livro didático língua portuguesa

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  • 8/17/2019 Livro Didático Língua Portuguesa

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    autor do original

    MARIA BEATRIZ GAMEIRO

    1ª edição

    SESES

    rio de janeiro 2015

    LÍNGUA PORTUGUESA

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    Conselho editorial luís cláudio dallier, roberto paes e gladis linhares

    Autor do original maria beatriz gameiro

    Projeto editorial roberto paes

    Coordenação de produção gladis linhares

    Projeto gráfico paulo vitor bastos

    Diagramação andré lage e paulo vitor bastos

    Validação de conteúdo fábio macedo simas e luciana varga

    Imagem de capa cienpies design — shutterstock

    Todos os direitos reservados. Nenhuma parte desta obra pode ser reproduzida ou transmitida

    por quaisquer meios (eletrônico ou mecânico, incluindo fotocópia e gravação) ou arquivada em

    qualquer sistema ou banco de dados sem permissão escrita da Editora. Copyright seses, 2015.

    Dados Internacionais de Catalogação na Publicação (cip)

    G184 Gameiro, Maria Beatriz

      Língua Portuguesa

      — Rio de Janeiro: Editora Universidade Estácio de Sá, 2015.  176 p

      isbn: 978-85-5548-156-7

      1. Linguagem. 2. Português. 3. Educação. I. Título.

    cdd 469.5

    Diretoria de Ensino — Fábrica de ConhecimentoRua do Bispo, 83, bloco F, Campus João Uchôa

    Rio Comprido — Rio de Janeiro — rj — cep 20261-063

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    Sumário

    Apresentação 7

    1. Nem todo brasileiro fala do mesmo jeito 21

    Fala e escrita 26

    Norma padrão, norma culta e norma popular 28

    Construções da norma padrão e da norma coloquial:

    correções dos desvios mais comuns 29

    2. Noções básicas de sintaxe:regência e concordância 39

    Noções básicas da sintaxe 41

    A transitividade verbal 41

    A regência verbal 45

    Regência nominal 52

    A variação linguística e a concordância verbal 53

    A concordância nominal 63

    3. Usos da língua: pontuação,acentuação e ortografia. 73

    Introdução à clareza e à pontuação: a ordem direta no português brasileiro 75

    Regras de acentuação 86

    O novo Acordo Ortográfico 91

    Regras ortográficas 98

    A crase 101

    O internetês e a ortografia 104

    Importância da escrita para o mercado do trabalho 108

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    4. A estrutura do parágrafo, a coesão e a coerência 113

    A estrutura do parágrafo 114

    As qualidades do parágrafo 118

    Coesão e coerência 128

    A coerência 133

    5. Leitura e significação 137

    O Sincretismo de linguagens 138

    O texto literário e o não-literário 139

    Principais critérios para distinção entre o texto literário e o não literário 142

    A construção do significado no texto: a conotação e a denotação 143

    Figuras de Linguagem 146

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    PRÓLOGO A ESTE LIVRO,

    Por Deonísio da Silva

    Nunca uma palavra foi tão apropriada: prólogo. Veio do Grego, passou pelo Latim “prolo-

    gus” e chegou ao Português “prólogo”. Designava a primeira parte da tragédia, também

    uma palavra vinda do Grego “tragoidía”, composta de “tragos”, bode, e “oidé”, canção,

    significando “canção do bode”: nas tragédias gregas era sacrificado um bode enquanto

    o coro cantava.

    Nós vivemos uma tragédia no ensino do Português. Faz décadas que professores,

    pagos pelo Estado, por mantenedoras privadas ou por universidades comunitárias para

    ensinar a norma culta do Português, deformam este ensino à base de um vale-tudo, em

    que a norma culta não vale nada, praticando crimes de lesa-língua. E fazem isso com

    uma disciplina estratégica, pois todas as outras disciplinas são ensinadas em Português!

    Na Universidade Estácio de Sá, como em outras instituições de qualidade, o ensino

    do Português vem merecendo atenção especial. A Língua Portuguesa é a menina dos

    olhos da Estácio.

    Meia dúzia de coisas que nunca falharam: você vai ouvir, falar, ler e escrever

    melhor (e passar com folga em todas as AVs), se:

    1) Assistir a todas as aulas;

    2) Fizer as tarefas que os professores indicarem;

    3) Ler todos os dias, nem que seja um pequeno trecho;

    4) Consultar as obras de referência, como gramáticas e dicionários;

    5) Ler os livros indicados;

    6) Escrever alguma coisa todos os dias, nem que seja um recado a seus amigos.

    1 As Palavras

    O brasileiro fala bastante. E fala bem. Talvez não preste a devida atenção ao que

    o outro fala. Começa na infância."Quantas vezes eu já te disse para não fazer

    isso, menino?". Ou: "Eu já te disse mil vezes que eu nã o quero ouvir palavrão

    nesta casa", "eu te mato" etc.

    Esta mãe imaginária usava bem o vocativo, com a pausa antes dele, que

    na escrita levou uma vı́ rgula. Ela invocava expressões de linguagem que to-

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    dos conhecemos.

    Mil vezes? Ainda que as admoestações fossem muito repetidas, talvez não

    passassem de algumas dezenas, acompanhadas de ameaças de morte de brin-

    cadeirinha, como faz toda mãe. Ela sabia que a lı́ ngua portuguesa, ao lado de

    olhares e gestos repreensivos ou de aprovação, era poderoso recurso para edu-

    car os filhos.

    Como se sabe, a educação começa em casa. Foi lá, aliás, que você aprendeu

    a ouvir e a falar em Português. Seu pai foi seu primeiro professor. Sua mãe foi

    sua primeira professora. Por isso, a lı́ ngua portuguesa é sua lı́ ngua materna,

    palavra que veio do Latim materna, isto é, que se refere à mater , "mãe".

    Escolas e universidades dão instrução e ajudam a educar os alunos, mas to-

    dos os professores sabem que os alunos estão sob seus cuidados apenas um

    sexto do dia. E os mestres precisam ensinar-lhes um cesto de coisas. O tempo é

    pouco. Se a casa, a empresa, a mı́dia e a rua (lugares onde os discı́ pulos passam

    a maior parte do tempo) não colaboram com a escola e com a universidade, a

    tarefa fica muito mais difı́ cil. Sim, a boa empresa facilita a formação de seusempregados, isto é um investimento para ela.

    Nas ruas, nas estradas e em outros lugares públicos, cartazes com erros de

    Português infiltram na mente de todos formas erradas de escrever! Programas

    de baixo nı́ vel, no rádio, na televisão, na internet etc. são outros empecilhos

    na tarefa de ensinar. Como se sabe, muito ajuda quem nã o atrapalha. E esses

    erros são como uma virose. Se o organismo não tem as devidas defesas, contrai

    doença de escrever mal antes de aprender a escrever bem.

    Mas, se falamos bem, por que escrevemos tão mal? Uma campanha convida

    ou ordena "Avança Brasil". Foram gastos milhões de reais para imprimi-la em

    cartazes e exibi-la na televisão e na internet. Está errada. Não puseram vı́ rguladepois de "avança" e antes de "Brasil".

     Hora do recreio

    O “site” www.simplesmenteportugues.com.br apresenta este divertido e curio-

    so exercı́ cio sobre a vı́ rgula, ao apresentar o texto de um moribundo – ele mor-

    reu antes de fazer a pontuação -, numa espécie de minitestamento: “Deixo

    meus bens a minha irmã não a meu sobrinho jamais será paga a conta do pa-

    deiro nada dou aos pobres”.

    Eram quatro os herdeiros. Como ele distribiu a herança? Como exercı́ cio,

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    os alunos devem pontuar o texto como se fossem os advogados dos herdeiros.

    Divididos em quatro grupos, cada um dos grupos deve defender o sobrinho (1),

    a irmã (2), o padeiro (3) ou os pobres (4).

     As respostas corretas são:

    1) O sobrinho pontuaria assim: Deixo meus bens à minha irmã? Não! A meu

    sobrinho. Jamais será paga a conta do padeiro. Nada dou aos pobres.

    2) A irmã, assim: Deixo meus bens à minha irmã. Não a meu sobrinho. Ja-

    mais será paga a conta do padeiro. Nada dou aos pobres.

    3) O padeiro, assim: Deixo meus bens à minha irmã? Não! A meu sobrinho?

     Jamais! Será paga a conta do padeiro. Nada dou aos pobres.

    4) Os pobres, assim: Deixo meus bens à minha irmã? Não! A meu sobrinho?

     Jamais! Será paga a conta do padeiro? Nada! Dou aos pobres

    Erros de ortografia

    Os erros mais numerosos são de ortografia. Até um professor anunciou:"aulas de reforsso escolar, todas matérias". Está errado. As suas são de reforço 

    escolar e é necessário o artigo em "todas AS matérias".

    Um quiosque quis melhorar as vendas de sorvetes e de picolés e anunciou

    "temos picolé premeado". Está errado. O certo é premiado.

    Certa padaria avisou: "nossos produtos não tem glúteos". Está errado. O

    certo é "nossos produtos não têm glúten". Glute também estaria correto, mas

    glúteo é nádega; veio do Grego gloutós, "nádega".

    Uma cabeleireira anunciou que fazia "itradação" de pele e cabelos. Está er-

    rado. O certo é hidratação.

    Uma floricultura oferecia " violentas" a menos de cinco reais. Está errado. Ocerto é violetas.

    Um açougue avisou os clientes que tinha "frango bovino". Ora, a carne à

     venda era de frango ou de boi! O açougueiro não cruzou uma galinha e um touro

    (boi ainda não castrado), ou um galo e uma vaca para produzir a tal carne.

     A maioria das pessoas comete erros ortográficos, não porque seja difı́ cil es-

    crever corretamente, mas sim porque elas leem pouco. Esta é a grande causa.

     A ortografia do Português não é tão simples como a do Espanhol e a do

    Italiano, mas não é complicada como a do Inglês, por exemplo. Estão errados

    aqueles que dizem que a do Inglês é mais simples. Não é.

    Cláudio Moreno, nosso colega de docência na Estácio há muitos anos, em

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    Guia Prático do Português Correto (vol. 1 - Ortografia), livro indicado na biblio-

    grafia desta disciplina, lembra que em Inglês a palavra  lives  é pronunciada /

    livz/ quando significa "vive, mora, reside", e /laivz/ quando quer dizer "vidas".

     Você escreve key  e pronuncia o conjunto "ey" como /i/, mas no pronome they

    (eles, elas), a pronúncia é /êi/. Em he goes ("ele vai"), você diz /gous/, mas o mes-

    mo encontro "oes", pronunciado /ous/ neste verbo, muda para /us/ em my shoes

    ("meus sapatos"), que você pronuncia /mai shus/.

    Outras amostras de que o Português tem uma grafia mais simples do que a

    do Inglês: para typography , pharmacy , theater , psychology , escrevemos tipo-

    grafia, farmácia, teatro, psicologia.

    O objetivo deste livro é ajudar os alunos a aprender a Lı́ ngua Portuguesa. É 

    uma lı́ ngua que os alunos já sabem, mas ainda não sabem o suficiente. De todo

    modo, não é uma lı́ ngua estrangeira. Se estivéssemos ensinando Inglês, Espa-

    nhol, Latim, Russo ou Mandarim, os métodos seriam outros.

    Mas por que ensinamos Português? Porque os alunos precisam muito

    aprender a ler e a escrever numa lı́ ngua que já entendem e falam.Se o professor disser ou escrever "minha colega ficou RUBICUNDA, mas

    abriu uma EXCEÇÃO e deu um ÓSCULO no MANCEBO", provavelmente o alu-

    no irá ao dicionário em busca de saber como se escreve e o que querem dizer as

    palavras escritas em maiúsculas. De 14 palavras, ele provavelmente não sabe o

    significado de apenas três. E tem dúvida de como se escreve exceção.

    É  um ı́ ndice muito alto de conhecimento do vocabulário que ele precisa

    saber para compreender o texto, uma vez que já conhece 78,58% das palavras

    empregadas.

    Na verdade, quando você lê qualquer texto―uma notı́ cia, uma petição, um

    salmo, uma bula de remédio, um relatório, um poema, um conto, um trecho deromance etc. - é provável que você conheça a maioria das palavras que ali apare-

    cem, pois elas se repetem muito.

    Se você gosta mais de números do que de letras, faça um exercı́ cio curioso.

     Aplique ao texto escolhido a Lei de Zipf, formulada pelo filólogo, linguista e es-

    tatı́stico George Kingsley Zipf, da prestigiosa Universidade de Harvard.

    Estudando a obra de James Joyce, famoso escritor irlandês de lı́ ngua inglesa,

    ele mostrou que no livro Ulisses, tido como um dos romances mais difı́ ceis de

    ser lido e entendido em todos os tempos (inclusive nas traduções), a palavra mais

    comum aparece 8.000 vezes. Examinando muitos outros textos, concluiu que a

    maior parte de qualquer texto é coberta pelas palavras mais usadas na lı́ ngua.

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    Concluı́mos desta lei que somos capazes de entender qualquer texto, tendo

    um bom vocabulário. E que para as palavras desconhecidas, só o que precisa-

    mos é de um dicionário.

    Quando ouvirem o texto "minha colega ficou RUBICUNDA, mas abriu uma

    EXCEÇÃO e deu um ÓSCULO no MANCEBO", os alunos provavelmente irão ao

    dicionário para certificar-se de como se escreve exceção, mas eles sabem que

    exceção quer dizer "exclusão, algo fora da norma, fora do comum" naquele con-

    texto. E provavelmente sabem também, sem consultar o dicionário, como são

    escritas as três restantes, marcadas em vermelho, embora sejam de uso raro,

    pois elas são escritas como pronunciadas. Talvez aqueles que não conhecem

    a forma correta mancebo, escrevam a forma errada "mansebo"... Mas, então, o

    problema será facilmente resolvido, pois "mansebo" não existe...

    O ditado, uma antiga prática das salas de aula, ajudava muito nisso. Nas pri-

    meiras séries do ensino fundamental, a professora pronunciava palavras que os

    alunos deveriam escrever.

    O passo seguinte é saber o significado das palavras até então desconheci-das, aquelas três marcadas em maiúsculas: rubicunda, ósculo e mancebo.

    Um bom dicionário ou um bom professor ou uma boa professora lhes ex-

    plicará que rubicunda é da mesma famı́ lia de rubrica, porque antigamente as

    primeiras letras dos capı́ tulos dos livros eram escritas com tinta vermelha. E

    também é parecida com rubéola, infecção percebida por exantema de manchas

     vermelhas. Também são parentes o rubor  nas faces e a cor rubro-negra de clu-

    bes, com o Flamengo, duas cores que, juntas ou separadas, estão nos uniformes

    de muitos clubes brasileiros de futebol, como o Corinthians, o Internacional, o

    Sport do Recife, o Vasco, o Grêmio, a Ponte Preta, o Atlético (do PR, de MG etc.).

    Mas, voltemos à palavra exantema, que o dicionário usou para explicar ou-tra. Não se assustem! Os dicionários às vezes usam palavras ainda mais desco-

    nhecidas para explicar aquela que você procurou.

     Aliás, é um lado bom dos dicionários, longe de ser um defeito. Você atira

    no que viu, acerta no que não viu, como diz o ditado, talvez antiecológico. Você

    procura exantema e descobre que a nova palavra, que você não procurou, veio

    do Grego eksanthéma, "florescência, florido", porque as feridas de tal enfermi-

    dade semelham flores desabrochando sobre a pele.

    O dicionário é uma festa, onde você vai com quem já conhece e descobre

    desconhecidos que são ainda mais interessantes. E que você não procurava,

    mas que podem vir a ser seus novos amigos.

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     A seguir, você procura ósculo, cujo significado é "beijo", que veio do Latim

    osculum, "boquinha", diminutivo de os, "boca", assim como minúculo  veio do

    Latim minisculum, diminutivo de minus, que significa "pequeno". Então, mi-

    núsculo quer dizer "muito pequeno".

    Por fim, procura mancebo, que quer dizer "jovem, moço". Na antiga Roma,

    manceps, de onde veio a palavra, era o escravo jovem que ficava no quarto, to-

    mava as roupas do senhor nas mãos e o ajudava a vestir-se.

    Os escravos foram cartões de crédito e de débito, ainda antes de existirem

    estes plásticos de tanta utilidade: ninguém fazia nada sem eles!

    O feminino manceba designou a amante, a concubina, a mulher jovem que

    ficava no quarto do senhor fazendo mais do que segurar as roupas dele, aju-

    dando-o a vestir-se. Talvez o ajudasse mais a desvestir-se, ela mesma se des-

    pindo junto. Outras palavras e expressões vieram do mesmo étimo, de que são

    exemplos mancebia e amancebado, palavras que aparecem em numerosos do-

    cumentos do Brasil colonial e imperial, dando conta de que os senhores das

    casas-grandes não apenas visitam as senzalas, como frequentemente viviamamancebados com as próprias escravas, com elas gerando filhos, que eram

    escravizados também. A expressão "Fulano tem um pé na cozinha" também

    exemplifica isso, apesar do ponto de vista preconceituoso, pois poderia ser des-

    cendente de um escravo com um pé no quarto da casa-grande....

    Como vimos, é preciso conhecer o vocabulário empregado num texto, não

    apenas porque esta tarefa é indispensável para compreender o texto, como tam-

    bém pela viagem que as palavras nos levam a fazer, cheia de escalas em pontos

    e portos interessantı́ ssimos

    Na busca pelo significado das palavras que ainda lhe sã o desconhecidas,

     você não pode desprezar o contexto em que foram empregadas. O mancebo deque fala o texto não é o "móvel ou o pedaço de pau em forma de cabide", uma

     vez que "minha colega ficou rubicunda, mas abriu uma exceção e deu um óscu-

    lo no mancebo". Ela não ficaria vermelha se tivesse que beijar um móvel...

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    2 Reflexões para você estudar Português

    1. O domı́ nio da lı́ ngua materna é o requisito fundamental para o sucesso

    em qualquer campo de atividade. Independentemente do curso escolhido na

    Universidade, ler e escrever com proficiência é indispensável para que o acadê-

    mico possa participar da sua área de saber, qualquer que seja ela.

    2. A ausência desse conhecimento básico compromete todas as suas formas

    de expressão; sem ele, até mesmo o seu contato com os textos imprescindı́ veis

    a cada especialidade fica prejudicado.

    3. Em geral, o aluno brasileiro deixa de estudar português no momento em

    que conclui o Ensino Médio e ingressa na universidade ou no mercado de tra-

    balho. Quase todos nós passamos por isso e conhecemos muito bem esse traje-

    to: por algum tempo, absorvidos por nossas novas ocupações, passamos a dar

    pouca ou nenhuma atenção àqueles conteúdos gramaticais que, na opinião damaior parte dos adolescentes, constituem um emaranhado de regrinhas capri-

    chosas e desnecessárias.

    4. A vida profissional ou acadêmica, no entanto, logo faz dissipar essa ilusão

    e muda nossa maneira de ver as coisas, pois descobrimos finalmente que aque-

    las regras que considerávamos supérfluas são instrumentos indispensáveis para

    o sucesso pessoal. Este curso se destina exatamente àqueles que perceberam a

    importância do domı́nio da lı́ngua materna para sua vida e sua carreira e que pre-

    tendem atualizar seus conhecimentos gramaticais. Os mesmos fatos e princı́ pios

    que você estudou na escola voltam agora sob novo enfoque, selecionados e orga-nizados para solucionar, na prática, as dúvidas e hesitações que afligem quem

    escreve. Este curso apresenta, por isso mesmo, o mı́ nimo de teoria necessário

    para entender os fenômenos explicados: o seu foco é a gramática do uso culto.

    5. A lı́ngua é transmissora da cultura e da civilização. Ela é um sistema orgâni-

    co de regras e princı́pios, estabelecido, de geração em geração, século por século,

    pela soma dos discursos de todos os indivı́duos que têm o Português como lı́ ngua

    materna. A lı́ ngua que estou usando hoje para falar com vocês vem sendo usada

    há quase mil anos. Foi usada por cruzados, por navegadores, por carrascos e por

     vı́timas da Inquisição. Quando o Brasil foi descoberto, o escrivão da frota, nosso

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    Pero Vaz e Caminha, relatou .... Camões cantou seus amores, Vieira pregou na

    Igreja contra as invasões holandesas, falando a colonos, ı́ ndios e escravos.

    6. Foi por causa disso, por exemplo, que a escola dispendeu tanto esforço

    para ensinar a vocês a conjugação completa dos verbos, incluindo o vós. Como

    entender uma frase clássica como "Vinde a mim as criancinhas" sem conhecer

    a flexão do verbo na 2ª pessoa do plural?

    7. Mito: "Como nunca pretendo usar essas formas, elas não são importan-

    tes para mim". Na verdade, "usamos" um vocábulo tanto quando o emprega-

    mos numa frase, quando o compreendemos ao vê-lo num texto de outrem. Por

    exemplo, o costume de não trabalhar, na escola, com a 2ª pessoa do plural na

    conjugação dos verbos — sob a alegação infantil de que "ninguém usa mais esta

    forma" — acarreta uma série de problemas na compreensão de textos tão sim-

    ples e fundamentais como, por exemplo, as orações: “Pai nosso que estais nos

    céus, santificado seja o vosso nome; venha a nós o vosso reino, seja feita a vossa vontade, assim na terra como no céu. O pão nosso de cada dia nos daı́ hoje;

    perdoai-nos as nossas ofensas, assim como nós perdoamos a quem nos tem

    ofendido; e não nos deixeis cair em tentação, mas livrai-nos do mal. Amém.”.

    Ou: “Ave, Maria, cheia de graça, o Senhor é convosco; bendita sois vós entre as

    mulheres, bendito é o fruto do vosso ventre, Jesus. Santa Maria, Mãe de Deus,

    rogai por nós, pecadores, agora e na hora de nossa morte. Amém”.

    8. Nosso propósito é levá-lo a posicionar-se criticamente sobre tudo aquilo

    que já aprendeu sobre nosso idioma (que é, acredite, muito mais do que você

    imagina). Viajando pela história de nossa lı́ ngua, você vai entender o quantodevemos ao Grego e ao Latim; além disso, vai poder avaliar a dı́ vida cultural

    que temos para com os árabes e os povos indı́ genas e africanos. Com base nas

    leituras escolhidas, queremos mostrar a você que os fatos mais corriqueiros da

    lı́ ngua influem na nossa interpretação de um texto literário, e que os escrito-

    res sabem, como ninguém, utilizar a seu favor as várias escolhas que têm à sua

    disposição — e você vai entender de que maneira um autor como Machado de

     Assis, utilizando a mesma lı́ ngua que você usa (e praticamente o mesmo voca-

    bulário) construiu verdadeiras obras-primas.

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    9. A lı́ ngua é um sistema desenvolvido no tempo e no espaço, formado pelo

    trabalho de milhões de falantes. Outra coisa bem diferente é o uso que cada

    um de nós faz desse repertório. Cada um de vocês tem um discurso próprio —

    cada um usa o sistema à sua maneira, de acordo com sua formação, sua idade,

    sua região ou simplesmente o grau de consciência com que se relaciona com

    a linguagem. Por isso, ver como os outros usam ou usaram a lı́ ngua aumenta

    o nosso repertório de possibilidades e nos ajuda a definir o estilo que preferi-

    mos e o que realmente nos desagrada. O uso individual pode mudar a lı́ ngua?

    Se houver a concordância de muitos indivı́ duos, sim. Há quem se escandalize

    com as mudanças, mas não podemos esquecer que, se ocorrerem, tudo vai se

    dar dentro do sistema próprio do nosso idioma. Invariavelmente, elas são feitas

    para tornar o sistema ainda mais homogêneo. Os "erros" que as pessoas come-

    tem — que, não por acaso, são os mesmos em todo o paı́ s — revelam pontos de

    atrito com a norma culta, em que os discursos individuais acabarão inconscien-

    te, mas inexoravelmente, limando e polindo o sistema.

    10.  A evolução do sistema. As mudanças que ocorrem, no entanto, sempre

    se dão dentro da direção de tendência — como o sentido dos pelos do veludo,

    ou, mais domesticamente, o sentido dos pelos do gato. Um exemplo que está

    em processamento é a transformação do vocábulo grama (unidade de medida),

    considerado substantivo masculino. A tendência é transformá-lo em feminino

    — como lama, cama, rama, etc. É por isso que a maioria dos falantes brasilei-

    ros vem aderindo à mudança, inclusive com a adesão de autores tão importantes

    quanto Machado de Assis, o patrono deste curso. Machado de Assis, por exem-

    plo, em crônica publicada em A Semana, fez como os falantes de hoje: usou gra-

    ma (peso) no feminino “O caso da grama. Contaram algumas folhas, esta sema-na, que um homem, não querendo pagar por um quilo de carne preço superior ao

    taxado pela prefeitura, ouvira do açougueiro que poderia pagar o dito preço, mas

    que o quilo seria mal pesado. [...] Um quilo mal pesado. Pela lei, um quilo mal

    pesado não é tudo, são novecentas e tantas gramas, ou só novecentas. E voltou

    ao feminino de grama (peso) nesta outra, publicada em Balas de Estalo: “Pode ser

    que haja nesta confissão uma ou duas gramas de cinismo; mas o cinismo, que é

    a sinceridade dos patifes, pode contaminar uma consciência reta, pura e elevada,

    do mesmo modo que o bicho pode roer os mais sublimes livros do mundo.”

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    3 Frase, Oração, Período, Parágrafo, Texto

    “Uma noite destas, vindo da cidade para o Engenho Novo, encontrei no trem da Central um

    rapaz aqui do bairro, que eu conheço de vista e de chapéu”. (abertura de Dom Casmurro)

    “Não tive filhos, não transmiti a nenhuma criatura o legado da nossa miséria.” (final de

    Memórias Póstumas de Brás Cubas)

    “Naquele dia – já lá vão dez anos! -, o dr. Félix levantou-se tarde, abriu a janela e cum-

    primentou o sol. (...) Alegres com vermos o ano que desponta, não reparamos que ele é

    também um passo para a morte. (abertura de Ressurreição)

    Estas frases, orações e perı́ odo integram (1) o primeiro parágrafo do roman-

    ce Dom Casmurro, (2) o fechamento de Memórias Póstumas de Brás Cubas e(3) a abertura de Ressurreição, três romances de Joaquim Maria Machado de

     Assis, o maior escritor brasileiro de todos os tempos, mulato, descendente de

    escravos, filho de famı́ lia pobre, epiléptico, gago.

    Francisco José de Assis, seu pai, filho de escravos alforriados, era pintor de

    paredes; Maria Leopoldina da Câmara Machado, sua mãe, imigrante portugue-

    sa dos Açores, era lavadeira.

    Machado foi autodidata (estudou por conta própria) e jamais frequentou

    uma universidade. Escreveu nove romances, cerca de duzentos contos, seiscen-

    tas crônicas, além de peças de teatro, poemas e ensaios.

    Sua madrinha se chamava Maria, e seu padrinho, Joaquim. Foi por isso queo pai lhe deu este nome: Joaquim Maria (do padrinho e da madrinha) Machado

    (sobrenome da mãe) de Assis (sobrenome do pai).

     Aos dez anos, ficou órfão de mãe e passou a ser cuidado pela madrasta, Ma-

    ria Inês da Silva, que fazia doces que Machado vendia nas ruas, como hoje fa-

    zem adolescentes e jovens nos faróis. Isto levou o menino a ter contato com

    um padeiro que lhe ensinou Francês. Tornou-se também coroinha e sacristão,

    e aprendeu Latim com o padre.

     Aos 17 anos teve seu primeiro emprego: aprendiz de revisor e de tipógrafo

    na Imprensa Nacional, onde foi orientado e ajudado por Manuel Antônio de

     Almeida, autor de Memórias de um Sargento de Milı́ cias. Em seguida, recebeu

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    ajuda de Quintino Bocaiúva (homenageado no nome de um bairro no Rio, co-

    nhecido mais como Quintino apenas, onde nasceu o jogador Zico) e de Salda-

    nha Marinho (pernambucano, que governou São Paulo e foi um dos autores de

    nossa primeira Constituição).

    Mas quem mais ajudou Machado de Assis foi a portuguesa Carolina Augus-

    ta Xavier de Novais, uma solteirona de 35 anos, bonita, culta e elegante, que

    ele desposou aos trinta anos. Ela vinha de uma desilusão amorosa com um

    português, e a famı́ lia dela não queria que a moça casasse com um mulato. O

    casamento aconteceu, mas eles não tiveram filhos. O motivo foi confessado

    em complexas sutilezas, como era de seu estilo, no fechamento de Memórias

    Póstumas de Brás Cubas: “Não tive filhos, não transmiti a nenhuma criatura o

    legado da nossa miséria”.

    Por que estas explicações e por que estes trechos? O livro é o pão nosso de cada

    dia, o pão do espı́rito. Ele nos alimenta a alma. E nos ajuda a aprender Português.

    Depois do vocabulário, vamos às frases e orações que compõem um perı́odo.

    Um ou mais perı́ odos formam um parágrafo. Um ou mais parágrafos foram umtexto, que pode ser dividido em capı́tulos, como faz Machado nos seus romances.

    O Português tem algumas singularidades. A maioria das palavras nã o tem

    acento. A maioria das palavras são paroxı́ tonas, isto é, a sı́ laba mais forte é a

    penúltima: abacate, bergamota, cavalo, ditado, escola, faculdade, ginecologis-

    ta, hospedagem, idealista, juramento, laranja, moleque, narciso, obcecado, po-

    tranca, quadrado, recado, sulfato, timaço, umbanda, varanda, xavante, zeloso.

     A ordem direta é predominante no Português. Isto é, para arrumar as pala-

     vras e construir frases e orações, a ordem é a seguinte: primeiro o sujeito; de-

    pois o verbo; por último, o(s) complemento (s). O professor ensinou concor-

    dância verbal (ontem, na aula à distância, com exemplos na lousa eletrônica).O aluno aprendeu a lição (com leitura, exemplos e exercı́ cios feitos em casa).

    Mas podemos construir frases também com outras ordens: complemento,

     verbo, sujeito; verbo, complemento, sujeito; verbo, sujeito, complemento.

    Machado de Assis, na abertura de Dom Casmurro, usou complemento(s)

    (uma noite destas, vindo da cidade para o Engenho Novo), sujeito oculto, ver-

    bo (encontrei), complemento(s) de novo (no trem da Central um rapaz aqui do

    bairro, que eu conheço de vista e de chapéu).

    No fechamento de Memórias Póstumas de Brás Cubas, ele usa a ordem dire-

    ta: sujeito oculto, verbo (Não tive) complemento (filhos), e a seguir emenda outra

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    frase com sujeito oculto, verbo (não transmiti) complementos (a nenhuma cria-

    tura o legado da nossa miséria).

    Notem que as frases ou orações formam um ou mais perı́odos, como tam-

    bém ocorre neste último caso, na abertura do romance Ressurreição, quando

    ele usa complementos (“Naquele dia – já lá vão dez anos!”), sujeito (o dr. Félix )

     verbo(s) (levantou-se tarde, abriu a janela e cumprimentou o sol). (...) sujeito

    oculto, verbo (estamos) complementos ( Alegres com vermos o ano que des-

    ponta), e sujeito oculto de novo, verbo (não reparamos), complementos (que

    ele é também um passo para a morte)”.

    Ele nos disse que:

    1) O dr. Félix levantou-se tarde;

    2) (O dr. Félix) abriu a janela;

    3) (O dr. Félix) cumprimentou o sol;

    4) (o Dr. Félix fez as três coisas): “naquele dia”, “já lá vão dez anos”;

    5) (Nós ficamos) alegres com vermos o ano que desponta;

    6) (Nós) não reparamos que ele é também um passo para a morte. Arrumando uma boa ordem também para os perı́odos, fazemos um parágrafo:

    1) Capı́ tulo I de Dom Casmurro. Primeiro parágrafo.

    Uma noite destas, vindo da cidade para o Engenho Novo, encontrei no trem da

    Central um rapaz aqui do bairro, que eu conheço de vista e de chapéu. Cumpri-

    mentou-me, sentou-se ao pé de mim, falou da Lua e dos ministros, e acabou

    recitando-me versos. A viagem era curta, e os versos pode ser que não fossem

    inteiramente maus. Sucedeu, porém, que, como eu estava cansado, fechei os

    olhos três ou quatro vezes; tanto bastou para que ele interrompesse a leitura emetesse os versos no bolso.

    2) Capı́ tulo I de Ressurreição. Primeiro parágrafo.

    “Naquele dia, — já lá vão dez anos! — o Dr. Félix levantou-se tarde, abriu a jane-

    la e cumprimentou o sol. O dia estava esplê ndido; uma fresca bafagem do mar

     vinha quebrar um pouco os ardores do estio; algumas raras nuvenzinhas bran-

    cas, finas e transparentes se destacavam no azul do céu. Chilreavam na chácara

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     vizinha à casa do doutor algumas aves afeitas à vida semi-urbana, semi-silvestre

    que lhes pode oferecer uma chácara nas Laranjeiras. Parecia que toda a natu-

    reza colaborava na inauguração do ano. Aqueles para quem a idade já desfez

    o viço dos primeiros tempos, não se terão esquecido do fervor com que esse

    dia é saudado na meninice e na adolescência. Tudo nos parece melhor e mais

    belo, — fruto da nossa ilusão, — e alegres com vermos o ano que desponta, não

    reparamos que ele é também um passo para a morte.”

    3) Capı́tulo CLX de Memórias Póstumas de Brás Cubas Último parágrafo.

    “Este último capı́tulo é todo de negativas. Não alcancei a celebridade do em-

    plasto, não fui ministro, não fui califa, não conheci o casamento. Verdade é que,

    ao lado dessas faltas, coube-me a boa fortuna de não comprar o pão com o suor

    do meu rosto. Mais; não padeci a morte de D. Plácida, nem a semidemência do

    Quincas Borba. Somadas umas coisas e outras, qualquer pessoa imaginará que

    não houve mı́ ngua nem sobra, e conseguintemente que saı́ quite com a vida. Eimaginará mal; porque ao chegar a este outro lado do misté rio, achei-me com

    um pequeno saldo, que é a derradeira negativa deste capı́ tulo de negativas: —

    Não tive filhos, não transmiti a nenhuma criatura o legado da nossa miséria.”

    Por fim, recomendamos que você faça boas leituras. Como estas, de Macha-

    do de Assis, nosso maior escritor. Você vai aprender Português com os mestres

    da lı́ ngua portuguesa. E este é o maior deles. (fim).

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    Nem todo brasileiro

    fala do mesmo jeito

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     Apresentação do capı́ tulo

    Neste primeiro capítulo, discutiremos algum as diferenças en tre “fala” e “es-

    crita” e ainda as noções de variação linguística e adequação da linguagem.

    Compreen der o funcionam ento b ásico da linguagem é essencial para utilizá-la

    adequad am ente. Além disso, é preciso apren der a n orma p adrão, estabelecida

    pelas gramáticas, pois é ela qu e é exigida em contextos form ais, assim, apre-

    sentarem os alguns casos básicos qu e geram m uita dú vida ao escrever e falar.

    Esperamos que você conheça passe a usar os aspectos da norma padrão nos

    contextos em que eles são exigidos.

    OBJETIVOS 

    • Conceber fala e escrita não como modalidades opostas, mas como um continuum de diferenças;

    • Apreender a variação linguística e a adequação da linguagem;

    • Analisar as diferenças entre a norma padrão, culta e coloquial;

    • Conhecer alguns usos linguísticos recomendados pela norma padrão.

    REFLEXÃO

     Você se lembra?

    Você já parou para refletir sobre o papel central que a língua ocupa em nossas vidas? Cer-

    tamente sim, pois utilizamos a língua e a linguagem nas mais diversas situações. A todo mo-

    mento, usamos a fala, a escrita, gestos, símbolos, sinais e outras formas nos comunicarmos.Mas você já observou que a língua que usamos para falar em situações informais com nossos

    amigos íntimos e parentes é diferente da língua que empregamos em situações formais, com

    chefes no trabalho, em reuniões de negócio, pessoas com as quais não temos intimidade etc.

    Reparou também que dependendo do canal onde nos comunicamos ou nos expressamos, a

    nossa língua muda? A linguagem das redes sociais é distinta das encontradas em romances,

    artigos de opinião veiculados em jornais etc. Toda essa reflexão envolve uma teoria básica

    sobre língua, linguagem, gêneros textuais, adequação da linguagem e outros termos que

    você conhecerá nesse capítulo.

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    capít ul o 1 • 23

    O professor Luís Cláudio Dallier, no livro Comunicação e Expressão, trata

    da variação linguística. Ele a define como o fenôm eno d e um a língua que sofre

    variações ao longo do tem po, do espaço geográfico, do espaço ou da estrutu ra

    social, da situação ou d o contexto de uso. Isso significa dizer qu e um a língua

    está sujeita a reajustar-se no tem po e no esp aço para satisfazer às necessidades

    de expressão e de comu n icação, ind ividua l ou coletiva, de seus usu ários.

    Podem os abordar a variação linguíst ica sob d iversas p ersp ectivas. Se levar-

    mos em conta uma situação de comunicação qualquer, teremos alguns ele-

    men tos que vão apont ar para variedades no m odo de usar a língua.

    Por exem plo:• Quem fala?

    • Para quem fala?

    • Quando fala?

    • Como fala?

    • Por que fala?

    Essas perguntas evidenciam que nossa fala pod e variar de acordo com a si-

    tuação ou com o contexto da comu nicação, conforme as pessoas q ue nos ou-

    vem, o assunto d e que estamos tratando ou a intenção de n ossa mensagem.

    Outra forma de ab ordarm os a variação linguística é por meio da cons tata-

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    ção de variações no uso da língua em algumas d imen sões:

    a) Dimensão geográfica ou regional: um m esmo idioma pode variar de um

    lugar para o outro.

    Por exem plo, o Português tem variações nas nove nações lusófonas, isto

    é, aquelas em que é a língua oficial ou uma das línguas oficiais: Angola, Bra-

    sil, Cabo Verde, Guiné-Bissau, Guiné Equatorial, Moçambique, Portugal, São

    Tomé e Príncipe, Timor Leste. É m uito falada tam bém em regiões como Macau

    (na China), Goa (na Índia), Galiza (na Espanha), sem contar regiões do Para-

    guai, Urugua i e EUA.

    Às vezes, há variações também dent ro do próp rio país em q ue o Português

    é a língua oficial. Na escrita, que ad ota a n orm a culta, é mais u niforme, m as

    na fala, não! O gaúcho fala de um m odo que é só seu ; o catarinens e falado em

    Florianópolis, uma ilha, não é o m esmo do resto do litoral, nem o da região ser-

    rana, que é mu ito mas sem elhante ao m odo de falar do gaúcho. Os brasileiros

    que h abitam o Nordeste falam com variações, que se subd ividem s e os falantes

    são baianos ou cearens es. Temos tam bém o falar caipira, próprio do interiordo estado d e São Paulo. Em Minas, a palavra “trem” tem ta ntos u sos que n um

    dicionário do m ineirês, seria um dos verbetes mais extensos.

    Essas variações não atrapalham, antes enriquecem a língua portuguesa,

    com u m d ia já foi enriquecida por árab es, judeus, espanh óis, índ ios, africanos,

    alemães, franceses, italianos, poloneses etc. Por exemp lo: quan tos n om es de

    pratos culinários são franceses ou de origem africana? Quan tos nom es de rios,

    lagoas e mon tanh as são indígenas? Quan tas dan ças e canções foram trazidas

    por imigrantes e ain da são cant adas n a língua original? Quem já não ouviu a

    expressão “mam ma mia”, “porca m iséria”

    b) Dimensão social: a classe social dos falantes pode in fluenciar seu m odode dizer as coisas. Por que acontece isso? Porque, por n orma, qu em está s itua-

    do do m eio da pirâm ide social para cima con vive com q uem fala de acordo com

    a norm a culta, uma vez que é maior a poss ibilidade d e acesso ao ensino e aos

    bens culturais (livros, bibliotecas, teatro, cinema etc.). E quem está n a base da

    pirâmide social lê pouco, não vai ao cinem a, não vai ao teatro. não assina jornal

    ou revista. Mas ainda as sim sofre grande influência do rádio e d a televisão, por

    exemp lo. E, mais recentem ente, também da internet .

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      Este cartum mostra um exemplo de variação na dimensão social.

    c) Dimensão da idade: Pessoas de idad es diferen tes (crianças, jovens, adul-

    tos e idosos) podem ap resentar u m mod o variado de usar a língua. Veja o se-

    guinte exemplo:

    Situação: um jovem faland o com seu p ai ao telefone.

    O jovem fala: Ô velho, já faz um tem pão qu e sou dono d o meu nariz... Sem-

    pre batalhei, arrumei um t rampo, dou um d uro danado!

    Me empresta o carango pr’eu sair com a gata hoje?

    O pai respond e: Só se você conseguir traduzir o que d isse para um a lingua-gem que eu gosto de ouvir de m eu filho!

    d) Dimensão do sexo: Em função de cond icionam entos cultura is e sociais,

    hom ens e mu lheres podem u sar a língua ou se expressarem d e form a diferente.

    Vamos a um exemp lo:

    Homem : Cara, comp rei uma cam isa muito legal!

    Mulher: Menina, com prei um a b lusinha linda! Ela ficou “m aaaaravilhosa”!

    e) Dimensão da geração: Está relacionada com a variação histórica no u so

    da lín gua. Veja o exemp lo:

     Jornal O Estado de S. Paulo, de 11 de março de 1900: “O dr. Vital Bras il se-

    guiu hon tem para Sorocaba, afim d e obter aguas reman ciais (...) para ser exami-

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    nada aqui bacteriologica e chim icamente, aver se pod e servir o abastecimen to

    de agua daq uela cidade.”

     Jornal O Estado de S. Paulo, de 11 de março de 2000:

    “O governad or do Rio, Anth ony Garotinh o, disse on tem que a p rincipal cau-

    sa da m orte de 132 toneladas de peixes e crustáceos n a Lagoa Rodrigo de Freitas

    (...) foi o excesso de peixes e não o lançam en to cland estin o de esgoto.”

    1.1 Fala e escrita

    É comum ouvirmos q ue a fala é informal e a escrita, formal, que a fala não é

    plan ejada e que a escrita é p lanejada, qu e a fala é repleta de “erros” e a escrita

    não, qu e a fala é contextualizada e a escrita, descon textualizada et c. Porém ,

    essa visão dicotôm ica não está correta , visto que h á m uitos gêner os textuais

    de língua falada qu e seguem os preceitos da norm a padrão, como p or exem-

    plo, uma conferência, as n otícias veiculadas n os grand es telejornais, uma

    sentença proferida por um juiz, um discurso político bem planejado, umamesa-redonda etc. Por outro lado, existem exemplos de escrita informal,

    como bilhetes, recados em redes sociais e out ros repletos de inform alidades,

    como bem explica Marcusch i (2010, p. 9):

    Em certos casos, as proximidades entre fala e escrita são tão estreitas que parece

    haver uma mescla, quase uma fusão de ambas, numa sobreposição bastante grande

    tanto nas estratégias textuais como nos contextos de realização. Em outros, a distância

    é mais marcada, mas não a ponto de se ter dois sistemas linguísticos ou duas línguas,

    como se disse por muito tempo. Uma vez concebidas dentro de um quadro de inter-re-

    lações, sobreposições, gradações e mesclas, as relações entre fala e escrita recebem

    um tratamento mais adequado, permitindo aos usuários da língua maior conforto em

    suas atividades discursivas.

    Dessa forma, Marcuschi sugere um a distinção en tre fala e escrita baseada

    em su as características estrutura is, tais como se evidencia no qu adro a seguir:

    FALA ESCRITA

    Plano da oralidade (prática social interativa)Plano do letramento (diversas práticas

    da escrita)

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    Usa aparato biológico do ser humano Usa “tecnologia” escrita

    Sons articulados e significativos; aspec-

    tos prosódicos, recursos expressivos

    como gestualidade, movimentos do cor-

    po, mímica etc.

    Unidades alfabéticas, ideogramas ou

    unidades iconográficas

    Aspecto sonoro Aspecto gráfico

    Quadro 2- Fala e escrita

    (Elaborado pela autora com base em Marcuschi, 2010, p. 25-26)

    Com base n a concepção discursiva e no m eio de produção, Marcuschi apre-

    senta o seguinte gráfico:

    GÊNEROSTEXTUAIS MEIODEPPRODUÇÃO CONCEPÇÃODISCURSIVA DOMÍNIO

    Sonoro Gráfico Oral Escrita

    Conversação

    espontâneaX X A

    Artigo científico X X D

    Notícia de TV X X C

    Entrevista publi-

    cada na VejaX X B

    (MARCUSCHI, L. A., 2010, p. 40)

    A produ ção do d om ínio “a” −conversação espon tânea− é protótipo d a orali-

    dade p or ser um texto tipicamen te oral, visto que é s onoro e oral. A produção d o

    dom ínio “b” –entrevista pu blicada na revista Veja –não é um protótipo n em da

    escrita nem d a oralidade por ser um texto m isto, já que é gráfico apesar de oral.

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    A produ ção do dom ínio “c” –notícia de TV –também não é u m protótipo, é m is-

    to, um a vez que é son oro apesar de escrito. A produ ção do d omín io “d” –artigo

    científico− é protótipo da escrita, um a vez que é u m texto tipicamen te escrito,

    pois é gráfico e escrito.

    Marcusch i (201, p. 35) expressa claram ente que: “(...) assim com o a fala não

    apresenta propriedades intrínsecas negativas, também a escrita não tem pro-

    priedades in trínsecas privilegiadas.” O que ocorre é q ue n a língua falada es-

    pontaneam ente com pessoas com quem se tem intimidade, é comum desvios

    gramaticais, pausas, repetições, uso de m arcadores conversacionais como “né,

    então, aí”, tomadas de tu rnos, ap agamen to dos /r/ finais, elevação das vogais,

    como “iscola”, “mininu”, dentre outras coloquialidades. Deve ficar claro que

    não defendem os aqui uma ou outra modalidade, nem pregamos o uso da nor-

    ma coloquial, apenas ressalvo a im portância de que você, falante d o idioma,

    saiba que as conversas espontâneas comum ente distanciam-se da n orma pa-

    drão, e que em contextos formais, mesm o que você empregue a língua falada,

    precisará usar a n orma padrão. Mas você conhece os conceitos: norm a padrã o,norm a coloquial, norm a culta etc.?

    1.2 Norma padrão, norma culta e norma popular

    A Linguística discute o conceito de “norm a” relacionand o-o aos com portam en-

    tos linguísticos dos ind ivíduos e ao sistem a ideal de valores. Para você, estudan-

    te de nível superior, as discussões aprofundadas sobre tais conceitos podem

    não ser essen ciais, mas é preciso conhecer a diferença en tre os termos “norm a

    culta e norm a padrão”, usados como sinôn imos no cotidiano.

    Lucche si (2002, p. 64) explica-nos q ue a norma padrão diz respeito às for-mas contidas e prescritas pelas gramáticas norm ativas, como por exemp lo, a

    recomen dação para usar a mesóclise com verbos no futuro do presen te do indi-

    cativo ou no futuro d o pre térito (Dar-te-ei um prêm io se acertar a resp osta! Dar-

    te-ia um prêm io se acertasse a respost a). Já a norma culta contém as “formas

    efetivamen te depreen didas d a fala dos segmen tos plenam ente escolarizados,

    ou seja, dos falantes com curso su perior completo”. Com base n os estudos lin-

    guísticos feitos sobre a língua falada culta em diversas regiões do p aís, como

    o Projeto NURC, por exem plo, é possível afirm ar qu e nem m esmo na n orm a

    culta, isto é, nem mesm o os falantes escolarizados, ditos cultos, utilizam a n or-

    ma padrão em todos os m omen tos. Todavia, é possível que os falantes cultos

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    capít ul o 1 • 29

    não sejam m al avaliados por não usarem a m esóclise porque esta norm a não é

    estigmatizada. Já um indivíduo que diga: “Nóis vai, nóis qué” provavelmente,

    será m al avaliado e poderá sofrer preconceito linguístico porqu e a ausên cia de

    concordância verbal é um a variante estigmatizada. Entre esses extremos, há a

    norm a coloquial, usad a no d ia-a-dia, nas conversas informais com amigos, nos

    bilhetes, nas redes sociais etc. É considerada um a linguagem ma is descontraí-

    da, sem formalidades, com gírias, dim inutivos afetivos, termos regionais, abre-

    viações, contra ções etc. Nela, são comu ns con stru ções como: “A gente q ué” (ao

    invés da construção pa drão : “Nós querem os”); “As m enin a adora ” (ao invés da

    padrão: “As meninas adoram”), “O filme que eu assisti” (ao invés da padrão:

    “O filme a qu e eu ass isti”); “Me emp rest a o lápis” (ao invés de: “Em pres te-me

    o lápis”) etc. Poderíamos apr esentar um a imen sa lista com d esvios da norm a

    padrão m uito comu ns na linguagem coloquial (também chamada d e popular)

    porque a n orma padrão está m ito distante do u so que os falantes fazem, em

    geral, da língua. Porém, é im portan te frisar três aspectos aqu i discutidos, explí-

    cita ou imp licitamen te:1) A língua varia de acordo com a situação e ouros fatores sociais como , es-

    colaridade , sexo, nível social et c.;

    2) Não se deve julgar, menosprezar ou demonstrar preconceito pelo modo

    como alguém ala ou escreve, pois não há uma forma linguística superior à outra;

    3) Embora n ão se deva julgar ou cond enar alguém pelo uso linguístico qu e

    faz, você deve saber u tilizar a norm a pad rão nos cont extos em que ela é exigida.

    Diante d as considerações feitas, serão apresentadas , ao fim desse capítulo,

    algum as constru ções típicas da linguagem coloquial, mas qu e devem ser evita-

    das em situações formais, quando a n orma padrão é a esperada, como em con-

    ferências, sem inários, redações d e vestibulares, n otícias, reportagens, ar tigoscientíficos, trabalhos acadêm icos, den tre outros.

    1.3 Construções da norma padrão e da norma coloquial: correçõesdos desvios mais comuns

    As discussões sobre “adequação da linguagem” e norm a padrã o/culta/popu lar

    ilustram a importância do conhecimento da norma padrão principalmente

    nos con textos formais d as relações profissionais. É preciso dom inar as regras

    gramaticais, saber conjugar os verbos, usar a concordância, os pronomes, a

    acentuação, a pontuação, as preposições, den tre outros itens gramat icais im-

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    portantes tanto para um a boa redação como para um a boa interpretação textu-

    al. Na linguagem cotidiana, cometem os m uitos desvios em relação ao padrão,

    entretan to, quanto for usar a língua em situa ções form ais, precisará obedecer

    aos preceitos do padrão.

      A seguir, apresen tam -se algum as construções típicas da linguagem po-

    pular, coloquial, sobre as qu ais, muitos falantes têm dúvidas.

    1- ONDE x AONDE

    Utiliza-se “aonde” quando o verbo expressar movimento, como em: “Aonde

    você vai?”; já quan do in dica perm anên cia em u m lugar, o correto é usar “onde”,

    como em : “Onde você está?”. Veja out ros exemp los:

    O político sabia bem aond e queria chegar.

    Orgulho-me m uito d o lugar vivo.

    2- HA´

     x A

    Inúm eros estudan tes cometem desvios do padrão usan do “há” no lugar de “a”

    e vice-versa. A regra é a seguin te:

    a) usa -se “há” qua nd o se flexiona o verbo “haver” no presen te do in dicativo,

    para expressar “existência”, como em : “Há m uitas pessoas nesse show.”

    b) usa-se “há” quando se flexiona o verbo “haver” no presente do indicativo,

    para expressar “temp o já passado”, como em: “Há algun s anos , visitei esta cidade.”

     Atenção: Muitas pessoas u sam a expressão “há an os atrás”, que é conside-

    rada pleon asm o vicioso, pois o haver já ind icaria passad o, sendo d esnecessário

    usar “atrás”.Veja o seguin te exemp lo:

    Já o uso d e “A” ocorre nos seguin tes casos:

    a) Como artigo definido:

    A professora explicou a m atéria.

    b) Como tempo futuro:

    Ela fará o discurso daqui a 10 minu tos.

    Daqui a p ouco, iniciaremos a reun ião.

     

    Se “daqui a pouco” ind ica futuro...não pode ser “há”. 

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     3- MAU x MAL

    No cotidiano, mu itas pessoas usam in distintam ente “mal e mau ”, porém , “m au”

    é adjetivo e “m al”, advérbio. Existe um famoso macete para n ão errar m ais:

     

    MAL é o oposto de BEM

    MAU é o oposto de BOM

    O macete é bom para decorar o uso, m as enten da o m otivo, veja:

     a) O hom em m au ignora os outros.

    b) O homem está passando mal. 

    Nesses dois exemplos, você percebe que em “O homem MAU”, a palavra

    mau se refere ao substan tivo hom em. Logo, trata-se de u m a djetivo, que é u ma

    classe gramatical que se flexiona em gênero, núm ero e grau:

    - Os hom ens m aus (flexão de n úm ero);

    - As m ulhe res m ás (flexão de gênero: mas c./fem.)

    - Os homen s são tão mau s quan to as mu lheres (grau comp arativo).Já no exemp lo B, mal é um advérbio, por isso nã o pode sofrer variação. Ob-

    serve que se alterarm os o gênero e o núm ero de “hom em” em “b”, “mal” não

    sofrerá nen hum a alteração:

    - Os hom ens estão passan do mal.

    - As m ulheres estão pas sand o mal.

    Obs.: A palavra MAL pod e ser su bstan tivo, por exemplo: “Este é um mal ne-

    cessário”. Mas, nesse caso, haverá semp re um d etermin ante qu alquer, como o

    artigo UM, e pode h aver plu ral: “Os males d a vida sã o muitos.”

     4- MENOS x MENAS

    A palavra “menos” tam bém é mu ito usada como advérbio para indicar “men or

    grau, men or inten sidade e q uan tidade” e, com o um advérbio, é invariável. Con-

    tudo, no cotidiano, as pessoas a flexionam incorretamen te em gênero e dizem:

    “Com i m enas comida hoje.”. Como “m enos” é a dverbio, é sem pre in variável

    e ficará sempre no singular, portanto, o correto, de acordo com o padrão é:

    “Com i menos com ida hoje.”

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    5- “AO ENCONTRO DE” E “DE ENCONTRO A”

    As expressões “ao encontro d e” e “de en contro a” são extrem amen te usadas por

     jornalista s e at é em con versas cotidian as. Mas m ui tos a u tilizam da forma in-

    correta! Para não errar, aten te-se às n orm as de u so de ta is locuções:1

     Ao encontro de: significado “estar de acord o com ”, “em d ireção a”, “favorá-

    vel a”, “para jun to de”. (está d e acordo)

    Exemp lo: Meu texto está ao encon tro do que o p rofessor solicitou.

    De encontro a: tem significado de “contra”, “em oposição a”, “para chocar -

    se com”.

    Exemp lo: Meu texto está do en contro ao que o professor solicitou. (está em

    desacordo)

    A fim d e ilustrar a im portân cia da gram ática para o sentido, apresentam os,

    a seguir, uma frase de u m a n otícia que relata a in iciativa da p refeitura d e São

    Paulo de oferecer moradia, trabalho remunerado e treinamento profissionala depen dentes quím icos da região conh ecida como Cracolând ia. Veja com o o

    conhecimen to da língua é relevante para o sentido, pois se mud armos ap enas

    um a prep osição, o significado da frase altera-se totalm ente:

    “Dar traba lho e m oradia aos u suários de d rogas vai ao encontro do que a

    Organização das Nações Un idas (ONU) defende para com bater o vício” (Época,

    13 jan. de 2014, p. 11).

    O jornalista usou adequad amen te a locução prepositiva “ao encontro do”,

    transm itindo a ideia de acordo com o contexto da n otícia, isto é, a ação rea-

    lizada pela prefeitura de São Paulo está em conformidade com o qu e defen-

    de a ONU. Entretan to, mu itas pessoas n ão sabem quan do devem u tilizar “aoencontro ou de encontro”. Imagine se a frase tivesse sido escrita dessa form a:

    “Dar trab alho e m oradia aos us uários de d rogas vai de encontro do que a Or-

    ganização das Nações Unidas (ONU) defende para combater o vício”. Usando

    “de encontro”, o sentido da frase seria o oposto, a atitud e da pr efeitura de São

    Paulo não estaria de acordo com o que d efende a ONU. Percebeu a im portân cia

    do conhecimen to da língua tan to para a interpretação como para a redação?

    1 Todo o conteúdo desse item foi retirado de: CORDEIRO, M.B.G. Redação e Interpretação Textual. Estácio: RibeirãoPreto, 2014, p. 28-29

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    capít ul o 1 • 33

    ATIVIDADE

    Analise a linguagem usada no cartum a seguir para responder à questão 1.

    1. Analise a variação linguística presente na tirinha e as considerações a seguir:

    I. A situação retratada pode ilustrar a variação diatópica, referente às diferenças entre

    as regiões no modo de falar (semântica, sintaxe, fonologia, morfologia), pois mostra uma

    forma típica dos gaúchos se comunicarem.

    II. A situação retratada pode ilustrar a  variação diastrática, referente a fatores sociais,

    tais como: faixa etária, profissão, estrato social, escolaridade, gênero etc., pois mostra os

    dialetos diferentes de um garoto e de um senhor.

    III. A situação retratada pode ilustrar a variação diafásica, referente ao contexto comu-nicativo; a situação exigirá o uso de um modo de falar distinto, pois os falantes encon -

    tram-se em uma situação informal e usam expressões populares.

    IV. A linguagem usada constitui exemplo de vernáculo no sentido do uso específico,

    regional que se faz da língua.

    V. A linguagem usada constitui exemplo de vernáculo no sentido de língua nacional de

    um país.

    Estão corretas as afirmativas feitas em:

    a) Todas, exceto V.

    b) I e II, apenas.

    c) I, II e III.

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    d) Todas, exceto IV.

    e) II e IV, apenas.

    2. Assinale a única alternativa que apresenta uma informação INCORRETA sobre o texto

    oral e o escrito.

    a) As diferenças entre fala e escrita ocorrem mediante uma gradação, esta é baseada no

    meio de distribuição (sonoro ou gráfico) e na concepção discursiva (oral ou escrita) de

    acordo com uma maior ou menor aproximação de uma ou de outra modalidade (gêneros

    de fala e de escrita).

    b) Gêneros orais espontâneos, como uma conversa informal, por exemplo, apresentam

    relativa fragmentação: frases curtas e margeadas por pausas.

    c) Nos gêneros orais espontâneos, como uma conversa informal, por exemplo, há pre-

    sença explícita de hesitação, pois o planejamento e a execução são simultâneos.

    d) Frases mais longas, encadeamento sintático complexo (coordenação e subordinação) são

    características de gêneros escritos formais, como teses, dissertações, artigos científicos etc.

    e) São características distintivas da fala e da escrita: A fala é contextualizada e a escrita,descontextualizada. A fala não é planejada e a escrita é; a fala não é normatizada e a

    escrita sim; a fala é pouco elaborada e a escrita é complexa.

    Com base no cartum, responda às questões a seguir:

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     3- Analise as informações sobre variação linguística, norma e uso em relação à fala da

    personagem da charge.

    I. A fala da personagem exemplifica a variação linguística, pois o protagonista usa uma

    variante típica da linguagem informal: a abreviação do verbo “está” para “tá”.

    II. Não há erro gramatical na charge, pois a informalidade expressa na fala do protago-

    nista representa uma linguagem coloquial, na qual não se exige o cumprimento rigoroso

    das normas gramaticais.

    III. Há erro linguístico na charge, pois o cartunista deveria ter usado a norma padrão, já

    que a charge é um gênero destinado principalmente a um público culto.

    IV. Se o enunciado da charge fosse produzido em um pronunciamento oficial do Governo,

    por exemplo, deveria ser usada uma linguagem culta, de acordo com o padrão.

    Estão corretas as afirmações feitas em:

    a) I e II, apenas.

    b) I e III, apenas.

    c) I e IV, apenas.

    d) II e IV, apenas.e) I, II e IV.

    4- A fala da personagem ilustra, essencialmente, a(s) variação(ções):

    a) Diatópica, apenas;

    b) Diastrática e diafásica;

    c) Diafásica, apenas;

    d) Diastrática, penas.

    e) Diafásica e diatópica.

    5- Relacione os conceitos às respectivas nomenclaturas:I. Norma culta;

    II. Norma padrão;

    III. Gramática Normativa;

    IV. Prescrição;

    V. Uso.

    ( ) Norma estabelecida pela tradição gramatical; prestígio social.

    ( ) O verbo deve concordar com o sujeito.

    ( ) O uso linguístico feito por falantes escolarizados que normalmente conhecem a nor-

    ma padrão.

    ( ) Diminuiu os casos de fome no país.

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    capít ul o 1 • 37

    REFERÊNCIASBIBLIOGRÁFICAS

    BEZERRA, M. A.; SOUTO MAIOR, A. C.; BARROS, A. C. S. A gíria: do registro coloquial ao

    registro formal. In: IV Congresso Nacional de Linguística e Filologia, Rio de Janeiro, v. I, nº 3,

    p. 37, 2000.

    CORDEIRO, M.B.G. Redação e Interpretação Textual. Estácio: Ribeirão Preto, 2015.

    DALLIER, L.C. Comunicação e expressão. Ribeirão Preto: UNISEB, 2011, p. 53-56

    LUCCHESI, D. Norma linguística e realidade social. In: BAGNO, M. (Org.) Linguística da nor-

    ma. São Paulo: Loyola, 2002.

    LEITE, Y.; CALLOU, D. Como falam os brasileiros. Rio de janeiro: Jorge Zahar, 2002.

    NERY, Alfredina. A língua muda conforme situação. In: Pág.3 Pedagogia e comunicação.

    Disponível em: http://educacao.uol.com.br/portugues/ ult1706u80.jhtm. Acessando em: 10

    de dezembro de 2009.

    SAUSSURE, Ferdinand de. Curso de linguística geral. São Paulo: Cultrix, 2004.

    SEVERO, R. T. Língua e linguagem como organizadoras do pensamento em Saussure e Ben-

    veniste. Entretextos, Londrina, v. 13, n. 1, p. 80-96, jan./jun. 2013

    No próximo capı́ tulo

    No próximo capítulo, apresentarem os algum as prescrições da n orma p adrão.

    As recomen dações apon tadas referem -se a algum as n oções básicas de sintaxe,

    tais como a regência nom inal e verbal; verbos tr ansitivos e in trans itivos e con-

    cordância verbal e nom inal. Vamos despertar a curiosidade e apren der?

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    ANOTAÇÕES

     

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    Noções básicas de

    sintaxe: regência econcordância

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    38 • capít ul o 2

     Apresentação do Capı́ tulo

    Neste capı́ tulo, vamos expor algumas prescrições gramaticais, construções tı́-

    picas da norma padrão e que devem ser respeitadas em contextos formais. As

    lições básicas da sintaxe, da estrutura da oração são o sujeito e o predicado, são

    funções elementares em torno das quais se organiza o enunciado, e, portanto,

     você deve conhecê-las. A regência e a concordância, lições apresentadas neste

    capı́ tulo, relacionam-se indiretamente ao sujeito e predicado e constituem te-

    mas muito explorados em concursos. Tanto na comunicação oral, como na es-

    crita, são itens de avaliação, indicando claramente se o emissor é escolarizado

    ou não. Desejamos que vocês sejam bem avaliados tanto na fala como na escrita!

    OBJETIVOS

    • Apresentar o conceito de sintaxe;

    • Ensinar a transitividade de alguns verbos;

    • Listar algumas regras de regência verbal e nominal e suas implicações semânticas;

    • Comparar o uso da regência e da concordância verbal na norma padrão e na linguagem

    coloquial;

    • Elencar as regras gerais e alguns dos casos especiais de concordância nominal.

    REFLEXÃO

    Você se Lembra?

     Você se recorda de ter ouvido alguma pessoa dizendo: “Assisti o filme”; “O livro

    que preciso”, “As menina amam essa música”, “Segue os documentos anexo.” e

    outras construções tı́picas da linguagem cotidiana? Certamente a resposta será

    positiva. Mas você sabe que essas construções não obedecem à norma padrão?

    De acordo com as regras da Gramática, o adequado seria: “Assisti ao filme”;

    “O livro de que preciso”, “As meninas amam essa música”; “Seguem os docu-

    mentos anexos.”. Para conhecer essas e outras regras, mergulhe no segundo

    capı́tulo para usar corretamente as regras básicas de regência e concordância.

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    capít ul o 2 • 39

    1.1 Noções básicas da sintaxe

    O termo “sintaxe” vem do grego “sintaxis” e significa: ordem, disposição. A es-

    tudiosa Svobodová (2014) explica que além de estudar a organização das pa-

    lavras na frase, a sintaxe analisa a relação lógica entre as palavras e as frases.

    Na Gramática tradicional, a sintaxe estuda não só a ordem e disposição dos

    termos, mas a relação entre eles e a função que desempenham na oração. A

    classificação dos vocábulos de acordo com sua função sintática é dividida em

    três grupos: os termos essenciais, os acessórios e os integrantes (SVOBODOVÁ,

    2014, p. 7). Portanto, são estudadas funções sintáticas como as de sujeito, obje-

    to, predicado, adjuntos adverbiais e adnominais, complemento nominal, tran-

    sitividade verbal, regência, concordância etc. Neste capı́ tulo, serão estudadas

    apenas as três últimas funções sintáticas.

     Você pode estar se perguntando por que estudar essa teoria, e a resposta é

    rápida e simples: o capı́ tulo 1 demonstrou claramente a necessidade de obe-

    decer à norma padrão em contextos formais e as regras sintáticas do padrãonem sempre são seguidas no uso coloquial da lı́ngua. Quem não segue as regras

    sintáticas prescritas pela gramática comete um vı́ cio de linguagem denomina-

    do “solecismo”. Bonito o nome né? Ele é mais comum do que se imagina na

    linguagem usual, como por exemplo na frase: “Haviam dez alunos na sala”. En-

    controu o solecismo? Não? Então, aprenda algumas regras básicas para evitar

    tal vı́ cio de linguagem.

    1.2 A transitividade verbal

    Na Lı́ ngua Portuguesa, os verbos são de diferentes tipos, podendo ter sentidocompleto ou incompleto. São justamente os verbos o elemento central da ora-

    ção, pois é em torno deles que se acrescentam complementos, adjuntos etc.

    Dessa forma, o predicado é um elemento essencial da oração que traz a infor-

    mação básica sobre o sujeito (ser de quem se declara algo) e é nele que se en-

    contram os verbos.

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    40 • capít ul o 2

    “Chama-se predicação verbal o modo pelo qual o verbo forma o predicado.

    Há verbos que, por natureza, têm sentido completo, podendo, por si mesmos,

    constituir o predicado: são os verbos de predicação completa, denominados in-

    transitivos” (CEGALLA, 2009, p. 335). Veja o exemplo a seguir:

    O cão late.

    Sujeito Predicado (Verbo Intransitivo: VI)

    Quanto à transitividade, os verbos são classificados em:

    a) Intransitivos: VI

    b) Transitivos diretos: VTD

    c) Transitivos indiretos: VTI

    d) Bitransitivos: VTDI

    http://www.alunosonline.com.br/portugues/transitividade-intransitividade-verbal.html

    a) Verbos intransitivos: VI

    Os verbos intransitivos são aqueles que contêm toda a significação do pre-

    dicado sem a necessidade de qualquer complemento, basta apenas a presença

    do sujeito, como em:

    “Marcos caiu”; “A bomba explodiu”; “O bebê dormiu”; “O sorvete derreteu”;

    “A estrela brilha” etc. Note que nesses exemplos, o verbo traz a significação es-

    sencial, não havendo necessidade de um termo para completar  a ideia central.

    Caso o falante queira acrescentar alguma informação adicional (e não obriga-

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    ATENÇÃO

    Recorde as principais preposições: a – ante – até – após – com – contra – de – desde – em

    – entre – para – por – perante – sem – sob – sobre

    Você precisa saber diferenciar quando o “a” é artigo e quando é preposição:

    Vi a menina caindo. (a=artigo)

    Obedeço à professora (a=preposição)

    O estudante deve saber ainda que há alguns verbos transitivos diretos que podem ser

    usados com preposição por questões estilísticas e de sentido, e nesses casos, os objetos

    serão considerados objetos diretos preposicionados, como em: “Amo a Deus, primeiramente!”

    - Transitivos indiretos (VTI): ligam-se ao complemento obrigatoriamente

    por meio de uma preposição: gostar (de); pensar (em); necessitar (de); consistir

    (em); obedecer (a); responder (a); simpatizar/antipatizar (com) etc...

     

    - Verbos transitivos diretos e indiretos (VTDI): transitam duas vezes e por

    isso, têm um objeto direto e um indireto: Agradecer X a Y; Perdoar X a Y;e Pagar

    X a Y; Dar X a Y etc.

    ATENÇÃO

     A transitividade verbal deverá ser analisada no contexto, pois pode mudar dependendo da

    frase. Por exemplo, na frase: “Paguei a conta”, o verbo “pagar”, nesse contexto, é apenas VTD,

    transita apenas uma vez e tem apenas o objeto direto.

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    capít ul o 2 • 43

    Conhecer a transitividade verbal, conforme as recomendações das gramáti-

    cas tradicionais, é essencial para escrever melhor (adequado ao padrão) e tam-

    bém para interpretar. Quando se conhece a transitividade, utiliza-se a regência

    padrão, os pronomes adequadamente, a crase e outras normas. Quanto à inte-

    pretação, é preciso saber que a regência dos verbos pode alterar seu sentido,

    então, estude algumas regras de regência, a seguir.

    1.3 A regência verbal

    Cegalla (2008, p. 483) explica que a regência trata das “relações de dependência

    que as palavras mantêm na frase”. Há dois tipos de regência: a verbal, que trata

    das relações entre o verbo e seus complementos, e a nominal, que cuida dos

    arranjos entre os nomes (substantivos e adjetivos) e os termos a eles ligados.

    Exemplos:

    a) É um homem propenso ao vı́cio.

     Adjetivo complementoO adjetivo “propenso” é o termo regente, e “ao vı́ cio”, o termo regido. Como

    o adjetivo é considerado um nome, trata-se de um caso de regência nominal.

    b) Assistimos à peça de teatro.

     Verbo complemento

    O verbo “assistimos” é o termo regente, e “à peça”, o termo regido. Quando

    a relação se dá entre o verbo e seu complemento, ocorre um caso de regê ncia

     verbal. 

    Assisti a peça de teatro (auxiliei) Assisti à peça de teatro (presenciei)

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    44 • capít ul o 2

    Se você escrever: “Assisti a peça de teatro”, sem o acento grave (indicativo de

    “crase”), sua frase poderá ser entendida da seguinte forma: “Auxiliei a monta-

    gem da peça de teatro”, e não “presenciei”.

     Após a definição, Cegalla (2008, p. 490) orienta que a regência dos verbos

    pode alterar seu sentido, como, por exemplo, em:

     Aspirei o aroma das flores (VTD: sorver, absorver).

     Aspirei ao  sacerdócio (VTI: desejar, pretender).

    Ele assistiu ao jogo (VTD: presenciar, ver).

    O médico assistiu o enfermo (VTI: prestar assistência, ajudar).

     Aqui, cabe a seguinte ressalva: Na linguagem informal, popular, “assistir

    mesmo com o sentido de presenciar, tem sido empregado como VTD, isto é,

    sem preposição. Assim, são comuns construções populares como: “Assisti o fil-

    me”. Porém, quando se exigir o padrão, você já sabe que deve dizer ou escrever:“Assisti ao filme”.

    Olhe para ele (VTI: fixar o olhar).

    Olhe por  ele (VTI: cuidar, interessar-se).

    Ele não precisou a quantia (VTD: informar com exatidão).

    Ele não precisou da quantia (VTI: necessitar).

     A cadela agradava o filhote (VTD: acariciar).

     A música não agradou aos fãs (VTI: ser agradável).

    Queria as férias logo (VTD: desejar).

     A mãe quer  aos filhos igualmente (VTI: ter afeto).

    O atirador visou o alvo (VTD- apontar)

    O professor visou meu caderno (VTD: pôr visto)

    Muitos visam aos cargos melhores (VTI: desejar, ter em vista)

     

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    Lembre-se disso: se você não usar “visar” com preposição,

    o sentido do verbo será o de “dar visto, assinar”!

    O juiz procedeu adequadamente (VI: agir).

    Estas mercadorias procedem da China (VI seguido de adjunto adverbial de

    origem, com preposição de: originar-se)Seu argumento não procede (VI: ter fundamento)

    O juiz procedeu ao julgamento. (VTI: dar sequência, dar continuidade)

    Cegalla (2008, p. 490-515) recomenda a regência de vários verbos, dentre os

    quais listamos os seguintes:2

    a)  Abdicar  (desistir, renunciar ao poder, cargo, tı́ tulo, dignidade) pode ser

    transitivo direto (TD) ou transitivo indireto (TI) (preposição de):

    Exemplos:

    - D. Pedro I abdicou em 1831 (VI).

    - Não abdicarei a coroa (VTD).- Não abdicarei de meus direitos (VTI).

    b) Agradar (causar agrado, contentar, satisfazer, aprazer): usa-se, atualmen-

    te, com mais frequência, com objeto indireto, sendo o sujeito da oração nome

    de coisa (uma coisa agrada a alguém):

    - A canção agradou ao público.

    -Minha proposta não lhe agradou.

    2 Todo o conteúdo desse item foi retirado de: CORDEIRO, M.B.G. Produção Textual I. Estácio: Ribeirão Preto, 2015

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    ATENÇÃO

    Quando o sujeito da oração é nome de pessoa (alguém agrada alguém), é comum usar o

    objeto direto, isto é, sem preposição:

    - O pai agrada os filhos. [alguém agrada alguém]

    - Procura agradá-lo de todas as formas.

    *Usa-se o verbo como intransitivo na acepção de causar satisfação, ser

    agradável ou atraente.

    - A exibição do balé não agradou.

    - Em certas horas, nada agrada tanto quanto uma boa música.

    *Apresenta-se com a forma pronominal, no sentido de gostar:

    - Leila agradou-se muito do rapaz.

    - A virtude de que Deus mais se agrada é a humildade.

    c) Ajudar (alguém, prestar ajuda, auxiliar a alguém) é TD:

    - Antônio ajudava o pai.

    - Nós os ajudaremos.

    - Elas não queriam que as ajudássemos.

    d) Aludir  (fazer alusão, referir-se a) é VTI, isto é, constrói-se com OI:

    - Na conversa, aludiu-se brevemente ao seu novo projeto.

    - A que o senhor está aludindo?

    - O jornal a que o ministro aludiu lhe fazia duras crı́ ticas.

    ATENÇÃO

    Não admite, como complemento, o pronome lhe, mesmo sendo VTI:

    Como era melindroso, não aludi a ele (e não lhe aludi).

    Aquela moça o destratara, mas ele nem sequer aludiu a ela.

    Outros verbos TI também não admitem o complemento lhe(s), sendo, por isso, construí-

    dos com as formas preposicionadas:

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    Aspiro ao título. Aspiro a ele.

    Assistimos à festa. Assistimos a ela.

    Refiro-me a João. Refiro-me a ele.

    Recorri ao ministro. Recorri a ele.

    Dependo de Deus. Dependo dEle.

    Prescindimos de armas. Prescindimos delas.

    e) Ansiar  (desejar ardentemente) é TI. Use-o com a preposição [por]:

    -Ansiou por ir ao seu encontro.

    - Ansiava por me ver fora de casa.

     Ansiar  (= causar mal-estar, angustiar) é TD:

    - O cansaço ansiava o trabalhador.

     O cansaço ansiava-o.

    f) Atender (acolher ou receber alguém com atenção): VTD:- O diretor atendeu os alunos.

    - O médico sempre os atende bem.

    - O tenista não atendeu o repórter .

    * Atender  (dar atenção a alguém, ouvir-lhe os conselhos, levar em conside-

    ração o que alguém nos diz): VTI:

    - Não atendera aos amigos, fora entregar-se a impostores.

    * Atender  (considerar, prestar atenção, levar em consideração, satisfazer):

    - Atenda bem ao que lhe digo.O Corpo de Bombeiros atendeu a doze pedidos de socorro.

    g) Bater  (dar pancadas): VTI:

    - Os colegas mais fortes batiam nos mais fracos.

    - Por que batiam no menino? Por que lhe batiam?

    *Bater (bater a porta, fechar com força): VTD

    - Furioso, bateu a porta.

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    *Bater (junto à porta para que abram ou atendam): VTI

    - Bateram à porta e fui atender.

    Ao estudar pela primeira vez a regência, pode parecer um assunto difícil, mas com o

    tempo, assimilam-se os diferentes casos.

    1.3.1 Regência verbal: variação, uso e norma gramatical

     A regência é um fator que sofre variação, isto é, realiza-se de formas diferentes

    no uso linguı́stico. Há o uso padrão, valorizado socialmente, e o uso coloquial,

    que não segue as prescrições gramaticais. Para finalizar a regência, listamos

    alguns desses casos.

    a) Chegar com o sentido “atingir data ou local”.- Na linguagem coloquial (informal), o verbo chegar é usado indevidamente

    com a preposição em:

    “Chegamos em casa; chegamos no porão”;

    - Na linguagem padrão (formal), o verbo chegar deve ser usado com a pre-

    posição “a”:

    “Chegamos a casa; chegamos ao porão”.

    b) Esquecer; esquecer-se/lembrar; lembrar-se:

    - Na linguagem coloquial (informal), o verbo esquecer é usado indistinta-

    mente com ou sem a preposição de:“Esquecemos do calendário; esquecemos o calendário”;

    - Na linguagem padrão (formal), o verbo esquecer deve ser usado sem a pre-

    posição de quando não ocorre em sua forma pronominal:

    “Esquecemos o calendário”;

    Contudo, em sua forma nominal (esquecer-se), deve ser usado com a pre-

    posição:

    “Esquecemo-nos do calendário”.

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    ATENÇÃO

    “lembrar”/”lembrar-se” segue a mesma regra:

    “Lembrei o compromisso de hoje.” OU: “Lembrei-me do compromisso de hoje.”

    c) Implicar  com o sentido de “causar”:

    - Na linguagem coloquial (informal), muitos falantes usam o verbo impli-

    car como transitivo indireto, como em: “O aumento da inflaçã o implicou no

    aumento dos preços.”

    - Na linguagem padrão (formal), o verbo implicar deve ser usado sem a pre-

    posição em:

    “O aumento da inflação implicou o aumento dos preços.”

    d) Namorar :

    - Na linguagem coloquial (informal), muitos falantes usam o verbo namo-

    rar como transitivo indireto, como em: “Namorei com Paulo por muitos anos.”- Na linguagem padrão (formal), o verbo namorar deve ser usado sem a pre-

    posição com:

    “Namorei Paulo por muitos anos.”

    e) Preferir :

    - Na linguagem coloquial (informal), muitos falantes usam o verbo preferir

    com a locução prepositiva “do que”; “Prefiro X do que Y”, como em: “Prefiro

    assistir à TV do que ler.”

    - Na linguagem padrão (formal), o verbo preferir deve ser usado sem a pre-

    posição a:“Prefiro assistir à TV a ler.”

    f) Ir  (para indicar direção):

    - Na linguagem coloquial (informal), muitos falantes usam o verbo com a

    preposição em: “Vou no mercado”; “Fui no shopping”.

    - Na linguagem padrão (formal), devem ser regidos pelas preposições “a” e

    “para”.

    “Vou ao mercado./ Fui à feira.”

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    g) Obedecer e desobedecer :

    Devem ser complementados pela preposição “a”, de acordo com a norma

    padrão.

    Obedeça à sinalização.

    Obedecer aos pais sempre foi recomendado.

    Cada vez mais vemos empresas desobedecendo ao código do consumidor.

    h) Emprestar :

    Deve ser usado somente no sentido de ceder por empré stimo, de acordo

    com a norma padrão.

    Emprestei os livros à diretora da empresa.

    i) Morar e residir :

    Devem ser empregados com a preposiçã o “em”, antes do local de moradia

    ou residência, de acordo com a norma padrão.

    Moro na Avenida Marechal Rondom.

    O diretor reside na Avenida Independência.

    OBS.: expressões como residente e situado(a) devem ser seguidas da prepo-

    sição “em”:

     Amando Franco, residente na Avenida Central.

    Casa Silva, situada na Avenida Quintino de Abreu

    1.4 Regência nominal

    É muito comum alguns termos regidos serem ligados aos regentes por meio

    de preposições. Por isso, estudar regência é importante não só para saber se

    determinado termo exige preposição ou não, mas também para conhecer qual

    a preposição usada com tal termo regente e regido. A regê ncia nominal estuda

    a relação dos nomes (adjetivos, substantivos e até advérbios) com seus comple-

    mentos.

     Veja, agora, a lista de substantivos e adjetivos acompanhados das preposi-

    ções mais usuais que Cegalla (2008, p. 487-488) apresenta. Note que, em alguns

    casos, admite-se mais de uma preposição:

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    capít ul o 2 • 51

     Acessı́vel a

     Afável com, para com

     Afeição a, por

     Aflito com, por

     Ansioso por, de

     Atentatório a, de

     Aversão a, para, por

     Alheio a, de

     Avesso a

     Aliado a, com

     Análogo a

     Antipatia a, contra, por

     Apto a, para

     Atencioso com, para com

    Imune a, de

    Indulgente com, para comInerente a

    Coerente com

    Compaixão de, para com, por

    Compatı́vel com

    Conforme a, com

    Constituı́do de, com, por

    Contente com, por, de, em

    Contı́guo a

    Cruel com, para, para com

    Curioso de, porDesgostoso de, com

    Desprezo a, de, por

    Devoção a, para com, por

    Devoto a, de

    Dúvida acerca de, de, em, sobre

    Empenho de, em, por

    Fácil a, de, para

    Falho de, em

    Feliz com, de, em, por

    Fértil de, em

    Hostil a, para com

     Junto a, com

    Lento em

    Pasmado de

    Passı́vel de

    Peculiar a

    Pendente de

    Preferı́vel a

    Propı́ cio aPróximo a, de

    Rente a

    Residente em

    Respeito a, com, de, para com, por

    Simpatia a, para com, por

    Situado a, em, entre

    Solidário com

    Suspeito a, de

    Último a, de, em

     União a, com, entre Versado em

     Vizinho a, com, de

    Observe também a regê ncia de alguns advérbios: Longe de; Perto de; Parale-

    lamente a; Relativame