o passado modos de usar enzo traverso

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, o PASSADO, MODOS DE USAR HISTÓRIA, MEMÓRIA E POLÍTICA ENZO TRAVERSO edições unipop

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Livro de Traverso

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Page 1: o Passado Modos de Usar Enzo Traverso

,

o PASSADO,

MODOS DE USAR

HISTÓRIA, MEMÓRIA E POLÍTICA

ENZO TRAVERSO

edições unipop

Page 2: o Passado Modos de Usar Enzo Traverso

o passado, modos de usar.

História, memória e política.

'1'111 1(' \ dil( :1, \1 J.C passé, modcs J'cmploi:

histoirc, mi'mmrc, po1itiyUl'

\1 IIJI~I' 1':m~()'J'ra"cno

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I:\Bê\; 97H-9H9-97519-1-0

1. J I 1)1' \() JiC\'crciro dc 2012

Introdução - A emergência da memória 9

I - História e memória: uma dupla antinómica? 21 Rememorafão 21 Jeparaf'ÕeJ 29 Empatia 38

11 - O tempo e a força Tempo histórico e tempo da memória ((Memórias fortes) e «memórias fracaJ)

111 - O historiador entre juiz e escritor Memóna e eJI.Tita da hútória ~ érdade e jUJtifu

IV - Usos políticos do passado A memória da Jhoah como ((religião ávih) O edipxe da memória do (,'l)munúmo

V - Os dilemas dos historiadores alemães O deJapareámellto dofasciJ'mo Li Shoah, a RDA e o ant[fascúmo

VI - Revisão e revisionismo MetamotjiueJ de um mnceito A palavra e a roisa

Nota bibliográfica e agradecimentos

Notas

55 55 71

89 89

100

109 109 120

129 129 138

149 149 155

165

169

Page 3: o Passado Modos de Usar Enzo Traverso

A memória de &/and Lew (19~~-2005)

,(A história é sempre contemporânea,

ou seja, polítiCa)}

Antonio Gramsci

Quaderni dei can:ere

Page 4: o Passado Modos de Usar Enzo Traverso

Introdução

A emergência da memória

São raras as palavras tão banalizadas como «memó­

ria), A. sua difusào é ainda mais impressionante dada a

sua entrada tão tardia no domínio das ciências sociais.

Durante os anos 1960 e 1970 ela estava praticamente

ausente dos debates intelectuais. Não figura na edição

de 1968 da lntertlational Encydopedia oi lhe Soda! SúenreJ,

publicada em Nova Iorque sob a direcção de David L.

Sills, nem na obra colectiva intitulada Faire de I'lIÍ.rtoire,

publicada em 1974 sob a direcção de Jacques le GofE

e Pierte Nora, nem mesmo em Krywords, de Raymond

Williams, um dos pioneiros da história culturaP. Alguns

anos mais tarde teria já penetrado profundamente no

debate historiográfico.

9

Page 5: o Passado Modos de Usar Enzo Traverso

,

.-\ «memória» é recorrentemente utilizada como si­

nónimo de história e tcm uma particular tendência para

absorvê-la, tornando-se ela própria numa espécie de

\categoria meta-histórica. Captura o passado numa rede

de malha mais larga do que a disciplina tradicionalmen­

te denominada história, aí depositando uma dose bem

maior de subjectividade, de «vivido», Em suma, a me­

mória aparece como um história menos árida e mais

«humana»2. ~-\ memória invade hoje em dia o espaço

público das sociedades ocidentais. a passado acompa­

nha o presente e instala-se no seu imaginário colectivo

como uma ((memória» extremamente amplificada pelos

meios de comtmicação e frequentemente regida pelos

poderes públicos, ~.\ memória transforl!la..::.s.c em «ob~es­

sã?_.<;<?-,::~~~nl:?~~~V:~}) .e. a v:alorização, por vezes mesmo a

sacraliza~ão, dos «lugares de memória» engendra uma

verdadeira «topolatriro,.',. Esta memória superabllildan­

te e saturada sinaliza o espaço-t, Tudo doravante con­

tribui para «fazer» memória. a passado transforma-se

em memória colectiva depois de ter sido seleccionado

e reinterpretado segundo as sensibilidades culturais,

as interrogações éticas e as conveniências políticas do

presente. Assim toma forma o «turismo da mem~.~~l»!.

com a transformação de locais históricos em museus e

em lugares de visitas organizadas, dotadas de estruturas

de acolhimento adequadas (hotéis, restaurantes, lojas de

10 r

recordaçõcs, etc), e promovido junto do público atra­

vés de estratégias publicitárias dirigidas.

Os centros de investigação e as sociedades de his­

tória local são incorporados nos dispositivos deste

turismo da memória em que por vezes encontram os

seus meios de subsistência. Por um lado, este proces­

so decorre indubitavehnente de uma rqjicarãfL.dsL-RJJ,f.f11-

~~, ou seja, da sua transformação em objecto de con­

sumo, estetizado, naturalizado e rentabilizado, pronto

para ser utilizado pela _indústria do turismo. e do es­

pectáculo, especialmente pelo :§;~a, .o historiador é

frequentemente chamado a participar nesse processo,

na qualidade de «profissional» e de «especialista» que,

nos termos de alivier Dumouhn, faz da sua arte um

«produto comerciab) da mesma forma que o são os

bens de conswno que invadem as nossas sociedades.

A Public IIútory americana, com os seus historiado­

res a trabalhar para instituições ou mesmo empresas

privadas sujeitas à lógica dO J~'c~~~': há muito que nos

indica o caminhos. Por outro lado, este fenómeno

parece-se igualmente, em vários aspectos, ao que Eric

Hobsbawm chamo~~'<~~ inven~ã~'~ d~ tradi~ç-ã~~~ um '---.~-, -'~-'-~' "."

passado real ou mítico em torno do qual se constro­

em práticas ritualizadas que visam reforçar a coesão de

um grupo ou de uma comunidade, legitimar algumas

instituições e inculcar valores na sociedade. Por outras

11

Page 6: o Passado Modos de Usar Enzo Traverso

palavras, a memória tende a tornar-se o vector de uma

«religião civil» do mundo ocidental, com o seu sistema

de ~;f~;~~, ~~~~ças, símbolos e !!nugiaS7. ____ •• __ •• ___ " •• '--_0.' ._ ••• ,_ o •• _ ~"--'

De onde vem esta obsessão memorial? A sua prove­

niência é múltipla, mas deve-se sobretudo a uma crise

de IrmumúJào no seio das sociedades contemporâneas.

Poderia evocar-se a esse propósito a distinção sugeri­

da por \Valter Benjamin entre a «experiência transmi­

tida» (l-!.ifahruniJ e a «experiência(~yid~»_ (Erlebnú). A

primeira perpetua-se quase naturalmente de uma ge­

ração para a outra, forjando as identidades dos gru­

pos e das sociedades num tempo longo; a segunda é

a vivência individual, frágil, volátil e efémera. No seu

Parsagen-Ü:/erk, Benjamin considera a «experiência vivi­

da» como um traço marcante de modernidade, com o

ritmo e as metamorfoses da vida urbana, os choques

eléctricos de urna sociedade de massas e o caos calei­

doscópico do universo mercantil. .-\ Etjàhrung é típica

das sociedades tradicionais e a Erlebnú é própria das so­

ciedades modernas, por vezes como marca antropológi­

ca do liberalismo, do individualismo possessivo, outras

vezes como produto das catástrofes do século Àrx, com

o seu cortejo de traumas que afectaram gerações intei·

ras sem que fosse possível inscreverem-se como urna

herança no curso natural da vida. A modernidade, se­

gundo Benjamin, caracteriza-se precisamente pelo de-

12

climo da experiência transmitida, um declínio marcado ---:-:--- '"------- --"

simbolicamente ~lo início da Primeira Guerra l\Iun-

diaL Durante esse ,momento de grande trauma europeu,

muitos milhões de pessoas, sobretudo jovens campo­

neses que tinham aprendido com os seus antepassados

a viver segundo os ritmos da natureza, no interior dos

códigos do mundo rural, foram brutahnente arranca­

dos ao seu universo social e mentaiS, Foram subitamen--'-te submersos «numa paisagem em que quase nada era

reconhecível além das nuvens e, no meio, num campo

de forças atravessado de tensões e explosões destruti­

vas, o minúsculo e frágil corpo humaoQ))Q, Os milhares

de soldados que voltaram da frente de guerra, mudos e

amnésicos, comocionados pelos Shell Shotk/ provoca­

dos pela artilharia pesada que bombardeava, sem cessar,

as trincheiras inimigas, corporizaram esse corte entre

duas épocas; a da tradição forjada pela experiência her­

dada e a dos cataclismos que se furtam aos mecanismos

naturais de transmissão da memória, As desventuras do

Jmemorato di Co!!egno - um ex-combatente amnésico de

dupla identidade, ao mesmo tempo filósofo de Verona

e operário tipográfico de Turim - que apaixonaram os

italianos no período entre as duas guerras, e inspira­

ram obras de Luigi Pirandello, José Carlos l\Iariátegui

-" Noml: dado na Prirnl:ira GUl:rra Mundial ao ljUl: hojl: SI.:

dl.:signa, na hríria militar, por combal Jlress readio» (CSR). N.T

13

Page 7: o Passado Modos de Usar Enzo Traverso

e Leonardo Sciascia, inscrevem-se nessa mutação pro­

funda da paisagem memorial europeia 10. Mas, no fun­

do, a Grande Guerra não fazia mais do que completar,

de uma forma convulsiva, um processo cujas origens

foram magistralmente estudadas por Edward Palmer

Thompson num ensaio sobre o advento do, ,te_~p(~)" ~e­

cânico, produtivo e disciplinar da sociedade industriaP I.

Outros traumas marcaram a «experiência vivida}) do

século X.X, sob a forma de guerras, genocídios, depu­

rações étnicas ou repressões politicas e militares. A re­

cordação que deles resultou não foi efémera nem frágil.

Para várias gerações incapazes de ter uma percepção da

realidade que não fosse a de um universo fracturado foi >

mesmo uma recordação fundadora que, porém, não se

constituiu como uma experiência do quotidiano trans­

missível a uma nova geração 12. Uma primeira resposta

à nossa questão inicial poderia, assim, formular-se da

segtúnte forma: a obsessão memorial dos nossos dias é

um produto do declinio da experiência transmitida num

mundo que perdeu as suas referências, desfigurado pela

violência e atomizado por um sistema social que apaga

as tradições e fragmenta as existências.

É necessário que nos interroguemos sobre as formas

dessa obsessão. A memória - a saber, as representações

colectivas do passado tal como se forjam no presente

- estrutura as identidades sociais, inscrevendo-as numa

14

continuidade histórica e dotando-as de um sentido, ou

seja, çie um conteúdo e de uma direcção. A sociedades

humanas possuíram, sempre e em todo o lado, uma me­

mória colectiva mantida através de ritos, cerimónias e

mesmo po/itú't/J'. /\s estruturas elementares da memó~~_

<;9.I.~<:!~~_~!:~_~dem na comemoração dos mortos. Tradi­

cionalmente, no mundo ocidental, os ritos e os monu­

mentos funerários celebravam a transcendência cristã

- a morte como passagem para o Além - c, ao mesmo

tempo, reafirmavam as hierarquias sociais «aqui em bai­

xo». N a modernidade, as práticas comemorativas meta­

morfoseiam-se. Por um lado, com o fim das sociedades

do Antigo Regime, democratizam-se ao investirem a

sociedade no seu conjunto; por outro, secularizam-se

e tornam-se funcionais, veiculando novas mensagens

dirigidas os vivos. A partir do século XIX, os monu­

mentos comemorativos consagram os valores laicos (a

Pátria), defendem princípios éticos (o Bem) e politicos

(a Liberdade) ou celebram acontecimentos fundadores

(guerras, revoluções). Começam a tornar-se símbolos

de um sentimento nacional vivido como uma «religião

civih>. Segundo Reinhart Koselleck, «O declínio da in­

terpretação cristã da morte deixou o campo livre para

interpretações puramente políticas e sociais}}':>. Iniciado

com a Revolução Francesa, berço das primeiras guerras

democráticas do mundo moderno, o fenómeno apro-

15

Page 8: o Passado Modos de Usar Enzo Traverso

fundou-se depois da Grande Guerra, quando os mo­

numentos aos soldados caídos em combate começaram

a organizar o espaço público em todas as povoações.

Hoje, o trabalho de luto mudou de objecto e de

formas. Nesta viragem de século, Auschwitz tornou-

-se a base da memória colectiva do mundo ocidenta1. A

política da memória - comemorações oficiais, museus,

filmes, etc. - tende a fa7:er da Shoah a metá~?!~_~~,:.j culo x.~ como idade de guerras, de totalitarismos, de "

genocidios e de crimes contra a humanidade. N o centro

deste sistema de representações instala-se uma figura

nova, a y;~;;;~~71ã,\o sobrevivente dos campos nazis. ,-_._- _ ... -- _. '''" ~ -- ..

1\ recordação de que é portador e a atenção que lhe

é reservada (após décadas de indiferença) abalaram o

historiador, ao criarem desordem na sua oficina c ao

perturbarem o seu modo de trabalho. Por um lado, o

historiador teve de se render à evidência das limitações

dos seus procedimentos tradicionais e das suas fon­

tes, bem como ao contributo indispensável das teste­

munhas para a reconstrução de experiências como o

universo concentracionário e a máquina exterminadora

do nazismo. A testemunha pode oferecer-lhe elemen­

tos de conhecimento factual inacessíveis através de

outras fontes, mas sobretudo pode ajudá-lo a restituir

a qualidade de uma experiência histórica cuja textura se

modifica depois de enriquecida pelas vivências dos seus

16

actores. Por outro lado, o aparecimento da testemunha

c, em consequência, a entrada da memória na oficina

do historiador vieram pôr em causa alguns práticas ha­

bituais, como por exemplo as de uma história estrutural

concebida enquanto um processo de acumulação) no

tempo longo, de vários estratos (território, demografia,

trocas, instituições, mentalidades) que permitem apre­

ender as coordenadas globais de uma época, mas que

deixam muito pouco espaço à .~':!,!Ü~!!~~da~e dos ho­

mens e das mulheres que fé;em a História1.\.

Entrámos, para usar as palavras de Annette

Wieviorka, na ~<~ra da, testemunha», que, colocada sobre

wn pedestal, encarna um passado cuja recordação é pres­

crita como wn dt:ver cívicol~JA testemunha identifica-se

cada vez mais com a vítima, outra marca desta era. Igno­

rados durante décadas, os sobreviventes dos campos de

extermínio nazis tornaram-se hoje,5_0~tra ª sua vontade,

ícones~~os., São cristalizados nwna posição que não

escolheram e que nem sempre corresponde à sua ne­

cessidade de transmitir a experiência vivida. Outras tes~

temunhas, antes apontadas como heróis exemplares, tal

como a resistência que pegou em armas para combater

o fascismo, perderam a sua aura ou caíram mesmo no

esquc,çims:;nto •. engolidas pelo «fim do comunismo» que,

eclipsado da história com os seus mitos, na sua queda

arrastou as utopias e as esperanças que havia encarnado.

17

Page 9: o Passado Modos de Usar Enzo Traverso

A memória destas testemunhas já só a poucos interessa,

numa época de humanitarismo onde já não há venádos

mas apcna(;7i~~sta dissiroetria da recordação - a sa­

cralização das vítimas antes ignoradas e o esquecimento

de heróis anteriormente idealizados - indica a ancora­

gem profunda da memória colcctiva no presente, com as

suas mutações e regressões paradoxais.

A memória conjuga-se sempre no presente, que de­

termina as suas modalidades: a sucessào de aconteci­

mentos de que se devem guardar recordações Cc de tes­

temunhas a escutar), a sua interpretação, as suas «lições)),

etc. Ela transforma-se em questão política e toma a for­

ma de uma injunção ética - 9.<idc.ycr.da mcrnó!ia~-=- que

frequeftemente se transforma em fonte de abusos]('. Os

exemplos não faltam. Todas as guerras destes últimos

anos, da primeira à segunda guerra do Golfo, passan­

do pela guerra do Kosovo e pela do ~\feganistão, foram

também guerras da _rne~-~~_i~ pois foram justificadas pela

evocação ritual do dever de memória l7• Saddam Hussein,

Arafat, i\.filosevic e George W Bush foram comparados

co~_,~_~e.~ nas palavras de ordem das manifestações,

nos cartazes, nos meios de comunicação e no discurso

de alguns líderes políticos. O islamismo político é muitas

vezes identificado com o fanatismo nazi. O historiador

israelita Tom Segev indica que Menahem Bcgin tinha

vivido a invasão israelita do Lbano, em 1982, como um

18

acto reparador, um sucedâneo fantasmático de um exér­

cito judaico que teria expulso os nazis de Varsóvia em

194yH. i\Iais recentemente, em 2002, o Consistório cen­

tral dos israelitas de 1 "rança declarou que o país estava à

beira de uma onda de antissemitismo comparável à que

se abateu na Alemanha nazi durante a Noite de Cristal

em Novembro de 19381'J. Para o escritor português José

Saramago, em contraposição, a ocupação israelita dos

territórios palestinos seria comparável ao Holocaus­

t020• Durante a guerra na ex-]ugoslávia, os nacionalistas

sérvios viam as depurações étnicas contra os albaneses

do Kosovo como uma vingança contra a antiga opres­

são otomana, enquanto em França os profissionais do

anticomunismo viam as bombas sobre Belgrado como

tuua defesa da liberdade contra o totalitarismo. ~\ lis­

ta poderia cont.inuar, .\ dimensão política da memória

colectiva - e os abusos que a acompanham - não pode

deixar de afectar a maneira de escrever a história,

Este livro propõe-se explorar as relações entre a

história e a memória e analisar alguns aspectos do uso

público do passado. A matéria que se oferece a essa

reflexão é inesgotável. Baseei-me em alguns temas co­

nhecidos e sobre os quais tenho trabalhado nos últimos

anos. Outros de igual importância ficaram excluídos ou

são pouco evocados neste ensaio, que pretende partici­

par num debat~;;'~o-e'aínda'emábe::J

19

Page 10: o Passado Modos de Usar Enzo Traverso

I História e memória:

uma dupla antinómica?

Rememorarão

História e memória nascem de uma mesma preocu­

pação c partilham o mesmo objecto: a elaboração do

____ pass_ad? No entanto, existe uma «hierarquia)) entre as

duas. De acordo com Paul Ricoeur, a memória possui

um estatuto matriáa/1• A história é um relato, uma es­

crita do passado segundo as modalidades e as regras de

um oficio - de uma arte ou, com muitas aspas, de uma

«ciência» - que tenta responder a questões suscitadas

pela memória. A história nasce, portanto, da memória,

libertando-se desta ao colocar o ,passado à distância, ao

considerá-lo, segundo a expressão de Oakeshott, como

21

Page 11: o Passado Modos de Usar Enzo Traverso

«um passado em SD)~. A história acaba, enfim, por fa­

zer da memória um dos seus domínios de investigação,

como prova a história contemporânea. Também cha­

mada de «história do tempo presente», a história do sé­

culo XX analisa o testemunho dos actores do passado e

integra o relato oral nas suas fontes, a par dos arquivos e

de outros doclUTIentos materiais ou escritos. Em suma,

a história nasce da memó~a, de que é uma das dimen­

sões, e posteriormente, adaptando uma postura auto­

-reflexiva, transforma a memória num dos seus ol!}"ect?J.

Proust continua a ser uma referência obrigatória

para toda e qualquer meditação sobre a memória. Nos

seus comentários sobre a obra Em BUJm do Tempo Per­

dido, Walter Benjamin sublinha que Proust «não descre­

veu uma vida tal como ela foi, mas uma vida como a re­

memora alguém que a vivew). E continua comparando

a {{memória involuntária» de Proust - que traduz como

«trabalho de rememo ração espontânea» (1-!.inl!,edenken),

onde a recordação é a embalagem e o esquecimento é o

conteúdo - com um «trabalho de Penélope» onde é «o

dia que desfaz o que a noite tinha fcito». Cada manhã,

ao acordar, «não temos em mãos mais do que algumas

franjas, em geral frágeis e lassas, da tapeçaria do vivido . .;

que o esque~lffiento em nos tecew) .

Tirando a sua força da experiência vivida, a memó­

ria é eminentemente sul?jectiva. Fica ancorada aos fac-

22

tos a que assistimos, dos quais fomos testemunhas, ou

mesmo actores, e às impressões que deixaram no nosso

espírito. A memória é qualitativa, singular, pouco preo­

cupada com comparações, com a contextualização, ou

com generaliza~ões. Quem a transporta não necessita

de apresentar provas. O relato do passado prestado por

tuna testemunha - sempre que não seja um mentiroso

consciente - será sempre a sua verdade, ou seja, a ima­

gem do passado em si d~post~. Pelo seu carácter sub­

jectivo, a memória nunca é cristalizada; mais se parece

com um estaleiro aberto, em contínua operação. Nào

é apenas, segundo a metáfora de Benjamin, «a tela de

Penélope» que se modifica todos os dias devido ao es­

quecimento que «ameaça» em permanência, para reapa­

recer mais tarde, por vezes muito mais tarde, tecida de

lUTIa forma diferente. Não é só o tempo a erodir e a en­

fraquecer a recordação. A memória é uma construção,

sempre filtrada por conhecimentos adquiridos poste­

riormente, pela reflexão que se segue ao acontecimento,

por experiências que se sobrepõem à primeira e modifi­

cam a recordação. O exemplo clássico é, uma vez mais,

o dos sobreviventes dos campos nazis. Muitas vezes, o

relato da permanência em Auschwitz por um ex-depor­

tado judeu e comunista modifica-se consoante a sua re­

lação com o Partido Comunista. Durante os anos 1950,

antes da ruptura com o Partido, coloca a sua identidade

23

Page 12: o Passado Modos de Usar Enzo Traverso

política em primeiro plano ao apresentar~se como um

deportado antifascista. Depois, durante os anos 1980,

conswnada a ruptura, considera-se em primeiro lugar

um deportado judeu, perseguido como judeu e teste­

mWlha do aniquilamento dos judeus na Europa. Bem

entendido, seria absurdo distinguir entre dois testemu­

nhos prestados pela mesma pessoa em dois momentos

diferentes da sua vida, elegendo um como falso e outro

como verdadeiro. Os dois são autênticos, mas cada um

deles ilumina uma parte da verdade filtrada pela sensi­

bilidade, pela cultura e também, poderia acrescentar-se,

peIas representações identitárias, ou mesmo ideoló­

gicas, do presente. Resumindo, a memória, individual

ou colectiva, é uma visão do passado que é sempre fil­

trada pelo presente. Nesse sentido, Benjamin definiu o

procedimento de Proust como uma «presentificação»

(Vet:.~egenwdrligulJi/. Seria ilusório pensar-se no «antes»

(das GeweJ"ene) como uma espécie de «ponto h.X(M de que

nos poderíamos aproximar através de wna reconstrução

mental a pOJ/enon. O «acontecido» é em larga medida

configurado pelo presente, visto ser a memória a «esta­

beleceD) os factos: trata-se, segundo Benjamin, de uma

«revolução coperniciana na visão da histórill»5. Benjamin

reafirma es t:r conceito nas «reflexões teóricas» do seu

PaJJagen-Werk, quando considera «o passado em colisão

com o presente», acrescentando que «é o presente que

24

polariza o acontecimento (das Gwhehen) em história

anterior e história posterioo). A história, continua Ben­

jamin, «não é apenas uma ciência», já que é «ao mes­

mo tempo uma forma de rememoração (c.illgedenken»)ú.

?-.1ais recentemente, numa linha semelhante, François

Hartog forjou a noção de «presentismo» a fIm de des­

crever uma situação em que «o presente se tornou o

horizonte», um presente que, «sem futuro e sem pas­

sado», permanentemente engendra os dois segundo as

suas necessidades 7.

1 \ história, que no fWldo, lembrava Ricoeur, não é

mais do que wna parte da memória, escreve-se sem­

pre no presente. Para existir como campo do saher, no

entanto, a história deve emancipar-se da memória, não

rejeitando-a mas colocando-a à distância. Um curto-cir­

cuito entre história e memória poderia ter consequên­

cias prejudiciais para o tt""J.balho do historiador.

Uma boa ilustração deste fenómeno é oferecida

pelo debate dos últimos anos em torno da «singula­

ridade) do genocídio judeuil• A irrupção desta contro­

vérsia no domínio do historiador relaciona-se, inevi­

tavelmente, com o percurso da memória judaica, com

a sua emergência no seio do espaço público e a sua

interferência nos métodos tradicionais de pesquisa que

foram subitamente confrontados com autobiografias

e com arquivos audiovisuais que apresentam os teste-

25

Page 13: o Passado Modos de Usar Enzo Traverso

munhas dos sobreviventes dos campos de concentra­

ção. Se uma tal «contaminação» da historiografia pela

memória se revelou extremamente frutuosa, nào deve

no entanto ocultar uma observação metodológica tão

banal como essencial: a memória JÚIJ"ulariza a histó­

ria, na medida em que é profundamente subjectiva,

selectiva, muitas vezes desrespeitadora da cronologia,

indiferente às reconstruções de conjunto e às raciona­

lizações glo bais . .A sua percepção do passado não pode

ser senào irrcdutivelmente singular. Onde o historia­

dor não vê mais do que uma etapa de um processo,

do que um aspecto de um quadro complexo em mo­

vimento, a testemunha pode captar um acontecimento

crucial, o ponto de viragem numa vida. O historiador

pode decifrar, analisar e explicar as fotografias conser­

vadas do campo de Auschwitz. Ele sabe que aqueles

que descem do comboio são judeus, ele sabe que o SS

que os observa fará uma selecçào e que a grande maio­

ria das figuras daguela fotografia não terá mais dos

que algumas horas de vida à sua frente. A uma teste­

munha, essa fotografia dirá muito mais. Lembrar-se-á

das sensações, das emoções, dos ruidos, das vozes, dos

cheiros, do medo e da desorientação da chegada ao

campo, da fadi&.a de wna longa viagem efectuada em

condições horrf~·eis, sem dúvida da visão do fumo dos

crematórios. Dito de outra forma, lembrar-se-á de um

26

conjunto de imagens e de recordações todas elas sin­

gulares e completamente inacessíveis ao historiador,

senào com base num relato a pOJteriori, fonte de uma

empatia incomparável àquela que a testemunha pôde

reviver. A fotografia de um Hiijt/iI{p'· significa aos olhos

do historiador uma vítima anónima; para um paren­

te, um amigo ou um camarada de detenção, evoca um

mundo absolutamente único; para o observador exte­

rior, não representa - como diria Siegfried Kracauer

- mais do que uma realidade «não redimida)) (1I1!er/rir/f·

O conjunto daquelas recordações forma uma parte da

memória judaica, uma memória que o historiador nào

pode ignorar e que deve respeitar, que deve explorar

e compreender, mas à qual não se deve submeter. O

historiador nào tem o direito de transformar a sin­

gularidade dessa memória num prisma normativo da

escrita da história. A sua tarefa consiste muito mais

na inscrição dessa singularidade da experiência vivida

num contexto histórico global, tentando esclarecer as

causas, as condições, as estruturas, a dinâmica de con­

junto. Isto significa aprender com a memória depois

de a passar pelo crivo de uma verificação objectiva,

empírica, documental e factual, assinalando, se ne­

cessário for, as suas contradições e armadilhas. Este

* Prisioneiro. N.T

27

Page 14: o Passado Modos de Usar Enzo Traverso

procedimento pode ajudar a recordação a tornar-se

mais nítida, a clarificar os seus contornos, a tornar-se

mais exigente, e também a trazer luz sobre aquilo que

na lembrança não é redutível a elementos factuais]().

Se pode haver uma singularidade abJolJlta da memó­

ria, a da história será sempre relativa" . Para um judeu

polaco, Auschwitz significa qualquer coisa de terrivel­

mente único: o desaparecimento do universo humano,

social e cultural onde nasceu. Um historiador que não

consiga compreender isso jamais conseguirá escrever

um bom livro sobre a Shoah, mas o resultado da sua

pesquisa também não seria melhor se concluísse - tal

como o fez, por exemplo, o historiador norte-america­

no Steven Katz - que o genocídio judaico foi o único

da história'~. Segundo Eric Hobsbawm, o historiador

não se deve subtrair a um dever de universalismo:

«Uma história que diga respeito apenas aos judeus (ou

aos negros americanos, aos gregos, às mulheres, aos

proletários, aos homossexuais, etc.) não será uma boa

história, mesmo que possa reconfortar quem a prati­

ca.»!.}. É normalmente muito difícil, para os historia­

dores que trabalham sobre fontes orais, encontrar o

equilíhtto justo entre empatia c distanciação e entre

o reconhecimento das singularidades e a perspectiva

geral.

28

5 eparafões

É apenas a partir do início do século XX, quando os

paradigmas do historicismo clássico entraram em

crise, questionados simultaneamente pela filosofia

(Bergson), pela psicanálise (Freud) e pela sociologia

(T Ialbwachs), que história e memória passaram a for­

mar um par ant1nómico. Até então a memória era con­

siderada o substrato subjectivo da história. Para I regel,

a história (GcJ(hú;hte) possuía duas dimensões comple­

mentares, uma objectiva e outra subjectiva: de um lado,

os acontecimentos (reJ geJtae); do outro, a sua narração

(hiJtoria remm geJtarum); isto é, os «factos» e o seu ({re­

lato históricQ)'~. A memória acompanha o desenrolar

da história como uma espécie de sua protectora, já que

constitui o seu «fundamento interion), c as duas encon­

tram a sua rea/i:;pf-ão no Estado, cuja história mnla (<<a

prosa da História»)L') rcllccte, como um espelho, a ra­

cionalidade intrínseca. Hegel apresenta esse domínio

estatizado do passado sob a forma alegórica do conflito

entre Cronos, o deus do tempo, c Zeus, o deus políti­

co. Cronos mata os seus próprios filhos. Engole tudo

à sua passagem, não deixando rasto. Mas Zeus conse­

gue dominar Cronos, porque criou o Estado, capaz de

transformar em história tudo aquilo que Mnemósina, a

deusa da memória, pôde colectar após a passagem de­

vastadora do tempo. Na Fenomenologia do Espírito, a me-

29

Page 15: o Passado Modos de Usar Enzo Traverso

mária define a historicidade do Espírito (Ceist), que se

manifesta simultaneamente como «recordaçãm) (Erin­

nerunJ'J e movimento de «interiorização» (Er-Innerunj) ,

enquanto que o Estado constitui a sua expressão exte­

rioru,. Para Hegel, apenas os povos estatizados, dota­

dos de uma história escrita, possuem uma memória. Os

outros - «os povos sem história» (gexchúhtlose V01ker), ou

seja, o mundo não europeu desprovido de um passado

estatal e do seu relato codificado pela escrita - não po­

dem superar o estádio de uma memória primitiva, feita

de «imagens» mas incapaz de se condensar em consci­

ência histórica17• Daqui resulta uma visão dupla da his­

tória, como prerrogativa ocidental e como dispositivo

de dominação. Nào só é pertença exclusiva da Europa,

como só pode existir enquanto relato apologético do

poder1/l, aquilo que Benjamin denunciou como empatia

historicista com os vencedores1!).

No entanto, no seguimento da crise do historicis­

mo, da crítica ao paradigma eurocentrista no período da

descolonização e, depois, com a emergência das clas­

ses subalternas como sujeitos políticos, a história e a

me~ria dissociaram-se. A história democratizou-se,

rompendo as fronteiras do Ocidente e o monopólio das

elites dominantes; a memória, por sua vez, emancipou­

-se da dependência exclusiva da escrita. A relação entre

história e memória reconfigurou-se como uma tensão

30

dinâmica. ~\ transição não foi nem linear nem rápida

e, de runa certa forma, ainda nào foi concluída. Nos

últimos trinta anos, os historiadores alargaram as suas

fontes, mas continuam a privilegiar os arquivos, que nào

deixaram de ser o depósito dos vestigios de um pas­

sado conservado pelo Estado. Só recentemente é que

os «subalternos» foram reconhecidos como sujeitos da

história e se tornaram objecto de estudo. E foi ainda

mais recentemente que se começou a tentar escutar a

sua voz. Em 1963, François Furet ainda pensava que

podia integrar as classes subalternas na história apenas

num plano quantitativo, tomando-as em consideração

unicamente sob o signo «do número e do anonimato»,

como elementos «perdidos no estudo demográfico ou

sociológico», ou seja, como entidades condenadas a

permanecer «silenciosas)f~(). No fundo, para aguele ad­

mirador de Tocqueville, as classes trabalhadoras perma-

neciam ainda como «povos sem história».

no decurso dos

;\ mutação

anos 1960. operou-se precisamente

~\ primeira grande obra de história social das classes

subalternas, The Makilzg qf the Englúh Lf70rkineg ClaJJ, de

Edward Palmer Thompson, data de 1963; a Hútoire de la

folie à I'âge daJJique, de Foucault, data de 1964; e o pon­

to de partida da micro-história, 11 formaggio e i vermi, de

Carlo Ginzburg, que reconstrói o universo de um mo­

leiro de Prioul no século XVI, data de 1976::1• De igual

31

Page 16: o Passado Modos de Usar Enzo Traverso

modo, para a historiografia, as mulheres só passaram a

ter uma história há trinta anos22• Até então, as mulheres

estavam excltúdas da mesma forma que o estavam os

«povos sem história}} de Hegel. Os Suba/tern StudieJ, por

seu lado, nasceram na Índia no início dos anos 1980.

O seu objectivo é rescrever a história já não como «a

obra da Inglaterra na Índia}), nem como a das elites

indianas formadas durante a dominação colorrial, mas

como história dos «subalternos», o povo cuja «pequena

voz» (sma/f voice) procura escutar-se e que «a prosa da

contra-insurreição» depositada nos arquivos de Estado

não nos pode restituir, pois a sua função consiste exac­

tamente em submergi-Ial-'. É neste contexto de alarga­

mento das fontes do historiador e de questionamento

das hierarquias tradicionais que se inscreve a emergên­

cia da memória como uma nova oficina de escrita do

passado.

O primeiro a codificar a dicotomia entre as flutu­

ações emocionais da recordação e as construções ge­

ométricas do rdato histórico foi ;\faurice I-Ialbwachs,

na sua ohra já clássica sohre a memória colectiva. Aí

denunciou o carácter contraditório da expressão «me­

mória histórica» por unir dois elementos que, a seu ver,

se opõem. Para Halbwachs, a história começa onde ter­

mina a tradição ~(se decompõe a memória social»l~,

estando as duas separadas por uma clivagem insanável.

32

A história supõe wn olhar exterior sobre os aconteci­

mentos do passado, enquanto a memória implica uma

relação de interioridade com os factos relatados. A

memória perpetua o passado no presente, enquanto a

história fixa o passado numa ordem temporal fechada,

acabada, organizada seguindo procedimentos racionais

i nos antípodas da sensibilidade subjectiva do vivido. i\ I

II memória atravessa as épocas, enquanto a ~is.t~ria as se- .

para. No fundo, Halbwachs opõe a multlplicH.lade das

memórias - ligadas aos indivíduos e aos grupos que

delas são portadores e sempre elaboradas em quadros

SOCIaIS definidos25 - ao carácter unitário da história,

que se declina em histórias nacionais ou em história

universal, mas que exclui a coexistência de vários re­

gimes temporais nwn mesmo rclato::'i,. Em resumo,

Halbwachs opõe uma história positivista - o estudo

científico do passado, sem interferências com ü presen­

te - a uma memória subjectiva baseada nas vivências

dos indivíduos e dos grupos. Radicalizando a pers­

pectiva, compara a clivagem que separa a história da

memória à que opõe o tempo matemático ao «tempo

vivido» de Bergson17• A história, refere o autor, igno­

ra as percepções subjectivas do passado ao privilegiar

cortes convencionais, impessoais, racionais e objectivos

(Halbwachs refere o exemplo da Cbronologie univerJelfe, de

Dreyss, publicada em Paris em 1858fH.

33

Page 17: o Passado Modos de Usar Enzo Traverso

Essa dicotomia foi retomada, mais recentemente,

por Yosef IIaym Yerushalmi que, na sua qualidade

de historiador, se apresenta como um recém-chegado ao

mundo judaico. Numa comunidade unida pela religião,

a imagem do passado foi forjada no decorrer dos sé­

culos graças a uma memória ritualizada que fixava as

modalidades e os ritmos de uma temporalidade judaica

separada do mundo exterior. Por consequência, a his­

toriografia judaica nasce de uma ruptura com a memó­

ria judaica, a única que anteriormente tinha assegurado

uma continuidade, em termos de identidade e de auto­

-representação, no seio do mundo judaico. Essa ruptura

foi marcada pela Emancipação judaica, movimento que

engendrou um processo de assimilação cultural com o

meio envolvente e, no interior da comunidade, o des­

moronamento da antiga organização social centrada na

sinagoga. Inscrevendo-se num mundo secularizado e

adaptando as divisões temporais da história profana, a

história judaica - cujo início foi marcado pela escola da

l17úienid}~/i dej' .1udet1tumi, nascida em Berlim no início

do século XIX - não poderia senào operar uma ruptu­

ra, pelas suas modalidades, fontes e objectivos, com a

memória judaica~').

A antinomia entre história e memória foi reafir­

mada por Pierre Nora, a quem se deve a renovação, a

partir dos anos 1980, do debate historiográfico sobre

34

a memóna. Recuperou para si a tese de Ilalbwachs,

mas apresentando uma visão bem mais problemática

das vicissitudes da escrita da história. i\lemória e histó­

ria, explica Nora, estão longe de ser sinónimos, já que

«tudo as opõe). A memória é «a vid.,\», o que a expõe «à

dialéctica da recordação e da amnésia, inconsciente das

suas deformações sucessivas, vulnerável a todas as uti­

lizações e manipulações, susceptível de longas latências

e de súbitas revitahzações». Ora, esse «vínculo vivido

no presente eterno» não pode ser assimilado à história,

representação do passado que, mesmo se problemática

e sempre incompleta, se quer objectiva e retrospectiva,

fundada na distância. A memória é «afectiva e mágica»,

com tendência para sacrahzar as recordações, enquanto

a história é uma visão secular do passado, sobre o qual

constrói «um discurso critiCO»). A memória tem uma vo­

cação singular, ligada à subjectividade dos indivíduos e

dos grupos, a história tem uma vocação universal. «.Ao.

memória é um absoluto e a história apenas conhece o

relativo».311 A partir dessa constatação, Nora não pode

conceber senão uma relação entre história e memória,

a de uma análise e reconstrução da memória segundo

os métodos das ciências sociais de que a história faz

parte. Nessa perspectiva, Nora abriu um novo campo

historiográfico extremamente ambicioso: reconstruir a

história nacional em torno dos «lugares da memória»,

35

Page 18: o Passado Modos de Usar Enzo Traverso

do território às paisagens, dos símbolos aos monumen­

tos, das comemorações aos arquivos, dos emblemas aos

mitos, da gastronomia às instituições, de Joana d'Arc à

Torre Eiffel.

Todavia, longe de serem o quinhão exclusivo da

memória, os riscos de sacralização, mitificação e am­

nésia espreitam permanentemente a escrita da própria

história e uma grande parte da historiografia moderna

e contemporânea caiu nessa armadilha, O projecto de

Nora não escapa a essa regra, ao reservar um espaço

bem modesto para o passado da França colonial en­

tre a multitplicidade de «lugares de memória>" Segundo

Perry Anderson, o mais severo dos seus críticos, o pro­

jecto editorial de Nora reduz as guerras coloniais fran­

cesas, da conquista da Argélia à derrota na Indochina,

«a uma exposição de bugigangas exóticas que poderiam

ter estado presentes na exposição universal de 1931. O

que valem os lugares de memón'a que se esquecem de in­

cluir Diên Biên Phú?,)"'l

i\. história, da mesma forma que a memóna, não

tem apenas as suas falhas; pode também desenvolver­

-se e encontrar a sua razão de ser no desaparecimento

de outras histórias e na negação de outras memórias,

Como referiu Edward Saíd, a arqueologia israelita, que

procura trazer à superfície os traços milenares do pas­

sado judaico da Palestina (vista por alguns como uma

36

«arqueologia - religião nacionab), escavou a terra com

o mesmo afinco com que os bulldozeri destruíram os

traços materiais do passado árabo-palestino~2,

Por outro lado, deve ter-se em conta a influência da

história sobre a própria memória, já que não existe me­

mória literal, original e não contaminada: as recorda­

ções são constantemente elaboradas por uma memória

inscrita no espaço público, submetidas aos modos de

pensar colectivos, mas também influenciadas pelos pa­

radigmas especializados da representação do passado,

Esta situação deu lugar a lul)ridos - certas autobio­

grafias cntram nessa categoria - que permitem à me­

mória revisitar a história, destacando os pontos cegos

e as generalizações apressadas, e à história corrigir as

armadilhas da memória, obrigando-a a transformar-se

em análise auto-reflexiva e em discurso crítico, Uma

obra como Oi que mmmbem e OJ que Je Ja/vam, de Pri­

mo Levi3\ articula história e memória num relato de

novo tipo, inclassificável, fundado sobre um vai e vem

permanente entre os dois, Pierre Vidal-Naquet, na sua

auto-biografia, relata as suas recordações com o rigor

de um historiador que verificou as suas fontes e sub­

mete a sua memória ao teste de apresentação de provas,

dando-lhe, no entanto, a forma de um balanço retros­

pectivo e muitas vezes crítico, Não se trata apenas do

Jetl relato, como refere no prefácio, porque ele tem em

37

Page 19: o Passado Modos de Usar Enzo Traverso

conta a correspondência dos seus pais, o diário do seu

pai e o diário que a sua irmã começou a escrever depois

da detenção e deportação dos seus pais, mas também

e sobretudo porque se apoia no seu conhecimento de

todo um período histórico. «É nesse sentido - escreve

- que se trata tanto de um livro de história como de mc­

mória, um livro de história de que sou, a uma Só vez, o

autor e o objccto.)r'~ Pcrtencendo ao mesmo tempo ao

registo da memória e ao da história, estes dois exemplos

não entram na dicotomia estabelecida por Halbwachs,

Yerushalmi e Nora.

Empatia

A mesma oposição entre história e memória está for­

temente presente na historiografia do nacional-socia­

lismo, como ° demonstrou claramente, em meados

dos anos 1980, a correspondência entre dois grandes

historiadores, Martin Broszat c Saul FriedEinderJ·'i. Pro­

curando sustentar a sua defesa de uma historicização

do nazismo capaz de romper a tendência para «insu­

larizan> o período de 1933-1945 por ra7:ões morais,

Bros7,at reivindica um método cientifico capaz de se

emancipar da «recordação mítica» das vítimas.v,. A me­

mória dos sobreviventes do genocídio dos judeus sus­

cita evidentemente o seu respeito, mas deveria ficar ex-

38

cluída das fontes do historiador e não interferir com o

seu trabalho. Face ao positivismo radical de tal posição,

perguntamo-nos se ela não encobre a parte de memó­

ria vivida e afectiva presente na historiografia alemã do

pós-guerra, nomeadamente a historiografia do nazismo

elaborada pela «geração da Hillet:j/(gend\> li. Para lá dos

julgamentos que sobre esses resultados - muitas vezes

notáveis - possam ser feitos, wna constatação impõe­

-se: wna característica partilhada pela maior parte dos

seus representantes reside precisamente na exclusão das

vítimas do nazismo do seu campo de investigação, para

não dizer do seu horizonte epistemológico. Essa carac­

terística perpetuou-se, aliás, no trabalho de uma nova

geração, muitas vezes centrada na análise da máquina de

morte do nazismo, mas que raramente se interessa pelo

testemunho das vítimas, Nessa historiografia, as vítimas

ficam num plano secundário, anónimas e silenciosas·1H•

Esse problema poderia ser também abordado a par­

tir de uma outra perspectiva. O recalcamento dos anos

negros na Alemanha do pós-guerra - recalcamento da

S'thuk!lrC{g/* e dos crimes nazis - não terá tido, entre os

seus efeitos, o de transformar numa espécie de tabu os

bombardeamentos que destruíram as cidades alemãs,

* Juventude hitleriana. N.T

** A questão da culpa. N.T.

39

Page 20: o Passado Modos de Usar Enzo Traverso

tema que tem sido ignorado até a uma época recente,

tanto pela literatura como pelo cinema e pela historio­

grafia? Essa é a hipótese sugerida por W. G. Sebald, para

quem a ausência de qualquer debate público e de obras

literárias sobre esse trauma colectivo se deve ao facto

de «um povo que havia assassinado e explorado até à

morte milhões de homens ter ficado impossibilitado de

exigir às potências vitoriosas que prestassem contas so­

bre a lógica de uma política militar que tinha ditado a

erradicação de cidades alemãs»"w.

Opor radicalmente história e memóna é, pOIS,

uma operaçào perigosa e discutível. Os trabalhos de

Halbwachs, Yerushalmi e Nora contribuíram para mos­

trar as diferenças profundas que existem entre história

e memória, mas seria errado deduzir daí a sua incom­

patibilidade ou considerá-las como irredutíveis. O que

a sua interacção cria é um campo de tensões no interior

do qual se escreve a história. Sem dúvida que Amos

Fukenstein tem razào quando indica, no ponto de en­

contro entre história e memória, a emergência de um

terceira instância, a que chamou IXJIlJt:iêmia húlónaio.

A correspondência com Broszat foi, aliás, o ponto

de partida de Saul Friedlander para uma reflexão fecun­

da sobre as condições de escrita da história. Se o histo­

riador não trabalha fechado na clássica torre de marfim,

ao abrigo dos rumores do mundo, também não vive

40

dentro de uma câmara frigoríf1ca, imune às paixões do

mundo. Ele está submetido às condicionantes de um

contexto social, cultural e nacional. Não escapa às influ­

ências das suas recordações pessoais, nem às de um sa­

ber herdado, de que pode tentar libertar-se, não através

da sua negação, mas de um esforço de distanciamento

crítico. Nessa perspectiva, a sua tarefa não consiste em

tentar pôr de lado a memória - pessoal, individual e

colectiva - mas em colocá-la à distância e em inscrevê­

-la num conjunto histórico mais vasto. Há então no tra­

balho do historiador uma dimensào de frall!ferenáa que

orienta a escolha, a abordagem e o tratamento do seu

objecto de pesquisa, e da qual ele deve estar consciente.

Friedlander define assim a escrita da história, recorren­

do ao léxico da psicanálise, como um acto de «perla­

boraçãQ) (working Ihrough) . .-\ distância cronológica que

separa o historiador do objecto da sua investigação

cria uma espécie de ecrã protector, mas a emoção que,

muitas vezes de forma imprevista e súbita, ressurge no

decurso do seu trabalho inevitavelmente quebra este

diafragma temporal41. Esta empatia ligada à vivência in­

dividual do historiador não tem necessariamente efeitos

negativos. Pode também revelar-se frutuosa, se o histo­

riador dela estiver consciente e a souber «dominaD)~2.

A obra de FriedIander constitui um bom exemplo

de uma tal capacidade de domínio. Em Nazi Germal!Y

41

Page 21: o Passado Modos de Usar Enzo Traverso

and lhe Jewj', inscreveu uma constelação de «destinos in­

dividuais» num relato histórico global da Alemanha no

período anterior à Segunda Guerra :Mundial. Foi assim

capaz de ultrapassar a chvagem tradicional dos estudos

do nazismo: de wn lado as pesquisas, feitas essencial­

mente nos arquivos, que focalizam a atenção sobre a

ideologia e as estruturas do regime; do outro lado, uma

reconstrução do passado exclusivamente fundada sobre

a memória das vítimas, por vezes baseada numa vasta

literatura testemunhal, outras preservada nos arquivos

visuais e sonoros. FriedEinder tentou integrar essas duas

perspectivas para chegar a uma reconstrução global

do processo histórico, introduzindo a voz das vítimas

numa narrativa que de outro modo se reduziria à análise

das decisões políticas e dos decretos administrativos-tl.

Apesar da sua postura positivista, os historiadores

alemàes da geração da Hitletjux,cl1d, ou seja, aqueles que

nasceram entre 1925 e o início dos anos 1930 (Martin

Broszat, Hans Mommsen, Andreas Hillgruber, Ernst

Noite, Hans-Ulrich \Xlehler, etc.), tendem, também

eles, a estabelecer uma empatia com os actores de um

passado que implica recordações pessoais. As investi­

gações sobre a história da vida quotidiana sob o na­

zismo (AI!ta..~igesthü#e) desenham, na maior parte das

vezes, um quadro social de que as vítimas simplesmente

desaparecem+!. Outros não escaparam à armadilha do

42

relato apologético. Para Andreas Hillgruber, jovem sol­

dado da \Xlehrmachf em 1945, ao descrever o último

ano da Segunda Guerra Mundial, o historiador «deve

identificar-se com o destino da população alemã de

leste e com os esforços desesperados e custosos do

Oi/hee," ( ... ) que visavam defender essa população

contra a vingança do exército vermelho, as violações

colectivas, os assassinatos arbitrários e as inúmeras de­

portações, e manter abertas rotas terrestres e marítimas

que permitissem aos alemães dos territórios orientais

fugir em direcção ao Oeste ... »I~. Ora, como lhe re­

cordou Jürgen Habermas, a resistência encarniçada da

Wehrmacht nesse último ano de guerra foi também o

que permitiu a continuação das deportações para os

campos de concentração nazis, onde as câmaras de gás

continuavam a funcionar.

Tradicionalmente, a historiografia não se apresen­

tou sob a forma de um relato polifónico pela simples

razão de que as classes subalternas não eram tomadas

em consideração, o que resultou na redução da narra­

ção do passado aos relatos dos vencedores. Foi esse

historicismo que Benjamin denunciou nas suas TCJeJ

* Conjunto da:; força:; armada:; da ,\\cmanha durantc o Tcrcciro Rcich.

H I ':xército de Le:;te. NT.

43

Page 22: o Passado Modos de Usar Enzo Traverso

Jobre o conceito de hiJtóna, descrevendo o seu método

como uma forma de empatia unilateral com os ven­

cedores~(,. Na verdade, essa «empatia» - a Einjiihlung

do historicismo clássico - não é sempre sinónimo de

apologia. Alguns recusam-na, como Ian Kershaw, na

sua biografia de Hitler, por ele apresentada como um

trabalho de um historiador «estruturalist3),~7. A sua

escolha é motivada tanto pela inconsistência da vida

privada do führer, que reduziria toda a empatia a uma

adesão aos seus desígnios políticos, como pelo seu de­

sejo de distinhJUir a sua biografia da, mais antiga, de

Joachim Fest. Fascinado pela (rgrandiosidade demoní­

aca)) de Hitler, Fest não conseguiu deixar de lhe reser­

var, mesmo sem intenção, «um bom lugar no panteão

dos heróis alemães»~s. Outros adaptaram uma atitude

de empatia critica - muito mais um motivo de abalo

do que de identificação (mais do que empatia, devería­

mos falar de aproximação ({heteropática,,)~<) - que ajuda

a «compreendem o comportamento dos actores sem

procurar justificá-los. p, o esforço empreendido por

Hanna Arendt ao penetrar no universo mental do .r.r _Adolf Eichmann, esforço que não foi compreendido

e que não lhe foi perdoado aquando da publicação do

seu ensaio sobre a «banalização do mah,~(l. É também

o sentido do trabalho micro-histórico de Christopher

Bowning, que tentou compreender por que meio e por

44

que etapas certos «homens comuns", como os mem­

bros do 101.0 batalhão de reserva da policia alemã na

Polónia em 1941, se puderam transformar numa equi­

pa dc massacre prof1ssionaPl.

Os percalços que resultam de uma empatia de sentido

único, desprovida de distância critica em relação ao seu

objecto, são mais frequentes quando a polifonia dos ac­

tores se torna inaudível, escutando-se apenas uma voz,

não havendo lugar a uma interacção entre memórias an­

tagonistas no espaço público. Se na Argélia a indepen­

dência deu rapidamente lugar a uma história oficial da

guerra de libertação, em França o esquecimento não se

podia eternizar. Deveria, mais tarde ou mais cedo, dar

lugar a uma escrita da história alimentada pela multiplici­

dade de memórias. A memória da França colonial, a dos

pied-noir/, a dos harki/"', a dos emigrantes argelinos e dos

seus filhos, e ainda a do movimento nacional argelino,

mantida também pelos seus representantes entretanto

exilados, enleiam-se numa memória da guerra da Ar­

gélia que impede uma escrita da história fundada sobre

uma empatia unilateral, exclusiva. A escrita dessa histó­

ria só se pode fazer sob o olhar vigilante e critico de vá­

rias memória paralelas, que se exprimem no espaço pú-

t Cidadãos franceses LJue viviam na ,\rgdia. N'!'.

H Milicianos nativos ao serviço do exército francês. N:L

45

Page 23: o Passado Modos de Usar Enzo Traverso

blico. Esta interacção de memórias obrigou mesmo os

próprios torcionários a sairem do seu silêncio, a formu­

larem a sua versão do passados2• Concluindo, história e

memória interagem aqui, para retomar uma expressão

muito pertinente de David N. J\lyers, como «categorias

flutuantes no seio de um campo dinâmico»~-'.

Do outro lado dos Alpes, a paisagem memorial e his­

toriográfica é bem diferente. Pouco antes da sua morte,

George L. Mosse, um dos mais fecundos historiadores

do fascismo do pós-guerra, fez o elogio do seu cole­

ga italiano Renzo De Felice, bem conhecido pela sua

monumental biografia de Mussolini. O principal méri­

to de De Felice, segundo ~fosse, residia precisamente

na sua empatia com o fundador do fascismo, no facto

de ter «tentado proceder desde o interior, imaginando

como o próprio .i\fussolini concebia os seus actos»''>-I.

Na sua autobiografia, Mosse conta, em jeito de anedo­

ta, wn episódio da sua adolescência em que se cruzou

com o ditador italiano. Em 1936, T\Iosse estava em Flo­

rença com a sua mãe. O Eixo, entre a Itália fascista e

a Alemanha nazi, tinha acabado de ser estabelecido, o

que provocou agitação entre os judeus alemães que se

tinham refugiado na península, temendo ser entregues

às autoridades nazis (ameaça que se concretizará pela

expulsão em massa em 1938, com a promulgação das

leis raciais). A mãe do jovem Mosse decidiu então escre-

46

ver a J\Iussolini para lhe pedir a sua protecção, depois

de lhe relembrar o auxílio financeiro que o seu marido,

um importante editor alemào durante a República de

Weimar, lhe havia oferecido antes da sua chegada ao po­

der. A curta chamada telefónica que o Dm;e fez à sua mãe

para a tranquilizar mostra, segundo George L. i\.-fosse,

o «carácter de ;\fussolini, ou pelo menos o seu sentido

de gratidãQ)-'i~. Ao contrário de }.fosse, De Felice não

tinha anedotas pessoais para contar sobre o ditador ita­

liano, mas tentou compreender a sua personalidade ao

longo dos diferentes volumes da sua biografia, enorme

traballio escrito com uma Eit~fiihllJllg sempre crescente

ao longo dos anos. Pouco antes da sua morte, De Felice

publicou uma obra muito controversa, RoJ"J"o e J\.Tero, na

qual interpreta a última etapa do itinerário de ~lussolini,

ou seja, o seu papel na guerra civil italiana de 1943-1945.

Segundo De l'elice, «j\.Iussolini, agrade-nos ou não, acei­

ta o projecto de Hitler por motivação patriótica: foi um

autêntico "sacrifício" no altar da defesa da pátria»~('. Os

historiadores franceses estão familiarizados com esta

tese, já defendida por Robert Aron, que apresentou o

regime de Vichy como um ~~escudo» proteetor contra

os tormentos de uma ocupação total do país~7 (evitando

desta forma um destino semelhante ao da Polônia).

Os historiadores do colonialismo fascista trouxeram

à luz documentos que tinham sido ignorados pelas pes-

47

Page 24: o Passado Modos de Usar Enzo Traverso

quisas arquivísticas, bastante extensas, de De Felice. O

ditador italiano demonstra aí um aspecto diferente do

seu carácter e esses documentos emprestam um outro

significado tanto ao seu sentido de gratidão como ao

seu espírito de sacrificio. A 8 de Julho de 1936, Mussoli­

ni telegrafou a Rodolfo Graziani, um dos principais res­

ponsáveis militares durante a guerra da Etiópia, uma di­

rectiva autorizando-o «mais uma vez ( ... ) a levar a cabo

de forma sistemática a política de tcrror e de extermínio

contra os rebeldes e populações suas cúmpliCCs>}S8. Com

uma notável devoção patriótica, Graziani não hesitou

em utilizar as armas químicas para pôr fim à resistência

criope. E foi com gratidão que Mussolini reconheceu os

seus méritos, ao nomeá-lo ministro da Defesa da Repú­

blica de Saló no Outono de 1943.

Foi através da pesquisa de runa enorme quantidade

de documentos destc género que alguns investigadores

italianos puderam reconstituir a história do genocídio

fascista na Etiópia em 1935-1936. ivIas o rcconheci­

mento desse gcnocídio permanece uma aquisição (no

fim de contas, muito recente) exclusivamente historio­

gráfica. Nunca penetrou verdadeiramente na memória

colectiva dos italianos, para quem, no seu con;lUlto, a

recordação da guerra da Etiópia permanece como uma

aventura ingénua e inocente, bem resluuida pela letra

de uma célebre canção da época, que todos conhecem,

48

F"a:ella nera, um concentrado de estereótipos do imagi­

nário colonial. Um conjunto de circunstâncias históricas

(as crises, guerras e ditaduras conhecidas pela Etiópia

até ao presente, tal como a reduzida imigração etiope

em Itália, que nunca foi wn lugar de formação de uma

elite intelectual e política africana) impediu que a voz

das vítimas desse genocídio encontrassem um lugar no

relato italiano dessa guerra. Apesar dos seus esforços,

a historiografia não poderá tapar os buracos de uma

memória mutilada. No melhor dos casos, esta tornar­

-se-á, como na Alemanha, uma história na qual haverá

«crimes sem vítimas}) ou vítimas completamente anó­

nimas sem identidade e sem rosto. Nós não conhece­

mos a·versão da guerra contada pelos companheiros de

I-Iailou Tchebbedé, um dos chefes de resistência etíope;

dele conhecemos apenas as fotos da sua cabeça exibida

como um troféu pelos soldados italianos;'). Esperemos

que os estudos pós-coloniais venham brevemente que­

brar esta dialéctica asfixiada entre história e memória.

Na sua última obra, Hülo~y. Tbe L.aJt ThingJ" Bq(ore lhe

I AS!, Siegfried Kracauer utiliza duas metáforas para de­

finir o historiador. A primeira, a do judeu errante, visa a

historiografia positivista. Como «Punes, cl memorios(»),

o herói do célebre conto de Borges, Ahasvérus, que atra­

vessa os continentes e as épocas, nada pode esquecer e

está condenado a deslocar-se incessantemente, carrega-

49

Page 25: o Passado Modos de Usar Enzo Traverso

do com o seu fardo de recordações, memória viva do

passado de que é o infeliz guardião. Alvo de compaixão,

ele não encarna qualquer sabedoria, nenhuma memória

virtuosa ou educativa, apenas wn tempo cronológico,

homogéneo e vazid'jo. A seglUlda metáfora, a do exilado

- poderíamos também dizer a do estrangeiro, seglUldo a

definição de Georg Simmel -, faz do historiador uma

figura de e_',:traterntonalidade. À semelhança do exilado,

dividido entre dois países, a sua pátria e a sua terra de

adopção, o historiador encontra-se clivado entre o pas­

sado que explora e o presente em que vive. É assim

obrigado a adquirir wn estatuto «extraterritoriab~, em

equihbrio entre o passado e o presente(,]. Como o exila­

do, que é sempre um outsider no país de acolhimento, o

historiador procede a uma intrusão no passado. No en­

tanto, da mesma forma que o exilado se pode familiari­

zar com o país de acolhimento, e sobre ele fazer incidir

um olhar crítico, simultaneamente interior e exterior,

feito de adesào e distanciação, o historiador - não é a

norma, é uma virtualidade - pode conhecer em pro­

fundidade uma época já passada e, graças ao seu olhar

retrospectivo, reconstituir os seus traços com uma mui­

to maior dareza do que os contemporâneos. A sua arte

consiste em reduzir ao máximo as desvantagens que a

distância provoca e tirar o maior proveito das vantagens

epistemológicas que dela provêm.

50

Enquanto «passado!) (Gren:::gánger) extraterritorial,

o historiador é devedor da memória, embora, por seu

lado, actuc sobre esta, já que contribui para a formar e

para a orientar. Precisamente porque, em vez de viver

encerrado numa torre, participa na vida da sociedade

civil, o historiador contribui para a formaçào de uma

consciência histórica e, portanto, de wna memória mledi­

va (plural e inevitavelmente conflituosa, atravessando o

conjunto do corpo social). Dito de outra forma, o seu

trabalho contribui para aquilo que Habermas chamou

«uso público da história>~62. Trata-se de uma constatação

que não precisa de ser sublinhada: os debates alemães,

italianos e espanhóis em torno do passado fascista, os

debates franceses em torno do passado vichista e colo­

nial, os debates argentinos e chilenos em torno do lega­

do das ditaduras militares, os debates europeus e ameri­

canos em torno da escravatura - a lista seria inesgotável

_, ultrapassam largamente as fronteiras da investigação

histórica. Invadem a esfera pública e interpelam o nos­

so presente.

o livro de Ludmila da Silva Catela, f\.To babrá flores en

la tumba dei paiado, sobre a memória das vítimas da dita­

dura militar argentina, é um bom exemplo de investiga­

ção histórica que faz da memória o seu objecto, ao mes­

mo tempo que se inscreve num contexto sensível, ine­

vitavelmente participando numa utilização pública da

51

Page 26: o Passado Modos de Usar Enzo Traverso

história(,". Trata-se, desde logo, de hútória ora!, porque a

autora fez um inquérito entre os familiares (pais, filhos,

irmãos e irmãs) dos desaparecidos de La PIata, cidade

onde a repressão militar foi particularmente virulenta

e extensiva. É o relato do seu medo, da sua esperança,

da sua espera, da sua ira, da sua coragem, da sua ne­

cessidade de agir, do seu alívio depois de cada pequena

acção pública. Trata-se, em seguida, de história polítúu:

como se começaram a organizar, como encontraram a

força para agir publicamente, como inventaram formas

de luta (denúncia, contra-informação) e símbolos (o

paiiue!o", etc.). De que forma estas acções responderam

a um imperativo moral, a uma necessidade pessoal, e

Como deram lugar a um movimento político Com um

forte impacto no conjunto da sociedade civil. Como

as mães, e por vezes as avós, que eram domésticas, se

tornaram as dirigentes de um movimento da socieda­

de civil contra a ditadura militar. Trata-se ainda, a par

da história oral e da história política, de antropologia e

púcologia: um estudo sobre o sofrimento e sobre a im­

possibilidade do luto ligados ao desaparecimento. Os

familiares sabem que os desaparecidos morreram mas

não os podem considerar como tal porque os seus cor­

pos nunca foram encontrados. Daí a especificidade, e

* Ll.:oço quI.: as mulhl.:rcs usam na cabl.:ça. N:L

52

até a criatividade, de uma rememoração que acompa­

nha esse luto simultaneamente inesgotável e impossível

(os desfiles das Madrel, o aparecimento dos panuelos, as

fotografias dos desaparecidos na imprensa, o «assédio»

às autoridades, a abertura dos arquivos, os processos,

a procura dos corpos das vítimas, os eüTadles, ou seja,

as denúncias públicas em frente às casas dos torcioná­

rios, etc.). Uma rememoração profundamente ancorada

no presente, como o provam as madrej" e os hijoj" que

apoiam os piquetes dos desempregados, porque a luta

dos piqueteroi pela «dignidade humana» é a mesma que

a dos seus filhos e dos seus pais mortos pela ditadura,

Assim é este livro de história, fundado numa empatia

crítica que volta a dar um rosto e uma voz a quem a

ditadura militar tinha querido apagar sem deixar rasto,

explorando a sua memória, através da suas famílias, na

Argentina de hoje,

53

Page 27: o Passado Modos de Usar Enzo Traverso

II

o tempo e a força

Tempo hÍJlórico e tempo da memória

A história e a memória têm as suas próprias temporah­

dadcs, que se cruzam, se chocam e se entretecem cons­

tantemente, sem que, no entanto, cheguem a coincidir

inteiramente entre si. A memória é portadora de uma

temporalidade que tende a pôr em causa o continuum da

história. Walter Benjamin ilustra-o nas suas Teses sobre

o cOflaito de históda. Na tese XV é evocado um episó­

dio curioso da revolução de Julho de 1830: ao cair da

noite, depois dos combates, em vários locais de Paris e

ao mesmo tempo, as pessoas disparavam sobre os reló­

gios como se quisessem parar o dia 1• A temporalidade

da revolução - a Revolução Francesa tinha introduzido

55

Page 28: o Passado Modos de Usar Enzo Traverso

um novo calendário - não é a dos relógios, mecânica e

vazia, mas antes, esclarecia Benjamin, a da «lembran­

ça», a da revolução como acto redentor da memória

dos vencidos. Nos seus comentários sobre as teses de

Benjamin, l'vrichael Lówy mostra uma outra imagem es­

pantosamente homóloga à dos insurrectos de 1830. É

uma fotografia datada de Abril de 2000, onde figuram

indígenas a disparar sobre o relógio das comemorações

oficiais do quinto centenário da descoberta do BrasiF.

~"\ memória dos oprimidos não se priva de protestar

contra o tempo linear da história. Ela exige, segllildo

Benjamin, «um presente que não é de forma alguma

a passagem do tempo, mas antes a sua paragem e blo­queÍQ)-'.

Para ter lugar, a prática historiográfica exige um dis­

tanciamento, uma separação ou mesmo uma ruptura

com o passado, pelo menos na consciência dos con­

temporâneos. Isto constitui uma premissa essencial

para proceder a uma his/oáâzação, ou seja, uma perspec­

tivação histórica do passado. Essa distância instala-se

muito mais através de fracturas simbólicas (por exem­

plo na Europa, 1914, 1917, 1933, 1945, 1968, 1989,

etc.) do que em virtude de um simples distanciamento

temporal. A essa distância engendrada por uma ruptu­

ra corresponde normalmente a acumulação de certas

premissas materiais da investigação; desde logo, a cons-

56

f

tituição e abertura de arquivos privados e públicos. Mas

esta condição é secundária e derivada. A Era dos Extre­

mos de Eric Hobsbawm ou a obra colectiva O Sérulo dos

Comunismos não poderiam ter visto a luz do dia antes da

queda do Muro de Berlim e do desmoronamento da

URSS~. Um trabalho pioneiro como Le Breviaire de la

IJaine de Uon Pohakov (1951) pressuplUlha nào apenas

o fim da guerra e a queda do nazismo, como também a

possibilidade de consultar os arquivos que tinham per­

mitido instruir os processos de Nuremberga'. Enfim,

para escrever um livro de história que nào seja somen­

te um trabalho de erudição é também necessária uma

procura social, pública, o que remete para a intersecção

da investigação histórica com os percursos da memória

colectiva. É por isso que La Des/n/dio" deJjlJ~fs d'l;;urope

de Raul Hilberg teve um impacto muito reduzido no

momento da sua primeira edição em 1960, tornando-se

uma obra de referência apenas a partir dos anos 1980().

A memória, por seu lado, tende a atravessar várias

etapas que poderíamos, retomando o modelo proposto

por Henry Rousso em Le S)ndrome de Vidry, descrever

da seguinte forma: pritneiro, um acontecimento mar­

cante, uma viragem, muitas vezes um trauma; depois,

uma fase de recalcamento, mais tarde ou mais cedo

seguida de uma inevitável anamnese (o «regresso do

recalcadQ)) que pode, por vezes, converter-se em ob-

57

Page 29: o Passado Modos de Usar Enzo Traverso

sessão memoriaF. No caso do regime de Vichy, esse

modelo corresponde ao fim da guerra e à Libertação,

ao recalcamento dos anos 1950 e 1960, à anamnese a

partir dos anos 1970 e, por fim, à obsessão actual. No

caso alemão: a Schulc!frage de ]aspers em 1945, o recal­

camento no período de Adenauer, a anatnnese a partir

de 1968 e, por fim, uma obsessão com o passado que

teve o seu ponto culminante com a Hislorikerstreit', o

caso Goldhagen, a polêmica Bubis-Walser e a exposição

sobre os crimes da Wehrmacht organizada pelo InstituI

.flk S o~/a!forschung de Hamburgo.

Duran te a fase do recalcamento, a reivindicação do

«direito de memória» assume um tom critico, quando

não a aparência de uma revolta ético-política contra

o silêncio cúmplice. Quando o governo de Adenauer

incluiu entre os seus ministros antigos nazis, como

Hans Globke, um dos autores das leis de Nuremberga,

: Adorno considerou a expressão «superar o pa~~-ad-~):'

(Vergangenheif Bewii/t(f!,ung), então muito em voga, como

uma mistificação que procurava «virar definitivamente

a página e se possível apagá-la da própria memória».

Falar de «reconciliação» significa neste caso reabilitar

os culpados, numa época em que «a sobrevivência

do nazismo dentro da democracia representa maior

* A controvérsia dos historiadores. NT

58

perigo potencial do que a sobrevivência de tendências

fascistas dirigidas !'"ontra a democracia»ll. Jean Améry

reivindica o seu «ressentimento» quando «o tempo fez

o seu trabalho, em paz», e «a geração dos extermina­

dores» envelhece placidamente, sob o respeito geral;

e neste cenário, conclui, é ele quem «carrega o fardo

da culpa colectiva», não eles, «o mundo que perdoa

e esquece»'). Pelo contrário, durante a fase da obses­

são, como a que hoje atravessamos, o «dever de mem­

ória» tende a se tornar uma fórmula retórica e con­

formista.

A historiografia seguiu, grosso modo, o percurso

da memória. Não seria difícil mostrar que a produção

histórica sobre Vichy e sobre o nazismo conheceu um

assinalávcl desenvolvimento no momento da anamne­

se e alcançou um pico durante a fase da obsessão. Foi

alimentada por essas etapas e, por sua vez, moldou-as.

Basta pensar na Alemanha Federal, que domina hoje

em dia a investigação sobre o genocídio dos judeus,

mas onde, nos anos 1950, os trabalhos pioneiros de

]oseph Wulf c Léon Poliakov foram rejeitados como

<<I1ão científicos»w. Esta correlação não é, todavia, li­

near: as temporalidades histórica c memorial podem

também entrar em colisão, numa espécie de {(llão-con­

temporaneidade» ou de «discordância dos tempos» (a

U/lgleúh~eitl~f!,keit teorizada por Ernst Blochll).

59

Page 30: o Passado Modos de Usar Enzo Traverso

São Inumeráveis os exemplos de coexistência de

temporalidades diferentes. A literatura, o cinema e uma

imensa produção sociológica analisaram o conflito

entre tradição e modernidade, que assume, sobretudo

nas grandes cidades, a forma de wn choque geracional

entre pais emigrados e filhos nascidos no país de aco­

lhimento. Os judeus polacos de Nova Iorque descritos

por Isaac Bashevis Singer, os paquistaneses de Londres

narrados por Hanif Kureishi, os italo-americanos fil­

mados por Martin Scorcese nos seus primeiros traba­

lhos, justapõem no seio de uma mesma familia visões

do mundo e modos de vida distintos que remetem para

percepções do tempo e para memórias completamen­

te diferentes, por vezes incompatíveis. Os zapatistas de

Chiapas fazem coabitar o tempo cíclico das comunida­

des indígenas com wn projecto político de libertação

que se inscreve numa narrativa marxista da modernida­

de (embora liberta de mitologias progressistas) e tam­

bém no «presente perpétuo)) do mundo contemporâ­

neo, o da dominação globalizada que combatem12.

Queria apresentar como exemplo um caso significa­

tivo e paradoxal de discordância de tempos, de colisão

entre o olhar histórico e a memória colectiva: a recep­

ção do ensaio de Hannah Arendt sobre o processo de

Eichman em Jerusalem, cujo subtítulo, «a banalidade

> do mah); provocou escândalo 0. Esse processo foi pre-

60

cisamente uma viragem que pós fim ao longo período

de ocultação e esquecimento do genocídio dos judeus

e deu início ao momento da anamnese. Pela primeira

vez, o judeucídio' tornou-se um tema de reflexão para

a opiniào pública internacional, muito além do mundo

judaico. Foi também um momento catártico de liber­

tação da palavra, já que um grande número de sobre­

viventes do extermínio nazi veio ao processo prestar

testemunho. Ora, no momento em que o mundo to­

mava consciência da amplitude do genocídio judaico,

que aparecia agora como um crime monstruoso e sem

precedentes, Hanna Arendt focalizava o seu olhar em

Eichmann, um representante típico da burocracia ale­

mã que encarnava, a seus olhos, a banalidade do mal.

_Arendt, cujos escritos dos anos 1940 provam ter sido

dos primeiros, nwn mundo então cego, a perceber a

dimensào desse crime, já nào concentrava a sua atenção

nas vítimas mas nol~arrasco. i\doptava aquilo que Raul

Hildberg definiria, bastante mais tarde, como a «pers­

pectiva do executoo)l"', um executor que ela podia enfim

observar olhos nos olhos, em carne e osso. Ao adoptar

essa perspectiva, Arendt confrontava-se com um crime

monstruoso perpetrado por executores que nào eram

monstros habitados pelo ódio e pelo fanatismo, mas

* Na vcrsão orihrinal, «judéocidc). N:J:

61

Page 31: o Passado Modos de Usar Enzo Traverso

gente normal., Os observadores e os comentadores do

1 processo, pelo contrário, tinham adoptado uma outra

perspectiva, a da memória dos sobreviventes que re­

viviam o seu sofrimento no presente. A ferida estava

ainda aberta e a sangrar; apenas tinha estado escondida

e aparecia agora à luz do dia. A sua atenção estava con­

centrada nos testemunhos dramáticos prestados duran­

te o processo pelos sobreviventes, em face dos quais

Eichmann não era mais do que um símbolo. Em tais

circunstâncias, a bailai idade do mal invocada por .-\rendt

nào foi vista como uma noção susceptível de compre­

ender as motivações e as categorias mentais dos execu­

tores mas, muito simplesmente, como uma tentativa de

banalizar um dos piores crimes da História da huma­nidade''>,

O modelo tomado de empréstimo a Henry

Rousso pode, contudo, conhecer numerosas variantes.

Na Turquia, por exemplo, a memória e a história do

genocidio dos armênios nunca podem ser elaboradas

e escritas no espaço público. Foram desenvolvidas fora

do país, na diáspora e no exílio americano, com todas

as consequências que isso implicau,. Por um lado, a me­

mória erigiu-se não apenas contra o esquecimento, mas

sobretudo contra um regime político que oculta e nega

o crime no presente. Por outro lado, a escrita da história

sofreu diversos entraves, visto que a ocultação passou

62

r

pelo encerramento dos arquivos e a multiplicaçào dos

obstáculos à investigação17.

O recalcamento pode perpetuar-se também de ou­

tras formas. A. memória do estalinismo é profundamen­

te heterogéllea, uma vez que é simultaneamente memória

da revolução e do Gulag, da «grande guerra patriótica»

e da opressão burocrática. Acompanhou, durante várias

décadas, um regime no poder. Nesse contexto, a sua ex­

pressão pública aparecia como uma forma de combate

- e assim foram considerados os livros de Gustav I-Icr­

ling, de Alexandre Soljenitsyne, de Vassili Grossman e

de Varlam Chalamov - contra um regime que não se

podia arquivar como passado, nem colocar à distância.

Essa memória é hoje em dia asfixiada, dez anos depois

da queda da URSS. O processo de integração da me­

mória do estalinismo na consciência colectiva iniciou-se

no decurso dos anos 1980, no período de Gorbatchev,

quando se multiplicaram as associações dos antigos

deportados e as reivindicações em favor da reabilita­

ção das vítimas. Esse movimento foi bruscamente in­

terrompido sob a presidência de Ieltsine, que marcou

uma viragem. O trabalho de luto e de apropriação de

um passado proibido abriu caminho a para uma reabi­

litação massiva da tradição nacional. A vergonha ligada

à tomada de consciência do estalinismo foi substituída

pelo orgulho de um passado russo (a que pertencem tan-

63

Page 32: o Passado Modos de Usar Enzo Traverso

to os czares como Estaline)IH. Um fenômeno análogo

caracterizou os países do ex-Império Soviético, onde a

in tradução da economia de mercado e a emergência de

novos nacionalismos marginalizaram completamente a

recordação das lutas por wn ((socialismo de rosto hu­

mano»,

Em I tália, onde o antifascismo foi o pilar das ins­

tituições republicanas nascidas no fim da Segunda

Guerra j\.fundial, a interpretação histórica do fascismo

foi, durante uns bons trinta anos, indissociável da sua

condenação ética e política. A partir do fim dos anos

1970 desenvolveu-se uma nova leitura do passado,

muito mais preocupada em colocar em evidência os

consensos sobre os quais se apoiou o regime de Mus­

solini e, ao mesmo tempo, decidida a libertar-se dos

constrangimentos da tradição anti fascista. Durante os

anos 1990, essa viragem historiográfica acentuou-se

com o fim dos partidos que tinham criado a república

(o Partido Comunista, a Democracia Cristã e o Partido

Socialista) e a legitimação dos herdeiros do fascismo

como força de governo (a actual Aliança Nacional).

Esta mutação foi acompanhada pelo regresso do re­

calcado (o fascismo) ao espaço público, com efeitos

inesperados e paradoxais. Por um lado, traduziu-se no

fim do esquecimento das vítimas do genocídio judai­

co (anteriormente sacrificados no altar da guerra de

64

libertação nacional, na qual todos os deportados se

tornaram automaticamente mártires da pátria, portan­

to deportados políticos) e, por outro lado, na reabili­

tação do fascismo, ou seja, dos seus perseguidores. A

crise dos partidos e das instituições que encarnavam a

memória anti fascista criou as condições para a emer­

gência de uma outra memória, até então silenciosa e

estigmatizada. O fascismo é agora reivindicado como

uma parte da história nacional, o antifascismo rejeita­

do como uma posição ideológica «antinacionah> (o 8

de Setembro de 1943, data da assinatura do armistício

e início da guerra civil, foi apresentado como um sím­

bolo da «morte da pátria»I'). O resultado foi, no Outo­

no de 2001, um discurso do presidente da República,

Carla Azeglio Ciampi, comemorando indistintamente

«todas» as vítimas da guerra, ou seja, judeus, soldados,

resistentes e milicianos fascistas, agora afectuosamen­

te apelidados «(OS rapazes de Salà»2(1. Dito de outro

modo, tratou-se de uma comemoração conjunta dos

que morreram nas câmaras de gás e dos que os identi­

ficaram, prenderam e deportaram, como se, ao render

homenagem, o Estado não tivesse que se pronunciar

sobre os valores e as motivações dos actos praticados,

ou, pior ainda, como se pudesse colocar no mesmo

plano carrasCOS e vítimas, objectos de memórias «si­

métricos e compatíveis»~I.

65

Page 33: o Passado Modos de Usar Enzo Traverso

Nessa perspectiva, a instituição por decreto gover­

namental de um «dia da memória» (27 de Janeiro) para

comemorar as vítimas da Shoah foi logicamente seguida

pela instituição de dois outros dias: o «dia da rccorda­

ÇãOi) (10 de Fevereiro) e o «dia da liberdade» (9 de No­

vembro). O primeiro visa evocar os italianos expulsos da

Ístria em 1947, com base mun tratado internacional, e

aqueles que foram mortos pela resistência jugoslava en­

tre 1943 e 1945, atirados para fendas nas montanhas que

encimam Triestc (Poibe). O segundo dia celebra a recor­

dação das vítimas do comunismo que simbolicamente

recuperaram a liberdade no dia da queda do !..1uro de

Berlim. A simetria antitotalitária torna-se assim perfeita,

mesmo se a sua consequência, como nos lembra Claudio

Magris, consiste em transformar a igualdade das vítimas

- todas dignas de memória e de pietaJ - em «igualdade

das causas pelas quais elas morreraw)22, ao misturar cri­

mes de natureza completamente diferente. Essa simetria

antitotalitária coincide agora, porém, com wna dissime­

tria da memória nacional que mantém viva a recordação

das vítimas italianas da resistência titista mas esquece,

tranquilamente, as vítimas jugoslavas da ocupação pro­

tagonizada pelo fascismo italiano, cuja violência asswniu

contornos semelhantes à dos nazis na frente orientaF-'. E

nem será preciso referir que as vítimas do colonialismo

italiano escapam a esta lógica de memória antitotalitária.

66

r

Em Espanha, a recordação da guerra civil foi con­

fiscada e instrumentalizada pela propaganda do regime

franquista que, durante trinta e cinco anos, organizou o

apagamento dos rastos da sua própria violência enquan­

to estigmatizava a dos republicanos. Depois da morte ~

do ditador, em 1975, a opção por uma transição pacífica \

para a democracia no quadro das instituições monárqui­

cas foi aceite pelo conjunto das forças políticas, tanto de

direita como de esquerda, 9:ue partilhavam o receio de

uma outra guerra civil (o que prova que a sua memória,

ainda que subterraneamente, estava bem vivaf'· 1.las,

contrariamente à .\frica do Sul dos anos 1990, onde,

graças ao trabalho da comissão «Verdade e Justiça)), a

transição pacífica para a democracia pós-aparthcid pôde

ser acompanhada de um reconhecimento da verdade e

de uma elaboração do luto, em Espanha optou-se por

wna transição amnésica, prolongando o recalcamento

ofici~l por mais de uma geração. Foi apenas no final

dos anos 1990 que a questão da memória da guerra ci­

vil voltou ao primeiro plano. Enguanto a historiografia

dedicou a sua atenção à violência do regime franguista

_ procedendo a uma nova contagem das vítimas, até

aí bastante deficitária~:; - ou a outros fenômenos an­

teriormente ignorados, caso do exílio republicano2<>, a

nível da sociedade civil iniciou-se um trabalho de luto

pelas vítimas da ditadura gue havia sido impossibilitado

67

Page 34: o Passado Modos de Usar Enzo Traverso

,. --

pela amnistia e pelas formas políticas da transição. Fo­

ram exumados os restos mortais de várias centenas de

militantes republicanos, anarquistas ou comunistas que

tinham sido fuzilados de forma sumária, sem processo

e sem certidão de óbito, e que, como tal, haviam ficado

fora dos cemitérios, sem direito a wna sepultura legal.

O luto clandestino das famílias pôde finalmente tornar­

-se público, provocando uma anamnese colectiva e sus­

citando um vasto debate sobre a relação da Espanha

contemporânea com o seu passadon . Nesse contexto

surgiu a tentação ilusória e mistificadora de uma memó­

ria reconciliada super partes, manifesta na decisão gover­

namental, em Outubro de 2004, de fazer desfilar juntos,

nwna festa nacional, um velho exilado republicano e um

ex-membro da Divúión A!(!'I que Franco enviou para a

Rússia em 1941 a fim de combater ao lado dos exércitos

alemães. Ocorreu também, inevitavelmente, wn debate

sobre o destino dos inwneráveis monumentos erigidos

em honra do Caudillo e que decoram as cidades e vilas

espanholas: devem ser conservados como lugares de ",

memória (uma memória que, para uma parte da socie­

dade, assume uma feição nostálgica)? Devem ser demo­

lidos, à semelhança do que foi feito em todos os países

da Europa Central no momento da queda das ditaduras

estalinistas, num gesto emancipador, neste caso muito

(se não mesmo demasiado) tardio? Há wna dezena de

68

r anos que estas questões sào apaixonadamente debatidas

em Espanha, país onde a memória está longe de se en­

contrar apaziguada.

Na .\rgentina, ao invés, a memória dos crimes da di­

tadura militar começou a manifestar-se na cena pública

antes do fim da própria ditadura, ajudando ao seu isola­

mento e deslegitimação (escrevo «memória) porque os

desfiles com as fotos dos desaparecidos eram já formas

de comemoração). Devido às modalidades específicas

que a criminalidade do regime assumiu - o desapareci­

mento de dezenas de milhares de pessoas cujos corpos

nunca foram encontrados -, a fase do luto e da dor

perenizou-se, não houve lugar para o esquecimento. ~"o

mesmo tempo, por causa das formas que a transição

para a democracia assumiu, sem ruptura radical, sem

um verdadeiro saneamento das instituições militares,

com alguns processos a que se seguiram leis de amnistia

que deixaram os carrascos impW1es, a memória não deu

lugar à história2H• L\ ditadura militar não se desmoro­

nou como o fascismo na Europa em 1945, retirou-se

discretamente de cena. Em suma, não foi possível es­

tabelecer uma distância em relação ao passado: houve

um distanciamento cronológico mas nào uma separarão

marcada por rupturas simbólicas fortes. Somos aqui

confrontados com aquilo a que Dan Diner chamou

um «tempo comprimidQ) (!!plaute Zeit) que se recusa a

69

Page 35: o Passado Modos de Usar Enzo Traverso

dar-se como passado:!'.!. Uma das condições fundamen­

tais para o nascimento de uma historiografia das ditadu­

ras do Cone Sul, tanto a chilena como a argentina, nào

está ainda estabelecida.

o que nos leva, de novo, a IsraeL Se o processo

Eichmann é um exemplo de colisão entre a memória

e a escrita da história, o itinerário do sionismo oferece

outros exemplos de encontros (tardios) entre os dois.

É o caso da releitura da guerra de 1948 pelos «novos

historiadores~) israelitas (Benny Ivlorris, Ilan Pappé e

outros). Tendo por base uma investigação arquivística

- embora ignorando a historiografia palestini~na e os

testemunhos dos refugiados -, esses historiadores pu­

seram radicalmente em causa o mito sionista da «fuga~~

palestina e apresentaram a guerra de 1948, se não como

uma expulsão planificada, pelo menos enquanto um

conflito que se tornou, de fado, a ocasião para realizar o

pro;ecto sionista de um Estado judaico J'em árabeJ. His­

toriadores como l1an Pappé detectaram nesta guerra

traços de uma campanha de depuração étnica. Essa his­

toriografia confirma os relatos da Nakba (a «catástto­

fe~~), a recordação do êxodo preservada pela memória

dos refugiados e reconstituída por uma historiografia

palestina nascida no exílio sob o impacto desse, trau­

ma3(). Essa memória e essa escrita da história tinham

até agora permanecido acantonadas no mundo árabe,

70

r colidindo quer com o relato sionista (a história como

epopeia nacional judaica), quer com a consciência his­

tórica do mundo ocidentaL Uma vez que o Estado de

Israel tinha sido criado como uma forma de reparação

pelo genocídio sofrido pelos judeus na Europa, seria

difícil admitir que o seu nascimento tivesse coincidido

com um acto de opressão. Essa convergência entre o

relato palestino da Nakba e a revisão do relato da «guer­

ra de libertaçãm~ pela historiografia judaica é a premissa

indispensável para que duas memórias nacionais pos­

sam um dia coexistir num espaço comum (sob a forma

de dois Estados, de uma federação ou de um Estado

binacional). Existiria assim uma convergência entre o

«tempo comprimido» da memória palestina - a I\:akba

como eterno presente - e uma anamnese israelita im­

pulsionada pelo trabalho historiográfico.

((Memórias fortes» e ((memón'as fracas))

A única diferença entre uma língua e um dialecto, diz

um aforismo diftmdido entre os povos minoritários, é

que uma língua é protegida por uma policia e tUll dialec­

to não. Poderia estender-se essa constatação à memória.

Existem memórias oficiais, alimentadas pelas institui­

ções, ou seja, os Estados, e memórias subterrâneas, es­

condidas ou interditas. A «visibilidade~~ e o reconheci-

71

Page 36: o Passado Modos de Usar Enzo Traverso

mento de uma memória dependem também da força de

quem a possui. Dito de outra forma, existem «memó·

rias fortes}} e «memórias fracas)}. Na Turquia, a memória

arménia é ainda hoje proibida e reprimida. N a América

Latina, a memória indígena exprimiu-se durante o quin­

to centenário da descoberta do continente como uma

memória antagonista, directamente oposta à memória

oficial dos Estados nascidos da colonização e do ge­

nocídio. Força e reconhecimento não são dados fixos

e imutáveis, evoluem, consolidam-se ou fragilizatIl-se,

contribuindo em permanência para a redefinição do es­

tatuto da memória. Numa época em que a URSS era

uma grande potência, e o movimento operário dispu­

nha de uma força social e política considerável, a me­

mória comunista era poderosa, sectária e arrogante;

hoje parece novamente atirada para a clandest.inidade.

Perpetua-se como recordação de uma comunidade de

vencidos, estigmatizada, quando não abertamente cri­

minalizada, pelo discurso dominante. A memória armé­

nia permanece fraca, já que os seus negadores dispõem

de um Estado reconhecido no plano internacional, a

quem os outros Estados frequentemente preferem não

recordar o passado, por conveniência econÓmica ou

geopolítica. i\ memória homossexual apenas agora

começa a exprimir-Se publicamente. Durante déca­

das, as associações que representavam os homossexu-

í

ais deportados para os campos de concentração nazis

foram expulsas manu militan' das celebrações oficiais

como portadoras de uma recordação vergonhosa e ino­

minável. As leis que tinham permitido a sua deporta­

ção - o parágrafo 75 do código penal da República de

Weimar - foram abolidas bem tardiamente no pós­

-guerra, quando um grande número de ex-deportados

já tinha sido indemnizado.

A memória da Shoah, cujo estatuto é hoje tão uni­

versal que funciona como «religião civiL> do mundo

ocidental, ilustra bem essa passagem de uma «memória

fraca" a uma «memória forte". O historiador americano

Peter Novick estudou essa mutação no seio da socieda­

de americana-'H. Abordou quatro etapas fundamentais.

Primeiro, os anos de guerra, quando para os Estados

Unidos da América o principal inimigo era o Japão.

Roosevelt teve nesse período uma preocupação maior:

evitar que a intervenção americana na Europa apare­

cesse como uma «guerra pelos judeus». Durante este

período, o extermínio dos judeus não é, em nenhum

momento, objecto de uma atenção particular e o país

não estava minimamente atormentado pelos remorsos

de não ter podido, ou de não ter querido, impedir tal

crime. Os judeus não deram prova, à época, de uma

maior consciência ou sensibilidade no que respeita aos

acontecimentos trágicos do velho mundo do que os

73

Page 37: o Passado Modos de Usar Enzo Traverso

outros cidadãos americanos; no fim do conflito, esta­

vam sobretudo orgulhosos do seu país, que contribuíra

para a derrota do nazismo.

Durante um segundo período - os anos 1950 e a pri­

meira metade dos anos 1960 -, o judeucídio está ausen­

te do espaço público. ~'\ lembrança do Holocausto não

encontra terreno fértil mas exigências da luta contra

o «totalitarismOi). No momento em que a Guerra Fria

faz da URSS o inimigo totalitário contra o qual devem

ser mobilizadas todas as energias do «mundo livre», a

evocação dos crimes nazis pode desorientar a opinião

pública e criar obstáculos à nova aliança com a Repú­

blica Federal da Alemanha. Os judeus americanos são

suspeitos de simpatia para com o comunismo. Julius e

Ethel Rosenberg serão dos poucos a falar de Auschwitz

na América dos anos 1950, durante o processo que os

condenará à morte, e as instituições judaicas opõem-se

a toda e qualquer edificação de monumentos ou luga­

res comemorativos referentes ao massacre hitleriano.

É o tempo de valorização dos heróis e de exibição da

força como uma virtude nacional: os judeus america­

nos querem identificar-se (e integrar-se) nessa América

conquístadora c, sobretudo, não querem aparecer como

uma comunidade de vítimas.

A transição inicia-se, segundo Novick, no decurso

dos anos 1960. E inica-se, desde logo, com o proces-

74

r 50 Eichmann, que constitui a primeira aparição pública

da memória do 1101ocausto. Continua, posteriormente,

com a guerra dos Seis Dias, em 1967, após a qual o

termo «HolocaustO», até então pouco ou nada utiliza­

do para definir o genocídio dos judeus, entra no uso

corrente. Essa guerra produziu wna clivagcm singular

que persiste: uma grande parte dos judeus da diáspora

vive o conflito como ameaça de um novo aniguilamcn­

to, enquanto a opinião árabe considera Israel como um

poder neocolonial. Desde então que a memória de Aus­

chwitz está intimamente ligada à percepção do conflito

israclo-árabe, com todos os curto-circuitos ideológicos

e os usos políticos a estes associados. Aí reside uma das

fontes do negacionismo difundido no mundo árabe,

que não tem relação com a história do antissemitismo

europeu. Para wna parte da opinião árabe, a Shoah seria

wn «mitO») judaico utilizado, se não mesmo fabricado,

para legitimar uma política de opressão dos palestinos.

Israel, pelo contrário, tem tendência a olhar a recusa

árabe através do prisma da Shoah, a tal ponto que os

responsáveis de Tsahal tinham o hábito de chamar às

fronteiras de 1967 «a fronteira de Auschwitz»"'~. Para

uns, o nascimento de Israel é o símbolo de uma ressur­

reição, para os outros, de uma catástrofe, a Nakba: wna

confrontação violenta entre memórias que não conse­

guem encontrar a via de um diálogo.

75

Page 38: o Passado Modos de Usar Enzo Traverso

Em 1982, indignado com os crimes cometidos du~

rante a ocupaçào israelita do Ltbano, o director do

Instituto de História das Ciências da Universidade de

Tel-Aviv, Yehuda Elkana, sobrevivente de Auschwit7.,

publicou no diário Haaretz um artigo provocador suge­

rindo aos seus concidadàos a virtude do esquecimento.

«Nós, nós devemos esquecer». É preciso construir o fu­

turo, escreveu ele, e não «ocupar-se, dia e noite, com o

simbolismo, as cerimónias e a herança do genocídio. O

jugo da memória deve ser extirpado das nossas vidas»"'·'.

Redescobria assim as virtudes cívicas do esquel:immto, que

os gregos antigos tinham prescrito como uma política

de reconciliação, em 403 a.c., depois da oligarquia dos

Trinta Tiranos·'~. O sentido da reflexão de Elkana é cla­

ro: se o esquecimento é, tratando-se dos perseguidores

e dos que recolheram a sua herança, repreensível, a me­

mória nào é sempre virtuosa e pode ser também fonte

de abusos.

A última fase é aberta pela difusào da série televisiva

H%m/ul (1978), que terá um impacto tremendo, tanto

nos Estados Unidos como na Europa, especialmente

na Alemanha. O genocídio judaico torna-se um prisma

de leitura do passado e um elemento essencial de de­

finição tanto da consciência histórica ocidental como,

sobretudo, da identidade judaica. Tornou-se um objecto

de investigação científica e de ensino (desde então que

76

os Holot-auJ"t Studtú são uma disciplina consolidada na

lUliversidade), de comemoração pública (com a criação

de monumentos, memoriais, museus, cerimónias ofi­

ciais) e mesmo de reificação mercantil pelos média e

pela indústria cultural (Hollywood). A memória do ge­

nocídio conhece então, sublinha N ovick, um processo

de (a~;;,:>~~i~:'PfiioJou seja, entra na consciência históri---------- . -------..... ca dos Estados Uniqos, e deL!atra/iS!!.f:~,i até se tornar

numa espécie de «religião civID>, com os seus dogmas

(o seu carácter único e incomparável) e os seus «santos

seculares» (os sobreviventes transformados em ícones

vivos). O surgimento de tal memória oficial inscreve­

-se num contexto cultural marcado pelo abandono, por

parte dos judeus americanos, do ethoJ integracionista

dos anos 1950 e 1960, a favor de um ethoJ particularis­

ta. A fórmula de \Viesel - o Holocausto como acon­

tecimento que tem tanto de único como de lUlÍversal

- resume bem essa americanização do Holocausto e ao

mesmo tempo a sua transformação em pilar da iden­

tidade étnico-cultural judaico-americana. Essa identifi­

cação com as vítimas, explica Novick, é possível não

pela fraqueza mas pelo poderio dos judeus no seio da

sociedade americana. Daí o seu cepticismo: ~a sacrali­

EO do Holocausto é uma má política da memória:

Se ;-';~~~~-~~t;-d~-~;ci~";~~-~~:~-d~- iudeucidi~': sublinha ainda, desempenhou um papel importante na

77

Page 39: o Passado Modos de Usar Enzo Traverso

, .

v

formação da consciência histórica europcia, nos Esta­

dos Unidos favorece, pelo contrário, uma «eva.rào da res­

ponsahilidade moral e política~)3~. Chegamos assim ao

paradoxo da criação de um museu federal do Holocaus­

to, consagrado a uma tragédia consumada na Europa,

enquanto nada de comparável existe para as duas expe­

riências ftmdadoras da história americana, que são o ge­

nocídio dos índios c a escravidão dos negros. Enquan­

to se inaugurava o museu do Holocausto em 1995, 05

Correios emitiam um selo que 'celebrava o bombardea­

mento atômico de Hiroshima e Nagasalci como o feliz

acontecimento que havia posto fim à Segunda Guerra

l\.1undial'\!'. Na sua última obra, Olhando o Sofrimento do.!"

Outros, Susan Sontag apontou o dedo a esse uso muito

selectivo da memória. O Holocausto, escrcvc, foi «na­

cionalizadO) e transformado em vector de wna política

da memória singularmente alheada dos crimes em que a

América não dcsempenhou o papel de libertadora mas

antes de perseguidora. «Instituir wn museu que contas­

se esse grande crime que foi a escravidão dos africanos

nos Estados Unidos da América significaria relembrar

que o mal estava aqui. Os americanos, pelo contrário,

preferem relembrar o mal que estava lá, e de que os

~,stados Unidos ( ... ) estão isentos. O facto de este país,

como todos os outros, tcr um passado trágico, não se

compagina inteiramente com a confiança fundacional,

78

ainda pujante, no destino excepcional americano.»,17

Nos Estados Unidos, acrescenta Novick, «a memória

do Holocausto é tão banal, tão inconscqucnte, que não

é verdadeiramente uma memória, precisamente por ser

tão consensual, desligada das divisões rcais da sociedade

americana, apolítú·{J)3H. Novick não é o primeiro a fazer

esta constatação. I lá dez anos, ;\rno .i\Iayer denunciou

um «culto da recordaçãO) rapidamente transformado

em «sectarismo exacerbado», graças ao qual o massacre

dos judcus sc tinha desligado das circunstâncias histó­

ricas totalmente profanas que o tinham gerado, ficando

isolado numa mcmória sacralizada, «de que não é per­

mitido desviar-se e que se subtrai ao pcnsamento crítico

e contextualww.

As manifestações exteriores dessa «memória forte»

lembram o namJúmo mmpassÍlJo denunciado por Gilbert

Achcar a propósito do ritual comemorativo das vítimas

~ do.-!.1A~.S_çtc_mbro de 2001-m. O Ocidente, incorporan­

do as vítimas no seu imaginário, na sua consciência, na

sua memória, e assim transformando-as em elemento

constitutivo da sua própria identidade, aut:>-celebra-sc.

quando as comemora. Semelhante situação não teria

sido possível logo após a guerra, quando as vítimas do

Holocausto, longe de surgirem como representantes tí­

picos do mundo ocidental, eram entendidas como «ju­

deus de leste», encarnação de wna alteridade negativa e

79

Page 40: o Passado Modos de Usar Enzo Traverso

mal tolerada no seio das diferentes comunidades nacio­

nais. O silêncio da cultura ocidental sobre Auschwitz

em 1945 inscreve-se na mesma lógica que preside à in­

diferença ou à compaixão distante com que, nos nossos

dias, reage às violências que devastam o Sul ou contem­

pla as vítimas das suas próprias guerras «humanitárias)).

Um contra-exemplo de iímemória forte)) merece,

contudo, ser mencionado. O impressionante «~lemo­

riaI aos judeus europeus assassinados)) (Denkmal/ür die

ermordeten Juden Europas) inaugurado em Maio de 2005

em Berlim revela um uso público do passado bem di­

ferente daquele denunciado nos Estados Unidos por

Peter Novick e Susan Sontag. Erigido no coração da

capital alemã, ao lado da porta de Brandeburgo, en­

tre o Reichstag e a Potsdamer Platz, este gigantesco

monwnento sóbrio e frio cobre um espaço de quase

20 mil m 2 com milhares de estelas em betão de altu­

ra desigualo\l. O seu arquitecto, o americano Peter

Eisenman, não quis conceder à sua obra uma simbolo­

gia explícita, deixando ao público a sua própria inter­

pretação. As visões são bastante díspares: alguns viram

um cemitério, um labirinto, um campo de trigo, um mar,

outros ainda uma terrível caricatura da arquitectura to­

talitária do Terceiro Reich ou um triunfo do «ornamen­

to da massa)) (no sentido de Kracauer) numa imensa

construção sem conteúdo. Na senda de Régine Robin,

80

T

podemos ver o monumento como uma dessas iícons­

truções desconcertantes) - a cidade de Berlim alberga

várias - que «transmite qualquer coisa do passado na

sua ilegibilidade, não na sua ine:;..,p/imbi/idade})o\2. Este mo­

numento é o resultado de um intenso debate intelectual

e potitico que se desenrolou durante mais de dez anos

tanto no seio da sociedade civil como no Bundestag·.

Ligado a um centro de documentação, este memorial

único no seu género preenche várias funções: é um mo­

numento à memória dos judeus exterminados e também

de advertência à nação alemã. Dito de outra forma, um

_actQ de_piedade para com as vítimas e uma relembrança

40 ~ri~e dirigida à nação que engendrou os seus res­

ponsáveis e que recebeu a sua herança. ~\lguns, como

o escritor 1\fartin Walser, viram na obra um inaceitável

«monumento à vergonha» (S,handma~; outros, como o

filósofo Jürgen Habermas, a prova de que a Alemanha

integrou Auschwitz na sua consciência histórica. De

uma certa maneira, este memorial cumpriu a sua fllil­

ção antes mesmo de ver a luz do dia, se tomarmos em

consideração os debates apaixonados que suscitou. Tes­

temunha também as mutações que fizeram da Shoah

uma «memória forte», no fim de uma controvérsia que,

de início, não excluía outras opções. Entre a proposta

.. Parlamento da Alemanha. NT

81

Page 41: o Passado Modos de Usar Enzo Traverso

de Helmut Kohl, chanceler no momento em que a dis­

cussão se iniciou, que desejava um monumento «a todas

as vítimas da guerra e da tirania», e a escolha final de um

Holocau.rt Denkmal, foi percorrida uma distância consi­

deráveL A proposta de Kohl visava diluir os crimes na~

zis numa comemoração global das vítimas da guerra, in­

cluindo os judeus, os civis e os soldados alemães, as ví­

timas do genocídio e as vítimas dos bombardeamentos

aliados, os deportados e os seus perseguidores caídos

durante o conflito. Alguns anos antes, o chanceler Kohl

tinha~se distinguido pela sua visita, na companhia do

presidente norte-americano Ronald Reagan, ao cemité­

rio militar de Bitburg onde estão enterrados numerosos

SS. Logo após a reunificação, em 1993, conseguiu trazer

o SPD para o seu lado, ao inaugurar em Berlim um novo

memorial da Alemanha Federal (Zen/rale Gedenkstiit!e der

Bundurepublik Deu!schlandJj. O local escolhido para o

memorial foi a Neue LVa"he, edifício erigido no coração

de Berlim no irúcio do século XIX pelo arquitecto Karl

Friedrich Schinkel, que foi durante dois séculos o espe­

lho fiel das políticas memoriais dos diferentes regimes

que se sucederam na Alemanha. Nascido como um

local de recordação dos combates patrióticos contra a

opressão napoleónica, transformou-se sob a Repúbli­

ca de Weimar num monumento aos mortos da Grande

Guerra e, mais tarde, sob a República Democrática Ale-

82

r !

mã, em memorial dedicado às vítimas do fascismo. Com

a sua pietá esculpida por Kiithe Kollwitz entre as duas

guerras, o local comemora agora todas as «vítimas» da

Segunda Guerra Mundial (a palavra alemà Opferdesigna

tanto as vítimas inocentes como os mártires)~-'. f.~ pa­

tente que o I fofocaus! Denkmal rompe com esta memó­

ria ambígua que mostra explicitamente o seu caráctcr

apologético. Contudo, a escolha final de um memorial

do Holocausto (e não de todas as vítimas do nazismo)

expõe-se ao risco que ameaça toda e qualquer «me­

mória forte»: o de esmagar as memórias mais «fracas».

Do historiador Reinhart Koselleck ao escritor Günter

Grass. passando pelo f1lósofo Micha Brumlik, numero­

sas personalidades criticaram o carácter judeo-centrado

desse monumento. «A.ceitar um monumento exclusiva­

mente para os judeus ,- escreve Koselleck - significa

legitimar uma hierarquia fundada sobre o número de ví­

timas e sob a influência dos sobreviventes, aceitando no

ftmdo as mesmas categorias de extermínio adoptadas

pelos nazis. Enquanto nação dos executores, nós deve­

riamos interrogar-nos sobre as consequências de uma

tallógica.»-t-t Koselleck propunha assim erigir um mo­

numento concebido como «monumento de advertência

(Mahnma~» dirigido aos alemães e consagrado à recor­

dação do conjunto das vítimas do nazismo. Habermas.

que considera legítima a escolha de um memorial do

83

Page 42: o Passado Modos de Usar Enzo Traverso

)

Holocausto, tendo em conta o papel desempenhado

pelos judeus na história da Alemanha, admitiu implici­

tamente a boa ftuldamentação desta crítica, escrevendo

que esse monumento tomava ª __ p~l[~~~ .os judeus, pdo

I to~o~-\ L\inda assim, confrontado com as reivindicações

de oulras vítimas, o governo federal decidiu criar dois

memoriais suplementares, um dedicado aos ciganos e

outros aos homossexuais deportados.

Como memória e história não estão separadas por

uma barreira inultrapassável, mas sim em interacção per­

manente, existe uma relação privilegiada entre memórias

«fortes» e a escrita da história. Quanto mais forte é a me­

mória - cm termos de reconhecimento público e institu­

i cional-~ mais o passado de que é vector se toma suscep-

f tivel de ser explorado e historicizado. O exemplo de Raul

Hildberg citado anteriormente ilustra bem esse fenóme­

no. No fim da guerra, quando a memória do Holocausto

era «fracID>, Franz Neuman aconselhou-o a mudar o tema

do seu doutoramento, dizendo-lhe abertamente que com

tal pesquisa jamais iniciaria uma carreira universitária

(e, com efeito, durante um longo penodo Hilberg perma­

neceu um marginal no mlUldo académico americano, onde

terminou a sua carreira, na Universidade de Vermont)-U..

Hoje em dia, a expansão da memória da Shoah no es­

paço público é acompanhada pelo desenvolvimento dos

HolOtUUJl StudieJ"nos campus universitários. De forma aná-

84

Ioga, é quase banal interpretar a emergência dos estudos

pós-coloniais e do multiculturalismo como uma con­

sequência, a longo prazo, da descolonização, do acesso

dos antigos povos colonizados ao estatuto de sujeitos

históricos e do aparecimento, no seio das instituições

cientificas, de uma intelligentsia de origem indiana ou afro-

-amencana.

Não se trata, evidentemente, de estabelecer uma

relação mecânica de causa e efeito entre a «força» de

uma memória de grupo e a amplitude da historiciza­

ção do seu passado. Não foi a força institucional nem

a visibilidade mediática dos Bororos que levou Claude

Lévi-Strauss a escrever Trútes Trópü"OJ. Essa relação não

é directa, uma vez que se define no seio de contextos

diferenciados e está submetida a múltiplas mediações,

mas seria absurdo negá-la .. A memória das vítimas do

massacre de Nankin, a capital da China nacionalis­

ta, perpetrado pelo exército imperial japonês durante

a ocupação da cidade em Dezembro de 1937-17, ou a

memória das «mulheres de confortQ) forçadas a pros­

tituir-se pelas autoridades japonesas durante a Segunda

Guerra .~vfundial foram durante muito tempo circuns­

critas aos seus descendentes, sem presença no espaço

público-lH• Foi a emergência da China e da Coreia do Sul

como grandes potências económicas que transformou

essa memória num elemento das relações diplomáticas

85

Page 43: o Passado Modos de Usar Enzo Traverso

entre esses dois países e o Japão, obrigando este a reco­

nhecer os seus crimes e a apresentar um pedido oficial

de desculpas.

Estas considerações são também válidas, em larga

medida, para a memória da guerra da Argélia. Podemos

certamente falar, a propósito do reconhecimento recen­

te dos crimes do exército francês entre 1954 e 1962,

de um «regresso do recalcadm>, ligado às etapas de ela­

boração do passado colonial francês. Não há dúvida,

contudo, que esse reconhecimento está também ligado

à emergência de uma memória argelina - mais precisa­

mente beur' - que se exprime actualmente no interior da

sociedade francesa, onde os descendentes dos antigos

colonizados constituem uma minoria importante. O re­

conhecimento do massacre de 17 de Outubro de 1961,

no coração da capital, Paris, não foi negociado entre o

governo francês e as autoridades argelinas (contraria­

mente ao caso do massacre de Sétif, de Maio de 19454'}

Permanece essencialmente simbólico, limitando-se a

algumas declarações de responsáveis políticos, a uma

decisão judicial, a uma placa comemorativa colocada na

presença do presidente da câmara da capital, mas, ainda

assim, fez o seu caminho na sociedade francesa. Trata­

-se sobretudo da consequência de um vasto movimen-

86

to, no qual as lutas da geração beur pela igualdade e pela

reapropriação do seu próprio passado se conjugaram

com os esforços de uma historiografia pós-colonial,

susceptivel de integrar a voz dos colonizados no seu

relato do passado; e, ainda, poderíamos acrescentar,

com a resistência de uma pequena minoria de arquivis­

tas que, entrando em guerra com a hierarquia da sua

corporação que esteve desde sempre ao serviço da ra­

zão de Estado, colocaram a verdade histórica à frente

das suas carreiras ~II. A emergência dessa memória pós­

"colonial abalou a memória da esquerda francesa que ti­

nha até então ignorado o massacre de Outubro de 1961,

ocultando-o através da comemoração dos seus próprios

mártires: as nove vítimas da manifestação de Charonne

de 8 de Fevereiro de 1962 . .:\ esquerda foi assim con­

frontada com as suas falhas de memória, que mais não

fazem do que revelar a sua submissão a um imaginário

colonial, com as suas hierarquias, que atribuem mais va­

lor à vida dos anticolonialistas franceses do que à vida

dos nacionalistas argelinos.

87

Page 44: o Passado Modos de Usar Enzo Traverso

III o historiador entre juiz e escritor

Memória e escrita da história

o !ú{p/liJtú' tum - rótulo sob o qual reagrupamos um

conjunto de correntes intelectuais nascidas nos Estados

Unidos América do encontro, no final dos anos 1960,

entre o estruturalismo francês com a filosofia analíti~

ca c o pragmatismo anglo-saxónico - teve um efeito

frutífero na historiografia contemporânea 1• Permitiu

quebrar a dicotomia que separava até então a história

das ideias e a história social, assim como ultrapassar

os limites simétricos de uma história do pensamento

auto-referencial e de um historicismo fundado sobre a

ilusão de que a interpretação histórica se redu:ziria ao

simples reflexo de uma prática rigorosa de objectivação

89

Page 45: o Passado Modos de Usar Enzo Traverso

e contextualização dos acontecimentos do passado. O

lingui.ffi( furn sublinhou a importância da dimensão tex­

tual do saber histórico, reconhecendo que a escrita da

história é uma prática discursiva que incorpora sempre

um}_ par!~"_g~_iª~_oJogia, de representações e de códi­

gos literários herdados que se refractam no itinerário

individual de lUTI autor. Fazendo isso, permitiu estabele­

cer uma dialéctica nova entre realidade e interpretação,

entre textos e contextos, redefinindo as fronteiras da

história intelectual e questionando de forma salutar o

estatuto do historiador, cuja implicação multiforme no

seu objecto de estudo não se pode continuar a ignorar.

Esta corrente conheceu também desenvolvimentos dis­

cutíveis, muitas vezes denunciados (e sobre os quais se

concentrou de forma quase exclusiva a sua recepção na

Europa continental). A mais generalizada das suas de­

rivas metodológicas foi, segundo as palavras de Roger

Chartier, a tendência para «lUTIa perigosa redução do

mWldo social a uma pura construção discursiva, a um

puro jogo de linguagetru/-. Os proponentes mais radi­

cais do Jinl'"ui.ftir turn renunciaram, deste modo, à busca

da verdade que preside à escrita da história, esquecendo

que «o passado que ela toma como objecto é uma re­

alidade exterior ao discurso e que o seu conhecimen to

pode ser controladmr'. Levando ao extremo algumas

prem1ssas desse movimento, chegaram mesmo a de-

90

fender uma espécie de «pantextualismm) que Dominick

LaCapra qualificou de «criacionismo secularizado»./: a

história não seria mais do que lUTIa construção textu­

al, constantemente reinventada segundo os códigos da

criação literária. Porém, a história não é assimilável à li­

teratura, uma vez que a múe en IJútoire do passado, isto é,

o tornar o passado em história, deve sujeitar-se à reali­

dade e a sua argumentação não pode evitar a obrigação

de, quando necessário, apresentar provas. É por isso

que a al1rmação de Roland Barthe~, segundo a qual «o

facto nunca tem mais do que uma existência lingtÚsti­

~~)\ não é aceitáveL Como não o é o relativismo radical

de Haydcn \X1hite que, considerando os factos históri­

cos como artefactos retóricos subsutTÚveis a um «pro­

tocolo línguistico», identifica a narrativa histórica com a

invenção literária, uma vez que as duas têm como fun­

damento, a seu ver, as mesmas modalidades de repre­

sentação. Segundo \X1hite, «as narrativas históricas [são]

ficções verbais em que os conteúdos são tão inventados

como encontrados, e cujas formas estão mais próximas

da literatura do que da ciência>/'. Tanto Barthes como

\X1hite ausentam o problema da objectividade do con­

teúdo do discurso histórico. Se a escrita da história as­

sume sempre a forma de um relato, este último é quali­

tativamente diferente de uma ftrçao romanesca7• Não se

trata de negar a dimensão criadora da escrita histórica,

91

Page 46: o Passado Modos de Usar Enzo Traverso

uma vez que o acto de escrever implica sempre, como

lembrou Michel de Certeau, a construção de uma frase

«enquanto se percorre um espaço supostamente bran­

co, a página»!!. No entanto, De Certeau não deixava de

acrescentar que a escrita não pode evitar uma relação

com o dado: «O discurso histórico pretende dar um con­

teúdo ,::erda~~.~!o (que releva do verificável) mas sob a

forma de umar narração.»\ \X1hite tem razão em alertar

para os perigos da ilusão positivista que consiste em

fundar a história sobre uma pretensa auto-suficiência

dos factos. Sabemos, por exemplo, que os arquivos _

as principais fontes dos historiadores - nunca são um

reflexo imediato e <<neutro}} do real, uma vez que tam­

bém podem mentir. É por isso que exigem sempre um

trabalho de dcscodificação c interpretação\(). O erro de

White consiste na confusão entre a narrarão hirtórü'a (o

mire en hirtoire através de um relato) e a fiC(ão histótica (a

invenção literária do passado)l1. Eventualmente, po­

deríamos considerar a história, segundo as palavras de

Reinhart Koselleck, como uma «ficção do factuab)12. É

certo que o historiador não se pode esquivar ao pro­

blema da «passagem a textm) da sua reconstrução do

passado'"', mas nunca poderá, se pretender fazer his­

tória, arrancá-Ia à sua irredutível base factual. Diga-se

de passagem que é ai que reside toda a diferença entre

os livros de história sobre o genocídio judaico e a li-

92

tet:'atura negacionista. uma vez que as câmaras de gás

permanecem um fado antes de se tornarem um objecto

de construção discursiva e de uma «passagem a intriga

histórica}) (hiJtonáll emplotemenl)'~. Poi precisamente o

desenvolvimento do negacionismo que levou François

Bédarida a reconsiderar, no decurso dos anos 1990, a

posição de «um certo desdém» que os historiadores ti­

nham tido tendência a manifestar, durante as décadas

precedentes, face à noção de fadO, e a «exortá-los vigo­

rosamente a não rejeitarem o bebé-objectjvidade com

a água do banho positivistro}L'i. O questionamento do

historicismo positivista e do seu tempo linear, «homo­

géneo e vazim), da sua causalidade determinista e da

sua teleologia que transformam a razão histórica em

ideologia do progresso, não implica necessariamente a

rejeição de qualquer noção de objectividade factual na

reconstrução do passado. Pierre Vidal-Naquet colocou

o problema em termos muito claros: «se o discurso his­

tórico não estivesse ligado, mesmo que através de todo

o tipo de intermediários, ao que nós chamaremos, à fal­

ta de melhor, o real, estaríamos ainda no discurso. mas

esse discurso deixana d~'sér hist6ricQ)}16.

o relativismo radical de Hayden \X1hite parece coin­

cidir de forma bastante paradoxal com o fetichismo

do relato memorial, oposto a qualquer arquivo do real,

defendido incansavelmente por Claude Lanzmann, o

93

Page 47: o Passado Modos de Usar Enzo Traverso

realizador de Shoah. Esse filme extraordinário foi um

momento essencial, em meados dos anos 1980, tanto

para a integração do genocídio dos judeus na consciên­

cia histórica do mundo ocidental, como para a integra­

ção do testemunho entre as fontes do conhecimento

histórico. Os trabalhos sobre a memória tiveram nesse

filme um impulso importante e, sem dúvida, que não

será exagerado afirmar que o estatuto do testemunho

na investigação histórica não voltou a ser o mesmo

após esta obra. No entanto, esse resultado não satisfez

Lanzmann, que veio a considerar o seu filme como um

+-_~~~~~_'l:~e~:~, ~~_~ foi ~~!?~tit~in~o ~_ P?~~~ __ e __ 'p()~~? o aconteClmento real, até ao ponto de recusar o valor dos

«arqU1vos», ou seja, das provas factuais desse aconte­

cimento (por exemplo, as fotografias da exterminação

realizadas pelo S onderkommando de Auschwitz em Agos­

to de 1944)17. Lanzmann defendeu este ponto de vista

várias vezes, nomeadamente em 2000, quando o filme

foi de novo mostrado nas salas de cinema: «Shoah nào

é um filme sobre o Holocausto, não é um derivado, não

é um produto, mas umiã~~·~~~i~e~i?.ó_riginário. Que

isso agrade ou não a um certo número de pessoas ( ... ),

o meu filme não faz apenas parte do acontecimento da

Sh~ah: ~le contribui para a constituir como aconteci­

mento.»I~ Desta forma, primeiro Lanzmann ertgiu em

«monumento) - é a sua própria expressão - os teste-

94

munhos coligidos em Shoah. Depois, opôs o seu «mo­

numento)) ao «arquivo)), qualificando de «insuportável

pretensiosismo interpretativO) o esforço dispendido

pelos historiadores na análise de certos documentos

herdados do passado. Por fim, JJlbJ/itJliu o seu filme ao

acontecimento real, reivindicando mesmo o direito de i , ~ des..twir as proyas...dª-.~tência. E este o sentido

de uma sua hipérbole provocadora, que causou grande

ruído aquando da estreia do filme de Steven Spielbcrg,

A Lista de S,fJindler. «E se eu tivesse encontrado um fil­

me - um filme secreto porque era estritamente proibido

- rodado por um SS mostrando como três mil judeus,

homens, mulheres e crianças, morreram juntos, asfi­

xiados numa câmara de gás do crematório II de Aus-

! chwitz, se eu tivesse encontrado isso, não só não o teria

I mostrado, como o teria destruído. Não sou capaz de

~zer porquê. É assim mesmo.)19 Afirmar desta forma

peremptória que Shoah é a Shoah significa simplesmen­

te reduzir esta última a uma construção discursiva, a um

relato moldado pela linguagem no qual o testemunho

deixa de remeter para uma realidade factual originária

e fundadora, mas na qual, pelo contrário, a memória se

basta a si própria ao constituir-se como acontecimento.

E uma vez que S hoab se apresenta como wna suces­

são de diálogos cujo protagonista é sempre o próprio

Lanzmann, o filme revela também a postura narcísica

95

Page 48: o Passado Modos de Usar Enzo Traverso

do seu autor, que se considera ele próprio, em última

análise, como um elemento consubstanciaI do aconte­

cimento.

Acrescente-se que Lanzmann não se limita a subs­

tituir o acontecimento pela memória, já que ele a opõe

à história, ou seja, ao relato do passado que visa a sua

interpretação. «Não compreenden), escreve, foi a sua

«lei de ferrO» durante os anos de preparação de Shoah:

uma «cegueira» que reivindica não só como condição do

«acto de transmitin) implícito à sua criação, mas também

como postura epistemológica que opõe «à questão do

porquê, com a sucessão indefinida de frivolidades aca­

démicas ou de patifarias que esta não cessa de induzir:!.(\).

Essa postura remete para a regra que os nazis haviam

imposto em Auschwitz: Hier úl kein WarntJ/» (<<aqui, não

há porqub», regra que Primo Levi achava «repulsiva»:!.l,

mas que I.anzmann decidiu interiorizar -~~~~ a sua pró­

pria «lei». É dificil não ver nessa interdição do «porquê»

uma sacralização da memória (alguns chamam-lhe uma

forma de «religiosidade seculanr2;») de matiz bastante

obscurantista. Trata-se de uma interdição normativa da

compreensão que atinge o coração do próprio acto da

escrita da história como tentativa de interpretação, aqui­

lo a que Lcvi chamava «a salvação da compreensão» (Ia

salva:;,/one dei capire) e que a seus olhos constihÚa o objec­

tivo de todo o esforço de rememoração do passado21.

96

Uma outra forma de substituição da memória à re­

alidade histórica é sugerida por um filósofo de entre

os mais originais dos últimos anos, Giorgio Agamben.

No seu Ce qui rufe d'Aughwit!V interroga a ({aporia» no

cerne do extermínio dos judeus, <<uma realidade tal que

excede necessariamente os seus elementos factuais»,

criando assim uma clivagem {{entre os factos e a ver­

dade, entre a constatação e a comprecnsãO)2~. Para sair

desse impasse, socorre-se de Primo Levi que, em Os

que sUí-umbem e OJ· que se salvam, apresenta o {(muçulma­

no» - o detido de Auschwitz chegado ao último esta­

do de esgotamento físico e de aniquilação psicológica,

reduzido a um esqueleto incapaz de pensamento e de

palavra - como a «testemunha integral». É ele, escre­

ve Levi, a verdadeira testemunha, aquele que tocou o

abismo e que não sobreviveu para o contar, de quem

os sobreviventes seriam, no fundo, o porta-voz: «Nós,

nós falamos por eles, por delegação.»~5 Enquanto Levi,

ao invocar a figura do «muçulmano», queria sublinhar

o carácter precário, subjectivo, incompleto dos relatos

feitos pelas testemunhas realmente existentes, os sobre­

viventes, aqueles que não tinham visto Ha Górgona», ou

seja, aqueles que tinham escapado às câmaras de gás,

Agamben, por seu lado, transforma o «muçulmanO) no

paradz!!,ma dos campos nazis. A prova irrefutável de Aus­

chwitz, e logo a refutação derradeira do negacionismo,

97

Page 49: o Passado Modos de Usar Enzo Traverso

escreve em conclusão da sua obra, reside precisamente

nessa impossibilidade de testemunhar. Segundo Agam­

ben, ~-\uschwitz é «o que é impossível de testemunhar»

e os sobreviventes dos campos da morte, ao tomarem a

palavra no lugar do «muçulmanm), aquele que não pode

falar, não são mais do que testemunhas dessa impos­

sibilidade do testemunh02r,. Aos seus olhos, o núcleo

profundo de Auschwitz não se encontra no externúnio,

mas na produção do «muçulmano», essa figura híbri­

da entre a vida e a morte (non-uomo)27. É por isso que

ele a transforma num ícone (tomando como pretexto

a modéstia de que faz prova Primo Levi quando indica

os limites do seu próprio testemunho). Mas essa visào

dos campos nazis como lugares de dominação biopoli­

tica sobre os detidos reduzidos à «vida nmm (nuda llida)

carece singularmente de espessura histórica. Agamben

parece esquecer que a grande maioria dos judeus ex­

terminados nos campos nazis não eram «muçulmanos»,

uma vez que não eram enviados para a câmara de gás

no final das suas forças mas no próprio dia em que

chegavam ao camp02H. Se Agamben pôde negligenciar

um facto tão evidente, é precisamente porque isso não

constitui, a seu ver, o cerne do problema. Toda a sua ar­

gwnentação parte do postulado segundo o qual a prova

de Auschwitz não reside no fado do extermínio - uma

verdade que se encontra desqualificada na sua perspec-

98

tiva pelo hiato que separa o acontecimento da sua com­

preensão - mas na impossibilidade da sua enunciação,

incarnada pelo «muçulmano». Se ~-\uschwitz existiu, não

foi tanto porque existiram câmaras de gás, mas porque

os sobreviventes puderam restituir uma voz ao «mu­

çulmano», a «testemunha integrab>, arrancando-o do

seu silêncio. ~lais wna vez, a história é reduzida a uma

~_st:~Ç~? linguísti~a de._q~~, a .meITl0ria - dissociada

do real - consti,tul a tra~a. Fundar a crítica do nega­

cionismo numa tal ~~.~~~í_sica da linguagel1~ (de inspi­

f'Ação tanto existencialista como estruturalista2')) é uma

operação duvidosa que corre o risco de manter intacta

a «aporia» de Auschwitz, ao mesmo tempo que retira

à sua verdade a sua base material. Podemos também

compreender o desconforto com que os sobreviven­

tes de ~\uschwitz, as testemunhas realmente existentes,

acolheram C'e qui rufe de AUJ'chwitZ' Philippe Mesnard c

Claudine Kahan sublinharam justamente esse aspecto

do problema na conclusão da sua crítica: K.,\ escuta da­

quilo que podem dizer os sobreviventes, como podem

dizê-lo, dá lugar [no livro de AgambenJ a uma glosa so­

bre o silêncio que lhes é assim imposto. No lugar deste,

Agamben apresenta o muçulmano, a única testemunha

que vale a seus olhos, um ser sem referência - a partir

do qual Agamben pode precisamente construir a sua

própria referência -, abandonado pela identidade, cuja

99

Page 50: o Passado Modos de Usar Enzo Traverso

existência se reduz ao espaço que na linguagem ocupa a

sua imagem quase transparente.»)31J

Verdade e Justiça

N a relação complexa que a história estabelece com a

memória inscreve-se o vínculo que as duas mantêm

com as noções de Vé;dade e de justlça>Este vínculo

torna-se hoje cada vez mais problemático com a ten­

dência crescente para uma leitura judiciária da história

e uma «judiciarização da memória) 'I. Doravante no

centro da nossa consciência histórica, a visão do século

x..X como um século de violência conduziu frequente­

mente a historiografia a trabalhar com categorias ana­

líticas tomadas do direito penal. Os actores da história

são, assim, cada vez mais frequentemente colocados

no papel de executores, vítimas e testemunhas 31• Os

exemplos mais conhecidos que ilustram essa tendência

são os de Daniel J. Goldhagen e de Stéphane Courtois.

O primeiro interpretou a história da Alemanha moder­

na como um processo de construção de uma comuni­

dade de executores". O segundo, ao trocar as vestes

do historiador pelas do procurador, reduziu a história

do comunismo ao desenvolvimento de uma operação

cnmtnosa para a qual reclama um novo processo de -~N·~·;~~b~-;ga.1-1.

100

No fundo, a relação entre justiça e história é uma ve­

lha questão (veja-se a intervenção dos mais eminentes

historiadores durante o processo de Zola, em 1898-' -'),

que hoje volta à ordem do dia por uma série de pro­

cessos no decurso dos quais numerosos historiadores

foram convocados na qualidade de testemunhas. Seria

difícil compreender os processos Barhic, Touvier c Pa··

pon em França, o processo Priebke em Itália ou ainda

as tentativas de instrução de um processo a Pinochet,

tanto na Europa como no Chile, sem os relacionar com

a emergência, no seio da sociedade civil desses países e

na opinião pública mundial, de uma memória colectiva 1: ~--- --.------_. __ .-----_. __ .,._------------".- .. ,,- "--._, do fascismo, das ditaduras e da Shoah. Esses p~õcessos- .' '

foram momentos de rememoração pública da história

onde o passado foi reconstituído e julgado numa sala

de tribunaL No decorrer das audiências, os historia­

dores foram convocados para «testemunham, ou seja,

para clarificar graças às suas competências o contexto

histórico dos factos em julgamento. Diante do tribunal,

os historiadores prestaram juramento declarando como

qualquer testemunha: (~uro dizer a verdade, somente a

verdade e nada mais que a verdade.w'() Esse «testemu­

nhm) J"tIÚ genen:r colocava evidentemente questões de

ordem ética, mas também retomava questões mais anti­

gas de ordem epistemológica. Punha em causa a relação

da justiça com a memória de um país e a do juiz com

101

Page 51: o Passado Modos de Usar Enzo Traverso

o historiador, com as suas modalidades respectivas de

tratamento das provas e do estatuto diferente da verda­

de quando ela é produzida pela investigação histórica

ou é enunciada pelo veredicto de um triblUlal. .-\ten­

to à distinção entre os domínios respectivos da justiça,

da memória e da história, I-Ienry Rousso recusou-se a

testemunhar no processo Papon, justificando a sua es­

colha com argumentos rigorosos e em vários aspectos

esclarecedores. «.A justiça - afirmou - coloca a ques­

tão de saber se um indivíduo é culpado ou inocente;

a memória nacional é resultante de uma tensão exis-

I tente entre ~s recordações me~oráveis e com~~or~veis e os esqueClmentos que perm1tem a sobreV1venc1a da

, comunidade e a sua projecção no futuro~ a história é

uma operação de conhcci.met}.t.9_"t;_de _elucidação. Estes ~-

três registos podem sobrepor-se e foi o que se passou

durante os processos~~~;contra a humanidade.

~las era desde logo colocar-lhes aos ombros um fardo

insuportável: não poderiam estar, de forma equivalen-:

te, à altura dos requerimentos respectivos da justiça, da

memória e da história.w'7

Essa mistura de géneros parece recuperar o anti­

go aforismo de Schiller, retomado por IIegel, sobre o

tribunal da história: Die W'"e!(p,eJtfJidJte ist daJ If'/e/(p'erúht,

«A história do mundo é o tribunal do mundo», afo­

nsmo que secularizou a moral e a ideia de justiça, ao

102

situá-la na temporalidade do mlUldo profano e fazendo

do historiador o seu guardião 1H. Podemos interrogar­

-nos sobre a pertinência dessa afirmação a propósito

de processos que, longe de julgarem um passado já

ido e então encerrado, susceptível de ser contemplado

de à distância, não foram mais do que momentos de

elaboração de «um passado que não quer passan). No

entanto, para a parte civil, assumiram os traços de uma

Nêmesis reparadora da História. Contra esse adágio

hegehano, era inevitável opor um outro: o historiador

não é um juiz, a sua tarefa não consiste em julgar mas

antes en(·~~~p~-~-~~der: Na sua Apologie pour I'histoire,

Marc Bloch deu-lhe uma formulação clássica: «Quan­

do o especialista observou e explicou, a sua tarefa está

terminada. Ao juiz resta ainda dar a sentença. Ao silen­

ciar qualquer inclinação pessoal, pronuncia-a segundo

a lei? Achar-se-á imparcial. Ele sê-lo-á, com efeito, no

sentido dos juízes. Não no sentido dos especialistas.

Porque não se pode condenar ou absolver sem tomar

partido por um quadro de valores que já não releva de

nenhuma ciência positiva.))19 Mas deve também ser lem­

brado que, em Une étran..~e défaite, Bloch não se abstém

de julgar e, se não queremos preconizar uma visão já

gasta (e ilusória) da historiografia como ciência «axiolo­

gicamente neutra»), somos obrigados a reconhecer que

todo o trabalho histórico veicula também, imphcita-

103

Page 52: o Passado Modos de Usar Enzo Traverso

mente, um julgamento sobre o passado. Seria falso não

ver mais do que arrogância detrás do aforismo hegelia­

no sobre a história como «tribunal do mundQ}). Pierre

Vidal-Naquet relembra, nas suas memónas, a im­

pressão que lhe causou a passagem marcante de

Chateaubriand em que este atribui ao historiador,

«quando, no silêncio da abjecção, já só se ouve o resso­

ar das correntes do escravo e a voz do delatoD), a nobre

tarefa da «vingança dos povos». Antes de ser a fonte de

lUlla vocação, relembra, este desejo de redenção e de

justiça foi para ele <<uma razão de viveú)-1°.

A contribuição mais lúcida sobre esta delicada ques­

tão é a de Carlo Ginzburg, por ocasião do processo

Sofri em ltália-11. O historiador, sublinha Ginzburg, não

deve erigir-se em juiz, não pode emitir sentenças. A

sua verdade - resultado da sua pesquisa - não tem um

carácter normativo; permanece parcial e provisória, ja-~'-." _._-_._- - ---

mais definitiva. Apenas os regimes totalitários, onde os

historiadores são reduzidos à categoria de ideólogos

e de propagandistas, possuem uma verdade oficial. A

historiografia nunca está cristalizada, uma vez que em

cada época o nosso olhar sobre o passado - interroga­

do a partir de novos questionamentos, sondado com

a ajuda de categorias de análise diferentes - se modi­

fica. O historiador e ° juiz, no entanto, partilham um

mesmo objectivo: a procura da verdade e esta busca da

104

verdade necessita de prova ... Verdade c prova são duas

noções que se encontram no cerne do trabalho tan­

to do juiz como do historiador. A escrita da história,

acrescenta Ginzhurg, implica além disso um procedi­

mento argumentativo - uma selecçao dos factos e uma

organização do relato - cujo paradigma continua a ser

a retórica de matriz judicial. A retórica é «uma arte da

persuasão nascida diante dos tribunais»-t~; foi aí que,

diante de um público, se codificou a reconstrução de

um facto através das palavras. Isto não é negligenciá­

vcl, mas acaba aqui a afinidade. A verdade da justiça é

normativa, definitiva e vinculativa. Não procura com­

preender mas estabelecer responsabilidades, absolver

os inocentes e punir os culpados. Comparada à. verda­

de judiciária, a do historiador não é apenas provisória

e precária, é também mais problemática. Resultado de /'

uma operação intelectual, a história é analítica c refle­

xiva, procurando pôr em evidência as estruturas subja- !

centes aos acontecimentos, as relações sociais nas quais I estão implicados os homens e as motivações dos seus 1

actos-1-'. Em suma, é uma outra verdade, indissociável

da interpretação. Não se limita a estabelecer os factos,

tenta colocá-los no seu contexto, explicá-los, formu­

lando hipóteses e procurando as causas. Se é verdade

que o historiador adapta, para retomar ainda a defini­

ção de Ginzburg, um «paradigma indiciáriQ»+\ a sua

105

Page 53: o Passado Modos de Usar Enzo Traverso

interpretação não possui a racionalidade implacável,

guantificável e incontestável das deduções de Sherlock

/-lolmes.

Os mesmos factos engendram verdades distintas. Se

a justiça cumpre a sua missão ao designar e condenar

o culpado de um crime, a história começa o seu traba­

lho de pesguisa e interpretação ao tentar explicar como

este se tornou um criminoso, gual a sua ligação com a

vítima, o contexto em que agiu, assim como a atitude

das testemunhas que assistiram ao crime, que reagiram,

que não souberam como impedi-lo, que o toleraram ou

aprovaram. Estas considerações podem servir para re­

forçar a posição dos historiadores que decidiram não

«testemunhar» durante o processo de Papon. As suas

motivações são tão válidas como as dos que acederam à

convocatória dos juí7.es. Estes últimos fizeram-no para

não se subtraírem, enquanto cidadãos, a wn dever cívi­

co que o seu ofício tornava, a seu ver, ainda mais im­

perativo. Por um lado, o seu «testemunhO}) contribuiu

para confundir os géneros e conferir o estatuto de wn

veredicto histórico oficial a um veredicto judicial, trans­

formando o tribunal em «tribunal da História». Por ou­

tro lado, pôde clarificar um contexto e relembrar factos

gue se arriscavam a ficar ausentes tanto das actas do

processo como da reflexão gue a acompanhou no seio

da opinião pública.

106

«J\.foralizar a história»+\ essa eX1gênCla avançada

por Jean Améry na suas sombrias meditações sobre o

passado nazi, está na origem dos processos evocados

anteriormente .. \s vítimas e os seus descendentes vive­

ram-nos como actos simbólicos de reparaçào. Noutros

casos, continuam a bater-se para que esses processos

venham a ter lugar, como hoje em dia fazem, no Chi­

le, os sobreviventes da ditadura de Pinochet e os seus

descendentes. Não se trata de identificar justiça e me­

mória, mas muitas vezes fazer justiça significa também

render justiça à memória. A justiça foi, ao longo de

todo o século x...X - pelo menos desde Nuremberga, se

não mesmo desde o caso Dreyfus - um momento im­

portante na formação de uma consciência histórica co­

lectiva. A imbricação da história, da memória e da jus ti-

'.jça está no centro da vida colectiva. O historiador pode

operar as distinções necessárias, mas não pode negar

essa imbricação; deve asswni-Ia, com as contradições

decorrentes. Charles Péguy teve essa intuição durante

o caso Dreyfus, quando escreveu que «o historiador

não pronuncia juízos judiciários; não pronuncia juízos

jurídicos; poderíamos quase dizer que não pronuncia

sequer juízos históricos; elabora constantemente juízos

históricos; está em trabalho perpétuQ») 16. Poderíamos

ver aí uma confissão de relativismo; na realidade, é o

reconhecimento do carácter instável e provisório da

107

Page 54: o Passado Modos de Usar Enzo Traverso

verdade histórica que, para lá do estabelecimento dos

factos, contém a sua parte de juízo indissociável de

uma interpretação do passado como problema aber­

_.!~~ ~mais do que inventário fechado e d~finiti,~~~~~tc arquivado.

108

IV Usos políticos do passado

/l memória da 5 hoah como ((religião 'Úli/»

Poderemos fazer um uso crítico da memória? A este

respeito as comemorações do sexagésimo aniversário

da libertação do campo de Auschwitz oferecem-nos

matéria abundante para reflexão. A própria dimensão

das comemorações, nas quais participaram dezenas de

chefes de Estado, é em si mesmo um fenômeno notá­

vel. Revela, certamente, o lugar que ocupa o genocídio

dos judeus na paisagem memorial deste início do século

XXI e a sua integração na nossa consciência histórica.

As diferenças entre essas comemorações e as do cin­

quentenário são igualmente reveladoras. Bastante mais

modestas, as comemorações do cinqucntenário ficaram

109

Page 55: o Passado Modos de Usar Enzo Traverso

marcadas pelo receio do esquecimento. A muito recente

reunificação da Alemanha levantava interrogações legí­

timas quanto ao lugar que a memória dos crimes nazis

ocuparia num pais que voltara a ser «normaL> e, diziam

algtuls, se libertara dos seus fantasmas. Temia-se que

o fim da divisão - uma espécie de recordação perma­

nente do passado e do nazismo segundo Güoter Grass,

um dos mais acérrimos críticos da reunificação - fosse

pretexto para um novo recalcamento. Hoje em dia, é

forçoso constatar que esse recalcamento nào teve lugar,

que a memória do nazismo, ainda que sempre conflitu­

aI, permanece viva tanto na Alemanha como no resto

do mundo ocidental. O receio do esquecimento já nào

existe. Se existe um receio, deve-se mais, como subli­

nharam alguns comentadores, aos «excessos da memó­

rim>. O risco não é o de esquecer a Shoah, mas o de

fazer um mau uso da sua memória, de embalsamá-la, de

a fechar nos museus e de neutralizar o potencial críti­

co, ou, pior, de a submeter a um UJ'O apologético da actual

ordem mundial.

Não creio ter sido o único a sentir um certo incó­

modo perante as imagens de Dick Cheney, Tony Blair

e Sílvio Berlusconi em Auschwitz. ~\ sua presença pa­

recia enviar-nos uma mensagem tranquilizadora, mas

no fundo apologética, que consistia em ver o nazismo

como uma legitimação em negativo do Ocidente liberal,

110

considerado como o melhor dos mundos. O I1olo­

causto funda assim uma espécie de teodiceia secular

que consiste em rememorar o mal absoluto para nos

convencer que o nosso sistclna encarna o bem abso­

luto. Nos dias seguintes, durante uma emissào de rá­

dio, num programa de manhã de domingo, com uma

grande audiência, um politólogo francês repetiu várias

vezes que K.:\uschwitz nào é Guantánamo» . ..:\uschwitz

não é Guantánamo: a insistência em sublinhar tal facto,

evidente e incontestável, levanta uma interrogação. E­

ca-se com a impressão que para alguns a comemoração

da libertação dos campos de Auschwitz seria uma boa

ocasião para demonstrar que, no fundo, Cuantánamo

não é assim tão grave. Ora, não se trata de estabelecer

uma homologia entre Auschwitz e Guantánamo, mas

sim de questionar se depois de Auschwitz podemos

tolerar Guantánamo ou Abou-Ghraib, se não existe

algo de indecente no facto de serem precisamente os

responsáveis por Guantánamo e Abu-Ghraib que nos

representam durante uma cerimónia consagrada às ví­

timas do nazismo. Para não falar de Putin, o carrasco

dos chechenos, que conseguiu a façanha de~ na sua alo­

cução em Auschwitz, não pronunciar uma única vez a

palavra «judeus». O problema já se tinha colocado, há

uma dezena de anos, durante a guerra da ex-Jugoslávia.

A quem escandalizava a comparação entre Milosevic e

111

Page 56: o Passado Modos de Usar Enzo Traverso

Hitler, certamente excessiva, ~Iarek Edelman, um dos

últimos sobreviventes do gueto de Varsóvia, retorquiu

que Srebrenica era, a seus olhos, uma «vitória póstuma

de Hitlev)l.

Seria sem dúvida mais frutuoso aproveitar as co­

memorações do sexagésimo aniversário da libertação

de Auschwitz para iniciar uma reflexão crítica sobre o

presente, tentando responder às interrogações sobre as

nossas sociedades que são levantadas pela memória dos

campos de concentração nazis. Esse exercício já tinha

sido tentado, logo após a guerra, por Horkhcimer e

:\dorno, os nomes cimeiros da Escola de Frankfurt. Em

contra-corrente à visão então dominante, que consistia

em interpretar o nazismo como a expressão de uma re­

caída da civilização na barbárie, viam-no como o resul­

tado de uma dialéctica negativa que tinha transformado

a razão de instrumento emancipador em instrumento

de dominação e o progresso técnico e industrial em re­

gressão humana e social. Adorno definia o Holocausto

como a expressão de «uma barbárie que se inscreve no

próprio princípio da civilizaçãO))2. Contra a tendência

tranquilizadora que vê no nazismo uma legitimação em

ne...f!,ativo do Ocidente liberal, estes filósofos lançaram um

sério grito de alerta. O totalitarismo nasceu no seio da

própria civilização, é seu filho. Essa civilização continua

a ser a nossa e nós continuamos a viver num mundo em

112

que Auschwitz delimita um horizonte de possibilidade,

ainda que essa violência possa assumir outras formas

ou outros alvos.

Podemos compreender Habermas quando escre­

ve que é apenas «depois e por ~-\uschwit7. (nadJ und

durcbAuJ'chwitZP" que a Alemanha integrou o Ocidente-'.

É com efeito sob o impacto do genocídio dos judeus

que a Alemanha iniciou uma ruptura com a sua auto­

-percepção tradicional enquanto comunidade étnica

(exclusivamente fundada sobre o direito de sangue)

e começou a redesenhar a sua identidade segundo as

linhas de uma comunidade política, como uma nação

de cidadãos. Trata-se de uma consequência frutuosa da

memória do Holocausto. Mas o Ocidente não se reduz

ao Estado de direito e à democracia liberal. O nazismo

não se inscreve na história do Ocidente apenas como

expressão extrema do contra-Iluminismo. 1\ sua ideolo­

gia e a sua violência condensaram várias tendências pre­

sentes na Europa desde o século XIX: o colonialismo,

o racismo e o antissemitismo moderno. Foi um filho da

história OcidentaL E a Europa liberal do século XIX foi

a sua incubadora.

O problema que se coloca é então o da ligação da

Shoah com o processo de civilização. O Holocausto

implicou o monopólio estatal da violência que Norbert

Elias e .Max Weber, na senda de Hobbes, tinham inter-

113

Page 57: o Passado Modos de Usar Enzo Traverso

pretado como um vector de pacificação da sociedade

e, por consequência, como uma conquista do proces­

so de civilização. Para se poder realizar, esse genocídio

pressupunha as estruturas constitutivas da civilização

moderna: a técnica, a indústria, a divisào do trabalho,

a administração burocrático-racional. 1ioi a técnica

industrial que permitiu a produção em série da mor­

te. Resumindo, a fórmula convencional - que diz que

Auschwitz funcionava como uma fábrica produtora de

morte - não implica, certamente, que todas as fábricas

sejam um campo de externúnio potencial, mas impõe

um questionamento sobre a normalidade das nossas so­

ciedades modernas e sobre a sua compatibilidade com a

violência totalitária que, longe de suprimir essa norma­

lidade, a pressupõe e a utiliza. Depois de ter constatado

que «o Holocausto nào atraiçoou o espírito da moder­

nidade», o sociólogo Zygmunt Bauman sublinhou que

«as condições propícias à perpetração do genocídio são

especiais mas nào de todo excepcionais. Raras, mas não

únicas ( ... ). No que diz respeito à modernidade, o ge­

nocídio não é nem uma anomalia nem um disfuncio­

namentm}.J.

Pensar a ligaçào de Auschwitz com a modernidade

ocidental pode levar a colocar em causa a nossa <<nor­

malidade}}. Os centros de retenção onde sào colocados

os estrangeiros em situação irregular e os requerentes

114

de asilo - que proliferaram na Europa no decurso dos

últimos anos - não são evidentemente comparáveis aos

campos de concentração nazis. Possuem, no entanto,

no seio das sociedades democráticas, alguns traços es­

senciais que definem o paradigma do campo de con­

centração, ou seja, segundo Giorgio Agamben, «um es­

paço que se abre quando o estado de excepção começa

a tornar-se a regra}}"'. São, com efeito, espaços anómi­

cos em que tudo é possível, não porque sejam conce­

bidos como espaços de aniquilamento, mas porque se

tratam de /1I~~ares de não-direito. As pessoas aí internadas

correspondem à definição de «pária» dada por Hannah

Arendt: um fora-da-lei, nào porque tenha transgredido

a lei, mas porque não há nenhuma lei que o possa reco­

nhecer e proteger. Indivíduos, acrescenta Arendt evo­

cando os apátridas, que são «supérfluos» aos olhos da

comunidade das nações. O ~\lto Comissariado das Na­

ções Unidas para os refugiados contabiliza 50 milhões

no mundo de hoje. Várias dezenas de milhar são inter­

nados todos os anos em países da União Europeia, in­

visíveis, como presenças «metaforicamente imateriais})!>.

Existe uma passagem de AJ Origens do Totalitatúmo que

hoje não pode ser lida sem que sejamos remetidos para

a actualidade: «antes de fazer funcionar as câmaras de

gás, os nazis tinham cuidadosamente estudado a ques­

tão e tinham descoberto, para sua grande satisfação, que

115

Page 58: o Passado Modos de Usar Enzo Traverso

nenhum país iria reclamar essa gente. O que é impor­

tante registarmos é que tinha sido criada wna condição

de completa privação de direitos bem antes de ter sido

contestado o direito de viver.)7

I lá também, no entanto, tuna outra memóna de

l\uschwitz. Na época em que o genocídio judaico es­

tava ausente do discurso oficial, a sua recordação sus­

citava uma reflexão e um comprometimento que não

tinham nada de conformista. Em França, a memória de

Auschwitz e Buchenwald foi tuna alavanca poderosa

para as mobilizações contra a guerra da Argélia.;\ Fran­

ça colonial, que torturava e matava, evocava recordações

a todos aqueles que, alguns anos mais cedo, se tinham

batido contra a ocupação alemã. Alain Resnais realizou

}\'Tuit eI Brouillard em 1955 como wna forma de lembrar

a história. Testemunhando em 1960 no processo de

Francis Jeanson, julgado por ter criado em França uma

rede de apoio à FLN, Pierre Vidal-Naquet comparou os

massacres cometido na Argélia pelo exército francês às

câmaras de gás de Auschwitz, onde os seus pais tinham

sido mortos. J\ comparação era certamente exagerada,

como veio a reconhecer nas suas memórias.'!. Hoje em

dia, tais posições suscitariam a cólera dos «guardiões do

templo» da memória do Holocausto. São posições que

revelam uma paisagem memorial e política bem dife­

rente da nossa e também os limites da historiografia (no

116

sentido mais tradicional do termo), numa época em que

a distinção entre campos de concentração e campos

de externúnio estava longe de ser clara. r..fas revelam

também a presença de uma recordação ainda recente,

viva, quente, que funcionava como uma incitação muito

forte para lutar contra as injustiças e as opressões do

presente. Foi essa recordação que inspirou a decisão de

vários dos signatários do «1\fanifesto dos 121» pela in­

submissão na Argélia, e foi evocada em vários dos pro­

cessos da época. Para o trotsquista holandês Sal Santen,

sobrevivente dos campos nazis e depois condenado em

1960 por ter participado na criação de uma fábrica de

armas clandestina para a FLN, não havia dúvida que

o compromisso anticolonialista não fazia mais do que

prolongar o compromisso aotifascista. ~\ comparação

entre crimes nazis e violências coloniais atravessa os

escritos de Frantz Fanon e mesmo as declarações do

Tribunal Russell sobre o Vietoame.

A memória de Auschwitz, subterrânea mas activa,

é uma chave igualmente indispensável para explicar o

antifascismo do movimento estudantil e da esquerda re­

volucionária depois de 1968. Esse substrato da memó­

ria colectiva, à época ocultada no discurso oficial, podia

por momentos reemergir à superfície, como aquando

da expulsão de Daniel Cohn-Bendit pelo general de

Gaulle, que fez descer à rua dezenas de milhares de jo-

117

--

Page 59: o Passado Modos de Usar Enzo Traverso

vens gritando «nós somos todos judeus alemães». Esse

slogan possuía então uma força libertadora cujo alcance

é hoje difícil de compreender.

Na Alemanha, após o silêncio da era Adenauer, a

memória de Auschwitz iria reaparecer, logo a partir

dos anos 1960, como um motor do protesto estudan­

til. Uma nova geração exigia que a anterior prestasse

contas, recolocando em causa o passado alemào c de­

nunciando as ligações que uniam a nova Alemanha de

Bona ao Terceiro Reich. Não se trata de idealizar essa

revolta ou de esconder os seus limites e ambiguidades.

V ários analistas sublinharam os resíduos de um nacio­

nalismo de traços antissemitas que poderia estar apenas

adormecido na virulência do antissionismo, do anti-im­

perialismo e do antiamericanismo da esquerda extrapar­

lamentar'). Mas tal nào deveria impedir de observar que

esta revolta foi o ponto de partida de todas as querelas

das décadas seguintes em torno do «passado que nào

quer passan~ e da formação de uma consciência histó­

rica nova em que a memória dos crimes nazis constitui

um elemento central.

Essa rememoração encontrou uma ilustração literá­

ria notável, em 1975, em W' 011 le J'Ol1lfenir d'ellfallce, de

Georges Perce. Esse romance articula-se em torno de

um duplo relato, o da memória e o de uma ficção políti­

ca inspirada na actualidade: por um lado, as suas recor-

118

dações de órfão, filho de judeus polacos emigrados em

França, deportados e exterminados em Auschwitz; por

outro, a crónica de wna sociedade totalitária, IF', situada

na América Latina, organizada como uma sistema to­

talitário fundado sobre o princípio da competição des­

portiva e que acaba em massacre. O romance termina

com as seguintes palavras: «Eu esqueci as razoes que,

com doze anos, me fizeram escolher a Terra do Fogo

para aí instalar W: os fascistas de Pinochet encarrega­

ram-se de dar ao meu fantasma uma última ressonância:

várias ilhotas da Terra do Fogo são hoje em dia campos

de deportação.~) 111

Podemos, todavia, encontrar exemplos recentes de

wn bom uso da memória do Holocausto. Por exemplo,

o do africanista Jean-Pierre Chrétien que publicou em

Abril de 1994 um artigo no Libération em que denun­

ciou os crimes de um «nazismo tropicab, no Ruanda 11.

De um ponto de vista analítico, o conceito não parece

muito pertinente, na medida em que assimila dois geno­

cídios, o dos Tutsi e o dos judeus, muito diferentes pe­

los seus contextos, pela natureza dos regimes políticos

que os conceberam e pelos meios com que foram per­

petrados. Contudo, do ponto de vista do uso público

da história, esse conceito foi muito bem escolhido. Em

Abril de 1994, quando a opinião pública aparecia ainda

largamente incrédula e indiferente face aos massacres

119

Page 60: o Passado Modos de Usar Enzo Traverso

que os média caracterizavam frequentemente como

«conflitos tribais», falar de «nazismo tropicab) tinha um

sentido, o de se apoiar na consciência histórica do mun­

do ocidental, onde a Shoah ocupa hoje em dia um lu­

gar central, para chamar a atenção sobre run genocídio

em curso. Tratava-se de mostrar que o Ruanda estava

a viver uma tragédia tão grave como a Shoah e que era

necessário reagir para a tentar impedir. De um ponto

de vista ético-político, a noção de «nazismo tropical»

era portanto perfeitamente justificada. Infelizmente, é

mais fácil comemorar genocídios, sobretudo a décadas

de distância, do que impedi-los.

o edipJe da memória do comunismo

Em I.1 jpleen contre I'oub/ie, Dolf Oehler mostrou até

que ponto a cultura francesa do Segundo Império foi

assombrada pela memória de Junho de 1848, numa

sociedade que tentava exorcizar por todos os meios a

recordação dessa revolta que se tornou quase inomi­

náve112• Hoje acontece qualquer coisa de semelhante.

:\ própria ideia de revolução é criminalizaua, automa­

ticamente remetida para a categoria do «comunismo»

e assim arquivada no capítulo «totalitarismo» da histó­

ria do século XX. Foi assimilada ao Terror e o Terror

reduzido à execução coerente de uma ideologia crimi-

120

nosa13• O capitalismo e o liberalismo parecem ter-se

tornado novamente o destino inelutável da humanida­

de, como tinham sido descritos por ~ \dam Smith na

época da Revolução Industrial e por Tocqueville depois

da Restauração. Não é identificada uma nova ordem

a construir, de que apenas poderíamos ver os traços

gerais, mas um sistema social e político apresentado

como a única resposta possível para os horrores do

século x...x. O contraste com a paisagem memorial do

século agora findo é evidente. Durante os momentos

mais sombrios da «era dos extremos», quando o velho

mundo estava sacudido por uma guerra destntti\'a que

lembrava um quadro de Hieronymus Bosch, quando

se generalizava o sentimento de que a humanidade

estava à beira do abismo e a civilização se arriscava a

conhecer um eclipse definitivo, o comunismo aparecia,

aos olhos de milhões de homens e de mulheres, como

runa alternativa pela qual valia a pena lutar. Na idcia de

comunismo havia certamente uma parte de ilusão, de

mistificação e de cegueira de que apenas uma minoria,

de entre os seus defensores, tinha consciência. Estava

contudo fortemente enraizado na sociedade, na cultura

e nas expectativas das classes populares. Comunismo

era uma palavra portadora de múltiplos significados.

Queria dizer tomar em mãos o seu próprio destino,

emancipar-se, bater-se contra o fascismo, contra a in-

121

Page 61: o Passado Modos de Usar Enzo Traverso

justiça, contra a opressão, construir uma sociedade de

iguais. Remetia também para realidades mais sombrias:

o avanço «libertadom do Exército Vermelho, a discipli­

na, a razão do partido, o culto de Estaline. ~-\spirações

libertárias, cálculos maquiavélicos e ameaças totalitárias

ombreavam-se numa dialéctica histórica que a «era dos

extremos» tinha levado ao seu paroxismo. Em França e

em vários outros países do Oeste europeu, a memória

do comunismo é em primeiro lugar a de uma «contra­

-sociedade»I.J - caserna, igreja e comunidade fraternal

à vez - que já não existe. Se as sombras e as contra­

dições que essa ideia de comunismo transportava são

doravante bem visíveis, se as suas ilusões estão destruÍ­

das, temos de reconhecer que também o seu horizonte

de esperança desapareceu. Os movimentos de mas­

sas mais radicais já não ousam reclamar-se dele, nem

reivindicá-lo. Os zapatistas mexicanos não falam de

comunismo mas de dignidade e justiça. As forças que

se mobilizaram no decurso destes últimos anos con­

tra a mundialização neo-liberal, de Seattle a Génova,

têm ideias muto claras sobre aquilo que não querem

- um mundo rei ficado e transformado em mercadoria

-, mas não ousam propor um modelo alternativo de

sociedade. Os estudantes chineses reunidos na Praça

de Tiananmen em 1989 não reivindicavam, como em

Praga em 1968, um «socialismo de rosto humano», mas

122

a liberdade e a democracia. Nos países da Europa cen­

tral, são numerosos os que, depois de terem lutado por

um socialismo autêntico, se tornaram responsáveis nào

apenas pelo regresso à democracia mas tamhém pela

restauração do capitalismo.

Introduzida na consciência histórica do mundo oci­

dental desde () fim dos anos 1970 como um aconteci­

mento central do século XX, a recordação dos campos

de morte nazis uniu-se, após a queda do :Muro de Berlim

e o desmoronamento do Império Soviético, à memória

do «socialismo realmente existente». Tornaram-se indis­

sociáveis, como os ícones de uma «era de tiranos», de­

finitivamente acabada]'. A elaboração da memória dos

passados fascista e nazi, iniciada alguns anos antes em

vários países europeus, - enleou-se com o fim do co­

munismo. A consciência histórica do carácter assassino

do nazismo serviu de parâmetro para medir a dimensão

criminal do comunismo, rejeitado em bloco - regimes,

movimentos, ideologias, heresias e utopias incluídas

- como um dos rostos do século da barbárie. A noção

de totalitarismo, antes arrumada nas estantes menos

CDnsultadas das bibliotecas da Guerra Fria, conheceu

wn regresso espectacular como a chave de leitura mais

capaz, se não a única, de decifrar os enigmas de uma era

de guerras, ditaduras, destruições e massacres1('. Uma

vez decapitado o monstro totalitário com cabeça de

123

Page 62: o Passado Modos de Usar Enzo Traverso

Jano, o Ocidente conheceu uma nova juventude, qua­

se uma nova virgindade. Se o nazismo e o comunismo

são os inimigos irreduúveis do Ocidente, este deixa de

constituir o seu berço para se tornar a sua vítitna, cri­

gindo-se o liberalismo como o seu redentor. Esta tese

exprime-se sob diferentes variantes, das mais vulgares

às mais nobres. A versão vulgar é a do filósofo do De­

partamento de Estado americano, Francis Fukuyama,

para o qual a democracia liberal designa, no sentido hc­

geliano do termo, «o fim da I·Estória», implicando que

é impossível conceber um mundo que seja ao mesmo

tempo distinto e melhor do que o mundo actual 17. A

versão nobre é a de François Furet. Sublinhando, em O

PaJ.rado de uma I1uJ"éio, que <mem o fascismo, nem o comu­

nismo foram os sinais inversos de um destino providen­

cial da humanidade»'~, Furet deixa entender que um tal

destino providencial na verdade existe c é representado

pelo seu inimigo comum: o liberalismo.

Depois de ter assimilado o movimento e os apare­

lhos políticos, a revolução e o regime, as suas utopias e

a sua ideologia, os sovietes e a Tcheca, os historiadores

da nova Restauração empreenderam a condenação em

bloco do comunismo como uma ideologia c uma prá­

tica intrinsecamente totalitárias. Desprendida de toda

a dimensão libertadora, a sua memória foi alojada nos

arquivos do século dos tiranos.

124

É certo que o século XX suscitou uma interrogação

fundamental quanto ao diagnóstico de ~farx relativo

ao papel do proletariado como libertador da humani­

dade. A Revolução Russa (e, na sua senda, as que se

lhe seguiram) engendrou um reb>1me totalitário. Tudo

aquilo contra o qual o comunismo, desde Babeuf e

l..1arx, se havia insurgido - a opressão, a desigualdade,

a dominação - converteu-se pouco tempo depois na

sua condição normal de existência. A violência «partei­

ra» da história foi institucionalizada como o seu modo

de funcionamento. O aparelho concebido como meio

tornou-se o seu próprio fim, um fetiche que exigia o

seu quinhão de vítimas sacrificiais. O movimento gue

tinha prometido a emancipação do trabalho, finalmente

liberto da sua forma capitalista, deu lugar a um sistema

de alienação e de opressão.

o comunismo, tal como nós o conhecemos nas suas

formas históricas concretas depois de 1917, foi engo­

lido com o século que o tinha engendrado. Após uma

época de guerras e de genocídios, de fascismos e de

estalinismo, o socialismo já só subsiste, como nas suas

origens, na sua forma utópica. Mas esta utopia é, dora­

vante, fortemente carregada pelo peso da história, que

a transforma, segundo as palavras inspiradas de Daniel

Bensaid, numa «aposta melancólicID)'9. Alimenta-se de

um sentimento agudo das derrotas sofridas, das catás-

125

Page 63: o Passado Modos de Usar Enzo Traverso

trofes sempre possíveis, e csse sentimento torna-se no

verdadeiro fio condutor que tece a continuidade da his­

tória como história dos vencidos.

Ao contrário de Marx, que definia as revoluções

como as «locomotivas da História», Benjamin inter­

pretava-as como o «travão de emergência)), que pode­

ria parar o curso do comboio rumo a uma catástrofe

eternamente renovada e, assim, romper o continuum da

história20• A metáfora de Marx continuava prisioneira

da mitologia do progresso que ao longo de todo o sécu­

lo XIX tinha tido o seu símbolo no caminho-de-ferro,

expressão da sociedade industrial, imagem da potência

e da velocidade. Depois dos carris de Birkenau, depois

das vias-férreas que os zekl construíram nos gulags da

Sibéria, as locomotivas já não evocam a revolução.

Nós já não estamos no meio da tempestade, como

os nossos antepassados do período de entre-guerras.

Vivemos, pelo menos provisoriamente, numa paisagem

pós-catastrófica, ao abrigo das calamidades que afligem

outras regiões do planeta. E com a catástrofe afastou-se

a revolução, o seu corolário. Uma vez que o seu «cam­

po de experiência» se afasta de nós como um passado

já ido, o seu «horizonte de esperança» tornou-se invi­

síveFI. Não sabemos se o comunismo poderá um dia

i' Prisionóros nos campos d~ trabalho forçado. NT

126

voltar a ser um «horizonte de esperança», uma «utopia

concreta», como o definia Erost Rloch. O que é certo

é que o seu campo de experiência se eclipsou da nossa

paisagem memorial e que espera ainda a sua anamnesc.

Desse ponto de vista, a memória do comunismo co­

nheceu uma parábola análoga à de outros movimentos

emancipadores. Como sublinharam vários historiado­

res, 1-1aio de 68 já não evoca, no imaginário colectivo,

a maior greve geral da história francesa, mas o rito de

passagem para uma sociedade individualista e o mo­

mento de formação de uma nova elite «liberal-libertá­

ria». A analogia mais impressionante é sem dúvida a do

anücolonialismo, cuja memória pública conheceu um

eclipse quase total. Uma gigantesca revolta dos povos

colonizados contra o imperialismo foi esquecida, re­

coberta por outras representações do «Sub) do mundo,

acumuladas durante três décadas: primeiro, a das valas

comuns do Camboja e do Ruanda; depois, as «guer­

ras humanitárias»~ e por último o terrorismo islâmico,

cujos porta-vozes substituíram a imagem do guerrillero.

Os ex-colonizados ainda não adquiriram o estatuto de

sujeitos históricos, transformaram-se simplesmente

em «vítimas», objecto de salvamento pelos países de­

senvolvidos, que continuam a cumprir, como no século

XIX, a sua «missão civilizadora», agora envolta na capa

ideológica dos «direitos do homem». Assim enterra-

127

Page 64: o Passado Modos de Usar Enzo Traverso

da, a recordação do comunismo e do anticolonialismo

como movimentos emancipadores, como experiência

de constituição dos oprimidos em sujeito históricos,

subsiste como memória escondida, por vezes como

contra-memória oposta às representações dominantes.

128

v Os dilemas dos

historiadores alemães

o deJapareâmento dnfasúsmo

A Alemanha constitui um laboratório interessante para

estudar a interacção entre a memória do nazismo e a

escrita da sua história. Neste país, a emergência de uma

consciência histórica do genocídio dos judeus coinci­

diu com o desaparecimento da noção de «fascismQ) do

campo historiográf1.co. Raros são os historiadores que

se envolveram numa análise comparada dos fascismos',

raríssimos aqueles que hoje aceitam considerar o fascis­

mo como um fenômeno de alcance europeu. Depois

de no mundo académico se ter «acertado o passO) com

a reunif1.cação, sobram apenas alguns sobreviventes da

129

Page 65: o Passado Modos de Usar Enzo Traverso

historiografia da Alemanha de leste. É a própria noção

de fascismo que, para lá do Reno, parece constituir uma

espécie de tabu. O fenómeno não é novo. Estava iden­

tificado desde 1988 por Timothy Mason, um grande

investigador que colocou a história comparada dos fas­

cismos no centro da sua obra. Num artigo significativa­

mente intitulado «\Vhatever happcned to «fascism»?»,

sublinha uma tendência que se acentuou no decorrer da

década seguinte: o desaparecimento, na historiograt1.a

alemã, do conceito de fascismo 2•

Os últimos vinte anos foram marcados, na Alema­

nha, por cinco grandes debates, alguns exclusivamen­

te no interior da disciplina, outros projectados para o

exterior, até se tornarem grandes debates da socieda­

de. O primeiro foi a «controvérsia dos historiadores>,

(húton'kcrstrei~, que polarizou em 1986-1987 a atenção

dos média e teve um impacto considerável além das

fronteiras alemãs. Depois, no ano seguinte, a corres­

pondência entre Martin Broszat e Saul FriedIander, que

não saiu das revistas e das publicações especializadas,

mas que constitui uma reflexão metodológica de pri­

meira importância. Em 1996, foi a controvérsia em tor­

no do livro de Daniel J. Goldhagen sobre os «carrascos

voluntários de Hitlen, que fez furor, com fortes reper­

cussôes na cena internacional. Por fim, as polémicas

exclusivamente internas à historiograt1.a e puramen-

130

te «germano-alemãs,>, suscitadas pelo Hútoákertai de

1998, e a que se seguiram altercações em torno de uma

exposição itinerante sobre os crimes da \X'ehrmacht.

Primeiro debate, portanto, o I-lislorikcrJtreit, iniciado

em 1986-1987 pelas teses de Ernst Nolte sobre o pas­

sado alemão «que não quer passan>. A sua interpretação

do nazismo como reacção à Revolução Russa c, sobre­

tudo, a sua visão do genocídio dos judeus como «cópia»

de um «genocídio de classe,> perpetrado pelos bolche­

viques foram objecto de polémicas bastante divulgadas.

Jürgen Habermas foi o principal antagonista de Noite,

a quem acusou de ter encontrado wna maneira cómoda

de «liquidar os danos», de «normalizan> o passado e de

dissolver a responsabilidade histórica pelos crimes do

nacional-socialismo].

o segundo debate teve lugar um ano mais tarde, em

suplementos da imprensa diária e nos ecrãs de televisão:

tun debate metodológico destinado a ter um impacto

muito forte nos meios de investigação. Publicado qua­

se simultaneamente em alemão e em inglês, a corres­

pondência já mencionada entre rvlartin Broszat e Saul

Friedlander abordava a delicada questão da possibili­

dade e dos limites de uma historicização do nazismo,

revelando em simultâneo a fecundidade do diálogo e as

'" Jornada historiográfica. N.T.

131

Page 66: o Passado Modos de Usar Enzo Traverso

diferenças de abordagem geradas a partir de dois pon­

tos de observação distintos: o de um historiador alemão

e o de um historiador judeu4• Deve sublinhar-se esta

diferença, que constitui um dos aspectos centrais des­

sa correspondência, não para «etnicizan} o debate, mas

para relembrar as diferentes perspectivas epistemológi­

cas que sustentam a «posição>} do historiador (aquilo a

que Karl ?\{annheim chamou o seu Standort)\ isto é, a

sua inserção num contexto social, político, cultural, na­

cional e memorial específicd'.

Terceiro debate: em meados dos anos 1990, a obra

do politólogo americano Daniel Goldhagen suscitou,

bem para lá dos meios universitários, um vasto debate

público sobre a ligação da sociedade alemã com o regi­

me nazi e o grau de implicação dos alemães «normais})

na efectivação dos crimes nazis. Se a tese de Goldhagen,

visando apresentar o genocídio judaico como um «pro­

jecto nacional» alemão, foi objecto de sólidas críticas

por parte da maioria dos historiadores, foi também um

momento importante na confrontação da Alemanha

reunificada com o seu passado nazi e na formação de

uma consciência histórica, especialmente entre os jo­

vens, no centro da qual se inscreve a memória de Aus­

cw1tz7• A abordagem funcionalista, que via os crimes

do nazismo como o produto de uma máquina de mor­

te, impessoal e quase anónima, foi fortemente abalada

132

por Goldhagen, que colocou a tónica na participação

activa dos alemães nesses crimes ao desviar a atenção

dos campos de extermínio para as execuções em mas­

sa levadas a cabo pelas unidades especiais do 55 (as

Einsatzgruppen), pelos batalhões de polícia e pelo exér­

cito.

Quarto debate: em 1998, o tradicional encontro de

historiadores alemães, que tem lugar de dois em dois

anos, foi marcado por debates muito intensos a respeito

do passado da sua disciplina. O compromisso com o

regime nazi, ou mesmo a adesão aberta, por parte de

certas figuras de proa da historiografia do pós-guerra

- como Werner Conze e Theodor Schieder, os antigos

mestres de vários investigadores que dominam a disci­

plina hoje em dia - foi objecto de revelações e de criti­

cas muito severas8• Foi esse congresso que desenhou o

perfil de uma nova geração - no sentido histórico, c não

simplesmente cronolóbr"ico do termo, segundo a defini­

ção de Mannheim - que emergiu no decurso da última

década. (por vezes mesmo mais cedo, especialmente no

caso de tun dos porta-vozes da vaga contestatária, Gõtz

Aly'l.) Foi de certa forma inevitável que, após ter sido

um dos vectores privilegiados da elaboração de uma

consciência histórica e do desenvolvimento de um vas­

to debate na sociedade sobre o uso público da história,

a comunidade de historiadores se visse obrigada a cen-

133

Page 67: o Passado Modos de Usar Enzo Traverso

trar o seu olhar sobre o seu próprio percurso e a proce­

der, muito honestamente e portanto dolorosamente, à

sua autocrítica. Existe aqui uma identificação completa

entre o juiz e o historiador, num processo em que os

historiadores se constituíram como jW7:es dos seus pró­

prios antecessores e da sua própria história.

Quinto debate: a exposição sobre os crimes da Wehr­

marcht, organizada pelo Institut fLir Sozialforschung de

Hamburgo e inaugurada em 1995, tem uma longa e tor­

mentosa história, cuja conclusão podemos referenciar

ao ano de 2002 lO• Resultado de um importante trabalho

de investigação, essa exposição rompeu com um lugar­

-comum instalado na opinião pública alemã, segundo o

qual o exército não teria estado implicado nos crimes

do nazismo, que teriam sido responsabilidade quase ex­

clusiva dos SS e da Gestapo. Apoiando-se num vasto

material ilustrado por imagens e documentos da época,

a exposição de Hamburgo mostrava que, pelo contrá­

rio, o exército tinha perpetrado numerosos massacres

de populações civis na União Soviética - sobretudo na

Ucrânia e na Bielorrússia - e na Sérvia, ao mesmo tempo

que participava na eliminação dos judeus. Tinha estado

no centro de uma guerra de conquista e de extermínio

contra o comunismo, os povos eslavos, os judeus e os

ciganos, guerra que foi radicalizada face à resistência so­

viética e que tinha rapidamente assumido as característi-

134

cas de uma guerra colonial e de uma cruzada antissemi­

ta. Os milhões de jovens soldados que tinham servido

sob o uniforme da Wehrmacht representavam o con­

junto da sociedade alemã, com a qual mantinham con­

tactos e trocavam informações. r..Iostrar a implicação da

\Vehrmacht no genocídio dos judeus significou, por­

tanto, _~~~_ol!~ _o, mi_t~_ .~eE~E.9.<2."o~_'L,-!a) o~ <~lem~es. «nãQ.

sabiam»,

As ferozes polémicas suscitadas por esta exposição

atingiram o seu ponto alto em 1999, quando os seus de­

tractores conseguiram provar a presença de alguns docu­

mentos falsos (quatro fotografias de crimes do NKVD

atribuídos erroneamente à \Xlehrmacht) e impor o seu en­

cerramento, Depois do trabalho de investigação de uma

comissão de inquérito independente que rejeitou todas as

alegações de falsificação e de manipulação, a exposição

foi enfim reaberta em 2002, expurgada das fotografias

controversas - uma parte núnima no conjunto dos docu­

mentos reunidos - e acompanhada de um novo catálogo

enriquecido por um importante aparato crítico ll.

--'~ .. ' ""._~~~'.~.

É verdade que estas controvérsias apresentam ca­

racterísticas muito diferentes. Trata-se respectivamente

del~~is)randes debates de sociedade que ultrapassaram

largamente as fronteiras de uma disciplina científica (o

Historikcntrcit, o caso Goldhagen e a exposição sobre os

crimes da Wehrmacht), de uma reflexão metodológica - --- -------- - ._---,-".~-,~-- --- -- -

135

Page 68: o Passado Modos de Usar Enzo Traverso

sobre a interpetação de um passado que se furta aos

procedimentos tradicionais da historicizaç_ilo (a corres­

pondência Boszat-Friedliinder) e, por fim, de uma crise

de identidaqe J19 interior de uma comtuüdade intelectu­

al (o Hútorikertag de 1998), Mas, no entanto, se virmos

bem, as três primeiras controvérsias, que constituem

também a premissa e a base sobre a qual se desenvolve­

ram as outras, andam em torno de uma mesma questão:

a J'illgularidade hútón'ü1 do nazismo e dos seus crimesl~,

O reconhecimento dessa singularidade é doravante o

postulado implícito à maior parte das pesquisas alemãs

sobre o nazismo, Não se trata aqui de pôr em causa essa

singularidade, que podemos muito bem admitir e que

constitui, em vários aspectos, uma aquisição importan­

te da historiografia, O que merece ser sublinhado, em

contrapartida, é o seu corolário, ou seja, as consequên­

cias problemáticas, algumas vezes inquietantes, que

acompanharam esse reconhecimento, Na primeira linha

dessas consequências negativas deve inscrever-se, preci­

samente, __ ? dcs~pa~ec~ento do conceito d~ fascismó,l

Sobre essa questão crucial, temos a impressão de

que todos se posicionaram silenciosamente, mas com

firmeza, ao lado de Karl Dietrich Bracher, o historiador

liberal-conservador que com mais coerência sempre re­

jeitou o conceito de fascismo. Há mais de quarenta anos

que Bracher opõe a sua visão «totalitarista» da Alema-

136

nha nazi às diferentes teorias do fascismo, categoria que

para ele só se aplica à ''Itália de Mussolini". ~-\lguns dos

seus discípulos, como Hans-Hclmut Knütcr, recusam

mesmo atribuir ao fascismo o estatuto de um concei­

to (BegtilJj, reduzindo-o a uma simples «palavra de or­

dem» (schlagwor~, a uma ideologia e a um instrumento

de propagandal~. Essa atitude não é nova. O que é isso

sim novo é que a ela adiram\, historiadores e ?oli~ólogos

provenientes da esquerda, c~-;;-\V~ifg~~g Krau~haar ou Dan Diner. O primeiro defende hoje em dia a ideia

de totalitarismo, que apresenta como antinómico em

relação ao fascismo (sendo a Alemanha nazi totalitária,

já não poderia ser fascista)l~. O segundo publicou re­

centemente uma ambiciosa e interessante tentativa de

«compreensão» do século XX (Daj"Jabrhundert venteben),

em que praticamente não recorre à noção de fascismo ll"

O nacional-socialismo aparece aqui como um fenóme­

no exclusivamente alemão, completamente distinto e

independente do fascismo italiano, tanto no seu conte­

údo como na sua forma, insusceptível de ser associado

a um fenómeno fascista de escala europcia. Na maior

, parte dos casos os historiadores que continuam a utili­

zar a noção de fascismo são os representantes da escola

, histórica da antiga RDA, como Kurt Patzold, marxis­

tas como Reinhard Kühnl17, ou discípulos de esquer­

'da de NoIte, como Wolfgang Wippermannl8, Entre os

137

....

Page 69: o Passado Modos de Usar Enzo Traverso

grandes historiadores da RFA, a única excepção é Hans

Mommscn, autor de uma obra imponente e notável

mas que, no entanto, não se distingue pelo seu com­

paratismo. Mommscn reconhece a pertinência do uso

do conceito de fascismo, mesmo se a ele não recorre. É

significativo que a única obra hoje em dia disponível na

Alemanha sobre os fascismos seja traduzida do polaco:

St'hulen des HaJJeJ, de Jerzy W Borejsza l9•

Outro sinal revelador dessa mutação na paisagem in­

telectual é o abandono da noção de fascismo por quem

',mais tinha contribLÚdo para a sua difusão: Ernst NoIte.

Celebrizado no inicio dos anos 1960 graças a um livro

ambicioso em que interpretou o fascismo como um fe­

nómeno europeu de que analisa três variantes principais

- o regime de Mussolini em Itália, o nacional-socialismo

alemão e a Adioufrauraise -, hoje em dia NoIte prefere

qualificar o nacional-socialismo como totalitarismo, para

,o qual tentou dar uma explicação «histórico-genétic3»20.

A Shoah, a RDA e o antifasásmo

N a origem deste «ostracismOJ) conceptual encontramos,

bem entendido, vários factores. Podenamos sublinhar

pelo menos quatro, ligados tanto à evolução intnnseca

da investigação histórica como a uma mutação da pai­

sagem memorial da Alemanha.

138

o primeiro vem dos limites hoje evidentes das teo­

rias clássicas do fascismo, nomeadamente as de inspira­

ção ~~a. Dificilmente poderemos ficar satisfeitos

com uma explicação do nazismo como expressão, se­

gundo a fórmula canónica, dos sectores mais agressivos

do grande capital e do imperialismo alemão, ou mesmo,

em termos mais matizados, como simples resultado de

uma alteração das relações de força entre as classes~l.

Os limites de uma tal leitura são agora reconhecidos,

ainda que, diga-se de passagem, as interpretações mar­

xistas, nos nossos dias pouco frequentadas, são muitas

vezes bem mais ricas e complexas do que se pensa (os

marxistas estão entre os primeiros a ter falado do fas­

cismo em termos de totalitarismo, de policracia, de ca­

risma, de psicologia de massas, etc.f2. A indiferença às

bases de classe do nazismo corre o risco de levar a um

impasse tão grave como uma leitura do Estado hitle­

nano em termos simplesmente classi~tas., Se ninguém

pode seriamente pretender que as câmaras de gás fo­

ram projectadas pelo capitalismo monopolista alemão,

a implicação deste no sistema concentracionário nazi é

incontestável, tal como o apoio das elites alemãs tradi­

cionais ao regime nazi até ao fim da Segunda Guerra

Mundial.

o segundo factor procede da amplitude das diferen­

ças entre o fascismo italiano e o nacional-socialismo,

139

Page 70: o Passado Modos de Usar Enzo Traverso

sobretudo no plano da ideologia. O antissemitismo, que

ocupa run lugar central na mundivisão e nas políticas

nazis, está ausente no fascismo italiano até 1938, dezas­

seis anos depois da chegada ao poder de l\fussolini De

uma forma mais geral, as matrizes culturais do fascismo

italiano (a presença de uma componente «de esquerda)}

nas suas origens), a sua exaltação do Estado «totalitá­

riO)) (em vez da piJikúche Gemeinsthafi) e mesmo a sua

definição do nacionalismo (mais espiritualista do que

biológica), revelam diferenças tão profundas em relação

ao nacional-socialismo que uma visão monolítica do

fascismo como fenómeno homogêneo, cujas variantes

nacionais fossem apenas superficiais, é necessariamente

contestáveF".

Se é certo que essas lacunas e essas limitações ob­

jectivas favoreceram o questionamento do conceito

de fascismo, um terceiro factor que determinou o seu

eclipse é de natureza essencialmente política. A noção

de fascismo era um dogma para a escola histórica da

RD~-\, num contexto em que eram muito débeis as fron­

teiras entre investigação e ideologia, entre interpretação

do passado e apologia da ordem dominante. Com a

reunificação, essa noção desapareceu após a demolição,

no sentido literal do termo, da escola histórica que a

defendia. Esse processo foi acompanhado primeiro

por um questionamento, seguido pela sua rejeição radi-

140

cal, de uma outra noção, a de anti fascismo, que apare­

cia muito mais como wna ideologia de Estado do que

como a herança de um movimento de resistência. O

estudo da resistência comunista - cuja amplitude está

longe de ser negligenciáveF~ - permaneceu apanágio da

historiografia leste-alemã, submetida a um forte con­

trolo ideológico. A Oeste, foi privilegiada a oposição

no seio do exército, que teve como momento final o

atentado contra Hitler em Julho de 1944, enquanto a

história social tendia a colocar entre parêntesis o pró­

prio conceito de resistência (U7 iderstand), desviando a

atenção para as diferentes formas de «dissensão)) ou de

«inadaptaçãO)) (Rtsisten!:j da sociedade civil face ao regi­

me. Como sugeriu Saul Friedlander, a consequência do

uso desse conceito - que literalmente significa «a imu­

nidade, num sentido biológico»2.i - era legitimar a visão

lenitiva e apologética, largamente difundida no seio da

opinião pública desde 1945, de uma sociedade civil ale­

mã em última análise estranha aos crimes do nazismo.

Com o desenvolvimento dos estudos sobre a vida quo­

tidiana (AlltagsgesdJichte) na Alemanha nazi, a resistência

perdia o seu interesse2(,. Essa mutação era ainda mais

fácil uma vez que apenas a historiografia da RDA podia

legitimamente considerar-se herdeira de uma tradição

antifascista; não se considerariam, certamente, os histo­

riadores oeste-alemães pertencentes ao que hoje em dia

141

Page 71: o Passado Modos de Usar Enzo Traverso

é corrente chamar-se a «geração da Hitletjugencb) e ainda

menos os seus mestres que dominavam a disciplina du­

rante a era Adenauer e que antes de 1945, em muitos

casos, haviam aderido ao partido nazi.

Existe uma diferença fundamental em relação à his­

toriografia italiana, cujas discussões actuais procedem

do questionamento de um {<paradigma ~~tif~s~~~:)_~~=

bre o qual ela se tinha reconstituído após 1945. Este

quadro estaria incompleto, porém, sem um outro ele­

mento político. O conceito de fascismo, na sociedade

oeste-alemã dos anos 1960 e 1970, designava mais o

P~~~~!1te do que o passado e servia para motivar a luta

contra as tendências autoritárias de um sistema político

nascido das cinzas do Terceiro Reich. Segundo a céle­

bre fórmula de Adorno, o perigo representado pela so­

brevivência do fascismo _na democracia era bem maior

do que a ameaça de um retorno ao fascismo~7. A solidez

das instituições democráticas alemãs, de que a reuni fica­

ção foi um teste decisivo, mostrou o carácter datado e

agora obsoleto de uma tal concepção.

Vamos agora ao quarto elemento, sem dúvida o mais

importante. O que mais contribuiu para o abandono da

noção de fascismo no seio da historiografia alemã foi

a emergência de uma consciência histórica fecundada

pela memória de Auschwitz. O fascismo aparece como

uma categoria demasiado geral para compreender

142

.Auschwitz. O carácter único do extermínio dos judeus

da Europa não pode ser explicado por um conceito

que foi também aplicado à T tália de j\Iussolini, à Es­

panha de Franco, ao Portugal de Salazar, à ~\ustria de

Dollfuss, à Roménia de .Antonescu, etc. A noção de

fasci~mQ, escreve Dan Dincr numa fórmula categóri­

-~a, '«não permite chegar ao núcleo de .Auschwitz»~H. O

eclipse do conceito de fascismo aparece assim como o

epílogo de um longo caminho da historiografia alemã

que desemboca numa visào do passado no centro da

qual se inscreve, doravante, a Shoah, o «ponto fix(») do

sistema nazi, caracterizado por uma irredutível {<unici­

dadc» (EinZ.Zgartigkeil). ~\ forma empenhadíssima como

alguns historiadorcs se desembaraçaram do conceito de

fascismo aparece quase como uma espécie ~!~~~_~~.?_

',_~_ompe.r:.satório, através do qual tentaram apagar o lon­

go período durante o qual os seus precursores foram

incapazes de pensar e de investigar o genocídio dos ju­

deus.

Surge então um problema grave: a noção de totali-_

~~arismo, que conheceu um renascimento espectacular

no decurso da última década, na Alemanha como no

resto da Europa, será a mais apta para analisar uma tal

singularidade? O deslocamento do comparatismo his­

tórico da ligação entre o fascismo italiano e o nazismo

para a ligação entre o nazismo e o comunismo será mais

143

Page 72: o Passado Modos de Usar Enzo Traverso

clarificador para compreender a natureza do regime hi­

tleriano e a singularidade dos seus crimes? Colocar em

paralelo o\«duplo passado totalitáriO)}!da Alemanha - o

do Terceiro Reich e o da mA ou, retomando a fórmu­

la de Étienne François, o de um regime que acumulou

uma montanha de cadáveres e o de um regime que acu­

mulou uma montanha de dossiers2\1 - permitirá chegar

a conclusões de um maior valor heunstico? É duvidoso.

Não se trata de contestar o valor da noção de totali-, tarismo -i limitada ~as r_e_a.U- nem de recusar uma com-

paração entre os crimes do nazismo e os do estalinismQ,.

O problema surge do uso que disso se faz. Por que se

deverá pensar o totalitarismo e o fascismo como cate-

1?0ri~~.ana~ticas incompatíveis e alternativas? Por que se

deverá atribuir um maior alcance heurístico à compara­

ção entre nazismo e comunismo do que à comparação

entre fascismo e nazismo?\Não se trata também de ne-'-.. . -,.- .,_.-

o gar a singularidade histórica dos crimes nazis, uma vez

que o extermínio industrial dos judeus da Europa é uma

caractenstica singular do nacional-socialismo. Mas, se

as câmaras de gás não têm equivalente fora do Terceiro

Reich, as suas premissas históricas - o antissemitismo, o

racismo, o colonialismo, o contra-iluminismo, a moder­

nidade técnica e industrial- estão largamente presentes,

em graus de intensidade distintos, no conjunto do mun­

do ocidental Por outro lado, a singularidade dos crimes

144

do nazismo não exclui a sua pertença, apesar de todas

as suas particularidades, a uma família política mais

vasta, a dos fascismos europeus.: Ora, é precisamente

esta hipótese que, desde o Hútorikerslreit até aos mais

recentes debates em torno do Livro l\Tegro do Comunis­

mo (cujo impacto na Alemanha nào foi negligenciável),

'praticamente se eclipsou. ~\ssistimos assim, apesar dos

avanços incontestáveis da investigaçào, ao regresso de

um «consenso antitotalitárim} que, para pegar nas pala­

vras de Jürgen Habermas a propósito da .\lemanha de

antes de 1968, supunha um a prion· «anti-anti fascista» \(1.

Resumindo, o eclipse do fascismo surge do encontro

entre duas tendências: por um lado, o consenso antito­

talitário libera~_~_~~~nti-=!I!~~~_~,~~~a~), por outro, a emer­

gê~~rad;~~a consciência histórica fundada sobre a _ .. - - - ------_ .. ----

memória da Shoah e o reconhecimento da sua singula-

ridade. Em Itália, estas tendências foram impulsionadas

por certas correntes da historiografia que, fortemente

amplificadas pelos média, teori?:aram uma clivagem

radical entre fascismo e nazismo a fim de reabilitar o t,· ... - -'."'-' fascismo e criminalizar o antifascismo. O fascismo ita-- -, _._, ,.,,,- "-~.-liano, afirmava Reo?:o De Pelice, durante uma entrevista

que suscitou enorme alvoroço, fica fora do «cone de

sombra do Holocaustm) ,!. Este fenómeno perverso

- o reconhecimento da singularidade do judeucídio que

actua na Alemanha como vector de formação de uma

145

Page 73: o Passado Modos de Usar Enzo Traverso

consciência histórica e em Itália como pretexto de uma

reabilitação do fascismo - é uma fonte permanente de

mal-entendidos e ambiguidades.

Os riscos de tais tendências são os que Martin Broszat

tinha denunciado no início da sua correspondência com

Saul Friedlander, e que este último parece hoje em dia

admitir, pelo menos em parte: um «Ísolamentm> do pas­

sado nazi que impede captar os seus vínculos com os-I

outros fascismos europeus e, de uma maneira mais ge­

ral, com o modelo civilizacional do mundo ocidental.

Reconhecer esses vínculos não significa (<normalizar»

ou reabilitar o nazismo, mas antes «desnormalizaD) a ci­

vilização que é a nossa e colocar em causa a história da

Europa. Se existe um Sondcnvcg alemão, este nào explica

as origens do nazismo mas apenas o seu resultado32.

Dito de outro f}!-..o_do, a singularidade da Alemanha nazi

deve-se à sua\(íntes~~):Jue nào se realizou nos outros pa­

íses, entre vário~-élémentos - antissenútismo, fascismo,

Estado totalitário, modernidade técnica, racismo, euge­

nismo, imperialismo, contra-revolução, anticomunismo

- aparecidos no conjunto da Europa no fim do século

XIX e que com a Primeira Guerra }"Iundial foram for­

temente _disseminados à escala continental.

Este (<isolamento» arrisca-se a afastar a historiografia

alemã das principais correntes da investigação inter­

nacional, onde a legitimidade do conceito de fascismo

146

como «tipo ideal» é geralmente admitida. São inumerá­

veis os historiadores, nos anos mais recentes, que /17.e­

ram e fazem uso dele. Além disso, a rejeição da n(),çãq

de fascismo (e por consequência de antifascismo) não

faz mais do que recolocar a eterna questão das relações

entre história e_~-ºria. Abre um hiato radical entre

--;-hi~;~rici~açào actual do nacional-socialismo e a per­

, cepção que tinham os seus contemporâneos, quando

\ o fascismo, antes de ser uma categoria analitica, era

\ um perigo contra o qual se tinha de lutar c quando o

I'i antifascismo, antes de se tornar uma ideologia de Es­

\ tado, constituía um ethoJ partilhado pela Europa demo­

, crática e, nesse contexto, pela cultura alemã no exílio.

I.

147

(

Page 74: o Passado Modos de Usar Enzo Traverso

148

VI Revisão e revisionismo

Melamorjóses de um conceito

«Revisionisffim) é uma palavra camaleão que assumiu

ao longo do século XX significados diferentes e con­

traditórios, prestando-se a usos múltiplos e suscitando

muitas vezes mal-entendidos. As coisas complicaram­

-se ainda mais por ter sido apropriada pel~ seit~> int~r­

nacional que nega a existência das câmaras de gás e o

genocídio dos judeus da Europa em geraP. Os negacio­

rustas tentaram apresentar-se como os porta-vozes de

uma escola histórica «revisionista): oposta a uma outra

escola, que eles classificam como «cxterminacionistID), c

que inclui, bem entendido, o conjunto dos estudos his­

tóricos dignos desse nome, seja qual for a sua corrente,

149

Page 75: o Passado Modos de Usar Enzo Traverso

consagrados ao genocídio judaico. A fim de defende-

ram as suas teses, os negacionistas lançaram em 1987

uma revista intitulada AnnaleJ d'lJi.floire réviJioflflúte que se )

tornou depois Rivue d'hütoire révúioflflúle. É inútil acres--~---~

centar que esse movimento - cuja verdadeira intenção

Pierre Vidal-Naquet pôs a nú ao rebaptiza-Ios «os aS-I \

sassinos da memória»~ - nunca atingiu o seu objecti-

vo, uma veZ que não obteve o menor reconhecimen-

to no seio da historiografia nem foi aceite no debate

público. ;-\0 invés - este facto foi muitas vezes sublinha-

do -, o seu aparecimento teve o efeito de estimular a

investigação que no decorrer dos últimos anos alcançou

um conhecimento muito mais preciso c detalhado dos

meios e das modalidades do processo de extermínio

dos judeus.

Os negaciorustas, contudo, conseguiram contami­

nar a linguagem e criar uma confusão considerável em

torno do conceito de revisionismo. François Bédarida

recordava-o há uma dezena de anos, quando escreveu

que os negadores dos judeucídio, ao se apropriarem

desse termo, tinham praticado (ruma verdadeira usurpa- ~ çãQ). Tinham tomado uma palavra existente que tradu­

zia «uma atitude mais que honorável, wna atitude à vez

legítima e necessária, para lhe darem uma respeitabilida­

de enganadora e falsa»)3. É agora indispensável, quando

utilizamos o termo, explicitar o seu significado, como o

150

fez por exemplo Pierre Vidal-Na'luet, gue assinala no

início das suas~~ .. ~22.~.~_~E~':'~!i~E-iJ>,~QJ~(~.?_~La,,_ ~ sua escolha deliberada em o utilizar numa acepção res- '.

" tritiva, limitada à «doutrina segundo a qual o genocídio

praticado pela Alemanha nazi contra os judeus e os ci­

ganos não existiu e apenas releva do mito, da fabulação

e da fraude». Vidal-Naguet prossegue sublinhando os'

diferentes sentidos que a palavra pode veicular segundo

os contextos, relembrando que também ela conheceu

os seus títulos de nobreza. Em França, escreve, «os pri­

meiros revisiorustas modernos» foram os partidários da

revisão do processo que tinha terminado com a conde~

nação do capitão ~~~~:ed Dreyf~

Em linhas gerais,_ ~~hist?ria do revisionismo - nega­

cionismo excluído - poderia reduzir-se a três momen­

tos principais: uma controvérsia marxista, um cisma no

interior do mundo comunista e também, no sentido

mais lato, uma série de debates historiográficos poste­

riores à Segllilda Guerra Mundial. Primeiro, o revisio­

rusmo clássico, pelo qual a palavra foi introduzida no

vocabulário da cultura política moderna: trata-se evi­

dentemente da Bernsteilldebatte, que despoletou no fim

do século XIX no seio da social-democracia alemã e

se estendeu imediatamente ao conjw1to do movimento

socialista internacional. O antigo secretário de Engels,

Eduard Bernstein, teorizava a necessidade de «reVeD)

151

u

Page 76: o Passado Modos de Usar Enzo Traverso

certas concepções de Marx, como a polarização cres­

cente entre as classes na sociedade burguesa ou, ainda, a

tendência para o colapso do capitalismo devido às suas

crises internas. Destas' revisões teóricas.I!Bernstein tira­

va conclusões políticas que visavam harmonizar a teoria --'-----r

da social-democracia alemã com a sua prática, a de um

grande partido de massas que tinha abandonado a via

revolucionária e se encaminhava para uma política re­

formista-\ O «revisionismo>; foi vigorosamente critica­

do por Kautsky, Rosa Luxemburgo e Lenine, mas nin­

guém pensou em algum momento expulsar Bernstein

do SPD e a querela, por vezes de um alto nível teórico,

permaneceu sempre dentro dos limites do debate de

~deia~JFoi seguida de outras «revisões» - por Rodolfo

Mondolfo em Itália, Georges Sorcl em França c Henri

de Man na Bélgica - que levaram alguns dos seus pro­

ll).otores do socialismo para O fascismd'. O termo co­

meçava assim a estender-se para lá dos meios marxistas.

Nos anos 1930, qualificava-se de «revisionista» Vladimir

Jabotinsky, que rejeitou a via diplomática defendida pe­

los fundadores do sionismo político (Herzl, Nordau) c

que projectava a criação de um Estado judaico na Pales­

tina através do uso da força7•

A controvérsia socialista assumirá uma conotaçào

--~g:má.1ica, quase religiosa, após o nascimento da Uniào

Soviética e a transformação do marxismo em ideologia

152

l de Estado,} com os seus dogmas c os seus guardiães da

ortodoxia. A palavra «revisiorusta» torna-se então um

epíteto infamante, sinônimo de «traiçào». Foi ampla­

mente utilizada durante o cisma jugoslavo em 1948 e

sobretudo durante ü conflito sino-soviético, no início

dos anos 1960. Por vezes, tornou-se um adjectivo asso­

ciado a um substantivo mais insidioso, como na fórmu­

la ~Jll_~~_a_~~~~~?~~'sta;;:~ue os ideólogos do Cominform

gostavam de aplicar ao marechal Tito.

As controvérsias em torno de Bernstein, Jabotinsky

e Tito porém nào diziam respeito - pelo menos direc­

tamente - à escrita da história. O terceiro campo de

aplicação da noção de revisionismo, pelo contrário, diz

respeito à historiografia do pós-guerra. Várias tentati­

vas que visavam renovar a interpretação de uma épo­

ca ou de um acontecimento, colocar em causa a visão

dominante, foram qualificadas de «revisões);. Essa pa­

lavra visava sublinhar o seu carácter inovador, e nào

deslegitimá-las, e os seus representantes foram sempre

reconhecidos como membros de corpo inteiro da co­

munidade dos historiadores. Entre as «revisões» mais

marcantes, poderíamos relembrar a que foi impulsio­

nada no início dos anos 1960 por fritz Fisher, que re­

novava o debate sobre as origens da Primeira Guerra

l'vlundial (relembrando, contra a tendência dominante

no seio da historiografia alemã, as visões pan-germa-

153

Page 77: o Passado Modos de Usar Enzo Traverso

nistas do estado-maior prussiano)!!. Depois, a dos poli­

tólogos americanos que, como Gabriel Kolko, puseram

em causam a tese então corrente das origens soviéticas

da Guerra Fria'). Mais recentemente, tivemos a «revisãO)

de um historiador como Gar Alperowicz a respeito da

bomba atômica: a escolha americana de lançar as bom­

bas atómicas sobre Hiroshima e Nagasaki em Agosto

de 1945 foi, explicou, mais uma tentativa de afirmar

uma superioridade estratégica dos Estados Unidos da \

América sobre a União Soviética - fazendo pesar sobre I

a cena mundial o seu monopólio da arma nuclear - do

que de colocar um fim à guerra poupando mais vidas

hwnanas, como argumentava o presidente Truman lll.

Nos Estados Unidos, qualificam-se ainda hoje de «re­

visionistas» os sovietólogos como J\loshe Lewin, Arch

Getty e Sheila Fitzpatrick que, desde os anos 1970, se

distanciaram das abordagens anticomunistas da época

da Guerra Fria e começaram a estudar, para lá da fa­

chada totalitária do regime, a história social do mundo

~_ r':l.s~o_ e ~_~~~ti~ol.~.).Mas numerosas «revisões» apare­

ceram também na Europa. Por exemplo em Itália, no

início dos anos 1960, num debate historiográfico sobre

o Rúorgimenlo, onde «revisionismo» se refere às teses de

Gramsci e Salvemini acerca dos limites do processo de

i unificação nacional dirigido pela monarquia piemonte­

saJ:~. Alguns anos mais tarde, François Furet procede à

154

«revisão» da interpretação jacobino-marxista da Revo­

lução Francesa - interpretação a que chama «vulgata

populista-leninista» - e orienta-se para uma rcleitura

liberal da ruptura de 1789, apoiado em Tocqueville e

. .'\ugustin Cochin, suscitando um vasto e polémico de­

bate intemacional13• Aquando do bicentenário da Re­

volução, esta tese antes «revisionista» impôs-se como

a leitura dominante. A última «revisão» importante, já

mencionada em capítulos anteriores, é a dos (<novos

~istoriadores» israelitas. Rompendo com certos mitos

persistentes, Benny Morris e Illan Pappé apresentaram

o conflito de 1948 em toda a sua complexidade, como

wna guerra simultaneamente de auto-defesa e de depu­

ração étnicaH; Uma guerra em que o Estado hebraico

que tinha acabado de ser proclamado lutava, por um

lado, pela sua sobrevivência, e procedia, por outro lado,

à expulsão de várias centenas de milhares de palestinos.

Aqui está um exemplo de «revisãO) nos antípodas de

.

qu.al.quer objectivo .apolo.gét.iCO' e .. que se esforça, PelO~ contrário,~..!!U'_0rJ!W_ª,"I.lID·~ período çJ.e_amnésia I çolectiva e de ocultação o"~<:i.al do passado. : l

A palavra e a coisa

Estas «revisões» historiográficas convidam-nos a preci­

sar algumas questões de~ primeira diz respei-

155

Page 78: o Passado Modos de Usar Enzo Traverso

to ao uso das fontes. Se o relato histórico é uma recons­

trução dos-~cimentos do passado «tal como ver­

dadeiramente aconteceID~, segundo a fórmula canónica

de Ranke (wie es eigentlicb gewesen) - definição certamente

simplificadora mas nem por jsso fal~.~_-, então algu­

mas «rev:isões)~ inscrever-se-ão de forma natural no seu

desenvolvimento. A descoberta de novas fontes, a ex­

ploração de arquivos e o enriquecimento dos tcsternU·"'. _.' I

nhos podem fazer incidir uma nova luz sobre aconteci-o. I

mentos que se julgava serem perfeitamente conhecidos'

.. c:m de que tínhamos um conhecimento erróneo. A revi­

são em baixa do número de vítimas do gulag na URSS

- estimado em dez milhões por Robert Conquest, redu­

zido a um milhão e meio pelas pesquisas mais recentes 1.'i

- foi o resultado de wna análise escrupulosa das fontes

e do acesso a uma documentação essencial até então

inacessível.

Outras «revisões» dependem de uma mudança de

( pa~~1i~~a.. i;l';rpreta!ivo. Por vezes, a introdução de um

novo paradigma pode estar ligado a fontes até então

ignoradas, como sabem todos aqueles - ou melhor,

aquelas - que começaram a elaborar uma história das

mulheres (necessariamente revisionista, uma ve7- que

implica uma mutação do olhar, dos objectos e das fon­

tes na forma de fa:ler a história). A história escreve-se

sempre no presente e o questionamento que orienta a

156

nossa exploração do passado modi6ca-se segundo as

épocas, as gerações, as transformações da sociedade

e os percursos da memória colectiva. Se a nossa visão

da Revolução Francesa ou da Revolução Russa já não

é a mesma de há cinquenta anos ou de há um século,

tal não resulta apenas da descoberta de fontes inéditas,

mas de wna pers~~~~~5~? __ hi_s,tó_ric:a nO\~a, própria da

nossa _época, Não é difícil reconhecer que a leitura ro­

mântica da Revolução Francesa proposta por I\Iichelet,

a leitura marxista de Albert Soboul e a leitura liberal de

Furet pertencem a distintos contextos históricos, cultu­

rais e políticos.

Nessa acepção, as «reV1SÕeS~) da história são legíti­

mas e mesmo necessárias. No entanto, algumas revisões

- aguelas que qualificamos habitualmente como ({fevi­

sionismo» - implicam umá;irt{~em éti~~P~-I!;i;;)na nossa

forma de olhar o passado. Correspondem ;~'que Jürgen

Habermas chamou, durante o Histon'kerstrút, a emer~

gência de «tendências apologéticas» na historio yrafial(,.

Utilizado nesse sentido, o conceito de «rev:isionismm>

assume necessariamente uma conotação __ negativa, Não

é portanto surpreendente que certos historiadores acu~

sados de «revi sionismo» tenham tentado justificar que a

«revisão» faz parte da forma de trabalhar do historiador

e que, por definição, este último seria sempre «revisio­

nista>~. Na sua correspondência com François Furet,

157

Page 79: o Passado Modos de Usar Enzo Traverso

+ Ernst Nolte sublinhou que «as «revisões» são ~_.pão de J . 'cada dia\de que o trabalho científico se alimenta»17.

É bem evidente que mmca ninguém se queixou dos

historiadores «revi sionistas» por terem usado arquivos

inexplorados ou por terem baseado os seus trabalhos

sobre uma documentação nova. O que lhes é aponta­

do é o ,'~Le_ctl:r~líri_~~subjaccnte à sua releitura do

passado. Um exemplo clássico de uma tal revisão é jus­

tamente a de Ernst Noite. Em DereuroPiiische Bii';"p,erkri~g

apresenta os crimes nazis como a simples. «cóp(a,» . de \

uma «barbárie asiática» introduzida pelo bo1chevi~~~'~I: em 1917 . .---\meaçada de aniquilação, a Alemanha reagiu I' exterminando os judeus,_.~~nstrutOJ:~.s .. cio !~gi~e .!Jol­

c~~vi.9-~e, cujos crimes constituem para Noite o «pre­

cedente lógico e factuab) dos crimes nazis lll• A ausência

total de distância crítica em relação às suas fontes - a li­

teratura nazi da época - justifica algumas perplexidades,

como bem sublinhou Hans-Ulrich Wehlerl'l, mas o pro­

blema fundamental não resulta do manuseamento das

fontes. É evidente que o resultado da historicização do

nazismo proposta por Noite é uma releitura do passado

em que a Alemanha já não ocupa a posição de opressor

mas a de vitima. E as suas vítimas reais, a começar pelos

judeus, são considerados, no melhor dos casos, como

«danos colaterais», e, no pior, como a fonte do mal, já

que responsáveis pela Revolução Bolchevique20•

158

Quanto ~Renzo De I'e~~:; a sua pesquisa monumen­

tal sobre a Itilia fascista produziu numerosas«;r~~~Õe-;;;; \ -._._--... _,

que são hoje aquisiçôes historiográficas em regra acei-

tes, como por exemplo o reconhecimento da dimensão

; «:~_~o_l~~~onária>, do primeiro fascismo, do seu carácter

modernizador ou ainda do «consensQ» obtido pelo re­

gime de l\Iussolini no seio da sociedade italiana, sobre-

\ tudo durante a guerra da Etiópia21• Bem mais discutível,

pelo contrário, é a sua interpretação da guerra civil ita­

liana, entre 1943 e 1945, como sendo a consequência

da escolha antinacional de uma minoria de resistentes,

a maior parte deles comunistas. Ou ainda, como já vi­

mos, a sua concepção do fascismo italiano como um

regime completamente distinto, pelas suas raízes, a sua

ideologia e as suas metas, do nazismo, com o qual teria

estabelecido uma aliança contra-natura em 1940. Ou,

por fim, a forma como De Felice faz de Mussolini um

«patriota» que teria escolhido sacrificar-se ao fundar a

J República de Saló, a fim de poupar a Itália a um des­

I tino comparável ao da Polónia. Trata-se aqui de uma I

releitura apologética do fascismo fundada sobre a re-

abilitação de Mussolini. Se lhe acrescentarmos que as

suas teses são desenvolvidas num livro - li rOJSO e i! nenr2

- cuja publicação coincide com o advento do primeiro

governo de Berlusconi, que incluía pela primeira vez

desde o fim da guerra uma partido «pós-fascista» her-

159

Page 80: o Passado Modos de Usar Enzo Traverso

.. ~

\

deito da República de Saló, esta revisào histórica apa-

rece como suporte intelectual de un:._P-~~~cto político_.1

restaurador. -------~-

Somos quase tentados _~._~P?r~ revisão his~~ri.ca ___ .

francesa à de De Felice e dos seus discípulos. Em Fran­

ça, no trilho de Zeev Sternhell e de Robert J. Paxton

(ums israelita e um americano), os historiadores pro­

cederam a uma «revisãO) que permitiu reconhecer as

raí~es autóctones do regime de Vichy, o seu carácter

autoritário ou mesmo fascista, a parte activa que to­

mou no colaboracionismo e a sua cumplicidade com o

genocídio dos judeus2'. Em Itália, em oposição, sob o

impulso do último De Felice, apareceu uma tendência

historiográfica que fez da .!~abilita~ão do fascismo o se~_.

objectivo declarado.

As revisões que acabo de mencionar - independente­

mente do seu objectivo e valor - ultrapassam as frontei­

ras da historiografia enquanto disciplina científica para

tocarem um campo mais vasto, o da relação que cada

país estabelece com o seu passado, aquilo que Haber-

_ ~,as ~efi_~iu"~_ a_tr.~vés de uma fórmula notável, comd~ uso j público da f)útóric?~. Dito de outra maneira, essas revisões

questionam, para lá de uma interpretação dominante,

uma consciência histórica partilhada, uma responsabi­

lidade colectiv~ a, respeito do pas§.<lgo. Tocam sempre

acontecimentos fundacionais - a Revolução Francesa, a

160

Revolução Russa, o fascismo, o nazismo, a guerra israe­

lo-árabe de 1948, etc. - e a sua releitura do passado tem

sobretudo a ver, muito para lá da interpretação de uma

determinada época, com a nossa forma de ver o mun1

do em que vivemos e a nossa identidade no presente.

Existem portanto revisões de natureza diferente: algu­

mas são fecundas, outras discutíveis, outras, enfim, pro­

fundamente nefastas. Fecunda é a revisão dos «oovos

historiadores» israelitas que reconhece uma injustiça até

agora negada, que se junta à memória palestina e lança

as bases para um diálogo israc1o-paIestino. Discutível

I é a revisão de f'uret que acaba, em O PaJ,wdo de If!lla "! ,\J!'!!.~~,. por pôr radicalmente em causa toda a. tradição \

revolucionária ~ fonte, a seus olhos, dos totahtansmos

modernos ~ e por fazer uma apologia melancólica do li­

beralismo como hori~onte inultrapassávcl da história2\

Nefastas, por fim, são as revisões de Noite e De Felice

cujo objectivo ~ ou pelo menos a consequência - é o de

recuperar a imagem do fascismo e do nazismo.

Se algumas revisões da história devem ser comba­

tidas, podemos interrogar-nos sobre a utilidade de as

catalogar numa mesma categoria negativa - o «revisio­

nismo» - que relembra o <anferno» onde antigamente

se guardava a literatura pornográfica na Biblioteca Na­

cional. Transformada em combate «anti-rcvisionista»,

a crítica das teses de NoIte e de De Felice arrisca-se

161

Page 81: o Passado Modos de Usar Enzo Traverso

a conhecer uma deriva semelhante à da controvérsia

marxista ,sobre o revisionismo evocada anteriormente,

ou seja, a passagem de um debate de ideias a uma prá­

tica(in(i~ís·í~ excomunhão de todos aqueles que

-sê-';f;;~~;;;-d~·:ma ortodoxia predefinida, de um câ­

none normativo. Isto é, falar de «revi sionismo» remete

sempre para uma história teologlzada:\ O anti fascismo

transformado em ideologia de Estado nos países do

bloco soviético, nomeadamente na RDA, deu a lon­

go prazo resultados desastrosos, comprometendo fi­

nalmente a sua própria legitimidade. Sem chegar às

mesmas proporções, a retórica anti fascista consensual

que reinou em Itália durante quarenta anos teve con­

sequências lesivas para a investigação histórica. A obra

de Claudio Pavone - historiador de esquerda e antigo

resistente - que interpreta a Resistência não apenas

:- como uma luta de libertação nacional mas também

como uma guerra de classe, e sobretudo como uma

f g~~~~~!~·~.'~/, ~~~a ape~.~_s __ ~.~_199Õ2(~- E~-p~~~~~p~lavras: o antifascismo institucionalizado e transformado em

epopcia nacional não foi um antídoto eficaz contra

a reabilitação do fascismo. Deve evitar-se que algo

análogo se produza com a Shoah, doravante tornada,

como vimos, numa «religião civil» do Ocidente, com

as consequências positivas mas também com todos os

perigos que daí resultam.

162

As tendências apologéticas na historiografia do fas­

cismo e do nazismo devem ser combatidas mas não

contrapondo-lhes uma visão normativa da história. É

por isso que as leis contra o negacionismo podem reve­

lar-se perigosas. Se o negacionismo deve ser combatido

e isolado em todas as suas formas - o de Robert Fauris­

son e o de David lrving, tal como o de Bernard Lewis,

aparentemente mais respeitáveF' -, vários historiadores

(entre os quais me incluo) expressaram a~_~~~_~dú~-'idas­sobre a oportunidade de o sancionar pela lei, o que le­

varia a instituir uma/verdade histórica oficial protegida I ~ __ _ _ --- . - .. ~ I pelos tribunais,. com o efeito perverso de transformar

Il os assassinos da memória em vítimas de uma censu­

J ra, defensores da liberdade de expressão. Dito de outro _.-- .~ -.~ .. _-.~

, ,

modo, se aceitarmos a noção de «revisionismm) teremos

de admitir o princípio de uma história oficiaL Ko:ysztof

Pomian tem razão ao afirmar que não deveriam eXIstir

nem historiadores oficiais nem historiadores revisionis-

tas, mas apenas historiadores críticoS2H• «Revi sionismo»

é uma palavra herdada de um século onde o engaja-\ I mento dos intelectuais passava pelo seu compromisso I 1· 13~~) e partiJan. Acreditou-se, na a tura, que vestlr

I um uniforme ideológico era o melhor meio para de-

fender valores. O preço dessa escolha foi, demasiadas

vezes a demissão dos intelectuais da sua função crítica. -' ____ L _______ - - __ o,

Hoje tal situação já não tem cabimento. Incorporada

163

Page 82: o Passado Modos de Usar Enzo Traverso

na linguagem e de uso corrente nas polémicas, a noção

de «revisiorusmo» continua a ser muito problemática e

frequentemente nefasta. Proponho que não seja utiliza­

da, a não ser para cÍ~~i~ar uma controvérsia datada, há

mais de um século levantada por Bernstein.

164

T

Nota bibliográfica e agradecimentos

Um primeiro esboço deste ensaio foi apresentado

na Universidade de La Plata, na Argentina, na Prima­

vera de 2002, durante um colóquio organizado pela

Comisión Provincial por la Memoria, instituição que re­

úne os arquivos da ditadura militar dos anos 1975-1983

e constitui um lugar essencial para o estudo da memória

dos «desaparecidos)) na região de Buenos Aires. Uma

versão italiana surgiu com o título «Storia e memoria. Gli

usi politici del passatm), na revista Novecento. Per una ston"a

dei tnnpo presente, 2004, n.o 10. O parágrafo do capítulo

IV consagrado ao comunismo foi retirado de uma con­

ferência proferida em Berlim na Primavera de 2001, de­

pois publicada em Jour fixe initiative berlin (ed.) (2002),

165

Page 83: o Passado Modos de Usar Enzo Traverso

Geschichte nachAJ(schwi~ Münster: UNRAST. o capítulo

V é uma comunicação realizada numa jornada de estu­

dos sobre o tema «Fascismo, nazismo, comunismo: de­

bates e controvérsia historiográficas na Alemanha e em

Itália), organizada sob a direcção de Bruno Groppo, no

Centro de História Social do Século XX do CNRS, em

2001. Uma primeira versão foi publicada, com as actas

deste encontro, na revista Malénau:\:pour I'Hisloire de l10lre

telJlps, 2002, n.o 68, e depois em espanhol (Argentina) na

revista Políticas de la Memoria, 2003-2004, n.04. O último

capítulo é a versão revista de uma comunicação apre­

sentada num colóquio dirigido por Catherine Coquio

na Universidade de Paris IV-Sorbonne, em 2002, e foi

publicada sob o mesmo título no volume das actas: Co­

guio, Catherinc (ed.) (2003), I ~!Hisloire Irouée. ['o.légatiofls et

lémoignage, Nantes: L'Atalante. Foi em seguida traduzido

para espanhol na revista de Valência Pasqjes, 2004, n.o 14.

Todos estes textos foram completamente revistos neste

ensaio. Gostaria então de agradecer aos amigos gue ini­

cialmente me encorajaram a escrevê-los: Patricia Plier,

Elfi Müller, Bruno Groppo e Catherine Coquio. Por fim,

e sobretudo, gostaria de agradecer a Eric Hazan, amigo e

cúmplice na La Fabrique: tanto a forúlâc~mo o conteú­

do deste pequeno livro devem muito à sua leitura crítica.

Paris, Junho de 2005

166

T

A unipop agradece à Embaixada de França em Portugal o

apoio à deslocação de Enzo Traverso a Lisboa no contexto

do lançamento deste livro. A unipop agradece igualmente a

colaboração, para o mesmo efeito, do Instituto de História

Contemporânea da Universidade Nova de Lisboa e do Centro

.Mário Dionísio.

167

Page 84: o Passado Modos de Usar Enzo Traverso

168

Notas

Introduçào 1. Sills, David L. (ed.) (1968), Internation(/Il~ncydopedia oi IIJe Sorial SâmceJ, 7 vols., Nova Iorque: Macmillan; Lc Goff, J. c Nora, P. (cds.) (1974), J:'aire de I'histoire, Paris: Gallimard, 1974; \Xlil1iams, Raymond (1976), ~)'words. A Vocabu/afJ! ~f Cu/fure (md Society, Londres: Fontana.

2. Cf. Klein, Kcrwin Lcc (2000), «00 thc Erncrgcncc of Mcmory in Historieal Discoursc», Representations, o.u 69, p.129.

3. Rcichcl, Peter (1998), L'/'d/emflp,ne et la mimoire, Paris: Odilc

Jacob, p. 13.

4. Maicr, Charlcs (1993), «A Surfeit of Mcmory? Rcfl.cctions 00 History, Mclancholy ;l.od Dcoia}», Hirto!]' & MetI/oO', 5, pp. 136-151; Robin, Réginc (2003), T fi Mémoire sall/me, Paris: Stock.

5. Dumoulin, 01ivicr (2003), I.e R;;/e social de I'hiJtorien. De la chaire au prétoire, Paris: Albin Michel, p. 343.

6. Hobsbawm, Eric (1983), (dntroduction: Inventing Tradi­tinns», em Hobsbawm, Eric c Ranger, T. (cds.) (2005), The Im'e1/tion?l Tradition, Cambridge: Cambridge Univcrsity Press,

169

Page 85: o Passado Modos de Usar Enzo Traverso

p. 9. [Ed. port.: A bll'm{tlo das Tradições, Rio de Janeiro: Pa:t. e Terra, 1997.1

7. Sobre o conceito de «rdi,l.,rião civil>" cf. sobretudo Gentilc, Emilio (2005), Les Re/~J!ions de la polilique. Enlre délllocralies et to/aliMn·slIles, Paris: Seuil, uma obra largamente inspirada pelos trabalhos de George L. Mosse.

8. Sobre este tema, cf. sobretudo Gibdli, Antonio (1990), l/o/Jiritlrl della J!,IIerra. 1 A Grande Guerra e le trasjimIJaziotli dei 1JJ()fJdo IJlentale, Turim: Bollati Boringhieri.

9. Benjamin, Walter (2000), «Le conteur. Réflexions sur l'ceuvre de Nicolas Lesko\!)), em Benjamin, Walter (2000), (l::m'res lII, Paris: Gallimard, p. 116.

10. Cf. a peça de Pirandcllo, CO"le tu "Ie moi e Leonardo Sciascia, 11 It:atm della metJlona. l .. a smtenza II/e,,,orabde, Milão: Addph.i, 2004.

11. Thompson, E. P. (2004), TetJps, discipline du travail et rapita­lisllle indllstneJ, prefácio de Alain Maillard, Paris: La Fabrique.

12. Cf. Agamben, Giorglo (2003), Etifrmce et hi.rtoire. De.rtruction de I'expérience eI o,-{p,ine de I'histoire, Paris: Rivages, p. 25. [Ed. port.: Infância c Históri.a: destruição da experiência da história, Belo Horizonte: UFMG, 2005.j

13. Koselleck, Reinhart (1997), «Les monuments aux morrs, lieux de fondation de l'identité des survivants», I .. 'E:xpé­rimce de I'histoirt!, ((Hautes Études», Paris: Gallimard-Seuil, pp. 140, 151.

14. Entre os inúmeros contributos para este debate historio­gráfico, cf. a síntese de Noiriel, Gérard (1996), Sur la «(mSe!) de I'hi.rtoire, Paris: Belin.

1 S. Wieviorka, Annette (1998), ] .. 't:."re dll téllloin, Paris: PI(m.

16. Todorov, Tzvetan (1995), l..es alms de Itlllléllloirl:, Paris: Arléa.

17. Cf. nomeadamente, a propósito da primeira guerra do Golfo, Diner, Dan (1996), Kn"/{p' der En"nne17lng und die Ordnllll,f!, der lFell, Berlim: Rothbuch Verlag.

170

18. Segev, Tom (1993), I..e Septiám Millioll. J..RS IsraélieIJs d 11: ,f!,énocide, Paris: Liana Lévi, p. 464.

19. Cf. l..ibération de 2 de Abril de 2002.

20. Cf. Bédarida, Catherine, «(Le faux pas du romancier José Saramago», J..e Monde de 29 de Março de 2002.

CaPítulo I 1. Ricceur, Paul (2000), J A Mé!llojre, /'bistoire, tOI/M, Paris: SeulI, p. 106. Uma posição análoga tinha já sido defendid'J. com convicção por Hutton, Patrick H. (1993), Histo,:y as an Art oI MelJIO~J', Hanover, N.H.: University Press of New England.

2. Oakeshott, Michad (1962), RatiollaliJIII itl Politics and Olher l;"JS(!}'s, Londres: Meuthen, p. 198.

3. Benjamin, Walter, (Zum Bilde ProustS», I1lulJJinationen, p. 336 (rrad. fr. <<L'image proustienne», (Ellvres 11, Paris: Galimard, p 136).

4.ld, ibid., p. 345 (t"d. fc., p. 150).

5. Benjamin, Walter (1983), Das Passa.gen-U7er.k., Frankfurt/M: Suhrkamp, Bd. 1, p. 490 (trad. fr. Part"J, capital du XIXe siecle, Paris: Éditions du Ccrf, 1989, p. 405).

6. ld., ibid., p. 589 (t",d. fc., p. 489).

7. Hartog, Prançois (2003), R~p'inte.r d'hútoricilé. Présentisme el e:x:Périenm dlf telJlps, Paris: Seuil, p. 126.

8. Retomo aqui uma discussão já apresentada no meu ensaio «La singularité d'Auschwitz. Hypothcses, problcmcs et dé­rives de la recherche historique», em Coquio, Cathérine (ed.) (1999), Parler de.! ca",ps, penser les ,f!,éflocides, Paris: Albin Michel, pp.128-140.

9. Kracauer, Siegfried (1977), «Die Photographie», Das Orna­IJIent der Masse. Essays, Frankfurt/M: Suhrkamp, p. 32, c, do mesmo autor, The01yof Fi/n/, Nova Iorque: Oxford University Press, 1960, p. 14.

171

Page 86: o Passado Modos de Usar Enzo Traverso

10. Cf. I-AlCapra, Dominkk (1998), «History and Memory: In the Shadow of the HolocausD}, Hútory and Memory A(ter Au.rchwiti.; Ithaca: CorneU University Pres;, p. 20. ..

11. Chaumont,Jean-Michel (1994), «Connaissance ou recon­nassance? Lcs enjeux du débat sur la singularité de la Shoah}}, 1-" lJébat, n" 82, p. 87.

12. Katz, Steven (1996), «The Uniqucness of thc Holocaust: The Historical Dimensiom}, em Rosenbaum, Alan S. (ed.) (1996), l.r the HolocaJut Unique? Per.rpech'/Je.r on Compm-ative Geno­cide, Boulder: Westview Press, pp. 19-38.

13. Hobsbawm, Eric (1997), «Identity Hisrory is nor Enough}), On Hi.rtmy, Londres: Wcidenfeld & Nicolson, p. 277. IEd. port.: Sobre (1 Hútdria, Lisboa:Rclógio d'Água, 2010.[

14. Hegel, G. W F. (1965), 14 Raúon dan.r I'Histoire. IntrodllclÍo1J à I" philo.rophie de l'!Ji.rtoire, Paris, (~diti()ns 10/18, p. 193. [Ed. port.: A Razão na HútrJria, J -isboa: Edições 70, 1991.[

1 S. ld., i/';d., pp. 193-194.

16. Hegel, G .W F. (1980), «Phanomenologic dcs Gcistes», Gemmmelle l-f7erke, Bd. 9, Hamburgo: Felix Meiner Verlag, p. 433 (trad. fr. Phà/Oménologie de I'Esprit, Hyppolite, Jean (ed.) (1941) Paris: Aubier Montaigne, t. 11, pp. 311-312) [Ed. Port.: Fenomenologia do Espírito, Petrópolis: Vozes, 2008]. Ver a csse respeito os comentários de d'Hondt, Jacques (1987), Hegel Philosophe de I'hisloire vivante, Paris: Presses Universitaires de France, pp. 349-450.

17. Hegel (1965), ,p. ál., p. 195.

18. Cf. Guha, Ranajit (2002), Hútory at the I jmit of lf7orld-Húto~y, Nova Iorque: Columbia University Press, par­ticularmente o capítulo TIL

19. Benjamin, Waltcr, í<Über den Bcgriff der GeschichteH, Il/umi1JalÍollw, p. 254 (trad. fr. (Eutore.r IlI, op. cil., p. 432).

20. Furcr, François (1963), «Pour une définition des classe inféricures à l'époque moderne}), Annales ESC, XVIll, n." 3, p. 459. Esta passagem é criticada por Ginzburg, Carlo (1980),

172

1..e/rolJJi!~e et les I ers. J "'uI/ÍI'frs d'lIn /lJflfllier dll XVle .ritele, Paris: Aubier, p. 15.

21. Thompson, E. P. (1988), 1 LI FOTf!/(/lifJll de la rlas.re ollvnfre atz~/ai.r{', Paris: Seuil, EHESS [Ed. porr. ForlJlaÇtlo da Cla.rse Opertíria INglesa, Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1987[; Foucauit, Michel (1964), Húloire de Itl jólie ti I'f{~e dtl.rsiql/e, Paris: Gallimard; Ginzburg (1980), op. cito [Ed. port.: História da J .ol/CUm nfl Idade Clás.rica, São Paulo: Perspectiva, 1978[.

22. Perrot, Michelle (2001), J..es rel1l!JIes OH In stimce.r de I'histoire, Paris: Flammarion.

23. Guha, Ranajit (1983), «The Prose of Counter­-Insurgenq'")}, SI/baltem StHdies, n." 2, Nova Deli: Oxford llniversity Press, pp. 1-42, e também, do mesmo autor, «The small Voice of llistor}'>}, ibid., 0.° 9, 1996, pp. 1-12.

24. Halbwachs, Maurice (1997), J 4 AfélJJoire collertin, Paris: Albio Michel, p. 130 [Ed. porr.: A MelJlóritl Coletiva, São Pau­lo: Centauro, 20051. Sobre Halbwachs, cf. Hutton, Patrick H. (1993), Histo!J' aJ ali Arl 'lI AletJlo~y, IIaoover e Londres: University Press of New England, cap.IV, pp. 73-90.

25. Halbwachs, Mauricc (1994), I..e.r Cadres sodaux de la mémoire (1925), Paris: Albin Michel.

26. Halbwachs (1997), op. cit., p. 136.

27. Id., ibid., p. 157. Ver sobretudo Bergson, Hemi (1959), J 4 PercePlioll dJl dHItI.l"etJlenl, Paris: Presses llnivcrsitaires de France.

28. lIalbwachs (1997), op. ai., p. 161.

29. Yerushalmi, Yosd H. (1982), Zachor. Jewisb Hislory and JeUl­isb Memory, Seattle: llniversity af Washington Press (rrad. fr. Zacbor. Histoirejuive el/JIé/JIoire juive, Paris, La Découvertc, 1984, pp. 101, 110-111, 118).

30. Nora, Pierte (1984), «Entre histoire et mémoire. La pro­blématique des lieux}), em Nora, Pierre (ed.) (1984), J..e.r Ijet(x de tJléllloire. 1. I A Républiqm, Paris: Gallimard, p. xix. Para uma análise interessante dessa abordagem, colocada em paralelo

173

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com a oposição de Lévi-Strauss entre sociedades «quentes» e sociedades «frias», cf. J .aCapra, Dominick (1998), «History and Memory: in thc Shadow of the Holocaus!», HisloO' and MefJI0'Y Ajler Au.rcIJwÍ/iJ or. cil., pp. 18-22.

31. Anderson, Perry (2005), La Pensée tiMe, Paris: Seuil, p. 53.

32. Said, Edward (2003), Freud and lhe Non-European, Londres: Verso [Ed. port.: Fret/d e OJ Não EuropeuJ, São Paulo: Boitem­po Editorial, 20041. A definição de arqueologia como uma «rcli,l,>1ão nacional» é desenvolvida por Silbcrman, Neil Asher (20(H), «Strucrurer le passé. Les lsraéliens, les Palcstiniens et l'autorité symboliquc des monumcnts archéologiques», em Hartog, François e Revcl,Jacques (eds.) (2001), I.LS UsageJ poli­liques du pa.rsé, Paris: Úditions de I'EHESS.

33. Levi, Primo (1986), I Jommersi e i salvali, Turim: Einaudi (trad. fr. 11s iVaufragé.r elle.f ReJcapés, Paris: Gallimard, 1989).

34. Vidal-Naquet, Pierre (1995), MéH/oire.r, I, 1.L1 bn".rure eI

I'al/ente 1930-1955, Paris: Scuil-La Découverte, p. 12.

35. Broszat, Martin e Friedliinder, Saul (1988), «Um dic 'Historisierung dcs National-sm:ialismus'. Eln Bricfwcchscl», r 'ierleljahresh~/iefur Zei~e,eJcbichle, n.o 36, (trad. fr. «Sur l'histo­risation du national-socialismc. Échange de lettres», Bulletin hime.rln"el de la rOlldalioll /luschwiti; 1990, n.o 24, pp. 43-86).

36. Id., ibid., p. 48.

37. Cf. Berg, Nicolas (2003), Der H"locaurl und die westdeutschen Hirton"leer. Etfor.rcbllng und ErinnemnJ!" Gõttingen: Wallstein, pp. 420-424, 613-615.

38. Cf. Herbert, Ulrich (2003), «Dcutschc und jüdische Gcschichtsschreibung über den Holocausb), em Brenncr, Michacl e Myers, David N. (hg.) (2003), Jiidiscbe GeJcbic!JIssc!Jreilm1f.p' beute. Tbelllen, Po.riliol1en, Kontrover.ren, Muni­que: C. H. Beck, pr. 247-258.

39. Sobre este assunto, cf. Sebald, W. G. (2001), Lllftkn~f!, und Uteratllr, Frankfurt/M: Fischer, p. 21 (trad. fr. De la de.rtructirm COH/tJ/e ilémmt de I'bistoire naturel/e, Arles: Actes Sud, 2004, p. 25).

174

T 40. Funkenstein, Amos (1989), «Collectlve Memorv and Historical Consciousness», Hisl0'Y & Memory, I, n." 1,'p. 11. Cf. também, do mesmo autor, Perception.r ~l1ewisb Hútory, Berkdcy: University of California Press, 1993, pp.l, 6.

41. Priedlandcr, Saul (1992), «Trauma, Transference and 'working through' in Writing the History nf the Shoah)), Histol)' & MeN/ory, o." 1, pp. 39-59, e, também do mesmo autor, «History, Memory, and the Historian. Dylcmmas ano Responsabilities)), I\Tew German Cn/iq/le, 2000, n." 80, pp. 3-15.

42. Dominick LaCapra analisou de furma muito minucio­sa as vantagens potenciais deste «desassossego empátic<))} (emp(/tbic unseltlement) na investigação crítica de um aconteci­mento traumático (U7n"li/(t; History, lF"rili~t; TmulJl{/, John Bal­timore: Hopkins University Press, 2001, p. 41). Noutro en­saio, LaCapra indica duas regras básicas a que devemos dar atenção: «a "empatia" com os carrascos implica admitir que, em certas circunstâncias, quem quer que seja pode le­var a cabo actos extremos, enquanto a empatia com a vítima implica um respeito c uma compaixão que oào significam nem identificação nem falar no lugar dos outroS)) ({(Tropis­ms of Intcllcctual Histor)'), RetbinkJnJ!, I li.rtory, 2004, vol. 8, n." 4, p. 525).

43. FriedJander, Saul (1997), J "/-l!lemaglle nazie el les JIÚjs. 1. J.LJ année.r de per.réClftion 1933,1939, Paris: Seuil.

44. Sobre os trabalhos da escola historiográfica dirigida por Martin Broszat no lnstitut für Zeitgeschichte de lvlunique, cf. Broszat, Manin (hg.) (1984), /l/Ita,g{t;e.rclJic!Jte. ]\Teue Perspektive oder TnúaliJiemlli!'?, Munique: Oldenbourg. Uma obra desta escola que escapa a esta tendência, escrita por um historiador pertencente a uma geração posterior, é a de Peukert, Detlev (1987), lflside l\lazi GernJal!y. Conjornlity, Oppo.rition and RaciJtJ/ in F.t1eT)'dqy I ijé, Londres: Penguin Books.

45. Hillgruber, Andrcas (1986), ZlIwúlei Unlergan;;. Die Zer.rclJlagtfll..f!, deJ f)mtscIJen Reicbes und da.r Ende des europaiseben Ju­detltlJlIIJ, Berlim: Siedlcr, pp. 24-25.

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r

46. Benjamin, Waltcr, «Übcr den Begriff der GeschichtL")), IIIU1ninationen, p. 254 (trad. fc. CI::uvres llI, op. cit, p. 432).

47. Kershaw, Ian (1998), Hitler. 1889-1936, Paris: Flamma­rioo, p. 9. IEd. port.: Hitler, ulna Biografia, Lisboa: Dom Qui­xote, 2009.1

48. Id., ibid., p. 25. A referência implícita diz respeito a Pest, Joachim (1973), Hitler, Paris: Gallimard, 2 vaI. [Ed. port.: Hitler V2, Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 2006.]

49. LaCapra (2001), op. cit., p. 41.

50. Acendt, Hanna (1991), EichlJlann à jénlJalflll, Paris: Gallimard [Ed. port.: [!,ichn/(Ifln enl ]mlJa/ém. Um Ensaio .wbre a Banalidade do Ma/, São Paulo: Companhia das Letras, 1999]. Para uma rclcitura c uma contcxtualização da sua obra, cf. Aschhcim, Stcvcn E. (2001), Honna Arendt in Jerusale!!l, Bcrkcley: University af California press.

51. Browing, Christopher (1994), Des homHm ordinaires. J 1

10 1 e Hatai/lon de ré.rerve de la polia al/enJande et /a So/ution ftna/e en Polo)!,ne, prefácio de P. Vidal-Naquet, Paris: Les Belles Lettres.

52. Cf. Général Aussaresses (2001), Semice.r .rpécialtx. A{l',érie 1955-1957. Paris: Perrin.

53. Myers, David N. (2003), «Sdbstreflexion im moder­nen Erinncrungsdiskurs}), em Brenner e Myers (hg.)(2003), op. cit., p. 66.

54. Mosse. George L. (1998), «Rem,:o De Fclice e il revisionis­mo storiCO», l"·lufJt'fl Antologia, n.o 2206, p. 181.

55. Mosse, George L. (2000), Con.fronting llistory. A MenJoir, Madison: The University of Wisconsin Press, p. 109.

56. De Felice, Renzo (1995), ROJJO e lVero, Milão: Baldini e Castoldi, p. 114.

57. Aron, Robert (1954), Hisloire de VicJlY, 1940-1944, Paris: Fayard.

58. Citado em Del Boca, Angelo (1996), I l!,as di M'JJSo/ini. II fa,rcimlo e la J!,/lerra d'Etiopia, Roma: Editori Riuniti, p. 75. De

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Felice não faz referência aos massacres do exército italiano na Etiópia na sua biografia de .Mussolini (MIIHolini il Duce. Gli anti; dei consenso 1929-1936, Turim: Einaudi, 1974, capo VI, pp. 597 -756). Sobre De Felice e a guerra da Etiópia, cf. Laban­ca, Nicola (2000), ,di razzismo colonialc italiano», em Burgio, Alberto (ed.) (2000), 1\,IeI nrNm del/a mzza. 11 razzislllo flel/a .rto­ria d'llalia 1870-1945, Bolonha: Il ;\{ulino, particularmente pp.158-159.

59. Estas fotografias estão reproduzidas em Del Boca (1996), op. cit, pp. 115-116.

60. Kracauer, Siegfried (1969), Húto!J" "I"!Je I..aJI Thitl)!,J H~/(I!'e lhe l .. lIJ/, Nova Iorque: Oxford University Press, p. 157.

61. ld, Ihitl., p. 83. Cf. Simmcl, Gcorg (1983), «bl.kur­sus übcr den Fremdco>), SoZiologie. Utlter.fllrhl/J~i!,ftI doa die Forn;en der Ver,i!,e.rellschaftun,l!" Berlim: Dunker & llumblot, pro 509-512 (trad. fr. Soâologie, Paris: Presscs Univcsitaircs de France).

62. Esta fórmula foi forjada por Habermas, Jürgcn (1987), "Vom offentlichen Gebrauch der Ilisroric», l-fi.rtorikmlrfit, Munique: Piper, pp. 243-255 (trad. fr. "De l'usage public de l'histoire», ÉcrilJ poliliqlle.r, Paris: Cerf, 1990, recdit. Paris: Champs-Flammarion, pp. 247-260).

63. Catda, Ludmila da Silva (2001), No habrá flores ell la tumba dei p{lJtldo. 1"':1 e::>..perietlcia de recolIJtmcáól1 dei lJIundo de jilllJiliare.r de desapareâdos, J.a Piam: AI Margen. .

Capítulo II 1. Benjamin, Walter, «Über den Begriff der Geschichte», IIllIlJIinatiotletl, p. 259.

2. Lüwy, Michad (2001), 1f:7 aller He1!Janlin: At'l!rUs,rement d'incell­die. Une lertllre des theseJ ((SlIr le conrept d'histoireJ>, Paris: Presses Universitaires de Francc, pp. 105-108. [Ed. port.: Walter Belga­min: apiso de incindio. Ullla leitura das teJes «Jobre o conceito de !Jútó­n"a, São Paulo: Boitcmpo Editorial, 2005.]

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3. Bcnjamin, Walter, «Über den Begriff der Geschichtc», IIIlInlinatúmen, p. 259.

4. Hobsbawm, Eric (1 994), A,~e 0/ Extremes. The Short XX'" Centl/1]', Nova Iorque: Pantheon Books [Ed. port.: A Em dos Extret!/M, Lisboa: Presença, 1996J; Pudal, Bernard, Gro­ppo, Bruno c Pcnneticr, Claudc (cus) (2000), Le Siecle dh conmJlmútl/es, Paris: Éditions de l'Atclicr [Ed. port.: O JéCIIlo dos COII/UflÚ"/OJ, Lisboa: Editorial Notícias 2004J.

5. Poliaknov, Unn (1951), Hrét'iaire de la haine, Paris: Calmann­-Lévr

6. Hilberg, Raul (1985), The Des/mction 01 European ]ews, 3 vols., Nova Iorque: Holmes & Meicr.

7. Rousso, Hcmy (1990), Le .~'yndrotJle de ViciO' de 1944 ti '/(Jus jOflrs, Paris: Seuil; ver também, sobre as diferentes ctapas, Ricceur (2000), op. cit., p. 582.

H. Adorno, Thcodor \\Z (1963), aWas bedeutet: Aufarbci­tung dcr Vergangenheit?», Eillgrilj/ Neetm kriti.rche Mode/le, Frankfurt/i\I: Surkamp.

9. Améry, Jean (1977), jenJelú von Sr/Ju!d und SÜII, Estugarda: Lett-Cotta, Estugarda, p. 120.

10. Cf. Berg, Nicolas (2003), Der Holocaust und die uJestdefltshen his/oriker. Eifor,rhlln..~ 1/nd Erinnemmg, Gi.itinggen: Wallstcin Verlag, pp. 215-219.

11. Bloch, Rrsnt (1935), l,·rb.rchqft die.rer Zeit, FrankfurtjM: Suhrkamp, pp. 104-125; cf. também os ensaios de Daniel Bcnsai'd reunidos em I A di.rcordance des /emp,r, Paris: Éditions de la Passion, 1995.

12. Cf. Baschet, Jérôme (2001), «L'histoire face au présent perpétucL Quelques remarques sur la relation passé-futur}), em Hartog e Revel (eds.) (20(H), op. (il., p. 67.

13. Arendt (1991), op. rit.. Sobre esse proce~so, ver também o filme de Ronny Brauman e Eyal Sivan, Un spécitlhste.

14. Hilberg, Raul (1996), Tbe Politic.r of Memory, Chicago: Ivan R. Dee.

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I I

15. Cf. Diner, Dan (2000), <<Hanna Arendt Reconsidered: über das Banale und das Bose in ihrer Holocaust-Erziihlung}), em Smith, Gary Ced.) (2000), Hantlah AreJldt Revisited. ((EichtJltmn in jertl.ftlle» I//Id die Fo/gm, FrankfurtjM: Suhrbmp, pp. 120-135.

16. Cf. Vidal-Naquet, Pierre (1991), «En part le pouvoir d'un m()L .. », J..es Ju!P, 1(/ mémoire et le présm/II, Paris, La Découverte, pp.267.275.

17. Cf. Tern(m, Yves (1983), J LS Armhliell.r: húloire d'l/n J!.hwride, Paris: Seuil, e Oadrian, Vahakan N. (1996), l-fir/oire dl/ J!/noúde armúúm, Paris: Stock.

18. Cf. Ferreci, Maria (1993), 1 .. (/ tJJetJloritl mutilale. f ,tI Rlmia n'corda, Milão: Corbacio.

19. della Log!:,>1a, Ernesto Gani (1999), l.tl mor/e de/la fa/na, Bari-Roma: Laterza, Bati-Roma.

20. Cf. o texto da alocução do presidente Ciampi em Focardi, Filipo (ed.) (2005), lA }!,Herm del/a nlem(jrid. 14 Re.rúfmza nel di/;atti politico i/aliatlo dai 1945 a I'{~i, Bari-Roma: Laterza, pp. 333-335. A expressão «os rapazes de Saló» foi for­jada pelo ex-presidente do Senado Luciano Violante, mcmbro da coligação de centro-esquerda Olivo, durante uma alocução na Primavera de 1996 (incluída numa recolha feita dirigida por Focardi, pp. 285-286). Vcr também a critica feita por Antonio Tabuchi ao presidentc Ciampi (pp. 335-338, trad. fr., «Italie: les fantômes du fascisme)}, 11 AlolJ(le, 19 de Outubro de 20(1).

21. Luzzato, Sergio (2004), IA aisi de/l'antifucisH/o, Turim: Rinaui, p. 31. Luzzato sublinha justamente que todas as democracias modernas se fundam sobre uma «hierarquia retrospectiva da memória», ou seja, sobre escolhas que rc­definem a sua identidade (p. 30). As memórias «simétricas e compatíveis», hoje reivindicadas pelo chefe de Estado c por uma larga parte da elite política, vêm precisamente colocar em causa as escolhas feitas no momcnto do nascimento da república.

22. Magris, Claudio, «La memoria i: liberta dall'ossessione dei passato», II corriaf del/a Sem, 10 de Fevereiro de 2005.

179

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23. Cf. Rodogno, D. (2003), II nUO/lO ordine mediterrâneo. I -e politi­r/Je d'ocCIIPazione de/n/alia fascú/as in F.I/ropa (1940-1943), Turim: Bollati Boringhicri, 2003, e Di Sante, C. (ed.) (2005), l/aliani Jenza onore. I crimin; in Jugos/avia e i proce.r.ri n(l!,ati (1941-1951), Verona: Ombre Corte.

24. Cf. Paloma Aguilar (1996), Memoria)' o/m'do de la gueTm al'i! e.rpafjola, Madrid: Alianza Editorial. Sobre esc tema, cf. as con­tribuições reunidas em Matérie/lx pour I'histoire de notre temps, 2003, n.o 70, consagrada a «Espagne: la memoire retrouvé (1975-2002)>>.

25. Cf. especialmente Casanova,Julián (ed.) (2002), Morir, matar, Jobrnúú: 111 tlÍoleneia en la dictadura de Franco, Barcelona: Crítica.

26. Muito significativo o impacto da exposição «Exilio», or­ganizada em Madrid em Setembro/Outubro de 2002 pela Fundação FabIo Iglcsias, no Museu Nacional Centro de Arte Reina Sofia.

27. Cf. especialmente Aguilar (2006), op. cit., e Campos, Ismael Saz (2004). «EI pasado que aún no puede pasar», Fascúmo.y Fran1uismo, Valência: PUV, pp. 277-291.

28. Groppo, Bruno (2001), «Traumatismos de la memoria c imposibilidad dd olvido en los países deI Cono SUO> em Groppo, Bruno c Flier, Patricia (eds.) (2001), 111 impoJibilidad dei oh'ido, La Plata: Ediciones AI Margen, pp. 19-42.

29. Diner, Dan (1993), «Gestaute Zeit. Massensenvernich­tung und jüdische Erzãhlung>), Kreis/áuj, Berlim: Berlin Verlag, pp.123-140.

30. Cf. especialmente Pappé, Ilan (2000), 111 Guerre de 1948 en Pa/e,rtine. Aux ori,gins d" conflit israelo-arabe, Paris: La Fabrique. Cf. também as observações de Warschwski, Michel (2001), Israel-Pala/im. 1 A! déji hillationa/, Paris: Textuel, pp. 39-46. Sobre o nascimento da historiografia palestina, cf. Khaliji, Rashid (1997), Pa!eJtinia!l ldenti!y, Nova Iorque: Columbia LTniversity Press, e também Sanbar, Elias (2001), «Hem de !ieu, hors du temps. Pratiques palcstiniennes de I'histoire», em Hartog c Revel (eds.) (2001), op. ,ti., p. 123.

180

..

31. Novick, Peter (2000), The l-/o!ocrlll.rl il! AllleriCtlI1 I j/e, Nova Iorque: Houghton Miffin.

32. C:f. Diner, Dan (2000), (iC:umulative C:ontingency. Histo­ricizing Lq.,ritimacy in Israel Discourso), 13eyofld tbe COl1ceft'able. Studies 01/ GenJ/tlfl], [',,'i/Zis/1I and lhe l-/o!OCtl!IJ!, Berkeley: Univer­sity of California Press, p. 215.

33. Cf. Sege\', Tom (1993), op. 0'1., pp. 578-580.

34. Loraux, Nicole (1997), 111 ci/e dil'iJà. I "'oublle da/H la mimoire d :..-lthencs, Paris: Pa)'ot.

.15. Novick (2000), op. cit., p.lS.

36. Cf. Todeschini, i\Iaya Morioka (ed.) (1995), lliros!Jillla 50 (I/H, Paris: Autrernent.

37. Sontag, Susan (2003), Dewnt !a douleur des alllres, Paris: Bourgois. [Ed. port.; Dial1te da DordoJ Outmr, São Paulo: Com­panhia das Letras, 2003.J

38. Novick (2000), op. cit., p. 279.

39. Mayer, Arno (1988), tr'/,ry did lhe l-/eflvens !lO! Darken? The Jill,,1 SO/lIlúm in Hútor)', Nova Iorque: Pantheon Books.

40. Achcar, G. (2002), l-e ChocdeJ barbaries, Bruxelas: Complexe.

41. Já existe uma bibliografia abundante sobre esse mo­numento. Cf. particularmente o catálogo publicado pela fundação que o gere, Stifgung Denkmal fur die ermordeten Juden Europas, Mateáa/en ZIIII' Denk!lla/ for die ermorde!en juden E/lropeu. Berlim: Nicolai Verlag, 2005.

42. Robin, Régine (2001), Berlin challtiers, Paris: Stock, p. 394.

43. Sobre a Neue Wachc, cf. Reichcl, Peter (1998), I ">1IIcmagne el.f(J mémoire, Paris: Odilc Jacob, pp. 212-225.

44. Koselleck, Reinhart (1998), {(wes darf vergessen werden? Das Holocaust MahnmaI hierarchisicrt die OpfeD), Die Zeit, n." 13.

45. Hbermas,]ürgen (1999), (iDer Zeigefinger. DieDeutschen und ihr Denkmah), Die Zeit, n." 14.

46. Cf.llilbceg (1996), op. cit., pp. 61-62.

181

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47. Cf. Fogcl, Joshua (ed.) (2000), TIJe NrIf!lJnJ!, Massacre in His-101)' and Histori(Jgrap~fY, Berkcley: Uruversity of California Press.

48. Cf. Buruma, lan (1994), Tbe Wé{,{!es 0/ Guilt. Meti/odes r!f [f/ar in Gertl/rIf?y and fapan, Londres: Phoenix.

49. Cf. Beaugé, Florence, (,Paris reconnait que lc massacre de Sétif en 1945 était "inexcusablc tl», 1..e Monde, 9 de Março de 2005.

50. Cf. Stora, Benjamin (1991), I...{[ Gaftl!,rilll! ri 1'000b/i. J..tl mé­IIIoire de la ,,{!mrre d>l(f!,érie, Paris: La Découverte. Sobre o mas­sacre de 17 de Outubro de 1961, cf. Einaudi,Jean-Luc (2001), Octolm 1961 Paris: Favard e Grandmaison, Olivier Lecour (ed.) (2001),'!..e 17 octoím /961. Un rrin/e d'État à Paris, Paris: La Dispute.

CaPítulo III 1. Para uma boa apresentação sintética do lin}!,uistic 111m, cf. Dosse, François (2003), / .. (/ marche des Mies. Histoire des ifllellertl/els, histoire ;nlellectllelle, Paris: La Découvcrte, pp. 207-226. Sobre o impacto na história social, cf. Ele)', Geoff 1992, (,De l'his­toire social au «tournant linguistique» dans l'historiographie anglo-américaine des ànées 1980», Genises, n.o 7, pp. 163-193.

2. Chartier, Roger (1998), ."-JIl bord de Id falaise. I ~'histoir(' entre cntlfl/des et inqlúitude, Paris: Albin Michel, p. 11.

3. Ih, ibid., p.16.

4. LaCapra, Dominick (2004), «Tropisms of Intellectual His­torp>, Rethinkifl)!, Hi.rÜIf)', vol. 8, n." 4, p.513.

5. Barther, Roland (1984), «Le discours de l'histoire», em I.e bruis.rement de 1(/ 1(1Il..!.J,lIe. Essais Cri/iqms IV, Paris: Seuil, p. 175.

6. \X1hite, Hayden (1985), «The historical text as a literary ar­tefaco}, TroPics 0/ Discollrse. Essais in CI/lbmil Critici.flll, Balti­more: John Hopkins Uruversity Press, p. 82. Essa tese tinha já sido formulada em Metahistory. The Hirtor7cal IH/t{~;'/ation in [\iinetulllb-Centlll)' EI/rope, Baltimore: John Hopkins "Gniversity Press, 1973, pp. Xi-xii, 5-7, 427. Para uma apresentação críti-

182

..

ca das teses de White, cf. Chartier (1998), op. d/., capo IV, pp. 108-125, e Kantsteiner, Wulf (1993), «Hayden White's Critique of the Writing of History», Húlo~J' (/nd'J"heofJ\ n." 3, pp. 273-295.

7. Entre as numerosas análises críticas da concepção de his­túria de \XThite, cf. Momigliano, Arnaldo (1984), «T ,a retorica della storia della retorica: sui trori di Hayden '\X"hitc», Sm"jon­dalflenli dell(l storia all/iuJ)!, Turim: Einaudi, pp. 465-476; Char­tier (1998), (,Figures rhétoriques et représentation historigue», op. cit., pp. 320-339; c sobretudo Evans, Richard (1999), III f)e­

.leme o/ HiJlo,:r, Nova largue: Norton, capo IIl, pp. 65-88 [Ed. port.: EN' DefeS(l da Hútór7a, Lisboa: Temas e Debates, 1999[.

8. de Certeau, Michel (1975), L'l-;'critllre de I'bistoire, Paris: c;.-a1limard, p.12. [Ed. port.: A Esrrila da História, Rio de Janei­ro: Forense Uni\'ersitária, 2011.[

9. Id, ibid., r.13.

10. Sobre a ligação dos arquivos à escrita da história, cf. Combe, Sonia (2011), Archit;eJ interdites. I/histoire COfljiJq/fée, Pa­ris: La Découverte.

11. LaCapra (2011), op. dt., pp. 1-42. É a partir de considera­çôes análogas que Paul Ricoeur tende a qualificar de antino­mia o par (rdato histórico/relato ficcionab) (RicU!ur (2000), op. rit., p. 339).

12. Kosdleck (1997), «Histoire socialc et histoirc des concepts)}, op. dt., p. 110.

13. Robin (2003), op. 0'1., p. 299.

14. Cf. sobre esse debate aS contribuições reunidas em Frie­dlander, Saul (ed.) (1992), Pro/;illJ!, lhe I jlJlitJ of Re-preJenlaliom. i.\,TaziJIJI alld lhe ((Final Solution», Cambridge: Harvard Univer­ist}' Press (especialmente o debate entre H. White, «} listorical Emplotment and the Problcm of Tr1Jth», pp. 37-52, e Carlo Ginzburg, (<Just ()ne Witness», pp. 82-96). Ginzburg retira das teses de \xrhite uma nova versão da filosofia idealista do jovem Benedeto Croce, expressa numa obra de 1893 intitulada' ..r[ Storia ridoita .roito il roncelto J!.enemle de/farle (pp. 87 -89).

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15. Bédarida, François (2003), «Tcmps préscnt ct préscnee de I'histoire)), Hisloire, critiql/e et responmbilité, Bruxelas: Complexe, p. 51.

16. Vidal-Naquet, Pierre (1987), l..es assassins de la tIIétlloire, Paris: La Découverte, pp. 148-149.

17. Lanzmann, Claude, «La question n'est pas celle du do­cument mais celle de la vérité», Le Monde, 19 de Janeiro de 2001, p. 29. Trata-se de um comentário à exposição «.Mémoirc des camps» (cf. Chéroux, Clément (ed.) (2001), Mémoire des ((Jmps. Photograpbie des ramps de concentralion et d'exterminalioH nazis (1933-1999), Paris: Marval). A posição de Lanzmann foi desenvolvida por Wajcman, George (2001), (<La croyancc photographiquc», l..es Temps Modernes, n." 613, pp. 47-83, e por Pagnoux, Elisabeth, «Reporter photographc à Auschwitz», ibid., pp. 84-108. Sobre este debate cf. a obra fundamental de Didi-Huberman, Georges (2003), Imuges 1JJalgré tout, Paris: F,di­tions Minuit, assim como o excelente ensaio de About, IIsen c Chcroux, Clément (2001), «L'histoire par la photographie», ntlldn pIJoloy,rap!Jiqlles, n." 10.

18. Lanzmann, Claude, «Pader pour les morts», Le Alonde de débat, Maio de 2000, p.15.

19. Lanzmann, Claude, «Holocauste, la rcprésentation impos­siblc», J..e Monde, 3 de Março de 1994, p. Vll.

20. Lanzmann, Claudc (1990), «Hier ist kein Warum», .AII Jujel de S!Jol/h. 1..e film de Claude I..rJH::(fllann, Paris: Belin, p. 279.

21. Levi, Primo (1997), «Se questo c un uomo», Opere I, Tu­rim: Einaudi, p. 23. [Ed. port.: Se IJ/o É' um Homem, Alfragide: Teorema, 2009.]

22. La(apra (1998), «Lanzmann's Shoah: "Here There 1s No \'(rhy"», op. ril., p. 100.

23. Levi (1997), «La riccrca dclle radiei)>, op. cit., p. 1367.

24. Agamben, Giorgio (1998), Que! elH mta di AlISchu!itZ' I .'arc!Jitt/o e i/ ttfstimofle, Turim: BoUati-Boringhieri, p. 8. [Ed. Port.: O qm Resla dtf AJ(sdJJ1i~ São Paulo: Boirempo Editorial, 2008.]

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-

25. Levi (1997), «1 sommcrsi e i salvarh>, op. rit., p. 1056.

26. Agambcn (1998), op. cit., p. 153.

27. Id, ibid, p. 47.

28. Robin (2003), op. cit., p. 250.

29. Cf. LaCapra, Dominick (2004), <<i\pproaehing Limit Event: Siting AgambeID>, HútolJ' ill Transit. E:vperieIJce, Identity, CntiraITlJer)IJ', lthaca: Comell University Prcss, p. 172.

30. Mcsnard, Philippe c Kahn, Claudine (2001), GiorJ!/o AJ!PlllbeJI d l'iPmme d'AflH!J11'it:{; Paris: Kimé, p. 125.

31. Cf. a introdução de Henry Rousso à sua recolha r TielD·. 1 :i:f!élleJllenl, la mélJ/oire, I'hi,rloire, Paris: GaUimard, 20D1, p. 43.

32. Cf. HiUberg, Raul (1993), ExéCII!mt:r, I'ICtinJe.r, limo/lIs, Paris: Gallimard. Esta tendência é sublinhada por Evans, Richard L. Evans (2002), «History, Mcrnory and thc Law. Thc IIistoricn as Expert 'W'itnesSl>, Hi.r/01:'Y (Jtld TheofJ', vo!. 41, n." 3, p. 344.

33. Goldhagen, Daniel J. (1997), 1..e,r l30lfrrealJx l'OIOlllaim de Hitler, Paris: Seui!. [Ed. port.: Os CarmJmr r 'Ohm/ários de Hitlel~ Lisboa: Editorial Noticias, 1999.]

34. Courtois, Stéphane (ed.) (1997), 1..( Jjvre lIoir du ronJlIIIJ­nlJm6. Crime,r, terrem, répreHioll, Paris: Laffont. [Ed. port.: O J jr'l'o N~v,ro do Comunismo, Lisboa: Quetzal, 1998.}

35. Cr. Jeannency, Jean-Noel (1998), I..e Pa,rsé danJ /e prétoire. I/bá/ofim, le jI~v,e el le journaliste, Paris: Scuil, p. 24, e Dumoulin (2003), "p. àt., pp. 163-176.

36. Cf. Baruch, Mare Olivier (1998), «Proccs Paptm: imprcs­sinns d'audicncc», l.e Dé/;at, n." 102, pp. 11-16. Cf. sobre esse tema, Durnoulin (2003), op. ri/., e Frei, Norbert, Van Laak, Dirk c Stolleis, Michael (hg.) (2000), Ge.rchiclJle vor Cedcht hi.rto· rih,., Richler /In d/e S/lcbe nach G'erct'htigkeit, MuniqU(:: C H. Bcck.

37. Rousso, Henr)' (1998), I.rJ Ha/ltúe du pa.rsé, Paris: Tex­tucl, Paris, p. 97. Cf. também Cnnan, l~rjc e Rousso, Hcn­ry (1996), r ·ielD', un pa.r,ré qui ne paJSe pa.r, Paris: Gallimard, pp. 235-255.

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Page 93: o Passado Modos de Usar Enzo Traverso

38. Schiller, Friedrich (1992), «Resignatiom>, Iférke und Brieji:, Berlim: Dcutschcr Klassiker Verlag, Bd. 1, p. 420. Cf. Koscllcck, Reinhart (1990), «Historia magistra vitac», 11: FII­htr ptusé. Conlriblltion a la sémantiqtle des temps historiqlles, Paris: EHESS, p. 50; e também, para uma actualização do problema, Bensai·d, Daniel (1999), Qlli esl le j/(I!,e? POlir enl fin;r {J1!ec le tribu­n(fl de !His/oire, Paris: Fayard [Ed. port.: Quem É o JuiZ? Direito e Direitos do HotJIem, Lisboa: Instituto Piaget, 2001].

39. Bloch, Marc (1974), «L'analyse historiquc», Apologie pour (histoire, ParL~: Armand Colin, p. 118. Carr, Edward H. (1961), IV/Jat is HistOl)'?, Londres: Macmillan, capo I.

40. Vidal-Naquet (1995), op. dI., pp. 113-114 (esta passagem é retirada de Chateaubriand, AlénHúe d'OIl/re-tombe, Paris: La Pléiade-Gallimard, p. 630).

41. Ginzburg, Carlo (1991), I1gitfllice e lo .rlorico, Turim: Einaudi, Turim. [Ed. port.: ensaio incluído em A Micro-História e Olltro.r E!1.faios, Ijsboa: Difel, 1991.]

42. Id., ;/;id.

43. Aquilo que conduziu George Duby, talvez de uma for­ma um pouco prematura, a cscrever que «a noção de verda­de histórica modificou-se ( ... ) porque a história doravante interessa-se menos nos factos do que nas rdaçõcs» (1 ~'Hisloire COlltinlle, Paris: Odilc Jacob, 1991, p. 78). [Ed. port.: A Hú/ória COflliflll{(, Rio de Janeiro: Zahar, 1993.]

44. Ginzburg, Carlo (1986), «Spie, radiei di un paradigma in­diziario», Miti, e",blfnll~ sPie. Moifol0l:ia e sloria, Turim: Einaudi, pp. 158-209.

45. Améry (1977), op. ri!.

46. Péguy, Charles (1987), «Le jugcmcnt historique», OI!Ul'!·e.r, voL I, «La Pléiade», Paris: Gallimard, p. 1228. Este texto está incluído em Hartog e Revel (eds.) (2001), op. rit., p. 184.

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Capítulo IV 1. Entrevista a J\hrek Eddman por Pol Mathil, l..e Soir de Abril de 2003.

2. Adorno, Thcodor W: (1969), «Erzichung naeh Ausehwie9\ Stic/JJl'orte. KiritJcIJe Afoddle 2. Frankfurt/ M: Suhrkamp.

3. Habermas (1987), «ümscience historique et idcntité post-traditiondb>,op. cito (trad. fr.), p.294.

4. 13auman, Zygmunt (1989), Moderity a/Jd tlJe //olo({/IIJI, Cam­bridge: Polity Prc~s, p. 114. [Ed. Port.: J\lodemidade I" UOlo(tlflJ/o, Rio de Janeiro: Zahar, 1998.J

5. Agamben, Giorbrio (2002), «Qu'est-ce qu'un camp?», M?ytJJ.f Jans fim, Paris: Rivages, p.49.

6. Sossi, Frederica (2003), «Témoigner de I'invisiblc», em Cnquio, Catherine (ed.) (2003), /;l JiJtoire lrollie. I\Tég,aliolls el ·/eJllOl;I!,Il(/j!,C, Nantes: L'Atlante, p. 398.

7. Arendt, Hannah (2002), 11S Origines d" tOlalitarisme, Paris: Quarto-Gallimard, p. 598. [Ed. port.: As On;!!,ms do Totah·/an.r­N/O, T .isboa: Dom Quixote, 2006.]

8. Vidal-Naquet, Pierre (1998), MélJloire 11. 11 Tro/lble el la 11f/J/ii:re, Paris: La Découverte-Seuil, p. 107.

9. Cf. Diner, Dan (1993), V"e,kehrle lFel/een, FrankfurtjM: Eichborn, 1993.

10. Perec, Georges (1975), W ou lI! SOllvenir d'm/ance, Paris: Gallimard, p. 220.

11. Chrétien,Jean-Pierre, «lIn nazisme tropical», Libérat;oll de 26 de Abril de 1994.

12. Ochlcr, Dolf (1996), J 1: Splem (ontre /'ouhli. Juin 1848. f3alldelaire, f/auberl, Heine, Herzen, Paris: Payot.

13. Cf. Wahnich, Sophic (2003), 1 A T .iberlé 011 la '"0rt. I;ssai .wr la Terretlr el le tUTon·sme, Paris: La Fabrique.

14. Cf. Lavabre, Marie-Claire (1994), LI' fil rOIl/,/. Sociolog,ie de la AfélJ10ire co"""l1niste, Paris: Presses de la Fondation de Scienccs Poli tique. O conceito de «contra-sociedade» foi forjado por

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Kriegel, Annie (1974), COlmmmis",cs au mirror jTançais, Paris: Gallimard, p. 183.

15. A fórmula pertence a Hildebrand, Klaus (1987), «Das Zeitalter der TyraneO», Historiker.rlrúf. Dú dokl/fmntation der KontnJ/!o:re /Im die Einzigartigkút der NationalsoziahjtisdJelJ jlldelllJfrnichttmg, Munique: Piper, pp. 84-92.

16. Para uma história desse conceito, cf. Traverso, Enzo (ed.) (20()}), 11 ToJalitansme. 11 XXe sitele en débat, Paris: Seuil.

t 7. Fukuyama, Francis (1993), 1.4 Fln de I'hislojre d le dcrnúr hO!JJ1!Ie, Paris: Flammarion. [Ed. port.: O Fim da História e o Últi!JJo Homem, Lisboa: Gradiva, 1999.]

t 8. Furet, François (1995), l.e Ptlssé diflJe jllllsúm. Essai sllr I',dée de coIJlImmislJle aI( XXe siée/e, Paris: I "affont -Calmann-Lévy, p. 18. [Ed. port.: O Passado de Iftlla fllI.riio, Lisboa: Presença, 1996.[

t 9. Bensai'd, Daniel (1997), T.e Pari ,,,é1ancolique. MélalJ/orphoses de la politiqlle, politique de las tIIela!llorphose.r, Paris: Fayard.

20. Benjamin, Walter (1977), (~Einbahnnstrasse», GesalJ1ll1clc Schiften, Frankfurt/M: Suhrbmp, Bd. 1,3, p. 1232.

21. Cf. Kosclleck (1990), «"Champ d'cxperience" et "horizon d'attente"; dl:uX categories historiques)}, op. ril., pp. 307-329. Sobre o advento da idcia de comunismo, cf. sobretudo as re­flexões de Anderson, Perry (1992), «The Ends of History», A zom oI eng{{!!,cment, Londres: Verso [Ed. porr.: Zona de Compro­misso, São Paulo: UNESP, 19961.

CaPítulo V 1. Schieder, Wolfgang (1983), F{IscIJiJIIII/.r af.r Soziale 13I1JJ!~!!,1/n.!!',

Gôttingen: Vandenhoeck & Ruprecht.

2. Mason, Tim (1995), «Whatever happened to "Fascism"?», I\./{JztSm, fàsáslI/ tlnd lhe fFork/n;; Class, Ersf!)'J I?y Tilll MaJon, Cambridge: Cambridge University Press, pp. 323-331.

3. Noite, Ernst (1987), «Vergangenhcit, die nicht vcrgehen will.», e I Iabcrmas, Jürgcn (1987), «Ein Art Schadensabwick~ lun~), l-lútorikerslreil, Munique: Piper, pp. 39-47 e 62-76.

188

4. Broszat, Martin e FiedHinder, Saul (1988), «Um die "his­torisierung dcs National-sozialismus". Rin Briefwechsc1», I 'ie!tl1!Jalmsh~/iefi)r Zei{!!,e.rchirvte, n." 36.

5. Mannheim, Karl (1969), Id{'o/~l!,ie IInd LItople, Frankfurt/M: Verlag Schulte & Bulmke, pp. 130-131.

6. Cf. Herhert, lJlrich (2003), «Deutsche un jüdische Geschichsschreibung üher den Holocaust», em Brenner e Meyers (hg.) (2U03), op. ri/., pp. 247-258. Este postulado está no centro da reconstruçào da trajectória da historiografia alemã por Berg (2003), op. ci/.

7. Goldhagen (1997), op. cito Cf. a esse respeito Traverso, Enzo (1997), «La Shoah, les historiem et \'usage public de I'histoire», L 'HolJ!me el la .wciété, n." 125, pp. 17-26.

8. Cf. Schulze, \x!infried e Oexle, Otto G. (hg.) (1999), Deu/J(vl! Hislorikt:r 1, T\Jational.wzialim11fs, Frankfurt/M: Fischer. Para uma visào de conjunto, cf. Cattaruzza, Marina (1 999), ~~Or­dinar.y Alen? Gli storici tedesci durante il nazionalsocialismo», Co///etllpomnea, 11, n." 2, pp. 331-339.

9. l-lusson, Edouard (2000), Comprendre Hitlerel la Shoab, Paris: Presses Universitaires de Francc, pp. 271-272.

10. Cf. Bartov, Omer (2002), ~~The German Exhibition Controversy. The politics of cvidence», em Bartov, O., Grossman, A. e Nolan, M. (eds.) (2002), Crimes if U/(lr. Gllilt tll1d Denial in TJnnlieth Cef/t/lry, Nova Iorque: The New Press, pp. 43.60. IEd. Port.: Crimes de Guerra, Rio de Janeiro: Bertrand Brasil, 2005.!

11. Insutut fúr Sozialforschung (hg.) (2002), Verbrechen der Wehr!JJacht. Dimensionen des T crnichlJm,gkrie,geJ 1941-1944, Hamburg(): Hamburger Edition.

12. Traverso, Enzo (1999), 1~La singularité d'Auschwitz. Próblemes et dérives de la recherchc historique», em Cathe­rine Coquio (ed.) (1999), op. ci/., pp. 128-140.

13. Bracher, Karl-Dietrich (1976), Zei{!!,eschich//ich KO/llrOlJersen. Um Fa.rchúmu.r, Tolalitarimllf.r, Dell/okra/ie, Munique: Piper.

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Page 95: o Passado Modos de Usar Enzo Traverso

14. Knuttcr, Han-Hclmut (1993), Die FaschúIIJus-Keu/e. Da.r /etze Attjj!,mbol der det/tschen I jnken, Frankfurt/i\.I: Ullstcin, p. 14.

15. Kraushar, Wolfgang (2001), «Die auf dcm Iinkcn Auge binde Linke. Antifaschismus und Totalitarismus», Linke Geisteifahrer. DenkanstOsse jür eine antitotalitàre J .inke, Frankfurt/M: Verlag Neue Kiritik, pp. 147-155.

16. Diner, Dan (1999), Das Jahrhundert versteben. Ein universa/bis­lorisdJe Deutun!!" Munique: Luchterhand.

17. Kuhnl, R. (1998), Der FaJchúf1Ius, Berlim: DisteI.

18. Wippcrman, W (1995), Faschúnlllstheon"en. Die E:'nhvirk/un.l!, der Dúklluion l'on den Anjànl!' bis hei/te, Darmstadt: Primus Verlag.

19. Borejsn, Jerzy w. (1999), Schulen des HaSSfs. Faschistische .rysthm in Elfropa, Frankfurt/M: Fischer.

20. Noite, Ernst (1970), I..e FasristJIe dalls JOtl épOqllf, Paris: Julliard. A sua interpretação (histórico-genética» do totalita­rismo é apresentada na sua correspondência com François Furet, rtucirf1le eI coIJlIJumi.rf1le, Paris: Plon, 1998 [Ed. port.: filS­

cismo e COHllllrú",o, Lisboa: Gradiva, 1999].

21. Para um balanço geral da historiografia da RDA sobre o nazismo, cf. Roth, Karl Heim (2001), (Glam un Elend der DDR - Geschichtswissenschaft ueber Faschimus un zwciten Weltkrieg», 13f1lletin Jür FúschirnlllJ ulld Wellktiegiforschllng, n. U 17, pp. 66-72. Sobre a questão do genocídio judaico, cf. Kwiet, Konrad (1976), «Historians of the German Democratic Republic, Atisemitism and Persecutiofi», l..eo l3aeck Instilllle ) 'earbook, vol. 21, pp. 173-198.

22. Cf. Beetham, David (ed.) (1983), Maoosts in Jace oJ Hls­ds",. lYíüinc~s I!y Marxisls on Fasasm iro", lhe Inler-War Penod, Manchester: Manchester University Press.

23. Traverso (2001), ü.e totalitarisme. Jalons pour la histoire d'un débab>, op. cit., p. 27.

24. Ü historiador da Alemanha Federal Herman Weber estima em 150 mil o número de comunistas aprisionados pelo rc,l;.,>1me nazi e em 20 mil os que foram executados (KOImJllmislisrber

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W'iderJttllld l!,~J!,e!l die j-liiler-IJiklalllr, 1933-1939, Berlim: Gedenkstatte deutscher Widerstand, 1990, p. 3).

25. FriedEinder (2002), «The Wchrmacht and Mass Exter­mination of the Jews», em Bartov, Grossman e Notan (eds.) (2002), ,p. dt,

26. Broszat, Martin (1986), «Resistenz un W'iderstanID), jVacIJ

Húleri, i'vlunique: CH. Beck, pp. 68-91. Para uma apresentação desse debate, cf. Kershaw, lan (1997), Qu'e.r/-re qm /1' na:::..i.rmd PrebláJJeJ eI per.rpectilJ/:J d'inlerpretlllion, Paris: Folio-Gallimard, capo 8. Para uma critica do conceito de rl'JiJlen;;v cf. Friedlan­der, Saul (1993), Me",o1J', History, Exlerminaliotl ~l lhe jeJl'.f 0./ blrope, Bloominh>1on: Indiana University Press, pp. 92-95.

27. Adorno, Theodor W. (1984), «Que signifie : repenser le J.~ passé?», MrJdelles m'tiqlleJ, Paris: Payot, pp. 97-98.

28. Diner, Dan (1995), (v\ntifaschistische Wcltanschauung. Ein Nachruf), KniJlàllje, Berlim: Berlin Verlag p. 91. Para seguir a emergência do I [olocausto no centro do debate historiográfi­co na Alemanha Federal, cf. Berg (2003), op. li!., pp. 379-383.

29. François, Étienne (1999), «Révolution archivistique et réécriture de !'hiswire I'Allema6'11e de l'Rsb), em Rousso, Henry (ed.) (1999), [\;'aziJlJ/e eI slalinisme. Hisloire el !IIétl/oire mll/­paries. Paris: Complcxe, p. 346.

30. Habermas (1987), «Conscience historique et identité post-traditionalle»),op. cil. (trad. fr.), pp. 315-316.

31. Cf. entrevista a Renzo De Fclice em Jacobelli, Jader (ed.) (1998), II JtlSc/.rIJlO e l!,!i Jloná ({p"f!,i, Bari-Roma: Larerza, p. 6. Para um paralelismo entre a abordagem de Noite c a de De Fe­lice, cf. Schiedler, Wolfgang (1991), (Zeitgeschichtliche Ver­shrankungen über Ernst Noite und Remo De Felice», Annali dell'lflJtllnl!; ifam-,f!,frtl/lWicode Trtf/to, XVII, pp. 359-376.

32. Steinmetz, Geoq,,'C (1997), (<.German exceptionalism and the origins of Nazism: the career of a concepb>, em Kershaw, [an e I.cwin, Moshe (eds.) (1997), Stalinism tlnd Nailslll. The Dictatorships in COIJ;parisotl, Cambrid!-,'C: Cambridge University Press, p. 257.

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Capítulo VI 1. Entre as últimas obras importantes comagradas a este tema, cf. 19nouct, Valéric (2000), Há/oire dll rélJisionisme en FranCf, Paris: Seuil; Brayard, Florent (1996), COHlmenl l'idée I'Íflt fi M. Rassi/Jier, Paris: Fayard; c Prcsco, Nadinc (1999), Fabrica/;M d'ull antirémite, Paris: ScuiL

2. Vidal~Naquct (1987), op. rit.

3. François, Bédarida (1993), CO!lltJlent fsl-i! possible que Ir (,Rét'Í­sionniJIIle» exhle?, Rcims: Prcsscs de la Comédic de Rcims, p. 4.

4. Vidal-Naquct (1987), «Thcscs sur le révisionnisrnc), op. cil., p.108.

5. Bcrn$tcin, Edouard (1974), 11s Présupposés &, socltlhsme, Paris: Seui!. !Ed. porto Os Pressupostos do Socialismo c as Tarefas das Social-Democracia, Lisboa: Dom Quixote, 1976.\

6. Sobre a projccção curopcia deste debate, cf. Bongiovanni, Bruno (1997), «Revisionismo c totalitarismo. Storic c signifi­cati», Teon"a pohtira, XIII, n." 1, pp. 23-54. Parte das peças deste debate foram reunidas por Weber, Henri (ed.) (1983) Kaul.rry, l../fxfmIJllrJ!" Hmnekoek, SoriaüsHle, la poie occidenlale, Paris: Presses LTnivcrsitaircs de Prance.

7. Laquer, \X'alter (1973), «Par le fer et par le feu: Jabotinsky et le révisionnisme», Hútoire du úonútJI, Paris: Calmann-Le\'y, pp.371-420.

8. A esse propósito, cf. sobretudo Husson (2000), op. cit., eap. 111, pp. 69-84.

9. Kolko, Gabriel (1968), The Politics oI Ifár, Nova Iorque: Random House.

10. Alperovitz, Gar, /JtO!!lir /Jip/ol!lary. Hiro.rbima and Polsdam, Nova Iorque: H:n!-,'Uin Books, 1985, e The Deeision to Use lhe Alomi, 130mb, Nova Iorque: Vintage Books, 1996.

11. Para uma apresentação do conjunto de trabalhos dessa escola, cf. Werth, Werth (1996), «Totalitarisme ou révision­nisme? L'histoire soviétique, une histoirc en chantien), (;(1111-

192

4

tlllftlioftJIe, n.O 47-4~, pr. 57-70. Entre os trabalhos de síntese dessa corrente historiográfica, cf. Fitzpatrick, Shcila (1994), Tbe Rm.rúm Re/'oltdÍon, Nova Iorque: Oxford University Press.

12. Cf. Pavone, Claudio (2000), «Negazionismi, rimozioni, re­visionismi: storia o politica?», em Colloti, Enzo (ed.) (2000), r(/J(ÚJIIO e an/~fa.rcistJlo. Rjtllozioni, rel'isiolli, nelPziofli, Bari-Roma: Laterza, pp. 34-35.

13. Cf. sobretudo Furet, François (197~), J>emer la Ràoll/t;Ofl jraJ/(tlise, Paris: Gallimard [Ed. port.: Pen.ft/r a Rel'Oll/(tlo r'rance­m, Lisboa: Edições 70, 198~[. Para uma reconstrução desse debate, cf. Kaplan, Steven L. (1993), /LJdim 89, Paris: FaY<J.rd. Entre os críticos do revisionismo de Furet, cf. Vovellc, Michel (2001), «RétlCx10ns sur l'interprétation révisionnistc de la Ré~ volution française», Combales pOlIr la Ril'Olutiotl !Ttltl((/úe, Paris: La Découverte. Sobre a projecção internacional desse debate, cf. Bongiovanni, Bruno (1989), «Rivoluzione borghese o rivo­luzione dei politico? Note sul revisionismo storiografico», em Bongiovanni, Bruno (1989), J.L repliebe della Jloria. Karl Marx

Ira la rit'olllziolle fmncese e la critim dela pollitica, Turim: BoHati Boringhieri, pp. 33-61, e Comnincl, G. C. (1987), RdIJinking lhe forme/J RetJOlulion. MarxÍJm and lhe Revisionisl Ch{/lltl1~l!,e, Lon­dres: Verso.

14. Para uma reconstrução do conjunto do debate, cf. Grcilsammer, llan (1993), I..l1 NOllve/le HÍJloire d'lsrael, Paris: Gallimard, e Pappé (2000), op. ril.

15. Wenh, Nicolas (1993), «Goulag: les vrais chiffres», L'Histoire, n.o 169, p. 42.

16. Habermas (1987), «Einc Art Schadensabwicklung. Die apologetischen Tendenzen in der deutschen Zeitgcstchichtss­chreibung», op. cit., pp. 62-76.

17. Furet e Noite (1998), op. ril, pp. 88-89.

18. Noite (1987), <Nergangenheit, die nicht vergehen will», op. cil., pp. 39-47, e IA Guerre dále ellropéene 1917-1945, Paris: Edi­tions dcs Syrtes, 2000.

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19. Wehler, Hans-Ulrich (1988), l-;nlsorgllttJ!, der deul.rcben Ver­.~at{v,e1tbeit? Ein polemischer I-:Jsqy zum (His/orik.erslreit)), Munique: Bcck.

20.1·'riedliinder (1993), «A ConAiet af Mcrnorics ? Thc Ncw Gcrman Debate about thc "Final Solution"», o/J. ci/., pp. 33-34.

21. Para uma visão de conjunto da obra de Renzo De Fc­!ice na historiografia italiana do fascismo, cf. Santomassino, Gianpasqualc, «li rualo di Rcnzo De Fclicc}), em Colloti (ed.) (2000), ,p.dl., pr. 415-429.

22. De Fclicc (1995), op. cito

Z3. Cf. sobretudo Paxton, Robcrt J. (1997), 111 France de r /id!y, Paris: Seui!.

_':i..) 24" ~abcrm~s (1987), «De l'usagc publiç de l'histoirc», t.a7tJ r <. po/dlque, 0f>' ClI. (trad. r.), pr. 247-260.

25. Furet (1995), op. cito Retomo a critica de Bcosrud (1999), oj>. cito

26. Pavonc, Claudio (1990), Una guerra cil'lle. Sl'{l!:l;io slIlla nlorah'­tà della Resútenza, Turim: Bollaci Boringhieri.

27. A respeito de Irving, cf. Evans, Richard J. (2002), Telh'ng lies abOli! Hitler. Tbe Holocaust, l-listoIJ' a/ld !be David lrving Táal, Londres: Verso; a respeito de Bernard J. Lewis, que considera o genocídio dos arménios <mma visão arménia da história», cf. Ternon, Yvcs (1994), «Lettre ouverte à Bernard Lcwis et à quelques autrcs», em Davis, Leslie 'A. (1994), J A Pr()/'ince de la morto /lrc/lil!eJ (/tlIéricaine.r ronrernan! !e iÚlOcide des AmJéniem,

Bruxelas: Complexe, pp. 9-26.

28. Pomian, Krzysztof (2002), «Storia uff1cialc, storia rcvisio­nista, storia critica», Alappe dei Not'emlto, Milão: Bruno Monda­don, pr. 143-150.

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Outros títulos das edições unipop:

QllelJ} canta o Estado-ilação?

Judith Butler e Gayatri Spivak

(Fevereiro de 2012)

o direito de fuga

Sandro Mezzadra

Ca publicar)

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