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1 O DISCURSO DA POLÍTICA DESENVOLVIMENTISTA NO BRASIL SOB A PREVALÊNCIA DO CAPITAL: o caso da UHE de Belo Monte Rhoberta Santana de Araujo 1 RESUMO O discurso desenvolvimentista disseminado no Brasil a partir de meados do século passado, pautado na racionalização do planejamento visa legitimar a lógica da exploração do capital, alicerçado na aliança entre Estado e burguesia. A Amazônia assume função estratégica, neste cenário, transformada em fronteira de recursos naturais, particularmente por meio do aproveitamento energético das bacias hidrográficas da região via usinas hidrelétricas. O artigo apresentará elementos históricos do discurso e da politica desenvolvimentista no Brasil e rebatimentos na Amazônia, com ênfase na construção da UHE de Belo Monte. O debate acerca da obra é antigo e marcado por embates entre governo, empresariado, movimentos sociais e populações tradicionais. Palavras chaves: Desenvolvimentismo. Amazônia. UHE de Belo Monte. ABSTRACT The development discourse disseminated in Brazil since the middle of last century, based on streamlining the planning aims to legitimize the logic of exploitation of capital, based on the alliance between the state and the bourgeoisie. The Amazon is of strategic function, in this scenario, transformed into border natural resources, particularly through the energy use of the river basins of the region via hydroelectric plants. The article will present historical elements of speech and developmental policy in Brazil and reverberation in the Amazon, with emphasis on the construction of UHE Belo Monte. The debate concerning the work is old and marked by clashes between government, business community, social movements and traditional populations. Keywords : Developmentism . Amazon. UHE Belo Monte . 1 Estudante de Pós-Graduação. Universidade Federal do Pará (UFPA). E-mail: [email protected]

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    O DISCURSO DA POLTICA DESENVOLVIMENTISTA NO BRASIL SOB A

    PREVALNCIA DO CAPITAL: o caso da UHE de Belo Monte

    Rhoberta Santana de Araujo1

    RESUMO

    O discurso desenvolvimentista disseminado no Brasil a partir de meados do sculo passado, pautado na racionalizao do planejamento visa legitimar a lgica da explorao do capital, alicerado na aliana entre Estado e burguesia. A Amaznia assume funo estratgica, neste cenrio, transformada em fronteira de recursos naturais, particularmente por meio do aproveitamento energtico das bacias hidrogrficas da regio via usinas hidreltricas. O artigo apresentar elementos histricos do discurso e da politica desenvolvimentista no Brasil e rebatimentos na Amaznia, com nfase na construo da UHE de Belo Monte. O debate acerca da obra antigo e marcado por embates entre governo, empresariado, movimentos sociais e populaes tradicionais. Palavras chaves: Desenvolvimentismo. Amaznia. UHE de Belo Monte. ABSTRACT The development discourse disseminated in Brazil since the middle of last century, based on streamlining the planning aims to legitimize the logic of exploitation of capital, based on the alliance between the state and the bourgeoisie. The Amazon is of strategic function, in this scenario, transformed into border natural resources, particularly through the energy use of the river basins of the region via hydroelectric plants. The article will present historical elements of speech and developmental policy in Brazil and reverberation in the Amazon, with emphasis on the construction of UHE Belo Monte. The debate concerning the work is old and marked by clashes between government, business community, social movements and traditional populations. Keywords : Developmentism . Amazon. UHE Belo Monte .

    1 Estudante de Ps-Graduao. Universidade Federal do Par (UFPA). E-mail:

    [email protected]

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    I INTRODUO

    A incorporao dependente do Brasil e da Amaznia na dinmica de produo,

    concentrao e ampliao do capital em mbito mundial delimita a posio do pas na

    diviso internacional do trabalho por meio da especializao produtiva. O discurso

    desenvolvimentista utilizado para justificar o estabelecimento de medidas polticas e

    econmicas materializados em planos e programas de desenvolvimento sero tratados nas

    prximas sees, bem como a insero da Amaznia neste cenrio, a partir do

    aproveitamento hidreltrico dos rios que constituem a sua extensa bacia hidrogrfica, com

    especial nfase para o processo de construo da Usina de Belo Monte.

    II A GEOPOLTICA DEPENDENTE DO BRASIL ALICERADA DO DISCURSO

    DESENVOLVIMENTISTA

    As profundas alteraes na configurao da geopoltica mundial do ps-guerra

    impuseram desafios organizao sociopoltica dos pases perifricos. O avanado

    processo de industrializao experimentado pelos pases centrais reforava uma posio

    hegemnica no cenrio mundial dos pases centrais e em larga medida contribua para

    influenciar a conduo da politica econmica dos pases em desenvolvimento dentre eles o

    Brasil.

    Esse perodo coincide com o fortalecimento do capitalismo na sua fase monopolista,

    expressa na formao de corporaes e oligoplios e com forte predomnio do capital

    financeiro. Observa-se um intenso processo de movimentao das empresas multinacionais,

    em busca de novos mercados e condies mais atraentes de ampliao e concentrao do

    capital.

    Florestan Fernandes (2009) analisa de forma precisa na obra Capitalismo

    Dependente e Classes Sociais na Amrica Latina como ocorre o processo de dominao

    externa nos pases latinos. A incorporao desses pases ao espao econmico, cultural e

    poltico dos pases hegemnicos que o autor denomina de imperialismo total ocorre por

    meio da dominao externa a partir de dentro:

    O trao especfico do imperialismo total consiste no fato de que ele organiza a dominao externa a partir de dentro e em todos os nveis da ordem social, desde o controle da natalidade, a comunicao de massa e o consumo de massa, at a educao, a transplantao macia de tecnologia ou de instituies sociais, os expedientes financeiros ou do capital, o eixo vital da poltica nacional etc. (FERNANDES, 2009, p.27)

    Os estudos do referido autor constituem uma referncia importante para

    compreenso dos limites impostos e aceitos pelos pases perifricos que amargam desde o

    perodo de colonizao espanhola e portuguesa condies penosas para superao das

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    crises advindas das distintas fases de organizao capitalista. A integrao das economias

    latino-americanas ocorre de forma heternoma, transformadas em fontes de excedentes

    econmicos e de acumulao de capital para os pases centrais (FERNANDES, 2009)

    Os pases que conseguiram a partir do sculo XX implementar aes sistemticas

    que visavam o crescimento econmico, por meio de incentivo da industrializao e produo

    de bens de consumo e bens de capital optaram por uma associao dependente ao capital

    estrangeiro, quer por meio emprstimos, quer por meio de transferncia de tecnologia.

    Neste perodo ocorre abertura das fronteiras nacionais para instalao de empresas

    multinacionais, arregimentadas pela ao do Estado. Ressalte-se que as polticas nacional-

    desenvolvimentistas adotadas a partir de 1930 at inicio da dcada de 1980 incentivaram a

    industrializao no pas por empresas nacionais e multinacionais, uma clara aliana da

    burguesia interna e externa.

    Neste perodo, inaugurado particularmente pelo governo de Getlio Vargas a

    Ideologia Desenvolvimentista objeto de forte apelo poltico e ideolgico. A revoluo de

    1930 expressa a vitria da burguesia industrial, apoiada por fraes da oligarquia agrria. O

    perodo demarca o incio de alteraes estruturais na reproduo do capital capitaneadas

    por aes incisivas do Estado na conduo do projeto modernizador do pas. Os governos

    que sucederam Vargas se assemelham na poltica desenvolvimentista, supostamente

    orientada para o desenvolvimento do pas, expressos em melhores oportunidades de

    trabalho, distribuio de renda, em suma, na melhoria das condies de vida da populao.

    A disseminao de valores nacionalistas via o chamamento dos trabalhadores a

    cooperar com superao do atrasado e do arcaico uma marca emblemtica desse perodo

    histrico. Os planos de desenvolvimento econmico, notadamente a partir da dcada de

    1950 so utilizados como instrumentos de ao orientada do Estado para conduo do

    processo de industrializao do pas. A viso do planejamento, enquanto estratgia de

    racionalizao das aes do Estado com vistas ao desenvolvimento se apresenta como algo

    inovador. Mais um instrumento a servio da ampliao e reproduo do capital, como ficou

    evidente no transcurso histrico.

    Os Planos Nacionais de Desenvolvimentos (I, II e II) lanados entre 1970 e 1979 e

    os desdobramentos regionais para Amaznia (Plano de Desenvolvimento da Amaznia)

    cumpriam o claro objetivo de consolidao da burguesia nacional e internacional enquanto

    classe hegemnica. No caso particular da Amaznia fica evidente o papel reservado na

    composio do capitalismo mundial, constituindo em reserva de recursos naturais (minerais,

    agroflorestais e hdricos). Ocorre neste contexto redefinio na estrutura da diviso

    internacional do trabalho, com o deslocamento das multinacionais dos pases centrais para

    os pases perifricos em busca de vantagens no processo de produo, abundncia nos

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    recursos naturais, mo de obra barata, fragilidade nas medidas de proteo ambiental e

    particularmente fragilidade no tecido social regional que pudesse representar resistncia a

    imposio do novo modelo.

    No mbito interno representou a possibilidade de ampliao do capital excedente no

    sul-sudeste, que demandava novos campos de atuao. Como no pas o processo de

    industrializao caracterizado pela concentrao dos polos de produonos estados do sul

    e sudeste a incorporao da Amaznia dinmica nacional representou uma nova etapa na

    histria econmica da burguesia brasileira.

    Dessa forma, o projeto de insero amaznica na dinmica capitalista mundial,

    arregimentada pelo Estado a partir dos planos de desenvolvimento atendia a propsitos

    polticos, ideolgicos e notadamente econmicos. A instalao de grandes

    empreendimentos no campo da agropecuria, da extrao mineral e de produo

    energtica, por meio de incentivos e iseno fiscais atenderia no plano do discurso a

    necessidade de modernizao e desenvolvimento regional, entretanto representaram mais

    uma estratgia de reproduo, ampliao e concentrao do capital, numa clara aliana

    entre a burguesia nacional, internacional e o Estado.

    A escolha da Amaznia para realizar a expanso capitalista no pode fugir dos princpios que o sistema lhe concebe. A regio amaznica, dentro do processo histrico, tornou-se gradativamente espao de capitais nacionais e internacionais. Foi a estratgia poltica e militardo discurso nacionalista que proclamava a integrao integrao para no entregar internacionalizando a Amaznia. Esses espaos passaram a fazer parte do mercado mundial, dentro das perspectivas capitalistas de reproduo para acumulao.(PICOLI, 2006, p.51)

    A poltica de incentivo se materializou ainda por meio da construo de

    infraestrutura, a exemplo da abertura de estradas, construo de portos, aeroportos,

    hidreltricas. Alm da infraestrutura, a concesso de emprstimos por meio de agncias de

    fomento, a exemplo do Banco da Amaznia e do Banco Nacional de Desenvolvimento

    Econmico subsidiaram a instalao dos empreendimentos econmicos na Amaznia e no

    estado do Par. Alm da criao da Superintendncia de Desenvolvimento da Amaznia,

    em substituio a extinta SPEVEA, mais uma estrutura ligada a tecnocracia estatal para

    contribuir com o desenvolvimento e que acabou sendo palco de abusos e denncias de

    corrupo.

    Na contramo do discurso poltico e ideolgico que defendia a instalao do grande

    capital na Amaznia, como estratgia para modernizao e a gerao de riqueza para a

    regio. Loureiro (2001, p. 61) ressalta que:

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    Os abusos, as exorbitncias e o arbtrio desse novo capital na regio so incontveis: a criao e a recriao do trabalho escravo, a expulso e a morte de posseiros, trabalhadores rurais em geral e de ndios; a grilagem de terras; as queimadas; a poluio de rios e lagos e outros. Contudo, sob a nova tica desenvolvimentista, eles deveriam ser entendidos como fenmenos caractersticos de uma fase do desenvolvimento amaznico, cuja tendncia seria a de desaparecem, a longo prazo, quando o processo de ocupao/desenvolvimento tivesse sido completado!

    Ao cabo desse processo o estado do Par arregimenta a instalao e consolidao

    de empreendimentos econmicos em messoregies. Os municpios de Marab, Barcena,

    Tucuru2, Oriximin, Paragominas Parauapebas, Cana dos Carajs e mais recentemente

    Altamira3 so sedes de instalao de grandes empresas4. A instalao dos

    empreendimentos capitaneados por conglomerados de empresas constitudas por capital

    nacional e internacional cercada de tenses e conflitos, aes judiciais do ministrio

    pblico federal e estadual e intensa mobilizao de movimentos e organizaes sociais que

    contestam o modelo desenvolvimentista imposto e os expressivos impactos socioambientais

    causados s comunidades. Adiante, uma obra em particular, ser objeto de anlise, a

    construo da UHE de Belo Monte.

    A partir dos anos 2000 com assuno de Lula da Silva (2003-2010) presidncia da

    Repblica a pauta do desenvolvimento econmico reposicionada. Alicerado no discurso

    de superao da pobreza o ex-presidente implementa programas de transferncia de renda

    e um conjunto de medidas para a retomada do crescimento econmico. Marcado pelo forte

    apelo ideolgico e miditico por meio de uso de jarges como nunca na histria desse

    pas, as aes macroeconmicas adotadas nesse perodo inserem o Brasil no rol de pases

    emergentes. Ressalte-se que nesse cenrio o Estado continua assumindo a funcionalidade

    para ampliao do capital, na medida em que financia as principais aes para subsidiar a

    nova fase desenvolvimentista. O Programa de Acelerao do Crescimento se apresentou

    como um dos principais instrumentos de planejamento do desenvolvimento do pas,

    2A Usina Hidreltrica de Tucuru foi construda para atender a expressiva demanda por energia eltrica

    da indstria de explorao e transformao de minrios do estado do Par

    3 As obras de construo da Usina Hidreltrica de Belo Monte iniciaram no primeiro semestre de 2011,

    aps muita polmica e batalhas judiciais travadas entre o Ministrio Pblico Federal e a Unio, que divergem

    quanto a viabilidade tcnica, socioambiental e a observncia dos procedimentos definidos em lei para construo

    da obra. A previso de investimentos na obra de 40 bilhes de reais.

    4 A empresa Vale antiga Companhia Vale do Rio Doce, privatizada em 1996, detm o capital

    majoritrio das principais empresas que exploram a extrao e produo dos recursos minerais no Estado do

    Par, com atuao nos municpios de Marab, Parauapebas, Paragominas, Cana dos Carajs, Ourilndia do

    Norte e Oriximin e at 2010 detinha o capital majoritrio da Albrs/Alunorte, complexo industrial localizado na

    Vila do Conde, municpio de Barcarena, vendida para uma multinacional norueguesa.

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    ancorado em distintos eixos que se propunham a incentivar o crescimento social e

    econmico. Nessa esteira o aumento da produo energtica a partir dos barramentos dos

    rios da Amaznia assumiu carter estratgico e polmico, diante da incluso da UHE de

    Belo Monte no rol de prioridades governamentais.

    III O DISCURSO DE DESENVOLVIMENTO GESTADO NA AMAZNIA SOB A GIDE

    DO APROVEITAMENTO DA MATRIZ ENERGTICA: o caso da UHE de Belo Monte

    As discusses acerca da construo da Usina Hidreltrica de Belo Monte iniciaram,

    no final da dcada de 1970, originadas da concluso, em dezembro de 1979, dos Estudos

    de Inventrio da Bacia Hidrogrfica do Xingu. Naquela poca, a proporo de impacto da

    obra, que alagaria uma expressiva rea da cidade de Altamira e aldeias indgenas da regio,

    indicava limitaes na viabilidade socioeconmica do projeto. O projeto foi engavetado pelo

    governo federal. No final da dcada de 1980, as discusses foram, novamente, retomadas.

    O Relatrio Final dos Estudos de Inventrio Hidreltrico da Bacia Hidrogrfica do Rio

    Xingu aprovado pelo Departamento Nacional de guas e Energia Eltrica (DNAEE) em

    1988. No ano seguinte aconteceu em Altamira o histrico encontro dos povos indgenas (I

    Encontro dos Povos Indgenas do Xingu), coma presena de vrias etnias, movimentos

    sociais, parlamentares e representantes do poder pblico. Na ocasio ocorre o episdio que

    ir marcar de modo emblemtico a resistncia contra a instalao do empreendimento na

    bacia do Xingu. A ndia Tura encosta a lmina do seu faco no rosto do ento Presidente

    da Eletronorte Jos Antnio Muniz Lopes. A cena foi amplamente divulgada na mdia

    nacional e internacional. (Instituto Socioambiental, 2013)

    No incio de 2000, novos estudos de viabilidade tcnica, econmica e ambiental

    foram realizados e subsidiou a elaborao de novo projeto que, segundo o governo federal,

    apresentava menor impacto socioambiental, em razo da reduo da rea de inundao.

    Em 2005, as discusses foram intensificadas, pois a obra foi includa no Plano de

    Acelerao de Crescimento (PAC), do Governo Lula da Silva, e passa a ser considerada

    obra prioritria do Ministrio de Minas e Energia, dirigido pela ento Ministra Dilma Rousseff.

    No mesmo ano, no ms de julho o Congresso Nacional autorizou a construo da

    Hidreltrica aprovado na Cmara dos Deputados. Desde esse perodo, batalhas judiciais

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    vm sendo travadas entre o Ministrio Pblico Federal (MPF) e a Advocacia Geral da Unio

    (AGU). O MPF ressalta os impactos que a obra trar para as populaes, particularmente

    indgena, aponta falhas na conduo dos estudos de impacto ambiental e inobservncia dos

    procedimentos previstos em lei. Por seu turno, a AGU defende a viabilidade do

    empreendimento e o cumprimento dos requisitos legais.

    O painel de especialistas integrado por professores/pesquisadores de renomadas

    instituies de ensino e pesquisa nacionais e internacionais produziram em 2009 o

    Documento Anlise Crtica do Estudo de Impactos Ambientais do Aproveitamento

    Hidreltrico de Belo Monte, resultado da anlise detalhada e confrontao de dados

    apresentados no Estudo de Impactos Ambientais produzidos pela Eletrobrs, requisito para

    obteno do licenciamento da obra junto ao IBAMA. O documento elaborado pelos

    especialistas aponta falhas e inconsistncias nos seguintes aspectos: a) Dados sociais,

    econmicos e culturais; b) Impactos s populaes indgenas; c) Sade, educao e

    segurana; d) Hidrologia da Bacia do Xingu; e) Viabilidade tcnica e econmica no

    demonstrada; f) ameaas fauna aqutica; g) ameaas biodiversidade. (MAGALHES;

    HERNANDEZ, 2009.)

    A despeito dos vrios problemas apontados por pesquisadores, MPF e movimentos

    sociais quanto a viabilidade tcnica, econmica e socioambiental da UHE deBelo Monte, o

    leilo da obra foi realizado, em 20 abril de 2010, e o oramento inicialmente previsto estava

    na ordem de 19 bilhes de reais, conforme anunciado pelo governo federal. Entretanto, a

    iniciativa privada estima que o custo da obra ultrapasse 28,6 bilhes de reais. A maior

    parcela do recurso (80%) ser financiada pelo Banco Nacional de Desenvolvimento

    Econmico e Social (BNDES). Isto , fundos pblicos financiando um empreendimento

    executado pela iniciativa privada.

    Os movimentos sociais e populares contrrios obra denunciam os impactos

    socioambientais imputados populao de influncia direta e indireta ao empreendimento.

    Ribeirinhos, indgenas e camponeses sero atingidos pela inundao das suas terras e

    sumariamente remanejados. A populao urbana das cidades das reas diretamente

    afetada e as reas de influncia vm sendo afetadas pelo intenso fluxo migratrio. O

    aumento populacional tm criado bolses de misria e pressionando a ampliao da oferta

    de servios de interesse pblico (sade, educao, saneamento bsico, transporte), alm do

    surto inflacionrio observado nos setores do comrcio e dos servios.

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    Entretanto, a Norte Energia SA5, concessionria da obra, demonstra otimismo na

    conduo do processo. No website mantido pela empresa so apresentados dados

    quantitativos sobre o empreendimento. O pico da obra ocorrido nos anos de 2013 permitiu a

    contratao de 23 mil trabalhadores. Esses nmeros segundo a empresa revelam a

    contribuio do empreendimento para a promoo do desenvolvimento social da regio.

    Os benefcios do projeto Belo Monte transcendem implantao de uma fonte de gerao renovvel e econmica para suprir necessidades do Estado do Par, da regio Norte e do Brasil. A exemplo de outros aproveitamentos hidreltricos, existem benefcios associados preservao ambiental de reas na bacia hidrogrfica, alm do aumento dos indicadores de desenvolvimento humano nos municpios abrangidos. A insero regional do projeto UHE Belo Monte vai alavancar o desenvolvimento na regio.(NORTE ENERGIA, 2012). Disponvel em: http://norteenergiasa.com.br/site/portugues/norte-energia-s-a/ Acesso em 12.03.2012

    Entretanto, o clima de tenso frequente nos canteiros da obra. Desde o incio da

    construo vrias greves foram deflagradas pelos operrios, que reivindicam melhoria nas

    condies de trabalho e nos salrios. A fora nacional se mantm presente nesses

    episdios, com o claro objetivo de intimidao e uso da fora para conter a resistncia.

    Importante ressaltar a poltica adotada pelo Consrcio Construtor de Belo Monte no que se

    refere divulgao das informaes comunidade. Muitos dos episdios ocorridos nos

    canteiros no so divulgados pelos meios de comunicao local. As informaes acabam

    sendo disseminadas por redes sociais e por operrios com residncia no municpio de

    Altamira.

    Demisses sumrias, greves, o silncio da mdia, o uso da fora policial, acusaes

    de m aplicao dos recursos na obra so alguns elementos que compe o atual cenrio de

    construo do maior empreendimento do Programa de Acelerao do Crescimento do

    autodenominado governo popular. Recentemente a construo da usina esteve associada a

    denncias de corrupo da operao Lava Jato. Um diretor executivo de uma das

    construtoras responsveis pelo empreendimento denunciou o pagamento de pelo menos

    100 milhes de reais ao Partido dos Trabalhadores. O processo segue na fase de apurao

    e compe apenas mais um aspecto polmico dessa obra, reforando a tese que ela se

    presta ao favorecimento de pequenos grupos econmicos e polticos.

    Os graves episdios de violao dos direitos humanos e ambientais so minimizados

    pelo discurso governamental para justificar a necessidade da ampliao da capacidade

    5A Norte Energia SA composta por empresas estatais e privadas do setor eltrico, fundos de penso

    e investimentos e empresas autoprodutoras e obteve a concesso para construo de UHE de Belo Monte,

    com outorga de concesso por 35 anos. (NORTE ENERGIA SA, 2012)

    http://norteenergiasa.com.br/site/portugues/norte-energia-s-a/

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    energtica do pas, pautado na ideia do bem pblico e do progresso que no podem ser

    comprometidos por interesses de grupos minoritrios (indgenas, ribeirinhos, camponeses).

    O desenvolvimento do pas, neste sentido, estaria diretamente condicionado ampliao

    das reservas energticas.

    Na definio de polticas para o setor eltrico e na tomada da deciso sobre obras a serem executadas, h que considerar todo um contexto ideolgico dominante no Brasil, que sintetizamos na frase consensual: energia progresso. A tradio cartesiana tanto de nossas escolas de engenharia, como as de formao de militares, outro ponto relevante. Na prtica, essa viso ideolgica tem servido como fundamento para mltiplas decises. Decises que no necessitariam de justificaes mais amplas, nem tampouco da aprovao do Congresso Nacional. (SANTOS; NACKE, 1991, p.49)

    Neste sentido, apesar da arquitetura da insero amaznica na dinmica da

    produo do capitalismo nacional e internacional ter ocorrido de modo sistemtico e

    planejado nos governos autoritrios dos militares, marcado pelo esvaziamento das

    estruturas jurdicas e polticas, o reestabelecimento democrtico no expressou alteraes

    no modus operandi quando se trata da instalao de grandes empreendimentos, a exemplo

    da Usina Hidreltrica de Belo Monte:

    Os processos de deciso relativos a obras de infraestrutura, que se caracterizam

    como estruturas de acumulao em si, colocam em evidncia e provocam a discusso

    sobre as condies nas quais as sociedades democrticas enfrentam pelo menos

    quatro desafios interligados: o primeiro diz respeito utilizao das cincias e das

    tcnicas e da interrelao entre cincia e poder experts e governo; o segundo diz

    respeito redefinio e/ou construo de um espao pblico, constitudo no apenas

    de tcnicos, mas tambm de homens e mulheres; grupos sociais, comunidades e

    povos com histrias e conhecimentos diversos; o terceiro de confrontar-se com o

    aparato legal que rege a tomada de deciso; e, por ltimo, especialmente no caso

    brasileiro, o desafio de se interrogar sobre a fidelidade dos governantes aos princpios

    democrticos e os mecanismos que a sociedade dispe de fiscalizao e controle.

    (MAGALHES; HERNANDEZ, 2009.)

    O governo federal manteve posio nica em relao ao caloroso debate acerca da

    UHE de Belo Monte: a construo iria acontecer! Pautado sob o argumento da necessidade

    de energia para conduzir o processo de desenvolvimento nacional.Bermann (2012) chama

    ateno que o planejamento energtico no Brasil pautado na oferta, sem um

    questionamento necessrio das previses dasdemandas futuras. Neste cenrio

    determinados setores industriais so favorecidos (cimento, ferro-gusa e ao (siderurgia),

    ferro-ligas, no ferrosos (alumnio), qumica, papel e celulose)

    Por este desenvolvimento histrico, criou-se um emaranhado de interessesque no nos permite afirmar que possa existir uma capacidade previsvel de planejamento. Pelo contrrio, apenas um atendimento de cargas futuras, multiplicando o cenrio presente para o futuro muito incerto, diante da complexidade do arranjo de interesses

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    que esto em jogo. Dentro deste campo esto empreiteiras, indstrias de equipamentos, geradoras, comercializadoras, agncias reguladoras, grupos polticos e econmicos que conflitam entre si, e disputam com governos a utilizao do discurso da energia para angariar votos.(BERMANN, 2012, p.16).

    Por outro lado, cabe indagar o papel desempenhado pelas instituies de ensino

    e pesquisa do pas sob o marco da instalao dos grandes empreendimentos econmicos.

    Caberia Universidade to somente a funo instrumental de formao de profissionais

    para ocupao dos postos de trabalho, e desse modo mais uma pea na engrenagem de

    (re) produo do capital? Esses empreendimentos repercutem na expanso e no

    financiamento das atividades da Universidade? resguardado a autonomia cientfica na

    produo de conhecimento demandada nos projetos desenvolvidos em parceria com as

    empresas executoras desses grandes projetos?

    O iderio de desenvolvimento econmico propugnado pelo capitalismo dissemina o

    discurso da educao como um importante fator para competitividade e para o

    desenvolvimento das economias globais. As alteraes nas bases tcnicas de produo,

    alicerada na acumulao flexvel, na desregulamentao econmica e na diviso

    internacional do trabalho difundem um novo perfil do trabalhador, coadunado com os

    interesses corporativos e empresariais. Nesta perspectiva, um novo modelo de educao

    deve ser incorporado s polticas educacionais como estratgia para superao dos

    obstculos impostos ao crescimento econmico. Neste, contexto, educao e conhecimento

    assumem centralidade, como aponta Oliveira (2009, pp. 239-240):

    Essa centralidade se d porque educao e conhecimento passam a ser, do ponto de vista do capitalismo globalizado, fora motriz e eixos da transformao produtiva e do desenvolvimento econmico. So, portanto, bens econmicos necessrios transformao da produo, ao aumento do potencial cientfico-tecnolgico e ao aumento do lucro e do poder de competio num mercado concorrencial que ser quer livre e globalizado pelos defensores do neoliberalismo. Torna-se clara a conexo estabelecida entre educao-conhecimento e desenvolvimento-desempenho econmico. A educao um problema econmico na viso neoliberal, j que ela elemento central desse novo padro de desenvolvimento.

    O discurso desenvolvimentista disseminado na atual fase de organizao capitalista

    nacional, alicerado em grandes empreendimentos econmicos, com financiamento advindo

    em grande medida de recursos pblicos impe um vis utilitarista e economicista s

    universidades pblicas, coadunado com o processo de reforma em curso. Assim, pesquisas

    cientficas que se proponham investigar as mediaes e determinaes desse fenmeno na

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    configurao universitria so relevantes. As questes apresentadas demandam a

    continuidade e aprofundamentos dos estudos.

    III CONSIDERAES

    A construo do Aproveitamento Hidreltrico de Belo Monte, a despeito da polmica

    criada, em mbito nacional e internacional, e das disputas criadas em torno da obra,

    apresentada pelo governo federal como prioritria para o desenvolvimento do pas.

    Entretanto, as evidncias sinalizam que o maior interessado na obra do grande capital,

    representado pelas empreiteiras e os empresrios do comrcio de produtos e servios.

    A despeito da constituio de um efetivo debate pblico, envolvendo as populaes

    atingidas e a diminuio dos impactos da obra, o que tem se observado a constituio de

    uma superestrutura estatal para blindar a construo da obra, incluindo o uso da fora

    policial. Alm deinformaes no publicizadas pela empresa responsvel pela construo do

    empreendimento, criminalizao dos movimentos sociais contrrios ao empreendimento e

    os frequentes episdios de conflito/tenso nos canteiros da obra. Outra dimenso, no

    menos importante, so os impactos socioambientais que ainda no podem ser

    adequadamente dimensionados considerando o curso do processo.

    A Amaznia permanece na condio de subalternidade diante da dinmica de

    ampliao, reproduo e concentrao do capital, constituindo em fronteira de recursos

    naturais, necessrios para o capital industrial e financeiro. Neste sentido cabe investigar o

    papel da cincia/saber no atual ordenamento, a forma como as universidades pblicas vem

    se relacionamento com a instalao dos grandes empreendimentos na Amaznia e se

    ocorre alteraes na configurao universitria (autonomia, financiamento).

    REFERNCIAS

    BERMANN. Clio, O projeto da Usina Hidreltrica Belo Monte: a autocracia energtica como paradigma. Novos Cadernos NAEA, Belm-PA,v. 15, n. 1, p. 5-23, jun. 2012.

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