o impacto da produção dos correspondentes comunitários do portal viva favela

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Flavia de Almeida Valentim O Impacto da Produção dos Correspondentes Comunitários do Portal Viva Favela Monografia apresentada ao Curso de Pós-Graduação em Mídia, Tecnologia e Nova Práticas Educacionais, como requisito parcial para a obtenção do título de Especialista. Professora orientadora: Rosália Duarte. Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro Coordenação Central de Extensão março/2008

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Page 1: O impacto da produção dos correspondentes comunitários do portal Viva Favela

Flavia de Almeida Valentim

O Impacto da Produção dos Correspondentes Comunitários do Portal Viva Favela

Monografia apresentada ao Curso de Pós-Graduação em Mídia, Tecnologia e

Nova Práticas Educacionais, como requisito parcial para a

obtenção do título de Especialista.

Professora orientadora: Rosália Duarte.

Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro Coordenação Central de Extensão

março/2008

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Agradecimento

Aos internautas que me ajudaram na realização desse trabalho e que acreditam

que podemos fazer desse mundo um lugar bem mais leve e agradável,

através da Internet.

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Resumo Esta monografia é uma reflexão sobre a prática de reportagens

produzidas pelos correspondentes comunitários do Viva Favela.

Palavras-chaves: Internet – Inclusão Digital – Viva Favela

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Sumário Agradecimento 2 Resumo e Palavras-chave 3 Introdução 5 1. Perfil 1.1 – Os dois lados do alvo 9 1.2 – O acesso à Internet 11 2. A produção das reportagens 2.1 – O pioneirismo nas pautas e apuração 14 2.2 – Interação e auto-estima dos moradores 17 2.3 – A representação da vida na favela 19 3. Revolução social e tecnológica? 3.1 – Comunidade Viva/ comunidade virtual 25 3.2 – A árvore do conhecimento e sua responsabilidade 27 3.3 – A barreira da desigualdade social 28 Conclusão 30 Referências bibliográficas 31 Bibliografia complementar 32 Anexo 33

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Introdução

Durante o Proxxima 2007 - Encontro Internacional de Comunicação Digital -, em

São Paulo, ouvi os novos e também os repetidos conceitos sobre o que o futuro reserva

para a Internet. No auditório, recheado de neologismos da cibercultura, presenciei

maravilhas do mobile marketing, da viralização, do Second Life, e das milionárias

ferramentas de busca, com seus links patrocinados.

Praticamente minha vida é guiada por Internet e celular. Sou editora de conteúdo de

mídia eletrônica, e fui estagiária e webwriter em alguns sites, em sua maioria, de cultura e

comportamento. Sou usuária desde 1998. Mas ultimamente, ao mesmo tempo em que

assisto à TV, atendo o celular, falo com meus amigos no msn e escrevo essa monografia.

No Proxxima, descobri que faço parte da Geração M, a geração multiligada, quase vinte e

quatro horas, e multiconectada, expressão citada por Rafael Davini, vice-presidente da

Turner International.

Na imersão do evento de comunicação do qual participava, pensei: para qual

camada da população estaria dirigida essa revolução tecnológica que se modifica dia após

dia? A cibercultura atingiria quanto da população brasileira? A cada dia existem mais

pessoas conectadas, mas o que isso significa exatamente, dentro de cada classe social?

Claro, eu não estava dentro de um Fórum Social e Cultural, e as minhas perguntas não

deveriam vir à tona, diante das idéias antenadas de todo o auditório. E também não

esperava que isso acontecesse pelo perfil e proposta do evento.

Mas a intrigante árvore do conhecimento de Pierre Lévy já estava fincada em

minhas idéias, e queria render frutos. Em que lugar da árvore e em que galho a maioria da

sociedade estava inserida? Por mais complexo que seja explorar o assunto, não seria

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empecilho para, ao menos, eu tentar descobrir uma parte, nem que fosse bem pequena, de

como as classes menos favorecidas, em especial quem mora nas favelas, estaria

vivenciando a rede. O que existiria de conteúdo gerado por elas e para elas mesmas, na

Internet no Brasil?

Os sites voltados para as comunidades carentes são poucos e o do Viva Favela me

chamou a atenção pelo perfil único de produção do conteúdo. São os próprios moradores,

os chamados correspondentes comunitários, que apuram, produzem e/ou colaboram com o

conteúdo de muitas seções do site, e escrevem para a seção Revista. Essa idéia pioneira me

intriga desde os tempos em que trabalhei lá, em 2001, no início de tudo. Eram pautas

inovadoras, em reportagens produzidas por quem vive nas favelas há anos, e que de um

jeito, carregam o olhar do morador.

O portal, até hoje, serve de consulta e gera pautas para grandes veículos de

comunicação, dentro e fora do país. Orientados por jornalistas-editores, os correspondentes

são contratados pela Viva Rio, ONG idealizadora do projeto. É diferente do repórter de um

grande veículo receber uma pauta e desenvolver. Por mais que ele seja ótimo jornalista,

acredito que há também o quesito bagagem de vivência in loco.

Tento, na pesquisa, mostrar que, por trás das reportagens, há um trabalho de

formiguinha que atinge pessoas que nunca saíram das favelas, que são, ora fontes, ora

leitores. Ao que parece, os correspondentes das favelas estão fazendo uma revolução,

ainda que pequena, mas muito importante. Utilizam a tecnologia da Internet para expor

pensamentos e construir cidadania.

Independentemente de qualquer julgamento que envolva as atividades de ONGs e

comunidades carentes, procurei focar o trabalho no que se aproxima mais da produção de

reportagens, na seção Revista. Tomei como embasamento teórico filósofos da

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Comunicação, como Pierre Lévy, em Cibercultura, Guy Debord, em A Sociedade do

Espetáculo e Bernardo Sorj, em [email protected].. Como participei da construção do

conteúdo do portal, não quis avaliar conceitos que envolvem as outras áreas do Viva

Favela, como por exemplo, a proposta do Conselho Editorial (dentre elas, a “redução da

desigualdade social”).

Voltei à sede do Viva Rio, na pequena redação do Viva Favela, para assistir às

reuniões de pauta. A equipe de redação diminuiu em número de profissionais. Perdeu em

número de notícias, mas ganhou em termos de experiência: há correspondentes da época.

Assim, acumularam bagagem e profissionalismo subindo o morro, fora das salas de aula do

curso de Jornalismo.

A descontração e a liberdade de falar sobre qualquer assunto durante as reuniões me

levaram a uma constatação: as pautas são geradas sem muita imposição e podem mudar no

curso da produção da reportagem. Não há o rigor do ponto de vista do editor.

Neste estudo comparo as características do Viva Favela com os caminhos da

revolução tecnológica na sociedade. Descubro que o projeto tem como propósito o resgate

da auto-estima dos moradores e que as imagens do portal retratam o que os outros veículos

não mostram. Também percebo uma certa romantização das fontes em determinadas

reportagens. De um jeito ou de outro, o Viva Favela parece ser uma forma de inclusão

social inovadora.

Tenho muito a agradecer aos correspondentes, a disposição e a força de vontade

deles ao tentar me ajudar nesse estudo sobre o Viva Favela. Escrevi com euforia, mas tentei

me distanciar ao máximo do bias1, - nas entrevistas e na elaboração da pesquisa-, já que um

1 Miriam Goldenberg (2005, p.44) explica que a utilização do termo em inglês é comum entre os cientistas sociais. Pode ser traduzido como viés, parcialidade, preconceito.

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dia fiz parte desse grupo e por mais que eu tente, há sempre uma certa dose de

subjetividade e parcialidade.

Lamento não ter conseguido entrevistar o diretor da ONG Viva Rio, Rubem César

Fernandes. Foram inúmeras as tentativas e formas de contato, em vão. Com sua

experiência, ele pode mostrar seu ponto de vista sobre motivos que levam o portal à

dificuldade de receber patrocínio.

Quem trabalha no Viva Favela não encontra resposta para isso. Pelo observado,

diante da leitura de livros especializados sobre Internet, favela e inclusão digital, das vezes

que o Viva Favela foi analisado, não há opiniões nem declarações de Fernandes. Acredito

que ele queira se distanciar de qualquer estudo, para justamente não haver influências.

Entrevistei o coordenador do portal Walter Mesquita, de 54 anos, e o

correspondente comunitário Rodrigues Moura, de 59 anos, além de enriquecer meu estudo

com observações dos correspondentes Carlos Costa, de 49 anos e Deise Lane, de 28 anos.

O resultado do estudo se divide em Perfil do Viva Favela (Capítulo 1); A produção das

reportagens (Capítulo 2); Revolução social e tecnológica? (Capítulo 3) e Conclusão.

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1 Perfil

1.1 Os dois lados do alvo

Criado em julho de 2001, pela ONG Viva Rio, o projeto do portal Viva Favela tinha

o objetivo de realizar a inclusão digital, de dentro das favelas. A intenção era ter como

público-alvo os moradores das comunidades, além de realizar o intercâmbio com o asfalto.

Assuntos variados nas áreas cultural, social, cotidiano e esportes levam “além das notícias

do narcotráfico”, conforme o próprio Editoral, em Quem Somos, indica. O site era acessado

de dentro das salas inauguradas do projeto Estação Futuro, também da ONG, instaladas em

alguns lugares como Rocinha e Maré. Até hoje, o morador tem acesso a cursos de

informática e à Internet em diversas salas do Estação Futuro nas favelas do Rio.

Desde o início o Viva Favela atraiu intelectuais, formadores de opinião, como

jornalistas que freqüentemente procuram por personagens no site para programas de TV,

em sua maioria, e pesquisadores. Desta forma, o portal ajuda a reduzir o preconceito, ao

difundir os acontecimentos. O produtor Hermano Vianna, um dos criadores do programa

Brasil Legal e do site Overmundo, explica como surgiu esse hábito da mídia, em entrevista

para o site Revista Idiossincrasia (24/03/2006):

‘Uma das fontes inspiradoras do Overmundo é a experiência do Viva Favela, que, por

razões óbvias, não é um site muito acessado por favelados. Eles não têm internet –

embora haja cada vez mais lan houses na Rocinha. Mas o site se tornou fonte de pauta

para a mídia tradicional. Não é por maldade da mídia. É por total desconhecimento, pelo

fato de os jornalistas não saberem entrar numa favela, não terem esse canal.’

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‘Também não é culpa do jornalismo não saber o que está acontecendo em Belém do Pará.

Mas agora o repórter vai ter um acesso muito mais rápido para essas notícias de todo o

Brasil, as pessoas vão poder fazer seus filtros e selecionar. Esperamos que haja uma

diversificação das pautas na imprensa tradicional, na televisão etc. Trabalho na TV

Globo, vejo como isso é necessário, os programas ficam procurando pautas e adoram

quando descobrem histórias novas em outros lugares.’

O Viva Favela recebeu um milhão de dólares do portal Globo.com. A equipe era

formada por 31 profissionais, entre jornalistas, colaboradores, fotógrafos, técnicos e

correspondentes comunitários de 11 lugares. Hoje, recebe apoio da Petrobras e conta com

11 integrantes no total. Walter Mesquita, editor do portal, e correspondente desde o

lançamento, acredita que ainda não há o real interesse por conta das empresas em

patrocinar projetos como esse, mas não sabe ao certo o motivo. Talvez seja por conta do

perfil de quem acessa: ora intelectuais, ora comunidade. O estilo do portal, em geral,

mescla diferentes públicos. Premiado, ele se transformou em uma experiência exemplar de

nível internacional, de acordo Bernardo Sorj (2003). Abaixo, o autor relata o conteúdo que

era distribuído na arquitetura do site:

‘Desde seu lançamento, o portal Viva Favela oferece serviços, informações, divertimento e

oportunidades de emprego e comércio, além de e-mail gratuito, chats e notícias on-line. O

site ainda conta com a revista eletrônica, a Comunidade Viva, produzida pelos

correspondentes comunitários, constituídos por um grupo de jovens – remunerados pelo

trabalho –, que produz reportagens e fotos cujo tema é a favela e a sua própria

comunidade.’ (SORJ, 2003, p.5)

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Hoje, não há chats nem criação de e-mail para os usuários. O portal2 ainda agrega

os mini-sites Favela Tem Memória (com reportagens, depoimentos de moradores e fotos

históricas de favelas do Rio), o Eco Pop (a questão ambiental vista pelo ângulo das favelas)

e o Beleza Pura (feito para mulheres das comunidades). Mesquita conta que os mini-sites

estão no ar ainda, mas desatualizados por falta de pessoal para a produção. Segundo ele, a

revista eletrônica acabou se destacando mais, chamando a atenção da mídia e dos usuários:

‘Quem acessa o Viva Favela quer saber o que o Complexo do Alemão tem produzido de

cultura, porque não é só no asfalto da Zona Sul que se produz arte. E aí descobre também

que tem um carinha na Grota que faz melhor ou tão bem quanto os outros. E assim vamos

mostrando à sociedade que existe uma cultura igual a qualquer uma, dentro das favelas.

Essa é a novidade do site, um conteúdo quase que exclusivo.’

1.2 O acesso à Internet

A inclusão digital aumenta a cada ano, como conseqüência da globalização e da

necessidade cada vez maior das pessoas se sentirem incluídas, integradas ao mundo virtual.

Segundo dados do site E-commerce, em 2001, 7% da população brasileira acessava a

Internet. A porcentagem sobe gradativamente ao longo dos anos, e em 2006, por exemplo,

já atinge 16%. De que maneira o Viva Favela se insere nesses números?

2 De acordo com J.B.Pinho (2003, p.122), “o conceito de portal, relacionado com a Internet, nasceu no começo de 1998, para designar os sites de busca que, além dos diretórios de pesquisa, começaram a oferecer serviços de e-mail gratuito, bate-papo em tempo real e serviços noticiosos. Hoje os portais são entendidos como todo e qualquer site que sirva para a entrada dos usuários na World Web Wide, a primeira parada a partir da qual os internautas decidem os passos seguintes na rede mundial”. Por isso, na minha opinião, há dúvidas que o Viva Favela seja um portal, apesar dos criadores denominarem assim.

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O crescimento do número de pessoas que acessam o portal Viva Favela tem sido

constante, segundo Sorj (2003, p.117): “em janeiro de 2002, foram registradas 1.545,786

visitas, enquanto que em janeiro de 2003, este número passou para 2.838,334. O número de

acessos oriundos do exterior também aumentou: em fevereiro de 2003, por exemplo, 6,65%

dos visitantes eram dos Estados Unidos.”

Na opinião dele, esse dado indica que o Viva Favela responde também à

necessidade de informações de brasileiros no exterior ligados a temas de cultura popular.

Ele destaca também que “dos domínios que acessaram o portal, 88,26% foram de origem

comercial, o que indica que a maioria dos visitantes usa telecentros ou, do trabalho, acessa

o portal. Os acessos duram, em média, 12 minutos.”

Em outra pesquisa, elaborada ainda por Bernardo Sorj, em parceria com Luís

Eduardo Guedes (2005, p.5), realizada em 2003, nas comunidades de baixa renda do

município do Rio de Janeiro, “o acesso à informática nas favelas é superior à média de

muitas capitais no Norte e Nordeste do país. Se, por um lado, a posse de computador, nas

favelas do Rio de Janeiro, está próxima à média nacional, por outro lado ela é 30% inferior

à média do estado.”

Quanto ao tipo de site acessado, há diferenças entre gêneros:

‘enquanto os sites de esporte se encontram entre os mais acessados pelos homens, são

secundários entre as mulheres. Sites de busca/pesquisa, provedor, jornais e música, por sua vez, são

acessados igualmente por homens e mulheres. Nas favelas, 11,6% da população maior de quinze

anos usa a Internet. Assim, o número de usuários de Internet atinge cerca de metade do total de

usuários de computador, em 2003.’ (SORJ e GUEDES, p.97).’

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Os autores ainda acrescentam um dado importante: “a Internet é uma nova opção de

esperança. É uma nova ferramenta para buscar emprego ou aperfeiçoamento profissional.

Quanto menor a renda, maior é a expectativa de que, através da internet, se possa fazer

algum curso para o qual não se tem recursos de acesso ao vivo.” (p.125).

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2 A produção das reportagens

2.1 O pioneirismo nas pautas e apuração Nas redações dos grandes veículos, os jornalistas saem para as ruas com as

perguntas sobre determinado ponto de vista, e precisam voltar com elas respondidas. No

Viva Favela, cada correspondente fala o que presenciou de curioso. A leveza é

característica do estilo jornalístico das reportagens da Revista. Da intimidade, surge o clima

agradável durante as reuniões de pauta:

“- Tem sinagoga em alguma favela? Essa matéria sobre diversidade de religiões nas

favelas poderia ser incrementada com uma sinagoga...” – pergunta a editora para um dos

correspondentes, que responde:

“- Não tem sinagoga não, mas tem uma porção de Judas pela comunidade... Ah, isso tem

bastante!”

Em outra sugestão de pauta, sobre o motivo do aumento do número de pequenos

empréstimos em financeiras por moradores das comunidades, os correspondentes brincam:

“- Ah, vocês querem saber por que o crédito aumentou? Eu sou um exemplo! Meu filho vai

nascer e vou aumentar a casa!” – falou um deles.

“- Claro, a cada filho que nasce você pede um empréstimo e constrói um puxadinho. No

quinto filho, sua casa terá cinco andares!” – disse o colega de trabalho.

Os correspondentes, por serem moradores, e já possuírem experiência na prática de

garimpagem de pautas nas favelas, publicam então as pautas inéditas. Eles têm no mínimo

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ensino médio completo e já atuaram em algum veículo de comunicação da comunidade,

como rádio comunitária ou jornal de bairro.

O que vêem no dia-a-dia rende boas matérias de comportamento e entretenimento,

em sua maioria, que também envolvem esporte, saúde, educação, entre outros assuntos.

Uma das correspondentes estava feliz com sua sugestão de pauta trazida de um morro da

Tijuca: os próprios moradores estavam impedindo a construção de novas casas para evitar

o desmatamento. Na vegetação da comunidade, eles perceberam que, o pouco que

preservaram, já foi muito para resgatar uma nascente e árvores.

Não é somente das favelas que saem as matérias jornalísticas. Zona Norte, Zona

Oeste, Baixada e outras comunidades de baixa renda “do asfalto” também ganham

destaque no site. Rodrigues Moura, correspondente e fotógrafo do Viva Favela desde o seu

surgimento, é morador da Grota. Ele também fotografa para o site Observatório das

Favelas. Segundo ele, os grandes veículos podem até entrevistar os moradores das

comunidades pobres, mas não com o mesmo propósito do Favela, na grande maioria dos

casos:

‘O repórter da mídia formal trabalha com a questão da polícia. Ele fica no asfalto

aguardando o que o policial traz de informação lá de dentro. A gente não, por viver lá. O

jornal está indo para fazer matéria de polícia. O Viva Favela já impôs um estilo diferente,

que deixa à vontade o morador. Estamos abertos. Ouvimos e convivemos com pessoas que

estão sentindo na pele a situação. A gente vê nos jornais e na TV as reportagens prontas e

editadas, e não têm nada a ver com tal fato que presenciamos.’

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O Viva Favela é o pioneiro em reportagens de comportamento dessas comunidades.

Esse é o diferencial. De acordo com Moura, o Viva Favela é um “buraco aberto na cortina

do preconceito” para que, através dela, a sociedade pudesse olhar, mesmo que

discretamente, para dentro das comunidades. Ele realça que são pioneiros em reportagens,

e isso não se confunde com os documentários, que são produzidos pelos demais veículos.

Sobre as matérias de narcotráfico, que esbarram em assuntos de comportamento da

revista, Moura diz que há respeito pelo Viva Favela. Na maioria dos casos, as declarações

muitas vezes omitem o nome e preservam a imagem do morador. Os traficantes sabem da

existência do portal, e até o momento não houve retaliações. Luke Dowdney (2004, p.22)

conta que os traficantes levam a sério o respeito dos direitos dos moradores “honestos” e

“não-envolvidos” que respeitam as regras.

Muitas vezes, os próprios correspondentes se transformam em personagens nos

diversos assuntos da revista, como aconteceu com Moura, em entrevista concedida para o

trecho da reportagem “Carro é para essas coisas” (10/05/2006):

Fusca que só falta falar

O fotógrafo do Viva Favela Rodrigues Moura, casado, pai de dois filhos, conhece bem esse

sufoco. Ele já perdeu a conta das gestantes que viajaram a bordo de seu Fusca 70 azul-

caiçara. Se seu Fusca falasse, contaria aventuras de fazer inveja ao carrinho do filme da

Disney. Nem todas de alegria. “Uma vez, ouvi um garoto me chamando, e, quando virei, o

menino estava com a mão dependurada, pedindo que o levasse ao hospital. Tinha caído em

cima do braço jogando pelada”, lembra.

O carro de Rodrigues até já andou navegando nas águas de uma enchente nas proximidades

da rua Canitar. “Ao ver uma senhora com uma menina naquele temporal, coloquei as duas

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no carro e descemos a rua. Mas o rio havia transbordado, e o carro ficou flutuando, não ia

nem para a frente, nem para trás.” Rodrigues não teve outro jeito senão descer do

automóvel e caminhar a pé, com água pela cintura, conduzindo as duas até um lugar seco.

O fotógrafo foi outro que quase se complicou ao tentar levar para o hospital uma senhora

que passara mal. Até para entrar no Fusca foi difícil. Precisou da ajuda de cinco pessoas:

“Saí disparado, liguei alerta, farol. Na portaria do pronto-socorro, expliquei o caso e eles

trouxeram a maca", conta. Mas ao tirar a mulher do carro, os atendentes logo perceberam.

Ela tinha morrido no caminho.

“Minha sorte é que a filha dela estava junto e pôde explicar tudo. Como eu não a conhecia

e nem parente era, o policial falou que o melhor que eu tinha a fazer era manobrar e ir

embora”, diz ele. Até hoje, Rodrigues não tem a menor idéia de quem era, nem de onde

morava. “Só sei que ela morreu dentro do meu carro”, diz.

Por essas e outras que muita gente tem medo de prestar socorro na rua. Principalmente

quando se trata de atropelamento. Calista é exceção. Dias desses, não se negou a

transportar uma senhora caída na entrada da Grota. “Ela tinha sido atropelada e ninguém

fazia nada”, conta. Claro que no Pronto-Socorro o atendente da recepção desconfiou que

tivesse sido Calista o atropelador. “Ele explicou que o pessoal chega com a vítima, mas que

ninguém admite ter sido o motorista barbeiro. Aí falei para ele dar uma olhadinha na frente

do meu carro”, conta.

2.2 Interação e auto-estima dos moradores

A publicação de uma reportagem do Viva Favela no jornal Expresso — o site tem

parceria com o jornal, e uma vez na semana há uma matéria publicada no impresso —

mudou a rotina dos moradores da fábrica desativada da Skol, no Parque Everest, ao lado do

Rio Timbó, em Inhaúma. A reportagem sobre as condições precárias de moradia de quase 3

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mil pessoas no prédio, levou muitas delas às bancas de jornal. Para Moura, isso é

gratificante, pois os moradores vêem os problemas deles sendo destaque fora da favela

também.

As classes que têm menos acesso à tecnologia e à produção intelectual se inserem

nesta realidade e acaba por mudar sua forma de se relacionar com o mundo. Os moradores

saem do anonimato, além de procurarem saber mais pelo o que vem a ser a Internet.

Sorj destaca o depoimento, na época, do fotógrafo do Viva Favela, Tony, morador

da Cidade de Deus, como exemplo de resgate de auto-estima e exposição internacional:

‘...a região é uma fonte inesgotável de pautas. A beleza das mulheres da Cidade de Deus,

por exemplo, acabou chamando a atenção do fotógrafo, que organizou, no início do ano,

um desfile com jovens da comunidade. “As meninas desfilaram em uma passarela de

madeira improvisada. As pessoas passavam e paravam para admirálas”, lembra. O trabalho

acabou rendendo uma proposta de produção para um editorial de moda de uma revista

inglesa. “Os moradores não têm noção de seu valor. Agora é que eles estão aprendendo”,

garante Tony.’ (SORJ, 2003, p.122)

A interação promovida pelo Viva Favela influencia a auto-estima das localidades e

dos moradores, segundo Mesquita, aguçando o sentimento de grupo, encontrando a

identidade e desenvolvendo cidadania. A valorização da auto-estima evidencia-se no mini-

site Beleza Pura, voltado para mulheres da comunidade. Matérias e imagens se referem à

estética e cultura da beleza negra, além de costumes, comportamento e saúde relacionados

à mulher. Ele é ilustrado com rostos de mulheres de comunidades.

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2.3 A representação da vida na favela

Na revista eletrônica, as imagens e o estilo de redação de algumas reportagens

passam um certo tom de romantismo, quando o cotidiano é narrado. Cidadãos comuns se

transformam em personagens quase caricatos. Ao mesmo tempo em que tal aspecto ajuda a

levantar a auto-estima, o Viva Favela pode estar desfocando a realidade.

Na era da valorização do individualismo, da exacerbação da cultura popular e da

consciência com a responsabilidade social e ambiental e sustentabilidade, os holofotes se

voltam cada vez mais para os indivíduos anônimos e para as culturas populares.

O fenômeno não é isolado, mas global. Sorj explica que esse comportamento é uma

das transformações pelas quais passa o capitalismo:

‘Deu-se uma radicalização do processo de individualização, no sentido de perda de

referências da conduta social. O indivíduo já não é mais pautado pelos valores tradicionais

ou nas normas, instituições e ideologias da modernidade (pátria, partidos, trabalho, família

patriarcal), o que gera uma nova forma de individualismo reflexivo, no qual as pessoas

devem negociar constantemente suas relações sociais (por exemplo, com os/as filhos/as,

companheira/o). A telemática, inserindo o indivíduo reflexivo num mundo de informações

globais e aumentando seus contatos com as mais variadas redes sociais, participa do

processo de radicalização do individualismo, na medida em que o desvincula do contexto

local, aumentando suas possibilidades de inserção nos mais diversos tipos de mundos

significativos.’ (SORJ, 2003, p.38)

Segundo Mesquita, durante a produção das notícias, não se pensa em nenhum

momento em fazer do morador uma celebridade instantânea ou um “coitadinho”. Pelo

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menos não intencionalmente. De acordo com o editor, os personagens surgem porque eles

realmente se destacam nas comunidades.

Dona Silvia, que vende quentinha a R$1 no Morro do Alemão, foi uma das

personagens da matéria do Viva Favela (24/01/2004), sob o título “Doutoras da

Economia”. Ficou famosa assim que a mídia nacional descobriu a cozinheira através do

site, conforme lembra Moura. Abaixo, segue trecho da reportagem:

‘Se depender de algumas cozinheiras do Complexo do Alemão (Zona Norte do Rio),

ninguém passa fome no morro. Elas dão banho em muito economista, equilibrando uma

difícil equação: manter preços baixos quando o custo dos alimentos anda lá no alto.

Algumas oferecem refeições quase tão baratas quanto as dos restaurantes populares.

A campeã da economia é Sílvia Maria dos Santos, 48 anos, a 'Sílvia das quentinhas'. Não

foi à toa que ela ganhou o apelido: vende o almoço mais barato do Alemão, a R$ 1,50.

Instalada na estrada do Itararé, em frente ao morro da Baiana, seu espaço é mínimo. Mas

suficiente para Sílvia servir a freguesia. Não há lugar nem acomodações para comer por lá.

Nem por isso, seus PFs deixam de ser concorridos. O pessoal busca e leva para casa.

Mal levanta, às 5h da manhã, e Sílvia já trata de adiantar o almoço. No final da tarde, pega

a filha no colégio e ruma para o supermercado. Como trabalha sozinha, a microempresária

limita suas compras ao mercado mais perto de sua casa. Sempre de olho nas promoções, ela

consegue fazer incríveis malabarismos nos gastos. O que está em oferta entra no cardápio

do dia seguinte e se há bons preços em algum produto, ela procura fazer estoque.

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Compensa. Os motoristas das linhas de ônibus que descem o Itararé e os caminhoneiros que

trabalham por ali são clientes certos. Já saem do veículo com o dinheiro trocado para pegar

o almoço. Na primeira oportunidade, dão uma paradinha e correm para se informar sobre o

prato do dia e fazer o pedido. No final da viagem seguinte, Silvia já fica esperando na porta

com as quentinhas. É só descer do ônibus e pegar.’

Além das bem produzidas e enquadradas imagens, de um lugar simples com

pessoas humildes, observa-se também o uso de hipérboles e tratamento constante pelo

primeiro nome ou pelo apelido das fontes, mesmo que aplicadas de forma não intencional,

nas matérias.

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O Viva Favela possui ingredientes que atraem e seduzem a classe média, formadora

de opinião, detentora do consumismo e do conhecimento tecnológico. Simultaneamente, os

moradores das favelas se sentem integrados a essa realidade do consumo, com a inserção

de sua história de vida no portal, quase como um status. E assim, o portal se insere dentro

do capitalismo burocrático definido por Guy Debord (1994). Para este autor, toda a vida

das sociedades nas quais reinam as condições modernas de produção se anuncia como uma

imensa acumulação de espetáculos (idem: p.8) e “tudo o que era diretamente vivido se

esvai na fumaça da representação.”

Os usuários que acessam o Viva Favela, já que não pertencem a essa classe social,

criam um novo ponto de vista, e o maior cuidado que é preciso ter é para que tudo não se

torne mera representação. Segundo Guy Debord (1994):

‘...A realidade considerada parcialmente reflete em sua própria unidade geral um pseudo

mundo à parte, objeto de pura contemplação. A especialização das imagens do mundo

acaba numa imagem autonomizada, onde o mentiroso mente a si próprio. O espetáculo em

geral, como inversão concreta da vida, é o movimento autônomo do não-vivo.

O espetáculo não canta os homens e as suas armas, mas as mercadorias e as suas paixões. É

nesta luta cega que cada mercadoria, ao seguir a sua paixão, realiza, de fato, na

inconsciência algo de mais elevado: o devir-mundo da mercadoria, que é também o devir-

mercadoria do mundo, de acordo com ele.’ (DEBORD, 1994, p.38).

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A Internet se insere em um novo conceito de bens de consumo coletivo. Trata-se de

bens que não podem ser delimitados às fronteiras nacionais ou cuja falta de acesso num

país afeta a qualidade de vida em outros, para Sorj (p. 29).

Além do difícil acesso a computadores e à Internet, o formato do Viva Favela, nas

matérias romantizadas, talvez contribua para o distanciamento do próprio leitor-morador

das comunidades (e não o leitor-personagem-fonte), fazendo com que ele não se identifique

com as histórias da revista.

A reportagem “Que morro bão, sô!” (03/01/2007) pode ser considerado um

exemplo dessa forma de representação:

‘Quem chega ao alto do morro do Complexo do Alemão, na zona norte do Rio, tem a

sensação de estar numa cidadezinha do interior de Minas Gerais. Ali fica a comunidade do

Morro dos Mineiros. A vida tem ritmo rural, com típicos personagens e costumes que vão

muito além do pão de queijo. "Aqui em cima é tudo comadre e compadre. É o lugar mais

tranqüilo que tem. Só saio daqui para o cemitério", diz Guilhermina Rodrigues Andrade, 60

anos, mãe de oito filhos e moradora desse pequeno território mineiro instalado no meio da

loucura urbana há mais de 30 anos.

Uma rápida olhada ao redor, e é fácil entender Guilhermina. Pelas ruas passeiam

despreocupadas a galinha e sua ninhada. Nos quintais, o fogão a lenha jorra fumaça, com

direito a forno e tudo. Sanfoneiro e acompanhantes animam a mineirada no boteco da

esquina. Cavalo é visto solitário ou acompanhado. Rezadeira de mão cheia faz seu papel.

Os raros cigarros de palha ou cachimbo rolam nas bocas mais velhas. Cafezinho, toda hora

tem.

A comunidade surgiu por volta dos anos 1960. Atraídos pela esperança de serem

proprietários de um pequenino pedaço de terra, os mineiros foram chegando aos poucos. Os

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primeiros moradores vieram de Peixe Branco e Itabirinha de Mantena. Ergueram seus

barracos numa época em que o local ainda era mata fechada. Barro não faltava para a

construção. Avós, pais, netos e bisnetos, que buscam preservar sua cultura e raízes.’

A reportagem acima sugere, também, uma mitificação do real, onde a interpretação

dos fatos parece ter o poder de modificar o real. De acordo com Rivoltella (2005):

‘O mito, na perspectiva hegeliana, representa a infância da razão, isto é, identifica esse

momento do desenvolvimento do Espírito no qual a explicação fantástica das coisas

substitui temporariamente a falta de uma explicação racional: quando tal explicação

estiver disponível o mito não ocorrerá mais.’ (RIVOLTELLA, 2005, p.38)

Para Roland Barthes (1957), “Não é o conteúdo do mito que o transforma em tal,

mas o modo através do qual o conteúdo é comunicado”.(p.191).

A Internet é a forma mais veloz de comunicação e o computador é o novo objeto

de desejo da sociedade. Barthes cita a velocidade como um dos elementos que também

fazem parte da mitificação ao comparar o ‘homem-jet’ com o ‘jet-man’:

‘El hombre-jet es el piloto de avión a reacción. Según Match pertenece a una raza nueva de la aviación, más próxima al robot que al héroe. No obstante, y como veremos en seguida, en el hombre-jet hay varios residuos parsifalianos. Pero lo que impresiona ante todo en la mitología del jet-man es la eliminación de la velocidad: em la leyenda, nada la alude específicamente. Aquí necesitamos entrar en una paradoja, que por otra parte todo el mundo admite perfectamente e inclusive consume como una prueba de modernidad; esta paradoja consiste en que demasiada velocidad se vuelva reposo. El piloto-héroe se singulariza por toda una mitología de la velocidad sensible, del espacio devorado, del movimiento embriagador; el jet-man se definirá por una cenestesia del in-situ ("a 2000 por hora, altura constante, ninguna impresión de velocidad"), como si la extravagancia de su vocación consistiera precisamente em sobrepasar el movimiento, en ir más rápido que la velocidad. La mitología abandona las imágenes del roce exterior y aborda una pura cenestesia: el movimiento ya no es percepción óptica de los puntos y de las superficies; se ha convertido en una espécie de confusión vertical, hecha de contradicciones,(...)’(BARTHES, 1957, p.52)

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3 Revolução social e tecnológica?

3.1 Comunidade Viva/ comunidade virtual

Durante o I Fórum Internacional ABA Petrobras de Comunicação Digital, realizado

em março de 2008, o diretor comercial da Microsoft, Leandro de Paula, disse que, dos

computadores pessoais vendidos em 2007, 80% custavam menos de R$1.500,00. Para ele,

esse é o reflexo da proliferação da Internet, e é preciso saber quem é esse público e o que

ele procura, pois essa nova demanda ainda não é conhecida pelos administradores de sites.

Pierre Lévy (1999) assinala que estamos vivendo mais um fenômeno habitualmente

técnico na história da sociedade e dominado por quem possui o conhecimento intelectual:

‘... a emergência do ciberespaço é fruto de um verdadeiro movimento social, com seu grupo

líder (a juventude metropolitana escolarizada), suas palavras de ordem (interconexão, criação de

comunidades virtuais, inteligência coletiva) e suas aspirações coerentes.’ (LÈVY, 1999, p.123)

Ciberespaço3 é a conexão dos computadores do planeta e dispositivo de

comunicação ao mesmo tempo coletivo e interativo. Mas diferente das revoluções técnico-

industrais do mundo, como o surgimento do automóvel e sua ascensão, o crescimento do

ciberespaço não é desejo de potência individual, mas corresponde a um desejo de

comunicação recíproca e de inteligência coletiva, em sua opinião. O filósofo

contemporâneo destaca:

3Definição de Pierre Lévy (2000, p.193).

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‘Aqueles que fizeram crescer o ciberespaço são em sua maioria anônimos, amadores

dedicados a melhorar constantemente as ferramentas de soiftware de comunicação, e não os

grandes nomes, chefes de governo, dirigentes de grandes companhias cuja mídia nos

satura...’ (LÉVY, 2000, p.126).

Gerenciado pelos próprios correspondentes-moradores, a revista contribui para a

inteligência coletiva da Internet:

‘Um grupo humano qualquer só se interessa em constituir-se como comunidade virtual para

aproximar-se do ideal do coletivo inteligente, mais imaginativo, mais rápido, mais capaz de

aprender e de inventar do que um coletivo inteligentemente gerenciado. O ciberespaço talvez não

seja mais do que o indispensável desvio técnico para atingir a inteligência coletiva.’ (LÉVY, 2000,

p.130)

O desejo de se integrar ao movimento social está por toda parte, mesmo que de

forma inconsciente. Quando Moura sobe as favelas para fotografar ou entrevistar os

moradores, por mais que não tenham acesso a computador, e muitas vezes nem sabem o

que é Internet, gostam de colaborar para as reportagens. “São pessoas humildes, que

querem dar informação e sabem que é importante comunicar. Já ouviram falar de Internet.

Sabem que podem contar com a gente”.

Talvez seja essa relação de confiança, entre moradores das favelas e

correspondentes do portal, que faz a revista eletrônica se tornar peculiar aos usuários do

portal. São características que se assemelham às comunidades virtuais, como os fóruns

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especializados. Nesses espaços há informações que não são encontradas nos sites de

grandes veículos, como os de jornais, por exemplo.

Assim como nas comunidades virtuais, além das novidades noticiosas que o Viva

Favela gera, há o feedback para o morador, que viu repercutir algum fato dentro de sua

comunidade, ou até na grande mídia. Além disso, o resgate da auto-estima também pode

ser considerado outro retorno positivo.

3.2 A árvore do conhecimento e sua responsabilidade

O Viva Favela vai além de um simples portal. Ele se insere na Árvore do

Conhecimento, citada por Lévy (2000), pelo caráter social que exerce como rico

instrumento da inteligência coletiva:

‘Aprendizagens permanentes e personalizadas através de navegação, orientação dos

estudantes em um espaço do saber flutuante e destotalizado, aprendizagens

cooperativas, inteligência coletiva no centro das comunidades virtuais,

desregulamentação parcial dos modos de reconhecimento dos saberes, gerenciamento

dinâmico das competências em tempo real...esses processos sociais atualizam a nova

relação com o saber.’ (LÈVY, 2000, p. 177).

Moura ressalta que a intenção do portal não é salvar a favela, mas prestar um

serviço à comunidade — através do bom Jornalismo — na busca da amenização dos

problemas.

A informação de qualidade é fundamental para a transformação social. Na

elaboração de um produto, é preciso prestar atenção nos significados que se

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transmite, levando em consideração a sociedade. E também cabe aos “consumidores

da informação” analisarem esses significados conscientemente, ao decodificar as

mensagens.

Devemos utilizar recursos técnicos avançados, mas que sejam aproveitados da

melhor maneira para promover a interatividade e aguçar a crítica, tomando como base

o princípio de formar o cidadão e uma identidade; e levantar a auto-estima. A

Internet, a televisão e todos os meios estão modificando a sociedade. A reflexão

apresentada abaixo pode ser aplicada à mídia em geral, não só à televisão. É preciso

avaliar os aspectos ideológicos que são passados nas narrativas midiáticas:

‘El conocimiento básico del lenguaje televisivo es algo que todos como televidentes

aprendemos más o menos autodidácticamente, aunque no sepamos los nombres

técnicos de lãs tomas y movimientos de câmara. Lo que no se aprende de esa manera,

por lo menos no necesariamente, es la conformación semiótica del discurso televisivo

de donde en última instancia se propone um determinado significado al televidente.

No es el aspecto ideológico lo que está en jogo entre la televisión y la audiência, sino

mucho más que eso: lãs emociones, lãs nociones, los significados y la acción.’

(Martín Barbero, 1987).

3.3 A barreira da desigualdade social

De um ponto de vista inicial (em 2001, início da proliferação da internet) o

Viva Rio poderia acreditar que faria a redução da desigualdade social ao propor o

projeto do Viva Favela e suas salas com computador nas comunidades, oferecendo

cursos de informática. Mas o problema vai além — não parte apenas da criação de

portais e de cursos de microinformática. É um processo intrínseco na história e

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cultura da sociedade. Martín Barbero (1991) elucida as barreiras que atrasam a

inclusão digital:

‘Es decir, que hay que entender muy bien que el tema no son las tecnologías, el tema

es una sociedad que de alguna manera no se apercibió de lo que esto significaba desde el

punto de vista cultural, desde el punto de vista social, desde el punto de vista político, y ahora

estamos sufriendo las consecuencias de que el modelo con el que fueron implantadas esas

tecnologías en nuestros países fue un modelo meramente mercantil: quien paga tiene la

tecnología, quien no la paga queda de afuera. Nuestros estados tenían que haber previsto,

tenían que haber regulado, y tenían que haber organizado servicios públicos de información y

de comunicación que desde hace años hubieran ido posibilitando el acceso a la mayoría de la

gente, tanto en la escuela como fuera de la escuela.’(p. 3)

E mostra essa tecnologia como uma nova escrita, uma outra maneira de

articular os diferentes meios, que muda a relação na sociedade:

‘Yo siento que hoy en día América Latina está necesitando un segundo gran proyecto

al estilo de Freire, para alfabetizar a la mayoría de nuestra población en esta nueva escritura

(porque es otro alfabeto, es otra manera de escribir, es otra manera de articular los diferentes

medios). Estamos necesitando que América Latina emprenda, pero desde una visión pública,

social, de culturas mayoritarias, una alfabetización virtual porque cada día que pasa es mayor

la cantidad de gente que va quedando descolgada, desanclada, desvalorizada en su trabajo, en

su modo de saber, en su modo de conocer.’(p.3)

Lévy (p.236), ressalta que “além da infra-estruturas de comunicação e de

cáculo (computadores) que o ciberespaço exige, é preciso ainda superar os obstáculos

“humanos”. Em primeiro lugar, há os freios institucionais, políticos e culturais para

formas de comunicação comunitárias, transversais e interativas. Há, em seguida, os

sentimentos de incompetencia e de desqualificação frente às novas tecnologias.”

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Conclusão

O registro de histórias de vida das favelas de forma virtual pode contribuir

para a valorização e bem-estar do favelado e o insere também à vida digital, mas é

preciso mais voz e objetividade. Como se chegar no ideal? Como fazer com que o

virtual seja realmente o porta-voz do morro?

É preciso avaliar como seria a inclusão digital, os caminhos para a real

inserção de movimentos sociais, interatividade, de forma não imposta. Seria difícil

recriar processos de interação, mas um caminho é deixar que os internautas da classe

mais desfavorável à inclusão digital percebam por eles mesmos a melhor forma de

interação com o virtual.

Fora das reportagens da revista do Viva Favela, não há muitos canais online

que promovem a integração digital.

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Bibliografia

BARTHES, Roland. Mitologias. 1 ed.. Madrid, Espanha: siglo veintiuno de españa editores, s. a., 1980. 139 p..Tradução de Hector Schmucler.

DEBORD, Guy. A Sociedade do Espetáculo. Rio de Janeiro: Contraponto, 1997. 140 p.

DOWDNEY, Luke. Crianças do Tráfico: um estudo de caso de crianças em violência armada organizada no Rio de Janeiro. Rio de Janeiro: 7 Letras, 2003. 270 p.

LÉVY, Pierre. Cibercultura. 2 ed..São Paulo: Editora 34, 2000. Tradução de Carlos Irineu da Costa. 260p.

MARTÍN-BARBERO, Jesús. Recepción: Uso de Medios y Consumo Cultural. Cali, Colômbia, 1991. RIVOLTELLA, Pier Cesare. Costruttivismo e pragmatica online. Socialità e didattica in Internet. Erickson, 2003.

SORJ, Bernado; GUEDES, Luiz Edmundo. Internet na F@vela. Quantos, quem, onde, para quê. Rio de Janeiro: Gramma, 2005.155 p.

SORJ, Bernardo. [email protected]: a luta contra a desigualdade na Sociedade da Informação. Rio de Janeiro: Jorge Zahar Ed.; Brasília, DF: Unesco, 2003. 176 p.

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Bibliografia Complementar

PINHO, J.B.. Jornalismo na Internet – Planejamento e produção da informação on-line. São Paulo: Summus, 2003. 282 p.

GOLDENBERG, Miriam. A Arte de Pesquisar. Rio de Janeiro: Record, 2005. 107p.

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Anexo

____. Doutoras em Economia (online), Rio de Janeiro: Viva Favela. 6 de janeiro de

2004. disponível no site ao inserir as palavras na busca do portal: “Doutoras”, “em”,

“Economia” (acessado em 28 de março de 2008).

____. Que morro bão, sô! (online), Rio de Janeiro: Viva Favela. 3 de janeiro de

2007. disponível no site ao inserir as palavras na busca do portal: “Que”, “morro”,

“bão” (acessado em 28 de março de 2008).