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1 VIII Seminário de Saúde do Trabalhador (em continuidade ao VII Seminário de Saúde do Trabalhador de Franca) e VI Seminário “O Trabalho em Debate”. UNESP/ USP/STICF/CNTI/UFSC, 25 a 27 de setembro de 2012 UNESP- Franca/SP. O formato neofordista e infotaylorista da educação a distância: a tutoria e a degradação da profissão docente Rafael Aroni 1 Resumo Na esteira da precarização dos infroproletários é analisada a recente industrialização na expansão do ensino superior a distância e reflexos na degradação dos docentes em tutores. Através da metodologia de etnografia e entrevistas semi-dirigidas, em Instituição Superior Privada, no ano de 2011, aponta-se: o histórico da reestruturação imposta ao ensino superior, às representações dos papéis e conformação de precárias identidades coletivas (tutores) e os impactos para saúde dos professores. Portanto, buscou-se apresentar efeitos na (des)estruturação da educação superior a distância privada, enquanto expressão contemporânea inscrita na mundialização do capital, monitorada por instituições internacionais e dirigida por diretrizes governamentais, no aprofundamento da reforma neoliberal para educação. Palavras-chave: Educação a distância, tutor, degradação da identidade docente. abstract In the wake of the precariousness of infoproletarian is analyzed industrialization in the recent expansion of higher education in distance mode and effects on degradation of teachers in tutors. Through ethnographic methodology and semi-directed in Private Higher Institution, in 2011, points out: the historic restructuring imposed on higher education, the papers and representations of precarious conformation of collective identities (tutores) and the impacts for health teachers. Therefore, we sought to present effects in (un) structuring of private higher distance education, while contemporary expression entered in the globalization of capital, monitored by international institutions and directed by government guidelines, the deepening of neoliberal reform to education. Keywords: distance education, tutor, teacher identity degradation. Introdução As primeiras décadas do século XXI marcam novas facetas do processo de transformações do ensino superior brasileiro. Oscila por todo o país o véu da aparente democratização ao acesso, via expansão de vagas privadas, com especial atenção para as modalidades semi-presenciais e a distância. Dessa forma, o marketing midiático instantâneo captura sonhos e projetos à marcha de desregulação e degradação na qualidade da educação ofertada. Operam-se nos bastidores, em laboratórios de informáticas improvisados entre alunos/clientes e “colaboradores tutores”, a 1 Mestre em Sociologia pela Universidade Federal de São Carlos, Professor de Sociologia na Rede Pública do Estado de São Paulo. Email: [email protected]

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VIII Seminário de Saúde do Trabalhador (em continuidade ao VII Seminário de Saúde do

Trabalhador de Franca) e VI Seminário “O Trabalho em Debate”. UNESP/

USP/STICF/CNTI/UFSC, 25 a 27 de setembro de 2012 – UNESP- Franca/SP.

O formato neofordista e infotaylorista da educação a distância: a tutoria e a

degradação da profissão docente

Rafael Aroni1

Resumo

Na esteira da precarização dos infroproletários é analisada a recente

industrialização na expansão do ensino superior a distância e reflexos

na degradação dos docentes em tutores. Através da metodologia de

etnografia e entrevistas semi-dirigidas, em Instituição Superior

Privada, no ano de 2011, aponta-se: o histórico da reestruturação

imposta ao ensino superior, às representações dos papéis e

conformação de precárias identidades coletivas (tutores) e os impactos

para saúde dos professores. Portanto, buscou-se apresentar efeitos na

(des)estruturação da educação superior a distância privada, enquanto

expressão contemporânea inscrita na mundialização do capital,

monitorada por instituições internacionais e dirigida por diretrizes

governamentais, no aprofundamento da reforma neoliberal para

educação.

Palavras-chave: Educação a distância, tutor, degradação da

identidade docente.

abstract

In the wake of the precariousness of infoproletarian is analyzed

industrialization in the recent expansion of higher education in

distance mode and effects on degradation of teachers in tutors.

Through ethnographic methodology and semi-directed in Private

Higher Institution, in 2011, points out: the historic restructuring

imposed on higher education, the papers and representations of

precarious conformation of collective identities (tutores) and the

impacts for health teachers. Therefore, we sought to present effects in

(un) structuring of private higher distance education, while

contemporary expression entered in the globalization of capital,

monitored by international institutions and directed by government

guidelines, the deepening of neoliberal reform to education.

Keywords: distance education, tutor, teacher identity degradation.

Introdução

As primeiras décadas do século XXI marcam novas facetas do processo de

transformações do ensino superior brasileiro. Oscila por todo o país o véu da aparente

democratização ao acesso, via expansão de vagas privadas, com especial atenção para as

modalidades semi-presenciais e a distância. Dessa forma, o marketing midiático

instantâneo captura sonhos e projetos à marcha de desregulação e degradação na

qualidade da educação ofertada. Operam-se nos bastidores, em laboratórios de

informáticas improvisados entre alunos/clientes e “colaboradores tutores”, a

1 Mestre em Sociologia pela Universidade Federal de São Carlos, Professor de Sociologia na Rede

Pública do Estado de São Paulo. Email: [email protected]

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VIII Seminário de Saúde do Trabalhador (em continuidade ao VII Seminário de Saúde do

Trabalhador de Franca) e VI Seminário “O Trabalho em Debate”. UNESP/

USP/STICF/CNTI/UFSC, 25 a 27 de setembro de 2012 – UNESP- Franca/SP.

configuração de uma matriz de ensino inscrita na lógica da mundialização do capital,

pela mercadorização do direito social à educação pública gratuita e de qualidade, em

serviço privado, aligeirado e ofertado em larga escala, noções presentes no projeto

hegemônico de globalização econômica da sociedade da informação (LIMA, 2006,

2007 e 2011).

De forma breve, ao caracterizar-se o fenômeno com alguns dados do Censo do

Ensino Superior Brasileiro, para os períodos de 2000 a 2010, tem-se o aumento de

202% no número de Instituições de Ensino Superior privadas no país, com a

manutenção da desigual estrutura na oferta de vagas entre o sistema público, com média

de 12% das vagas, e privado, média de 88% (Ver Tabela 1), para o mesmo período.

Como apontado no Relatório Final da CPI do Ensino Superior Privado (Suplemento

Diário Oficial do Estado de São Paulo, Fevereiro de 2012) tem-se a inversão da lógica

prevista pela Lei de Diretrizes e Bases da Educação (n.º 9.394/1996): “... o ensino

superior privado se expandiu como complementar ao público, mas hoje é o público que

está se tornando complementar ao privado, por omissão ou incapacidade dos governos

federal, estadual e municipal para suprir a demanda por vagas no ensino superior”.

Uma imediata contradição que esconde outra falsa aparência, no caso da omissão

ou falta de iniciativa do Estado. Tem-se na atualidade, a perspectiva do reordenamento

do Estado (LIMA, 2006) com forte participação no aprofundamento de políticas

públicas de financiamento na estruturação e manutenção de instituições privadas de

ensino superior (PEREIRA, 2007). Este fenômeno merece mais estudos para se analisar

em que medida tais ações não contrariam o artigo 213 da Constituição Federal de 1988,

uma vez que instituições privadas de capital estrangeiro, que visam o lucro (empresas

transnacionais articuladas ao capital financeiro mundial), sugam de forma predatória

recursos públicos, via FIES, PROUNI. E mais recentemente, por via indireta pela

Medida Provisória n.º 559 (12/06/12), que instituiu o Programa de Estímulo à

Reestruturação e ao Fortalecimento das Instituições de Ensino Superior (PROIES), que

perdoará as dívidas no valor de R$ 15 bilhões de imposto de renda, INSS e cota patronal

de instituições superiores privadas nacionais e estrangeiras, em troca da oferta de bolsas

de estudo pelo PROUNI2, novas dimensões do aprofundamento da privatização do

setor.

2 Mais informações sobre PROIES, disponíveis em: “Governo veta emenda e permite instituições

estrangeiras no Proies”, disponível em: <http://www.horadopovo.com.br/2012/07Jul/3076-25-07-

2012/P4/pag4a.htm>, acessado em: 17, jul., 2012.

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VIII Seminário de Saúde do Trabalhador (em continuidade ao VII Seminário de Saúde do

Trabalhador de Franca) e VI Seminário “O Trabalho em Debate”. UNESP/

USP/STICF/CNTI/UFSC, 25 a 27 de setembro de 2012 – UNESP- Franca/SP.

Segundo a estudiosa sobre a questão, Kátia Lima aponta a continuidade da

mercantilização do setor e abertura para o capital internacional:

No que se refere à área de Educação, o Governo Lula da Silva implementou a

mesma pauta apresentada pelos organismos internacionais e realizada pelo

governo Cardoso: a) o estabelecimento de parcerias público-privadas para o

financiamento e a execução da política educacional brasileira: do combate ao

analfabetismo à educação fundamental, do ensino médio e da educação

superior e b) a abertura do setor educacional, especialmente da educação

superior, para a participação das empresas e grupos estrangeiros, estimulando

a utilização das tecnologias da informação e da comunicação na educação

através da educação a distância (2006, p.7; grifos nossos).

Ainda nesta perspectiva é possível remeter ao longo processo de ambivalência, em

que políticas públicas para educação garantem a expansão de instituições privadas,

como por exemplo, ao se observa o artigo 16 da LDB (n.º 9394/96):

Art. 16. O sistema federal de ensino compreende: I - as instituições de ensino mantidas pela União;

II - as instituições de educação superior criadas e mantidas pela iniciativa

privada;

III - os órgãos federais de educação. (grifos nossos)

Tabela 1 – Número de Instituições de Ensino Superior, período de 2000 a 2010.

IES * Público Privado Total Brasil

2000 176 15% 1.004 85% 1.180 100%

2001 183 13% 1.208 87% 1.391 100%

2002 195 12% 1.442 88% 1.637 100%

2003 207 11% 1.652 89% 1.859 100%

2004 224 11% 1.789 89% 2013 100%

2005 231 11% 1.934 89% 2.165 100%

2006 248 11% 2.022 89% 2.270 100%

2007 249 11% 2.032 89% 2.281 100%

2008 236 10% 2.016 90% 2.252 100%

2009 245 11% 2069 89% 2.314 100%

2010 278 12% 2.100 88% 2.378 100%

* IES – Instituições de Ensino Superior com cursos

presenciais e a distância.

Fonte:< http://portal.inep.gov.br/superior-censosuperior-sinopse.. Acesso em:

11, jul., 2012.

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VIII Seminário de Saúde do Trabalhador (em continuidade ao VII Seminário de Saúde do

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USP/STICF/CNTI/UFSC, 25 a 27 de setembro de 2012 – UNESP- Franca/SP.

Cabe ainda destacar outros dados para caracterizar a expansão do ensino

superior brasileiro a distância, segundo o MEC3:

O total de vagas ofertadas para ingressantes e veteranos aumentou de

6.430, em 2000, para 1.643.118, em 2010. Aumento de 24.414%;

Em 2002, havia 46 cursos de graduação na modalidade a distância. No

princípio da segunda década de 2010 são 930 cursos, ou seja, o aumento

foi de 2.022%;

No período que abrange 1998 a 2011, apenas 271 cursos a distância

tiveram aprovação do parecer de credenciamento, pelo Conselho

Nacional de Educação.

Frente ao panorama da educação superior privada na modalidade a distância no

Brasil, busca-se nesta comunicação apresentar brevemente os bastidores dos efeitos de

degradação nas condições de vida e trabalho dos profissionais envolvidos. Assim, o

presente artigo divide-se em três itens. Na primeira etapa faz-se uma síntese dos

principais estudos sobre a conjuntura da comercialização do ensino superior a distância

e paralelos aos desafios para o pensamento social de interpretação das metamorfoses nas

categorias profissionais envolvidas, inscritos em processos análogos à organização do

trabalho fordista e taylorista. Segundo item caracteriza-se a partir de observações

etnográficas e resultado de três entrevistas com professores tutores, realizadas em

Instituição de Ensino Privado, do interior de São Paulo, no ano 2011, as principais

dimensões de estranhamento e alienação do trabalho informacional, no processo de

ressignificação dos papéis e formação da precária identidade coletiva dos profissionais

envolvidos. Por último, apresentam-se resultados da entrevista a partir da orientação

teórica da psicopatologia dejouriana, sobre dimensões de sofrimento, angústias e

contradições enfrentadas pelos docentes na condição da degradação de suas identidades.

3 Os dados consultados foram: Sinopses do Censo do Ensino Superior, entre os anos de 2000 a 2010,

disponível em: <http://portal.inep.gov.br/superior-censosuperior-sinopse>. Acesso em: 05, fev., 2012;

Pareceres de credenciamento EaD, disponível em:

<http://portal.mec.gov.br/index.php?option=com_content&view=article&id=12939:pareceres-de-

credenciamento-ead&catid=323:orgaos-vinculados>. Acesso em: 06, fev., 2012.

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USP/STICF/CNTI/UFSC, 25 a 27 de setembro de 2012 – UNESP- Franca/SP.

Da democratização do acesso ao ensino superior ou da industrialização do acesso

ao serviço pago de educação?

Para a elaboração da perspectiva histórica da reestruturação político e econômica

imposta ao ensino superior privado a distância, articulou-se: a apresentação dos

fundamentos da sociologia do trabalho, os quais atualizam análises das metamorfoses

do estranhamento e alienação nos trabalhos informacionais (ANTUNES, 2009) e a

configuração de uma nova categoria de trabalhadores, o cibertariado (HUWS, 2009);

com a revisão histórica do processo em debate, a expansão do ensino superior privado

na modalidade a distância, formulada e imposta por organismos internacionais, Banco

Mundial, UNESCO e OMC (PEREIRA, 2007) e engendradas pelo Estado brasileiro

(LIMA, 2006), na transformação do direito a educação verdadeiramente pública e

democrática, em serviço comercial a ser explorado de forma predatória pelo capital

monopolista financeiro mundial em crise4.

Na sociologia do trabalho os processos de organização das atividades laborais

em que as atividades eram mecânicas, intensamente controladas para o máximo de

produtividade e com jornadas de trabalho exageradas, fenômeno caracterizado como o

modelo fordista e taylorista (GOUNET,1999). As metamorfoses impostas na relação de

trabalho, principalmente, no setor da prestação de serviços, no campo informacional, faz

pensar a permanência de alguns elementos deste processo. Assim, a nova perspectiva

traçada pelas emblemáticas interpretações propostas na coletânea “Infoproletários:

degradação real do trabalho virtual” (ANTUNES & BRAGA, 2009) sobre a obscura

condição de vida e trabalhadores da linha de operação das tecnologias informacionais

(telemarketing e callcenter), aponta perspectivas para se analisar outras categorias de

infoproletários, as novas e precárias categorias de tutores a distâncias, tutores

presenciais, professores conteudistas e professores ministrantes.

Das reflexões de Antunes (2009) apontam-se os fundamentos sociológicos da

multidimensionalidade do processo de desnacionalização e financeirização, promovidas

pelas tecnologias informacionais, principalmente do setor bancário, pela globalização

econômica, enquanto imposição de novas sociabilidades, com o: “(...) controle e gestão

do trabalho, das novas formas de obtenção do consentimento à exploração econômica,

da produção de novas e precárias identidades coletivas, das desigualdades de gênero,

4Apontam-se a necessidade de estudos sobre a dimensão político econômica, expressos em documentos

como prospectos de grupos financeiros que engendram a modernização conservadora do ensino superior

privado brasileiro, para segunda década do século XXI.

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das trajetórias profissionais... as formas de ser do cibertariado” (p.9), dimensões as

quais estão sendo reproduzidos na (des)estruturação do ensino superior privado a

distância brasileiro, pela transposição da ideologia financeira, a uma legítima educação

bancária feita pelos banqueiros mundiais. Com traços neofordistas na produção

estandartizada de conteúdos que teriam efeitos pedagógicos padronizados, e traço

infotaylorista, no controle informacional tecnológico na intensificação da produção e

reprodução do conhecimento acrítico, descontextualizado e sem potencial de

transformar a realidade da sociedade capitalista em crise.

Como sustenta a teoria crítica frankfurtiana, não se omite o potencial de

emancipação humana pelos aparatos tecnológicos, contudo, o paradoxo é a utilização

deles pela ordem burguesa, para o adestramento, docilidade e total controle, em se

cooptar e forjar as falsas consciências positivamente unidimensionais nos trabalhadores

(MARCUSE, 1967).

Assim, a principal contribuição de ANTUNES (2009) ao se pontuar novos eixos

na precarização estrutural do trabalho, reverbera o ideário neoliberal, em que as

tecnologias do século XXI buscam através de suas magias fetichizadas, imporem as

condições de trabalho do século XIX, com:

(...) intensa e brutal emulação do teleoperador [...], com técnicas gerenciais

tayloristas de controle sobre o trabalhador; associa o serviço em grupo com

individualização das relações trabalhistas, estimula a cooperação ao mesmo

tempo em que fortalece a concorrência entre os teleoperadores, dentre tantas

outras alterações, ampliando as formas mais complexificadas de

estranhamento e alienação contemporânea do trabalho (ANTUNES,

2009, p.10).

Da coletânea de dez artigos, destaca-se a contribuição do ensaio de Ursula

Huws, (2009) “A construção de um cibertariado? Trabalho virtual num mundo real.”

que problematiza a necessidade de se avançar as análise sobre a identidade constitutiva

dos trabalhadores da economia informacional. A partir de leitura de uma série estudos

sobre trabalhadores de escritório a autora aponta que a principal característica para se

identificar estes trabalhadores e mesmos os trabalhadores de tecnologia da informação

seria a roupa, a condição de colarinho branco, contudo, a aparência de uma

indumentária sofisticada oculta o processo de degradação subjacente ao espaço do

escritório. Fenômeno apontado nos estudos de Harry Braverman – Labor and Monopoly

Capital, de 1974. Assim, a autora sugere seis dimensões para se caracterizar a condição

do cibertariado, ou proletário de escritório:

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Trabalhadores de escritório podem ser definidos, no mínimo, de seis

maneiras diferentes: a) em termos da relação funcional de seu trabalho com o

capital; b) em termos de sua ocupação (seu lugar na divisão técnica do

trabalho); c) sua relação social com a produção (a propriedade ou não dos

meios de produção); d) seu lugar na divisão social do trabalho (inclusive a

divisão de gênero do trabalho no lar); e) as rendas comparadas (e, em

consequência, sua posição no mercado enquanto consumidores); f) seu status

social (BRAVERMAN,1974, p.45).

Destas dimensões, destacam-se duas as quais serão objeto de análise no próximo

item, a relação social com a produção e reprodução de conhecimento por tutores com

novas dimensões de alienação e estranhamento no e pelo trabalho virtual e o status

social da posição destes trabalhadores no mercado de trabalho local, que oculta à

condição de degradação da condição de docente.

Articula-se a estes fundamentos as análises empreendidas da conjuntura do

aprofundamento da reforma neoliberal para educação. Assim, a assistente social Larissa

Pereira (2007) em sua tese de doutorado examina os documentos que estabeleceram

diretrizes do processo de mercantilização da educação por organismos internacionais

(Banco Mundial, UNESCO, OMC) para regiões periféricas e subdesenvolvidas. Este

processo resulta da reação da burguesia internacional frente à crise ao padrão de

acumulação fordista e keynesiano, da década 1970, em que a reestruturação produtiva, o

reordenamento do papel Estado, expressões da emergência do neoliberalismo. Para a

educação superior, os interesses do capital monopolista financeiro convergem na busca

aos fundos públicos para recompor sua taxa de acumulação. Assim tem-se que:

Com a crise do pós-1970, a burguesia passa a disputar o fundo público, como

pressuposto apenas para o capital, num explícito retrocesso no que diz

respeito aos sistemas de proteção social construídos ao longo dos “Trinta

anos Gloriosos do capitalismo”. Assim, todas as esferas da vida social –

inclusive as políticas sociais, até então relativamente desmercadorizadas e

tradutoras dos direitos sociais conquistados através de árduas lutas desde o

final do século XIX – passam a ser alvo do processo de valorização do

capital, com um crescente processo de mercantilização (PEREIRA, 2007,

p.70).

Resumidamente, a ofensiva do capital financeiro internacional com a

mercantilização do direito a educação inicia-se com a nova orientação do Banco

Mundial, que a partir da década de 1980, defende diretrizes da universalização do

ensino fundamental para países em desenvolvimento, em simultaneidade a privatização

do ensino secundário e perseguição às universidades públicas, como lócus de

privilegiados e ineficientes. Deste período a diretriz central é a conformação de uma

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educação voltada para formação de trabalhadores flexíveis com valores favoráveis ao

mercado.

Para a década de 1990, o Banco Mundial atualiza a perspectiva neoliberal para

educação, com o termo ideológico da sociedade do conhecimento. Assim, a única forma

dos países periféricos alcançarem padrões satisfatórios de integração à globalização,

seria com a oferta massificada do comércio do serviço de educação. Um novo padrão de

dependência cultural, social, econômica está se forjando com as necessidades das

instituições de ensino superior de países periféricos importarem pacotes tecnológicos e

de conhecimento para qualificação dos trabalhadores. Para Pereira (2007) este comércio

da educação como serviço só foi possível pelo acordo comercial, firmado pelos países

membros da OMC, em 1995, “Acordo Geral sobre Comércio em Serviços (AGCS)”, o

qual estabeleceu a mercadorização dos serviços historicamente reivindicados como

direitos sociais, como educação, saúde, saneamento e outros.

Com a educação no AGCS corre-se o risco da sua transformação em um

processo de simples comercialização, onde grupos internacionais ou grupos

nacionais a eles coligados seriam os vendedores, enquanto os países,

principalmente os em desenvolvimento,passariam a ser meros compradores

de pacotes de serviços diretos (por exemplo, cursos profissionalizantes, de

graduação, aperfeiçoamento e pós-graduação, etc) e complementares (por

exemplo, sistemas de avaliação e certificação), além de “bens de consumo

educacionais” (por exemplo, livros e materiais didáticos, cadernos, lápis,

mapas, equipamento científico, uniformes etc.). Tal perspectiva fere a

soberania e a autonomia das nações, num caminho que pode levar à perda da

diversidade cultural e dos valores locais (SIQUEIRA, 2004: 155).

Por último, a autora Lima (2011) reafirma o reordenamento do Estado brasileiro

na articulação as diretrizes dos agentes internacionais para estruturação na desregulação

e privatização do setor educacional, em específico, pela modalidade à distância pública

e privada.

Se nas IES privadas a massificação e a mercantilização do ensino encontram

intenso ponto de articulação, nas IES públicas, ainda que parte significativa

dos cursos à distância não seja pago, está presente a mesma lógica de

massificação do ensino norteadora (1) das políticas dos organismos

internacionais; (2) do setor de “serviços educacionais” e (3) do governo

federal. (...) Não se trata, portanto, de algo imposto de fora para dentro ou de

uma pretensa autonomia dos empresários do setor educacional ou dos reitores

das universidades públicas, mas de um compartilhamento de concepções e de

projetos, de políticas governamentais estabelecidas em parceria com esses

organismos (local e internacional) através da adequação da educação à nova

fase de acumulação do capital (LIMA, 2011, 43).

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A indecente tutorização do trabalho e vida docente

Nesta seção, destacam-se as dimensões da ressignificação das representações

dos papéis dos docentes e conformação de precárias identidades coletivas como tutores.

Assim, busca-se caracterizar a partir de observações etnográficas e do resultado de três

entrevistas semi-estruturadas, realizadas em Instituição de Ensino Privado, do interior

de São Paulo, no ano 2011, as principais dimensões de estranhamento e alienação do

trabalho informacional, para tutores a distância.

Inicialmente, ao revisar referenciais de Marx (2004) para o estranhamento do

trabalho humano, temos o processo em que o produto do trabalho e o ato de produção

são externos e estranhados ao trabalhador, e lhes causa estranhamento de sua própria

essência humana. O trabalho passa a ter e ser na atividade vital o meio para suprir

necessidades e não um fim para suprimir a essência de sua existência humana (fantasias

e necessidades vitais).

Através do trabalho estranhado o homem engendra, portanto, não apenas sua

relação com o objeto e o ato de produção enquanto homens que lhe são

estranhos e inimigos; ele engendra também a relação na qual outros homens

estão para a sua produção e o seu produto, e a relação na qual ele está para

com estes outros homens (MARX, 2004, p.87).

Assim, as dimensões de alienação e estranhamento no e pelo trabalho virtual,

centram-se na relação social da produção e reprodução do conhecimento humano,

mediado pelos atuais tutores através de ferramentas tecnológicas. A faceta fundamental

deste processo é a dimensão de estranhamento do ato de produzir um pensamento que

desencadearia a aprendizagem, posto que não existe mais autonomia, liberdade crítica e

criativa a este ato do espírito, uma vez que ele passa a ser disciplinado, conformado e

vigiado pela lógica política econômica do capital.

Outra dimensão do estranhamento é a mercantilização do conhecimento

enquanto processo de desvalorização do componente humano, até então detentor e

produtor do conhecimento, o docente. A medição via recursos tecnológicos, inscreve

estes sujeitos históricos ao gradativo processo de transformarem-se em mercadorias com

menor valor, na medida em que cristalizam seus pensamentos em conteúdos

interacionais, os quais passam a ser trocados sem o reconhecimento de sua origem.

Conteúdos que passam paulatinamente a serem fetichizados exteriorizados em

detrimento dos profissionais, que agora, são contidos a minúsculas baias, ou em certas

ocasiões, a laboratórios compartilhados em tempo parcial, entre alunos/clientes e

docentes degradados.

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Assim, degradação está no controle do tempo de pensamento, nos procedimentos

de pensamento, na disciplina e vigilância nas formas de mediatizar um pensamento em

mensagem que aparentemente motive o interlocutor aluno, a não se enxergar tão e

verdadeiramente solitário diante de uma máquina. O controle via plataforma de

interação supostamente com perspectiva pedagógica, aponta para a dimensão do

armazenamento ilimitado de interações e conteúdos informacionais, os quais

possibilitarão no futuro, a composição de banco de dados de feedbacks automáticos, e

eliminará gradualmente o trabalho vivo desta fantasmagórica rede depositário virtual de

conhecimento e interações humanas, na qual a construção do conhecimento é mera

transferência na relação sinalagmática entre prestação dinheiro e contraprestação

“acesso à educação”.

Cabe salientar outras dimensões observadas em campo, como a perda da

autonomia na seleção dos conteúdos curriculares abordados, bem como na elaboração

de atividades práticas, além do enxugamento das matrizes curriculares. Portanto,

aponta-se para a fragmentação fordista no trabalho docente. Os reflexos indicam o fim

da auto-reflexão crítica sobre processos sociais, e completa extinção da articulação de

lutas sociais, a partir do ensino superior. O ensino superior configura-se nesse processo

tão somente um monopé, ensino que visa lucro, sem extensão e pesquisa.

Outras dimensões observadas na ressignificação do trabalho docente pelo

neoliberalismo é o rebaixamento das titulações de mestre e doutores que passam a ser

igualada a de especialistas, uma vez que quando contratados como “colaboradores”

tutores, recebem o mesmo salário da menor titulação, nova expressão da metamorfose

na degradação do trabalho docente, e conformação do cibertariado. Contudo, no

contexto regional analisado, para o grupo de aproximadamente 50 tutores, pela

inexistência de programas de pós-graduação (o mais próximo dista 30 quilômetros), o

efeito observado para o status social foi o inverso. Como todos os mestres e doutores

vieram de outras universidades (na maioria pública) e os especialistas foram formados

na própria instituição privada, a lógica foi que estes passaram a ser socializados como

iguais em titulação e reconhecimento acadêmico àqueles. Observou-se que os docentes

com maior titulação que não aceitaram essa equiparação no tratamento e no contrato de

trabalho foram demitidos.

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Quanto aos resultados da aplicação de três entrevistas semi-estruturadas, elas

permitiram captar as representações dos docentes5sobre as dimensões do trabalho de

tutoria. A caracterização do perfil dos professores degradados em tutores, dois são do

sexo masculino, com faixa etária entre 30 a 40 anos. Já a tutora está na faixa etária entre

20 e 30 anos. Priorizou-se esta amostra por se tratar de três situações distintas. Um tutor

exerce exclusivamente o tutoria semipresencial, um segundo a tutoria “home office” (a

domicílio), e o terceiro acumula o trabalho nas duas modalidades.

A tutoria semipresencial prevê a necessidade do profissional estar

presencialmente na instituição de ensino superior, disponível para interagir com os

alunos. No caso da tutoria “home office”, o tutor não tem a obrigação semanal de estar

na instituição, entretanto, necessita estar logado no ambiente diariamente em horários

pré-definidos pela instituição.

Em comum nos relatos destacados a seguir tem-se a representação da indefinição

das atribuições do profissional, que deixa de ser um professor para ser um funcionário

colaborador, mediador de conteúdo e monitor de atividades. Desta sorte, destacam-se as

dimensões do excesso de atividades como: correções de trabalhos, provas, TCC,

orientação de Estágio Supervisionado e orientações para alunos. Em alguns casos os

tutores acumulam mais de um semestre simultaneamente.

Das entrevistas destacam-se o primeiro trecho em que a ideologia dominante

busca estabelecer o diferencial entre a modalidade presencial e a distância, ao seduzir

pela ideia de que o curso a distância é mais fácil, quando e se oculta à degradação da

condição do docente transvestido em tutor:

[...] pouca valorização da função do tutor (isso ocorre na grande maioria das

instituições), a desorganização que existe em algumas instituições que

fornecem cursos a distância, o fato de que muitas vezes a EaD é vista como

uma modalidade de ensino mais fácil, e por isso, muitos alunos não se

esforçam e se dedicam como na modalidade presencial, etc (Tutor, faixa

etária 20 a 30 anos).

Outra dimensão da representação do tutor que trabalha nas duas modalidades é a

dificuldade que muitos encontram em delimitar tempo de descanso quando se trabalha

em casa, lócus de descanso e reprodução da força de trabalho:

5A identidades dos profissionais entrevistados serão preservadas diante da vigilância das Instituições sobre as opiniões dos profissionais que trabalham nesta modalidade de educação.

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Como já relatei, trabalhar em casa tem seus benefícios, pois a pessoa pode ser

organizar como bem entender, realizando a tutoria nos horários que lhe forem

mais convenientes, etc.. No entanto, deve-se tomar cuidado com essa

situação, visto que muitas vezes a pessoa que atua como tutor home office

também possui outro emprego, e o momento dedicado para a tutoria home

office acaba tomando o lugar do momento que seria dedicado ao descanso.

Conheço muitas pessoas que ficam viciadas em tutoria e entram no ambiente

virtual a todo instante querendo responder a dúvida dos alunos, e não

conseguem desligar. Eu sinceramente não acho isso nada saudável (Tutor,

faixa etária 20 a 30 anos).

A representação do trabalho enquanto vício reportaria ao aspecto negativo da

atividade, reforça a percepção do trabalho alienado, no qual o profissional não se

realiza.

Outras representações relatadas pelo tutor home office é o número reduzido de

profissionais envolvido nesta modalidade e o acúmulo de funções a ser desempenhada

pelo profissional.

[...] devido à complexidade que envolve a Gestão no modelo educacional à

distância, considero reduzida a equipe de pessoas envolvidas neste processo,

ou seja, há uma demanda de atribuições bastante significativa para os

profissionais que atuam neste modelo (Tutor, faixa etária 30 a 40 anos).

Por último, a representação do tutor que trabalha somente com atividade

semipresencial caracteriza o processo da fragmentação do trabalho docente subsumido a

maior controle e vigilância em todas as interações realizadas no ambiente virtual de

trabalho.

Há rotina estabelecida por contratado de tempo indeterminado com oito horas

de trabalho diárias. Em geral ocupa-se um período da manhã e toda à tarde.

Diante de do excesso de alunos e das atividades a serem orientadas, sempre

levamos trabalho para os finais de semana. Tento evitar os trabalhos aos

domingos, mas quando estamos em época de correções, não há como não ser

feito. Não posso prejudicar os alunos. Isto prejudica muito a organização da

minha vida particular.

Por se tratar de um trabalho intelectual e manual, em que se pensa muito em

reelaborar conteúdos em mensagens assimiláveis pelos alunos e por outro

lado fica-se o dia todo martelando o teclado, procuro fazer intervalos.

Imagine ficar oito horas em frete a uma tela de computador, sem liberdade

para pensar, sendo vigiado e disciplinado a produzir e interagir. Tendo todas

as suas atividades registradas, principalmente as interações. É muito tenso.

Às vezes se criam conflitos com alunos que interpretam de forma equivocada

uma mensagem (Tutor, faixa etária 30 a 40 anos).

Cenas cotidianas da vida tutoriada: da insaúdavel condição de trabalho real no

mundo virtual

Neste último item apresentam-se resultados das três entrevistas semi-

estruturadas a partir da orientação teórica da psicopatologia dejouriana, sobre dimensões

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de sofrimento, angústias e contradições enfrentadas pelos docentes na condição da

degradação de suas identidades enquanto professores tutores.

Nesta aproximação inicial aos fundamentos teóricos de Christophe Dejours,

formado em psicanálise e psicossomática, salienta-se que suas pesquisas e escritos sobre

as diferentes dimensões do sofrimento no trabalho permitem interpretações que

desnaturalizam as reações frente às condições de degradação no mundo do trabalho. O

texto “Por um novo conceito de Saúde” (DEJOURS, 1986) introduz as categorias de

análise que apontam para dissociação entre o estado de bem estar idealizado e os relatos

de sofrimento dos trabalhadores sobre suas rotinas. Três são as dimensões do

sofrimento, o fisiológico, quando o funcionamento do organismo está desequilibrado

por diversos fatores, o psicossomático, quando há abalos nas “relações que existem

entre o que se passa na cabeça das pessoas e o funcionamento de seus corpos”

(DEJOURS, 1986, p. 2) e por último, a psicopatologia do trabalho, ou seja, justamente

para os efeitos deletérios do trabalho, da organização, da divisão e dos conteúdos de

tarefas, que levam ao não reconhecimento do trabalhador na essência das atividades e

posterior adoecimento. Em contrapartida, reforça-se a concepção de Marx (2004) do

trabalho enquanto processo mediador e construtor da essência humana. Trabalho não

alienante é um elemento fundamental para vida humana.

Em outro escrito (DEJOURS, 1992) é aprofundado os estudos sobre os efeitos

do modelo taylorista aos trabalhadores. Dejours sustenta a ruptura no aparelho mental

com a supressão da dimensão intelectual das atividades a serem executadas, na

formação do “operário-macado de Taylor”.

Uma vez conseguida a desapropriação do know-how, uma vez desmantelada

a coletividade operária, uma vez quebrada a livre adaptação da organização

do trabalho às necessidades do organismo, uma vez realizada a toda poderosa

vigilância, não restam senão corpos isolados e dóceis, desprovidos de toda

iniciativa. A última peça do sistema pode ser introduzida sem obstáculos: é

preciso adestrar, treinar, condicionar esta força potencial que não tem mais

forma humana. [...] É precisamente isto que deve ser estudado pela

psicopatologia do trabalho; o que acontece com a vida psíquica do

trabalhador desprovido de sua atividade intelectual pela organização

científica do trabalho? (DEJOURS, 1992, p. 42 e 43).

Nesse sentido busca-se apresentar trechos de relatos dos tutores que indiquem para

potenciais reverberações à saúde pela intensificação de atribuições. A tutora que exerce

trabalho presencial na instituição e trabalho home officie aponta para a sobrecarga de

trabalho para a função de tutor, que para além da atribuição pedagógica, passa a ser uma

espécie de contato imediato para resolução problemas de todas as naturezas entre os

alunos e a instituição. Para atividade home office a entrevistada reforça o primeiro

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relato, ao confirmar dificuldades em se conciliar em um mesmo ambiente trabalho e de

descanso.

Outra angústia é em relação a própria organização da educação a distância,

que está no começo e que em muitos estabelecimentos de ensino ainda não se

estruturou adequadamente. Cria-se uma impressão de que é mais fácil

trabalhar a distância, supervisionar ou mesmo gerenciar, no entanto, para que

isso ocorra é necessário o trabalho e o diálogo constante das partes

envolvidas, e quando isso não ocorre, todo o processo é prejudicado, e como

é o tutor quem trabalha e responde ao aluno, é sempre ele quem irá sofrer

com as reclamações.

Meu bem estar psíquico e social é afetado primeiramente por conta da tutoria

que exerço em casa, visto que uso as horas que normalmente estaria

descansando, passeando, final de semana, feriado, etc., para cumprir os

prazos de correção das atividades e responder aos alunos. Na tutoria

presencial o bem-estar também é prejudicado por conta dos prazos de

correção: você começa a ser cada vez mais rápido e a executar seu trabalho

de forma cada vez mais automática, deixando a desejar no quesito: qualidade

de interação e auxiliar aluno na construção do conhecimento (Tutor, faixa

etária dos 20 aos 30 anos).

O tutor que exerce somente atividade a domicílio reforça a ansiedade pela

sobrecarga de trabalho.

Na realidade, preocupo-me sempre em atender prontamente às demandas. Isso, às

vezes em momentos de acúmulo de atribuições, há uma sensação de ansiedade

Por último o tutor em caráter exclusivo na instituição apresenta um panorama

indicativo para possibilidade do adoecimento dos docentes, principalmente nos

momentos em que finalizam os bimestres, em que há maior acúmulo de correções de

trabalhos.

Como trabalhamos em um laboratório de informática improvisado na

instituição, lembra-se muito um telemarkting ou linha de produção, são

aproximadamente 50 computadores distribuídos por três bancadas. A sala

tem vitrôs, mas sempre estão encobertos por cortinas, o ambiente sempre está

com ar condicionado ligado. Então a única “janela” são os monitores ou os

espaços entre os monitores.

No início havia muita ansiedade pelas atividades a serem desenvolvidas,

contudo, quando se estabeleceu uma rotina semestral, em que basicamente há

maior demanda pelo trabalho nas correções, é notável a fadiga que muitos

profissionais sentem. Muitos ficam gripados, com dores nas costas ou mesmo

estafados mentalmente. O trabalho poderia ser remunerado por peça, e não

por hora aula, uma vez que se trabalha muito mais neste período.

Procuro desligar aos finais de semana. Outra estratégia de sobrevivência é

que se acabam automatizando alguns procedimentos, acredito que seja até

uma defesa do organismo frente ao excesso de trabalho (Tutor, faixa etária 30

a 40 anos).

Destaca-se do relato a estratégia de automatizar procedimentos, muito próximo a

concepção de alienação estranhamento de Marx (2004) como tentativa de fugir do

trabalho degradante. Em comum aos três trechos destacados estão dimensões de

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ansiedade em relação ao ambiente de trabalho e a atividade intelectual alienante. Há

contribuições Dejours (1992) no sentido de se pensar como essas ansiedades afetam o

funcionamento do aparelho mental, esquematicamente ele apresenta três possibilidades

de ansiedade:

a) Ansiedade relativa à degradação do funcionamento mental e do equilíbrio

psicoafetivo [...]

b) Ansiedade relatia à degradação do organismo [...]

c) Ansiedade gerada pela “disciplina da fome”. (DEJOURS, 1992, p. 77 e 78).

Assim, há necessidade de se aprofundar os estudos para se captar nuances das

dimensões da ansiedade gerada pelo aparato tecnológico na conformação de educadores

e alunos inscritos na modalidade a distância. Portanto, pode-se inferir de forma

preliminar que ao se analisar o trabalho a distância na instituição e a domicílio, pela

perspectiva djoriana, existe o abalo ao bem-estar psíquico, com a desorganização da

vida privada, e o abalo ao bem-estar social, com a pouca autonomia na organização das

atividades do trabalho. Forjam-se uma categoria de infoproletários mediadores ou

orientadores de conteúdos e atividades, docentes degradados, sem autonomia de serem

si mesmos, verdadeiros educadores com individualidades e postura crítica.

Conclusão

No presente artigo buscou-se apresentar discussões referentes ao

aprofundamento do projeto neoliberal para educação superior a distância. A partir de

referenciais sociológicos problematizaram-se os efeitos de degradação nas condições de

vida e trabalho dos profissionais envolvidos. Inicialmente foi realizada revisão

bibliográfica sobre a conjuntura da comercialização do ensino superior a distância. A

partir dos resultados da etnografia e aplicação de três entrevistas semi-estruturadas, para

profissionais tutores de uma instituição de ensino superior, no ano 2011, apontou-se nos

relatos experiências de estranhamento e alienação na atividade informacional. Outra

importante dimensão do processo é a ressignificação dos papéis historicamente

construídos, como o de docência, e a formação da precária identidade coletiva, pela

indefinida atividade atribuída aos tutores. Por fim, apontou-se para dimensões da

discussão dejoriana, das possíveis psicopatologias emergentes do mundo trabalho de

tutoria virtual.

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