ofensiva socialista n°09 - março/abril 2012

12
O ano de 2012 começou quen- te. Por trás do suposto “mila- gre” brasileiro da era ‘lulista’, o Brasil real mostrou sua verda- deira face na repressão ao Pi- nheirinho, nas greves de poli- ciais e bombeiros, nas mobiliza- ções radicalizadas contra o au- mento das tarifas de transporte e nos novos ataques do governo Dilma contra os trabalhadores. A crise europeia se aprofunda e o de- saquecimento na China começa a co- locar nuvens pesadas sobre a econo- mia brasileira. Dilma já escolheu seu caminho. Além do anúncio de cortes nos gastos públicos maiores que os do ano passado, o governo vem pra ci- ma com a nova reforma da previdên- cia contra o funcionalismo federal e a privatização dos aeroportos. Antecipando o impacto mais bru- tal da crise sobre o Brasil, o gover- no combina cooptação de lideran- ças sindicais com dura repressão. O acordo das Centrais governistas e pe- legas com o governo para tentar im- pedir as greves nas obras do PAC é um exemplo do papel de freio joga- do pelas direções sindicais burocra- tizadas e acomodadas. Por outro la- do, para aqueles que não se vendem e lutam o que vemos é repressão. O caso do Pinheirinho é emblemático. Além do papel criminoso do gover- no tucano de Geraldo Alckmin, o que vimos também foi a omissão cúmpli- ce do governo federal com o despejo. Mas, os movimentos sociais com- bativos reagem. O funcionalismo já prepara sua jornada de lutas. A Re- sistência Urbana, frente nacional de movimentos populares, também se organiza para responder à altura os ataques contra os moradores do Pi- nheirinho. Duas novas ocupações denominadas “Novo Pinheirinho” já aconteceram nos municípios do Embu e Santo André. Novas mobi- lizações virão. Como no ano passado, deveremos ver uma intensificação das lutas sin- dicais, estudantis e populares nes- te ano de 2012. Mas, ao contrário do ano passado, devemos avançar na perspectiva da unidade de todos os setores em luta contra os gover- nos e os patrões. Essa é a única for- ma de acumular força suficiente pa- ra obtermos vitórias em meio às tur- bulências da crise capitalista interna- cional. Sem a unidade, é inevitável que o peso da crise será colocado nas costas dos trabalhadores. O Congresso da CSP-Conlutas é uma oportunidade para a constru- ção de um plano de ação unitário pa- ra a classe trabalhadora. Mas, deve ir além. Deve criar as condições pa- ra a reconstrução de um projeto de unificação do movimento sindical independente e combativo em tor- no de uma Central Sindical e Popu- lar unitária. As eleições municipais também podem representar uma oportuni- dade para que a esquerda socialista, com PSOL, PSTU e PCB intervin- do de forma unificada, possa esta- belecer as bases de um projeto polí- tico global que unifique as lutas em torno de um mesmo programa anti- capitalista e socialista. Esta edição do jornal Ofensiva So- cialista apresenta, nos seus vários ar- tigos, algumas visões sobre o mo- mento atual e propostas sobre como fazer avançar a luta dos trabalhado- res e de todos os setores oprimidos e explorados. Leia, comente e participe. Junte-se a nós nessa luta! Preço: R$ 1,50 • Solidário: R$ 3,00 Jornal da LSR N° 09 março/abril 2012 Seção brasileira do Comitê por uma Internacional dos Trabalhadores (CIT) Tendência do PSOL site: www.lsr-cit.org • e-mail: [email protected] • telefone: (11) 3104-1152 O PSOL nas eleições municipais pág. 02 Brasil vira cassino para especuladores europeus pág. 02 Greve nacional da educação tem que ser pra valer pág. 03 Pinheirinho, a batalha pela moradia pág. 04 Barcas S/A e governo do Rio: tudo pelo lucro pág. 05 I Congresso da CSP-Conlutas pág. 06-07 A “troica” impõe um desastre social na Grécia pág. 10 Um novo chamado de luta contra o racismo pág. 11 Mulher: vítima do sistema capitalista e de suas crises pág. 12 Não à privataria petista! Os governos de Lula e Dilma seguem à risca o receituário neoliberal dos tucanos –tam- bém nas privatizações. A recente privatização dos ae- roportos de Guarulhos, Campinas e Brasília não representa grande novidade para os governos do PT. É o que constatamos quando ve- mos os leilões de jazidas de petró- leo, as privatização de rodovias fe- derais, de bancos estaduais, de hos- pitais universitários, de áreas de flo- resta na Amazônia, além de inú- meras medidas privatizantes nas áreas de saúde, educação, dos cor- reios, etc. A mais recente manifestação dis- so foi a votação na Câmara crian- do o Fundo de Pensão para os ser- vidores públicos federais. Trata-se da complementação da contrarre- forma de previdência que Lula em 2003 e visa favorecer os especula- dores do mercado financeiro por ci- ma dos direitos dos trabalhadores. Tudo isso junto com a reforma do código florestal e a rolagem e paga- mento de juros absurdos da dívida pública, não deixa sombra de dú- vidas a quem serve esse governo: banqueiros, especuladores, agrone- gócio e grande capitalistas. Para derrotar esses parasitas e os políticos que os sustentam é preci- so também derrotar o governo Dil- ma. Nas urnas e nas ruas! Pela reestatização das empresas e serviços privatizados com controle dos trabalhadores! Apuração de todos os esquemas de corrupção envolvendo as privatizações e punição dos culpados nos governos e setor privado! Só existe um caminho: unificar as lutas contra governos e patrões Não aos ataques sobre nossos direitos! Não à repressão sobre os movimentos sociais!

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Jornal da Liberdade, Socialismo e Revolução, corrente do PSOL e seção brasileira do Comitê por uma Internacional dos Trabalhadores

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Page 1: Ofensiva Socialista n°09 - março/abril 2012

O ano de 2012 começou quen-te. Por trás do suposto “mila-gre” brasileiro da era ‘lulista’, o Brasil real mostrou sua verda-deira face na repressão ao Pi-nheirinho, nas greves de poli-ciais e bombeiros, nas mobiliza-ções radicalizadas contra o au-mento das tarifas de transporte e nos novos ataques do governo Dilma contra os trabalhadores.

A crise europeia se aprofunda e o de-saquecimento na China começa a co-locar nuvens pesadas sobre a econo-mia brasileira. Dilma já escolheu seu caminho. Além do anúncio de cortes nos gastos públicos maiores que os do ano passado, o governo vem pra ci-ma com a nova reforma da previdên-cia contra o funcionalismo federal e a privatização dos aeroportos.

Antecipando o impacto mais bru-tal da crise sobre o Brasil, o gover-no combina cooptação de lideran-ças sindicais com dura repressão. O acordo das Centrais governistas e pe-legas com o governo para tentar im-pedir as greves nas obras do PAC é um exemplo do papel de freio joga-do pelas direções sindicais burocra-tizadas e acomodadas. Por outro la-do, para aqueles que não se vendem e lutam o que vemos é repressão. O caso do Pinheirinho é emblemático. Além do papel criminoso do gover-no tucano de Geraldo Alckmin, o que vimos também foi a omissão cúmpli-ce do governo federal com o despejo.

Mas, os movimentos sociais com-bativos reagem. O funcionalismo já prepara sua jornada de lutas. A Re-sistência Urbana, frente nacional de movimentos populares, também se organiza para responder à altura os ataques contra os moradores do Pi-nheirinho. Duas novas ocupações denominadas “Novo Pinheirinho” já aconteceram nos municípios do Embu e Santo André. Novas mobi-lizações virão.

Como no ano passado, deveremos ver uma intensificação das lutas sin-

dicais, estudantis e populares nes-te ano de 2012. Mas, ao contrário do ano passado, devemos avançar na perspectiva da unidade de todos os setores em luta contra os gover-nos e os patrões. Essa é a única for-

ma de acumular força suficiente pa-ra obtermos vitórias em meio às tur-bulências da crise capitalista interna-cional. Sem a unidade, é inevitável que o peso da crise será colocado nas costas dos trabalhadores.

O Congresso da CSP-Conlutas é uma oportunidade para a constru-ção de um plano de ação unitário pa-ra a classe trabalhadora. Mas, deve ir além. Deve criar as condições pa-ra a reconstrução de um projeto de unificação do movimento sindical independente e combativo em tor-no de uma Central Sindical e Popu-lar unitária.

As eleições municipais também podem representar uma oportuni-dade para que a esquerda socialista, com PSOL, PSTU e PCB intervin-do de forma unificada, possa esta-belecer as bases de um projeto polí-tico global que unifique as lutas em torno de um mesmo programa anti-capitalista e socialista.

Esta edição do jornal Ofensiva So-cialista apresenta, nos seus vários ar-tigos, algumas visões sobre o mo-mento atual e propostas sobre como fazer avançar a luta dos trabalhado-res e de todos os setores oprimidos e explorados.

Leia, comente e participe. Junte-se a nós nessa luta!

Preço: R$ 1,50 • Solidário: R$ 3,00 Jornal da LSR

N° 09 março/abril 2012

Seção brasileira do Comitê por uma Internacional dos Trabalhadores (CIT)

Tendência do PSOL

site: www.lsr-cit.org • e-mail: [email protected] • telefone: (11) 3104-1152

O PSOL nas eleições municipais

pág. 02

Brasil vira cassino para especuladores europeus

pág. 02

Greve nacional da educação tem que ser pra valer

pág. 03

Pinheirinho, a batalha pela moradia

pág. 04

Barcas S/A e governo do Rio: tudo pelo lucro

pág. 05

I Congresso da CSP-Conlutas

pág. 06-07

A “troica” impõe um desastre social na Grécia

pág. 10

Um novo chamado de luta contra o racismo

pág. 11

Mulher: vítima do sistema capitalista e de suas crises

pág. 12

Não à privataria petista!Os governos de Lula e Dilma seguem à risca o receituário neoliberal dos tucanos –tam-bém nas privatizações.

A recente privatização dos ae-roportos de Guarulhos, Campinas e Brasília não representa grande novidade para os governos do PT.

É o que constatamos quando ve-mos os leilões de jazidas de petró-leo, as privatização de rodovias fe-derais, de bancos estaduais, de hos-pitais universitários, de áreas de flo-resta na Amazônia, além de inú-meras medidas privatizantes nas

áreas de saúde, educação, dos cor-reios, etc.

A mais recente manifestação dis-so foi a votação na Câmara crian-do o Fundo de Pensão para os ser-vidores públicos federais. Trata-se da complementação da contrarre-forma de previdência que Lula em 2003 e visa favorecer os especula-dores do mercado financeiro por ci-ma dos direitos dos trabalhadores.

Tudo isso junto com a reforma do código florestal e a rolagem e paga-mento de juros absurdos da dívida pública, não deixa sombra de dú-vidas a quem serve esse governo:

banqueiros, especuladores, agrone-gócio e grande capitalistas.

Para derrotar esses parasitas e os políticos que os sustentam é preci-so também derrotar o governo Dil-ma. Nas urnas e nas ruas!

✔ Pela reestatização das empresas e serviços privatizados com controle dos trabalhadores!

✔ Apuração de todos os esquemas de corrupção envolvendo as privatizações e punição dos culpados nos governos e setor privado!

Só existe um caminho: unificar as lutas contra

governos e patrões

Não aos ataques sobre nossos direitos! Não à repressão sobre os movimentos sociais!

Page 2: Ofensiva Socialista n°09 - março/abril 2012

2 • conjuntura/eleições Ofensiva Socialista n°09 março/abril - 2012

é uma publicação da Liberdade, Socialismo e Revolução

Telefone: (11) 3104-1152E-mail: [email protected]ítio: www.lsr-cit.orgCorreio: CP 02009 - CEP 01031970 - SP Assinatura: 10 edições: R$ 20 reais (Envie cheque nominal p/Marcus William Ronny Kollbrunner à caixa postal)

Colaboraram nessa edição: Aldo Barreto, André Ferrari, Anísio Borba, Bel Keppler, Danilo Furtado, Dimitri Silveira, Guilherme Camilo, Jane Barros, João Pedro Barbosa F. Militão, Joaquim Aristeu (Boca), José Afonso da Silva, Kátia Sales Marcus Kollbrunner, Mauricio de Oliveira Filho, Miguel Leme, Raylane R. Walker, Reginaldo Costa, Renata Nery.

Brasil vira cassino para especuladores europeusA presidente Dilma Rousseff, nas vésperas do seu encontro com a chanceler alemã Angela Merkel, criticou publicamente o que chamou de “tsunami mone-tário” que atinge o Brasil como consequência das políticas ado-tadas na União Europeia. Sobre o problema, a manchete do jor-nal O Globo (02/03/12) não poderia ser mais direta: “Brasil vira cassino para Europa”.

André Ferrari

Somente no último dia 29/02, o Banco Central Europeu (BCE) in-jetou mais de meio trilhão de eu-ros nos bancos da região. Em pou-co mais de dois meses o total dos empréstimos aos bancos alcançou a marca de um trilhão de euros. É des-sa forma que as autoridades mone-tárias europeias pretendem enfren-tar as ameaças de insolvência, ame-nizar o aperto no crédito e a reces-são que atinge a região. As possibi-lidades de que tenham êxito são pe-quenas, mas as consequências nega-tivas já se tornam visíveis.

Buscando lucros gigantes e fáceis com as maiores taxas de juros do

mundo, os banqueiros e especulado-res europeus inundam o mercado fi-nanceiro brasileiro com os novos re-cursos obtidos. O resultado é a valo-rização da moeda brasileira, que en-carece os produtos nacionais e pro-voca perda de competitividade da in-dústria nacional. Com isso, cresce a ameaça da desindustrialização ge-neralizada no país, com fechamen-to de fábricas e redução dos empre-gos mais qualificados.

Dilma continua refém do capital financeiro

A aparente preocupação de Dilma não esconde o fato de que seu gover-no, assim como o de Lula, deu con-tinuidade ao modelo econômico que se baseia na exportação de produtos primários e na remuneração do gran-de capital financeiro especulativo.

A dependência brasileira em rela-ção aos mercados externos, em par-ticular com a China, só se aprofun-dou nos últimos anos. As consequên-cias disso já podem ser observadas no contexto da atual crise internacional. A brusca freada das exportações bra-sileiras para a China nesse início de 2012, resultado da desaceleração eco-

nômica naquele país, já aponta uma perspectiva de forte redução do supe-rávit comercial desse ano.

O excesso de liquidez internacio-nal, ou seja, o dinheiro sobrando nos cofres dos bancos internacio-nais, tem provocado outras conse-quências. Num processo que guarda certas semelhanças com os anos 70 – a época dos petrodólares abundan-tes que depois levou à crise das dí-vidas latino-americanas – empresas e bancos privados brasileiros estão tomando empréstimos fora do país a taxas muito baixas com o objetivo de ganhar dinheiro com os altos ju-ros brasileiros. Isso tem provocado um forte crescimento da dívida ex-terna brasileira. Somente no início de 2012 foram 18,5 bilhões de dó-lares obtidos no exterior.

Saídas?

As medidas tomadas pelo gover-no Dilma para fazer frente ao “tsuna-mi monetário” e à “guerra cambial” – tais como a extensão da alíquota de 6% do Imposto sobre Operações Financeiras (IOF) para empréstimos com prazo inferior a três anos (e não mais dois como antes) por parte de

empresas no exterior – sequer arra-nham o problema e não representam qualquer mudança de curso por par-te do governo.

Medidas pontuais contra as oscila-ções do câmbio são preconizadas pe-lo próprio Fundo Monetário Interna-cional (FMI) e não representam ne-nhuma ação ousada contra os espe-culadores. A subserviência do gover-no Dilma em relação ao grande capi-tal continua total. As taxas de juros do Brasil continuam sendo as maio-res do mundo e garantem robusta remuneração ao capital especulati-vo internacional.

O governo Dilma é um governo comprometido com o grande capital, em especial o financeiro, como deixa clara sua política frente à dívida pú-blica, a verdadeira “bolsa-família dos ricos”, que, só nesse ano, deve com-prometer quase metade do orçamen-to federal com os lucros especulati-vos de um punhado de especuladores.

Ações como as das Centrais sin-dicais governistas e as abertamente pelegas (CUT, CTB, Força Sindical, UGT, etc), que organizam mobiliza-ções de araque junto com empresá-rios da FIESP, Confederação Nacio-nal da Indústria, etc., contra a desin-

dustrialização, não podem levar a lu-gar nenhum.

A luta contra a desindustrialização, a dependência externa e o modelo de capitalismo primário-exportador, é uma luta do conjunto da classe tra-balhadora não apenas contra o ca-pital financeiro, mas também contra empresários e governos que estão in-tegrados organicamente aos interes-ses dessas sanguessugas capitalistas.

Ruptura com o sistema

Os capitalistas sempre buscarão jogar nas costas dos trabalhadores o peso da crise. A única forma de evitar que os bancos europeus con-tinuem especulando ao invés de in-vestir em seus países é fazendo com que sejam estatizados e controlados pelos trabalhadores organizados. Da mesma forma, no Brasil, somente um plano econômico construído pe-los trabalhadores e baseado na sus-pensão do pagamento da dívida pú-blica e controle público dos bancos e grande empresas poderá fomen-tar um desenvolvimento econômi-co e social que seja independente do imperialismo e ambientalmente sustentável.

O PSOL nas eleições municipaisUma campanha socialista a serviço das lutas As cidades são um cenário pri-vilegiado da opressão e espo-liação geradas pela lógica do capitalismo. Mas, são também espaço da resistência cotidia-na dos mais pobres, dos traba-lhadores e da juventude.

André FerrariMembro do Diretório

Nacional do PSOL

O PSOL deve encarar as eleições municipais como uma grande opor-tunidade para transformar as deman-das dos movimentos sociais por mo-radia, transporte, condições de traba-lho e direitos humanos em um pro-jeto político global de esquerda, so-cialista e alternativo aos partidos da ordem, sejam eles governistas ou de oposição.

O partido deve construir suas can-didaturas como instrumentos a servi-ço das lutas sociais. As legítimas rei-vindicações dos movimentos sociais devem ser incorporadas aos progra-mas dos candidatos.

Vencer eleições, eleger compa-nheiros e companheiras ou obter bons resultados eleitorais, tem que ser uma consequência direta de nos-so compromisso com as lutas sociais e nossa capacidade de apontar uma alternativa socialista que entusias-me setores amplos da juventude e dos trabalhadores.

Apesar das dificuldades da con-juntura, das ilusões no ‘lulismo’ e do abuso do poder econômico nas grandes candidaturas burguesas, o PSOL pode obter bons resultados em vários municípios se mantiver a

coerência de seu projeto original de esquerda. O repúdio popular aos po-líticos de forma geral pode se rever-ter num ponto a favor do PSOL se o partido fortalecer seu perfil diferen-ciado, sua postura democrática pa-ra dentro e para fora e sua intransi-gência no combate aos poderosos.

Enquanto o PT de Dilma perdeu completamente o pudor e hoje cons-trói coligações vergonhosas pelo pa-ís afora, incluindo o PMDB do vice Michel Temer e o PSD de Kassab, o PSOL tem que mostrar-se como al-ternativa completamente diferente.

O PSOL não pode cair num prag-matismo eleitoral, que leva setores do partido a repetir fórmulas passa-das, de tão triste memória, que re-presentam uma verdadeira ameaça ao futuro da esquerda brasileira. As coligações com partidos governistas ou com legendas oportunistas pro-postas por setores da direção do par-tido devem ser rejeitadas pela mili-tância da mesma forma que a base do partido repudiou a coligação com Marina Silva em 2010.

Frente de Esquerda

O PSOL deve lutar pela constru-ção de Frentes de esquerda e dos trabalhadores em todos os municí-pios onde teremos intervenção nas eleições. O partido deve buscar o PSTU e o PCB, mas também os mo-vimentos sociais organizados e co-locar-se á disposição da construção de uma alternativa unitária dos tra-balhadores e da esquerda organiza-da no processo eleitoral e nas lutas cotidianas.

Os riscos do PSOL em São PauloA definição dos candidatos do

PSOL deve refletir um amplo de-bate democrático, de política, pro-grama e projeto, envolvendo a base militante do partido. O vale tudo e a guerra interna que temos visto na ci-dade de São Paulo representam uma grave ameaça ao futuro do partido.

O enfraquecimento progressivo do caráter militante do PSOL desde a sua fundação levou à situação ex-trema que vemos hoje em São Paulo.

De um lado temos visto um fun-cionamento essencialmente de cú-pula, de cima para baixo, baseado exclusivamente na busca de acor-dos entre as correntes majoritárias. Quando os acordos não se mostram possíveis, principalmente por inte-resses menores de poder interno e

não grandes temas políticos, o que vemos é uma disputa interna base-ada numa corrida de filiações mas-sivas e despolitizadas.

A ausência de critérios militan-tes minimamente aceitáveis para a participação na tomada de deci-sões abriu caminho para uma pro-gressiva “petização” do funciona-mento do PSOL nos Congressos e Conferências partidárias. O ris-co é grande.

A pré-candidatura de Odilon Guedes

É por essa razão que a corrente Liberdade, Socialismo e Revolução (LSR) defende a construção de um polo de esquerda socialista e clas-

sista no interior do PSOL, como uma alternativa às práticas e às polí-ticas que os setores majoritários do partido vem implementando.

Em São Paulo defendemos que a pré-candidatura do companheiro Odilon Guedes, apoiada por mili-tantes independentes, pelo compa-nheiro Plinio de Arruda Sampaio, além de correntes como o CSOL, Enlace, etc., seja um instrumento para a construção desse polo de es-querda mais coerente no método e na política.

A candidatura de Odilon Guedes tem que ser uma candidatura para levar até o fim nas prévias de São Paulo uma prática e um projeto do PSOL classista, de luta, democráti-co e socialista que queremos.

Page 3: Ofensiva Socialista n°09 - março/abril 2012

sindical • 3 Ofensiva Socialista n°09 março/abril - 2012

Greve nacional da educação tem que ser pra valerNos dias 14, 15 e 16 de mar-ço a Confederação Nacional dos Trabalhadores em Educa-ção (CNTE) está convocando a greve nacional da educação. Já não era sem tempo. Quando o assunto é educação o Brasil amarga uma das piores estatís-ticas do planeta.

Dimitri SilveiraProfessor de geografia na rede

municipal de São Paulo

A sexta maior economia do mundo convive com uma educação capenga que até hoje não conseguiu superar problemas históricos como o anal-fabetismo, a evasão escolar e a fal-ta de qualidade de ensino.

Devemos lembrar também que os professores brasileiros recebem salá-rios rebaixados e são obrigados a tra-balhar em condições precárias, com salas superlotadas, escolas sucatea-das e uma violência cada vez mais presente dentro do espaço escolar.

Este ano o Brasil poderia iniciar uma mudança para melhor na edu-cação, mas se depender do Plano Na-cional de Educação de Dilma Rous-seff nosso sistema educacional conti-nuará agonizando por mais dez anos.

Isso porque o PNE que deve ser votado na primeira quinzena de mar-ço não contempla a reivindicação dos profissionais em educação, que exigem o investimento de 10% do PIB no sistema educacional públi-co (atualmente o Brasil investe ape-nas 5% do PIB).

A proposta do governo federal é investir somente 7% do PIB até 2020! Mas, se levarmos em conta

os cortes a educação já praticados pelo governo Dilma (cerca de R$ 5 bilhões em 2011/12), não podemos esperar nem mesmo esses 7%.

Só a luta pode salvar a educação

Entre janeiro e setembro do ano passado ocorreram cerca de 300 pa-ralisações – 55% delas no setor pri-vado e 45% no público. Entre essas lutas merece destaque as greves dos profissionais de educação que atin-giram mais de vinte estados e o dis-trito federal. No caso de Minas Ge-rais a greve durou 112 dias!

Apesar de não ocorrerem de for-ma unificada, as greves da educação em 2011 conquistaram vitórias im-portantes, como foi o caso do Rio de Janeiro, onde os profissionais conse-guiram o descongelamento do pla-no de carreira, incorporação de gra-tificações aos salários, reajuste sa-larial, etc.

Além das greves, a realização do Plebiscito Popular para aplicação de 10% do PIB na educação também re-presentou uma importante luta em defesa do ensino público.

Mas as lutas de 2011 poderiam ter avançado muito mais se houvesse uma ampla campanha nacional que unificasse as greves em curso e lu-tasse para que os 10% do PIB fos-sem implementados imediatamente.

A CNTE abriu mão dessas lutas, não ajudou a construí-las e com is-so perdemos uma oportunidade de ouro para colocar a luta em defesa da educação como centro do debate político nacional.

A ausência da CNTE nas greves e

mobilizações do ano passado mos-tra que a entidade abandonou a luta e passou a defender a política edu-cacional do governo federal.

O papel da CNTE

O exemplo mais emblemático dis-so são as contradições da CNTE em relação à greve nacional da educação convocada para março. Se depender da CNTE, a greve terá como objetivo principal reivindicar que se cumpra o piso salarial do magistério defen-dido pelo governo, que este ano foi definido em R$ 1.451 para uma jor-nada de 40 horas semanais. O mais estranho é que a própria CNTE de-fende um piso salarial de R$ 1.937; superior, portanto, ao piso defendi-do pelo governo. Ora, então por que a entidade defende o piso do gover-no e não o seu próprio piso salarial?

A lei do piso nacional do magisté-rio é o que podemos chamar de po-

lítica para inglês ver. Das 27 unida-des da federação, 17 não cumprem o piso desde quando a lei foi apro-vada há mais de três anos. O que acontece com prefeitos e governa-dores que não cumprem a lei do pi-so? Nada. O ministério da educação alega que não pode obrigar que Es-tados e municípios cumpram a lei!

E o que faz a CNTE sobre esse acintoso desrespeito à lei? Ela re-comenda que os sindicatos ligados a educação entrem na justiça! Mas se nem mesmo o ministério da edu-cação consegue fazer com que a lei seja cumprida, o que dizer dos sin-dicatos. Esse imbróglio nos revela que os professores estão largados à própria sorte e impõe a necessida-de de pensar a superação dos limi-tes da CNTE.

Os problemas educacionais brasi-leiros, entre eles a valorização dos profissionais em educação, só po-dem ser resolvidos com mais inves-

timento no sistema educacional pú-blico. Pagar salário digno, equipar escolas, garantir materiais pedagó-gicos e toda a infraestrutura neces-sária para o bom funcionamento da educação pública demanda dinheiro. O grande problema é que o dinheiro do estado brasileiro é desviado para beneficiar alguns poucos banqueiros, especuladores e empresários que lu-cram fabulosas quantias com o rece-bimento dos juros da dívida públi-ca brasileira.

Governo prioriza pagamento de juros

aos bancos

De acordo com o Instituto de Pes-quisa Econômica Aplicada (IPEA), entre os anos de 2000 a 2007 o es-tado brasileiro gastou R$ 1,267 tri-lhão com o pagamento de juros des-sa dívida pública. Ao longo do mes-mo período o governo federal desti-nou apenas 149 bilhões de reais pa-ra a educação. Isso mostra claramen-te que a preocupação dos governos que capitanearam o país nos últimos anos está voltada ao atendimento dos interesses do mercado financei-ro, causando, assim, imensos preju-ízos à educação pública.

Para que a greve nacional da edu-cação seja consequente com aqui-lo que a educação pública necessi-ta, devemos construí-la na perspec-tiva do aumento imediato de verbas, pelos 10% do PIB em educação já, e pelo não pagamento da dívida pú-blica. Só assim tocaremos as raízes dos problemas educacionais brasi-leiros que nos assombram há várias décadas.

Greves de policiais e bombeiros: Avanço ou retrocesso para a luta dos trabalhadores?Vimos muito claramente no úl-timo período o papel das for-ças policiais na repressão de trabalhadores que lutavam por seus direitos e na destruição de comunidades inteiras – co-mo foi o caso do Pinheirinho. Ao mesmo tempo, várias gre-ves dessas categorias aconte-ceram pelo país, reivindican-do melhores salários e condi-ções de trabalho. Seria correto que os trabalhadores em geral apoiassem uma greve daque-les que estão diretamente liga-dos à repressão?

Guilherme Camilo

As categorias militarizadas estão submetidas a um treinamento com grande carga ideológica de direita, ou seja, de defesa de um sistema opressor. Além disso, são submeti-dos a uma atividade concreta no dia a dia de ter a comunidade e os mo-vimentos sociais como seus gran-des inimigos.

Isso leva a uma situação na qual, se um movimento reivindicatório surge espontaneamente nessas categorias, ele tenda a se limitar à própria cate-goria e não se identificar com o res-

tante da classe trabalhadora, ou seja, seria um movimento que retrocede-ria ou tenderia para a direita.

Mas não podemos pensar nossa in-tervenção em nenhuma categoria a partir do que aconteceria espontane-amente em suas reivindicações. De-vemos sim aproveitar um momen-to de contradições, de conflito entre os trabalhadores militarizados e suas próprias instituições e comandos, pa-ra disputar suas consciências para al-go que é radicalmente oposto àquilo que aprendem e praticam no dia a dia.

Disputar a consciência

Devemos, portanto, evitar dois er-ros muito comuns da esquerda so-cialista em relação às greves de po-liciais e bombeiros. Primeiro, não podemos analisar de fora as ban-deiras e estratégias, pensar se avan-çam ou não na luta dos trabalhado-res e, analisando que são retrógra-das, decidir não apoiar. Um avanço para bandeiras de esquerda somen-te vai acontecer com a intervenção e disputa das consciências feitas por setores organizados do movimento sindical combativo ou da esquerda socialista. Portanto, ainda que ini-cialmente haja uma tendência de

que o movimento defenda bandei-ras de direita, precisamos disputar as consciências no movimento e re-verter a tendência.

Segundo, não podemos simples-mente apoiar as mobilizações co-mo se fossem em si um avanço, nos adaptando às reivindicações imedia-tas e não intervindo para que avan-cem na direção de construir uma identificação com a classe traba-lhadora. As greves de setores mili-tares demonstram uma contradição que coloca a burguesia em alerta, e devemos incentivar a quebra da hie-rarquia militar e a insubordinação para a divisão e consequente enfra-quecimento das forças repressoras. Garantir a vitória das lutas dos tra-balhadores passa também por de-sarticular e desorganizar a força de nossos adversários. Mas não pode-mos nos limitar a isso, e temos que avançar para ganhar os setores mi-litares para uma luta contra o siste-ma capitalista.

Mas como avançar?

As reivindicações imediatas das categorias militarizadas são de fa-to respostas a uma condição de vi-da com muitos problemas e, portan-

to, legítimas. Essas reivindicações podem ser respondidas por setores de direita, que defenderão melho-res condições para os policiais pra-ticarem a repressão. Mas a esquer-da também pode dar suas respostas e aproximar os interesses dos traba-lhadores fardados e os interesses da classe trabalhadora em geral.

Um ato de repressão policial acontece quando uma classe eco-nomicamente privilegiada precisa se impor sobre os trabalhadores usan-do a força. Mas a força que usam não é de seus próprios braços, mas sim uma força contratada de outros trabalhadores. E no conflito causa-do pela repressão, por mais que um dos lados esteja melhor armado e preparado que outro, ambos saem perdendo. Portanto, a melhora das condições de trabalho dos policiais passa também pela reivindicação de que esse tipo de conflito não mais aconteça, ou seja, de que a polícia não seja usada para reprimir outros trabalhadores.

Outra bandeira importante é o controle popular sobre a segurança pública. A polícia somente servirá para a segurança e não para repres-são se for controlada pelos traba-lhadores, e não pela minoria que os

explora. Mas essa bandeira também beneficiaria os próprios policiais, pois teriam uma condição de traba-lho muito melhor em uma comuni-dade em que seriam legitimados, e não estariam em uma condição de impor a seus semelhantes a vonta-de de um terceiro que os oprime.

Controle popular sobre a segurança pública

Essas reivindicações colocam em cheque o caráter central da polícia para a classe dominante, que é de re-primir. Portanto, são bandeiras que, além de contemplar a necessida-de imediata daqueles trabalhadores, criam uma identificação de classe e se chocam com o sistema.

A tradução em uma bandeira de caráter mais geral seria a desmili-tarização da polícia. A militariza-ção serve para que os policiais se-jam treinados para conflitos inten-sos, como guerras, e para que se-jam submetidos a uma rígida hierar-quia e ideologia por parte da classe dominante. Portanto, questionar a militarização também é questionar um pilar fundamental da sustenta-ção da polícia enquanto um apare-lho repressor.

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Pinheirinho, a batalha pela moradiaA desocupação do Pinheirinho pode ser vista como um dos momentos nos quais o “teci-do social” se rasga, mostran-do as entranhas do sistema ca-pitalista.

Aldo Barreto (LSR Vale do Paraíba)

O Estado na sua esfera de poderes municipal e estadual agiu no âmbi-to do executivo e judiciário, usando do artifício do engano e da traição, sem amparo da lei, para atacar aqui-lo que juridicamente deveria defen-der. Bens como a dignidade huma-na, o direito a moradia, a integridade física, psicológica e o patrimônio de cerca de seis mil pessoas, foram ig-norados em favor dos interesses de um conhecido criminoso de colari-nho branco e da especulação imobi-liária da região.

Em outras palavras o Estado não só derrubou a máscara, mas foi além, mostrando a sua faceta mais autori-tária e violenta, quando defende os interesses dos ricos burgueses contra o dos trabalhadores pobres.

A reação ao ataque

Na véspera da desocupação o cli-ma era de festa. A resistência dos moradores obteve conquistas, avan-çando na busca de apoios. Parecia concreta a possibilidade de desapro-priação da área e regularização das moradias num prazo relativamente curto. Esta era a avaliação dos mora-dores e da militância diretamente en-volvida, pautada também nos avan-ços da negociação, que contava com o apoio de parlamentares apoiadores do Pinheirinho.

A realidade mostrou que tínhamos dois erros fundamentais: confiança na via institucional e no cumprimen-to de acordos pelos representantes do Estado burguês. Erro este com-partilhado por todas as forças polí-ticas envolvidas na luta do Pinhei-rinho. Tal balanço se faz necessário para o aprendizado, a fim de evitar que o erro se repita no futuro.

Todavia, um fator positivo, fruto da resistência dos moradores do Pi-nheirinho, foi a rápida articulação da esquerda organizada e dos setores mais amplos da sociedade. Defenso-res dos direitos humanos, profissio-

nais de diferentes áreas que denun-ciaram as arbitrariedades que acon-teciam em São José dos Campos, o cidadão comum indignado com a in-justiça tomou partido. O fato reper-cutiu no país e no mundo, mesmo contra toda uma corrente reacionária conduzida pela maioria da impren-sa oficial. No sentido de divulgação vale ressaltar a importância que te-ve as redes sociais para furar o cerco midiático e o bloqueio à informação imposto pelas autoridades.

Diante da pressão o governador de São Paulo teve que dar explica-ções e anunciar uma bolsa aluguel para os desalojados, numa tentativa de diminuir o desgaste político que tiveram, possivelmente além de seus próprios cálculos.

Unidade de esquerda e apoio na sociedade

A reação ao ataque teve seu mo-mento de maior expressão num ato público nacional que levou cerca de 5 mil pessoas às ruas de São José dos Campos no dia 02 de fevereiro. Sem dúvidas um dos maiores atos da história do município. A esquer-da combativa, ainda hoje fragmen-tada na sua organização sindical e de movimentos populares, agluti-nada em pequenos partidos e orga-nizações, uniu-se incondicionalmen-

te para combater o ataques da bur-guesia.

É muito provável que mais de um milhão de pessoas somente no Vale do Paraíba tenha recebido informa-ções sobre o Pinheirinho e se posi-cionado acerca dos acontecimentos. Alguns milhares participaram de al-guma forma na defesa do Pinheiri-nho e posteriormente dos desaloja-dos. Diversos protestos foram reali-zados no Brasil e no mundo. Passe-atas, panfletagens, protestos de artis-tas em eventos oficiais, denúncia nos parlamentos, denúncia de violação dos direitos humanos à OEA e à Cor-te Penal Internacional encaminhadas por manifesto de juristas, vídeos de-núncia que circularam também inter-nacionalmente, ativismo na internet, campanha de solidariedade aos desa-lojados, entre outros, revelam a di-mensão que assumiu esta luta.

Frente a essa mobilização a prin-cipal bandeira levantada foi a de de-sapropriação imediata da área do Pi-nheirinho através de decreto presi-dencial. No entanto, nenhuma ati-tude neste sentido foi tomada. Uma desapropriação da área seria uma vi-tória grandiosa para a classe traba-lhadora e representaria risco para os projetos das grandes empreiteiras e setores da especulação imobiliária, sobretudo aos relacionados às obras dos megaeventos esportivos. Não

podemos ignorar o fato de que as desocupações serão regras nos pró-ximos anos e tudo isso com o apoio da presidência.

Odebrecht, Andrade Gutierrez e Carvalho Hosken formaram o consór-cio ganhador da licitação para cons-trução do “Parque Olímpico”, pre-visto para ser construindo no Rio de Janeiro numa área onde vivem cerca de 4 mil pessoas de uma comunida-de pobre chamada Vila Autódromo.

Não por acaso são grandes finan-ciadores de campanhas eleitorais da-queles que governam e governarão de acordo com os interesses econô-micos destas construtoras. A desocu-pação desta área está prevista, mas a contrapartida de moradia dignida-de para aqueles que lá vivem não faz parte do projeto.

Pinheirinho hoje

Os cerca de 6 mil moradores de-salojados do Pinheirinho, que não ti-veram a precária solução de irem pa-ra casa de familiares, despreparadas para isso, foram encaminhados para “alojamentos” sem nenhuma estru-tura para cumprir esta função. A tá-tica adotada pelo Estado, que conti-nuou desrespeitando direitos bási-cos de milhares de crianças, velhos, homens e mulheres, foi de dispersar as pessoas afim de evitar um desgas-

te maior para sua própria imagem.Foram “montados” diversos “abri-

gos” que aos poucos foram se esva-ziando, em parte por conseguirem, com muitas dificuldades, algum lu-gar para morar com o auxilio da bol-sa aluguel. Atualmente resta somen-te um desses chamados abrigos. A prefeitura pretende transferi-las pa-ra o alojamento central da cidade, no qual dividirão espaço com morado-res em condição de rua que diaria-mente dormem lá. Nenhuma assis-tência maior foi prestada às famílias que ainda contam com solidarieda-de para terem itens básicos à vida.

Um dos imensos estragos causa-dos foi o dano psicológico à milha-res de crianças que presenciaram a violência policial e tiveram suas ca-sa destruídas. Estas precisam de um acompanhamento psicológico ime-diato. Portanto, há necessidade de continuar a luta e toda rede de apoio para reparar os danos causados, pu-nir os responsáveis por esta barbá-rie e avançar num sentido definitivo da conquista da moradia digna para os Pinheirenses.

Novos Pinheirinhos

A luta por moradia para os tra-balhadores é histórica e ganha no-vos impulsos. O MTST realizou em Embú das Artes e Santo André duas ocupações com mais de 1,2 famílias, chamadas de “Novo Pinheirinho”. A Vila Autódromo já está organizada para resistir ao futuro despejo assim como outros tantos programados em todo Brasil. Sem dúvida a resistência do Pinheirinho serviu de exemplo e tem contribuído para chamar a aten-ção para ausência ou ineficácia das políticas públicas de moradia popu-lar e o verdadeiro massacre progra-mado contra muitos trabalhadores pobres em favor dos grandes inte-resses econômicos. Tais fatos apon-tam para uma maior polarização da luta de classe no terreno dos movi-mentos urbanos por moradia. Pre-parar para as futuras batalhas neste campo é tarefa fundamental das mu-lheres e homens que lutam por uma sociedade justa e socialista.

Apoiamos e continuaremos apoiando cada uma dessas lutas em busca da moradia e de condições dig-nas de vida para toda classe traba-lhadora. Somos todos Pinheirinho!

Março Vermelho – novos Pinheirinhos virão!Após a violenta reintegração de posse dos moradores da ocupação do Pinheirinho, em São José dos Campos, levada a cabo por mais de 2 mil ho-mens da tropa de choque de São Paulo, os movimentos po-pulares combativos de todo pa-ís, organizados na Frente de Resistência Urbana, elegeram o mês de março como o mês para denunciar a violência po-licial, o papel nefasto da justi-ça burguesa, a criminalização dos movimentos sociais e in-tensificar a luta pelo direito a moradia.

José Afonso da Silva

O Março Vermelho, como vem sendo chamada a jornada de lutas dos movimentos populares, teve iní-cio na madrugada do dia 02 de mar-

ço, com duas ocupações simultâne-as organizadas pelo MTST (Movi-mento dos Trabalhadores Sem Te-to), uma em Embu das Artes (região sul da Grande São Paulo) e outra em Santo André, no ABC.

Não esqueceremos os crimes contra

o Pinheirinho

No despejo violento e ilegal do Pinheirinho, onde a polícia lançou mão de bombas de efeito moral, gás lacrimogêneo, balas de borracha, espancamentos, prisões de mora-dores e até estupros de moradoras, contou com a ordem direta do go-vernador Geraldo Alckmin/PSDB e do presidente do Tribunal de Justi-ça de São Paulo.

Para que nunca se esqueçam dos graves crimes cometidos pelos po-licias, tucanos e pela justiça paulis-

ta é que as duas ocupações foram batizadas com o nome de Novo Pi-nheirinho.

A ocupação Novo Pinheirinho de Embu das Artes, num terreno do CDHU com cerca de 450 mil m2, conhecido como Roque Valente, foi ocupada por cerca de 750 pessoas, em poucos dias já contava com mais de mil famílias. O que explicita o gri-tante déficit habitacional da região.

Esse terreno, reservado para a construção de moradias populares a mais de 20 anos, hoje serve apenas para desova de cadáveres, estupros, uso de drogas e assaltos.

A polícia tentou retirar as famílias do terreno ainda no dia 03 de mar-ço (sábado), mas a resistência das pessoas e a negociação envolven-do o CDHU e o prefeito do municí-pio evitaram que acontecesse o pior.

Na ocupação Novo Pinheirinho de Santo André, cerca de 500 famílias,

a maioria da antiga ocupação Nova Palestina, ocuparam o terreno parti-cular de cerca de 50 mil m² no Jar-dim Santa Cristina.A ocupação se deve ao fato da CDHU, Caixa Eco-nômica Federal e prefeitura não te-rem cumpridos os acordos firmados em 2010 para a construção de 400 habitações neste mesmo terreno.

Déficit habitacional

O déficit habitacional de San-to André é de 25 mil moradias, um dos mais altos da região metropoli-tana de São Paulo. Não por acaso a massificação da ocupação cresce a cada hora.

Estas duas ocupações foram ape-nas o início da jornada de lutas do Março Vermelho, muitas outras ocu-pações e manifestações estão pro-gramadas para ocorrerem durante todo o mês.

Agora no dia 08 de março, os acampados do MTST de todo o es-tado de São Paulo estarão celebran-do o Dia Internacional da Mulher em frente o Comando Geral da PM, para exigir a prisão dos policiais envol-vidos no estupro das moradoras do Pinheirinho.

O Março Vermelho demonstra que a luta pela moradia, está intrinseca-mente ligada a luta contra o abuso de autoridade da policia, contra a criminalização dos movimentos so-ciais, da pobreza e na defesa do fim da violência contra a mulher.

A vitória dos Novos Pinheirinhos depende e muito da solidariedade de todos os ativistas dos sindicatos, partidos comprometidos com os tra-balhadores e de todos que defendem o direito à moradia. Toda contribui-ção é importante, seja ela financei-ra, doações de roupas e alimentos ou mesmo a visita aos acampamentos.

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movimento • 5 Ofensiva Socialista n°09 março/abril - 2012

Terra Livre Paraíba

Perseguição após luta vitoriosa por moradiaA Paraíba apresenta um défi-cit habitacional de aproxima-damente 200 mil moradias (da-dos da FGV, 2006). Nada de di-ferente do resto do país. Na ca-pital, João Pessoa, o mercado imobiliário está em alta, com grandes empreendimentos de moradia da classe média alta e da burguesia. Ainda pipocam resorts e hotéis luxuosos nas praias onde ainda existe uma natureza exuberante e comuni-dades tradicionais. Mas as pe-riferias crescem caoticamente com favelas extremamente pre-carizadas e enchentes frequen-tes, já que o local que sobra para o pobre é a beira do rio.

Terra Livre-PB

O Terra Livre – Movimento Popu-lar do Campo e da Cidade – está orga-nizando a luta de algumas destas co-munidades que são esquecidas pelo Estado. Nem durante as inundações a prefeitura está presente e, quando aparecem, é para trocar um barraco por auxílio-aluguel. Trinta e cinco famílias do Rio da Bomba, no bairro do Padre Zé, sofrem com as chuvas e, há um ano, estão sob ação civil públi-ca da União com ameaça de despejo por viverem em área de manguezal. Até a Polícia Federal apareceu para ameaçar os moradores!

Após muitas ocupações na Prefeitura

e fechamento de avenida, conquistamos 24 casas! Além disso, um terreno gran-de foi desapropriado, após muita pres-são na Secretaria de Habitação, e esta-mos em cima para que as obras come-cem rapidamente. A luta vai continuar e o movimento continua crescendo em diversas comunidades próximas, visan-do uma ocupação em breve.

“Envolvido na política”

O companheiro Sérgio é um gran-de combatente que esteve na frente desta luta, militante da LSR e Terra Livre. Ele era funcionário contrata-do pela Prefeitura e trabalhava como coveiro. Como vingança da Prefei-tura por causa desta vitória que ar-rancamos na marra, ele foi expulso de seu trabalho e não teve o contra-to renovado, com o argumento, da boca de seu próprio chefe, de que ele estava “envolvido em política”.

A prefeitura de João Pessoa passou por cima de todos os direitos traba-lhistas dele, já que ele encontrava--se afastado por consequência de um acidente de trabalho. Devido ao aci-dente, foi realizada uma cirurgia de-licada em sua coluna vertebral, que o deixou incapacitado de realizar suas tarefas. Ficou um ano parado e, du-rante todo esse tempo, a prefeitura lhe negou licenças e não reconheceu o acidente de trabalho e obrigou-o a trabalhar, muitas vezes sendo acu-sado de estar inventando suas dores.

É de total conhecimento e aceito pela sociedade paraibana o uso elei-toral que os partidos burgueses, co-mo o PSB (que dirige a Prefeitura e o Estado), fazem das instituições pú-blicas, usando-as como extensões de seus Comitês de campanha, usando os servidores públicos para as elei-ções, e demitindo qualquer um que não entre neste jogo podre. Da mes-ma forma, chegam a dar casas do Mi-nha Casa Minha Vida para apadrinha-dos, familiares, amigos e servidores puxa-sacos. Uma funcionária de con-fiança deles, Sra. Edith, ameaça famí-lias pobres de tirar o auxílio-aluguel caso se envolvam com o movimento.

O movimento está divulgando es-tes absurdos na imprensa e nos mo-vimentos sociais de João Pessoa. A massa de trabalhadores pobres está revoltada e necessitando de moradia. O Terra Livre será mais uma organi-zação fazendo crescer a luta dos tra-balhadores em João Pessoa e vai até o fim pelos direitos de Sérgio.

✔ Basta do uso eleitoral do patrimônio público e da prefeitura!

✔ Pagamento de todos os direitos trabalhistas ao companheiro Sérgio!

✔ Continuamos lutando (apesar dos ataques rasteiros) pela justiça social, por moradia e o socialismo!

Barcas S/A e governo do Rio: tudo pelo lucroO transporte público no Brasil tem sido alvo da ganância de empresários há muito tempo. A década de 1990 foi um perí-odo de alegria para os empre-sários que passaram a tirar fartos lucros com a privatiza-ção dos transportes.

Reginaldo Costa

Pagamos três vezes: pagamos impostos, depois pagamos de no-vo quando pagamos altas tarifas e de novo quando o governador do estado dá polpudas ajudas financei-ras às empresas de transportes. Em Niterói (RJ) não é diferente. Pre-feitos e governadores foram eleitos com dinheiro dessas empresas e fa-zem um verdadeiro acordo mafio-so - quem paga o pato são os tra-balhadores!

As barcas de Niterói cumprem um papel fundamental no sistema de transporte da cidade e de cida-des vizinhas diante do fluxo inten-so cruzando a Baía de Guanabara. Apesar de tamanha importância so-cial, o que o governo do estado faz é explorar o transporte das barcas como um negócio apenas.

Privatização e promessas furadas

As barcas foram privatizadas em 1998 e, naquele período, tinham uma das tarifas mais baratas, R$ 0,90. De lá para cá a promessa de melhoras nos serviços nunca se concretizaram, mas os reajustes sempre foram constantes e acima dos índices de inflação. Acidentes contínuos, aumentos de tarifa, fi-las imensas, calor nas barcas são apenas alguns dos problemas en-frentados pelos passageiros coti-dianamente.

A grande maioria dos acordos contratuais assinados pela empre-sa, que naquela época era o gran-de motivo alegado para a privati-zação, foram esquecidos e deixa-dos na gaveta, tais como: aumento da frota proporcional ao número de passageiros, abertura do porto em São Gonçalo, melhoria das condi-ções de serviço e tantas outras pro-messas que nunca se efetivaram.

Mas o que a Barcas S/A ga-nhou? Das vinte embarcações, apenas sete foram compradas pela empresa; obteve isenção de ICMS, um presente de R$ 3 mi-lhões por ano; cancelou a traves-sia durante a madrugada; ganhou outro presente de R$ 350 milhões para comprar novas embarcações, mesmo que, segundo o contra-to que assinou com o governo do estado isso seja obrigação da empresa. Tudo isso sem a menor transparência contábil.

A população ficou ainda mais re-voltada quando a Assembleia Le-gislativa do Rio de Janeiro aprovou um reajuste de mais de 60% na ta-rifa, passando de 2,80 para 4,50.

Mais uma vez temos um reajuste

irreal para o poder de consumo da população, já que nossos salários não aumentaram nesta proporção. O que é apresentado como “des-conto” de R$ 1,40 para quem usa o bilhete único, na realidade é mais um prêmio dado pelo governador Sergio Cabral (mais de R$ 30 mi-lhões) para as Barcas S/A com o dinheiro público.

O descontentamento das pessoas diante de tamanha ganância se ex-pressou em uma sucessão de ma-nifestações protagonizadas pelos trabalhadores nas barcas. A Plená-ria de Movimentos Sociais de Ni-terói, o PSOL e muitos trabalhado-res indignados se uniram para pro-testar cotidianamente contra o abu-so do governo do estado. A popu-lação foi muito receptiva e as mo-bilizações cresceram, resultando num abaixo-assinado com mais de 25 mil assinaturas.

Como se não bastasse, a Barcas S/A passou a atacar a democracia com o apoio do governo do esta-do. Acuados pela população, a Bar-cas SA entrou na justiça contra as mobilizações acusando os protes-tos de “incitação e apologia ao cri-me”. Depois intimou juridicamen-te o PSOL e o professor Henrique Monnerat, que ficou conhecido por postar vídeos e fotos de denúncia contra as Barcas S/A, a pagar uma multa de R$ 5 milhões, caso hou-vesse algum conflito no ato do dia 1º de março.

A violência vem do outro lado

O vídeo do professor Henrique, postado na internet, mostra clara-mente quem é que é violento: os seguranças da Barcas S/A, que o agarram simplesmente por se ma-nifestar contra o aumento abusi-vo da tarifa. Inclusive o movimen-to estudantil também passou a ser alvo de criminalização, quando o Centro Acadêmico de História da UFF foi invadido por policiais sem mandado de justiça, em busca de supostas provas que incriminassem o movimento.

Apesar disso, o movimento con-tinua e serão mandadas as mais de 25 mil assinaturas para o ministé-rio público a fim de averiguar a ir-regularidade do aumento. Os mo-vimentos sociais da cidade também se organizam para lutar pelo direi-to de livre manifestação.

A grande mídia vende a ideia que o problema é pontual, que os lucros foram baixos e, por isso, deveriam aumentar mesmo, ainda que numa porcentagem menor. Em alguns ca-sos, critica dizendo que a solução é trocar de empresa para adminis-trar a melhor a concessão.

Não podemos cair nessa! O transporte tem que ser público de fato. O transporte deve ser estatiza-do e, sob o controle dos trabalhado-res, deve voltar-se para as necessi-dades sociais de ir e vir da popula-ção. Essa luta é de todos!

Terra Livre Goiás ocupa 3 fazendas e uma usinaDurante o período de Carnaval, enquanto a folia se estendia pelas ruas, a luta do campo se intensificava. Na madrugada de domingo dia 19 de fevereiro 50 famílias, organizadas pelo Mo-vimento Terra Livre, ocuparam a fazenda Três Nascentes, lo-calizada a 300 km de Goiânia.

Renata Nery

A fazenda está em execução na Justiça pelo Banco do Brasil, foi a leilão várias vezes sem haver com-prador, estando abandonada há mui-to tempo. Há tempos reivindicamos a intervenção do INCRA, porém não houve o devido encaminhamento. A ocupação é vital para que o INCRA encaminhe já a vistoria da fazenda e entre em contato com o Banco do Brasil, para arrecadar esta fazenda e transformar num Assentamento.

No Sudoeste/GO, na madrugada seguinte, dia 20/02, 60 famílias ocu-param a segunda área na região, a Fazenda Centenária, localizada em Itajá, a 410 km de Goiânia, que tem previsão de ir a leilão em Abril. Na mesma região o movimento ocupou a Fazenda Santa Maria, a 460 km da capital, com cerca de 100 famílias. Essas áreas, também abandonadas e em litígio, estão em execução judi-cial pela Fazenda Pública Nacional.

Dando continuidade a onda de lu-tas e ocupações, na madrugada de 26/02 80 famílias ocuparam a Usina Paranaíba, no município de Paranaí-

ba/MS, a 460 km da capital Campo Grande. A Usina faliu e teve os bens penhorados pela justiça em favor do Banco do Brasil. Com área de 922 hectares, está totalmente abandona-da. Além das dívidas com o BB, os antigos proprietários também devem para fornecedores e para ex-funcio-nários, que esperam os bens da usi-na serem leiloados para receberem suas dívidas trabalhistas.

O Movimento Terra Livre inten-sificará as Ocupações cobrando do

Poder Público a retomada da Refor-ma Agrária, paralisada desde o iní-cio do Governo Dilma. Exigimos a intervenção do INCRA, junto à Jus-tiça, ao Banco do Brasil e à Fazen-da Pública para arrecadar essas ter-ras para a reforma agrária. No caso de Paranaíba/MS, a luta é para que justiça também indenize os trabalha-dores da então usina falida.

A Ocupação é única forma de ser-mos ouvidos e de denunciar os Lati-fúndios improdutivos!

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6 • especial: CSP-Conlutas Ofensiva Socialista n°09 março/abril - 2012

O I Congresso da CSP-Conlu-tas será realizado de 27 a 30 abril na cidade de Sumaré, São Paulo. O Bloco de Resistên-cia Socialista – Sindical e Po-pular (BRS), do qual os militan-tes da LSR fazem parte, partici-pará deste Congresso com a Te-se “Construir a unidade da clas-se trabalhadora da cidade e do campo para derrotar os ataques de patrões e governos”.

Miguel LemeDiretor da Apeoesp pela

Oposição Alternativa e membro da Secretaria Executiva

Nacional da CSP-Conlutas

Este Congresso ocorrerá num con-texto de agravamento da crise econô-mica mundial na Europa e de desace-leração nos EUA e China.

O Brasil, apesar de vivermos uma situação econômica diferente da Eu-ropa, também foi palco de muitas lu-tas em 2011. Entretanto, elas ocorre-ram de forma fragmentada.

Para nós, as tarefas fundamentais da CSP-Conlutas é a de combater as ilusões no “lulismo’, contribuir pa-ra a unificação das lutas e continuar investindo no processo de reorgani-zação para que a classe trabalhado-ra brasileira tenha uma Central Sin-dical e Popular efetivamente unitária para respondermos de forma conse-quente aos ataques dos patrões e dos diversos governos.

A seguir, apresentamos um resumo dos principais pontos da tese do Blo-co de Resistência Socialista – Sindi-cal e Popular (BRS).

Conjuntura

No Brasil, o governo Dilma, se-gue a tendência internacional, com aperto fiscal e demais medidas con-tracionistas depois da farra de paco-tes de ajuda e estímulo adotados em 2008/2009.

O corte de R$ 50 bilhões em 2011 e R$ 55 bilhões em 2012 representam

um choque de realidade depois da de-magogia eleitoral de 2010.

O PIB brasileiro cresceu abaixo de 3% em 2011. A continuidade do crescimento econômico em patama-res comparáveis aos de 2010 esbarra em contradições estruturais da econo-mia brasileira e sua inserção no capi-talismo mundializado.

Ao contrário do que declarou du-rante o período da campanha eleito-ral, Dilma já começou a implementar uma terceira contrarreforma da pre-vidência, incluindo a adoção da ida-de mínima e outros ataques aos tra-balhadores.

Campanha contra a criminalização dos

movimentos sociais

O massacre ocorrido no Pinheiri-nho chocou a população brasileira pela forma brutal em que 1,6 mil fa-mílias foram agredidas e tiveram as suas casas destruídas.

A ação violenta por parte do esta-do brasileiro no Pinheirinho está in-serida dentro de um contexto de au-mento da criminalização dos movi-mentos sociais.

Os despejos se somam às mortes no campo, às repressões na obras do PAC e para a realização dos megae-ventos como a Copa do Mundo e as Olimpíadas; e as ações de higieniza-ção social, como foi o caso na região da cracolândia, em São Paulo.

Em vista disso, é necessário que a CSP-Conlutas retome e implemente junto à outras entidades e movimen-tos sociais, uma forte Campanha Na-cional contra a Criminalização dos movimentos sociais.

Eleições 2012

Diante do novo cenário nacional, as eleições de 2012 são um momen-to chave para fortalecimento da es-querda socialista no país.

As crises políticas e escândalos de corrupção que atingem várias cida-

des do porte de Campinas e Taubaté (SP), Niterói (RJ), Natal (RN), etc., são uma indicação das contradições e fragilidades das classes dominan-tes em relação ao poder local.

A CSP-Conlutas deve intervir no processo eleitoral levantando as de-mandas dos trabalhadores em torno de problemas locais concretos, co-mo a moradia, a saúde pública, edu-cação, o conjunto dos serviços públi-cos e a situação dos servidores. De-ve fazer isso apoiando iniciativas que impulsionem a construção de Frentes de Esquerda e dos trabalhadores, en-volvendo ativistas e movimentos so-ciais combativos e independentes do governo e dos patrões.

Balanço do Conclat

Não tem como fazermos um balan-ço pleno da CSP-Conlutas neste qua-se dois anos de existência, sem an-tes analisarmos o desfecho do Con-clat que foi o espaço que deu origem a nossa Central.

A divisão no Conclat foi uma der-rota para classe trabalhadora brasi-leira. A ruptura foi em grande parte, responsabilidade do setor majoritário do Conclat (PSTU) que insistiu até o fim, mesmo diante da recusa da Inter-sindical, que o nome da nova central fosse “Conlutas-Intersindical - Cen-tral Sindical e Popular”.

Ao mesmo tempo, não concorda-

mos com a postura das correntes da Intersindical, da Unidos e outros se-tores de abandonar o Congresso.

A CSP-Conlutas deve ser a cam-peã da defesa da repactuação com os setores que abandonaram o Con-clat e com os outros setores que sur-jam com a nova conjuntura de lutas.

Como parte desse processo, pro-pomos a mudança do nome da cen-tral para Central Sindical e Popular. Independente do balanço que possa-mos ter dos motivos que provoca-ram a ruptura ocorrida no Conclat, o debate sobre a questão do nome as-sumiu um papel importante naque-le Congresso.

A mudança do nome neste Con-gresso, destravaria todo o processo de reorganização, pois permitiria que muitas entidades e movimentos que estão fora e reivindicam esta mudan-ça pudessem participar de forma ple-na da nossa Central e poderá contri-buir para que a nossa Central seja um polo de atração efetivo diante do go-vernismo das centrais pelegas e seja uma alternativa para o conjunto da nossa classe.

A intervenção da CSP-Conlutas

nas lutas

Apesar de ser uma força minori-tária dentro do movimento sindical e popular, a CSP-Conlutas interveio

em todas as lutas que houve no país desde a sua fundação.

No segundo semestre de 2010 apoiou a Jornada Nacional de Luta contra os despejos promovida pela Frente Nacional Resistência Urbana.

No início de 2011 esteve ao lado dos trabalhadores da construção civil que se rebelaram contras más condi-ções de trabalho nas obras de constru-ção das hidrelétricas de Jirau, Santo Antônio e no Porto de Suape.

Prestou solidariedade ativa ao mo-vimento dos bombeiros do RJ e deu a batalha pela unificação da luta dos servidores federais contra a política de arrocho do governo Dilma. Este-ve presente em todas as 28 greves e mobilizações dos trabalhadores da educação básica do país.

Procurou construir a unidade das campanhas salariais do segundo se-mestre de 2011 como metalúrgicos e petroleiros, com destaque para as gre-ves de correios e bancários.

Para potencializar o processo de unificação de todas essas lutas, cons-truiu um espaço de unidade de ação com outras entidades do movimento sindical e popular que implementou de forma vitoriosa, a Jornada Nacio-nal de Lutas que foi realizada no perí-odo de 17 a 26 de agosto do ano pas-sado, sendo que seu ponto maior foi a marcha à Brasília que foi realizada no dia 24 de agosto e que teve a par-ticipação de mais de 20 mil pessoas.

Como parte da luta por mais ver-

I Congresso da CSP-ConlutasConstruir a unidade da classe trabalhadora da cidade e do

campo para derrotar os ataques de patrões e governos

Bancada do BRS – Sindical e Popular no Conclat

CSP-Conlutas na luta dos trabalhadores por seus direitos

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especial: CSP-Conlutas • 7 Ofensiva Socialista n°09 março/abril - 2012

A saúde dos trabalhadores deve ser uma prioridade sindicalA última estatística sobre aci-dentes e doenças do traba-lho divulgada pelo Ministério da Previdência e Fundacentro, aponta que cerca de 800 mil trabalhadoras e trabalhado-res se acidentam ou sofre al-gum tipo de doença do traba-lho anualmente no Brasil. Des-tes, quase 3 mil morrem. Em média, são 8 mortes por dia, e em cada 2 minutos, 3 aci-dentes e doenças do trabalho acontecem no Brasil.

Joaquim Aristeu (Boca)Cipeiro na AmBev-Jacareí e

membro da Executiva Estadual da CSP-Conlutas em São Paulo

Isto não leva em consideração os milhares de acidentes de trabalho que não são comunicados e as do-enças contraídas nos locais de traba-lho, que na maioria das vezes, não são reconhecidas pelo INSS.

Esta triste estatística tem um cul-pado: a ganância pelo lucro.

Os patrões para competirem no mercado, tentam de todas as formas, aumentar e baratear a sua produção. Para isso, aceleram cada vez mais a reestruturação da produção atra-vés da polivalência, fazendo com que os trabalhadores executem tra-balhos em várias máquinas ou exe-cutem várias funções. Aumentam o ritmo de trabalho e ampliam o ban-co de horas.

O ambiente de trabalho tem se tornado mais impróprio para a exe-cução do trabalho no dia-a-dia. A exigência dos programas de quali-dade total e as avaliações individu-ais junto com o assédio moral, tor-naram-se práticas comuns na maio-ria dos locais de trabalho.

A CSP-CONLUTAS se diferencia

As demais centrais sindicais, co-mo CUT e CTB, que no passado procuravam organizar os trabalha-dores através das Cipas, comissões de saúde dentro dos locais de tra-balho, abandonaram este trabalho.

Hoje, aceitam banco de horas, fle-xibilização de direitos e estreitam cada vez mais suas relações e apoio a reestruturação produtiva. Os pro-gramas de Participação nos Lucros e Resultados (PLR) atrelados a me-tas de produção e qualidade abusi-vas fazem com que os patrões se sintam a vontade para explorar ca-da vez mais os trabalhadores e tra-balhadoras. Com isso, proliferam os acidentes e as doenças no trabalho.

A CSP-CONLUTAS através de suas entidades filiadas, minorias e oposições vêm desenvolvendo um trabalho, que mesmo incipiente, tem tido resultados muito positivos.

Vem participando das Cipas, dan-do formação aos cipeiros eleitos, re-alizando seminários, denunciando a política de reestruturação produ-tiva das empresas, realizando atos e panfletagens nos dias 28 de feve-reiro (Dia Mundial de Luta contra a LER/DORT) e o dia 28 de abril (Dia Internacional de Luta em me-

mória das vitimas de acidente e do-enças do trabalho).

Um importante avanço da CSP--CONLUTAS foi a criação do se-torial nacional de Saúde dos Traba-lhadores e a ramificação destes se-toriais pelos estados e regiões on-de já existem iniciativas muito po-sitivas em Minas Gerais, Ceará e São Paulo.

Dilma colocam o INSS a serviço dos patrões

Em governos ditos dos trabalha-dores, era de se esperar que pelo menos a saúde dos trabalhadores fosse tratada em melhores condi-ções que nos governos anteriores. Só que isso só ficou na esperan-ça. Em seu primeiro mandato, Lu-la criou a famigerada “alta progra-mada”, um verdadeiro martírio à vi-da dos trabalhadores e trabalhado-ras. Até hoje, milhares de trabalha-dores e trabalhadoras são vítimas desta política que só beneficia os patrões e o governo.

Depois veio o nexo causal epi-medilógico. Neste nexo, que deve-ria ajudar a caracterizar as doenças nos locais de trabalho, foi incluído um item que permite que os patrões demitam os trabalhadores duran-te o decorrer do processo de reco-nhecimento se é ou não doença do trabalho. Com isso, muitas empre-sas demitem trabalhadores doentes, negando a estabilidade concedida em doenças adquiridas no trabalho.

É necessário que a CSP-CON-LUTAS, através de suas entidades, continua investindo nessa luta. De-vemos investir na formação e orga-nização de cipeiros e setoriais de saúde e segurança dos trabalhadores por categoria. Outras propostas são: formar fóruns regionais de saúde do trabalhador, construir jornais regio-nais das cipas, construir um coleti-vo de advogados e profissionais es-pecializados em saúde e segurança dos trabalhadores, e incorpore nas bandeiras da central as denuncias contra a alta programada e os abu-sos dos peritos do INSS, bem como a revogação da condição de suspen-são da estabilidade do lesionado en-quanto pendurar o processo de reco-nhecimento da doença na justiça..

I Congresso da CSP-ConlutasConstruir a unidade da classe trabalhadora da cidade e do

campo para derrotar os ataques de patrões e governos

bas para a educação, foi parte funda-mental para que o plebiscito de 10% do PIB para a educação fosse reali-zado com sucesso.

Todas essas ações mostram que a CSP-Conlutas, apesar de represen-tar uma força minoritária no movi-mento geral dos trabalhadores, pode e deve contribuir para potencializar e unificar as lutas no próximo período.

Balanço crítico é necessário

Mas para que o balanço seja com-pleto, é necessário levantar aspectos onde a nossa central falhou, para que podemos tirar as lições.

Na caso das acusações de corrup-ção contra Carlos Lupi, ex-ministro do trabalho e Presidente do PDT, a CSP-Conlutas somente se posicio-nou após a saída de Lupi, o que é in-suficiente para uma central de oposi-ção cujos representados têm sido ví-timas das artimanhas dos aliados do governo Dilma.

Já em eleições sindicais, houve al-guns equívocos táticos importantes do setor majoritário da CSP-Conlutas.

Um exemplo emblemático destes equívocos foi o último processo elei-toral do sindicato dos trabalhadores dos correios de São Paulo, realizado em novembro de 2010.

Nestas eleições, com o argumento de que a CSP-Conlutas deveria in-cidir e provocar deslocamentos em

setores governistas que apresentam contradições com o governo federal, o setor majoritário da CSP-Conlutas defendeu e compôs uma chapa com a corrente Articulação da CUT, que dirige a federação dos correios e fez parte da direção sindical.

O estranhamento foi tão grande que a votação da chapa da CSP-Conlu-tas ficou muito aquém de eleições anteriores. Apesar desse resultado politico e eleitoral desastroso, o se-tor majoritário da CSP-Conlutas não fez qualquer tipo de balanço crítico e reafirmou em várias instâncias da Central de que esta tática eleitoral foi correta.

Par nós do BRS, a tática mais cor-reta foi a implementada durante a eleição vitoriosa do sindicato dos me-troviários de SP, com a unificação da esquerda combativa envolvendo mi-litantes do PSTU, PSOL e indepen-dentes. Isso comprova que é possível sair vitorioso numa eleição sindical mantendo a coerência política que é tão cara a CSP-Conlutas.

Eleição Sintaema

Esta, talvez, tenha sido a mais im-portante eleição que a CSP-Conlutas disputou no ano de 2011. E com ple-nas condições de ganhar. Um sindi-cato de base estadual, com estrutura que poucos sindicatos têm e atua num setor estratégico. A Oposição é reco-nhecida e tinha conseguido 50% dos votos na eleição de 2008 e a direção (CTB, CUT, ASS) estava rachada.

Infelizmente, não foi possível for-mar unidade com as outras forças de oposição, por isso formara-se 5 cha-pas. A CTB, a CUT e ASS jogaram seus aparatos nacionais na disputa. Mesmo assim, a chapa 4 (CSP-Con-lutas) continuava forte e foi para o segundo turno, e conseguiu 45% dos votos válidos contra a CTB.

Esse resultado comprova que era possível termos derrotado a chapa da CTB, se nós da CSP-Conlutas ti-véssemos definido as eleições sindi-cais prioritárias de 2011. Com essa definição, a Central poderia ter jo-gado mais peso estrutural e militan-te nesta importante eleição sindical.

Na eleição para o Sindicato da Ali-mentação de SJC, realizada em junho de 2011, a posição do setor majori-tário da CSP-Conlutas foi novamen-te equivocada. Infelizmente a dire-ção majoritária da CSP-CONLUTAS optou em não dar a batalha por uma Convenção de Base e compuseram com a Unidos Pra Lutar, hegemôni-ca na direção do sindicato, mesmo depois de uma política de veto deste setor a um militante histórico da ca-tegoria, do Bloco de Resistência So-cialista e da CSP-Conlutas.

Organização de Base

A CSP-Conlutas deve ser fortale-cida a partir de uma organização pe-la base e sustentada por uma con-cepção aberta, radicalmente demo-

crática, classista, autônoma e anti-burocrática.

É preciso constantemente procu-rar fortalecer a participação dos tra-balhadores nas instâncias de suas en-tidades. Impulsionar organização por local de trabalho. Promover reuniões sistemáticas para debater os proble-mas imediatos da categoria e os ge-rais da classe. Realizar assembleias amplas e democráticas, fazendo com que a base participe da vida cotidia-na das entidades. Construir espaços e processos nos quais a base tenha efe-tivo controle sobre a entidade e seus dirigentes. A democracia é um antí-doto fundamental contra a burocrati-zação das entidades e dos dirigentes.

Pelo fim do Imposto Sindical

Entendemos que a defesa do fim do imposto sindical é correta. Por outro lado, é fato que o imposto sin-dical representa para muitos sindi-catos pequenos, mesmo os ligados à CSP Conlutas e movimento sindical combativo, a sustentação da maior parte de suas despesas. A partir dis-so, defendemos uma campanha para acabarmos pro valer com o impos-to sindical.

Manutenção da Secretaria Executiva

em 27 membros

Na última reunião da Coordenação Nacional da CSP-Conlutas foi apre-sentado pelo setor majoritário da nos-sa Central, a proposta de redução da Secretaria Executiva dos atuais 27 para 17 membros.

Não queremos apenas consolidar a nossa Central, mas fazer com que ela seja um polo de atração de para o conjunto da nossa classe. Há di-versas entidades e movimentos que estão muito próximas da nossa Cen-tral como é o caso da Fenasps e su-as entidades de base; e o Movimen-to Terra Livre.

Com novos setores se incorporan-do, queremos que eles venham par-ticipar não só das Reuniões da Co-ordenação Nacional, mas também da nossa Direção Executiva. Uma Executiva com 27 membros facilita este processo e a sua redução limi-ta esse processo. Por isso defende-mos a manutenção do tamanho atu-al da executiva.

CSP-Conlutas na luta dos trabalhadores por seus direitos

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8 • estudantil Ofensiva Socialista n°09 março/abril - 2012

Por trás dos conflitos na USP, há um projeto de exclusão socialNos últimos anos, desde o iní-cio da gestão de Rodas, a USP vem passando por intensas re-formas que a deixam cada vez mais fechada para os trabalha-dores e isolada da população que a sustenta. As medidas to-madas pela reitoria durante as férias de final de ano demons-tram qual é o projeto que está sendo implantado.

Guilherme Camilo

Apesar da enorme importância da Universidade de São Paulo para o conjunto da sociedade, muito da relação entre a universidade e a co-munidade externa está se perdendo, com um projeto político que se colo-ca cada vez mais intensamente atra-vés da Reitoria, controlada hoje por João Grandino Rodas.

O serviço de transporte do campus está deixando de ser público, gratui-to e acessível a todos, como era até o final de 2011. Pessoas da comuni-dade externa utilizavam os circula-res da USP para se locomover pe-la Cidade Universitária, funcioná-rios terceirizados os usavam para ir e voltar do trabalho, e mães toma-vam a condução para levar seus fi-lhos à creche. Mas todas essas pes-soas terão agora que pagar – e caro – pelo acesso ao transporte, que de-veria ser um direito.

O Reitor, terceirizando o serviço de circulares, o entregou a uma em-presa privada, que somente não co-brará de quem apresentar uma cartei-rinha da USP. Ou seja, além de per-mitir que alguém lucre com aquilo que deveria ser um direito de todos, restringe a circulação de pessoas da comunidade pela Cidade Universi-tária, dificultando que as pessoas de baixa renda tenham acesso aos ser-viços e espaços.

Outra restrição aconteceu nos res-taurantes universitários. Durante as férias foi instalado um sistema de catracas que restringe uso dos res-taurantes à comunidade acadêmica.

Por que fechar a USP?

Esses dois passos que foram da-dos dentro de um projeto de isolar a USP se somaram a antigas políticas de restrição da circulação. Um exem-plo é a catraca no Centro de Práti-cas Esportivas, que poderia ser uma referência de espaço de lazer para a comunidade, mas somente alunos e funcionários podem ter acesso. Ou-tro é a política de manter dois dos três portões fechados durante a noite e grande parte dos finais de semana.

Há alguns meses, uma estação do Metrô que deveria ser construí-da dentro da USP foi rejeitada pelo Reitor, porque se perderia o contro-le da circulação. Finalmente, tam-bém foram proibidas as festas no am-biente universitário, que são uma das poucas atividades de convivência so-cial e de troca que ainda restam no campus. A festa da Calourada Uni-ficada, por exemplo, que aconteceu na quarta-feira da primeira semana de aula e que contou com vários ar-

tistas importantes, como B Negão e Tulipa Ruiz, teve seus equipamentos impedidos de entrar na Cidade Uni-versitária durante horas.

O atual Reitor não assumiu o car-go por acaso nesse momento. Ele foi escolhido pelo então Governador do Estado José Serra porque era a me-lhor pessoa para implantar na Uni-versidade um projeto de elitização, e ao mesmo tempo sufocar qualquer opinião contrária.

A privatização dos circulares; a abertura de um curso de graduação pago, oferecido por uma instituição privada na Faculdade de Economia e Administração; a concessão de es-paços nas aulas de alguns cursos, co-mo Nutrição, para empresas falarem de seus produtos; e os acordos com grandes corporações para o desen-volvimento de pesquisa são apenas alguns aspectos que mostram que in-teresses a Universidade está atenden-do. Está voltada para uma minoria rica que quer formar profissionais e desenvolver tecnologia unicamente para aumentar seus lucros. Enquan-to isso, os interesses da maioria da população ficam em segundo plano, e iniciativas para atendê-los são me-nosprezadas ou reprimidas.

A USP está atualmente liderando uma operação de reurbanização da Favela São Remo, que fica nos ar-redores da Universidade. Reurbani-zação nada mais é que a promoção de uma limpeza social, ou seja, reti-rar a população pobre do local para que seja utilizado para garantir ou-tros interesses que não o de moradia.

Mas ninguém faz nada?

Há movimentos contra esse pro-jeto de privatização e elitização da USP. O próprio Movimento Estu-dantil, que é constantemente ataca-do pela grande mídia e associado ao consumo alienado de drogas, na ver-dade defende a ampliação do aces-so à Universidade e a sua democra-tização. É atacado pela grande mí-dia, pelo Governo e pela Reitoria porque se coloca contra esse proje-

to que dá vantagens aos setores do-minantes na sociedade.

Mas os ataques já deixaram de ser apenas ideológicos, e passaram a se constituir de repressão física des-de que a Polícia firmou acordo com a Reitoria para patrulhar o campus. O direito de manifestação e o direi-to dos estudantes de ter espaços nos quais podem debater e se organizar, ambos conquistados historicamen-te com muita luta, estão sendo cada vez mais tolhidos.

Mais de 80 estudantes já foram presos

Mais de oitenta estudantes já fo-ram presos em movimentos que rei-vindicavam democracia na Univer-sidade, a retirada da PM e o direito à moradia para estudantes de baixa renda. Seis estudantes foram elimi-nados – ou seja, além de serem ex-pulsos nunca mais poderão ter ne-nhuma relação formal com a Univer-sidade – por fazerem parte de movi-mentos que questionam o atual pro-jeto da Reitoria. Todos os trabalha-dores liberados do Sindicato dos Tra-balhadores da USP estão sendo ame-açados de demissão.

Além disso, a Polícia vem cons-tantemente invadindo espaços dos estudantes, agredindo e ameaçan-do-os nesses espaços. Um aconteci-mento que ficou publicamente notó-rio foi quando um policial agrediu e apontou sua arma para um estudan-te negro dentro do espaço do Dire-tório Central dos Estudantes.

Quem vive o dia a dia da Univer-sidade compreende que casos de vio-lência e abuso não são isolados, mas sim parte importante da estratégia da Reitoria para a implantação de seu projeto. A polícia não está lá pre-venindo a criminalidade e cuidan-do da comunidade. Está cuidando de um projeto de uma minoria que exclui a maioria. A polícia está pre-sente garantindo uma ordem e repri-mindo quem questiona essa ordem, que é de exclusão e privatização da Universidade.

Unifesp Baixada Santista

Estudantes em construção, campus em obras16 de fevereiro de 2012. Es-tão reunidos na Unifesp Bai-xada Santista o prefeito de Santos João Paulo Tavares Papa, o reitor da universida-de Walter Albertoni, a dire-tora do campus Regina Célia Spadari e o ministro da edu-cação, Aloísio Mercadante, além de diversas autoridades locais. Motivo: inauguração do campus definitivo da Uni-fesp Baixada Santista. Porém, o que para as autoridades pre-sentes era um “sonho realiza-do”, para os demais presen-tes não passava de um can-teiro de obras. Sim, todas es-sas autoridades foram inaugu-rar um prédio ainda em obras e com quatro anos de atraso na entrega.

Mauricio de Oliveira FilhoEstudante de Serviço Social

na Unifesp – Baixada Santista – C.A. Unificado

O campus Baixada Santista da Unifesp foi o primeiro campus da expansão desta universidade, que por muito tempo teve apenas o cam-pus São Paulo e hoje conta com mais quatro campi, além dos já ci-tados. Se por um lado, o número de vagas cresceu, a esperada qualidade não acompanhou este crescimento. De início, foram utilizados prédios alugados para viabilizar as ativida-des. Estes prédios não ofereciam a infraestrutura básica para uma edu-cação de qualidade. Sem restaurante universitário, sem moradia, sem la-boratórios adequados, sem comple-xo esportivo para o curso de Edu-cação Física, com problemas graves como goteiras e infestação de pom-bos nos forros.

Greve de 2010 arrancou promessas

Em meio às lutas dos estudan-tes, como a que culminou na que-da do ex-reitor Ulysses Fagundes Neto, envolvido em casos de cor-rupção, e na greve de 2010 que teve início na Campanha Unifesp pela permanência estudantil, as autori-dades universitárias acabaram pro-metendo a entrega de um campus definitivo com infraestrutura ade-quada às atividades acadêmicas. A primeira promessa indicava a con-clusão das obras em 2008!

A luta da comunidade acadêmica pela viabilização deste campus foi

intensa. No projeto inicial, havia a previsão de desapropriação de cer-ca de cem famílias da região para a construção do campus. Durante a greve de 2010, estudantes, técni-cos e docentes declaram apoio à lu-ta dos moradores que protestavam contra essa possibilidade e, juntos, conseguimos que a desapropriação das famílias não ocorresse, mudan-do o projeto e desapropriando gal-pões comerciais.

Em 10 de junho de 2011, quan-do houve mais um atraso na entre-ga do prédio, os estudantes puxa-ram um ato, fazendo uma irônica inauguração do prédio, com direito a aula inaugural na calçada. Em 20 de janeiro de 2012, antes da inau-guração e com o prédio visivel-mente sem condições de utiliza-ção, ocorreu a colação de grau das turmas que concluíram seus cursos em 2011. Por motivo de segurança e como protesto, comparecemos de capacete à colação de grau!

“Melamos” a festa

Finalmente, no dia 16 de feverei-ro deste ano, ocorre a situação ci-tada no início deste texto. Autori-dades presentes, após quatro anos de atrasos, inaugurando um prédio em obras. Mais uma vez, os estu-dantes mostraram a sua força. Com um manifesto em mãos, negocia-ram durante uma hora pelo direito de lê-lo na solenidade. Todas as au-toridades disseram o mesmo: não! Os estudantes mostraram a autori-dade dos que lutam e, gritando in-cessantemente palavras de ordem, conseguiram colocar o ministro da educação numa saia justa. Conse-guimos ler o manifesto e “melar” a festa do governo, lembrando-o que se existem conquistas, elas vinham da luta das categorias.

Quatro anos depois de vencido o primeiro prazo de entrega, o pré-dio ainda está em obras. E pior: com estudantes, técnicos e docen-tes desenvolvendo suas atividades em meio a buracos não sinalizados e poças d’água. Estudantes de Ci-ências do Mar – curso novo criado para atender às demandas de em-presas petrolíferas da região – ain-da terão suas aulas num dos pré-dios alugados. Estudantes de Edu-cação Física, ainda não têm seu Complexo Esportivo. Também ain-da não está em atividade o bande-jão. Dessa forma, os estudantes se-guirão construindo a luta na Uni-fesp em obras.

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opressões/cultura • 9 Ofensiva Socialista n°09 março/abril - 2012

Carnaval na Maré: Botando o Bloco na rua!Ao longo desses 8 anos de existência, o Bloco Se Ben-ze Que Dá se tornou conheci-do dentro da Maré, ganhando notoriedade como instrumento de luta política, cultural e es-paço de diversão.

Mais do que um desfile de Blo-co de Carnaval, a passagem do Blo-co, pelas ruas da Maré, consiste em um ato político de grande importân-cia para militantes e moradores. Is-so, pois reivindica o direito de ir e vir na Maré, o que atualmente está

cerceado devido a rivalidade entre as facções do tráfico. Tal ato ocor-re, tradicionalmente, num sábado antes e depois do Carnaval.

Excepcionalmente este ano o Blo-co Se Benze Que Dá, desfilou so-mente uma vez, no sábado poste-rior ao Carnaval. Infelizmente, não contemplando assim comunidades que já tem nosso desfile em suas memórias.

Nesse ano de 2012, o Se Benze Que Dá desempenhou mais uma vez o seu papel de instrumento de luta política, agregando várias organi-

zações e movimentos populares de diferentes bandeiras. Cartazes com diversas demandas e reivindicações populares, como: violência contra a mulher, violência policial, aumen-to das passagens, criminalização dos movimentos populares e nossas principais lutas, como o muro “da proteção acústica”, e pelo direito de ir e vir, eram levantados por mora-dores da Maré, amigos e militan-tes, pessoas que não somente que-rem desfilar, mas participar, apren-der e fortalecer a luta popular por um mundo diferente.

Unificados pelas emoções, ale-grias e a certeza de que barreiras estavam sendo transpassadas, saí-mos de Morro do Timbau (benzidos com nossos galhos de arruda e rit-mados por nossa bateria), seguimos por ruas, becos e vielas contagiando com o nosso enredo as comunida-des: Baixa do Sapateiro, Nova Ma-ré, Nova Holanda, Parque Rubens Vaz até a Praça do Parque União cantando e tocando nosso SAM-BA - http://migre.me/89qJT. Mais uma vez o recado foi dado, “Vem pra Rua Morador!”

Continuamos na luta pela diver-são sem alienação e pelo direito de ir e vir – Se Benze Que Dá!

Anísio Borba Estudante de Ciências

Sociais pela UERJ, morador da Maré e Integrante do Bloco Se Benze Que Dá.

Danilo FurtadoMúsico, Poeta, morador da Maré e Integrante do Bloco Se Benze Que Dá.

Rompendo o silêncio...Uma voz em milhares: um relato do medo cotidiano de ser mulherAbaixo, um exemplo da violên-cia cotidiana que as mulheres estão expostas, a partir do re-lato de uma experiência con-creta. Tornar esse relato públi-co é um passo difícil mas que entendemos como uma tare-fa necessária, no intuito de, quem sabe, incentivar que ou-tras mulheres verbalizem isso e que nós possamos, enfim, tra-var uma luta importante contra o silêncio que a sociedade nos impõem.

Bel KepplerPsicóloga

Eu poderia terminar esse texto e ir dormir tranquila. Talvez alguns psi-cólogos possam considerar que es-crever sobre isso significa ter ela-borado e que agora é possível ser uma pessoa mais tranquila, mais fe-liz, mais “ajustada”. No entanto, ve-jo essa iniciativa como um primei-ro passo. Tornar público talvez seja uma forma de desindividualizar is-so. A violência contra a mulher não deve ser tratada de forma intimista, não deve ser tratada como um “pro-bleminha”. O primeiro passo para que a sociedade passe a dar a devi-da atenção a isso é com nós, mulhe-res, em conjunto com companheiros/as que possamos contar, tornando is-so público e dando a devida impor-tância. Construir juntas estratégias concretas de superar isso. O convi-te está feito.

CONTAR ESSA hISTóRIA é re-

mexer em um buraco sem fim. Ca-da vez que ela vem à tona na memó-ria, junto vem novas lembranças, até mesmo corporais.

Aconteceu logo no começo da fa-culdade, há uns cinco anos. Não era noite, ao contrário do que pensamos sobre o perigo do escuro. Não era um beco, ao contrário do que pensamos sobre o perigo de ruas mal ilumina-das. Era dia, era uma grande avenida.

Foi rápido. Muito rápido. Até ho-je, quando o caso vem à tona na me-mória, sinto meus seios pesados e pressionados, lembrando daquelas mãos sujas. É a memória física que me faz ter certeza que não foi alu-cinação, não foi um pesadelo. O fa-to de ser de dia, e uma grande ave-nida, me salvaram de uma situação mais violenta.

Logo depois do ocorrido, fiquei um tempo perdida, pensando o que fazer. Desejei, em primeiro lugar, es-tar perto dos meus pais e o namora-

do. No entanto, enquanto pensava, fui tomada por uma preocupação so-bre o que eles pensariam sobre isso - será que questionariam a minha rou-pa? Se eu estava desatenta?

Por me entender como feminista, racionalmente ficava tentando dizer para mim mesma que aquilo era bo-bagem, que eles não poderiam me culpar, e afirmar para mim mesma que aquilo não era culpa minha.

Eu estava indo para a faculdade quando aconteceu. O dia estava en-solarado e o plano era ir a pé. Era minha segunda ou terceira semana, e as pessoas pareciam bacanas e pen-sei que lá poderia encontrar alguém. Tinha dúvidas se deveria ir na dele-gacia e, se tivesse que ir, como era, o que iria acontecer – essas coisas a gente não aprende na escola nem vê pela TV. A minha ideia, a principio, era também avisar as meninas que sabia que moravam na proximidade.

ChEGUEI NA FACULDADE e es-sa parte eu não lembro bem. Den-tro de mim estava em cacos. Aque-la experiência de violência e desam-paro era nova para mim, que vivia num ambiente aparentemente segu-ro e com todo o amparo de meus pais e amigos. Eu e os cacos dentro de mim foram caminhando pela fa-culdade. Procurei algum rosto co-nhecido, encontrei uma menina que morava perto de mim. Foi só por is-so que consegui falar. Por mim, pa-ra minha saúde mental ou qualquer coisa do tipo, estava difícil de verba-lizar. No entanto, quando a vi aquilo teve uma proposta maior - evitar que aquilo acontecesse com outra mulher (ainda que um pouco irracional, por-que aquilo poderia ter acontecido em qualquer outro lugar, perto de tantas outras moradoras do sexo feminino).

Quando falei para ela, comecei a chorar, mas dizendo que queria avi-sá-la. A Universidade era nova tam-bém, e com isso não tinha um espa-ço estruturado que pudéssemos re-correr (hoje tem, e fica longe de on-de as/os estudantes estão). Cami-nhamos até a secretaria, e conversei com uma mulher - hoje não consigo lembrar quem é. Ela disse que tam-pouco sabia o que fazer, mas que na-quele dia a professora de psicologia estava por lá e eu poderia conversar com ela. Disse que era especialista em algo do tipo. Eu não sabia se era isso que queria, mas aceitei.

Conversamos. Ela me levou pa-ra uma escada lá do fundo. Ficamos sentadas ali, nos degraus. Eu contei o que aconteceu, um pouco fria, às

vezes chorando. Eu não lembro exa-tamente o que ela falou, como não lembro exatamente de nada muito bem. Era tudo confuso, é tudo con-fuso. No entanto, o teor principal do que a psicóloga falou foi “quando a gente passa por um processo de ci-dade nova, faculdade nova, se a gen-te tá muito ansioso, a gente acaba atraindo certas coisas, ou fica de-satenta permitindo que elas acon-teçam”.

Eu estava muito nervosa na hora, e por isso tenho muita dificuldade de lembrar exatamente como foi. Lem-bro que ela também reclamou por eu não saber dizer exatamente co-mo aconteceu - e que isso era mui-to importante, se eu quisesse depor (havia perguntado pra ela como se-ria caso eu quisesse).

O QUE A PSICóLOGA DISSE, na verdade, eu lembrei um ano ou dois depois, que foi quando estava con-tando para alguém do que aconteceu - foram pouquíssimas as vezes que fiz isso. Enquanto contava, fui lem-brando do que ela havia falado. De-pois de falar com ela, embora não ti-vesse clareza de como tinha sido ab-surdo o que ela tinha feito, eu sen-

tia que queria sair da cidade, largar a faculdade, senti nojo de tudo aqui-lo que estava passando.

Como disse, isso aconteceu há al-guns anos. Desde então, foram pou-quíssimas as vezes que falei sobre is-so. Levo a minha vida normalmente - embora tenha um certo pavor de an-dar sozinha na rua, em qualquer ho-rário. No entanto, sempre que ou-ço histórias semelhantes, fico extre-mamente fragilizada. Choro, sinto ódio. Talvez eu deveria ter denun-ciado o agressor. Talvez eu deveria ter denunciado a professora. Talvez eu deveria muita coisa. Hoje, isso se reflete de alguma forma na militân-cia, feminista e socialista.

TODA VEz QUE VEJO essas situ-ações, e quando vejo o caso da Glo-bo, com seus programas como Big Brother Brasil; casos como o Rafi-nha Bastos que ganha dinheiro fa-zendo piadas machistas e homofó-bicas e de todos aqueles que cola-boram com essa sociedade opresso-ra, machista e heteronormativa; eu penso que o mais difícil de tudo is-so é ver toda essa estrutura que fa-vorece o opressor.

São muitos os que questionam a

possibilidade de uma outra socie-dade (socialista). Os argumentos são vários. Um deles é que o ser huma-no não tem como perder a sua po-dridão, que o ser humano é corrom-pido e todas essas coisas. De fato, desgraças acontecem o tempo todo, e não sei afirmar mesmo se chegare-mos em uma civilização em que as pessoas não irão oprimir outra pes-soa, que esteja livre de qualquer de-sentendimento.

No entanto, o que penso é que de-pois de tudo que passei e que vejo tantas outras mulheres que passa-ram por isso, acho que o mais duro é pensar no depois do fato em si, no desamparo que senti e sinto até ho-je. O que aconteceu, em si, só penso que foi uma sorte eu ter ficado bem. O depois... o depois foi muito pior.

SORTE POR EU TER FICADO bem, porque nossa sociedade não nos dá segurança necessária. Ruim depois, por pensar que com tanta tec-nologia desenvolvida, com tanta ci-ência preocupada em curar e tratar de tantas coisas, ainda não há um pre-paro para amparar pessoas que coti-dianamente passam por isso. Pior, a nossa sociedade incita isso, na TV e toda mídia que banaliza o corpo da mulher, na educação de homens pa-ra tratarem as mulheres de tal forma, no Estado que se omite de políticas claras para prevenir e prover assis-tência para casos como esse.

Ao contrário do meu medo que senti, de contar para meus pais e o namorado, todos me acolheram mui-to bem. Na Universidade, tive pes-soas com quem pude contar, como um colega da sala de aula que tinha acabado de conhecer e que se dispôs a me levar até em casa, mesmo mo-rando ao lado da faculdade. Por eles todos sou eternamente grata, e torço todos os dias para que pessoas como eu, como Ariane, como tantas outras mulheres que passaram ou passarão por isso, possam contar.

Eu não posso fazer com que aque-le homem seja punido.

Eu não conseguiria hoje, fazer com que aquela professora de psi-cologia seja punida.

PODEMOS, NO ENTANTO, trans-formar essa angústia toda em luta. Escrever esse texto é um dos passos para isso. Esperamos que com isso, outras vozes apareçam e somem a essa luta coletiva pelo fim do silên-cio, construindo ativamente campa-nhas pelo fim da violência de qual-quer ordem contra a mulher.

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10 • internacional Ofensiva Socialista n°09 março/abril - 2012

Novo ano de crise e lutas na EuropaO foco da crise econômica mundial permanece na Europa e as dívidas continuam sem so-lução. O PIB da zona do Euro (os 17 países que adotaram o euro como moeda) deve voltar a cair esse ano, confirmando o “duplo mergulho” da crise. En-quanto isso a crise social pro-vocada pela política de cortes e austeridade se agrava à me-dida que os governos e bancos centrais tentam salvar o siste-ma financeiro desta situação, tudo isso à custa dos trabalha-dores.

Marcus Kollbrunner

Recentemente 25 dos 27 países (todos menos a Grã Bretanha e a Re-pública Checa) que compõe a União Europeia (UE) adotaram regras mais rígidas para impor uma “discipli-na” fiscal. Esse tratado impõe mul-tas aos países que possuem um dé-ficit nos orçamentos públicos acima de 3% do PIB.

Esse tipo de regra não é nova, mas sempre foram ignoradas quando os países mais ricos, como Alemanha e França, romperam com elas. Entre-tanto, para os países menores e em maiores apuros, com certeza a regra vai ser seguida à risca, com já vemos no caso da Grécia.

O novo tratado vai ser colocado em teste imediatamente. O primei-ro ministro Mariano Rajoy da Es-panha anunciou que esse ano o dé-ficit público vai ser de 5,8% do PIB, ao invés do 4,4% prometido ante-riormente. O desemprego na Espa-nha chegou aos incríveis 23,3%, tor-nando difícil para o governo acele-rar os ataques.

Na Irlanda o novo tratado vai ter que passar por um plebiscito. A po-pulação da Irlanda já votou “não” duas vezes contra tratados da UE. Na última vez o Socialist Party (CIT na Irlanda) jogou um papel importante na campanha pelo não, o que impul-sionou a eleição de Joe Higgins do SP ao parlamento europeu.

“Morfina financeira”

Mas se de um lado a política dos governos é de cortes, arrocho e aus-teridade para os trabalhadores, do outro os bancos centrais continuam a despejar dinheiro barato para sal-var os bancos.

O Banco Central Europeu, sob a nova direção de Mario Draghi, fez duas enormes injeções de dinhei-ro no mercado financeiro nos últi-mos dois meses. Mais de 1 trilhão de euros foram emprestados a juros de 1% (abaixo da inflação) com pra-zo de três anos aos bancos. Isso pa-ra ajudar a recapitalizar os bancos e indiretamente os países com gran-des dívidas (já que os bancos usam boa parte desse dinheiro barato pa-ra comprar títulos públicos).

A revista financeira britânica The Economist chama isso de “morfina financeira”, já que alivia a dor, mas não cura.

Além de ser uma tentativa salvar os bancos e estimular o crédito e consumo, essa política tem também outro efeito. Uma boa parte dessa enorme quantidade de dinheiro ba-rato, que não é investido em produ-ção (na verdade vemos uma literal

greve do capital, por exemplo nos EUA, onde as grandes empresas tem US$ 2 trilhões nos cofres, que não são investidos em produção), acaba indo para países onde podem gerar mais lucros, como no Brasil, onde os juros são altos. Um efeito disso é que moedas como o dólar e o euro perdem em valor, o que beneficia a indústria dos EUA e da Europa. As-sim a crise é exportada para aos paí-ses que sofrem com a valorização de suas moedas e com a perda de com-petitividade.

No momento, esse política de im-primir dinheiro em grandes quanti-dades está podendo ser implemen-tada sem criar uma crise inflacioná-ria generalizada. Isso corre devido a crise e a baixa demanda, somada ao excesso de capacidade nas prin-cipais indústrias (com o grande cres-cimento da indústria chinesa), limi-tar a capacidade das empresas a au-mentarem os preços. Mas há outros efeitos inflacionários já existentes. A enorme quantidade de capital espe-culativo leva a criação de novas bo-lhas, em certas commodities, ou em alguns lugares no setor imobiliário, etc., que pode gerar novas crises fi-nanceiras. Num segundo momento a inflação pode voltar com força, o que novamente vai afetar principalmente os trabalhadores e pobres.

China anuncia crescimento menor

O principal motor da economia mundial começa a dar sinais de es-gotamento do crescimento desenfre-ado. O governo chinês reduziu a me-ta de crescimento de 2012 para 7,5%. É a primeira vez desde 2004 que a meta é inferior a 8%, que é conside-rado o patamar mínimo para engolir o influxo de mão de obra para as ci-dades e evitar um aumento nos pro-testos. Um dos fatores é uma que-da do crescimento das exportações, um dos principais motores da eco-nomia chinesa. Esse ano a estimati-va é que o comércio com o exterior

cresça somente em 10%, comparado com 22,5% em 2011. Mas em geral a China sofre com um excesso de in-vestimentos especulativos e também na produção, como uma gigantesca bolha imobiliária que ameaça estou-rar, além do aumento da inflação.

Uma crise chinesa teria efeitos imediatos no mundo inteiro, incluin-do o Brasil.

Lutas históricas – mas ainda falta alternativa

Essa política de ataques a classe trabalhadora não tem sido sem res-posta. Desde o começo da crise vi-mos 20 greves gerais na Europa: 16 na Grécia (duas em fevereiro esse ano), 2 em Portugal (e mais uma con-vocada para 22 de março), 1 na Itália (e mais uma convocada para o dia 9 de março), 1 na Espanha, e 1 Bélgi-ca (no dia 30 de janeiro esse ano). Além dessas vimos importantes gre-ves e protestos em vários outros pa-íses, como Grã Bretanha e França.

Em cima disso vimos os movi-mentos da juventude, principalmente na Espanha, Grécia e Portugal. Nes-se momento, os estudantes espanhóis estão travando uma grande batalha contra os cortes na educação. No dia 29 de fevereiro houve uma greve ge-ral estudantil no país. O principal fo-co da luta tem sido em Valencia, on-de o governo de direita (PP) cortou até o aquecimento das escolas, em pleno inverno!

O problema é que essas lutas ain-da não se transformaram em uma alternativa política à altura das ta-refas. A esquerda ainda está numa situação frágil, com as novas alter-nativas e partidos tendo uma pos-tura muito tímida e recuada, em fa-ce dos ataques. Participar na cons-trução das lutas, e ao mesmo tempo propor táticas, estratégia e um pro-grama socialista para derrotar esses ataques e seus governos, levantan-do uma alternativa ao sistema capi-talista como um todo – é o desafio e a tarefa dos socialistas.

A “troica” impõe um desastre social na GréciaO sindicato dos policiais na Grécia lançaram uma decla-ração recentemente dizen-do que os representantes da Troica (União Europeia, Banco Central Europeu e FMI) pre-sentes no país para negociar os termos do novo pacote de resgate, deveriam ser presos por extorsão. Isso não sem ra-zão. Os enormes cortes exigi-dos em troca da “ajuda” tem tido um efeito devastador na economia e atingindo princi-palmente os trabalhadores e os mais pobres.

Marcus Kollbrunner

O principal objetivo dos repre-sentantes do capital internacional é minimizar as perdas dos bancos, a quem a Grécia está endividada, e evitar um calote desordenado, que pode contagiar outros países em crise.

Mas o remédio está matando o paciente. O PIB está no quinto ano de queda. Em 2011 o PIB pode ter caído em até 7%. O banco estadu-nidense Citigroup prevê uma que-da de 8% para 2012.

O “resgate” vai direto para os bancos

Esse ano a política para “salvar” a Grécia teve duas pernas: o segun-do pacote de resgate de 130 bilhões de euros (só “resgata” os bancos, já que eles são usados para pagar dívidas) e um calote parcial nego-ciado, no qual os credores privados aceitariam trocar as dívidas gregas por papéis que valem 53,5% me-nos, e com juros mais baixos (to-talizando um prejuízo de 70-75%). O objetivo é diminuir a dívida com os credores privados de 206 bilhões de euros para 99 bilhões. Esse se-ria o maior calote de dívida públi-ca da história, superando o da Ar-gentina em 2002.

Mas mesmo no cenário mais oti-mista, ainda que a Grécia conse-guisse implementar todas as medi-das exigidas, a dívida pública em 2020 permaneceria no nível insus-tentável de 120% do PIB, voltando ao ponto de partida antes da crise!

Os efeitos sociais dessa “ajuda” é catastrófica. Até agora, um ter-ço da população caiu na pobreza, com aumento dramático de suicí-dios, pais abandonando seus filhos, criminalidade, vício em drogas, etc.

Em Atenas há agora 30 mil pesso-as morando na rua. O desemprego oficial é de 20,9%, mas entre os jo-vens chega a 50%.

O último pacote de cortes nego-ciado com a troica, condição para que fosse liberado o segundo paco-te de resgate, agrava os ataques. 15 mil funcionários públicos vão ser demitidos esse ano, com a meta de demitir até 150 mil. Os salários dos funcionários públicos já foram cor-tados em até 50%, agora o foco é de reduzir os salários do setor privado. Por isso, o salário mínimo vai ser reduzido em 22% (para R$1.080) em geral. Para menores de 25 anos, o corte é de 32% e para aprendizes (quase todos jovens agora tem es-se tipo de contrato) o salário será de somente R$780.

Mas a cada parcela do “resgate” a ser pago, surgem novas exigên-cias de cortes.

Chance histórica para a esquerda

Os dois principais partidos da burguesia (Nova Democracia, par-tido tradicional da direita, e o PA-SOK, “socialdemocrata”) que se alternam no poder (mas agora es-tão juntos numa coalizão impos-ta pela troica) estão desacredita-dos. O PASOK, que ganhou as elei-ções com 44% 2009, agora só tem o apoio de cerca de 10% dos elei-tores, um colapso histórico. O fa-to é que se os dois principais parti-dos da esquerda, o Partido Comu-nista (KKE) e a Aliança da Esquer-da Radical (Syriza), que juntos tem 30% nas pesquisas, se unissem, es-sa coligação poderia ganhar as elei-ções que devem ser chamadas para abril ou maio.

Mas não adiantaria ganhar as eleições se não com um programa de ruptura com esse sistema capi-talista falido e baseado na mobili-zação e organização da classe tra-balhadora para implementar esse ruptura. Infelizmente essas duas organizações hoje não estão à al-tura do desafio. Enquanto a classe trabalhadora tem mostrado inúme-ras vezes a vontade de lutar, a es-querda não tem conseguido adotar programa, táticas e estratégia para ganhar os trabalhadores para uma ruptura e alternativa socialista, e superar a burocracia que dominam os sindicatos.

De um lado a Syriza tem tido um programa muito rebaixado, sem apontar pela necessidade de luta decisiva contra o governo e o sis-tema. Ao outro lado o KKE, que tem apresentado um programa mais radical, faz isso sem o mínimo de mediação que possa dialogar com o nível de consciência dos traba-lhadores. Além disso, o KKE tem uma postura muito sectária, fazen-do suas próprias mobilizações se-paradas, recusando inclusive em fa-zer reuniões que teriam represen-tantes do Syriza.

Os partidos de esquerda tem uma responsabilidade enorme. Juntos, poderiam desafiar a burocracia sin-dical, chamar assembleias em to-dos os locais de trabalho, para or-ganizar ocupações e mobilizar pa-ra uma greve geral por tempo inde-terminado, até a queda do governo.

Lucas Papademos – a serviços dos bancos

Lutas de massas na Europa – mas, ainda falta uma alternativa política

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sindical • 11 Ofensiva Socialista n°09 março/abril - 2012

cações desses procedimentos, to-talizando 67 mil mortes anuais. O maior número de mortes por abor-tamentos se encontra nos países on-de o aborto é visto como crime pe-la legislação.

Segundo a Organização Mundial de Saúde, o aborto inseguro é a pri-meira causa de mortalidade mater-na na América Latina e a ilegalida-de dificulta uma intervenção capaz de impedir estas mortes. Quem po-de pagar pelo serviço clandestino, muitas vezes não tão seguros, são as mulheres burguesas que compram o direito de escolha sobre o seu corpo em clinicas particulares, que mesmo ilegais, são numerosas e lucram ab-surdamente com esta situação. Essa mesma elite burguesa é aquela hipó-crita que com seu discurso ético-re-ligioso, aliado com a igreja, impe-de a legalização do direito de esco-lha, ou seja, a ampliação desse di-reito à classe trabalhadora.

O aborto é o ponto final de um ciclo ineficiente de prevenção da gravidez: educação sexual não ma-chista e não homofóbica, informa-ção, métodos contraceptivos mas-

culinos e femininos disponíveis nas unidades básicas de saúde e direito da mulher decidir sozinha por mé-todos irreversíveis como a ligadu-ra de trompas. Por isso, a luta pela descriminalização do aborto é uma etapa importante para garantir a le-galização e responsabilizar o Esta-do pela garantia dessas vidas. Lu-tar pela legalização do aborto é lu-tar pela vida de milhões de mulhe-res trabalhadoras em todo o mundo.

A luta das mulheres hoje por igualdade, liberdade, contra a vio-lência e pela defesa da saúde públi-ca com qualidade de atendimento e em defesa do PAISM (programa de assistência integral a saúde da mu-lher), passa por uma defesa da vida de milhões de mulheres que morrem todos os dias vitimas de violência, dos abortos maus feitos e do mau atendimento nos hospitais públicos.

A atualidade da luta feminista e socialista

A eleição de Dilma, vista com bons olhos pelos setores feminis-tas tradicionais, já começa a deixar

qualquer feminista de bom senso com um nó na garganta. Com pou-co mais de um ano de mandato, Dil-ma mostra a cada dia que não basta eleger uma mulher para a vida das mulheres mudarem substancialmen-te. O governo de Dilma é um retro-cesso para as feministas socialistas e para toda a classe trabalhadora, por toda a sua política econômica voltada a garantir os lucros do capi-tal e por descer goela abaixo os mi-lionários investimentos nos mega-eventos à custa de remoções força-das nas principais capitais e sedes da copa e olimpíadas. Dilma tem con-seguido implementar, como nunca antes da história deste país, políti-cas de ataques aos diretos das mu-lheres trabalhadoras.

A omissão do governo Dilma do PT para com os trabalhadores e tra-balhadoras é evidente, mesmo no caso do Pinheiro, onde o PSDB foi o principal responsável pela barbá-rie, o PT acabou lavando as mãos, ao não expropriar a tempo o terre-no ocupado. Como de costume em situação de barbárie social as mu-lheres são as mais atingidas. Rela-tos colhidos por grupos de direitos humanos evidenciaram os casos de

estupros a mulheres realizados pe-los policiais. O medo de retaliação é tanta e a desconfiança no Estado maior ainda, que estas denúncias não foram formalizadas.

Além disso, é necessário denun-ciarmos o fato da presidenta Dilma ter assinado em dezembro de 2011 a medida provisória 557 que tra-ta do cadastro obrigatório de gra-videz, com claro intuito de perse-guir as mulheres que recorrem ao aborto, assim como da recuada no PLC122, que criminaliza a homo-fobia. Para além disso, esta mu-lher no poder, não liberou um cen-tavo para a construção de creches. Não foi construída uma creche se-quer no seu primeiro ano de man-dato. Dilma não representa as mu-lheres trabalhadoras.

Assim também como não nos re-presenta Cristina Kirchner, Christi-ne Lagarde, Hilary Clinton, Angela Merkel, etc, todas elas tem lado. Se não esta do lado dos trabalhadores, não esta do lado das mulheres. Elas representam os interesses do capi-tal e são autoras dos mais vis ata-ques a classe trabalhadora em seus países e no mundo.

Justamente por isso, nós feminis-

tas socialistas da LSR, seção brasi-leira do CIT, defendemos a atuali-dade das bandeiras feministas e so-cialistas, pois é necessário e urgen-te a construção de uma nova socie-dade, a destruição desta sociedade capitalista opressora que se alimen-ta da barbárie humana e de todas as formas de violência. Há uma frase conhecida que diz que quando uma mulher avança, nenhum homem re-trocede. Imaginem então se todas as mulheres trabalhadoras avança-rem...

Nesse 102º Dia Internacional de Luta da Mulher queremos saudar a todas as companheiras e verdadei-ras guerreiras e chamá-las para par-ticipar da luta feminista na constru-ção de uma nova sociedade socia-lista onde não haverá lugar para ne-nhuma forma de opressão.

“Por um mundo onde sejamos socialmente iguais, humanamente diferentes e totalmente livres”

Rosa Luxemburgo

Mulher: vitima do sistema capitalista e de suas crises econômicasContinuação da pág. 12

Um novo chamado de luta contra o racismoDia 11 de fevereiro foi um dia histórico. Mais de 300 manifes-tantes entraram no Shopping Pátio higienópolis, um dos mais elitizados da cidade de São Pau-lo. Não imaginavam os frequen-tadores e lojistas que estariam aquelas pessoas ali para denun-ciar a onda de racismo que vem de maneira cada vez mais explí-cita assombrar homens e mu-lheres de pele escura. De ma-neira mais explícita, pois o ra-cismo está presente a todo mo-mento nos locais de trabalho, nos postos de saúde e hospi-tais, nas universidades.

João Pedro Barbosa F. MilitãoEstudante da Unifesp Diadema

No ato, como grandes exemplos recentes do racismo, foi denunciado o caso de uma jovem estagiária da qual se exigiu, por parte de sua che-fia, que realizasse um alisamento no cabelo, uma demonstração de como o perfil negro é associado a elemen-tos negativos.

Outro caso foi o do garoto etíope que almoçava com os pais em um restaurante e que, quando estes se ausentaram, foi expulso do restau-rante, pois não fazia parte do “per-fil” dos frequentadores daquele re-cinto. Houve também a repressão policial sobre o jovem estudante ne-gro na USP.

Negros são a maioria dos violenta-dos e assassinados pela polícia. Pes-soas que cultuam religiões de ma-triz africana são fortemente repri-

midas. Quilombolas e líderes rurais são assassinados e nem se toma no-ta. Mulheres negras não tem trata-mento pré-natal ou são simplesmen-te destratadas nas (escassas) consul-tas. Negras e negros recebem menos dos que brancas e brancos.

O movimento se perdeu na institucionalidade

Historicamente o movimento ne-gro esteve na luta buscando por espa-ços dentro da institucionalidade bur-guesa na esperança de que esta ga-rantisse os direitos humanos seques-trados das pessoas que por acaso tem

uma coloração de pele mais escura.Já se vão mais de 20 anos em que

o movimento negro se perdeu nes-sa disputa, e os avanços para a po-pulação negra se diluem na atual so-ciedade capitalista na medida que tal sistema se apropria dos direitos da população. Através de programas que barateiam e precarizam a ofer-ta de educação, saúde e moradia, a população em momentos de ascen-so econômico tem acesso a tais pro-gramas, mas basta uma crise, como à que atinge principalmente a Euro-pa e os EUA, para que a burguesia retire tais concessões e jogue a po-pulação de volta à miséria.

Então retomamos o racismo. Os negros foram abandonados à pró-pria sorte após a abolição, sem di-reito à terra, à livre expressão cul-tural, até mesmo sem acesso ao tra-balho. Foram obrigados a ocupar áreas de risco que vieram a se tor-nar as atuais favelas. Foram forte-mente expostos, devido a fragilida-de econômica, ao mercado do tráfi-co e da violência.

E a burguesia a fim de ocultar o seu racismo criou o mito da demo-cracia racial. Tal suposta democracia racial defendida por todas as gover-nanças brasileiras pós-abolição vem desmitificar a existência do racismo

brasileiro, jogando aos negros a cul-pa de suas mazelas sociais, negando o abandono do governo para com os escravos libertos.

Então o movimento negro veio pa-ra combater essa democracia racial, e buscar uma “igualdade racial”. Uma luta necessária a fim de se superar mais essa opressão que a burguesia lança para perpetuar a exploração da classe trabalhadora.

Renovação do movimento negro

No dia 11 de fevereiro de 2012 o que ocorreu foi uma renovação da lu-ta do movimento negro. As entida-des que vinham ali para denunciar a prática racista demonstraram assim uma superação da crença na institu-cionalidade burguesa para a supera-ção do racismo.

Foi um ato muito importante, pois dentro do Comitê contra o Genocí-dio da População Negra, vem se ar-ticulando novamente os setores que se propõem a uma prática combati-va e revolucionária para a superação do racismo.

A luta começa por uma articula-ção e um chamado para uma atua-ção combativa. Mas também não há mais separação das lutas de opres-sões. Mulheres, negros e homosse-xuais devem empreender uma luta massiva, combativa e conjunta. In-corporando também uma perspectiva de classe, anticapitalista e socialista.

Não existirá socialismo sem o fim do racismo, do machismo e da ho-mofobia. Lutemos então!

O Comitê contra o Genocídio da População Negra na luta contra o racismo

Page 12: Ofensiva Socialista n°09 - março/abril 2012

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N° 09 março/abril 2012

Acesso o nosso site:

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telefone: (11) 3104-1152

8 de março: o dia internacional das mulheresMulher: vítima do sistema capitalista e de suas crisesO Dia Internacional da Mu-lher foi criado em 1910 duran-te a II Conferência Internacio-nal de Mulheres Socialistas, re-alizada em Copenhague na Di-namarca. Lá foi aprovada a co-memoração do dia das mulhe-res anual, seguindo o exemplo dia das mulheres comemorado nos EUA em 1909, para lem-brar das lutas travadas pelas trabalhadoras têxteis 1908 em Nova Iorque, contra a opressão e exploração sexista a que ain-da estamos sujeitas em todo mundo. Retomemos a heran-ça socialista da fundação do 8 de março!

Raylane R. Walker Kátia Sales

As lutas das mulheres têm produ-zido avanços consideráveis na tra-jetória feminista. Mas em pleno sé-culo XXI, a pauta de reivindicação ainda é grande, pois temos muito a conquistar. Ainda hoje, somos as que recebem menos no mercado de tra-balho, morremos vítimas de abor-tos clandestinos, sofremos violên-cia dentro e fora de casa, abusos se-xuais, despejos, dupla jornada, etc. A opressão é uma realidade presen-te na nossa sociedade, é base de sus-tentação do capitalismo e por isso é preciso entendê-la e reconhecê-la, para que lancemos mãos dos meca-nismos para destruí-la.

De modo geral, o capitalismo se utiliza da opressão feminina para ni-velar por baixo o valor da força de trabalho. Sendo assim, o salário dos homens é mensurado a partir do me-nor salário possível pago às mulhe-res. Isso é suficiente para a manu-tenção e aumento do lucro capita-lista, sobretudo em período de cri-se econômica.

Pesquisas recentes têm mostrado que a crise retira mulheres do mer-cado de trabalho. Na primeira onda de uma crise, os trabalhadores ho-mens podem ser os primeiros a per-derem seus empregos, enquanto os postos de trabalho com salário me-nor pagos às mulheres são manti-dos. Mas, com a piora da crise, os empregos públicos são abatidos, e as mulheres são as mais atingidas - perdem seu emprego remunerado e veem o sucateamento dos serviços sociais com corte nos investimentos.

As condições precárias do trans-porte público, da saúde, da educação, da moradia, assistência social e segu-rança pública, assim como o desem-prego presente em toda a sociedade, mostram a total falência desse siste-ma para a grande maioria da popu-lação, e principalmente para as mu-lheres dependentes destes serviços. Boa parte destas mulheres acabam

não voltando aos postos de trabalho, ficando presas ao espaço doméstico e ao emprego informal, o que mos-tra o retrocesso da autonomia e da independência financeira feminina.

Não é por acaso que as mulheres estão à frente de greves gerais em toda a Europa e em diverso outros lugares. As mulheres saem às ruas no mundo todo para denunciar os ataques aos seus direitos conquis-tados a suor e sangue. Nas revolu-ções do norte da África e do Oriente Médio, as mulheres têm tido um pa-pel importante nas batalhas nas ru-as e nas greves que trouxeram algu-mas vitórias.

Para além das questões referen-tes a perda dos postos de trabalhos, outros ataques são realizados, como no Egito onde jovens são submeti-das a testes de virgindade com intui-to claro de intimidação de suas lutas. As mulheres jovens, especialmente, têm mostrado uma forte determina-ção para conquistar uma sociedade diferente do que a prevista pelos di-tadores e também por fundamenta-listas religiosos reacionários.

Estes exemplos de luta por todo o mundo mostram que as mulheres estão reagindo a estes ataques e de algum modo contribuindo para que outras mulheres percebam que este é o caminho para a transformação desta condição de opressão.

O fato da opressão feminina ter si-do uma construção histórica signifi-ca que ela pode ser superada também historicamente. Por isso, a luta pela libertação das mulheres é também,

uma luta por uma sociedade melhor, que não seja baseada na busca desen-freada do lucro, e sim na emancipa-ção humana.

A luta feminista deve ser, antes de tudo, uma luta anticapitalista, na construção de uma sociedade onde a liberdade e a igualdade não sejam apenas de direitos e sim de condições econômicas, sociais e políticas. On-de a desigualdade e a opressão não sejam tratadas como algo natural e imutável. Somente uma transforma-ção radical desta sociedade poderá garantir uma vida plena para as mu-lheres de todo o mundo, e essa no-va sociedade só será possível atra-vés da luta das trabalhadoras unidas na construção de um projeto políti-co que sirva para trazer igualdade de condições econômico-social e de di-reitos a todos, de forma democrática e com liberdade.

Violência e Mulher: duas palavras

inseparáveis no capitalismo

Compomos 70% da população mais pobre do mundo, segundo da-dos da Care International- e com is-so somos as maiores vitimas de vio-lência. Os índices de violência têm aumentado cada vez mais. A falta da independência financeira, a dificul-dade em manter e sustentar a família agrava a situação de violência fami-liar. A ideologia capitalista difunde que os problemas ocorridos no âmbi-

to familiar decorrem da má adminis-tração das mulheres, do “descuido” com os assuntos domésticos, ofere-cendo argumentos grosseiros para as agressões. Já que esta sociedade nos reserva o papel de zelar pela fa-mília, a responsabilidade dos filhos e da casa. De modo geral, tendem a abafar os casos de violência, na ten-tativa de naturalizá-la, delegando ao âmbito das relações privadas.

Outro elemento forte no senso co-mum é a responsabilização da mu-lher na manutenção da opressão se-xista na sociedade. Quantas vezes já não ouvimos o argumento de que é a mulher quem cria os homens, por-tanto se o homem é violento e ma-chista, a mulher o criou assim? Es-ta tentativa leviana de culpabilizar a mulher ignora a estrutura de poder socialmente estabelecida. A mulher não tem o poder de oprimir, no limi-te, ela reproduz a opressão. Ela re-produz o machismo quando desem-penha este papel que a igreja e o Es-tado diz que é seu. Não se destrói a opressão da noite para o dia, a cul-tura de um novo homem e uma no-va mulher precisa ser construída co-tidianamente visando uma nova so-ciedade, é necessário destruir o ca-pitalismo, assim como sua base de sustentação ideológica: a igreja, o Estado, os meios de comunicação burgueses.

A violência contra a mulher cor-responde a cerca de 7% de todas as mortes de mulheres entre 15 e 44 anos. Os índices de violência são ab-surdos, somos as maiores vítimas de

atentado violento ao pudor (70,7%), ameaças (63,9%), e lesão corporal dolosa (62,3). Em alguns países, cer-ca de até 69% das mulheres relatam terem sido agredidas fisicamente, e até 47% delas declaram que sua pri-meira relação sexual foi forçada. Es-tatísticas mostram que só no estado do Rio de Janeiro, por dia, aproxi-madamente cem mulheres sofrem ameaças. E esses delitos ocorrem, na maioria das vezes, dentro de ca-sa. No Brasil, a cada 15 segundo, uma mulher é espancada.

Lei Maria da Penha é um avanço,

mas governo do PT segue sendo um retrocesso

A Lei Maria da Penha, criada pelo governo Lula (2006), se coloca co-mo um avanço para estas questões. Mas apesar de ter garantido um cer-to nível de segurança ao estabelecer a prisão imediata do agressor após a denúncia, a falta de verbas para efe-tivar toda a política fez com que a lei ficasse mais no papel do que na exe-cução, o que na verdade só mostra o verdadeiro descaso do governo com a segurança e a vida das mulheres. Sem verbas para implementar a lei e os instrumentos fundamentais que nela são previstos, a política contra a violência feminina fica incompleta, e assim muitas mulheres continuam sofrendo e morrendo mesmo após a denuncia. O programa de combate e prevenção a violência contra a mu-lher, vem sofrendo reiterados cortes pelo próprio governo que a criou. In-cluindo ai a presidenta Dilma.

ONU denuncia descaso do governo

brasileiro com as mortes de milhares

de mulheres

Não iremos aqui debater as con-cepções sobre o início da vida e tam-pouco fazer uma defesa do aborto enquanto um método contracepti-vo, mas sim, debater as condições de vida das mulheres pobres e ne-gras que morrem todos os dias víti-mas de abortos inseguros.

A inexistência de políticas preven-tivas e da legalização do aborto tam-bém gera violência e morte de mui-tas mulheres trabalhadoras. No mun-do, são estimados, por ano, cerca de 20 milhões de abortamentos realiza-dos em condições inseguras. Cerca de 13% das mortes relacionadas com a gravidez são atribuídas a compli-

Continua na pág. 11