o ensino-aprendizagem do gênero resenha

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  • 7/26/2019 O Ensino-Aprendizagem Do Gnero Resenha

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    CERVERA, Maria Christina da S. F.; BUZZO, Marina. O ensino-aprendizagem do gnero resenha ... 23Revista Horizontes de Lingstica Aplicada, v. 8, n. 1, p. 23-39, 2009.

    O ensino-aprendizagem do gnero resenhacrtica na universidade

    Maria Christina da Silva Firmino Cervera (CERVERA, Maria Christina da S. F.)Mestre em Lingstica Aplicada pela Pontifcia Universidade Catlica de So Paulo PUC-SPProfessora da Graduao na Universidade Nove de Julho [email protected]

    Marina Buzzo (BUZZO, Marina)Doutora na Pontifcia Universidade Catlica de So Paulo [email protected]

    ResumoCom aportes em didtica de lnguas de cunho interacionista sociodiscursivo, em que ognero considerado instrumento, Dolz e Schneuwly (1998), o objetivo deste artigo apresentar a anlise de uma resenha crtica inicial e final realizada por um alunouniversitrio, no que se refere s capacidades de linguagem, a partir de uma seqnciadidtica do gnero resenha crtica elaborada e inspirada em Machado, Lousada eAbreu-Tardelli (2004) e aplicada a universitrios. Os resultados mostram que trabalhar a

    produo de resenhas crticas acadmicas, com uma seqncia didtica, pode ser um

    meio de reflexo e apropriao do gnero pelos alunos.

    Palavras-chave: ensino-aprendizagem, interacionismo sociodiscursivo, gnero,sequncia didtica, resenha crtica.

    AbstractBased on language teaching from a socio discursive interactionist perspective, wheregenre is considered an instrument, according to Dolz and Schneuwly (1998), the

    objective of this article is to present and analyze language usage in initial and finalcritical reviews written by a college student. A critical review genre didactic sequence,based on Machado, Lousada and Abreu-Tardelli (2004), was administered to thestudent. The results show that following a didactic sequence in teaching-learning how towrite academic critical reviews offers students the opportunity to reflect upon and

    become proficient in this genre.

    Keywords: teaching-learning, socio-discursive interactionism, genre, didactic sequence,critical review.

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    CERVERA, Maria Christina da S. F.; BUZZO, Marina. O ensino-aprendizagem do gnero resenha ... 24Revista Horizontes de Lingstica Aplicada, v. 8, n. 1, p. 23-39, 2009.

    Introduo

    No final da dcada de 90, em decorrncia do processo de privatizao do ensinosuperior levado a cabo pelo governo e da exigncia do mercado de trabalho em requerermo-de-obra especializada, houve um grande aumento de instituies particulares. Esse

    movimento de expanso e de maior acesso ao ensino superior contribuiu para a entradana universidade de alunos provenientes do ensino mdio, em especial do pblico queainda apresenta problemas no uso da linguagem, principalmente da linguagem escritamais formal, conforme atestam as inmeras avaliaes realizadas nos ltimos anos.

    Os problemas apresentados pelos alunos de primeiro ano do ensino superiorparticular noturno decorrem de inmeros fatores, que vo desde a sobrecarga detrabalho que tm durante o dia, o que dificulta uma dedicao maior ao curso, at aformao na educao bsica pblica, que faz com que os alunos cheguem universidade com defasagens de aprendizagem de ordens diversas.

    Assim, necessrio considerar que profissionais de diferentes reas defrontam-se com srios problemas em seu trabalho, quando se deparam com a exigncia de teremcapacidades de leitura e de produo de textos bem desenvolvidos (MACHADO;LOUSADA; ABREU-TARDELLI, 2004, p. 13) problema que correntemente posto

    por meus alunos.Nesse sentido, um dos grandes entraves para a produo escrita a falta de

    familiaridade com o saber dizer e o saber fazer do meio acadmico, isto , com asprticas de linguagem que o constituem. Os gneros apresentam caractersticascomplexas e, para sua produo, preciso que sejam desenvolvidas mltiplascapacidades que vo alm da mera organizao ou uso das formas gramaticais do

    portugus padro.Ao apontar para a preocupao com o ensino de gneros na academia, um dos

    efeitos observados a emergncia de pesquisas sobre esse tipo de ensino e anecessidade de elaborao de novos materiais didticos mais adequados a essademanda. Vale ressaltar que, no Programa de Estudos Ps-Graduados em LingusticaAplicada e Estudos da Linguagem, da Pontifcia Universidade Catlica de So Paulo(LAEL-PUC/SP), j se desenvolveram inmeras pesquisas sobre gneros e elaboraode novos materiais didticos destinados ao seu ensino e aprendizagem. Para os

    pesquisadores que atuam ou atuaram nessa linha, o ensino-aprendizagem de leitura e deproduo de textos, bem como os materiais didticos usados nesse mbito, devemcentrar-se no estudo de gneros textuais, considerando as diferentes formas de suarealizao lingustico-discursiva, e para isso so relevantes pesquisas que se voltem

    para a concepo e avaliao de instrumentos capazes de mobilizar e possibilitar o

    desenvolvimento das capacidades de linguagem. Segundo Machado e Cristvo (2007),inmeros pesquisadores que tm mostrado a importncia de serem ensinados diferentesgneros na escola e na universidade, propondo, como resultado de suas pesquisas,materiais didticos adequados, a exemplo das pesquisas desenvolvidas pelo GrupoALTER1(Anlise de Linguagem, Trabalho Educacional e suas Relaes)de pesquisado CNPq. Esse grupo coordenado pela Prof Dr Anna Rachel Machado e Prof DrAna Maria de Mattos Guimares e rene pesquisadores de sete universidades

    brasileiras, uma portuguesa e uma Argentina, doutorandos, mestrandos e bolsistas deIC, tendo como objetivo colaborar para o desenvolvimento de um quadro terico-

    1O registro do Grupo Alter no CNPD encontra-se disponvel em:. Acesso em: 17 out.2007.

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    metodolgico, no mbito da teoria do interacionismo sociodiscursivo (BRONCKART,2003b, ss), capaz de levar a compreender as relaes entre linguagem e trabalho e, maisespecificamente, entre linguagem e trabalho educacional.

    Dessas pesquisas, vm resultando materiais didticos denominados sequnciasdidticas de gneros e reflexes tericas que podem subsidiar a sua elaborao. As

    bases tericas desses materiais encontram-se nos trabalhos desenvolvidos pela equipe daDidtica de Lnguas da Faculdade de Educao e Psicologia da Universidade deGenebra, principalmente em Dolz e Schneuwly (1998) e Pasquier e Dolz (1996), comaportes terico-metodolgicos de Bronckart (2003a, 2003b, 2004, 2006, dentre outros).De acordo com esse grupo, uma sequncia didtica um conjunto de atividadesescolares organizadas, de maneira sistemtica, em torno de um gnero textual oral ouescrito (DOLZ; NOVERRAZ; SCHNEUWLY, 2004, p. 97).

    Pressupostos tericos

    O interacionismo sociodiscursivo (doravante ISD), corrente da psicologia delinguagem, que tem como base pressupostos vygostkyanos, prope ser consideradocomo um elemento para a construo da cincia do humano, uma cincia que nocompartimentaliza os saberes, sem ser especificamente s psicolgica ou s sociolgicaou lingstica. Em relao a essa ltima, o ISD, ao retomar criticamente teoriaslingsticas, privilegia as que reconhecem a primazia da dimenso social da linguagem,especialmente a teoria bakhtiniana sobre gneros.

    Didtica de lnguas

    Desde o incio da dcada de 1980, a equipe de Didtica de Lnguas da Faculdade

    de Psicologia e Cincias da Educao da Universidade de Genebra vem se dedicando ainvestigar temas relacionados didtica do francs como lngua materna. Como maioresexpoentes dessa equipe hoje em dia,2figuram o prprio Bronckart, Schneuwly e Dolz.Bernard Schneuwly, professor dessa faculdade, atualmente se dedica a elaborar

    princpios e mtodos em didtica do francs. Joaquim Dolz, mestre de ensino e depesquisa na mesma instituio, volta-se para estudar o ensino-aprendizagem daproduo de gneros textuais orais e escritos. Assim, apresentaremos, na prxima seo,alguns dos aspectos definidos por esses autores como essenciais para o trabalho efetivoem sala de aula, tais como o papel do ensino no desenvolvimento, o gnero como focodo ensino, a distino entre texto e gnero, e o gnero como instrumento.

    Qual o papel do ensino no desenvolvimento?

    Quanto ao papel do ensino no desenvolvimento humano, para Dolz, Noverraz eSchneuwly (2004), a atividade de ensinar deve se pautar em critrios de tomada dedecises que levem em conta a validade didtica para cada turma e para a situaodiscursiva, considerando-se as possibilidades efetivas de gesto do ensino, a coernciados contedos ensinados, assim como os ganhos de aprendizagem (DOLZ;

    NOVERRAZ; SCHNEUWLY, 2004, p. 67).

    2

    importante registrar que a Escola de Didtica, uma linha terica francfona sobre a didtica dedisciplinas escolares, cujos nomes fundadores so Chevelard, Brousseau, Develay e Halt, representa umadas origens tericas dessa equipe, que atualmente se ligam diretamente ao ISD.

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    CERVERA, Maria Christina da S. F.; BUZZO, Marina. O ensino-aprendizagem do gnero resenha ... 26Revista Horizontes de Lingstica Aplicada, v. 8, n. 1, p. 23-39, 2009.

    Para essa tomada de decises ser produtiva, preciso que se tenham muitoclaros os objetivos que se quer atingir. Na viso desses autores, inspirando-se em umaconcepo interacionista, deve-se priorizar o funcionamento comunicativo dos alunos,ou seja:

    prepar-los para dominar a lngua em situaes variadas, fornecendo-lhesinstrumentos eficazes; desenvolver, nos alunos, uma relao com o comportamento discursivoconsciente e voluntria, favorecendo estratgias de auto-regulao;ajud-los a construir uma representao das atividades de escrita e de fala emsituaes complexas, como produto de um trabalho e de uma lenta elaborao.(DOLZ; NOVERRAZ; SCHNEUWLY, 2004, p. 49)

    Os gneros como instrumentos e o modelo de produo de textos

    A atividade humana concebida como tripolar,pois envolve ao mesmo tempo

    um sujeito (primeiro plo), que age sobre objetos ou situaes (segundo plo),utilizando objetos especficos, socialmente elaborados (terceiro plo), chamados deinstrumentos, conforme resgata Schneuwly (1994/2004, p. 23) dA ideologia alem(MARX; ENGELS, 1845/2002).

    Reportando-se noo de gnero discursivo, conforme definido por Bakhtin(2003),3Schneuwly (2004) defende a tese de que gnero de texto um instrumento,no sentido de que pode constituir um fator de desenvolvimento das capacidades delinguagem as de ao, as discursivas, as lingstico-discursivas , considerando-se queele medeia a atividade de ensino-aprendizagem de produo de textos. Afinal, osinstrumentos encontram-se entre o indivduo que age e o objeto sobre o qual ou asituao na qual ele age (SCHNEUWLY, 2004, p. 23).

    No que se refere definio do contedo ou referente textual, deve-se levar emconta um conjunto de conhecimentos do mundo fsico e do social que soexplicitamente evocados e que so provenientes do conjunto de conhecimentosestocados e organizados na memria do produtor do texto.

    Os problemas da transposio didtica e as seqncias didticas

    Em relao aos procedimentos de transposio didtica, Bronckart, citado porMachado (2001), assinala que a anlise da atividade educacional deve constituir-secomo um passo inicial, incidindo sobre os trs nveis constitutivos dessa atividade: o dosistema educacional (conjunto de instrues oficiais e de textos que expressam as

    expectativas da sociedade); o dos sistemas de ensino (instituies escolares que sediferenciam em funo da idade, nvel cognitivo suposto e estatuto scio-econmicodos alunos); e o dos sistemas didticos (estruturas particulares constitudas pelo

    professor, pelos alunos, pelos objetos de conhecimento e pelas relaes entre esses trselementos). O ponto mais especfico do processo de transposio didtica para o ensinode produo de textos, tal como visto pelos pesquisadores de Genebra da Didtica deLnguas, a construo da seqncia didtica (doravante SD). A noo de SD utilizada

    para esta pesquisa repousa na estabelecida por Dolz e Schneuwly (1998), e Dolz,Noverraz e Schneuwly (2004).

    3No vamos nos aprofundar, entretanto, na noo de gnero (discursivo) em Bakhtin, por termosassumido, neste trabalho, a noo de gnero de texto para o ISD (conforme j justificado).

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    CERVERA, Maria Christina da S. F.; BUZZO, Marina. O ensino-aprendizagem do gnero resenha ... 27Revista Horizontes de Lingstica Aplicada, v. 8, n. 1, p. 23-39, 2009.

    Para Schneuwly (2004,p. 97), sequncia didtica um conjunto de atividadesescolares organizadas, de maneira sistemtica, em torno de um gnero textual oral ouescrito. A SD tem a finalidade de ajudar os alunos a dominar melhor um gnero detexto, o que vai lhes permitir escrever ou falar de maneira adequada em uma situao decomunicao. A estrutura dessa SD constituda por trs etapas inter-relacionadas: na

    primeira, h produo de textos pelos alunos com o objetivo de serem avaliadas ascapacidades iniciais e identificados os problemas; na segunda, so desenvolvidosmdulos, nos quais os alunos desenvolvem atividades direcionadas para a apropriaodas caractersticas fundamentais do gnero estudado; na terceira, h uma produo final,na qual os alunos avaliam e revisam suas produes iniciais, guiados por uma ficha decontrole, construda individual ou coletivamente durante os mdulos.

    Para a elaborao de uma seqncia didtica, que se julgue eficiente no processode ensino-aprendizagem, h necessidade de se construir um modelo didtico do gneroque se queira ensinar, conforme j o dissemos. O modelo didtico de gneroguia aesdo professor-pesquisador e evidencia o que pode ser ensinvel por meio da seqnciadidtica. O modelo descritivo e apreende o fenmeno complexo que a aprendizagem

    de um gnero, no nosso caso, resenha crtica acadmica.

    Modelo didtico de gnero

    O ensino de leitura e produo de gnero de textos em lngua materna e lnguaestrangeira, centrado na noo de gneros, tem sido bastante difundido no meiocientfico e educacional. A construo de um modelo didtico de gnero permitiria avisualizao das dimenses constitutivas do gnero e a seleo das que podem serensinadas e das que so necessrias para um determinado nvel de ensino. Dolz eSchneuwly (1998) afirmam que o modelo didtico precisa apresentar duascaractersticas essenciais: a de constituir-se numa sntese prtica que se destina aorientar as intervenes docentes e a de esclarecer as dimenses ensinveisdesenvolvidas nas seqncias didticas. Dessa forma, o modelo didtico facilita oconhecimento adequado do funcionamento dos gneros.

    Nesse sentido, o modelo didtico do gnero de texto, a ser apropriado, oresultado da descrio provisria das principais caractersticas de um gnero, voltadasao ensino, ou seja, das caractersticas ensinveis numa dada situao didtico-

    pedaggica, no significando que seja um modelo perfeito do ponto de vista terico,mas sim eficiente para os objetivos didticos a serem alcanados.

    Bronckart (2003a), por sua vez, aponta para um problema que ocorre nosprocedimentos metodolgicos na utilizao de um gnero em sala de aula. O autor

    destaca a diversidade ilimitada e a variabilidade concreta dos gneros, o que acarretaproblemas metodolgicos centrais na classificao e identificao das caractersticas deum gnero. Esse autor acredita que uma forma para uma possvel classificao seriaidentificar os gneros existentes na interao social e selecionar um corpuspertinente e,a partir das particularidades encontradas (pr-concebidas socialmente), poder-se-iachegar a um primeiro critrio para a identificao de um gnero: as caractersticas maiscomuns aceitas pela sociedade para sua definio. As caractersticas encontradas,fossem semelhantes ou diferentes, viriam a favorecer a construo do modelo didticoque implicaria as trs capacidades correspondentes aos trs nveis do folhado textual domodelo de produo de Bronckart, que so as capacidades de ao, as capacidadesdiscursivas e as capacidades lingstico-discursivas.

    Finalmente, necessrio salientarmos que construir um modelo didtico de umdeterminado gnero no significa assumir uma posio determinista e mecnica,

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    CERVERA, Maria Christina da S. F.; BUZZO, Marina. O ensino-aprendizagem do gnero resenha ... 28Revista Horizontes de Lingstica Aplicada, v. 8, n. 1, p. 23-39, 2009.

    considerando um determinado conjunto de caractersticas como um padro rgido einflexvel a ser seguido pelos agentes produtores; trata-se, antes, de buscar um modelo

    provisrio, com o objetivo de guiar as atividades didticas com a finalidade dedesenvolver capacidades dos alunos para a produo desse gnero.

    Caractersticas gerais do gnero resenha crtica acadmica e modelo didticocorrespondente

    Em termos de constituio da situao de produo, Machado afirma que asrepresentaes do produtor de uma resenha crtica acadmica so:

    X no papel social de especialista em uma determinada rea do conhecimento,realiza uma ao de linguagem, na modalidade escrita, que vai materializar-seem um texto a ser publicado em uma revista especializada de sua rea, quecircula na instituio acadmica. X dirige-se a receptores ausentes, tambm no

    papel social de especialistas da mesma rea, com dois objetivos: em primeiro

    lugar, o de faz-los conhecer os aspectos fundamentais de uma obra recm-lanada por outro especialista e, em segundo, o de convencer esses destinatriossobre a validade de seu posicionamento (na maioria das vezes positivo) emrelao referida obra. (MACHADO, 2005, p. 253)

    A atividade de leitura pressuposta para a produo de uma resenha crticaacadmica implica, portanto, a interpretao e a sumarizao dos contedos. Nesse

    processo, h mobilizao de contedos de outras obras pelo resenhista, o que lhe dcondies de estabelecer comparaes e de efetuar avaliaes. Ele deve considerarainda que pode estar posicionando-se em relao a uma questo controversa, pois outrosleitores podem ter opinio contrria sua. Nesse caso, faz-se importante apresentar

    argumentos que validem seu posicionamento, procedimento muito prprio da esferaacadmica.

    Conforme Bronckart (2003b), como j vimos, a infraestrutura do texto constituda peloplano global, tipos de discursos e tipos de seqncias textuais.

    Metodologia

    A sequncia didtica de resenha crtica acadmica aplicada

    A sequncia didtica aplicada foi adaptada da sequncia didtica proposta porMachado (2004), para o trabalho com resenhas crticas, de maneira que pudesse aplic-la em nosso contexto. Priorizamos alguns dos aspectos do gnero resenha crticalevantados por Machado, Lousada e Abreu-Tardelli (2004a) em nossa seqncia, umavez que no disporia de tempo suficiente para tratar de todos: plano global mnimo,insero de vozes por verbos de dizer e adjetivos avaliativos, que se mostravam

    problemticos para os alunos em textos j desenvolvidos por eles em aulas precedentes.O artigo de opinio Sempre leia o original, de Stephen Kanitz, publicado na

    revista Vejade 14 de maio de 2003, foi selecionado para dar incio a essa seqnciadidtica. Vale ressaltarmos que esse gnero circula muito no contexto universitrio e

    busca, sobretudo, convencer o leitor sobre o tema abordado.

    A seqncia didtica proposta desenvolveu-se em 14 aulas (de 90 minutos cada),das quais as duas primeiras foram dedicadas apresentao, para os alunos, das linhas

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    CERVERA, Maria Christina da S. F.; BUZZO, Marina. O ensino-aprendizagem do gnero resenha ... 29Revista Horizontes de Lingstica Aplicada, v. 8, n. 1, p. 23-39, 2009.

    gerais do trabalho que seria desenvolvido com eles sobre o gnero resenha crticaacadmica.

    A Tabela 1 a seguir apresenta a seqncia adaptada e aplicada.

    Modulo Objetivos Durao

    Apresentao Entender, a partir da explicao do professor, em linhas

    gerais, o trabalho a ser realizado com o gnero resenhacrtica acadmica, seu objetivo e uso.

    2 aulas(90

    minutos)

    Oficina 1

    Levantamento dedados sobre o

    gnero em estudo

    Conhecer a definio de resenha no dicionrio. Verificar se essa definio suficiente para se entender

    o que uma resenha.

    Ler o artigo de opinio Sempre leia o original, deStephen Kanitz, publicado na revista Vejade 14 demaio de 2003.

    Produzir uma resenha crtica temtica inicial sobre umtexto dado.

    2 aulas(90

    minutos)

    Oficina 2Diferenciando o

    resumo daresenha

    Conhecer a definio de resumo no dicionrio ecompar-la definio de resenha j apresentada, paradiferenciar uma da outra.

    Ler e comparar textos que so resumos e outros que soresenhas.

    Verificar o uso de adjetivos avaliativos em resenhas. Distinguir um bom resumo de um mau resumo. Distinguir uma boa resenha de uma resenha que

    apresente problemas, principalmente quanto aoposicionamento do resenhista.

    2 aulas

    (90minutos)

    Oficina 3Resenhas em

    diferentessituaes deproduo

    O plano global de

    uma resenha

    Conhecer e identificar os vrios tipos de resenha namdia impressa: resenha de livros, de filmes, de CDs.

    Identificar o plano global de uma resenha. 2 aulas(90

    minutos)

    Oficina 4A expresso dasubjetividade do

    autor

    Identificar e reconhecer os adjetivos avaliativos doautor em relao avaliao da resenha.

    2 aulas(90

    minutos)

    Oficina 5Procedimentos deinsero de vozes

    Marcaslingsticas dodistanciamento

    entre autor e

    resenhista

    Entender o uso dos verbos de dizer das aes do autordo texto a ser resenhado.

    Entender os recursos lingsticos de distanciamento:para o autor, segundo o autor, etc.

    2 aulas(90

    minutos)

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    CERVERA, Maria Christina da S. F.; BUZZO, Marina. O ensino-aprendizagem do gnero resenha ... 30Revista Horizontes de Lingstica Aplicada, v. 8, n. 1, p. 23-39, 2009.

    Oficina 6Elaborao de

    uma novaresenha do texto

    inicial

    Elaborar uma nova resenha do texto inicial, observandoo que foi estudado ao longo da SD. 2 aulas

    (90minutos)

    Tabela 1: Seqncia didtica de resenha crtica acadmica adaptada e aplicada.

    Resultados

    O ponto de partida da sequncia aplicada o artigo de opinio Sempre leia ooriginal, de Stephen Kanitz. Reproduzimos, na Tabela 2 abaixo, o plano global doartigo de opinio trabalhado, como objeto da resenha crtica:

    Seo Ponto de vista

    Ttulo

    Sempre leia o original

    Olho Na prxima aula em que seu professor fizer o resumo de umlivro s, ou lhe entregar uma apostila mal escrita, levante-se

    discretamente e v direto para a biblioteca

    Plano global

    1

    Uma greve geral dos professores alguns anosatrs teve uma conseqncia interessante.Reintroduziu, para milhares de estudantes, o valoresquecido das bibliotecas. Os melhores alunosreadquiriram uma competncia essencial para omundo moderno voltaram a aprender sozinhos,como antigamente. Muitos descobriram quealguns professores nem fazem tanta falta assim.Descobriram tambm que nas bibliotecas esto os

    livros originais, as obras que seus professoresusavam para dar as aulas, os grandes clssicos, osautores que fizeram suas cincias famosas.

    Uma greve deprofessores

    Aconseqnciadessa greve: oretorno s

    bibliotecas

    A(re)aquisiode umacapacidadeimportante

    hoje em dia:aprendersozinho(autonomia)

    A(re)descobertados textosoriginais

    2

    Muitos professores se limitam a elaborar resumosmalfeitos dos grandes livros. Quantas vezes voc

    j assistiu a uma aula em que o professor pareciaestar lendo o material? Seria bem mais motivadore eficiente deixar que os prprios alunos lessem

    Os resumosmalfeitos dos

    professoresO professor

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    CERVERA, Maria Christina da S. F.; BUZZO, Marina. O ensino-aprendizagem do gnero resenha ... 31Revista Horizontes de Lingstica Aplicada, v. 8, n. 1, p. 23-39, 2009.

    os livros. Os professores serviriam para tirar asdvidas, que fatalmente surgiriam.

    como ummediador entrealunos e textosoriginais paradirimio de

    dvidas

    3

    Hoje, muitas bibliotecas vivem vazias. Pergunte aseu filho quantos livros ele tomou emprestado da

    biblioteca neste ano. Alguns nem sabero ondeela fica. Talvez devssemos pensar em construirmais bibliotecas antes de contratar mais

    professores. Um professor universitrio,ganhando 4.000 reais por ms ao longo de trintaanos (mais os cerca de vinte da aposentadoria),

    permitiria ao Estado comprar em torno de130.000 livros, o suficiente para criar 130

    bibliotecas. Seiscentos professores poderiamfinanciar 5.000 bibliotecas de 10.000 livros cadauma, uma por municpio do pas.

    A situao deociosidade das

    bibliotecasatualmente

    Aprobabilidadede avano, emuma viso deadministrador,

    nodeslocamentodoinvestimentoemcontratao demais

    professoresparainvestimentoem expanso

    de bibliotecas

    4

    Universidades so, por definio, elitistas, para aalegria dos cursinhos. Bibliotecas sodemocrticas, aceitam todas as classes sociais eetnias. Aceitam curiosos de todas as idades, setedias por semana, doze meses por ano. Bibliotecas

    permitem ao aluno depender menos do professore o ajudam a confiar mais em si.

    Acontraposioentre oelitismo dasuniversidadese a democraciadas bibliotecas

    Aconseqnciade menordependnciados alunos emrelao aos

    professores eincremento daautonomia

    5

    Nunca esqueo minha primeira visita a umagrande biblioteca, e a sensao de pegar nas mosum livro escrito pelo prprio Einstein, e logo em

    seguida o de clculo de Newton. Na poca, euqueria ser fsico nuclear.

    Relato deexperincia

    pessoal do

    autor combibliotecas

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    CERVERA, Maria Christina da S. F.; BUZZO, Marina. O ensino-aprendizagem do gnero resenha ... 32Revista Horizontes de Lingstica Aplicada, v. 8, n. 1, p. 23-39, 2009.

    6

    Infelizmente, livros nunca entram em greve paraalertar sobre o total abandono em que seencontram nem protestam contra a enorme faltade bibliotecas no Brasil. Visitei no ano passadouma escola secundria de Phillips Exeter, numa

    cidade americana de 30.000 habitantes, nodesconhecido Estado de New Hampshire. Osalunos me mostraram com orgulho a biblioteca daescola, de NOVE andares, com mais de 145.000obras. A Biblioteca Mrio de Andrade, da cidadede So Paulo, tem 350.000. A bibliotecriaamericana ganhava mais do que alguns dos

    professores, ao contrrio do que ocorre no Brasil,o que demonstra o enorme valor que se d s

    bibliotecas nos Estados Unidos.

    A comparaoentre as

    bibliotecas doBrasil e EUA

    A comparaoentre o ganhodos

    professorescom o dos

    bibliotecriosnorte-americanos

    7

    No quero parecer injusto com os milhares de

    professores que incentivam os alunos a ler livrose a freqentar bibliotecas. Nem quero que sejamsubstitudos, pois so na realidade facilitadores doaprendizado, motivam e estimulam os alunos aestudar, como acontece com a maioria dos

    professores do primrio e do colegial. Mas estesesto ficando cada vez mais raros, a ponto de setornarem assunto de filme, como ocorre emSociedade dos Poetas Mortos, com RobinWilliams.

    O rareamentode professoresqueincentivam aleitura e sofacilitadoresdaaprendizagem

    8

    Na prxima aula em que seu professor fizer oresumo de um livro s, ou lhe entregar umaapostila mal escrita, levante-se discretamente e vdireto para a biblioteca. Pegue um livro originalde qualquer rea, sente-se numa cadeiraconfortvel e leia, como se fazia 500 anos atrs.Voc ter um relato apaixonado, aguado, com osmelhores argumentos possveis, de um brilhante

    pensador. Voc vai ler algum que tinha deconvencer toda a humanidade a mudar uma formade pensar.

    A prescriode que osalunos devem

    buscar auxlioe recursos noslivros e no no

    professor

    9

    Um autor destemido e corajoso que estavacolocando sua reputao, e muitas vezes seupescoo, em risco. Algum que estava escrevendoapaixonadamente para convencer uma pessoa

    bastante especial: voc.

    A valorizaodos textosoriginais e dafigura do autor

    Tabela 2: O plano global do artigo de opinio, Sempre leia o original, de StephenKanitz, trabalhado como objeto da resenha crtica.

    Pode-se perceber, portanto, que, em relao s operaes de linguagemmobilizadas pelo autor, a opo pelo gnero artigo de opinio, pelo tipo de discurso quecombina a escolha pelo mundo conjunto com implicao e usando seqncias narrativas

    e argumentativas, pelos procedimentos de textualizao que englobam a coeso verbal enominal, bem como pelos procedimentos de conexo e modalizaes.

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    CERVERA, Maria Christina da S. F.; BUZZO, Marina. O ensino-aprendizagem do gnero resenha ... 33Revista Horizontes de Lingstica Aplicada, v. 8, n. 1, p. 23-39, 2009.

    Anlise da resenha

    A anlise foi feita a partir da comparao das Resenhas Iniciais (RI) e dasResenhas Finais (RF)de um mesmo aluno, nomeado como A1, a partir dos trs nveis

    de anlise:

    * plano global mnimo trabalhado (descrio tcnica, resumo e avaliaocrtica);

    * procedimentos de insero de vozes (usos de verbos de dizer);* uso de adjetivos avaliativos.

    Aluno 1

    Plano global mnimo trabalhado

    A1, em termos de plano global mnimo trabalhado, recupera os mesmoselementos de descrio tcnica tanto na RI quanto na RF ttulo e autor do texto-fonte:

    O autor do texto Leia sempre o original, Stephen Kanitz nos traz o fatode uma greve de professores que tinham o objetivo inicial, mas quetambm acarretou a tambm, uma outra conseqncia.

    (RI-A1)

    interessante ler o texto Leia sempre o original, de Stephen Kanitzpois ele faz um apelo a todos ns, para irmos nas bibliotecas, abuscarmos uma leitura mais profunda.

    (RF-A1)

    Em relao aos resumos das RI, A1 retoma os seguintes tpicos do texto-fonteapresentados na Tabela 3:

    O autor do texto Leia sempre o original StephenKanitz, nos traz o fato de uma greve de professoresque tinham o objetivo inicial, mas que tambmacarretou a tambm, uma outra conseqncia.

    A greve dos profes-sores

    Ele diz que os alunos decidiram estudar sozinhos,pois eles notavam que poderiam aprender muito mais,pois estavam buscando conhecimento na fonte,palavras vindas direto do autor.

    (Re)aquisio de u-ma capacidade im-

    portante hoje emdia: aprender sozi-nho (autonomia)

    E como seria interessante se os alunos fossem atrsde conhecimento e no tivessem a imagem do

    professor como aquele que faz tudo pronto, e sficar esperando. Temos poucas bibliotecas no Brasil e

    mesmo assim so poucas freqentadas, no se dnfase para o ensino no Brasil, no querem formar

    O professor comoum mediador entrealunos e textos ori-ginais para dirimi-

    o de dvidas

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    CERVERA, Maria Christina da S. F.; BUZZO, Marina. O ensino-aprendizagem do gnero resenha ... 34Revista Horizontes de Lingstica Aplicada, v. 8, n. 1, p. 23-39, 2009.

    pessoas inteligentes que saibam do seu direito e lutepor eles, formam pessoas conformistas e que sempreesperam um dos outros. [Foca novamente aautonomia, agora pelo seu lado negativo falta deinteresse em desenvolv-la. uma inferncia no

    autorizada do aluno.]

    A situao de ocio-sidade das biblio-tecas atualmente

    Como o autor diz: Infelizmente, livros nunca entramem greve, mas ns podemos mudar essa realidade,

    pois, os livros no falam, mas ns sim, e podemoscomear a mudar a partir de ns, convidando amigos,colegas, filhos, esposa, etc.

    A prescrio de queos alunos devem

    buscar auxlios noslivros e bibliotecase no no professor

    (Re)aquisio deuma capacidade im-

    portante hoje em

    dia: aprender sozi-nho(autonomia)(RI-A1)

    Tabela 3:Resenhas Iniciais do aluno A1 sobre tpicos do texto fonte.

    J na RF, A1 resgata um nmero maior de tpicos desenvolvidos no texto-fonteda RF, embora no sejam os mesmos em sua totalidade, como podemos perceber naTabela 4:

    interessante ler o texto Leia sempre o original deStephen Kanitz, pois ele faz um apelo a todos ns, parairmos nas bibliotecas, a buscarmos uma leitura mais

    profunda.

    A prescrio deque os alunosdevem buscarauxlios nos livrose bibliotecas e nono professor

    Lembra de uma greve de professores, que fez com queos alunos comeassem a estudarem sozinhos e o quantoeles viram que aprendiam mais deste modo.

    A greve dosprofessores

    (Re)aquisio deuma capacidadeimportante hoje emdia: aprendersozinho(autonomia)

    Ele muito feliz em comparar Brasil X EUA, pois noBrasil no h incentivo leitura, no h investimentoem construo de bibliotecas enquanto nos EUA, dadaa sua devida importncia.

    A comparaoentre as bibliotecas

    do Brasil e EUA

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    CERVERA, Maria Christina da S. F.; BUZZO, Marina. O ensino-aprendizagem do gnero resenha ... 35Revista Horizontes de Lingstica Aplicada, v. 8, n. 1, p. 23-39, 2009.

    O rareamento deprofessores queincentivam aleitura e sofacilitadores da

    aprendizagem

    Nos pede para que no aceite resumos mal feitos e sima buscarmos livros originais e lembrarmos de o quantofoi difcil para o autor se expressar e entender o que elediz para cada um.

    Os resumosmalfeitos dos

    professores

    A valorizao dostextos originais eda figura do autor(RF-A1)

    Tabela 4:Resenhas Finais do aluno A1 sobre tpicos do texto fonte.

    A1 mantm, da RI, apenas a prescrio de que os alunos devem buscar auxliosnos livros e bibliotecas e no no professor; a greve dos professores; e a (re)aquisio deuma capacidade importante hoje em dia: aprender sozinho (autonomia). Acrescentaquatro tpicos novos em relao RI (a comparao entre as bibliotecas do Brasil eEUA; o rareamento de professores que incentivam a leitura e so facilitadores daaprendizagem; os resumos malfeitos dos professores; e a valorizao dos textosoriginais e da figura do autor), o que demonstra que o aluno voltou ao texto-fonte antesde elaborar a RF, fazendo dela uma nova leitura.

    Observemos, agora, como A1 desenvolve sua avaliao tanto na RI quanto naRF:

    Leia sempre um bom livro, entre na histria e se deixe levar pois ele foiescrito para voc. (RI)

    interessante ler o texto Leia sempre o original de Stephen Kanitz,pois ele faz um apelo a todos ns, para irmos nas bibliotecas, abuscarmos uma leitura mais profunda.

    Ele muito feliz em comparar Brasil X EUA, pois no Brasil no hincentivo leitura, no h investimento em construo de bibliotecasenquanto nos EUA, dada a sua devida importncia. (RF)

    A1 optou, na RF, por dar incio ao texto com uma avaliao e a colocar outra nodecorrer dela. Percebe-se ainda que o segundo texto est mais coeso e traz duasavaliaes articuladas s informaes (e no num momento final), o que nos mostra queele conseguiu deglutir melhor o texto e assumir uma posio frente a ele. Entretanto,A1 no usou o final da RI, que, sendo uma frase de impacto, de conselho, concluiriamelhor o texto.

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    CERVERA, Maria Christina da S. F.; BUZZO, Marina. O ensino-aprendizagem do gnero resenha ... 36Revista Horizontes de Lingstica Aplicada, v. 8, n. 1, p. 23-39, 2009.

    Procedimentos de insero de vozes

    Em relao ao uso dos verbos de dizer, A1 usa, na RI, os verbos traz e diz:

    O autor do texto Leia sempre o original Stephen Kanitz, nos trazo fato

    de uma greve de professores [...]Como o autor diz: [...]Ele dizque os alunos decidiram estudar sozinhos [...]

    (RI-A1)Em RF, A1 usafazer um apelo, lembrar epedir:

    [...] pois ele faz um apelo a todos ns, para irmos nas bibliotecas, abuscarmos uma leitura mais profunda [...]Lembrade uma greve de professores [...]Nos pedepara que no aceite resumos mal feitos

    (RF-A1)

    Tanto na RI quanto na RF, A1 usa verbos que se referem s operaes de aode linguagem, mostrando que busca recuperar, em ambos, o efeito que Kanitz queratingir.

    Adjetivos avaliativos

    A1 no usa adjetivos avaliativos na R1, no entanto, na R2, faz uso deles(inclusive articula a um desses adjetivos o intensificador mais):

    interessante ler o texto Leia sempre o original de Stephen Kanitz,pois ele faz um apelo a todos ns, para irmos nas bibliotecas, abuscarmos uma leitura mais profunda.

    (RI-A1)Ele muito felizem comparar Brasil X EUA [...]

    (RF-A1)

    Isso se deve ao fato de que buscou fazer avaliaes na RF, o que no haviarealizado na RI. Nesse sentido, os adjetivos foram usados para incluir uma avaliaosubjetiva do resenhista, fonte desse julgamento.

    Consideraes finais

    importante comentar que o trabalho com uma SD inicia-se a partir da escolhade um determinado gnero a ser ensinado, do que decorre a construo de um modelodidtico que rena as caractersticas mnimas observadas em exemplares desse gneroque possam ser comuns numa dada situao e momento especficos. Como assim ofizemos, a proposta de ensino do gnero resenha crtica revelou aspectos importantes nodesenvolvimento das capacidades de linguagem.

    O esforo de identificar, descrever e classificar gneros solicitados na academia

    parece ser til, uma vez que cada ao de linguagem, trabalhada em seu prpriocontexto, propicia o desenvolvimento das capacidades de linguagem requeridas.

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    CERVERA, Maria Christina da S. F.; BUZZO, Marina. O ensino-aprendizagem do gnero resenha ... 37Revista Horizontes de Lingstica Aplicada, v. 8, n. 1, p. 23-39, 2009.

    Assim, trabalhar com um modelo didtico de gnero orientado por um objetivoeducacional, que se volte para minimizar as dificuldades de alunos do primeiro ano decursos superiores noturnos, pareceu figurar como uma possibilidade produtiva para oensino-aprendizagem de gneros acadmicos.

    Alm disso, a dinmica proposta pelas sequncias didticas a servio do trabalho

    com modelos didticos de gneros no resvala no ensino-aprendizado mecnico, semreflexo, sem auto-avaliao. Um modelo didtico do gnero que se queira ensinar nodeve ser tomado mecanicamente; deve ser visto como uma ferramenta que, ao lado deoutras, pode vir a ser continuamente adaptada s situaes concretas. Deve-se, antes detudo, compreender a complexidade da ao humana na qual a ao de linguagem serealiza e tomar os textos como espao em que a dialtica, entre a criatividade das aeshumanas e as restries sociais, mostre-se de maneira mais evidente, incluindo a oquadro das atividades educacionais.

    Percebemos, pelos resultados das pesquisas, que os alunos se apropriam dognero por meio da mediao de estratgias sistemticas de ensino intervencionista,construindo e reconstruindo a linguagem em vrias outras situaes concretas de

    comunicao, ainda mais complicadas, que podem lev-los a uma autonomiaprogressiva nessas mesmas atividades comunicativas complexas.

    Uma proposta para o ensino-aprendizagem do gnero resenha crtica acadmicaou qualquer outro gnero que se queira ensinar deve levar em considerao,

    principalmente, a situao de produo, ou seja, dar aos alunos oportunidade deficcionalizar, to enfatizada no ensino universitrio dos ltimos tempos, a partir do quechamamos casesprincipalmente no curso de Administrao Geral: Imagine que voctem diante de si uma equipe e [...]. Dessa forma, eles perceberiam, na prtica, algo quens, professores, temos destacado: No se esquea de que voc escreve para outro ler.Com o ensino adequado do contexto de produo, pode-se, com um modelo didticoapropriado ao gnero que se queira apresentar aos alunos, elaborar as sequnciasdidticas pertinentes ao desenvolvimento das capacidades de linguagem. Essemovimento pode ocorrer em todas as aulas, qualquer que seja o gnero-objeto detrabalho.

    Entendemos que no podemos ensinar um gnero acreditando que existe neleuma estrutura nica e esttica que venha a formatar todos os outros textos que seentendam pertencentes a esse determinado gnero. importante salientar que o ensinode qualquer contedo deve priorizar uma situao a partir da qual o professor possalevar os alunos construo ideal do objeto a ser ensinado, desenvolvendo suasrepresentaes iniciais sobre o objeto de estudo, o que pode e deve permear todo o

    processo de ensino-aprendizagem.

    Trazendo Bronckart (2006, p. 10) para esta reflexo, na afirmao de que asprticas linguageiras situadas so os instrumentos principais do desenvolvimentohumano, no que se refere aos conhecimentos e aos saberes, tanto quanto em relao scapacidades do agir e identidade das pessoas, os processos de construo social ecultural e os processos de construo da pessoa esto interligados; o desenvolvimentohumano assim percebido na interao com a linguagem.

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