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1Licenciatura em Letras

Língua Portuguesa modalidade a distância

DisciplinaPsicologia

da Aprendizagem

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Licenciatura em LetrasLíngua Portuguesamodalidade a distância2

MATERIAL DIDÁTICOELABORAÇÃO DO CONTEÚDOLaura Maria Silva Araújo Alves

REVISÃOMaria Risolêta Silva Julião

COORDENAÇÃO DE EDIÇÃOMaria Cristina Ataide Lobato

CAPA, PROJETO GRÁFICO E EDITORAÇÃO ELETRÔNICAAna PetruccelliKáyra Matos Badarane

IMPRESSÃOGrá� ca Universitária - UFPA

Dados Internacionais de Catalogação na publicação (CIP) – Biblioteca do ILC/ UFPA, Belém – PA

Fairchild, � omas Massao. Ensino-Aprendizagem da Língua Portuguesa I/ � omas Massao Fairchild. – Belém: EditAedi, 2014. v.12. Textos didáticos do Curso de Licenciatura em Letras – Habilitação em Língua Portuguesa – Modalidade a Distância. ISBN: 1. Ensino-Aprendizagem. 2. Língua Portuguesa. 3. Linguística. I. � omas Massao Fairchild. II. Título.

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Belém-Pa2014

volume 15

DisciplinaPsicologia

da Aprendizagem

Laura Maria Silva Araújo Alves

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Licenciatura em LetrasLíngua Portuguesamodalidade a distância4

MINISTRO DA EDUCAÇÃOAloizio Mercadante Oliva

SECRETÁRIO EXECUTIVO DO MECJosé Henrique Paim Fernandes

DIRETOR DA UNIVERSIDADE ABERTA DO BRASILJoão Carlos Teatini de Souza Clímaco

REITOR DA UNIVERSIDADE FEDERAL DO PARÁCarlos Edilson de Almeida Maneschy

VICE-REITORHorácio Schneider

PRÓ-REITORA DE ENSINO DE GRADUAÇÃO (UFPA)Marlene Rodrigues Medeiros Freitas

ASSESSOR ESPECIAL DE EDUCAÇÃO A DISTÂNCIA (AEDI)José Miguel Martins Veloso

DIRETOR DO INSTITUTO DE LETRAS E COMUNICAÇÃO (ILC)Otacílio Amaral Filho

DIRETOR DA FACULDADE DE LETRAS (FALE)Elizabeth Ferreira Vasconcelos de Andrade

COORDENADORA DO CURSO DE LICENCIATURA EM LETRASHABILITAÇÃO EM LÍNGUA PORTUGUESA – MODALIDADE A DISTÂNCIAMaria de Fátima do Nascimento

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5Licenciatura em Letras

Língua Portuguesa modalidade a distância

SUMÁRIO

Unidade 1 – Processos de aprendizagem ..... 9Atividade 1 – Conceiros, características e tipos de aprendizagem ..... 11Atividade 2 – Maturação e aprendizagem ..... 17Atividade 3 – Motivação e aprendizagem ..... 25

Unidade 2 – Teorias da aprendizagem ..... 33Atividade 4 – Abordagem comportamentista (Skinner, Bandura e Gagné) ..... 35Atividade 5 – Abordagem cognitivista (Piaget, Ausubel e Bruner) ..... 49Atividade 6 – Abordagem humanista (Rogers) ..... 67Atividade 7 – Abordagem sócio-histórica (Vygotsky) ..... 75

Unidade 3 – Multiculturalismo, aprendizagem e desenvolvimento humano ..... 81Atividade 8 – A linguagem como mediadora da aprendizagem e desenvolvimento ..... 83Atividade 9 – A rede de signi� cações no desenvolvimento humano ..... 93Atividade 10 – Cultura e desenvolvimento humano ..... 101Atividade 11 – Culturas infantis e a infância ..... 109

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7Licenciatura em Letras

Língua Portuguesa modalidade a distância

APRESENTAÇÃO

Caro (a) aluno (a),

Psicologia da Aprendizagem é uma disciplina que faz parte do sexto módulo do Curso de Licenciatura em Letras – Língua Portuguesa – na Modalidade a Distância. Esta disciplina, que tem uma carga horária de 68 horas, centra-se em conhecer os processos de aprendizagem; as várias abordagens que deram surgimento às teorias da aprendizagem (Skinner, Bandura, Gagné, Piaget, Ausubel, Bruner, Rogers e Vygotsky); o multicuturalismo, a aprendizagem e o desenvolvimento humano. Na última unidade, você vai conhecer a linguagem, a rede de signi� cações e as culturas infantis.

Para cumprir os objetivos estabelecidos na ementa da disciplina, o conteúdo está organizado em três unidades, que se dividem em onze subunidades, conforme o sumário.

Durante o período de desenvolvimento desta disciplina, você deverá proceder ao estudo das atividades previstas no planejamento. Nos dias determinados para os encontros presenciais, você poderá discutir com o seu tutor o conteúdo estudado nos dias anteriores, tirar suas dúvidas, entregar o resultado de seus exercícios e realizar as avaliações. Ademais, no decorrer de seus estudos, procure observar os objetivos de aprendizagem propostos na introdução de cada unidade didática.

Estão previstas 20 horas por semana para você proceder à leitura do material didático, ao estudo dos conteúdos, ao desenvolvimento dos exercícios. O seu bom desempenho neste ou em qualquer módulo do curso depende, em parte, da sua capacidade de se disciplinar. Não deixe de participar dos encontros com seu tutor e com os colegas, pois essas interações são imprescindíveis ao alcance sucesso no processo de ensino aprendizagem. Portanto, organize-se.

Bom estudo!

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9Unidade 1

Processos deAprendizagem

PROCESSOSDE APRENDIZAGEM

u n i d a d e 1

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11Unidade 1

Processos deAprendizagem

a t i v i d a d e 1

CONCEITOS, CARACTERÍSTICAS E TIPOSDE APRENDIZAGEM

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objetivosAo � nal desta atividade, você deverá• conhecer os conceitos de aprendizagem;• distinguir os tipos de aprendizagem;• identifi car as características da aprendizagem.

PRA INÍCIO DE CONVERSAOs conteúdos reunidos nesta atividade têm como objetivo possibilitar o entendimento dos processos de aprendizagem além da busca de novas leituras que possam auxiliá-lo a compreender os aspectos fundamentais desses processos. Para tal, convidamos vocês a nos acompanhar nesse estudo e a conhecer os diversos conceitos de aprendizagem, os tipos e as características da aprendizagem.

Iniciamos esta Unidade com as seguintes questões que visam à compreensão sobre aprendizagem e sua importância no ensino. Você sabe o que é aprendizagem? Qual a relação entre aprendizagem e ensino? Que fatores ajudam no processo de aprendizagem? Como as teorias psicológicas explicam o processo de aprendizagem?

Apesar da vasta literatura sobre aprendizagem nos últimos anos, psicólogos e educadores em geral consideram que a aprendizagem é um processo complexo, pois envolve muitas variáveis e está norteado por fatores internos e externos, individuais e sociais. Muitos desses estudos, graças a pesquisas em laboratório e em sala de aula, têm apontado aspectos úteis para professores, treinadores e outros pro� ssionais responsáveis por orientar e facilitar a aprendizagem.

Contamos hoje com um respeitável conjunto de pesquisas cientí� cas, que instru-mentaliza muitos pro� ssionais na busca de uma aprendizagem mais e� ciente, duradoura, grati� cadora, proveitosa e signi� cativa para o sujeito aprendiz. “Aprender” é uma palavra muito antiga. Na língua portuguesa signi� ca � xar na mente ou na memória, conhecer algo.

O ser humano, desde o nascimento, aprende a conviver com as outras pessoas, aprende os valores culturais; aprende a desempenhar papeis sociais; aprende a usar ins-trumentos e signos construídos historicamente pelo ser humano; aprende a ter desejos e interesses. Neste sentido, a aprendizagem envolve o uso e desenvolvimento de todas as capacidades e potencialidades do homem, tanto físicas, quanto mentais e afetivas.

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13Unidade 1

Processos deAprendizagem

A maioria das de� nições destaca os aspectos externos observáveis da aprendizagem e as mudanças de comportamento ou de desempenho. Mas aprendizagem é muito mais abrangente. O desenvolvimento está sempre relacionado com a experiência de aprendizagem: é preciso que o sujeito apren-da coisas novas, pois só assim desenvolverá suas capacidades cognitivas, motoras e afetivas.

A maioria das pessoas, não versada em psicologia, tem a tendência de conceber a aprendizagem como signi� cante para adquirir habilidades e competências em leitura, escrita, conhe-cimentos de artes, história, geogra� a, entre outros. Trata-se de uma concepção limitada de aprendizagem, pois aprendizagem é muito mais complexo que se pode imaginar.

Aprendizagem não é apenas aquisição de conhecimentos ou aquisição de desempenho. É um fenômeno que abrange três áreas do desenvolvimento humano, quais sejam: cognitiva, psicomotora e afetiva. Veja o esquema ao lado sobre a dinâmica de interação desses três elementos da aprendizagem.

Dinâmica da interação entre os elementos da aprendizagem

Aprendizagem Cognitiva é aquela que resulta no armazenamento organizado de informações na mente do ser que aprende. Esse complexo organizado é conhecido como estrutura cognitiva. Na aprendizagem cognitiva é o sujeito ao processar a aprendizagem, aciona elementos de natureza intelectual, tais como a percepção, a atenção, a raciocínio, a memória, a abstração, o julgamento, entre outros. Assim, para que o sujeito aprenda de

APRENDIZAGEM

Observe algumas das numerosas de� nições de aprendizagem propostas por vários teóricos:• A aprendizagem ocorre sempre que o comportamento do aprendiz exibe uma mudança ou tendência progressiva.• A aprendizagem consiste na assimilação de informação.• Aprendizagem é a aquisição de conhecimentos, na qual a modi� cação e a combinação de estruturas cognitivas são os processos básicos.• Aprendizagem refere-se à mudança no comportamento de um sujeito a uma determinada situação.• Aprendizagem pode ser defi nida como um processo de construção e de assimilação de uma nova resposta.• Aprendizagem é uma modifi cação no desempenho que ocorre em função da prática.• Aprendizagem é um processo que se manifesta por meio de mudanças adaptadas no comportamento individual. • Aprendizagem pode ser defi nida como um processo de construção e de assimilação de uma nova resposta.

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forma não-mecânica, por exemplo, uma data histórica, são necessárias as causas e as consequências deste fato histórico para que o sujeito reelabore o conhecimento a ser adquirido.

Aprendizagem Psicomotora é aquela que envolve respostas musculares adquiridas mediante treino e prática. Há, de fato, aprendizagens em que é importante à aquisição de habilidades psicomotoras. A aprendizagem psicomotora é aquela em que o sujeito utiliza o desenvolvimento motor na aprendizagem, que pode ser classi� cado em dois tipos: primário e secundário. O tipo primário inclui os movimentos globais do corpo, como andar, saltar, atirar, nadar, correr, entre outros; já o secundário envolve o controle de músculos menores, como escrever e usar instrumentos que exigem a coordenação dos músculos.

Aprendizagem Afetiva é aquela que resulta de sinais internos ao indivíduo e pode ser identi� cada como experi-ências, tais como prazer e dor, satisfação ou descontenta-mento, alegria ou ansiedade. Algumas experiências afetivas acompanham sempre as experiências cognitivas, portanto a aprendizagem afetiva é concomitante com a cognitiva. A aprendizagem afetiva, que é também conhecida como apren-

dizagem apreciativa e aprendizagem emocional, compreende atitudes e valores sociais, de� nidos por gostos, preferências, simpatias, costumes, crenças, hábitos e ideais. Todo ser humano busca em suas aprendizagens o envolvimento de emoções que lhe proporcione prazer e satisfação.

Você já deve ter percebido que a aprendizagem acontece no decorrer de toda a vida do ser humano. Trata-se de um processo importante para o desenvolvimento do sujeito, no qual estão envolvidos aspectos cognitivos, afetivos e psicomotores. Para que você compreenda bem o que é aprendizagem, apresentamos algumas características básicas, a seguir:

- Processo Dinâmico: a aprendizagem não é um processo passivo, pois se trata de uma atividade emocional e cognitiva, que envolve a participação total e global do sujeito, em seus diferentes aspectos: físico, intelectual, emocional e social.

- Processo Contínuo: a aprendizagem é um processo que se inicia desde o nasci-mento. O bebê, nos primeiros meses de vida, aprende a sugar o seio materno e desenvolve outras aprendizagens vitais para sua sobrevivência, como, por exemplo, movimentos de deglutição e respiração. Os conhecimentos que o sujeito apresenta e que correspondem

APRENDIZAGEM

Como exemplo de aprendizagem cognitiva podemos citar atividades

desenvolvidas pelo sujeito cotidianamente: ler um livro, fazer um

cálculo, tocar um instrumento musical, teclar um computador, entre outras.

Um exemplo de aprendizagem psicomotora: quando uma criança

começa a aprender a escrever percebe-se que todo o seu corpo � ca tenso, seus dedos tornam-se rígidos,

agarrando o lápis com muita força; observa-se, que só com a prática

os movimentos � cam mais � exíveis e mais delicados. Portanto,

determinadas aprendizagens exigem o envolvimento

de aspectos psicomotores. Entre as diversas aprendizagens

afetivas podemos destacar as preferências por determinados

atividades como: esportes, cinema, leituras, músicas, entre outras.

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15Unidade 1

Processos deAprendizagem

a um percurso de aprendizagem contínuo são fundamentais na aprendizagem de novos conhecimentos.

- Processo Global: a aprendizagem é global, porque abrange elementos cognitivos, afetivos e psicomotores. Assim, uma aprendizagem exige do sujeito a participação de aspectos do intelecto ou mentais, como percepção, atenção, raciocínio, memória; a par-ticipação de aspectos emocionais, como interesses e desejos em aprender; a participação de aspectos motores, como movimentos físicos.

- Processo Pessoal: a aprendizagem é individual, pois ninguém aprende por ou-trem, ou seja, é um processo intransferível de um sujeito para outro. O caráter pessoal da aprendizagem promoveu o ensino centrado na pessoa do aprendiz.

- Processo Gradativo: aprendizagem é um processo que se desenvolve por etapas gradativas que vai de atividades simples para mais complexas. Cada nova aprendizagem acontece ancorada em aprendizagem anterior, pois realizamos nossas aprendizagens partindo de operações simples até as operações mais complexas, que exigem do sujeito conhecimentos anteriores.

- Processo Cumulativo: a aprendizagem resulta de um progressivo acúmulo de conhecimentos anteriores. A aprendizagem constitui-se em um processo pelo qual acu-mulamos as experiências que levarão à organização de novos conhecimentos que modi-� carão o comportamento do aprendiz. O processo de aprendizagem é pessoal, e resulta na construção de que, por sua vez, in� uenciam as aprendizagens futuras. Ao aprender, o sujeito acrescenta aos conhecimentos que possui novos conhecimentos, estabelece ligações entre o que é novo e o que já existia em sua estrutura cognitiva.

exercício1. Elabore uma pesquisa, em bibliotecas e na internet, sobre os diversos conceitos de aprendizagem.

2. Disserte sobre a importância dos desejos, gostos e necessidades na escolha de uma aprendizagem.

3. Faça um texto, de quatro a cinco parágrafos, destacando a necessidade da aprendizagem na escola ser cumulativa e gradativa.

4. Sugerimos que você assista ao � lme “Nenhum a Menos”, vencedor do festival de Veneza de 1999, e faça as atividades que se propõe a seguir:a) relacione as atitudes da personagem central com os tipos de aprendizagem;

b) descreva os comportamentos das personagens considerando as características da aprendizagem.

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Licenciatura em LetrasLíngua Portuguesamodalidade a distância16

bibliografiabock, Ana Maria, gonçalves, Mª Graça & furtado, Odair (orgs.). Psicologia Sócio-Histórica: uma perspectiva crítica em psicologia. São Paulo: Cortez, 2001.

campos, Dinah Martins de S. Psicologia da Aprendizagem. São Paulo: Vozes, 1987.

moreira, Marco Antônio. Ensino Aprendizagem: enfoques teóricos. São Paulo: Editora Moraes, 1987.

netto, Samuel Pfromm. Psicologia da Aprendizagem e do ensino. São Paulo: Editora da usp, 1987.

resumo da atividade 1Como o objetivo de apresentar os conceitos de aprendizagem, nesta atividade

aprendemos que o ser humano desde o nascimento aprende a conviver com as outras pessoas; aprende os valores culturais; aprende a desempenhar papeis sociais; aprende a usar instrumentos e signos construídos historicamente pelo ser humano; aprende a ter desejos e interesses. Nesse sentido, a aprendizagem envolve o uso e desenvolvimento de todas as capacidades e potencialidades do homem, tanto físicas, quanto mentais e afetivas. Abordamos ainda, nesta atividade, que a aprendizagem — um processo importante para o desenvolvimento do sujeito — abrange aspectos cognitivos, afetivos e psicomotores. Destacamos também que a aprendizagem humana apresenta algumas características básicas como: dinâmica, contínua, global, pessoal, gradativa e cumulativa.

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17Unidade 1

Processos deAprendizagem

MATURAÇÃOE APRENDIZAGEM

a t i v i d a d e 2

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Licenciatura em LetrasLíngua Portuguesamodalidade a distância18

objetivosAo � nal desta atividade, você terá capacidade de• conhecer a abordagem maturacionista;• identifi car as matrizes inatista - maturacionistas;• distinguir os princípios da abordagem inatista - maturacionista.

PRA INÍCIO DE CONVERSATem início aqui a atividade 2, sobre maturação e aprendizagem e os princípios de determinam a maturação como elemento importante para o desenvolvimento e a aprendizagem. O conteúdo desta atividade certamente contribuirá para o aprofundamento sobre os fatores determinantes da maturação. Para início de conversa, perguntamos: você acha que os fatores biológicos são determinantes para a aprendizagem? Os elementos biológicos são mais importantes para aprendizagem do que a experiência?

A abordagem inatista - maturacionista atribui papel central aos fatores biológicos, pressupondo serem os fatores hereditários ou de maturação mais importante para o desenvolvimento do que os relacionados com a aprendizagem e com a experiência. Isto é, o desenvolvimento do comportamento e das habilidades da criança é governado por um processo de maturação biológica, independente da aprendizagem e da experiência.

A hereditariedade pode ser entendida como um conjunto de traços e características que o sujeito recebe de seus pais, ou seja, herança genética como, por exemplo, a cor dos olhos e do cabelo, o tipo sanguíneo etc.

Partindo do princípio de que os fatores biológicos determinam o desenvolvimento dos sujeitos, os teóricos da abordagem inatista-maturacionista supõem que a inteligência é uma característica herdada, isto é, é determinada biologicamente quando a criança nasce. O papel do meio social é, portanto, o da educação, que permitirá ou impedirá que as aptidões inatas se manifestem. Considera-se, assim, que as diferenças individuais são determinadas pela herança genética e não pelas diferenças culturais ou pelas possíveis oportunidades.

Para a abordagem inatista - maturacionista, a aprendizagem depende do desenvol-vimento, isto é, do nível de maturidade ou prontidão do sujeito. A partir dessa percepção, foi de� nida a premissa de que existe uma ideia precisa para aprender certos conteúdos.

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19Unidade 1

Processos deAprendizagem

No começo do século xx, os pesquisadores procuraram investigar as diferenças individuais e hereditariedade da inteligência. Perguntavam-se: Por que as pessoas são diferentes uma das outras? Por que alguns sujeitos parecem ter tendência a determinadas atividades enquanto outras se sentem melhor com outras bem diferentes? Há diferenças entres os sujeitos quanto a trações de personalidade, de habilidades, de desempenho intelectual?

Os pesquisadores constataram, de um lado, que sujei-tos com aptidão, por exemplo, para a música normalmente tinham contato com familiares que apresentavam a mesma aptidão e, de outro lado, que havia também diferenças de aptidões e de traços mentais entre sujeitos de sexo e raças diferentes.

As considerações feitas pelos pesquisadores apontam que os fatores inatos são mais poderosos na determinação das aptidões individuais e do grau em que estas podem se desenvolver do que a experiência, o meio social e a educação. Segundo eles, uma criança que é � lha de músicos apresenta facilidade para aprender música porque herdou de seus familiares, e não porque conviveu em um ambiente onde a música é valorizada.

Foi justamente no início do século passado que os pesquisadores ocuparam suas investigações na busca de entender as diferenças individuais e, consequentemente, avaliar a inteligência.

Interessado em investigar a inteligência da criança, Binet propõe, por meio da experimentação e observação, considerações sobre como as crianças eram capazes de executar tarefas e sobre como seria possível medir a sua inteligência.

Binet partiu da experimentação e da observação de que as crianças eram capazes de fazer em idades variadas. Ele selecionou questões cuja solução envolvesse os efeitos combinados de atenção, do juízo e do raciocínio e não dependesse de aprendizagens an-teriores. As questões eram organizadas em grupos por idade, e, se um teste era resolvido satisfatoriamente por 60% a 90% das crianças de determinada idade, ele era considerado adequado para aquela idade.

Ao seguir esse mesmo procedimento, Binet selecionava um número determinado de tarefas, em ordem crescente de di� culdades, para cada idade. O teste de inteligência avaliava sujeitos dos 3 anos de idade até a fase adulta. Assim, se uma criança conseguisse

BINETAlfred Binet nasceu em 8 de julho de 1857 em Nice, e faleceu em 18 de outubro de 1911 em Paris. Teve importante papel no desenvolvimento da psicologia experimental na França e deu uma contribuição fundamental à avaliação da inteligência por meio de testes desenhados para esse � m. Binet passou a trabalhar no laboratório de pesquisa da Sorbonne em 1891 e foi seu diretor de 1895 a 1911. A partir de então procurou desenvolver testes de avaliação da inteligência e habilidades do indivíduo. Em 1903 publicou L'ttude experimentale de l'intelligence, com base na observação das características mentais de suas duas � lhas. A partir de 1905, em colaboração com � eodore Simon, desenvolveu escalas para medir a inteligência das crianças, introduzindo o conceito de idade mental. Estas escalas foram a base de todos os testes de inteligência realizados mais tarde.

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Licenciatura em LetrasLíngua Portuguesamodalidade a distância20

resolver todos os testes propostos para cada idade, sua inteligência seria considerada normal. Se ela resolvesse tarefas para crianças com mais idade, seu qi estaria acima da média. E, se, ao contrário, ela acertasse questões propostas a crianças de menor idade, sua inteligência seria considerada abaixo da média.

As idéias de Binet (psicólogo que, com a colaboração de Simon, desenvolveu o teste de inteligência qi) são representativas da abordagem inatista; são marcantes na prática escolar, e, principalmente, chamam a atenção para as especi� cidades da criança, como os conceitos de prontidão, da maturidade, de idade e de aptidão.

Em suma, a ênfase dada aos fatores biológicos reduz a criança a um conjunto de habilidades inatas, desconsiderando os fatores sociais e históricos que fazem parte do sucesso ou do insucesso na aprendizagem e no desenvolvimento do sujeito. A inteligência de um sujeito não é a qualidade de conhecimentos que ele possui, mas sua capacidade de julgar, compreender e raciocinar.

Essas habilidades, segundo Binet, não podem ser aprendidas, mas, ao contrário, são biologicamente determinadas. Portanto, a inteligência é vista com atributo � xado pela hereditariedade.

Interessado em investigar a inteligência da criança, Binet realiza por meio da ex-perimentação e observação, considerações de como as crianças eram capazes de executar tarefas e assim medir a sua inteligência.

Binet partiu da experimentação e da observação do que as crianças eram capazes de fazer em idades variadas. Ele selecionou questões cuja solução envolvesse os efeitos combinados de atenção, do juízo e do raciocínio e não dependesse de aprendizagens an-teriores. As questões eram organizadas em grupos por idade, e se um teste era resolvido satisfatoriamente por 60% a 90% das crianças de determinada idade, ela era considerada adequada para aquela idade. Seguindo esse procedimento, Binet selecionava um número determinado de tarefas, em ordem crescente de di� culdades, para cada idade. O teste de inteligência avaliava sujeitos dos 3 anos até a idades adulta. Assim, se uma criança conseguisse resolver todos os testes propostos para cada idade, sua inteligência seria con-siderada normal. Se ela resolvesse tarefas para crianças mais velhas, se qi estaria acima da média. E se, ao contrário, ela acertar questões propostas para crianças mais novas, sua inteligência seria considerada abaixo da média.

As idéias de Binet (psicólogo que, com a colaboração de Simon, desenvolveu o teste de inteligência qi são representativas da abordagem inatista; são marcantes na prática escolar, e, principalmente chamam a atenção para as especi� cidades da criança, como os conceitos de prontidão, de maturidade, de idade e de aptidão.

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21Unidade 1

Processos deAprendizagem

Em suma, a ênfase dada aos fatores biológicos reduz a criança a um conjunto de habilidades inatas. Desconsidera-se assim, os fatores sociais e históricos que fazem parte do sucesso ou do insucesso na aprendizagem e no desenvolvimento do sujeito.

A inteligência de um sujeito não é a qualidade de conhecimentos que ele possui, mas sua capacidade de julgar, compreender e raciocinar. Essas habilidades, segundo Binet, não podem ser aprendidas, mas, ao contrário, são biologicamente determinadas. Portanto, a inteligência é vista como atributo � xado pela hereditariedade.

Também Arnold Gesell, outro pesquisador teórico da maturação, defendia a prioridade dos fatores de maturação sobre os fatores de aprendizagem, ou de experiência, na evolução do comportamento da criança. Para ele, há um padrão de desenvolvimento comum à maioria das crianças: é o processo de biológico. Em outras palavras, para Gesell, a evolução psicológica da criança seria determinada biolo-gicamente, do mesmo modo que o crescimento do feto no útero materno. O ambiente social e as in� uências externas, geralmente, limitam-se a facilitar ou di� cultar o processo de maturação. Assim, o desenvolvimento se processa no ritmo e sequência determinados pela maturação.

Para exempli� car essa visão de Gesell, podemos des-tacar como exemplo uma criança que raramente é tirada do berço e deixada à vontade no chão. Provavelmente a criança nessa condição vai demorar mais para engatinhar ou andar.

Como se vê, tanto Binet quanto Gesell acreditavam que a inteligência e o desenvolvimento psíquico da criança são biologicamente determinados. Assim como Binet, Gesell também se utilizou da observação e experimentação com crianças para elaborar suas escalas de desenvolvi-mento. No entanto, Gesell utiliza uma nova técnica de observação dos comportamentos das crianças - as câmaras cinematográ� cas. Essa inovação fez com que Gesell criasse um observatório cinematográ� co na Clínica do Desenvolvimento da Criança, em 1930, para registrar todas as reações das crianças.

É importante ressaltar que tanto Binet quanto Gesell desenvolveram trabalhos sobre os comportamentos típicos da criança de cada faixa etária. Entretanto defendiam aspectos diferentes: Gesell não apenas destacava quais são os comportamentos infantis comuns a determinada idade, mas também procurava investigar a maneira como esses comportamentos evoluem, transformam-se. Binet, por sua vez, preocupava-se com

ARNOLD GESELL

Arnold L. Gesell nasceu em 21 de junho de 1880 em Alma, Estados Unidos e faleceu em 29 de maio de 1961 em New Haven, Estados Unidos.Foi o psicólogo desenvolvimentista que demonstrou maior interesse pelos aspectos maturacionais em desenvolvimento humano. Estudou na Universidade de Clark (Massachuts), onde foi in� uenciado a pesquisar o desenvolvimento infantil. Em 1906, doutorou-se na mesma universidade e em 1911 dirigiu uma Psicoclínica, conhecida como Clínica de Desenvolvimento Infantil. Os seus primeiros trabalhos visaram o estudo do atraso mental nas crianças, mas cedo percebeu que é necessária a compreensão do desenvolvimento normal para se compreender um desenvolvimento anormal.

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Licenciatura em LetrasLíngua Portuguesamodalidade a distância22

aqueles comportamentos que, numa determinada idade, pudessem ser tomados como indicadores do nível de inteligência da criança, ou seja, a evolução dos comportamentos considerados típicos não o interessaram, mas sim a capacidade da criança de realizar as tarefas na idade tida como adequada.

Partido das concepções apresentadas por Binet e Gesell, a perspectiva inatista - maturacionista entende que a aprendizagem depende do desenvolvimento. Isto é, o que a criança é capaz ou não de aprender é determinado pelo nível de maturação de suas habilidades e do seu pensamento ou pelo seu nível de inteligência. En� m, a abordagem inatista-maturacionista entende que a criança é portadora de atributos universais (biológicos).

exercício1. Analise a seguinte a� rmativa: “Os fatores biológicos (hereditariedade e maturação) são mais decisivos na determinação da inteligência e do desenvolvimento do que os fatores externos ou do contexto social em que vivem as crianças”.

2. Parafraseando o ditado popular “� lho de peixe, peixinho é”, o que você acha da abor-dagem do inatista - maturacionistas de que uma criança que é � lha, neta ou sobrinha de músico apresenta inclinação e facilidades para aprender música. Você acha que tal aptidão existe porque a criança herdou ou porque foi educada num ambiente que favo-receu contato com a música?

3. Leia o livro “A Terra dos Meninos Pelados”, de Graciliano Ramos. Neste livro, o refe-rido autor conta história de um menino considerado diferente. Após a leitura, procure desenvolver as seguintes atividades: a) exponha as diferenças sentidas pelo menino;

b) apresente as consequências dessas diferenças na vida do menino.

bibliografiabinet, a.; simon, t. Testes para medida do desenvolvimento da inteligência nas crianças. São Paulo: Editora Companhia Melhoramentos, 1929.

gesell, Arnold. Criança dos 5 aos 10 anos. São Paulo: Martins Fontes, 1987.

______. O jovem dos 10 anos aos 16 anos. Lisboa: Publicação Dom Quixote, 1996.

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23Unidade 1

Processos deAprendizagem

resumo da atividade 2Nesta atividade procuramos destacar que, para a abordagem inatista - matura-

cionista, a aprendizagem depende do desenvolvimento, ou seja, que o sujeito é capaz ou não de aprender é determinado pelo nível de maturação de suas habilidades. A ideia é que o sujeito é portador de atributos universais. Veri� camos também que a maturação, aptidão, inteligência são temas destacados pelos inatistas - maturacionistas, que atribuem um papel central a fatores biológicos no desenvolvimento do sujeito. Aproveitamos para destacar os estudos em psicologia desenvolvidos no início do século xx pelos pesquisa-dores Alfred Binet e Arnold Gesell.

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25Unidade 1

Processos deAprendizagem

MOTIVAÇÃOE APRENDIZAGEM

a t i v i d a d e 3

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objetivosAo � nal desta atividade, você deverá • compreender a importância da motivação na aprendizagem;• identifi car os processos motivacionais; • verifi car a relação da motivação com o ensino-aprendizagem.

PRA INÍCIO DE CONVERSAAqui tem início a atividade 3, acerca da motivação como fator importante no processo ensino e aprendizagem. Os conteúdos desta atividade certamente contribuirão para um aprofundamento em torno dos processos motivacionais e o ajudarão a perceber que a motivação é um elemento importante tanto intrínseco como extrinsecamente.

Para dar início as discussões sobre motivação, questionamos: você sabe o que motivação? A motivação é fator relevante para uma aprendizagem e� ciente?

A aprendizagem só acontece quando o sujeito tem interesse, desejo e vontade para aprender algo. Por isso que, ao se abordar a aprendizagem, está implícito tratar de processos motivacionais. É cada vez mais signi� cativo, nos dias atuais, o número de pro� ssionais das ciências humanas interessados pela motivação humana.

A motivação varia conforme a idade, a cultura, o ambiente e até mesmo as ex-pectativas de cada sujeito em satisfazer seus desejos. Nos últimos anos, a Psicologia tem demonstrado que diferentes sujeitos possuem motivações divergentes para alcançar o mesmo objetivo. Por isso, a forma como se dedicam para alcançar esse objetivo varia conforme o desejo, a personalidade, a recompensa etc. Em vista disso, percebe-se que a motivação envolve uma grande variedade de aspectos comportamentais, o que permite que cada sujeito busque os seus próprios fatores de satisfação.

O ser humano vive uma constante busca de satisfazer suas vontades, e isso que o motiva nas suas variadas atividades desde que as estas lhe sejam interessantes. A motivação como algo interior a cada pessoa, pois o grau de satisfação ou insatisfação faz parte dos sentimentos e emoções de cada sujeito.

Cada sujeito executa suas ações de maneira única, pois estas estão marcadas pela personalidade de cada ser. O modo como cada um desempenha uma tarefa é particular,

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27Unidade 1

Processos deAprendizagem

pois cada pessoa possui estratégias próprias, ou seja, ninguém pratica de forma idêntica uma mesma ação, em visa que as pessoas têm suas experiências individuais que irão exercer forte in� uência no desenvolvimento das ações. Cada sujeito tem o seu per� l de motivação, de modo que certos impulsos são particularmente fortes, ou seja, se o sujeito aprendiz gosta de determinado objeto ou situação mais ele sentirá prazer com esses ob-jetos e situações e tentará se afastar do que não lhe desperta interesse.

Para a Psicologia da Motivação, todo sujeito dispõe de certos recursos pessoais, que são: tempo, energia, talentos, conhecimentos e habilidades. Estes poderão ser investidos numa certa atividade e esse investimento pessoal recairá sobre esta atividade escolhida e será mantido enquanto os fatores motivacionais estiverem atuando. A motivação tem a ver com a importância ou o valor que a pessoa enxerga nas atividades que irá realizar.

A motivação para aprender é um fator de grande importância no processo ensi-no - aprendizagem e é um problema que preocupa os educadores em todos os níveis de ensino. Os professores colocam os problemas da motivação entre os mais sérios que enfrentam no ensino. Sabe-se que quanto mais motivado o sujeito, mais disposição terá para aprender, e melhores serão seus resultados na aprendizagem. Uma parte importante dessa motivação reside no interesse do sujeito em satisfazer seus desejos.

Pesquisas na área da Psicologia têm demonstrado que o sujeito que vive em um ambiente familiar equilibrado, no qual há condições mínimas de experimentar e expressar suas emoções tem chances de lidar com maior segurança e tranquilidade com seus sentimentos e pode, dessa maneira, trabalhar com seus sucessos e fracassos de forma mais ade-quada. Nesse caso, o educando tem mais possibilidades de se adaptar ao ambiente escolar, principalmente no início de sua escolarização, bem como às exigências demandadas pela escola. Porém, se ele não tiver esta segurança pode tudo isso ser motivo de muitas angústias e de inseguranças por parte dos sujeitos envolvidos em todo o processo, uma vez que estes se veem obrigados a corresponder às exigências tanto dos pais como dos educadores.

A motivação humana é observada desde tenra idade, sob diferentes formas. O bebê que busca a satisfação de sua fome, somada ao aconchego de um colo quente e acolhedor, demonstra, ao sugar o peito ou uma mamadeira, possuir

MOTIVAÇÃO

Você sabia que pesquisas desenvolvidas por psicólogos e educadores apontam que o autoconceito acadêmico está relacionado com o desempenho acadêmico e com a motivação?Nas décadas de 1970 e 1980 pesquisas voltadas para a análise da autoestima no contexto de sala de aula ganharam força signi� cativa. Os estudos realizados demonstraram que a auto-estima do aluno é afetada pelo fracasso escolar. O autoconceito nasce da percepção que o aluno tem das suas habilidades e competências. O fato de se considerar “bom” ou “ruim” pode acabar in� uenciando o se desempenho escolar na medida em que poderá afetar o seu grau de esforço, de persistência e o seu nível de ansiedade. Ou seja, a auto-estima e o desempenho andam de mãos dadas alimentando-se mutuamente. Desse modo, é possível dizer que é preciso haver certo nível de auto-estima para que o aluno alcance sucesso escolar e desenvolva satisfatoriamente a aprendizagem.

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motivação de sobra, proveniente de seu instinto e da � siologia que lhe cobra nutrição e dos afetos expressos pelo choro, por vezes intensos e fortes, e pelos movimentos mais bruscos de braços e pernas.

Segundo os pesquisadores da aprendizagem, a motivação está presente como processo em todas as esferas de nossas vidas: no trabalho, em família, na escola e em outros lugares.

Quanto ao contexto de ensino-aprendizagem escolar, o objetivo primeiro da edu-cação é o de levar o aluno com determinado nível inicial a atingir um determinado nível � nal. Se a escola conseguir fazer com que o aluno passe de um nível para outro, então terá registrado um processo de aprendizagem. Assim, cabe aos educadores proporcionar situações de interação tais que despertem no educando motivação para interação com o objeto do conhecimento, com seus colegas e com os próprios professores.

Como se sabe, para que aprendizagem se efetive no sujeito, o processo de construção do conhecimento deverá realizar-se na diversidade e na qualidade das suas interações. Logo, a ação educativa da escola deve propiciar ao aluno oportunidades para que esse seja induzido a um esforço intencional, visando aos resultados esperados e compreendidos.

A motivação humana pode se intrínseca e extrínseca. O segredo motivacional do aprendizado escolar está em conseguir conciliar o desenvolvimento da motivação intrínseca da criança com a moti-vação extrínseca.

A motivação intrínseca refere-se à escolha e realização de de-terminada atividade por sua própria causa, por esta ser interessante, atraente ou, de alguma forma, geradora de satisfação. A motivação extrínseca tem sido de� nida como a motivação para trabalhar em resposta a algo externo à tarefa ou atividade, a � m de obter re-compensas (materiais ou sociais) ou reconhecimento, objetivando atender aos comandos ou pressões de outras pessoas ou demonstrar competências ou habilidades.

Você deve estar se perguntando: a� nal, o que tem haver as condições de trabalho do professor

com a discussão sobre motivação?

Quando se fala em ensino - aprendizagem indubitavelmente a motivação para o trabalho docente é hoje um assunto preocupante e de interesse de pesquisadores da educação. Sabemos que o professor como facilitador da aprendizagem tem um papel importante para o desenvolvimento da qualidade do ensino.

DESENVOLVIMENTODA MOTIVAÇÃO

Você compreendeu que a motivação é um elemento fundamental para a nossa

formação e que ela está diretamente relacionada às

nossas atividades pro� ssionais? Você também deve ter notado

que muitos pro� ssionais apresentam problemas de

desmotivação com o trabalho ocupacional. No caso da escola,

o professor pode interferir no desempenho do aluno, pois

é papel dele como facilitador da aprendizagem fortalecer

desa� os, encorajar as tentativas de realizações dos alunos, de

modo que, se eles fracassarem no desempenho de alguma

habilidade, o professor estará presente para desenvolver a

autocon� ança do aluno.

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29Unidade 1

Processos deAprendizagem

O autoconceito procede de processos cognitivos, pois ele é fruto da percepção que a pessoa tem de si mesma. Como todo processo de percepção, está sujeito a uma série de fatores externos e internos à própria pessoa. Informações que vamos colhendo aqui e ali, a nosso respeito, fruto de opiniões alheias, formam, possivelmente, os primeiros rudi-mentos do nosso autoconceito. A essas informações vão-se somando aquelas originárias das avaliações que nós próprios fazemos dos nossos desempenhos, das nossas ações, das nossas habilidades e características pessoais.

Autoconceito e a autoestima referem-se à representação da avaliação afetiva que a pessoa tem de suas características em um determinado momento. O autoconceito é a percepção que a pessoa tem de si mesma. Já a autoestima é a percepção que ela tem do seu próprio valor. Em termos práticos, a autoestima se revela como a disposição que temos para nos ver como pessoas merecedoras de respeito e capazes de enfrentar os desa� os básicos da vida.

A insatisfação docente entra em um quadro psicológico exarcebado que afeta o seu autoconceito e sua autoestima. A autoestima docente positiva é condição muito importante à construção positiva da autoestima do aprendiz. Esses elementos têm le-vado os professores à autoestima negativa, interferindo signi� cativamente nas relações interpessoais dentro da instituição de ensino. Além disso, as consequências geradas pela insatisfação docente têm re� exo na sala de aula e contribuem diretamente para o desinteresse dos alunos e para a menor qualidade do processo de ensino - aprendizagem.

No caso da escola, constata-se cotidianamente nos professores um sentimento de frustração, exaustão em relação ao trabalho desempenhado, o que causa uma sensação de inquietação que aumenta à medida que as exigências da sala de aula se acumulam. Muitos se mostram desmotivados, desorganizados e se irritam frequentemente com os alunos e, por qualquer motivo, entram em con� ito com os alunos.

Teorias psicológicas constatam que o aluno que entra na escola com medo do fracas-so tende a desencadear sentimento de insegurança. À medida que passa a ter no fracasso a sua “marca registrada”, o aluno desenvolve uma autopercepção negativa de si mesmo. Experiências sistemáticas de insucesso causam no aluno um autoconceito que obedece a um processo de internalização que está relacionada com o mundo externo, isto é, com pessoas ou situações sociais. Com a continuação do contato e com o passar do tempo, esse processo, que era interpessoal, passa a ser internalizado, tornando-se intrapessoal.

O conhecimento que o sujeito faz de si não é inato, ou seja, não nascemos com o conceito pronto de nós mesmos. Ao contrário, ele é construído e de� nido ao longo do desenvolvimento do sujeito graças às experiências de sucessos e fracassos vividas no ambiente familiar, escolar e social. Em outras palavras, a criança, nos primeiros anos

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de vida, recebe a informação sobre si dos pais e dos familiares próximos; no entanto, à medida que a criança cresce e amplia seu círculo de relações aparecem outras pessoas signi� cativas que in� uenciam paulatinamente suas informações sobre si.

Para os estudiosos culturalistas, as pessoas têm suas identidades sociais constru-ídas nos encontros interacionais dos quais participam, na medida em que aprendem a se construir a partir dos interlocutores. Ou seja, nossa identidade como pessoa só pode existir no contexto social, visto que nossa capacidade de pensar sobre nós mesmos é construída no social, tendo a interação como força mediadora. Essas identidades são múltiplas e estão sempre em processo de construção e reconstrução.

No caso dos alunos a recorrência de um autoconceito em vista de uma história de fracasso, em que o mau desempenho vem se juntar à baixa autoestima, gera uma situação que os arrasta para a evasão escolar. Quando o aluno é reprovado tende a incorporar, como parte do seu autoconceito, a informação de que é “intelectualmente incapaz”.

Para a Psicologia da aprendizagem, acontece um fenômeno curioso: aquilo que deveria estar restrito apenas à área cognitiva acaba se expandindo, tomando conta da pessoa. A evasão passa a ser um caminho natural para muitos alunos, e muitos acabam saindo prematuramente do processo educacional formal. É fato que grande maioria se evade porque simplesmente não consegue mais tolerar novos fracassos e sentimentos incomensuráveis de baixa autoestima e de autodesvalorização.

O descontentamento com o trabalho docente tem sido cada vez mais acentuado, o que acarreta nos professores algum problema de saúde relacionado à pro� ssão, como: dor de garganta e fadiga mental, além de inúmeros problemas de relacionamento com os alunos em sala. Sabe-se que os fatores que levam professores e alunos a terem autoestima baixa não são tão óbvios como se poderia supor. O fato de os sujeitos se auto atribuírem ou de se rotularem alguém como tendo uma autoestima baixa precisa ser visto com muito cuidado.

Pesquisas realizadas no Brasil sobre o trabalho docente, tanto na zona rural e/ou urbana, entre escolas municipais e/ou estaduais, em diversos níveis de ensino, têm apontado que um conjunto de aspectos que afetam signi� cativamente as condições de trabalho do professor. Entre os diversos aspectos, podemos destacar os seguintes:

1. Jornadas de trabalho extensas e densas; 2. Vínculo de trabalho e remuneração; 3. Estrutura física da escola; 4. Instrumentos e materiais didáticos defasados e insu� cientes; 5. Indisciplina na sala de aula e desinteresse dos alunos; 6. Perda da autoridade do professor; 7. Problemas sociais, como drogas, marginalidade, delinquência, entre outros.

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31Unidade 1

Processos deAprendizagem

A relação entre a autoestima e a evasão vem sendo investigada há alguns anos por diversos pesquisadores da educação e da psicologia. Os estudos indicam que os alunos evadidos tendiam a ter autoestima mais baixa do que os que � cavam. Outra pesquisa constatou que, entre os sete principais fatores que concorrem para a evasão escolar, quatro estariam relacionados com autoestima. Alunos evadidos tendiam a cultivar o sentimento de que lhes falta inteligência ou habilidade para se sair bem nos estudos e apresentavam um nível baixo de autoestima. Com relação ao professor, por sua vez, apesar de complexo, o problema apresenta elementos que permitem algumas inferências.

Estudos direcionados à pro� ssão docente constatam que, em geral, o professor com baixa autoestima apresenta recorrentemente transtornos mentais e que afetam o trabalho docente, o que interfere nas relações interpessoais e torna a prática docente um exercício de solidão.

Pesquisas sobre satisfação/insatisfação dos professores constataram que o professor desenvolve sentimento de baixa autoestima decorrente de baixos salários, desvalorização da pro� ssão, condições inadequadas de trabalho, desmotivação com a pro� ssão, entre outras. Atrelado a isso, o estresse da pro� ssão contribui signi� cativamente para a des-motivação com a docência.

exercício1. Converse com alguns professores e alunos do 4º ano. Pergunte-lhes como veem a motivação na escola, ou seja, o que eles gostam e não gostam na escola. Anote as res-postas. Confronte o que pensam os alunos e professores sobre as motivações intrínsecas e extrínsecas. A seguir, apresente os fatores que ambos apontam como problemáticas motivacionais para a aprendizagem.

2. Assista aos � lmes “Ao Mestre com Carinho” e “A Sociedade dos Poetas Mortos” e elabore um texto re� exivo sobre a motivação no processo ensino - aprendizagem.

bibliografia birch, David; veroff, Joseph. Motivação. São Paulo: Herder, 1970.

coll, César; marchesi, Álvaro; palácios, Jesús & Colaboradores. Desenvolvimento psicológico e educação: psicologia da educação escolar. 2 edição. Porto Alegre: Artmed, 2004.

filho, Geraldo Francisco. A psicologia no contexto educacional. São Paulo: Editora Átoma, 2002.

lipp, Marilda. O stress do professor. Campinas, São Paulo: Papirus, 2002.

______. Ensino Aprendizagem: enfoques teóricos. São Paulo: Editora Moraes, 1987.

moysés, l. A auto-estima se constrói passo a passo. Campinas, São Paulo: Papirus, 2001.

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Licenciatura em LetrasLíngua Portuguesamodalidade a distância32

oliveira, i. m. de. Preconceito e autoconceito: identidade e intervenção na sala de aula. Campinas, São Paulo: Papirus, 1994.

resumo da atividade 3Por meio desta atividade procuramos discutir que a motivação humana pode

se intrínseca e extrínseca. A motivação intrínseca refere-se à escolha e realização de determinada atividade por sua própria causa, por esta ser interessante, atraente ou, de alguma forma, geradora de satisfação. A motivação extrínseca tem sido de� nida como a motivação para trabalhar em resposta a algo externo à tarefa ou atividade, para a ob-tenção de recompensas (materiais e sociais), de reconhecimento, objetivando atender aos comandos ou pressões de outras pessoas, ou demonstrar competências. Discutimos ainda que a motivação para aprender é um fator de grande importância no processo ensino - aprendizagem e é um problema que preocupa os educadores em todos os níveis de ensino. Uma parte importante dessa motivação reside no interesse do sujeito em satisfazer seus desejos e habilidades.

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33Unidade 2

Principais teorias da aprendizagem

TEORIASDA APRENDIZAGEM

u n i d a d e 2

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35Unidade 2

Principais teorias da aprendizagem

ABORDAGEMCOMPORTAMENTISTA

(SKINNER, BANDURA E GAGNÉ)

a t i v i d a d e 4

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objetivosAo � nal desta atividade, você estará preparado para• conhecer os princípios que fundamental a abordagem comportamentista;• identifi car os princípios das teorias comportamentistas;• identifi car a visão de aprendizagem de Skinner, Bandura e Gagné.

PRA INÍCIO DE CONVERSAComo já apresentado na unidade anterior, o conceito de aprendizagem, para a Psicologia, não é tão simples como se pensa. Há diversas concepções de aprendizagem, ou seja, há controvérsias básicas entre as várias teorias psicológicas.

Desse modo, neste tópico você conhecerá algumas teorias que explicam como se realizam os processos de aprendizagem e qual sua contribuição para a educação. Essas teorias podem ser reunidas em quatro grupos de abordagens: teoria comportamentista; teoria cognitivista, teoria humanista e teoria sócio - histórica, conforme veremos a seguir.

teoria comportamentistaComo já foi abordado na unidade 1, o conceito de aprendizagem, não é tão simples

como se pensa. Há diversas concepções de aprendizagem, ou seja, há controvérsias básicas entre as várias teorias psicológicas que procuram explicar os processos de aprendizagem e mostrar sua contribuição para a educação.

Ancorada em uma matriz behaviorista, a abordagem comportamentista considera o organismo sujeito às contingências do meio, ou seja, destaca a experiência como base do conhecimento e ressalta que o comportamento humano pode ser modi� cado a partir de mudanças no ambiente, uma vez que as contingências de reforçamento são capazes de manter ou alterar o comportamento.

Os principais pressupostos desta teoria são: 1. A aprendizagem se realiza por meio da repetição a estímulos;

1) os reforços positivos e negativos têm in� uência fundamental para a formação dos hábitos desejados; 2) a aprendizagem ocorre melhor se as atividades forem graduadas.

Para os estudiosos dessa abordagem, os comportamentos complexos podem ser interpretados a partir de conceitos e princípios simples, e que a aprendizagem é um

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37Unidade 2

Principais teorias da aprendizagem

processo pelo qual o comportamento é modi� cado como resultado da experiência, ou seja, mecanicamente determinada por estímulos externos.

Ao contrário da abordagem inatista - maturacionista, que enfatiza os fatores bio-lógicos internos, como a hereditariedade e a maturação, a abordagem comportamentista destaca a importância da in� uência de fatores externos, do ambiente e da experiência sobre o comportamento do sujeito.

Entre os principais representantes da teoria comportamentista, podemos desta-car os americanos B. F. Skinner, pioneiro no estudo da Psicologia Experimental; Albert Bandura, criador da Aprendizagem Social, e Robert Gagné, criador do Modelo de Pro-cessamento de Informação.

b. f. skinnerB. F. Skinner, psicólogo americano comumente tido como o fundador do Behaviorismo, foi o mais famoso representante desta corrente da psi-cologia, fundada por seu compatriota John Watson. Skinner nasceu em 20 de março de 1904 na pequena cidade de Susquehanna, na Pensilvânia. Seu pai era advogado e sua mãe uma mulher de personalidade forte que o criou segundo padrões muito exigentes de educação. Graduou-se em língua inglesa no colégio de Hamilton, no Norte do Estado de Nova York, onde não se adaptou muito bem, por ser avesso ao jogo de futebol e a encontros sociais. Escrevia no jornal da escola com manifesto radicalismo, atacando professores e colegas estudantes, e inclusive criticando a própria escola, proclamando que era ateu, apesar de estar em uma Universidade

onde a presença diária ao serviço religioso na capela era uma exigência. Seu ambiente da infância era estável e não lhe faltou afeto por parte dos familiares. Quando criança e adolescente, gostava de construir coisas tais como trenós, carrinhos, jangadas, carrosséis, entre outros. Apresentava interesse pelo comportamento dos animais, mantendo um estoque de tartarugas, cobras, lagartos, sapos e esquilos listrados. É in� uenciado pela teoria dos re� exos condicionados de Ivan Pavlov e pelas ideias de John B. Watson sobre a teoria do reforço positivo e negativo do behaviorismo. Um de seus livros O Comportamento dos Organismos foi considerado “um dos poucos livros que mudaram a face da Psicologia moderna”. Doutorou-se em Harvard, em 1931, e depois de alguns anos lecionou na Universidade de Minnesota e na Universidade de Indiana, da qual foi presidente. Regressou a Harvard como professor e pesquisador em 1947. Desenvolveu trabalhos de aplicação tecnológica dos princípios da análise experimental do comportamento no campo do ensino e no trabalho psicoterapêutico. Skinner morre em 1990, aos 86 anos.

Skinner é considerado o principal representante do comportamentismo. Os prin-cípios do comportamentismo de Skinner têm in� uenciado muitos psicólogos americanos e de outros países onde a Psicologia comportamentista tem grande penetração. A base do pensamento skinneriano está ancorada no comportamento operante, pois a maioria dos comportamentos dos sujeitos é aprendida por condicionamento operante.

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A abordagem comportamental baseia-se na teoria comportamental de Skinner, a qual defende que a aprendizagem é fruto de condicionamento operante, ou seja, um comportamento reforçado, até que ele seja condicionado de tal forma que ao se retirar o reforço o comportamento continue a acontecer. Mas você sabia que o primeiro tipo de condicionamento, denominado condicionamento Clássico, foi desenvolvido pelo � siologista russo Ivan Pavlov (1849-1936)?

Pavlov fez uma experiência envolvendo um cão, uma campainha e um pedaço de carne. O � siologista percebeu que quando o cão via o pedaço de carne, ele salivava; o que foi chamado de re� exo não-condicionado. Pavlov também começou a tocar a campainha (estímulo neutro) quando ia mostrar o pedaço de carne. Rapidamente o cão passou a associar a carne com a campainha, salivando também toda vez que ela era tocada. Essa reação a um estímulo neutro foi chamada de re� exo condicionado. Pavlov pesquisou o comportamento a partir dos re� exos, ou seja, respostas dos estímulos naturais. A apren-dizagem é entendida como uma resposta obtida por estímulos condicionados.

Skinner interessou-se pela aprendizagem por condicionamento operante, reali-zando pesquisas inicialmente com ratos, depois com pombos e, posteriormente, com humanos. Para estudar o condicionamento operante, Skinner realizou pesquisas com ratos numa caixa, denominada “caixa de Skinner”, em cujo interior havia um dispositivo (uma pequena barra de metal) que, quando acionada, liberava água ou comida. Skinner adotava o seguinte procedimento: inicialmente, toda vez que o rato se aproximava da barra de metal, o experimentador liberava-lhe água por meio de um dispositivo. Após determinado tempo, estando o rato próximo à barra, a água só era liberada se ele a tocasse com o focinho ou a pata. Em seguida, reforçava-se apenas o comportamento de tocar a barra com a pata e, depois, o de pressioná-la para baixo. Após várias sessões, veri� cava--se que o rato tinha aprendido a pressionar a barra de metal para obter água. Skinner denominou esse procedimento como “modelagem de comportamento”.

Para Skinner, a aprendizagem pelo reforço por meio do condicionamento ope-rante, pois o sujeito será operante toda vez que obtiver o reforço. O reforço é o provoca a aprendizagem. Com a retirada dos reforços acontecerá inevitavelmente a extinção da-quela aprendizagem. O sujeito da aprendizagem com pouca participação e manipulado pelo agente do reforço.

Para Skinner, o reforço é toda consequência que, seguido de uma resposta, altera a probabilidade futura de ocorrência dessa resposta. Assim, o reforço pode ser positivo ou negativo. O reforço positivo é todo evento que aumenta a probabilidade de futura resposta que o produz. O reforço negativo é todo evento que aumenta a probabilidade da resposta que o remove. Os chamados reforços negativos devem ser usados para des-timular certos comportamentos, como, por exemplo, repressões e ameaças. O reforço

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39Unidade 2

Principais teorias da aprendizagem

é uma constante e os comportamentos são condicionados ao longo de nossas vidas. A cultura valoriza (reforça) certos comportamentos e proíbe (pune) outros.

Outros processos foram observados por Skinner na análise experimental do com-portamento, como, por exemplo: extinção e punição. A extinção é um procedimento no qual uma resposta deixa de ser reforçada. Como consequência, a resposta diminuirá de freqüência e deixará de ser emitida. A punição, por sua vez, envolve a consequência de uma resposta quando há apresentação de um estímulo aversivo ou remoção de um reforçador positivo presente.

Para Skinner, as instituições educacionais usam o reforço para treinar, para exercício e para toda a prática escolar. Assim, os reforçadores usados pelas instituições educacionais são conhecidos: notas boas, diplomas, promoções de grau, medalhas etc. As famílias, comenta Skinner, são reforçadores primários; depois outras agências, também educacionais, prosseguem como reforçadores secundários.

No contexto do ensino, Skinner defende que o processo educativo deve criar situações experimentais capazes de levar o aprendiz a operacionalizar estas situações a partir de estímulos ambientais. As chamadas tecnologias tradicionais, a fala, a escrita e a imprensa, são ferramentas necessárias à construção e transmissão do conhecimento e exercem o controle do aprendizado do aprendiz. Se considerarmos que o processo de ensino-aprendizagem é direcionado, programado a atingir os objetivos e habilidades que levem a competência, então o aprendiz (aluno) precisa de incentivos e motivação para compreender e cumprir os requisitos colocados pelo professor.

Assim, para Skinner, é importante um planejamento cuidadoso da aprendizagem, das sequências das atividades de estudo, sendo totalmente linear e guiado de forma a tornar a aprendizagem e� ciente. Skinner diz que para uma aprendizagem e� ciente o professor tem como função planejar, arranjar e controlar a aprendizagem para um maior desempenho, sendo ele e os textos a fonte de informação. Além disso, o professor deve promover situações de reforço para estimular o aluno para a aprendizagem.

No processo de aprendizagem, Skinner condena o uso da punição que tem como efeito colateral levar o aprendiz a associar certas atividades a contingências aversivas. Ele defende o uso de contingências reforçadoras para motivar o aprendiz no sentido de mantê-lo ativo, respondendo e participando da aprendizagem. Skinner não estava preocupado em explicar o que ocorre dentro da mente do indivíduo durante o processo de aprendizagem, mas sim em realizar o controle do comportamento observável por meio de respostas do sujeito. Porém, é importante ressaltar que isso não signi� ca que Skinner negue que esses processos existam, mas sim que acredita serem eles neurológicos e obedecerem a certas leis.

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Licenciatura em LetrasLíngua Portuguesamodalidade a distância40

Para Skinner, cabe ao professor criar passo a passo as etapas de ensino de maneira gradual evitando assim que a aprendizagem não seja cansativa ou enfadonha. Em ou-tras palavras, quer dizer que não se deve dar um passo tão grande que o aprendiz � que desorientado ou não saiba para onde ir, ou onde se perdeu. Ao aprendiz cabe adquirir os comportamentos desejáveis, fazendo os ajustes necessários para promover a apren-dizagem de forma adequada.

albert banduraNasceu em 1925, em Mundare, uma pequena aldeia no Canadá. Graduou--se com o Prêmio Bolocan em Psicologia. Em 1951 e 1952, Bandura re-cebeu seu diploma de mestrado e doutorado da Universidade de Iowa. A teoria da Aprendizagem Social de Bandura alcançou projeção nos estudos do comportamento da criança, na década de 60 do século XX nos EUA. Ainda hoje esta teoria tem dado contribuições para os estudos de agressi-vidade e violência na Educação Infantil. É, assim como Skinner, da linha behaviorista da Psicologia, porém enxerga o comportamento humano com um viés cognitivo. Enfatiza a modi� cação do comportamento do

indivíduo durante a sua interação. Para ele, o indivíduo é capaz de aprender também por reforço vicário (ou aprendizagem vicariante), ou seja, pela observação do comportamento dos outros e de suas consequências, com contato indireto com o reforço. Entre o estímulo e a resposta, a� rma ele, há também o espaço cognitivo de cada indivíduo. Doutorou-se em 1952 na Universidade do Iowa, exercendo a partir de então a atividade de professor na Universidade de Stanford. No início da década de 1960 Bandura propôs a Teoria da Aprendizagem Social, segundo a qual uma boa parte das aprendizagens que um indivíduo adquire decorre da imitação ou modelagem. O ponto forte da Teoria da Aprendizagem Social é o fato de ela reconhecer e combinar elementos das teorias comportamentalistas e cognitivistas. Para Bandura, as estruturas cognitivas, o comportamento e o meio interagem entre si, sendo cada uma destas in� uenciadas e in� uentes sobre as outras. Nessa perspectiva, as pessoas são o produto do seu meio, mas escolhem e moldam o meio por um processo de interações que tem in� uências recíprocas. Nessa teoria emerge o conceito de Mode-lagem, segundo o qual as pessoas podem aprender por imitação do comportamento dos outros.

Outro importante representante do comportamentismo é o americano Albert Ban-dura, que desempenhou um papel fundamental nos estudos sobre o processo de apren-dizagem. Esse autor desenvolveu trabalhos a respeito da “aprendizagem observacional”, em que um sujeito aprende e� cazmente a partir da observação de um comportamento emitido por outro e de sua realização posterior.

A teoria de aprendizagem, por meio da modelagem social, proposta por Bandura, descreve que todos os fenômenos de aprendizagem que resultam de experiência direta podem ocorrer de forma vicária (imitação), ou seja, por meio da observação do compor-tamento de outros sujeitos. Em outras palavras, para Bandura, o sujeito pode adquirir padrões e respostas por meio da observação do comportamento de modelos apropriados.

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Principais teorias da aprendizagem

Ele contribuiu com a observação de que o reforço pode não ser necessário somente para o sujeito da resposta, pois o reforço age sobre todos do grupo pela imitação. É um reforço vicariante. Mas pode ocorrer que o sujeito imitado desenvolva comportamentos especiais, que não serão imitados. Há muitos comportamentos aprendidos pela imitação de um modelo comportamento.

Os comportamentos de medo e fuga, por exemplo, podem ser extintos vicaria-mente por meio da observação do comportamento do modelo que não desenvolve mais comportamento de medo e fuga, pois, para Bandura, o sujeito aprenderá a não temer a situação que lhe provoca tais comportamentos aversivos.

A aprendizagem por imitação e por reforço vicário, segundo Bandura: 1. A aprendizagem por imitação se apresenta da mesma maneira que a aprendi-

zagem por observação. São termos sinônimos: modelação, imitação, aprendizagem por observação, identi� cação, cópia, facilitação social, contágio, desempenho e papel. Portan-to, a aprendizagem por observação seria o aprendizado pelo qual o observador adquire novos padrões de resposta que não faziam parte de seu repertório comportamental.

2. A aprendizagem por observação ou vicariante é a aprendizagem baseada na observação de outro comportamento. Vários experimentos subseqüentes demonstram que as crianças, por exemplo, aprendem uma variedade de reações novas só de percebê--las em outras, por meio da aprendizagem por imitação. Isso é preocupante porque elas estão assistindo a uma quantidade cada vez maior de � lmes e programas de televisão bastante violentos.

A Teoria da Aprendizagem Social, proposta pela primeira vez por Bandura na dé-cada de 60, sobretudo quanto ao efeito da violência, foi importante para a compreensão dos processos de aprendizagem na criança.

Para Bandura, observando os modelos da televisão, as crianças aprendem quais comportamentos são apropriados, isto é, quais comportamentos serão recompensados e quais serão punidos. Na busca de recompensas, as crianças querem imitar esses modelos da mídia. Desse modo, segundo esse teórico, quando a criança vê um modelo agressivo que é recompensado ou punido pelo seu comportamento toma-o como modelo, e os que são positivamente reforçados in� uenciam a imitação entre os espectadores.

Bandura explica a Aprendizagem Social a partir de algumas etapas:1. Atenção: somos in� uenciados por modelos mais atraentes, repetidamente dispo-

níveis, importantes para nós ou semelhantes a nós. Prestamos atenção ao comportamento de outra pessoa e suas consequências.

2. Retenção: a in� uência de um modelo dependerá de quão bem o indivíduo lembra da ação na ausência do modelo.

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3. Reprodução: depois de ter visto um novo comportamento no modelo, a obser-vação deve ser convertida em ação.

4. Motivação: é improvável que haja reprodução de uma resposta observada, a menos que exista motivação para fazê-lo. A motivação depende de como se encara a situação e se acredita que a resposta trará resultados positivos.

Comportamentos positivamente reforçados terão mais atenção, serão mais bem aprendidos e desempenhados com mais frequência.

Para ilustrar o processo de aprendizagem social apresentada pelo psicólogo Albert Bandura e sua teoria da Aprendizagem Social, apresentamos a você um trabalho experimental conhecido como Bobo Doll Experiment. Esse experimento de Bandura demonstra como a observação de comportamentos agressivos (como bullying) in� ui no comportamento dos sujeitos, sobretudo das crianças.

Bandura e seus colegas conduziram uma série de estudos pioneiros nesta área, hoje bastantes conhecidos sobre a aprendizagem observacional de comportamentos agressivos em crianças. Nesses estudos, Bandura estabeleceu dois grupos: um experimental e outro de controle. Em um grupo as crianças assistiam a um � lme que mostrava um adulto ten-do comportamento agressivo com um palhaço de plástico in� ável – socando, batendo, dando pontapés e marteladas no boneco João Bobo.

Bandura e seus colaboradores constaram então que as crianças que assistiam às cenas de comportamento agressivo eram mais propensas a comportarem-se agressiva-mente quando depois lhes era permitido brincar com o boneco. Além disso, quando as crianças viam o adulto ser recompensado pela agressão também tendiam a comportarem--se agressivas, em comparação com aquelas que estavam no grupo de controle em que o adulto não era recompensado nem punido.

Contrariamente, as crianças do segundo grupo que assistiam à punição do adulto eram menos propensas a comportarem-se de modo agressivo do que as do grupo de con-trole. Porém, ver um comportamento agressivo ser recompensado não era necessário para induzir o aumento da agressão. Desse modo, as crianças que não viam o comportamento agressivo ser recompensado eram mais agressivas posteriormente do que as que viam o mesmo modelo adulto ter comportamentos neutros (e também não recompensados). Logo, Bandura conclui que a aprendizagem observacional não exigia a observação de recompensas; apenas o ato de ver o próprio comportamento agressivo era su� ciente para ensiná-lo às crianças.

Bandura a� rmou que as crianças podem reunir informações provenientes de várias observações distintas, de modo que novos modelos de comportamento um tanto quanto diferentes de qualquer outro antes estudado podem ser desenvolvidos. En� m,

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Principais teorias da aprendizagem

o experimento de Bandura nos demonstra a capacidade que as crianças (e todos os seres humanos) possuem de aprender comportamentos agressivos apenas com a mera obser-vação desses comportamentos. Essa situação, no caso do bullying, aplica-se a todos os envolvidos (inclusive espectadores e vítimas), que acabam internalizando esse padrão de comportamento (uso da violência) em suas vidas.

robert gagnéRobert M. Gagné  nasceu em North Andover, Massachusetts, em 1916. Obteve o grau de Mestre na Universidade de Yale e o de Doutor em psicologia, na Universidade de Brown. Em 1969 foi professor na Univer-sidade Estadual da Flórida. Considerado neobehaviorista, Gagné situa-se entre os pesquisadores interessados na tecnologia educacional, isto é, na aplicação dos princípios da ciência da aprendizagem aos problemas práticos do ensino. Gagné de� ne aprendizagem como uma modi� cação na disposição o na capacidade do homem, modi� cação esta que não pode ser retirada ou simplesmente atribuída ao processo de crescimento. Foi diretor de pesquisa do laboratório da formação aérea dos EUA e consul-

tor do departamento de defesa. Em 1962, publicou o artigo Treinamento Militar e princípios de aprendizagem. Em 1968 publicou Hierarquias da Aprendizagem. Considera que a habilidade de cada um varia conforme a capacidade de cada um. Para que aconteça a aprendizagem deve haver o interesse do aluno, a motivação, o desejo de realizar a tarefa. Deve-se respeitar a capacidade do aluno, as diferenças individuais e as habilidades especi� cas, com avaliações constantes. A escola perde a qualidade porque não avança para novos conceitos. A avaliação não comparativa, que só é valida se houver mudança de comportamento desejada, não precisa ser escrita mas tem que ser desa� adora. Morreu em 2002.

Segundo Gagné (1971), aprendizagem é um processo que permite a organismos vivos modi� carem seu comportamento de maneira bastante rápida e de modo mais ou menos permanente, de forma que a mesma modi� cação não tenha que se repetir a cada nova situação.

A prova de que a aprendizagem ocorreu consiste na veri� cação de uma mudança comportamental relativamente persistente. A aprendizagem, segundo Gagné, é uma mudança de estado interior que se manifesta por meio da mudança de comportamento e na persistência dessa mudança. Um observador externo pode reconhecer que houve aprendizagem quando observa a ocorrência de uma mudança comportamental e também a permanência desta mudança.

Para muitos estudiosos da aprendizagem, Gagné adotou uma concepção mais cognitivista em relação à aprendizagem do que comportamentista. Embora continuasse a enfatizar que a aprendizagem deve ser visível, ressaltava também que, por ser ela um processo, é preciso atentar-se para certas condições internas.

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Na perspectiva gagneniana, a aprendizagem ocorre dentro do cérebro de cada indivíduo, constituindo um processo formalmente comparável a outros processos or-gânicos humanos, como a respiração e a digestão. Gagné tem um enfoque sistêmico e trabalha especi� camente dentro de um quadro de referências que enfatiza as condições antecedentes, os processos internos e os produtos resultantes da situação de aprendizagem.

Gagné considera que a aprendizagem se realiza “dentro da cabeça” do aprendiz, e procura destacar a importância das teorias de aprendizagem, ressaltando a chamada “teoria de processamento da informação”, apresentando e discutindo um modelo básico de aprendizagem e memória como consequência de teorias de processamento de informação.

Nessa teoria, são dois tipos distintos de eventos, os externos e os internos ao apren-diz. Os primeiros relacionados à estimulação e os produtos resultantes da sua resposta. Os últimos, acredita-se, ocorrem no sistema nervoso central do estudante, e são inferidos de observações externas.

Atos de aprendizagem são precedidos, segundo Gagné, por uma série típica de eventos de aprendizagem a qual se dá por meio de oito fases (Modelo de Processamento de Informação), cada uma com um nome que identi� ca o processo interno envolvido no evento. As fases e os processos de aprendizagem, segundo Gagné (1971)são: motivação, apreensão, aquisição, retenção, lembrança ou rememoração, generalização, desempenho e feedback ou retroalimentação.

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Principais teorias da aprendizagem

Para Gagné, os processos de aprendizagem são construídos por atividades internas. A primeira fase - a motivação - envolve expectativas. Para promover a aprendizagem, devem-se utilizar incentivos motivacionais que levem o aprendiz a perseguir um objetivo. A segunda fase - a da apreensão - envolve a atenção e a percepção seletiva. Nesta fase o aprendiz presta atenção às partes de estímulo que considere relevantes para seus objetivos e os organiza a seu modo. A terceira fase é a da aquisição. Nela, a informação é codi� cada e armazenada. Compreende a transformação do estímulo perce-bido de modo a torná-lo mais facilmente armazenável. A quarta fase é a da retenção. Nela o conteúdo apreendido, já alterado pelo processo de codi� cação, é armazenado na memória de longo prazo. O conteúdo aprendido pode ser armazenado de maneira permanente, com uma intensidade pouco ou nada diminuída com o passar do tempo; pode estar sujeito a algum enfraqueci-mento ou esquecimento com o passar do tempo. A quinta fase é da lembrança ou rememoração. O seu processo está associado com a recuperação. O que foi armazenado deve estar acessível, de forma a poder ser localizado na memória a qualquer momento. A sexta fase é a da generalização, que está associada ao processo de transferência da aprendizagem. O conteúdo aprendido nem sempre é recuperado na mesma situação ou no mesmo contexto em que houve a apreensão original. A recuperação do conteúdo apreendido e sua aplicação em contextos novos e diferentes denomina-se transferência da aprendizagem. A sétima fase é a do desempenho. Nela o aprendiz produz ou emite uma respos-ta. O gerador de resposta organiza as respostas do aprendiz e permiti-lhe mostrar o que aprendeu. Esse desempenho possibilita o caminho para o feedbeck, que é a fase seguinte. O desempenho é também uma função essencial para o professor, que, ao observá-lo, veri� ca se a aprendizagem ocorreu e se o comportamento anterior foi modi� cado. A fase � nal é o feedbeck, que permite ao aprendiz perceber imediatamente se alcançou o objetivo previsto. Esse feedbeck é essencial para o processo de reforço.

Gagné propõe que existem cinco principais classes de capacidades humanas, as quais podem ser aprendidas: informação verbal, habilidades intelectuais, estratégias cognitivas, atitudes e habilidades motoras, enfatizando, em sua proposta, a habilidade intelectual. Embora Gagné a� rme que não há hierarquia nessas categorias, pode-se supor que existe um nível subjacente de complexidade.

MEMÓRIA

A memória é a capacidade de adquirir (aquisição), armazenar (consolidação) e recuperar (evocar) informações disponíveis, seja internamente, no cérebro (memória biológica), seja externamente, em dispositivos arti� ciais (memória arti� cial).A memória focaliza coisas especí� cas, requer grande quantidade de energia mental e deteriora-se com a idade. É um processo que conecta pedaços de memória e conhecimentos a � m de gerar novas idéias, ajudando a tomar decisões diárias.Para Gagné, o armazenamento da inforamção se dá na memória de curto prazo e na memória de longo prazo.

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habilidades no processo de aprendizagem

condições externas do processo de aprendizagem habilidades na aprendizagem

Informação Verbal A informação verbal é o principal método usado para transmitir às gerações seguintes os conhecimentos acumulados a respeito do mundo e das pessoas, os eventos históricos, suas tendências, sua cultura e civilização etc. É o domínio que inclui a aquisição de informação por meio de leitura, audição de rádio, televisão

Habilidades Intelectuais As habilidades intelectuais são capacidades que tornam o sujeito competente. Estas habilidades capacitam o sujeito a responder aos conceitos necessários para a compreensão do seu ambiente e constituem as estruturas mais fundamentais e mais usuais na educação formal. Elas compreendem desde habilidades elementares de linguagem, como compor uma sentença, até habilidade avançadas de ensino cientí� co.

Estratégias Cognitivas As estratégias cognitivas são capacidades internamente organizadas que o aprendiz usa para guiar seus próprios processos de atenção, de aprendizagem, de memória e de pensamento. O aprendiz usa uma estratégia cognitiva, por exemplo, ao prestar atenção nas diversas características daquilo que está lendo.

Atitudes As atitudes representam uma classe distinta de produtos de aprendizagem. Muitos tipos de atitudes compõem o currículo e a lista dos objetivos educacionais da escola. A escola e a família propõem estabelecer atitudes socialmente aceitas: tolerância, bondade, espírito de ajuda, percepção de sentimento dos outros etc. Certas atitudes estão relacionadas aos gostos, como ouvir música , ler, fazer cálculos, praticar esportes ou gostar de aprender.

Habilidades Motoras As habilidades motoras são um tipo aprendizagem relacionado a tarefas que envolvem o uso de músculos, como, por exemplo, escrever, tocar um instrumento musical, dirigir um carro ou falar uma língua estrangeira.

Na teoria de Gagné, as habilidades mais simples, que representam os “pré-requisitos imediatos”, podem ser analisadas para identi� car habilidades ainda mais simples, o que aponta serem tais habilidades hierarquizadas.

Com relação à instrução e ao papel do professor, por se tratar de uma teoria que prevê mudança comportamental persistente, a fase da aprendizagem consiste de um ou mais processos internos, no sistema nervoso central do aluno, que transformam a informação até que o aprendiz responda com um desempenho. Tais processos internos

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47Unidade 2

Principais teorias da aprendizagem

podem ser in� uenciados por eventos externos, por estimulação do ambiente do indiví-duo. Logo, cabe ao docente a tarefa de promover a aprendizagem por meio da instrução, planejando-a, administrando-a e avaliando-a quanto à sua e� cácia por meio da avaliação da aprendizagem do aprendiz.

A proposta idealizada por Gagné situa-se entre o behaviorismo e o cognitivismo. Apresenta-se por meio de estímulos, respostas, estimulação do ambiente, comportamen-tos, entre outros. Porém, ao longo de sua teoria, processos internos de aprendizagem são muito comentados; além disso enfatiza-se a importância das teorias de aprendizagem.

Gagné estabelece que aprendizagem em cadeia é a conexão entre um conjunto de associações individuais e utiliza o termo associação verbal para cadeias de aprendizagem ligadas a procedimentos mediados pela linguagem. A estrutura de aprendizagem em ca-deias de Gagné pressupõe que existem vários processos de associação durante sequências de aprendizagem.

A aprendizagem, para Gagné, realiza-se quando surgem diferenças na performance anterior e posterior ao que foi proposto na situação de aprendizagem. Desta maneira, podem ser planejadas sequências de ensino nas quais o conteúdo deverá ser adequado aos oito tipos de aprendizagem.

Neste contexto é possível trabalhar do � nal para o início de cada objetivo de apren-dizagem para determinar quais são os requisitos necessários e os tipos de aprendizagem a serem utilizados. Após essa análise, é possível estabelecer um mapa e uma sequência de aprendizagem. Segundo Gagné, a importância de mapear a sequência de aprendizagem é principalmente evitar erros que surgem quando etapas são omitidas na aquisição de um determinado conhecimento em uma área de conteúdo.

exercício1. Organize um quadro comparativo com as idéias do pensamento de Skinner, Bandura e Gagné sobre aprendizagem.

2. Com base na concepção de aprendizagem de Gagné, faça uma análise sobre a in� uência do computador no processo ensino – aprendizagem.

3. Baseado na Aprendizagem Social de Bandura, faça uma análise da in� uência da tele-visão no comportamento da criança.

4. Assista ao � lme “Entre os Muros da Prisão” e elabore um texto relacionando a teoria de Skinner com as práticas disciplinares que o jovem órfão Ives Treguier, de 14 anos, sofre em um internato na França dos anos 30.

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bibliografia francisco filho, g. A psicologia no contexto educacional. São Paulo: Editora Átoma, 2002.

mizukami, m. das g. n. Ensino: as abordagens do processo. São Paulo: epu, 1986.

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filho, Geraldo Francisco. A psicologia no contexto educacional. São Paulo: Editora Átoma, 2002.

resumo da atividade 4Com o objetivo de apresentar os teóricos da abordagem comportamentista, na

atividade 4 discorremos sobre os principais teóricos da aprendizagem. Veri� camos que a abordagem comportamental se baseia na teoria comportamental de Skinner, a qual defende que a aprendizagem é fruto de condicionamento operante, ou seja, um compor-tamento reforçado, até que ele seja condicionado de tal forma que, ao se retirar o reforço, o comportamento continue a acontecer. Durante a atividade, você aprendeu que a teoria de aprendizagem por meio da modelagem social proposta por Bandura descreve que todos os fenômenos de aprendizagem que resultam de experiência direta podem ocorrer de forma vicária (imitação), ou seja, por meio da observação do comportamento de outros sujeitos. Para Bandura, o sujeito pode adquirir padrões e respostas por meio da obser-vação do comportamento de modelos apropriados. Apresentamos ainda a concepção de aprendizagem em Gagné, chamando atenção para os procedimentos da aprendizagem por um modelo de processamento de informação.

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49Unidade 2

Principais teorias da aprendizagem

ABORDAGEMCOGNITIVISTA

(PIAGET, AUSUBEL E BRUNER)

a t i v i d a d e 5

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objetivosAo � nal desta atividade, você deverá • identifi car as teorias cognitivistas;• distiguir as concepções de aprendizagem nas diversas teorias cognitivistas;• reconhecer as contribuições das teorias de Piaget, Ausubel e Bruner para o processo ensino – aprendizagem;• identifi car as diferenças no processo de aprendizagem nas teorias de Piaget, Ausubel e Bruner.

PRA INÍCIO DE CONVERSAAntes de iniciarmos nossa apresentação sobre a visão de Piaget, Ausubel e Bruner quanto ao processo de aprendizagem, tornam-se necessário voltarmos rapidamente à questão principal do nosso estudo: O que é teoria cognitivista? Quais as teorias cognitivistas aplicadas no ensino-aprendizagem? O seu primeiro desa� o é, portanto, compreender as concepções de aprendizagem dos diversos teóricos cognitivistas.

teorias cognitivistas Para os cognitivistas, aprendizagem é mais que um produto do ambiente, das

pessoas ou de fatores que são externos ao sujeito. Podemos dizer então que este tipo de abordagem é predominantemente interacionista, pois considera que o sujeito e o mundo são analisados conjuntamente.

A teoria cognitiva aborda como o ser humano conhece seu mundo ou obtém conhecimentos a respeito deste, e como usa este conhecimento para guiar suas decisões e agir. Portanto, procura-se em compreender a mente e suas capacidades ou realizações na aprendizagem; ocupa-se, em saber de que maneira a mente obtém o conhecimento e como o utiliza. En� m, o cognitivismo está mais preocupado em explicar como os su-jeitos processam os estímulos que encontram. Em outras palavras, como eles percebem, interpretam mentalmente e armazenam a informação que recebem do ambiente.

Como você já deve ter percebido, esta abordagem organiza-se de maneira a estimular o desenvolvimento de mecanismos intelectuais que possibilitem a aquisição de novos conceitos, o estabelecimento de relações, o levantamento de hipóteses e a apresentação de soluções.

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Principais teorias da aprendizagem

jean piagetNasceu na Suíça, em 1896. Desde criança interessou-se pelo estudo dos moluscos, chegando a publicar seus primeiros trabalhos de observação quando tinha 15 anos de idade. A partir de estudos realizados na área da, dedica maior interesse à epistemologia genética. Há indícios de que rea-lizou análise do comportamento dos próprios � lhos. Essas observações foram signi� cativas para a construção das etapas do desenvolvimento infantil que realizou nas Faculdades de Genebra e Sorbonne. Estudou inicialmente biologia, na Suíça, e posteriormente se dedicou à área de Psicologia, Epistemologia e Educação. Em 1923 lança seu primeiro livro “A linguagem e o pensamento da criança”. Abordou temas gerais, como

a relação entre pensamento e linguagem (1923), o desenvolvimento na criança, do julgamento e do raciocínio (1924), da representação do mundo (1926), da causalidade física (1927) e do jul-gamento moral (1927). Foi professor de psicologia na Universidade de Genebra de 1929 a 1954; tornando-se mundialmente reconhecido pela sua revolução epistemológica. Em 1955, tornou-se diretor do Centro de Epistemologia Genética de Genebra, onde reuniu cientistas de diferentes áreas (matemáticos, biólogos, psicólogos e lógicos) interessados em pesquisar problemas epistemológi-cos. É considerado um dos principais teóricos do desenvolvimento infantil pela sua contribuição na área da psicogenética. A formação em Ciências Naturais levou-o a buscar compreender o co-nhecimento com base biológica. Para ele, conhecer é organizar, estruturar e explicar a realidade a partir daquilo que se vivencia nas experiências com os objetos do conhecimento. Durante sua vida, Piaget escreveu mais de cinquenta livros e diversas centenas de artigos. Faleceu em 1980 em Genebra, aos 84 anos de idade.

A abordagem cognitivista focaliza o desenvolvimento do sujeito, privilegiando os aspectos relacionados com a aprendizagem e os processos de cognição. Essa evolução, observada desde o nascimento do sujeito, vai sofrendo um processo de maturação e de desenvolvimento. Desse modo, os estágios desse processo são universais embora cada sujeito possua características próprias. Entre os diversos estudiosos desta abordagem podemos destacar como principais representantes o suíço Jean Piaget (1896-1980) e os norte-americanos David Ausubel (1918 – 2008) e o Jerome Bruner (1915-).

As teorias de Jean Piaget, portanto, tentam nos explicar como se desenvolve a inteligência nos seres humanos. Daí o nome dado a sua ciência de Epistemologia Gené-tica, que é entendida como o estudo dos mecanismos do aumento dos conhecimentos. Convém esclarecer que as teorias de Piaget têm comprovação em bases cientí� cas. Ou seja, ele não somente descreveu o processo de desenvolvimento da inteligência, mas, experimentalmente, comprovou suas teses.

Desde muito cedo Jean Piaget demonstrou sua capacidade de observação. Aos onze anos percebeu um melro albino em uma praça de sua cidade. A observação deste pássaro gerou seu primeiro trabalho cientí� co de observação. Formado em Biologia, interessou-se por pesquisar sobre o desenvolvimento do conhecimento nos seres humanos, sobretudo como a criança constrói o conhecimento. Piaget questionava-se: como a criança constrói o conhecimento.

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É importante ressaltar que Piaget não se dedicou a estudar o pensamento infantil motivado por um interesse pela infância e também não construir sua psicologia genética arquitetada pelo interesse por questões propriamente psicológica. De fato, o centro do seu trabalho e de todos as suas considerações é o desenvolvimento do conhecimento. In� uenciado pela Ciências Naturais, Piaget buscou compreender o conhecimento com base na biologia. Para ele, conhecer é organizar, estruturar e explicar a realidade a partir daquilo que se vivencia nas experiências com os objetos de conhecimentos. Porém, ex-periência não é a mesma coisa que conhecimento, pois este pressupõe a organização da experiência num sistema de relações.

Esse sistema de relações ocorre fundamentalmente por meio da ação do sujeito sobre o objeto. Assim, ao agir sobre o meio, o sujeito incorpora em si elementos que pertencem ao meio. Por meio desse processo de incorporação, denominado por Piaget de “assimilação”, as coisas e os fatos do meios são inseridos em um sistema de relações e adquirem signi� cado para o sujeito.

Ele conclui, a partir de observações experimentais com a criança, por exemplo, que o desenvolvimento é adaptação, a busca de um equilíbrio entre organismo e os desa� os que o ambiente apresenta a ela, como pessoas, situações, necessidades e objetos novos. Sendo assim, a cada nova ação ou conhecimento irá se construir a partir de outros esquemas de ação ampliados ou transformados, isto é, a partir do esquema de ação já sedimentada nas estruturas cognitivas da criança, ela poderá construir uma nova forma de ação. A criança, diz Piaget, só é capaz de perceber o mundo e atuar sobre ele com a ajuda de esquemas de ação que já está consolidado na sua estrutura cognitiva. Daí o conhecimento na criança ser gradativamente construído.

Na perspectiva piagentiana, um organismo adaptado ao meio é aquele que mantém um equilíbrio em suas trocas com o meio. Isto é, é aquele que interage com o ambiente mantendo um equilíbrio entre suas necessidades de sobrevivência e as di� culdades e restrições impostas pelo meio. Essa adaptação torna-se possível graças aos processos de assimilação e de acomodação.

Para Piaget, o mecanismo de interação da criança com o ambiente é construído por um movimento em espiral ascendente que se dá em dois polos: assimilação e acomo-dação. A assimilação é a incorporação dos dados da realidade exterior, do ambiente, aos esquemas de ação/cognitiva já construídos pela criança. A acomodação, por sua vez, é a mudança que se realiza nestes esquemas de ação. Portanto, para Piaget não há assimilação sem acomodação e vice-versa.

O processo de construção do conhecimento, segundo Piaget, depende de:esquema: esquema é uma estrutura cognitiva, ou padrão de comportamento ou pen-samento, que emerge da integração de unidades mais simples e primitivas em um todo mais amplo, mais organizado e mais complexo. Dessa forma, temos a de� nição de que os

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53Unidade 2

Principais teorias da aprendizagem

esquemas não são � xos, mas mudam continuamente ou tornam-se mais re� nados.Para Piaget, uma criança, quando nasce, apresenta poucos esquemas (sendo de natureza re� exa), e à medida que se desenvolve, seus esquemas tornam-se generalizados, mais diferenciados e mais numerosos. Estes esquemas são utilizados para processar e identi� car a entrada de estímulos, e graças a isto o organismo está apto a diferenciar estímulos, como também está apto a generalizá-los. O funcionamento é mais ou menos o seguinte: uma criança apresenta um certo número de esquemas, que grosseiramente poderiam ser comparados com � chas de um arquivo. Diante de um estímulo, a criança tenta “encaixar” o estímulo em um esquema disponível. Os esquemas são estruturas intelectuais que organizam os eventos como eles são percebidos pelo organismo. Classi� cam-se em grupos, de acordo com características comuns.

equilibração: a equilibração é uma propriedade intrínseca e constitutiva da vida mental. Por meio dela é que se mantém um estado de equilíbrio ou de adaptação em relação ao meio. Segundo Piaget, toda vez que, em nossa relação com o meio, surgem con� itos, contradições ou outros tipos de di� culdade, nossa capacidade de auto-regulação ou equilibração entra em ação, no sentido de recuperá-los. Portanto, a equilibração, de uma maneira geral, trata de um ponto de equilíbrio entre a assimilação e a acomodação, e, assim, é considerada como um mecanismo auto-regulador, necessária para assegurar à criança uma interação e� ciente dela com o meio-ambiente.

O desenvolvimento na concepção piagentiana é fundamentalmente um processo sucessivos que conduzem a maneiras de agir e de pensar cada vez mais complexas e elaboradas. Esse processo apresenta estágios de� nidos, caracterizados pelo surgimento de novas formas de organização mental.

O desenvolvimento ocorre por um processo contínuo de construção de estruturas pela progressão dos períodos cognitivos. Assim, Piaget dividiu o desenvolvimento em quatro estágios, cada estágio é diferente do ponto de vista qualitativo, tem suas formas próprias de adaptação ao meio. Os estágios são:

Estágio Sensório-Motor (do nascimento até aproximadamente os 2 anos): a criança busca adquirir controle motor e aprender sobre os objetos físicos que a rodeiam. Esse estágio se chama sensório-motor porque o bebê adquire o conhecimento por meio de suas próprias ações que são controladas por informações sensoriais imediatas. O desen-volvimento cognitivo inicia-se a partir dos re� exos que gradualmente se transformam em esquemas de ação. Do nascimento até aos 2 anos, aproximadamente, a criança passa do nível neonatal, marcado pelo funcionamento dos re� exos inatos. Segundo Piaget, para co-nhecer os objetos, a criança tem que agir sobre eles e, por conseguinte, transformá-los; tem que deslocá-los, agrupá-los, combiná-los, separá-los e juntá-los. E complementa Piaget, a consciência da criança sobre o meio externo expande-se lentamente, conforme suas ações se deslocam de seu próprio corpo para os objetos. A criança com a mão agarra, aproxima o objeto ao corpo, à boca que experimenta, empurra-o para longe de si. A criança puxa, empurra, distende, apanha, larga, espalha, aperta etc. e estas são ações que se repetem.

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Neste estágio, o eu e o mundo tornam-se progressivamente distintos. A criança e os objetos diferenciam-se e organizam-se no plano das ações exteriores, e a permanência dos objetos vai sendo construída. Ou seja, a criança com o tempo começa a perceber que os objetos, as pessoas, continuam existindo mesmo quando estão fora do seu campo de visão. Por volta dos dois anos de idade a criança começa a diferenciar o eu e o mundo, reorganizando-se em um plano representativo.

Estágio Pré-Operatório (2 anos aos 7 anos): a criança busca adquirir a habilidade verbal. Nesse estágio, ela já consegue nomear objetos e raciocinar intuitivamente, mas ainda não consegue coordenar operações fundamentais. É também conhecido como a fase simbólica. Também é chamado de estágio da Inteligência Simbólica. Caracteriza-se, principalmente, pela interiorização de esquemas de ação construídos no estágio anterior (sensório-motor).

Este período caracteriza-se pelo egocentrismo: isto é, a criança ainda não se mostra capaz de colocar-se na perspectiva do outro, o pensamento pré-operacional é estático e rí-gido, a criança capta estados momentâneos, sem juntá-los em um todo; pelo desequilíbrio: há uma predominância de acomodações e não das assimilações; pela irreversibilidade: a criança parece incapaz de compreender que existem fenômenos reversíveis, isto é, que se � zermos certas transformações, somos capazes de restaurá-las, fazendo voltar ao estágio original, como, por exemplo, a sensibilidade do estado da água, que se transforma em gelo e que volta à forma original ao ser aquecida.

Estágio Operatório Concreto (7 aos 11 anos): a criança começa a lidar com con-ceitos abstratos como os números e relacionamentos. Esse estágio é caracterizado por uma lógica interna consistente e pela habilidade de solucionar problemas concretos. É caracterizado pela capacidade da criança em mentalmente fazer a reversibilidade. Apesar de ainda trabalhar com objetos (material concreto) agora representados, sua � exibilidade de pensamento permite um sem número de aprendizagens.

A criança também desenvolve noções de tempo, espaço, velocidade, ordem, ca-sualidade, já sendo capaz de relacionar diferentes aspectos e abstrair dados da realidade. Ela não se limita a uma representação imediata, mas ainda depende do mundo concreto para chegar à abstração. A criança desenvolve ainda a capacidade de representar uma ação no sentido inverso ao de uma anterior, ou seja, de anular a transformação observada (reversibilidade).

Neste estágio, a linguagem tem um papel importante, pois acarreta modi� cações importantes em aspectos cognitivos, afetivos e sociais da criança, uma vez que a lingua-gem possibilita as interações  interindividuais e  fornece, principalmente, a capacidade de trabalhar com representações para atribuir signi� cados à realidade. Tanto é assim que a

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55Unidade 2

Principais teorias da aprendizagem

aceleração do alcance do pensamento, neste estágio do desenvolvimento, é atribuída, em grande parte, às possibilidades de contatos interindividuais fornecidos pela linguagem.

O enfoque dado por Piaget ao egocentrismo e à fala egocêntrica é essencialmente intelectual. Trata-se de a inabilidade inicial para descentralizar, que implica a não dife-renciação entre o ponto de vista do sujeito e de outras pessoas. Além do egocentrismo social, está o egocentrismo puramente epistêmico, que é caracterizado pela confusão do sujeito e do objeto durante um ato de conhecimento; o sujeito ignora a si mesmo e não consegue descentralizar-se, voltando-se para o objeto. A fala egocêntrica diminui à medida que aumenta a descentralização. Por exemplo, a fala egocêntrica em crianças pe-quenas de aproximadamente 4 anos é percentualmente muito maior do que em crianças em idade escolar de 7 a 8 anos, e essa porcentagem vai diminuindo na adolescência até quase desaparecer na idade adulta.

Como já vimos, a linguagem, neste período, começa a ser muito egocêntrica, pouco socializada, ou seja, a linguagem está centrada na própria criança. Ela não consegue dis-tinguir o ponto de vista próprio, do ponto de vista do outro e, por isso, revela confusão entre o pessoal e o social, o subjetivo e o objetivo.

Para Piaget, entre os 2 e os 7 anos distinguem-se dois subestágios: o do pensamento intuitivo e o do pensamento pré-conceptual. O pensamento intuitivo surge a partir dos 4 anos, o que permite que a criança resolva determinados problemas, mas este pensamento é irreversível, isto é, a criança está sujeita às con� gurações preceptivas sem compreender a diferença entre as transformações reais e aparentes.

O pensamento pré-conceptual, em que domina um pensamento mágico, no qual os desejos se tornam realidade, possui também as seguintes características:

a) Animismo: a criança atribui características humanas a seres inanimados. Este animismo vai desaparecendo progressivamente, conforme a criança avança no estágio.

b) Realismo: a realidade é construída pela criança. Se no animismo ela dá vida às coisas, no realismo dá corpo, isto é, materializa as suas fantasias.

c) Finalismo: existe uma relação entre o � nalismo e a causalidade. Ao olhar o mundo, a criança tenta explicar o que vê, diz que se as coisas existem têm de ter uma � nali-dade, no entanto ela ainda é muito egocêntrica. Tudo o que existe, existe para o bem essencial dela própria.

d) Arti� cialismo: é a explicação de fenômenos naturais como se fossem produzidos pelos seres humanos para lhes servir como todos os outros objetos.

Estágio Operatório Formal (dos 11 anos em diante): a criança começa a raciocinar lógica e sistematicamente. Esse estágio é de� nido pela habilidade de engajar-se no raciocínio abstrato. As deduções lógicas podem ser feitas sem o apoio de objetos concretos.

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No estágio das operações formais, desenvolvido a partir dos 12 anos de idade, a criança inicia sua transição para o modo adulto de pensar, sendo capaz de pensar sobre ideias abstratas. Tem início os processos de pensamento hipotético-dedutivos. A representação agora permite a abstração total.

A criança não se limita mais à representação imediata nem somente às relações previamente existentes, mas é capaz de pensar em todas as relações possíveis logicamente, buscando soluções a partir de hipóteses e não apenas pela observação da realidade. Em outras palavras, as estruturas cognitivas da criança alcançam seu nível mais elevado de desenvolvimento e tornam-se aptas a aplicar o raciocínio lógico a todas as classes de problemas.

Nesta fase, para Piaget, existe um desenvolvimento da moral que ocorre por eta-pas, de acordo com os estágios do desenvolvimento humano. Para Piaget, toda moral consiste num sistema de regras, e a essência de toda moralidade deve ser procurada no respeito que o indivíduo adquire por essas regras. Isso porque Piaget entende que nos jogos coletivos as relações interindividuais são regidas por normas que, apesar de herdadas culturalmente, podem ser modi� cadas consensualmente entre os jogadores, no entanto o dever de ‘respeitá-las’ implica a moral por envolver questões de justiça e honestidade. Desse modo, Piaget argumenta que o desenvolvimento da moral abrange três fases:

a) Anomia: na fase de anomia, natural na criança pequena até os 5 anos, amoral não se coloca, ou seja, as regras são seguidas, porém o indivíduo ainda não está mobilizado pelas relações bem x mal e sim pelo sentido de hábito, de dever;

b) Heterônoma: na moralidade heretônoma, os deveres são vistos como externos, im-postos coercitivamente, e não como obrigações elaboradas pela consciência. Aos 9, 10 anos, a moral é a autoridade, ou seja, as regras não correspondem a um acordo mútuo � rmado entre os jogadores, mas sim a algo imposto pela tradição e, portanto, imutável;

c) Autonomia: nesta fase a criança adquire a consciência moral. Os deveres são cumpridos com consciência de sua necessidade e signi� cação. Corresponde ao último estágio do desenvolvimento da moral, em que há a legitimação das regras e a criança pensa a moral pela reciprocidade, quer seja o respeito a regras é entendido como decorrente de acordos mútuos entre os jogadores, no entanto cada um deles consegue conce-ber a si próprio como possível ‘legislador’ em regime de cooperação entre todos os membros do grupo.

Piaget contribuiu com a Educação por trazer ideias e resultados que alertam sobre as fases próprias para a construção da cognição, e, além disso, por considerar o aluno como agente e ao mesmo tempo como parte de algo maior, que é a sociedade e o ambiente; en� m, por alertar que o conhecimento se dá pela interação do sujeito com o meio ambiente físico e social.

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57Unidade 2

Principais teorias da aprendizagem

david ausubelNasceu em Nova York, em 1918. Após sua formação acadêmica, em território canadense resolve dedicar-se à educação no intuito de bus-car as melhorias necessárias ao verdadeiro aprendizado. Ausubel foi totalmente contra a aprendizagem puramente mecânica, tornando-se então um representante do cognitivismo. Filho de família judia e pobre, imigrantes da Europa Central, cresceu insatisfeito com a educação que recebera. Revoltado contra os castigos e humilhações pelos quais passara na escola, a� rma que a educação é violenta e reacionária. Para ele, “A

escola é um cárcere para meninos. O crime de todos é a pouca idade e por isso os carcereiros lhes dão castigos”. Totalmente contra a aprendizagem puramente mecânica, torna-se um repre-sentante do cognitivismo, e propõe uma aprendizagem que tenha uma “estrutura cognitivista”, de modo a intensi� car a aprendizagem como um processo de armazenamento de informações que, ao agrupar-se no âmbito mental do indivíduo, seja manipulada e utilizada adequadamente no futuro, por meio da organização e integração dos conteúdos apreendidos signi� cativamente. Morreu em 2008.

A teoria da assimilação de Ausubel, ou teoria da aprendizagem signi� cativa, é uma teoria cognitivista e procura explicar os mecanismos internos que ocorrem na mente humana com relação ao aprendizado e à estruturação do conhecimento. Contemporâneo de Piaget, Ausubel tem propostas que em alguns pontos se assemelham às do biólogo suíço, mas que em outros se afastam bastante.

Diferentemente de Piaget, cujo foco principal de pesquisa não era a aprendizagem que ocorria na sala de aula, Ausubel concentra-se principalmente nesta questão, de modo que dos seus trabalhos se percebe uma proposta concreta para o cotidiano acadêmico. Como Piaget, Ausubel acredita no valor da aprendizagem por descoberta, mas volta a valorizar a aula do tipo expositivo, que será o grande foco da sua pesquisa.

Para que a aprendizagem signi� cativa ocorra, é preciso entender um processo de modi� cação do conhecimento, em vez de comportamento em um sentido externo e obser-vável, e reconhecer a importância que os processos mentais têm nesse desenvolvimento.

O pensamento ausubeniano também caracteriza-se por basear-se em uma re� exão especí� ca sobre a aprendizagem escolar e o ensino, em vez de tentar somente generalizar e transferir à aprendizagem escolar conceitos ou princípios explicativos extraídos de outras situações ou contextos de aprendizagem.

Segundo Ausubel, para haver aprendizagem signi� cativa são necessárias duas con-dições: em primeiro lugar, o aprendiz precisa ter uma disposição para aprender, pois se o sujeito quiser memorizar o conteúdo arbitrária e literalmente, então a aprendizagem será mecânica; em segundo, o conteúdo escolar a ser aprendido tem que ser potencialmente signi� cativo, ou seja, ele tem que ser lógica e psicologicamente signi� cativo. O signi� ca-do lógico depende somente da natureza do conteúdo, já o signi� cado psicológico é uma

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experiência que cada indivíduo tem. Cada aprendiz faz uma � ltragem dos conteúdos que têm signi� cado ou não para si próprio.

Para Ausubel, a aprendizagem acontece, quando o aprendiz trabalha com material que é potencialmente signi� cativo e que pode ser relacionado com a estrutura cognitiva, de um modo não-arbitrário. Ele considera que decorar passivamente, sem atentar para a signi� cação do material, é armazenar na memória itens que têm pouca ou nenhuma associação com a estrutura cognitiva existente no aprendiz.

Nesse sentido, aprendizagem consiste na “ampliação” da estrutura cognitiva, por meio da incorporação de novas ideias a ela. Dependendo do tipo de relacionamento que se tenha entre as ideias já existentes nesta estrutura e as novas que se estão internalizando, pode ocorrer um aprendizado que varia do mecânico ao signi� cativo.

A Aprendizagem Mecânica abrange a aprendizagem de novas informações, com pouca ou nenhuma associação com conceitos relevantes existentes na estrutura cognitiva do aprendiz. Ou seja, este simplesmente recebe a informação e a armazena, de forma que ela permanece disponível por certo intervalo de tempo. Na ausência de outras informações que lhe sirvam de combinação, a informação nova permanece na estrutura cognitiva de forma estática.

A Aprendizagem Signi� cativa tem como base as informações já existentes na estrutura cognitiva, que ele considerada como idéia - âncora ou subsunçor. As novas informações, segundo Ausubel, podem interagir, o que contribui para a transformação do conhecimento em novos conhecimentos, de forma dinâmica, não aleatória, uma vez que se relacionam a nova informação e os aspectos relevantes da estrutura cognitiva do sujeito. Isto é, a aprendizagem signi� cativa ocorre quando a nova informação se ancora em conceitos relevantes pré-existentes na estrutura cognitiva de quem aprende.

Ausubel relaciona alguns aspectos que devem existir para que ocorra a aprendizagem signi� cativa no aprendiz:1. a chave da aprendizagem significativa está na relação das novas ideias

e conceitos com a bagagem cognitiva do aprendiz;

2. o aprendiz só aprende o que potencialmente é signi� cativo para ele;

3. o material da aprendizagem deve ser potencialmente signi� cativo;

4. o aprendiz deve querer e estar motivado para aprender os novos conhecimentos.

A aprendizagem signi� cativa se veri� ca quando o banco de informações no plano mental do aluno se revela por meio da aprendizagem por descoberta e por recepção. O processo utilizado para as crianças menores é o de formação de conceito, envolvendo

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59Unidade 2

Principais teorias da aprendizagem

generalizações de interesses especí� cos para que, na idade escolar, estas já tenham desenvolvido um conjunto de conceitos, de modo a favorecer o desenvolvimento da aprendizagem signi� cativa.

A aprendizagem é muito mais signi� cativa à medida que o novo conteúdo é in-corporado às estruturas de conhecimento do aprendiz e adquire signi� cado para ele a partir da relação com seu conhecimento prévio. Ao contrário, ela se torna mecânica ou repetitiva, uma vez que se produziu menos essa incorporação e atribuição de signi� cado, e o novo conteúdo passa a ser armazenado isoladamente ou por meio de associações arbitrárias na estrutura cognitiva.

O professor deve criar desequilíbrios e desa� os, sem nunca oferecer aos alunos a solução pronta, mas deve apresentar a informação de forma organizada e mostrar ao aluno como as ideias novas se relacionam com as antigas. Portanto, cabe ao professor observar e analisar o comportamento dos alunos e tratá-los de acordo com suas características peculiares, dentro de sua fase de aprendizagem.

Ausubel acreditava que o professor deve dar aos alunos liberdade para elaborarem suas conclusões, bem como evitar rotinas e respostas padronizadas. Considera a impor-tância de o aluno investigar, pesquisar, orientar e criar ambientes que favoreçam a troca e a cooperação. Ao aluno cabe adquirir experiência pelo trabalho autônomo, integrar e processar as informações para gerar novos conhecimentos.

O objetivo maior do ensino acadêmico é que todas as ideias sejam aprendidas de forma signi� cativa. Isso porque é somente deste jeito que estas novas ideias serão “armaze-nadas” por bastante tempo e de maneira estável. Além disso, a aprendizagem signi� cativa permite ao aprendiz o uso do novo conceito de forma inédita, independentemente do contexto em que este conteúdo foi primeiramente aprendido. O princípio norteador da teoria de Ausubel, baseia-se na ideia de que, para que ocorra a aprendizagem, é neces-sário partir daquilo que o aprendiz já sabe. Ou seja, dos conhecimentos já cristalizados nas estruturas cognitivas.

Ausubel preconiza que os professores/educadores devem criar situações didáticas com a � nalidade de descobrir esses conhecimentos. Ausubel inclui não só conhecimen-tos, mas também outros aspectos da aprendizagem, tais como atitudes, personalidades, interesses, entre outros. Estes conhecimentos foram designados por ele mesmo como “conhecimentos prévios”, que seriam os suportes em que o novo conhecimento se apoiaria. A este processo ele próprio designou de “ancoragem”.

Por isso, Ausubel sugere a utilização de organizadores prévios para, de fato, ancorar a nova aprendizagem, levando o aprendiz ao desenvolvimento de conceitos subsunçores, de modo a facilitar a aprendizagem subsequente.

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Os organizadores prévios são informações e recursos introdutórios, que devem ser apresentados antes dos conteúdos da matriz curricular, uma vez que têm a função de servir de ponte entre o que o aprendiz já sabe e o que ele deve saber para que o conteúdo possa ser realmente aprendido de forma signi� cativa.

Segundo Ausubel, os organizadores prévios se tornarão mais e� cazes se forem apresentados no início das tarefas de aprendizagem para que suas propriedades possam integrar-se como elemento atrativo para o aprendiz, visando provocar o interesse e de-sejo de aprender. Sua formulação deve contar com um vocabulário bastante familiar ao aprendiz, de modo que sua organização, bem como a aprendizagem sejam consideradas como material de valor pedagógico. Muitas vezes, os aprendizes possuem essas ideias de base, mas elas não estão ativadas adequadamente.

Assim, o “subsunçor” constitui um conceito, uma ideia ou uma proposição, já exis-tente na estrutura cognitiva, capaz de servir de “ancoradouro” a uma nova informação, de modo que esta adquira, assim, signi� cado para o sujeito. Caberia, então, ao professor descobrir esses conhecimentos prévios, ativá-los e, a partir disso, ensinar o novo tema.

Ausubel chama as ideias que proporcionam ancoragem de subordinadores, inte-gradores ou subsunçores. Pode-se dizer então que a aprendizagem signi� cativa ocorre quando a nova informação “ancora-se” em conhecimentos especialmente relevantes (subsunçores) preexistentes na estrutura cognitiva.

A avaliação pode assumir as seguintes potencialidades:1) permitir avaliar os principais objetivos que foram traçados para a aprendizagem.

Para tal, os objetivos devem ser formulados de maneira clara e apresentados pre-viamente para os alunos, de modo que isso, por si só, já facilite a aprendizagem signi� cativa pelo aprendiz, que se concentraria no estudo dos pontos principais da disciplina (em vez de “perder” muito tempo com pontos secundários e menos importantes);

2) garantir experiência útil de aprendizagem para os alunos, uma vez que ma ava-liação os obriga a revisar, consolidar, esclarecer e integrar os diversos assuntos tratados;

3) oferecer ao professor informações a respeito da e� cácia dos materiais e dos mé-todos que ele utiliza, bem como indícios sobre as possíveis causas para eventual mau desempenho de algum (ns) aluno(s) (o que pode estar relacionado com falta de interesse ou esforço dos aprendizes, ou com problemas relativos aos materiais e técnicas instrucionais _ como a própria avaliação _ utilizados).

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61Unidade 2

Principais teorias da aprendizagem

jerome bruner Jerome S. Bruner nasceu no ano de 1915 na cidade de Nova Iorque e viveu a maior parte da sua carreira como professor e investigador. Graduou--se em Psicologia pela universidade de Duke em 1937. Foi então para Harvard em 1941, onde obteve o grau de Doutor em Psicología. No começo da Segunda Guerra Mundial, Bruner iniciou suas pesquisas em Psicologia Social. Nesse contexto, ingressou-se na guerra, trabalhando no Departamento de Psicologia do seu quartel. Depois da guerra, voltou a Harvard e publicou em 1947 um artigo onde descrevia a importância das necessidades no desenvolvimento da percepção humana. Nesse artigo

constatamos que seu estudo conclui que os valores e as necessidades determinavam as percepções humanas. A Psicologia Cognitiva objetiva desenvolver habilidades intelectuais da pessoa, para que esta obtenha o máximo conhecimento. Em 1960, Bruner fundou o Centro de Estudos Cognitivos da Universidade de Harvard. Bruner deu um forte impulso à Psicologia, tornando-a cientí� ca e, com isso, obteve respeito social e acadêmico. Bruner manteve a regra básica da ciência: observar os fenômenos e, a partir dessa observação, elaborar as conclusões.

Bruner realizou estudos em dois campos importantes para a aprendizagem: Cog-nição e Cultura. O seu interesse pelos processos cognitivos o levou a passar um período de estudos com Jean Piaget, o que in� uenciou sua concepção de desenvolvimento psico-lógico como um processo evolutivo de representação de mundo. Bruner foi responsável pelo intercâmbio entre pesquisadores do Centro de Epistemologia Genética em Genebra e pesquisadores do âmbito de Estudos Cognitivos em Harvard. No � nal da década de 1950, Bruner envolve-se com estudos na área da educação, graças a um encontro de pesquisadores e educadores promovido pela Academia Nacional de Ciências dos Estados Unidos, em Massachusetts, cujo objetivo era reformular as bases para um novo currículo em ciências e matemática para o ensino básico.

Em decorrência da Guerra Fria, a sociedade americana precisava formar jovens com habilidades e competências em ciências e tecnologia. Como resultado das re� exões desse encontro, Bruner publica, em 1960, o livro O Processo de Educação. Nesse livro, Bruner faz referências aos processos motivacionais, ao papel do professor, ao quê e como ensinar.

Na Inglaterra, Bruner envolve-se com pesquisas sobre desenvolvimento infantil e o papel da linguagem no desenvolvimento do psiquismo, cujo estudo havia lido na obra de Vygotsky. In� uenciado pelo pensamento vygotskiano, Bruner rea� rma sua crença na importância da dimensão cultural na formação do psiquismo humano. Como resultado dessa sua admiração por Vygotsky, a convite de Luria, Bruner faz o prefácio do livro de Vygotsky Pensamento e Linguagem. Para Bruner, o sujeito nasce em uma cultura, cuja principal função é a conservação e a transmissão de aprendizagens passadas que ele deve adquirir para se adaptar.

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A cultura, em virtude de sua relevância no processo de desenvolvimento, é, na obra de Bruner, uma das dimensões mais importantes na educação. No livro A Cultura da Educação, Bruner ressalta que o objetivo da educação deveria ser a promoção da realização individual ou a preservação da cultura e que aprendizagem ocorre do inter ou intrapsí-quico, ou seja, ocorre de dentro para fora, ou inversamente. Segundo ele, a aprendizagem humana se dá na interação com o outro, graças à linguagem e à intersubjetividade.

In� uenciado pelo pensamento de Vygotsky, Bruner enfatiza que, embora tenha a in� uência de Piaget na sua visão de desenvolvimento, considera a teoria piagentina mais interessante em desvendar o desenvolvimento do conhecimento humano do que em reve-lar o funcionamento do nosso psiquismo. Assim, a visão de Vygotsky de funcionamento psicológico como moldado pela cultura atende melhor à concepção de desenvolvimento e aprendizagem de Bruner.

A aprendizagem que ocorre por meio da educação necessita de motivação, por existir adaptação do aluno ao ambiente escolar e a seus procedimentos. Para Bruner, o aprendizado é um processo ativo, no qual aprendizes constroem novas idéias, ou conceitos, baseados em seus conhecimentos passados e atuais. O aprendiz seleciona e transforma a informação, constrói hipóteses e toma decisões, contando, para isso, com uma estrutura cognitiva.

A estrutura cognitiva (esquemas, modelos mentais) fornece signi� cado e orga-nização para as experiências e permite ao indivíduo “ir além da informação dada”. O professor deve incentivar os alunos a descobrir por si sós os princípios. O professor e o aluno devem se engajar em um diálogo ativo. A tarefa do professor no processo ensino--aprendizagem é traduzir a informação a ser aprendida em um formato apropriado ao estado verdadeiro de compreensão do aluno. O currículo deve ser organizado em espiral, para que o aluno construa continuamente sobre o que já aprendeu.

Bruner a� rma que a teoria de instrução deve se direcionar para quatro aspectos principais: (1) predisposição na direção do aprendizado, (2) modos nos quais um corpo de conhecimento pode ser estruturado, para que seja facilmente compreendido pelo aluno, (3) sequências mais efetivas nas quais apresentar o material e (4) natureza e ritmo das recompensas e punições. Bons métodos para estruturar o aprendizado devem resultar em simpli� cação, geração de novas proposições e aumento da manipulação da informação. Em seu trabalho mais recente, Bruner expandiu sua estrutura teórica para abranger os aspectos sociais e culturais do aprendizado.

Bruner foi um dos grandes impulsionadores da teoria cognitivista, mas acabou mais tarde por abandonar essa mesma teoria, alegando que se tratava de um modelo bastante limi-tado por não considerar a cultura como elemento importante para a constituição do sujeito.Em relação ao pensamento humano, ele a� rma que a mente humana não percorre os

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63Unidade 2

Principais teorias da aprendizagem

mesmos caminhos de um computador no que diz respeito ao seu processamento de informação, defendendo assim que o desenvolvimento da mente humana está ligado à construção de signi� cados, criados pelos seres humanos na relação que estabelecem com o meio ambiente.

Segundo Bruner, uma informação por si só sozinha não possui qualquer tipo de signi� cado e, para que essa representação possa ser útil para nós, tem obrigatoriamente que ter signi� cado. A mente, mais do que tratar a informação, cria signi� cados para cada uma, enquanto o computador se limita a aplicar regras que alguém as introduziu e que para ele são abstratas. Neste processo, a mente é criativa, produz sentido, é pessoal, subjectiva, insere-se num contexto social e numa determinada cultura.

Na visão de Bruner, o signi� cado de uma informação só tem sentido para o sujeito se ele atribuir signi� cado a essa informação. Portanto, o signi� cado de uma informação pode ser diferente de sujeito para sujeito. Além de a mente ser algo individual e interior, também é partilhada com os outros no sentido de que a pertença a um determinado grupo social irá condicionar a forma como os indivíduos pensam e se comportam.

Bruner reconhece que, em cada cultura, existe ao que se chama de psicologia po-pular, que consiste na forma como um sujeito num determinado contexto social tenta compreender o que são os sujeitos, por que razão se comportam de determinada forma e como encaram os seus problemas. Estes conteúdos são adquiridos no processo de so-cialização numa dada sociedade.

Ele defende também que o desenvolvimento da mente está ligado à construção de signi� cados pelos seres humanos na sua relação com o meio. Esses signi� cados construídos pelos sujeitos nada têm ver com o modo informático do processamento da informação. A mente, neste processo, é criativa, pessoal e subjetiva. Ao mesmo tempo é partilhada com os outros que fazem parte do contexto social do sujeito.

Na concepção bruneriana, o desenvolvimento intelectual da criança depende do modo como a mente usa a informação que recebe. No decurso do seu desenvolvimento, a criança adquire três diferentes modos de representação do meio que a envolve, do mais simples ao mais complexo: enativo, icônico e simbólico.

Assim, para Bruner o desenvolvimento da criança se dá por esses três estágios:

Estágio Enativo: o primeiro nível de representação designa-se por representação “enativa”, isto é, ligada à ação, à manipulação. As crianças representam o mundo por meio de suas ações sensório-motoras, agindo, imitando, manipulando objetos.

Estágio Icônico: na representação “icônica”, o pensamento baseia-se nas imagens mentais (nos objetos situações não presentes) e domina no período pré-operatório e das operações concretas, de Piaget. Adquire uma importância maior à medida que a criança

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cresce e aprende conceitos e princípios que não se podem “mostrar”. A representação icônica realiza-se por interiorização dos gestos e das percepções sob forma de esquemas estáveis.

Estágio Simbólico: uma outra fase de representação é designada por representa-ção “simbólica” que é uma representação do meio que se faz por intermédio, e na qual assume particular importância a linguagem falada e escrita.

A linguagem é o principal sistema simbólico utilizado pelo adulto naaprendizagem: a aquisição e a retenção de conhecimentos é a mais e� caz, sendo, por isso, um meio de aprendizagem mais generalizado.

Para Bruner, a cada modo de representação (estágio) corresponde um modelo de aprendizagem. Ele considera que as aprendizagens devem ser compatíveis com as diferentes fases de representação (estágios). Assim, por exemplo, na fase enativa domi-nam as aprendizagens centradas na manipulação dos objetos; na fase icônica, há uma aprendizagem das representações e das características dos objetos; na última fase, a ca-pacidade simbólica vai possibilitar a compreensão de conceitos lógicos e abstratos. Um mesmo assunto pode ser abordado de formas distintas nas três fases, o que se designa por currículo em espiral.

Bruner defende que existe um desejo natural de aprender por parte da criança, uma motivação que conduzirá a um maior sucesso escolar. Refere-se também à necessidade do reforço, ou seja, entende que uma aprendizagem bem sucedida deveria ser reforçada para aumentar a probabilidade de se repetir.

A escola, segundo Bruner, deveria reconhecer esse aspecto cooperativo na constru-ção do conhecimento, em vez de opor-se a uma postura mais ativa do aluno que desem-penhe papel de modelador. O professor, no ensino, envolve mais do que a transmissão do conteúdo, devendo se constituir em um modelo para o aluno, até no plano afetivo de relação com a disciplina. Além disso, o professor pode ajudar o aluno a adquirir essas ferramentas por meio de recursos como � lmes ou narrativas, que permitem o resgate das ideias intuitivas acerca do objeto.

Quanto aos recursos didáticos, Bruner diz que eles podem ajudar o processo de ensino caso forneçam informação não disponível na experiência escolar. Quanto ao aluno, Bruner considera que este precisa ser educado e, para tanto, terá de se adaptar à escola e sentir-se motivado a aprendizagem.

exercício1. Comente a a� rmativa: “Para Piaget os estágios do desenvolvimento da criança são universais embora cada criança possua características peculiares”. Você concorda com essa a� rmativa?

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Principais teorias da aprendizagem

2. Baseado nos estudos de Piaget sobre desenvolvimento infantil, Bruner destaca a aprendizagem por descoberta e o desenvolvimento da criança em três fases: inativa, icônica e simbólica. Faça um breve comentário sobre as semelhanças e diferenças entre os dois autores.

3. Para Ausubel, no processo ensino - aprendizagem os organizadores prévios são im-portantes para o desenvolvimento da aprendizagem. Faça então uma pesquisa em que você entreviste alguns professores sobre quais os organizadores prévios mais utilizados.

4. Leia o livro “A Bolsa Amarela”, de Lygia Bojunga. Nesse livro, a autora narra o imaginá-rio da menina Raquel e sua relação com a bolsa amarela. Após a leitura, procure elaborar um texto, de quatro a cinco parágrafos, desenvolvendo a seguinte atividade: analise o imaginário de Raquel considerando os estágios de desenvolvimento propostos por Piaget.

5. Assista ao � lme “O Menino do Pijama Listrado” e elabore um texto dissertativo so-bre o � lme, relacionando os comportamentos do menino Bruno com a abordagem dos teóricos cognitivistas.

bibliografia bock, Ana Maria, gonçalves, Mª Graça & furtado, Odair (orgs.). Psicologia sócio- histórica: uma perspectiva crítica em psicologia. São Paulo: Cortez, 2001.

bruner, j. O processo de educação. São Paulo: Nacional, 1972.

______. Uma nova teoria da aprendizagem. Rio de Janeiro: Bloch, 1973.

______. A cultura da educação. Porto Alegre: artmed, 1997.

______. Atos de signi� cação. Porto Alegre: artmed, 2002.

francisco filho, g. A psicologia no contexto educacional. São Paulo: Editora Átoma, 2002.

goulart, Iris Barbosa. Piaget: experiências básicas para utilização pelo professor. 5. ed. Petrópolis: Vozes, 1983.

mizukami, m. das g. n. Ensino: as abordagens do processo. São Paulo: epu, 1986.

moreira, Marco Antônio. Teorias de aprendizagem. Porto Alegre: epu, 1999.

oliveira, j. b. a; Chadwick c. b. Tecnologia educacional: teorias da instrução. 8. ed. Petrópolis: Editora Vozes, 1994.

richmond, Peter Graham. Piaget: teoria e prática. 3. ed. São Paulo: ibrasa, 1981.

resumo da atividade 5A atividade da atividade 5 teve por objetivo o reconhecimento de que para os

cognitivistas a aprendizagem inclui perceber, interpretar e mentalmente armazenar a informação que é recebida do ambiente. Aprendemos, por essa abordagem, que o processo

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dessa aprendizagem deve organiza-se de maneira a estimular o desenvolvimento de mecanismos intelectuais, que possibilitem a aquisição de novos conceitos, estabelecendo relações, levantando hipóteses e apresentando soluções. Aprendemos também que Piaget explica o conhecimento por meio da interação do sujeito com o meio ambiente, físico e social, cujo sujeito é o agente segundo suas capacidades. Ele contribui com a Educação por trazer as ideias e resultados que alertam para as fases próprias para a construção da cognição e por, além disso, considerar o aluno como agente e ao mesmo tempo parte de algo maior, como a sociedade e o ambiente. Foi mostrado ainda que, para Ausubel, a aprendizagem signi� cativa se veri� cada quando o banco de informações no plano mental do aluno se revela, por meio da aprendizagem por descoberta. O processo utilizado para as crianças menores é o de formação de conceito, que envolve generalizações de interesses especí� cos para que, na idade escolar, já tenha sido desenvolvido um conjunto de conceitos, de modo a favorecer o desenvolvimento da aprendizagem signi� cativa. Nessa atividade você conheceu a visão de aprendizagem na perspectiva de Bruner, que diferentemente de Piaget e Ausubel, procura enfatizar os aspectos culturais no processo de desenvolvimento e aprendizagem da criança.

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Principais teorias da aprendizagem

ABORDAGEMHUMANISTA

(ROGERS)

a t i v i d a d e 6

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objetivosAo � nal desta atividade, você deverá • identifi car os princípios fi losófi cos e psicológicos da teoria humanista;• compreender as diferenças no processo de aprendizagem na teoria de Rogers.

PRA INÍCIO DE CONVERSAAntes de iniciarmos nossa abordarmos sobre a concepção de Carl Rogers sobre o processo de aprendizagem, torna-se necessário voltarmos rapidamente à questão principal do nosso estudo, que é entender os princípios da abordagem humanista. Focalizaremos os aspectos � losó� cos que norteiam a concepção humanista, destacando principalmente os processos interpessoais e o desenvolvimento da personalidade do sujeito.

teoria humanistaA abordagem humanista vem preencher um imenso vazio no campo psicológico

e educacional em geral, com uma importância enorme, já que trata, preferencialmente, dos sentimentos, valores e expectativas dos seres humanos, os quais não tinham sido considerados nem pelo comportamentalismo, nem pelo cognitivismo.

Os humanistas preocupam-se com os processos integrais da pessoa cognitiva; afetivo, social, psicomotor e a personalidade humana são uma organização ou totalidade, que está em contínuo processo de desenvolvimento. Portanto, podemos dizer que se trata de uma abordagem fundamentada na � loso� a do existencialismo.

Para os humanistas, o ser humano é um agente eletivo, capaz de escolher seu pró-prio destino; que também é um agente livre, capaz de estabelecer suas próprias metas, e, � nalmente, e também um agente responsável pelas suas próprias escolhas.

A teoria humanista privilegia a criatividade, o amor, o altruísmo e outras mani-festações do afeto e respeito mútuo. Rogers considera o ser humano ativo, responsável e capaz de se autodeterminar. Compreende que o meio deve permitir ao sujeito liberdade e respeito à individualidade.

Para os humanistas, as pessoas não são motivadas somente por impulsos básicos de necessidades � siológicas ou de subsistência. Elas sentem necessidade de desenvolver as suas capacidades e os seus potenciais  para alcançar a autorrealização; o foco não é, portanto, o do ego ou a adaptação ao meio. O signi� cado e os valores do sujeito devem

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69Unidade 2

Principais teorias da aprendizagem

ser os condutores centrais do processo; valoriza-se, assim, menos os métodos rigorosos ou até mesmo a objetividade na interpretação das observações.

A abordagem humanista, que surge nos anos 60, foi adotada num cenário onde até então reinavam a psicanálise e o beharvorismo. A abordagem humanista dá ênfase às relações interpessoais e ao crescimento que delas resulta relacionado ao desenvolvimento da personalidade do sujeito, em seus processos de construção e organização pessoal da realidade e da capacidade que o sujeito tem de atuar como pessoa integrada. O principal representante da abordagem humanista é o americano Carl Rogers (1902-1987).

Para os humanistas, o desenvolvimento explica-se a partir de uma única necessi-dade ou motivo humano básico, que é a fonte de toda a energia – a tendência inata do organismo para desenvolver todas as suas potencialidades. Esta tendência é uma função do organismo como um todo. A personalidade faz parte desse todo, enquanto uma estru-tura interna que se desenvolve a partir da experiência. É a personalidade que possui essa pré-disposição à auto-realização. Por isso, diz-se que o desenvolvimento é auto-dirigido.

Na teoria humanista a noção de "eu" é um conceito importante para se compreender o desenvolvimento do homem como pessoa. Refere-se à maneira pela qual a pessoa se percebe, atuando no meio. Essa imagem se desenvolve quando a pessoa se relaciona com outras pessoas – é como uma auto-imagem. Características funcionais da noção de "eu":

O autoconhecimento é o processo de se autoconhecer, de desenvolver a noção de ‘eu’, de se perceber a si mesmo. É o desenvolvimento dos valores pessoais, a partir de experiências igualmente pessoais.

Assim, para os humanistas, a mesma forma que o desenvolvimento é auto-dirigido, o conhecimento é autodescoberto. Por isso, no processo ensino-aprendizagem o professor exerce a função de um integrador de conhecimentos.

carl rogersCarl R. Rogers nasceu no dia 8 de janeiro de 1902 em Oak Park, Chicago, Estados Unidos, numa família cristã cuja religiosidade era rigorosamente fundamentalista. Estudou na Universidade de Wisconsin. Como psicó-logo, trabalhou primeiramente com crianças em Rochester, Nova York, num centro de orientação infantil, onde permaneceu por doze anos, os quais os ajudaram a compreender formal e diretamente o que ele iria denominar mais tarde de Abordagem Centrada na Pessoa, que foi apri-morada por suas experiências como professor na Universidade de Ohio e depois como diretor de um novo centro de aconselhamento baseado em suas ideias na Universidade de Chicago, onde publicou Terapia

Centrada no Cliente (1951), que continha sua primeira teoria formal sobre a terapia, sua teoria da personalidade e algumas pesquisas que reforçavam sua conclusão. Foi um dos pioneiros nos

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movimentos de grupo de encontro, um dos fundadores da Psicologia Humanista e o primeiro psicólogo a dirigir um departamento de psiquiatria em uma grande universidade (Universidade de Wisconsin). Carl Rogers ajudou a criar o Centro de Estudos de Educação da Pessoa. A Abor-dagem Centrada na Pessoa desenvolveu-se essencialmente a partir das suas próprias experiências clínicas. Foi duas vezes eleito presidente da Associação Americana de Psicologia, pro� ssional. Rogers morreu em 5 de fevereiro de 1987, mesmo ano em que é indicado ao Prêmio Nobel da Paz.

Carl Rogers � cou famoso como psicólogo clínico e psicoterapeuta ao introduzir e aplicar, sobretudo a partir da década de 40, no campo da psicoterapia, o que chamou Terapia Centrada no Cliente – Client Centered � erapy – ou Abordagem Centrada na Pessoa. Diferentemente das abordagens convencionais da época – behaviorista e psica-nálise −, a abordagem humanista defendia a Terapia Centrada no Cliente ou também conhecida orientação não diretiva em terapia.

Rogers, como humanista, centra sua atenção na capacidade interior do homem para avançar num sentido positivo, sugere que em cada pessoa existe um impulso inerente em direção à expansão: tornar-se autônomo, desenvolver-se, amadurecer e ativar todas as capacidades do organismo. Essa tendência atualizante é o postulado fundamental de sua teoria.

O modelo de ensino não-diretivo baseia-se nos estudos sobre psicoterapia centra-da no cliente de Carl Rogers. O modelo não-diretivo dá mais importância ao domínio emocional do que ao domínio cognitivo. No desenvolvimento dessa abordagem à pessoa, os princípios e as atitudes valorizadas no modelo psicoterapêutico vão-se alargando de tal modo que a sua aplicação é estendida a muitos outros domínios das Ciências Sociais e a campos tão diversos como os da educação, das relações interpessoais, das relações familiares, inclusive das relações conjugais, da comunicação interpessoal, da gestão de recursos humanos, da gestão de empresas, da resolução e mediação de con� itos pessoais, interpessoais, sociais, e até mesmo políticos e raciais.

A partir da década de 70, Rogers indica a orientação não diretiva ou abordagem centrada na pessoa em terapias de grupos de encontro. Na sua prática psicoterápica, Rogers considera que a maior força orientadora da relação terapêutica deve centrar-se no cliente e não no terapeuta.

Rogers acredita que as pessoas crescem melhor psicológica e emocionalmente se rodeadas de relações humanas positivas, francas, afetuosas e autênticas. Desse princípio decorrem importantes implicações para o ensino: o processo educativo deve centrar-se no desenvolvimento da pessoa; os conteúdos disciplinares e os resultados de aprendizagem não podem confundir-se com as � nalidades da educação.

Para a teoria rogeriana, o papel do professor não consiste na transmissão de co-nhecimentos, mas sim na orientação do crescimento pessoal num clima de liberdade e

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Principais teorias da aprendizagem

autenticidade; o professor assume-se como um facilitador das relações interpessoais; a aprendizagem verdadeira e duradoura é a que o aluno faz por si próprio, com autonomia e elevado nível de independência. O ambiente deve ser tão livre quanto possível e ausente de controles exteriores que condicionam e oprimem a mente humana.

Carl Rogers acredita que ninguém ensina ninguém. O importante não é o ensino, mas sim a aprendizagem. O professor não ensina, facilita a aprendizagem e ajuda ao cres-cimento da pessoa. O primeiro objetivo do modelo não-diretivo é ajudar o aluno a atingir níveis mais elevados de integração pessoal, de bem estar e de autoestima. O professor assume o papel do psicoterapeuta, numa relação de ajuda que permite ao aluno um melhor conhecimento de si, a tomada de consciência dos seus valores e das suas necessidades.

Na concepção rogeriana, o papel do professor não é provocar mudanças com-portamentais, mas sim ajudar o aluno a conhecer as suas necessidades e a autodirigir a sua educação em direção à realização do seu potencial humano. É ao aluno, e não ao professor, que cabe identi� car os problemas e encontrar as soluções que preencham as suas necessidades.

Assim, para Rogers, a tarefa do professor não é a transferência do conhecimento para a mente do aluno, mas sim a construção de um ambiente empático, onde haja co-municação livre e onde todos possam comunicar com autenticidade, sem medos e sem pressões. Para que a atmosfera seja autêntica e livre, o professor não avalia, reserva para si os seus juízos de valor e manifesta uma abertura total face aos diferentes projetos de vida dos seus alunos.

Segundo Rogers, o professor funciona como um “alter ego” benevolente, alguém que aceita todos os sentimentos e opiniões, uma pessoa mais velha que compreende, aceita e não recrimina. Esse clima de aceitação, autenticidade, congruência e empatia favorece o desenvolvimento emocional do aluno, leva-o a aceitar-se melhor como pessoa e a aumentar sua autoestima. A orientação não-diretiva é um conjunto de encontros entre o professor e o aluno, nos quais o professor ajuda o aluno a explorar as suas emoções e os seus sentimentos num processo que conduz ao autoconhecimento.

Com a orientação não-diretiva, pretende-se aconselhar os alunos sobre as di� -culdades e progressos na aprendizagem e sobre os seus gostos e interesses em matérias do conhecimento. Nos casos em que os alunos estão a ter problemas de integração es-colar, a técnica da orientação não-diretiva é particularmente útil para ajudar os alunos a tomarem consciência daquilo que os a� ige, a conhecerem as consequências das suas ações e a encontrarem formas mais saudáveis de resolverem os seus problemas. Com essa técnica, o professor abandona o estilo autoritário e centra a sua atuação no respeito pelos sentimentos e emoções do aluno, numa relação de inter-ajuda que se aproxima da noção de companheirismo.

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Durante o processo da orientação, o aluno explora os seus sentimentos e emoções, clari� ca as suas percepções e identi� ca as mudanças apropriadas, de forma a atingir níveis mais elevados de bem estar e de felicidade. A orientação não-diretiva tem quatro características básicas:

1. o professor mostra compreensão e afeto e expressa uma vontade autêntica de aceitar o aluno como pessoa;

2. o professor não julga, não avalia e não emite juízos de valor face às opiniões e aos sentimentos do aluno;

3. o professor não se deixa controlar pelo aluno e mantém sempre uma certa distância e objetividade face ao universo emocional do aluno;

4. o professor recusa todo tipo de preconceitos culturais e mostra ser capaz de respeitar os sentimentos, opiniões e valores do aluno. O objetivo é levar o aluno a passar por quatro etapas de crescimento pessoal: libertação dos sentimentos e emoções; tomada de consciência; ação; integração em direção a uma nova orientação.

No ambiente escolar o professor é, antes de mais nada, um facilitador. O aluno de-� ne os seus problemas, é responsável pelas suas ações, formula os seus objetivos e escolhe os procedimentos para os alcançar. Rogers acredita que a autenticidade, a congruência e a empatia levam o sujeito a superar os sentimentos de medo, angústia e hostilidade, substituindo-os por outros mais positivos, como a con� ança, a aceitação do outro e a autoestima. O professor é o “alter ego” do aluno e funciona como o recurso que o ajuda a tomar consciência das emoções e dos sentimentos, numa atmosfera segura, con� ante e livre.

Atitudes do Facilitador da Aprendizagem:a) ter autenticidade no facilitador da aprendizagem;b) prezar, aceitar e con� ar; c) ter compreensão empática.

Para Rogers, na concepção não-diretiva a função da educação é preparar o aluno para se aceitar tal como é, para ser feliz consigo próprio e para realizar todo o seu poten-cial. Nesse processo de desenvolvimento emocional, os alunos tomam consciência das suas necessidades, das suas fraquezas, dos seus limites e dos seus pontos fortes.

Os métodos de ensino são � exíveis, individualizados e centrados na pessoa. A criatividade é a atitude mais acentuada. As aulas expositivas são banidas em proveito de atividades de autoformação individual e do trabalho em pequenos grupos. A avaliação do processo de ensino e aprendizagem é feita, no dia a dia, a cargo de cada aluno, que compara os seus resultados com os objetivos por si de� nidos. Na orientação não-diretiva as atividades de aprendizagem não são obrigatórias, cabendo ao aluno a escolha das

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Principais teorias da aprendizagem

tarefas a realizar, num processo de aprendizagem autônoma, em que o professor se assume como recurso e facilitador.

O professor facilita; o aluno toma a iniciativa, faz as suas opções, seleciona os procedimentos e, sempre que necessário, pede ajuda ao professor. Por � m, cada aluno faz a sua autoavaliação. As recompensas são intrínsecas e incluem aceitação, compreensão e empatia. Não há castigos nem prêmios.

Rogers considera a facilitação da aprendizagem como o objetivo maior da edu-cação. Ao invés de apresentar uma teoria de aprendizagem, Rogers propõeuma série de princípios de aprendizagem:

Princípios básicos da aprendizagem para Rogers1. Todo aluno tem potencialidade natural para aprender e tendência a realizar essa

potencialidade;

2. A aprendizagem signi� cativa ocorre quando o conteúdo da aprendizagem é percebido como relevante para o aluno, a partir de seus próprios objetivos;

3. A aprendizagem que envolve mudança na organização do “eu” na percepção de si mesmo, é ameaçadora e tende a suscitar a resistências;

4. Se a resistência do aluno à aprendizagem signi� cativa é pequena, então ele realiza sua potencialidade para aprender. As aprendizagens que ameaça o “eu” soa mais facilmente percebidas e assimiladas quando as ameaças externas se reduzem;

5. Quando é pequena a ameaça do “eu”, aluno que realiza sua potencialidade para apren-der, torna-se aberto à experiência e reciprocidade;

6. Grande parte da aprendizagem signi� cante é adquirida pela realização de atos. A au-toavaliação é função da capacidade de cada um de valoração pessoal;

7. A aprendizagem é facilitada quando o aprendiz participa responsavelmente ao processo de aprendizagem;

8. A aprendizagem autoiniciada que envolve o aprendiz como um todo (sentimento e intelecto) é mais duradoura e abrangente;

9. A independência, a criatividade a autocon� ança são todas facilitadas quando a autoa-valiação e a autocrítica são básicas; a avaliação feita por outros é secundária;

10. A aprendizagem socialmente mais útil no mundo moderno é a do próprio processo de aprender, por se tratar de uma contínua abertura à experiência e à incorporação, dentro de si mesmo, do processo de mudança.

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exercício1. Rogers considera que o aluno tem o livre arbítrio para decidir o que aprender e que ele é capaz de avaliar o que é signi� cativo para ele ou não; depende do próprio aluno perceber-se a si mesmo e valorar-se com consciência. Qual a sua opinião a esse respeito?

2. O que você acha da autoavaliação do aluno no processo ensino-aprendizagem?

3. Rogers a� rma de que um relacionamento de con� ança entre professor e aluno e um entendimento de valores, com clima de liberdade e respeito, é fundamental à autoavaliação e para o desempenho do aluno. Você concorda com essa a� rmação de Rogers? Por quê?

bibliografia francisco filho, g. A Psicologia no contexto educacional. São Paulo; Editora Átoma, 2002.

frick, willard b. Psicologia humanista: entrevistas com Maslow, Murphy e Rogers. Rio de Janeiro: Zahar, 1975.

mizukami, m. das g. n. Ensino: as abordagens do processo. São Paulo: epu, 1986.

moreira, Marco Antônio. Teorias de aprendizagem. Porto Alegre: epu, 1999.

oliveira, j. b. a; Chadwick c. b. Tecnologia educacional: teorias da instrução. 8. ed. Petrópolis: Vozes, 1994.

rogers, c. O tratamento clínico da criança-problema. São Paulo: Martins Fontes, 1979.

________. Sobre o poder pessoal. São Paulo: Martins Fontes, 1986.

________. Liberdade de aprender em nossa década. Porto Alegre: Artes Médicas, 1985.

resumo da atividade 6Como o propósito de conhecer a concepção humanista de aprendizagem, apre-

sentamos a você nesta atividade o pensamento de Rogers. Com ele você aprendeu que sua abordagem explica que o ensino seja centrado no aprendiz, que clima da sala de aula deve ter o aprendiz como centro do processo ensino-aprendizagem. Rogers con� rma que na potencialidade do sujeito para aprender e que ele tem o livre arbítrio para decidir o que quer aprender. Portanto, veri� camos que, para Rogers, o sujeito tem a liberdade para aprender. Ele reconhece ainda que o professor é um facilitador da aprendizagem. Entende que é preciso banir a educação ameaçadora e desconfortável para o aprendiz.

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75Unidade 2

Principais teorias da aprendizagem

ABORDAGEMSÓCIO-HISTÓRICA

(VYGOTSKY)

a t i v i d a d e 7

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objetivosAo � nal desta atividade, você deverá• entender os princípios da abordagem sócio-histórica;• identifi car a visão de Vygotsky sobre os processos de aprendizagem; • reconhecer as contribuições de Vygotsky à Educação.

PRA INÍCIO DE CONVERSANesta atividade você vai estudar a concepção de desenvolvimento da aprendizagem de Vygotsky. Para iniciarmos a discussão sobre o pensamento vygotskiano sobre aprendizagem, torna-se necessário destacarmos a fundamentação da teoria sócio-histórica. Vamos nos debruçar especi� camente sobre a matriz sócio-histórica que in� uenciou o pensamento de Vygotsky sobre a constituição do sujeito.

teoria sócio-históricaAncorada na Psicologia Soviética a perspectiva sócio-histórica, tendo o materia-

lismo histórico-dialético como pano de fundo, expressa em seus métodos e arcabouço conceitual as marcas de sua � liação dialética. Ele assinala a “crise da Psicologia” de seu tempo, que se debate entre modelos que privilegiam ora a mente e os aspectos internos do indivíduo, ora o comportamento externo. Defendia construir o que chamou de uma nova Psicologia Dialética, que deveria re� etir o sujeito em sua totalidade, articulando dialeticamente os aspectos externos com os internos, considerando a relação do sujeito com a sociedade à qual pertence.

A matriz sócio-histórica é composta por elementos sociais, econômicos, políticos e culturais, todos historicamente construídos e em contínua construção. A matriz sócio--histórica pode ser concebida por duas partes íntimas e dialeticamente interrelacionadas. A primeira é constituída das condições socioecnômicas e políticas as quais representam as condições concretas de vida de uma comunidade especí� ca, em que o sujeito nasce, vive e se desenvolve, bem como é constituída pressões sociais mais estáticas às quais os sujeitos estão submetidos. A segunda são as práticas discursivas, que representa o do-mínio das representações, dos símbolos etc. Entende-se, a esse respeito, que o signo está ligado a diferentes períodos.

Entre os diversos teóricos da aprendizagem na linha sócio-histórica, destacamos Lev Semanovich Vygotsky (1896-1934).

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77Unidade 2

Principais teorias da aprendizagem

l. s. vygotskyNasceu em 1896 e morreu em 1934. Foi advogado, � lósofo; estudou história, além de neuropsicologia. Analisou e fez criticas sobre as bases do pensamento behaviorista, gestaltista e sobre o positivismo e o prag-matismo americano, adotando o marxismo como epistemologia básica para realizar seus trabalhos de pesquisa. Fez estudo sobre a história da Psicologia, tendo inclusive criticado as principais correntes psicológicas por não compreender o homem como sujeito cultural. Fez ainda estudos sobre o desenvolvimento dos seres humanos, dando destaque à lingua-gem, à formação de conceitos, ao pensamento em diferentes culturas, ao processo de aprendizagem e ao cérebro humano diante da evolução

histórica e ao intercâmbio social. Iniciou sua carreira aos 21 anos, após a Revolução Russa de 1917. Trabalhou com crianças com problemas de cegueira, retardo mental severo, afasia etc. Seus estudos e publicações de seus livros só chegaram ao mundo ocidental na década de 1980. Sua produção intelectual foi intensa : Vygostsky chega a elaborar cerca de 200 estudos cientí� cos sobre diferentes temas.

Vygotsky é considerado um dos precursores da teoria Sócio-Construtivista ou Sócio-Histórica. Seus trabalhos centram-se principalmente na origem social da inteli-gência e no estudo dos processos socioculturais.

Ele distingue duas formas de funcionamento mental: os processos mentais ele-mentares e os superiores. Os processos mentais elementares correspondem ao que Piaget denomina estágio de inteligência sensório-motora e são resultantes do arcabouço genético da espécie, da maturação biológica e da experiência da criança com seu ambiente físico.

As funções psicológicas superiores são construídas ao longo da história social do homem. Isso ocorre na sua relação com o mundo, mediada pelos instrumentos e símbolos desenvolvidos culturalmente, o que faz com que o homem se distinga dos outros animais nas suas formas de agir no e com o mundo. En� m, para Vygotsky a cultura é um aspecto importante na construção das estruturas mentais superiores do sujeito.

Vygotsky nos faz pensar que temos dois nascimentos: um primeiro nascimento que é o físico, no qual apresentamos nosso arcabouço genético; e um segundo nasci-mento, o social no qual nos desenvolvemos a partir da cultura e das relações sócias que estabelecemos ao logo da vida.

Você já deve ter observado que, desde o nascimento, a criança está em constante interação com os adultos, que procuram incorporar nessa interação conhecimentos da cultura, atribuindo signi� cado às condutas e aos objetos culturais que se formaram ao logo da história do homem. Assim, a criança internaliza conhecimentos por meio das interações sociais. Conforme o pensamento vygotskiano, o desenvolvimento e a apren-dizagem do sujeito humano se dão a partir das constantes interações com o meio social em que este vive.

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A teoria psicológica sociocultural de Vygotsky valoriza principalmente a mediação simbólica e se preocupa com as capacidades psíquicas a serem desenvolvidas na interre-lação do sujeito com as demais pessoas. Outro ponto importante é o papel da linguagem na constituição do sujeito.

A linguagem habilita os sujeitos a providenciarem instrumentos auxiliadores na solução de tarefas difíceis, a superarem a ação impulsiva, a planejarem a solução de problemas antes de sua execução, ou seja, tanto expressa o pensamento do sujeito como também o organiza.

Portanto, ao aprender a usar a linguagem para planejar ações, o sujeito consegue ir além das experiências imediatas. A linguagem é a ferramenta psicológica mais importante. Dessa maneira, é possível veri� car não apenas o que o aluno é num dado momento, mas o que pode vir a ser, rompendo-se com o conceito de que na organização de turmas deve-se buscar uma homogeneidade. Este tema será estudado com mais detalhes na Unidade iii.

Vygotsky destaca, ainda, o papel da mediação social: (1) nas relações entre o sujeito e seu ambiente (mediado pelas ferramentas) e (2) nas atividades psíquicas intraindividuais (mediadas pelos signos); e ressalta também, (3) a passagem entre o interpsíquico e o in-trapsíquico nas situações de comunicação social. Estes são os três princípios fundamentais, totalmente interdependentes, nos quais Vygotsky sustenta a teoria do desenvolvimento dos processos mentais superiores. Um dos pontos mais interessantes no processo de aprendizagem é a zona de desenvolvimento proximal (zdp).

Todos os sujeitos possuem dois planos de conhecimento: no plano inferior, do desenvolvimento real, está o conhecimento que o sujeito já domina. Já o plano superior, do desenvolvimento potencial, está o conhecimento no limite máximo que um sujeito pode atingir, naquele estágio de conhecimento. Seria determinado como o máximo a que o aprendiz consegue chegar, naquele momento, com a ajuda de alguém mais experiente (um professor, ou outro aprendiz).

Entre esses dois planos está a zdp, que indica a região onde os conteúdos devem ser trabalhados, pois está acima do que já se sabe, e abaixo daquilo que, naquele momento, não se conseguiria aprender. Assim, novos conteúdos vão sendo internalizados, recons-truídos no plano interno de atividades. Com isso, o plano inferior, de desenvolvimento real sobe e empurra, consigo o plano de desenvolvimento potencial, o que gera assim o aprendizado.

Para Vygotsky, a � nalidade do professor seria justamente a de trabalhar com seus alunos, na zdp deles, de modo que eles tenham papel ativo neste processo. O professor não é mais aquele que se coloca como centro do processo como se via na educação auto-ritária, mecânica, mas aquele que ensina, para que os alunos aprendam.

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79Unidade 2

Principais teorias da aprendizagem

Nessa perspectiva, o professor passa a ser o agente mediador, facilitador desse processo, propondo desa� os aos seus alunos e ajudando-os a resolvê-los, realizando ou proporcionando atividades em grupo, em que aqueles que estiverem mais adiantados poderão cooperar com os demais. Com suas intervenções, o professor estará contribuindo para o fortalecimento de funções ainda não consolidadas, ou para a abertura de zonas de desenvolvimento proximal. Não se pode esquecer de que a aprendizagem é fundamental para o desenvolvimento.

Vygotsky rompe com a concepção de que o aprendiz deve, sozinho, descobrir suas respostas; de que a aprendizagem é resultante de uma atividade individual, basicamente interpessoal. Aquilo que o aprendiz realiza hoje com a ajuda dos demais estará realizan-do sozinho amanhã. A aprendizagem implica apropriação de conhecimentos, que exige planejamento constante e reorganização contínua de experiências signi� cativas para os alunos. A reorganização das experiências de aprendizagem deve considerar o quanto de colaboração o aluno ainda necessita, para chegar a produzir determinadas atividades, de forma independente.

O professor como mediador da aprendizagem, poderá avaliar, durante o proces-so, não somente o nível das propostas que estão sendo feitas, mas, sobretudo, o nível de desenvolvimento real do aprendiz – revelado por meio da produção independente – bem como seu nível de desenvolvimento proximal – em que ainda necessita de ajuda. Chega-se, assim, a um conhecimento maior da realidade do aluno, do curso interno de seu desenvolvimento, tendo condições de prever o quanto de ajuda o aluno ainda necessita, e como se deve reorientar o planejamento para apoiá-lo, quando necessário. Para que todo esse processo tenha condição de se consolidar, o diálogo deve permear constantemente a prática docente.

exercício1. Sintetize o desenvolvimento da linguagem na criança segundo a concepção de Vygotsky.

2. Faça um quadro com as convergências e divergências básicas entre o pensamento de Piaget e o de Vygotsky acerca do processo de desenvolvimento e aprendizagem da criança.

3. Comente a a� rmativa: “Vygostsky é considerado o mais importante estudioso da lin-guagem infantil, sobretudo pela sua visão de aprendizagem e do papel da linguagem no desenvolvimento cognitivo da criança”.

4. Assista ao documentário “Nascidos em Bordéis”e faça uma análise, com base no pen-samento de Vygotsky, de como a cultura é um elemento fundamental no processo de internalização dos conhecimentos sociais.

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Licenciatura em LetrasLíngua Portuguesamodalidade a distância80

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bock, a. m., gonçalves, m. g., furtado, o. (orgs.). Psicologia sócio-histórica: uma perspectiva crítica em psicologia. São Paulo: Cortez, 2001.

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resumo da atividade 7 Na atividade 7 destacamos a teoria psicológica sociocultural de Vygotsky, que va-

loriza principalmente a mediação simbólica e se preocupa com as capacidades psíquicas a serem desenvolvidas na interrelação do sujeito com as demais pessoas. Aprendemos também que, segundo Vygotsky, isso ocorre na relação do aprendiz com o mundo, me-diada pelos instrumentos e símbolos desenvolvidos culturalmente, o que faz com que o homem se distinga dos outros animais nas suas formas de agir no e com o mundo. Por � m, destaca nesta atividade o pensamento de Vygotsky sobre os processos de aprendiza-gem e desenvolvimento, dando ênfase à linguagem e à internalização de conhecimentos do inter para o intrapsíquico.

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81Unidade 3

Multiculturalismo, aprendizagem e desenvolvimeto humano

MULTICULTURALISMO,APRENDIZAGEM E DESENVOLVIMENTO

HUMANO

u n i d a d e 3

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83Unidade 3

Multiculturalismo, aprendizagem e desenvolvimeto humano

A LINGUAGEM COMO MEDIADORA

DA APRENDIZAGEME DESENVOLVIMENTO

a t i v i d a d e 8

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objetivosAo � nal desta atividade você deverá • identifi car a linguagem como mediadora da aprendizagem; • conhecer as diversas abordagens sobre a linguagem;• verifi car o papel da linguagem na constituição do sujeito.

PRA INÍCIO DE CONVERSANa unidade anterior, vimos que as teorias da aprendizagem abordam aspectos diferentes nos processos de ensino-aprendizagem e que a linguagem tem um papel importante na construção do conhecimento. Nesta unidade, veremos como a linguagem pode ser utilizada na aprendizagem e como ela pode mediar os processos de internalização dos conhecimentos. Para iniciar as discussões sobre a linguagem, perguntamos: Você sabe de� nir o que é linguagem? Qual relação da linguagem no aprendizado e desenvolvimento do aprendiz? Será que a linguagem é utilizada apenas para o sujeito se comunicar?

A linguagem é um sistema de signos que possibilita o intercâmbio social entre sujeitos que compartilham desse sistema de representação da realidade. A linguagem permite a comunicação entre os homens.

Sabe-se, no entanto, que a linguagem verbal não serve apenas como instrumento de comunicação, o seu papel vai mais além. O homem a utiliza para expressar seus pensa-mentos, raciocinar, ordenar, analisar, sintetizar a informação, relacionar fatos percebidos, en� m, para conhecer, interpretar e transformar o mundo. Acima de tudo, a linguagem permite ao homem transmitir informações das mais complexas que foram produzidas ao longo de muitos séculos de prática histórico-social.

Ao � nal da década de 50 do século xx, o campo da psicolinguística (estudiosos da psicologia que enveredaram pelos estudos da linguagem) tornou-se muito importante nos estudos da linguagem e do desenvolvimento humano. Entre os mais relevantes autores da psicologia que abordaram a linguagem como fundamental para o desenvolvimento, podemos destacar: Skinner, Bandura, Chomsky (comportamentais); Piaget (cognitivista); e Vygotsky, Luria e Leontiev (socioculturalistas).

A linguagem, segundo Luria (1991), não existe entre os animais, que apenas emitem sons que expressam seus estados e contagiam seus semelhantes, como, por exemplo, o

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85Unidade 3

Multiculturalismo, aprendizagem e desenvolvimeto humano

guia de um bando de cegonhas, ao sentir o perigo, solta gritos alarmantes promovendo no bando uma reação de ajuntamento. Portanto, a linguagem dos animais nunca designa coisas, não distingue ações nem qualidades.

Na busca de compreender os processos que cercam o universo da linguagem, vários foram os estudiosos que se interessaram pelos processos mentais relacionados com a linguagem e aprendizagem da fala. Linguistas, psicólogos e � lósofos, ainda que sustentando opiniões nem sempre convergentes, ampliam e enriquecem a pesquisa e o conhecimento sobre os processos da linguagem oral e escrita.

Os linguistas estão preocupados com a descrição formal da estrutura da língua, isto é, com a estrutura que abrange os sons e os signi� cados da fala, como também o complexo sistema da gramática. Já os psicólogos dedicam-se a desvendar as capacidades subjacentes que o sujeito deve ter para usar a linguagem, além de investigar o processo de aquisição da linguagem pelas crianças, analisando a linguagem como mediadora das estruturas cognitivas. Assim, começaram a veri� car a linguagem ligada às estruturas mentais e a linguagem como suporte de expressão de conteúdos superiores (aspectos cognitivos).

Para a teoria do reforço defendida por Skinner, a linguagem é aprendida por meio do condicionamento operante baseado em reforçamento seletivo de respostas verbais emitidas pelo sujeito. Os pais e outros adultos reforçam gradativamente a criança que aprende para que ela imite as respostas de fala de e adultos, ou seja, estimulam a aprendi-zagem por meio do reforçamento.

Bandura parece ter razão ao falar do modelo social no qual as crianças escutam a linguagem à sua volta e, mesmo não imitando a fala do modelo social, estão certamente adquirindo cognitivamente informações do seu meio cultural. Portanto, podemos dizer que, para os teóricos da aprendizagem social, a modelagem seria indispensável à aquisição da linguagem.

O grande marco do contexto dos estudos da lingua-gem foi na década de 1960 com os trabalhos de Chomsky, entre os quis a Gramática Gerativa-Transformacional, um modelo analítico segundo o qual a criança aprende sua lín-gua materna por meio de um sistema de regras. Esse novo modelo teve uma extraordinária repercussão no contexto dos estudos da linguagem.

Segundo Gardner (1995), há uma área da Psicologia na qual as ideias de Chomsky tiveram uma enorme in� uência: a psicologia da linguagem ou a psicolinguística, como costuma ser chamada.

REFORÇAMENTO

O reforçamento seria um esquema de observações e imitações do comportamento verbal para ampliar o repertório verbal da criança. In� uenciado pelo behaviorismo americano de Skinner, Bandura (apud rappaport, 1981, p. 78) vai mais além dizendo que a criança aprende a sua língua materna por meio de uma aprendizagem social, ou seja, a aprendizagem se dá mediada por modelos sociais, porque como diz ele: se a aprendizagem social ocorresse exclusivamente em ternos de consequências reforçadoras e punitivas, a maioria das pessoas não sobreviveria ao processo de socialização [...].

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Licenciatura em LetrasLíngua Portuguesamodalidade a distância86

Nas últimas décadas, a psicolinguística se tornou uma importante área de inves-tigação, que abrange estudos da linguagem normal no adulto, do desenvolvimento das habilidades linguisticas em crianças, de distúrbios da linguagem após situações de lesão cerebral e do uso da linguagem em populações excepcionais como, por exemplo, a dos surdos. Muitos trabalhos em cada uma dessas áreas concentram-se nas habilidades sin-táticas, como modelos de análise geralmente fornecidos por Chomsky.

Considerado um teórico inatista, Chomsky defende uma teoria capaz de explicar a capacidade que as crianças têm para falar � uentemente uma língua. Para ele, a criança tem propriedades peculiares para desenvolver sua língua materna, isto é, predisposição biológica que está associada à espécie humana para aquisição das línguas, caracterizando, portanto, uma Gramática Universal.

Chomsky acredita que o sujeito é constituído congeniti-vamente de um conhecimento das características da lingua-gem humana. Podemos então compreender, com base no pen-samento chomyskiano, que a criança desde o seu nascimento é dotada de certa sensibilidade para traços das gramáticas da linguagem humana. Em outras palavras, a criança possui um tipo de sistema inato, chamado por ele de “Dispositivo de Aprendizagem da Linguagem”, que propicia a sua aquisição de linguagem, ou melhor, uma estrutura, de certa forma, habilita a criança a processar a linguagem, elaborar regras, pronunciar frases para produzir uma fala gramatical com competência.

A criança, para Chomsky, apresenta um dispositivo de aquisição da linguagem situado, presumivelmente, em algum lugar do sistema nervoso central. Embora não seja literalmente

uma caixa, entrariam, por meio dos ouvidos da criança, dados linguísticos que seriam muitas vezes extremamente fragmentados, ou seja, fragmentos do discurso que a crian-ça escuta à sua volta. Mas, para o autor, o dispositivo seria tão bem sintonizado com os traços essenciais da linguagem humana que, embora esses dados sejam insu� cientes, a criança poderia extrair as regras gramaticais. Esse dispositivo seria tão sensível e bem preparado que poderia produzir quase imediatamente as hipóteses corretas sobre quais seriam estas regras.

No pensamento chomyskiano, a criança apresenta competência e desempenho para apreender sua língua-mãe. Na criança, a gramática é uma representação de sua competên-cia intrínseca para a aquisição da linguagem e para isso desenvolve igualmente sistemas

CHOMSKY

Chomsky nasceu no Estados Unidos em 1928. É um linguista, � lósofo e

ativista político. É professor de Lin-guística no Instituto de Tecnologia

de Massachusetts.Seu nome está as-sociado à criação da gramática ge(ne)

rativa transformacional, abordagem que revolucionou os estudos no domí-

nio da linguística teórica. É também o autor de trabalhos fundamentais

sobre as propriedades matemáticas das linguagens formais, sendo o seu nome

associado à chamada Hierarquia de Chomsky. Seus trabalhos, combinando uma abordagem matemática dos fenó-menos da linguagem com uma crítica

do behaviorismo,nos quais a lingua-gem é conceitualizada como uma

propriedade inata do cérebro/mente humanos, contribuem decisivamente

para a formação da psicologia cogniti-va, no domínio das ciências humanas.

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87Unidade 3

Multiculturalismo, aprendizagem e desenvolvimeto humano

de desempenho para colocar em ação este saber. Podemos entender, pela compreensão de Chomsky, que a criança ouve enunciados gramaticais e não gramaticais e só constrói sua linguagem simplesmente ao ser exposta aos desempenhos de alguém. Impressio-nado com a rapidez extraordinária das aquisições linguísticas de crianças pequenas, ele deduziu que não se trata de uma aprendizagem, mas principalmente de uma estrutura pré-formada, pré-programada. Assim, com o termo “Gramática Universal”, certamente Chomsky está se referindo a essas estruturas comuns a todas as linguagens.

A abordagem chomyskiana chamou atenção dos estudiosos da linguagem para as bases neurológicas que servem de arcabouço para o processamento da linguagem humana, pois temos um complexo e inato mecanismo para processar a linguagem, isto é, para um associado funcionamento cerebral.

Como se sabe, temos dois hemisférios: o direto e o esquerdo, mas a dominância da fala está relacionada com a região esquerda do cérebro. Essa capacidade biológica permite a aprendizagem da linguagem, sustentada por características biológicas e culturais da vida humana que dão aos bebês oportunidades de ouvir sua língua nativa e começar a se comunicar com aqueles que a utilizam.

Outro aspecto importante que os estudiosos da linguagem consideraram funda-mental para compreensão da aquisição da linguagem refere-se à interação verbal e às relações coletivas e sociais como importantes para as investigações da linguagem e sua relação com o pensamento. Questionaram: as crianças estão pensando enquanto estão adquirindo a linguagem? Estão lembrando palavras ou associando-as durante o desen-volvimento da linguagem? Para responder a esses questionamentos, apresentaremos a você a concepção de Piaget, Vygotsky, Luria e Leontiev.

Para Piaget, a linguagem re� ete as capacidades cognitivas da criança, no entanto o pensamento aparece antes da linguagem, pois a formação do pensar depende, basica-mente, de coordenação dos esquemas sensório-motores, e não da linguagem. Esta só pode ocorrer depois que a criança já atingiu um determinado nível mental.

Piaget diz que ambos são processos separados: a linguagem só acontece depois que a criança já alcançou determinados níveis de habilidades mentais. O desempenho linguístico da criança, além de depender dos aspectos maturacionais orgânicos, depende do grau de estimulação verbal e social que a criança vai receber do ambiente, quer dizer que, num ambiente social onde a linguagem do adulto é “bem elaborada”, é provável que as expressões ouvidas pela criança ampliem e enriqueçam seu repertório verbal.

Abordando a lógica da criança, Piaget considera que no inicio de seu desenvolvi-mento ela fala sozinha (fala egocêntrica), porque esse fenômeno serve de preparação para a chamada linguagem socializada. A linguagem egocêntrica tem origem no pensamento

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Licenciatura em LetrasLíngua Portuguesamodalidade a distância88

infantil e representa, sobretudo, a passagem de uma forma autista de pensamento a uma forma socializada.

A linguagem socializada acontece antes dos cinco anos quando a criança começa a se manifestar por meio de ordens, pedidos, ameaças, súplicas, entre outros. É a fase em que a criança troca pensamentos com os outros, seja para informar seu interlocutor acerca de algo, seja para buscar com ele um objetivo comum, estabelecendo o diálogo. Para Piaget, nas crianças a linguagem está especialmente ligada à ação, principalmente nas atividades lúdicas.

É importante ressaltar que Piaget foi um dos primeiros pesquisadores da psicologia infantil que sistematicamente investigou as estruturas cognitivas e lógicas da criança e sua relação com a linguagem. ParaVygotsky não é exagero a� rmar que Piaget revolucionou o estudo sobre a linguagem e o pensamento das crianças [...] Ele desenvolveu o método clínico de investigação das ideias infantis; além do mais, trouxe para o seu objeto de estudo uma nova abordagem, de amplitude e ousadia incomuns.

Para os estudiosos soviéticos Vygotsky, Luria e Leontiev, a língua é um produto coletivo e históri-co, ou seja, a língua é concebida como instrumento de troca social, já que ela não existe num vácuo, mas numa rede de valores enunciativos, na qual o universo linguístico se constrói coletivamente.

Em articulação com a posição de Luria, a concepção da linguagem exposta por Leontiev apoia-se em bases neuropsicológicas. Assim como outros autores interacionistas, ele criticou as con-cepções mecanisistas do comportamento humano, pois sustentava uma abordagem dialética para a psicologia baseado no materialismo histórico.

Para Leontiev, a linguagem humana não pode ser reduzida à aplicação de um sistema de regras como viam muitos linguistas, mas a uma interação entre os recursos dos sistemas linguísticos que estão à disposição da criança e a maneira como os recursos funcionam, isto é, pode ser entendida como um conjunto de métodos empregado para utilizar a linguagem na busca de conhecimentos e

LURIALuria nasceu na Rússia em 1902.

Graduou-se em medicina em 1937. Obteve seu doutorado em Pedagogia

(1937) e Ciências Médicas (1943). Foi um famoso neuropsicólogo

soviético especialista em psicologia do desenvolvimento. Foi um dos fundadores

de psicologia cultural-histórica. Ele estudou no Curso de Ciências Sociais

da Universidade Estadual de Kazan (graduado em 1921) e, graças ao seu

interesse em psicologia e à sua erudição, em 1924, foi convidado a participar do,

recém - criado, Instituto de Psicologia de Moscou. Durante a Guerra, Luria continuou seu trabalho no Instituto

de Psicologia de Moscou. Por um determinado período, ele � cou afastado

do Instituto de Psicologia, principalmente como resultado da intensi� cação

do anti-semitismo e optou por pesquisar crianças mentalmente retardadas no

Instituto de Defectologia durante os anos cinquenta. Morre em 1977.

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89Unidade 3

Multiculturalismo, aprendizagem e desenvolvimeto humano

de comunicação. Leontiev a� rma que a criança desde o seu nascimento está rodeada de um mundo objetivo criado pelo homem, isto é, a linguagem, as proposições, os conceitos, as ideias.

Sendo assim, a criança, quando entra em relação com esses fenômenos, percebe-os já condicionados e organizados culturalmente pelo homem, pois o desenvolvimento mental da criança se inicia num mundo humanizado. Nesse proces-so de desenvolvimento, a criança não se adapta ao mundo dos objetos humanos e aos fenômenos que a circundam, mas sim apropria-se dele.

Para Leontiev, a linguagem é um produto objetivo da atividade das gerações humanas da qual a criança se apropria no curso do seu desenvolvimento. Ora, se considerarmos que a criança se apropria do conhecimento no decorrer de sua evolução e que isso ocorre nos diferentes sujeitos, então consideramos que o desenvolvimento da linguagem da criança se dá certamente pela mediação social.

De acordo com Leontiev, a aprendizagem da lingua-gem é o alicerce para o desenvolvimento mental, uma vez que o conteúdo da experiência histórica do homem e da ex-periência histórico-social não está consolidado somente nas coisas mentais, mas se re� ete na forma verbal da linguagem. En� m, é dessa forma que a criança acumula o conhecimento humano mediada pela linguagem.

Assim como Luria e Leontiev, Vygotsky também se preocupou com a linguagem infantil. Abordou-a não como um sistema linguístico de estrutura abstrata, mas em seu aspecto funcional, psicológico e fundamentalmente social, histórico. Interessava-lhe es-tudar a linguagem como constituidora do sujeito, procurando, assim, enfocar a relação entre pensamento e linguagem.

Para Vygotsky, o pensamento evolui sem a linguagem nas crianças pequenas. Os primeiros balbucios formam-se sem o pensamento e têm como objetivo atrair a atenção do adulto. Percebe-se, assim, a presença de uma função social da fala desde os primeiros meses da criança. Vygotsky comenta, ainda, a possibilidade de estabelecer, no desen-volvimento do pensamento da criança, um pensamento pré-linguístico. Por volta dos dois anos, o pensamento pré-linguístico e a linguagem pré-intelectual encontram-se e

LEONTIEV

Leontiev nasceu na Rússia em 1903. Em 1921, começou seus estudos na Faculdade de História e Filologia da Universidade. A Faculdade de História e Filologia incluía, na época, um Departamento de Filoso� a no qual G. I. Chelpanov ensinava psicologia, e Leontiev estudou psicologia com ele. Em 1924, Leontiev graduou-se onde depois veio a ser a Faculdade de Ciências Sociais. De 1924 a 1930, trabalhou junto com L.S.Vigotski. Em 1931, foi indicado para uma das instituições de psicologia em Kharkov, mas continuou sua colaboração com Vigotski. Leontiev estudou a memória e a atenção deliberadas, e desenvolveu sua própria teoria da atividade que ligava o contexto social com o desenvolvimento. Sua teoria da atividade foi a base de muita pesquisa na Rússia, particularmente nas áreas da brincadeira e da aprendizagem. Morreu de ataque cardíaco em 1979.

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juntam-se, surgindo um novo tipo de organização linguístico-cognitivo. Ele diz que essas duas linhas se encontram neste momento – o pensamento se torna verbal e a linguagem racional. A partir das ferramentas que estão à sua disposição, a criança passa a sentir a necessidade das palavras e tenta aprender os signos, porquanto a criança começa a per-ceber que existem propósitos para a fala e que há um nome para cada coisa. É, portanto, a descoberta da função simbólica da palavra.

Partindo da compreensão desse teórico, podemos entender que no curso do de-senvolvimento, a fala aberta da criança torna-se pouco a pouco internalizada; e à medida que o fenômeno ocorre, a linguagem vem a ser usada cada vez mais como instrumento para organizar as atividades e regular as ações. Ele sustenta que as ações da criança são medidas por meio de palavras.

A capacidade mental da criança progride à medida que ela se apropria da lingua-gem. Segundo Vygotsky, desde os primeiros dias do desenvolvimento da criança, suas atividades adquirem um signi� cado próprio num sistema de comportamento social e, sendo dirigidos os objetivos de� nidos, são retratadas por meio do prisma do ambiente da criança. O caminho do objetivo até a criança e desta até o objeto é intermediado por outra pessoa. Essa estrutura humana complexa é o produto de um processo de desenvol-vimento enraizado nas ligações entre história individual e história social.

Pela lente vygotskiana, uma vez adquirida a linguagem, a criança desenvolve com facilidade o raciocínio e a formação de conceitos. A linguagem não é apenas uma manifestação externa do pensamento. O pensamento não é simplesmente expresso em palavras: é por meio delas que ele passa a existir. A palavra tem assim um papel central no desenvolvimento do pensamento e na evolução histórica da consciência como um todo.

Ao falar do desenvolvimento da criança, esse teórico russo alerta-nos de que a linguagem assume um lugar fundamental para a construção das estruturas superiores – a consciência. É por meio da palavra que se manifestam os conteúdos da consciência; é, pois, por essa via que a criança compreende o seu ambiente social.

Sabe-se que o meio social no qual o falante se situa está repleto de conceitos, de valores, de sentido ideológico, que impulsionam e, consequentemente, organizam a sua atividade mental. Além disso, para Vygotsky, a linguagem representa um marco no desenvolvimento da criança, pois a linguagem habilita as crianças a providenciarem instrumentos auxiliadores na solução de tarefas difíceis, a planejarem a solução para um problema antes de sua execução e a controlarem seu próprio comportamento.

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Multiculturalismo, aprendizagem e desenvolvimeto humano

exercício1. Faça um trabalho de pesquisa abordado o papel da linguagem no processo de apren-dizagem.

2. Luria, Leontiev e Vygotsky criticavam os estruturalistas da linguagem e consideravam a linguagem o alicerce para o desenvolvimento mental e social da criança. Explique as críticas aos estruturalistas da linguagem.

3. Comente a a� rmativa: “O homem é um sujeito histórico, datado, concreto, marcado pela cultura. A linguagem é mediadora da consciência.

bibliografiaskinner, b. f. Ciência e comportamento. 9.ed. São Paulo: Martins Pontes, 1994.

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resumo da atividade 8Nesta atividade focalizamos os autores que destacam a linguagem como um ele-

mento importante para a aprendizagem e para o desenvolvimento. Aprendemos que a linguagem e a mediadora das estruturas mentais superiores e fundamental para a forma-ção da consciência. Aprendemos que, assim como Luria e Leontiev, Vygotsky também se preocupou com a linguagem infantil. Abordou-a não como um sistema linguístico de estrutura abstrata, mas em seu aspecto funcional, psicológico e fundamentalmente social, histórico. Interessava-lhe estudar a linguagem como constituidora do sujeito, procurando, assim, enfocar a relação entre pensamento e linguagem.

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93Unidade 3

Multiculturalismo, aprendizagem e desenvolvimeto humano

A REDE DE SIGNIFICAÇÕES NO

DESENVOLVIMENTO HUMANO

a t i v i d a d e 9

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Licenciatura em LetrasLíngua Portuguesamodalidade a distância94

objetivos

São objetivos de aprendizagem a serem alcançados ao � nal dos seus estudos nesta atividade:• explicar a rede de signifi cações e o desenvolvimento humano;• compreender o processo de construção do ser humano e a rede de signifi cações na formação do sujeito;• identifi car a matriz teórico-metodológica da rede de signifi cação;• verifi car a importância da rede de signifi cações no processo de desenvolvimento e aprendizagem.

PRA INÍCIO DE CONVERSANo estudo da atividade 9 do programa, relativa à rede de signi� cação no desenvolvimento do sujeito e sua relação com o desenvolvimento e aprendizagem, abordaremos que a rede de signi� cações (RedSig) como uma nova perspectiva teórico-metodológica para as ciências humanas, que vem sendo elaborada de forma a construir uma ferramenta capaz de auxiliar tanto nos procedimentos de investigação como na compreensão do processo de desenvolvimento humano.

Quando pensamos no desenvolvimento do ser humano, logo vem à mente que o sujeito cresce, amadurece e que se constitui a partir de uma rede de relações familiares, sociais e culturais. Pense na seguinte cena: uma pessoa desconhecida em uma festa, em uma loja ou em uma � la de supermercado. Não sabemos nada a seu respeito, embora saibamos identi� car o sexo (homem ou mulher), a faixa etária (criança, jovem, adulto, velho), a etnia; não sabemos particularidades desse sujeito. A� nal, como se dá o desen-volvimento humano? Que fatores biológicos, sociais e culturais constituem o sujeito, ou seja, que rede de relações forma o sujeito? Você já parou para pensar na sua constituição como pessoa? Quais as redes de relações familiares, sociais e culturais que o constituem como sujeito?

Os questionamentos levantados, nesta atividade, visam orientá-lo no estudo sobre a construção do ser humano e na busca de novas fontes para ampliar seus conhecimentos sobre a Psicologia do Desenvolvimento Humano. Para compreender o processo de cons-tituição de um sujeito, é preciso olhar para a rede de signi� cação que fez parte da sua vida.

À luz da Psicologia, o desenvolvimento humano é um processo que se dá do nascimento à morte, dentro de ambientes culturalmente organizados e socialmente

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95Unidade 3

Multiculturalismo, aprendizagem e desenvolvimeto humano

regulados, por meio de interações estabelecidas de poder, de troca e de afetividade. Todos eles interagem dinâmica e dialeticamente, compondo uma rede, a qual contempla condições macro e microindividuais e estrutura um universo simbólico, constituindo o que chamamos de Rede de Signi� cações (RedSig).

O desenvolvimento humano ocorre, durante todo o ciclo de vida, por meio de processos progressivamente mais complexos. O sujeito é caracterizado por um comple-xo sistema interado de processos psicológicos (cognitivos, sociais, afetivos, emocionais, motivacionais), os quais operam em interações mútuas. Desse modo, é adequado pensar que a cultura cria formas especí� cas de conduta, muda o tipo de atividade das funções psíquicas (mente).

Cada um de nós enfrenta de forma única e singular o desa� o que a vida nos apresenta. Certamente, você deve lembrar-se de um fato vivenciado na sua infância, das relações estabelecidas com amigos, parentes e diversas outras pessoas que, ao longo dessa fase, passaram por sua infância. Quando narramos nossa infância, por exemplo, podemos ver como nos constituímos como sujeitos, que pertencemos a um contexto social, que pertencemos a uma família e estabelecemos uma rede de relações em ambientes diversos.

Para esclarecer melhor esse aspecto, trazemos como exemplo a história de Marcos, que, ao fazer um memorial da sua vida, nos apresenta parte de sua infância vivida no Piauí:

História de infância e a rede de signi� cados (redsig) Nasci na cidade da Parnaíba, Piauí, sou � lho mais velho de minha mãe que se casou aos 15 anos e me te teve com 17 anos. Antes de mim nasceu minha irmã Socorro, que morreu logo bebê. Quando eu nasci meu pai estava preso por ter assassinado um homem por causa de uma briga banal por conta de uns litros de leite. Ambos vendiam leite líquido oferecendo de porta em porta em um lugarejo pequeno chamado Luís Corrêa. Enquanto meu pai estava preso, minha mãe alugou um quarto próximo à delegacia no sentido de facilitar suas visitas ao meu pai, que logo foi absolvido por apresentar legítima defesa e ser réu primário. Um irmão de meu pai cedeu uma casa num sítio para que morássemos. Morei lá até os 6 anos. Logo depois de mim nasceu minha irmã Regina, que morreu vítima de pneumonia. Em seguida vieram o Carlos, o Paulo e o Roberto. Em 1974, a cidade de Parnaíba passou por enchentes e muitas famílias � caram desabrigadas. Meu pai � cou desempregado, a minha mãe era quem sustentava a casa trabalhando em uma fábrica. Ela teve que dispensar a pessoa que tomava conta de nós e tive de assumir a responsa-bilidade dos serviços domésticos. Meu pai nos levava à escola de bicicleta. No caminho passávamos por vacarias, campos e ruas de areia. Quando chegava a casa ia cuidar dos afazeres domésticos. Eu tinha que puxar água do poço comunitário e dar banho nos meus irmãos. À noite, quando a mamãe chegava eu podia estudar ou ir para frente da nossa casa ouvir histórias de assombrações, piadas, adivinhações ou brincar de cair no poço, pira se esconde ou bom barqueiro. Quando eu tinha 8 anos, com o dinheiro da fábrica, minha mãe comprou uma máquina de costura e passou a costurar roupas e a fazer panos de crochê para vender na feira. Aos sábados e domingos eu e minha mãe íamos à feira vender suas produções. Ela estirava uma esteira na calçada em frente a uma loja e nós arrumávamos as peças conforme os preços. Vendíamos muito. Assim minha mãe

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comprou a nossa primeira televisão preta e branca. Comprava também carrinhos e bolas para os meus irmãos e bonecas para a minha irmã Claudia, que por sinal quando bebê era eu quem trocava suas fraldas e dava banho, fazia mingau e a colocava para dormir cantando músicas de ninar. “Era a mamãe quem fazia as nossas roupas e cada um de nós possuía um par de sandálias e um par de sapatos”.

O texto narrativo citado foi extraído do artigo “A Rede de Signi� cados na Constituição do Sujeito para Bakhtin”, publicado na Revista Margens (v.2, n.3, jun, 2005), Editora da ufpa, Belém: Paka-Tatu.

A narrativa da infância de Marcos é o retrato de muitas histórias de crianças e famílias brasileiras pobres, de poucos recursos, em um ambiente privado de bens cultu-rais e marcado por perdas de parentes. Desenvolver-se não é apenas crescer � sicamente, cognitivamente e socialmente; é passar por etapas de desenvolvimento no sentido de pro-gredir individualmente como pessoa, a partir, entre outras coisas, também, da dinâmica e do funcionamento de sua família, das relações de poder no contexto vivido e entre os diferentes cenários e encontros e construções de amizades e brincadeiras compartilhadas por Marcos, que esteve submetido a uma série de circunscritores produzidos na história e na cultura, na sociedade nos quais se fazem presentes vozes sociais construídas em diferentes momentos e contextos de sua história social e pessoal.

A infância de Marcos percorre lugares e relações construídas e geradas numa Rede de Signi� cações (RedSig) comuns na sua vida privada: uma história marcada de pobreza; problemas familiares; trabalho infantil; perdas de parentes e de experiências lúdicas que são indubitavelmente importantes para o desenvolvimento da criança.

Compreendemos que o sujeito humano é essencialmente histórico, datado e marcado pela sua cultura. Sua fala é produzida a partir de um determinado lugar e de um determinado tempo e espaço. A narrativa de infância de Marcos é um recorte das representações de um tempo histórico e de um espaço social bem de� nido.

Sabemos que os sujeitos são seres humanos: amam, sofrem, divertem-se, pensam a respeito de suas condições e de suas experiências de vida, posicionam-se, possuem desejos e propostas de melhoria de vida. En� m, são sujeitos imersos numa Rede de Signi� cações que constroem a história de suas vidas e que precisam mostrar a suas singularidades. Certamente é nesse processo que cada um vai se arquitetando como sujeito, dando assim signi� cado e sentido à sua existência. Mas, então, o que é a rede de signi� cações?

A RedSig é uma nova perspectiva teórico-metodológica para as ciências humanas que vem sendo elaborada de forma a construir uma ferramenta capaz de auxiliar nos procedimentos de investigação e compreensão do processo de desenvolvimento huma-no. Esse processo que é construído nas e por meio das múltiplas interações estabelecidas pelas pessoas em contextos sociais e culturalmente organizados, está identi� cado em

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97Unidade 3

Multiculturalismo, aprendizagem e desenvolvimeto humano

uma matriz sócio-histórica elaborada por Vygotsky, Valsiner, Bruner e Bakhtin, pilares da perspectiva teórico-metodológica dessa nova concepção de desenvolvimento humano.

A perspectiva teórico-metodológica da RedSig é baseada em uma visão sócio--histórica que pressupõe que o desenvolvimento ocorre a partir de interações que o sujeito estabelece ao longo de sua vida com parceiros diversos em práticas sociais concretas. As formas culturais de organização do ambiente, as maneiras como os sujeitos atuam em variadas situações, os modos como interagem com os outros fornecem aos sujeitos que nele estão imersos os conhecimentos, as técnicas, os instrumentos e também os motivos para suas ações.

Para a Rede de Signi� cação, o sujeito nasce numa complexa rede de processos de desenvolvimento, e a meta é buscar compreender quais e como os vários elementos (interacionais - pessoais - contextuais) participam desses processos. Como se sabe, ao nascer um bebê, simultaneamente “nasce” uma mãe, um pai, um irmão, um tio, um avó entre outros. E é, também, por meio da relação com o bebê, que os papéis dessas outras pessoas são assumidos ou rejeitados, que suas identidades se completam, que suas atitudes tomam forma e adquirem signi� cados na rede de relações familiares.

Por essa ótica, entende-se que, desde o início da vida, as relações são construídas a partir das “interações”, ou seja, de ações partilhadas. Dessa forma, não existe uma única rede de signi� cações na constituição de um sujeito, mas várias redes articuladas entre si, interligando e interligadas por teias, compondo uma malha com diversos pontos de encontro.

Ao entrar nessa rede de relações sociais, a criança vai construindo, com a ajuda das pessoas, habilidades que facilitarão o seu desenvolvimento. A criança nos primeiros meses de vida aprende re� exos como o de agarrar e de sugar, que são facilitados pelo contato intimamente associados ao contato do bebê com a mãe. Ainda no primeiro ano de vida, as crianças são capazes de localizar fontes sonoras, discriminar cheiros e ritmos. Nesse contexto, as pessoas com as quais a criança convive desempenham um papel muito importante para o desenvolvimento e a aprendizagem da criança, sobretudo a � gura materna. É a mãe, principal � gura de referência para a criança, que irá proporcionar o desenvolvimento das habilidades inatas do bebê, por meio de suas ações e interações com ele, bem como estimular a organização de seu ambiente. O ambiente diversi� cado em estímulos e recursos facilitará e ampliará as capacidades de desenvolvimento da criança.

Para os teóricos da abordagem sócio-histórica, o sujeito se insere em um universo sociocultural e por meio das relações e experiências que aí mantém desenvolverá seu mundo psicológico, ou seja, seu mundo de registros. O sujeito é um ser ativo, social e histórico. Essa é sua condição humana, e assim constituíra suas formas de pensar, sentir

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e agir: sua própria consciência e identidade. O sujeito é um ser social, por isso, além de um nascimento físico, o homem experimenta um segundo nascimento, o social.

Bakhtin (1992a,b), Bruner (2001) e Valsiner (2000) entendem que a mente é criadora de signi� cados e que constitui e é constituída pela cultura, isto é, a mente seria constituída pelo uso da cultura humana, criadora de signi� cados (construção de signi� -cados mediando esta interação entre mente e cultura).

Propondo uma Psicologia Cultural, Bruner (2001) enfatiza que não é possível negar nossa constituição biológica, mas esta sozinha nos oferece apenas um conhecimento par-cial sobre o sujeito, especialmente porque é a cultura que nos diferencia e nos distingue um dos outros. A cultura, na visão de Bruner e Valsiner, é moldadora do comportamento humano, pois os sujeitos produzem signi� cados nos contextos culturais onde estão inse-ridos. En� m, os sujeitos são resultados desse processo de produção de signi� cados. Como diz Bruner (2001), a cultura molda (educa) a mente. Em outras palavras, ele a� rma que

nossa mente pode ser tão in� uenciada pela cultura simbólica que esta poderá remodelar a estrutura rígida e operacional do sistema cognitivo.

Para Bakhtin (1992a,b), Bruner (2001) e Valsiner (2000), a cultura forma e estrutura a mente. Há uma espécie de simbiose entre cérebro e cultura. Sendo assim, não podemos compreender o sujeito e sua ação sem conhecer a cultura na qual ele está inserida, sem conhecer suas relações sociais, sua história, sua identidade social. Seguindo o mesmo raciocínio bakhtiniano, Bruner também enfatiza o papel da linguagem na constituição do sujeito, colocando-a como uma ferra-menta essencial no processamento do mundo, sobretudo, no planejamento da ação do sujeito.

Nessa mesma direção, para Vygotsky o cérebro é visto como um sistema � exível capaz de servir a novas e diferentes funções, sem que sejam necessárias transformações no órgão físico. O funcionamento cerebral é moldado ao longo da his-tória da espécie e do desenvolvimento individual. Como diz Vygotsky, a estrutura e o funcionamento do cérebro humano, que levaram milhões de anos para evoluir, também passam por mudanças no curso do desenvolvimento do sujeito, devido à interação do homem com o meio físico e social.

BAKHTIN

Bakhtin nasceu em 1895 em Orel, localidade a sul de Moscovo, de família

aristocrática em decadência, cresceu entre Vínius e Odessa. Estudou

Filoso� a e Letras na Universidade de São Petersburgo, abordando em

profundidade a formação em � loso� a alemã.Viveu em Leningrado após a

vitória da revolução em 1917. Entre os anos 24 e 29 conheceu os principais

expoentes do Formalismo russo e publicou Freudismo (1927), O método

formal nos estudos literários (1928) e Marxismo e Filoso� a da Linguagem

(1929), sendo esta última talvez a sua obra mais célebre. Os seus trabalhos

só foram conhecidos no Ocidente progressivamente a partir da década

de 80, atingiram grande prestígio e referencialidade póstuma nos anos

90 e ainda se destacam na atualidade. Seu trabalho considerado in� uente na área de teoria literária, crítica literária, sociolinguística, análise do discurso e

semiótica. Morreu em 1975.

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99Unidade 3

Multiculturalismo, aprendizagem e desenvolvimeto humano

exercício1. Elabore um texto no qual se destaquem os aspectos que norteiam a matriz da rede de signi� cação na constituição do sujeito.

2. Com base nos pressupostos da rede de signi� cações, elabore um memorial de sua infância tendo como base a história de infância narrada de Marcos.

3. Você pode assistir aos � lmes “A Cidade das Crianças” e “Filhos do Paraíso”, para enten-der o universo infantil, sobretudo as relações das crianças com o mundo social e cultural.

bibliografiaalves, l. m. s. a. A rede de signi� cados na constituição do sujeito para Bakhtin. Revista Margens, v.2, n.3, jun, 2005, Editora da ufpa, Belém: Paka-Tatu, 2005.

bakhtin, m. Estética da criação verbal. São Paulo: hucitec, 1992a.

______. Marxismo e � loso� a da linguagem. São Paulo: hucitec, 1992b.

kishimoto, t. m. Jogos infantis: o jogo, a criança e a educação. Petrópolis: Vozes, 1993.

bruner, j. A cultura da Educação. Porto Alegre: Artmed, 2001.

rogoff, b. A natureza cultural do desenvolvimento humano. Porto Alegre: ArtMed, 2005.

rossetti-ferreira, m. c.; amorim, k. de s., silva, a. p. s.; carvalho, a. m. a.(orgs.). Rede de signi� cações e o desenvolvimento humano. Porto Alegre: Artmed, 2004.

valsiner, j. Culture and human development: na introduction. London: Sage, 2000.

vygotsky, l. s. A formação social da mente. São Paulo: Martins Fontes, 1984.

______. Pensamento e linguagem. São Paulo: Martins Fontes, 1989.

resumo da atividade 9Nesta atividade procuramos trazer à discussão a rede de signi� cações no desenvol-

vimento e sua contribuição no processo de construção dos seres humanos. Para a rede de signi� cações, o ser humano é um ser de relações, e essas relações se dão em complexas redes nas quais se articulam signi� cações de várias origens. Destacamos também, nesta atividade, os principais pilares teóricos dessa perspectiva: autores sócio-históricos ou socioculturais, como Vygotsky, Bruner, Valsiner e Bakhtin. A perspectiva da rede de signi� cações destaca que o sujeito se constitui por meio das interações sociais e da cultura.

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101Unidade 3

Multiculturalismo, aprendizagem e desenvolvimeto humano

CULTURA EDESENVOLVIMENTO HUMANO

a t i v i d a d e 10

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Licenciatura em LetrasLíngua Portuguesamodalidade a distância102

objetivosAo � nal desta atividade, você deverá - veri� car a importância da cultura no desenvolvimento humano; - identi� car a visão de Vygotsky, Luria e Leontiev e a cultura; - discutir a relação da cultura com o desenvolvimento e aprendizagem do sujeito.

PRA INÍCIO DE CONVERSAAo iniciarmos o estudo da atividade 10 do programa, relativa às questões da cultura e do desenvolvimento humano, torna-se necessário destacarmos que a cultura pode ser entendida como um sistema de padrões de ação e interação simbólicas, constituídos e partilhados por um grupo de pessoas, que organizam suas experiências, criam realidades, dão signi� cados à vida por meio dela e a perpetuam de uma geração a outra.

Nesta atividade, você vai estudar a cultura e o desenvolvimento humano na perspectiva da RedSig. A proposta da Rede de Signi� cação, ancorada numa matriz sócio-histórica, representa uma forma de interpretar os papéis das dimensões sociais, culturais, econômicas e políticas, todas historicamente construídas. Certamente o fenômeno mais intrigante para entender a vida humana é compreender como nos tornarmos as pessoas que somos.

Mas, a� nal, o que caracteriza o ser humano? O que diferencia o humano dos outros animais? Quais nossas particularidades como humanos? Qual o papel da cultura no nosso desenvolvimento? Quando nos colocamos essas questões, logo pensamos na capacidade humana de se comunicar e resolver situações complexas que outros animais não teriam.

Poderíamos ainda dizer que uma característica do humano é o trabalho e o uso de instrumentos. Caberia, então perguntar: os animais não executam atividades que se assemelham ao trabalho humano? Sim, se observamos as atividades de muitos animais percebemos que eles executam atividades semelhantes ao humano. As abelhas fabricam a colmeia, as aranhas tecem a teia, as formigas, por meio de uma organização de trabalho, carregam folhas e restos de animais para alimentar a sua espécie. Quanto aos instrumen-tos, não podemos defender que é uma atividade exclusivamente da espécie humana. Os macacos, por exemplo, fazem uso de instrumentos na solução de situações problemas de modo semelhante ao homem.

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103Unidade 3

Multiculturalismo, aprendizagem e desenvolvimeto humano

Experimento realizado por Wolfgang Kohler (1887-1967) com chimpanzés empi-lhando caixotes para alcançar alimentos comprovou que estes têm condições de resolver problemas relativamente mais complexos, como por exemplo, contornar um obstáculo e abrir fechaduras para fuga; o que os aproxima da inteligência humana.

Mas, então, o que nos diferencia dos macacos? Estudos realizados por Vygotsky e Luria apontam que, embora existam similaridades no padrão de aprendizagem de ma-cacos e humanos, indiscutivelmente o fator cultural é determinante. Segundos eles, os macacos desenvolvem ferramentas para resolução de problemas, mas não o trabalho, que é considerado uma condição fundamental para a vida e atividade humana. Além disso, falta-lhes a comunicação por meio da linguagem verbal.

Somente a espécie humana tem condições de criar e recriar seus instrumentos e a capacidade de questionar os seus próprios hábitos e modi� cá-los. Para explicar esse processo do desenvolvimento, Vygotsky e Luria o dividiram em três etapas principais:

1. comportamentos instintivos, ou seja, inatos e geneticamente determinados;

2. re� exos condicionados, construídos a partir da primeira etapa, mas baseados em experiência individual;

3. comportamentos racionais, construídos a partir da primeira e segunda etapas.

Para esses teóricos, a maioria dos animais apresen-ta comportamentos característicos das etapas um e dois, enquanto os macacos antropóides e os humanos chegam a apresentar comportamentos complexos da etapa três. En-tretanto, pesquisas realizadas recentemente observaram que os cetáceos (principalmente os gol� nhos) podem apresentar alguns comportamentos da etapa três, talvez em função de seu modo de vida altamente social, pois são animais que interagem com o humano – característica que os teóricos também evidenciaram como importantes no desenvolvi-mento comportamental humano.

Numa perspectiva antropológica, toda a criação huma-na é cultura. Entendemos como cultura todos os materiais,

KOHLER

Um dia um chimpanzé não foi alimentado pela manhã, mas o seu alimento foi pendurado no teto de seu viveiro. Pusemos uma caixa no chão, a alguns metros do local adequado, mas o animal não a utilizou. Na verdade, ele nunca havia utilizado anteriormente uma caixa como instrumento auxiliar. Tentou, em vão, alcançar o alimento dependurado no teto, pulando para alcançá-lo, subindo pelas paredes externas e se deslocando ao longo do telhado. Em dado momento, � cou tão fatigado que foi várias vezes até a caixa para sentar-se e descansar um pouco, enquanto olhava tristemente para a comida dependurada no teto. Passaram-se muitas horas sem que o chimpanzé mostrasse qualquer indício de ter atinado com a solução do problema. Peguei, então, a caixa, coloquei-a debaixo do alimento, subi nela, e toquei o alimento com as mãos. Em seguida desci e novamente empurrei a caixa para longe. Em menos de um minuto, o chimpanzé, que havia observado os meus procedimentos, pegou a caixa, arrastou-a para baixo do alimento, subiu nela, e conseguiu a fruta desejada.

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Licenciatura em LetrasLíngua Portuguesamodalidade a distância104

as representações simbólicas, os conhecimentos, as crenças, os sistemas de valores, o conjunto de normas que orienta o comportamento humano. O homem age de acordo com seus padrões culturais. Para os culturalistas, com o tempo os instintos foram par-cialmente anulados pelo longo processo evolutivo porque para o ser humano a cultura é cumulativa, isto é, resulta de toda a experiência histórica das gerações anteriores.

Podemos dizer que, no caso do chimpanzé, suas experiências não bene� ciam a sua espécie, pois nasce e acaba imediatamente com ele. Já no caso do humano, o processo ocorre de forma contrária, uma vez que toda experiência de um sujeito é transmitida aos demais, o que promove um grande processo de acumulação de conhecimentos, isto é, de transferência de conhecimentos produzidos pela espécie humana.

Nos estudos realizados por Vygotsky, a criança é dotada de um aparato biológico que estabelece limites e possibilidades para o seu funcionamento psicológico, interage simultaneamente no mundo real em que vive com as formas de organização do real construído pela cultura. Há, portanto, um movimento dialético, mediado pelo signo, que parte do interpessoal para o intrapessoal.

No caso do desenvolvimento da criança, o signo tem uma função social, primeiro interpsicológico (intermental) e posteriormente intrapsicológico (intramental). Logo, esse percurso permite à criança a internalização da linguagem e a formação de um dis-curso interno.

Para Vygotsky, a cultura molda o psicológico, isto é, determina a maneira de pen-sar. Os sujeitos de culturas distintas possuem diferentes per� s psicológicos. As funções psicológicas de um sujeito são desenvolvidas ao longo do tempo e mediadas pelo social, por meio dos símbolos criados pela cultura. A linguagem representa a cultura e depende do intercâmbio social.

Em todas as culturas, os símbolos culturais fazem a mediação. Os conceitos são, segundo Vygostky, construídos e internalizados de maneira não linear e diferente para cada pessoa. A linguagem então surge da interação com os membros mais maduros da comunidade, pois a língua é histórica e o pensamento é re� exo da linguagem.

No contexto da aprendizagem e desenvolvimento do sujeito há uma perspectiva de análise que destaca a cultura como aspecto importante para sua compreensão. Para analisar a cognição e a afetividade, por exemplo, a Psicologia Cultural tem resgatado o signi� cado da experiência humana, sobretudo a subjetividade do sujeito, aspecto consi-derado indispensável para a compreensão do funcionamento psicológico humano.

Para os psicólogos culturalistas, o funcionamento psicológico do sujeito é cons-tituído de processos que são mediados culturalmente e desenvolvidos historicamente.

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105Unidade 3

Multiculturalismo, aprendizagem e desenvolvimeto humano

Podemos então entender que cada sujeito, ao interagir com sua cultura, envolve-se ativamente na interpretação do signi� cado da experiência, e também cria coletivamente mundos interacionais.

A cultura pode ser entendida como um sistema de padrões de ação e interação simbólicas, constituídos e partilhados por um grupo de pessoas, que organiza suas experiências, cria realidades, dá signi� cado à vida por meio dela e a perpetua de uma geração a outra.

Para o antropólogo francês Claude Lévi-Strauss (apud laraia, 1988), a cultura surgiu no momento em que o homem convencionou a primeira regra, a primeira nor-ma que determinou o padrão de comportamento comum da espécie humana. Já para o antropólogo norte-americano Leslie White (apud laraia, 1988, p. 56), a passagem do estado animal para o humano ocorreu quando o cérebro do homem foi capaz de criar símbolos. Vejamos o que diz esse autor:

Todo comportamento humano se origina no uso de símbolos. Foi o símbolo que transformou nossos ancestrais antropóides em homem e fê-los humanos. Todas as civilizações se espalharam e perpetuaram somente pelo uso de símbolos [...] Toda cul-tura depende de símbolos. É a faculdade de simbolização que cria a cultura e o uso de símbolos que tornam possível a sua perpetuação. Sem símbolos não haveria cultura, e o homem seria apenas animal, não um ser humano. [...] O comportamento humano é o comportamento simbólico. Uma criança do gênero Homo torna-se humana somente quando é introduzida e participa da ordem de fenômenos superorgânicos que é a cultura. E a chave deste mundo, e o meio de participação nele, é o símbolo.

O ser humano torna-se um ser cultural porque evolui biologicamente para tanto, o que, por sua vez, favoreceu a evolução da cultura.

As crianças ribeirinhas e das zonas rurais que estudam em escolas de ilhas e escolas de fazendas, respectivamente, se locomovem por meio de barcos e canoas e animais, como é o caso das crianças da ilha do Marajó que chegam à escola montadas em búfalos. Existe no Brasil uma pluralidade em relação à infância, pois se con� gura uma heterogeneidade de crianças: que trabalha e não estuda; a que cuida de outra criança, entre outras atividades domésticas. No Estado do Pará, por exemplo, as crianças vivem em ambientes diversos. Existem as ribeirinhas, as da carvoaria, as indígenas, as do campo, entre outras.

O desenvolvimento humano não acontece de modo similar. A perspectiva sociocul-tural, defendida por Vygotsky, aponta que as crianças são participantes culturais em todas as comunidades, vivendo em uma determinada comunidade, em uma época especí� ca. Para ele, as crianças aprendem a utilizar os instrumentos para pensar proporcionados pela cultura, por meio de suas interações com parceiros mais habilidosos na ZDP (Zona de Desenvolvimento Proximal).

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Licenciatura em LetrasLíngua Portuguesamodalidade a distância106

Para Vygotsky, o desenvolvimento pleno do ser humano depende do aprendizado que este realiza num determinado grupo cultural, por meio das interações com outros sujeitos da sua espécie.

De fato, a cultura e a interação social são importantes para o desenvolvimento humano, tanto que a criança que só aprenderá a falar se pertencer a uma comunidade de falantes, ou seja, as condições orgânicas (possuir o aparelho fonador), embora ne-cessárias, não são su� cientes para que a criança adquira a linguagem. A esse respeito, é importante destacar o que diz Vygotsky (1991, p.99) “O aprendizado pressupõe uma natureza social especí� ca e um processo através do qual as crianças penetram na vida intelectual daqueles que as cercam”.

A cultura não é estática, mas dinâmica, construída por meio dos esforços de sujeitos que trabalharam conjuntamente, utilizando e adaptando instrumentos mentais e simbóli-cos proporcionados por predecessores e, durante o processo, criando novos instrumentos. A herança de milhares de anos de história humana dá a cada geração genes de processos inatos que a pronti� ca para se somar à vida humana. A aprendizagem humana é facilitada por uma infância longa, em comparação com outras espécies animais, que conseguem imediatamente sua independência. A infância longa ajuda a criança a aprender a usar a linguagem e outras invenções culturais.

Neste ponto, você deve ter percebido que a discussão não terminou, que continua ainda. Desse modo, discutiremos a seguir como as culturas infantis foram construídas no decorrer do desenvolvimento da criança em épocas passadas e como se realiza a da cultura infantil na modernidade.

exercício1. Faça uma pesquisa em bibliotecas e na internet sobre o conceito de cultura.

2. Você concorda com a concepção de que a cultura é um elemento fundamental para entendermos o sujeito?

3. Comente a seguinte a� rmativa: “O homem age de acordo com seus padrões culturais”.

4. Assista ao documentário “Não é o que parece”, produzido pelo canal Futura em parceria com o Conselho Regional de Psicologia, que trata da importância da dimensão subjetiva em nossas vidas.

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107Unidade 3

Multiculturalismo, aprendizagem e desenvolvimeto humano

bibliografiaalves, l. m. s. a. A rede de signi� cados na constituição do sujeito para Bakhtin. Revista Margens, v. 2, n.3, jun, 2005, Editora da ufpa, Belém: Paka-Tatu. 2005.

bock, Ana Maria, gonçalves, mª Graça & furtado, Odair (orgs.). Psicologia socio-histórica: uma perspectiva crítica em psicologia. São Paulo: Cortez, 2001.

carvalho, a.; salles, f. & guimarães, m. Desenvolvimento e aprendizagem. Belo Horizonte: Editora ufmg, 2002.

laraia, r. de b. Cultura: um conceito antropológico. 3.ed. Rio de Janeiro: Zahar editora, 1988.

rogoff, b. A natureza cultural do desenvolvimento humano. Porto Alegre: Artmed, 2005.

rossetti-ferreira, m. c.; amorim, k. de s., silva, a. p. s.; carvalho, a. m. a.(orgs.). Rede de signi� cações e o desenvolvimento humano. Porto Alegre: Artmed, 2004.

vygotsky, l. s. A formação social da mente. 4.ed. São Paulo: Martins Fontes, 1991.

______. Pensamento e linguagem. 2.ed. São Paulo: Martins Fontes, 1989.

resumo da atividade 10Nesta atividade veri� camos a importância do multiculturalismo nos estudos do

desenvolvimento e da aprendizagem. Foi possível também identi� car a cultura como ele-mento fundamental para o processo de desenvolvimento da criança. Constatamos ainda que o homem age de acordo com seus padrões culturais, pois a cultura é determinante para formação da consciência do sujeito. Para os psicólogos culturalistas, o funciona-mento psicológico do sujeito é constituído de processos que são mediados culturalmente e desenvolvido historicamente.

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109Unidade 3

Multiculturalismo, aprendizagem e desenvolvimeto humano

CULTURAS INFANTIS E A INFÂNCIA

a t i v i d a d e 11

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objetivosAo � nal desta atividade, você deverá • entender a importância das culturas infantis;• identifi car o papel das culturas infantis no desenvolvimento da criança; • reconhecer as contribuições das brincadeiras no processo de aprendizagem e desen-volvimento.

PRA INÍCIO DE CONVERSAPara concluirmos esta unidade, apresentamos na atividade 11 a discussão sobre as culturas infantis. Você deverá aprender que as culturas das crianças são um conjunto de atividades ou rotinas, artefatos, valores e ideias que as crianças produzem e partilham em interações com os seus pares. Essas atividades culturais não nascem espontaneamente; elas constituem-se no mútuo re� exo das produções culturais dos adultos para as crianças e das produções culturais geradas pelas crianças nas interações.

A infância é uma construção social, uma criação da sociedade sujeita a mudar sem-pre que surgem transformações sociais mais amplas. Estudiosos da Psicologia, tal como Piaget, pensavam que o desenvolvimento da criança era moldado por forças biológicas e que seus estágios de desenvolvimento biológico seriam � xos e imutáveis.

Sabe-se hoje que a infância não pode ser compreendida isoladamente, desconectada das estruturas sociais em que as crianças estão inseridas e de suas relações com as culturas adultas. Isto é, as culturas infantis surgem na medida em que as crianças, interagindo com os adultos e certamente com seus pares, estabelecem sentidos ao mundo em que vivem.

Você já deve ter observado que as crianças brincam e que durante a brincadeira elas expressam sua percepção de mundo e vivenciam papeis sociais nas brincadeiras de faz-de-conta. Além disso, a sua cultura está presente como norteadora das atividades lúdicas. Perguntamos a você: como a criança efetivamente expressa a sua cultura nas brincadeiras? É importante lembrarmos que a criança em desenvolvimento não é um ser passivo. Pelo contrário, desde o nascimento a criança estabelece interações com o adulto, e isso possibilita que elas apresentem sua forma de interagir com o mundo e, assim, criam suas representações deste mundo.

As culturas das crianças, como já foi dito, são um conjunto de atividades ou roti-nas, artefatos, valores e ideias que elas produzem e partilham em interações com os seus

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pares. As manifestações infantis são provenientes de uma cultura própria das crianças. Suas expressões, nas mais variadas linguagens, decorrem da relação com a cultura que as cerca, ou seja, com os bens culturais que a sociedade disponibiliza para elas.

Para Sarmento (2001), as culturas da infância vivem do vai-e-vém das represen-tações do mundo feitas pelas crianças em interação com as representações “adultas” dominantes. As duas culturas – a especi� camente infantil e as da sociedade – que se conjugam na construção das culturas da infância, na variedade, pluralidade e até contra-dição que internamente informa, uma outra, referenciam o mundo de vida das crianças e enquadram a sua ação concreta.

A cultura infantil é diferenciada em cada grupo cultural, dependo da valorização que se atribui a tais culturas. A criança contemporânea ocupa um novo lugar social, construindo culturas infantis que tem substituído as brincadeiras tradicionais pelas eletrônicas. As culturas da infância são resultantes da convergência desigual de fatores que se localizam, em uma primeira instância, nas relações sociais e, em uma segunda instância, nas relações inter e intra-geracionais.

No cotidiano infantil, a brincadeira é o resultado de relações entre as crianças; pressupõe uma aprendizagem social. Aprender a brincar e a interagir com o outro é o momento de a criança adquirir conhecimentos da sua cultura. Certamente, há muitas brincadeiras que podem ser transmitidas às crianças por elas próprias ou pelos adultos.

Sarmento (2001) con� gura as culturas infantis em torno de quatro eixos. No pri-meiro eixo, as culturas infantis integram de forma especí� ca uma ludicidade que não é exclusiva das crianças. Outro eixo é a interatividade: à medida que as crianças realizam o processo cultural interativo e contínuo, imitam outras crianças. Para o referido autor, esses aspectos desenvolvidos pelas crianças constituem o processo de transmissão cultural intra-geracional.

Um terceiro eixo é o da transposição fantástica do real, da ligação entre imaginação e realidade, da � cção, que é própria da literatura, da poesia, do cinema. Entendemos então que as culturas infantis não são redutíveis aos produtos da indústria para a in-fância ou aos elementos integrantes das culturas escolares, mas são ações, signi� cações e artefatos, produzidos pelas crianças, que se apresentam simbolicamente nas relações sociais cotidianas. Nesta perspectiva, relacionamos as culturas infantis na matriz teórica da Sociologia da Infância a partir da perspectiva dos jogos, das brincadeiras, das cantigas, das estórias orais e do folclore (cultura popular regional).

Na última década do século xx, segundo Sarmento (2001), houve avanços signi� -cativos na pesquisa sobre culturas infantis no âmbito dessa abordagem. E a brincadeira, como atividade lúdica, é um traço fundamental da cultura infantil, sendo condição de

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aprendizagem e recriação do mundo que cerca a criança. O lugar da infância na con-temporaneidade é um lugar em mudança, em transformação, de certo, pela indústria cultural de consumo.

Como fenômeno da cultura, a brincadeira se con� gura como um conjunto de prá-ticas, conhecimentos e artefatos construídos e acumulados pelos sujeitos nos contextos históricos e sociais. É sabido que o brincar não é a única atividade por meio da qual as crianças constroem culturas próprias, mas, indiscutivelmente, abre caminho para que a criança amplie suas interpretações, compreensões e ações sobre a realidade, ou seja, o brincar destaca-se como um dos pilares da constituição das culturas infantis.

As brincadeiras tradicionais convivem com suas formas contemporâneas, pois as crianças vivem em uma sociedade globalizada. Nesse contexto, o convívio com outras crianças e com adultos contribui para a transmissão da cultura infantil e o entendimento da importância de produzir e recriar outras formas de brincadeiras entre si, o que evidenciará suas produções como culturais, próprias da infância.

Culturalmente aprender signi� ca realizar, em cada experiência vivida coletivamente, a relação com a natureza e a cultura. Compreendemos que as culturas infantis requerem o reconhecimento, entre outros aspectos, da sua própria vivência em volta do mundo dos adultos e da mídia televisiva, fatores que in� uenciam a formação do universo simbólico e a representação do sentido nas culturas infantis.

Sarmento (2001) comenta, ainda, que a constituição do mercado de produtos cul-turais para a infância, entre os quais a televisão, programas de vídeo, jogos informáticos é acompanhada de incremento comercial de outros produtos de consumo para as crianças: moda infantil, guloseimas, fast-food, bonecas Barbie e outros.

Para esse autor, os produtos culturais constituem a maior difusão mundial em torno da cadeia de franquias, a que favorece a difusão da cultura midiática. Os produtos contribuem de forma poderosa para a globalização da infância. Portanto, a mídia é um lugar fundamental em que e pelo se induzem, as crianças de forma intensa e muitas vezes maldosa, a sair do seu faz de conta. Por outro lado, a mídia permite as crianças viverem em contextos sociais complexos e facilita até mesmo quebrar barreira e fronteira entre cultura local e cultura universal.

A criança brinca porque necessita se exercitar, exprimir seu mundo interior, imitar aspectos da vida adulta para compreendê-la. Além disso, brincar faz parte do processo de socialização da criança, pois no brincar ela desenvolve seu raciocínio lógico e suas habilidades, assim como valores, costumes da sociedade a qual pertence. O brincar edu-cativo remete à experimentação de emoções, desejos, sentimentos e, principalmente à apropriação da cultura na infância.

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Brougère (2003) de� ne o brincar como uma atividade cultural dinâmica e infor-mativa, que tem como função promover e desenvolver a criança. “É uma construção cultural”, não tem um tempo determinado e preciso para acontecer e, quando acontece, faz-se de forma espontânea e criativa, envolvendo as múltiplas linguagens que se apre-sentam no âmbito familiar e nas instituições educacional, impregnadas de signi� cação social e cultural. Vygotsky especi� ca ainda que uma das funções básicas e importantes do ato de brincar é dar liberdade para que a criança aprenda a resolver situações que se apresentam no seu cotidiano.

O brincar é compreendido como uma atividade que permite a criança elaborar e organizar suas idéias. Trata-se de uma necessidade humana de se apropriar dos brinquedos e das brincadeiras que vão contribuir de forma signi� cativa para o desenvolvimento e aprendizagem. Além disso, a criança assinala valores culturais e sociais essenciais para sua formação.

As crianças por meio do brincar experimentam diferentes tipos de situações que vivencia no universo adulto, expressam valores, costumes, cultura, assimilando tudo isso de forma natural, espontânea e imprevisível. Elas agem como se fossem outra coisa e estivessem em outro tempo e lugar. O brincar como linguagem simbólica é essencial ao desenvolvimento do ser humano, uma vez que o brincar não se encontra presente apenas no imaginário da criança, mas em toda atividade que promova a construção de signi� cados que vão contribuir efetivamente na aprendizagem (brougère, 2003).

O brincar contribui no desenvolvimento infantil por possibilitar novas experiências e aprendizagem, assim como o desenvolvimento motor, cognitivo, da linguagem, emo-cional, social e da escrita. Em seu livro “Brinquedo e Cultura”, Brougére a� rma que a brincadeira das crianças evolui nos seis primeiros anos de vida, e que nesse período a criança, por meio da brincadeira, vivencia experiências e tomadas de decisões, uma vez que em um jogo qualquer ela é que decide brincar ou não. Assim, a brincadeira oportu-niza o desenvolvimento da autonomia, criatividade e responsabilidade quanto as suas próprias ações.

Segundo Brougère (2003), na sua brincadeira, a criança não se contenta em desen-volver comportamentos, mas sim, em manipular as imagens, as signi� cações simbólicas que constituem uma parte da impregnação cultural à qual está submetida. Como conse-quência, ela tem acesso a um repertório cultural próprio de uma parcela da civilização. [...] a criança, na maior parte das vezes, não se contenta em contemplar ou registrar as imagens; ela as manipula na brincadeira e, ao fazê-lo, transforma-as, dá novas signi� cações.

Para Vygotsky (1991), a brincadeira tem uma função signi� cativa no processo de desenvolvimento infantil. Ela também é responsável diretamente por criar uma zona de

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desenvolvimento proximal, pois, por meio da imitação realizada na brincadeira, a criança internaliza regras de conduta, valores, modos de agir e pensar de seu grupo social, que passam a orientar o seu próprio comportamento e desenvolvimento cognitivo. É neces-sário que as crianças tenham tempo e espaços para brincar, assim como opções diversas para criar a brincadeira e montar casinhas, cabanas, tendas, entre outras. O brinquedo não somente possibilita o desenvolvimento de processos psíquicos por parte da criança, como também serve como instrumento para a criança conhecer o mundo físico e social e assim apreender diferentes modos de comportamento humano.

Wajskop (2005) a� rma que na perspectiva sócio-histórica e antropológica a brincadeira é tipo de atividade cuja, base genética é comum à da arte, ou seja, trata-se de uma atividade social, humana, que supõe contextos sociais e culturais, a partir dos quais a criança recria a realidade por meio da utilização de sistemas simbólicos próprios.

Deste modo, a brincadeira torna-se uma atividade primordial para a construção do sujeito, pois identi� camos nela as alterações das necessidades em diferentes fases da criança, assim como as alterações de consciência. A brincadeira de faz-de-conta cria “zona de desenvolvimento proximal”. A criança interage com signi� cados desligados de seus objetos, sem que isso inter� ra em sua ação real. Na brincadeira, a criança submete suas atitudes às regras estabelecidas.

Vygotsky (1991) considera que a brincadeira do faz-de-conta estabelece uma ligação entre o real e o imaginário, como um processo dialético. A� rma que há uma criatividade capaz de reorganizar o real em novas combinações; assim, a imaginação é fruto de situ-ações reais de experiências partilhadas. A fantasia irá ampliar a experiência acumulada para além do que foi vivenciado, à medida que possibilita construir uma imagem mental de algo trazido pela mediação de outros sujeitos sociais.

Estudos apontam que as crianças de uma mesma cultura brincam com temas comuns a elas, e representam papeis de pessoas que interagem nessa cultura. Nas brinca-deiras de faz-de-conta, por exemplo, os temas como educação, escola, relações familiares aparecem recorrentemente quando as crianças brincam de “casinha”, situação em que se representam as � guras da mãe, do pai, dos � lhos, do médico, do policial, do bandido e assim por diante. Além disso, as crianças em suas brincadeiras, buscam fugir de deter-minados contexto, uma vez que a fantasia, por ser mais desejável, as fazem se afastar da realidade; dessa maneira, o faz-de-conta pode ser considerado uma fuga do mundo real.

A brincadeira assume um signi� cado importante na formação da criança ao lon-go de sua vida, e consequentemente no espaço educacional. Isso porque, no brincar, a criança aprende a conviver e a construir relações com os outros, e com isso aprende aos poucos a comunicar-se consigo mesma e com o mundo, promovendo, assim, relações sociais dinâmicas e interativas. A brincadeira está relacionada ao presente, ao passado,

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ao mesmo tempo em que projeta para o futuro. Ao brincar, a criança representa ações que terá quando for adulta (mãe, professora, médico, entre outras).

Como uma prática pedagógica, a brincadeira contribui para a aprendizagem e para o desenvolvimento da criança. Pode ser percebida, também, como recurso que contribui para o desenvolvimento cultural, pois, ao brincar, a criança disponibiliza um tempo e necessita de um espaço para entregar-se ao prazer da brincadeira, que pode acontecer com a ajuda de um objeto ou não. O interessante é que no ato de brincar a criança faz uso da linguagem e dos símbolos que fazem parte do seu cotidiano e utiliza-os na brincadeira. Por isso, o brincar é tão importante para a formação da criança, enquanto sujeito, seja ela no campo social, cultural e individual.

exercício1. Você já parou para pensar por que a criança brinca? Qual a função da brincadeira para o desenvolvimento da criança?

2. Faça um trabalho de observação das brincadeiras de um grupo de crianças, destacando: a) O que elas brincam?b) Com quem brincam?c) Quais os objetos ou brinquedos?d) Qual o tempo da brincadeira?

3) A partir da observação das brincadeiras infantis faça um debate sobre as brincadeiras infantis, confrontando os modos como a veem Piaget e Vygotsky.

4) Assista ao documentário “Criança, a alma do negócio”, que aborda os temas sobre publicidade, consumo e infância. Após essa tarefa, faça um texto crítico em que sejam destacadas as in� uências da propaganda no comportamento da criança.

bibliografiabomtempo, e. A brincadeira de faz-de-conta: lugar do simbolismo, da representação, do imaginário. In: kishimoto, t. m. Jogo, brinquedo, brincadeira e a educação. São Paulo: Cortez, 2009, p.57 – 72.

brougère, g. Brinquedo e cultura. 4. ed. São Paulo: Cortez, 2003.

sarmento, m. j. Crianças: educação, culturas e cidadania activa. Perspectiva. Revista do Centro de Ciências da Educação. v. 23, Florianópolis: Editora da Universidade Federal de Santa Catarina, 2005.

______. As culturas da infância nas encruzilhadas da segunda modernidade. In: cerisara, a.b. (org.). Crianças e miúdos: perspectivas sócio-pedagógicas da infância e educação. Coleção em foco, Edições Asa, Portugal, 2004.

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______. A globalização e a infância: impactos na condição social e na escolaridade. In: garcia, r. l.; filho, a. l. (org.). Em defesa da educação infantil. Rio de Janeiro: dp&a, 2001.

wajskop, g. Brincar na pré-escola. 6.ed. São Paulo: Cortez, 2005.

vygotsky, l. s. A formação social da mente. 4.ed. São Paulo: Martins Fontes, 1991.

______. Pensamento e linguagem. 2.ed. São Paulo: Martins Fontes, 1989.

resumo da atividade 11Nesta atividade destacamos como a criança brinca e porque necessita se exerci-

tar, exprimir seu mundo interior, imitar aspectos da vida adulta para compreendê-la. Brincar faz parte do processo de socialização da criança, pois no brincar ela desenvolve seu raciocínio lógico e suas habilidades, assim como valores, costumes da sociedade a qual pertence. Veri� camos também, nesta atividade, que o brincar educativo remete a experimentação de emoções, desejos, sentimentos e principalmente a apropriação da sua cultura. Ou seja, o brincar é compreendido como uma atividade que permite a criança elaborar e organizar suas ideias, assim como, é uma necessidade humana se apropriar dos brinquedos e das brincadeiras que vão contribuir de forma signi� cativa para o de-senvolvimento e aprendizagem, além disso, a criança assinala valores culturais e socais essenciais para sua formação. Finalizamos as atividade abordando que a brincadeira de faz-de-conta cria “zona de desenvolvimento proximal”, a criança interage com signi� -cados desligados de seus objetos, sem que isso inter� ra em sua ação real. Na brincadeira a criança submete suas atitudes às regras estabelecidas.

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SOBRE A CONTEUDISTA

Profa. Dra. Laura Maria Silva Araújo Alves é professora do Instituto de Ciências da Educação da ufpa. Psicóloga, mestre em

Letras pela ufpa e doutora em Psicologia da Educação pela puc-São Paulo. Trabalha com o ensino da Psicologia da Aprendizagem e desenvolvimento humano nos cursos de Licenciatura da ufpa. É coordenadora do grupo de pesquisa ecos (Constituição do Sujeito, Cultura e Educação). Orienta dissertações e teses do ppged-ufpa na temática da história da infância na Amazônia paraense, na Psicologia do desenvolvimento humano e Linguagem.