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Universidade Estadual de Maringá 07 a 09 de Maio de 2012 1 O LIVRO DIDÁTICO NA PERSPECTIVA DE FORMAÇÃO DOCENTE KASPCHAK, Marilene (UEM) GASPARIN, João Luiz (UEM) Introdução Pesquisas apontam que o cenário da escola pública é revelador da baixa qualidade do ensino. Essa problemática evidenciada a nível nacional vem ocupando relevante papel nas discussões e pesquisas educacionais, as quais possibilitam compreender o impacto do modelo econômico sobre o modelo de educação vigente, como resultado de um longo processo que vem ocorrendo desde a implantação da escola pública. A contradição apresentada caracteriza-se por um impasse entre os pressupostos teóricos defendidos nos estudos histórico-cultural e políticas públicas que direcionam o ensino, visivelmente refletidas nos livros didáticos muito utilizados pelos professores da escola pública, os quais sistematizam propostas dos organismos internacionais focadas em interesses principalmente econômicos. No decorrer desse trabalho serão apresentadas as tentativas de análise do livro didático quanto a proposta de formação defendida, buscando compreender se a organização desse instrumento tem proporcionado condições de promover a aprendizagem significativa ao desenvolvimento intelectual dos alunos. A intervenção dos organismos internacionais nas propostas de ensino No contexto da globalização, a proposta de formação requerida incorpora a reestruturação das formas de produção emergente. “Enquanto na produção em bases taylorista/fordista faziam-se necessários sujeitos disciplinados, com capacidades para execução de tarefas repetitivas, a produção de base toyotista requer sujeitos que

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Universidade Estadual de Maringá 07 a 09 de Maio de 2012

1

O LIVRO DIDÁTICO NA PERSPECTIVA DE FORMAÇÃO

DOCENTE

KASPCHAK, Marilene (UEM)

GASPARIN, João Luiz (UEM)

Introdução

Pesquisas apontam que o cenário da escola pública é revelador da baixa

qualidade do ensino. Essa problemática evidenciada a nível nacional vem ocupando

relevante papel nas discussões e pesquisas educacionais, as quais possibilitam

compreender o impacto do modelo econômico sobre o modelo de educação vigente,

como resultado de um longo processo que vem ocorrendo desde a implantação da escola

pública. A contradição apresentada caracteriza-se por um impasse entre os pressupostos

teóricos defendidos nos estudos histórico-cultural e políticas públicas que direcionam o

ensino, visivelmente refletidas nos livros didáticos muito utilizados pelos professores da

escola pública, os quais sistematizam propostas dos organismos internacionais focadas

em interesses principalmente econômicos. No decorrer desse trabalho serão

apresentadas as tentativas de análise do livro didático quanto a proposta de formação

defendida, buscando compreender se a organização desse instrumento tem

proporcionado condições de promover a aprendizagem significativa ao desenvolvimento

intelectual dos alunos.

A intervenção dos organismos internacionais nas propostas de ensino

No contexto da globalização, a proposta de formação requerida incorpora a

reestruturação das formas de produção emergente. “Enquanto na produção em bases

taylorista/fordista faziam-se necessários sujeitos disciplinados, com capacidades para

execução de tarefas repetitivas, a produção de base toyotista requer sujeitos que

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executam múltiplas tarefas [...]” (GALUCH e SFORNI, 2011,p.7). Para e execução das

múltiplas tarefas, passa-se a requerer novas habilidades, como: capacidade de

criatividade, de saber se relacionar /conviver, trabalhar em grupo. Esta organização de

trabalho exige um sujeito com capacidades de comunicação objetiva, criticidade,

autonomia, criatividade, flexibilidade para adaptação frente as constantes mudanças.

Segundo Saviani (2011), para esse novo modelo produtivo, o sistema requer

trabalhadores polivalentes que trabalhem sob a dependência da flexibilidade conduzindo

ao esvaziamento os direitos trabalhistas e da empregabilidade que obriga o trabalhador a

se tornar competitivo no mercado de trabalho. É dever do trabalhador buscar formas de

adquirir as novas competências que o mercado necessita.

Atendo às mudanças econômicas, o “Relatório Jacques Delors” – Educação: um

tesouro a descobrir, publicado em 1996 pela UNESCO, expressa a perspectiva de

formação a ser defendida, a partir dos quatro pilares da educação mundial para o século

XXI, aprender a conhecer, aprender a fazer, aprender a conviver e aprender a ser. Nesse

sentido, a organização do ensino a partir da década de 1990, passou a legitimar a

proposta de formação defendida no Relatório, o qual propõe uma concepção ampliada

de educação, promotora do desenvolvimento permanente à realização da pessoa em sua

totalidade, pela ampliação das possibilidades oferecidas a todos de enriquecer seus

conhecimentos necessários à capacidade de produzir e desenvolver suas habilidades.

Dessa forma, a função da educação é de englobar todos os conhecimentos

pertinentes as capacidades requeridas para minimizar os conflitos de ordem social,

econômico e político, “[…] a educação surge como um trunfo indispensável à

humanidade na sua construção dos ideais da paz, da liberdade e da justiça social” (p.11),

atribui-se ao ensino o compromisso de “[…] vencer os novos desafios” ajudando a

“compreender de algum modo a dominar o fenômeno da globalização e favorecer a

coesão social”. (DELORS 1996, p. 145).

Diante dos “novos desafios” busca-se na escola, por meio da educação, inculcar

nos indivíduos que a frequentam, a ideia de que a educação vai garantir “[…] a

construção de uma sociedade igualitária.” (SAVIANI, 2009, p. 4).

Nesse sentido, o autor nos chama a atenção para os discursos ideológicos

equivocados, no sentido de depositar na educação o poder de corrigir as desigualdades

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sociais, desconsiderando os condicionantes sociais entre prática educativa e prática

social. A disseminação dos ideais pertinentes ao sistema capitalista se fazem presente

nas práticas pedagógicas, cujos conteúdos escolares constituem-se nos meios mais

eficazes à legitimação dos interesses dominantes.

Embora a organização da sociedade capitalista atenta para a manutenção da

hegemonia, Saviani (1991) discorre acerca da viabilidade de uma pedagogia crítica,

“[...] uma educação que não seja, necessariamente, reprodutora da situação vigente, e

sim adequada aos interesses da maioria, aos interesses daquele grande contingente da

sociedade brasileira, explorado pela classe dominante. (SAVIANI, 1991, p.38).

Para a Pedagogia Histórico-Crítica, a apropriação do conhecimento científico-

cultural via educação escolar corresponde a uma necessidade histórica do

desenvolvimento humano, cuja apropriação do saber historicamente acumulado torna-se

condição necessária para o desenvolvimento social dos indivíduos. Para a apropriação

do conhecimento científico-cultural exige-se da formação docente práticas de ensino

correspondente à organização do ensino, no desenvolvimento do método da prática-

teoria-prática. A didática da Pedagogia Histórico-Crítica objetiva organizar o ensino

como instrumento maior para uma prática docente condizente aos objetivos da atuação

transformadora da realidade por meio da apropriação dos conteúdos escolares. A

abordagem das dimensões do conhecimento permite o processo de formação tanto do

professor quanto do aluno (GASPARIN, 2009).

Nesse sentido, podemos dizer que os princípios apregoados pelo Relatório

Jacques Delors defendem a perspectiva de formação voltadas ao desenvolvimento das

capacidades que atendam as necessidades do mercado de trabalho, intencionadas à

manutenção da ordem vigente. As novas exigências para a forma de trabalho concebeu

reestruturação na organização do ensino, no entanto, permanecendo inalterado os

princípios que fundamentam a sociedade capitalista. Dessa forma, a valorização dos

saberes práticos/utilitários ocupam sentido relevante na organização dos conteúdos

escolares. Atribui-se como função primordial da escola a valorização das experiências

cotidianas do aluno como meio de aceitação à diversidade cultural, sob uma perspectiva

emancipadora e permanente.

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Conforme o documento da UNESCO, a educação é vista “[…] como uma via

que conduz a um desenvolvimento humano mais harmonioso, mais autêntico, de modo

a fazer recuar a pobreza, a exclusão social, as incompreensões, as opressões, as

guerras...”(DELORS 1996, p.9). Desse modo, deve-se evitar os conflitos de qualquer

natureza. A educação têm um papel fundamental nesse sentido em ajudar a compreender

melhor o mundo, o outro e a si mesmo, portanto, a função da educação é o

desenvolvimento contínuo, tanto das pessoas como das sociedades, visando o pleno

desenvolvimento humano à busca de soluções apaziguadoras dos problemas inerentes a

sociedade.

A proposta de formação instituída no documento da UNESCO tem orientado e

definido as propostas oficiais para educação no Brasil, as quais se expressam também

no Guia de Livro Didático que orientam as escolhas dos Livros Didáticos por meio dos

critérios estabelecidos no PNLD (Programa Nacional do Livro Didático), atendendo aos

interesses do Ministério da Educação (MEC).

O Guia de Livros Didáticos é resultado das avaliações dos livros, realizadas por

especialistas das diversas áreas do conhecimento, com a finalidade de orientar o

processo de escolha dos mesmos. Para que os livros cheguem às escolas, estes passam

por reformulações e adaptações. (BRASIL, 2010).

Considerando-se que o Livro Didático tornou-se um dos principais instrumentos

para organização do ensino, estando acessível a todas as escolas do país, deveria

funcionar como um instrumento de planejamento, recurso metodológico, indispensável

à formação do professor objetivando promover a aprendizagem e o desenvolvimento

cognitivo dos alunos. Dessa forma, a intenção em analisar o Livro Didático de História

pautou-se em investigar se a sistematização das propostas de ensino são promotoras do

desenvolvimento, possibilitando “tornar o conhecimento significativo” aos alunos.

Segundo Sforni, “um conhecimento significativo, é aquele que se transforma em

instrumento cognitivo do aluno, ampliando tanto o conteúdo quanto a forma do seu

pensamento.” (SFORNI, 2003, p.1). Tornar um conhecimento significativo quanto ao

desenvolvimento intelectual do aluno, constitui-se numa complexa tarefa de

organização do ensino, dos quais a utilização de todas as dimensões contextualizadas

são condições para a aprendizagem promotoras do desenvolvimento. Conforme

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Vygotski, o ensino escolar, não pode ser identificado como desenvolvimento, mas sua

realização resulta no próprio desenvolvimento intelectual do aluno. O bom ensino é

aquele que adianta aos processos de desenvolvimento, ou seja, que cria uma zona de

desenvolvimento imediato ou próximo, quando aciona uma série de processos interiores

de desenvolvimento. É a aprendizagem que conduz o desenvolvimento mental da

criança, como afirma o autor: “[...] a aprendizagem, que se orienta nos ciclos já

concluídos de desenvolvimento acaba sendo ineficaz do ponto de vista do

desenvolvimento geral da criança, não conduz o desenvolvimento mas segue a reboque

dele” (VYGOTSKI, 2001, p. 482).

De acordo com o autor, a zona de desenvolvimento imediato ou próximo pode

ser definida como a distância entre o nível e outro, ou seja, do nível de resolução de

uma tarefa que uma pessoa pode alcançar ao atuar de modo independente e o nível que

pode realizá-la com a ajuda de alguém mais experiente,

[...] o que a criança se revela em condições de fazer com a ajuda do adulto nos indica a zona de desenvolvimento imediato. Logo, com a ajuda desse método, podemos considerar não só o processo de desenvolvimento terminado no dia de hoje, os ciclos já concluídos e os processos de amadurecimento percorridos mas também que se encontram atualmente em estado de formação, amadurecimento e desenvolvimento. (VYGOTSKI 2001, P. 480).

A organização do ensino, nesse sentido deve estar voltada aos instrumentos de

mediação, para atuar na zona de desenvolvimento imediato ou próximo – a que ocorre

as aprendizagens. As aprendizagens que ocorrem na ZPD favorecem o

desenvolvimento. Portanto, não se trata de qualquer ensino, mas aquele devidamente

organizado, que possibilita à criança a apropriação dos conceitos científicos

fundamental para o desenvolvimento psíquico.

Para Vygotski (2001), os conceitos espontâneos e científicos estão interligados,

se relacionam e se influenciam constantemente. O processo de desenvolvimento de

conceitos ocorre em uma via de mão dupla, em tarefas idênticas se comportam de forma

diferente, mas como partes do mesmo processo. Os conceitos científicos e espontâneos

envolvem experiências e atitudes diferentes por parte das crianças e se desenvolvem por

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caminhos diferentes; "a ausência de um sistema é a diferença psicológica principal que

distingue os conceitos espontâneos dos conceitos científicos". (VYGOTSKI, 2001

p.99). Em ambos o casos, um longo caminho é percorrido até a generalização, que é a

transferência do conceito, para novas situações. O conceito científico é sempre mediado

por outros conceitos.

Para o autor, a interação entre os processos de aprendizagem e desenvolvimento,

possibilitam à criança mesmos antes da escolarização aprender conceitos espontâneos

e/ou cotidianos, uma vez que todas as formas de aprendizagem são promotoras do

desenvolvimento. No entanto, somente o ensino devidamente organizado apresenta

possibilidade formativa. Para a aprendizagem dos conceitos científicos não basta

colocar o aluno em situação de uso, “é preciso que o conceito esteja explícito, para que

se possa ser conscientizado pelos alunos na condição de um instrumento de

generalização” (VYGOTSKI, 2001 p.117). Nesse sentido, o professor tem a função de

mediar o conhecimento espontâneo ao conhecimento, proporcionando ao aluno a saída

da zona de desenvolvimento real para a chegada na zona de desenvolvimento potencial,

promovendo-se a apropriação a internalização dos conceitos possíveis à generalizações.

Análise do livro didático

Para análise do livro didático, selecionou-se o livro da Coleção Caracol (editora

Scipione), da disciplina de História, 4º ano do Ensino Fundamental dos anos iniciais,

considerando-se o mais utilizado pelos professores da rede municipal entre um dos

municípios do interior do Paraná.

A organização temática do livro didático de história estrutura-se por meio de três

eixos: 1- Viver e Conviver; 2- A história das cidades; 3- A cidade um espaço em

transformação.

De acordo com o Guia de Livro Didático de História (2010), o tema central da

coleção Caracol é a criança. Esse tema geral desdobra-se nas unidades temáticas de

cada volume, isto é, o conteúdo é desenvolvido tendo por base o universo da criança.

Cada unidade inicia-se com a apresentação de uma problemática a ser investigada, para

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a qual existem múltiplas respostas. Todas as respostas mencionadas pelos alunos são

aceitas na valorização do pensamento crítico e autônomo. (BRASIL, 2010).

A primeira vista, poderíamos dizer que a organização do conteúdo voltada para o

universo da criança, objetiva o desenvolvimento das capacidades cognitivas pela

apropriação do conhecimento sistematizado. Ao destacar que cada unidade inicia-se

com uma problemática a ser investigada, poderíamos ainda dizer que se estabeleceria

uma relação entre o conceito espontâneo e científico, porém, ao introduzir o conteúdo

por meio de uma problemática aceitando-se as múltiplas respostas dos alunos, podemos

afirmar que a formação do pensamento crítico do aluno refere-se à relatos de situações

cotidianas, conduzindo-nos a ideia de um universo limitado da criança, no qual

dispensa-se a mediação docente.

Conforme o Guia do Livro Didático de História, “aprender o tempo no sentido

das vivências humanas”, vincula-se à educação com um ensino de respeito à cultura

local, sua diversidade e especificidade. Ao valorizar esta organização de ensino, a

educação escolar perde seu caráter universalizador e a cultura local se sobrepõe à

cultura universal. Nesse mesmo sentido, o livro didático selecionado atendendo aos

critérios do MEC expressa os princípios apregoados pela UNESCO, ao abordar a

questão da particularidade do conhecimento em detrimento de sua universalidade.

Para Delors (1996), a educação deve adaptar-se constantemente às

transformações da sociedade, sem deixar de transmitir as aquisições, os saberes básicos

frutos da experiência humana, assentadas na esperança de um mundo melhor, em que se

respeitem os direitos, se pratique a compreensão mútua, a solidariedade, a cooperação, o

respeito em que os progressos no conhecimento sirvam de instrumentos, não de

distinção, mas de promoção do gênero humano. (DELORS, 1996).

Compreende-se que os discursos presentes no Guia do PNLD e Relatório

Jacques Delors conduzem a mesma organização do ensino, priorizando-se a formação

para cidadania, incentivando a autonomia do professor e do aluno na construção da

própria pessoa, e, das relações sociais entre indivíduos e grupos sociais para a vivência

mais harmoniosa necessária à pacificação dos conflitos.

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As propostas oficiais de formação encontram respaldo nos documentos de

organismo internacional, e disseminam políticas sociais voltadas para manutenção da

ordem social, as quais, intencionadas a ocultar os conflitos decorrentes das próprias

condições sociais, legitimam as ideologias da dominação, também, quando reforçam

seus discursos nas orientações sobre a concepção de currículo e seus desdobramentos no

processo de elaboração.

As questões referentes ao currículo, como aponta Moreira e Candau (2007)

“têm-se constituído em frequente alvo da atenção de autoridades, professores, gestores,

pais, estudantes, membros da comunidade”, (MOREIRA & CANDAU, 2007, p.17),

ressaltando-se a intensificação dos estudos a partir da década de 1990. Reforça-se a

ideia de que “os conhecimentos oriundos dos diferentes âmbitos são, então,

selecionados e “preparados” para constituir o currículo formal, para constituir o

conhecimento escolar [..]” (MOREIRA & CANDAU, 2007, p.22).

Nesse sentido, a organização curricular sofre interferências dos diversos

seguimentos sociais, uma vez que o currículo não surge do nada, mas de uma

necessidade social e principalmente econômica e cultural. Não se desvincula o currículo

da sua constituição histórica e social, nem tampouco destitui seu caráter ideológico.

Dessa forma, as intencionalidades do currículo são determinantes nos resultados

educacionais pretendidos, ou seja, os conteúdos escolares no livro didático, objetivam a

perspectiva de formação decorrente das concepções das propostas oficiais, ancoradas

nos interesses dos organismos internacionais. Poderíamos dizer que, o currículo escolar

constitui-se na forma mais elementar de materializar as intencionalidades das propostas

oficialmente estabelecidas.

De acordo com Young (2007), a construção de um currículo em torno das

vivências não reflete nenhuma utilidade aos alunos, pois, os conhecimentos cotidianos

já fazem parte de suas experiências, mantendo-se a mesma condição, enquanto que o

conhecimento “poderoso” permite que todos cheguem aos conhecimentos que a

humanidade já produziu, considerando-se que para a camada popular a escola pode

constituir-se na única oportunidade para aquisição dos conhecimentos, ao permiti-los a

apropriação dos conceitos necessários à abstrações e generalizações.

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A proposta da coleção Caracol, em sintonia ao Relatório Delors (1996), ressalta

a necessidade em valorizar todos os talentos, frente as novas perspectivas de

desenvolvimento à construção de uma sociedade melhor, ao propor à educação o

desenvolvimento do “espírito de concórdia” (29).

Contrapondo a esses princípios, Galuch e Sforni (2011), esclarecem: “Quando

se admite que todos os saberes têm o mesmo valor e que, portanto todos devem fazer

parte do currículo escolar, como forma de respeito às diferenças culturais, acaba-se

destituindo a escola de sua função, suprindo o direito daqueles que têm a escola como

a única possibilidade de acesso ao saber universal” (GALUCH e SFORNI, 2011,

p.16).

A perspectiva de formação defendida pelo MEC reforçada nas propostas dos

Parâmetros Curriculares Nacionais (PCNs) e Guia de Livro Didático de História,

contempla os princípios instituídos no Relatório Jacques Delors, os quais materializam-

se no Livro didático, conduzindo-se a organização do ensino por meio de práticas

pedagógicas direcionadas ao desenvolvimento de competências e habilidades, voltadas

para construção de condições subjetivas de pensar, criar, e desenvolver projetos de

sociabilidade, as quais exigem ações colaborativas e que despertem a sensibilidade para

a vivência harmoniosa.

As concepções sobre o conhecimento histórico são apresentadas. “fato que não

há um aprofundamento acerca das correntes interpretativas da história, mas há uma

significativa discussão sobre a concepção de história, conceitos e documentos utilizados

na obra” (BRASIL, 2010, p.173).

Ainda, de acordo com o Guia de Livro Didático de História - PNLD 2010 alguns

critérios considerados fundamentais no processo de avaliação dos livros, nos chama a

atenção o seguinte critério: a diversidade teórico- metodológica e a atualização de

conteúdos na área, propiciam uma orientação pedagógica clara e consistente para o

ensino e para a ampliação da formação dos professores e fornecem aos alunos um

material estimulante e acessível para a aprendizagem da disciplina. (BRASIL, 2010,

p.9).

Nesse sentido, a diversidade teórico-metodológica constitui-se numa

problemática vivenciada no campo teórico educacional sobre qual/quais perspectiva/s

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teórica/s tem fundamentado a organização do ensino. Considera-se relevante destacar

que o ecletismo teórico presente nas práticas pedagógicas vem sendo resultado de

mudanças ocorridas na sociedade. Com a ascensão da pós modernidade os paradigmas

epistemológicos emergentes, os quais demonstram privilégio aos elementos

pedagógicos “[…] isolados da materialidade que os origina” (BITTAR e FERREIRA,

2009, p. 490), o “abandono da teoria do conhecimento”, e a relevância ao relativismo

ocasionou o abandono das preocupações explicativas do sentido da totalidade. Com o

“recuo da teoria” temos o esvaziamento do conhecimento. Quando a “teoria recua,

posteriormente tem-se o fragmento da teoria”, no intuito de responder aos novos

problemas (mas que sempre existiram), busca-se a hegemonia. (MORAES, 2001, p.13).

No entanto, quando não se têm uma definição teórica que orienta e sustenta a

prática pedagógica, as dificuldades em compreender a concepção do ensino

devidamente organizado, elimina a possibilidade em analisar a qualidade dos conteúdos

escolares, e o modo de sua apropriação pelo aluno, tampouco interessa-se o ensino

correspondente aos objetivos de uma formação promotora do desenvolvimento

intelectual.

As atividades no Livro Didático de História

Em reportagem publicada no portal dia-a-dia Educação, Saviani posiciona-se em

relação à Política Nacional do Livro Didático, reconhece alguns avanços mas tece

críticas à ideologia da subversão em “defesa da ordem da sociedade burguesa, do

sistema capitalista. Para o autor, o livro didático permite ao professor definir o que vai

ser objeto de estudo e como o conteúdo vai ser trabalhado. “O Programa Nacional do

Livro Didático não é o ideal, mas é um avanço. Acredito que se pode melhorar ainda

mais o programa., é preciso que a questão seja considerada uma política de Estado e não

só de governo” (SAVIANI, 2007).

A questão discutida pelo autor quanto ao PNLD constituir-se uma política de

Estado, nos remete a pensar na disseminação de uma proposta de ensino devidamente

organizada no Livro Didático, voltadas para a apropriação dos conhecimentos

historicamente construídos pela humanidade. Por meio dos conteúdos escolares,

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deveria-se propiciar ao aluno o conhecimento como domínio das formas complexas do

pensamento, propondo-se práticas pedagógicas intencionadas ao desenvolvimento do

sujeito enquanto ser histórico e social.

Sob essa perspectiva, propomo-nos analisar o conteúdo do livro didático de

história, limitando-nos a apresentar algumas das atividades analisadas, as quais seguem

a mesma organização didática das demais atividades que compõe toda coleção Caracol.

Em atendimento as legislações, o Livro didático da Coleção Caracol elucida os

três eixos temáticos centralizadores dos conteúdos, os quais trazem abordagens

temáticas da História e da Cultura Afro-Brasileira e Indígenas como conteúdo escolar.

As atividades propostas discorrem sobre a leitura da realidade, e, por meio de relatos,

do ponto de vistas dos alunos.

Na introdução de cada eixo temático há uma afirmação, seguido de alguns

questionamentos. Para cada unidade há uma pergunta inicial, a qual introduz o texto

base da reflexão, sequencialmente apresenta-se fragmentos de diversos textos

informativos como complemento ao assunto abordado na unidade.

As atividades de ensino versam sobre os questionamentos em torno das

vivências dos alunos, os quais propõe como forma de trabalho escolar, atividades

individuais e coletivas, na primeira - o aluno realiza sozinho (são atividades de leituras e

reflexão); a segunda consiste em dois momentos: - a realização das atividades em

duplas com vistas à comparações das respostas, e atividades em grupos voltadas ao

debate dos temas já estudados. Na organização do debate professor e alunos conduzem

as discussões, as quais objetivam preservar a opinião dos alunos.

A introdução do conteúdo “viver e conviver” nas cidades faz uma menção à

vivência harmoniosa, atribuindo ao professor a função de pacificador de conflitos.

Apresenta-se em conformidade com o Relatório Jacques Delors, para a educação escolar

“[…] o confronto através do diálogo e da troca de razões é um dos instrumentos

indispensáveis à educação do século XXI” (DELORS, 2006, p.98).

Em atendimento a essa expectativa, a organização da primeira unidade do livro

didático analisa do, aponta para o respeito à diversidade, apresentando logo na abertura

da unidade a imagem em que uma criança afrodescendentes ilustra a temática “Viver e

Conviver”. A temática afirmativa se reforça nas imagens: paisagem do Morro do

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Tucano, na cidade do Rio de Janeiro, o qual retrata a realidade das pessoas que vivem

em precárias condições, em contraste apresenta um cartão postal do Rio de Janeiro –

representando a paisagem turística do Rio de Janeiro. Observa-se que as imagens

retratam as desigualdades sociais, as quais são diluídas pela temática Viver e Conviver

nas cidades, por serem entendidas como diversidade cultural. A ideia de aceitação dos

problemas sociais, decorrentes das desigualdades como diversidade cultural desenvolve-

se na escola por meio dos conteúdos escolares, os quais manifestam interesses à de

manutenção do sistema vigente.

Observa-se ainda, que as imagens apresentadas não estabelecem relações com as

atividades propostas, descartando-se pretensões de a escola promover o entendimento

de algo contraditório. A imagem apresentada na abertura da unidade, dissemina a ideia

de o ensino de história incorporar os novos sujeitos históricos. Sobre esse aspecto, a

história nova preocupa-se com os acontecimentos do cotidiano da vida da humana

ligados à vida da família, dos diferentes grupos, no sentido de valorizar o respeito à

diversidade.

Observa-se que o Guia determina ao ensino de História a legitimação dos

princípios de convívio democrático, como o respeito, a ética e o reconhecimento da

diversidade visando à construção de uma sociedade antirracista, justa e igualitária,

compreendendo a luta contra a discriminação e o preconceito de nossa sociedade.

(BRASIL,2010, p.29).

Essa perspectiva de formação requerida no ensino de história corresponde, art. 3º

Título II da LDB nº 9394/96, os quais desdobram-se em outros documentos

orientadores do ensino, sendo: Parâmetros Curriculares Nacionais (PCN) – Parecer

CEB/CEB 03/97; Diretrizes Nacionais do Ensino Fundamental; Ensino Fundamental de

9 anos (Lei 11274/2006), entre outros, os quais direcionam a organização do ensino no

Livro Didático correspondendo aos princípios contemplados no Relatório Jacques

Delors.

Em conformidade às mudanças ocorridas nas últimas décadas, a formação de

novos sujeitos objetivam o respeito às diversidades, o multiculturalismo, a solidariedade

e cooperação como valores a serem priorizados pela educação. Nesse sentido, ensino de

história limitou-se a atender as propostas dos documentos oficiais. De acordo com

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Galuch e Sforni, “Ao colocar em primeiro plano as práticas pedagógicas voltadas para o

desenvolvimento de atitudes, valores, competências e habilidades exigidas pela

sociedade globalizada, em detrimento da transmissão e apropriação dos conhecimentos

disciplinares, a educação escolar diminui seu compromisso com a cultura científica

[…]” (GALUCH e SFORNI, p.16).

Como princípios do ensino da disciplina, preconiza-se o “[…] pluralismo de

ideias, [...] apreço à tolerância [..]”, primando para formação da cidadania (BRASIL,

2010, p.12). No entanto, as atividades propostas pela coleção analisada não trazem

nenhum conceito de cidadania, tampouco discute-se os conceitos nos diferentes

contextos, mas conduzem a ideia de aprender cidadania na escola. As indagações

inferidas dispensam a exploração dos conceitos cotidianos. “Os conceitos cotidianos são

apreendidos em situações cuja consciência está voltada para o fenômeno, para o

contexto, e não exatamente para o conceito presente nele [...]”, (GALUCH; SFORNI,

2009, p.116).

Os conceitos científicos, portadores de um grau mais elevado de abstração, não são tão evidentes nos fenômenos e contextos; para que sejam adquiridos, é preciso que a consciência do sujeito lhes seja intencionalmente dirigida. Caso contrário, corre-se o risco de não haver apropriação do conceito e de se manter na superficialidade dos fenômenos. (GALUCH e SFORNI, 2009, p.116).

De acordo com Sforni (2004), os conceitos têm início numa atividade mediada

em relação ao objeto, cujo o acesso ao conceito científico ocorre via instrução. Nesse

sentido o papel do professor é fundamental na mediação intencional do conhecimento,

com base nos conceitos científicos as práticas e experiências podem ser

problematizadas, proporcionando ao aluno a abstração dos conceitos, para que em suas

múltiplas relações sejam entendidos em sua totalidade, reconhecidos como

conhecimentos históricos.

Quando a autora afirma que “a escola tem-se limitado a reforçar o pensamento

empírico” (SFORNI, 2004, p.64), a afirmação é sustentada nas atividades do livro

didático, cujas as atividades compõe fragmentos de textos inviabilizando a exploração

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de ideias, a compreensão de conceitos relevantes a aprendizagem. As atividades

propostas consistem em saber a opinião dos alunos. Destaca-se as atividades sobre vida

das crianças na cidade, as quais apresentam como texto base para o desenvolvimento

das atividades o diálogo entre um macaco e uma girafa, ao observarem gatos e

cachorros domésticos. Posteriormente as atividades propostas referem-se a comparação

entre a cena do diálogo dos animais, e a cena que apresenta duas crianças moradoras de

uma das grandes cidades, as quais aparecem nas dependências de um edifício

observando a rua por entre as grades dos portões. Propõe-se aos alunos tecer suas

opiniões e estabelecer relação entre uma cena e outra. Os conteúdos desta unidade

objetiva discutir e comparar a vida das crianças no passado e no presente, discorrendo

sobre tipos de moradias, de brincadeiras, etc. Os exercícios dessa unidade, além da

abordagem espontaneísta apresentam atividades a serem completadas com o seguinte

enunciado: eu acho que sim, porque …..; eu acho que, porque ….(40-42 ), os quais

impossibilitam de tecer uma apreciação crítica, abando-se a perspectiva de educação

que promove o desenvolvimento do aluno.

Para essa organização de ensino, os alunos não necessitam do texto para

responder as perguntas que são trazidas no decorrer de toda Coleção, as quais permitem

aos alunos conduzirem as próprias atividades. As condições para aprendizagem

apresentam-se limitadas. Conforme Sforni (2004), para a expectativa de uma

aprendizagem que se proponha a desenvolver capacidades individuais de forma

pragmática e utilitarista, o desenvolvimento do pensamento empírico pode ser

suficiente.

Nesse sentido, o modo como é abordado o conteúdo sobre “A vida das crianças

na cidade: ontem e hoje” reforça-se a perspectiva de ensino apregoado pela UNESCO,

“[...] o professor deve necessariamente manter uma certa distância entre a escola e o

meio envolvente, a fim de que as crianças e os adolescentes tenham ocasião de exercer o

seu senso crítico” (DELORS, 1996, p. 148).

A organização das atividades de ensino do livro didático de história, em

conformidade aos princípios instituídos no Relatório Jacques e incorporados pelos

documentos oficiais apresentam atividades diversificadas, as quais compõe diversos

gêneros textuais, cujo o enfoque consiste na opinião do aluno concordando ou não com

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determinados assuntos, sem antes o trabalho com outras atividades que explorem

conceitos implícitos e/ou explícitos no texto. Dessa forma, não há apropriação dos

conceitos, como aponta Vygotski, a formação dos conceitos científicos são formados na

escola, por meio da organização do ensino.

A organização do ensino pela formação de opiniões, nega ao aluno uma análise

crítica frente às incoerências da sociedade. Nesse sentido, o Relatório Delors também

propõe a negação dos conhecimentos historicamente construídos pela humanidade,

[…] uma bagagem escolar cada vez mais pesada — já não é possível nem mesmo adequada. Não basta, de fato, que cada um acumule no começo da vida uma determinada quantidade de conhecimentos de que possa abastecer-se indefinidamente. É, antes, necessário estar à altura de aproveitar e explorar, do começo ao fim da vida, todas as ocasiões de atualizar, aprofundar e enriquecer estes primeiros conhecimentos, e de se adaptar a um mundo em mudança (DELORS, 1996, p. 89).

Desconsidera-se a apropriação do conhecimento ao declarar a necessidade de

saberes utilizáveis para a vida. Para Sforni, (2004), “a atenção para os conteúdos

vincula-se à necessidade de formação do indivíduo para a vida, daí a recomendação de

torná-los um saber prático, não extrapolando com isso, os limites do pensamento

empírico”. (SFORNI, 2004, p.65).

Na unidade dois da Coleção Caracol a temática central discorre sobre a história

das cidades, no entanto, não são apresentados contextos históricos. Os conteúdos são

trazidos em fragmentos de textos em forma de depoimentos, os quais nos chamaram a

atenção pela sua abordagem teórica. Retiramos um pequeno trecho de um depoimento

para reforçar o que já abordamos na análise da unidade 1. Segundo o Livro Didático

trata-se do depoimento de um viajante que visitou São Pedro do Sul: “[…] por trás

dessa fileira de casas, que é realmente bonita e graciosa, fica uma rua de cabas

pequeninas e baixas, feitas e barros e cobertas de palha, habitação das classes mais

baixas [...]” (p.91).

As atividades propostas giram em torno das diferentes habitações, solicitando-se

dos alunos “imaginar” diferentes situações, a exemplo: imaginar uma cidade e descrevê-

la e posteriormente, comparar as respostas às dos colegas. Toda a unidade apresenta a

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mesma organização, portanto, os conceitos presentes nos textos são abandonados dando

lugar à imaginação dos alunos. Esta organização não estabelece relação entre os

conceitos científicos e espontâneos. A ênfase é para os conteúdos atitudinais. Os

elementos mediadores, instrumentos simbólicos são destituídos dessa organização.

O processo de ensino aprendizagem é entendido como um processo mediado por

um conjunto dos conceitos, elementos culturais que podem promover a aprendizagem,

cuja intencionalidade está voltada para a apropriação dos conhecimentos historicamente

produzidos pela humanidade.

Para Sforni (2004), a necessidade de mobilizar o pensamento para a

aprendizagem reafirma que na organização do ensino, o professor não trata apenas da

organização lógica do conteúdo, mas também do modo de fazer corresponder o objeto

do ensino com os motivos, desejos e necessidades do aluno (p.111). Necessidade,

entendida como “o fato desencadeador da atividade, ela motiva o sujeito a ter objetivos

e a realizar ações para supri-la [...] nem todo processo é uma atividade, mas somente

aquele que é movido por uma necessidade” (p.97). Portanto, destaca-se que as

“necessidades” não são subjetivas de cada aluno, mas são as problematizadas pelo

professor, a partir de sua intenção com conteúdo. (SFORNI, 2004).

Podemos dizer que a organização do ensino proposto pela colação Caracol, não

conduz ao impacto na aprendizagem dos estudantes, por não possibilitarem os

elementos mediadores, promotores do desenvolvimento das funções complexas do

pensamento. A abordagem dos conteúdos são em defesa Do relativismo cultural e do

discursos que se faz da diversidade, as quais demonstram total ausência do conteúdo

escolar, não apresentando possibilidades para a promoção da aprendizagem na

apropriação dos conhecimentos disciplinares. - entendidos como conceitos científicos.

Segundo Saviani (2005), a escola diz respeito ao conhecimento elaborado e não ao

conhecimento espontâneo; ao saber sistematizado e não fragmentado; à cultura erudita e

não à cultura popular.

Considerações Finais

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A organização dos conteúdos nas unidades didática analisadas, mostra-se

limitada à aprendizagem dos conceitos científicos pelos alunos. A abordagem dos

conteúdos distancia-se da aprendizagem conceitual, prioriza-se um ensino não

correspondente aos estudos - histórico cultural, mas correspondente aos princípios da

UNESCO.

Consideramos que, de acordo com os estudos histórico-culturais a aprendizagem

escolar é um fator decisivo para o desenvolvimento intelectual dos estudantes, pois, a

aprendizagem devidamente organizada conduz ao desenvolvimento das funções

complexas do pensamento. A apropriação do conceito científico origina-se nos

processos de ensino, por meio de suas atividades estruturadas, com a participação dos

professores, atribuindo ao estudante abstração mais formais e conceitos mais definidos

do que os construídos espontaneamente. (GALUCH: SFORNI).

No entanto, o Livro Didático de História livro didático materializa os princípios

do Relatório Jacques Delors, visto que as organizações da Coleção Caracol, em sua

totalidade apresenta a mesma sequência das atividades, as quais giram em torno dos

saberes e/ou vivências dos alunos, visam uma perspectiva de formação fundamentada

nas propostas oficiais originárias dos documentos internacionais, as quais disseminam

políticas sociais voltadas para manutenção da ordem social, na intenção de ocultar os

conflitos decorrentes das próprias condições sociais. Portanto, a escola tem sido uma

forte aliada à manutenção das desigualdades sociais na sociedade vigente.

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