionais:

São duas as experiências que até hoje marcam o D. Constitucional. A primeira delas é a

experiência norte-americana , em que houve a contribuição da primeira Constituição escrita

(rígida e dotada de supremacia; a Constituição americana foi criada em 1787 e até hoje

prevalece com a ideia de rigidez e supremacia) e do fortalecimento do Poder Judiciário

(garantia jurisdicional; inovação mostrando o Poder Judiciário como responsável por garantir a

supremacia da Constituição).

Como a supremacia da Constituição era garantida pelo Poder Judiciário? Foi nos Estados

Unidos que surgiu o controle de constitucionalidade, criado, inicialmente, através da

jurisprudência, e não por lei. Diz a doutrina que o case responsável pelo surgimento do controle

de constitucionalidade foi o Marbury x Madison, julgado pelo Juiz Marshall, em 1803. Ressalte-

se que, em verdade, esse não foi o primeiro caso em que se discutiu a constitucionalidade de

uma lei, existiram dois anteriores; ocorre que o caso Marbury x Madison foi o primeiro em que

houve a declaração de inconstitucionalidade de uma lei pela Suprema Corte norte-americana.3

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Outras importantes contribuições da experiência norte-americana foram o sistema

presidencialista, a forma federativa de Estado1 e também a ideia de uma Constituição concisa

(possui poucos dispositivos tratando, apenas, dos temas gerais).

Em seguida, temos a experiência francesa . Muitos autores apontam que a foi na França

que surgiu a primeira Constituição européia (1791) – ao contrário da Constituição americana, a

francesa era prolixa. A primeira e importante contribuição foi a garantia dos direitos e a

separação dos Poderes. São duas ideias diretamente ligadas ao constitucionalismo;

encontravam-se expressas na Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão (marco como

proteção dos direitos fundamentais – 1789), a qual defendia, por sua vez, a existência das

matérias constitucionais, quais sejam, garantia dos poderes, separação dos Poderes e

estrutura do Estado. Vejamos o que diz o art. 16 da DDHC:

Art. 16. Toda sociedade na qual não é assegurada a garantia dos direitos e nem a

separação dos poderes não tem uma Constituição.

A segunda contribuição da experiência francesa foi a distinção entre poder constituinte

originário e poder derivado.

Quem foi o formulador da Teoria do Poder Constituinte? Abade Emmanuel Joseph

Sieyés.

A terceira contribuição francesa foi a questão relativa à supremacia do Parlamento.

Vale dizer que, embora a França já possuísse Constituição escrita desde 1791, o primeiro

controle de constitucionalidade repressivo somente foi realizado em março de 2010.

A consagração da 1ª dimensão ou geração dos direitos fundamentais:

O tema referente às dimensões ou gerações dos direitos fundamentais é alvo de muitas

críticas por parte da doutrina, pois dá a ideia (equivocada) de que os direitos fundamentais

foram surgindo em “blocos”, havendo, pois, uma substituição, o que não é verdade. Essas

1 Contudo, há autores que entendem que a federação não surgiu nos Estados Unidos.4

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gerações, em verdade, indicam o período em que tais direitos fundamentais foram sendo

consagrados nos textos constitucionais. Essa divisão em dimensões foi feita por Karel Vasak,

divulgadas por Norberto Bobbio. Aqui, vamos utilizar a classificação adotada por Paulo

Bonavides.

1ª geração ou dimensão direitos ligados ao valor liberdade;

2ª geração ou dimensão direitos ligados ao valor igualdade;

3ª geração ou dimensão direitos ligados ao valor fraternidade ou solidariedade.

A 1ª geração dos direitos fundamentais nasceu na fase do constitucionalismo clássico.

As revoluções liberais tinham por objetivo assegurar a liberdade da sociedade perante o

Estado. Os direitos foram sendo conquistados pelas sociedades, e não oportunizados pelo

Estado. São conhecidos como direitos civis e políticos (ex.: votar e ser votado; eleger os seus

representantes; direito de propriedade; liberdade religiosa etc.). Diz a doutrina que os direitos

civis correspondem aos direitos de defesa, e os políticos aos direitos de participação. Os

direitos de defesa se caracterizam por exigirem uma abstenção do Estado, e não a atuação.

Não deveria o Estado intervir no exercício desses direitos.

Estado de direito ou Estado liberal:

A expressão “Estado de Direito” sem nenhuma especificação (democrático, social etc.)

corresponde ao Estado Liberal. Era o modelo de Estado existente à época do constitucionalismo

clássico.

Existiram três concretizações importantes do Estado de Direito:

Rule of Law (Inglaterra);

Rechtsstaat (Prússia);

État Légal (França).

O Estado de Direito possui algumas características ligadas ao liberalismo político e

outras ligadas ao liberalismo econômico, senão vejamos:

Liberalismo político : traz a ideia de Estado limitado:

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o Limitação do poder pelo Direito se estende ao soberano (todos se submetem

às leis, inclusive os soberanos);

o Atuação da Administração Pública pautada pelo princípio da legalidade;

o Os direitos fundamentais correspondem, basicamente, aos direitos da

burguesia (eram apenas direitos formais, e não materiais).

Liberalismo econômico : traz ideia de Estado mínimo

o Atuação, basicamente, na defesa da ordem e da segurança públicas;

o Questões econômicas e sociais eram deixadas à livre iniciativa (deve o Estado

se abster, e não intervir nas relações econômicas e sociais – Estado

abstencionista).

1.3. CONSTITUCIONALISMO MODERNO OU SOCIAL

É a fase mais curta do constitucionalismo. Tem início no final da 1ª Guerra Mundial e vai

até, aproximadamente, o final da 2ª Guerra Mundial.

No século XIX iniciou-se uma crise econômica, agravada com o início da 1ª Guerra. Tal

crise também contribuiu para o aumento das desigualdades sociais e, consequentemente, para

o declínio do liberalismo. Daí o surgimento do constitucionalismo moderno ou social.

A consagração da 2ª dimensão ou geração de direitos fundamentais:

A Constituição Mexicana de 1917 deu início à consagração, pelos textos constitucionais,

de diversos outros direitos fundamentais, hoje consagrados na segunda geração ou dimensão.

Ela foi a primeira, porém a que ficou mais conhecida foi a Constituição de Weimar de 1919,

que influenciou as demais.

Os direitos fundamentais de segunda geração são ligados ao valor igualdade. Ressalte-

se que, na 1ª geração, também havia igualdade, mas apenas formal. A igualdade a que se

refere a 2ª geração é a igualdade material, que tem por finalidade reduzir as desigualdades

fáticas existentes. Os direitos ligados a essa geração são os direitos sociais, econômicos e

culturais – essencialmente, são direitos a prestações, ou seja, exigem do Estado uma atuação

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positiva, e não a abstenção (ex.: fornecimento de medicamentos pelo Estado; legislação

trabalhista protegendo os trabalhadores em face dos empregadores; segurança pública etc.).

É nesse período que também surgem as chamadas garantias institucionais, que são

aquelas de determinadas instituições consideradas importantes para uma sociedade e que a

protegem, sobretudo, contra o Poder Legislativo. Assim, tão importante quanto proteger o

indivíduo, é importante proteger também instituições consideradas fundamentais para a

sociedade, a exemplo da família, do funcionalismo público e da imprensa livre.

Estado Social:

O Estado Social é típico dessa fase do constitucionalismo. O Estado abandona a postura

abstencionista, passando a adotar uma postura intervencionista nas relações sociais,

econômicas e laborais (que antes eram deixadas à livre iniciativa). Exemplo: distribuição e

produção de bens essenciais.

Além da postura intervencionista, outra importante característica do Estado Social é a

garantia de um mínimo de bem-estar social. O Welfare State (Estado do Bem-Estar Social) é

uma típica modalidade do Estado Social. Ex.: benefícios assistenciais; renda básica da cidadania.

Constitui cerne do constitucionalismo social o intervencionismo diversificado.

O constitucionalismo moderno representa uma técnica específica de limitação do poder

com fins garantidores.

As constituições norte-americana (1987) e a francesa (1791) são os marcos históricos e

formais do constitucionalismo moderno.

1.4. CONSTITUCIONALISMO CONTEMPORÂNEO

É o que, geralmente, as pessoas chamam de neoconstitucionalismo. Porém, em verdade,

constitui apenas uma das suas acepções. Essa fase surge após o fim da 2ª Guerra Mundial.

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Normalmente, a doutrina costuma caracterizar o constitucionalismo contemporâneo

como uma reunião das experiências francesa e norte-americana. Quais as suas características?

O principal aspecto da experiência norte-americana é a garantia jurisdicional da supremacia da

Constituição (ideia de ativismo judicial). Quanto à experiência francesa, o principal aspecto se

refere à “rematerialização” da Constituição, ou seja, o texto constitucional passa a ter um novo

conteúdo, mais extenso, consagrando-se novos direitos fundamentais, além de diretrizes e

opções políticas (as Constituições europeias são prolixas, diferentemente das Constituições

americanas, que são concisas).

No constitucionalismo contemporâneo, as Constituições deixaram de ser tratadas

apenas em sentido político, passando a ser tratadas também em sentido jurídico, de caráter

vinculante para o legislador. Isso resulta no fato de que o legislador está vinculado à

Constituição não apenas sob o seu aspecto formal, mas também sob o seu viés material (o

que inclui os princípios), o que não era admitido pelas Constituições europeias até metade do

século passado.

A consagração da 3ª dimensão ou geração de direitos fundamentais:

É nessa fase do constitucionalismo que surgem novas gerações ou dimensões dos

direitos fundamentais. A partir da 3ª geração, não há consenso na doutrina quanto aos direitos

que dele fazem parte. Como já dito, vamos adotar a classificação feita por Paulo Bonavides.

Ressalte-se que essa geração está ligada ao valor fraternidade. Para o autor, fazem

parte da terceira geração:

Direito ao desenvolvimento ao progresso (do Estado e do indivíduo);

Direito ao meio ambiente;

Autodeterminação dos povos;

Direito de propriedade sob o patrimônio comum da humanidade2;

Direito de comunicação.

Outros autores citam também o direito do consumidor; direitos dos idosos e das

crianças.

2 O professor prefere adotar a expressão de Perez Luño: direito de visita ao patrimônio histórico cultural.8

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4ª dimensão: não há nenhum valor específico associado a essa dimensão. Paulo

Bonavides cita três direitos, quais sejam, o direito à democracia3; direito à informação (que

decorre dos princípios democrático e republicano – art. 5º, XXXIII, CF); e o pluralismo

(pluralismo político não se restringe, apenas, à diversidade de concepções políticas ou de

partidos políticos; abrange, também, o respeito à diversidade artística, cultural, religiosa e de

opções de vida – está ligado ao chamado direito à diferença4).

Boaventura de Souza Santos (“Reconhecer para libertar”): temos o direito de ser iguais

quando a diferença nos inferioriza; temos o direito de ser diferentes quando a

igualdade nos descaracteriza.

Vale dizer, por fim, que nas edições mais recentes do livro de Paulo Bonavides o direito

à paz vem inserido como direito de 5ª dimensão (antes era da 3ª).

FASES DO

CONSTITUCIONALISMO

Constitucionalismo antigo

Constitucionalismo clássico ou liberal

Constitucionalismo moderno ou social

Constitucionalismo contemporâneo

Estado Democrático de Direito (ou Estado Constitucional Democrático):

Essa nomenclatura destaca um aspecto dessa fase do constitucionalismo. Quando se

fala em “Estado de Direito”, a ideia principal que a ele está ligada é a ideia de império da lei.

Alguns autores utilizam a expressão “Estado Constitucional Democrático” com a finalidade de

destacar a mudança de paradigma ocorrida no Estado de Direito: substituição do império da lei

pela supremacia e normatividade da Constituição.

O Estado Democrático de Direito (ou Constitucional Democrático) tenta superar as

deficiências e sintetizar as conquistas dos modelos anteriores. Vão existir características do

3 No Estado Democrático de Direito, a democracia não é vista apenas sob o seu aspecto formal (vontade da

maioria), mas também material ou substancial (proteção dos direitos da minoria).4 Livros sobre direito à diferença: “Livres e iguais” (Daniel Sarmento); “Direito à diferença” (Álvaro Ricado).

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Estado Liberal e do Estado Social; conquistas importantes serão reunidas e os aspectos

negativos tentarão ser superados.

Características:

Universalização do sufrágio e ampliação dos mecanismos de participação

popular direta: a democracia é algo essencial nesse modelo de Estado. Em

modelos anteriores, o sufrágio não era universal (as mulheres, por exemplo, só

passaram a adquirir o direito de votar na década de 1930). Exemplos de

mecanismos da democracia direta: plebiscito, referendo, iniciativa popular de

leis etc.;

O conceito de democracia passa a abranger uma dimensão material ao lado da

dimensão meramente formal: essa característica pode variar de acordo com o

autor. Dimensão formal está relacionada à chamada premissa majoritária (=

vontade da maioria). A dimensão material, por outro lado, impõe o respeito aos

direitos fundamentais de todos, inclusive das minorias. Assim, a democracia

substancial não está preocupada apenas com a vontade da maioria, mas com o

conteúdo dessa vontade. Isso porque nem sempre o conteúdo da vontade da

maioria respeita os direitos fundamentais também das minorias. Exemplo:

relações homoafetivas. Todos devem ter os seus direitos básicos respeitados,

seja maioria ou minoria.

Preocupação com a efetividade e com a dimensão material dos direitos

fundamentais: o rol de direitos fundamentais consagrados na Constituição é

muito extenso. No aspecto formal, evoluímos bastante. A preocupação, no

entanto, é que tais direitos cumpram a sua função social, ou seja, que eles se

efetivem, se materializem;

Fortalecimento do Poder Judiciário : se legislador e o administrador não atuam,

o Judiciário acaba sendo obrigado a agir. Ex.: greve dos servidores públicos;

Limitação do legislador abrange os aspectos formais e materiais e as condutas

omissivas e comissivas: o positivismo jurídico (início do século XX) de Hans

Kelsen já defendia a supremacia da Constituição, mas apenas sob o seu aspecto

formal (produção das leis em face da Constituição); o controle de

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constitucionalidade era tão somente formal. Hoje, além do aspecto formal, há

também a preocupação com a dimensão material/substancial dos direitos

(produção das leis em face do conteúdo da Constituição). Atualmente, ressalte-

se, o controle de constitucionalidade tem por objeto não apenas as condutas

comissivas do legislador, mas também as condutas omissivas. Vale dizer que

hoje, no Brasil, existem dois controles de constitucionalidade quanto à omissão

do legislador: ADO e Mandado de Injunção.

Cumpre destacar que as características do Estado Democrático de Direito também são

características do constitucionalismo contemporâneo. Não há como dissociar a fase do

constitucionalismo do modelo de Estado adotado à época.

As constituições do pós-guerra promoveram inovações por meio da incorporação

explícita, em seus textos, de anseios políticos, como a redução de desigualdades sociais,

e de valores como a promoção da dignidade humana e dos direitos fundamentais.

O “constitucionalismo do futuro” de José Roberto Dromi :

O chamado “constitucionalismo do futuro” é aquele que buscará a consolidação dos

direitos humanos de terceira dimensão, incorporando a ideia de constitucionalismo social os

valores do constitucionalismo fraternal e de solidariedade, avançando e estabelecendo um

equilíbrio entre o constitucionalismo moderno e alguns excessos do contemporâneo.

Assim, o futuro do constitucionalismo deve estar influenciado pelos seguintes valores:

Verdade: a Constituição não pode mais gerar falsas expectativas;

Solidariedade: sedimentada na justiça social, dignidade da pessoa humana e na

solidariedade dos povos;

Consenso: fruto do consenso democrático;

Continuidade: não poderá deixar de levar em conta os avanços já conquistados;

Participação: consagrando a noção de democracia participativa e de Estado

Democrático de Direito;

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Integração: previsão de órgãos supranacionais para a implementação de uma

integração das mais variadas ordens entre os povos;

Universalização: consagração dos direitos fundamentais internacionais, fazendo

prevalecer o princípio da dignidade da pessoa humana de maneira universal.

No sentido de alcançar-se um ponto de equilíbrio entre as concepções extraídas do

constitucionalismo moderno e os excessos do constitucionalismo contemporâneo,

segundo Dromi, deverão marcar o constitucionalismo do futuro os valores da verdade,

solidariedade, consenso, continuidade, participação, integração e universalização.

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- PÓS-POSITIVISMO E NEOCONSTITUCIONALISMO -

1. NOMENCLATURA

Existem, no Brasil, basicamente, duas compreensões a respeito desse tema.

1) O “neoconstitucionalismo” passou a ser utilizado no lugar do “pós-positivismo” (Antônio

Maia): na essência, não haveria distinção entre essas expressões, apenas uma passou a

ser mais utilizada que a outra.

2) O pós-positivismo é o marco filosófico do neoconstitucionalismo (Luís Roberto Barroso):

o pós-positivismo seria uma concepção filosófica do direito, não se confundindo com o

neoconstitucionalismo. O pós-positivismo possui uma pretensão de ser universal,

aplicável a qualquer tipo de Estado. Já o neoconstitucionalismo corresponde a uma

teoria particular, ou seja, aplicável apenas a um modelo de Estado, qual seja, o Estado

Constitucional Democrático.

2. CONCEPÇÕES JUSFILOSÓFICAS (METATEORIA)

O pós-positivismo é considerado uma terceira via entre o jusnaturalismo e o

juspositivismo. O pós-positivismo não é uma teoria contrária ao positivismo, pois reconhece a

sua importância no direito, ao passo que tenta superá-lo sem abandonar as suas contribuições.

2.1. DIREITO E MORAL

Não há uma relação necessária entre direito e moral; são esferas autônomas,

independentes.

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a) Positivismo jurídico : não há uma convicção necessária entre direito e moral. Os

positivistas defendem uma insularidade da ciência jurídica em relação às demais

ciências, em especial a ética e a política. É o que se chama de princípio da

autonomia. O positivismo jurídico, assim, defende a autonomia da ciência jurídica

(premissas já defendidas por Hans Kelsen, inclusive). Não importa o conteúdo que o

direito tenha (se justo ou injusto; se moral ou imoral), se está na lei, seu comando

deve ser obedecido.

a.1.) Positivismo jurídico exclusivo: exclui qualquer possibilidade de se

incorporar argumentos morais ao direito. É chamado de positivismo

jurídico exclusivo, justamente, porque exclui os argumentos morais.

a.2.) Positivismo jurídico inclusivo: a incorporação de argumentos morais é

possível, mas não necessária (relação contingente entre direito e moral).

Herbert Hart. Ex.: se a Constituição Federal consagrou a dignidade da

pessoa humana, esse argumento moral vai integrar o direito.

b) Não-positivismo : defende a existência de uma relação necessária entre direito e

moral. O direito não pode ser analisado independente do conteúdo moral de suas

normas.

b.1.) “Tese forte” (não-positivismo exclusivo ou jusnaturalismo): os defeitos

morais sempre devem ter como efeito a perda da validade jurídica. O

defeito moral exclui a validade jurídica da norma. O direito injusto não é

válido.

b.2.) “Tese fraca” (não positivismo inclusivo ou pós-positivismo): apenas quando

o direito for extremamente injusto é que ele perde a sua validade

jurídica. O direito injusto continua sendo válido; só não será quando ele for

extremamente injusto. É a tese conhecida como “Fórmula de Radbruch”.

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Assim, havendo ponderação entre segurança jurídica e justiça, prevalece

a segurança jurídica, salvo extrema injustiça.

Obs. “A tese fraca” do não-positivismo é tanto uma tese jusnaturalista quanto pós-positivista.

2.2. PÓS-POSITIVISMO (OU NEOCONSTITUCIONALISMO) METODOLÓGICO

De acordo com o positivismo jurídico, a ciência do direito deve ter uma função

meramente descritiva (princípio da neutralidade). O papel da ciência do direito não é dizer

como o direito deve ser, mas sim como o direito é.

O pós-positivismo, por sua vez, defende que o direito deve ter, além de um caráter

descritivo, também um caráter prescritivo. Assim, o papel da ciência do direito não é apenas

descrever como o direito é, mas também prescrever mecanismos para a construção de um

direito melhor, uma vez que os valores morais são inerentes ao homem, não podendo ser

desconsiderados.

Caráter descritivo : descreve as mudanças ocorridas no modelo de Constituição e

Estado.

Caráter prescritivo : prescreve mecanismos aptos a operar este novo modelo.

3. CONCEPÇÕES TEÓRICAS

Quando vamos analisar o fenômeno da aplicação do direito, pegamos a norma a ser

aplicada e a situação conflitiva a ser resolvida. Para aplicar a norma, contudo, é necessário um

procedimento. E aí entra a dogmática jurídica, que vai fornecer instrumentos para que esse

procedimento de aplicação do direito não seja algo arbitrário, mas racionalmente justificado.

As concepções teóricas entram, justamente, na questão relativa à aplicação do direito,

pelo que divergem das concepções filosóficas. Estas, vale dizer, não tratam da teoria do direito,

mas da metateoria do direito (= teoria sobre a teoria jurídica). Assim, a teoria trata do

fenômeno da aplicação da norma; a metateoria estuda a teoria sobre a teoria que trata desse

fenômeno de aplicação da norma.

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As concepções teóricas partem da premissa de que as transformações no modelo de

Constituição e de Estado tornaram as teorias juspositivistas tradicionais insuficientes para dar

conta das complexidades que envolvem o novo modelo.

O pós-positivismo ou neoconstitucionalismo teórico:

O neoconstitucionalismo opõe-se, basicamente, ao positivismo jurídico teórico do

século XIX. Traz o neoconstitucionalismo como modelo de Constituição e de Estado.

Características:

Reconhecimento da força normativa da Constituição : hoje, não se concebe a

Constituição que não seja do ponto de vista jurídico, e não apenas político e

moral; a Constituição é norma, de caráter vinculante a todos os Poderes.

Superioridade da Constituição (supremacia formal e material): sobretudo no

que toca aos direitos fundamentais;

Rematerialização das Constituições : textos prolixos, pois tratam de diversos

assuntos, inclusive com diretrizes e opções políticas (vinculantes) para o

legislador. Atualmente, é inconcebível que um dispositivo da Constituição não

seja vinculante e obrigatório. Não existem “conselhos” no texto constitucional.

Centralidade da Constituição e dos direitos fundamentais : antes, quem estava

no centro do ordenamento jurídico era a lei. No modelo de Estado do

constitucionalismo contemporâneo, quem está no centro é a Constituição, e

não mais a lei. O fenômeno da constitucionalização do direito está diretamente

ligado a essa ideia de centralidade, possuindo três aspectos importantes:

o Consagração, cada vez maior, de normas de outros ramos do direito no

texto constitucional: ex.: normas de D. Previdenciário, D. Administrativo

etc.;

o Interpretação das leis conforme a Constituição : a interpretação do direito

infraconstitucional deve se dar à luz da Constituição, pois ela é o

fundamento de validade de todas as leis.

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o Eficácia horizontal dos direitos fundamentais : os direitos fundamentais

deixam de ser oponíveis apenas em face do Estado (eficácia vertical) e

passam a ser aplicados também às relações entre particulares (eficácia

horizontal).

Fortalecimento do Poder Judiciário : está ligado diretamente ao reconhecimento

da força normativa da Constituição. Se o legislador e o administrador não

cumprem a sua função, o Judiciário acaba se fortalecendo, em virtude da

omissão e inércia daqueles primeiros.

“Judicialização da política e das relações sociais” – reflete bem a situação vivenciada

hoje no Brasil. Questões que antes eram resolvidas no âmbito social, hoje passaram a

ser resolvidas pelo Poder Judiciário. Ex.: união homoafetiva; fornecimento de

medicamentos; aborto (feto anencefálico). Questões também resolvidas, antes, no

âmbito político, também passaram a ser levadas ao Judiciário. Ex.: ampliação do rol dos

legitimados a ajuizar ADIN; discussão judicial sobre a reforma da Previdência, tributária

etc.

Como visto, as concepções teóricas partem da premissa segundo a qual as

transformações ocorridas no modelo de Constituição e de Estado tornaram as teorias

juspositivistas tradicionais (século XIX) insuficientes para dar conta das complexidades

envolvendo este novo modelo. Assim, surge o neoconstitucionalismo, que vai propor a revisão

de três teorias positivistas:

Teoria das fontes : substituição do legicentrismo positivista pela centralidade da

Constituição.

Teoria das normas : antes, a norma era vista como vinculante e obrigatória,

enquanto o princípio era visto apenas como uma diretriz não vinculante; o princípio

era considerado no último grau de normatividade5. Hoje, o neoconstitucionalismo

5 Posicionamento dos positivistas, em especial Ronald Dworkin e Robert Alexy.17

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não faz mais essa distinção; a norma é um gênero, que comporta duas espécies:

princípios e regras. Ressalte-se que a distinção outrora defendida pelos positivistas

(“princípio não é norma”) já não é mais questionada, até mesmo por eles.

Consolidou-se o pensamento de que princípio possui caráter normativo; princípio é

norma.

Teoria da interpretação : o formalismo jurídico e a aplicação automática da lei são

substituídos por novos caminhos interpretativos, pela argumentação jurídica e pela

ponderação. Antes, o único caminho permitido era o da subsunção. Ressalte-se que

não existe aplicação do direito sem subsunção, no entanto, em alguns casos, é

necessário introduzir uma etapa intermediária denominada de ponderação (a

ponderação não é utilizada para qualquer tipo de problema, mas aqueles de difícil

resolução). A argumentação jurídica hoje possui um papel fundamental na aplicação

do direito; argumenta-se para convencer que aquelas razões são melhores que

outras.

Por essas e outras razões é que o neoconstitucionalismo difere do pós-positivismo do

século XIX.

O neoconstitucionalismo caracteriza-se pela mudança de paradigma, de Estado

Legislativo de Direito para Estado Constitucional de Direito, em que a Constituição passa

a ocupar o centro de todo o sistema jurídico.

O neoconstitucionalismo busca ultrapassar a ideia de limitação do poder político para

representar a busca de eficácia da Constituição, particularmente na efetivação dos

direitos fundamentais.

18

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- CLASSIFICAÇÃO ONTOLÓGICA DAS CONSTITUIÇÕES –

(Karl Loewenstein)

Karl Loewenstein utiliza como critério para classificar as constituições a conformidade

entre as normas constitucionais e a realidade do processo de poder. Ele vai verificar se aquilo

que está escrito na Constituição corresponde à realidade.

A partir desse critério de análise, podemos dividir a Constituição em três espécies:

semântica, nominal e normativa.

1) Constituição semântica : é aquela utilizada pelos dominadores de fato, visando a

sua perpetuação no poder. Ela, em verdade, não desempenha o papel de uma

verdadeira Constituição, sendo “semântica” apenas no nome. O objetivo

principal da Constituição é limitar o poder político; a Constituição semântica, por

outro lado, possui uma finalidade desvirtuada (destituída de legitimidade), pois

seu objetivo não é limitar o poder, e sim perpetuar aqueles que o detém.

Geralmente, as Constituições semânticas são outorgadas (≠ democrática).

Exemplo: Constituições de 1967 e 1969.

2) Constituição nominal : apesar de válida sob o ponto de vista jurídico, não

consegue conformar plenamente o processo político às suas normas,

carecendo de força normativa adequada. Trata-se de uma Constituição legítima,

pois objetiva limitar o poder; ocorre que, apesar de ter boas intenções, não

consegue conformar o poder às suas normas. Isso porque enfrenta diversos

obstáculos, quais sejam, os pressupostos econômicos e sociais, que impedem,

portanto, que a Constituição nominal tenha a força normativa desejada.

Exemplos: Constituições frutos de democracias incipientes (iniciais), como a de

Weimar (1919). Marcelo Novelino entende que a Constituição Federal de 1988 é

19

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nominal, contudo não é essa a classificação que vem sendo adotada nos

concursos públicos.

3) Constituição normativa : é aquela cujas normas, efetivamente, dominam o

processo político. Nela, o processo político é plenamente conformado à

Constituição, não havendo, portanto, a dualidade entre as duas realidades

(constitucional e política). O que tem na Constituição é o que acontece no

processo político. Exemplo: Constituição Alemã de 1949 e Constituição Federal

de 19886 (Pedro Lenza).

6 Apesar da divergência que existe, no concurso público da Defensoria Pública do Amazonas (2011), foi cobrada a

classificação ontológica da Constituição Federal de 1988, a qual foi considerada como uma constituição normativa.20

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- PRINCÍPIOS INSTRUMENTAIS -

1. INTRODUÇÃO

Também chamados de princípios interpretativos; princípios formais; metanormas; ou

postulados normativos.

Princípios instrumentais x princípios materiais :

Princípios instrumentais são aqueles utilizados na interpretação de determinadas

normas constitucionais ou legais. Ex.: princípio da interpretação das leis conforme à

Constituição.

Princípios materiais, por sua vez, são aqueles que impõem o dever de promoção de um

Estado ideal de coisas. Ex.: princípio da isonomia; princípio da liberdade; princípio da dignidade

da pessoa humana.

Por que os princípios instrumentais também são chamados de metanormas?

Resp.: Robert Alexy divide o sistema jurídico em três níveis (não hierárquicos): 1)

argumentação jurídica; 2) princípios; 3) regras. Assim, ao decidir o caso concreto, deve o

magistrado buscar, em primeiro lugar, um princípio ou uma regra? A regra tem

prevalência na aplicação do direito, pois ela já é o resultado de uma ponderação feita

pelo legislador. Pode acontecer, no entanto, que não exista uma regra regulando

determinada situação; passa-se, então aos princípios. Por fim, para aplicar um princípio

ou uma regra, é preciso argumentar; e é justamente no nível da argumentação jurídica

que entram as metanormas (são normas sobre a aplicação de outras normas). Assim,

situadas no nível da argumentação jurídica, as metanormas (postulados normativos7)

não estabelecem diretamente um dever de adotar um comportamento (regras), nem de

7 Nomenclatura utilizada por Humberto Ávila.21

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promover um Estado ideal de coisas (princípios), mas sim o modo como esse dever deve

ser realizado.

Vamos estudar sete princípios instrumentais, desenvolvidos por Konrad Hesse e

Friedrich Müller.

1. PRINCÍPIO DA UNIDADE DA CONSTITUIÇÃO

Esse princípio, em verdade, é uma subespécie da interpretação sistemática. A

Constituição deve ser interpretada de forma a evitar contradições, antagonismos ou

antinomias entre suas normas. Na construção de uma Constituição democrática (CF/88),

existem vários grupos na Assembléia Constituinte, cada um querendo fazer valer os seus

interesses. O resultado disso é que a Constituição acaba por abarcar diversas normas se que se

conflitam. Ex.: propriedade (art. 5º, XXII, CF) x função social (art. 5º, XXIII, CF).

Uma das principais utilidades deste princípio é afastar a tese da hierarquia entre

normas da Constituição, tese essa defendida por Otto Bachof (“Normas constitucionais

inconstitucionais?”), o qual sugeria a existência de normas superiores e normas inferiores

dentro do texto constitucional. Vale dizer que essa tese da hierarquia entre normas da

Constituição foi invocada na ADIn 40978. Nessa ação, sustentou-se a ideia segundo a qual a

norma do art. 14, §4º, da CF, que considera inelegível o analfabeto, seria uma norma inferior a

outras normas da Constituição, a exemplo do princípio da isonomia, do sufrágio universal e o

da não-discriminação. Foi com base no princípio da unidade da Constituição que a tese

sustentada ADIn 1097 foi rejeitada, considerando-se que o constituinte originário estabeleceu o

art. 14, §4º como exceção aos princípios acima referidos.

8 EMENTA: AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE. ADI. Inadmissibilidade. Art. 14, § 4º, da CF. Norma

constitucional originária. Objeto nomológico insuscetível de controle de constitucionalidade. Princípio da

unidade hierárquico-normativa e caráter rígido da Constituição brasileira. Doutrina. Precedentes. Carência da

ação. Inépcia reconhecida. Indeferimento da petição inicial. Agravo improvido. Não se admite controle

concentrado ou difuso de constitucionalidade de normas produzidas pelo poder constituinte originário. (ADI

4097 AgR / DF - DISTRITO FEDERAL - AG.REG.NA AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE - Relator(a): Min.

CEZAR PELUSO - Julgamento: 08/10/2008 - Órgão Julgador: Tribunal Pleno)22

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O princípio da unidade da Constituição, como princípio interpretativo, prevê que esta

deve ser interpretada de forma a se evitarem contradições, antinomias ou antagonismos

entre suas normas.

Segundo o princípio da unidade da Constituição, o texto constitucional deve ser

interpretado de forma a evitar contradições (antinomias) entre suas normas e,

sobretudo, entre os princípios constitucionalmente estabelecidos. O intérprete deve

considerar a Constituição na sua globalidade, procurando harmonizar suas aparentes

contradições. Não pode interpretar suas disposições como normas isoladas e dispersas,

mas sim como preceitos integrados em um sistema interno unitário de regras e

princípios.

2. PRINCÍPIO DO EFEITO INTEGRADOR

Esse princípio, na prática, não é utilizado pela jurisprudência, pois se assemelha muito

ao princípio da unidade. Sua definição, contudo, é bastante cobrada em concurso público,

senão vejamos: nas resoluções de problemas jurídico-constitucionais deve ser dada primazia

aos critérios que favoreçam a integração política e social, produzindo um efeito criador e

conservador dessa unidade. Assim, se a Constituição é o instrumento integrador da

comunidade, deve-se interpretar as suas normas de modo a preservar essa integração, e não a

ruptura.

Segundo princípio do efeito integrador, na resolução dos problemas jurídico-

constitucionais, deverá ser dada maior primazia aos critérios favorecedores da

integração política e social, bem como ao reforço da unidade política.

3. PRINCÍPIO DA CONCORDÂNCIA PRÁTICA OU HARMONIZAÇÃO

Esse princípio também é muito parecido com o da unidade. A diferença é que o princípio

da concordância prática trata de questões relacionadas à colisão de direitos no caso concreto.

23

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Cabe ao intérprete coordenar e combinar os bens jurídicos em conflito, realizando uma

redução proporcional no âmbito de aplicação de cada um deles. A colisão presenciada,

portanto, não é em abstrato, mas em concreto.

RE 476. 361/SC (STF)9 discutiu-se a colisão entre o direito à privacidade (sigilo

bancário) x arrecadação tributária eficiente. Nenhum dos dois princípios é inconstitucional,

porém, no caso concreto, estavam colidindo. O STF chegou à conclusão de que, naquela

9 DECISÃO:Vistos. União interpõe recurso extraordinário, com fundamento na alínea "a" do permissivo

constitucional, contra acórdão da Segunda Turma do Tribunal Regional Federal da 4ª Região, assim do: "QUEBRA

DE SIGILO BANCÁRIO PELA AUTORIDADE ADMINISTRATIVA. COLISÃO DE DIREITOS FUNDAMENTAIS. INTIMIDADE E

SIGILO DE DADOS VERSUS ORDEM TRIBUTÁRIA HÍGIDA. ART. 5º, X E XII. PROPORCIONALIDADE. O sigilo bancário,

como dimensão dos direitos à privacidade (art. 5º, X, CF) e ao sigilo de dados (art. 5º, XII, CF), é direito

fundamental sob reserva legal, podendo ser quebrado no caso previsto no art. 5º, XII, in fine, ou quando colidir

com outro direito albergado na Carta Maior. Neste último caso, a solução do impasse, mediante a formulação de

um juízo de concordância prática, há de ser estabelecida através da devida ponderação dos bens e valores, in

concreto, de modo a que se identifique uma 'relação específica de prevalência entre eles. 2. No caso em tela, é

possível verificar-se a colisão entre os direitos à intimidade e ao sigilo de dados, de um lado, e o interesse

público à arrecadação tributária eficiente (ordem tributária hígida),de outro, a ser resolvido, como prega a

doutrina e a jurisprudência, pelo princípio da proporcionalidade. 3. Com base em posicionamentos do STF, o

ponto mais relevante que se pode extrair desse debate, é a imprescindibilidade de que o órgão que realize o juízo

de concordância entre os princípios fundamentais, a fim de aplicá-los na devida proporção, consoante as

peculiaridades do caso concreto, dando-lhes eficácia máxima sem suprimir o núcleo essencial de cada um, revista-

se de imparcialidade,examinando o conflito como mediador neutro, estando alheio aos interesses em jogo. Por

outro lado, ainda que se aceite a possibilidade de requisição extrajudicial de informações e documentos

sigilosos, o direito à privacidade, deve prevalecer enquanto não houver, em jogo, um outro interesse público, de

índole constitucional, que não a mera arrecadação tributária, o que, segundo se dessume dos autos, não há " (fl.

160).Opostos embargos de declaração (fls. 163 a 170), foram acolhidos "em parte, para fins de

prequestionamento" (fls. 173 a 175).Contra-arrazoado (fls. 223 a 230), o recurso extraordinário (fls. 193 a 207) foi

admitido (fl. 233).Alega a recorrente violação do artigo 5º, inciso XXXVI, da Constituição Federal.O Superior

Tribunal de Justiça, em decisão transitada em julgado (fls. 238 a 241 e 267), deu provimento ao recurso especial

interposto simultaneamente ao extraordinário para reconhecer a "possibilidade de aplicação imediata do disposto

no art. 6º da LC nº 105/2001, com base no art. 144, § 1º do Código Tributário Nacional" (fl. 239).Decido.Como

visto, o recurso especial da União foi conhecido e provido pelo STJ, implicando na aplicação imediata do dispositivo

mencionado. Destarte, sendo essa a única questão tratada no recurso extraordinário, fica prejudicado o apelo

extremo.Ante o exposto, nos termos do artigo 21, inciso IX, do Regimento Interno do Supremo Tribunal Federal, 24

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situação específica, deveria prevalecer o direito à privacidade em face do direito de arrecadar

do Estado.

A concordância prática se traduz no princípio interpretativo pelo qual se exige a

coordenação e a combinação dos bens jurídicos em conflito de forma a evitar o sacrifício

total de uns em relação aos outros.

Pelo princípio da concordância prática ou harmonização, na hipótese de eventual

conflito ou concorrência entre bens jurídicos constitucionalizados, deve-se buscar a

coexistência entre eles, evitando-se o sacrifício total de um princípio em relação ao

outro.

4. PRINCÍPIO DA RELATIVIDADE OU CONVIVÊNCIA DAS LIBERDADES PÚBLICAS

A premissa desse princípio é a de que não existem direitos absolutos, pois todos

encontram limites em outros direitos (de terceiros) e interesses coletivos também

consagrados na Constituição. Se os direitos forem considerados absolutos, não há como eles

conviverem entre si. Eles precisam, pois, ser relativizados (principalmente aqueles referentes às

liberdades públicas), para que possam conviver entre si. Vale dizer que, para alguns autores, o

princípio da dignidade da pessoa humana é absoluto.

ADPF 54 postula-se que o aborto de anencefálico não seja considerado crime, mas

sim antecipação terapêutica do parto. Sustenta que o fato de a mãe gerar um feto sem cérebro,

por nove meses, violaria a sua dignidade. Por outro lado, defende-se também a dignidade do

feto. Como resolver o conflito? A ADPF ainda está pendente de julgamento, mas essa questão

já nos traz a certeza de que não podem os direitos e princípios ser considerados absolutos.

Norberto Bobbio considera como exceções ao caráter relativo dos direitos:

Direito de não ser torturado;

julgo prejudicado o recurso extraordinário. Publique-se.Brasília, 18 de abril de 2011. Ministro DIAS TOFFOLI.

Relator. Processo: RE 476361 SC - Relator(a): Min. DIAS TOFFOLI - Julgamento: 18/04/2011 - Publicação: DJe-078 -

DIVULG 27/04/2011 - PUBLIC 28/04/2011)

25

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Direito de não ser escravizado.

Percebam que, em verdade, são duas regras que concretizam o princípio da dignidade

da pessoa humana.

Outros julgados:

MS 23.452/RJ (STF) os direitos não absolutos.

AI 595.395/SP (STF) havia uma colisão entre a liberdade de informação e o direito à

honra. Relativizou-se a liberdade da informação.

INQ. 2424/RJ (STF) escuta telefônica feita no escritório de advocacia x inviolabilidade

do lar. Nesse caso, o Supremo admitiu a invasão do escritório, pois o mesmo estava

desocupado, não caracterizando a inviolabilidade.

5. PRINCÍPIO DA FORÇA NORMATIVA DA CONSTITUIÇÃO

Princípio muito utilizado pelo Ministro Gilmar Mendes. Na aplicação da Constituição

deve ser dada preferência às soluções concretizadoras de suas normas que as torcem mais

eficazes e permanentes. É muito usado afastar interpretações divergentes.

Súmula nº. 343 do STF: a divergência de interpretação de texto legal nos tribunais não

autoriza a ação rescisória. Contudo, quando a divergência for sobre interpretação de texto

constitucional, a súmula não será aplicada, pois interpretações divergentes enfraquecem a

força normativa da Constituição.

Súmula 343, STF: Não cabe ação rescisória por ofensa a literal dispositivo de lei,

quando a decisão rescindenda se tiver baseado em texto legal de interpretação

controvertida nos tribunais10.

10 A Súmula 343 continua plenamente em vigor. Ela consolida o chamado “distinguishing”, que consiste em uma

distinção criada em relação a um determinado precedente, em razão da presença de circunstâncias

essencialmente distintas. O precedente vale para texto legal, mas não para a Constituição.26

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AI 555.806 AGR/MG11 a relativização da coisa julgada foi feita com base no principio

da força normativa.

No tocante à interpretação das normas constitucionais, o princípio da força normativa

da Constituição determina que, entre as interpretações possíveis, deve ser adotada

aquela que garanta maior eficácia, aplicabilidade e permanência das normas

constitucionais.

“Para Konrad Hesse, as normas jurídicas e a realidade devem ser consideradas em seu

condicionamento recíproco. A norma constitucional não tem existência autônoma em

face da realidade, e a Constituição não configura apenas a expressão de um ser, mas

também de um dever ser. Assim, para ser aplicável, a Constituição deve ser conexa à

realidade jurídica, , social, política; no entanto, ela não é apenas determinada pela

realidade social, mas também determinante desta”. Esse texto aborda o princípio da

força normativa da Constituição.

6. PRINCÍPIO DA MÁXIMA EFETIVIDADE DAS NORMAS CONSTITUCIONAIS

O grande aspecto distintivo entre esse princípio e o da força normativa, destacado por

alguns autores, é que este último refere-se à toda a Constituição, enquanto o princípio da

máxima efetividade refere-se apenas aos direitos fundamentais.

Vale dizer que o art. 5º, inciso I, da CF, nada mais é do que uma metanorma, pois ele

estabelece como as normas relativas aos direitos fundamentais devem ser aplicadas

(imediatamente).

11 EMENTA: AGRAVO REGIMENTAL NO AGRAVO DE INSTRUMENTO. AÇÃO RESCISÓRIA. MATÉRIA

CONSTITUCIONAL. INAPLICABILIDADE DA SÚMULA 343. 2. Inaplicabilidade da Súmula 343 em matéria

constitucional, sob pena de infringência à força normativa da Constituição e ao princípio da máxima efetividade

da norma constitucional. Precedente do Plenário. Agravo regimental a que se nega provimento. (AI 555806 AgR /

MG - MINAS GERAIS - AG.REG.NO AGRAVO DE INSTRUMENTO - Relator(a): Min. EROS GRAU - Julgamento:

01/04/2008 - Órgão Julgador: Segunda Turma)27

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Conceito: geralmente um vocábulo, no âmbito dos direitos fundamentais, impõe lhe

seja dado sentido e confira a maior efetividade possível, com vistas à realização concreta de

sua função social.

Esse princípio reflete, justamente, a preocupação com a efetividade dos direitos

fundamentais, ou seja, que eles saiam do papel e sejam aplicados ao caso concreto. Assim, ao

se interpretar a Constituição, deve-se buscar o modo que dê a ela a maior efetividade possível.

RCL 2600 AGR/SE (STF)12 o STF havia concedido, em uma ADIn, uma liminar, no

sentido de que deveria a Constituição receber a interpretação X; no julgamento do mérito

dessa ADIn, concluiu-se pela interpretação Y. Ocorre que, antes desse julgamento, já havia

transitado em julgado uma decisão em instância inferior, proferida com fundamento na

interpretação X. O STF, por fim, concluiu que, não obstante a decisão já tenha transitado em

julgado, é possível a sua desconstituição, com fundamento na nova interpretação Y, invocando-

se, para tanto, o princípio da máxima efetividade das normas constitucionais.

Efetividade x eficácia x validade

Efetividade ou eficácia social: ocorre quando a norma cumpre a sua finalidade, a função

social para a qual ela foi criada. Toda norma é criada com um determinado fim; a sua

observância no plano prático (conformação à realidade) traduz a sua efetividade.

Eficácia ou eficácia jurídica: é a aptidão da norma para produzir os efeitos que lhe são

próprios. Aqui não interessa se ela está cumprindo ou não a sua função, o que importa é se ela

possui aptidão para tanto. Trata-se de mera capacidade para produzir efeitos. Toda norma

12 EMENTA: AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE. Julgamento. Sentença de mérito. Oponibilidade erga

omnes e força vinculante. Efeito ex tunc. Ofensa à sua autoridade. Caracterização. Acórdão em sentido contrário,

em ação rescisória. Prolação durante a vigência e nos termos de liminar expedida na ação direta de

inconstitucionalidade. Irrelevância. Eficácia retroativa da decisão de mérito da ADI. Aplicação do princípio da

máxima efetividade das normas constitucionais. Liminar concedida em reclamação, para suspender os efeitos do

acórdão impugnado. Agravo improvido. Voto vencido. Reputa-se ofensivo à autoridade de sentença de mérito

proferida em ação direta de inconstitucionalidade, com efeito ex tunc, o acórdão que, julgando improcedente ação

rescisória, adotou entendimento contrário, ainda que na vigência e nos termos de liminar concedida na mesma

ação direta de inconstitucionalidade. (Rcl 2600 AgR / SE – SERGIPE - AG.REG.NA RECLAMAÇÃO - Relator(a): Min.

CEZAR PELUSO - Julgamento: 14/09/2006 - Órgão Julgador: Tribunal Pleno)28

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constitucional possui eficácia, mas nem toda possui efetividade. Eficácia positiva é a aptidão

da norma para ser aplicada aos casos concretos (ex.: art. 53, CF – não precisa de lei

regulamentando o dispositivo). Eficácia negativa, por outro lado, corresponde à aptidão para

invalidar as normas que lhe forem contrárias (ex.: art. 37, VII, CF – apesar de necessitar de

regulamentação legal, a norma contrária a ela será infraconstitucional). Toda norma

constitucional possui eficácia, ao menos, negativa.

Validade: consiste na relação de conformidade com as normas que estabelecem o

modo de elaboração ou limitações ao conteúdo. É o que acontece, por exemplo, com a relação

entre lei e Constituição. Se uma lei não estabelece a forma de produção prevista na

Constituição, ela terá uma inconstitucionalidade formal. A Constituição também estabelece

normas de conteúdo; se a lei for discriminatória, terá inconstitucionalidade material.

De acordo com o princípio da máxima efetividade ou eficiência, a uma norma

constitucional deve ser atribuído o sentido que maior eficácia se lhe conceda.

7. PRINCÍPIO DA “JUSTEZA” OU CONFORMIDADE FUNCIONAL

Marcelo Novelino nunca constatou a aplicação desse princípio pelo STF. Tem por

finalidade não permitir que os órgãos encarregados da interpretação da Constituição

cheguem ao resultado que subverta ou perturbe o esquema organizatório-funcional

estabelecido pela Constituição.

A ideia desse princípio é fazer com que cada poder, ao interpretar a Constituição, atue

conforme a função que lhe foi atribuída. O principal destinatário desse principal é o STF. Ex.:

proposta de mutação constitucional feita pelo Min. Gilmar Mendes, na RCL 4.33513, em relação

13 O Tribunal retomou julgamento de reclamação ajuizada contra decisões do Juiz de Direito da Vara de Execuções

Penais da Comarca de Rio Branco-AC, pelas quais indeferira pedido de progressão de regime em favor de

condenados a penas de reclusão em regime integralmente fechado em decorrência da prática de crimes

hediondos. Alega-se, na espécie, ofensa à autoridade da decisão da Corte no HC 82959/SP (DJU de 1º.9.2006), em

que declarada a inconstitucionalidade do § 1º do art. 2º da Lei 8.072/90, que veda a progressão de regime a

condenados pela prática de crimes hediondos — v. Informativo 454. O Min. Eros Grau, em voto-vista, julgou

procedente a reclamação, acompanhando o voto do relator, no sentido de que, pelo art. 52, X, da CF, ao Senado

Federal, no quadro de uma verdadeira mutação constitucional, está atribuída competência apenas para dar 29

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ao papel do Senado. No controle difuso (efeitos interpartes), o Senado poderia exercitar a

competência do art. 52, X, CF, mediante uma resolução, para dar efeitos erga omnes à decisão

fruto desse controle. A votação está empatada.

De acordo com o princípio da justeza, os órgãos encarregados da interpretação da

norma constitucional não poderão chegar a uma posição que subverta, altere ou

perturbe o esquema organizatório-funcional estabelecido pelo legislador constituinte

originário.

Segundo o princípio da justeza, o intérprete não pode chegar a um resultado que

subverta ou perturbe o esquema organizatório-funcional estabelecido pelo constituinte.

Assim, a aplicação das normas constitucionais propostas pelo intérprete não pode

implicar alteração na estrutura de repartição de poderes e exercício das competências

constitucionais estabelecidas pelo constituinte originário.

Unidade da Constituição

Efeito Integrador

Concordância prática ou harmonização

PRINCÍPIOS INSTRUMENTAIS

DA CONSTITUIÇÃO

Relatividade ou Convivência das

Liberdades Públicas

Força normativa da Constituição

Máxima efetividade das normas

constitucionais

“Justeza” ou Conformidade Funcional

publicidade à suspensão da execução de lei declarada inconstitucional, no todo ou em parte, por decisão

definitiva do Supremo Tribunal Federal, haja vista que essa decisão contém força normativa bastante para

suspender a execução da lei. (Rcl 4335/AC, rel. Min. Gilmar Mendes, 19.4.2007 – Informativo 463)30

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- CONTROLE DE CONSTITUCIONALIDADE -

1. SUPREMACIA CONSTITUCIONAL

A supremacia da Constituição é um pressuposto para a o controle de

constitucionalidade. Existem dois tipos de supremacia: material e formal. É a supremacia

formal que tem relevância para fins de controle, segundo o entendimento majoritário.

A supremacia material consiste na superioridade da Constituição em razão do

conteúdo fundamental nela consagrado (direitos fundamentais, estrutura do Estado e

organização dos Poderes). Toda constituição é dotada de supremacia material.

A supremacia formal, por sua vez, consiste na existência de um processo mais

dificultoso que o ordinário para a alteração de suas normas. Não se analisa aqui o conteúdo

de suas normas, mas o processo para a sua alteração. Quando a Constituição possui um

processo de alteração mais difícil do que as normas infraconstitucionais ela é chamada de

Constituição rígida. Logo, a supremacia formal decorre da rigidez. O controle de

constitucionalidade só existe quando a Constituição possui supremacia formal.

2. PARÂMETRO PARA O CONTROLE (“NORMAS DE REFERÊNCIA”)

O parâmetro nada é mais do que a norma constitucional supostamente violada. Difere-

se do objeto do controle, que é o ato impugnado (lei, ato ou omissão do poder público etc.).

Quais são os tipos de normas constitucionais que servem como parâmetro no controle de

constitucionalidade no Brasil? São todas as normas formalmente constitucionais, abrangendo

a Constituição Federal de 1988 (segundo o STF, a única parte da CF que não serve como

parâmetro é o preâmbulo, pois não é considerado norma; o art. 1º em diante, inclusive o

ADCT, serve como parâmetro), tanto no que diz respeito às normas expressas quanto aos

princípios implícitos. No Brasil, após a Reforma do Judiciário, este parâmetro foi ampliado,

31

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incluindo os tratados internacionais de direitos humanos, desde que aprovados por 3/5 e em

dois turnos de votação (art. 5º, §3º, CF)14.

PARÂMETRO

X

Norma constitucional supostamente

violada

OBJETO DO CONTROLE1) Constituição Federal

2) ADCT

3) Tratados internacionais de direitos

humanos

2.1. BLOCO DE CONSTITUCIONALIDADE

Expressão criada por Louis Favoreu e muito utilizada na França, o “bloco de

constitucionalidade” abrange as normas com status constitucional. Assim, na França, por

exemplo, fazem parte do bloco de constitucionalidade não só a Constituição de 1858, mas

também o preâmbulo da Constituição anterior (1946), a Declaração dos Direitos do Homem e

do Cidadão (1789) e outras normas de valor constitucional (dentre essas normas estão os

princípios formados pelo Conselho Constitucional, órgão de cúpula do governo francês).

A expressão “bloco de constitucionalidade” passou a ser utilizada também em outros

países, porém não existe um consenso quanto ao sentido desse bloco. Os dois sentidos

principais são:

Sentido estrito : compreende apenas as normas constitucionais que servem

como parâmetro para o controle de constitucionalidade. O Min. Celso de Mello

utiliza a expressão “bloco de constitucionalidade” nesse sentido estrito (ADIn

514/PI; ADIn 595/ES).

14 O único tratado internacional de direitos humanos aprovado nos termos do art. 5º, §3º, da CF, atualmente, é o

Decreto 6.949/09 (Convenção sobre pessoas portadoras de deficiência).32

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Sentido amplo : abrange não apenas as normas da Constituição, mas também

aquelas vocacionadas a desenvolver a eficácia de preceitos constitucionais. Ex.:

o direito de greve do servidor público é previsto na CF (art. 37, VII); logo, a lei

que vier a regulamentar esse direito, mesmo sendo infraconstitucional, também

fará parte do bloco de constitucionalidade, de acordo com o sentido amplo, pois

essa lei será a responsável por dar eficácia à norma constitucional que

estabelece o direito de greve do servidor público. Quando falamos em bloco de

constitucionalidade em sentido amplo, podemos abranger, além das normas

constitucionais, o Pacto de San José da Costa Rica e o preâmbulo da CF/88.

3. FORMAS DE INCONSTITUCIONALIDADE

3.1. QUANTO AO TIPO DE CONDUTA PRATICADA PELO PODER PÚBLICO

A Constituição, toda vez que se refere à inconstitucionalidade, sempre faz menção a

atos do Poder Público, e não de particular. Isso não significa que o particular não pratique atos

inconstitucionais, mas sim que a Constituição utiliza um sentido mais estrito, e não amplo.

Quanto à conduta praticada pelo Poder Público, temos:

a) Inconstitucionalidade por AÇÃO : ocorre quando o Poder Público pratica uma

conduta comissiva incompatível com a Constituição. Exemplo: HC 82.959/SP15 –

discutia a constitucionalidade da norma que vedava a progressão de regimes para os

crimes hediondos (Lei 8.072/92, art. 2º, §1º), concluindo-se pela sua

15 PENA - REGIME DE CUMPRIMENTO - PROGRESSÃO - RAZÃO DE SER. A progressão no regime de cumprimento da

pena, nas espécies fechado, semi-aberto e aberto, tem como razão maior a ressocialização do preso que, mais dia

ou menos dia, voltará ao convívio social. PENA - CRIMES HEDIONDOS - REGIME DE CUMPRIMENTO - PROGRESSÃO

- ÓBICE - ARTIGO 2º, § 1º, DA LEI Nº 8.072/90 - INCONSTITUCIONALIDADE - EVOLUÇÃO JURISPRUDENCIAL. Conflita

com a garantia da individualização da pena - artigo 5º, inciso XLVI, da Constituição Federal - a imposição,

mediante norma, do cumprimento da pena em regime integralmente fechado. Nova inteligência do princípio da

individualização da pena, em evolução jurisprudencial, assentada a inconstitucionalidade do artigo 2º, § 1º, da

Lei nº 8.072/90. (HC 82959 / SP - SÃO PAULO - HABEAS CORPUS - Relator(a): Min. MARCO AURÉLIO - Julgamento:

23/02/2006 - Órgão Julgador: Tribunal Pleno)33

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incompatibilidade com a Constituição (fundamento: art. 5º, XLVI – princípio da

individualização da pena).

b) Inconstitucionalidade por OMISSÃO : ocorre quando o Poder Público tem o dever de

agir, mas se omite. Existe uma norma constitucional determinando um agir do

Poder Público, mas ele se omite. Exemplo: MI 71216 – o STF concluiu pela omissão

inconstitucional, uma vez que a Constituição determina a elaboração de uma lei

16 EMENTA: MANDADO DE INJUNÇÃO. ART. 5º, LXXI DA CONSTITUIÇÃO DO BRASIL. CONCESSÃO DE EFETIVIDADE À

NORMA VEICULADA PELO ARTIGO 37, INCISO VII, DA CONSTITUIÇÃO DO BRASIL. LEGITIMIDADE ATIVA DE

ENTIDADE SINDICAL. GREVE DOS TRABALHADORES EM GERAL [ART. 9º DA CONSTITUIÇÃO DO BRASIL]. APLICAÇÃO

DA LEI FEDERAL N. 7.783/89 À GREVE NO SERVIÇO PÚBLICO ATÉ QUE SOBREVENHA LEI REGULAMENTADORA.

PARÂMETROS CONCERNENTES AO EXERCÍCIO DO DIREITO DE GREVE PELOS SERVIDORES PÚBLICOS DEFINIDOS

POR ESTA CORTE. CONTINUIDADE DO SERVIÇO PÚBLICO. GREVE NO SERVIÇO PÚBLICO. ALTERAÇÃO DE

ENTENDIMENTO ANTERIOR QUANTO À SUBSTÂNCIA DO MANDADO DE INJUNÇÃO. PREVALÊNCIA DO INTERESSE

SOCIAL. INSUBSSISTÊNCIA DO ARGUMENTO SEGUNDO O QUAL DAR-SE-IA OFENSA À INDEPENDÊNCIA E

HARMONIA ENTRE OS PODERES [ART. 2O DA CONSTITUIÇÃO DO BRASIL] E À SEPARAÇÃO DOS PODERES [art. 60,

§ 4o, III, DA CONSTITUIÇÃO DO BRASIL]. INCUMBE AO PODER JUDICIÁRIO PRODUZIR A NORMA SUFICIENTE

PARA TORNAR VIÁVEL O EXERCÍCIO DO DIREITO DE GREVE DOS SERVIDORES PÚBLICOS, CONSAGRADO NO

ARTIGO 37, VII, DA CONSTITUIÇÃO DO BRASIL. 1. O acesso de entidades de classe à via do mandado de injunção

coletivo é processualmente admissível, desde que legalmente constituídas e em funcionamento há pelo menos um

ano. 2. A Constituição do Brasil reconhece expressamente possam os servidores públicos civis exercer o direito

de greve --- artigo 37, inciso VII. A Lei n. 7.783/89 dispõe sobre o exercício do direito de greve dos trabalhadores

em geral, afirmado pelo artigo 9º da Constituição do Brasil. Ato normativo de início inaplicável aos servidores

públicos civis. 3. O preceito veiculado pelo artigo 37, inciso VII, da CB/88 exige a edição de ato normativo que

integre sua eficácia. Reclama-se, para fins de plena incidência do preceito, atuação legislativa que dê concreção

ao comando positivado no texto da Constituição. 4. Reconhecimento, por esta Corte, em diversas

oportunidades, de omissão do Congresso Nacional no que respeita ao dever, que lhe incumbe, de dar concreção

ao preceito constitucional. Precedentes. 5. Diante de mora legislativa, cumpre ao Supremo Tribunal Federal

decidir no sentido de suprir omissão dessa ordem. Esta Corte não se presta, quando se trate da apreciação de

mandados de injunção, a emitir decisões desnutridas de eficácia. 6. A greve, poder de fato, é a arma mais eficaz

de que dispõem os trabalhadores visando à conquista de melhores condições de vida. Sua auto-aplicabilidade é

inquestionável; trata-se de direito fundamental de caráter instrumental. 7. A Constituição, ao dispor sobre os

trabalhadores em geral, não prevê limitação do direito de greve: a eles compete decidir sobre a oportunidade de

exercê-lo e sobre os interesses que devam por meio dela defender. Por isso a lei não pode restringi-lo, senão

protegê-lo, sendo constitucionalmente admissíveis todos os tipos de greve. 8. Na relação estatutária do emprego 34

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regulamentando o direito de greve do servidor público, mas, até o momento, essa

lei não foi criada. Ainda, na ADIn 1.484/DF, o STF concluiu que o Poder Público,

quando se omite no cumprimento de um dever constitucional, estimula o

preocupante fenômeno da “erosão da consciência constitucional”17, consistente no

perigoso processo de desvalorização funcional da Constituição escrita (Celso de

Mello). Ainda, temos que, além do Mandado de Injunção, em caso de omissão

inconstitucional, podemos utilizar também a ADIn por Omissão (ADO).

público não se manifesta tensão entre trabalho e capital, tal como se realiza no campo da exploração da atividade

econômica pelos particulares. Neste, o exercício do poder de fato, a greve, coloca em risco os interesses egoísticos

do sujeito detentor de capital --- indivíduo ou empresa --- que, em face dela, suporta, em tese, potencial ou

efetivamente redução de sua capacidade de acumulação de capital. Verifica-se, então, oposição direta entre os

interesses dos trabalhadores e os interesses dos capitalistas. Como a greve pode conduzir à diminuição de ganhos

do titular de capital, os trabalhadores podem em tese vir a obter, efetiva ou potencialmente, algumas vantagens

mercê do seu exercício. O mesmo não se dá na relação estatutária, no âmbito da qual, em tese, aos interesses dos

trabalhadores não correspondem, antagonicamente, interesses individuais, senão o interesse social. A greve no

serviço público não compromete, diretamente, interesses egoísticos do detentor de capital, mas sim os interesses

dos cidadãos que necessitam da prestação do serviço público. 9. A norma veiculada pelo artigo 37, VII, da

Constituição do Brasil reclama regulamentação, a fim de que seja adequadamente assegurada a coesão social.

10. A regulamentação do exercício do direito de greve pelos servidores públicos há de ser peculiar, mesmo

porque "serviços ou atividades essenciais" e "necessidades inadiáveis da coletividade" não se superpõem a

"serviços públicos"; e vice-versa. 11. Daí porque não deve ser aplicado ao exercício do direito de greve no

âmbito da Administração tão-somente o disposto na Lei n. 7.783/89. A esta Corte impõe-se traçar os parâmetros

atinentes a esse exercício. 12. O que deve ser regulado, na hipótese dos autos, é a coerência entre o exercício do

direito de greve pelo servidor público e as condições necessárias à coesão e interdependência social, que a

prestação continuada dos serviços públicos assegura. 13. O argumento de que a Corte estaria então a legislar --- o

que se afiguraria inconcebível, por ferir a independência e harmonia entre os poderes [art. 2o da Constituição

do Brasil] e a separação dos poderes [art. 60, § 4o, III] --- é insubsistente. 14. O Poder Judiciário está vinculado

pelo dever-poder de, no mandado de injunção, formular supletivamente a norma regulamentadora de que

carece o ordenamento jurídico. 15. No mandado de injunção o Poder Judiciário não define norma de decisão, mas

enuncia o texto normativo que faltava para, no caso, tornar viável o exercício do direito de greve dos servidores

públicos. 16. Mandado de injunção julgado procedente, para remover o obstáculo decorrente da omissão

legislativa e, supletivamente, tornar viável o exercício do direito consagrado no artigo 37, VII, da Constituição do

Brasil. (MI 712 / PA – PARÁ - MANDADO DE INJUNÇÃO - Relator(a): Min. EROS GRAU - Julgamento: 25/10/2007 -

Órgão Julgador: Tribunal Pleno)35

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3.2. QUANTO À NORMA CONSTITUCIONAL OFENDIDA

a) Inconstitucionalidade formal : subdivide-se em:

a.1.) Inconstitucionalidade formal PROPRIAMENTE DITA: ocorre quando a norma

constitucional violada está relacionada ao processo legislativo constitucional.

O processo de elaboração de uma espécie normativa deve obedecer às

formalidades (iniciativa, quórum, promulgação) estabelecidas no art. 59 da

CF/88. Assim, violando-se qualquer dessas formalidades no momento da

elaboração da norma, fala-se em inconstitucionalidade formal. Também é

chamada de inconstitucionalidade nomodinâmica18 (Luiz Alberto David

Araújo). Tem como espécies:

i) Inconstitucionalidade formal propriamente dita SUBJETIVA: ocorrerá

quando a iniciativa não for observada. Ex.: art. 61, §1º, CF (matérias de

iniciativa do Presidente da República). ADIn 3.73919 o Congresso

Nacional havia reduzido a jornada de trabalho dos seus servidores

públicos; ocorre que a Constituição estabelece que essa matéria é de

17 Expressão criada por Karl Lowenstein, ao defender que, se a Constituição manda o Poder Público agir, mas ele se

omite, o comando constitucional perde a credibilidade, pois as pessoas passam a não acreditar mais no que a

Constituição diz.18 O processo de criação de normas jurídicas é dinâmico.19 EMENTA: Ação Direta de Inconstitucionalidade. 1. Servidor público. Jornada de trabalho. Redução da carga

horária semanal. 2. Princípio da separação de poderes. 3. Vício de iniciativa. Competência privativa do Chefe do

Poder Executivo 4. Precedentes. 5. Ação Direta de Inconstitucionalidade julgada procedente. (ADI 3739 / PR -

PARANÁ - AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE - Relator(a): Min. GILMAR MENDES - Julgamento:

17/05/2007 - Órgão Julgador: Tribunal Pleno)

INFORMATIVO 467: Na linha da orientação fixada no julgamento acima relatado, o Tribunal julgou procedente

pedido formulado em ação direta ajuizada pelo Governador do Estado do Paraná para declarar a

inconstitucionalidade da Lei estadual 15.000/2006, de iniciativa parlamentar, que assegura, à servidora pública

que seja mãe, esposa ou companheira, tutora, curadora ou que detenha a guarda e responsabilidade de pessoas

portadora de deficiência, a dispensa de parte do trabalho, respeitada a execução de metade da carga horária

semanal, sem prejuízo de remuneração. ADI 3739/PR, rel. Min. Gilmar Mendes, 17.5.2007. 36

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iniciativa privativa do Presidente da República, e não dos Deputados e

Senadores; assim, o STF declarou inconstitucional essa norma, de

modo que a inconstitucionalidade verificada foi a propriamente dita

subjetiva (vício na iniciativa).

O fato de o Presidente da República concordar/sancionar uma lei que usurpou a sua

iniciativa supre o vício de inconstitucionalidade?

Resp.: de acordo com a Súmula nº. 05 do STF20, a sanção do projeto pelo Presidente

supre o vício de iniciativa do Poder Executivo. Ocorre que, após a Constituição de 1988,

o STF abandonou o entendimento adotado na Súmula nº. 05. De acordo com o

entendimento atual, o vício de origem é insanável, incorrigível, não podendo ser

suprido pela sanção do Presidente da República.

ii) Inconstitucionalidade formal propriamente dita OBJETIVA: está

relacionada às outras fases do processo legislativo - quórum e

promulgação. Ex.: violação do art. 69 da CF/88 (quórum de votação –

maioria absoluta – de lei complementar).

a.2.) Inconstitucionalidade formal ORGÂNICA: ocorre no caso de violação de norma

que estabelece competência para legislar sobre determinado tema. ADIn

2.220/SP21 a Constituição Estadual de São Paulo estabeleceu normas

20 Súmula nº. 05 (STF): A sanção do projeto supre a falta de iniciativa do Poder Executivo.21 EMENTA: AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE. CONSTITUIÇÃO DO ESTADO DE SÃO PAULO. ARTS. 10, §

2º, ITEM 1; 48; 49, CAPUT, §§ 1º, 2º E 3º, ITEM 2; E 50. CRIME DE RESPONSABILIDADE. COMPETÊNCIA DA UNIÃO.

1. Pacífica jurisprudência do Supremo Tribunal Federal quanto à prejudicialidade da ação direta de

inconstitucionalidade, por perda superveniente de objeto e de interesse de agir do Autor, quando sobrevém a

revogação da norma questionada em sua constitucionalidade. Ação julgada prejudicada quanto ao art. 10, § 2º,

item 1, da Constituição do Estado de São Paulo. 2. A definição das condutas típicas configuradoras do crime de

responsabilidade e o estabelecimento de regras que disciplinem o processo e julgamento das agentes políticos

federais, estaduais ou municipais envolvidos são da competência legislativa privativa da União e devem ser

tratados em lei nacional especial (art. 85 da Constituição da República) . Precedentes. Ação julgada procedente

quanto às normas do art. 48; da expressão “ou nos crimes de responsabilidade, perante Tribunal Especial” do 37

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referentes a crime de responsabilidade do governador. Entretanto, segundo o

STF, a competência para legislar sobre crime de responsabilidade, em razão

do que diz o art. 22, inciso I, da CF/88, é da União, e não dos Estados. Assim, a

referida norma estadual foi considerada inconstitucional, na modalidade

formal orgânica.

a.3.) Inconstitucionalidade formal por violação de norma que estabelece

PRESSUPOSTOS OBJETIVOS: ocorre, como o próprio nome diz, quando a

norma constitucional violada estabelece pressupostos objetivos para a

elaboração do ato infraconstitucional. Ex.: Medida provisória (art.

62,CF/8822) – possui como pressupostos objetivos a relevância e a urgência;

se esses pressupostos não forem observados, o art. 62 da CF restará violado,

razão pela qual a MP será formalmente inconstitucional.

b) Inconstitucionalidade MATERIAL : ocorre quando há violação de uma norma

constitucional de fundo, ou seja, norma que não estabelece formalidades e

procedimentos, mas sim direitos e deveres. Também chamada de

inconstitucionalidade nomoestática. Exemplo: ADC 29 e 30; ADIn 4.578 (ações

referentes à Lei da Ficha Limpa – viola o princípio da presunção de inocência?)23. A

inconstitucionalidade é material porque não se discute se as formalidades do

processo de elaboração da norma foram ou não observadas, mas sim se o conteúdo

caput do art. 49; dos §§ 1º, 2º e 3º, item 2, do art. 49 e do art. 50, todos da Constituição do Estado de São Paulo. 3.

Ação julgada parcialmente prejudicada e na parte remanescente julgada procedente. (ADI 2220 / SP - SÃO PAULO -

AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE - Relator(a): Min. CÁRMEN LÚCIA - Julgamento: 16/11/2011 - Órgão

Julgador: Tribunal Pleno)22 Art. 62. Em caso de relevância e urgência, o Presidente da República poderá adotar medidas provisórias, com

força de lei, devendo submetê-las de imediato ao Congresso Nacional. (Redação dada pela Emenda Constitucional

nº 32, de 2001)23 O STF, em julgamento realizado no dia 16/02/2012, decidiu pela constitucionalidade da Lei Complementar

135/2010, a chamada Lei da Ficha Limpa; por maioria de votos, prevaleceu o entendimento em favor da

constitucionalidade da lei, que poderá ser aplicada nas eleições de 2012, alcançando atos e fatos ocorridos antes

de sua vigência. – Informativo 655.38

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da norma está ou não compatível com aquelas que estabelecem direitos e deveres

constitucionais. Ex.: uma norma que viole o art. 5º da CF será materialmente

inconstitucional.

Formal

Propriamente dita o Subjetiva

o Objetiva

INCONSTITUCIONALIDADE

QUANTO À NORMA

CONSTITUCIONAL OFENDIDA

Orgânica

Violação de

pressupostos objetivos

Material

3.3. QUANTO À EXTENSÃO DA INCONSTITUCIONALIDADE

a) Inconstitucionalidade TOTAL : ocorre quando o vício atinge todo o ato ou todo

artigo, inciso, parágrafo ou alínea. A depender da nossa referência, a

inconstitucionalidade total pode ser de uma lei (ex.: não observou a iniciativa,

portanto, toda a lei é inconstitucional) ou de um dipositivo daquela lei. ADI 1.808/RS

(inconstitucionalidade total da lei); HC 81.134/RS (inconstitucionalidade total de

artigo).

b) Inconstitucionalidade PARCIAL: ocorre quando apenas uma parte da lei ou de um

dispositivo é incompatível com a Constituição.

O STF pode declarar inconstitucional uma palavra dentro de um artigo, inciso, parágrafo

ou alínea?

Resp.: muitas pessoas confundem essa questão com o veto parcial, no qual o Presidente

não pode vetar uma palavra do dispositivo (art. 66, §2º, CF24). O veto parcial e a

24 § 2º - O veto parcial somente abrangerá texto integral de artigo, de parágrafo, de inciso ou de alínea.39

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declaração de inconstitucionalidade não se confundem, uma vez que nesta última pode

abranger uma palavra ou uma expressão constante de um dispositivo. Assim, a

declaração de inconstitucionalidade parcial pode atingir apenas uma palavra ou

expressão dentro do dispositivo, desde que não mude o contexto da norma (se mudar,

o Judiciário estará legislando, e não exercendo o controle). Ex.: a Constituição

Estadual/MG estabeleceu a possibilidade de uma ADIn questionando lei ou ato

normativo estadual ou municipal, em face da Constituição Estadual e também da

Constituição Federal; o STF declarou inconstitucional a parte que abrangia a

“Constituição Federal”, pois violava o art. 125, §2º, da CF/88, permanecendo íntegro o

restante do dispositivo. Outro exemplo: ADIn 2.645-MC/TO25.

25 EMENTA: I. Ação direta de inconstitucionalidade da parte final do art. 170 da L. est. 1284-TO, de 17/12/01 - Lei

Orgânica do Tribunal de Contas do Estado: inadmissibilidade, dado que, em tese, a inconstitucionalidade parcial

argüida imporia a declaração de invalidade da lei em extensão maior do que a pedida. II. Ação direta de

inconstitucionalidade parcial: incindibilidade do contexto do diploma legal: impossibilidade jurídica. 1. Da

declaração de inconstitucionalidade adstrita à regra de aproveitamento automático decorreria, com a subsistência

da parte inicial do art. 170, a inversão do sentido inequívoco do pertinente conjunto normativo da L. 1284/01: a

disponibilidade dos ocupantes dos cargos extintos - que a lei quis beneficiar com o aproveitamento automático - e,

com essa disponibilidade, a drástica conseqüência - não pretendida pela lei benéfica - de reduzir-lhes a

remuneração na razão do tempo de serviço público, imposta por força do novo teor ditado pela EC 19/98 ao art.

41, § 3º, da Constituição da República. 2. Essa inversão do sentido inequívoco da lei - de modo a fazê-la

prejudicial àqueles que só pretendeu beneficiar -, subverte a função que o poder concentrado de controle

abstrato de constitucionalidade de normas outorga ao Supremo Tribunal. (ADI 2645 MC / TO – TOCANTINS -

MEDIDA CAUTELAR NA AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE - Relator(a): Min. SEPÚLVEDA PERTENCE -

Julgamento: 11/11/2004 - Órgão Julgador: Tribunal Pleno)

INFORMATIVO 369: O Tribunal, por maioria, não conheceu de ação direta de inconstitucionalidade ajuizada pelo

Partido Popular Socialista contra a parte final do art. 170 da Lei 1.284/2001 - Lei Orgânica do Tribunal de Contas do

Estado do Tocantins ("Art. 170. Ficam extintos os cargos de Auditor Adjunto e de Procurador Adjunto, seus atuais

ocupantes colocados em disponibilidade remunerada e, automaticamente, aproveitados nos correspondentes

cargos de Auditor e de Procurador de Contas, respectivamente, quando houver vaga.") - v. Informativo 273.

Entendeu-se ser inviável a pleiteada declaração parcial de inconstitucionalidade do ato atacado, em face do

princípio segundo o qual a impugnação parcial de norma só é admissível no controle abstrato se se pode

presumir que o restante do dispositivo, não impugnado, seria editado independentemente da parte

supostamente inconstitucional, o que, na espécie, não teria ocorrido, já que a extinção dos cargos prevista no

mencionado art. 170 se dera apenas porque, no mesmo dispositivo, fora viabilizado o aproveitamento dos 40

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3.4. QUANTO AO MOMENTO QUE OCORRE A INCONSTITUCIONALIDADE

a) Inconstitucionalidade ORIGINÁRIA : ocorre quando o surgimento do objeto (lei ou

ato normativo) é posterior ao surgimento do parâmetro (norma constitucional). A

lei ou ato normativo já nasceu inconstitucional. Ex.: ADIn 4.451 MC-REF/DF trata

do art. 45, II, da Lei 9.504/97; o STF, em sede cautelar, considerou inconstitucional

essa norma, por violar a liberdade de expressão artística.

b) Inconstitucionalidade SUPERVENIENTE : ocorre quando a criação do objeto (lei ou

ato normativo) é anterior ao parâmetro invocado. Nesse caso, temos uma lei criada

antes do parâmetro. Ex.: a Lei de Imprensa foi elaborada com base na Constituição

vigente à época; veio, então, a CF/88, sendo que a referida lei não mais se mostrou

compatível com a nova Constituição. Ocorre que o ordenamento jurídico brasileiro

não admite a tese da inconstitucionalidade superveniente. Nesse caso, considera-

se como hipótese de não recepção (ex.: ADPF 130 – o STF não declarou a Lei de

Imprensa inconstitucional, mas sim que o referido diploma não foi recepcionado pela

Constituição Federal de 1988).

A inconstitucionalidade quanto ao momento se faz muito importante no estudo do

controle de constitucionalidade concentrado. Isso porque, vale adiantar, só caberá ADIn e ADC

em caso de inconstitucionalidade originária. A ADPF, por sua vez, cabe tanto na hipótese de

inconstitucionalidade originária quanto superveniente.

3.4. QUANTO AO PRISMA DE APURAÇÃO

a) Inconstitucionalidade DIRETA ou ANTECEDENTE : ocorre quando o ato impugnado

(objeto) viola diretamente a Constituição. Não há ato interposto entre a

servidores nos novos cargos. Vencidos os Ministros Marco Aurélio e Carlos Velloso que conheciam da ação.

(ADI 2645 MC/TO, rel. Min. Sepúlveda Pertence, 11.11.2004). 41

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Constituição e o objeto impugnado. Exemplo: a lei viola diretamente a Constituição,

pois não existe ato interposto entre eles.

b) Inconstitucionalidade INDIRETA : ocorre quando há algum ato interposto entre o

objeto impugnado e a Constituição. Exemplo: um decreto que regulamenta uma lei

nunca vai violar diretamente a Constituição, pois existe um ato interposto (a lei)

entre tais espécies (se o decreto regular a Constituição, será um decreto autônomo,

que, se inconstitucional, estará violando diretamente a CF).

b.1.) Inconstitucionalidade indireta CONSEQUENTE: ocorre quando a

inconstitucionalidade de um ato é uma consequência da

inconstitucionalidade de outro. Exemplo: vamos imaginar que uma

Assembleia Legislativa elabore uma lei regulamentando determinada

matéria, a qual, em verdade, é de competência da União; o governador,

por sua vez, edita um decreto regulamentando essa lei estadual; a

inconstitucionalidade da lei estadual é direta; a inconstitucionalidade do

decreto é indireta consequente.

b.2.) Inconstitucionalidade indireta REFLEXA, MEDIATA ou OBLÍQUA: ocorre

quando um determinado ato viola diretamente uma lei e, por via

reflexa, a Constituição. Nessa modalidade, a lei é constitucional, mas o

decreto que a regulamenta não é e, por via reflexa, acaba violando

também a Constituição. Assim, ao violar diretamente a lei, ele está

indiretamente violando a Constituição. ADIn e ADC só cabem quando a

inconstitucionalidade é direta ou indireta consequente. Na

inconstitucionalidade indireta reflexa não cabe ADIn, ADC, ADPF nem

Rec.Ext.

Direta ou Antecedente

42

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INCONSTITUCIONALIDADE

QUANTO AO PRISMA DE

APURAÇÃO

Indireta Consequente

Reflexa, mediata ou oblíqua

4. FORMAS DE CONTROLE DE CONSTITUCIONALIDADE

4.1. QUANTO À NATUREZA DO ÓRGÃO RESPONSÁVEL POR EXERCER O CONTROLE

a) Controle JURISDICIONAL : aquele feito por um órgão do Poder Judiciário.

b) Controle POLÍTICO: aquele feito por um órgão que não tem natureza jurisdicional:

Poder Legislativo e Poder Executivo. Denominação dada por exclusão.

De acordo com esse tipo de controle de constitucionalidade, existem três tipos de

sistemas de controle, retirados do direito comparado:

Sistema jurisdicional : em regra, o controle é exercido pelo Judiciário. Ex.: Brasil

e Estados Unidos.

Sistema político : é aquele adotado nos países nos quais o controle é feito por

órgão não jurisdicional. Ex.: França (quem exerce o controle é o Conselho

Constitucional, tanto no âmbito jurisdicional quanto administrativo).

Sistema misto : é aquele adotado nos países em que algumas espécies de leis se

submetem ao controle jurisdicional e outras ao controle político. Ex.: Suíça (o

controle de constitucionalidade depende do tipo de lei; se a lei for nacional,

compete ao Poder Legislativo; se for uma lei local, compete ao Poder Judiciário).

43

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4.2. QUANTO AO MOMENTO EM QUE O CONTROLE É EXERCIDO

a) Controle PREVENTIVO : é aquele que ocorre durante o processo de elaboração do

ato normativo. O ato não está violando a Constituição, pois ele ainda está em fase

de elaboração. É uma forma de evitar que o ato fique pronto e viole o texto

constitucional. O principal órgão que o exerce é o Poder Legislativo.

b) Controle REPRESSIVO : controle exercido depois de ocorrida a lesão. O principal

órgão que o exerce é o Poder Judiciário.

Ambas as formas de controle podem ser exercidas por todos os Poderes (Executivo,

Legislativo e Judiciário). Não existe restrição quanto a essa possibilidade.

Como os Poderes exercem o controle preventivo?

Poder Legislativo : a Comissão de Constituição e Justiça, órgão do Poder Legislativo,

é o principal responsável pelo exercício do controle preventivo de

constitucionalidade. Além da CCJ, o Plenário também exerce o controle.

Poder Executivo : veto jurídico (art. 66, §1º, CF). O Presidente da República pode

vetar o projeto de lei em dois casos: se ele entender que é inconstitucional (veto

jurídico) ou que é contrário ao interesse público (veto político). O controle

preventivo é exercido no caso do veto jurídico, e não político.

Poder Judiciário : na hipótese de Mandado de Segurança impetrado por

parlamentar, em razão de inobservância do devido processo legislativo

constitucional26 (não comporta análise de aspectos discricionários concernentes às

26 Destaque que a jurisprudência do STF consolidou-se no sentido de negar a legitimidade ativa ad causam a

terceiros, que não ostentem a condição de parlamentar, ainda que invocando a sua potencial condição de

destinatários da futura lei ou emenda à Constituição, sob pena de indevida transformação em controle preventivo

de constitucionalidade em abstrato, inexistente em nosso sistema constitucional.44

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questões políticas e aos atos interna corporis, vedando-se, desta feita,

interpretações das normas regimentais). Trata-se da única hipótese em que o PJ

pode exercer o controle preventivo. Observações quanto a esse controle do PJ:

o Somente o parlamentar da Casa na qual o projeto esteja em tramitação : se

o projeto de lei está tramitando da Câmara dos Deputados, um Senador não

pode impetrar MS, pois é o Deputado que está participando da elaboração

da lei naquele momento.

o Controle incidental ou concreto : a finalidade precípua do MS é proteger o

direito subjetivo do parlamentar de participar do processo legislativo hígido,

e não a supremacia da Constituição. Ex.: violação do art. 60, §4º, CF/88

(cláusulas pétreas)27.

Cumpre ressaltar, ainda, que a perda superveniente de titularidade do mandato

legislativo desqualifica a legitimação ativa do parlamentar. Isso porque a

atualidade do exercício do mandato parlamentar configura, nesse contexto,

situação legitimante e necessária, tanto para a instauração, quanto para o

prosseguimento da causa perante o STF. Verificada a ausência de tal condição, em

virtude da perda superveniente do mandato parlamentar no Congresso Nacional,

impõe-se a declaração de extinção do processo de mandado de segurança, porque

ausente a legitimidade ativa ad causam do ora impetrante, que não mais ostenta a

qualidade de membro de qualquer das Casas Legislativas (MS 27.971 – Inf. 647).

Como os Poderes exercem o controle repressivo ?

Poder Judiciário : existem duas formas de controle: difuso e concentrado. O

controle repressivo só poderá ser exercido pelo Judiciário após a conclusão

definitiva do processo legislativo, ou seja, após a promulgação e publicação da lei.

27 Já aconteceu de um Deputado Federal iniciar um projeto de lei com o objetivo de permitir a pena de morte para

determinados crimes que não apenas os crimes de guerra. Ocorre que, antes mesmo de o projeto começar a

tramitar, uma Deputada Federal impetrou Mandado de Segurança junto ao STF, sustentando que o projeto violava

o art. 66, §4º, da CF/88. Concedendo a ordem postulada pela parlamentar, exerceu o STF o controle preventivo de

constitucionalidade.45

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Poder Legislativo : podem exercer o controle em três situações: 1) art. 49, V, CF; 2)

art. 62, CF; e 3) Súmula nº. 347 (STF).

1) Art. 49, V 28 fiscalização de atos normativos do Poder Executivo. São duas as

possibilidades: 1) controle sobre decretos e regulamentos expedidos pelo Poder

Executivo (art. 84, IV,CF); 2) controle sobre as leis delegadas (art. 68, CF). Ex¹.:

vamos supor que o Poder Executivo exorbite os limites da regulamentação legal

(o decreto deveria regulamentar apenas a matéria constante da Lei X, mas ele

vai além, tratando de outras matérias); o Congresso Nacional, no exercício do

controle repressivo, pode suspender a parte do decreto que extrapolou os

limites do poder regulamentar, por meio de decreto legislativo. Ex².: o

Presidente da República, pretendendo tratar de determinada matéria X, solicita

ao Congresso Nacional a delegação para que ele próprio elabore a lei; se o

Congresso concordar, estabelecerá, por meio de uma resolução, os limites dessa

delegação; caso o Presidente trate de matéria não delegada, pode o Congresso

sustar a parte da lei delegada que extrapolou os limites indicados na resolução, o

que fará também por meio de decreto legislativo.

28 Art. 49. É da competência exclusiva do Congresso Nacional:

V - sustar os atos normativos do Poder Executivo que exorbitem do poder regulamentar ou dos limites de

delegação legislativa;

46

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2) Art. 62, CF 29 esse dispositivo trata da medida provisória. O Poder Legislativo

pode exercer o controle sobre a medida provisória em dois aspectos: 1)

pressupostos objetivos (relevância e urgência); 2) conteúdo da MP. Assim,

além de analisar a existência da relevância e urgência da medida provisória

(aspecto formal), o Congresso Nacional pode analisar também se o seu

conteúdo está compatível com a Constituição Federal (aspecto material). Ex.: se

o Presidente da República edita uma medida provisória que trate de uma

matéria dispensada à lei complementar, o Congresso pode suspendê-la, pois a

Constituição proíbe expressamente que medida provisória aborde tema de lei

complementar (art. 62, §1º, III, CF). Trata-se de um controle repressivo, uma

vez que a MP produz efeitos desde a sua edição.

3) Súmula nº. 347 (STF) diz a súmula que “o Tribunal de Contas, no exercício de

suas atribuições, pode apreciar a constitucionalidade das leis e dos atos do

Poder Público”. Ressalte-se que o Tribunal de Contas não pode declarar uma

lei inconstitucional, mas pode deixar de aplicá-la a um determinado concreto, 29 Art. 62. Em caso de relevância e urgência, o Presidente da República poderá adotar medidas provisórias, com

força de lei, devendo submetê-las de imediato ao Congresso Nacional. (Redação dada pela Emenda Constitucional

nº 32, de 2001)

§ 1º É vedada a edição de medidas provisórias sobre matéria: (Incluído pela Emenda Constitucional nº 32, de 2001)

I - relativa a: (Incluído pela Emenda Constitucional nº 32, de 2001)

a) nacionalidade, cidadania, direitos políticos, partidos políticos e direito eleitoral; (Incluído pela Emenda

Constitucional nº 32, de 2001)

b) direito penal, processual penal e processual civil; (Incluído pela Emenda Constitucional nº 32, de 2001)

c) organização do Poder Judiciário e do Ministério Público, a carreira e a garantia de seus membros; (Incluído pela

Emenda Constitucional nº 32, de 2001)

d) planos plurianuais, diretrizes orçamentárias, orçamento e créditos adicionais e suplementares, ressalvado o

previsto no art. 167, § 3º; (Incluído pela Emenda Constitucional nº 32, de 2001)

II - que vise a detenção ou seqüestro de bens, de poupança popular ou qualquer outro ativo financeiro; (Incluído

pela Emenda Constitucional nº 32, de 2001)

III - reservada a lei complementar; (Incluído pela Emenda Constitucional nº 32, de 2001)

IV - já disciplinada em projeto de lei aprovado pelo Congresso Nacional e pendente de sanção ou veto do

Presidente da República. (Incluído pela Emenda Constitucional nº 32, de 2001)

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por entendê-la inconstitucional. Ex.: a CE/MG permitia que alguns servidores

públicos não concursados fossem efetivados; antes de essa lei ser declarada

inconstitucional pelo STF, o então governador de MG já tinha efetivado

servidores com base nessa lei estadual; o Tribunal de Contas, contudo, antes

mesmo do STF, já havia considerado a norma inconstitucional, pelo que deixou

de convalidar o ato praticado pelo governador. Cumpre destacar que o Tribunal

de Contas é um órgão auxiliar do Poder Legislativo, por isso a sua atuação é

considerada como uma hipótese de controle repressivo exercido pelo Poder

Legislativo30.

Poder Executivo : o Chefe do Poder Executivo (prefeito, governador, Presidente da

República) pode negar cumprimento a uma lei que entenda ser inconstitucional.

Para isso, é necessário motivar e dar publicidade ao seu ato, por meio de um

decreto. Essa possibilidade vai até que momento? O Chefe do Poder Executivo pode

negar cumprimento até que haja uma decisão do Judiciário, no sentido da

constitucionalidade do ato normativo. Isso porque a lei possui uma presunção

relativa de constitucionalidade, então, até a lei ser considerada constitucional pelo

Poder Judiciário, pode o Chefe do Poder Executivo se recusar a cumprir a lei, caso a

entenda inconstitucional. Vale dizer que, após a CF/88, essa possibilidade de

negativa de cumprimento tem gerado muita polêmica. Ex.: o Presidente da

República Fernando Henrique Cardoso editou a medida provisória do “apagão”

(quem consumisse mais energia, pagaria muito mais caro); ocorre que Itamar

Franco, à época governador de MG, editou um decreto informando a negativa de

cumprimento a essa medida provisória; o STF concedeu medida cautelar em favor

de FHC, determinando o cumprimento da medida provisória por parte de todos os

entes federativos, inclusive Minas Gerais.

30 Ressalte-se que, no MS 29.123 MC/DF, o Min. Gilmar Mendes defendeu a revisão da Súmula 347. Ocorre que

essa súmula ainda continua plenamente válida, pois não houve o seu afastamento pelo STF.

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Qual a relação entre a ampliação do rol de legitimados para propor ADIn e o controle

repressivo do Poder Executivo?

Resp.: parte da doutrina entende que, após a CF/88, em que se passou a consagrar a

legitimidade ativa do Presidente da República e Governadores para propor ADIn, não se

justifica mais a negativa de cumprimento. Quanto à jurisprudência, existem poucos

julgados após a CF/88 sobre o tema, mas há decisões do STJ e STF admitindo a negativa

de cumprimento (STJ - REsp 23.121/GO31; STF – ADIn 221 MC/DF32). Há, ainda, quem

31 LEI INCONSTITUCIONAL - PODER EXECUTIVO - NEGATIVA DE EFICACIA. O PODER EXECUTIVO DEVE NEGAR

EXECUÇÃO A ATO NORMATIVO QUE LHE PAREÇA INCONSTITUCIONAL. (REsp 23121 / GO - RECURSO ESPECIAL -

1992/0013460-2 - Relator(a) Ministro HUMBERTO GOMES DE BARROS (1096) - Órgão Julgador T1 - PRIMEIRA

TURMA - Data do Julgamento 06/10/1993 - Data da Publicação/Fonte DJ 08/11/1993)32 AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE. MEDIDA PROVISORIA. REVOGAÇÃO. PEDIDO DE LIMINAR. - POR SER

A MEDIDA PROVISORIA ATO NORMATIVO COM FORÇA DE LEI, NÃO E ADMISSIVEL SEJA RETIRADA DO CONGRESSO

NACIONAL A QUE FOI REMETIDA PARA O EFEITO DE SER, OU NÃO, CONVERTIDA EM LEI. - EM NOSSO SISTEMA

JURÍDICO, NÃO SE ADMITE DECLARAÇÃO DE INCONSTITUCIONALIDADE DE LEI OU DE ATO NORMATIVO COM

FORÇA DE LEI POR LEI OU POR ATO NORMATIVO COM FORÇA DE LEI POSTERIORES. O CONTROLE DE

CONSTITUCIONALIDADE DA LEI OU DOS ATOS NORMATIVOS E DA COMPETÊNCIA EXCLUSIVA DO PODER

JUDICIARIO. OS PODERES EXECUTIVO E LEGISLATIVO, POR SUA CHEFIA - E ISSO MESMO TEM SIDO

QUESTIONADO COM O ALARGAMENTO DA LEGITIMAÇÃO ATIVA NA AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE

-, PODEM TÃO-SÓ DETERMINAR AOS SEUS ÓRGÃOS SUBORDINADOS QUE DEIXEM DE APLICAR

ADMINISTRATIVAMENTE AS LEIS OU ATOS COM FORÇA DE LEI QUE CONSIDEREM INCONSTITUCIONAIS. - A

MEDIDA PROVISORIA N. 175, POREM, PODE SER INTERPRETADA (INTERPRETAÇÃO CONFORME A CONSTITUIÇÃO)

COMO AB-ROGATÓRIA DAS MEDIDAS PROVISORIAS N.S. 153 E 156. SISTEMA DE AB-ROGAÇÃO DAS MEDIDAS

PROVISORIAS DO DIREITO BRASILEIRO. - REJEIÇÃO, EM FACE DESSE SISTEMA DE AB-ROGAÇÃO, DA PRELIMINAR DE

QUE A PRESENTE AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE ESTA PREJUDICADA, POIS AS MEDIDAS PROVISORIAS

N.S. 153 E 156, NESTE MOMENTO, SÓ ESTAO SUSPENSAS PELA AB-ROGAÇÃO SOB CONDIÇÃO RESOLUTIVA, AB-

ROGAÇÃO QUE SÓ SE TORNARA DEFINITIVA SE A MEDIDA PROVISORIA N. 175 VIER A SER CONVERTIDA EM LEI. E

ESSA SUSPENSÃO, PORTANTO, NÃO IMPEDE QUE AS MEDIDAS PROVISORIAS SUSPENSAS SE REVIGOREM, NO CASO

DE NÃO CONVERSAO DA AB-ROGANTE. - O QUE ESTA PREJUDICADO, NESTE MOMENTO EM QUE A AB-ROGAÇÃO

ESTA EM VIGOR, E O PEDIDO DE CONCESSÃO DE LIMINAR, CERTO COMO E QUE ESSA CONCESSÃO SÓ TEM

EFICACIA DE SUSPENDER "EX NUNC" A LEI OU ATO NORMATIVO IMPUGNADO. E, EVIDENTEMENTE, NÃO HÁ QUE

SE EXAMINAR, NESTE INSTANTE, A SUSPENSÃO DO QUE JA ESTA SUSPENSO PELA AB-ROGAÇÃO DECORRENTE DE

OUTRA MEDIDA PROVISORIA EM VIGOR. PEDIDO DE LIMINAR JULGADO PREJUDICADO "SI ET IN QUANTUM". (ADI

221 MC / DF - DISTRITO FEDERAL - MEDIDA CAUTELAR NA AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE -

Relator(a): Min. MOREIRA ALVES - Julgamento: 29/03/1990 - Órgão Julgador: Tribunal Pleno)49

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diga que, após a CF/88, o Chefe do Poder Executivo pode negar cumprimento, mas, por

uma questão de coerência, deve simultaneamente ajuizar uma ADIn (entendimento

pessoal do Min. Gilmar Mendes, na AO 1.415/SE); segundo este último posicionamento,

ressalte-se, no caso do prefeito, ele apenas iria negar o cumprimento, porque ele não é

legitimado a propor ADIn.

4.3. QUANTO À FINALIDADE PRINCIPAL DO CONTROLE

a) Controle concreto ou incidental 33 : é aquele que surge a partir de um caso concreto e

que tem como principal finalidade a proteção de direitos subjetivos. O controle

concreto surge em razão da violação concreta de um direito subjetivo. A análise da

constitucionalidade ou não da lei é feita de forma incidental no processo. Ex.: nova

lei previdenciária determina redução do benefício; um aposentado, sentindo-se

prejudicado, ajuíza uma demanda requerendo a manutenção do valor do seu

benefício previdenciário, por meio da declaração incidental da inconstitucionalidade

da lei. Ainda, temos que, no controle concreto, a pretensão é deduzida em juízo

através de um processo constitucional subjetivo. O controle concreto, vale dizer, é

uma matéria mais processual do que constitucional.

b) Controle abstrato: tem como principal finalidade a proteção da supremacia

constitucional. O objetivo precípuo não é proteger um direito subjetivo, mas a

supremacia da Constituição. No controle abstrato, a constitucionalidade da lei não é

uma questão incidental, mas sim questão principal do processo (o STF discute se a lei

é constitucional ou não, e não o caso concreto). Esse controle também é chamado de

“controle por via principal”; “controle por via de ação”; ou “controle por via direta”.

Ainda, temos que a pretensão é deduzida em juízo através de um processo

constitucional objetivo (proteção da ordem constitucional objetiva).

33 O controle concreto ou incidental também costuma ser chamado de “controle por via de exceção” ou “controle

por via de defesa”, que são termos, segundo entende Novelino, equivocados (não é técnico), uma vez que a

alegação de inconstitucionalidade não se faz, necessariamente, em sede de defesa.50

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4.4. QUANTO À COMPETÊNCIA JURISDICIONAL

Essa análise, vale dizer, somente vale para o Poder Judiciário.

a) Controle difuso ou aberto : é aquele que pode ser exercido por qualquer juiz ou

tribunal. Não existe reserva para o exercício desse controle. Qualquer órgão do

Poder Judiciário pode exercê-lo. O controle difuso também é conhecido como

sistema norte-americano34

b) Controle concentrado : é aquele cuja competência é reservada a determinado órgão

do Poder Judiciário. No Brasil, quando o parâmetro é a Constituição Federal, a

competência para processar e julgar uma ação de controle concentrado é do

Supremo Tribunal Federal (ADIn, ADC, ADO e ADPF). Quando o parâmetro é a

Constituição Estadual, a competência se concentra no Tribunal de Justiça. O controle

concentrado é conhecido como sistema austríaco ou europeu35.

Sistema de controle jurisdicional x controle misto ou combinado :

34 IMPORTANTE! Vale lembrar que o controle de constitucionalidade difuso nasceu nos EUA. A doutrina aponta

que o seu surgimento ocorreu em 1803, quando o Juiz Marshal julgou o caso MARBURY X MADISON; este é o caso

mais famoso, indicado como o marco do surgimento do controle de constitucionalidade no mundo. Ocorre que

essa não foi a primeira vez que o Judiciário norte-americano discutiu a constitucionalidade de uma lei . Em

verdade, foi a primeira vez que a Suprema Corte declarou inconstitucional uma lei. Assim, vale dizer, antes de

1803, existiram dois casos importantes em que foi discutida a constitucionalidade de uma lei, senão vejamos: 1)

HAYBURN’S CASE (1792) – não foi uma decisão proferida pela Suprema Corte, mas pelas “Cortes do Circuito”, que

declaram inconstitucional uma lei de pensão para inválidos. 2) HYLTON X UNITED STATES (1796) – foi julgado pela

Suprema Corte, que declarou um ato do Congresso americano constitucional. A primeira vez que a Suprema Corte

declarou uma lei inconstitucional foi no caso Marbury x Madison, em 1803, e foi neste case no qual foram

estabelecidas as bases teóricas do controle de constitucionalidade. No BRASIL, o controle difuso surgiu com a

Constituição de 1891.35 O controle concentrado surgiu na Áustria (Constituição de 1920), criado por Hans Kelsen, exercido pelo Tribunal

Constitucional. No BRASIL, o controle concentrado foi introduzido pela EC 16/1965 (emenda feita na Constituição

de 1946).51

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O sistema jurisdicional brasileiro adota um modelo de controle misto ou combinado.

Vale dizer, o controle jurisdicional pode ser difuso ou concentrado. O sistema de controle

jurisdicional remete ao fato de que cabe, em regra, ao Poder Judiciário o exercício do controle

de constitucionalidade. Este controle, por sua vez, aqui no Brasil, é do tipo misto ou combinado,

uma vez que ele combina tanto o controle difuso quanto o concentrado.

5. CONTROLE DIFUSO

5.1. ASPECTOS GERAIS

a) Competência : qualquer órgão do Poder Judiciário.

b) Legitimidade : qualquer pessoa que tenha um direito subjetivo violado por um ato

do Poder Público incompatível com a Constituição.

c) Parâmetro : qualquer norma formalmente constitucional, mesmo que já revogada.

Todo controle difuso, no Brasil, é também um controle concreto ou incidental, e, por

consequência, tem por finalidade assegurar direitos subjetivos36. Assim, não

interessa se uma Constituição já foi revogada ou não, pois durante o período em

que a Constituição esteve em vigor ela produziu efeitos. O que interessa é a época

em que o direito subjetivo foi violado. Se a violação, por exemplo, ocorreu em 1968,

teremos que analisar o que a lei e a Constituição vigentes à época estabeleciam

(tempus regit actum). Portanto, no controle difuso concreto, o que deve ser levado

em consideração é a Constituição e a lei vigentes na época em que o fato ocorreu.

d) Objeto : não existe qualquer restrição em relação à natureza do ato.

e) Efeitos da decisão (STF) :

36 Regra: “controle difuso concreto” e “controle concentrado abstrato”. Exceções: 1) ADI interventiva; 2) ADPF

incidental (“controle concentrado concreto”).52

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Aspecto subjetivo : efeito “inter partes” (não atinge terceiros, mas apenas

aqueles que fazem parte do processo). Ex.: RCL 10.403/RJ.

Aspecto objetivo : estamos nos referindo à parte da decisão na qual a

inconstitucionalidade é apreciada. No controle difuso concreto, a parte

postula a proteção do seu direito subjetivo; a constitucionalidade da lei

somente vai ser discutida na fundamentação da decisão (questão incidenter

tantum). Portanto, a inconstitucionalidade é apreciada de forma incidental

na fundamentação da decisão.

Aspecto temporal : no Brasil, segundo o entendimento majoritário (doutrina e

jurisprudência), a lei inconstitucional é considerada um ato nulo, ou seja, ela

já nasceu incompatível com a Constituição, possuindo, pois, um vício de

origem. Logo, a declaração de inconstitucionalidade, em regra, possui efeitos

ex tunc (retroativo). Todavia, essa regra comporta EXCEÇÃO: possibilidade

de modulação temporal dos efeitos da decisão. Essa modulação pode fazer

com que a decisão tenha efeitos ex nunc (não retroativo); admite-se, ainda,

que a decisão tenha efeitos prospectivos (“pro futuro”). Ressalte-se que

existem dois requisitos para que o STF proceda à modulação temporal dos

efeitos da decisão: 1) razões de segurança jurídica ou de excepcional

interesse social; 2) decisão proferida por maioria de 2/3 (8 Ministros). Vale

dizer que o STF aplica por analogia o art. 27 da Lei 9.868/9937 (essa lei trata

da ADI e ADC, e não do controle difuso). Exemplos: RE 442.683/RS38 (lei que

37 Art. 27. Ao declarar a inconstitucionalidade de lei ou ato normativo, e tendo em vista razões de segurança

jurídica ou de excepcional interesse social, poderá o Supremo Tribunal Federal, por maioria de dois terços de

seus membros, restringir os efeitos daquela declaração ou decidir que ela só tenha eficácia a partir de seu

trânsito em julgado ou de outro momento que venha a ser fixado.38 EMENTA: CONSTITUCIONAL. SERVIDOR PÚBLICO: PROVIMENTO DERIVADO: INCONSTITUCIONALIDADE: EFEITO

EX NUNC. PRINCÍPIOS DA BOA-FÉ E DA SEGURANÇA JURÍDICA. I. - A Constituição de 1988 instituiu o concurso

público como forma de acesso aos cargos públicos. CF, art. 37, II. Pedido de desconstituição de ato administrativo

que deferiu, mediante concurso interno, a progressão de servidores públicos. Acontece que, à época dos fatos

1987 a 1992 , o entendimento a respeito do tema não era pacífico, certo que, apenas em 17.02.1993, é que o 53

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previa ascensão de servidor público sem concurso público – foi declarada

inconstitucional com efeitos ex nunc); RE 197.917/SP39 (lei permitiu que um

número maior de vereadores tomasse posse em determinado município, sem

amparo constitucional; posteriormente, a lei foi declarada inconstitucional,

porém com produção de efeitos a partir da próxima legislatura, por questões

de segurança jurídica e de interesse público).

Supremo Tribunal Federal suspendeu, com efeito ex nunc, a eficácia do art. 8º, III; art. 10, parágrafo único; art.

13, § 4º; art. 17 e art. 33, IV, da Lei 8.112, de 1990, dispositivos esses que foram declarados inconstitucionais em

27.8.1998: ADI 837/DF, Relator o Ministro Moreira Alves, "DJ" de 25.6.1999. II. - Os princípios da boa-fé e da

segurança jurídica autorizam a adoção do efeito ex nunc para a decisão que decreta a inconstitucionalidade.

Ademais, os prejuízos que adviriam para a Administração seriam maiores que eventuais vantagens do

desfazimento dos atos administrativos. III. - Precedentes do Supremo Tribunal Federal. IV. - RE conhecido, mas

não provido. (RE 442683 / RS - RIO GRANDE DO SUL - RECURSO EXTRAORDINÁRIO - Relator(a): Min. CARLOS

VELLOSO - Julgamento: 13/12/2005 - Órgão Julgador: Segunda Turma)39 RECURSO EXTRAORDINÁRIO. MUNICÍPIOS. CÂMARA DE VEREADORES. COMPOSIÇÃO. AUTONOMIA MUNICIPAL.

LIMITES CONSTITUCIONAIS. NÚMERO DE VEREADORES PROPORCIONAL À POPULAÇÃO. CF, ARTIGO 29, IV.

APLICAÇÃO DE CRITÉRIO ARITMÉTICO RÍGIDO. INVOCAÇÃO DOS PRINCÍPIOS DA ISONOMIA E DA RAZOABILIDADE.

INCOMPATIBILIDADE ENTRE A POPULAÇÃO E O NÚMERO DE VEREADORES. INCONSTITUCIONALIDADE,

INCIDENTER TANTUM, DA NORMA MUNICIPAL. EFEITOS PARA O FUTURO. SITUAÇÃO EXCEPCIONAL. 1. O artigo

29, inciso IV da Constituição Federal, exige que o número de Vereadores seja proporcional à população dos

Municípios, observados os limites mínimos e máximos fixados pelas alíneas a, b e c. 2. Deixar a critério do

legislador municipal o estabelecimento da composição das Câmaras Municipais, com observância apenas dos

limites máximos e mínimos do preceito (CF, artigo 29) é tornar sem sentido a previsão constitucional expressa

da proporcionalidade. 3. Situação real e contemporânea em que Municípios menos populosos têm mais

Vereadores do que outros com um número de habitantes várias vezes maior. Casos em que a falta de um

parâmetro matemático rígido que delimite a ação dos legislativos Municipais implica evidente afronta ao

postulado da isonomia. 4. Princípio da razoabilidade. Restrição legislativa. A aprovação de norma municipal que

estabelece a composição da Câmara de Vereadores sem observância da relação cogente de proporção com a

respectiva população configura excesso do poder de legislar, não encontrando eco no sistema constitucional

vigente. 5. Parâmetro aritmético que atende ao comando expresso na Constituição Federal, sem que a

proporcionalidade reclamada traduza qualquer afronta aos demais princípios constitucionais e nem resulte formas

estranhas e distantes da realidade dos Municípios brasileiros. Atendimento aos postulados da moralidade,

impessoalidade e economicidade dos atos administrativos (CF, artigo 37). 6. Fronteiras da autonomia municipal

impostas pela própria Carta da República, que admite a proporcionalidade da representação política em face do 54

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f) Papel do Senado : quando o STF julga, definitivamente, a inconstitucionalidade de

uma lei, como essa decisão possui apenas efeitos “inter partes”, a Constituição

Federal prevê a possibilidade de o Senado editar uma resolução, suspendendo a

execução da lei, dando, pois, efeito erga omnes à declaração de

inconstitucionalidade (art. 52, X, CF40). Ressalte-se que o próprio Regimento Interno

do Senado Federal estabelece que essa possibilidade de suspensão somente se

aplica à hipótese de controle difuso de constitucionalidade.

g) Cláusula da reserva de plenário (art. 97, CF) : no controle difuso, a

constitucionalidade pode ser declarada por qualquer juiz ou tribunal. Em se tratando

de tribunal, cumpre destacar que a inconstitucionalidade somente pode ser

declarada por órgão especial da Corte, bem como mediante voto da maioria

absoluta dos membros do tribunal.

5.2. AÇÃO CIVIL PÚBLICA

A questão relativa à possibilidade de utilização da ação civil pública no controle de

constitucionalidade já foi muito polêmica, mas hoje já está pacificado o entendimento.

Tanto o STJ quanto o STF admitem a possibilidade de utilização da ação civil pública

como instrumento de controle incidental. Para que não haja uma usurpação da competência

número de habitantes. Orientação que se confirma e se reitera segundo o modelo de composição da Câmara dos

Deputados e das Assembléias Legislativas (CF, artigos 27 e 45, § 1º). 7. Inconstitucionalidade, incidenter tantun,

da lei local que fixou em 11 (onze) o número de Vereadores, dado que sua população de pouco mais de 2600

habitantes somente comporta 09 representantes. 8. Efeitos. Princípio da segurança jurídica. Situação

excepcional em que a declaração de nulidade, com seus normais efeitos ex tunc, resultaria grave ameaça a todo

o sistema legislativo vigente. Prevalência do interesse público para assegurar, em caráter de exceção, efeitos pro

futuro à declaração incidental de inconstitucionalidade. Recurso extraordinário conhecido e em parte provido.

(RE 197917 / SP - SÃO PAULO - RECURSO EXTRAORDINÁRIO - Relator(a): Min. MAURÍCIO CORRÊA - Julgamento:

06/06/2002 - Órgão Julgador: Tribunal Pleno)40 Art. 52. Compete privativamente ao Senado Federal:

X - suspender a execução, no todo ou em parte, de lei declarada inconstitucional por decisão definitiva do

Supremo Tribunal Federal;55

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do STF, a inconstitucionalidade não pode ser objeto do pedido, mas apenas o seu

fundamento ou uma questão incidental (STJ – REsp 557.64641; REsp 294.02242; STF – RE

227.15943).

Portanto, não há dúvidas de que a ação civil pública pode ser utilizada como

instrumento para o controle incidental de constitucionalidade. Ocorre que ela não pode ser

utilizada para este fim específico, caso contrário estaria fazendo as vezes da ação direta de

inconstitucionalidade, de competência exclusiva do STF.

41 PROCESSUAL CIVIL - AÇÃO CIVIL PÚBLICA - DECLARAÇÃO INCIDENTAL DE INCONSTITUCIONALIDADE -

POSSIBILIDADE - EFEITOS. 1. É possível a declaração incidental de inconstitucionalidade, na ação civil pública, de

quaisquer leis ou atos normativos do Poder Público, desde que a controvérsia constitucional não figure como

pedido, mas sim como causa de pedir, fundamento ou simples questão prejudicial, indispensável à resolução do

litígio principal, em torno da tutela do interesse público. 2. A declaração incidental de inconstitucionalidade na

ação civil pública não faz coisa julgada material, pois se trata de controle difuso de constitucionalidade, sujeito

ao crivo do Supremo Tribunal Federal, via recurso extraordinário, sendo insubsistente, portando, a tese de que

tal sistemática teria os mesmos efeitos da ação declaratória de inconstitucionalidade. 3. O efeito erga omnes da

coisa julgada material na ação civil pública será de âmbito nacional, regional ou local conforme a extensão e a

indivisibilidade do dano ou ameaça de dano, atuando no plano dos fatos e litígios concretos, por meio,

principalmente, das tutelas condenatória, executiva e mandamental, que lhe asseguram eficácia prática,

diferentemente da ação declaratória de inconstitucionalidade, que faz coisa julgada material erga omnes no

âmbito da vigência espacial da lei ou ato normativo impugnado. 4. Recurso especial provido. (Processo REsp

557646 / DF - RECURSO ESPECIAL - 2003/0094181-7 - Relator(a) Ministra ELIANA CALMON (1114) - Órgão Julgador

T2 - SEGUNDA TURMA - Data do Julgamento 13/04/2004 - Data da Publicação/Fonte DJ 30/06/2004 p. 314)42 PROCESSUAL CIVIL. AÇÃO CIVIL PÚBLICA. CONTROLE DIFUSO DE CONSTITUCIONALIDADE. EFICÁCIA ERGA

OMNES. LEGITIMIDADE DO MINISTÉRIO PÚBLICO. PRECEDENTES. 1. O STJ vem perfilhando o entendimento de

que é possível a declaração incidental de inconstitucionalidade de leis ou atos normativos em sede de ação civil

pública, nos casos em que a controvérsia constitucional consista no fundamento do pedido ou na questão

prejudicial que leve à solução do bem jurídico perseguido na ação . 2. Tratando-se de controle difuso, portanto

exercitável incidentalmente no caso concreto, apenas a esse estará afeto, não obrigando pessoas que não

concorreram para o evento danoso apontado na ação coletiva; ou seja, a decisão acerca da

in/constitucionalidade não contará com o efeito erga omnes, de forma que não se verifica a hipótese de ludibrio

do sistema de controle constitucional. 3. Recurso especial provido. (Processo REsp 294022 / DF - RECURSO

ESPECIAL - 2000/0135875-8 - Relator(a) Ministro JOÃO OTÁVIO DE NORONHA (1123) - Órgão Julgador T2 -

SEGUNDA TURMA - Data do Julgamento 02/08/2005 - Data da Publicação/Fonte DJ 19/09/2005 p. 243)43 EMENTA: - Recurso extraordinário. Ação Civil Pública. Ministério Público. Legitimidade. 2. Acórdão que deu como

inadequada a ação civil pública para declarar a inconstitucionalidade de ato normativo municipal. 3. Entendimento 56

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A ação civil pública, assim, funcionará igual às demais ações em que, incidentalmente, se

busca a declaração da inconstitucionalidade de uma norma (Mandado de Segurança, Habeas

Corpus etc.).

Caso a ação civil pública seja utilizada como uma espécie de ADI, usurpando a

competência do STF, admite-se a propositura de Reclamação junto a esta Corte.

6. CONTROLE CONCENTRADO ABSTRATO

Vamos estudar a ADI e ADC (reguladas pela Lei 9.868/99), além da ADPF (Lei 9.882/99).

6.1. INTRODUÇÃO

A ADI/ADC possuem um caráter dúplice ou ambivalente (art. 24, Lei 9.868/9944). Isso

significa dizer que a natureza dessas ações é a mesma. A diferença está no “sinal”: a ADI pede a

declaração de inconstitucionalidade; a ADC pede a declaração de constitucionalidade. Assim, se

o STF declarou a norma constitucional, uma ADC teria sido julgada procedente, e uma ADI

improcedente; caso contrário, ou seja, se o STF declarou a inconstitucionalidade de uma

norma, uma ADC teria sido julgada improcedente e uma ADI procedente.

Quando existe uma ADI e uma ADC sobre o mesmo tema tramitando junto ao STF, o

seu julgamento é conjunto. Foi o que aconteceu, por exemplo, recentemente, com a Lei Maria

da Penha.

Não obstante essas ações possuam a mesma natureza, existem algumas diferenças.

desta Corte no sentido de que "nas ações coletivas, não se nega, à evidência, também, a possibilidade de

declaração de inconstitucionalidade, incidenter tantum, de lei ou ato normativo federal ou local." 4.

Reconhecida a legitimidade do Ministério Público, em qualquer instância, de acordo com a respectiva jurisdição, a

propor ação civil pública(CF, arts. 127 e 129, III). 5. Recurso extraordinário conhecido e provido para que se

prossiga na ação civil pública movida pelo Ministério Público. (RE 227159 / GO – GOIÁS - RECURSO

EXTRAORDINÁRIO - Relator(a): Min. NÉRI DA SILVEIRA - Julgamento: 12/03/2002 - Órgão Julgador: Segunda

Turma)44 Art. 24. Proclamada a constitucionalidade, julgar-se-á improcedente a ação direta ou procedente eventual ação

declaratória; e, proclamada a inconstitucionalidade, julgar-se-á procedente a ação direta ou improcedente

eventual ação declaratória.57

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A primeira delas diz respeito ao pressuposto de admissibilidade da ADC, que não existe

na ADI. Naquela, entretanto, é necessária a existência de “controvérsia judicial relevante” (art.

14, III, Lei 9.868/9945). Qual a razão dessa exigência? As leis são presumidamente

constitucionais; em razão dessa presunção de constitucionalidade é que se faz necessária a

existência de uma controvérsia judicial relevante, caso contrário não se justifica a propositura

de ADC.

Vale dizer que a ADPF também possui um requisito específico, que é o seu caráter

subsidiário, ou seja, só é cabível a ADPF quando não existir outro meio igualmente eficaz para

sanar a lesividade (art. 4º, §1º, Lei 9.882/9946). Para o STF, esse “meio igualmente eficaz” deve

ter a mesma efetividade, amplitude e imediaticidade da ADPF (geralmente, esse “meio” vai ser

uma ADI ou ADC47).

6.2. ASPECTOS COMUNS (ADI/ADC/ADPF)

a) Não se admite desistência, assistência nem intervenção de terceiros 48: a Lei 9.868/99

prevê a possibilidade da intervenção do amicus curiae na ADI e ADC (art. 20, §1º49),

mas ressalte-se que existem alguns Ministros do STF que entendem que o amicus

curiae seria uma forma de intervenção de terceiros. Nenhuma das duas leis trata,

45 Art. 14. A petição inicial indicará:

III - a existência de controvérsia judicial relevante sobre a aplicação da disposição objeto da ação declaratória.46 Art. 4o A petição inicial será indeferida liminarmente, pelo relator, quando não for o caso de argüição de

descumprimento de preceito fundamental, faltar algum dos requisitos prescritos nesta Lei ou for inepta.

§ 1o Não será admitida argüição de descumprimento de preceito fundamental quando houver qualquer outro

meio eficaz de sanar a lesividade.47 O STF trouxe outro exemplo de “meio igualmente eficaz”, que não a ADI e ADC. Foi ajuizada uma ADPF tendo por

objeto uma súmula vinculante. O STF entendeu que, nesse caso, não seria cabível a ADPF, uma vez que a Lei

11.417/06 prevê outro mecanismo igualmente eficaz, qual seja, o Pedido de Revisão/Cancelamento de Súmula

Vinculante.48 Ver amicus curiae.49 § 1o Em caso de necessidade de esclarecimento de matéria ou circunstância de fato ou de notória insuficiência

das informações existentes nos autos, poderá o relator requisitar informações adicionais, designar perito ou

comissão de peritos para que emita parecer sobre a questão ou fixar data para, em audiência pública, ouvir

depoimentos de pessoas com experiência e autoridade na matéria.58

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especificamente, da assistência, mas tal vedação é expressa no Regimento Interno

do STF (lembre-se, entretanto, que a assistência é uma espécie de intervenção de

terceiros, mas é importante fazer essa distinção neste tópico).

b) A causa de pedir é aberta : ou seja, abrange todos os dispositivos da Constituição,

independentemente daqueles que foram invocados na inicial. Ex.: é proposta uma

ADI questionando a constitucionalidade de uma lei que prevê a quebra do sigilo

bancário, sob o fundamento de que viola o art. 5º, XII, da CF/88; o STF pode declarar

a lei inconstitucional, não com fundamento no dispositivo invocado, mas com

fundamento no art. 5º, X, da CF/88. Assim, o STF não está adstrito ao dispositivo

constitucional invocado como parâmetro. O que importa é o objeto do pedido, e

não a causa de pedir.

c) A decisão de mérito é irrecorrível, salvo embargos declaratórios : nenhuma dessas

ações admite qualquer recurso contra a decisão de mérito, com exceção dos

embargos de declaração.

d) Não cabe ação rescisória .

6.3. LEGITIMIDADE ATIVA

A legitimidade ativa é a mesma para ADI, ADC e ADPF. Ela deve ter previsão legal e

constitucional, pois o controle abstrato não depende de um direito subjetivo. A finalidade

principal desse controle é assegurar a supremacia da Constituição, razão pela qual cabe à Carta

Magna (ou à lei) estabelecer quem são os legitimados para postulá-la.

59

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O rol de legitimados está no art. 103 da CF/8850 (também se aplica à ADPF, ainda que

não esteja mencionada; há previsão legal expressa nesse sentido – art. 2º, inciso I, Lei

9.882/9951). Ainda, destaque-se que esse rol de legitimados é exaustivo (numerus clausus).

Antes, somente o Procurador-Geral da República possuía essa legitimidade; o rol foi

substancialmente ampliado com a EC 45/2004.

A jurisprudência faz uma distinção dentro do rol de legitimados:

Legitimados ativos UNIVERSAIS : não precisam demonstrar a pertinência

temática. Relacionam-se à União. São eles: Presidente da República,

Procurador-Geral da República, Mesa da Câmara dos Deputados, Mesa do

Senado Federal, partidos políticos com representação no Congresso Nacional e

Conselho Federal da OAB.

Legitimados ativos ESPECIAIS : precisam demonstrar a existência de pertinência

temática (= nexo de causalidade entre o interesse defendido pelo legitimado

50 Art. 103. Podem propor a ação direta de inconstitucionalidade e a ação declaratória de constitucionalidade:

(Redação dada pela Emenda Constitucional nº 45, de 2004)

I - o Presidente da República;

II - a Mesa do Senado Federal;

III - a Mesa da Câmara dos Deputados;

IV a Mesa de Assembléia Legislativa ou da Câmara Legislativa do Distrito Federal; (Redação dada pela Emenda

Constitucional nº 45, de 2004)

V o Governador de Estado ou do Distrito Federal; (Redação dada pela Emenda Constitucional nº 45, de 2004)

VI - o Procurador-Geral da República;

VII - o Conselho Federal da Ordem dos Advogados do Brasil;

VIII - partido político com representação no Congresso Nacional;

IX - confederação sindical ou entidade de classe de âmbito nacional.51 Art. 2o Podem propor argüição de descumprimento de preceito fundamental:

I - os legitimados para a ação direta de inconstitucionalidade;60

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ativo e o objeto impugnado) – ADI 30552; ADI 1.507-MC-AgR53. Ex.: o Conselho

Federal de Medicina, ao ajuizar uma ADI, ADC ou ADPF, deve demonstrar que a

norma impugnada fere os interesses da categoria; Governador do Estado deve

demonstrar que a norma impugnada fere os interesses do Estado que ele

representa. Relacionam-se aos Estados. São eles: Governador (estados/DF),

Mesa da Assembleia Legislativa, Mesa da Câmara Legislativa (DF),

confederação sindical e entidades de classe de âmbito nacional.

LEGITIMADOS ATIVOS (ADI/ADC/ADPF)

- P. EXECUT. P. JUDIC. P. LEGISL. MIN. PÚB. OUTROS

52 INFORMATIVO 285: Vinculação de Vencimentos: Inconstitucionalidade. Por afronta à vedação constitucional de

equiparação ou vinculação de vencimentos (CF, art. 37, XIII), o Tribunal, julgando o mérito de ação direta ajuizada

pela Associação dos Magistrados Brasileiros - AMB, declarou a inconstitucionalidade de expressões contidas nos

§§ 2º dos artigos 87, 89, 90 e 160, da Constituição do Estado do Rio Grande do Norte, que previam a equiparação

salarial entre diversas carreiras, do art. 3º da Lei Complementar estadual 77/90, bem como da expressão

"respeitada a situação dos aposentados que se encontravam em exercício em 12 de outubro de 1988", constante

da parte final do art. 12 do ADCT da mesma Constituição. ADI 305-RN, rel. Min. Maurício Corrêa, 10.10.2002. 53 EMENTA: - CONSTITUCIONAL. AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE: SEGUIMENTO NEGADO PELO

RELATOR. COMPETÊNCIA DO RELATOR (RI/STF, art. 21, § 1º; Lei 8.038, de 1.990, art. 38): CONSTITUCIONALIDADE.

AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE: LEGITIMIDADE ATIVA: PERTINÊNCIA TEMÁTICA. I. - Tem legitimidade

constitucional a atribuição conferida ao Relator para arquivar ou negar seguimento a pedido ou recurso

intempestivo, incabível ou improcedente e, ainda, quando contrariar a jurisprudência predominante do Tribunal

ou for evidente a sua incompetência (RI/STF, art. 21, § 1º; Lei 8.038/90, art. 38), desde que, mediante recurso -

agravo regimental, por exemplo - possam as decisões ser submetidas ao controle do colegiado. Precedentes do

STF. II. - A legitimidade ativa da confederação sindical, entidade de classe de âmbito nacional, Mesas das

Assembléias Legislativas e Governadores, para a ação direta de inconstitucionalidade, vincula-se ao objeto da

ação, pelo que deve haver pertinência da norma impugnada com os objetivos do autor da ação. III. - Precedentes

do STF: ADIn 305-RN (RTJ 153/428); ADIn 1.151-MG ("DJ" de 19.05.95); ADIn 1.096-RS ("LEX-JSTF", 211/54); ADIn

1.519-AL, julg. em 06.11.96; ADIn 1.464-RJ, "DJ" de 13.12.96. IV. - Inocorrência, no caso, de pertinência das normas

impugnadas com os objetivos da entidade de classe autora da ação direta. Negativa de seguimento da inicial.

(Agravo não provido. ADI 1507 MC-AgR / RJ - RIO DE JANEIRO - AG.REG.NA MEDIDA CAUTELAR NA AÇÃO DIRETA

DE INCONSTITUCIONALIDADE - Relator(a): Min. CARLOS VELLOSO - Julgamento: 03/02/1997 - Órgão Julgador:

Tribunal Pleno)61

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UNIVERSAIS(União)

Presidente da República

-

Mesas da Câmara dos Deputados e do Senado

Federal

Procurador-Geral da

República

Partidos Políticos (com representação

no CN) e Conselho

Federal da OAB.

ESPECIAIS(Estados)

Governador (Estados/DF)

-

Mesas da Assembleia Legislativa

e da Câmara Legislativa

-

Confederação Sindical e

Entidades de Classe (âmbito

nacional)

Sobre o tema, surgem algumas observações:

Vice-Presidente e Vice-Governador NÃO podem propor ADI, ADC e ADPF :

lembre-se que o rol é taxativo. No entanto, cumpre ressaltar que se o Vice

estiver substituindo o Chefe do Poder Executivo, ele poderá propor a ação ,

pois, nesse caso, ele estará no exercício da titularidade do cargo, atuando, pois,

como Presidente ou Governador, e não como Vice.

Mesa do Congresso Nacional NÃO tem legitimidade ativa : mais uma vez,

destaque-se que o rol do art. 103 da CF/88 é taxativo.

A legitimidade do partido político deve ser aferida no momento da propositura

da ação: fruto do novo posicionamento do STF, modificado em 2004 (ADI 2.158

AgR/DF54) Assim, ainda que o partido político perca o seu único representante

após a propositura da ação, a sua legitimidade ativa permanece.

54 Decisão: O Tribunal, por maioria, deu provimento ao agravo, no sentido de reconhecer que a perda

superveniente de representação parlamentar não desqualifica o partido político como legitimado ativo para a

propositura da ação direta de inconstitucionalidade, vencidos os Senhores Ministros Carlos Velloso, Relator, e

Celso de Mello. Votou o Presidente, o Senhor Ministro Nelson Jobim. Redigirá o acórdão o Senhor Ministro Gilmar

Mendes. Ausente, justificadamente, a Senhora Ministra Ellen Gracie. Plenário, 12.08.2004. 62

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Confederação sindical e entidade de classe : “confederação” já significa que ela

pertence ao âmbito nacional. A entidade de classe também que ser de âmbito

nacional; quanto a ela, existem alguns entendimentos importantes do STF:

o A entidade deve ser representativa de uma determinada categoria

profissional, social ou econômica: CUT (Central Única dos Trabalhadores)

e CGT (Comando Geral dos Trabalhadores), para o STF, não possuem

legitimidade ativa, pois representam categorias diversas (ADI 27155 e ADI

1.44256).

55 EMENTA: Ação direta de inconstitucionalidade. Central Única dos Trabalhadores (CUT). Falta de legitimação

ativa. - Sendo que a autora constituída por pessoas jurídicas de natureza vária, e que representam categorias

profissionais diversas, não se enquadra ela na expressão - entidade de classe de âmbito nacional-, a que alude o

artigo 103 da Constituição, contrapondo-se às confederações sindicais, porquanto não é uma entidade que

congregue os integrantes de uma determinada atividade ou categoria profissional ou econômica, e que,

portanto, represente, em âmbito nacional, uma classe. - Por outro lado, não é a autora - e nem ela própria se

enquadra nesta qualificação - uma confederação sindical, tipo de associação sindical de grau superior

devidamente previsto em lei (C.L.T. artigos 533 e 535), o qual ocupa o cimo da hierarquia de nossa estrutura

sindical e ao qual inequivocamente alude a primeira parte do inciso IX do artigo 103 da Constituição. Ação direta

de inconstitucionalidade que não se conhece por falta de legitimação da autora. (ADI 271 MC / DF - DISTRITO

FEDERAL - MEDIDA CAUTELAR NA AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE - Relator(a): Min. MOREIRA ALVES -

Julgamento: 24/09/1992 - Órgão Julgador: Tribunal Pleno)56 E M E N T A: AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE - AUSÊNCIA DE LEGITIMIDADE ATIVA DE CENTRAL

SINDICAL (CUT) - IMPUGNAÇÃO A MEDIDA PROVISÓRIA QUE FIXA O NOVO VALOR DO SALÁRIO MÍNIMO -

ALEGAÇÃO DE INCONSTITUCIONALIDADE EM FACE DA INSUFICIÊNCIA DESSE VALOR SALARIAL - REALIZAÇÃO

INCOMPLETA DA DETERMINAÇÃO CONSTANTE DO ART. 7º, IV, DA CONSTITUIÇÃO DA REPÚBLICA - HIPÓTESE DE

INCONSTITUCIONALIDADE POR OMISSÃO PARCIAL - IMPOSSIBILIDADE DE CONVERSÃO DA ADIN EM AÇÃO DIRETA

DE INCONSTITUCIONALIDADE POR OMISSÃO - AÇÃO DIRETA DE QUE NÃO SE CONHECE, NO PONTO - MEDIDA

PROVISÓRIA QUE SE CONVERTEU EM LEI - LEI DE CONVERSÃO POSTERIORMENTE REVOGADA POR OUTRO

DIPLOMA LEGISLATIVO - PREJUDICIALIDADE DA AÇÃO DIRETA. FALTA DE LEGITIMIDADE ATIVA DAS CENTRAIS

SINDICAIS PARA O AJUIZAMENTO DE AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE. - No plano da organização

sindical brasileira, somente as confederações sindicais dispõem de legitimidade ativa "ad causam" para o

ajuizamento da ação direta de inconstitucionalidade (CF, art. 103, IX), falecendo às centrais sindicais, em

conseqüência, o poder para fazer instaurar, perante o Supremo Tribunal Federal, o concernente processo de

fiscalização normativa abstrata. (...) (Precedentes. ADI 1442 / DF - DISTRITO FEDERAL - AÇÃO DIRETA DE

INCONSTITUCIONALIDADE - Relator(a): Min. CELSO DE MELLO - Julgamento: 03/11/2004 - Órgão Julgador:

Tribunal Pleno).63

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o A entidade de classe deve ser de âmbito nacional, ou seja, presente em,

pelo menos, 1/3 dos estados brasileiros: o STF utilizou como critério

hermenêutico o art. 7º da Lei 9.096/95 (Partidos Políticos), que define o

que seria um partido político de “caráter nacional”. Assim, como não

existe na lei nenhuma disposição específica quanto às entidades de

classe, estabelece o STF que, para que ela seja considerada de âmbito

nacional, deve estar presente em, pelo menos, 1/3 dos estados

brasileiros (ADI 2.866-MC). Exceção: quando a atividade desempenhada

pelo legitimado possui relevância nacional (também consta da ADI

2.866-MC57).

o A entidade de classe pode ser composta tanto por pessoas físicas

quanto por pessoas jurídicas: até 2004, somente as entidades de classe

formadas por pessoas físicas eram as legitimadas. Após 2004, o STF

mudou o seu posicionamento, admitindo a legitimidade ativa das

entidades de classe mesmo quando formadas por pessoas jurídicas

(associação de associações).

Dentre os legitimados do art. 103 da CF/88, os únicos que NÃO têm capacidade

postulatória são os partidos políticos, as confederações sindicais e as entidades

de classe de âmbito nacional.

6.4. PARÂMETRO

57 EMENTA: Ação Direta de Inconstitucionalidade ajuizada pela Associação Brasileira dos Extratores e Refinadores

de Sal - ABERSAL contra a Lei Estadual nº 8.299, de 29 de janeiro de 2003, do Estado do Rio Grande do Norte, que

"dispõe sobre formas de escoamento do sal marinho produzido no Rio Grande do Norte e dá outras providências".

2. Legitimidade ativa. 3. Inaplicabilidade, no caso, do critério adotado para a definição do caráter nacional dos

partidos políticos (Lei nº 9.096, de 19.9.1995: art. 7º), haja vista a relevância nacional da atividade dos

associados da ABERSAL, não obstante a produção de sal ocorrer em poucas unidades da federação . (...) 8.

Aparente ofensa à regra do art. 155, § 2º, XII, g. 9. Liminar deferida para suspender o art. 6º, caput e § 4º, o art. 7º

e o art. 9º da lei estadual impugnada. (ADI 2866 MC / RN - RIO GRANDE DO NORTE - MEDIDA CAUTELAR NA AÇÃO

DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE - Relator(a): Min. GILMAR MENDES - Julgamento: 25/09/2003 - Órgão

Julgador: Tribunal Pleno)64

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No que se refere à ADI e ADC, qualquer norma formalmente constitucional, inclusive

os tratados internacionais de direitos humanos aprovados na forma do art. 5º, §3º, da CF/88 ,

podem servir como parâmetro no controle concentrado abstrato de constitucionalidade.

Quanto à ADPF, apenas um preceito fundamental serve de parâmetro. Preceito

fundamental corresponde àquelas normas imprescindíveis à identidade e ao regime adotado

pela Constituição. Exemplos: as normas contidas no Título I (Princípios Fundamentais), no

Título II (Direitos e Garantias Fundamentais), os princípios constitucionais sensíveis (art. 34,

VII, CF58) e as cláusulas pétreas (art. 60, §4º, CF59).

6.5. OBJETO DO CONTROLE

O estudo do objeto do controle concentrado abstrato de constitucionalidade é feita a

partir de três perspectivas: natureza, tempo e espaço.

6.5.1. NATUREZA DO OBJETO

a) ADI e ADC

58 Art. 34. A União não intervirá nos Estados nem no Distrito Federal, exceto para:

VII - assegurar a observância dos seguintes princípios constitucionais:

a) forma republicana, sistema representativo e regime democrático;

b) direitos da pessoa humana;

c) autonomia municipal;

d) prestação de contas da administração pública, direta e indireta.

e) aplicação do mínimo exigido da receita resultante de impostos estaduais, compreendida a proveniente de

transferências, na manutenção e desenvolvimento do ensino e nas ações e serviços públicos de saúde.(Redação

dada pela Emenda Constitucional nº 29, de 2000)59 § 4º - Não será objeto de deliberação a proposta de emenda tendente a abolir:

I - a forma federativa de Estado;

II - o voto direto, secreto, universal e periódico;

III - a separação dos Poderes;

IV - os direitos e garantias individuais.65

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O objeto da ADI e ADC difere do objeto da ADPF. No caso da ADI e ADC, a Constituição

exige que o objeto seja uma lei ou ato normativo. Previsão no art. 102, inciso I, “a”, da CF/88:

Art. 102. Compete ao Supremo Tribunal Federal, precipuamente, a guarda da

Constituição, cabendo-lhe:

I - processar e julgar, originariamente:

a) a ação direta de inconstitucionalidade de lei ou ato normativo federal ou estadual

e a ação declaratória de constitucionalidade de lei ou ato normativo federal;

(Redação dada pela Emenda Constitucional nº 3, de 19 93)

Essa lei ou ato normativo deve violar diretamente a Constituição. A violação tem que

ser direta ou antecedente. Ainda, quando se fala em “lei”, pode ser qualquer lei, inclusive as

de efeitos concretos (leis de efeitos concretos são aquelas que possuem destinatário certo ou

objeto determinado). O STF, até alguns anos atrás, adotava o posicionamento segundo o qual

leis de efeitos concretos não poderiam ser objetos de ADI ou ADC; na ADI 4.048-MC60,

entretanto, o STF mudou o entendimento, passando a admitir essa possibilidade.

O STF não admite como objeto de ADI e ADC os seguintes atos :

60 EMENTA: MEDIDA CAUTELAR EM AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE. MEDIDA PROVISÓRIA N° 405, DE

18.12.2007. ABERTURA DE CRÉDITO EXTRAORDINÁRIO. LIMITES CONSTITUCIONAIS À ATIVIDADE LEGISLATIVA

EXCEPCIONAL DO PODER EXECUTIVO NA EDIÇÃO DE MEDIDAS PROVISÓRIAS. I. MEDIDA PROVISÓRIA E SUA

CONVERSÃO EM LEI. Conversão da medida provisória na Lei n° 11.658/2008, sem alteração substancial.

Aditamento ao pedido inicial. Inexistência de obstáculo processual ao prosseguimento do julgamento. A lei de

conversão não convalida os vícios existentes na medida provisória. Precedentes. II. CONTROLE ABSTRATO DE

CONSTITUCIONALIDADE DE NORMAS ORÇAMENTÁRIAS. REVISÃO DE JURISPRUDÊNCIA. O Supremo Tribunal

Federal deve exercer sua função precípua de fiscalização da constitucionalidade das leis e dos atos normativos

quando houver um tema ou uma controvérsia constitucional suscitada em abstrato, independente do caráter

geral ou específico, concreto ou abstrato de seu objeto. Possibilidade de submissão das normas orçamentárias ao

controle abstrato de constitucionalidade. (...) IV. MEDIDA CAUTELAR DEFERIDA. Suspensão da vigência da Lei n°

11.658/2008, desde a sua publicação, ocorrida em 22 de abril de 2008. (ADI 4048 MC / DF - DISTRITO FEDERAL -

MEDIDA CAUTELAR NA AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE - Relator(a): Min. GILMAR MENDES -

Julgamento: 14/05/2008 - Órgão Julgador: Tribunal Pleno)66

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Atos tipicamente regulamentares : são aqueles que regulamentam uma lei (ex.:

decreto regulamentar), logo, não violam diretamente a Constituição. Ressalte-se

que é possível que um decreto seja objeto de controle, desde que seja um

decreto autônomo (aquele que regula diretamente a Constituição) – ADI 3.66461.

Normas constitucionais originárias : as normas constitucionais que nasceram

com a Constituição de 1988 (05.10.1988) não podem ser objeto de controle.

Lembre-se que o princípio da unidade da Constituição afasta a tese da hierarquia

entre as normas constitucionais - ADI 4.097 AgR/DF62.

61 EMENTAS: 1. INCONSTITUCIONALIDADE. Ação direta. Objeto. Admissibilidade. Impugnação de decreto

autônomo, que institui benefícios fiscais. Caráter não meramente regulamentar. Introdução de novidade

normativa. Preliminar repelida. Precedentes. Decreto que, não se limitando a regulamentar lei, institua benefício

fiscal ou introduza outra novidade normativa, reputa-se autônomo e, como tal, é suscetível de controle

concentrado de constitucionalidade. 2. INCONSTITUCIONALIDADE. Ação direta. Decreto nº 27.427/00, do Estado

do Rio de Janeiro. Tributo. Imposto sobre Circulação de Mercadorias e Serviços – ICMS. Benefícios fiscais. Redução

de alíquota e concessão de crédito presumido, por Estado-membro, mediante decreto. Inexistência de suporte em

convênio celebrado no âmbito do CONFAZ, nos termos da LC 24/75. Expressão da chamada “guerra fiscal”.

Inadmissibilidade. Ofensa aos arts. 150, § 6º, 152 e 155, § 2º, inc. XII, letra “g”, da CF. Ação julgada procedente.

Precedentes. Não pode o Estado-membro conceder isenção, incentivo ou benefício fiscal, relativos ao Imposto

sobre Circulação de Mercadorias e Serviços – ICMS, de modo unilateral, mediante decreto ou outro ato normativo,

sem prévia celebração de convênio intergovernamental no âmbito do CONFAZ. (ADI 3664 / RJ - RIO DE JANEIRO -

AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE - Relator(a): Min. CEZAR PELUSO - Julgamento: 01/06/2011 - Órgão

Julgador: Tribunal Pleno)62 EMENTA: AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE. ADI. Inadmissibilidade. Art. 14, § 4º, da CF. Norma

constitucional originária. Objeto nomológico insuscetível de controle de constitucionalidade. Princípio da

unidade hierárquico-normativa e caráter rígido da Constituição brasileira. Doutrina. Precedentes. Carência da

ação. Inépcia reconhecida. Indeferimento da petição inicial. Agravo improvido. Não se admite controle

concentrado ou difuso de constitucionalidade de normas produzidas pelo poder constituinte originário . (ADI

4097 AgR / DF - DISTRITO FEDERAL - AG.REG.NA AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE - Relator(a): Min.

CEZAR PELUSO - Julgamento: 08/10/2008 - Órgão Julgador: Tribunal Pleno)67

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Leis ou normas de efeitos concretos já exaur idos: se a norma não produz mais

efeitos, não há mais razão para impugnar a sua constitucionalidade – ADI

2.980/DF63.

Leis ou atos normativos com eficácia suspensa pelo Senado (art. 52, X, CF) :

trata-se daquela hipótese em que o STF declara a inconstitucionalidade no

controle difuso e o Senado edita uma resolução suspendendo a execução da lei

(dando efeitos erga omnes) - ADI 15/DF64.

63 EMENTA: AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE. Lei federal nº 9.688/98. Servidor público. Cargo de censor

federal. Extinção. Enquadramento dos ocupantes em cargos doutras carreiras. Norma de caráter ou efeito

concreto exaurido. Impossibilidade de controle abstrato de constitucionalidade . Pedido não conhecido. Votos

vencidos. Lei ou norma de caráter ou efeito concreto já exaurido não pode ser objeto de controle abstrato de

constitucionalidade, em ação direta de inconstitucionalidade. (ADI 2980 / DF - DISTRITO FEDERAL - AÇÃO DIRETA

DE INCONSTITUCIONALIDADE - Relator(a): Min. MARCO AURÉLIO - Relator(a) p/ Acórdão: Min. CEZAR PELUSO -

Julgamento: 05/02/2009 - Órgão Julgador: Tribunal Pleno)64 EMENTA: I. ADIn: legitimidade ativa: "entidade de classe de âmbito nacional" (art. 103, IX, CF): compreensão da

"associação de associações" de classe. Ao julgar, a ADIn 3153-AgR, 12.08.04, Pertence, Inf STF 356, o plenário do

Supremo Tribunal abandonou o entendimento que excluía as entidades de classe de segundo grau - as chamadas

"associações de associações" - do rol dos legitimados à ação direta. II. ADIn: pertinência temática. Presença da

relação de pertinência temática, pois o pagamento da contribuição criada pela norma impugnada incide sobre as

empresas cujos interesses, a teor do seu ato constitutivo, a requerente se destina a defender. III. ADIn: não

conhecimento quanto ao parâmetro do art. 150, § 1º, da Constituição, ante a alteração superveniente do

dispositivo ditada pela EC 42/03. IV. ADIn: L. 7.689/88, que instituiu contribuição social sobre o lucro das pessoas

jurídicas, resultante da transformação em lei da Medida Provisória 22, de 1988. 1. Não conhecimento, quanto ao

art. 8º, dada a invalidade do dispositivo, declarado inconstitucional pelo Supremo Tribunal, em processo de

controle difuso (RE 146.733), e cujos efeitos foram suspensos pelo Senado Federal, por meio da Resolução

11/1995. 2. Procedência da arguição de inconstitucionalidade do artigo 9º, por incompatibilidade com os artigos

195 da Constituição e 56, do ADCT/88, que, não obstante já declarada pelo Supremo Tribunal Federal no

julgamento do RE 150.764, 16.12.92, M. Aurélio (DJ 2.4.93), teve o processo de suspensão do dispositivo

arquivado, no Senado Federal, que, assim, se negou a emprestar efeitos erga omnes à decisão proferida na via

difusa do controle de normas. 3. Improcedência das alegações de inconstitucionalidade formal e material do

restante da mesma lei, que foram rebatidas, à exaustão, pelo Supremo Tribunal, nos julgamentos dos RREE

146.733 e 150.764, ambos recebidos pela alínea b do permissivo constitucional, que devolve ao STF o

conhecimento de toda a questão da constitucionalidade da lei. (ADI 15 / DF - DISTRITO FEDERAL - AÇÃO DIRETA DE

INCONSTITUCIONALIDADE - Relator(a): Min. SEPÚLVEDA PERTENCE - Julgamento: 14/06/2007 - Órgão Julgador: 68

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Norma declarada inconstitucional ou inconstitucional pelo Plenário do STF,

ainda que no controle difuso: se a norma já foi objeto de controle (difuso ou

concentrado) de constitucionalidade pelo STF, ela não pode ser questionada

novamente. Exceções: 1) quando houver mudanças significativas na situação

fática ou 2) superveniência de novos argumentos nitidamente mais relevantes.

– ADI 4.071-AgR/DF65.

Leis revogadas : no controle difuso, não importa se a lei já foi revogada ou não,

ela pode ter violado direito subjetivo quando ainda vigente; portanto, ainda que

a lei já esteja revogada, a sua constitucionalidade pode ser questionada. No

controle concentrado, por outro lado, a finalidade principal é a proteção da

supremacia da Constituição, e não de um direito subjetivo. Assim, se uma lei foi

revogada, ela não oferece mais “perigo” à Constituição, logo não há razão para

ser objeto de controle difuso de constitucionalidade. Exceção: “fraude

processual” – ocorre quando as leis são sucessivamente revogadas com a

intenção de burlar a jurisdição constitucional (ADI 3.306/DF66).

Tribunal Pleno)65 EMENTA Agravo regimental. Ação direta de inconstitucionalidade manifestamente improcedente. Indeferimento

da petição inicial pelo Relator. Art. 4º da Lei nº 9.868/99. 1. É manifestamente improcedente a ação direta de

inconstitucionalidade que verse sobre norma (art. 56 da Lei nº 9.430/96) cuja constitucionalidade foi

expressamente declarada pelo Plenário do Supremo Tribunal Federal, mesmo que em recurso extraordinário . 2.

Aplicação do art. 4º da Lei nº 9.868/99, segundo o qual "a petição inicial inepta, não fundamentada e a

manifestamente improcedente serão liminarmente indeferidas pelo relator". 3. A alteração da jurisprudência

pressupõe a ocorrência de significativas modificações de ordem jurídica, social ou econômica, ou, quando muito,

a superveniência de argumentos nitidamente mais relevantes do que aqueles antes prevalecentes , o que não se

verifica no caso. 4. O amicus curiae somente pode demandar a sua intervenção até a data em que o Relator liberar

o processo para pauta. 5. Agravo regimental a que se nega provimento. (ADI 4071 AgR / DF - DISTRITO FEDERAL -

AG.REG.NA AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE - Relator(a): Min. MENEZES DIREITO - Julgamento:

22/04/2009 - Órgão Julgador: Tribunal Pleno)66 EMENTA : AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE. RESOLUÇÕES DA CÂMARA LEGISLATIVA DO DISTRITO

FEDERAL QUE DISPÕ EM SOBRE O REAJUSTE DA REMUNERAÇÃO DE SEUS SERVIDORES. RESERVA DE LEI. I.

PRELIMINAR. REVOGAÇÃO DE ATOS NORMATIVOS IMPUGNADOS APÓS A PROPOSITURA DA AÇÃO DIRETA. 69

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Leis temporárias : o raciocínio é o mesmo da lei revogada. Assim como a lei

revogada não mais ameaça a supremacia da Constituição, a lei temporária, por

possuir uma vigência em determinado período de tempo, também não oferece

mais esse perigo. Exceção: quando estiverem presentes dois fatores, quais

sejam, 1) impugnação em tempo adequado e sua inclusão em pauta antes do

exaurimento da eficácia; e 2) quando, apesar fim do lapso temporal fixado para

a sua duração, ela produzir efeitos para o futuro. – ADI 4.426/CE67.

FRAUDE PROCESSUAL. CONTINUIDADE DO JULGAMENTO. Superveniência de Lei Distrital que convalidaria as

resoluções atacadas. Sucessivas leis distritais que tentaram revogar os atos normativos impugnados. Posterior

edição da Lei Distrital n° 4.342, de 22 de junho de 2009, a qual instituiu novo Plano de Cargos, Carreira e

Remuneração dos servidores e revogou tacitamente as Resoluções 197/03, 201/03, 202/03 e 204/03, por ter

regulado inteiramente a matéria por elas tratadas, e expressamente as Resoluções n°s 202/03 e 204/03. Fatos

que não caracterizaram o prejuízo da ação. Quadro fático que sugere a intenção de burlar a jurisdição

constitucional da Corte. Configurada a fraude processual com a revogação dos atos normativos impugnados na

ação direta, o curso procedimental e o julgamento final da ação não ficam prejudicados . (...) As resoluções da

Câmara Distrital não constituem lei em sentido formal, de modo que vão de encontro ao disposto no texto

constitucional, padecendo, pois, de patente inconstitucionalidade, por violação aos artigos 37, X; 51, IV; e 52, XIII,

da Constituição Federal. III . AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE JULGADA PROCEDENTE. (ADI 3306 / DF -

DISTRITO FEDERAL - AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE - Relator(a): Min. GILMAR MENDES -

Julgamento: 17/03/2011 - Órgão Julgador: Tribunal Pleno)67 EMENTA Ação Direta de Inconstitucionalidade. AMB. Lei nº 14.506, de 16 de novembro de 2009, do Estado do

Ceará. Fixação de limites de despesa com a folha de pagamento dos servidores estaduais do Poder Executivo, do

Poder Legislativo, do Poder Judiciário e do Ministério Público estadual. Conhecimento parcial.

Inconstitucionalidade. 1. Singularidades do caso afastam, excepcionalmente, a aplicação da jurisprudência do

Supremo Tribunal Federal sobre a prejudicialidade da ação, visto que houve impugnação em tempo adequado e

a sua inclusão em pauta antes do exaurimento da eficácia da lei temporária impugnada, existindo a

possibilidade de haver efeitos em curso (art. 7º da Lei 14.506/2009). 2. Conquanto a AMB tenha impugnado a

integralidade da lei estadual, o diploma limita a execução orçamentária não apenas em relação aos órgãos do

Poder Judiciário, mas também em relação aos Poderes Executivo e Legislativo e do Ministério Público, os quais são

alheios à sua atividade de representação. Todos os fundamentos apresentados pela requerente para demonstrar a

suposta inconstitucionalidade restringem-se ao Poder Judiciário, não alcançando os demais destinatários.

Conhecimento parcial da ação. 3. Conforme recente entendimento firmado por esta Corte, “[a] lei não precisa de

densidade normativa para se expor ao controle abstrato de constitucionalidade, devido a que se trata de ato de

aplicação primária da Constituição. Para esse tipo de controle, exige-se densidade normativa apenas para o ato de 70

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Obs. Existe uma proposta de revisão do posicionamento do STF, na ADI 1.244-QO68, levantada

pelo Min. Gilmar Mendes, para que a Corte passe a admitir o controle concentrado de

constitucionalidade das leis revogadas e temporárias, sob pena de violação à força normativa

da Constituição e ao princípio da máxima efetividade constitucional.

b) ADPF

natureza infralegal” (ADI 4.049/DF-MC, Relator o Ministro Ayres Britto, DJ de 8/5/09). Outros precedentes: ADI

4.048/DF-MC, Relator Ministro Gilmar Mendes, DJ de 22/8/08; ADI 3.949/DF-MC, Relator Ministro Gilmar Mendes,

DJ de 7/8/09). Preliminar de não conhecimento rejeitada. (...) 8. Ação direta de inconstitucionalidade julgada

parcialmente procedente para declarar, com efeitos ex tunc, a inconstitucionalidade da expressão “e Judiciário”

contida nos arts. 1º e 6º da lei impugnada e para declarar a inconstitucionalidade parcial sem redução de texto dos

demais dispositivos da Lei nº 14.506/09 do Estado do Ceará, afastando do seu âmbito de incidência o Poder

Judiciário. (ADI 4426 / CE – CEARÁ - AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE - Relator(a): Min. DIAS TOFFOLI -

Julgamento: 09/02/2011 - Órgão Julgador: Tribunal Pleno)68 INFORMATIVO 305: ADI e Revogação Superveniente. Iniciado o julgamento de segunda questão de ordem,

suscitada pelo Min. Gilmar Mendes, relator, em que se discute a prejudicialidade das ações diretas de

inconstitucionalidade nas hipóteses de revogação do ato impugnado. Trata-se, na espécie, de ação direta

ajuizada pelo Procurador-Geral da República contra Decisão Administrativa do TRT da 15ª Região tomada em

7.12.94, que fora posteriormente revogada - a mencionada decisão determinara o pagamento, a partir de abril de

1994, do reajuste de 10,94%, correspondente à diferença entre o resultado da conversão da URV em reais, com

base no dia 20 de abril de 1994, e o obtido na operação de conversão com base no dia 30 do mesmo mês e ano,

aos magistrados da Justiça do Trabalho, inclusive juízes classistas, bem como aos servidores ativos e inativos do

Tribunal. O Min. Gilmar Mendes, relator, proferiu voto no sentido da revisão da jurisprudência do STF - segundo

a qual a ação direta perde seu objeto quando há a revogação superveniente da norma impugnada ou, em se

tratando de lei temporária, quando sua eficácia já teria se exaurido -, para o fim de admitir o prosseguimento do

controle abstrato nas hipóteses em que a norma atacada tenha perdido a vigência após o ajuizamento da ação,

seja pela revogação, seja em razão do seu caráter temporário, restringindo o alcance dessa revisão às ações

diretas pendentes de julgamento e às que vierem a ser ajuizadas . O Min. Gilmar Mendes, considerando que a

remessa de controvérsia constitucional já instaurada perante o STF para as vias ordinárias é incompatível com

os princípios da máxima efetividade e da força normativa da Constituição, salientou não estar demonstrada

nenhuma razão de base constitucional a evidenciar que somente no âmbito do controle difuso seria possível a

aferição da constitucionalidade dos efeitos concretos de uma lei. Após, o julgamento foi adiado em virtude do

pedido de vista da Ministra Ellen Gracie. ADI (QO-QO) 1.244-SP, rel. Min. Gilmar Mendes, 23.4.2003.71

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Quanto à ADPF, ela pode ter como objeto lei, ato normativo ou qualquer ato do poder

público. Previsão no art. 1ª, Lei 9.882/99:

Art. 1o A argüição prevista no § 1o do art. 102 da Constituição Federal será proposta

perante o Supremo Tribunal Federal, e terá por objeto evitar ou reparar lesão a

preceito fundamental, resultante de ato do Poder Público.

Perceba que o objeto da ADPF é bem mais amplo que o da ADI e ADC. Por exemplo, na

ADPF é possível discutir a constitucionalidade de decisões judiciais, o que não pode ser feito

mediante ADI e ADC. Ex.: ADPF 10169. A amplitude do objeto da ADPF pode ser extraída do

inciso, I, art. 1º, da Lei 9.882/99:

Art. 1o A argüição prevista no § 1o do art. 102 da Constituição Federal será proposta

perante o Supremo Tribunal Federal, e terá por objeto evitar ou reparar lesão a

preceito fundamental, resultante de ato do Poder Público.

Parágrafo único. Caberá também argüição de descumprimento de preceito

fundamental:

69 INFORMATIVO 552: ADPF e Importação de Pneus Usados – 7. O Tribunal, por maioria, julgou parcialmente

procedente pedido formulado em argüição de descumprimento de preceito fundamental, ajuizada pelo Presidente

da República, e declarou inconstitucionais, com efeitos ex tunc, as interpretações, incluídas as judicialmente

acolhidas, que permitiram ou permitem a importação de pneus usados de qualquer espécie, aí insertos os

remoldados. Ficaram ressalvados os provimentos judiciais transitados em julgado, com teor já executado e

objeto completamente exaurido — v. Informativo 538. Entendeu-se, em síntese, que, apesar da complexidade dos

interesses e dos direitos envolvidos, a ponderação dos princípios constitucionais revelaria que as decisões que

autorizaram a importação de pneus usados ou remoldados teriam afrontado os preceitos constitucionais da saúde

e do meio ambiente ecologicamente equilibrado e, especificamente, os princípios que se expressam nos artigos

170, I e VI, e seu parágrafo único, 196 e 225, todos da CF (“Art. 196. A saúde é direito de todos e dever do Estado,

garantido mediante políticas sociais e econômicas que visem à redução do risco de doença e de outros agravos e

ao acesso universal e igualitário às ações e serviços para sua promoção, proteção e recuperação. ... Art. 225. Todos

têm direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado, bem de uso comum do povo e essencial à sadia

qualidade de vida, impondo-se ao Poder Público e à coletividade o dever de defendê-lo e preservá-lo para as

presentes e futuras gerações.”). Vencido o Min. Marco Aurélio que julgava o pleito improcedente.

ADPF 101/DF, rel. Min. Cármen Lúcia, 24.6.2009.72

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I - quando for relevante o fundamento da controvérsia constitucional sobre lei ou ato

normativo federal, estadual ou municipal, incluídos os anteriores à Constituição;

(Vide ADIN 2.231-8, de 2000)

Apesar de “ato do Poder Público” ser uma expressão muito ampla, existem situações

que não são admitidas como objeto da APDF pelo STF, senão vejamos:

Proposta de Emenda à Constituição : uma PEC é um ato que ainda não se

completou, ainda está em formação, podendo nem ser aprovada. Difere-se da

emenda, que já corresponde a um ato perfeito e acabado.

Veto : ADPF 73.

Súmulas comuns e vinculantes : ADPF 80 – AgR70; ADPF 47 – AgR. Quanto às

súmulas comuns, cabe ao próprio tribunal proceder à revisão de suas súmulas,

de acordo com a evolução da sua jurisprudência. Quanto às súmulas vinculantes,

já vimos que a ADPF possui caráter subsidiário, não cabendo nessa situação, uma

vez que existe instrumento próprio para combater uma súmula vinculante junto

ao STF, qual seja, o Pedido de Revisão/Cancelamento de Súmula Vinculante.

Atos tipicamente regulamentares : ADPF 169; APDF 192.

6.5.2. ASPECTO TEMPORAL

70 EMENTA: AGRAVO REGIMENTAL NA ARGÜIÇÃO DE DESCUMPRIMENTO DE PRECEITO FUNDAMENTAL.

ENUNCIADOS DE SUMULA DO SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL. REVISÃO. INADEQUAÇÃO DA VIA. NEGATIVA DE

SEGUIMENTO DA ARGUIÇÃO. 1. O enunciado da Súmula desta Corte, indicado como ato lesivo aos preceitos

fundamentais, não consubstancia ato do Poder Público, porém tão somente a expressão de entendimentos

reiterados seus. À argüição foi negado seguimento. 2. Os enunciados são passíveis de revisão paulatina. A

argüição de descumprimento de preceito fundamental não é adequada a essa finalidade . 3. Agravo regimental

não provido. (ADPF 80 AgR / DF - DISTRITO FEDERAL - AG.REG.NA ARGÜIÇÃO DE DESCUMPRIMENTO DE PRECEITO

FUNDAMENTAL - Relator(a): Min. EROS GRAU - Julgamento: 12/06/2006 - Órgão Julgador: Tribunal Pleno)73

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a) ADI e ADC

Um ato somente pode ser impugnado via ADI e ADC se for elaborado posteriormente

ao parâmetro. Vale dizer, nenhum ato anterior à Constituição de 1988 pode ser impugnado

nessas ações. Exemplo: uma lei de 1990 é questionada em face de norma da Constituição de

1988, mas que havia sido modificada por Emenda, em 1991; perceba, assim, que o ato é

posterior à Constituição, mas anterior ao parâmetro invocado no caso, que foi a norma fruto da

Emenda de 1991; logo, essa lei de 1990 não pode ser objeto de ADI ou ADC.

Recentemente, o STF julgou um caso desse tipo, que dizia respeito à obrigatoriedade de

a Defensoria Pública do Estado de São Paulo firmar convênio com a OAB/BA. O parâmetro

invocado foi uma norma inserida na Constituição pela EC 45/04, mas o ato normativo

impugnado nasceu antes dela. Por essa razão, o STF considerou incabível a ADI proposta,

justamente porque o ato foi elaborado anteriormente ao parâmetro. O STF, assim, transformou

74

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a ADI em ADPF, dando prosseguimento ao feito (ADI 4.163/SP71). Vale dizer que ADI, ADC e

ADPF são ações fungíveis entre si.

b) ADPF

A ADPF pode ter como objeto atos posteriores ou anteriores à Constituição de 1988.

71 Notícias do STF (29.02.2012): STF entende não ser obrigatório convênio entre OAB-SP e Defensoria Pública

paulista. A Defensoria Pública do Estado de São Paulo (DPE-SP) não está obrigada a celebrar convênio com a

seccional paulista da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB-SP) visando à prestação de assistência judiciária. Essa

foi a decisão majoritária do Plenário do Supremo Tribunal Federal (STF) na análise de mérito da Ação Direta de

Inconstitucionalidade (ADI) 4163, ajuizada pela Procuradoria-Geral da República. A discussão levantada pela

ADI girou em torno de saber se a previsão de convênio exclusivo – previsto no artigo 109 da Constituição de São

Paulo e no artigo 234 da Lei Complementar 988/2006 – e imposto à Defensoria Pública do Estado de São Paulo

agrediria ou não a autonomia funcional, administrativa e financeira prevista para as Defensorias Estaduais pelo

artigo 134, parágrafo 2º, da Constituição Federal. Segundo a PGR, a Constituição do Estado de São Paulo autoriza,

no artigo 109, a designação de advogados da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB) para suprir a falta de

defensores públicos, mediante a celebração de convênio entre o Estado e aquela instituição. Outra norma

contestada é o artigo 234 da Lei Complementar 988/2006, que diz que a OAB deve credenciar os advogados

participantes do convênio e manter rodízio desses advogados. Estabelece também que a remuneração de tais

profissionais será definida pela Defensoria Pública e pela OAB. Conversão em ADPF. O presidente da Corte,

ministro Cezar Peluso, relatou a ADI e teve o voto seguido pela maioria dos ministros. Inicialmente, ele

converteu a ADI em Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental (ADPF) por entender que este é o

instrumento correto para o debate, tendo em vista que os dispositivos questionados são anteriores à Emenda

Constitucional (EC) 45. Essa emenda atribuiu autonomia para as Defensorias Públicas estaduais a fim de, sem

qualquer ingerência, exercerem plenamente a assistência jurídica gratuita àqueles que não dispõem de meios

econômicos para a contratação de advogados. (...) – o acórdão dessa ADI ainda não foi publicado até a presente

data (09.03.2012)

INFORMATIVO 656: Defensoria pública paulista e convênio obrigatório com a OAB-SP: inadmissibilidade – 2. De

início, rechaçou-se preliminar, suscitada pela OAB-SP e pelo Governador do Estado-membro, de inadequação dos

fundamentos do pedido. Asseverou-se que o objeto da ação — saber se a previsão de autêntico “convênio

compulsório” transgrediria o art. 134, § 2º, da CF, que estabeleceria a autonomia funcional, administrativa e

financeira das defensorias públicas estaduais — estaria claro e bem embasado, a afastar a alegada inépcia da

inicial e a eventual ofensa indireta. Em passo seguinte, examinou-se a questão da admissibilidade, em sede de

controle concentrado, de cognição de norma cuja pretensa afronta a texto da Constituição dar-se-ia em face de 75

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Atenção! A ADPF alega o “descumprimento” de um preceito fundamental, sendo que tal

expressão é mais ampla do que “inconstitucionalidade” e “constitucionalidade” (alegadas na

ADI e ADC, respectivamente), abrangendo, pois, qualquer incompatibilidade com a Constituição

(por isso, inclusive, normas anteriores à Constituição podem ser objeto de ADPF).

6.5.2. ASPECTO ESPACIAL

a) ADC : lei ou ato normativo federal72.

b) ADI : lei ou ato normativo federal ou estadual.

c) ADPF : qualquer ato do Poder Público federal, estadual ou municipal.

Perceba que a Constituição não fala sobre lei ou ato normativo do Distrito Federal . Uma

lei do referido ente federativo pode ser objeto dessas ações?

o ADC : não pode, pois só permite lei ou ato normativo federal;

o ADPF : pode, pois a lei do DF pode abranger tanto competências estaduais

quanto municipais, e a ADPF comporta atos do Poder Público dessas duas

esferas.

emenda constitucional ulterior. No tópico, assinalou-se que se estaria diante de confronto entre a parte final do

art. 109 da Constituição estadual, datada de 1989, e o disposto no art. 134, § 2º, da CF, erigido a princípio

constitucional com a EC 45/2004. Consignou-se que, para situações como esta, a via adequada seria a ADPF.

Assim, em nome da instrumentalidade, da economia e da celeridade processuais, além da certeza jurídica,

conheceu-se da presente demanda como ADPF. Salientou-se não haver óbice para a admissão da fungibilidade

entre ambas as ações e destacou-se que a ação direta atenderia aos requisitos exigidos para a propositura

daquela. Vencido, na conversão, o Min. Marco Aurélio ao fundamento de sua desnecessidade, uma vez que a

solução diria respeito ao condomínio que o aludido art. 109 instituiria na prestação de serviços aos necessitados,

tendo em conta o que previsto inicialmente na Constituição, em sua redação primitiva. ADI 4163/SP, rel. Min.

Cezar Peluso, 29.2.2012.72 Existe uma Proposta de Emenda Constitucional no sentido de ampliar o objeto da ADC para também abranger lei

ou ato normativo estadual como objeto, igualmente à ADI.76

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LFG – Intensivo 2012

o ADI : pode, desde que a lei do DF trate de competência estadual. É o que se

depreende da Súmula 642 do STF: “Não cabe ação direta de

inconstitucionalidade de lei do Distrito Federal derivada da sua competência

legislativa municipal”.

7. LIMINAR E DECISÃO DE MÉRITO

7.1. QUÓRUM

Qual o quórum mínimo de presença dos Ministros para que haja a votação de ADI, ADC e

ADPF? O quórum mínimo de presentes é de 8 Ministros (2/3), nos termos do art. 22, da Lei

9.868/99, e do art. 5º, da Lei 9.882/99.

E para a declaração da constitucionalidade/inconstitucionalidade? Como regra geral,

exige-se a votação da maioria absoluta (6 Ministros), nos termos dos arts. 10 e 21, da Lei

9.868/99. No caso da ADPF, não há dispositivo prevendo esse quórum; por analogia, aplica-se a

mesma regra da ADI e ADC, ou seja, maioria absoluta.

Cumpre ressaltar que, no caso de liminar, excepcionalmente, o relator pode concedê-la

quando houver urgência ou perigo de grave lesão, cabendo tal função ao Presidente do STF,

se ocorrer no período de recesso.

Assim, a regra é que a liminar seja concedida mediante voto da maioria absoluta dos

membros; excepcionalmente, ela pode ser deferida pelo relator (em caso de urgência ou perigo

de lesão) ou pelo Presidente do STF (durante o recesso).

7.2. EFEITOS DA DECLARAÇÃO

O STF entende que não há partes formais na ADI, ADC e ADC, razão pela qual não tem

lógica o efeito inter partes nesses casos. Portanto, toda decisão, seja liminar ou de mérito,

proferida em sede de ADI, ADC ou ADPF terá efeitos erga omnes e vinculantes. Esses são os

efeitos aplicáveis às três demandas.

No caso de LIMINAR, além dos efeitos supracitados, também existem os seguintes:

77

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DIREITO CONSTITUCIONALMarcelo Novelino

LFG – Intensivo 2012

ADC : suspende o julgamento dos processos sobre a matéria por 180 dias (art.

21, Lei 9.868/99);

ADI : apesar de não haver previsão legal expressa, o STF tem aplicado, por

analogia, o art. 21, da Lei 9.868/99, ou seja, suspende-se o julgamento dos

processos sobre a matéria pelo prazo de 180 dias;

ADPF : a liminar suspende a tramitação de processos, efeitos de decisões

judiciais ou medidas administrativas sobre a matéria, salvo se decorrentes de

coisa julgada (art. 5º, §3º, Lei 9.882/99).

7.2.1. DIFERENÇAS ENTRE EFICÁCIA ERGA OMNES E EFEITO VINCULANTE

Sobre o tema, são apontadas duas diferenças:

a) Quanto ao aspecto subjetivo :

Erga omnes : atinge a todos, tanto particulares quanto Poderes Públicos.

Decorre da própria natureza dessas ações, não dependendo de previsão

legal. Por isso, inclusive, não se justifica a edição de resolução pelo Senado.

Efeito vinculante : atinge diretamente apenas alguns Poderes Públicos.

Consequentemente, também está atingindo os particulares, mas apenas de

forma indireta. O efeito vinculante refere-se especificamente aos Poderes

Públicos, atingindo a Administração Pública Direta e Indireta (federal,

estadual e municipal) e o Poder Judiciário (todos os juízes e tribunais,

exceto o próprio STF). Ressalte-se que o legislador NÃO se vincula à decisão

do STF73 (a rigor, o efeito vinculante não atinge direta ou indiretamente a

função legislativa. Assim, por exemplo, pode o Congresso Nacional editar

uma lei contrária à decisão do STF, bem como o Presidente da República

pode editar uma Medida Provisória também em sentido contrário; caberá ao

STF declarar a inconstitucionalidade ou não desse ato. Se o Chefe do Poder 73 Esse também é o entendimento majoritário quanto à ADPF.

78

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Executivo ficasse vinculado em relação aos atos do processo legislativo,

indiretamente, a função legislativa também seria obstaculizada74). Essa é a

previsão do art. 102, §2º, da CF/88, bem como do art. 28, p. único, da Lei

9.868/99 e do art. 10, §3º, da Lei 9.882/99:

CF, art. 102, § 2º As decisões definitivas de mérito, proferidas pelo Supremo Tribunal

Federal, nas ações diretas de inconstitucionalidade e nas ações declaratórias de

constitucionalidade produzirão eficácia contra todos e efeito vinculante,

relativamente aos demais órgãos do Poder Judiciário e à administração pública

direta e indireta, nas esferas federal, estadual e municipal. (Redação dada pela

Emenda Constitucional nº 45, de 2004)

Lei 9.868/99, art. 28, Parágrafo único. A declaração de constitucionalidade ou de

inconstitucionalidade, inclusive a interpretação conforme a Constituição e a declaração

parcial de inconstitucionalidade sem redução de texto, têm eficácia contra todos e

efeito vinculante em relação aos órgãos do Poder Judiciário e à Administração

Pública federal, estadual e municipal.

Lei 9.882/99, art. 10, § 3o - A decisão terá eficácia contra todos e efeito vinculante

relativamente aos demais órgãos do Poder Público.

b) Quanto ao aspecto objetivo 75 :

A eficácia erga omnes e o efeito vinculante atinge o dispositivo da decisão.

Obs. Até 1993 (data em que foi introduzido o efeito vinculante na Constituição de 1988), a

decisão do STF que julgava uma ADI improcedente não vinculava os demais órgãos do Poder

Judiciário e nem o Chefe do Executivo. Por essa razão, foi incluído o efeito vinculante, para que,

na prática, a decisão do STF fosse obedecida.

74 Segundo o Supremo Tribunal Federal, a não vinculação do legislador tem por objetivo evitar o inconcebível

fenômeno da fossilização da Constituição.75 Refere-se às partes da decisão que produzem os efeitos vinculantes e eficácia erga omnes.

79

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DIREITO CONSTITUCIONALMarcelo Novelino

LFG – Intensivo 2012

Existe outra peculiaridade quanto ao aspecto objetivo dessa distinção. Perceba que tais

efeitos referem-se, especificamente, ao dispositivo da decisão do STF. Ocorre que, parte da

doutrina filia-se a uma teoria extensiva, sustentando que os motivos determinantes da

decisão (“ratio decidendi”) também seriam vinculantes. É a tese conhecida como

“Transcendência dos Motivos” ou “Efeito Transcendente dos Motivos Determinantes”. Assim, o

efeito vinculante não atingiria somente o dispositivo, mas também a fundamentação, ou seja,

os motivos adotados pelo julgador para decidir de tal forma. Adotando-se essa teoria extensiva,

vale dizer, ao invés de propor uma ADI sobre outra lei, seria cabível uma Reclamação.

O STF vem adotando entendimento de que NÃO se aplica a Teoria da Transcendência

dos Motivos (Rcl 3.014/SP; Rcl 2.990-AgR/RN76; Rcl 2.475-AgR). Nesses julgados, quem ajuizou a

Reclamação postulava, justamente, a vinculação da fundamentação utilizada em outros

processos para essas causas. O STF negou tal possibilidade.

De fato, a aplicação dessa teoria no Brasil é muito complicada, pois os Ministros até

chegam ao mesmo resultado, porém utilizam fundamentações diversas (e é o que acontece na

grande maioria das vezes), dificultando o estabelecimento de um “motivo determinante”

naquela situação.

7.2.2. EFICÁCIA TEMPORAL

a) Decisão de mérito : regra geral, efeitos ex tunc (retroativo). Isso porque o Brasil

adota a chamada teoria da nulidade (a lei inconstitucional é um ato nulo, logo, ela

possui o vício desde a sua origem) – art. 27, Lei 9.868/99; art. 11, Lei 9.882/99.

Admite-se, todavia, a chamada modulação temporal dos efeitos da decisão:

enquanto a declaração da inconstitucionalidade com efeitos ex tunc depende da

votação da maioria absoluta (06 Ministros), a modulação temporal dos efeitos da

76 EMENTA: I. Reclamação. Ausência de pertinência temática entre o caso e o objeto da decisão paradigma.

Seguimento negado. II. Agravo regimental. Desprovimento. Em recente julgamento, o Plenário do Supremo

Tribunal Federal rejeitou a tese da eficácia vinculante dos motivos determinantes das decisões de ações de

controle abstrato de constitucionalidade (RCL 2475-AgR, j. 2.8.07). (Rcl 2990 AgR / RN - RIO GRANDE DO NORTE -

AG.REG.NA RECLAMAÇÃO - Relator(a): Min. SEPÚLVEDA PERTENCE - Julgamento: 16/08/2007 - Órgão Julgador:

Tribunal Pleno)80

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decisão depende da votação de 2/3 dos membros (08 Ministros), caso em que

poderá o STF dar efeitos ex nunc (não retroage) ou pro futuro (prospectivos). Não

devemos esquecer, ainda, os requisitos para proceder a essa modulação: 1) razões

de segurança jurídica e 2) excepcional interesse social.

b) Decisão liminar : regra geral, efeitos ex nunc (não retroage), por se tratar de uma

decisão precária – art. 11, §1º, Lei 9.868/99. Admite-se, todavia, que o STF conceda

eficácia retroativa (ex nunc), desde que estabeleça isso expressamente na decisão.

7.2.3. EXTENSÃO DA DECLARAÇÃO

a) Declaração de nulidade/inconstitucionalidade :

Com redução total de texto : declara-se a inconstitucionalidade de toda a lei

ou de todo o dispositivo;

Com redução parcial de texto : a declaração atinge apenas uma parte da lei

ou de um dispositivo;

Sem redução de texto : para a utilização dessa técnica, é necessário que a

norma impugnada seja polissêmica ou plurissignificativa, ou seja, é preciso

que ela tenha mais de um significado possível. A ação, assim, é julgada

parcialmente procedente, para excluir a interpretação incompatível com o

texto constitucional. O STF vem considerando que, no controle abstrato, a

81

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DIREITO CONSTITUCIONALMarcelo Novelino

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declaração de nulidade sem redução de texto é equivalente à interpretação

conforme à Constituição (ADI 3.685/DF77; ADI 4.163/SP78).

b) Inconstitucionalidade consequente (por arrastamento ou por atração) : no controle

abstrato, o tribunal fica adstrito aos dispositivos impugnados. Assim, por exemplo,

se foi impugnado o art. 1º de uma lei, deve ser declarada a inconstitucionalidade

apenas desse art. 1º, e não de outro. No entanto, quando há uma relação de

77 AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE. ART. 2º DA EC 52, DE 08.03.06. APLICAÇÃO IMEDIATA DA NOVA

REGRA SOBRE COLIGAÇÕES PARTIDÁRIAS ELEITORAIS, INTRODUZIDA NO TEXTO DO ART. 17, § 1º, DA CF.

ALEGAÇÃO DE VIOLAÇÃO AO PRINCÍPIO DA ANTERIORIDADE DA LEI ELEITORAL (CF, ART. 16) E ÀS GARANTIAS

INDIVIDUAIS DA SEGURANÇA JURÍDICA E DO DEVIDO PROCESSO LEGAL (CF, ART. 5º, CAPUT, E LIV). LIMITES

MATERIAIS À ATIVIDADE DO LEGISLADOR CONSTITUINTE REFORMADOR. ARTS. 60, § 4º, IV, E 5º, § 2º, DA CF. 1.

Preliminar quanto à deficiência na fundamentação do pedido formulado afastada, tendo em vista a sucinta porém

suficiente demonstração da tese de violação constitucional na inicial deduzida em juízo. 2. A inovação trazida pela

EC 52/06 conferiu status constitucional à matéria até então integralmente regulamentada por legislação ordinária

federal, provocando, assim, a perda da validade de qualquer restrição à plena autonomia das coligações

partidárias no plano federal, estadual, distrital e municipal. 3. Todavia, a utilização da nova regra às eleições gerais

que se realizarão a menos de sete meses colide com o princípio da anterioridade eleitoral, disposto no art. 16 da

CF, que busca evitar a utilização abusiva ou casuística do processo legislativo como instrumento de manipulação e

de deformação do processo eleitoral (ADI 354, rel. Min. Octavio Gallotti, DJ 12.02.93). 4. Enquanto o art. 150, III, b,

da CF encerra garantia individual do contribuinte (ADI 939, rel. Min. Sydney Sanches, DJ 18.03.94), o art. 16

representa garantia individual do cidadão-eleitor, detentor originário do poder exercido pelos representantes

eleitos e "a quem assiste o direito de receber, do Estado, o necessário grau de segurança e de certeza jurídicas

contra alterações abruptas das regras inerentes à disputa eleitoral" (ADI 3.345, rel. Min. Celso de Mello). 5. Além

de o referido princípio conter, em si mesmo, elementos que o caracterizam como uma garantia fundamental

oponível até mesmo à atividade do legislador constituinte derivado, nos termos dos arts. 5º, § 2º, e 60, § 4º, IV, a

burla ao que contido no art. 16 ainda afronta os direitos individuais da segurança jurídica (CF, art. 5º, caput) e do

devido processo legal (CF, art. 5º, LIV). 6. A modificação no texto do art. 16 pela EC 4/93 em nada alterou seu

conteúdo principiológico fundamental. Tratou-se de mero aperfeiçoamento técnico levado a efeito para facilitar a

regulamentação do processo eleitoral. 7. Pedido que se julga procedente para dar interpretação conforme no

sentido de que a inovação trazida no art. 1º da EC 52/06 somente seja aplicada após decorrido um ano da data

de sua vigência. (ADI 3685 / DF - DISTRITO FEDERAL - AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE - Relator(a):

Min. ELLEN GRACIE - Julgamento: 22/03/2006 - Órgão Julgador: Tribunal Pleno)78 INFORMATIVO 656: Defensoria pública paulista e convênio obrigatório com a OAB-SP: inadmissibilidade – 1. A

previsão de obrigatoriedade de celebração de convênio exclusivo e obrigatório entre a defensoria pública do 82

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interdependência entre dois dispositivos ou entre dois diplomas normativos (lei e

decreto, por exemplo), pode haver uma declaração de inconstitucionalidade por

arrastamento (“julgo procedente a ADI, para declarar inconstitucional o art. 1º e,

por arrastamento, o art. 2º, porque daquele depende”; foi a postura adotada pelo

STF na ADI 4.451-MC-REF/DF79 (tratava da restrição à liberdade de imprensa no

período eleitoral, de modo a proibir a veiculação de charges, montagens, piadas etc.,

referentes aos políticos).

Estado de São Paulo e a seccional local da Ordem dos Advogados do Brasil - OAB-SP ofende a autonomia funcional,

administrativa e financeira daquela. Essa a conclusão do Plenário ao, por maioria, conhecer, em parte, de ação

direta de inconstitucionalidade como arguição de descumprimento de preceito fundamental - ADPF e julgar o

pleito parcialmente procedente, a fim de declarar a ilegitimidade ou não recepção do art. 234, e seus parágrafos,

da Lei Complementar paulista 988/2006, assim como assentar a constitucionalidade do art. 109 da Constituição

desse mesmo ente federativo, desde que interpretado conforme a Constituição Federal, no sentido de apenas

autorizar, sem obrigatoriedade nem exclusividade, a defensoria a celebrar convênio com a OAB-SP . Tratava-se,

na espécie, de ação direta ajuizada pelo Procurador-Geral da República contra o art. 109 da referida Constituição

estadual e o art. 234 e parágrafos da LC paulista 988/2006, que tratam da instituição de convênio entre a

defensoria pública paulista e a OAB-SP, para a prestação de assistência judiciária a necessitados, a cargo da

primeira. ADI 4163/SP, rel. Min. Cezar Peluso, 29.2.2012. 79 EMENTA: MEDIDA CAUTELAR EM AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE. INCISOS II E III DO ART. 45 DA LEI

9.504/1997. (...) 8. Suspensão de eficácia do inciso II do art. 45 da Lei 9.504/1997 e, por arrastamento, dos §§ 4º

e 5º do mesmo artigo, incluídos pela Lei 12.034/2009. Os dispositivos legais não se voltam, propriamente, para

aquilo que o TSE vê como imperativo de imparcialidade das emissoras de rádio e televisão. Visa a coibir um estilo

peculiar de fazer imprensa: aquele que se utiliza da trucagem, da montagem ou de outros recursos de áudio e

vídeo como técnicas de expressão da crítica jornalística, em especial os programas humorísticos. 9. Suspensão de

eficácia da expressão “ou difundir opinião favorável ou contrária a candidato, partido, coligação, a seus órgãos ou

representantes”, contida no inciso III do art. 45 da Lei 9.504/1997. Apenas se estará diante de uma conduta

vedada quando a crítica ou matéria jornalísticas venham a descambar para a propaganda política, passando

nitidamente a favorecer uma das partes na disputa eleitoral. Hipótese a ser avaliada em cada caso concreto. 10.

Medida cautelar concedida para suspender a eficácia do inciso II e da parte final do inciso III, ambos do art. 45

da Lei 9.504/1997, bem como, por arrastamento, dos §§ 4º e 5º do mesmo artigo . (ADI 4451 MC-REF / DF -

DISTRITO FEDERAL - REFERENDO NA MEDIDA CAUTELAR NA AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE -

elator(a): Min. AYRES BRITTO - Julgamento: 02/09/2010 - Órgão Julgador: Tribunal Pleno)83

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- DIREITOS FUNDAMENTAIS -

1. TEORIA GERAL DOS DIREITOS FUNDAMENTAIS

1.1. INTRODUÇÃO

a) Art. 5º, §1º, CF/88:

Estabelece o art. 5º, §1º, da CF/88 que “as normas definidoras dos direitos e garantias

fundamentais têm aplicação imediata”. Ressalte-se, inicialmente, que, embora

topograficamente localizado no art. 5º, esse dispositivo se refere a todos os direitos

fundamentais (art. 5º ao 17).

O art. 5º, §1º, por vezes, é de difícil compreensão, porque há hipóteses em que a

própria norma que estabelece o direito fundamental prevê a possibilidade ou necessidade de lei

disciplinando a matéria (ex.: art. 7º, inciso I), o que vai de encontro com a sua previsão de que

os direitos e garantias fundamentais possuem aplicação imediata.

Como, então, entender o dispositivo? Existem alguns entendimentos:

1) O texto seria mais preciso se dissesse “eficácia imediata” (= capacidade de

produzir efeitos desde já). Esse é o entendimento de Virgílio Afonso da Silva.

2) Todos os direitos fundamentais devem ser aplicados de forma imediata, ou

seja, eles conferem direitos subjetivos que podem ser imediatamente

desfrutados (Dirley da Cunha Jr.).

3) A aplicação imediata é a regra geral, sendo que a exceção ocorre em relação

àqueles dispositivos que exigem expressamente lei regulamentadora (Marcelo

Novelino).

4) Esse dispositivo não deve ser interpretado como uma regra, mas sim como um

princípio. Assim, as normas jusfundamentais devem ser aplicadas

imediatamente, na maior medida possível, de acordo com as possibilidades 84

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DIREITO CONSTITUCIONALMarcelo Novelino

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fático-jurídicas existentes. Entendimento de Ingo Sarlet e também já adotado

pela CESPE.

b) Art. 5º, §2º, CF/88:

O art. 5º, §2º, da CF/88 consagra, segundo alguns autores, a Teoria Material dos

Direitos Fundamentais. Ele dispõe que:

§ 2º - Os direitos e garantias expressos nesta Constituição não excluem outros

decorrentes do regime e dos princípios por ela adotados, ou dos tratados

internacionais em que a República Federativa do Brasil seja parte.

Além dos direitos e garantias expressos na Constituição, outros também podem ser

considerados fundamentais. Assim, são direitos fundamentais não só os expressamente

consagrados na Constituição, mas também os implícitos, estes decorrentes do regime ou dos

princípios por ela adotados, bem como dos tratados internacionais de que o Brasil faz parte .

Quanto a estes últimos, entende-se que se trata de tratados internacionais sobre direitos

humanos.

Direitos fundamentais x Direitos humanos :

No Brasil, a doutrina majoritária sustenta que esses direitos se assemelham, por

estarem relacionados à liberdade e à igualdade, com o intuito de proteger e promover a

dignidade da pessoa humana. Isso significa dizer, em outras palavras, que, em termos de

conteúdo, ou seja, materialmente, eles são semelhantes, pois tratam dos mesmos valores. Daí

decorre a chamada teoria material, que identifica tais direitos pelo seu conteúdo, e não pela

forma.

A diferença entre direitos humanos e fundamentais, por outro lado, reside no plano no

tais direitos encontram-se consagrados: direitos humanos, no plano internacional, e direitos

fundamentais, no plano interno. Assim, formalmente, esses direitos são distintos, justamente

por estarem consagrados em planos diferentes.

85

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DIREITO CONSTITUCIONALMarcelo Novelino

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Interpretando o art. 5º, §2º, há quem entenda que todos os tratados internacionais

sobre direitos humanos possuem status constitucional (Flávia Piovesan). Vale dizer, todavia,

que essa não foi a tese adotada pelo STF, conforme será analisado adiante.

c) Art. 5º, §3º, CF/88:

O art. 5º, §3º, da CF/88, não é uma norma originária, mas introduzida pela EC 45/04.

Esse dispositivo surgiu com o intuito de resolver a divergência existente na jurisprudência

acerca da hierarquia dos tratados internacionais sobre direitos humanos no ordenamento

brasileiro. Dispõe que:

§ 3º Os tratados e convenções internacionais sobre direitos humanos que forem

aprovados, em cada Casa do Congresso Nacional, em dois turnos, por três quintos

dos votos dos respectivos membros, serão equivalentes às emendas constitucionais.

(Incluído pela Emenda Constitucional nº 45, de 2004)

O §3º, assim, estabelece não apenas um aspecto material aos tratados internacionais,

qual seja, versarem sobre direitos humanos, mas também um aspecto formal, correspondente

ao voto de 3/5 dos membros do Congresso Nacional e em dois turnos de votação . Cumpridas

tais exigências, o tratado internacional sobre direitos humanos será tratado como emenda,

ganhando, portanto, o caráter de norma constitucional.

Antes, o STF entendia que todos os tratados internacionais (sobre direitos humanos ou

não) possuíam status de lei ordinária. Com a inclusão da EC 45/04, o STF mudou o

posicionamento (RE 466.343), adotando uma tripla hierarquia para os tratados:

Tratados internacionais sobre direitos humanos, nos termos do art. 5º, §3º = status

constitucional. Ex.: Convenção sobre os direitos de pessoas portadoras de

deficiência (Dec. 6.949/09). Não estão dentro do texto constitucional, mas possuem

a mesma hierarquia. Ressalte-se que a aprovação nos termos do art. 5º, §3º não é

obrigatória, não obstante exista uma recomendação nesse sentido.

86

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Tratados internacionais sobre direitos humanos aprovados antes da EC 45/04 =

status supralegal (acima das leis, mas abaixo da Constituição). Ex.: Pacto de San José

da Costa Rica.

Tratados internacionais que não são de direitos humanos = lei ordinária.

Destaque-se o interessante raciocínio de Hugu Mazzuoli, que, influenciado pela doutrina

internacional, denomina de “controle de convencionalidade” aquele que tem como parâmetro

os tratados internacionais sobre direitos humanos, sejam os de nível constitucional ou

supralegal.

1.2. CLASSIFICAÇÃO DOS DIREITOS FUNDAMENTAIS

1.2.1. CLASSIFICAÇÃO DA CONSTITUIÇÃO FEDERAL DE 1988

A CF/88 trata os direitos fundamentais como um gênero, estabelecendo, no Título II

(arts. 5º ao 17) as seguintes espécies:

Direitos individuais;

Direitos coletivos;

Direitos sociais;

Direitos da nacionalidade;

Direitos políticos (partidos políticos).

Essa classificação é muito importante, mormente quando nos referimos às chamadas

“cláusulas pétreas” (art. 60, §4º, CF/8880): abrangem todos os direitos fundamentais ou tão

somente os direitos individuais? Analisaremos essa questão posteriormente.

80 § 4º - Não será objeto de deliberação a proposta de emenda tendente a abolir:

I - a forma federativa de Estado;

II - o voto direto, secreto, universal e periódico;

III - a separação dos Poderes;

IV - os direitos e garantias individuais.87

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1.2.2. CLASSIFICAÇÃO DA DOUTRINA

a) Unitária:

Considera que a profunda semelhança entre todos os direitos fundamentais impede

sua classificação em categorias estruturalmente distintas. Adotada por Jairo Schäifer.

b) Dualista:

Diferencia os direitos de defesa (no qual estão incluídos os direitos políticos) dos

direitos a prestações. É a classificação adotada por Ingo Sarlet.

c) Trialista:

Divide os direitos fundamentais em direitos de defesa, prestacionais e direitos de

participação. Essa é a classificação adotada no Brasil (ex.: Dimitri Dimoulis), e tem por

fundamento a teoria do status criada por Jellinek. Segundo este autor, a relação entre o

indivíduo e o Estado pode ter quatro status: negativo, positivo, ativo e passivo.

Direitos de defesa (status negativo): o indivíduo goza de um espaço de

liberdade diante das ingerências dos Poderes Públicos. Exemplos: não censurar,

não violar o domicílio, não violar a correspondência etc. Esses direitos, portanto,

exigem do Estado uma abstenção. Os direitos de defesa, vale dizer, são,

basicamente, os direitos individuais.

Direitos a prestações (status positivo): o indivíduo tem o direito de exigir uma

atuação positiva o Estado. Essa atuação positiva se dá mediante dois tipos de

prestações: materiais (ex.: saúde, educação, moradia, segurança etc. – são bens

disponíveis no mercado, mas aos quais nem todos têm acesso) e jurídicas (lei

trabalhista; lei de greve – deve o Estado elaborar leis que visam proteger

88

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DIREITO CONSTITUCIONALMarcelo Novelino

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relações jurídicas). Podemos dizer que os direitos prestacionais correspondem,

basicamente, aos direitos sociais. Vale dizer, no entanto, que existem direitos

prestacionais que não são sociais, a exemplo da assistência jurídica gratuita,

assim como existem direitos sociais que não são prestacionais, como, por

exemplo, a liberdade de associação sindical (exige uma abstenção do Estado, e

não atuação).

Direitos de participação (status ativo): confere ao indivíduo competências para

influenciar na formação da vontade do Estado. Correspondem, basicamente,

aos direitos políticos. Ex.: nacionalidade.

Perceba que o status passivo não entra nessa classificação, porque os três primeiros

status referem-se a direitos, enquanto o último status refere-se aos deveres. O status passivo é

aquele no qual o indivíduo se encontra submetido ao Estado, na esfera das obrigações

individuais. Assim, a posição do indivíduo em relação ao Estado é de sujeição. Exemplo:

alistamento eleitoral.

1.3. CARACTERÍSTICAS DOS DIREITOS FUNDAMENTAIS

Existe divergência quanto a essas características, que variam de autor para o autor.

Vamos estudar as mais conhecidas.

a) Universalidade : a vinculação desses direitos à liberdade, igualdade e dignidade

conduz a sua universalidade, no sentido de proteção ao núcleo mínimo que deve

estar presente em qualquer sociedade. Crítica: trata-se de uma concepção

eminentemente ocidental, deixando de lado o multiculturalismo e alguns aspectos

intranacionais.

b) Historicidade : os direitos fundamentais são históricos por terem surgido em épocas

distintas e por evoluírem com o passar do tempo. Ressalte-se que, para os

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jusnaturalistas, os direitos fundamentais são universais, eternos e imutáveis, logo,

inatos ao homem, cabendo ao Estado tão somente reconhecê-los. Perceba que essa

concepção positivista da historicidade afasta a concepção jusnaturalista, ao

defender que os direitos fundamentais não são inatos, mas conquistados pela

sociedade ao longo do tempo.

c) Irrenunciabilidade, imprescritibilidade e inalienabilidade : não se admite renúncia,

prescrição ou negociação da titularidade desses direitos (total e perpétua), mas se

admite em relação ao seu exercício (parcial e temporária). Todas elas partem da

premissa de que os direitos fundamentais não possuem conteúdo patrimonial, pelo

que podemos dizer que tais características fazem parte da concepção jusnaturalista.

d) Limitabilidade ou relatividade : os direitos fundamentais não podem ser

considerados absolutos, pois encontram limites em outros direitos (de terceiros,

interesses coletivos) também consagrados pela Constituição. Ex.: princípio da

relatividade ou convivência das liberdades públicas. Alguns autores, como Norberto

Bobbio, estabelecem duas exceções à relatividade dos direitos fundamentais: 1)

direito a não ser torturado e 2) direito a não ser escravizado (tais direitos seriam,

portanto, absolutos). Na jurisprudência do STF, vale dizer, vamos encontrar algumas

decisões no sentido de que o direito do brasileiro nato a não ser extraditado é um

direito absoluto. Ainda, há também quem entenda que a dignidade da pessoa

humana é um direito absoluto, porém tal afirmação deve ser sustentada com muita

cautela.

1.4. DIREITOS x GARANTIAS

As garantias são instrumentos criados para assegurar a proteção e a efetividade dos

direitos fundamentais. Possuem natureza instrumental; não são um fim em si mesmo, mas

meios para se alcançar determinados fins. Exemplo: mandado de injunção.

A grande questão do constitucionalismo contemporâneo não é criar mais direitos, pois

já existem muitos, mas sim garantir a sua efetividade.

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Todas as ações constitucionais do art. 5º da CF/88 (mandado de injunção, mandado de

segurança, habeas data, habeas corpus etc.) são garantias, ou seja, instrumentos que visam à

efetivação de direitos fundamentais. Também são garantias: devido processo legal (direitos à

liberdade e à propriedade); presunção de inocência (liberdade do indivíduo); legalidade etc.

1.5. EFICÁCIA VERTICAL E HORIZONTAL DOS DIREITOS FUNDAMENTAIS

Inicialmente, os direitos individuais (espécies de direitos fundamentais) foram criados

para proteger os indivíduos contra o arbítrio do Estado. A relação “Estado x indivíduo” é, pois,

uma relação vertical (subordinação). Assim, quando os direitos fundamentais são aplicáveis às

relações entre o Estado e os particulares, fala-se em eficácia vertical.

Ocorre que, com o passar do tempo, foi-se percebendo que a violação de direitos não

decorria apenas do Estado, mas também de outros particulares. Como não há relação de

subordinação, a aplicação dos direitos fundamentais às relações entre particulares é

denominada de eficácia horizontal (externa ou perante terceiros).

Sobre esse assunto surgiram várias teorias, senão vejamos:

a) Teoria da ineficácia horizontal x teoria da state action:

A teoria da ineficácia horizontal sustenta que os direitos fundamentais não podem ser

invocados nas relações entre particulares, mas somente nas relações entre Estado e indivíduo.

É a teoria adotada nos Estados Unidos.

Obviamente, muitos problemas surgem em decorrência dessa teoria, razão pela qual foi

desenvolvida a teoria da state action (ação estatal), que pode ser analisada sob três aspectos:

Pressuposto: os direitos fundamentais só podem ser violados por meio de uma

ação estatal.

Finalidade: tentar afastar a impossibilidade de aplicação dos direitos

fundamentais às relações entre particulares e definir, ainda que de forma

casuística, as situações nas quais eles podem ser aplicados.

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Artifício: equiparação de alguns atos privados a ações estatais. Exemplo: caso

Company Town – existia uma empresa muito grande nos EUA, praticamente uma

cidade, a ponto de muitos trabalhadores morarem dentro das suas instalações;

um dia, a empresa resolveu que os empregados que eram testemunhas de Jeová

não poderiam mais celebrar seus cultos lá dentro; o judiciário americano

concluiu que este ato equiparava-se a um ato estatal, uma vez que era como se o

prefeito proibisse a liberdade religiosa dentro da própria cidade, razão pela qual

se justificaria, nesse caso, a aplicação dos direitos fundamentais às relações

entre particulares.

b) Teoria da ineficácia horizontal indireta:

Desenvolvida por Günter Dürig, é a teoria que prevalece hoje na Alemanha. Aqui no

Brasil, ela é defendida em alguns votos pelo Ministro Gilmar Mendes.

Essa teoria tem como ponto de partida a existência de um direito geral de liberdade.

De acordo com ela, os direitos fundamentais não ingressam no cenário privado como direitos

subjetivos, por haver uma necessidade de intermediação do legislador.

Assim, se dois particulares resolvem contratar entre si, afastando direitos fundamentais

ou até mesmo os contrariando, não haverá problema, justamente em razão do seu direito geral

de liberdade. Para que os direitos fundamentais se apliquem às relações privadas, é

necessária a intervenção do legislador (deve existir uma lei disciplinando a forma como esses

direitos serão aplicados).

Essa teoria se justifica em três razões, as quais servem de críticas à teoria da eficácia

horizontal direta (a seguir):

A aplicação direta dos direitos fundamentais às relações privadas causaria uma

desfiguração do direito privado e uma perda de sua clareza conceitual.

Aniquilaria a autonomia da vontade, que é um dos princípios basilares do

direito privado.

Violaria os princípios da segurança jurídica, da separação dos poderes e o

democrático.

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Um exemplo de aplicação dessa teoria no direito brasileiro é a norma do art. 57 do CC:

Art. 57. A exclusão do associado só é admissível havendo justa causa, assim

reconhecida em procedimento que assegure direito de defesa e de recurso, nos

termos previstos no estatuto. (Redação dada pela Lei nº 11.127, de 2005)

Antes da existência desse dispositivo, se fosse na Alemanha, não seria necessária e

obrigatória a observância da ampla defesa para expulsar um associado, ante a ausência de

previsão legal.

c) Teoria da eficácia horizontal direta:

Apesar de não ser a teoria mais adotada, também surgiu na Alemanha, desenvolvida

pelo juiz alemão Nipperdey. Hoje, ela é adotada nos seguintes países: Itália, Espanha, Portugal e

Brasil.

Segundo a teoria da eficácia horizontal direta, os direitos fundamentais podem ser

aplicados diretamente às relações entre particulares, independentemente de artimanhas

interpretativas. No entanto, esta aplicação não deve ocorrer com a mesma intensidade que

ocorre na eficácia vertical, em razão da autonomia da vontade.

Assim, a autonomia da vontade deve ser levada em consideração para que os direitos

fundamentais sejam aplicados às relações entre particulares. Ex.: o princípio da isonomia não se

aplica com a mesma intensidade às relações privadas e às relações entre Estado e indivíduo.

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Aplicação dessa teoria no direito brasileiro: RE 161.243/DF81, no qual restou decidido

que o princípio da isonomia impede que sejam adotados estatutos diferentes para os

empregados de uma mesma empresa; RE 158.215/RS82 (vale dizer que, à época, ainda não

existia o art. 57 do CC, mas, ainda assim, restou decidido que a ampla defesa deveria ser

assegurada mesmo na relações privadas decorrentes de uma associação).

d) Teoria integradora:

81 EMENTA: CONSTITUCIONAL. TRABALHO. PRINCÍPIO DA IGUALDADE. TRABALHADOR BRASILEIRO EMPREGADO DE

EMPRESA ESTRANGEIRA: ESTATUTOS DO PESSOAL DESTA: APLICABILIDADE AO TRABALHADOR ESTRANGEIRO E AO

TRABALHADOR BRASILEIRO. C.F., 1967, art. 153, § 1º; C.F., 1988, art. 5º, caput. I. - Ao recorrente, por não ser

francês, não obstante trabalhar para a empresa francesa, no Brasil, não foi aplicado o Estatuto do Pessoal da

Empresa, que concede vantagens aos empregados, cuja aplicabilidade seria restrita ao empregado de

nacionalidade francesa. Ofensa ao princípio da igualdade: C.F., 1967, art. 153, § 1º; C.F., 1988, art. 5º, caput). II. - A

discriminação que se baseia em atributo, qualidade, nota intrínseca ou extrínseca do indivíduo, como o sexo, a

raça, a nacionalidade, o credo religioso, etc., é inconstitucional. Precedente do STF: Ag 110.846(AgRg)-PR, Célio

Borja, RTJ 119/465. III. - Fatores que autorizariam a desigualização não ocorrentes no caso. IV. - R.E. conhecido e

provido. (RE 161243 / DF - DISTRITO FEDERAL - RECURSO EXTRAORDINÁRIO - Relator(a): Min. CARLOS VELLOSO -

Julgamento: 29/10/1996 - Órgão Julgador: Segunda Turma)82 DEFESA - DEVIDO PROCESSO LEGAL - INCISO LV DO ROL DAS GARANTIAS CONSTITUCIONAIS - EXAME -

LEGISLAÇÃO COMUM. A intangibilidade do preceito constitucional assegurador do devido processo legal direciona

ao exame da legislação comum. Daí a insubsistência da óptica segundo a qual a violência à Carta Política da

República, suficiente a ensejar o conhecimento de extraordinário, há de ser direta e frontal. Caso a caso, compete

ao Supremo Tribunal Federal exercer crivo sobre a matéria, distinguindo os recursos protelatórios daqueles em

que versada, com procedência, a transgressão a texto constitucional, muito embora torne-se necessário, até

mesmo, partir-se do que previsto na legislação comum. Entendimento diverso implica relegar à inocuidade dois

princípios básicos em um Estado Democrático de Direito - o da legalidade e do devido processo legal, com a

garantia da ampla defesa, sempre a pressuporem a consideração de normas estritamente legais. COOPERATIVA -

EXCLUSÃO DE ASSOCIADO - CARÁTER PUNITIVO - DEVIDO PROCESSO LEGAL. Na hipótese de exclusão de

associado decorrente de conduta contrária aos estatutos, impõe-se a observância ao devido processo legal,

viabilizado o exercício amplo da defesa. Simples desafio do associado à assembléia geral, no que toca à

exclusão, não é de molde a atrair adoção de processo sumário. Observância obrigatória do próprio estatuto da

cooperativa. (RE 158215 / RS - RIO GRANDE DO SUL - RECURSO EXTRAORDINÁRIO - Relator(a): Min. MARCO

AURÉLIO - Julgamento: 30/04/1996 - Órgão Julgador: SEGUNDA TURMA)94

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São defensores dessa teoria Robert Alexy e Böckenförde. Para ela, a aplicação dos

direitos fundamentais às relações entre particulares deve ocorrer por meio de lei. No

entanto, se esta não existir, é possível que ocorra a aplicação direta. Perceba que, fazendo jus

ao seu nome, ela integra as teorias da eficácia horizontal indireta com a direta.

Exemplificando, um caso como o do art. 57 do CC não chegaria ao Supremo, pois o

assunto pode ser resolvido em sede infraconstitucional. Não existindo a norma, por outro lado,

recorre-se à Constituição.

1.6. PRINCÍPIO DA PROPORCIONALIDADE

Aqui no Brasil, a proporcionalidade é tida como um princípio, mas alguns doutrinadores

preferem considerá-la como um postulado83 ou como uma máxima. Podemos dizer que o

princípio da proporcionalidade corresponde a uma estrutura formal que serve como condição

de possibilidade para o raciocínio com princípios. Não se trata de um princípio material, pois

não é com esse princípio que se resolve o caso concreto; ele auxilia a devida aplicação de

outros princípios, estes sim materiais.

1.6.1. NOMENCLATURA

No Brasil, a maior parte da doutrina (Ex.: Luis Roberto Barroso), assim como a

jurisprudência do STF, utilizam os termos razoabilidade e proporcionalidade como se fossem

sinônimos84.

Marcelo Novelino pensa que razoabilidade e proporcionalidade não se confundem, até

mesmo porque possuem origens distintas. No sentido que será aqui trabalhado, a

proporcionalidade teve origem no Tribunal Constitucional Federal Alemão; a razoabilidade, por

sua vez, no direito inglês, é utilizada para os casos em que há uma atuação absurdamente

desarrazoada (arbitrária) por parte dos Poderes Públicos.

83 “Postulado normativo aplicativo” (Humberto Ávila): norma de segundo grau (metanorma) que estabelece a

estrutura de interpretação e aplicação de outras normas.84 Humberto Ávila e Virgílio Afonso da Silva, por sua vez, são dois autores que fazem a distinção entre razoabilidade

e proporcionalidade.95

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1.6.2. CONSAGRAÇÃO NA CONSTITUIÇÃO FEDERAL DE 1988

Não há uma consagração expressa do princípio da proporcionalidade no texto

constitucional de 1988. Há, em verdade, uma consagração implícita. Ainda, há quem entenda

que a proporcionalidade e razoabilidade são decorrentes do princípio do Estado de Direito

(geralmente, este é o entendimento dos autores que sofrem influência do direito alemão). Na

CF/88, o princípio do Estado Democrático de Direito está consagrado no seu art. 1º85.

O entendimento mais adotado no Brasil, já adotado pelo STF e em concursos públicos

do CESPE, é que a proporcionalidade constitui uma cláusula do devido processo legal em seu

caráter substantivo (ADI 1.158-MC86). Esse também é o entendimento do direito norte-

americano.

1.6.3. “MÁXIMAS PARCIAIS”

Embora chamadas de “máximas”, não são princípios, pois possuem estrutura de regras.

Compõem a estrutura do princípio da proporcionalidade em sentido amplo: adequação,

necessidade/exigibilidade e proporcionalidade em sentido estrito.

a) Adequação : o meio utilizado deve ser apto para fomentar o fim almejado. A

adequação corresponde à relação entre meio e fim. Se o meio não for apto, a

85 Art. 1º A República Federativa do Brasil, formada pela união indissolúvel dos Estados e Municípios e do Distrito

Federal, constitui-se em Estado Democrático de Direito e tem como fundamentos: [...]86 EMENTA: AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE - LEI ESTADUAL QUE CONCEDE GRATIFICAÇÃO DE FERIAS

(1/3 DA REMUNERAÇÃO) A SERVIDORES INATIVOS - VANTAGEM PECUNIARIA IRRAZOAVEL E DESTITUIDA DE

CAUSA - LIMINAR DEFERIDA. - A norma legal, que concede a servidor inativo gratificação de ferias correspondente

a um terco (1/3) do valor da remuneração mensal, ofende o critério da razoabilidade que atua, enquanto projeção

concretizadora da cláusula do "substantive due process of law", como insuperavel limitação ao poder normativo

do Estado. Incide o legislador comum em desvio etico-jurídico, quando concede a agentes estatais determinada

vantagem pecuniaria cuja razão de ser se revela absolutamente destituida de causa. (ADI 1158 MC / AM -

AMAZONAS - MEDIDA CAUTELAR NA AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE - Relator(a): Min. CELSO DE

MELLO - Julgamento: 19/12/1994 - Órgão Julgador: Tribunal Pleno)96

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medida será inadequada, e, portanto, desproporcional. Ressalte-se que o meio não

deve ser apto para atingir, mas para fomentar, promover o fim almejado (STF – HC

82.424). A proporcionalidade é um mecanismo de justificação das decisões que não

tem a pretensão de levar a um único resultado. Ainda, vale dizer que só se passa

para a análise das demais máximas se a primeira for preenchida.

b) Necessidade/exigibilidade : dentre os meios aptos para fomentar determinado fim,

deve-se optar por aquele que seja o menos gravoso possível. Isso não significa dizer

que os meios devem ser igualmente eficazes, mas similarmente eficazes, de modo

que seja escolhido o meio menos gravoso possível. Ex.: ADI 4.102 (Lei Seca) – as duas

partes utilizam o princípio da proporcionalidade; a parte autora (ABRASEL), por

exemplo, sustenta que os limites de álcool no sangue estabelecidos pela lei são

desproporcionais, uma vez que não colocam em risco a segurança das pessoas.

c) Proporcionalidade em sentido estrito : deve ser aferida a relação custo-benefício,

através de uma ponderação entre as vantagens promovidas pelo meio e as

desvantagens que ele provoca. A ponderação, vale dizer, é realizada nessa terceira

fase de análise da proporcionalidade. Ressalte-se que os críticos à utilização da

ponderação vão utilizar apenas os dois primeiros testes da proporcionalidade. Nesse

contexto, Robert Alexy defende que, na ponderação, deve ser utilizada a lei material

do sopesamento: quando maior o grau de afetação ou de não satisfação de um

determinado princípio, maior deve ser o grau de satisfação do princípio oposto;

havendo “empate” entre o grau de afetação e o grau de satisfação, a questão é

resolvida através da “margem de ação estrutural” conferida ao legislador

democraticamente eleito.

1.6.4. PROIBIÇÃO DE PROTEÇÃO INSUFICIENTE (OU PROIBIÇÃO POR DEFEITO)

Os três critérios vistos anteriormente (adequação, necessidade e proporcionalidade em

sentido estrito) são utilizados quando o Estado adota uma medida extremamente gravosa,

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violando direitos fundamentais. Só que existe um lado da proporcionalidade que representa

justamente o contrário, na medida em que o Estado pode adotar uma medida insuficiente, ou

seja, que não protege o direito fundamental como deveria.

Assim, a proibição de proteção insuficiente exige que os órgãos estatais adotem

medidas que sejam adequadas e necessárias para proteger de forma adequada um

determinado direito fundamental.

Exemplo¹: a inviolabilidade do direito à vida exige a criminalização do aborto? Exemplo²:

a proteção contra a exploração do trabalho infantil exige a criminalização da conduta? Ambas

essas questões passam pela análise da proibição de proteção insuficiente.

1.7. PRINCÍPIOS x REGRAS

Partindo do pressuposto de que a norma é um gênero, temos que, dentro do gênero

norma jurídica, encontramos duas espécies, quais sejam, os princípios e as regras.

Existem vários critérios para diferenciar os princípios das regras. No Brasil, um dos mais

tradicionais é o que considera os princípios dotados de maior generalidade ou

fundamentabilidade do que as regras. Celso Antonio Bandeira de Mello, inclusive, define os

princípios como mandamentos nucleares do sistema.

Estudemos as principais diferenças entre princípios e regras:

1.7.1. QUANTO AO TIPO DE COMANDO

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DIREITO CONSTITUCIONALMarcelo Novelino

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a) Os princípios são “mandamentos de otimização”, ou seja, são normas que exigem

que algo seja cumprido na maior medida possível, de acordo com as possibilidades

fáticas (caso concreto) e jurídicas (outras normas envolvidas) existentes (Robert

Alexy). Exemplo: princípio da redução das desigualdades (art. 3º, III, CF/88), também

chamado de princípio da igualdade material – em que medida a redução de

desigualdades deve ocorrer? Vai depender das circunstâncias fáticas e jurídicas

existentes.

b) As regras são normas que sempre devem ser satisfeitas ou não. A regra deve ser

aplicada na medida de suas prescrições. Se uma regra é válida e não comporta

qualquer exceção, então, deve-se fazer exatamente aquilo que ela exige. Se ela não

é válida, não deve ser aplicada. Exemplo: idade mínima de 35 anos como condição

de legitimidade para o Presidente da República (art. 14, §3º, VI, “a”, CF/88).

1.7.2. QUANTO À NATUREZA DAS RAZÕES

a) Os princípios fornecem razões “prima facie”, que são aquelas que podem ser

afastadas por outras razões de peso maior. Peczenik diz que os princípios fornecem

razões contributivas para a decisão. Exemplo: o princípio da livre iniciativa é um

princípio “prima facie”, que, na ADPF 101, foi afastado para que as outras razões,

mais fortes, fossem aplicadas. Assim, o princípio não é decisivo para que o juiz

resolva um caso, mas contribui para a solução deste; ele vai analisar as razões e

decidir quais deverão prevalecer.

b) As regras fornecem razões definitivas para a decisão. As razões de uma regra são

consideradas “decisivas” (Peczenik), por serem conclusivas para se chegar a uma

determinada solução. A regra do art. 14, §3º, VI, “a”, da CF/88, por exemplo, é

decisiva.

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Para Dworkin, os princípios fornecem sempre razões “prima facie” e as regras

possuem sempre um caráter definitivo.

Para Robert Alexy, por sua vez, tanto os princípios quanto as regras possuem um

caráter “prima facie”, ainda que no caso das regras este caráter “prima facie” seja

essencialmente mais forte que o dos princípios. Segundo este autor, apenas quando

não possuem alguma exceção, as regras têm caráter definitivo. Exemplo: “não avançar

o sinal vermelho” é uma regra, mas ela pode ser afastada em algumas situações, no

caso, por exemplo, de uma ambulância que leva um paciente ao hospital (essa regra,

portanto, comporta um caráter “prima facie”).

1.7.3. QUANTO À FORMA DE APLICAÇÃO87

a) Os princípios são aplicados através da ponderação (Robert Alexy). Como os

princípios fornecem razões “prima facie”, que podem ser afastadas por outras

razões, é necessário ponderá-las, para se chegar à conclusão de qual deve

prevalecer.

b) As regras são aplicadas através de subsunção. Deve-se analisar se o fato que ocorreu

se enquadra ou não no âmbito de proteção da norma. Se sim, ela deve ser utilizada

para resolver a questão.

1.7.4. QUANTO À DIMENSÃO

a) Os princípios possuem uma dimensão da importância, peso (Dworkin) ou valor. Os

conflitos entre princípios são resolvidos pela dimensão da importância, ou seja, em

um determinado caso concreto, o afastamento de um princípio para a aplicação do

outro não significa que ele seja inválido ou que não possa prevalecer em um caso

seguinte, no qual as circunstâncias sejam diversas.

87 Essa diferença decorre das anteriores.100

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b) As regras possuem uma dimensão da validade. No caso de conflitos entre regras, ou

uma delas é inválida (critérios hierárquico e cronológico), ou a ela deve ser

introduzida uma exceção.

1.8. DIGNIDADE DA PESSOA HUMANA

A dignidade da pessoa humana está expressamente consagrada no art. 1º, inciso III, da

CF/8888, como um dos fundamentos da República Federativa do Brasil.

Fundamentos (art. 1º) x objetivos fundamentais (art. 3º) :

Os fundamentos são inerentes à própria estrutura do Estado Brasileiro, formando o seu

alicerce. Estão previstos no art. 1º da CF/88, e são eles:

Soberania;

Cidadania;

Dignidade da pessoa humana;

Valores sociais do trabalho e da livre iniciativa;

Pluralismo político.

Os objetivos fundamentais, por sua vez, são externos ao Estado, constituindo objetivos,

metas a serem alcançadas. Tradicionalmente, denominados de “normas programáticas”, esses

objetivos têm a natureza de PRINCÍPIO, os quais devem ser concretizados na maior medida

possível. Estão previstos no art. 3º da CF/88, e são eles:

Construir uma sociedade livre, justa e solidária;

Garantir o desenvolvimento nacional;

Erradicar a pobreza e a marginalização e reduzir as desigualdades sociais e

regionais;

88 Art. 1º A República Federativa do Brasil, formada pela união indissolúvel dos Estados e Municípios e do Distrito

Federal, constitui-se em Estado Democrático de Direito e tem como fundamentos:

III - a dignidade da pessoa humana;101

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Promover o bem de todos, sem preconceitos de origem, raça, sexo, cor, idade e

quaisquer outras formas de discriminação.

Diz a doutrina que a dignidade da pessoa humana não é apenas um fundamento, mas

também um valor constitucional supremo. Está presente em praticamente todos os textos

constitucionais do mundo, consagrando-se a partir da 2ª Guerra Mundial.

Qual a relação entre a dignidade da pessoa humana e os direitos fundamentais ? O fato

de ela estar fora do capítulo dos direitos fundamentais impede que ela seja reconhecida como

tal? De forma alguma. Assim, ainda que fora do Título II da CF/88, não há impedimento ao

reconhecimento da dignidade da pessoa humana como direito fundamental . E isso também

se aplica aos demais fundamentos do art. 1º. Mas a dignidade é, propriamente, um direito

fundamental? A maioria da doutrina entende que a dignidade não é um direito fundamental,

mas uma qualidade intrínseca a todo ser humano. Isso significa dizer que a pessoa possui

dignidade, independentemente de qualquer condição (origem, raça, nacionalidade, sexo etc.),

e ela deve ser respeitada e protegida por Estado.

Ainda, muitos autores vão dizer que a dignidade não é algo relativo, mas algo absoluto.

Cuidado! Quando se diz que a dignidade é absoluta significa que ela não comporta gradações

(não existe ser humano com mais ou menos dignidade); a dignidade é igual para todos.

Qual a consequência jurídica da consagração da dignidade da pessoa humana na

Constituição Federal? A consagração da dignidade no texto constitucional impõe ao Estado e,

em alguns casos, aos particulares, o dever de respeito, proteção e promoção de condições

dignas de existência. O dever de respeito, vale dizer, impõe-se de igual ao modo ao Estado e ao

particular. O dever de proteção dirige-se mais ao Estado, não obstante também possa ser

imposto ao particular. O dever de promoção, por sua vez, é o que se destina exclusivamente ao

Estado.

A dignidade da pessoa humana é o núcleo em torno do qual gravitam os direitos

fundamentais. É ela que confere a esses direitos um caráter sistêmico e unitário. A dignidade,

assim, é o termo em comum que liga todos os direitos fundamentais. Estes, por sua vez,

existem para proteger e promover a dignidade da pessoa humana.

102

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Quando se fala em proteção da dignidade, vale dizer, estamos nos referindo à proteção

dos direitos individuais (liberdade e igualdade, principalmente). Inclusive, o STF, quando se

refere à dignidade, fala em “reforço argumentativo” e também em “vetor interpretativo”. Isso

porque a dignidade não constitui a norma decisiva; em verdade, ela confere legitimidade às

normas específicas (que são os direitos individuais).

Por outro lado, quando falamos em promoção da dignidade, estamos nos referindo aos

direitos sociais (ex.: saúde, educação, moradia). Nesse contexto, surgiu no direito alemão o

chamado “MÍNIMO EXISTENCIAL”: é o conjunto de bens e utilidades indispensáveis a uma

vida humana digna.

O respeito à dignidade se concretiza na norma prevista no art. 5º, inciso III, da CF/88, ao

estabelecer que “ninguém será submetido a tortura nem a tratamento desumano ou

degradante”.

Em resumo, segundo a maioria da doutrina, podemos dizer que a dignidade da pessoa

humana é um princípio, concretizado pelos direitos fundamentais.

“Fórmula do objeto” (Kant) :

Significa que a dignidade é violada quando o ser humano é tratado como um meio, e

não como um fim em si mesmo (“coisificação do indivíduo”). Essa ideia foi utilizada pelos

Ministros que votaram a favor da descriminalização do aborto de anencéfalos. Isso porque se

considerou que, admitindo-se a ideia de que deveria a mulher gerar a criança anencéfala,

103

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DIREITO CONSTITUCIONALMarcelo Novelino

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visando uma eventual doação de órgãos pela mesma, aquela estaria sendo tratada como um

meio, e não como um fim em si mesmo, violando a sua dignidade.

Podemos dizer que a dignidade é violada quando o ser humano é tratado como um

objeto, como um meio, e este tratamento é fruto de uma “expressão de desprezo” por

aquele ser humano. Essa ideia de “expressão de desprezo” foi acrescentada pela jurisprudência

alemã, mas ela não necessariamente deverá existir para se considerar que houve violação da

dignidade.

2. DIREITOS FUNDAMENTAIS EM ESPÉCIE89

2.1. DESTINATÁRIOS

2.1.1. DOS DIREITOS

Diz o art. 5º, caput, da CF/88, que:

Art. 5º Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-

se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à

vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos seguintes:

A partir de uma interpretação literal, estabelece a CF que os direitos fundamentais têm

por destinatários os brasileiros (natos e naturalizados – art. 12, CF/88) e os estrangeiros

residentes no país.

E os estrangeiros não residentes? José Afonso da Silva entende que eles não podem

invocar os direitos fundamentais do art. 5º, devendo se valer dos tratados internacionais sobre

direitos humanos. Essa não é a concepção que prevalece no Brasil.

Atualmente, entende-se que deve ser feita uma interpretação extensiva do art. 5º da

CF/88, de forma que alguns direitos básicos sejam assegurados a todos aqueles que se

encontrem no território nacional. O constituinte disse menos do que gostaria de dizer.

89 O estudo será focado no art. 5º da CF/88, não obstante existam outros direitos fundamentais espalhados no

texto constitucional.104

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Justificativa: se a dignidade é uma qualidade intrínseca a todo ser humano

independentemente de qualquer condição, e se os direitos individuais são aqueles que a

protegem mais diretamente, não se pode deixar de assegurá-los a um indivíduo,

simplesmente em razão da sua nacionalidade e local de residência.

Pessoa jurídica pode invocar os direitos fundamentais do art. 5º?

A pessoa jurídica pode invocar não só alguns direitos instrumentais (ex.: Mandado de

Segurança), como também direitos substanciais, a exemplo do direito à honra (Súmula 227 do

STJ). Desde que compatíveis com a sua natureza, os direitos fundamentais também se aplicam à

pessoa jurídica.

Quanto às pessoas jurídicas de direito público, mais especificamente, elas também

podem invocar alguns direitos e garantias fundamentais, notadamente os de caráter

procedimental (ex.: ampla defesa, contraditório, devido processo legal etc.). Não é possível,

entretanto, alegar violação ao direito à vida, à liberdade etc.

Ressalte-se que essa possibilidade de a pessoa jurídica invocar a proteção dos direitos

fundamentais não tem nada a ver com a dignidade da pessoa humana , que é adstrita ao

indivíduo. O que autoriza pessoas jurídicas a invocarem os direitos fundamentais é o fato de

eles servirem à contenção do arbítrio, o qual não se coaduna com o Estado Democrático de

Direito.

2.1.2. DOS DEVERES

Quem tem o dever de observar os direitos fundamentais?

a) Poderes Públicos (Executivo, Judiciário e Legislativo) : são os principais

destinatários. Lembre-se que chamamos de eficácia vertical dos direitos

fundamentais, quando estamos tratando da relação Estado - particulares.

105

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b) Particulares : é a chamada eficácia horizontal dos direitos fundamentais, quando

estamos tratando da relação entre particulares. Nesse caso, deve-se levar em

considerar a aplicação do princípio da autonomia da vontade.

Eficácia diagonal dos direitos fundamentais :

Alguns autores falam nessa “eficácia diagonal” quando se referem a uma relação entre

particulares que não é dotada de total equilíbrio, como, por exemplo, a relação entre o patrão

e o empregado.

2.2. DIREITO À VIDA

2.2.1. ÂMBITO DE PROTEÇÃO

O bem jurídico protegido é a vida. Para a maioria da doutrina, o direito à vida deve ser

compreendido em uma dupla acepção:

1) Direito de permanecer vivo: ninguém pode, sem uma fundamentação

constitucional, interferir nesse direito.

2) Direito a uma existência digna: a vida humana deve ter sua dignidade

respeitada, protegida e promovida pelo Estado.

Percebe-se, assim, que o direito à vida não pode ser interpretado isoladamente, mas em

conjunto com a dignidade da pessoa humana.

Irrenunciabilidade x inviolabilidade do direito à vida :

o Irrenunciabilidade : protege o direito contra o seu próprio titular. A discussão

em torno da eutanásia e das testemunhas de Jeová envolvem essa questão da

irrenunciabilidade. Encara-se o direito à vida como o pressuposto para o

exercício de todos os demais direitos, razão pela qual deve ter uma precedência.

Entende Marcelo Novelino que se trata de uma precedência prima facie (=

106

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provisória), ou seja, essas razões podem ser afastadas por outras razões mais

fortes.

o Inviolabilidade : protege o direito contra terceiro (Estado e particulares).

2.2.2. RESTRIÇÕES

Refere-se à possibilidade de intervenção no direito à vida constitucionalmente

fundamentada. Divide-se em restrições constitucionais diretas e indiretas.

a) Restrições constitucionais diretas :

Escritas : a própria Constituição estabelece expressamente uma restrição ao

direito à vida. É o caso do art. 5º, XLVII, que traz a possibilidade de pena de

morte no caso de guerra declarada90.

Não escritas : são aquelas impostas por outros princípios de hierarquia

constitucional que, diante das circunstâncias do caso concreto, tenham um

peso maior que o direito restringido. Exemplos (STF):

o ADI 5.510: discutiu a constitucionalidade da lei que permitia a

pesquisa com células tronco embrionárias. Colocou-se em cheque a

colisão entre o direito à vida do embrião e do direito à vida de

inúmeras pessoas que poderiam ser beneficiadas com a pesquisa,

prevalecendo este último. O direito à vida das inúmeras pessoas,

portanto, justifica a restrição ao direito à vida do embrião.

o ADPF 54: discutiu a criminalização do aborto de feto anencefálico.

Argumentos: 1) antecipação terapêutica do parto não é aborto

(isso porque se a vida humana deixa de ser juridicamente protegida

a partir da morte encefálica, a contrario sensu, a proteção só teria

90 XLVII - não haverá penas:

a) de morte, salvo em caso de guerra declarada, nos termos do art. 84, XIX;107

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início com o desenvolvimento do encéfalo, o que não ocorre nos

casos de anencefalia); 2) ainda que seja considerada aborto, esta

hipótese não seria punível (interpretação evolutiva do Código

Penal – à época da promulgação do CP, a ciência ainda não tinha

evoluído o suficiente para diagnosticar a anencefalia, mas, se isso

pudesse ser feito, certamente, o legislador teria incluído essa

situação como uma das hipóteses autorizativas do aborto); 3)

dignidade da pessoa humana, analogia à tortura, interpretação

conforme (o STF utilizou uma interpretação conforme para excluir

qualquer entendimento que considerasse essa hipótese como

crime; obrigar uma mulher a manter, por nove meses, uma

gestação de um feto que não sobreviverá viola a dignidade tanto da

dimensão física quanto psíquica).

b) Restrições constitucionais indiretas : uma norma infraconstitucional pode restringir a

norma constitucional com fundamento na cláusula de reserva legal, que pode ser de

três tipos:

Reserva legal simples : é aquele que ocorre quando o dispositivo

constitucional consagra uma competência do legislador para estabelecer

restrições sem fazer qualquer tipo de exigência quanto ao conteúdo ou à

finalidade da lei restritiva. Podemos identificar quando o constituinte fala

em “na forma da lei”, “nos termos da lei”. Ex.: art. 5º, XV, CF/88 91. Quanto ao

direito à vida, não há reserva legal simples.

Reserva legal qualificada : é aquela que ocorre quando a Constituição

autoriza que a lei estabeleça restrições, mas limita o conteúdo destas,

fixando condições especiais ou estabelecendo os fins a serem perseguidos ou

91 XV - é livre a locomoção no território nacional em tempo de paz, podendo qualquer pessoa, nos termos da lei,

nele entrar, permanecer ou dele sair com seus bens;108

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os meios a serem utilizados. Ex.: art. 5º, XII, CF/8892 (só é possível relativizar o

sigilo das comunicações telefônicas para fins de investigação criminal ou

instrução processual penal). Quanto ao direito à vida, também não há

reserva legal qualificada.

Reserva legal implícita : é aquela que ocorre quando, apesar de não existir

previsão expressa, outros princípios constitucionais outros princípios

constitucionais justificam a criação de uma restrição por lei. Neste caso,

deve ser utilizado o princípio da proporcionalidade para verificar a

constitucionalidade da restrição. Se isso não fosse possível, muitos direitos

fundamentais seriam absolutos, o que não é possível. Ressalte-se que essa

norma (infraconstitucional) relativizadora deve promover a concretização de

algum princípio outro de hierarquia constitucional, sob pena de invalidade.

Essa ideia está relacionada à teoria externa (pensamento de intervenção e

limites), segundo a qual as restrições a um direito fundamental são

estabelecidas a partir de outros direitos. De igual modo, essa ideia também

se relaciona ao princípio da unidade da Constituição. No que se refere ao

direito à vida, existem reservas legais implícitas. Ex.: Lei 11.105/05 (Lei de

Biossegurança – relativiza o direito à vida para assegurar direitos

fundamentais de terceiros, como o direito à saúde); art. 128 do CP (aborto

necessário ou terapêutico e aborto sentimental; neste último caso, privilegia

o direito à liberdade sexual e a dignidade da mãe).

A legalização do aborto :

Existem argumentos favoráveis e contrários à legalização do aborto. Existe projeto de lei

nesse sentido, todavia ainda não votado no Congresso. Caso o STF, ao decidir a questão,

posicione-se pela sua inconstitucionalidade, a legalização do aborto se caracterizará como uma

92 XII - é inviolável o sigilo da correspondência e das comunicações telegráficas, de dados e das comunicações

telefônicas, salvo, no último caso, por ordem judicial, nas hipóteses e na forma que a lei estabelecer para fins de

investigação criminal ou instrução processual penal; 109

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intervenção violadora do direito à vida. Por outro lado, se o STF entender que a legalização é

constitucional, será caso de restrição indiretamente constitucional.

Vale dizer que a Câmara dos Deputados entendeu que eventual legalização do aborto

caracterizaria uma intervenção violadora do direito à vida, sendo o projeto rejeitado pela CCJ.

Hoje, o projeto do novo Código Penal retoma essa questão polêmica.

Argumentos contrários : a Constituição consagra a inviolabilidade do direito à vida,

devendo este ser protegido a partir da concepção. Qualquer outra medida diferente

da criminalização não será capaz de proteger esse direito de forma suficiente

(princípio da proibição da proteção deficiente). Haveria, no caso, um comando

constitucional de criminalização.

Argumentos favoráveis : partem da premissa de que existem outras medidas

adequadas à proteção da vida do feto. A criminalização da conduta não impedirá que

o aborto ocorra, pois o mesmo será realizado clandestinamente. Podemos dividir os

argumentos favoráveis em dois grupos:

1) Direitos fundamentais da gestante 93:

Autonomia reprodutiva e liberdade de escolha : a dignidade da pessoa

humana compreende o direito de autodeterminação da gestante sem

interferência do Estado.

Direito à igualdade : com a criminalização, mulheres com melhor

condição financeira poderiam abortar em clínicas clandestinas

especializadas, com maior segurança e higiene; as mulheres mais

carentes, por sua vez, adotariam métodos menos seguros e mais

prejudiciais a sua saúde. Além disso, tratar-se-ia de uma legislação

“androcêntrica”, ou seja, feita por homens, que não sabe o que é

engravidar. Movimentos feministas falam, ainda, da “teoria do impacto

93 Argumento sustentado pela Suprema Corte norte-americana.110

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desproporcional”, que permite o reconhecimento da

inconstitucionalidade de normas que, embora aparentemente regulares,

causa um ônus desproporcional para determinados grupos que se

encontram em situação de inferioridade.

Direito à privacidade : foi o principal argumento utilizado pela Suprema

Corte norte-americana no caso Roe x Wade (1973). Sustentou-se que o

direito à privacidade da mulher é amplo o suficiente para compreender

o direito de interromper ou não a gestação. Ressalte-se que a Suprema

Corte proibiu a criminalização do aborto nos três primeiros meses de

gestação por qualquer Estado norte-americano, sob pena de violação ao

direito à privacidade da mulher.

2) Saúde pública 94: a questão relacionada à interrupção da gravidez deve ser

tratada na esfera da saúde pública, e não da esfera criminal . Isso porque a

criminalização do aborto não impede que ele ocorra, de modo que muitas

mulheres acabam adquirindo complicações clínicas tão graves que podem, até

mesmo, levá-la ao óbito. Assim, o correto seria o Estado proporcionar uma

assistência clínica e psicológica à gestante, não devendo tal questão ser resolvida

no âmbito criminal. Trata-se de um argumento de cunho político.

2.3. DIREITO À IGUALDADE

2.3.1. ÂMBITO DE PROTEÇÃO

a) Igualdade formal, civil, jurídica ou perante a lei : consiste no tratamento isonômico

conferido a todos os seres de uma mesma categoria essencial. Juridicamente, todos

têm direito a receber o mesmo tipo de tratamento. O dispositivo que consagra esse

direito é o art. 5º, caput, da CF/88 (“Todos são iguais perante a lei...”). Ex.: estatuto

94 Argumento sustentado pela Corte Francesa.111

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do servidor público x estatuto do trabalhador da iniciativa privada (esses

trabalhadores pertencem a categorias essenciais distintas, o que justifica a criação

de um estatuto próprio para cada uma delas, sem violação da igualdade formal).

b) Igualdade material, real ou fática : tem por fim a igualização das desigualdades no

plano fático, por meio da concessão de direitos sociais substanciais . Não se exige

um tratamento igual de todos, mas um tratamento desigual com relação àqueles

que estão em posição de inferioridade. A igualdade material está consagrada no art.

3º, inciso III, da CF/88 (“reduzir as desigualdades sociais e regionais”). A redução das

desigualdades no plano fático exige um tratamento jurídico desigual.

A ideia de “justiça” de Aristóteles: “Tratar os iguais de forma igual e os desiguais de

forma desigual, na proporção de sua desigualdade”:

Esse critério de “justiça” de Aristóteles está relacionado à justiça formal. Refere-se à

igualdade formal ou material? Há grande polêmica sobre o tema.

Quando o tratamento desigual tem por finalidade tratar situações diversas de forma

diferenciada, ele está associado à igualdade formal. É o caso do exemplo envolvendo o

estatuto dos servidores públicos e dos trabalhadores à iniciativa privada.

Quando, por outro lado, o objetivo do tratamento desigual é a redução das

desigualdades fáticas, está associado à igualdade material. Ex.: só quem possui renda abaixo

do valor X tem direito a receber o salário-família.

c) Igualdade perante a lei : está relacionada ao momento de aplicação da lei. Dirige-se

ao Poder Executivo e ao Poder Judiciário. Assim, tanto o administrador quanto o juiz

devem aplicar a lei mediante a observância ao princípio da isonomia.

d) Igualdade na lei : refere-se ao momento de elaboração da lei. Dirige-se, sobretudo,

ao legislador. Assim, o legislador, ao elaborar a lei, não pode discriminar pessoas

sem que haja uma justificativa plausível para tanto.

112

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Obs. Não obstante a Constituição Federal utilizar a expressão “igualdade perante a lei” (art. 5º,

caput), não há dúvidas de que esse princípio se dirige a todos os Poderes Públicos (Executivo,

Judiciário e Legislativo). STF – RE 360.461-AgR/MG.

2.3.2. INTERVENÇÃO VIOLADORA

Existem dois principais casos de intervenção violadora (intervenção no direito

fundamental que não é constitucionalmente fundamentada) ao direito à igualdade, trazidos

pela jurisprudência.

Na ADI 3.443, o STF entendeu que viola o princípio constitucional da isonomia a norma

que estabelece como título o mero exercício de função pública95.

No RE 161.243, o STF entendeu que viola o princípio da isonomia a adoção de

estatutos diferentes em razão da nacionalidade do empregado96.

95 INFORMATIVO 400: Por vislumbrar ofensa ao princípio da isonomia (CF, art. 5º), o Tribunal julgou procedente,

em parte, pedido formulado em ação direta ajuizada pelo Procurador-Geral da República para declarar a

inconstitucionalidade dos incisos I e II do art. 31 do regulamento do concurso público para provimento de cargos

efetivos do Poder Judiciário do Estado do Maranhão, aprovado pela Resolução 7/2004, do Tribunal de Justiça

local, que consideram título o exercício de função, efetiva ou provisoriamente, para a qual está concorrendo o

candidato, e o exercício efetivo de outro cargo. Declarou-se, também, a inconstitucionalidade das normas do

Edital 1/2004, item 5.13.3, que se reportam àqueles incisos. Precedentes citados: ADI 2206 MC/AL (DJU de

1º.8.2003) e ADI 2210 MC/AL (DJU de 25.5.2002). ADI 3443/MA, rel. Min. Carlos Velloso, 8.9.2005.

EMENTA: CONSTITUCIONAL. CONCURSO PÚBLICO. REGULAMENTO nº 7/2004, DO TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO

ESTADO DO MARANHÃO, INCISOS I E II DO ART. 31. PROVA DE TÍTULOS: EXERCÍCIO DE FUNÇÕES PÚBLICAS. I. -

Viola o princípio constitucional da isonomia norma que estabelece como título o mero exercício de função

pública. II. - ADI julgada procedente, em parte. (ADI 3443 / MA - MARANHÃO - AÇÃO DIRETA DE

INCONSTITUCIONALIDADE - Relator(a): Min. CARLOS VELLOSO - Julgamento: 08/09/2005 - Órgão Julgador:

Tribunal Pleno)96 EMENTA: CONSTITUCIONAL. TRABALHO. PRINCÍPIO DA IGUALDADE. TRABALHADOR BRASILEIRO EMPREGADO DE

EMPRESA ESTRANGEIRA: ESTATUTOS DO PESSOAL DESTA: APLICABILIDADE AO TRABALHADOR ESTRANGEIRO E AO

TRABALHADOR BRASILEIRO. C.F., 1967, art. 153, § 1º; C.F., 1988, art. 5º, caput. I. - Ao recorrente, por não ser

francês, não obstante trabalhar para a empresa francesa, no Brasil, não foi aplicado o Estatuto do Pessoal da

Empresa, que concede vantagens aos empregados, cuja aplicabilidade seria restrita ao empregado de

nacionalidade francesa. Ofensa ao princípio da igualdade: C.F., 1967, art. 153, § 1º; C.F., 1988, art. 5º, caput) . II. -

A discriminação que se baseia em atributo, qualidade, nota intrínseca ou extrínseca do indivíduo, como o sexo, a 113

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2.3.3. RESTRIÇÕES

Haverá restrição do direito à igualdade quando existir uma justificativa constitucional

legítima para tanto.

a) Restrições constitucionais diretas :

Art. 7º, inciso XVIII, CF/88 (licença à gestante de 120 dias) x Art. 10, §1º,

ADCT (licença-paternidade de 5 dias)97.

Art. 201, §7º, CF/88 (prazos distintos para a aposentadoria: homem – 35

anos de contribuição / 65 anos de idade; mulher – 30 anos de

contribuição / 60 anos de idade).

b) Restrições constitucionais indiretas :

Concurso público : estabelece o art. 7º, inciso XXX, CF/88, que é proibida a

“diferença de salários, de exercício de funções e de critério de admissão por

motivo de sexo, idade, cor ou estado civil”. Admite-se, contudo, o

estabelecimento de critérios de admissão distintos, em homenagem ao

princípio da eficiência na Administração Pública, desde que preenchidos os

seguintes requisitos (STF):

o Previsão legal (art. 5º, inciso II; art. 37, CF/88).

o Razoabilidade da exigência, decorrente da natureza das atribuições

do cargo a ser preenchido. Ex.: limite de altura para o cargo de

raça, a nacionalidade, o credo religioso, etc., é inconstitucional. Precedente do STF: Ag 110.846(AgRg)-PR, Célio

Borja, RTJ 119/465. III. - Fatores que autorizariam a desigualização não ocorrentes no caso. IV. - R.E. conhecido e

provido. (RE 161243 / DF - DISTRITO FEDERAL - RECURSO EXTRAORDINÁRIO - Relator(a): Min. CARLOS VELLOSO -

Julgamento: 29/10/1996 - Órgão Julgador: Segunda Turma)97 Caso concreto: durante o parto de trigêmeos, a mãe faleceu. A justiça autorizou que o pai gozasse da licença de

120 dias.114

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policial militar (possível); limite de altura para um cargo

administrativo (não pode); exigência do sexo feminino para trabalhar

na revista em presídio feminino (possível). Nesse sentido, o RE

307.112 e a Súmula 683 do STF: “O limite de idade para a inscrição em

concurso público só se legitima em face do art. 7º, XXX, da

Constituição, quando possa ser justificado pela natureza das

atribuições do cargo a ser preenchido”.

Direito à diferença :

Para Daniel Sarmento, vale dizer, esse direito seria uma faceta do princípio da igualdade.

Ele está diretamente ligado ao que Dworkin chama de “democracia constitucional”, que exige

o tratamento de todos com igual respeito e consideração, o que somente é possível quando

reconhecido o direito de ser diferente e de viver de acordo com essa diferença.

A essa ideia se liga uma famosa frase de Boaventura de Souza Santos, ao dizer que

“temos o direito de ser iguais quando a diferença nos inferioriza; temos o direito de ser

diferentes quando a igualdade nos descaracteriza”.

Ações afirmativas : vale dizer que o sistema de cotas é apenas uma das

espécies do gênero ações afirmativas. Outros exemplos: cursos pré-

vestibulares gratuitos para pessoas carentes; bolsas de estudo; linhas de

crédito etc. As ações afirmativas consistem em políticas públicas ou

programas privados, geralmente de caráter temporário, desenvolvidos com

a finalidade de reduzir desigualdades fáticas decorrentes de uma

hipossuficiência física ou econômica ou de discriminações, por meio da

concessão de algum tipo de vantagem compensatória de tais condições.

Perceba, assim, que não se trata de ações apenas por parte do Poder Público,

mas também dos particulares (ex.: bolsas de estudo; reserva de vagas para

pessoas com deficiência em universidades privadas). A temporariedade é

característica dessas ações, em razão da impossibilidade de solução imediata

115

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dos problemas. As vantagens visam compensar algum tipo de desigualdade

no plano fático, que pode decorrer de uma hipossuficiência física (cotas para

deficientes) ou econômica (cota para pessoas carentes) ou de discriminações

(cota para negros). As ações afirmativas promovem a igualdade material,

interferindo na igualdade formal; ocorre que essa interferência, na visão do

STF, é plenamente justificável. Quanto ao sistema de cotas, existem

argumentos favoráveis e contrários à sua adoção, senão vejamos:

o Argumentos contrários ao sistema de cotas :

Viola o mérito (critério republicano), com base no art. 208,

inciso V, da CF/8898: a Constituição estabelece que os níveis

mais elevados de ensino devem ser acessados pelas pessoas,

de acordo com a capacidade de cada uma delas. Critica-se

esse argumento, uma vez que se deve levar em conta o mérito

no caso de pessoas que partem de uma mesma condição, o

que não é o caso.

Viola a igualdade formal (discriminação reversa): os direitos

individuais devem ser concedidos ao indivíduo, e não ao grupo

ao qual ele pertence. As cotas discriminariam pessoas que não

pertencem a determinados grupos (negros, pobres,

deficientes).

Medida imediatista e inapropriada: o sistema de cotas não

resolve o problema na sua essência, na sua origem, mas sim o

mascara. Deve-se investir na educação básica de qualidade.

o Argumentos contrários ao sistema de cotas PARA NEGROS :

Fomentaria o ódio e o racismo;

Favoreceria também negros de classe média alta (o sistema

de cotas poderia até ser implementado, desde que observe as

condições sócio-econômicas de cada um).

98 Art. 208. O dever do Estado com a educação será efetivado mediante a garantia de:

V - acesso aos níveis mais elevados do ensino, da pesquisa e da criação artística, segundo a capacidade de cada

um;116

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o Argumentos favoráveis ao sistema de cotas :

Argumento de justiça compensatória: baseado na retificação

de injustiças ou falhas cometidas contra indivíduos no

passado, seja pelo governo, seja por particulares (Luiz Fux).

Esse argumento, vale dizer, costuma ser criticado por impor às

gerações atuais um ônus decorrente de falhas praticadas por

gerações passadas.

Argumento de justiça distributiva: consiste na promoção de

oportunidades para aqueles que não conseguem se fazer

representar de maneira igualitária (Gilmar Mendes, Carmem

Lúcia, Marco Aurélio, Ayres Brito). Esse argumento busca

concretizar a igualdade material (redução das desigualdades

fáticas existentes). Exemplo: art. 10, §3º, Lei 9.504/97 (cotas

para mulheres na representação partidária).

Promoção da diversidade: esse foi o argumento adotado pela

Suprema Corte norte-americana para julgar constitucional o

sistema de cotas para negros na faculdade de Medicina

(Michigan/EUA). Uma medida que estabeleça um sistema de

cotas deverá ser considerada constitucional quando contribuir

para o surgimento de uma sociedade mais diversificada,

aberta, tolerante, miscigenada e multicultural (Rosa Weber;

Ricardo Lewandowski; César Peluso).

Igualdade entre homens e mulheres (art. 5º, inciso I, CF/88) :

I - homens e mulheres são iguais em direitos e obrigações, nos termos desta

Constituição;

Quando a nossa Carta Magna diz que “homens e mulheres são iguais em direitos e

obrigações, nos termos desta Constituição”, é óbvio que o próprio texto constitucional pode

117

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trazer diferenças de tratamento que não podem ser questionadas (licença-maternidade;

aposentadoria etc.).

A questão é: pode a LEI estabelecer distinções entre homens e mulheres? Sim. A lei pode

estabelecer diferenciações, desde que seja para atenuar desníveis, com o objetivo de

concretizar a igualdade material. Ou seja, mesmo a Constituição dizendo que homens e

mulheres são iguais em direitos e obrigações (igualdade formal), a igualdade material pode

justificar certas restrições legítimas a essa igualdade formal.

Exemplo: a Lei Maria da Penha não protege os homens igualmente às mulheres, mas

não por isso ela é inconstitucional. A lei interfere na igualdade formal para promover uma

igualdade material, protegendo a mulher, que é a parte mais fraca da relação (STF – HC

106.212). Podemos, ainda, dizer que, com relação à Lei Maria da Penha, existe uma reserva

legal implícita, na medida em que outros princípios vão justificar a legitimar as restrições.

2.4. DIREITO À LIBERDADE

No art. 5º da CF/88, são vários os dispositivos constitucionais que consagram o direito

fundamental à liberdade.

2.4.1. LIBERDADE NEGATIVA x LIBERDADE POSITIVA

a) Liberdade negativa (civil; de agir; dos modernos) : é a situação na qual um sujeito

tem a possibilidade de agir sem ser impedido, ou de não agir sem ser obrigado .

Refere-se a uma ausência de constrangimento por parte do Estado, salvo se existir

uma lei determinando tal comportamento. Exemplo: o indivíduo pode manifestar a

sua liberdade de expressão ou a sua liberdade religiosa sem ser impedido pelo

Estado; ou o indivíduo pode não querer ter uma religião, e o Estado nada poderá

fazer.

b) Liberdade positiva (política; de querer; dos antigos) : é a situação na qual o sujeito

tem a possibilidade de orientar o seu próprio querer, no sentido de uma finalidade

118

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sem ser determinado pelo querer dos outros. Essa espécie de liberdade está

relacionada à capacidade de autodeterminação, autonomia da vontade.

Obs. A distinção entre “liberdade dos modernos” e “liberdade dos antigos” foi feita por

Benjamin Constant. A primeira se refere à época da Revolução Francesa, na qual se

postulavam as liberdades negativas; a segunda relaciona-se à Grécia Antiga, onde era forte a

ideia de liberdade política.

2.4.2. LIBERDADE DE MANIFESTAÇÃO DO PENSAMENTO

2.4.2.1. ÂMBITO DE PROTEÇÃO

Diz o art. 5º, inciso IV que “é livre a manifestação do pensamento, sendo vedado o

anonimato”. Perceba que, a princípio, a única restrição estabelecida pela Constituição refere-se

ao anonimato.

O ser humano não se contenta apenas em ter suas próprias opiniões. Em muitos casos,

ele quer expressá-las e, até mesmo, fazer o proselitismo, ou seja, através da tentativa de

convencimento das outras pessoas (ex.: de que sua religião é a melhor; de que o seu partido

político é o melhor etc.).

Essa liberdade de manifestação do pensamento, inclusive, favorece a construção de

novas ideias. Por mais que determinadas manifestações possam, a priori, parecer absurdas, não

há nada melhor do que um debate aberto, a fim de que todos os pontos de vista sejam

analisados em seus prós e contras.

Teoria Democrática (Juiz Oliver Wendellholmes/EUA): a finalidade desse direito é

assegurar a livre competição no “mercado de ideias”. O melhor teste da verdade é a

capacidade do pensamento de se fazer aceito na competição do mercado. Isso significa dizer

que o debate público é a melhor solução, na medida em que, ao final, os melhores

pensamentos deverão prevalecer.

2.4.2.2. RESTRIÇÕES

119

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Referem-se às restrições à liberdade de pensamento que são constitucionalmente

legitimadas, justificadas.

a) Vedação do anonimato :

Basicamente, essa vedação possui duas finalidades:

Preventiva : desestimular manifestações abusivas do pensamento.

Repressiva ou reparatória : permitir a responsabilização civil e penal, e

assegurar o direito de resposta (art. 5º, inciso V, CF/8899).

Isso se justifica pelo fato de que o direito mais atingido pela liberdade de manifestação

de pensamento é o direito à privacidade (gênero que comporta as espécies: vida privada,

intimidade, honra e imagem).

Inquérito policial pode ser instaurado mediante denúncia anônima ou escritos

apócrifos ? O STF tem se posicionado no sentido de que denúncia anônima e escritos apócrifos

NÃO se prestam à instauração de inquérito policial e não podem ser utilizados como prova

processual. O objetivo do “disque-denúncia” é fazer com que a informação seja levada ao

conhecimento das autoridades, os quais devem proceder à averiguação da veracidade da

informação, cujo procedimento é considerado autônomo em relação à denúncia (MS 24.369).

Existem hipóteses excepcionais, entretanto, em que o STF autoriza a utilização de escritos

apócrifos como prova:

Quando produzidos pelo próprio acusado (ex.: na extorsão mediante o

sequestro, o sequestrador escreve um bilhete exigindo o resgate).

Quando se constituírem no próprio corpo de delito do crime (ex.: carta

ofendendo a honra de alguém).

b) Reserva legal qualificada :

99 V - é assegurado o direito de resposta, proporcional ao agravo, além da indenização por dano material, moral

ou à imagem;120

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Ocorre quando a lei estabelece a restrição. Possibilidade prevista no art. 5º, incisos XLI e

XLII, da CF/88:

XLI - a lei punirá qualquer discriminação atentatória dos direitos e liberdades

fundamentais;

XLII - a prática do racismo constitui crime inafiançável e imprescritível, sujeito à pena

de reclusão, nos termos da lei;

Perceba, assim, que a própria Constituição determina que a lei criminalize qualquer

discriminação atentatória dos direitos e liberdades fundamentais e também o racismo (Lei

7.716/89). Constituem mandados constitucionais de criminalização expressos.

2.4.3. LIBERDADE DE CONSCIÊNCIA, DE CRENÇA E DE CULTO

2.4.3.1. ÂMBITO DE PROTEÇÃO

De acordo com o art. 5º, inciso VI, da CF/88, “é inviolável a liberdade de consciência e

de crença, sendo assegurado o livre exercício dos cultos religiosos e garantida, na forma da

lei, a proteção aos locais de culto e a suas liturgias”. Frise-se que, não obstante a Constituição

fale em inviolabilidade, isso não significa que o referido direito é absoluto. Com efeito, não

existem direitos absolutos, pois todos encontram limites em outros direitos também

consagrados no texto constitucional (princípio da relatividade ou da convivência das liberdades

públicas).

Vale dizer que a liberdade de consciência é mais ampla do que a liberdade de crença.

Esta última, normalmente, é relacionada a questões religiosas. Aquela, por sua vez, abrange

questões religiosas, mas engloba também questões filosóficas, políticas etc. Ainda, o culto

constitui uma forma de manifestação de crença.

Liberdade de consciência = questões filosófica, políticas, religiosas etc.

Liberdade de crença = questões religiosas.

121

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Liberdade de culto = forma de manifestação da liberdade de crença.

A liberdade de culto é protegida, especialmente, com relação aos templos, inclusive no

âmbito tributário (art. 150, VI, “b”, CF/88100).

“Imperativo de consciência” (“objeção de consciência”; “escusa de consciência”) :

O imperativo de consciência vem consagrado no art. 5º, inciso VII, da CF/88, que

dispõe:

VIII - ninguém será privado de direitos por motivo de crença religiosa ou de convicção

filosófica ou política, salvo se as invocar para eximir-se de obrigação legal a todos

imposta e recusar-se a cumprir prestação alternativa, fixada em lei;

As pessoas podem invocar o imperativo de consciência, ainda que haja uma imposição

legal com relação a determinado comportamento. Exemplo: nos países que permitem o

aborto, é prevista a possibilidade de um médico ou um enfermeiro invocar o imperativo de

consciência para não participar do procedimento.

No Brasil, existem duas hipóteses de imposição legal dirigidas a todos:

Voto (obrigatório a todos os cidadãos);

Serviço militar (obrigatório para os homens, com exceção dos eclesiásticos).

A Constituição permite que, nos dois casos acima, o indivíduo invoque a escusa de

consciência para eximir-se de cumprir a obrigação legal, porém é necessário que ele cumpra

uma prestação alternativa fixada em lei.

A prestação alternativa traduz uma penalidade para quem não cumpre a imposição

legal? Não. A prestação alternativa não tem cunho sancionatório, o que poderá ocorrer,

entretanto, caso a pessoa se recuse, também, a cumpri-la.

100 Art. 150. Sem prejuízo de outras garantias asseguradas ao contribuinte, é vedado à União, aos Estados, ao

Distrito Federal e aos Municípios:

VI - instituir impostos sobre:

b) templos de qualquer culto;122

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Se a pessoa se recusa a cumprir a prestação alternativa, que tipo de sanção pode sofrer?

Suspensão dos direitos políticos (art. 15, inciso IV, CF/88101).

Nesse contexto, cumpre ressaltar que, nos termos do art. 143, §1º, da CF/88, o

imperativo de consciência só pode ser invocado no caso do serviço militar se o país estiver em

tempo de paz102.

Destaque-se, ainda, a diretriz da Corte Europeia de Direitos Humanos, segundo a qual a

objeção deve surgir a partir de um pensamento suficientemente estruturado, coerente e

sincero. Assim, não é qualquer objeção de consciência que deve ser considerada válida.

2.4.3.2. INTERVENÇÃO (VIOLADORA)

O art. 19 da CF/88 consagra o Brasil como um Estado laico (ou não confessional)103.

Laicidade significa uma neutralidade do Estado em relação às várias concepções religiosas.

Essa neutralidade visa garantir uma simetria da liberdade religiosa, permitindo desarmar o

potencial conflituoso entre as diversas concepções.

Quando se tem um Estado laico, isso não significa que os argumentos religiosos devem

ser desprezados. Ao contrário, os argumentos religiosos podem e devem fazer parte do

debate. Entretanto, decisões políticas só serão legítimas se baseadas em argumentos

acessíveis a todos; tais decisões não podem se basear, exclusivamente, em argumentos

religiosos.

101 Art. 15. É vedada a cassação de direitos políticos, cuja perda ou suspensão só se dará nos casos de:

IV - recusa de cumprir obrigação a todos imposta ou prestação alternativa, nos termos do art. 5º, VIII;102 Art. 143. O serviço militar é obrigatório nos termos da lei.

§ 1º - às Forças Armadas compete, na forma da lei, atribuir serviço alternativo aos que, em tempo de paz, após

alistados, alegarem imperativo de consciência, entendendo-se como tal o decorrente de crença religiosa e de

convicção filosófica ou política, para se eximirem de atividades de caráter essencialmente militar.103 Art. 19. É vedado à União, aos Estados, ao Distrito Federal e aos Municípios:

I - estabelecer cultos religiosos ou igrejas, subvencioná-los, embaraçar-lhes o funcionamento ou manter com

eles ou seus representantes relações de dependência ou aliança , ressalvada, na forma da lei, a colaboração de

interesse público;123

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É possível, no entanto, que argumentos religiosos sejam transformados em

argumentos racionamento justificados e acessíveis a todos – é a chamada tradução

institucional (Habermans).

Vale dizer que a Constituição reconhece a importância da religião na sociedade, mas

não permite que o Estado favoreça ou prejudique determinadas religiões, devendo ser neutro

(é o que se depreende da análise do art. 19 da CF/88).

Atenção!

Laicidade ≠ laicismo :

o Laicidade = neutralidade.

o Laicismo = antirreligião.

Lacidade ≠ ateísmo :

o Laicidade = neutralidade.

o Ateísmo = negativa da existência de Deus.

Símbolos religiosos em locais públicos :

A colocação de símbolos religiosos em locais públicos (ex.: Tribunais) viola a

neutralidade do Estado? Essa questão foi levantada junto ao CNJ. Foram feitos três “pedidos de

providências” ao CNJ para a retirada dos símbolos religiosos dos Tribunais, mas não foram

julgados procedentes.

O argumento principal utilizado para a manutenção dos símbolos religiosos nos

Tribunais consistiu na alegação de que os crucifixos são símbolos da cultura brasileira e que,

portanto, não violam o dever de neutralidade do Estado. Na Alemanha, vale dizer, houve

decisão em sentido contrário.

2.4.3.3. RESTRIÇÕES

124

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Refere-se à chamada escusa de consciência. Conforme o tipo de obrigação que o Estado

pretende impor, a intervenção pode ser:

Absoluta : obriga a pessoa a assumir uma conduta, sob pena da perda da

liberdade ou de direitos. Ex.: serviço militar obrigatório.

Relativa : ocorre quando o comportamento objetado é condição para se obter

um benefício ou se evitar um prejuízo. Ex.: realização de provas de concurso ou

de vestibular no sábado (STF - STA 389).

2.4.4. LIBERDADE DE COMUNICAÇÃO

2.4.4.1. ÂMBITO DE PROTEÇÃO

Dispõe o art. 5º, inciso XII, da CF/88, que “é inviolável o sigilo da correspondência e

das comunicações telegráficas, de dados e das comunicações telefônicas, salvo, no último

caso, por ordem judicial, nas hipóteses e na forma que a lei estabelecer para fins de

investigação criminal ou instrução processual penal”.

O referido dispositivo protege quatro liberdades:

Comunicação epistolar (cartas);

Comunicação telegráfica;

Comunicação de dados;

Comunicação telefônica.

Perceba que, mais uma vez, a Constituição fala em inviolabilidade; porém, devemos

lembrar que isso não significa que tal direito seja absoluto, porque não é.

2.4.4.2. INTERVENÇÃO

a) Interceptação das comunicações : consiste na interrupção ou intromissão, por parte

de um terceiro, sem o conhecimento de um dos interlocutores ou de ambos104.

Interfere no art. 5º, inciso XII, da CF/88.104 Quando um dos interlocutores tem conhecimento da intromissão, alguns autores falam em “escuta telefônica”;

quando os dois sabem, chamam de “interceptação telefônica”.125

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b) Gravação clandestina : consiste na gravação ambiental, pessoal ou telefônica,

realizada por um dos interlocutores sem o conhecimento dos demais. Perceba que,

nesse caso, a gravação não é feita por um terceiro (interceptação), mas por um dos

próprios interlocutores. A gravação clandestina interfere no direito à privacidade

(art. 5º, inciso X, CF/88105), podendo, em alguns casos, ser legítima ou não.

c) Quebra de sigilo : consiste no acesso ao registro ou histórico relativo a

determinadas informações de natureza fiscal, bancária, informática e telefônica.

Na quebra de sigilo, não se tem acesso ao conteúdo da conversa, por exemplo, mas

ao registro das ligações (número, duração da chamada etc.). Alguns autores

consideram que se trata de interferência no art. 5º, X, enquanto outros entendem

que viola o art. 5º, inciso XII, CF/88 (há divergência doutrinária).

2.4.4.3. RESTRIÇÕES

a) Quanto à liberdade de correspondência : diz a CF/88 que o sigilo das

correspondências é inviolável. Lembre-se, contudo, que essa inviolabilidade não é

absoluta, mas relativa. Segundo o STF, o sigilo epistolar não pode servir como

escudo protetivo para salvaguardar práticas ilícitas. Isso significa dizer que, em

determinados casos, a inviolabilidade da correspondência pode ser afastada, a fim

de que outros princípios constitucionais possam prevalecer, a exemplo do princípio

da segurança pública (este postulado, vale dizer, tem bastante aplicação no âmbito

da administração penitenciária).

b) Quanto ao sigilo de dados : parte da doutrina e jurisprudência (STF) fazem uma

interpretação restritiva, entendendo que tais dados abrangem somente os

“informáticos” (Tércio Sampario Ferraz Jr.; Manoel Gonçalves Ferreira Filho).

Quanto aos dados bancários e fiscais, diz-se que a sua proteção não é dada pelo art.

105 X - são invioláveis a intimidade, a vida privada, a honra e a imagem das pessoas, assegurado o direito a

indenização pelo dano material ou moral decorrente de sua violação;126

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5º, inciso XII, da CF/88, mas por outro dispositivo (inciso X). Sobre o tema, vide RE

219.780/PE106 e MS 21.729/DF107, nos quais se posicionou o STF no sentido de que o

art. 5º, inciso XII, protege não os dados em si, mas apenas a sua comunicação.

c) Quanto à liberdade de comunicação telefônica : a CF/88 estabelece expressamente

três requisitos para que seja possível a violação dessa liberdade:

Existência de norma regulamentadora (no caso, a Lei 9.296/96);

106 EMENTA: - CONSTITUCIONAL. SIGILO BANCÁRIO: QUEBRA. ADMINISTRADORA DE CARTÕES DE CRÉDITO. CF, art.

5º, X. I. - Se é certo que o sigilo bancário, que é espécie de direito à privacidade, que a Constituição protege art.

5º, X não é um direito absoluto, que deve ceder diante do interesse público, do interesse social e do interesse da

Justiça, certo é, também, que ele há de ceder na forma e com observância de procedimento estabelecido em lei

e com respeito ao princípio da razoabilidade. No caso, a questão foi posta, pela recorrente, sob o ponto de vista

puramente constitucional, certo, entretanto, que a disposição constitucional é garantidora do direito, estando

as exceções na norma infraconstitucional. II. - R.E. não conhecido. (RE 219780 / PE - PERNAMBUCO - RECURSO

EXTRAORDINÁRIO - Relator(a): Min. CARLOS VELLOSO - Julgamento: 13/04/1999 - Órgão Julgador: Segunda

Turma)107 EMENTA: - Mandado de Segurança. Sigilo bancário. Instituição financeira executora de política creditícia e

financeira do Governo Federal. Legitimidade do Ministério Público para requisitar informações e documentos

destinados a instruir procedimentos administrativos de sua competência. 2. Solicitação de informações, pelo

Ministério Público Federal ao Banco do Brasil S/A, sobre concessão de empréstimos, subsidiados pelo Tesouro

Nacional, com base em plano de governo, a empresas do setor sucroalcooleiro. 3. Alegação do Banco impetrante

de não poder informar os beneficiários dos aludidos empréstimos, por estarem protegidos pelo sigilo bancário,

previsto no art. 38 da Lei nº 4.595/1964, e, ainda, ao entendimento de que dirigente do Banco do Brasil S/A não é

autoridade, para efeito do art. 8º, da LC nº 75/1993. 4. O poder de investigação do Estado é dirigido a coibir

atividades afrontosas à ordem jurídica e a garantia do sigilo bancário não se estende às atividades ilícitas. A

ordem jurídica confere explicitamente poderes amplos de investigação ao Ministério Público - art. 129, incisos

VI, VIII, da Constituição Federal, e art. 8º, incisos II e IV, e § 2º, da Lei Complementar nº 75/1993 . 5. Não cabe ao

Banco do Brasil negar, ao Ministério Público, informações sobre nomes de beneficiários de empréstimos

concedidos pela instituição, com recursos subsidiados pelo erário federal, sob invocação do sigilo bancário, em

se tratando de requisição de informações e documentos para instruir procedimento administrativo instaurado

em defesa do patrimônio público. Princípio da publicidade, ut art. 37 da Constituição. 6. No caso concreto, os

empréstimos concedidos eram verdadeiros financiamentos públicos, porquanto o Banco do Brasil os realizou na

condição de executor da política creditícia e financeira do Governo Federal, que deliberou sobre sua concessão e

ainda se comprometeu a proceder à equalização da taxa de juros, sob a forma de subvenção econômica ao setor

produtivo, de acordo com a Lei nº 8.427/1992. 7. Mandado de segurança indeferido. (MS 21729 / DF - DISTRITO 127

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Autorização judicial;

Investigação criminal ou instrução processual penal.

Atente-se que existe no inciso XII uma hipótese de reserva legal qualificada, pois

não só diz que a matéria deve ser regulamentada por lei, mas estabelece os

parâmetros a serem seguidos pelo legislador.

Autorização judicial : o STF formulou em sua jurisprudência a chamada

cláusula da reserva de jurisdição (MS 23.452) = a intervenção no âmbito de

proteção de determinados direitos fundamentais só será considerada

legítima quando determinada por autoridade judicial. Exemplos: art. 5º, XII108

(interceptação telefônica); art. 5º, XI109 (domicílio); art. 5º, LXI110 (prisão).

Sobre o tema, vide o MS 27.483 - nesse julgado, o STF considerou que

também está protegido pela cláusula de reserva de jurisdição o sigilo legal

ou constitucionalmente imposto a processo judicial (teve como base o art.

5º, LX e o art. 93, IX, ambos da CF/88), concluindo, ainda, que CPI carece de

legitimidade para revogar, cassar, compartilhar ou quebrar o sigilo imposto

a processo judicial.

Se o juiz autorizar a interceptação telefônica num processo criminal, é

possível utilizar essa prova em processo administrativo disciplinar? O STF

entende que a interceptação produzida para fins de investigação criminal ou

instrução processual penal pode ser legitimamente utilizada em processo

FEDERAL - MANDADO DE SEGURANÇA - Relator(a): Min. MARCO AURÉLIO - Relator(a) p/ Acórdão: Min. NÉRI DA

SILVEIRA - Julgamento: 05/10/1995 - Órgão Julgador: Tribunal Pleno)108 XII - é inviolável o sigilo da correspondência e das comunicações telegráficas, de dados e das comunicações

telefônicas , salvo, no último caso, por ordem judicial , nas hipóteses e na forma que a lei estabelecer para fins de

investigação criminal ou instrução processual penal;109 XI - a casa é asilo inviolável do indivíduo, ninguém nela podendo penetrar sem consentimento do morador ,

salvo em caso de flagrante delito ou desastre, ou para prestar socorro, ou, durante o dia, por determinação

judicial;110 LXI - ninguém será preso senão em flagrante delito ou por ordem escrita e fundamentada de autoridade

judiciária competente, salvo nos casos de transgressão militar ou crime propriamente militar, definidos em lei;128

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administrativo disciplinar instaurado contra o mesmo servidor e, inclusive,

contra outros servidores (Inq. QO-QO 2.424/RJ111).

Outra decisão importante sobre o assunto se deu pelo STJ, no HC

203.405/MS112 (3ª Turma), no qual foi decidido ser admissível interceptação

telefônica no âmbito civil em situação de extrema excepcionalidade,

quando não houver outro meio para resguardar direitos ameaçados e o

caso envolver indícios de conduta criminosa.

2.5. DIREITO À PRIVACIDADE

2.5.1. ÂMBITO DE PROTEÇÃO

111 EMENTA: PROVA EMPRESTADA. Penal. Interceptação telefônica. Escuta ambiental. Autorização judicial e

produção para fim de investigação criminal. Suspeita de delitos cometidos por autoridades e agentes públicos.

Dados obtidos em inquérito policial. Uso em procedimento administrativo disciplinar, contra outros servidores,

cujos eventuais ilícitos administrativos teriam despontado à colheira dessa prova. Admissibilidade. Resposta

afirmativa a questão de ordem. Inteligência do art. 5º, inc. XII, da CF, e do art. 1º da Lei federal nº 9.296/96.

Precedente. Voto vencido. Dados obtidos em interceptação de comunicações telefônicas e em escutas

ambientais, judicialmente autorizadas para produção de prova em investigação criminal ou em instrução

processual penal, podem ser usados em procedimento administrativo disciplinar, contra a mesma ou as mesmas

pessoas em relação às quais foram colhidos, ou contra outros servidores cujos supostos ilícitos teriam

despontado à colheita dessa prova. (Inq 2424 QO-QO / RJ - RIO DE JANEIRO - SEG. QUEST. ORD. EM INQUÉRITO -

Relator(a): Min. CEZAR PELUSO - Julgamento: 20/06/2007 - Órgão Julgador: Tribunal Pleno)112 INFORMATIVO 479: A Turma não conheceu do habeas corpus impetrado em favor do paciente o qual alegou

que não cumpriria a ordem de interceptação telefônica emanada de vara de família porque a medida seria vedada

na esfera extrapenal. Na impetração, busca garantir que, diante dessa recusa, não lhe sobrevenha nenhuma

consequência de natureza criminal. Contudo, para o Min. Relator, não obstante a quebra do sigilo telefônico

esteja restrita, em tese, ao processo penal, não se pode, in casu , acolher as razões dos impetrantes tão somente

a partir desse fundamento. Ressaltou que, na espécie, trata-se de situação excepcional na qual, embora a ordem

tenha emanado de juízo cível, há a possibilidade de averiguar a suposta prática do crime do art. 237 do ECA

(subtração de menor). Afirmou, portanto, que a hipótese exige a ponderação de interesses constitucionais em

conflito – direito à intimidade e direitos fundamentais da criança e do adolescente –, sem que se possa

estabelecer, a priori , que a garantia do sigilo das comunicações deva ser preponderante . Salientou, ademais, não

ser possível aferir a iminência da prisão do paciente. (HC 203.405-MS, Rel. Min. Sidnei Beneti, julgado em

28/6/2011).129

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A CF/88 protege a privacidade dos indivíduos basicamente em dois dispositivos. O

primeiro deles é o art. 5º, inciso X, senão vejamos a sua redação:

X - são invioláveis a intimidade, a vida privada, a honra e a imagem das pessoas,

assegurado o direito a indenização pelo dano material ou moral decorrente de sua

violação;

No inciso X, temos a proteção da intimidade, da vida privada, da honra e da imagem

das pessoas. Decorre da proteção da intimidade e da vida também a proteção de alguns

sigilos, como o bancário, fiscal, informático e telefônico.

Outro dispositivo é o art. 5º, inciso XI, que se refere à inviolabilidade do domicílio:

XI - a casa é asilo inviolável do indivíduo, ninguém nela podendo penetrar sem

consentimento do morador, salvo em caso de flagrante delito ou desastre, ou para

prestar socorro, ou, durante o dia, por determinação judicial;

O que devemos entender por “CASA”? Para o STF, o conceito de casa deve ser

interpretado de maneira extensiva, de modo a abranger espaços privados ou reservados

onde alguém exerce atividade profissional (HC 93.050) . Assim, não se refere apenas à moradia

do indivíduo, mas também a outros lugares aos quais o público em geral não tem acesso.

Exemplo: escritórios, consultórios, quartos de hotel habitados, estabelecimentos comerciais e

industriais (com relação ao espaço reservado, não aberto ao público) etc. Destaque-se,

inclusive, que a interpretação feita pelo STF é muito próxima da estabelecida pelo legislador

penal, no art. 150, §4º, do CP113. Podemos dizer, ainda, que, quanto mais o lugar for público,

menos protegido constitucionalmente (quanto a sua inviolabilidade) ele será; quanto mais

privado, maior será a proteção. O mesmo, entretanto, não podemos falar das pessoas. Isso

113 § 4º - A expressão "casa" compreende:

I - qualquer compartimento habitado;

II - aposento ocupado de habitação coletiva;

III - compartimento não aberto ao público, onde alguém exerce profissão ou atividade.130

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porque as pessoas públicas (políticos, por ex.) recebem uma “menor proteção” do que as

pessoas comuns.

2.5.2. INTERVENÇÃO

a) Quebra de sigilo : em alguns casos, a quebra de sigilo não será legítima, configurando

uma intervenção violadora. A quebra de sigilo legítima, por sua vez, configura uma

restrição (e não intervenção), podendo ser determinada pelo juiz e pela CPI. Quanto

às CPIs, vale dizer, em princípio, somente a CPI federal possui poder de investigação

próprio de autoridade judicial, nos termos do art. 78, §3º, CF/88 (AI 655.298).

Ressalte-se, contudo, que já foi autorizada a uma CPI estadual quebrar o sigilo (ACO

730). Haverá quebra do sigilo ILEGÍTIMA (com violação do direito à privacidade,

portanto) quando for determinada por:

CPI municipal;

Tribunal de Contas;

Ministério Público (em regra; o STF, julgando o MS 21.729, decidiu que o MP

poderá requisitar, diretamente, dados bancários, quando a investigação

envolver dinheiro público114);

114 EMENTA: - Mandado de Segurança. Sigilo bancário. Instituição financeira executora de política creditícia e

financeira do Governo Federal. Legitimidade do Ministério Público para requisitar informações e documentos

destinados a instruir procedimentos administrativos de sua competência. 2. Solicitação de informações, pelo

Ministério Público Federal ao Banco do Brasil S/A, sobre concessão de empréstimos, subsidiados pelo Tesouro

Nacional, com base em plano de governo, a empresas do setor sucroalcooleiro. 3. Alegação do Banco impetrante

de não poder informar os beneficiários dos aludidos empréstimos, por estarem protegidos pelo sigilo bancário,

previsto no art. 38 da Lei nº 4.595/1964, e, ainda, ao entendimento de que dirigente do Banco do Brasil S/A não é

autoridade, para efeito do art. 8º, da LC nº 75/1993. 4. O poder de investigação do Estado é dirigido a coibir

atividades afrontosas à ordem jurídica e a garantia do sigilo bancário não se estende às atividades ilícitas. A ordem

jurídica confere explicitamente poderes amplos de investigação ao Ministério Público - art. 129, incisos VI, VIII, da

Constituição Federal, e art. 8º, incisos II e IV, e § 2º, da Lei Complementar nº 75/1993. 5. Não cabe ao Banco do

Brasil negar, ao Ministério Público, informações sobre nomes de beneficiários de empréstimos concedidos pela

instituição, com recursos subsidiados pelo erário federal, sob invocação do sigilo bancário, em se tratando de

requisição de informações e documentos para instruir procedimento administrativo instaurado em defesa do

patrimônio público. Princípio da publicidade, ut art. 37 da Constituição. 6. No caso concreto, os empréstimos 131

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Autoridades fazendárias (a LC 105/2001 permite que as autoridades

fazendárias requisitem a quebra de sigilo; essa lei, vale dizer, está sendo

objeto de diversas ADIs; já em sede de controle difuso, vale dizer, o STF,

julgando o RE 389.808/PR, entendeu que a LC 105/2001 deve ter uma

interpretação conforme à Constituição, para permitir a requisição apenas

com ordem judicial115).

concedidos eram verdadeiros financiamentos públicos, porquanto o Banco do Brasil os realizou na condição de

executor da política creditícia e financeira do Governo Federal, que deliberou sobre sua concessão e ainda se

comprometeu a proceder à equalização da taxa de juros, sob a forma de subvenção econômica ao setor produtivo,

de acordo com a Lei nº 8.427/1992. 7. Mandado de segurança indeferido. MS 21729 / DF - DISTRITO FEDERAL

MANDADO DE SEGURANÇA - Relator(a): Min. MARCO AURÉLIO - Relator(a) p/ Acórdão: Min. NÉRI DA SILVEIRA -

Julgamento: 05/10/1995 Órgão Julgador: Tribunal Pleno115 INFORMATIVO 613: O Plenário, por maioria, proveu recurso extraordinário para afastar a possibilidade de a

Receita Federal ter acesso direto a dados bancários da empresa recorrente. Na espécie, questionavam-se

disposições legais que autorizariam a requisição e a utilização de informações bancárias pela referida entidade,

diretamente às instituições financeiras, para instauração e instrução de processo administrativo fiscal (LC

105/2001, regulamentada pelo Decreto 3.724/2001). Inicialmente, salientou-se que a República Federativa do

Brasil teria como fundamento a dignidade da pessoa humana (CF, art. 1º, III) e que a vida gregária pressuporia a

segurança e a estabilidade, mas não a surpresa. Enfatizou-se, também, figurar no rol das garantias constitucionais

a inviolabilidade do sigilo da correspondência e das comunicações telegráficas, de dados e das comunicações

telefônicas (art. 5º, XII), bem como o acesso ao Poder Judiciário visando a afastar lesão ou ameaça de lesão a

direito (art. 5º, XXXV). Aduziu-se, em seguida, que a regra seria assegurar a privacidade das correspondências, das

comunicações telegráficas, de dados e telefônicas, sendo possível a mitigação por ordem judicial, para fins de

investigação criminal ou de instrução processual penal. Observou-se que o motivo seria o de resguardar o cidadão

de atos extravagantes que pudessem, de alguma forma, alcançá-lo na dignidade, de modo que o afastamento do

sigilo apenas seria permitido mediante ato de órgão eqüidistante (Estado-juiz). Assinalou-se que idêntica premissa

poderia ser assentada relativamente às comissões parlamentares de inquérito, consoante já afirmado pela

jurisprudência do STF. Asseverou-se que, na situação em apreço, estariam envolvidas questões referentes: 1) à

supremacia da Constituição, tendo em conta que ato normativo abstrato autônomo haveria de respeitar o que

nela se contém; 2) ao primado do Judiciário, porquanto não se poderia transferir a sua atuação, reservada com

exclusividade por cláusula constitucional, a outros órgãos, sejam da Administração federal, estadual ou municipal e

3) à prerrogativa de foro, haja vista que seu detentor somente poderia ter o sigilo afastado ante a atuação

fundamentada do órgão judiciário competente. Destacou-se, ademais, que a decretação da quebra do sigilo

bancário não poderia converter-se em instrumento de indiscriminada e ordinária devassa da vida financeira das 132

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QUEBRA DE SIGILO

QUEM PODE QUEM NÃO PODE

Juiz; CPI (federal e estadual).

CPI municipal; Tribunal de Contas; Ministério Público (em regra); Autoridades fazendárias.

b) Inviolabilidade do domicílio : inicialmente, cumpre destacar que, segundo o STF, o

atributo da autoexecutoriedade dos atos administrativos não prevalece sobre a

garantia da inviolabilidade do domicílio; consequentemente, as provas obtidas com

a prática dessa intervenção violada seriam consideradas ilícitas (HC MC 103.325).

2.5.3. RESTRIÇÕES

a) Gravações clandestinas : segundo o STF, é lícita a prova consistente em gravação de

conversa realizada por um dos interlocutores sem o conhecimento do outro, se

não há causa legal específica de sigilo nem de reserva de conversação (AI 560.223

AgR116). Vale dizer que determinados tipos de conversas são tuteladas pelo direito

pessoas em geral e que inexistiria embaraço resultante do controle judicial prévio de tais pedidos. Reputou-se,

assim, que os dispositivos legais atinentes ao sigilo de dados bancários mereceriam sempre interpretação

harmônica com a Constituição. O Min. Marco Aurélio, relator, conferiu à legislação de regência interpretação

conforme à Constituição, tendo como conflitante com esta a que implique afastamento do sigilo bancário do

cidadão, pessoa natural ou jurídica, sem ordem emanada do Judiciário. RE 389808/PR, rel. Min. Marco Aurélio,

15.12.2010.116 INFORMATIVO 623: A 2ª Turma desproveu agravo regimental interposto contra decisão do Min. Joaquim

Barbosa, que negara seguimento a agravo de instrumento, do qual relator, tendo em vista a jurisprudência

sedimentada desta Corte, segundo a qual é lícita a prova consistente em gravação de conversa realizada por um

dos interlocutores, sem conhecimento do outro, se não há causa legal específica de sigilo nem de reserva de

conversação. Na espécie, o autor da ação de indenização instaurada na origem, ora agravado, na condição de

advogado, sócio do escritório de advocacia recorrente e um dos interlocutores da conversa, juntara ao processo

prova obtida por meio da gravação de diálogo, que envolvia a sua demissão, mantido com outros sócios nas

dependências do escritório. Asseverou-se que a gravação ambiental meramente clandestina realizada por um dos

interlocutores não se confundiria com a interceptação objeto de cláusula constitucional de reserva de jurisdição. AI

560223 AgR/SP, rel. Min. Joaquim Barbosa, 12.4.2011. 133

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(ex.: art. 154 do CP117 - violação do segredo profissional). Quando não há uma causa

legal específica de sigilo quanto a determinado de tipo de conversa, por outro lado,

é possível a utilização da sua gravação como prova no processo.

b) Inviolabilidade do domicílio : a CF/88 prevê, no próprio art. 5º, inciso XI, três

situações específicas e emergenciais nas quais a intervenção no domicílio será

legítima, mesmo sem autorização judicial, senão vejamos:

Flagrante delito;

Para prestar socorro;

Desastre.

Existem, entretanto, algumas situações não emergenciais nas quais a violação do

domicílio é admitida:

Durante o dia, por determinação judicial (cláusula de reserva de jurisdição).

O que devemos entender por “DIA”? Alguns critérios são utilizados para

definir o que seja “dia”: I) critério cronológico = período compreendido entre

6h da manhã e 18h (José Afonso da Silva); II) critério físico-astronômico =

período compreendido entre a aurora (nascer do sol) e o crepúsculo (por do

sol). Vale dizer que Alexandre de Moraes defende a utilização conjunta

desses dois critérios.

2.6. DIREITO DE PROPRIEDADE

2.6.1. ÂMBITO DE PROTEÇÃO

O art. 5º, XX, da CF/88, consagra a garantia do direito de propriedade. Lembre-se que

se trata de uma garantia prima facie, ou seja, não é um direito absoluto, pois pode ser afastado

em favor da aplicação de outros princípios constitucionais.

117 Art. 154 - Revelar alguém, sem justa causa, segredo, de que tem ciência em razão de função, ministério, ofício

ou profissão, e cuja revelação possa produzir dano a outrem:

Pena - detenção, de três meses a um ano, ou multa.134

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O direito de propriedade se enquadra no âmbito do D. Público ou do D. Privado? Os

constitucionalistas (ex.: José Afonso da Silva) sustentam que o direito de propriedade pertence

ao D. Público, porque a sua sede é a Constituição, razão pela qual deve se submeter ao regime

público; o que o Código Civil disciplina são as relações civis decorrentes do direito de

propriedade.

2.6.2. INTERVENÇÃO VIOLADORA

Enquanto o art. 5º, inciso XXII, garante o direito de propriedade, o inciso XXXIII, por seu

turno, estabelece que a propriedade deve atender a sua função social. Ora, e se uma

propriedade não atende a sua função social, o direito estará protegido? Depende. Isso porque,

mesmo quando a propriedade não cumpre a sua função social, não são autorizadas

intervenções que não estejam baseadas em uma justificação constitucional, tais como a

retirada arbitrária da propriedade sem observância do devido processo legal (STF – MS

23.949/DF118) – por esse motivo, inclusive, o STF não autoriza as invasões de terra por

movimentos sociais organizados, ainda que a pretexto de promover a reforma agrária (ADI-MC

2.213/DF).

2.6.3. RESTRIÇÕES

a) Função social da propriedade : se a propriedade não cumpre a sua função social, esse

direito poderá ser restringido. Destaque-se, inicialmente, que a CF/88 faz a distinção

entre a função social da propriedade urbana (art. 182, §2º, CF/88119) e a função

118 INFORMATIVO 256: Na desapropriação para fins de reforma agrária, ofende os princípios do devido processo

legal, do contraditório e da ampla defesa (CF, art. 5º, LIV e LV) a falta de prévia notificação do proprietário do

imóvel da realização da vistoria para levantamento de dados e informações. Com esse entendimento, o Tribunal

deferiu mandado de segurança para anular o decreto do Presidente da República que declarara de interesse social

para fins de reforma agrária o imóvel rural das impetrantes, por considerar inválidas as notificações feitas, a uma

das proprietárias do imóvel no mesmo dia em que a equipe do INCRA iniciou os seus trabalhos, e às duas outras,

mais de um ano após o dia de início da vistoria. Precedente citado: MS 23.562-TO (DJU de 17.11.2000). MS 23.949-

DF, rel. Min. Celso de Mello, 1º.2.2002.135

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social da propriedade rural (art. 186, CF/88120). Perceba que os requisitos para o

cumprimento da função social da propriedade urbana não estão previstos no texto

constitucional; essa tarefa cabe ao Plano Diretor (obrigatório aos municípios com

mais de 20.000 habitantes - §1º). Quanto aos requisitos para o cumprimento da

função social da propriedade rural, não obstante eles sejam estabelecidos pela

própria Constituição, é necessária uma lei regulamentadora para defini-los (o art.

186 é uma norma de eficácia limitada). Qual a consequência jurídica do não

cumprimento da função social da propriedade? Pode ocorrer a chamada

desapropriação-sanção, ou seja, a pessoa poderá ter a sua propriedade

desapropriada, não em razão de interesse público, mas em razão do

descumprimento da função social. A CF/88 prevê duas hipóteses de desapropriação-

sanção: art. 182, §4º, III121 (propriedade urbana) e art. 184122 (propriedade rural).

119 § 1º - O plano diretor, aprovado pela Câmara Municipal, obrigatório para cidades com mais de vinte mil

habitantes, é o instrumento básico da política de desenvolvimento e de expansão urbana.

§ 2º - A propriedade urbana cumpre sua função social quando atende às exigências fundamentais de ordenação

da cidade expressas no plano diretor.120 Art. 186. A função social é cumprida quando a propriedade rural atende, simultaneamente, segundo critérios

e graus de exigência estabelecidos em lei, aos seguintes requisitos:

I - aproveitamento racional e adequado;

II - utilização adequada dos recursos naturais disponíveis e preservação do meio ambiente;

III - observância das disposições que regulam as relações de trabalho;

IV - exploração que favoreça o bem-estar dos proprietários e dos trabalhadores.121 § 4º - É facultado ao Poder Público municipal, mediante lei específica para área incluída no plano diretor,

exigir, nos termos da lei federal, do proprietário do solo urbano não edificado, subutilizado ou não utilizado, que

promova seu adequado aproveitamento, sob pena, sucessivamente, de:

I - parcelamento ou edificação compulsórios;

II - imposto sobre a propriedade predial e territorial urbana progressivo no tempo;

III - desapropriação com pagamento mediante títulos da dívida pública de emissão previamente aprovada pelo

Senado Federal, com prazo de resgate de até dez anos, em parcelas anuais, iguais e sucessivas, assegurados o

valor real da indenização e os juros legais.122 Art. 184. Compete à União desapropriar por interesse social, para fins de reforma agrária, o imóvel rural que

não esteja cumprindo sua função social, mediante prévia e justa indenização em títulos da dívida agrária, com

cláusula de preservação do valor real, resgatáveis no prazo de até vinte anos, a partir do segundo ano de sua

emissão, e cuja utilização será definida em lei.136

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b) Desapropriação : previsão no art. 5º, XXIV, CF/88:

XXIV - a lei estabelecerá o procedimento para desapropriação por necessidade ou

utilidade pública, ou por interesse social, mediante justa e prévia indenização em

dinheiro, ressalvados os casos previstos nesta Constituição;

c) Requisição : existe a requisição civil, prevista no art. 5º, XXV, CF/88, e também a

requisição militar, prevista no art. 139, VII, CF/88.

XXV - no caso de iminente perigo público, a autoridade competente poderá usar de

propriedade particular, assegurada ao proprietário indenização ulterior, se houver

dano;

Art. 139. Na vigência do estado de sítio decretado com fundamento no art. 137, I, só

poderão ser tomadas contra as pessoas as seguintes medidas:

VII - requisição de bens.

DESAPROPRIAÇÃO REQUISIÇÃO

Bens. Bens e serviços.

Necessidades permanentes. Necessidades temporárias ou transitórias.

Aquisição da propriedade. Uso ou ocupação temporária.

Acordo ou decisão judicial. Autoexecutória.Indenização prévia, justa e, em regra, paga

em dinheiro.Indenização (posterior) somente se houver

dano.

Obs¹. “São isentas de IMPOSTOS federais, estaduais e municipais as operações de

transferência de imóveis desapropriados para fins de reforma agrária” (art. 185, §5º, CF/88).

Não abrange todos os tributos, mas apenas os impostos!

Obs². A pequena e média propriedade rural, e a propriedade produtiva não podem ser

desapropriadas para fins de reforma agrária, mas podem para fins de interesse social (neste

último caso, a indenização será em dinheiro, já que não constitui sanção).

137

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d) Confisco : é possível o confisco da propriedade em duas situações (art. 243 do

CF/88123):

Glebas de culturas ilegais de plantas psicotrópicas;

Bens adquiridos com o dinheiro do tráfico de drogas.

Frise-se que, segundo o STF, no caso de glebas de culturas ilegais de plantas

psicotrópicas, o confisco recairá sobre toda a propriedade, e não apenas sobre

aquela onde há o cultivo ilegal (RE 543.974/MG124).

123 Art. 243. As glebas de qualquer região do País onde forem localizadas culturas ilegais de plantas psicotrópicas

serão imediatamente expropriadas e especificamente destinadas ao assentamento de colonos, para o cultivo de

produtos alimentícios e medicamentosos, sem qualquer indenização ao proprietário e sem prejuízo de outras

sanções previstas em lei.

Parágrafo único. Todo e qualquer bem de valor econômico apreendido em decorrência do tráfico ilícito de

entorpecentes e drogas afins será confiscado e reverterá em benefício de instituições e pessoal especializados no

tratamento e recuperação de viciados e no aparelhamento e custeio de atividades de fiscalização, controle,

prevenção e repressão do crime de tráfico dessas substâncias.124 INFORMATIVO 540: A expropriação de glebas a que se refere o art. 243 da CF há de abranger toda a

propriedade e não apenas a área efetivamente cultivada (CF: “Art. 243. As glebas de qualquer região do País onde

forem localizadas culturas ilegais de plantas psicotrópicas serão imediatamente expropriadas e especificamente

destinadas ao assentamento de colonos, para o cultivo de produtos alimentícios e medicamentosos, sem qualquer

indenização ao proprietário e sem prejuízo de outras sanções previstas em lei.”). Com base nesse entendimento, o

Tribunal proveu recurso extraordinário interposto pela União contra acórdão proferido pelo TRF da 1ª Região que

concluíra que apenas a área onde efetivamente cultivada a planta psicotrópica deveria ter sido expropriada, pelos

seguintes fundamentos: a) gleba seria parcela de um imóvel, tendo em conta a literalidade do art. 243 da CF; b) o

art. 5º, LIV, da CF dispõe que “ninguém será privado da liberdade ou de seus bens sem o devido processo legal”; c)

o perdimento da totalidade do imóvel violaria o princípio da proporcionalidade. Reputou-se insubsistente o

primeiro fundamento, haja vista que gleba é uma área de terra, um terreno e não uma porção dessa área.

Asseverou-se, no ponto, que a linguagem jurídica prescinde de retórica e que cada vocábulo nela assume

significado no contexto no qual inserido. Assim, no art. 243 da CF, gleba só poderia ser entendida como

propriedade, esta sujeita à expropriação quando nela localizadas culturas ilegais de plantas psicotrópicas .

Repeliu-se, de igual modo, o segundo argumento, porquanto o devido processo legal, no caso dos autos, teria sido

observado, tendo em conta que a União propusera ação expropriatória contra o recorrido, regularmente

processada. Por fim, afastou-se a terceira assertiva, visto que ela seria uma oposição ao que o poder constituinte

estabeleceu, ou seja, que a expropriação da totalidade da gleba onde foram localizadas culturas ilegais de plantas

psicotrópicas seria desproporcional, como se o TRF apontasse, corrigindo-o, um desvio do poder constituinte. RE

543974/MG, rel. Min. Eros Grau, 26.3.2009. 138

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Obs. A PEC do trabalho escravo vai acrescentar uma terceira hipótese de confisco: gleba onde

se constate a existência de trabalho escravo.

e) Usucapião : a CF/88 prevê duas hipóteses de usucapião especial, uma para imóveis

urbanos (art. 183125) e outra para imóveis rurais (art. 191126). Requisitos específicos:

05 anos;

Utilização apenas para moradia;

Não pode ter outro imóvel;

Máximo de 250m² (imóvel urbano) ou 50 Há (imóvel rural);

Propriedade produtiva (imóvel rural).

3. RESTRIÇÕES AOS DIREITOS FUNDAMENTAIS (DOUTRINA IMANENTE DOS DIREITOS

FUNDAMENTAIS)

Existem, basicamente, duas estratégias para definir as restrições (ou os limites) aos

direitos fundamentais, senão vejamos.

3.1. TEORIA INTERNA

125 Art. 183. Aquele que possuir como sua área urbana de até duzentos e cinqüenta metros quadrados, por cinco

anos, ininterruptamente e sem oposição, utilizando-a para sua moradia ou de sua família, adquirir-lhe-á o

domínio, desde que não seja proprietário de outro imóvel urbano ou rural.

§ 1º - O título de domínio e a concessão de uso serão conferidos ao homem ou à mulher, ou a ambos,

independentemente do estado civil.

§ 2º - Esse direito não será reconhecido ao mesmo possuidor mais de uma vez.

§ 3º - Os imóveis públicos não serão adquiridos por usucapião.126 Art. 191. Aquele que, não sendo proprietário de imóvel rural ou urbano, possua como seu, por cinco anos

ininterruptos, sem oposição, área de terra, em zona rural, não superior a cinqüenta hectares, tornando-a

produtiva por seu trabalho ou de sua família, tendo nela sua moradia, adquirir-lhe-á a propriedade.

Parágrafo único. Os imóveis públicos não serão adquiridos por usucapião.139

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Para a teoria interna, os limites imanentes ou internos dos direitos fundamentais são

fixados a priori, em abstrato, através da interpretação, e tem um caráter meramente

declaratório. Isso significa dizer que o direito fundamental e os seus limites constituem um só

objeto, de modo que, por meio da interpretação, revela-se o direito inicialmente e

definitivamente protegido. Ex.: não se analisa o direito à vida com relação a outros direitos; ele

é analisado internamente, por si só.

Como a partir da interpretação identifica-se o direito definitivo, na teoria interna, todos

os direitos fundamentais têm a estrutura de regras (não admitem sopesamento nem

ponderações). Outro exemplo: dados protegidos no art. 5º, XII, da CF/88 (por meio da

interpretação, chega-se à conclusão de que o dispositivo refere-se aos dados informáticos,

protegendo a sua comunicação, e não os dados em si).

Na ADI 3.510 (discutiu a pesquisa com células-tronco embrionárias), vale dizer, o Min.

Ayres Britto, em seu voto, diz que o direito à vida protegido pela Constituição não é qualquer

vida humana, mas apenas o daquelas pessoas que já nasceram, dotadas, portanto, de

personalidade. Por meio dessa interpretação, evita-se a necessidade de se proceder à

ponderação do direito à vida com outros direitos (o Ministro utilizou a teoria interna para

fundamentar o seu voto, apesar de não ter se referido a ela expressamente).

3.2. TEORIA EXTERNA

Segundo a teoria externa, a identificação do conteúdo inicialmente protegido (direito

prima facie) deve ser feita da forma mais ampla possível (refere-se, pois, ao âmbito de

proteção). A delimitação do conteúdo definitivamente protegido será estabelecida por limites

externos advindos de outros direitos também consagrados na Constituição. Isso só será

possível diante de um caso concreto e com a utilização do princípio da proporcionalidade (que,

na verdade, é uma regra) e da ponderação.

Nesse sentido, tem-se que o direito fundamental e as suas restrições constituem dois

objetos distintos, de modo que somente é possível identificar o direito definitivo a partir da

análise do caso concreto. Ex.: o direito à vida deve ser interpretado da maneira mais ampla

140

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possível, o que não significa, entretanto, que ele está protegido de forma definitiva, pois é

preciso analisar o caso concreto para saber se o direito à vida deve prevalecer.

Na ADI 3.510, vale dizer, os Ministros Celso de Mello e Joaquim Barbosa utilizam a teoria

externa para fundamentar o seu voto, apesar de também não terem se referido a ela

expressamente.

Perceba que, na maior parte dos casos, a utilização de uma ou outra teoria chega à

mesma conclusão. Entretanto, os caminhos percorridos são distintos.

TEORIA INTERNA TEORIA EXTERNA

Os limites são definidos a partir do próprio direito.

Os limites são definidos no caso concreto, (proporcionalidade e ponderação).

Atenção! A classificação de José Afonso da Silva, que vamos estudar posteriormente, só

é compatível com a teoria interna. Ao revés, a teoria dos princípios (Robert Alexy) só é

compatível com a teoria externa.

141

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- CLASSIFICAÇÃO DAS NORMAS CONSTITUCIONAIS

A PARTIR DA SUA EFICÁCIA -

1. CLASSIFICAÇÃO DE JOSÉ AFONSO DA SILVA

Vamos utilizar, no presente estudo, a classificação de José Afonso da Silva, a mais

conhecida e cobrada nos concursos públicos.

O doutrinador diferencia três tipos de normas constitucionais quanto a sua eficácia:

Normas constitucionais de eficácia PLENA;

Normas constitucionais de eficácia CONTIDA;

Normas constitucionais de eficácia LIMITADA.

Perceba que todas as normas constitucionais possuem eficácia, variando apenas o seu

grau. Nesse sentido, tem-se que a norma constitucional plena é a que tem maior eficácia; e a

limitada é a que possui menor eficácia.

Eficácia, vale dizer, é a aptidão da norma para produzir os efeitos que lhes são

próprios. Não significa que a norma, efetivamente, produz efeitos, mas sim que ela possui

capacidade para tanto.

Vejamos as principais características de tais normas:

a) Normas constitucionais de eficácia plena : aplicabilidade direta, imediata e integral.

Direta : não depende da intermediação de nenhuma outra vontade (lei ou

ato administrativo).

Imediata : não depende de nenhuma condição.

Integral : não admite restrição (essa é a característica mais importante).

Exemplos: art. 53, CF/88127 (nenhuma lei pode restringir a imunidade dos

parlamentares). Frise-se que, nesta classificação, a norma de eficácia plena não

127 Art. 53. Os Deputados e Senadores são invioláveis, civil e penalmente, por quaisquer de suas opiniões, palavras

e votos. (Redação dada pela Emenda Constitucional nº 35, de 2001)142

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admite restrição, mas admite regulamentação (a qual revela os limites imanentes

ao direito)128.

b) Norma constitucional de eficácia contida (restringível ou contível) : aplicabilidade

direta, imediata e possivelmente não integral. “Possivelmente” porque só haverá

restrição caso o legislador elabore a lei. Ex.: art. 5º, XIII, CF/88129 (reserva legal

qualificada – a lei deve estabelecer quais as qualificações profissionais necessárias) –

se não existir nenhuma lei regulamentando a profissão, o indivíduo pode exercê-la

livremente; uma vez surgindo a lei, o direito de exercer a profissão é restringido,

somente fazendo jus àqueles que preenchem os requisitos legais (ex.: advogado =

bacharel em Direito + aprovação no Exame de Ordem).

c) Norma constitucional de eficácia limitada : aplicabilidade indireta (é o Poder Público

que vai dizer os meios a serem adotados) e mediata (sempre vai depender de

alguma condição, por ex., uma lei ou ato administrativo). Podem ser de dois tipos:

Norma de princípio institutivo : depende de uma vontade intermediária para

dar forma ou estrutura a determinadas instituições consagradas na

Constituição. Ex.: art. 102, §1º, CF/88 (ADPF – regulamentada pela Lei

9.282/99; antes dessa lei, não era possível ajuizar uma ADPF)130.

Norma de princípio programático : estabelece programas de ação (diretrizes,

metas, objetivos) a serem implementados pelos Poderes Públicos. Ex.: art. 3º,

128 Regulamentação e restrição são institutos que se diferem de modo muito tênue. Em síntese, na

regulamentação, o que a norma faz é, simplesmente, revelar aqueles limites que estão implícitos ao direito (limites

imanentes), não constituindo propriamente uma restrição. Ex.: no art. 53 da CF/88, poderia uma lei dizer que os

parlamentares possuem imunidade quanto às palavras, opiniões e votos proferidos fora do Parlamento, desde que

tenham relação com a sua função? Para José Afonso da Silva, sim, uma vez que essa suposta restrição (“desde que

tenham relação com a sua função”), em verdade, é uma limitação imanente ao direito; tratar-se-ia, pois, de uma

regulamentação do direito (essa, inclusive, é a interpretação feita pelo STF).129 XIII - é livre o exercício de qualquer trabalho, ofício ou profissão, atendidas as qualificações profissionais que a

lei estabelecer;130 § 1.º A argüição de descumprimento de preceito fundamental, decorrente desta Constituição, será apreciada

pelo Supremo Tribunal Federal, na forma da lei.143

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CF/88131 (a Constituição não diz “como”, mas apenas “o que” deve ser

buscado).

Ressalte-se que, enquanto não existir norma regulamentadora, as normas de

eficácia limitada terão eficácia negativa (para invalidar ou bloquear legislações

contrárias), mas não terão eficácia positiva (aptidão para serem aplicadas ao caso

concreto).

2. OUTRAS CLASSIFICAÇÕES

A doutrinadora Maria Helena Diniz acrescenta à classificação de José Afonso da Silva a

seguinte espécie:

a) Normas constitucionais de eficácia absoluta : também chamadas de “normas super

eficazes”, possuem a mesma aplicabilidade que as eficácia plena. Entretanto,

segundo a autora, enquanto as normas de eficácia plena só não podem ser

restringidas por lei (podendo o ser por EC), as de eficácia absoluta não podem ser

restringidas nem por lei nem por Emenda Constitucional.

A doutrina, ainda, também faz menção a outra espécie (existe divergência quanto ao

seu criador):

b) Normas constitucionais de eficácia exaurida ou esvaída : são aquelas normas

constitucionais que, após terem sido aplicadas, exauriram a sua eficácia . Ex.: art.

131 Art. 3º Constituem objetivos fundamentais da República Federativa do Brasil:

I - construir uma sociedade livre, justa e solidária;

II - garantir o desenvolvimento nacional;

III - erradicar a pobreza e a marginalização e reduzir as desigualdades sociais e regionais;

IV - promover o bem de todos, sem preconceitos de origem, raça, sexo, cor, idade e quaisquer outras formas de

discriminação. 144

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3º, ADCT132 (esse dispositivo não tem mais eficácia, pois a revisão já foi feita); art. 2º,

ADCT133.

132 A revisão constitucional será realizada após cincos anos, contados da promulgação da Constituição, pelo voto da

maioria absoluta dos membros do Congresso Nacional, em sessão unicameral.133 No dia 7 de setembro de 1993, o eleitorado definirá, através de plebiscito, a forma (república ou monarquia) e o

sistema de governo (parlamentarismo ou presidencialismo) que devem vigorar no país.145

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- ADI POR OMISSÃO x MANDADO DE INJUNÇÃO -

1. INTRODUÇÃO

A ADI por omissão e o mandado de injunção são instrumentos a serem utilizados em

caso de omissão inconstitucional. Podemos dizer que constituem instrumentos de controle das

omissões inconstitucionais.

Essas omissões, vale dizer, podem levar ao fenômeno da erosão constitucional

(expressão de Karl Loewenstein). Erosão constitucional consiste no perigoso processo de

desvalorização funcional da Constituição, decorrente da omissão dos Poderes Públicos em

regulamentar suas normas. Em outras palavras, a Constituição perde a credibilidade perante a

sociedade.

A ADO vem prevista no art. 103, §2º, da CF/88:

§ 2º - Declarada a inconstitucionalidade por omissão de medida para tornar efetiva

norma constitucional, será dada ciência ao Poder competente para a adoção das

providências necessárias e, em se tratando de órgão administrativo, para fazê-lo em

trinta dias.

O MI, por sua vez, vem previsto no art. 5º, LXXI, da CF/88:

LXXI - conceder-se-á mandado de injunção sempre que a falta de norma

regulamentadora torne inviável o exercício dos direitos e liberdades constitucionais e

das prerrogativas inerentes à nacionalidade, à soberania e à cidadania;

Feitos os esclarecimentos preliminares, vamos à distinção entre esses dois

instrumentos.

2. DISTINÇÕES ENTRE ADO E MANDADO DE INJUNÇÃO

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2.1. QUANTO À FINALIDADE

a) ADO : tem por finalidade a proteção da ordem constitucional objetiva

(supremacia da Constituição). Trata-se de instrumento de controle abstrato de

constitucionalidade, de modo que a pretensão é deduzida em juízo através de

um processo constitucional objetivo.

b) MI : proteção de direitos subjetivos de caráter fundamental, mediante um

processo constitucional subjetivo – controle concreto de constitucionalidade. No

STF, vale dizer, é feita uma interpretação extensiva do cabimento do MI (ex.: art.

192, §2º, CF/88 – tratava dos juros de 12% ao ano; foi revogado sem nunca ter

sido regulamentado; à época em que ainda existia, o STF admitia o ajuizamento

de MI para proteger direitos subjetivos dele decorrentes).

2.2. QUANTO À COMPETÊNCIA

a) ADO : quando o parâmetro é a CF/88, a competência é do STF (art. 103, CF/88);

quando o parâmetro é a Constituição Estadual, a competência é do Tribunal de

Justiça (princípio da simetria). Trata-se, pois, de controle concentrado de

constitucionalidade.

b) MI : só pode ser processado e julgado por órgãos do Judiciário, cuja

competência esteja prevista na Constituição Federal, na Constituição Estadual

ou em uma lei federal. Não existe lei federal regulamentando o MI. Segundo a

Constituição Federal, a competência pode ser do STF (art. 102, I, “e”), do STJ (art.

105, I, “h”), do TSE ou do TRE (art. 121, §4º, V). Se a omissão estiver na

Constituição Estadual, cabe ao respectivo Estado estabelecer a competência. A

doutrina fala em controle difuso limitado de constitucionalidade.

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2.3. QUANTO À LEGITIMIDADE ATIVA

a) ADO : o rol de legitimados ativos está no art. 103, CF/88 e também no art. 12-A

da Lei 9.868/99. Lembre-se que há legitimados universais e especiais.

Art. 103. Podem propor a ação direta de inconstitucionalidade e a ação declaratória de

constitucionalidade: (Redação dada pela Emenda Constitucional nº 45, de 2004)

I - o Presidente da República;

II - a Mesa do Senado Federal;

III - a Mesa da Câmara dos Deputados;

IV - a Mesa de Assembléia Legislativa ou da Câmara Legislativa do Distrito Federal;

(Redação dada pela Emenda Constitucional nº 45, de 2004)

V - o Governador de Estado ou do Distrito Federal; (Redação dada pela Emenda

Constitucional nº 45, de 2004)

VI - o Procurador-Geral da República;

VII - o Conselho Federal da Ordem dos Advogados do Brasil;

VIII - partido político com representação no Congresso Nacional;

IX - confederação sindical ou entidade de classe de âmbito nacional.

Legitimados universais

Legitimados especiais (pertinência temática)

b) MI : será legitimado ativo qualquer indivíduo que tenha um direito

constitucional e que não possa exercê-lo em razão da ausência de norma

regulamentadora. Em se tratando de MI coletivo, por sua vez, o STF admite a

aplicação da Lei 12.016/09 (Lei do MS), ou seja, consideram-se legitimados

ativos do MI coletivo os mesmos para a impetração do MS coletivo, quais sejam,

partido político com representação no Congresso Nacional, organização

sindical, entidade de classe ou associação legalmente constituída e em

funcionamento há pelo menos um ano (na defesa dos interesses de seus

membros ou associados).

2.4. QUANTO À POSSIBILIDADE OU NÃO DE MEDIDA LIMINAR148

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a) ADO : o STF só admitia liminar quando a omissão era parcial, mas não cabia

quando a omissão era total. Atualmente, admite-se a liminar tanto em caso

omissão parcial quanto omissão total (art. 12-F e §1º, Lei 9.868/99134).

b) MI : segundo o STF, não cabe liminar no MI.

2.5. QUANTO AOS EFEITOS DA DECISÃO DE MÉRITO

a) ADO : ciência ao poder competente (Poder Legislativo, Poder Executivo –

quando depende de iniciativa do Presidente da República – ou órgão

administrativo) de que existe uma omissão e que ela deve ser suprida. Frise-se,

entretanto, que não existe prazo para que o legislador edite a norma em

determinado período (na ADI 3.682135, foi estabelecido um prazo de 18 meses,

todavia, o STF esclareceu que se tratava de mera sugestão, e não de imposição).

Se for órgão administrativo, há o prazo de 30 dias para que a omissão seja

suprida (art. 103, §2º, CF/88136); ocorre que, como nem sempre esse prazo

poderá ser atendido, o art. 12-H da Lei 9.868/99 prevê que o STF pode fixar

outro prazo que considere razoável para suprir a omissão137.134 Art. 12-F. Em caso de excepcional urgência e relevância da matéria, o Tribunal, por decisão da maioria absoluta

de seus membros, observado o disposto no art. 22, poderá conceder medida cautelar, após a audiência dos órgãos

ou autoridades responsáveis pela omissão inconstitucional, que deverão pronunciar-se no prazo de 5 (cinco)

dias. (Incluído pela Lei nº 12.063, de 2009).

§ 1o A medida cautelar poderá consistir na suspensão da aplicação da lei ou do ato normativo questionado, no

caso de omissão parcial, bem como na suspensão de processos judiciais ou de procedimentos administrativos, ou

ainda em outra providência a ser fixada pelo Tribunal. (Incluído pela Lei nº 12.063, de 2009).135 Essa ADI tinha natureza de ADO. À época, vale dizer, não havia diferença entre ADI e ADO quanto à

nomenclatura.136 § 2º - Declarada a inconstitucionalidade por omissão de medida para tornar efetiva norma constitucional, será

dada ciência ao Poder competente para a adoção das providências necessárias e, em se tratando de órgão

administrativo, para fazê-lo em trinta dias.137 Art. 12-H. Declarada a inconstitucionalidade por omissão, com observância do disposto no art. 22, será dada

ciência ao Poder competente para a adoção das providências necessárias. (Incluído pela Lei nº 12.063, de 2009).149

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b) MI : como não existe uma lei regulamentadora, existem várias correntes para

definir os efeitos da decisão de mérito:

o Corrente não concretista : equipara o efeito do MI ao efeito da ADO. Ou

seja, o efeito da MI consiste apenas em dar ciência ao poder competente

sobre a omissão. Não supre a omissão, apenas dá ciência. Até alguns

anos atrás, a grande maioria das decisões do STF era nesse sentido, não

regulamentando o direito no caso concreto.

o Corrente concretista : supre a omissão, concretizando a norma

constitucional. Subdivide-se em três perspectivas:

Geral : regulamenta o direito não apenas para quem impetrou o

MI, mas com efeitos erga omnes. Ex.: MI 708 (direito de greve – o

STF reconheceu a omissão do legislador que impede o servidor

público de exercer o direito de greve; mais ainda, o STF

regulamentou o direito de greve do servidor, não só para aqueles

que tinham impetrado o MI, mas com efeitos erga omnes,

atingindo também os que não tinham impetrado; no caso, o STF

atuou como legislador positivo).

Individual : a omissão é suprida com efeitos inter partes, ou seja,

apenas para os envolvidos no processo. Vem sendo adotada pelo

STF nas decisões mais recentes (MI 721 – aposentadoria especial

do servidor público138; MI 795-QO – o STF autorizou o relator a

§ 1o Em caso de omissão imputável a órgão administrativo, as providências deverão ser adotadas no prazo de 30

(trinta) dias, ou em prazo razoável a ser estipulado excepcionalmente pelo Tribunal, tendo em vista as

circunstâncias específicas do caso e o interesse público envolvido. (Incluído pela Lei nº 12.063, de 2009).138 INFORMATIVO 477: O Tribunal julgou parcialmente procedente pedido formulado em mandado de injunção

impetrado, contra o Presidente da República, por servidora do Ministério da Saúde, para, de forma

mandamental, adotando o sistema do regime geral de previdência social (Lei 8.213/91, art. 57), assentar o

direito da impetrante à aposentadoria especial de que trata o § 4º do art. 40 da CF . Na espécie, a impetrante,

auxiliar de enfermagem, pleiteava fosse suprida a falta da norma regulamentadora a que se refere o art. 40, § 4º, a

fim de possibilitar o exercício do seu direito à aposentadoria especial, haja vista ter trabalhado por mais de 25 anos

em atividade considerada insalubre — v. Informativos 442 e 450. Salientando o caráter mandamental e não 150

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decidir monocraticamente nos casos em que já houvesse

precedente da Corte139).

Intermediária : num primeiro momento, o tribunal dá ciência ao

poder competente de sua omissão; porém, além da ciência, fixa-

se um prazo para que a omissão seja suprida; findo o prazo sem

o suprimento da omissão, o direito será exercido nos termos

estabelecidos (nesse momento, concretiza a norma). Perceba

que, nesse caso, mistura-se a corrente concretista com a não

concretista. Esse entendimento foi adotado pelo STF no MI 232140.

simplesmente declaratório do mandado de injunção, asseverou-se caber ao Judiciário, por força do disposto no

art. 5º, LXXI e seu § 1º, da CF, não apenas emitir certidão de omissão do Poder incumbido de regulamentar o

direito a liberdades constitucionais, a prerrogativas inerentes à nacionalidade, à soberania e à cidadania, mas

viabilizar, no caso concreto, o exercício desse direito, afastando as conseqüências da inércia do legislador . MI

721/DF, rel. Min. Marco Aurélio, 30.8.2007.139 INFORMATIVO 542: Na linha da nova orientação jurisprudencial fixada no julgamento do MI 721/DF (DJE de

30.11.2007), o Tribunal julgou procedente pedido formulado em mandado de injunção para, reconhecendo a

mora legislativa e a necessidade de se dar eficácia às normas constitucionais e efetividade ao direito do

impetrante, suprir a falta da norma regulamentadora a que se refere o art. 40, § 4º, da CF, aplicando ao caso, no

que couber e a partir da comprovação dos dados perante a autoridade administrativa competente, o art. 57 da

Lei 8.213/91. Tratava-se, na espécie, de mandado de injunção impetrado por investigador da polícia civil do Estado

de São Paulo que pleiteava fosse suprida a lacuna normativa constante do aludido § 4º do art. 40, assentando-se o

seu direito à aposentadoria especial, em razão do trabalho estritamente policial, por 25 anos, em atividade

considerada perigosa e insalubre. Em seguida, resolvendo questão de ordem suscitada pelo Min. Joaquim

Barbosa, o Tribunal, por maioria, autorizou que os Ministros decidam monocrática e definitivamente os casos

idênticos. Vencido, no ponto, o Min. Marco Aurélio, que entendia não caber essa autorização. Outros precedentes

citados: MI 670/ES (DJE de 31.10.2008); MI 708/DF (DJE de 31.10.2008); MI 712/PA (DJE de 31.10.2008); MI

715/DF (DJU de 4.3.2005). MI 795/DF, rel. Min. Cármen Lúcia, 15.4.2009.140 Mandado de injunção. - Legitimidade ativa da requerente para impetrar mandado de injunção por falta de

regulamentação do disposto no par. 7. do artigo 195 da Constituição Federal. - Ocorrencia, no caso, em face do

disposto no artigo 59 do ADCT, de mora, por parte do Congresso, na regulamentação daquele preceito

constitucional. Mandado de injunção conhecido, em parte, e, nessa parte, deferido para declarar-se o estado de

mora em que se encontra o Congresso Nacional, a fim de que, no prazo de seis meses, adote ele as providencias

legislativas que se impoem para o cumprimento da obrigação de legislar decorrente do artigo 195, par. 7., da

Constituição, sob pena de, vencido esse prazo sem que essa obrigação se cumpra, passar o requerente a gozar

da imunidade requerida. (MI 232 / RJ - RIO DE JANEIRO - MANDADO DE INJUNÇÃO - Relator(a): Min. MOREIRA 151

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CRITÉRIOSADI POR OMISSÃO

(art. 103, §2º, CF/88; Lei 9.868/99)

MANDADO DE INJUNÇÃO(art. 5º, LXXI, CF/88)

FINALIDADE

Proteção da ordem constitucional objetiva (supremacia da Constituição) – controle abstrato de constitucionalidade.

Proteção de direitos subjetivos de caráter fundamental, mediante um processo constitucional subjetivo – controle concreto de constitucionalidade.

COMPETÊNCIA

STF (parâmetro: CF/88).TJ (parâmetro: CE).Controle concentrado de constitucionalidade.

Omissão na CF/88: STF, STJ, TSE, TRE.Omissão na CE: cada Estado estabelece.Controle difuso limitado.

LEGITIMIDADE ATIVA

Art. 103, CF/88; art. 12-A, Lei 9.868/99 (legitimados universais e especiais).

MI individual: qualquer indivíduo que tenha um direito constitucional e que não possa exercê-lo em razão da ausência de norma regulamentadora.MI coletivo: os mesmos legitimados do MS coletivo (art. 5º, LXX, CF/88; Lei 12.016/09).

LIMINAR Omissão parcial ou total. Não cabe (STF).

EFEITO DA DECISÃO DE MÉRITO

Ciência ao poder competente (PL, PE ou órgão administrativo) de que há uma omissão a ser suprida. Legislador: não há imposição de prazo.Administrador: 30 dias ou outro prazo razoável.

STF: corrente concretista individual – a omissão é suprida com efeitos inter partes, ou seja, apenas para os envolvidos no processo.

ALVES - Julgamento: 02/08/1991- Órgão Julgador: Tribunal Pleno)152

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- DIREITOS SOCIAIS -

1. DIREITOS SOCIAIS x DIREITOS INDIVIDUAIS

Os direitos individuais, em sua grande maioria, são direitos de defesa do individuo em

face do Estado. Exigem do Estado uma abstenção, uma não interferência. Já os direitos sociais

são direitos prestacionais, ou seja, exigem do Estado uma atitude positiva, prestações

materiais ou jurídicas.

As prestações materiais exigem recursos financeiros para serem implementadas,

interferindo diretamente no orçamento estatal. Isso porque cada decisão “alocativa” de

recursos é também uma decisão “desalocativa”, ou seja, se o Poder Judiciário condena o Estado

a custear um determinado tratamento, o Estado vai ter que alocar um recurso de outro lugar,

vez que o orçamento da saúde é limitado.

2. RESERVA DO POSSÍVEL

Essa expressão surgiu no Direito Alemão, no Tribunal Federal Constitucional em 1972,

tendo como objeto questões relacionadas a vagas em Universidades.

As limitações orçamentárias em determinadas circunstâncias fáticas acabam sendo um

obstáculo à plena realização de determinados direitos.

A reserva do possível está relacionada a três aspectos:

a) Possibilidade fática : consiste na disponibilidade dos recursos orçamentários

necessários à satisfação do direito prestacional. O Estado teria recursos financeiros

suficientes para realizar plenamente os direitos fundamentais? Quando se fala em

disponibilidade orçamentária, deve ser feita uma universalização da prestação, ou

seja, a prestação a ser implementada pelo Estado deve ser analisada sob a

perspectiva de todos aqueles que se encontrem naquela situação e não apenas do

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ponto de vista individual, dificultando esta prestação em decorrência da falta de

recursos financeiros. O principio que exige esta universalização é o principio da

igualdade. A questão relacionada aos direitos sociais não envolve apenas o indivíduo

e o Estado, mas sim a coletividade, onde direitos fundamentais de terceiros também

devem ser levados em consideração. Trata-se de uma questão de justiça distributiva.

Alguns autores, vale dizer, propõem uma utilização maior de ações coletivas, para

efetivar esses direitos sociais para todos.

b) Possibilidade Jurídica : consiste na existência de autorização orçamentária para

cobrir as despesas, assim como a análise das competências federativas . Trata-se da

existência de autorização para que aquela despesa seja coberta, e não se há ou não

orçamento. Não pode ser um obstáculo absoluto, ou seja, é um dado a ser levado

em consideração, mas que não impede a realização do direito. É necessário, ainda,

analisar a competência federativa, vez que receita da União, dos Estados e dos

Municípios não são iguais.

c) Razoabilidade da exigência e a proporcionalidade da prestação : a realização prática

dos direitos prestacionais depende da razoabilidade da pretensão individual ou

social exigida em face do Estado (STA 178 – fornecimento de medicamentos).

A reserva do possível deve ser demonstrada pelo Estado, vez que cabe a este

comprovar que não possui reserva orçamentária para custear o quanto solicitado.

Segundo Celso de Melo, não basta o Estado invocar genericamente a reserva do possível,

pois é necessário demonstrar a ocorrência de justo motivo objetivamente aferível, ou seja,

tem que demonstrar que o orçamento não teria como permitir que aquela despesa fosse

custeada para todos.

3. MÍNIMO EXISTENCIAL

É uma expressão que surgiu na Alemanha, inicialmente, em uma decisão do Tribunal

Federal Administrativo, proferida em 1953, sendo que depois passou a ser utilizada também 154

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pelo Tribunal Constitucional Federal. Na Constituição da Alemanha não há um rol de direitos

sociais como temos no Brasil. Dessa forma, com base na dignidade da pessoa humana, da

liberdade material e do principio do Estado Social o Tribunal Federal Administrativo

desenvolveu esta tese do mínimo existencial.

O mínimo existencial seria um subgrupo menor de direitos sociais ligados de forma

mais íntima à dignidade da pessoa humana. No Brasil, ele é utilizado nesse sentido, vez que a

CF/88 consagra um extenso rol de direitos sociais, mas há um problema na efetividade desses

direitos. Portanto, o objetivo seria conferir maior efetividade aos direitos que compõem o

mínimo existencial.

Se os direitos sociais já estão na CF/88, porque seria relevante falar em “mínimo

existencial”? A finalidade seria conferir maior efetividade a determinados direitos mais

essenciais à existência humana.

Para a professora Ana Paula de Barcellos, os direitos que integram o mínimo existencial

são: direito à saúde, educação básica, assistência aos desamparados em caso de necessidade

(ex.: LOAS) e o acesso à justiça (direito instrumental).

Relação entre o mínimo existencial e a reserva do possível :

A relação entre o mínimo existencial e a reserva do possível, segundo Daniel Sarmento,

é no sentido que os direitos que compõem o mínimo existencial devem ter peso maior que

aquele conferido aos demais, ou seja, o ônus argumentativo do Estado para não implementar

aquela prestação será ainda maior. Assim, a reserva do possível é matéria de defesa do Estado

e o mínimo existencial está relacionado mais diretamente à dignidade da pessoa humana.

O posicionamento adotado por Ingo Sarlet, por sua vez, é de que o mínimo existencial

não se sujeita à reserva do possível. Este posicionamento é semelhante ao do ministro Celso

de Melo (RE 482.611/SC), ao concluir pela impossibilidade de invocação, pelo Poder Publico,

da cláusula da reserva do possível sempre que puder resultar de sua aplicação

comprometimento do núcleo básico que qualifica o mínimo existencial (em outras palavras, o

mínimo existencial não se submete à reserva do possível).

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Portanto, para Daniel Sarmento, o mínimo existencial é um principio, e, para Ingo Sarlet,

seria uma regra, vez que não pode ser objeto de ponderação.

4. “PROIBIÇÃO RETROCESSO SOCIAL”

Também denominado de “Efeito Cliquet”, “proibição contra revolução social” ou

“proibição da evolução reacionária”.

Não há nenhum dispositivo na CF/88 que prevê esta proibição de retrocesso, sendo

retirada de alguns princípios constitucionais, quais sejam, o principio da segurança jurídica, o

da dignidade da pessoa humana, o da máxima efetividade (art. 5º, §1º) e do Estado

Democrático e Social de Direito.

Essa vedação de retrocesso social significa que os direitos sociais, em grande parte,

para que possam ser usufruídos no caso concreto, necessitam de uma intermediação

(geralmente de uma lei). Na classificação de Jose Afonso da Silva, vale dizer, seriam as normas

constitucionais de eficácia limitada.

Quando se fala em “proibição de retrocesso social”, nos referimos às medidas

concretizadoras dos direitos sociais, ou seja, a finalidade é impedir que o legislativo ou

executivo (Poderes que concretizam os direitos sociais) retrocedam nos direitos

conquistados. Não é qualquer aspecto dos direitos sociais que deve entrar nessa vedação, mas

apenas aqueles aspectos em relação aos quais existe um consenso profundo na sociedade. Ex.:

aviso prévio foi regulamentado recentemente; o fato de reduzir o período de aviso prévio não

significa que a proibição do retrocesso tenha sido violada.

Existem dois posicionamentos sobre a possibilidade ou não de ponderação desta

proibição:

a) Zagrebelsky : há um impedimento dirigido aos poderes públicos de reduzir o grau de

concretização alcançado por um direito social, ou seja, impede qualquer retrocesso

(posição radical). Não pode ser objeto de ponderação, sendo tratada como uma

regra.

b) Jose Carlos Vieira de Andrade : atua no sentido de impedir a adoção de medidas

arbitrárias ou manifestamente desarrazoadas que reduzam a concretização dos

direitos sociais sem qualquer substituição por outras. A vedação de retrocesso não

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atua como impedimento absoluto. Esse posicionamento trata a vedação como um

princípio, podendo haver um sopesamento. Para Novelino, vale dizer, esse

posicionamento é o mais adequado.

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- PODER CONSTITUINTE -

1. PODER CONSTITUINTE ORIGINÁRIO

Está acima do ordenamento jurídico, sendo, portanto, um poder político ou de fato. O

titular do poder constituinte originário seria o povo ou a nação.

1.1. CARACTERÍSTICAS

a) Poder inicial : não há nenhum outro poder antes ou acima dele. Isso porque ele que

cria o ordenamento jurídico através da CF.

b) Poder autônomo : cabe apenas ao PCO escolher a ideia de direito que irá prevalecer

em um determinado Estado. Não se pode esquecer que o titular deste poder é o povo.

Assim, a escolha poderá ser legitima ou não de acordo com a correspondência entre o

conteúdo escolhido e os valores da comunidade (legitimidade objetiva) e em razão

dos responsáveis pela elaboração da CF (legitimidade subjetiva). Portanto, o poder

constituinte pode escolher a ideia de direito que irá prevalecer, mas não significa que

poderá colocar na CF qualquer coisa que entender necessário, devendo ser observada a

legitimidade objetiva e subjetiva.

c) Poder incondicionado : não está submetido a nenhuma norma formal ou material. Essa

é uma visão positivista, segundo a qual o direito é apenas aquele posto pelo Estado.

Alguns autores, vale dizer, têm relativizado esta característica, apontando algumas

limitações materiais que poderiam ser impostas ao poder constituinte originário, a

exemplo dos valores éticos da comunidade, o direito natural (concepção

jusnaturalista), normas de direito internacional, proibição de retrocesso (impede que

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os direitos fundamentais conquistados por uma sociedade sofram um retrocesso

quando da criação de uma nova CF).

Além dessas características, há mais três características desenvolvidas por Abade Sieyès

(jusnaturalista), senão vejamos:

Incondicionado juridicamente pelo direito positivo;

Poder permanente (não se esgota no seu exercício);

Poder inalienável (nunca poderá ser retirado de seu verdadeiro titular, ainda

que, muitas vezes, o seu exercício seja usurpado de forma ilegítima).

2. PODER CONSTITUINTE DECORRENTE

É aquele atribuído aos Estados-membros de uma Federação para a elaboração de

Constituições próprias. A auto-organização dos Estados membros é realizada através das

Constituições estaduais.

O poder constituinte decorrente só existe nos casos dos Estados? E no caso do DF e dos

Municípios? Essa indagação é objeto de grande divergência. A lei orgânica do DF e dos

Municípios organiza os entes federativos, tendo natureza próxima à da Constituição. Para os

autores que tratam do assunto, no DF, haveria o poder constituinte decorrente, uma vez que

não existe diferença entre a lei orgânica do DF e a Constituição Estadual (existe, inclusive,

controle de constitucionalidade da lei orgânica). No entanto, no caso dos Municípios, de

acordo com o entendimento majoritário, não haveria que se falar em poder constituinte

decorrente, uma vez que a lei orgânica municipal tem como fundamento de validade a

Constituição Estadual. Neste sentido, seria um poder decorrente de outro poder decorrente, o

que não poderia ser admitido.

Existem dois dispositivos que tratam da elaboração da Constituição em cada Estado, o

art. 25 da CF e art. 11 do ADCT, dos quais se extrai o principio da simetria, senão vejamos:

Art. 25. Os Estados organizam-se e regem-se pelas Constituições e leis que adotarem,

observados os princípios desta Constituição [exige que o modelo estabelecido pela CF

seja observado pelas Constituições Estaduais – princípio da simetria]. 159

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Art. 11. Cada Assembléia Legislativa, com poderes constituintes, elaborará a

Constituição do Estado, no prazo de um ano, contado da promulgação da Constituição

Federal, obedecidos os princípios desta [consagração do princípio da simetria].

As normas de observância obrigatória (ou seja, que devem ser observadas pelas

Constituições Estaduais) estão relacionadas com o principio da simetria e podem ser divididas

em duas espécies:

a) Expressas : são aquelas previstas expressamente pelo texto constitucional.

Exemplos: arts. 27, §1º; 28 e 75 da CF/88, abaixo in verbis.

Art. 27, 1º - Será de quatro anos o mandato dos Deputados Estaduais, aplicando- sê-

lhes as regras desta Constituição sobre sistema eleitoral, inviolabilidade, imunidades,

remuneração, perda de mandato, licença, impedimentos e incorporação às Forças

Armadas.

Art. 28. A eleição do Governador e do Vice-Governador de Estado, para mandato de

quatro anos, realizar-se-á no primeiro domingo de outubro, em primeiro turno, e no

último domingo de outubro, em segundo turno, se houver, do ano anterior ao do

término do mandato de seus antecessores, e a posse ocorrerá em primeiro de janeiro

do ano subseqüente, observado, quanto ao mais, o disposto no art. 77.

Art. 75. As normas estabelecidas nesta seção aplicam-se, no que couber, à

organização, composição e fiscalização dos Tribunais de Contas dos Estados e do

Distrito Federal, bem como dos Tribunais e Conselhos de Contas dos Municípios.

b) Implícitas : são verificadas pela jurisprudência do STF. São as normas que

estabelecem competências para os Poderes (ADI 1901); princípios básicos do

processo legislativo são de observância obrigatória pelos Estados (art. 61, §1º da

CF). Na ADI 486, vale dizer, uma Constituição Estadual trouxe a previsão de que as

emendas à CE deveriam ser aprovadas por 4/5 da Assembleia Legislativa, sendo que,

na esfera federal, de acordo com o art. 60, §2º, a exigência é de 3/5 dos membros da

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Câmara e do Senado; por conta disso, o STF declarou esse dispositivo da CE

inconstitucional. Ainda, destaque-se que os requisitos básicos para a criação de CPI

previsto na CF/88 devem ser seguidos pelas Constituição Estaduais.

3. PODER CONSTITUINTE REFORMADOR/DERIVADO/INSTITUÍDO

São poderes secundários, limitados e condicionados pela CF. Está previsto no art. 60 da

CF/88, não podendo ser confundido com o Poder Constituinte Revisor (art. 3° da ADCT – norma

de eficácia exaurida).

Art. 60. A Constituição poderá ser emendada mediante proposta:

I - de um terço, no mínimo, dos membros da Câmara dos Deputados ou do Senado

Federal;

II - do Presidente da República;

III - de mais da metade das Assembléias Legislativas das unidades da Federação,

manifestando-se, cada uma delas, pela maioria relativa de seus membros. –

LIMITAÇÃO FORMAL OU PROCEDIMENTAL.

§ 1º - A Constituição não poderá ser emendada na vigência de intervenção federal,

de estado de defesa ou de estado de sítio. – LIMITAÇÃO CIRCUNSTANCIAL.

§ 2º - A proposta será discutida e votada em cada Casa do Congresso Nacional, em

dois turnos, considerando-se aprovada se obtiver, em ambos, três quintos dos votos

dos respectivos membros.- LIMITAÇÃO FORMAL OU PROCEDIMENTAL.

§ 3º - A emenda à Constituição será promulgada pelas Mesas da Câmara dos

Deputados e do Senado Federal, com o respectivo número de ordem. – LIMITAÇÃO

FORMAL OU PROCEDIMENTAL.

§ 4º - Não será objeto de deliberação a proposta de emenda tendente a abolir:

I - a forma federativa de Estado;

II - o voto direto, secreto, universal e periódico;

III - a separação dos Poderes;

IV - os direitos e garantias individuais. – LIMITAÇÕES MATERIAIS.

§ 5º - A matéria constante de proposta de emenda rejeitada ou havida por

prejudicada não pode ser objeto de nova proposta na mesma sessão legislativa. –

LIMITAÇÃO FORMAL OU PROCEDIMENTAL.

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3.1. LIMITAÇÕES

a) Temporais :

As limitações temporais impedem a alteração da Constituição durante um

determinado período de tempo, com o objetivo de assegurar estabilidade a nova CF/88.

Dentro dessa definição, vale dizer, não há nenhuma limitação temporal no art. 60 para o poder

reformador. No entanto, no RE 587008/SP, o Ministro Toffoli considerou que o art. 60, §5º seria

uma limitação temporal, mas ela, geralmente, é considerada uma limitação formal.

b) Circunstanciais :

As limitações circunstanciais impedem a alteração da Constituição em circunstâncias

excepcionais, ou seja, em situações de extrema gravidade, na qual a livre manifestação do

poder reformador pode estar ameaçada. O art. 60, §1º, da CF/88, contempla tais limitações,

de modo que a CF/88 não poderá ser alterada na vigência de estado de sítio, estado de defesa

e intervenção federal.

c) Formais ou Procedimentais :

A CF/88 é classificada como rígida, ou seja, o processo de alteração de suas normas é

mais solene do que o processo de alteração das normas infraconstitucionais. No caso da

emenda constitucional, vale dizer, a rigidez começa a aparecer na própria iniciativa:

Mínimo de 1/3 da Câmara dos Deputados ou do Senado;

Presidente da República (é o único legitimado a propor emendas e leis

ordinárias/complementares);

Mais de 50% das Assembleias Legislativas, cada uma se manifestando pela

maioria relativa de seus membros (= mais de 50% dos presentes na deliberação)

– art. 60, incisos I a III, da CF/88.

162

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Após a iniciativa, a PEC será discutida e votada em cada Casa do Congresso Nacional,

em dois turnos, considerando-se aprovada se obtiver, em ambos, 3/5 dos votos dos

respectivos membros (art. 60, §2º, da CF/88).

Frise-se que o Presidente da República não sanciona/veta, não promulga e nem publica

a emenda constitucional. A EC não se submete a sanção ou veto; ela é promulgada pelas

Mesas da Câmara dos Deputados + do Senado (as duas em conjunto) – previsão no art. 60,

§1º, da CF/88; ainda, quem publica é o Congresso Nacional, apesar do silêncio da Constituição.

Há, ainda, outra limitação formal, dessa vez prevista no art. 60, §5º, da CF/88: a matéria

constante de PEC rejeitada ou prejudicada não pode ser objeto de nova proposta na mesma

sessão legislativa (= 02.02 a 17.07; 01.08 a 22.12)141.

d) Materiais :

As limitações materiais estão consubstanciadas nas chamadas CLÁUSULAS PÉTREAS.

Isso significa dizer que existem matérias que não podem, jamais, ser objeto de deliberação pelo

constituinte derivado. As cláusulas pétreas possuem as seguintes finalidades no ordenamento:

Preservar a identidade material da Constituição (ex.: forma federativa de

Estado).

Proteger institutos e valores essenciais (ex.: direitos e garantias individuais).

Assegurar a continuidade do processo democrático (ex.: o STF considerou o

princípio da anterioridade eleitoral, previsto no art. 16 da CF/88, como cláusula

pétrea).

Existem, ainda, algumas teorias que justificam e legitimam a existência das cláusulas

pétreas no ordenamento jurídico, senão vejamos as principais:

Teoria do pré-comprometimento (Jon Elster): as Constituições democráticas são

mecanismos de autovinculação adotados pela soberania popular para se

proteger de suas próprias paixões e fraquezas. Mais recentemente, entretanto,

Jon Elster passou a adotar o entendimento de que a maioria não estaria se

“acorrentando” para se proteger de suas fraquezas, mas sim se acorrentando à

141 Apesar de ser considerada, pela maioria da doutrina, como uma limitação formal, o Ministro Dias Toffoli, em

voto proferido no RE 587008/SP, classificou essa limitação como temporal.163

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minoria, para evitar que os seus valores essenciais sejam alterados para o futuro

(a proteção não é contra si mesmo, mas contra o outro).

Teoria da democracia dualista (Bruce Ackerman): faz uma distinção entre a

política ordinária e a política extraordinária. Política ordinária refere-se às

deliberações tomadas pelos órgãos de representação popular (ex.: leis

ordinárias, leis complementares, medidas provisórias etc.). A política

extraordinária, por sua vez, corresponde às decisões tomadas pelo povo em

momentos de grande mobilização cívica (intensa manifestação da cidadania); por

esse motivo, autoriza-se que a política extraordinária imponha limites à

ordinária.

Perceba que a Constituição não fala em intangibilidade das cláusulas pétreas. O que

ela proíbe é uma proposta de emenda tendente a abolir as cláusulas pétreas. Sobre essa

expressão, devemos interpretá-la no sentido de proteger o núcleo essencial de determinados

institutos ou princípios elencados no dispositivo, e não como uma intangibilidade literal.

O art. 60, §5º, da CF/88, traz como cláusulas pétreas explícitas:

1) Separação dos Poderes: deve ser analisado o concreto. Por exemplo, a EC 45/04

extinguiu os Tribunais de Alçada; isso não significa, entretanto, que houve

violação à separação de Poderes.

2) Forma federativa de Estado : de acordo com o STF, a forma federativa de Estado

é princípio intangível desde a nossa primeira Constituição republicana (1891).

3) Voto secreto, direto, universal e periódico : o voto é a única cláusula pétrea que

está consagrada de maneira mais precisa. A obrigatoriedade do voto é cláusula

pétrea? Não. O voto obrigatório não é cláusula pétrea (entendimento

amplamente majoritário). Destaque-se, ainda, que, em verdade, o que é secreto

não é o voto, mas o escrutínio (= modo como o direito de sufrágio se realiza).

Ainda, o que é universal não é o voto, mas o direito de sufrágio (= direito de

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participar do processo político; compreende o direito de votar, de ser votado, de

participar de plebiscito, referendo, iniciativa popular etc.).

4) Direitos e garantias individuais : frise-se que parte da doutrina (Ingo Sarlet;

Rodrigo Brandão) considera que as cláusulas pétreas abrangem não apenas os

direitos e garantias individuais, mas todos os direitos fundamentais (ou, pelo

menos, boa parte deles)142. O STF, entretanto, não tem um posicionamento

consolidado nesse sentido, não obstante alguns Ministros adotem esse

entendimento, a exemplo de Gilmar Mendes. De todo modo, importante

destacar os direitos e garantias individuais não se restringem ao art. 5º da

CF/88; existem outros espalhados pelo texto constitucional, o que já foi

afirmado pelo próprio STF em diversas oportunidades, por exemplo: princípio da

anterioridade eleitoral143 (art. 16, CF/88) – ADI 3.685/DF; princípio da

anterioridade tributária144 (art. 150, III, “b”, CF/88) e princípio da imunidade

tributária recíproca145 (art. 150, VI, “a”, CF/88) – ADI 939/DF.

A doutrina admite, ainda, a existência de cláusulas pétreas implícitas, senão vejamos:

1) Direitos sociais :

Apesar de a Constituição elencar como cláusulas pétreas apenas os direitos e garantias

individuais, parte da doutrina, incluindo Paulo Bonavides, sustenta que os direitos sociais

também seriam cláusulas pétreas, porém implícitas. Qual é o argumento principal da doutrina

para considerar que os direitos sociais também seriam cláusulas pétreas? Diz-se que os direitos

142 Ressalte-se que este não é o entendimento adotado nas provas do CESPE, que considerou errada a assertiva

“todos os direitos e garantias fundamentais foram inseridos no rol das cláusulas pétreas”.143 O princípio da anterioridade eleitoral foi considerada cláusula pétrea por ser uma garantia individual do

cidadão eleitor. Portanto, deve ser observado não apenas por leis ordinárias e complementares, mas também por

emendas constitucionais.144 Entendeu-se que esse princípio é uma garantia individual do cidadão contribuinte.145 O STF considerou o princípio da imunidade tributária recíproca como cláusula pétrea decorrente da forma

federativa de Estado.165

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sociais são pressupostos necessários para o exercício dos direitos individuais (direitos de

liberdade).

O principal argumento é no seguinte sentido: uma pessoa só pode exercer plenamente

seus direitos de liberdade, sobretudo de liberdade material, se tiver assegurado um mínimo de

direitos sociais. Se o indivíduo não tem acesso à saúde, à educação, à moradia, não tem como

exercer plenamente sua liberdade de escolher candidatos, de expressar seu pensamento, etc.

Marcelo Novelino não concorda integralmente com isso. Alguns direitos sociais básicos

devem ser considerados cláusulas pétreas, mas considerá-los todos, indistintamente, como tal,

seria exagero. Poderíamos dizer que os direitos sociais que devemos considerar como

cláusulas pétreas são aqueles indispensáveis para os exercícios dos direitos individuais,

aqueles diretamente ligados à dignidade da pessoa humana. Porque aí teríamos a inclusão do

direito à saúde, à educação, à moradia. Aqueles direitos sociais diretamente ligados à dignidade

da pessoa humana devem ser considerados cláusulas pétreas. Não todos indistintamente.

No art. 7º da CF/88, por exemplo, estão os diversos direitos sociais dos trabalhadores.

Não dá para considerar que todos sejam cláusulas pétreas. Inclusive um deles já foi até

alterado, o que trata da prescrição de créditos trabalhistas dos trabalhadores rurais. Não há

nada que justifique a classificação desses direitos como clausulas pétreas.

2) Art. 60 da CF/88 (limitações ao poder reformador) :

O art. 60, da CF, como vimos, estabelece limitações ao poder reformador (limitações

circunstanciais, formais e materiais). Tais limitações, inclusive, são impostas ao poder

reformador por um poder superior a ele, que é o poder constituinte originário. Pergunta-se:

tem sentido, no plano lógico, um poder exterior retirar ou alterar as limitações que lhe foram

impostas por um poder superior? Essas limitações fariam sentido se o poder limitado pudesse

alterá-las? Não. Por esse motivo, o art. 60 da CF/88 é considerado por uma grande parte da

doutrina como cláusula pétrea implícita.

Em outras palavras: seria possível, por exemplo, através de emenda constitucional,

revogar expressamente o art. 60, §4º, I, da CF/88, e, em um segundo momento, dizer que a

forma de Estado não é mais a federação, passando o Brasil a se constituir em um Estado

166

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unitário? Trata-se da teoria da dupla revisão, defendida por Jorge Miranda, segundo a qual, em

um primeiro momento, se revoga uma cláusula pétrea, para, em seguida, modificar aquilo

que a cláusula pétrea protegia.

A posição da doutrina majoritária, a ser seguida em concursos, é a da total

impossibilidade da teoria da dupla revisão, na medida em que existem limitações implícitas,

decorrentes do sistema.

Isso porque, como já dito, se o art. 60 da CF/88 traz as limitações impostas pelo poder

constituinte originário ao poder constituinte derivado, não faria muito sentido se este poder

(reformador) pudesse alterar tais limitações.

3) Sistema presidencialista e forma republicana de governo :

Questão bastante cobrada em provas de concurso. Em provas objetivas, é muito comum

a seguinte pergunta: o sistema presidencialista e a forma republicana de governo são cláusulas

pétreas expressas? Expressas, não. Não há qualquer dúvida quanto a isso. Seriam cláusulas

pétreas implícitas? Nesse aspecto, há divergência na doutrina.

Apesar de a Constituição não consagrar expressamente o sistema presidencialista e a

forma republicana de governo como cláusulas pétreas explícitas, há quem entenda (ex.: Ivo

Dantas) que a realização do plebiscito em 1993 (art. 2º, ADCT146) teria sido uma espécie de

transferência por parte do constituinte, e em favor do povo, da decisão soberana sobre os

dois assuntos. Atualmente, uma alteração não seria possível por ser incompatível com a

separação dos Poderes (que é cláusula pétrea).

Há, ainda, autores que admitem a previsão de realização de um novo plebiscito para

que a questão seja novamente submetida à consulta popular. Quanto a forma republicana não

há muito o que discutir, pois a monarquia não faz parte do nosso ideário popular. Por outro

lado, o sistema presidencialista poderia até ser afastado em razão da forma parlamentarista,

mas, para tanto, seria necessário o plebiscito.

146 Art.2º, do ADCT. No dia 7 de setembro de 1993 o eleitorado definirá, através de plebiscito, a forma (república

ou monarquia constitucional) e o sistema de governo (parlamentarismo ou presidencialismo) que devem vigorar

no País.167

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3.2. PODER CONSTITUINTE E DIREITO ADQUIRIDO

É praticamente pacífico e na jurisprudência que os direitos adquiridos não são

oponíveis ao poder constituinte originário. Em outras palavras, não se pode invocar direito

adquirido em face de uma nova Constituição.

A grande controvérsia reside no fato se seria possível invocar direito adquirido em face

de uma emenda constitucional. Essa controvérsia existe porque o art. 5º, XXXVI, da CF/88,

refere-se à “lei”, e não à “emenda constitucional”.

XXXVI - a lei não prejudicará o direito adquirido, o ato jurídico perfeito e a

coisa julgada;

Essa cláusula pétrea se dirige apenas ao legislador ordinário ou também ao constituinte

derivado? Atualmente, o STF entende que os direitos adquiridos devem ser respeitados não

apenas pelas leis ordinárias e complementares, mas também por emendas constitucionais

(julgamento conjunto das ADIs 3.133; 3.143; e 3.144). Desse modo, entende-se que lei

ordinária, lei complementar e emenda constitucional não podem violar direitos adquiridos.

168

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- NORMAS CONSTITUCIONAIS NO TEMPO -

1. TEORIA DA DESCONSTITUCIONALIZAÇÃO

A tese explorada por Esmein, na linha teórica de Carl Schmitt, é no sentido de que,

quando surge uma nova Constituição, apenas uma parte da Constituição anterior é revogada.

(as normas que decorrem de uma decisão política fundamental, ou seja, a Constituição

propriamente dita). Todo o restante, que são as chamadas leis constitucionais, se for

compatível com o conteúdo da nova Constituição, será por ela recepcionado, na condição de

normas infraconstitucionais.

Destaque-se que essa teoria NÃO é aceita pela grande maioria da doutrina brasileira.

Entende-se que, surgida uma nova Constituição, anterior é totalmente revogada.

2. RECEPÇÃO

Quando surge uma nova Constituição, a anterior é completamente revogada. E quanto

às leis promulgadas com base na Constituição anterior, elas também são revogadas? Quando

do surgimento de uma nova Constituição, as normas infraconstitucionais anteriores se

submetem a duas situações distintas:

Se forem materialmente compatíveis com a nova Constituição, serão

recepcionadas;

Se não forem materialmente compatíveis, não serão recepcionadas . Ex.: o STF

entendeu a Lei de Imprensa não foi recepcionada pela CF/88, pois o seu

conteúdo era incompatível com o novo texto constitucional.

Certo é que grande parte das normas infraconstitucionais anteriores continuam sendo

materialmente compatíveis com a CF/88, a exemplo do Código Penal, do CPP, do CPC etc.

Pode acontecer, ainda, de a incompatibilidade não ser de conteúdo, mas de forma.

Nesse contexto, temos que a incompatibilidade formal superveniente, em regra, não impede a

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recepção, mas faz com que a norma adquira uma nova roupagem, um novo status. Exemplo:

o CTN, em sua origem, era uma lei ordinária; a CF/88 recepcionou o CTN na forma de lei

complementar, ou seja, deu uma nova roupagem, um novo status ao diploma. Isso significa

dizer que o CTN só pode ser alterado por LC, e não por lei ordinária.

Existe, contudo, uma exceção, na qual a incompatibilidade formal irá impedir a

recepção: quando a competência para tratar da matéria for transferida de um ente menor

para um ente maior. Ex.: a Constituição anterior entendia que a matéria X poderia ser tratada

pelos Municípios; existiam, assim, centenas de leis sobre esse tema. A nova Constituição, por

seu turno, transferiu a competência para dispor sobre a matéria X para a União. Nesse caso, a

incompatibilidade é formal, todavia as leis editadas pelos municípios não serão recepcionadas.

Ressalte-se, entretanto, que o inverso pode acontecer. Assim, por exemplo, se a competência

era da União e a nova Constituição a transferiu para os Estados, a recepção pode ocorrer, desde

que compatível.

3. CONSTITUCIONALIDADE SUPERVENIENTE

Vamos imaginar que determinada lei, criada sob a égide de uma Constituição, era

inconstitucional. Posteriormente, surge uma nova emenda constitucional (ou uma nova

Constituição), que teve o condão de sanar a inconstitucionalidade daquela lei, tornando-a

constitucional. É possível a ocorrência da chamada constitucionalidade superveniente?

Com efeito, de acordo com a constitucionalidade superveniente, uma lei

originariamente inconstitucional pode ter o seu vício sanado por uma emenda ou por uma

nova Constituição. Essa teoria, no entanto, não é admitida pelo STF, que adota o

entendimento de que as leis inconstitucionais são atos nulos e que, portanto, o seu vício de

origem não pode ser sanado (ADI 2.158/PR147).147 INFORMATIVO 600: O Tribunal, em apreciação conjunta de duas ações diretas, julgou, por maioria, procedente

em parte o pedido formulado na ADI 2158/PR, e, por unanimidade, procedente o na ADI 2198/PR, propostas,

respectivamente, pela Associação dos Magistrados Brasileiros - AMB e pelo Procurador-Geral da República, para

declarar a inconstitucionalidade de expressões e dispositivos constantes da Lei 12.398/98, do Estado do Paraná. A

lei impugnada prevê a incidência de contribuição previdenciária sobre os proventos de servidores inativos e

pensionistas no âmbito daquela unidade federativa. Inicialmente, em votação majoritária, rejeitou-se a

preliminar de prejudicialidade das ações em face da substancial alteração de parâmetro de controle operada 170

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4. EFEITO REPRISTINATÓRIO TÁCITO (OU REPRISTINAÇÃO TÁCITA)

Esse fenômeno ocorre quando uma lei, anteriormente revogada, volta a ter vigência

novamente, em razão da inconstitucionalidade da lei que a revogou. Exemplo: a lei B revogou

a lei A; todavia, a lei B foi declarada inconstitucional; a lei A volta a ter vigência?

Sobre o efeito repristinatório, dispõe o art. 11, §2º, da Lei 9.868/99 (que trata da ADI e

ADC):

§ 2o A concessão da medida cautelar torna aplicável a legislação anterior acaso

existente, salvo expressa manifestação em sentido contrário.

pela EC 41/2003, a qual — ao contrário do que previsto na EC 20/98, em vigor à época da edição da norma

impugnada — admite expressamente a incidência da contribuição previdenciária sobre os proventos dos

inativos na parte em que exceder o limite máximo para os benefícios do Regime Geral de Previdência Social (CF,

art. 40, § 18). Salientou-se que, no caso, apesar de até hoje não ter sido cobrada a aludida contribuição naquele

Estado, uma vez que a lei adversada fora suspensa com a concessão de medidas cautelares pela Corte, a norma

não fora revogada, permanecendo no mundo jurídico. Tendo isso em conta, asseverou-se que, se o Supremo

aplicasse sua jurisprudência tradicional no sentido do prejuízo das ações, revogar-se-iam, em conseqüência, as

medidas cautelares. Além disso, a lei estadual, não obstante patentemente inconstitucional, tornaria a produzir

seus efeitos à luz do regramento instituído pela EC 41/2003, a qual lhe conferiria uma aparência de validade .

Aduziu-se, na linha de precedentes, que esse inconveniente poderia ser evitado com a excepcional admissão do

exame de mérito das ações. Ao enfatizar que o sistema brasileiro não contempla a figura da constitucionalidade

superveniente, consignou-se que a norma em apreço não fora convalidada e, por isso, sua inconstitucionalidade

persistiria e seria atual, embora se referisse a dispositivos da Constituição que não se encontram mais em vigor,

modificados pela EC 41/2003. Desse modo, reputou-se que, se o sistema veda a convalidação da lei

inconstitucional, seria necessária a existência de mecanismos eficazes para expungir a norma ainda

inconstitucional do ordenamento jurídico, mesmo que em face de parâmetro de controle alterado ou revogado .

Concluiu-se que, na situação dos autos, cumpriria ao STF, ainda que já ajuizada a ação direta, declarar a

inconstitucionalidade da norma, com eficácia erga omnes e efeito vinculante, em benefício da máxima efetividade

da jurisdição constitucional. Salientou-se, por fim, o progressivo reforço legislativo na expansão da jurisdição

constitucional abstrata do Supremo. Vencidos os Ministros Marco Aurélio, Ellen Gracie e Celso de Mello que

assentavam o prejuízo das ações. ADI 2158/PR, rel. Min. Dias Toffoli, 15.9.2010.171

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Exemplo¹: a lei B revogou a lei A; se o STF concede uma medida cautelar numa ADI que

tem por objeto a lei B, a lei A volta a ser aplicável, a não ser que o Supremo diga o contrário.

Exemplo²: a lei B revogou a lei A; na ADI que tem por objeto a lei B, o STF profere uma

decisão de mérito, com efeitos ex tunc (retroativo) e vinculante. Perceba que, como o efeito é

retroativo à origem, é como se a lei B nunca tivesse existido; nesse caso, então, considera-se

que a lei A nunca deixou de ser aplicada. Se o efeito da decisão de mérito for ex nunc (não

retroativo), a repristinação tácita não se aplica, pois, no caso, a lei B produziu efeitos em

determinado período.

5. MUTAÇÃO CONSTITUCIONAL

A mutação constitucional corresponde a processos informais de alteração da

Constituição sem modificação de seu texto. Ela surge em contraposição à reforma

constitucional, que se trata de um processo formal de alteração.

Como é possível alterar o conteúdo da Constituição sem alterar o seu texto? Existem

duas formas:

Interpretação (mais comum nos sistemas de civil law);

Costumes (mais comum nos sistemas de common law).

Existem dois limites para que a mutação constitucional seja considerada legítima:

a) Deve ser compatível com o texto normativo;

b) Não pode contrariar princípios estruturais da Constituição.

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- DIREITOS DE NACIONALIDADE -

1. ESPÉCIES

1.1. NACIONALIDADE PRIMÁRIA OU ORIGINÁRIA

A nacionalidade primária ou originária refere-se aos brasileiros natos. A CF/88 adota

dois critérios para definir quem seja brasileiro nato, quais sejam, jus solis e o jus sanguinis.

a) Jus solis (art. 12, I, “a”, CF/88):

Art. 12. São brasileiros:

I - natos:

a) os nascidos na República Federativa do Brasil, ainda que de pais estrangeiros,

desde que estes não estejam a serviço de seu país; - CRITÉRIO JUS SOLIS.

Esse critério leva em consideração o local de nascimento da pessoa. Em regra, quem

nasce no território nacional é brasileiro nato. Ocorre que, por exceção, se os pais estrangeiros

estiverem a serviço do seu país, o seu filho não será considerado brasileiro nato.

Para que não seja reconhecida a nacionalidade brasileira originária, vale dizer, é

necessário que ambos estejam a serviço de seu próprio país (tanto o pai quanto a mãe) ou que

um deles esteja apenas acompanhando o cônjuge (esposa acompanhando o seu marido

cônsul, por ex.).

Assim, por exemplo, no caso de um cônsul italiano a serviço do seu país que, no Brasil,

tem um filho com uma brasileira que conhece aqui mesmo, esse filho será considerado

brasileiro nato, pois a situação não se encaixa na situação acima.

b) Jus sanguinis (art. 12, I, “b”, e “c”, CF/88):

173

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Art. 12. São brasileiros:

I - natos:

b) os nascidos no estrangeiro, de pai brasileiro ou mãe brasileira, desde que qualquer

deles esteja a serviço da República Federativa do Brasil; - CRITÉRIO JUS SANGUINIS +

FUNCIONAL.

c) os nascidos no estrangeiro de pai brasileiro ou de mãe brasileira, desde que sejam

registrados em repartição brasileira competente ou venham a residir na República

Federativa do Brasil e optem, em qualquer tempo, depois de atingida a maioridade,

pela nacionalidade brasileira; (Redação dada pela Emenda Constitucional nº 54, de

2007) – CRITÉRIO JUS SANGUINIS + REGISTRO OU OPÇÃO.

Leva em consideração a filiação do indivíduo, ou seja, a sua ascendência. Esse critério

deve ser conjugado com algum outro requisito. Ou seja, se o indivíduo não nasce no Brasil, ele

ainda pode ser considerado brasileiro nato, desde que tenha ascendência brasileira (pai ou

mãe brasileiros) e mais:

Critério funcional : pai OU mãe a serviço do Brasil.

Critério residencial + opção : indivíduo vem morar no Brasil e opta pela

nacionalidade brasileira.

Até 2007, a CF/88 somente adotava esses dois requisitos a serem conjugados com o

critério sanguíneo. Veio, então, a EC 54/07, acrescentando uma outra hipótese para a aquisição

da nacionalidade brasileira. Essa nova hipótese exige, apenas, o critério sanguíneo + registro

na repartição competente. Se os pais não quiserem fazer o registro, a criança não será um

brasileiro nato, porém, atingida a maioridade ou vindo a residir no Brasil, poderá optar pela

nacionalidade brasileira (adota-se, nesse caso, o critério residencial + opção).

A adoção é um critério consagrado pela Constituição para a aquisição da nacionalidade

brasileira? Há divergência doutrinária. Parte da doutrina sustenta que a adoção não pode ser

utilizada como critério de atribuição da nacionalidade originária, pois a Constituição traz um rol

taxativo (Valério Mazzuoli). Todavia, há quem entenda, a partir do disposto no art. 227, §6º, da

CF/88148, que, no caso de adoção, deve ser reconhecida a nacionalidade brasileira originária

(Alexandre de Moraes).

148 § 6º - Os filhos, havidos ou não da relação do casamento, ou por adoção, terão os mesmos direitos e

qualificações, proibidas quaisquer designações discriminatórias relativas à filiação.174

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1.2. NACIONALIDADE SECUNDÁRIA OU ADQUIRIDA

Nessa situação, estamos falando dos brasileiros naturalizados, caso em que o indivíduo

adquire a nacionalidade brasileira por opção.

Existem dois tipos de naturalização: tácita e expressa.

a) Naturalização tácita (ou grande naturalização):

O indivíduo deve declarar expressamente que não quer a nacionalidade do país onde

reside, caso contrário, adquirirá a nacionalidade tacitamente. Essa hipótese geralmente é

utilizada nos países em formação (foi adotada, inclusive, nas Constituições de 1824 e 1891). A

CF/88, vale dizer, não adota esse tipo de naturalização.

b) Naturalização expressa (art. 12, II, CF/88):

Art. 12. São brasileiros:

II - naturalizados:

a) os que, na forma da lei, adquiram a nacionalidade brasileira, exigidas aos

originários de países de língua portuguesa apenas residência por um ano

ininterrupto e idoneidade moral; - NATURALIZAÇÃO ORDINÁRIA.

b) os estrangeiros de qualquer nacionalidade, residentes na República Federativa do

Brasil há mais de quinze anos ininterruptos e sem condenação penal, desde que

requeiram a nacionalidade brasileira.(Redação dada pela Emenda Constitucional de

Revisão nº 3, de 1994) – NATURALIZAÇÃO EXTRAORDINÁRIA OU QUINZENAL.

A naturalização expressa pode ser:

1) Ordinária :

Na forma da lei (Estatuto do Estrangeiro);

Pessoa originária de país de língua portuguesa + residência ininterrupta por

01 ano + idoneidade moral.

175

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No caso da naturalização ordinária, em ambas as formas, por se tratar de um ato de

soberania estatal, não há direito público subjetivo à aquisição da nacionalidade . Trata-se,

portanto, de um ato discricionário do governo brasileiro.

2) Extraordinária (ou quinzenária):

15 anos de residência ininterrupta + sem condenação penal + opção

pela nacionalidade brasileira.

Segundo o entendimento do STF, em razão da expressão utilizada no dispositivo (“desde

que requeiram”), há um direito subjetivo à aquisição da nacionalidade quando os requisitos

são cumpridos. Trata-se, portanto, de um ato vinculado do governo brasileiro (ou seja, o

Estado brasileiro não pode se recusar a conceder a nacionalidade brasileira a quem a requerer

nessa situação).

1.3. “QUASE-NACIONALIDADE” (ART. 12, §1º, CF/88)

§ 1º Aos portugueses com residência permanente no País, se houver reciprocidade

em favor de brasileiros, serão atribuídos os direitos inerentes ao brasileiro, salvo os

casos previstos nesta Constituição.(Redação dada pela Emenda Constitucional de

Revisão nº 3, de 1994)

Nessa situação, a pessoa não tem a nacionalidade brasileira, mas tem os mesmos

direitos de um brasileiro. Essa hipótese só é permitida para os portugueses. Ademais, para que

os portugueses, aqui no Brasil, tenham os mesmos direitos que os brasileiros, é necessário que

haja reciprocidade de Portugal (ou seja, neste país, os brasileiros também devem ter os

mesmos direitos que os portugueses).

Ocorre que não são todos os direitos dos brasileiros que são atribuídos aos

portugueses. Isso porque a própria Constituição pode estabelecer exceções (que são os

direitos previstos apenas ao brasileiro nato).

Destarte, o referido dispositivo deve ser interpretado da seguinte forma:

176

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Os portugueses têm os mesmos direitos do brasileiro naturalizado, desde que

haja reciprocidade;

Os portugueses e os brasileiros naturalizados não têm os mesmos direitos do

brasileiro nato, nos casos estabelecidos pela Constituição, ainda que haja

reciprocidade.

2. DIFERENÇAS DE TRATAMENTO ENTRE BRASILEIRO NATO E NATURALIZADO

Inicialmente, cumpre destacar que a Constituição veda, expressamente, que a lei

estabeleça diferença de tratamento entre brasileiro nato e naturalizado . Somente a

Constituição pode fazê-lo (cabe à lei, apenas, regulamentar as distinções trazidas pela CF/88).

Previsão no art. 12, §2º, da CF/88:

§ 2º - A lei não poderá estabelecer distinção entre brasileiros natos e naturalizados,

salvo nos casos previstos nesta Constituição.

Nesse contexto, temos que a CF/88 traz quatro tipos de tratamento diferenciado:

Cargos (art. 12, §3º);

06 assentos no Conselho da República (art. 89, VII);

Propriedade de empresa jornalística e de radiodifusão (art. 222);

Extradição (art. 5º, LI).

2.1. CARGOS PRIVATIVOS DE BRASILEIRO NATO (ART. 12, §3º, CF/88)

A CF/88 atribuiu dois critérios para definir os cargos privativos de brasileiro nato:

Linha sucessória do Presidente da República (qualquer pessoa que possa,

eventualmente, ocupar este cargo);

Segurança nacional .

Vejamos o que diz o art. 12, §3º, da CF/88:

§ 3º - São privativos de brasileiro nato os cargos:

177

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I - de Presidente e Vice-Presidente da República;

II - de Presidente da Câmara dos Deputados;

III - de Presidente do Senado Federal;

IV - de Ministro do Supremo Tribunal Federal;

V - da carreira diplomática;

VI - de oficial das Forças Armadas.

VII - de Ministro de Estado da Defesa.

Presidente do CNJ deve ser brasileiro nato? Sim, porque esse cargo é ocupado pelo

Presidente do STF (art. 103-B, §1º, CF/88149), cujo Ministro deve ser brasileiro nato, nos termos

do inciso IV, acima.

2.2. SEIS ASSENTOS DO CONSELHO DA REPÚBLICA (ART. 89, VII, CF/88)

Art. 89. O Conselho da República é órgão superior de consulta do Presidente da

República, e dele participam:

VII - seis cidadãos brasileiros natos, com mais de trinta e cinco anos de idade, sendo

dois nomeados pelo Presidente da República, dois eleitos pelo Senado Federal e dois

eleitos pela Câmara dos Deputados, todos com mandato de três anos, vedada a

recondução.

2.3. PROPRIEDADE DE EMPRESA JORNALÍSTICA E DE RADIODIFUSÃO (ART. 222, CF/88)

Art. 222. A propriedade de empresa jornalística e de radiodifusão sonora e de sons e

imagens é privativa de brasileiros natos ou naturalizados há mais de dez anos , ou de

pessoas jurídicas constituídas sob as leis brasileiras e que tenham sede no País.

(Redação dada pela Emenda Constitucional nº 36, de 2002)

2.4. EXTRADIÇÃO (ART. 5º, LI, CF/88)

149 § 1º O Conselho será presidido pelo Presidente do Supremo Tribunal Federal e, nas suas ausências e

impedimentos, pelo Vice-Presidente do Supremo Tribunal Federal. (Redação dada pela Emenda Constitucional nº

61, de 2009)178

Qualquer um deles pode ocupar o cargo de Presid. da República.

Autoridades ligadas à segurança nacional.

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LI - nenhum brasileiro será extraditado, salvo o naturalizado, em caso de crime

comum, praticado antes da naturalização, ou de comprovado envolvimento em

tráfico ilícito de entorpecentes e drogas afins, na forma da lei;

O brasileiro nato jamais será extraditado (diz o STF, inclusive, que se trata de direito

absoluto). Por outro lado, o brasileiro naturalizado pode ser extraditado em duas hipóteses:

Crime comum praticado antes da naturalização;

Comprovado envolvimento em tráfico de drogas (crime anterior ou posterior à

naturalização).

3. PERDA DA NACIONALIDADE (ART. 12, §4º, CF/88)

§ 4º - Será declarada a perda da nacionalidade do brasileiro que:

I - tiver cancelada sua naturalização, por sentença judicial, em virtude de atividade

nociva ao interesse nacional; - BRASILEIRO NATURALIZADO, APENAS.

II - adquirir outra nacionalidade, salvo nos casos: (Redação dada pela Emenda

Constitucional de Revisão nº 3, de 1994)

a) de reconhecimento de nacionalidade originária pela lei estrangeira; (Incluído pela

Emenda Constitucional de Revisão nº 3, de 1994) – BRASILEIRO NATO, APENAS.

b) de imposição de naturalização, pela norma estrangeira, ao brasileiro residente em

estado estrangeiro, como condição para permanência em seu território ou para o

exercício de direitos civis; (Incluído pela Emenda Constitucional de Revisão nº 3, de

1994) – BRASILEIRO NATO OU NATURALIZADO.

A CF/88 traz duas hipóteses em que o brasileiro pode perder a sua nacionalidade:

a) Ação de cancelamento da naturalização :

Essa hipótese somente se aplica ao brasileiro naturalizado, pois a CF/88 fala em

“cancelada a naturalização”. Ocorrerá, como mencionado, na hipótese de cancelamento da

naturalização, por sentença judicial, em virtude de atividade nociva ao interesse nacional.

b) Naturalização voluntária : 179

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Aplica-se tanto ao brasileiro nato quanto ao brasileiro naturalizado. Haverá perda da

nacionalidade quanto, voluntariamente, o brasileiro opte por outra nacionalidade. Existem

duas exceções, entretanto, em que não haverá a perda da nacionalidade brasileira mesmo no

caso de opção por outra, quais sejam:

Reconhecimento de nacionalidade originária pela lei estrangeira : assim, por

exemplo, se a Itália admitir a dupla cidadania, o indivíduo permanecerá com a

sua nacionalidade brasileira e adquirirá a italiana. Ressalte-se que essa hipótese

só se aplica ao brasileiro nato.

Imposição de naturalização, pela norma estrangeira, ao brasileiro residente em

estado estrangeiro, como condição para permanência em seu território ou para

o exercício de direitos civis: nesse caso, o outro país está impondo que a pessoa

adquira a sua nacionalidade, ou para permanecer no país, ou para exercer

direitos civis. Aplica-se ao brasileiro nato e também ao brasileiro naturalizado

(ficará com as duas nacionalidades).

Quando a pessoa perde a nacionalidade brasileira voluntariamente, é possível que ela

seja readquirida posteriormente. Essa reaquisição, entretanto, será na qualidade de brasileiro

nato ou naturalizado? Em que pese o entendimento adotado por José Afonso da Silva, a

maioria da doutrina entende que, quando um brasileiro nato perde a sua nacionalidade, ele

só pode readquiri-la através da naturalização (ou seja, ele será brasileiro naturalizado, e não

mais brasileiro nato).

180

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- DIREITOS POLÍTICOS -

1. ESPÉCIES

1.1. DIREITOS POLÍTICOS POSITIVOS

São aqueles que conferem ao indivíduo a participação na vida política do Estado

(votar, ser votado, participar de plebiscito, referendo, iniciativa popular etc.). A CF/88 prevê

três espécies de direitos políticos positivos, quais sejam:

a) Direito de sufrágio : é a essência do direito político150.

Sufrágio universal : adotado pelo Brasil. Frise-se que as condições previstas na

Constituição não fazem que o sufrágio seja restrito; tais condições são apenas

requisitos formais.

Sufrágio restrito :

o Capacitário : leva em consideração alguma capacidade do indivíduo (ex.:

capacidade intelectual – somente pessoas com nível superior podem

votar).

o Censitário : leva em consideração alguma condição econômica (ex.:

Constituição de 1824).

o Sexo : no Brasil, por exemplo, as mulheres só começaram a votar a partir

da reforma eleitoral de 1934.

150 Lembre-se que o sufrágio é a essência do direito político; o voto é o exercício do direito de sufrágio; e o

escrutínio é o modo como esse exercício se realiza (secreto).181

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b) Alistabilidade : capacidade eleitoral ativa (direito de votar).

São características do voto:

Direto : excepcionalmente, entretanto, o voto pode ser indireto, no caso do art.

89, §1º, da CF/88151 - quando a vacância do cargo de Presidente e Vice-

Presidente da República ocorre nos dois últimos anos do mandato, haverá uma

eleição para ambos os cargos, feita pelo Congresso Nacional (ou seja,

indiretamente).

Igual para todos : o voto tem o mesmo valor para todo mundo.

Periódico : a periodicidade do voto é uma consequência da periodicidade das

eleições, que é uma característica da República.

Livre : o escrutínio secreto visa, justamente, à liberdade do voto, ou seja, para

que a pessoa vote em quem ela quiser.

Personalíssimo : somente a própria pessoa pode exercer o direito, não pode ser

transferido a terceiros.

Além das características acima, o voto (e o alistamento) são obrigatórios para uns e

facultativos para outros, senão vejamos (art. 14, §1º, CF/88152):

Voto e alistamento obrigatórios : eleitores entre 18 e 70 anos.

Voto e alistamento facultativos : eleitores entre 16 e 18 anos; eleitores acima de

70 anos; analfabetos.

151 § 1º - Ocorrendo a vacância nos últimos dois anos do período presidencial, a eleição para ambos os cargos

será feita trinta dias depois da última vaga, pelo Congresso Nacional, na forma da lei.152 § 1º - O alistamento eleitoral e o voto são:

I - obrigatórios para os maiores de dezoito anos;

II - facultativos para:

a) os analfabetos;

b) os maiores de setenta anos;

c) os maiores de dezesseis e menores de dezoito anos.182

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Existem, ainda, algumas pessoas que são inalistáveis, quais sejam (art. 14, §2º, CF/88153):

Estrangeiros (a única exceção que poderá ocorrer, se houver reciprocidade, é

com relação aos portugueses);

Conscritos, durante o período do serviço militar obrigatório (a lei estende o

conceito de conscrito aos médicos, dentistas, farmacêuticos e veterinários que

estejam prestando serviço militar obrigatório – art. 4º, Lei 5.292/67154).

c) Elegibilidade : capacidade eleitoral passiva (direito de ser votado).

No Brasil, a chamada “plena cidadania” é adquirida com 35 anos, porque é com esta

idade mínima que a pessoa poderá concorrer aos cargos de Presidente/Vice-Presidente da

República e Senador. As condições de elegibilidade estão previstas no art. 14, §3º, da CF/88,

senão vejamos:

§ 3º - São condições de elegibilidade, na forma da lei:

I - a nacionalidade brasileira;

II - o pleno exercício dos direitos políticos;

III - o alistamento eleitoral;

IV - o domicílio eleitoral na circunscrição;

V - a filiação partidária;

VI - a idade mínima de:

a) trinta e cinco anos para Presidente e Vice-Presidente da República e Senador;

b) trinta anos para Governador e Vice-Governador de Estado e do Distrito Federal;

c) vinte e um anos para Deputado Federal, Deputado Estadual ou Distrital, Prefeito,

Vice-Prefeito e juiz de paz;

d) dezoito anos para Vereador.

153 § 2º - Não podem alistar-se como eleitores os estrangeiros e, durante o período do serviço militar obrigatório,

os conscritos.154 Art. 4o Os concluintes dos cursos nos IEs destinados à formação de médicos, farmacêuticos, dentistas e

veterinários que não tenham prestado o serviço militar inicial obrigatório no momento da convocação de sua

classe, por adiamento ou dispensa de incorporação, deverão prestar o serviço militar no ano seguinte ao da

conclusão do respectivo curso ou após a realização de programa de residência médica ou pós-graduação, na forma

estabelecida pelo caput e pela alínea ‘a’ do parágrafo único do art. 3o, obedecidas as demais condições fixadas

nesta Lei e em sua regulamentação. (Redação dada pela Lei nº 12.336, de 2010)183

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A idade mínima, vale dizer, é exigida no momento da posse, nos termos do art. 11, §2º,

Lei 9.504/97155. Todas as demais condições de elegibilidade e hipóteses de inelegibilidade são

exigidas no momento do registro da candidatura.

No que se refere à nacionalidade brasileira, atente-se que um Deputado Federal ou um

Senador pode ser brasileiro naturalizado, todavia ele não poderá ocupar a Presidência da Casa,

que é cargo privativo de brasileiro nato.

1.2. DIREITOS POLÍTICOS NEGATIVOS

São aqueles que impedem ou restringem a participação do indivíduo na vida política

do Estado. Possuem as seguintes espécies:

a) Inelegibilidades :

Absolutas : só podem ser estabelecidas pela Constituição. Ainda, não admitem a

descompatibilização. São absolutamente inelegíveis (art. 14, §4º, CF/88156):

o Inalistáveis (estrangeiros e conscritos);

o Analfabetos.

Relativas : podem ser estabelecidas tanto pela Constituição quanto por lei.

Ainda, em alguns casos, permite-se a descompatibilização. Vejamos algumas

inelegibilidades relativas:

o Em relação a cargos :

Eletivos : cargos do Poder Executivo.

Se quiser concorrer ao mesmo cargo do Poder Executivo :

pode se candidatar, uma única vez, à reeleição (art. 14,

155 § 2º A idade mínima constitucionalmente estabelecida como condição de elegibilidade é verificada tendo por

referência a data da posse.156 § 4º - São inelegíveis os inalistáveis e os analfabetos.

184

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§5º, CF/88157). No RE 366.488/SP, o STF entendeu que a

simples substituição não deve ser computada para fins de

reeleição158.

Se quiser concorrer a cargo diferente : deve haver a

descompatibilização 06 meses antes (art. 14, §6º,

CF/88159).

Não eletivos :

157 § 5º O Presidente da República, os Governadores de Estado e do Distrito Federal, os Prefeitos e quem os

houver sucedido, ou substituído no curso dos mandatos [CARGOS DO PODER EXECUTIVO] poderão ser reeleitos

para um único período subseqüente. (Redação dada pela Emenda Constitucional nº 16, de 1997)158 EMENTA: CONSTITUCIONAL. ELEITORAL. VICE-GOVERNADOR ELEITO DUAS VEZES CONSECUTIVAS: EXERCÍCIO

DO CARGO DE GOVERNADOR POR SUCESSÃO DO TITULAR: REELEIÇÃO: POSSIBILIDADE. CF, art. 14, § 5º. I. - Vice-

governador eleito duas vezes para o cargo de vice-governador. No segundo mandato de vice, sucedeu o titular.

Certo que, no seu primeiro mandato de vice, teria substituído o governador. Possibilidade de reeleger-se ao

cargo de governador, porque o exercício da titularidade do cargo dá-se mediante eleição ou por sucessão.

Somente quando sucedeu o titular é que passou a exercer o seu primeiro mandato como titular do cargo. II. -

Inteligência do disposto no § 5º do art. 14 da Constituição Federal. III. - RE conhecidos e improvidos. (RE 366488 /

SP - SÃO PAULO - RECURSO EXTRAORDINÁRIO - Relator(a): Min. CARLOS VELLOSO - Julgamento: 04/10/2005 -

Órgão Julgador: Segunda Turma)

INFORMATIVO 404: A Turma manteve acórdão do TSE que, aplicando a orientação consubstanciada na Resolução

21.026/2002 daquela Corte, entendera que Vice-Governador eleito por duas vezes consecutivas, que sucede o

titular no segundo mandato, pode reeleger-se ao cargo de Governador, por ser o atual mandato o primeiro

como titular do Executivo estadual. Sustentava-se, na espécie, ofensa ao art. 14, § 5º, da CF (“O Presidente da

República, os Governadores de Estado e do Distrito Federal, os Prefeitos e quem os houver sucedido ou

substituído no curso dos mandatos poderão ser reeleitos para um único período subseqüente.”), sob a alegação de

que o recorrido seria inelegível para o terceiro mandato subseqüente, haja vista que, eleito duas vezes para o

cargo de Vice-Governador, tendo substituído o Governador no primeiro mandato e o sucedido no segundo, não

poderia pleitear a reeleição. Diferenciando substituição de sucessão, esta pressupondo vacância e aquela,

impedimento do titular, rejeitou-se a alegada violação, tendo em conta que o recorrido somente exercera o

cargo de Governador, em sua plenitude, em sucessão ao titular, quando cumpria o segundo mandato eletivo,

sendo possível sua candidatura para um segundo mandato de Governador. Leia o inteiro teor do voto do relator

na seção Transcrições deste Informativo. RE 366488/SP, rel. Min. Carlos Velloso, 4.10.2005.159 § 6º - Para concorrerem a outros cargos, o Presidente da República, os Governadores de Estado e do Distrito

Federal e os Prefeitos devem renunciar aos respectivos mandatos até seis meses antes do pleito.185

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Militares (art. 14, §8º, CF/88160);

Juízes (art. 95, p. único, III, CF/88161).

Membros do Ministério Público (art. 128, §5º, II, “e”,

CF/88162).

o Em razão do parentesco (inelegibilidade reflexa) : cônjuge ou parentes

consanguíneos/afins até o 2ª grau, ou por adoção, de algum chefe do

Pode Executivo. Essa inelegibilidade, ainda, só atingirá tais parentes se

eles não forem titulares de mandato eletivo, e também só se aplica no

território de jurisdição do titular (art. 14, §7º, CF/88163). Ex.: a filha de

Dilma Roussef não poderá se candidatar a qualquer cargo eletivo, salvo

se ela renunciar 06 meses antes; o irmão do Governador não pode se

candidatar a nenhum cargo eletivo dentro do respectivo Estado (ou

relacionado a ele, como, por exemplo, Deputado Federal ou Senador),

mas pode, por exemplo, se candidatar a Presidente da República ou a

Senador de outro estado. Se o parente, entretanto, já for titular de

mandato eletivo, pode se candidatar à reeleição. Entende o TSE que,

160 § 8º - O militar alistável é elegível, atendidas as seguintes condições:

I - se contar menos de dez anos de serviço, deverá afastar-se da atividade;

II - se contar mais de dez anos de serviço, será agregado pela autoridade superior e, se eleito, passará

automaticamente, no ato da diplomação, para a inatividade.161 Parágrafo único. Aos juízes é vedado:

III - dedicar-se à atividade político-partidária.162§ 5º - Leis complementares da União e dos Estados, cuja iniciativa é facultada aos respectivos Procuradores-

Gerais, estabelecerão a organização, as atribuições e o estatuto de cada Ministério Público, observadas,

relativamente a seus membros:

II - as seguintes vedações:

e) exercer atividade político-partidária; (Redação dada pela Emenda Constitucional nº 45, de 2004)163 § 7º - São inelegíveis, no território de jurisdição do titular, o cônjuge [ABRANGE O COMPANHEIRO E

CASAMENTO APENAS RELIGIOSO] e os parentes consangüíneos ou afins, até o segundo grau ou por adoção

[ABRANGE OS FILHOS DE CRIAÇÃO], do Presidente da República, de Governador de Estado ou Território, do

Distrito Federal, de Prefeito ou de quem os haja substituído dentro dos seis meses anteriores ao pleito , salvo se

já titular de mandato eletivo e candidato à reeleição.186

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havendo a possibilidade de reeleição para o titular, se este se afastar

até 06 meses antes das eleições, o cônjuge ou os parentes poderão

concorrer a outros cargos ou, até mesmo, à reeleição permitida para o

titular. Ex.: Anthony Garotinho foi eleito Governador do RJ em 1998, e

Benedita da Silva foi eleita Vice-Governadora; em 2002, Garotinho se

candidatou à Presidência da República, renunciando ao cargo de

Governador 06 meses antes, portanto; como ele poderia se candidatar à

reeleição, o cônjuge ou seus parentes poderiam concorrer no lugar dele,

e foi o que ocorreu, pois a sua esposa, Rosinha Garotinho se candidatou

ao cargo de Governador do RJ, e foi eleita; nessa hipótese, entretanto,

Rosinha Garotinho está exercendo um segundo mandato, não podendo

se candidatar à reeleição (nem ela e nem o seu cônjuge e parentes).

o Outras hipóteses de inelegibilidade trazidas por lei complementar (LC

64/90). Em 2010, vale dizer, essa lei foi alterada pela LC 135/10, a famosa

“Lei da Ficha Limpa”. No RE 633.703, o STF entendeu que a aplicação

dessa lei às eleições de 2010 violaria o princípio da anterioridade

eleitoral (art. 16, CF/88 – cláusula pétrea)164. A Lei da Ficha Limpa será

164 LEI COMPLEMENTAR 135/2010, DENOMINADA LEI DA FICHA LIMPA. INAPLICABILIDADE ÀS ELEIÇÕES GERAIS

2010. PRINCÍPIO DA ANTERIORIDADE ELEITORAL (ART. 16 DA CONSTITUIÇÃO DA REPÚBLICA). I. O PRINCÍPIO DA

ANTERIORIDADE ELEITORAL COMO GARANTIA DO DEVIDO PROCESSO LEGAL ELEITORAL. O pleno exercício de

direitos políticos por seus titulares (eleitores, candidatos e partidos) é assegurado pela Constituição por meio de

um sistema de normas que conformam o que se poderia denominar de devido processo legal eleitoral. Na medida

em que estabelecem as garantias fundamentais para a efetividade dos direitos políticos, essas regras também

compõem o rol das normas denominadas cláusulas pétreas e, por isso, estão imunes a qualquer reforma que vise a

aboli-las. O art. 16 da Constituição, ao submeter a alteração legal do processo eleitoral à regra da anualidade,

constitui uma garantia fundamental para o pleno exercício de direitos políticos . Precedente: ADI 3.685, Rel. Min.

Ellen Gracie, julg. em 22.3.2006. A LC 135/2010 interferiu numa fase específica do processo eleitoral, qualificada

na jurisprudência como a fase pré-eleitoral, que se inicia com a escolha e a apresentação das candidaturas pelos

partidos políticos e vai até o registro das candidaturas na Justiça Eleitoral. Essa fase não pode ser delimitada

temporalmente entre os dias 10 e 30 de junho, no qual ocorrem as convenções partidárias, pois o processo político

de escolha de candidaturas é muito mais complexo e tem início com a própria filiação partidária do candidato, em

outubro do ano anterior. A fase pré-eleitoral de que trata a jurisprudência desta Corte não coincide com as datas 187

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aplicada, pela primeira, às eleições de 2012. Ainda, o STF entendeu que

essa lei não viola nem o princípio da irretroatividade, nem o princípio da

presunção de inocência (ADC 2.930; ADI 4.578).

b) Perda ou suspensão de direitos políticos (art. 15, CF/88):

de realização das convenções partidárias. Ela começa muito antes, com a própria filiação partidária e a fixação de

domicílio eleitoral dos candidatos, assim como o registro dos partidos no Tribunal Superior Eleitoral. A competição

eleitoral se inicia exatamente um ano antes da data das eleições e, nesse interregno, o art. 16 da Constituição

exige que qualquer modificação nas regras do jogo não terá eficácia imediata para o pleito em curso . II. O

PRINCÍPIO DA ANTERIORIDADE ELEITORAL COMO GARANTIA CONSTITUCIONAL DA IGUALDADE DE CHANCES. Toda

limitação legal ao direito de sufrágio passivo, isto é, qualquer restrição legal à elegibilidade do cidadão constitui

uma limitação da igualdade de oportunidades na competição eleitoral. Não há como conceber causa de

inelegibilidade que não restrinja a liberdade de acesso aos cargos públicos, por parte dos candidatos, assim como a

liberdade para escolher e apresentar candidaturas por parte dos partidos políticos. E um dos fundamentos

teleológicos do art. 16 da Constituição é impedir alterações no sistema eleitoral que venham a atingir a igualdade

de participação no prélio eleitoral. III. O PRINCÍPIO DA ANTERIORIDADE ELEITORAL COMO GARANTIA

CONSTITUCIONAL DAS MINORIAS E O PAPEL DA JURISDIÇÃO CONSTITUCIONAL NA DEMOCRACIA. O princípio da

anterioridade eleitoral constitui uma garantia fundamental também destinada a assegurar o próprio exercício

do direito de minoria parlamentar em situações nas quais, por razões de conveniência da maioria, o Poder

Legislativo pretenda modificar, a qualquer tempo, as regras e critérios que regerão o processo eleitoral. A

aplicação do princípio da anterioridade não depende de considerações sobre a moralidade da legislação. O art.

16 é uma barreira objetiva contra abusos e desvios da maioria, e dessa forma deve ser aplicado por esta Corte. A

proteção das minorias parlamentares exige reflexão acerca do papel da Jurisdição Constitucional nessa tarefa. A

Jurisdição Constitucional cumpre a sua função quando aplica rigorosamente, sem subterfúgios calcados em

considerações subjetivas de moralidade, o princípio da anterioridade eleitoral previsto no art. 16 da

Constituição, pois essa norma constitui uma garantia da minoria, portanto, uma barreira contra a atuação

sempre ameaçadora da maioria. IV. RECURSO EXTRAORDINÁRIO CONHECIDO E PROVIDO. Recurso extraordinário

conhecido para: a) reconhecer a repercussão geral da questão constitucional atinente à aplicabilidade da LC

135/2010 às eleições de 2010, em face do princípio da anterioridade eleitoral (art. 16 da Constituição), de modo a

permitir aos Tribunais e Turmas Recursais do país a adoção dos procedimentos relacionados ao exercício de

retratação ou declaração de inadmissibilidade dos recursos repetitivos, sempre que as decisões recorridas

contrariarem ou se pautarem pela orientação ora firmada. b) dar provimento ao recurso, fixando a não

aplicabilidade da Lei Complementar n° 135/2010 às eleições gerais de 2010. (RE 633703 / MG - MINAS GERAIS - 188

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Art. 15. É vedada a cassação de direitos políticos, cuja perda ou suspensão só se dará

nos casos de:

I - cancelamento da naturalização por sentença transitada em julgado;

II - incapacidade civil absoluta;

III - condenação criminal transitada em julgado, enquanto durarem seus efeitos;

IV - recusa de cumprir obrigação a todos imposta ou prestação alternativa, nos termos

do art. 5º, VIII;

V - improbidade administrativa, nos termos do art. 37, § 4º.

A CF/88 veda a cassação dos direitos políticos (supressão arbitrária), todavia é possível

a sua perda (definitiva) ou suspensão (temporária).

São hipóteses de perda dos direitos políticos:

Cancelamento da naturalização por sentença transitada em julgado.

Recusa de cumprir obrigação a todos imposta ou prestação alternativa, nos

termos do art. 5º, VIII.

São hipóteses de suspensão dos direitos políticos:

Incapacidade civil absoluta.

Condenação criminal transitada em julgado, enquanto durarem seus efeitos.

Improbidade administrativa, nos termos do art. 37, §4º, da CF/88.

RECURSO EXTRAORDINÁRIO - Relator(a): Min. GILMAR MENDES - Julgamento: 23/03/2011 - Órgão Julgador:

Tribunal Pleno)189

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- ORGANIZAÇÃO DO ESTADO -

1. DISTINÇÕES PRELIMINARES

1.1. FORMAS DE GOVERNO

1.1.1. REPÚBLICA

Traz a ideia de governo da maioria. Tem como características:

Responsabilidade política dos governantes (os chefes do poder respondem

tanto por crimes comuns quanto por crimes de responsabilidade);

Eletividade (o poder político é adquirido pelo voto);

Temporariedade (os governantes são eleitos para ficar no poder por

determinado período de tempo; há, portanto, uma alternância de poder).

Há autores que defendem ser a república uma cláusula pétrea (após a realização do

plebiscito em 1993). Não se trata, todavia, de entendimento pacífico. De todo modo, certo é

que a república não é considerada, expressamente, como cláusula pétrea pela CF/88.

1.1.2. MONARQUIA

Traz a ideia de governo de indivíduos. Tem como características:

Irresponsabilidade política do monarca ;

Hereditariedade (o poder não é adquirido através do voto, mas em razão da

ascendência).

Vitaliciedade (o monarca fica no cargo até a sua morte ou até não ter mais

condições de nele permanecer).

190

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Até o final do século XVIII, as Monarquias eram predominantes na Europa. A partir do

século XIX, as Revoluções Liberais mudaram esse quadro, a exemplo do que ocorreu com os

Estados Unidos e com a França.

1.2. SISTEMAS DE GOVERNO

Os sistemas de governo são mecanismos de distribuição horizontal do poder.

1.2.1. PRESIDENCIALISMO

O presidencialismo traduz uma das contribuições da experiência norte-americana. Surge

com a Constituição Americana de 1787. No Brasil, o presidencialismo é adotado desde 1889,

após a proclamação da República. (ressalte-se, entretanto, que, entre 1961 e 1963, houve uma

interrupção do sistema presidencialista no país).

O presidencialismo surgiu com o objetivo de substituir a figura do monarca pela figura

do Presidente. Esse sistema, assim, é incompatível com a monarquia.

São características do sistema presidencialista:

As figuras do Chefe de Governo e do Chefe de Estado estão reunida em uma só

pessoa (que é o Presidente da República). No caso do Brasil, por exemplo, a

Dilma Roussef atua tanto como Chefe de Governo (atuação interna) quanto

como Chefe de Estado (atuação externa).

Em regra, o Presidente é eleito diretamente ;

O mandato tem prazo certo de duração . Isso significa dizer que não pode haver

destituição do cargo em razão da perda de apoio político. O Presidente somente

perderá o mandato quando condenado pela prática de crime comum ou de

responsabilidade (irresponsabilidade penal relativa – art. 86, §4º, CF/88).

1.2.2. PARLAMENTARISMO

191

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O parlamentarismo tem origem na Inglaterra, no século XVIII. Tem como principais

características:

Divisão das funções: o Chefe de Estado é um; o Chefe de Governo é outro .

o Chefe de Estado : se a forma de governo adotada for a republicana

(parlamentarismo republicano), o Chefe de Estado será o Presidente da

República (ex.: Alemanha; Áustria; África do Sul; Coreia do Sul; Índia etc.).

Se a forma de governo for a monarquia (parlamentarismo monárquico), o

Chefe de Estado será um monarca (ex.: Reino Unido; Japão; Espanha

etc.).O Chefe de Estado tem funções meramente protocolares, de

representação.

o Chefe de Governo : é o Primeiro-Ministro, escolhido pelo Parlamento; é

quem realmente manda. Governará com a ajuda do “Gabinete”

(equivalente aos ministérios do presidencialismo). O Primeiro-Ministro

não tem mandato por prazo certo; governa enquanto tiver o apoio do

Parlamento (se perder o apoio político, recebe o chamado voto ou

moção de desconfiança).

1.2.3. SEMIPARLAMENTARISMO OU SEMIPRESIDENCIALISMO

Esse sistema surgiu com a Constituição Francesa de 1958 (a que instalou a 5ª República

Francesa). Hoje, ele também é adotado em Portugal, Polônia, Colômbia etc.

Assim como no parlamentarismo, teremos a divisão do Chefe de Estado e do Chefe de

Governo em duas pessoas:

O Chefe de Estado, necessariamente, será o Presidente da República, que é

eleito diretamente (em regra).

O Chefe de Governo é o Primeiro-Ministro, que governa com o auxílio do

“Gabinete”. Ainda, ele é escolhido pelo Presidente (e não pelo Parlamento).

No semiparlamentarismo, o Presidente da República não exerce apenas funções

protocolares. A ele são atribuídas importantes funções políticas, tais como apresentar projetos

192

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de lei, exercer o comando das Forças Armadas, conduzir a política externa, submeter leis ao

controle de constitucionalidade e escolher o Primeiro-Ministro.

Frise-se que tanto a investidura quanto a permanência do Primeiro-Ministro

dependem do apoio do Parlamento, não obstante ele seja escolhido pelo Presidente. Não

existe um prazo fixo de mandato do Primeiro-Ministro. Se perder o apoio político, sofrerá o

voto ou a moção de desconfiança.

1.3. FORMAS DE ESTADO

As formas de Estado são mecanismos de distribuição vertical do poder.

1.3.1. ESTADO SIMPLES OU UNITÁRIO

São características do Estado simples ou unitário:

Existência de apenas um centro de poder sobre a mesma população e o mesmo

território (monismo do poder e centralização política). Hoje em dia, é difícil

encontrar um Estado puramente unitário. O modelo mais comum (pelo menos

na Europa) é o Estado unitário com descentralização político-administrativa

(ex.: França; Espanha; Portugal etc.) – a descentralização administrativa diz

respeito à execução; a descentralização política, por sua vez, abrange dois

aspectos: i) descentralização em relação ao governo (possibilidade de escolha

dos membros do Executivo e do Legislativo); ii) descentralização legislativa. O

Brasil foi um Estado unitário de 1500 até 1889.

1.3.2. ESTADO COMPOSTO

a) Federação:

193

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Federação vem de “foedus”, “foederis”, que significa aliança, pacto ou união. Nesse

sentido, inclusive, o art. 1º da CF/88 (“união indissolúvel”). A maioria da doutrina aponta a

Constituição Norte-Americana de 1787 como a responsável pelo surgimento da federação.

Entretanto, outros autores, baseados em Karl Loewestein, sustentam que nos séculos XIV e XV

já havia formas de Estado federal, ainda que em países de pouca expressão.

b) Confederação:

FEDERAÇÃO CONFEDERAÇÃO

Os Estados-membros são unidos por uma Constituição.

Os Estados são unidos, em regra, por um tratado internacional.

Os Estados-membros são adotados apenas de autonomia.

Os Estados mantém a sua soberania.

Aos Estados é vedado o direito de secessão (sob pena de sofrer intervenção federal - intervenção federal – art. 34, I, CF/88).

É permitido o direito de secessão.

O Estado é voltado para a realização de atividades internas e externas.

O Estado confederal, em regra, fica responsável por assuntos externos (ex.: relações exteriores, política monetária, comércio exterior, defesa, segurança interna).

Os cidadãos possuem uma única cidadania. Os cidadãos possuem a nacionalidade dos Estados aos quais pertencem.

O poder central é dividido em Legislativo, Executivo e Judiciário.

O único órgão comum é o Congresso Confederal.

Além das distinções acima, cumpre destacar que a confederação tem personalidade

jurídica, mas sua capacidade no plano internacional, em regra, é limitada . Assim, por

exemplo, a confederação pode celebrar tratados internacionais, mas não possui as mesmas

competências internacionais de Estados unitários e federativos. Algumas confederações, vale

dizer, se assemelham a organizações internacionais (pois seus laços são mais frouxos). Outras,

por sua vez, possuem laços mais estreitos, o que as aproximam do Estado federal.

2. CARACTERÍSTICAS ESSENCIAIS DO ESTADO FEDERAL

O Estado federal possui três características fundamentais que o diferenciam das outras

formas de Estado, senão vejamos:

194

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a) Descentralização político-administrativa consagrada na Constituição : no caso do

Brasil, inclusive, a forma federativa de Estado é cláusula pétrea.

b) Participação das vontades parciais na formação da vontade nacional : é o chamado

princípio da participação. No caso do Brasil, o Senado é o órgão responsável por

efetivar essa participação (todos os estados têm 03 senadores, não importa se

grande ou pequeno). Quanto aos territórios, a CF/88 estabelece que se trata de

autarquia territorial da União (Governador indicado pelo Presidente). A grande

maioria da doutrina entende que o município é ente federativo; no entanto, mesmo

sendo assim considerado, o município não participa da formação da vontade

nacional (este, inclusive, é um dos argumentos utilizados por José Afonso da Silva

para sustentar que o município não é ente federativo).

c) Capacidade de auto-organização : os estados se organizam por meio da Constituição

Estadual. O Distrito Federal tem a Lei Orgânica Distrital (a natureza da L.O.D. é

equivalente à da Constituição Estadual; existe, inclusive, a possibilidade de controle

concentrado abstrato exercido pelo TJ/DF tendo como parâmetro a lei orgânica do

DF). A lei orgânica municipal, por sua vez, segundo a doutrina majoritária, não tem a

natureza de uma constituição municipal.

Obs. Existe uma distinção doutrinária entre Constituição Federal x Constituição Nacional. A

parte da Constituição que trata especificamente dos interesses da União é denominada de

Constituição Federal (art. 59 e ss.). Já a parte da CF/88 que se refere a todo o Estado brasileiro é

denominada de Constituição Nacional.

2.1. REQUISITOS PARA A MANUTENÇÃO DA FEDERAÇÃO

a) Rigidez constitucional;

b) Imutabilidade da forma federativa de Estado;

c) Controle de constitucionalidade.195

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2.2. SOBERANIA x AUTONOMIA

Soberania é o poder político supremo e independente. “Supremo” porque não

encontra limites no plano interno. “Independente” porque, na ordem internacional, o Estado

não tem de acatar normas que não sejam voluntariamente aceitas e, ainda, porque está em pé

de igualdade com os demais Estados.

Características da soberania:

Una

Indivisível

Inalienável

Imprescritível

A União tem soberania? Não, pois ela é ente federativo; logo, ela tem autonomia.

Atenção: a República Federativa do Brasil (o Estado Brasileiro) tem soberania; a União tem

autonomia, assim como os estados, o DF e os municípios. Quem exerce a soberania em nome

do Estado Brasileiro é a União (mas isso não significa dizer que a União tem soberania).

Autonomia traduz o poder de elaboração de normas próprias. Os entes federativos

brasileiros possuem quatro tipos de autonomia, senão vejamos:

Organização;

Legislativa;

De governo;

Administrativa.

3. REPARTIÇÃO DE COMPETÊNCIAS

O modelo de repartição de competências adotado pela CF/88 é o mesmo adotado na

maioria das federações contemporâneas.

O princípio informador da repartição de competências é o chamado princípio da

predominância do interesse. Assim, assuntos de interesse geral, a competência é da União;

196

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assuntos de interesse regional, a competência é dos estados; assuntos de interesse local, a

competência é dos municípios.

3.1. CRITÉRIOS

a) Campos específicos de competências administrativas e legislativas :

Dentro desses campos específicos é que a CF/88 enumera poderes aos entes. A CF/88,

vale dizer, enumera competências a dois entes, quais sejam:

União : as competências administrativas estão no art. 21 e as legislativas estão no

art. 22 da CF/88. Lembre-se que, em um Estado de Direito, o administrador

público deve obedecer ao princípio da legalidade (só pode agir com base na lei).

Nesse contexto, temos que, quando a Constituição consagra expressamente

uma competência administrativa, em regra, ela atribui ao mesmo ente a

competência legislativa (e vice-versa).

Municípios : as suas competências administrativas e legislativas estão ambas

enumeradas no art. 30 da CF/88.

Frise-se que os Estados-membros não têm os seus poderes enumerados pela CF/88.

Para eles foram atribuídos os chamados poderes remanescentes ou residuais (art. 25, §1º,

CF/88165). Assim, o que não for competência da União nem dos Municípios será da competência

dos Estados.

Obs. A técnica legislativa utilizada pelo poder constituinte originário (“reservadas aos Estados”),

a partir do modelo norte-americano, não é adequada ao federalismo brasileiro, uma vez que

surgiu por segregação, e não por agregação (como aconteceu nos EUA), vale dizer, os Estados-

Membros não possuíam competências originárias, que ficaram “reservadas”, a exemplo destas.

As previsão quanto ao Distrito Federal está no art. 31, §1º, da CF/88, e, em regra, são

as mesmas competências atribuídas ao Estados + Municípios166.

165 § 1º - São reservadas aos Estados as competências que não lhes sejam vedadas por esta Constituição.166 § 1º - Ao Distrito Federal são atribuídas as competências legislativas reservadas aos Estados e Municípios.

197

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b) Possibilidade de delegação :

A grande maioria das competências foi atribuída à União. Por esse motivo, o art. 22, p.

único, da CF/88, traz a possibilidade de que a União delegue algumas delas167. Portanto, cabe à

União delegar as competências. Bem assim, frise-se que a delegação é feita pela União

somente aos Estados. Os Municípios não têm competência delegada.

E quanto ao Distrito Federal? Como o DF possui, em regra, competências dos Estados +

Municípios, o referido dispositivo, implicitamente, inclui o DF como ente possível de receber

competência delegada.

Ainda, cumpre destacar que a União só pode delegar competência mediante lei de

complementar.

COMPETÊNCIAS EXCLUSIVAS COMPETÊNCIAS PRIVATIVAS

Segundo parte da doutrina, são aquelas que não admitem delegação nem competência suplementar.

São competências que podem ser delegadas. Ex.: art. 22 da CF/88 (possibilidade de delegação aos Estados e DF).

Essa diferença teórica, vale dizer, não encontra respaldo na CF/88, que não consagrou em seu texto essa distinção (Fernanda Menezes; Gilmar Mendes).

c) Competências comuns :

Quando as competências são comuns, quer dizer que elas são atribuídas a mais de um

ente federativo. Elas são de ordem administrativa (ex.: art. 23 da CF/88) e atribuídas a todos os

entes da federação (União, Estados, Municípios e DF).

d) Competências concorrentes :

167 Parágrafo único. Lei complementar poderá autorizar os Estados a legislar sobre questões específicas das

matérias relacionadas neste artigo.198

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Quando as competências são concorrentes, quer dizer que elas são atribuídas a mais de

um ente federativo. Elas são de ordem legislativa (ex.: art. 24 da CF/88) e atribuídas apenas à

União, aos Estados e ao DF.

COMPETÊNCIAS COMUNS COMPETÊNCIAS CONCORRENTES

Competências administrativas. Competências legislativas.

Atribuídas a todos os entes federativos. Atribuídas apenas à União, aos Estados e ao DF.

O município pode tratar das matérias do art. 24 da CF/88? Apesar de não estar

contemplado no dispositivo, os municípios possuem competência suplementar (art. 30, II,

CF/88168), o que autoriza que tratem de certas matérias quando houver lei federal ou

estadual. Quando o art. 30, II, fala “no que couber”, ele está se referindo aos assuntos de

interesse local. A competência suplementar atribuída aos municípios não pode ser exercida em

relação a competências privativas ou exclusivas.

A competência concorrente é cumulativa ou não cumulativa? No art. 24 da CF/88, há

uma repartição vertical de competências não cumulativas (a lei estadual deve seguir as

mesmas linhas da lei federal). Ex.: sobre o D. Financeiro, cabe à União estabelecer as normas

gerais, o que não exclui a competência suplementar dos Estados. E se a União não estabelecer

as normas gerais? Como o Estado vai suplementar uma legislação que não existe? Resolvendo o

problema, estabelece a CF/88 que, se a União não elaborar as normas gerais, o Estado poderá

exercer a competência legislativa plena (ou seja, poderá fazer tanto a norma geral quanto à

norma específica).

Obs. Alexandre de Moraes e André Ramos Tavares dividem a competência suplementar em dois

tipos, senão vejamos:

Competência complementar : ocorre quando a competência depende da prévia

existência de lei federal a ser especificada, com fundamento no art. 24, §2º, da

CF/88169.

168 Art. 30. Compete aos Municípios:

II - suplementar a legislação federal e a estadual no que couber;199

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Competência supletiva : é aquela que surge em virtude da inércia da União para

editar normas gerais, com fundamento no art. 24, §3º, da CF/88170.

Apesar deste posicionamento, ressalte-se que a Constituição não diferencia competência

complementar de supletiva, adotando apenas a expressão “competência suplementar”.

Caso o Estado exerça sua competência legislativa plena, editando normais gerais +

competência suplementar, e sobrevenha uma lei da União editando normas gerais, essa lei

federal superveniente não revogará a lei estadual. Nesse ponto, destaque-se que, em termos

técnicos, para que haja revogação de uma lei por outra, é necessário que os atos tenham sido

emanados pelo mesmo Poder e que tenham a mesma densidade normativa. Assim, por

exemplo, MP não revoga lei (têm densidades normativas distintas), nem lei federal revoga lei

estadual (não foram elaboradas pelo mesmo Poder). Mas e se a lei federal for incompatível com

a lei estadual? Nesse caso, a lei federal suspende a eficácia da lei estadual no que lhe for

contrário. É o que acontece, por exemplo, quando uma MP é incompatível com uma lei

anterior; ela não revoga a lei, mas sim suspende a sua eficácia. Nesse sentido, o art. 24, §4º, da

CF/88171.

Essa ideia traz repercussões práticas muito importantes. Já vimos que o direito

brasileiro não admite a chamada repristinação tácita no caso de revogação de uma lei por

outra. Assim, se houvesse revogação da lei estadual pela lei federal, esta jamais poderia ser

aplicada novamente. Havendo apenas a suspensão da eficácia, contudo, a lei estadual não é

retirada do ordenamento jurídico; assim, se, posteriormente, a lei federal for revogada, a lei

estadual voltará a produzir efeitos (efeito repristinatório tácito – pode ocorrer no caso de

suspensão, mas não no caso de revogação).

4. ORGANIZAÇÃO POLÍTICO-ADMINISTRATIVA DO ESTADO BRASILEIRO

169 § 2º - A competência da União para legislar sobre normas gerais não exclui a competência suplementar dos

Estados.170 § 3º - Inexistindo lei federal sobre normas gerais, os Estados exercerão a competência legislativa plena, para

atender a suas peculiaridades.171 § 4º - A superveniência de lei federal sobre normas gerais suspende a eficácia da lei estadual, no que lhe for

contrário.200

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Existem dois dispositivos que tratam do assunto: arts. 1º e 18 da CF/88.

Art. 1º A República Federativa do Brasil, formada pela união indissolúvel dos Estados e

Municípios e do Distrito Federal, constitui-se em Estado Democrático de Direito e tem

como fundamentos: [...]

Art. 18. A organização político-administrativa da República Federativa do Brasil

compreende a União, os Estados, o Distrito Federal e os Municípios, todos autônomos,

nos termos desta Constituição. [...]

O art. 1º consagra o princípio da indissolubilidade do pacto federativo, que veda o

direito de secessão dos estados. Assim, não existe possibilidade de um ente federativo deixar

a federação, sob pena de intervenção federal no respectivo ente.

4.1. ESTADOS-MEMBROS

José Afonso da Silva traz uma classificação dos limites impostos à autonomia dos

Estados-Membros, senão vejamos:

a) Princípios constitucionais sensíveis :

São aqueles referentes à essência da organização constitucional da federação

brasileira. São princípios que, se forem violados, podem implicar uma INTERVENÇÃO FEDERAL

nos estados violadores. Nesta situação, vale dizer, o art. 36, III, da CF/88, prevê a chamada ADI

interventiva (ou representação interventiva), que só pode ser proposta pelo Procurador-Geral

da República perante o STF. Isso significa dizer que o Presidente da República não pode

decretar diretamente a intervenção; é necessário que haja uma ADI interventiva, proposta pelo

PGR junto ao STF (controle concentrado).

Para que Presidente possa decretar a intervenção, é preciso que o STF dê provimento

à ADI interventiva; dando provimento, expede-se um decreto autorizando a intervenção. Existe

uma discussão doutrinária sobre se o ato de decretação da intervenção seria vinculado ou 201

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discricionário. Não há uma posição pacífica. Marcelo Novelino entende que se trata de um ato

vinculado, sob o fundamento de que a Lei 1.079/50 (art. 12.3172) diz que é crime de

responsabilidade o não atendimento pelo Presidente de solicitação do STF.

Dispõe o art. 36, III, da CF/88:

Art. 36. A decretação da intervenção dependerá:

III de provimento, pelo Supremo Tribunal Federal, de representação do Procurador-

Geral da República, na hipótese do art. 34, VII [que traz os princípios constitucionais

sensíveis], e no caso de recusa à execução de lei federal. (Redação dada pela Emenda

Constitucional nº 45, de 2004)

Perceba, assim, que a ADI interventiva pode ser utilizada em dois casos: i) violação aos

princípios constitucionais sensíveis; ii) recusa à execução de lei federal. É a primeira situação

que, de fato, nos interessa.

O referido dispositivo faz alusão ao art. 34, VII, da CF/88, senão vejamos:

Art. 34. A União não intervirá nos Estados nem no Distrito Federal, exceto para:

VII - assegurar a observância dos seguintes princípios constitucionais:

a) forma republicana, sistema representativo e regime democrático;

b) direitos da pessoa humana;

c) autonomia municipal;

d) prestação de contas da administração pública, direta e indireta.

e) aplicação do mínimo exigido da receita resultante de impostos estaduais,

compreendida a proveniente de transferências, na manutenção e desenvolvimento do

ensino e nas ações e serviços públicos de saúde.(Redação dada pela Emenda

Constitucional nº 29, de 2000)

b) Princípios constitucionais extensíveis :

172 Art. 12. São crimes contra o cumprimento das decisões judiciárias:

3 - deixar de atender a requisição de intervenção federal do Supremo Tribunal Federal ou do Tribunal Superior

Eleitoral;202

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São aqueles referentes à União, mas que devem ser estendidos aos Estados. Nesse

contexto, existem dois tipos de princípios extensíveis:

Princípios extensíveis expressos : podemos citar como exemplos:

o Art. 27, §§1º e 2º, CF/88173: nos dois parágrafos, determina a CF/88 que

o regime aplicado aos Deputados Federais seja estendido aos Deputados

Estaduais.

o Art. 28, CF/88174;

o Art. 75 da CF/88175:

173 Art. 27. O número de Deputados à Assembléia Legislativa corresponderá ao triplo da representação do Estado

na Câmara dos Deputados e, atingido o número de trinta e seis, será acrescido de tantos quantos forem os

Deputados Federais acima de doze.

§ 1º - Será de quatro anos o mandato dos Deputados Estaduais, aplicando- sê-lhes as regras desta Constituição

sobre sistema eleitoral, inviolabilidade, imunidades, remuneração, perda de mandato, licença, impedimentos e

incorporação às Forças Armadas.

§ 2º O subsídio dos Deputados Estaduais será fixado por lei de iniciativa da Assembléia Legislativa, na razão de, no

máximo, setenta e cinco por cento daquele estabelecido, em espécie, para os Deputados Federais , observado o

que dispõem os arts. 39, § 4º, 57, § 7º, 150, II, 153, III, e 153, § 2º, I.(Redação dada pela Emenda Constitucional nº

19, de 1998)174 Art. 27. O número de Deputados à Assembléia Legislativa corresponderá ao triplo da representação do Estado

na Câmara dos Deputados e, atingido o número de trinta e seis, será acrescido de tantos quantos forem os

Deputados Federais acima de doze.

§ 1º - Será de quatro anos o mandato dos Deputados Estaduais, aplicando- sê-lhes as regras desta Constituição

sobre sistema eleitoral, inviolabilidade, imunidades, remuneração, perda de mandato, licença, impedimentos e

incorporação às Forças Armadas.

§ 2º O subsídio dos Deputados Estaduais será fixado por lei de iniciativa da Assembléia Legislativa, na razão de, no

máximo, setenta e cinco por cento daquele estabelecido, em espécie, para os Deputados Federais, observado o

que dispõem os arts. 39, § 4º, 57, § 7º, 150, II, 153, III, e 153, § 2º, I.(Redação dada pela Emenda Constitucional nº

19, de 1998)175 Art. 75. As normas estabelecidas nesta seção aplicam-se, no que couber, à organização, composição e

fiscalização dos Tribunais de Contas dos Estados e do Distrito Federal, bem como dos Tribunais e Conselhos de

Contas dos Municípios.

Parágrafo único. As Constituições estaduais disporão sobre os Tribunais de Contas respectivos, que serão

integrados por sete Conselheiros.203

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Princípios extensíveis implícitos : são extraídos da jurisprudência do STF, que os

chama de normas de observância/reprodução/repetição obrigatória pelos

Estados. Exemplos:

o Requisitos de criação da CPI (art. 58, §3º, CF/88176): a Constituição nada

fala sobre a criação de CPI na Assembleia Legislativa; entende o STF que

devem ser aplicados os mesmos requisitos para a criação de CPI no

Congresso Nacional.

o Princípios básicos do processo legislativo (art. 59 e ss., CF/88): entende

o STF que os princípios básicos do processo legislativo federal devem ser

observados no processo legislativo estadual e municipal. Ex.: a CF/88 traz

um quórum de 3/5 para a provação de uma EC; uma Constituição

Estadual estabeleceu o quórum de 4/5 – não pode, pois deve seguir as

mesmas diretrizes da CF/88.

o Separação dos Poderes: um exemplo é o art. 83 da CF/88177. Esse

dispositivo está relacionado à separação de Poderes. O STF entende que

se trata de norma de observância obrigatória pelos Estados. Logo, a

Constituição Estadual deve trazer idêntica previsão. Assim, por exemplo,

se o Governador quiser se ausentar por mais de 15 dias, é necessária a

autorização da Assembleia Legislativa, sob pena de perda do cargo.

Ausentar-se de onde (estado/DF ou país)? O STF tem precedentes nos

dois sentidos: i) ausência do território do estado ou DF (ADI 1.072/DF); ii)

ausência do país (ADI 738; ADI MC 678; ADI 703; ADI 743).

176 § 3º - As comissões parlamentares de inquérito, que terão poderes de investigação próprios das autoridades

judiciais, além de outros previstos nos regimentos das respectivas Casas, serão criadas pela Câmara dos Deputados

e pelo Senado Federal, em conjunto ou separadamente, mediante requerimento de um terço de seus membros,

para a apuração de fato determinado e por prazo certo, sendo suas conclusões, se for o caso, encaminhadas ao

Ministério Público, para que promova a responsabilidade civil ou criminal dos infratores.177 Art. 83. O Presidente e o Vice-Presidente da República não poderão, sem licença do Congresso Nacional,

ausentar-se do País por período superior a quinze dias, sob pena de perda do cargo.204

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c) Princípios constitucionais estabelecidos :

Encontram-se espalhados de forma assistemática pela CF/88, referindo-se, expressa ou

implicitamente, a autonomia organizatória dos Estados-Membros. Não é o caso de um

dispositivo estabelecer um tratamento para a União, determinando estendê-lo aos estados. Em

verdade, o próprio dispositivo já determina a observância do regramento pelos estados.

Exemplos de princípios estabelecidos expressos:

Art. 37 da CF/88178;

Art. 19 da CF/88179.

Exemplos de princípios estabelecidos implícitos:

Art. 22 da CF/88180 (traz a competência legislativa da União; implicitamente, está

excluindo a possibilidade de os Estados legislarem sobre os assuntos constantes

do dispositivo).

Art. 30 da CF/88181 (traz a mesma vedação aos Estados, mas no que se refere à

competência legislativa dos Municípios).

4.2. DISTRITO FEDERAL

Desde a primeira Constituição Republicana (1891) já existia a ideia de criação do Distrito

Federal, como um território neutro que serviria como sede do Governo Federal.

178 Art. 37. A administração pública direta e indireta de qualquer dos Poderes da União, dos Estados, do Distrito

Federal e dos Municípios obedecerá aos princípios de legalidade, impessoalidade, moralidade, publicidade e

eficiência e, também, ao seguinte: (Redação dada pela Emenda Constitucional nº 19, de 1998) [...]179 Art. 19. É vedado à União, aos Estados, ao Distrito Federal e aos Municípios:

I - estabelecer cultos religiosos ou igrejas, subvencioná-los, embaraçar-lhes o funcionamento ou manter com eles

ou seus representantes relações de dependência ou aliança, ressalvada, na forma da lei, a colaboração de

interesse público;

II - recusar fé aos documentos públicos;

III - criar distinções entre brasileiros ou preferências entre si.180 Art. 22. Compete privativamente à União legislar sobre: [...]181 Art. 30. Compete aos Municípios: [...]

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Qual a natureza do DF? Na ADI 3.756, discutiu-se a constitucionalidade da LC 101 (Lei de

Responsabilidade Fiscal). Essa LC previu o mesmo percentual de gastos com pessoal para o DF e

para os Estados. Alegou-se que o DF seria equiparado aos Municípios, razão pela qual o

percentual deveria ser de 60%, e não de 50% (aplicável aos Estados). Segundo o STF, o Distrito

Federal não é Estado nem Município, mas de uma unidade federada autônoma com

competência parcialmente tutelada pela União. Ressalte-se, entretanto, que, apesar de o DF

não ser Estado nem Município, entende o STF que a sua estrutura é mais próxima da estrutura

dos Estados (ex.: o Município não tem Poder Judiciário; o DF tem).

As competências que ficaram a cargo da União são:

Organização judiciária;

Ministério Público do DF;

Polícia Civil e Militar;

Bombeiro militar.

Cumpre destacar que a EC 69/2012 retirou a Defensoria Pública do DF do rol acima.

Com a referida emenda, a DPDF passou a ser de competência do próprio Distrito Federal.

Sobre o tema, vide os seguintes dispositivos: art. 21, incisos XIII e XIV; art. 22, inciso XVII;

art. 48, inciso IX, todos da CF/88.

4.3. MUNICÍPIOS

O entendimento amplamente majoritário é o de que município é ente federativo, não

obstante existam doutrinadores respeitados que dizem que não. Segundo José Afonso da Silva,

os municípios não são entes federativos, basicamente por duas razões: i) não existem

federações de municípios; por isso, se o município for considerado ente federativo, seria uma

espécie de Estado-Membro de 2º grau; ii) os municípios não participam da formação da

vontade nacional. Segundo este autor, os municípios seriam meras autarquias territoriais. A

grande maioria da doutrina, no entanto, entende que a Constituição elevou o município à

categoria de ente federativo (arts. 1º e 18 da CF/88), atribuindo as mesmas autonomias dos

Estados e do DF.

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