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ESCOLA SUPERIOR DA MAGISTRATURA - AJURIS CURSO DE PREPARAÇÃO À MAGISTRATURA DIREITO PENAL JUVENIL A PRESCRIÇÃO DOS ATOS INFRACIONAIS WAGNER DALCIN PORTO ALEGRE ABRIL DE 2007

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ESCOLA SUPERIOR DA MAGISTRATURA - AJURIS

CURSO DE PREPARAÇÃO À MAGISTRATURA

DIREITO PENAL JUVENIL

A PRESCRIÇÃO DOS ATOS INFRACIONAIS

WAGNER DALCIN

PORTO ALEGREABRIL DE 2007

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WAGNER DALCIN

DIREITO PENAL JUVENIL

A PRESCRIÇÃO DOS ATOS INFRACIONAIS

Monografia apresentada à Escola Superior da

Magistratura como requisito para a aprovação

no Nível III do Curso de Preparação à

Magistratura.

Orientador: Dr. João Batista Costa Saraiva

PORTO ALEGRE, ABRIL DE 2007.

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“Assim como o ato infracional é crime, a medida

socioeducativa é sanção jurídico-penal. Resta,

portanto, fazer valer também para os

adolescentes brasileiros as regras democráticas

do devido processo legal.”

Karina Batista Sposato

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SUMÁRIO

NOTAS INTRODUTÓRIAS ..................................................................... 07

1. DA INDIFERENÇA AO GARANTISMO: O HISTÓRICO DA RESPONSABILIZAÇÃO PENAL

JUVENIL .......................................................................................... 09

1.1 ETAPA DA INDIFERENÇA .................................................................... 09

1.2 ETAPA TUTELAR ............................................................................. 12

1.3 ETAPA GARANTISTA ........................................................................ 16

2. O DIREITO PENAL JUVENIL: A NATUREZA JURÍDICA DO ATO INFRACIONAL E DAS

MEDIDAS SOCIOEDUCATIVAS ................................................................. 21

2.1 O ATO INFRACIONAL ENQUANTO NOVA ESPÉCIE DO GÊNERO “INFRAÇÃO PENAL” 24

2.2 A SANÇÃO ESTATAL PREVISTA AO ADOLESCENTE AUTOR DE ATO INFRACIONAL .. 29

3. O INSTITUTO DA PRESCRIÇÃO E SUA APLICABILIDADE AOS ATOS INFRACIONAIS

DISCIPLINADOS NO ESTATUTO DA CRIANÇA E DO ADOLESCENTE ..................... 33

3.1 CONSIDERAÇÕES INICIAS ................................................................... 33

3.2 O INSTITUTO DA PRESCRIÇÃO ENQUANTO GARANTIA FUNDAMENTAL ............... 35

3.3 A PRESCRITIBILIDADE DOS ATOS INFRACIONAIS ........................................ 37

3.4 O PROBLEMA RELATIVO AOS PRAZOS PRESCRICIONAIS ................................ 39

3.5 A EQUIVOCADA SOLUÇÃO ORIUNDA DO TRIBUNAL DE JUSTICA GAÚCHO: A SÚMULA

Nº. 32. ............................................................................................ 43

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3.6 INCIDÊNCIA DA PRESCRIÇÃO: UMA PROPOSTA PROPORCIONAL ...................... 46

CONSIDERAÇÔES FINAIS ...................................................................... 50

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS ............................................................. 54

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NOTAS INTRODUTÓRIAS

O legislador constituinte pátrio, que em 1988 se reuniu para instituir no

Brasil um Estado Democrático de Direito, trazendo entre seus fundamentos principais

a dignidade da pessoa humana1, e com o fim de assegurar o exercício dos direitos

sociais e individuais, o desenvolvimento e a igualdade2, dentre outros, introduziu, na

esfera dos direitos da criança e do adolescente, importantes inovações.

Inspirado na Declaração Universal dos Direitos da Criança, de 1959, e das

normativas internacionais que se sucederam ao longo dos anos, o texto constitucional

adotou a Doutrina da Proteção Integral, ao dispor que “é dever da família, da

sociedade e do Estado assegurar à criança e ao adolescente, com absoluta prioridade,

o direito à vida, à saúde, à alimentação, à educação, ao lazer, à profissionalização, à

cultura, à dignidade, ao respeito, à liberdade e à convivência familiar e comunitária,

além de colocá-los a salvo de toda forma de negligência, discriminação, exploração,

violência, crueldade e opressão” 3.

Com o advento do Estatuto da Criança e do Adolescente, em 13 de julho

de 1990, que institui mecanismos que visavam à plena e total eficácia daqueles

direitos, rompeu-se definitivamente com o modelo até então adotado e que já se

encontrava em fase de superação ante os novos paradigmas constitucionais. Esse novo

1 Constituição Federal, art. 1º, inciso III. 2 Constituição Federal, Preâmbulo.3 Constituição Federal, art. 227, caput.

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modelo elevou a criança e o adolescente à condição de sujeitos de direitos, passando

a ser reconhecidos como sujeitos em condição peculiar de desenvolvimento4.

No topo desse sistema de garantias instituído pelo Estatuto está o

sistema socioeducativo, acionado quando uma conduta descrita na legislação como

crime ou contravenção penal é praticada por um adolescente – definida como ato

infracional -, que acarreta, após sua apuração em juízo, a imposição de uma resposta

estatal - denominada de medida socioeducativa.

Passados mais de quinze anos da entrada em vigor do estatuto infanto-

juvenil, ainda persiste o debate acerca da natureza jurídica do sistema socioeducativo

e, por conseqüência, das medidas socioeducativas. De um lado, há aqueles que

ignoram tratar-se o sistema socioeducativo de um efetivo sistema de responsabilização

penal juvenil. De outro, aqueles que defendem a existência de um Direito Penal

juvenil, compromissado com o asseguramento de todas as garantias fundamentais dos

quais são destinatários todos os cidadãos e também a população de crianças e

adolescentes.

Este trabalho versa exatamente sobre esta divergência existente no

pensamento jurídico pátrio acerca da existência do chamado Direito Penal Juvenil e,

via de conseqüência, no reconhecimento de uma específica garantia fundamental

constitucionalmente consagrada e cuja incidência à seara dos atos infracionais vem,

por muitos, sendo negada, sob fundamentos diversos. Tal garantia trata-se da

prescrição da pretensão punitiva estatal.

No primeiro capítulo, realizou-se uma breve análise do histórico da

responsabilização juvenil, traçando-se um paralelo entre esta e o pensamento

4 Estatuto da Criança e do Adolescente, art. 6º, caput.

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jurídico-penal predominante em cada época, desde o período denominado “Clássico”,

que vigeu durante o século XIX; passando pelo “Positivismo Jurídico” do início do

século XX; até se chegar no período pós-Guerras, a qual chamamos de “Garantista”.

No segundo capítulo, procurou-se caracterizar o sistema socioeducativo

como um sistema de responsabilização penal juvenil inspirado nos princípios do Direito

Penal Liberal moderno, também chamado pela doutrina de Direito Penal Mínimo,

identificando-se, ainda, o ato infracional como a terceira espécie do gênero ilícito

penal, e a medida socieducativa como uma resposta estatal que, a par da sua

finalidade educativa, possui nítido caráter aflitivo.

Por fim, no terceiro e último capítulo abordou-se o tema central da

presente pesquisa, qual seja, o instituto da prescrição. Nele, buscou-se identificar a

prescrição como uma garantia fundamental constitucionalmente consagrada e cujo

âmbito de incidência não deve ficar restrito tão somente à seara penal adulta.

Outrossim, pretendeu-se solver a problemática gerada pela aplicação do instituto aos

atos infracionais, uma vez que as medidas socioeducativas não possuem prazos

máximos de aplicação.

A pesquisa realizou-se a partir dos referenciais teóricos e buscou-se com

ela tentar solver as controvérsias existentes e, ainda, contribuir com a construção de

bases científicas mais sólidas sobre a matéria em apreço, de forma a auxiliar a

atuação jurisdicional no futuro.

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1. DA INDIFERENÇA AO GARANTISMO:

O HISTÓRICO DA RESPONSABILIZAÇÃO PENAL JUVENIL

A problemática da implementação dos direitos das crianças e dos

adolescentes no Brasil é objeto de muitos estudos e indagações. Nesse contexto, a

questão da responsabilidade penal do adolescente assume especial relevância.

Não se pode mais ignorar que o Estatuto da Criança e do Adolescente

instituiu um modelo de responsabilização do jovem infrator, de caráter pedagógico em

sua concepção, mas retributivo na sua forma de aplicação, fundamentado nos

princípios norteadores do “sistema penal adulto”, embora tal reconhecimento ainda

encontre grande resistência na doutrina e jurisprudência pátrias.

Antes de se adentrar no ponto central do presente trabalho, imperioso se

mostra uma breve análise da trajetória de evolução do Direito da Criança e do

Adolescente, estabelecendo-se o paralelo inafastável das etapas da responsabilização

juvenil com os modelos penais vigentes em cada época 5.

1.1Etapa da Indiferença

A história da responsabilidade penal juvenil no Brasil teve início na

primeira metade do século XIX, reflexo da corrente do pensamento jurídico-penal

denominada Escola Clássica.

5 Desde logo fica esclarecido que não se pretende esgotar o tema acerca da evolução histórica do direito infanto-juvenil, analisando-se em minúcias as legislações passadas. Aconselha-se, acerca desse tema, a leitura do artigo “A construção da responsabilidade penal do adolescente no Brasil: uma breve reflexão histórica”, de autoria da Promotora de Justiça Janine Borges Soares, disponível na rede mundial de computadores no sítio http://www.mp.rs.gov.br/infancia/doutrina/id186.htm.

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A Escola Clássica consubstanciou-se em uma tendência do Direito Penal

que se fundava na filosofia racionalista do século XVIII e nas idéias políticas que

proclamavam a igualdade dos homens perante o Direito, mediante elaboração de leis

genéricas e impessoais, bem como a proteção dos direitos desses contra a prepotência

do Estado Absolutista.

Buscava a Escola Clássica uma reforma das leis e das penas,

estabelecendo um tratamento igualitário entre todos, colocando freios no poder

absoluto e arbitrário da classe dominante, de forma a proteger os indivíduos contra

toda intervenção estatal não prevista em lei que importasse em limitação da

liberdade.

Sobre a Escola Clássica, refere Maurício Jorge Pereira da Mota6:

“A Escola Clássica parte da idéia da formação de um novo sistema penal baseado nos princípios liberais contidos no Contrato Social (Rousseau), em que homens livres convencionam viver em harmonia e em que cada um é responsável por seus, expressando livremente sua vontade.”

O crime, nesse contexto, era entendido como o rompimento da harmonia

social, uma afronta ao Contrato Social, uma violação voluntária e consciente de um

indivíduo que age exercendo absolutamente sua liberdade.

A pena, por sua vez, aparecia como a justa retribuição imposta pela

sociedade em razão do descumprimento do pacto de paz celebrado. Ou seja, sempre

que houvesse um crime, era necessário que o autor do fato fosse castigado.

6 MOTTA, Maurício Jorge Pereira da. Etiologia do Crime na Escola Penal Positiva. Dissertação de Mestrado. Disponível em http://www2.uerj.br/~direito/publicacoes/publicacoes/mauricio_mota/mm_7.html.

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Naquela época, o direito infanto-juvenil, conforme ensina Wilson

Donizeti Liberati, partia “de uma concepção nihilista de criança (...)”.7 O adjetivo

utilizado pelo autor deriva do vocábulo latino nihil e significa redução a nada,

aniquilamento8. Assim, dizer que o direito da criança e do adolescente partia de uma

concepção nihilista desses é o mesmo que dizer que, para o Direito, criança não era

levada em consideração. Seus atos eram equiparados ao de animais.9 Por isso a

denominação “Etapa da Indiferença”.

A desconsideração do sistema jurídico então vigente com a criança e o

adolescente era facilmente percebida na seara da responsabilização penal, muito em

função da adoção da teoria retribucionista da pena, uma vez que o tratamento

dispensado aos menores autores de condutas consideradas crime em nada se

diferenciava do tratamento que era dado aos adultos10.

Com efeito, excetuadas as crianças menores de sete anos de idade, as

quais eram consideradas absolutamente incapazes, ao menor autor de uma infração

penal era aplicada a sanção penal comum destinada aos adultos, e o seu cumprimento

se dava nos mesmos estabelecimentos prisionais para onde eram recolhidos os adultos

condenados à privação de liberdade.

A determinação da responsabilidade juvenil era fundada no critério do

discernimento, isto é, na maturidade do juízo da criança ou do adolescente autor do

7 LIBERATI, Wilson Donizeti. Adolescente e ato infracional: medida socioeducativa é pena? São Paulo: Editora Juarez de Oliveira, 2002, p. 05.8 Novo Dicionário Aurélio da Língua Portuguesa, p. 1193. 9 Nesse sentido, João Batista Costa Saraiva in “Da Indiferença à Proteção Integral: Um ensaio de Direito Penal Juvenil”, obra na qual refere que as crianças eram tratadas da mesma forma que os cachorros pelas legislações.10 COSTA, Ana Paula Motta. As garantias processuais e o direito penal juvenil como limite na aplicação da medida socioeducativa de internação. Porto Alegre: Editora Livraria do Advogado, 2005, p. 50.

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ilícito penal, maturidade esta que lhe possibilitava entender suas próprias ações,

distinguir o bem do mal e orientar-se em face das alternativas do lícito e do ilícito.

Emilio Garcia Mendez11, em cuidadosa análise das disposições e princípios

orientadores da época, referiu pertencerem os mesmos à “Pré-História do Direito

Penal Juvenil”, em razão, como já explanado, da desconsideração dos direitos da

criança e do adolescente enquanto sujeitos em peculiar condição de desenvolvimento,

e da vinculação direta do direito penal juvenil aos predicados da Escola Clássica e da

teoria retribucionista da pena que ainda influenciavam o pensamento jurídico do

mundo ocidental.

No Brasil, a etapa da indiferença perdurou por todo o período

monárquico, estendendo-se até as primeiras décadas de vigência do regime

republicano, quando, gradualmente, passou a ser substituída por uma nova ótica do

direito infanto-juvenil que se espalhava pelo mundo ocidental, que viria a ser

conhecida como a “Etapa Tutelar”.

1.2Etapa Tutelar

A segunda fase de evolução do Direito Penal Juvenil decorreu

diretamente dos efeitos do desenvolvimento do capitalismo e do crescente

empobrecimento das camadas menos favorecidas da população no período pós

Revolução Industrial.

Com efeito, a escalada da classe burguesa, camada da sociedade que

detinha o controle do poder econômico, impulsionou o desenvolvimento do processo

de produção e a livre concorrência, o que propiciou a alavancada da economia dos

11 MENDEZ, Emilio Garcia. Infância e adolescência na América Latina, p. 99.

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Estados e, ao mesmo tempo, gerou condições subumanas de trabalho e de

sobrevivência.

Segundo Áderson de Menezes, da substituição do operário pela máquina

decorreu o desemprego em massa, exigindo dos trabalhadores, que já não eram bem

pagos a ponto de atender aos encargos familiares, que passassem, então, a enfrentar

a fome juntamente com suas mulheres e filhos12.

Conforme assevera Julio Cortes Morales, em decorrência desse cenário

socioeconômico, a pobreza passou a ser tratada como um problema público,

demandando por parte dos agentes políticos uma nova forma de controle social13 que

encontrou seus fundamentos nas idéias da Escola Positivista do Direito Penal.

Ensina Lélio Braga Calhau14:

“De fato, o modelo proposto pelos juristas que se aliariam ao movimento positivista respondia às necessidades da burguesia no final do século XIX. Esta havia se apoiado inicialmente em um Direito Penal Liberal que havia permitido neutralizar a nobreza, limitando, através de um órgão legítimo, seu poder arbitrário. Agora, com o estabelecimento definitivo da nova ordem burguesa, era necessário encontrar outros recursos penais que assegurassem a superveniência da nova ordem social. A burguesia se sentia ameaçada, não mais pela nobreza e seu poder arbitrário, senão pelas ‘classes perigosas’, ou seja, pelas classes menos favorecidas que levavam dentro de si o germe da degeneração e do crime”.

A Escola Positivista não entendia o crime como um ente jurídico, mas sim

como um fato natural, uma ação humana determinada por fatores sociais, biológicos e

antropológicos, e fundada na imputabilidade. O criminoso, por sua vez, era

considerado um ser anormal, portador de anomalias de ordem orgânica ou psíquica,

12 MENEZES, Áderson de. Teoria Geral do Estado. 8ª edição. Rio de Janeiro: Editora Forense, 1996, p. 126. 13 apud COSTA, Ana Paula Motta. Op cit, p. 51.14 CALHAU, Lélio Braga. Cesare Lombroso: Criminologia e Escola Positivista do Direito Penal. Jus Navegandi, Teresina, ano 08, n. 210, 01.02.2004. Disponível em http://jus2.uol.com.br/doutrina/texto.asp?id4538.

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hereditárias ou adquiridas, em suma, um ser portador de patologias que o

diferenciavam da espécie humana. Já a pena passou a ser entendida como a

providência social na luta contra o crime, o único remédio capaz de defender a

sociedade da ação criminosa, e curar o delinqüente das patologias que o acometiam.

Cesare Lombroso, pai da criminologia antropológica, advogava a

existência, na infância, de uma predisposição natural para o crime15. Segundo Maurício

Jorge Pereira da Motta, “o ciúme, a vingança, a mentira, o desejo de destruição, a

maldade para com os animais e os seres fracos, a predisposição para a obscenidade, a

preguiça completa, exceto para as atividades que produzem prazer, são, entre

outros, índices que Lombroso apontou das tendências criminais na infância”16.

Foi nesse contexto histórico que se formulou a base da chamada

“Doutrina da Situação Irregular”, que visava, conforme ensina Karyna Batista

Sposato17, ao saneamento moral da sociedade, por meio da união do Direito com a

Assistência Social. A influência do pensamento positivista fazia com que os atos

criminais praticados por adolescentes fossem considerados como desvios de conduta, a

cujas causas, tão logo identificadas, deveriam ser administradas as medidas

adequadas ao seu tratamento.

O adolescente autor de ato descrito na lei penal era, portanto, mero

objeto de estudo, este voltado a identificar e erradicar as causa da delinqüência

juvenil.

Outrossim, a “Doutrina da Situação Irregular” pregava a desvinculação do

direito infanto-juvenil do Direito Penal tradicional, mormente porque a prática dos

15 apud MOTTA, Maurício Jorge Pereira da. Op cit.16 Idem.17 SPOSATO, Karyna Batista. O Direito Penal Juvenil. São Paulo : Editora Revista dos Tribunais, 2006, p. 33 – 44.

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Tribunais de Menores fundava-se, na lição de Ana Paula Motta Costa18, na “confiança

na cientificidade dos instrumentos da medicina, da biologia e, sobretudo, da

psiquiatria, determinando a desconsideração do principio da legalidade”,

acarretando, dessa maneira, o despojamento das garantias contra o arbítrio estatal

inerentes ao Direito Penal.

As legislações infanto-juvenis baseadas na referida doutrina,

caracterizavam-se pela centralização do poder de decisão na figura do juiz, que não

encontrava nenhuma limitação legal à sua atuação indiscriminada sobre crianças e

adolescentes em situação irregular.

A fase tutelar do direito juvenil teve seu marco inicial com a instituição,

em 1899, do Tribunal de Menores do Estado de Illinois nos Estados Unidos da América.

Rapidamente a iniciativa se difundiu pela Europa e América Latina, implicando a

criação das cortes menoristas em praticamente todos os paises europeus e latino-

americanos, além da adaptação da legislação dos paises aos predicados da doutrina da

situação irregular, a partir das idéias introduzidas pelo chamado Movimento dos

Reformadores19.

No Brasil, o marco inaugural da adoção da doutrina da situação irregular

foi a aprovação, em 1927, do Código de Menores, de autoria do Juiz de Menores Melo

de Matos, nome pelo qual restaria conhecido o referido diploma legal20. Tal ótica do

direito infanto-juvenil perdurou por grande parte do século XX, vindo a ser substituída

após a redemocratização política do país, por uma concepção garantista dos direitos

18 COSTA, Ana Paula Motta. Op cit, p. 53.19 Sobre o tema Emílio Garcia Mendez remete à leitura de Antony Platt, “Los Salvadores Del Niño, o la invención de la Delincuencia”, México, Siglo XXI, 1982.20 GOMES da COSTA, Antônio Carlos. De menor a cidadão. Centro Brasileiro para a Infância e Adolescência, Ministério da Ação Social, Governo do Brasil, p. 13.

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da criança e do adolescente, embora ainda se vislumbrem resquícios das legislações

ditas menoristas, especialmente no que tange à aplicação das novas regras elaboradas

à luz dessa doutrina, conforme se verá ao longo do presente trabalho.

1.3Etapa Garantista

O mundo moderno assistiu, em meados do século XX, às atrocidades

cometidas contra a humanidade pelos Estados Totalitários, reacendendo, assim, o

discurso em favor da retomada da limitação do poder estatal como forma de proteção

dos direitos humanos.

O resgate da proteção dos direitos fundamentais do homem teve sua

gênese na Declaração Universal dos Direitos Humanos, proclamada pela Assembléia

Geral das Nações Unidas de 10 de dezembro de 1948, documento que buscava, em

suma, a garantia e o respeito à vida e à liberdade da pessoa humana21.

A garantia dos direitos humanos fundamentais passou, gradualmente, a

ser o foco principal do pensamento jurídico moderno, ensejando a substituição dos

regimes de governo totalitários pelo modelo democrático, fundado no principio da

dignidade da pessoa humana e construído sobre as bases do Estado de Direito; e a

incorporação de tais instrumentos de proteção às cartas políticas das nações.

Acerca da constitucionalização da proteção dos direitos fundamentais do

homem e do cidadão, diz Luigi Ferrajoli que “as Constituições não se limitam a ditar

as condições formais que permitem reconhecer a vigência de ‘quod principi plactuit’,

21 Veja-se, nesse sentido, o preâmbulo da Declaração Universal dos Direitos Humanos, que, ao elencar seus princípios orientadores, refere expressamente ser o reconhecimento da dignidade inerente à pessoa humana o principal fundamento da liberdade, da justiça e da paz no mundo; e que o desprezo e o desrespeito pelos direitos humanos resultam em atos bárbaros que ultrajam a consciência da humanidade, devendo tais direitos serem protegidos pelo Estado de Direito.

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mas também estabelecem ‘o que’ não deve violar (ou deve assegurar) o príncipe, ou

seja, os direitos invioláveis do cidadão cuja garantia é condição de validade

substancial das normas que produz”22.

O Direito Penal, nesse contexto, abandona seu papel meramente difusor

de medo e de coerção para exercer a função de formação de um juízo ético nos

cidadãos, uma vez que sua missão passa a ser a proteção dos valores fundamentais

para a subsistência do corpo social, vale dizer, a vida, a saúde, a liberdade, a

propriedade, etc. 23.

Os direitos de crianças e adolescentes, igual sorte, também sofreram os

efeitos dessa ótica humanista e humanitária do Direito. Segundo afirma Alessandro

Baratta, “La crisis de los regímines autoritarios, primeiro en Europa, entre finales de

los años cuarenta y finales de los setenta, y despues en América Latina, a finales de

los años ochenta, há permitido, entre otras cosas, medir empiricamente la

importancia del restabelecimento y del desarollo del estado democrático de derecho

para el reconocimento normativo y la real protección de los derechos de los niños y

de los adolescentes”24.

Com razão Baratta, uma vez que a aprovação da carta dos direitos

humanos refletiu diretamente na evolução do direito da criança e do adolescente, em

especial no que dizia respeito ao adolescente em conflito com a lei, uma vez que a

delinqüência juvenil passou a ser preocupação constante das nações modernas.

22 FERRAJOLI, Luigi. Direito e razão: teoria do Garantismo Penal. 2ª edição. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2006 , p. 807.23 CAPEZ, Fernando. Curso de Direito Penal : parte geral : volume 1. 5ª edição. São Paulo: Saraiva, 2003, p. 01 – 02. 24 BARATTA, Alessandro. Infancia y Democracia. In: MENDEZ, Emilio Garcia; BELOFF, Mary (coord). Infancia, Ley y Democracia en America Latina. 2ª edição. Buenos Aires: Ediciones Depalma, 1999, p. 39.

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Veja-se que, onze anos após o marco revolucionário no reconhecimento

dos direitos humanos universais, mais precisamente em 20 de novembro de 1959, a

Organização das Nações Unidas aprovou a Declaração dos Direitos da Criança, um

documento que, em poucos dez princípios, firmou o pressuposto da peculiar condição

da criança como de pessoa em desenvolvimento, decorrência natural da sua

imaturidade física e mental25.

Em 1979, a Organização das Nações Unidas institui o Ano Internacional da

Crianca, objetivando um balanço das realizações dos países signatários da Declaração

Universal dos Direitos da Criança, formando, outrossim, um grupo de estudos

incumbido da missão de elaborar o texto da Convenção Internacional dos Direitos da

Criança, aprovado dez anos mais tarde, representando a síntese de todas as conquistas

alcançadas no tocante aos direitos de crianças e adolescentes no período pós-Guerra.

Afirma Tânia da Silva Pereira que a Convenção representa “um consenso de que

existem alguns direitos básicos universalmente aceitos e que são essenciais para o

desenvolvimento completo e harmonioso de uma criança”26.

A Convenção Internacional dos Direitos da Criança, aliada a outras

normativas internacionais elaboradas durante a década de 80, quais sejam, as Regras

Mínimas para a administração da justiça juvenil (Regras Mínimas de Beijing), as Regras

Mínimas para a prevenção da delinqüência juvenil (Diretrizes de Riad) e as Regras

Mínimas das Nações Unidas para a proteção de jovens privados de liberdade, trouxe os

25 LIBERATI, Wilson Donizeti. Op cit, p. 09.26 PEREIRA, Tânia da Silva. A Convenção e o Estatuto: um ideal comum de proteção ao ser humano em vias de desenvolvimento. In: PEREIRA, Tânia da Silva (coord). Estatuto da criança e do adolescente: Lei n. 8.069/1990: estudos sócio-jurídicos. Rio de Janeiro: Renovar, 1992, p. 68.

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elementos da “Doutrina da Proteção Integral”, que viria a substituir os dizeres da

antiga doutrina até então vigente27.

Com efeito, a adoção da Doutrina da Proteção Integral representou um

rompimento definitivo com o modelo menorista que até então era adotado, e que já

se encontrava em fase de superação ante os novos paradigmas, que, antes mesmo da

aprovação da Convenção Internacional dos Direitos da Criança, se viram inseridos no

texto constitucional em discussão e promulgado em 198828.

Com o advento da Lei nº. 8.069, em 13 de julho de 1990, foram

instituídos, dentro de um sistema tríplice de garantias, mecanismos que visavam à

plena e total eficácia dos direitos de crianças e adolescentes consagrados pelo

legislador constituinte.

O sistema primário é o que dá conta das políticas públicas de

atendimento a crianças e adolescentes; o sistema secundário, ou sistema protetivo,

trata das políticas de proteção especial, tendo como alvo as crianças e os

adolescentes violados em seus direitos; e, por fim, o sistema terciário, ou sistema

socioeducativo, tem como objeto os adolescentes em conflito com a lei penal.

Sobre o tríplice sistema de garantias, assevera Saraiva:

“Este tríplice sistema, de prevenção primária (políticas públicas), prevenção secundária (medidas de proteção) e prevenção terciária (medidas socioeducativas), opera de forma harmônica, com acionamento gradual de cada um deles. Quando a criança e o adolescente escapar ao sistema primário de prevenção, aciona-se

27 Para uma visão mais aprofundada de toda a normativa internacional sobre direitos da criança e adolescente produzida na segunda metade do século XX, sugere-se a leitura da obra “Adolescente e Ato Infracional: medida sócio-educativa é pena?”, de autoria do ex-Promotor de Justiça Wilson Donizeti Liberati28 Nesse sentido, dispõe a Carta da Republica: “artigo 227 – É dever da família, da sociedade e do Estado assegurar à criança e ao adolescente, com absoluta prioridade, o direito à vida, à saúde, à alimentação, à educação, ao lazer, à profissionalização, à cultura, à dignidade, ao respeito, à liberdade e à convivência familiar e comunitária, além de colocá-los a salvo de toda forma de negligência, discriminação, exploração, violência, crueldade e opressão”

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o sistema secundário, cujo grande agente operador deve ser o Conselho Tutelar. Estando o adolescente em conflito com a lei, atribuindo-se a ele a prática de algum ato infracional, o terceiro sistema de prevenção, operador das medidas socioeducativas, será acionado, intervindo aqui o que pode ser chamado genericamente de sistema de Justiça (Polícia/Ministério Público/Defensoria/Judiciário/Órgãos Executores das Medidas Socioeducativas)”

No topo do sistema de garantias instituído pelo Estatuto da Criança e do

Adolescente, a ultima ratio dos direitos infanto-juvenis, portanto, está o sistema

socioeducativo, somente acionado quando uma conduta descrita na legislação como

crime ou contravenção penal é praticada por um adolescente. O sistema

socioeducativo representa, sem sombra de dúvidas, um sistema de responsabilização

de adolescentes enquanto vitimizadores, o Direito Penal Juvenil.

2. O DIREITO PENAL JUVENIL:

A NATUREZA JURÍDICA DO ATO INFRACIONAL E DAS MEDIDAS SOCIOEDUCATIVAS

A incorporação da Convenção Internacional sobre Direitos das Crianças ao

ordenamento jurídico pátrio, por meio da aprovação do Estatuto da Criança e do

Adolescente, como já referido, muito mais do que uma simples alteração legislativa,

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provocou uma profunda modificação na maneira de se conceberem as crianças, os

adolescentes, e os direitos desses.

Esse novo modelo, respeitando a condição de crianças e adolescentes

enquanto sujeitos em condição peculiar de desenvolvimento29, elevou-os à condição

de sujeitos cujos direitos devem ser respeitados e garantidos, superando o paradigma

menorista, segundo o qual a população infanto-juvenil era tratada como simples

objeto de tutela.

No topo do sistema de garantias instituído pelo Estatuto está, como

lisamente referido no tópico anterior, o sistema socioeducativo, fundado em três

princípios basilares – a separação, a participação e a responsabilização30.

Separação, porque não se confundem conflitos de natureza social com os

conflitos de caráter penal; participação, porque aos infratores é conferido o direito de

formar uma opinião e expressá-la livremente; e responsabilização, porque da prática

de uma conduta descrita na legislação penal emana a necessidade de ver-se o autor do

ilícito penalmente responsabilizado, de maneira que venha, após refletir sobre seu ato

e as conseqüências deste, a reajustar seus procederes em conformidade com as regras

de convivência.

Sobre o sistema de responsabilização juvenil instituído pelo Estatuto,

leciona Emilio Garcia Mendez31:

“A construção jurídica da responsabilidade penal dos adolescentes no ECA (de modo que foram eventualmente sancionados somente os atos típicos, antijurídicos e culpáveis e não os atos ‘anti-

29 Estatuto da Criança e do Adolescente, art. 6º, caput.30 MENDEZ, Emilio Garcia. Evolução Histórica do Direito da Infância e da Juventude. In Justiça, Adolescente e Ato Infracional: socioeducação e responsabilização. São Paulo: ILANUD, 2006.31 MENDEZ, Emílio Garcia. Adolescentes e Responsabilidade Penal: um debate latinoamericano. Porto Alegre: AJURIS, ESMP-RS, FESDEP-RS, 2000, p. 16.

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sociais’ definidos casuisticamente pelo Juiz de Menores), inspirada nos princípios de Direito Penal Mínimo constitui uma conquista e um avanço extraordinário normativamente consagrados no ECA. Sustentar a existência de uma suposta responsabilidade social em contraposição à responsabilidade penal não só contradiz a letra do ECA (art.103) como também constitui - pelo menos objetivamente – uma posição funcional a políticas repressivas, demagógicas e irracionais. No contexto do sistema de administração da justiça juvenil proposta pelo ECA, que prevê expressamente a privação de liberdade para delitos de natureza grave, impugnar a existência de um Direito Penal Juvenil é tão absurda como impugnar a Lei da Gravidade. Se em uma definição realista do Direito Penal se caracteriza pela capacidade efetiva – Legal e legítima – de produzir sofrimentos reais, sua impugnação ali onde a sanção de privação de liberdade existe e se aplica constitui uma manifestação intolerável de ingenuidade ou o regresso sem dissimulação ao festival de eufemismos que era o Direito de ‘Menores’”.

João Batista Costa Saraiva refere que esse sistema de responsabilização,

que ele denomina de Direito Penal Juvenil, “está ínsito ao sistema do Estatuto da

Criança e do Adolescente, e seu aclaramento decorre de uma efetiva operação

hermenêutica, incorporando as conquistas do garantismo penal e a condição de

cidadania que se reconhece no adolescente em conflito com a Lei”32.

Destarte, um sistema de responsabilidade penal juvenil construído sob a

ótica da proteção integral implica o reconhecimento, além das garantias específicas

ao ramo da justiça infanto-juvenil, de todas as garantias previstas para os adultos

autores de ilícitos penais, porquanto se traduz em direitos e garantias que se

estendem a todos os cidadãos, independentemente de sexo, idade, cor, raça, credo e

situação econômica.

Nesse sentido, sentencia Mary Beloff33:

32 SARAIVA, João Batista Costa. Adolescentes em conflito com a lei – da indiferença à proteção integral. Porto Alegre: Editora Livraria do Advogado, 2003, p. 71.

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“En cuanto a la politica criminal, se reconocen a las personas menores de dieciocho años todas las garantias que les corresponden a los adultos em los juicios criminales según las constituiciones nacionales y los instrumentos internacionales pertinentes, además de lãs garantias específicas que corresponden a la condición de personas que están creciendo. Es importante insistir em que em um modelo de protección integral la circunstancia de estar creciendo no implica perder la condición de sujeto. Por el contrario, estos sujetos precisamente por esse circunstancia cuentam com alguns derechos extra aparte d los que tienen todas las personas. Ese es el fundamento, entre otros, de um sistema de responsabilidade penal juvenil”.

Não se pode mais fechar os olhos para o fato de que o sistema

socioeducativo representa, efetivamente, um modelo de responsabilização especial de

jovens em conflito com a lei, inspirado nos princípios do Direito Penal Mínimo,

consubstanciando-se na ultima ratio da esfera dos direitos da criança e dos

adolescentes, somente estando autorizada e legitimada a sua aplicação quando,

frustrados os objetivos do sistema primário e secundário de garantias, for verificada,

observado o devido processo legal, a prática de uma conduta típica, ilícita e culpável,

denominada, no âmbito da justiça infanto-juvenil, de ato infracional34.

2.1O ato infracional enquanto nova espécie do gênero “infração penal”

Assentado que o sistema terciário de garantias instituído pelo Estatuto da

Criança e Adolescente representa um modelo de responsabilização penal juvenil,

fundado nos princípios do Direito Penal Moderno, torna-se inafastável a devida

33 BELOFF, Mary. Los Sistemas de Responsabilidade Penal Juvenil em América Latina. In: MENDEZ, Emilio Garcia; BELOFF, Mary (coord). Infancia, Ley y Democracia en America Latina. 2ª edição. Buenos Aires: Ediciones Depalma, 1999, p. 91. 34 Reza o artigo 112 do Estatuto que verificada a prática de ato infracional, a autoridade competente poderá aplicar ao adolescente as medidas de: I - advertência; II - obrigação de reparar o dano; III - prestação de serviços à comunidade; IV - liberdade assistida; V - inserção em regime de semi-liberdade; VI - internação em estabelecimento educacional.

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classificação das condutas que, quando praticadas, levam ao acionamento do aparato

socioeducativo.

Conforme bem coloca Saraiva, a partir da adoção da doutrina da

proteção integral, deixa de existir o conceito de “desvio de conduta”, invocado no

anterior sistema como fundamento para a segregação de “menores” inconvenientes,

vigendo, desde o advento da Lei nº. 8.069/90, os princípios da legalidade e da

anterioridade penal35.

O princípio da legalidade se consubstancia na viga mestra do Estado de

Direito, assim como na pedra angular de todo e qualquer direito penal que aspira à

segurança jurídica36. Trata-se de uma garantia constitucional fundamental que tem

por escopo proteger os membros da coletividade contra a invasão arbitrária do Estado

em seu direito de liberdade.

O Estatuto da Criança e do Adolescente, segundo a dicção do seu artigo

103, considera como ato infracional “a conduta descrita como crime ou contravenção

penal”. Destarte, o principio da legalidade se revela na definição de ato infracional,

na medida em que é parte da mesma seleção de condutas tipificadas como crime ou

contravenção penal37.

É cediço que os conceitos de “crime” e “contravenção penal” são

espécies do gênero “infração penal”, diferenciando-se tão-somente em razão do

preceito sancionador cominado ao tipo legal, conforme disposição legal contida no

artigo 1º do Decreto-Lei nº. 3.914/41, Lei de Introdução ao Código Penal, in literis:

35 SARAIVA, João Batista Costa. O Adolescente em Conflito com a Lei e sua Responsabilidade: Nem abolicionismo penal, nem direito penal máximo. In: Revista Brasileira de Ciências Criminais, volume 12. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2004, p. 123 – 145.36 BATISTA, Nilo. Introdução crítica ao direito penal brasileiro. 8ª edição. Rio de Janeiro: Revan, 2002, p. 67.37 SPOSATO, Karina Batista.Op cit, p.87.

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“Art. 1º Considera-se crime e infração penal a que a lei comina pena de reclusão ou de detenção, quer isoladamente, quer alternativa ou cumulativamente com a pena de multa; contravenção, a infração penal a que a lei comina, isoladamente, pena de prisão simples ou de multa, ou ambas, alternativa ou cumulativamente.”

O ato infracional tem rigorosa equivalência aos conceitos de crime ou

contravenção penal, diferenciando-se destes no que diz respeito à resposta estatal

direcionada ao adolescente autor de conduta definida nas legislações repressoras, uma

vez que a ele não se aplica a pena strictu sensu, mas medidas socioeducativas.

É o raciocínio de Joubert Farley Eger38:

“Neste passo, observa-se que os atos infracionais expressos no art.103 da Lei 8.069/90, subsumem-se totalmente nas condutas tipificadas como crimes e contravenções, desviando-se do preceito normativo somente no que corresponde ao preceito sancionador, sendo este atendido às medidas dos artigos 101 e 112 do Estatuto.”

Desse contexto, conclui-se que o sistema penal brasileiro, abandonando a

divisão dicotômica clássica, assume contornos de divisão tricotômica,

consubstanciando-se o ato infracional, ao qual a lei comina a aplicação de medidas

socioeducativas, a terceira espécie do gênero “infração penal”39. Não se olvide,

entretanto, que essa divisão tricotômica tende a se estabelecer definitivamente em

nosso ordenamento jurídico.

Com efeito, a Lei nº. 11.343/06, Nova Lei Antidrogas, diploma legal

compromissado com propostas para a prevenção do consumo de drogas, atenção e

38 EGER, Joubert Farley. Nova classificação da infração penal no atual sistema criminal brasileiro e o aplacamento da controvérsia de aplicação do instituto prescricional. Disponível em http://www.abmp.org.br. 39 EGER, Joubert Farley. Op cit.

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reinserção social do usuário, ao definir a conduta de porte de drogas para uso próprio,

deixou de cominar sanções que conduzam a qualquer tipo de prisão.

A novel legislação trouxe um acirrado debate à doutrina pátria. Para uns,

a conduta de porte de drogas para uso pessoal remanesce considerada crime, tendo

optado o legislador pela suavização da resposta estatal, ou seja, pela

despenalização40; para outros, a Nova Lei Antidrogas importou a descriminalização

penal da conduta, afastando-a do âmbito do Direito Penal, embora remanesça

enquanto ilícito em esfera do direito que não a criminal41; e, por fim, uma corrente

intermediária, segundo a qual teria havido a descriminalização formal da conduta,

deixando ela de ser considerada crime, embora continue sendo um ilícito de caráter

penal.

Defendendo a descriminalização formal da conduta, a lição de Luiz Flávio

Gomes42:

“(...) a nova lei de drogas, no art. 28, descriminalizou formalmente a conduta da posse de droga para consumo pessoal. Retirou-lhe a etiqueta de ‘crime’ porque de modo algum permite a pena de prisão. Conseqüência natural: o usuário já não pode ser chamado de ‘criminoso’. Ele é autor de um ilícito (porque a posse da droga não foi legalizada), mas já não pode receber a pecha de ‘criminoso’. A não ser assim, cai por terra toda a preocupação preventiva e tendencialmente não punitivista da lei, em relação ao usuário. O fato de a própria lei ter intitulado o capítulo III, do Título II, como ‘dos crimes e das penas’ não impede a conclusão acima exposta porque nosso legislador há muito tempo deixou de

40 Ver, nesse sentido, o artigo “Art. 28 da Lei nº 11.343/06. Do tratamento diferenciado dado ao usuário de drogas: medida despenalizadora mista”, de autoria de Davi André Costa Silva, disponível em http://jus2.uol.com.br/doutrina/texto.asp?id=8949. 41 Esse foi o entendimento esposado pelo Juiz de Direito Dr. Orlando Faccini Neto, em decisão cuja íntegra está disponível no sítio do Tribunal de Justiça na rede mundial de computadores, http://www.tj.rs.gov.br/site_php/noticias/mostranoticia.php?assunto=1&categoria=1&item=40078&voltar=S.42 GOMES, Luiz Flávio. Nova lei de drogas: descriminalização da posse de drogas para consumo pessoal. Jus Navigandi, Teresina, ano 11, n. 1236, 19 nov. 2006. Disponível em: http://jus2.uol.com.br/doutrina/texto.asp?id=9180. Acesso em: 10 jan. 2007.

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ser técnico. Ele também fala em crime de responsabilidade na Lei 1.079/1950 e aí não existe nenhum crime. (...)diante de tudo quanto foi exposto, conclui-se que a posse de droga para consumo pessoal passou a configurar uma infração sui generis. Não se trata de ‘crime’ nem de ‘contravenção penal’ porque somente foram cominadas penas alternativas, abandonando-se a pena de prisão. De qualquer maneira, o fato não perdeu o caráter de ilícito (recorde-se: a posse de droga não foi legalizada). Constitui um fato ilícito, porém, sui generis.”

Seguindo essa mesma linha de pensamento, posiciona-se João José

Leal43:

“(...) Como a lei não admite o uso da prisão, nem mesmo no caso de reincidência e/ou de não cumprimento das sanções não-detentivas aplicadas pelo juiz, na prática, o usuário acabará excluído do controle penal. (...) Na verdade, a Lei 11.343/06 criou uma figura típica inusitada em nosso Direito Penal. A rigor, a conduta de porte para consumo pessoal não pode ser considerada crime ou contravenção, que são as duas espécies de infração admitidas em nosso sistema penal.”

Concordamos com os mestres citados. A Nova Lei Antidrogas não

importou a descriminalização material da conduta de porte de drogas para consumo

próprio, mormente porque não foi ela legalizada. Também não implicou o novel

diploma a mera despenalização, porque, à luz dos princípios que orientam as normas

integrantes dessa legislação, o usuário de drogas não pode mais receber a tarja de

criminoso ou contraventor.

Discordamos, entretanto, quando afirmam que a posse de drogas para

consumo próprio passou a configurar infração penal sui generis, nos dizeres de Gomes;

ou uma figura típica inusitada, conforme afirma Leal. Essa nova espécie de infração

43 LEAL, João José. Politica criminal e a Lei nº 11.343/2006: descriminalização da conduta de porte para consumo pessoal de drogas?. Jus Navigandi, Teresina, ano 10, n. 1213, 27 out. 2006. Disponível em: http://jus2.uol.com.br/doutrina/texto.asp?id=9091. Acesso em: 10 jan. 2007.

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penal trata-se, em nossa opinião, do ato infracional, porquanto as sanções previstas

no artigo 28 da Lei nº. 11.343/06 consubstanciam-se em verdadeiras medidas

socioeducativas que visam, sobretudo, conscientizar os usuários acerca dos efeitos

nocivos das substâncias entorpecentes44.

Assim, as medidas socioeducativas, instrumentos antes aplicados

somente a adolescentes autores de conduta definida como crime ou contravenção

penal, em função da descriminalização formal operada sobre a conduta de posse de

drogas para uso próprio, têm como destinatários também os adultos, aplacando o

abandono da divisão dicotômica clássica adotada pelo sistema penal brasileiro em

favor da divisão tricotômica, de modo a serem considerados espécies do gênero

“infração penal” os “crimes”, as “contravenções penais”, e os “atos infracionais”.

2.2 A sanção estatal prevista ao adolescente autor de ato infracional

A norma jurídica penal é composta por duas partes, a saber, o preceito e

a sanção. O preceito é a parte da norma que indica o que devemos ou não fazer,

constituindo, portanto, as regras de conduta. A sanção, por sua vez, é a resposta

imposta a alguém em razão da violabilidade da norma, assegurando a coercibilidade

do ordenamento jurídico.

Quanto ao preceito, o Estatuto da Criança e do Adolescente vincula a

conduta à tipificação prevista na Legislação Penal, conforme expressamente referido

pelo artigo 103. No que tange às sanções, o Estatuto criou um sistema próprio,

44 Art. 28. Quem adquirir, guardar, tiver em depósito, transportar ou trouxer consigo, para consumo pessoal, drogas sem autorização ou em desacordo com determinação legal ou regulamentar será submetido às seguintes penas:I - advertência sobre os efeitos das drogas;II - prestação de serviços à comunidade;III - medida educativa de comparecimento a programa ou curso educativo.

28

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composto pelas medidas socioeducativas, elencadas no artigo 112 do Estatuto45. São

medidas com finalidade pedagógica que tratam da inserção dos adolescentes em

contrariedade à lei em processos educativos que visam, sobretudo, à construção ou à

reconstrução de projetos de vida desatrelados da prática de atos infracionais e,

concomitantemente, à inclusão social plena. Ainda assim, não se pode mais fechar os

olhos para o seu caráter sancionatório.

Nesse sentido, já são clássicos os ensinamentos de Antônio Fernando

Amaral e Silva46:

“Diante da delinqüência juvenil, seja nos antigos Códigos da Doutrina da Situação Irregular, seja nas modernas legislações, não se encontrou outra alternativa que referir a condutas tipificadas na lei penal.A resposta, tenha o nome que tiver, seja medida protetiva, socioeducativa, corresponderá sempre à responsabilização pelo ato delituoso.Tais medidas, por serem restritivas de direitos, inclusive da liberdade, conseqüência da responsabilização, terão sempre inescondivel caráter penal. Essa característica (penal especial) é indesmentível e, em antigas ou novas legislações, não pode ser disfarçada”.

Amaral e Silva refere que aos adolescentes não se pode imputar

responsabilidade frente à legislação penal comum, embora sejam eles

responsabilizáveis frente às normas do Estatuto, respondendo pelas condutas que 45 Art. 112. Verificada a prática de ato infracional, a autoridade competente poderá aplicar ao adolescente as seguintes medidas:I - advertência;II - obrigação de reparar o dano;III - prestação de serviços à comunidade;IV - liberdade assistida;V - inserção em regime de semi-liberdade;VI - internação em estabelecimento educacional.46 AMARAL e SILVA, Antônio Fernando. O mito da inimputabilidade penal e o Estatuto da Criança e do adolescente. In: Revista da Escola Superior da Magistratura do Estado de Santa Catarina. Florianópolis: AMC, 1998, p. 263.

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praticam e submetendo-se a uma resposta estatal coercitiva que, além da finalidade

pedagógica, objetiva evitar a prática de novos atos infracionais.

A pena consiste na sanção penal de caráter aflitivo, cuja finalidade é

aplicar a retribuição punitiva ao delinqüente, promover a sua readaptação social e

prevenir novas transgressões pela intimidação dirigida à coletividade47. A medida

socioeducativa cumpre com o mesmo papel, de maneira que, substancialmente,

inexistem diferenças entre estas e aquelas.

Afonso Armando Konzen ensina que o elemento aflitivo da medida

socioeducativa somente pode ser extraído a partir da correta compreensão acerca do

sentimento que a aplicação desta faz emergir no adolescente. Explica o autor que

“Como as medidas existem como possibilidade de serem aplicadas por alguém em

alguém, pela autoridade judiciária ao adolescente autor de ato infracional, em

conseqüência de uma relação de poder, o primeiro indicativo, em busca de uma

resposta à questão do que são as medidas socioeducativas, só pode ser alavancado a

partir do sentimento do destinatário, da sensação pessoal daquele atingido por uma

medida”48.

Esclarecendo qualquer dúvida sobre que sentimento seria esse, o

provocado pela aplicação de uma medida socioeducativa, sentencia Konzen:

“(...) não há a mínima correspondência entre a medida objetivamente considerada e a sensação subjetiva do destinatário. Basta observar a impressão generalizada entre os jovens infratores que se encontram na efetiva condição de responder pelas conseqüências de uma infração (no lugar de meros depositários de um provimento judicial com vistas a sua tutela). Muito pouco

47 CAPEZ, Fernando. Op cit, p. 323.48 KONZEN, Afonso Armando. Pertinência Socioeducativa: reflexão jurídica sobre a natureza jurídica das medidas. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2005, p. 43.

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importa a qualidade do ambiente em que se opera a providência. Basta perguntar. Eles dirão que se sentem respondendo pela infração praticada. Sentem-se, portanto, subjetivamente comprometidos e vinculados em responder face de um comportamento infracional. Somente aceitam a resposta e submetem-se às suas conseqüências porque sabem que a resposta deriva da prática de um ato ilegal e eticamente insustentável. Tanto assim que aquele eventualmente atingido por uma medida por fato não praticado passa a manifestar sua inconformidade, na forma de revolta, insubordinação e outras modalidades de inadaptação, fruto, no compreender subjetivo do destinatário, de uma decisão injusta, por fato inexistente ou pela inadequação ou desproporcionalidade da conseqüência” 49

Não é mais possível fechar os olhos ao caráter repressivo e sancionatório

presente nas medidas socioeducativas previstas no Estatuto da Criança e do

Adolescente, uma vez que essas consistem na resposta do Estado à prática, por um

adolescente, de uma conduta típica (descrita na legislação penal como crime ou

contravenção), antijurídica (não praticada acobertada por causas justificadoras) e

reprovável (da qual se tem potencial consciência quanto à ilicitude, e do agente se

pode exigir conduta diversa).

Negar tal fato, com a devida vênia aos que assim o fazem, significa fazer

dialogarem, indevidamente, as regras do Estatuto com a principiologia menorista, que

há muito deveria ter sido sepultada. Significa, outrossim, negar ao adolescente todo o

arcabouço de direitos e garantias conquistados com a evolução do direito infanto-

juvenil e consagrados em nosso ordenamento jurídico a partir da promulgação da

Carta da República e do Estatuto da Criança e do Adolescente. E significa, ainda,

impugnar a existência de um Direito Penal Juvenil, o que, conforme refere Mendez,

“é tão absurdo como impugnar a Lei da Gravidade”50.

49 Idem, p. 59.50 MENDEZ, Emílio Garcia. Op cit, p. 16.

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3. O INSTITUTO DA PRESCRIÇÃO E SUA APLICABILIDADE AOS ATOS INFRACIONAIS

DISCIPLINADOS NO ESTATUTO DA CRIANÇA E DO ADOLESCENTE

3.1Considerações iniciais

O instituto da prescrição está diretamente relacionado à ação do tempo,

servindo à segurança e à paz social, considerando o interesse existente por parte da

sociedade em assegurar que determinadas situações ou relações jurídicas não tenham

efeito ad eternum. Seja no campo cível, seja no campo criminal, passando por todos

os demais ramos do Direito – administrativo, tributário, trabalhista e eleitoral, por

exemplo –, o passar do tempo sempre exerce função substantiva na consolidação das

relações jurídicas.

Na esfera penal, O Estado é o único responsável pelo direito de punir o

indivíduo autor de uma conduta tipificada na legislação. Quando um sujeito pratica

um ilícito penal, surge para o Estado a pretensão de ver processado e julgado o autor

da conduta para que, ao cabo, seja imposta a sanção que a lei comina – é o chamado

jus puniendi, ou pretensão punitiva. Outrossim, a partir do momento em que transita

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em julgado a sentença condenatória, nasce a pretensão executória, em que o Estado

adquire o direito de executar a sanção imposta pelo Poder Judiciário – o jus

punitionis, ou pretensão executória.

A inércia do Estado no exercício do jus puniendi ou do jus punitionis

acarreta a perda do poder-dever de punir o autor de um fato delituoso, uma vez que

esse direito não pode eternizar-se como uma espada de Dámocles pairando sobre a

cabeça do indivíduo51. Ou seja, em face do transcurso de um lapso temporal definido

em lei, o Estado é penalizado, em razão da sua inércia, com a perda do poder-dever

de aplicar qualquer sanção pelo ato praticado.

Segundo o magistrado paulista Guilherme de Souza Nucci52, várias são as

teorias que fundamentam o instituto da prescrição, a saber:

“(...)a) teoria do esquecimento: baseia-se no fato de que, após o decurso de certo tempo, que varia conforme a gravidade do delito, a lembrança do crime apaga-se da mente da sociedade, não mais existindo o temor causado pela sua prática, deixando, pois, de haver motivo para a punição; b) teoria da expiação moral: funda-se na idéia de que, com o decurso do tempo, o criminoso sofre a expectativa de ser, a qualquer tempo, descoberto, processado e punido, o que já lhe serve de aflição, sendo desnecessária a aplicação da pena; c) teoria da emenda do delinqüente: tem por base o fato de que o decurso do tempo traz, por si só, mudança de comportamento, presumindo-se a sua regeneração e demonstrando a desnecessidade da pena; d) teoria da dispersão das provas: lastreia-se na idéia de que o decurso do tempo provoca a perda das provas, tornando quase impossível realizar um julgamento justo muito tempo da consumação do delito. Haveria maior possibilidade de ocorrência de erro judiciário; e) teoria psicológica: funda-se na idéia de que, com o decurso do tempo, o criminoso altera o seu modo de ser e de

51 BITENCOURT, Cezar Roberto. Tratado de Direito Penal : parte geral, volume 1. 9ª edição. São Paulo: Editora Saraiva, 2004, p. 769.52 NUCCI, Guilherme de Souza. Código penal comentado. 6ª edição. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2006, p. 491 – 492.

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pensar, tornando-se pessoa diversa daquela que cometeu a infração penal, motivando a não aplicação da pena (...)”

Assim, diante de tais considerações, e seguindo a lição de Damásio

Evangelista de Jesus53, o qual é acompanhado pela maioria da doutrina pátria, o

instituto da prescrição pode ser conceituado como “a perda do poder-dever de punir

do Estado pelo não exercício da pretensão punitiva ou da pretensão executória

durante certo tempo”.

A incidência da prescrição à pretensão estatal em aplicar medidas

socioeducativas a adolescentes autores de atos infracionais é tema que têm gerado

grandes debates na doutrina pátria, assim como na jurisprudência dos nossos

tribunais, e por isso nos propomos a proceder à análise do instituto à luz da

Constituição Federal e, por fim, aplacar a discussão acerca da possibilidade de sua

incidência sobre a esfera do Direito da Infância e da Juventude.

3.2O instituto da prescrição enquanto garantia fundamental

Hodiernamente, existe uma divisão doutrinária no que se refere à

natureza jurídica do instituto da prescrição. Alguns afirmam que ela é um instituto de

direito processual penal, tendo em vista que constitui um obstáculo ao início ou

prosseguimento da persecução criminal; outros, por sua vez, entendem que ela é um

instituto de direito penal, justificando que o Estado perde o poder-dever de punir.

Esta corrente é defendida pela maioria dos autores. Como forma mediadora, uma

pequena corrente alega que a prescrição possui um caráter misto, tanto de direito

penal, quanto de direito processual penal.

53 JESUS, Damásio Evangelista de. Prescrição Penal. 16ª edição. São Paulo: Ed. Saraiva, 2003. p. 17.

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Sem embargo às respeitáveis afirmações nesse ou naquele sentido,

entendemos que a prescrição se consubstancia em instituto de direito penal, uma vez

que não é a extinção da ação penal a conseqüência primeira do reconhecimento do

decurso de prazo demasiadamente excessivo. O que desaparece, conforme já

explanado, é a própria pretensão estatal, sendo a extinção da ação mera

conseqüência lógica da ausência de justa causa para o seu prosseguimento, uma vez

que nenhuma sanção poderá ser imposta ao agente.

Entretanto, desde a redemocratização do Estado Brasileiro, temos que a

prescrição, na esfera penal, deixou de se consubstanciar em mera causa extintiva da

punibilidade do agente autor de uma conduta tipificada na legislação repressiva,

passando a assumir um papel muito mais importante no ordenamento jurídico pátrio.

Vale dizer, a partir da Carta da República, o instituto assumiu feições de verdadeira

garantia fundamental do cidadão contra o temerário poder estatal.

Nesse sentido, considerando que Carta Magna estatuiu serem

imprescritíveis “a prática de racismo”54 e “a ação de grupos armados, civis e

militares, contra a ordem constitucional e o Estado Democrático”55, conclusão

inarredável, a qual deflui de uma interpretação a contrario sensu do texto

constitucional, é a de que todas as demais condutas descritas na legislação penal

estão sujeitas ao instituto prescricional.

Noutro passo, entendemos existir um segundo argumento que milita em

favor do reconhecimento da prescrição como uma garantia fundamental do homem e

54 Constituição Federal, artigo 5º, inciso XLII.55 Constituição Federal, artigo 5º, inciso XLIV.

35

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do cidadão, qual seja, a inclusão da celeridade processual no catálogo de direitos e

garantias estatuídos na Constituição Federal.

Com efeito, a inquietação da sociedade com a morosidade do Poder

Judiciário na solução das lides processuais ensejou que o tema passasse a ser objeto

de tratados internacionais sobre direitos humanos, como o Pacto Internacional de

Direitos Civis e Políticos de 1966 e a Convenção Americana sobre Direitos Humanos de

196956. O Brasil, mesmo tendo ratificado ambos os tratados internacionais, somente

em 2004 inseriu, formalmente, o direito à celeridade processual e à razoável duração

do processo no ordenamento jurídico, por meio da aprovação da Emenda

Constitucional nº. 4557.

O instituto da prescrição penal, cujos prazos são estabelecidos por razões

de política criminal, trata-se de uma garantia fundamental contra o poder punitivo

estatal porque: a) objetiva conferir segurança jurídica ao cidadão, de modo que esse

não sofra eternamente, ou por prazo excessivo, os efeitos nocivos do processo penal,

tampouco seja condenado por delito praticado em data por demais longínqua; e b)

obriga o Estado, titular da pretensão punitiva, a não ser inerte, provocando o

exercício da atividade jurisdicional de forma célere e, sobretudo, efetiva.

3.3.A prescritibilidade dos atos infracionais

A Lei nº. 8.069/90, ao elevar crianças e adolescentes à condição de

sujeitos de direito, rompendo com o paradigma tutelar da legislação anterior, segundo 56 ZDANSKI, Claudinei. O princípio da razoável duração do processo e seus reflexos no inquérito policial. Jus Navigandi, Teresina, ano 11, n. 1260, 13 dez. 2006. Disponível em http://jus2.uol.com.br/doutrina/texto.asp?id=9271. Acesso em 17 mar. 2007. 57 Dispõe o inciso LXXVIII do artigo 5º da Carta Magna, incluído no catálogo pela citada Emenda Constitucional, que “a todos, no âmbito judicial e administrativo, são assegurados a razoável duração do processo e os meios que garantam a celeridade de sua tramitação”.

36

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a qual os “menores” eram meros objetos de proteção legal, buscou, essencialmente,

privilegiar sua situação especial de pessoa em desenvolvimento, bem como garantir o

pleno reconhecimento dos direitos e garantias fundamentais consagrados na

Constituição Federal de 1988, que têm como destinatários todos os cidadãos.

Nesse sentido, o magistério de Munyr Cury, Paulo Afonso Garrido de

Paula e Jurandir Norberto Maçura58 aponta que:

“(...) a proteção integral, tem como fundamento, a concepção de que crianças e adolescentes são sujeitos de direitos, frente à família, à sociedade e ao Estado. Rompe com a idéia de que sejam simples objetos de intervenção do mundo adulto, colocando-os como titulares de direitos comuns a toda e qualquer pessoa, bem como de direitos especiais decorrentes da condição peculiar de pessoas em desenvolvimento.”

Outrossim, conforme assevera Luciano Feldens59, “a Constituição e o

Direito Penal empreendem, entre si, uma relação axiológica-normativa; o epicentro

dessa zona de interseção compartida pela ordem constitucional e a disciplina jurídco-

penal é informada por uma essencial correspondência de sentido: a tutela dos

direitos fundamentais”.

O mesmo raciocínio deve ser aplicado à relação empreendida entre

Constituição Federal e Estatuto da Criança e do Adolescente. Vale dizer, além de se

servir da Carta Magna como sua fonte valorativa, no que tange aos adolescentes em

conflito com a lei, autores de condutas típicas, ilícitas e culpáveis, considerando o

nítido caráter aflitivo da resposta estatal prevista para a pratica de tais condutas,

58 CURY, Munir; PAULA, Paulo Afonso Garrido de; MAÇURA, Jurandir Norberto. Estatuto da criança e do adolescente anotado. 2ª edição. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1999, p. 19.59 FELDENS, Luciano. A conformação constitucional do Direito Penal: realidades e perspectivas, in: A constitucionalização do Direito: fundamentos teóricos e aplicações específicas. Rio de Janeiro: Lúmen Júris, 2007, p. 854.

37

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deve o Estatuto valer-se do texto constitucional para estabelecer limitações ao jus

puniendi estatal, visando resguardar o direito maior de qualquer pessoa: sua

liberdade.

Como já referido no capítulo anterior, a prescrição se consubstancia em

verdadeira garantia da qual goza o autor de um ilícito penal, garantia contra o jus

puniendi estatal, existente também em sede da justiça da infância e da juventude,

impedindo que esse possa ser exercido ad eternum.

Como bem sinalizou Denival Francisco da Silva60, “as garantias e direitos

individuais foram elevadas ao grau de princípios constitucionais não sem motivação,

mas na certeza de que seriam, doravante, instrumento perene de dignidade humana

e cidadania”, tratando-se, pois, de normas inderrogáveis, inalienáveis e indeléveis.

Não se pode, destarte, negar a incidência do instituto da prescrição aos

atos praticados por adolescentes, pena de se incorrer em violação ao princípio

orientador do Estatuto segundo o qual crianças e adolescentes gozam de todos os

direitos fundamentais inerentes à pessoa humana, sem prejuízo da proteção integral61.

O reconhecimento da aplicação do instituto milenar da prescrição aos

atos infracionais praticados por adolescentes significa a afirmação da existência de um

Direito Penal Juvenil, comprometido com os princípios orientadores do Estatuto e com

as garantias dos direitos constitucionalmente consagrados.

3.4 O problema relativo aos prazos prescricionais

60 SILVA, Denival Francisco da. Prescrição: direito e garantia fundamental (art. 5o., XLII, CF) e porquanto, instituto que alcança toda forma de sanção imposta à pessoa humana, inclusive, e em especial, as medidas socioeducativas. Disponível em http://www.abmp.org.br.61 Referido princípio encontra-se expressamente previsto no artigo 3º do Estatuto da Criança e do Adolescente e se consubstancia em decorrência lógica do princípio constitucional da isonomia.

38

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O Estatuto da Criança e do Adolescente, como é cediço, não traz entre

as suas regras previsão expressa acerca do instituto prescricional, de maneira que,

para o reconhecimento do instituto, é necessário um esforço de hermenêutica a partir

das normas insculpidas na legislação penal.

Ocorre que os prazos previstos no Código Penal são graduados em função

das penas máximas abstratamente cominadas (para a hipótese do reconhecimento da

prescrição da pretensão punitiva antes da sentença condenatória) ou das penas

concretamente aplicadas em sentença (nos casos da prescrição da pretensão punitiva

nas modalidades retroativa e intercorrente ou, ainda, de prescrição da pretensão

executória).

Disso decorre um pequeno problema a dificultar a incidência do instituto

também aos atos infracionais praticados por adolescente, uma vez que às medidas

socioeducativas disciplinadas no Estatuto não são previstos, abstratamente, prazos

máximos – a exceção das medidas de prestação de serviços à comunidade e internação

-, nem são elas aplicadas com prazo determinado.

Diante dessa dificuldade, a parcela da doutrina que admite a

possibilidade de extinção da pretensão punitiva estatal na seara infanto-juvenil tem

sugerido diversas maneiras de cálculo do prazo. Se não vejamos.

Jaime Weingartner Neto e Daiana Pereira Teixeira62, por exemplo,

propõem que o prazo prescricional relativo aos atos infracionais sejam calculados em

função da gravidade da conduta praticada:

62 NETO, Jaime Weingartner; TEIXEIRA, Daiana Pereira. Entre o Estatuto da Criança e do Adolescente e o Código Penal: por uma negociação de fronteiras, navegando pela prescrição da medida sócio-educativa. Disponível em http://www.abmp.org.br.

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“(...) O homicídio doloso (mesmo na figura simples), o furto qualificado, o estelionato, o roubo, a extorsão (em qualquer das suas formas), o estupro, o atentado violento ao pudor, o tráfico de entorpecentes – nenhum destes atos infracionais sofreria efeitos prescricionais (todos têm penas superiores a quatro anos, inexistindo lapso prescricional menor do que seis anos – arts. 109, incs. I a III, e 115, ambos do CP –, pelo que um adolescente inusitadamente precoce, que os cometesse aos 12 anos de idade, continuaria passível de medida sócio-educativa até os 18 anos de idade, marco da imputabilidade); o Estado teria quatro longos anos para aplicar medida sócio-educativa a atos infracionais não particularmente graves, como o auto-aborto, o furto simples, a apropriação indébita e a receptação dolosa (CP, arts. 109, inc. IV, e 115); contaria com prazo de dois anos para responder a atos infracionais de calúnia ou de invasão de domicílio à noite ou com emprego de arma, de resistência ou porte de substância entorpecente para uso próprio (arts. 109, inc. V, e 115, ambos do CP); e, no que parece suficiente, não deveria ultrapassar o prazo de um ano para aplicar medida sócio-educativa em relação a delitos de menor potencial ofensivo, tais como lesão corporal simples, ameaça, dano, injúria etc. (CP, arts. 109, inc. VI, e 115).”

Trata-se de solução que, em nossa humilde opinião, não se sustenta

juridicamente, pois entra em confronto direto com as normas constitucionais que

prevêem, tão-somente, a imprescritibilidade da prática de racismo e a ação de grupos

armados, civis e militares, contra a ordem constitucional e o Estado Democrático.

Silva, por sua vez, propõe uma conjugação das regras do Estatuto com as

normas previstas no Código Penal, da seguinte forma:

“a) a orientação para os prazos prescricionais deve ser buscada no art. 109 do Código Penal, não se podendo esquecer que, por se tratar de menor de 21 anos, todos estes prazos haverão de ser reduzidos à metade (art. 115, caput, 1a. parte, CP);b) diante do regramento do item anterior, o maior prazo prescricional possível é de 4 anos (art. 109, caput, e inciso IV, c/c 115, 1a. parte, CP). Isso porque, antes da sentença (seja diante do pedido de remissão cumulado com medida, seja com o julgamento da representação) a medida socioeducativa ainda é uma hipótese

40

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a ser aplicada, não se podendo precisar qual e tampouco o seu tempo de duração, devendo então se reger pelo máximo de medida abstratamente possível, qual seja 3 anos (art. 121, § 3o., ECA);c) se, mesmo antes da sentença, o máximo da pena cominada ao tipo penal incriminador, indicar prazo prescricional inferior a 8 anos (art. 109, V e VI), deve-se adotar esse novo indicativo, porque inferior a hipótese acima, lembrando sempre da necessária combinação com o art. 115, caput, 1a. parte, do CP, para reduzir o prazo à metade;d) uma vez aplicada a medida socioeducativa, e em se tratando de uma daquelas previstas no art. 112 do ECA, nos incisos I (advertência), II (reparação do dano) e III (prestação de serviços à comunidade), vez que nenhuma extrapolará 6 meses, o prazo prescricional será de 1 ano (art. 109, VI, c/c 115, 1ª. parte, CP);e) tratando-se das demais medidas sócio-educativas – art. 112, IV (liberdade assistida), V (inserção em regime de semiliberdade), VI (internação em estabelecimento educacional) –, concretizadas na sentença, o prazo prescricional não poderá seguir mais a regra do máximo da pena em abstrato (art. 109, CP), sob pena de se entender que sempre ao adolescente se aplicaria este máximo. Como não se pode precisar o valor intermediário correspondente, deve-se presumir in bona partem, no sentido de que, se houvesse como quantificar, a medida socioeducativa ficaria em seu mínimo legal. Assim, o prazo prescricional será o da pena mínima em abstrato prevista para o tipo penal incriminador (art. 110, § 1º. , c/c 115, 1ª. parte, CP), desde que, todavia, não exceda o quantum de 4 anos, que é o máximo possível (hipótese descrita no item “a”);f) havendo aplicação de mais de uma medida sócio-educativa, o orientador haverá de ser o do art. 114, II, do CP, dando-se a prescrição pelo maior dos prazos previstos diante das medidas sócio-educativas fixadas na sentença, consoante as regras antecedentes.”

Trata-se de solução bastante criativa decorrente de um significativo

exercício de hermenêutica por parte do autor. Entretanto, tal entendimento exige que

o aplicador do Direito tenha que se valer do quantum da pena cominada ao tipo

incriminador na legislação penal ordinária quando da aplicação das medidas de

liberdade assistida, inserção em regime de semiliberdade e internação, providência

41

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que, para nós, é um equivoco, uma vez que a prescrição in concreto deve ser

calculada a partir da sanção aplicada em sentença.

3.5 A equivocada solução oriunda do Tribunal de Justiça gaúcho: a Súmula nº.

32.

Jurisprudência consiste no conjunto de decisões dos tribunais ou a

orientação que resulta de um conjunto de decisões judiciais proferidas num mesmo

sentido sobre uma dada matéria, consubstanciando-se em verdadeira fonte de direito,

conforme preleciona o saudoso mestre Miguel Reale63.

No que se refere à possibilidade de incidência do instituto da prescrição

aos atos infracionais praticados por adolescentes, o Egrégio Tribunal de Justiça do

Estado do Rio Grande do Sul sempre se mostrou uma Corte conservadora.

Os julgados oriundos do mais alto Órgão Jurisdiconal gaúcho, ainda que

proferidos sob a égide do Estatuto da Criança e do Adolescente e à luz dos princípios e

garantias que orientam a Doutrina da Proteção Integral, sempre demonstraram apego

excessivo à cultura menorista, que após quase um século de vigência ainda irradiava

seus efeitos, pois fortemente enraizada na cultura jurídica de nossos julgadores64.

63 REALE, Miguel. Teoria tridimensional do direito. 4ª edição. São Paulo: Saraiva, 1986. 117 p.64 ESTATUTO DA CRIANCA E DO ADOLESCENTE. MEDIDA SOCIO-EDUCATIVA. EXTINCAO DE PUNIBILIDADE. IMPOSSIBILIDADE DE APLICACAO DA NORMA PENAL. Não se pode, aplicando por analogia o Código Penal, decretar a extinção da punibilidade por prescrição, cujo prazo seria reduzido por metade ao menor infrator. As legislações brasileiras nunca admitiram pena ao menor e, sim, medida de proteção. Assim, não se pode falar de punibilidade que não da. VOTO VENCIDO. (Apelação Cível Nº 594032781, Sétima Câmara Cível, Tribunal de Justiça do RS, Relator: Waldemar Luiz de Freitas Filho, Julgado em 28/09/1994).MENOR. ATO INFRACIONAL. APLICACAO DE MEDIDA SOCIO-EDUCATIVA. IMPRESCRITIBILIDADE. Não se pode falar da incidência do instituto da prescrição, quando se trata de questões ligadas a infância e a juventude. De pena não se cogita, mas de medidas socio-educativas. E estas não prescrevem porque, em tese, destinam-se a reeducar e ressocializar o menor. APELO DESPROVIDO, UNANIME. (Apelação Cível Nº 596091090, Sétima Câmara Cível, Tribunal de Justiça do RS, Relator: Eliseu Gomes Torres, Julgado em 30/10/1996).

42

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Com a evolução dos tempos, natural foi a mudança na composição das

Câmaras competentes para o julgamento dos feitos relativos à infância e à juventude,

gerando uma nítida divisão nas decisões oriundas daquela Corte: de um lado,

julgadores que defendiam o entendimento clássico, negando o caráter aflitivo das

medidas socioeducativas em nome de uma pretensa bondade com o adolescente em

conflito com a lei, ou, nas palavras de Saraiva, “o exercício do discurso do amor para

perpretar uma terrível injustiça: prender sob o pretexto de proteger”65; de outro

lado, julgadores comprometidos com o reconhecimento das crianças e dos

adolescentes como sujeitos titulares de todos os direitos fundamentais inerentes à sua

condição de pessoa humana, além dos diretos decorrentes de sua peculiar condição de

pessoa em desenvolvimento.

Em setembro de 2006, diante da divergência intransponível, em decisão

que pretendeu por fim à discussão que até então era travada no âmbito do 4º Grupo

Cível, órgão fracionário competente para o julgamento dos feitos relativos à infância e

à juventude, uniformizou-se o entendimento da Corte acerca da aplicação do instituto

da prescrição aos atos infracionais por adolescentes cometidos, por intermédio da

Súmula nº. 3266.

Entretanto, rogando vênia ao entendimento esposado pelos ínclitos

julgadores, a aplicação da Súmula nº. 32 na forma como proposta continuará

contrariando os princípios informadores do Direito da Criança e do Adolescente

moderno. Com efeito, a opção pela não-incidência da norma redutora de prazo

65 SARAIVA, João Batista Costa. Compêndio de Direito Penal Juvenil: adolescente e ato infracional. 3ª edição. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2006, p. 44.66 Súmula 32 - Aplica-se aos procedimentos do Estatuto da Criança e do Adolescente o instituto da prescrição, consoante os prazos máximos das medidas socioeducativas cabíveis e os lapsos temporais previstos no art. 109 do Código Penal, sem o redutor decorrente da idade”.

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prescricional prevista no artigo 115 da legislação penal implicará a punição de

adolescentes, mediante aplicação de medidas socioeducativas, enquanto um adulto,

que desfruta de tal benefício não mais o seria, conforme se demonstrará com alguns

poucos exemplos.

Imagine-se um adolescente entre seus 12 e 18 anos de idade, e um

adulto com idade entre 18 e 21 anos (doravante denominado jovem-adulto), os dois

autores, isoladamente e nas mesmas condições, da conduta descrita no artigo 129 do

Código Penal, cuja pena cominada fica entre os 03 (três) meses e 01 (um) ano de

detenção.

Ao adolescente, após o procedimento para apuração de ato infracional,

comprovadas a existência e a autoria do fato, seria aplicada uma das medidas

descritas na legislação infanto-juvenil, muito provavelmente uma advertência ou a

prestação de serviços à comunidade. Ao jovem-adulto, por sua vez, após as três fases

de aplicação da pena, restaria a pena fixada entre os patamares mínimo e máximo

antes referidos, dificilmente alcançando este último.

Nos termos do verbete nº. 32, o prazo prescricional do fato, quando

cometido por um adolescente, seria de 02 (dois) anos, ao passo que o prazo

prescricional quando o fato for cometido por um jovem-adulto, beneficiado pela regra

do artigo 115 do Código Penal, seria de 01 (um) ano.

Outra conduta comumente praticada por adolescentes é a descrita no

artigo 157 do Código Penal, o roubo, na maioria das vezes em concurso de agentes

e/ou mediante emprego de arma de fogo, fazendo incidir as circunstâncias de

aumento de pena previstas nos incisos I e II do referido dispositivo legal.

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Ao jovem-adulto, autor de tal crime, em sendo favoráveis as

circunstâncias judiciais, não incidindo circunstâncias agravantes ou outras causas de

aumento de pena, seria aplicada pena em torno de 05 (cinco) anos e 06 (seis) meses,

ao passo que ao adolescente seria aplicada uma medida de internação, conforme

reiteradamente tem procedido o Egrégio Tribunal gaúcho.

Na esteira do quanto sumulado, o prazo prescricional do fato praticado

pelo adolescente seria de 08 (oito) anos. Já ao jovem adulto, em razão da aplicação

do redutor previsto no artigo 115, a prescrição da pretensão punitiva se configuraria

em 06 (seis) anos.

Nada mais precisa ser dito para demonstrar que, efetivamente, a Súmula

32, ao deixar de reconhecer a aplicação da regra do artigo 115, implica, em algumas

hipóteses, a punição de adolescentes quando um adulto, nas mesmas condições, não o

seria, violando o princípio constitucional da isonomia.

Saraiva67 sentencia que “todo ato que não seja considerado delito, nem

seja punido quando cometido por adulto, também não deverá ser considerado um

delito, nem ser objeto de punição quando for cometido por um adolescente”.

Por tais razões, acreditamos que a revisão da Súmula nº. 32 pelo Egrégio

Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul é medida que se impõe, a fim de

evitar-se que o reconhecimento da prescrição se transforme em uma verdadeira

falácia68.

3.6 Incidência da prescrição: uma proposta proporcional

67 SARAIVA, João Batista Costa. Op cit, p. 84.68 Excerto extraído da manifestação do e. Desembargador Luis Felipe Brasil Santos quando do julgamento incidente de uniformização de jurisprudência nº. 70016676967

45

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Como se viu, a doutrina e a jurisprudência divergem no que tange à

forma de cálculo dos prazos prescricionais, sendo imperiosa a formulação de um

método que não viole os direitos fundamentais previstos na Constituição Federal e na

normativa internacional, dos quais são titulares as crianças e os adolescentes, e que,

ainda, não opere com as penas cominadas na legislação penal ordinária, fundando-se

tão-somente nas medidas previstas no Estatuto.

A primeira premissa à qual devemos nos ater é a de que as medidas

socioeducativas devem sempre guardar proporção às circunstâncias e às necessidades

do jovem, às necessidades da sociedade e, especialmente, às circunstâncias e à

gravidade do fato praticado (parâmetro que também orienta a fixação dos prazos

prescricionais na legislação penal), de maneira que os prazos prescricionais devem

guardar proporção à gravidade do fato e à medida concretamente aplicada como

resposta.

Outrossim, há que se ter em mente que, até que seja suprida a omissão

legislativa, os prazos prescricionais devem ser buscados no artigo 109 do Código Penal,

reduzidos à metade, pela inafastável aplicação do artigo 115 do Diploma Repressivo.

Diante de tais considerações, a nossa proposta é a que segue:

a) antes da sentença que aplica a medida socioeducativa ao adolescente,

o prazo prescricional deve reger-se pelo máximo de tempo de permanência em

internação, medida mais gravosa prevista no Estatuto, e só pode perdurar por 03 (três)

anos69, de modo que a pretensão estatal prescreveria, in abstrato, em 04 (quatro)

anos, artigo 109, caput, e inciso IV, combinado com o artigo 115, ambos do Código

Penal;

69 Estatuto da Criança e do Adolescente, artigo 121, parágrafo 3º.

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b) aplicada uma das medidas socioeducativas previstas nos incisos I

(advertência), II (reparação do dano) e III (prestação de serviços à comunidade) do

artigo 112 do Estatuto, há que se considerar o prazo máximo previsto à medida mais

gravosa, 06 (seis) meses, configurando-se o prazo prescricional em 01 (um) ano, nos

termos do artigo 109, inciso VI, combinado com o artigo 115, ambos do Diploma

Repressivo;

c) aplicada a medida de liberdade assistida, prevista no inciso IV do

artigo 112, cujo prazo mínimo de duração é de 06 (seis) meses, aplicável a atos

infracionais de maior gravidade que as medidas anteriores, por razões de

proporcionalidade e razoabilidade, essa prescreveria em 02 (dois) anos, nos termos do

artigo 109, inciso V, combinado com o artigo 115;

d) em sendo aplicada uma das medidas socioeducativas previstas nos

incisos V (inserção em regime de semiliberdade) e VI (internação), medidas privativas

de liberdade aplicáveis diante de circunstâncias efetivamente graves, a prescrição

regular-se-ia pelo prazo imediatamente posterior, ou seja, 04 (quatro) anos, por força

do disposto no artigo 109, inciso V, combinado com o artigo 115;

e) por analogia às regras do Código Penal, há que se admitir a prescrição

em qualquer de suas modalidades, considerando-se a data do recebimento da

representação e a data de publicação da decisão que a julga procedente como marcos

interruptivos da prescrição, parâmetros para a contagem da prescrição nas formas

retroativa, superveniente e executória.

Por óbvio a proposta supra não se consubstancia na melhor forma de

aplicação do instituto, pois haverá hipóteses em que a prescrição in abstrato se

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confundirá com a prescrição in concreto, e poderá, ainda, levar a situações de

aplicação de medida socioeducativa quando prescrita a pretensão punitiva estatal,

caso o autor fosse um adulto. Entretanto, trata-se de uma proposta que busca

conciliar as regras de cálculo da prescrição com a gravidade dos fatos praticados,

proporcionalmente às medidas socioeducativas aplicáveis, de modo a possibilitar o

efetivo reconhecimento do instituto na seara penal juvenil.

A necessidade de regulamentação do instituto da prescrição pelo

legislador é patente, e, até que a omissão seja suprida, caberá ao aplicador do Direito

a tarefa de fazer as fontes dialogarem em busca de melhor solução para a

controvérsia.

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CONSIDERAÇÕES FINAIS

A história mostra que a responsabilização juvenil pela prática de

condutas definidas na legislação penal sempre refletiu o modelo penal predominante

em cada um dos períodos considerados.

Na chamada “Etapa da Indiferença”, que vigorou durante todo o século

XIX, influenciada pelos postulados da Escola Clássica, segundo a qual o crime

consubstanciava-se na violação voluntária e consciente da harmonia social,

representada pelo Contrato Social, e a pena, na justa retribuição imposta pela

sociedade em razão do descumprimento do pacto de paz celebrado, o tratamento

dispensado aos jovens autores de condutas descritas como delito em nada se

diferenciava daquele dispensado aos adultos, uma vez que as mesmas sanções eram

aplicadas a ambos, além de o cumprimento se dar nos mesmos estabelecimentos

prisionais.

Na segunda fase de evolução da responsabilização penal juvenil, a qual

denominou-se “Etapa Tutelar”, a influência do pensamento positivista do início do

século XX era evidente. O delinqüente era considerado um ser portador de anomalias

de patologias que o diferenciavam da espécie humana, ao passo que a pena era vista

como a única providência capaz de defender a sociedade da ação criminosa, e curar o

delinqüente destas patologias.

49

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Foi a partir do pensamento positivista que se formulou a base da

“Doutrina da Situação Irregular”. Para os seus defensores, os atos criminais praticados

por adolescentes eram considerados meros desvios de conduta, a cujas causas

deveriam ser administradas as medidas adequadas ao seu tratamento; e o adolescente

autor de ato descrito na lei penal, mero objeto do estudo voltado a identificar e

erradicar as causa da delinqüência juvenil. Pregavam, ainda, a desvinculação do

direito infanto-juvenil do Direito Penal tradicional, despindo aquele das garantias

contra o arbítrio estatal inerentes a este, e centralizando todo ilimitado poder decisão

na figura do juiz de menores.

Por fim, na fase a qual denominamos “Etapa Garantista”, iniciada no

período pós-Guerras, fortemente marcado pelo resgate da proteção dos direitos

fundamentais do homem, evidenciou-se o surgimento de um novo modelo de Direito

Penal, cuja missão passa a ser a proteção dos valores fundamentais para a subsistência

do corpo social, e do sistemático reconhecimento da infância e juventude e que se

refletiu, no campo do direito da criança e do adolescente, no sistema de

responsabilização juvenil instituído pelo Estatuto da Criança e do Adolescente.

O estudo da construção do direito da criança e do adolescente aponta

para a efetiva existência de um direito penal juvenil, uma vez que, em sendo

verificada a prática de uma conduta típica, ilícita e culpável, denominada, no âmbito

da justiça infanto-juvenil, de ato infracional, ao seu autor será aplicada uma resposta

estatal de nítido caráter aflitivo que, assim como as penas stricto sensu, possuem

conotação de reprovabilidade social e restringem direitos e/ou interferem na esfera

de liberdade do autor da conduta.

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Muito embora a legislação brasileira tenha avançado significativamente

na superação do modelo tutelar vigente durante praticamente todo o século XX, a

resistência de parcela da doutrina e da jurisprudência em reconhecer a natureza penal

das medidas socioeducativas e do procedimento para a sua apuração implica a

negativa de incidência à esfera infanto-juvenil de garantias consolidadas no campo do

direito penal adulto.

Pelo estudo desenvolvido, não se pode deixar de concluir que, a partir da

redemocratização do Estado Brasileiro, o instituto da prescrição, na esfera penal,

deixou de se consubstanciar em mera causa extintiva da punibilidade do agente autor

de uma conduta tipificada na legislação repressiva, passando a assumir feições de

verdadeira garantia fundamental do cidadão contra o temerário poder estatal.

O fato de o Estatuto da Criança e do Adolescente não trazer entre as

suas regras previsão expressa acerca do instituto prescricional faz surgir, entretanto,

um pequeno óbice à sua aplicação, uma vez que às medidas socioeducativas

disciplinadas no Estatuto não são previstos, abstratamente, prazos máximos, nem são

elas aplicadas com prazo determinado, impondo-se um esforço de hermenêutica a

partir das normas insculpidas na legislação penal.

Nesse sentido, a doutrina e a jurisprudência pátria têm trabalhado no

sentido de sugerir formas de cálculo do prazo prescricional. O Tribunal de Justiça do

Estado do Rio Grande do Sul, inclusive, editou uma Súmula sobre a matéria. Não

obstante, nenhuma das formas abordadas se mostra plenamente satisfatória, seja

porque violam princípios e regras regentes do Direito da Criança e do Adolescente,

seja porque se valem do quantum da pena previsto para os tipos penais.

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Diante disso, buscou-se, ao final, a formulação de um critério de

incidência do instituto da prescrição, fundado tão-somente nas medidas previstas no

Estatuto, de maneira que os prazos prescricionais guardassem proporção à gravidade

do fato praticado pelo adolescente e à medida concretamente aplicada como

resposta.

Tal proposta, entretanto, não afasta a necessidade de regulamentação

do instituto pelo legislador, de forma a sepultar definitivamente a acirrada

controvérsia que se formou na doutrina e na jurisprudência nacional. Até lá, caberá ao

aplicador do Direito a busca da melhor solução para a controvérsia, construindo bases

científicas mais sólidas sobre a matéria, tarefa com a qual esperamos ter contribuído

de maneira positiva com o presente trabalho.

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