o desterro é o destino

18

Upload: novo-seculo-editora

Post on 26-Mar-2016

225 views

Category:

Documents


3 download

DESCRIPTION

Você está preparado para a morte? Já pensou nela? A vida é angustiante, porque todos sabem que se nasce para morrer. Cada minuto que passa estamos morrendo. Células se destruindo. Nosso grande problema é o tempo. Já parou para pensar no devorador de tudo que são os minutos? E o que vamos encontrar do outro lado (há outro lado?)? Se pensarmos nisto, há a dura realidade de que estamos morrendo a cada instante que passa. As reflexões são válidas. E importantes. Por quê? Para que a vida nos saia mais suave. O Desterro é o destino coloca tais questões. Há respostas para elas? Duvido. O futuro é tão incerto como o presente. As reflexões são de cunho religioso, filosófico e ético. O romance nunca está desligado da vida. O importante é nos colocar em situação de discutir problemas que ele aponta. Um livro instigante!

TRANSCRIPT

Page 1: O desterro é o destino
Page 2: O desterro é o destino
Page 3: O desterro é o destino

DIAG_O DESTERRO E DESTINO_FINAL.indd 1 8/2/13 10:05 AM

Page 4: O desterro é o destino

DIAG_O DESTERRO E DESTINO_FINAL.indd 2 8/2/13 10:05 AM

Page 5: O desterro é o destino

S ã o Pa u l o , 2 0 1 3

DIAG_O DESTERRO E DESTINO_FINAL.indd 3 8/2/13 10:05 AM

Page 6: O desterro é o destino

Índices para catálogo sistemático:1. Ficção : Literatura brasileira 869.93

Dados internacionais de catalogação na Publicação (CIP)(Câmara Brasileira do Livro, SP, Brasil)

Copyright © 2013 by Regis de Oliveira

Coordenação Editorial Silvia Segóvia

Projeto Gráfico e Guilherme Xavier Criação de capa

Revisão Juliana Ferreira da Costa

Impresso no BrasIl

DIreItos ceDIDos para esta eDIção à

novo século eDItora

CEA – Centro Empresarial Araguaia II Alameda Araguaia, 2190 – 11o andarBloco A – Conjunto 1111 – CEP 06455-000 – Alphaville Industrial, Barueri – SP

Tel. (11) 2321-5080 – Fax (11) 23215099www.novoseculo.com.br

[email protected]

Oliveira, Regis de

O desterro é o destino : o drama da vida humana

/ Regis de Oliveira. -- Barueri, SP : Novo

Século Editora, 2013.

1. Ficção brasileira I. Título.

13-05978 CDD-869.93

DIAG_O DESTERRO E DESTINO_FINAL.indd 4 8/2/13 10:05 AM

Page 7: O desterro é o destino

Copyright © 2013 by Regis de Oliveira

Agradecimento

Antigamente, era comum que os autores, poetas, vates, aedos fi-zessem invocação das musas. Seres divinos, inspiração da natureza, vinham em auxílio daqueles que queriam honrar as letras pátrias. Era o apego ao transcendente para que os inspirasse na busca de palavras, rimas e versos notáveis. Homero buscou nelas a providência. Virgílio, Dante, John Milton e Shakespeare foram alguns dos grandes literatos que pediram a vinda de sopro divino a dirigir suas mãos na busca de mensagens de fino teor. Eram nove (Calíope, Clio, Erato, Euterpe, Melpômene, Polímnia, Tália, Terpsícore e Urânia). Cada qual repre-sentava um atributo das artes. No caso, acho que Melpômene, a musa da tragédia seria bem invocada. Representaria Mânlio um trá-gico papel depois de morto? Ou seria uma comédia dadas as situa-ções que relata? Aí a invocada seria Tália (a musa da comédia). Mas Calíope não pode ficar de fora porque é a musa da eloquência e Mânlio pretendeu dar transparência às situações que viveu. Por fim, creio de Terpsícore, a musa da dança não pode ficar de fora. Ela é a musa da dança. Mas, onde está a dança no texto, poderiam me per-guntar? A dança está na fervura da vida de Mânlio. Pobre, mas por vezes rodopiante em suas investidas mulheris e malabarista com seu maldito interlocutor. A invocação das musas tem razão e a elas rendo meus agradecimentos por terem permitido criar um diálogo lúgubre, para dizer o mínimo. Melancólico? Não.

DIAG_O DESTERRO E DESTINO_FINAL.indd 5 8/2/13 10:05 AM

Page 8: O desterro é o destino

Não caberia invocá-las ao início da obra. Mas, realizada, tem sua razão. É que os mitos servem para fervilhar nossa cabeça e nossa imaginação. Os mitos limitam com as religiões, com elas se confundem. Mitos que são por elas incorporados. Misturam--se. Formam um só corpo. Indestrutível.

Se existem ou não musas como poderiam existir anjos e san-tos na arte da inspiração, em verdade todos os poetas e escritores deles não prescindem. Não importa sua existência. O que vale é a crença que existam. Na crença eles vivem. No universo do faz de conta tudo vale. Crença, religião, inspiração, mito, mística, tudo aquilo que transcende qualquer explicação, mas que está no cosmos. Está no mundo vivo, real, palpável, a natureza spinoza-na que se confunde com deus ou deuses que estão espalhados no universo como um todo. Panteísmo racional. Faunos, centauros, ogros, seres múltiplos que encarnam a natureza do homem.

A todos que habitam nosso imaginário. Não o meu, mas de todos os que já pensaram neles, que de alguma forma foram úteis para criar imagens, seres fantásticos, demônios, deuses, gi-gantes, forças titânicas e ctônicas, a todos devemos agradecer porque eles nos dão força para a vida. Vida sem sentido e sem finalidade, mas povoada de seres imaginários que nos fazem des-ligar da dura realidade deste mundo.

Vivam as musas. Vivam os dáimons. Vivam todos os seres fantásticos que vivem entre nós e entre nós habitam.

A eles meus eternos agradecimentos, porque só a eternidade nos alimenta, embora o tempo nos engula a cada instante. E o tempo é nosso mestre que elimina a eternidade.

A eles minhas reverências. Aos leitores que tenham a leitura embalada sob os sonhos da ilusão.

Segue aí um agradecimento à vida dos seres imaginários.

DIAG_O DESTERRO E DESTINO_FINAL.indd 6 8/2/13 10:05 AM

Page 9: O desterro é o destino

SUMÁRIO

O primeiro encontro . . . . . . . . . . . . . 09

Os braços . . . . . . . . . . . . . . . 17

Diálogo necrófilo . . . . . . . . . . . . . . 21

Prosseguem os braços e as mãos . . . . . . . . . . 23

As pernas . . . . . . . . . . . . . . . . 29

Os olhos . . . . . . . . . . . . . . . . 35

A boca e a língua . . . . . . . . . . . . . . 43

Os ouvidos . . . . . . . . . . . . . . . 51

A profissão . . . . . . . . . . . . . . . 57

O coração . . . . . . . . . . . . . . . 67

Os órgãos sexuais . . . . . . . . . . . . . . 75

O arrombamento . . . . . . . . . . . . . . 79

O fogo-fátuo . . . . . . . . . . . . . . . 85

O nariz . . . . . . . . . . . . . . . . 91

A vida social . . . . . . . . . . . . . . . 97

Últimas memórias do passado . . . . . . . . . . . 105

As vísceras . . . . . . . . . . . . . . . 111

O enterro . . . . . . . . . . . . . . . . 119

O cérebro . . . . . . . . . . . . . . . 125

O fim . . . . . . . . . . . . . . . . 133

DIAG_O DESTERRO E DESTINO_FINAL.indd 7 8/2/13 10:05 AM

Page 10: O desterro é o destino

DIAG_O DESTERRO E DESTINO_FINAL.indd 8 8/2/13 10:05 AM

Page 11: O desterro é o destino

OPRIMEIROENCONTRO

DIAG_O DESTERRO E DESTINO_FINAL.indd 9 8/2/13 10:05 AM

Page 12: O desterro é o destino

10

Na lápide estava escrito: “Aqui jaz Mânlio de Oliveira. Nas-ceu em 13 de agosto de 1913 e morreu em 13 de agosto de 1973. Que a terra lhe seja suave”. O sepulcro era vistoso. Marrom. Uma flor artificial o enfeitava. Sinais recentes de abertura. Por ali enfiaram o cadáver. Estava com um medo terrível de deparar-se com o desconhecido. Terra ignota da qual ninguém volta. Sem companhia, sem nada.

De repente, no silêncio da noite, ouve-se uma voz. Aterrado-ra. Grossa. Talvez de barítono. Solene, porém. Arrepiou-se.

– Você acaba de chegar. Está disposto a uma conversa ou va-mos comê-lo sem diálogo? – disse o verme ao defunto recém--depositado na cova.

De início não localizou de onde vinha a voz. Mas, examinan-do melhor e no escuro da tumba, embora lúgubre, pareceu ami-ga e afável. Espanto! Como alguém falaria dentro do caixão?

– É comum que as pessoas cheguem aqui e fiquem sem jeito de conversar conosco, mas, convenhamos, é bobagem. Primeiro, porque vocês daqui não saem mais e, segundo, porque é fatal: vamos comê-lo de qualquer jeito, querendo ou não.

Angústia! Vontade de levantar e sair! Sair de onde? Do caixão? Mas estava morto. Não respirava mais. Sentiu suas mãos cheias de suor. Estava empapado de desespero! Veio-lhe à mente os ver-sos de Augusto dos Anjos: “Vês?! Ninguém assistiu ao formidável enterro de tua última quimera. Somente a ingratidão – esta pan-tera – foi tua companheira inseparável!”. Estava sozinho. Ne-nhuma outra voz amiga para consolá-lo. Será a ingratidão nossa companheira definitiva?

O finado ficou pasmo. Não sabia o que fazer. Como é que o verme falava com ele? Todos estavam ficando loucos? Como será que tinha morrido? Nem prestara atenção. Foi tão de repente

DIAG_O DESTERRO E DESTINO_FINAL.indd 10 8/2/13 10:05 AM

Page 13: O desterro é o destino

11

que sequer teve tempo de se despedir dos filhos e da mulher. Foi morte que poderia ter sido agendada. Bem que ele preferia ter tido mais tempo para fazer algumas disposições de última vonta-de. “Nossa, o que dirá minha mulher quando souber que tenho mais um filho? Bem, é verdade que é só um, mas é filho. Os le-gítimos terão mais um com quem repartir a herança. É certo que não é muita coisa, um apartamento, dois carros e uma casa na praia. Um pouco para todo mundo. Mas o problema não é esse. É a surpresa. A mulher furiosa. Os outros filhos putos da vida. O outro sabe e concordou em se afastar. Mas e a torcida do Corin-thians? Vai dar risada. Vai comentar. A rodinha crescerá. ‘Viu só, ele parecia santinho, mas, quem diria, hein! Fazer filho fora de casa e não falar nada. Enganou todo mundo.’”

A morte ocorreu de forma pensada. Agendada é exagero. Pa-rece suicídio. O que houve, na verdade, é que sempre imagina-mos a vida, eu e minha mulher, como algo que vale a pena ser vivida. É o imenso prazer. É o gozo extremado. É a paixão por ela. Ora, se perdermos, por qualquer razão, os movimentos vi-tais, o sistema locomotor ou a consciência, ficar no mundo para quê? Viver como vegetal e incomodar todo mundo? Foi assim que se redigiu uma declaração de última vontade proibindo qualquer prorrogação artificial da vida.

A vida é uma só. Pensar no transcendente é apenas uma pos-sibilidade. Logo, não há por que sobreviver em condições tão precárias. Lembra-se do filme O escafandro e a borboleta em que o protagonista sobreviveu a um acidente no mar e só se manifes-tava através dos olhos? Ora, isso não é vida. Autorizou-se, por-tanto, a eutanásia, ou seja, a morte piedosa. É a morte induzida por compaixão. Proibiu-se a distanásia, ou seja, o prolongamen-to artificial da morte. Quase todos pensam em prolongar a vida,

DIAG_O DESTERRO E DESTINO_FINAL.indd 11 8/2/13 10:05 AM

Page 14: O desterro é o destino

12

conquanto, a rigor, não mais haja vida. Mais digna a ortotanásia, porque já se está em processo de morte, e o médico fica autoriza-do a acelerar o curso natural do fim.

Ou seja, a consagração da vida. (Mânlio – este foi o nome do personagem imaginado para

um primeiro romance que jaz rascunhado. Vocês vão compreen-der que não poderia deixá-lo abandonado num canto qualquer. O autor tem sempre compromisso e responsabilidade com seus personagens. Não é possível criá-los e depois afastá-los da sobre-vivência. Natimorto? O Mânlio? Não, que ele viva em outra si-tuação com outro corpo, com outra vida)

Vida? Mas se já o matei! Ressuscita-se um personagem só para matá-lo no primeiro parágrafo do primeiro capítulo?

Contudo, há alguma novidade nisso? Desde que nascemos está aberta a estrada para o túmulo. E quando nele, os vermes de pron-tidão se põem, insolentes, a falar! Quem lhes deu autorização?

Mas o diálogo era irresistível. Inexoravelmente teria que convi-ver com eles. Não tinha como fugir. Fugir, enterrado a sete pal-mos? Este é meu latifúndio definitivo. Metro e meio de largura por sete palmos de fundura e bem lacrado, com cimento. Há um buraco lateral, por onde outros entrarão. Quem? Meus filhos? Mi-nha mulher? Mas se vierem aqui reclamarão do legado, já que os aguarda aí em cima um irmão e enteado que não conhecem.

Ora, o que se irá passar depois que cheguei não é problema meu. Graças a Deus. Onde já se viu, chegar aqui e ficar com os mesmos problemas aí de cima. Nem pensar. Aqui embaixo, tudo desaparece. Mors omnia solvit. Para quem não sabe latim: a mor-te acaba com tudo. Corpo e alma. Dizem que esta vive, mas é conversa mole. Tanto não vive que estou aqui conversando com seres abjetos que insistem em começar a comer minha carne.

DIAG_O DESTERRO E DESTINO_FINAL.indd 12 8/2/13 10:05 AM

Page 15: O desterro é o destino

13

Desespero! Mas pensando bem – para que quero minha car-ne? Tudo já era. Tudo e todos. Nunca mais vou ver ninguém. Nunca mais passearei em Paris, às margens do Sena, contem-plando a Notre Dame, a Conciergerie, os restaurantes em que almocei e jantei, saboreando a maravilhosa gastronomia france-sa. Nunca mais as pirâmides do Egito! Nunca mais a Muralha da China e a Cidade Proibida! Nunca mais!

– Você aí, o que quer conversar, maldito verme? Se pretende comer-me, vai começar por onde?

– Ora, não se desespere. Temos todo o tempo do mundo. Você sabe que o inefável Agostinho afirma que sabe o que é o tempo, mas que quando lhe pedem para explicar, já não sabe. Bergson fala do tempo subjetivo e objetivo. Você também sabe que o tempo só passou a existir depois que Cronos cortou o pê-nis de seu pai. O tempo é passageiro e o seu chegou ao fim. Talvez seja isso a eternidade...

“Ademais, você quer saber por onde vamos começar? Ora, por todas as partes e por todo o lado. Afinal, não sou só eu que tenho que me alimentar, mas todos os meus irmãos. Antes, no entanto, precisamos conversar para que tudo se faça da forma mais agradável possível. Você, portanto, não deve ter pressa. Cada irmão que vai ajudar nessa tarefa de agente do meio ambiente quer dialogar com você sobre cada parte de seu corpo. Aliás, disse Shakespeare: ‘O verme é o único imperador da dieta; cevamos todos os demais ani-mais para engordar-nos e engordamo-nos a nós mesmos para cevar os vermes. O rei gordo e o mendigo esquálido nada mais são do que serviços distintos, dois pratos, mas de uma mesma mesa: eis tudo’”.

– O quê? Onde você ouviu falar de Shakespeare?“É um absurdo: um verme que cita Shakespeare! Você quer

dizer que terei que dialogar com esse bando de imbecis,terei que

DIAG_O DESTERRO E DESTINO_FINAL.indd 13 8/2/13 10:05 AM

Page 16: O desterro é o destino

14

lhes responder enquanto se fartam de mim? De forma alguma, não falarei com ninguém. Não tenho nada a declarar.”

– Ora, querido, não seja insensível. Faremos tudo com calma, devagar, mas daremos conta do recado. Você sabe que não é o pri-meiro nem o último. Você sabe que aqui é o lugar onde a imponên-cia, a prepotência, o orgulho, o egoísmo, o rompante, tudo cessa. Você sabe que o Eclesiastes abomina a vaidade. Vaidade das vaida-des, tudo não é senão vaidade! Aqui é o necrotério das vaidades. Embora ainda vestido, você está nu. Para quê? Você sabe também que mais cedo ou mais tarde os ladrões entrarão aqui para verificar se você tem dentes de ouro e arrancá-los todos! Não precisa se assus-tar, porque são bastante rápidos. O coveiro já lhes passou a informa-ção. Nesse campo, não disputamos com eles, porque não comemos dentes; muito menos de ouro. Nosso negócio é carne.

– Meu Deus! Ainda mais essa! Como esconder os dentes de ouro? Maldita a hora em que o dentista me aconselhou com a melhor solução, a solução para sempre... É a invasão da minha intimidade bucal!

Mânlio olhou para os lados e viu quatro caixões dentro do túmulo. Eram de seus pais, de um tio e de seu filho querido e amado. De seus pais a lembrança era remota. Sentia saudades deles, com certeza, uma saudade esmaecida, embora tivesse tido fortes vínculos com ambos. Quanto a seu tio, nunca tivera uma maior intimidade com ele.

Mas do seu filho. “Querido filho”. Fazia alguns anos que ele falecera. Morte violenta. Amava a vida, o futuro lhe era propício. Havia terminado a faculdade de direito com brilho, pronto para o mestrado e doutorado. Choviam convites de diversos escritórios. Professores lhe abriam vagas para iniciar a vida acadêmica. O mundo sorria. Lindas namoradas não lhe faltavam. Todas procu-

DIAG_O DESTERRO E DESTINO_FINAL.indd 14 8/2/13 10:05 AM

Page 17: O desterro é o destino

15

ravam sua convivência. Era o rapaz ideal. Boa família. Bons hábi-tos. Bons costumes. Inteligente. Bonito. Só a vida não o quis mais.

Lembro-me como se fosse hoje. Ele saiu para uma balada. Curtia os amigos e as namoradas até altas horas. Saiu de uma boate e foi levar Lúcia para casa de seus pais. Noite fatal! Como pesa a lembran-ça! Você desceu do carro e, educado, abriu a porta para a namorada. Dois assaltantes apareceram e exigiram dinheiro. Você deu. Exigi-ram a chave do carro. Você deu. Então, quiseram levar a namorada. Você se opôs. Ponderou: “Vocês já têm o dinheiro e o carro. Vão embora”. Foi a conta: “O doutorzinho quer encarar?”, perguntou o pivete (não devia ter mais de dezesseis anos). O outro acrescentou: “Se quiser levar bala é só falar”. Tentou livrar a namorada. Veio o tiro. Certeiro. Implacável. No coração.

– Você está aí, filho – disse chorando o defunto –, vim lhe fazer companhia. Não há maior sofrimento, suponho, do que a perda prematura de um filho. Quando a morte é lenta, ou seja, fruto de doença, você briga com o mundo no começo. Depois, tenta cuidar dela. Mas, quando a morte é brusca, não há dor maior. É arrancar sua própria carne. É a violência afetiva extre-mada. Você consegue superar o problema depois? O tempo cura tudo, dizem. Não é verdade. Ele ameniza o sofrimento. Ele mi-tiga as dores. Alivia a angústia do momento. Mas não cura.

Depois, você continua sentindo sua presença. Na casa. No quarto. No escritório. Parece que ele está em todos os lugares. Sua lembrança se impõe. A todo instante nós o vemos. Parece que está ao nosso lado. Mas a dura realidade é que ele não está. É dor que não passa. Não há como compreendê-la. Vêm os cumprimentos de pêsames, o que só agrava o sofrimento.

Ah! Como é cruel o mundo em que vivemos. As lágrimas, agora, rolavam pelo rosto cadavérico. A lividez aumentara. Os

DIAG_O DESTERRO E DESTINO_FINAL.indd 15 8/2/13 10:05 AM

Page 18: O desterro é o destino

16

soluços eram incontidos. De que adiantava reclamar mais da vida, quando ela havia sido madrasta?

O verme, porém, arrancou-o de suas lembranças: – Bem, amigo, queira você ou não, vamos começar falando sobre

sua vida.

DIAG_O DESTERRO E DESTINO_FINAL.indd 16 8/2/13 10:05 AM