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1 O Pacto e o(s) PEC(s), mecanismos de exploração e a ofensiva do capital - o exemplo português no contexto europeu Por Pedro Carvalho O sistema capitalista mundial encontra-se mergulhado numa crise sistémica profunda, que tem se vindo a agravar desde o retorno visível da crise nos anos 70 do século passado, entre sucessivos episódios de crise e ciclos de inflação/deflação de activos, para a qual não parece encontrar saídas nem soluções. Isto num contexto de declínio da hegemonia económica dos Estado Unidos, de sobre-extensão do sistema ao nível planetário, com um desenvolvimento cada vez mais assimétrico e a delapidação acelerada dos recursos naturais, nomeadamente dos hidrocarbonetos. Um contexto de forte abrandamento das taxas de acumulação ao nível mundial, com um desemprego crescente e de cariz estrutural, assente numa «montanha» de crédito e capital fictício, onde o grau atingido de financeirização, concentração e centralização do capital, não tem precedentes nos dois séculos de vigência do capitalismo. Austeridade e Exploração Da resposta keynesiana clássica à ortodoxia (neo)liberal, que triunfou na última reunião do G20 em Toronto (26 e 27 de Junho de 2010), reavivando o «consenso de Washington» e impondo um plano de austeridade mundial, a verdade é que o sistema não consegue retomar o processo de valorização do capital. Não consegue restaurar as condições de rentabilidade - as taxas médias de lucro, de forma ao capital encontrar oportunidades de investimento rentáveis que permitam absorver a massa de mais-valias existente e fazer arrancar o «motor» da acumulação de capital. Isto, apesar do aumento da taxa de exploração ao nível mundial e da forte redução das taxas de juro que se verificou nos últimos 20 anos. A austeridade imposta ao nível mundial, pelos centros de decisão do capitalismo comandados por Washington, como o Fundo Monetário Internacional (FMI), é um mecanismo ao serviço da exploração do trabalho e da ofensiva em curso do capital, nomeadamente ao nível europeu, para reverter as conquistas sociais obtidas pelos trabalhadores no pós-segunda guerra mundial - o «Estado Providência». O Pacto de Estabilidade e os Programas de Estabilidade e Crescimento (PEC) são a tradução europeia da austeridade e a resposta do capital multinacional europeu à crise, que alicerça as orientações económicas emanadas na União Europeia, numa subserviência aos interesses imperialistas da Alemanha e do capital financeiro. Um espartilho cada vez mais apertado, entre avisos prévios e vetos do Conselho ECOFIN, numa ingerência na política económica e social dos diversos países que compõem esta área de círculos concêntricos numa vasta região pan-europeia mediterrânica. Para os países da Zona Euro, do qual Portugal faz parte, a perda da soberania monetária para o Banco Central Europeu (BCE) e a restrição orçamental e fiscal com o Pacto de Estabilidade, torna o trabalho, por via dos salários e do emprego, a única variável para fazer face aos choques económicos externos. E por isso, a agenda política da União Europeia e os instrumentos que detém, incluindo o próprio orçamento comunitário e os fundos estruturais, visam a redução dos custos unitários do trabalho, a transferência dos ganhos de produtividade do trabalho para o capital, tentando por essa via incrementar a taxa de exploração e restaurar as taxas de lucro, o grande orientador do processo de acumulação de capital. Entretanto, o capital prossegue com a mercantilização de todas as

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O Pacto e o(s) PEC(s), mecanismos de exploração e a ofensiva do capital - o exemplo português no contexto europeu Por Pedro Carvalho O sistema capitalista mundial encontra-se mergulhado numa crise sistémica profunda, que tem se vindo a agravar desde o retorno visível da crise nos anos 70 do século passado, entre sucessivos episódios de crise e ciclos de inflação/deflação de activos, para a qual não parece encontrar saídas nem soluções. Isto num contexto de declínio da hegemonia económica dos Estado Unidos, de sobre-extensão do sistema ao nível planetário, com um desenvolvimento cada vez mais assimétrico e a delapidação acelerada dos recursos naturais, nomeadamente dos hidrocarbonetos. Um contexto de forte abrandamento das taxas de acumulação ao nível mundial, com um desemprego crescente e de cariz estrutural, assente numa «montanha» de crédito e capital fictício, onde o grau atingido de financeirização, concentração e centralização do capital, não tem precedentes nos dois séculos de vigência do capitalismo. Austeridade e Exploração Da resposta keynesiana clássica à ortodoxia (neo)liberal, que triunfou na última reunião do G20 em Toronto (26 e 27 de Junho de 2010), reavivando o «consenso de Washington» e impondo um plano de austeridade mundial, a verdade é que o sistema não consegue retomar o processo de valorização do capital. Não consegue restaurar as condições de rentabilidade - as taxas médias de lucro, de forma ao capital encontrar oportunidades de investimento rentáveis que permitam absorver a massa de mais-valias existente e fazer arrancar o «motor» da acumulação de capital. Isto, apesar do aumento da taxa de exploração ao nível mundial e da forte redução das taxas de juro que se verificou nos últimos 20 anos. A austeridade imposta ao nível mundial, pelos centros de decisão do capitalismo comandados por Washington, como o Fundo Monetário Internacional (FMI), é um mecanismo ao serviço da exploração do trabalho e da ofensiva em curso do capital, nomeadamente ao nível europeu, para reverter as conquistas sociais obtidas pelos trabalhadores no pós-segunda guerra mundial - o «Estado Providência». O Pacto de Estabilidade e os Programas de Estabilidade e Crescimento (PEC) são a tradução europeia da austeridade e a resposta do capital multinacional europeu à crise, que alicerça as orientações económicas emanadas na União Europeia, numa subserviência aos interesses imperialistas da Alemanha e do capital financeiro. Um espartilho cada vez mais apertado, entre avisos prévios e vetos do Conselho ECOFIN, numa ingerência na política económica e social dos diversos países que compõem esta área de círculos concêntricos numa vasta região pan-europeia mediterrânica. Para os países da Zona Euro, do qual Portugal faz parte, a perda da soberania monetária para o Banco Central Europeu (BCE) e a restrição orçamental e fiscal com o Pacto de Estabilidade, torna o trabalho, por via dos salários e do emprego, a única variável para fazer face aos choques económicos externos. E por isso, a agenda política da União Europeia e os instrumentos que detém, incluindo o próprio orçamento comunitário e os fundos estruturais, visam a redução dos custos unitários do trabalho, a transferência dos ganhos de produtividade do trabalho para o capital, tentando por essa via incrementar a taxa de exploração e restaurar as taxas de lucro, o grande orientador do processo de acumulação de capital. Entretanto, o capital prossegue com a mercantilização de todas as

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esferas da vida social. Esta é a resposta à crise do capital, não só na Europa, mas ao nível mundial. A aprovação da Estratégia 2020 ao nível da União Europeia, confirma assim a continuação por mais uma década da grande agenda do patronal que (é) foi a Estratégia de Lisboa, apontando a continuação da desregulamentação dos mercados públicos e do «mercado» de trabalho. A par da política monetária seguida pelo BCE, que com o objectivo estrito da dita «estabilidade dos preços», promove a «moderação» salarial (que os salários reais cresçam pelo menos abaixo da produtividade do trabalho) e os interesses dos detentores de dívida (os credores europeus e internacionais), sustentada num Pacto de Estabilidade, que em nome da consolidação orçamental, promove um ataque ao sector público e aos seus trabalhadores, com repercussões sobre todos os trabalhadores, ao mesmo tempo que mantém e reforça benefícios ao nível orçamental para o capital, sobretudo o financeiro. Estas, conjuntamente com a liberalização do comércio e da [libertina] circulação de capitais a nível mundial, cumpre as orientações estabelecidas no «consenso de Washington», emanadas dos principais centros de decisão do sistema capitalista mundial. Este é o quadro da crise do capitalismo nacional e do seu enquadramento ao nível do sistema capitalista mundial. Portugal é um dos países na Europa que se encontra na linha da frente da ofensiva de classe em curso, com vista a responder aos interesses do capital monopolista multinacional que opera no mercado interno europeu. O capital, concertado a nível europeu e internacional, implementa paulatinamente a sua agenda no sentido do aumento da exploração do trabalho, da conquista de novos mercados e da melhoria das condições de (re)financiamento, utilizando a crise e a ingerência, a «dramatização» da inexistência de alternativas e a variável estratégica de sempre – o desemprego (crescente), para vencer resistências, num quadro de recrudescimento das lutas sociais por toda a Europa e também em Portugal. Importa pois por isso analisar o pacote de austeridade em Portugal, cujo Orçamento do Estado (OE) para 2011 e as sucessivas «versões» do PEC tem sido os principais instrumentos, compreender a inserção do capitalismo nacional no contexto europeu e mundial e questionarmo-nos sobre uma a economia nacional cada vez mais frágil e dependente, onde a desigualdade e o desemprego são as principais marcas. Mas para compreender o presente, temos obrigatoriamente que ir ao passado, nessa situação atípica nacional que foi a revolução de Abril, que apontou um modelo de desenvolvimento económico e social endógeno alternativo para Portugal. Ir ao passado, para compreender o(s) PEC(s) de então, o papel dos Programas Estruturais do FMI na afirmação da contra-revolução em Portugal. Hoje, como ontem, a austeridade serve a exploração. Do 25 de Abril à adesão de Portugal a CEE - O papel dos Programas de Estabilização do FMI Muito se tem falado em Portugal da necessidade do «retorno» do FMI. No quadro de uma das maiores ofensivas contra os trabalhadores e os direitos económicos e sociais saídos da Revolução de Abril, é importante recordar a «passagem» do FMI em Portugal e suas consequências, não só ao nível económico e social, como também para a soberania e a independência nacional. A austeridade que hoje se consubstancia no(s) PEC(s), sobre a batuta do Conselho

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ECOFIN e da Comissão Europeia, tem similitudes à vivenciada no final dos anos 70 e início dos anos 80 do século passado, altura em que Portugal aplicava os denominados programas de ajustamento estrutural do FMI. Como hoje, a questão fundamental que se colocava ao país era a capacidade do seu aparelho produtivo em satisfazer as necessidades da sua população. A diferença entre o consumo e a produção nacional, traduzia-se num elevado défice da balança corrente, o que, por seu lado, se traduzia no aumento do endividamento, sobretudo externo e na venda de activos nacionais a estrangeiros, ou seja, um aumento da dependência externa do país. Mas ao contrário de hoje, Portugal ainda tinha a sua soberania ao nível da política monetária e cambial, a possibilidade de emitir moeda - o escudo. Portugal ainda não estava na integração capitalista europeia, a então Comunidade Económica Europeia (CEE). Como hoje, o sistema capitalista mundial encontrava-se mergulhado numa crise profunda, de natureza sistémica, só que então esta voltava a tornar-se visível, após o interregno dos anos 50 e 60, enquanto hoje «colhemos» o fruto da resposta então do capitalismo à crise, expressa no denominado «consenso de Washington». Como hoje, o capital procurava restaurar as condições de rentabilidade perdidas, assegurar taxas de lucro que permitiriam dar continuidade ao processo de valorização de capital, por via do aumento da exploração do trabalho, da conquista de novos mercados e pela melhoria das suas condições de (re)financiamento.

Quadro 1 - Portugal, Indicadores Económicos 1974-1985

1974-1976 1977-1979 1980-1982 1983-1985

PIB real, média % de variação anual 0,0 6,4 3,0 0,5

Produtividade, média % de variação anual 0,8 6,1 3,5 1,4

Investimento, FBCF, média % de variação anual -7,1 9,9 3,8 -5,2

Desempregados, (1.000) 164 321 317 396

Taxa de Desemprego 4,1 7,7 7,4 8,7

Lucros Brutos, % do PIB 6,1 15,7 23,9 32,1

Salários reais, média % de variação anual 7,8 -1,2 2,8 -3,9

Quota Salarial Ajustada, % do PIB 87,7 78,2 70,7 62,2CUTR, média % de variação anual 7,1 -6,9 -0,6 -5,3

Produção Industrial, média % de variação anual 0,4 9,1 5,2 2,2

Balança Corrente, % do PIB -7,8 -7,1 -13,0 -7,6

Taxas de Juro nominais 6,8 14,2 16,4 21,5

Défice Público, % do PIB -5,5 -7,7 -6,3Dívida Pública, % do PIB 19,6 31,0 37,1 51,5

Nota: A compensação salarial inclui as remunerações do trabalho mais os encargos para a segurança social. (NACE C, D e E).

A produção industrial exclui o sector da construção (NACE C, D e E)

A quota salarial é o quociente entre a compensação salarial real e a produtividade do trabalho.

A balança corrente incluí a balança comercial, a de serviços, os rendimentos de investimentos e as transferências unilaterais.

CUTR=Custos Unitários do Trabalho Reais

Fonte: AMECO/Comissão Europeia Como hoje, a ofensiva contra o trabalho acentuava-se, mas ao contrário dos trabalhadores de outros países da Europa, cuja mudança de correlação de forças entre capital e trabalho, ameaçava as conquistas sociais por estes obtidas no pós-segunda

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guerra mundial, os trabalhadores portugueses tiveram a afirmação dessas conquistas com a revolução de Abril, em plena crise do sistema capitalista mundial. O processo revolucionário então encetado em Portugal, não só derrubou 48 anos de ditadura fascista e de condicionamento económico e social do país aos ditames das grandes famílias, que controlavam os principais monopólios nacionais, como abriu portas a um modelo de desenvolvimento económico e social endógeno para o país, afirmando um rumo ao socialismo, cuja matriz ainda se encontra inscrita na Constituição da República Portuguesa. Talvez um dos elementos mais significativos da Revolução de Abril foi o aumento do poder de compra dos trabalhadores portugueses. Entre 1973 e 1975, a compensação salarial real (que contém também os encargos para a segurança social) aumentou quase 23%, contribuindo para o peso mais elevado de sempre dos salários no produto (como no rendimento nacional), quase 92% em 1975 (medidos em termos da quota salarial ajustada, quociente entre a compensação salarial e o PIB, por pessoa empregada). Não só a repartição da riqueza nacional se tornava mais justa, como se reduzia de forma significativa a taxa de exploração, com efeito sobre evolução da taxa de lucro. Mas o aumento dos rendimentos das camadas trabalhadoras respondia também à crise internacional, «segurando» a procura interna. O capital monopolista nacional, cujas condições de rentabilidade tinham sido afectadas pela crise sistémica, reagiu de forma directa, por via da sabotagem económica e da fuga de capitais. O processo de nacionalizações da banca a importantes segmentos da indústria transformadora, encetado no pós-11 de Março de 1975, pelo Governos Provisórios liderados por Vasco Gonçalves, foi fulcral para evitar o desmembramento de importantes sectores económicos nacionais e torná-los alavancas do desenvolvimento económico e social do país. Entre 1975 e 1977, a produção industrial nacional cresceu 17,5%.

Os centros de decisão do sistema capitalista mundial, sobretudo a sua potência

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hegemónica, os Estados Unidos, não podiam permitir um processo revolucionário em Portugal. A vontade dos Estados Unidos (e do capital multinacional) acabaria por encontrar o seu «delfim» - Mário Soares, que seria o rosto mais importante da consolidação do processo contra-revolucionário em Portugal no pós-25 de Novembro de 1975. E essa era a questão. Era necessário, face à memória viva da revolução de Abril, enquadrar rapidamente Portugal no sistema capitalista mundial. Criar as teias de interdependência que permitissem reverter paulatinamente o modelo económico e social inscrito constitucionalmente. Ao mesmo tempo, restauravam-se as condições de rentabilidade ao capital monopolista, alterando a correlação de forças entre capital e trabalho saída da revolução, usando a crise provocada pelo «saneamento» financeiro e o desemprego como variáveis estratégicas. O 1º Programa de Estabilização (1978-1979) O ano de 1977 foi um ponto de viragem para Portugal. O ano em que o défice da balança corrente portuguesa atingiu os 10,3% do PIB. Para garantir o pagamento de empréstimos de curto prazo obtidos junto de bancos centrais de diversos países, o I Governo Constitucional, liderado por Mário Soares, obtém com a iniciativa do embaixador dos Estados Unidos, Frank Carlucci, um empréstimo de médio prazo de 750 milhões de dólares organizado entre vários países sobre a liderança dos Estados Unidos. Empréstimo que tinha como contrapartida a negociação de um acordo de «estabilização» com o FMI. Por outro lado, a 28 de Março de 1977, o governo português lançava a sua candidatura de adesão à então CEE, o mercado comum. Internamente, a lei Barreto impunha o «fim» da reforma agrária, dando um passo para a liberalização dos mercados agrícolas e para o fomento das importações dos países excedentários da Europa e dos Estados Unidos. E a legislação laboral já tinha sofrido alterações, no sentido do aumento da precariedade dos vínculos laborais, com a introdução dos contratos a prazo em 1976. O acordo com o FMI foi concluído em Maio de 1978, com o II Governo Constitucional, desta vez com Mário Soares liderando uma coligação PS/CDS (sendo Ministro das Finanças, Victor Constâncio). O programa de ajustamento estrutural de 1978-1979 continha as medidas tradicionais de contracção da procura interna, ao mesmo tempo que se estimulavam e especializavam subsectores da economia portuguesa, para servir as necessidades das cadeias de produção e distribuição dos grandes grupos industriais multinacionais e suas estratégias de localização produtiva. O programa preconizava medidas como desvalorizações cambiais (o escudo, então), limites ao crédito, aumento das taxas de juro, imposição de tectos salariais, aumento de impostos, redução dos investimentos do Sector Empresarial do Estado e do consumo do sector público. As repercussões sobre o trabalho fizeram-se logo sentir. Em termos médios, a compensação salarial real decresceu 1,2% ao ano durante o período 1977-1979 e o número de desempregados médios ultrapassou as 320 mil pessoas, quase o dobro do período 1974-1976. O peso dos salários no produto reduziu-se em 10 pontos percentuais, ao contrário do peso dos lucros que aumentou 10. Tal como hoje, com o(s) PEC(s), o programa de ajustamento estrutural 1978-1979 foi um mecanismo de exploração do capital. Uma estratégia na ofensiva de classe, subserviente

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ao capital estrangeiro. O que mostra também o papel a que estaria dotada a economia portuguesa e o capital nacional, no sistema capitalista mundial. O 2º Programa de Estabilização (1983-1985) Como hoje, o problema financeiro, o elevado endividamento, resulta de um problema económico. Os efeitos do programa de estabilização na redução do défice da balança corrente foram de muito curto prazo mas as suas consequências económicas e sociais perenes. Em 1983, os governos da Aliança Democrática (PSD/CDS/PPM) deixavam um défice da balança corrente de 10,5% do PIB. A economia nacional estava mais vulnerável às repercussões do segundo choque petrolífero e da crise da dívida de 1982, assim como mais dependente do capital estrangeiro. Por outro lado, o PIB crescia a menos de metade da taxa média anual verificada no período 1977-1979. Em Outubro de 1983, Portugal concluía um novo acordo com o FMI, outorgado pelo IX Governo Constitucional, uma coligação PS/PSD liderada por Mário Soares, o «bloco central». Mas se este segundo programa de ajustamento estrutural de 1983-1985 continha lato sensu as mesmas medidas do primeiro, as repercussões económicas e sociais foram mais gravosas, com o país a entrar em recessão em 1984 (pela primeira vez desde 1975) e o número de desempregados a ultrapassar os 400 mil (um máximo histórico até então). O crescimento do PIB desacelerou rapidamente em termos médios de triénio para triénio, a par com o crescimento da produção industrial. Mas a questão mais evidente foi o aumento da taxa de exploração, com a forte redução da compensação salarial no período 1983-1985 (quase 4% ao ano), bastante abaixo da produtividade do trabalho (que cresceu 1,4% ano), o que implicou a transferência dos ganhos de produtividade do trabalho para o capital pelo terceiro triénio consecutivo desde o 25 de Abril. O resultado foi um aumento da exploração do trabalho, com o peso dos salários no produto a reduzir-se consecutivamente de triénio para triénio, de 87,7% para 62,2% e, em contrapartida, o peso dos lucros no produto a aumentar, de 6,1% para 32,1% (Gráfico 1). Os dois programas de ajustamento estrutural do FMI foram assim determinantes para restaurar as condições de rentabilidade do capital e para a inversão progressiva da repartição e distribuição do rendimento saída do período revolucionário, quase anulando os ganhos salariais reais obtidos desde 1975. Mas o «saneamento» nacional operado pelo FMI, preparava também o caminho da adesão de Portugal à CEE, com o IX Governo Constitucional ainda a assinar o Tratado de Adesão a 12 de Junho de 1985. Os acordos de pré-adesão à CEE (1980) e as transformações que implicavam na legislação nacional para dita transição para uma «economia de mercado funcional», reforçavam-se mutuamente com as orientações e políticas implementadas por via dos programas do FMI. Ao mesmo tempo ia-se desarticulando o Sector Empresarial do Estado, com o progressivo desinvestimento, preparando o caminho para o processo de privatizações que iria ser aberto com a revisão constitucional de 1989. Entregava-se assim o «país» quase «virgem» à gula do capital europeu. A redução de custos unitários do trabalho reais obtida preparava o modelo económico nacional baseado nos baixos salários e especializado em sectores de actividade de baixo valor acrescentado. Ou seja, um re-exportador nas cadeias de subcontratação dos grandes produtores industriais europeus, como a Alemanha. Uma posição «descartável», como ficou demonstrado com as crescentes deslocalizações

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verificadas nos últimos anos com o alargamento da União Europeia aos países da Europa de Leste e a assinatura de inúmeros acordos comerciais multilaterais e bilaterais, que servem os interesses das multinacionais das grandes potências capitalistas europeias e suas lógicas de internacionalização e internalização dos mercados europeu e mundial. 25 anos de integração contribuíram para a progressiva desindustrialização do país e a liquidação do sector primário. A dependência, essa, continuou a crescer. Como o desemprego em termos estruturais e as desigualdades na repartição e distribuição do rendimento. Este foi o resultado da austeridade de então, não muito longe de austeridade de hoje, a do(s) PEC(s). Austeridade comandada também pelos especuladores financeiros internacionais, e sempre contribuindo para a intensificação da exploração do trabalho. Dissequemos o(s) PEC(s)... Do Pacto de Estabilidade à presente crise, - O papel do PEC como mecanismo de exploração Para compreender o PEC temos de identificar o seu carácter instrumental, ao serviço de um interesse de classe, de um objectivo concreto. O PEC é um instrumento ao serviço duma estratégia que visa restaurar as condições de rentabilidade dos grandes grupos económicos e financeiros, nacionais e estrangeiros, cujas medidas têm como objectivo central a redução dos custos unitários do trabalho. O PEC é, por isso, um mecanismo do capital para intensificar a exploração do trabalho. Um mecanismo de cariz europeu, pois o(s) PEC(s) estão a ser aplicados a todos os países da União Europeia, sobre a égide do Pacto de Estabilidade estabelecido em 1997. O Pacto de Estabilidade e o(s) PEC(s) precisam de ser enquadrados na resposta do capital europeu à crise sistémica, conjuntamente com o Euro, a Estratégia Europeia de Emprego e a Estratégia de Lisboa/2020. Elementos que contribuem para a criação das condições institucionais e políticas, para incentivar o crédito e a inflação dos activos mobiliários e imobiliários, na tentativa de contrariar artificialmente a crise de rentabilidade do sector produtivo, ao mesmo tempo que se antecipa o resultado do processo de circulação de capital.

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O Pacto é também um elemento central de suporte do Euro e da política monetária seguida pelo BCE, por isso um elemento central no reforço da integração política da União Europeia, condicionando a política orçamental e fiscal dos Estados aos ditames do grande capital europeu (representado pela Business Europe e a ERT - Mesa Redonda dos Industriais Europeus). O Pacto é por isso mesmo um elemento de «governação» económica e concertação capitalista. Um elemento de ingerência e pressão sobre os trabalhadores de todos os países que compõem a União Europeia, estejam dentro ou fora da Zona Euro. O objectivo da consolidação orçamental que consubstancia o(s) PEC(s), suporta o objectivo central de redução dos custos unitários do trabalho, quer por via da compressão da massa salarial dos funcionários públicos, quer por via da desregulamentação do emprego público, com as repercussões que ambos tiveram e têm ao nível dos trabalhadores do sector privado. Por outro lado, o(s) PEC(s) contribuíram para as ditas parcerias público privadas (as PPP) e para o processo de privatizações, entregando-se paulatinamente os «mercados» públicos, incluindo funções sociais do Estado, a lógicas de rentabilização privada, a par de um aproveitamento crescente dos sistemas de pensões nacionais e dos impostos de rendimento cobrados aos trabalhadores, para as estratégias de (re)financiamento do capital, sobretudo financeiro.

2000 2001 2002 2003 2004 2005 2006 2007 2008 2009 2010 2005-2009 2001-2010

Défice Público, % do PIB -2,9 -4,3 -2,8 -2,9 -3,4 -6,1 -3,9 -2,6 -2,8 -9,4 -8,5 -5,0 -4,7

Défice Público, mil milhões de euros -3,6 -5,5 -3,8 -4,0 -4,8 -9,1 -6,1 -4,2 -4,7 -15,4 -14,2 -7,9 -7,2

Dívida Pública, % do PIB 50,5 52,9 55,6 56,9 58,3 63,6 64,7 63,6 66,3 76,8 85,8 67,0 64,4

Dívida Pública, mil milhões de euros 61,8 68,4 75,2 78,8 84,0 94,8 100,5 103,7 110,4 125,9 142,8 107,1 98,5

Investimento Público, % de variação anual -5,4 6,5 -6,5 -11,5 2,7 -5,9 -18,3 -0,4 -1,8 8,3 -10,0 -3,6 -3,8Compensação Salarial Real, Função Pública, % de variação anual 8,1 3,2 3,6 -4,9 1,5 3,4 -4,5 -3,5 -0,3 3,4 -1,1 -0,3 0,1

PIB real, % de variação anual 3,9 2,0 0,8 -0,8 1,5 0,9 1,4 1,9 0,0 -2,7 0,5 0,3 0,6

Taxa de Desemprego 4,0 4,1 5,1 6,4 6,7 7,7 7,8 8,1 7,7 9,6 9,9 8,2 7,3

RNB real, % de variação anual 3,1 1,5 1,7 -0,1 1,3 0,5 -0,3 1,7 -0,3 -2,7 0,4 -0,2 0,4

Produção Industrial, % de variação anual 0,5 2,0 0,5 -1,2 -4,1 -3,8 3,2 0,3 -4,1 -8,6 -2,6 -1,8

Balança Corrente, mil milhões de euros -13,1 -13,5 -11,5 -8,9 -11,3 -14,6 -16,2 -16,0 -20,1 -17,2 -16,9 -16,8 -14,6Balança Corrente, % do PIB -10,7 -10,4 -8,5 -6,4 -7,8 -9,8 -10,4 -9,8 -12,1 -10,5 -10,1 -10,5 -9,6

Produtividade, % de variação anual 4,5 1,0 0,7 0,4 1,3 1,3 1,4 2,8 -0,3 -0,7 1,3 0,9 0,9

Compensação Salarial Real, % de variação anual 3,3 0,3 -0,3 0,3 0,2 2,1 -0,7 0,4 1,2 3,1 0,6 1,2 0,7

Ganhos de Produtividade, (+) Patronato, (-) Trabalho 1,2 0,7 1,0 0,1 1,1 -0,8 2,1 2,4 -1,5 -3,8 0,8 -0,3 0,2

CUTR, % de variação anual 1,4 0,1 -0,5 0,5 -1,4 0,8 -1,5 -1,5 1,6 3,3 -0,5 0,5 0,1

Lucros Líquidos, % de variação anual -8,0 6,7 1,0 -6,5 19,7 -12,6 8,3 18,6 -6,9 -5,1 -1,0 0,5 2,2Quota Salarial Ajustada, % do PIB 62,7 62,8 62,5 62,8 61,9 62,4 61,5 60,6 61,5 63,5 63,2 61,9 62,3

Nota: A compensação salarial inclui as remunerações do trabalho mais os encargos para a segurança social. (NACE C, D e E).

A produção industrial exclui o sector da construção (NACE C, D e E)

A quota salarial é o quociente entre a compensação salarial real e a produtividade do trabalho.

A balança corrente incluí a balança comercial, a de serviços, os rendimentos de investimentos e as transferências unilaterais.

A compensação salarial da função pública real foi obtida usando o deflator do PIB.

O investimento público a preços constantes foi obtido usando o deflator do investimento privado (FBCF).

CUTR=Custos Unitários do Trabalho Reais, RNB=Rendimento Nacional Bruto

Fonte: AMECO/Comissão Europeia

valor médio anual

Quadro 2 - Portugal, Indicadores Económicos 2000-2010

O Pacto é, por isso, uma opção de classe (uma escolha política), que surtiu os seus efeitos, juntamente com a constituição do Euro. Entre 1998 e 2007, em termos médios anuais os salários reais quase estagnaram em Portugal e na Zona Euro, os custos unitários do trabalho reais reduziram-se e os lucros líquidos cresceram 8 e 6 vezes mais que os salários reais respectivamente (ver Gráfico 2). A estratégia por detrás do(s) PEC(s) Como atrás já ficou exposto, o(s) PEC(s) tem vindo a ser aplicado(s) desde 1997, com os

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resultados que são conhecidos, em Portugal e na União Europeia. Em Portugal, mesmo de outras formas, já tinham sido aplicados, com os dois programas de ajustamento estrutural do FMI ou no processo de convergência nominal encetado no «caminho» para o Euro e que depois foi reforçado com o Pacto de Estabilidade (ver Quadro 2). Vejamos então a estratégia... Em cada PEC, aplicado pelos sucessivos Governos em Portugal desde 1997 (PS/António Guterres 1995-2001, PSD/CDS - Durão Barroso/Santana Lopes/Paulo Portas 2001-2005, PS/José Sócrates 2005 ao presente), entre procedimentos de défice excessivo impostos por Bruxelas, ao contrário do proclamado objectivo de consolidação orçamental, a verdade é que o défice público tem vindo sempre a aumentar no fim de cada ciclo governativo, de -4,3% do PIB em 2001, para -6,1% em 2005 e agora -9,4% (ajustado pelo INE para 9,3%) em 2009 (15,4 mil milhões de euros). Entre 2001 e 2009, o défice público quase que triplicou em valor e a dívida pública quase duplicou, a par com um crescimento económico quase nulo (0,6%) e uma taxa de desemprego que mais que duplicou (9,6% em 2009). E porquê este crescimento do défice? Para mais quando o investimento público no mesmo período se reduziu a uma média anual superior a 3%, o consumo público desacelerou e o crescimento médio anual da compensação salarial da função pública foi quase nulo, confirmando uma década de perda de poder de compra (uma redução média de 0,3% ao ano entre 2005-2009).

O défice cresceu devido às operações de «salvamento» orçamental do capital, sobretudo financeiro. Cresceu à conta do custo de inúmeras concessões, PPPs e operações de garantia dos lucros a privados. Cresceu à conta de mais de 15,6 mil milhões de euros de benefícios fiscais concedidos pelo Estado desde 2005 (já incluindo os previstos no OE de 2010), dos quais quase 70% dados em sede de IRC e mais de 9 mil milhões de euros só para as empresas que operam no off-shore da Madeira. Em paralelo, a nossa produção industrial caiu a um ritmo de -1,8% ao ano e o défice da balança corrente aumentou quase 28%. Ou seja, um país mais dependente e mais endividado.

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Mas nos primeiros anos de aplicação de cada PEC, o objectivo de classe foi cumprido. Os lucros líquidos aumentaram (quase 20% em 2004 e quase 28% em 2006 e 2007), com a redução dos custos unitários do trabalho reais e a transferência dos ganhos de produtividade do trabalho para o capital. Em 2005 e 2007, ocorreu uma das maiores quedas do peso dos salários no produto, quase 2 pontos percentuais, o que é indicador de um dos maiores aumentos da taxa de exploração em Portugal desde a adesão de Portugal à União Europeia.

Depois, quando os efeitos acumulados da quebra dos rendimentos do trabalho, do investimento e consumo públicos, potenciam a entrada em (nova) recessão, o Estado intervêm com medidas de «salvamento» que no fundo transformam a dívida privada em dívida pública. O que faz disparar o défice público, encetando-se um novo ciclo, um novo PEC, com a exigência de mais e novos sacrifícios aos trabalhadores, aos pensionistas e das camadas mais desfavorecidas da população.

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Esta tem sido a estratégia ao serviço do capital nacional e estrangeiro, ao serviço dos credores externos da economia portuguesa, que se traduziu numa economia com cada vez menor capacidade produtiva (de bens transaccionáveis), com a desaceleração das taxas de crescimento do produto de década para década (Gráfico 3), com um crescimento quase nulo do produto por habitante e dos salários reais na última década, em divergência com a União Europeia (Gráfico 4), agravando a sua dependência externa, com um défice da balança corrente superior a 17 mil milhões de euros em 2009 e um consequente crescimento do endividamento das empresas não financeiras (151% do PIB em 2009) (Gráfico 5), das famílias (99%) e do Estado (77%). O problema estrutural e a ruptura necessária O problema estrutural da economia portuguesa tem a ver com o modelo de desenvolvimento económico e social seguido nos últimos 35 anos, com as lógicas de divisão internacional de trabalho impostas pelo sistema capitalista mundial. Um sistema com um desenvolvimento desigual e com desequilíbrios crescentes, cujo ajustamento terá fortes repercussões económicas e, com a existência de países importadores «líquidos» e de países exportadores «líquidos», respectivamente devedores (com crescente endividamento) e credores (detentores da dívida dos importadores). Portugal é um importador «líquido», o que explica o nosso crescente endividamento externo.

O problema de Portugal é económico, do qual resulta um problema financeiro. Se não houver uma ruptura com o modelo seguido até aqui, não existe uma saída sustentável e socialmente justa para crise que o país atravessa. Desde os anos 70 que as taxas de crescimento da produção industrial têm vindo a desacelerar, tornando-se, em média anual, negativas desde a nossa adesão ao Euro. Este processo de desindustrialização, a par da progressiva destruição do sector primário, nomeadamente da agricultura e pescas, traduziram-se num aumento do défice comercial português em termos médios de década para década, nomeadamente no que toca a balança de bens (transaccionáveis) (ver Gráfico 6).

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A par de uma mistificadora terciarização da economia portuguesa, potenciou-se também um modelo exportador assente em sectores de baixo valor acrescentado e, por isso, assente em baixos salários. Modelo exportador, com uma forte componente de importação de matérias-primas e outros consumos intermédios, tendo em conta que o valor acrescentado a nível nacional se prende apenas com o trabalho. Modelo exportador, assim duplamente dependente da procura externa e sem conexão ou base de apoio no mercado interno nacional. Este modelo conduziu a défices crescentes da balança comercial/corrente que tem de ser financiados por via externa (tendo em conta o grau de poupança interna), ou pela venda de activos nacionais ou pelo crescente endividamento. Isto também, porque o modelo assenta numa competição salarial com outros países da União Europeia e outras regiões do mundo (nomeadamente da periferia do sistema), promovendo assim a desvalorização progressiva dos salários, sendo o poder de compra mantido artificialmente pelo crescimento do crédito (e consequentemente do endividamento). Endividamento crescente também das empresas não financeiras, entre as dificuldades de tesouraria das micro e pequenas empresas, até aos empréstimos obrigacionistas de grandes grupos económicos «portugueses» para investir no estrangeiro. Face à ofensiva do capital para restaurar as condições de rentabilidade, a «saída» para crise dos trabalhadores, num primeiro momento, tem que passar pela valorização dos rendimentos (salários e pensões) e por uma aposta clara no desenvolvimento aparelho produtivo nacional, na indústria transformadora, o que implica um maior investimento público em infra-estruturas de apoio à produção e distribuição. Ou seja, uma política de dinamização do mercado interno. Política que contribuiria, não só para potenciar o desenvolvimento económico e social endógeno nacional, reduzindo as suas dependências e défices, como para aumentar a receita fiscal e da segurança social, ao mesmo tempo que reduziria a despesa (mais emprego e melhores rendimentos, implica menos transferências sociais). Este é um primeiro passo para a ruptura necessária. Combater a exploração. A luta dos trabalhadores por melhores salários e em defesa da produção nacional, não é só uma luta pela melhoria das condições de vida e pela criação de empregos, é uma condição sine qua non para acabar com asfixia da dependência externa nacional, que condiciona a soberania e independência nacional. Não existe «saída» para a crise, sem valorização do trabalho e da produção nacional, sem criar as condições que ponham em causa a base do modelo económico instituído. Sem a redução do horário de trabalho. O PEC é uma «receita» para a recessão continuada da economia portuguesa, para uma cada vez mais injusta repartição e distribuição do rendimento nacional e para o alastramento da mancha de pobreza. O PEC e os orçamentos que lhe dão suporte põe também em causa a coesão do território nacional, agravando as assimetrias regionais, entre o urbano e o rural, entre o interior e o litoral. O PEC depaupera os activos do Estado, retira do controlo público alavancas fundamentais para o desenvolvimento económico nacional e reduz as funções sociais do Estado, nomeadamente a segurança social, a saúde e a educação. É com esta lógica de desenvolvimento, assente na relação de exploração decorrente do modo de produção capitalista, que tem que haver uma ruptura. Ruptura com o primado do financeiro sobre o produtivo. Com o primado do lucro sobre as necessidades humanas.

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Ruptura com a propriedade que permite a apropriação privada das condições de produção, a relação que o capital corporiza.

Hoje, como ontem, a austeridade serve a exploração do trabalho. Independentemente das denominações, o(s) PEC(s) de hoje e do passado, sobre égide das organizações internacionais do sistema capitalista, como o FMI, ou dos seus agrupamentos regionais, como a União Europeia, servem o mesmo propósito estratégico, restaurar as condições de rentabilidade do capital por via do incremento exploração do trabalho, numa luta incessante pela conquista de novas quotas de mercado. O(s) PEC(s) de hoje e do passado são uma resposta do capital aos episódios de crise que atravessa. Após 35 anos de consolidação da contra-revolução, protagonizada pelas mais diversas combinações governativas PS/PSD/CDS, com vários PECs depois, Portugal está mais dependente, mais endividado. Num momento em que povo português se vê confrontando com a mais grave e violenta ofensiva de classe, o que está em causa é a reversão de conquistas sociais que são o património de décadas de luta dos trabalhadores portugueses e a descaracterização do regime democrático constitucional que resultou da revolução de Abril. É neste quadro, que a consciencialização dos trabalhadores para a estratégia de exploração que o PEC consagra para os próximos anos é fundamental, a par da disponibilidade e mobilização para a luta, porque só a luta de massas e o reforço da organização dos trabalhadores poderão derrotar a ofensiva em curso. Hoje como ontem, o que é necessário é que os trabalhadores e o povo tomem nas suas mãos a afirmação da alternativa, por Abril. Mas o actual episódio de crise nacional não pode ser descontextualizado de crise sistémica, que se pode depreender das dificuldades crescentes do sistema em restaurar as condições de valorização do capital, ou seja, as taxas de lucro. E a(s) crise(s) só serão resolvidas pela superação do sistema. E o sistema não cairá por si. O sistema só será superado pela luta dos trabalhadores e dos povos, pela criação das condições subjectivas de transformação das relações sociais de produção, na continuação da construção da alternativa que germina dos limites do sistema - o socialismo. Serpa, Outubro de 2010.