visculos parentais entre escravos em desterro

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79 Revista da ABPN • v. 5, n. 10 • mar.–jun. 2013 • p. 79-107 JOÃO DE NAÇÃO REBOLO, LUIZA DE NAÇÃO BENGUELA E O BATIZADO DO PEQUENO PEDRO: VÍNCULOS PARENTAIS DE AFRICANOS EM DESTERRO, ILHA DE SANTA CATARINA (1788/1850) 1 Claudia Mortari Malavota 2 Resumo Este artigo tem como objetivo evidenciar e analisar os vínculos parentais estabelecidos por homens e mulheres de procedência africana, sujeitos de diferentes categorias sociais e origens étnicas, no contexto de uma pequena vila portuária ao Sul do Brasil: Nossa Senhora do Desterro, localizada na Ilha de Santa Catarina, no contexto da primeira metade do século XIX. Partimos do princípio de que os estabelecimentos de vínculos parentais constituem, num contexto escravista, uma maneira de criar esperanças e de possibilitar a sobrevivência. Os africanos ao criarem seus vínculos familiares, conferiram sentido às suas vidas e marcaram de forma significativa o espaço social em que viviam. Portanto, analisar e discutir a multiplicidade de experiências dos africanos possibilita compreender especificidades históricas de Santa Catarina e, ao mesmo tempo, abranger a complexidade dos arranjos de convivência, das relações entre cor, condição social, região de procedência e lugar na sociedade do período. Palavras-Chave: Populações de Origem Africana, Vínculos Familiares, Diáspora. 1 Este artigo apresenta questões que foram desenvolvidas na minha pesquisa de doutorado, defendido em 2007 na Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul, sob a orientação da Prof.ª Dr.ª Margaret Marchiori Bakos, que contou com o financiamento do CNPq. A temática abordada continua sendo foco de pesquisa, agora relacionada a segunda metade do século XIX e conta com a participação de bolsistas de Iniciação Científica, Vinicius Pinto Gomes, Bruno Carrari Costa e Mariah Amanda da Silva. 2 Doutora em História pela Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul. Professora Adjunta de História da África do Departamento de História da Universidade do Estado de Santa Catarina (UDESC). Desenvolve projetos de pesquisa e de extensão junto ao Núcleo de Estudos Afro-Brasileiros (NEAB/UDESC). Entre os projetos de pesquisa, coordena o trabalho intitulado “Homens e Mulheres de Cor e de Qualidade: um estudo acerca das identidades/identificações das populações de origem africana em Desterro/Florianópolis, 1870/1910” e integra a equipe da pesquisa “O Ensino de História de Áfricas em Santa Catarina: questões e perspectivas”. Na extensão coordena um projeto de curso de formação continuada de professores(as) da rede pública de ensino intitulado “Introdução aos Estudos Africanos e da Diáspora”. Tem experiência na área de história, atuando principalmente nos seguintes temas: História, História da África, Diáspora Africana, Escravidão, Irmandades Negras.

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    Revista da ABPN v. 5, n. 10 mar.jun. 2013 p. 79-107

    JOO DE NAO REBOLO, LUIZA DE NAO BENGUELA

    E O BATIZADO DO PEQUENO PEDRO: VNCULOS

    PARENTAIS DE AFRICANOS EM DESTERRO, ILHA DE

    SANTA CATARINA (1788/1850)1

    Claudia Mortari Malavota2

    Resumo

    Este artigo tem como objetivo evidenciar e analisar os vnculos parentais estabelecidos por

    homens e mulheres de procedncia africana, sujeitos de diferentes categorias sociais e origens

    tnicas, no contexto de uma pequena vila porturia ao Sul do Brasil: Nossa Senhora do

    Desterro, localizada na Ilha de Santa Catarina, no contexto da primeira metade do sculo XIX.

    Partimos do princpio de que os estabelecimentos de vnculos parentais constituem, num

    contexto escravista, uma maneira de criar esperanas e de possibilitar a sobrevivncia. Os

    africanos ao criarem seus vnculos familiares, conferiram sentido s suas vidas e marcaram de

    forma significativa o espao social em que viviam. Portanto, analisar e discutir a

    multiplicidade de experincias dos africanos possibilita compreender especificidades

    histricas de Santa Catarina e, ao mesmo tempo, abranger a complexidade dos arranjos de

    convivncia, das relaes entre cor, condio social, regio de procedncia e lugar na

    sociedade do perodo.

    Palavras-Chave: Populaes de Origem Africana, Vnculos Familiares, Dispora.

    1 Este artigo apresenta questes que foram desenvolvidas na minha pesquisa de doutorado, defendido em 2007

    na Pontifcia Universidade Catlica do Rio Grande do Sul, sob a orientao da Prof. Dr. Margaret Marchiori

    Bakos, que contou com o financiamento do CNPq. A temtica abordada continua sendo foco de pesquisa, agora

    relacionada a segunda metade do sculo XIX e conta com a participao de bolsistas de Iniciao Cientfica,

    Vinicius Pinto Gomes, Bruno Carrari Costa e Mariah Amanda da Silva. 2 Doutora em Histria pela Pontifcia Universidade Catlica do Rio Grande do Sul. Professora Adjunta de

    Histria da frica do Departamento de Histria da Universidade do Estado de Santa Catarina (UDESC).

    Desenvolve projetos de pesquisa e de extenso junto ao Ncleo de Estudos Afro-Brasileiros (NEAB/UDESC).

    Entre os projetos de pesquisa, coordena o trabalho intitulado Homens e Mulheres de Cor e de Qualidade: um estudo acerca das identidades/identificaes das populaes de origem africana em Desterro/Florianpolis,

    1870/1910 e integra a equipe da pesquisa O Ensino de Histria de fricas em Santa Catarina: questes e perspectivas. Na extenso coordena um projeto de curso de formao continuada de professores(as) da rede pblica de ensino intitulado Introduo aos Estudos Africanos e da Dispora. Tem experincia na rea de histria, atuando principalmente nos seguintes temas: Histria, Histria da frica, Dispora Africana,

    Escravido, Irmandades Negras.

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    Revista da ABPN v. 5, n. 10 mar.jun. 2013 p. 79-107

    JOHN OF REBOLO NATION, LUIZA OF BENGUELA NATION AND BAPTISM OF

    LITTLE PEDRO: PARENTAL BONDS OF AFRICANS IN DESTERRO, ISLAND OF

    SANTA CATARINA (1788/1850)

    Abstract

    This article aims to highlight and analyze parental bonds established by men and women of

    African origin, individuals from different social classes and ethnic origins, in the context of a

    small port town in southern Brazil: Nossa Senhora do Desterro, located on the island of Santa

    Catarina. We assume that establishment parental bonds constitute, in the context of slavery, a

    way to create hope and enable survival. Africans, when created their family ties, gave

    meaning to their lives and marked a significant social space in which they lived. Therefore, to

    analyze and discuss the multiplicity of experiences of Africans, enables to understand

    historical specificities of Santa Catarina, and at the same time, to address the complexity of

    the arrangements of coexistence, relations between color, social status, region of origin and

    place in society of the period.

    Keywords: Populations of African Origin, Family Bounds, Diaspora.

    JOO DE NATION REBOLO, LUIZA DE NATION BENGUELA ET LE BAPTME

    DU PETITE PEDRO: LIENS PARENTEAUX DES AFRICAINS EN DESTERRO, LE

    DE SANTA CATARINA (1788/1850)

    Rsum

    Cet article vise mettre en vidence et d'analyser les liens parentaux tablie par les hommes

    et les femmes d'origine africaine, des personnes de diffrentes classes sociales et l'identit

    ethnique dans le contexte d'une petite ville portuaire dans le sud du Brsil: Nossa Senhora do

    Desterro, situ dans l'le de Santa Catarina. Nous supposons que les tablissements liens

    parentaux sont, dans le contexte de l'esclavage, une manire de crer de l'espoir et de

    permettre la survie. Les africains au crent leurs liens familiaux, donnait un sens leurs vies

    et ont marqu un espace social important dans lequel ils vivaient. Donc, analyser et discuter

    de la multiplicit des expriences des Africains permet la comprhension des spcificits

    historiques de Santa Catarina et, en mme temps, couvre la complexit des arrangements de

    coexistence, de les relations entre la couleur, le statut social, la rgion d'origine et place dans

    la socit de l'poque.

    Mots-cls: les populations d'origine africaine, liens familiaux, la diaspora.

    JOO DE NACIN REBOLO, LUIZA DE NACIN BENGUELA Y LO BATIZADO

    DEL PEQUEO PEDRO: VNCULOS PARENTALES DE AFRICANOS EN

    DESTERRO, ISLA DE SANTA CATARINA (1788/1850)

    Resumen

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    Revista da ABPN v. 5, n. 10 mar.jun. 2013 p. 79-107

    Este artculo tiene como objetivo evidenciar y analizar los vnculos parentales establecidos

    por hombres y mujeres de procedencia africana, sujetos de diferentes categoras sociales y

    orgenes tnicas, en el contexto de una pequea Villa portuaria al sur de Brasil: Nossa

    Senhora do Desterro, ubicada en la isla de Santa Catarina. Se parte del principio que los

    establecimientos de vnculos parentales constituyen, en un contexto esclavista, una manera de

    crear esperanzas y de posibilitar la supervivencia. Los africanos al crear sus vnculos

    familiares han conferido sentido a sus vidas y caracterizaron de manera significativa el

    espacio social que vivan. Por lo tanto, analizar y discutir la multiplicidad de experiencias de

    los africanos posibilita comprender puntos especficos histricos de Santa Catarina y al

    mismo tiempo, abarca la complejidad de los contextos de convivencia, de las relaciones de

    color, condicin social, regin de procedencia y rincn en la sociedad del perodo.

    Palabras-clave: Poblaciones de origen Africana, Vnculos Familiares, Dispora.

    INTRODUO

    No dia quinze de agosto de 1788, Luiza, de Nao Benguela, e Joo, de Nao Rebolo,

    ambos cativos de Bartolomeu Furtado e Anna Maria, moradores da Vila de Nossa Senhora do

    Desterro, realizaram o batismo, na Igreja Matriz, do seu filho legtimo, Pedro. No registro,

    consta que os padrinhos escolhidos foram outros dois cativos, Domingos e sua mulher Maria.

    Em outra ocasio, em dezoito de outubro de 1789, os cativos Rosa Crioula e Joo, Nao

    Benguela, tambm moradores da Vila, batizaram sua filha legtima Genoveva, neta, por parte

    de me, de Florinda, uma cativa de Nao Camund. Foram padrinhos Miguel e Maria, ambos

    cativos, mas de senhores diferentes. J em dezesseis de janeiro de 1790, a cativa Tereza,

    Nao Guin, batizou sua filha Maria, para a qual escolheu como padrinhos o casal Joaquim,

    cativo de Manoel Rodrigues, e a sua mulher Maria Joaquina, uma preta forra.3 Em outra

    3 ACMF. Livro Catedral, Batismo de Escravos, Desterro, 1771-1789. Ao longo do texto so utilizadas

    expresses como crioulo, nao, preto, pardo, que so especficas do perodo histrico estudado e esto

    presentes nas fontes consultadas. Essas expresses eram categorias utilizadas para categorizar e classificar os

    africanos e seus descendentes. Assim, crioulo referia-se ao descendente de africano j nascido no Brasil e nao

    aos africanos de diversas regies de procedncia da frica. Os termos preto e pardo, alm de referirem-se a cor,

    remetiam a condio social dos sujeitos: cativos ou libertos (ex-cativos). Para compreender como os africanos e

    seus descendentes vo criar novos vnculos familiares no contexto preciso entender como eram vistos, se viam

    e se reconheciam no perodo e por isso, ao invs de utilizar categorias prvias negro ou afrodescendente de anlise utilizo aquelas prprias do perodo histrico estudado. As referncias s instituies de pesquisa nas

    quais localizamos as fontes sero referenciadas ao longo do texto somente com a sigla. Nas referncias

    bibliogrficas ao final elas se encontram devidamente apontadas.

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    Revista da ABPN v. 5, n. 10 mar.jun. 2013 p. 79-107

    ocasio, quando do falecimento do africano forro Francisco de Quadros, em 1853, vivo

    que no deixou herdeiros, quem realizou seu enterro foi o africano preto liberto Feliciano

    dos Passos. Por sua vez, no ano de 1844, Antnio Jos Gomes e Maria Thomazia, ambos

    africanos forros, apadrinharam dois afilhados, filhos das africanas cativas, Joaquina e Maria

    Cabinda. Por sua vez, Francisca Maria do Rosrio, crioula forra, e Joaquim, preto da costa,

    este cativo de Joaquim Luis do Livramento, batizaram a sua filha Maria, e escolheram para

    padrinhos Marinho Jos Monteiro, preto liberto e Thereza, de nao, cativa de Manoel

    Francisco Pereira Neto.4 Quatorze anos depois, em 1858, Catharina, filha da africana Rita,

    ambas escravas de Catharina Rodrigues da Silva, foi batizada e teve como padrinhos Joo

    Pequeno Lobo e Maria. Em 1859, foi a vez de Simo, filho de outra africana, Fillipa, escrava

    do Tenente Coronel Jos Maria do Valle, cujos padrinhos foram Francisco Cunha e Nossa

    Senhora das Dores.5

    Os fragmentos dessas histrias possibilitam indicar algumas questes acerca dos

    sujeitos que buscamos visibilizar:6 a procedncia, as diferentes categorias jurdicas e, tambm,

    os vnculos parentais7 estabelecidos pelas populaes de origem africana no contexto da

    dispora. Evidenciar e analisar esses vnculos o objetivo deste artigo.

    Parto do princpio de que os estabelecimentos de vnculos parentais constituem, num

    contexto escravista, uma maneira de criar esperanas, de possibilitar a sobrevivncia e de

    conferir sentido vida. Ao mesmo tempo a anlise da configurao dos vnculos parentais

    4 ACMF. Livro Catedral, Batismo de Escravos, Desterro, 1843-1848. 5 ACMF. Livro Catedral, Batismo de Escravos, Desterro, 1857-1861. 6 Durante muito tempo, a historiografia catarinense invisibilizou a presena das populaes de origem africana

    no Estado a partir do discurso da insignificncia numrica (escravido) devido s especificidades da colonizao

    no Sul do Brasil. Segundo Leite, o negro invisibilizado, seja porque no intencionam revelar a efetiva contribuio destes, seja porque os textos vo se deter na sua ausncia, na reafirmao de uma suposta

    inexpressividade. (...) Ou seja, no que o negro no seja visto, mas sim que ele visto como no existente (Leite,1996, p. 38). Essa perspectiva vem sendo desconstruda por inmeros trabalhos historiogrficos a partir de

    novas abordagens tericas e metodolgicas, bem como pelo uso de diversas fontes de pesquisa, no recorte

    temporal do sculo XIX e XX. O que tem sido evidenciado so as inmeras experincias e vivncias das

    populaes africanas. 7 O conceito de famlia que trabalhamos mais amplo, sendo pensada em termos de convvio familiar: as

    relaes entre mes e pais, mas, tambm, as de mes e de pais solteiros convivendo com seus filhos; as de vivos

    com seus filhos; as de avs com seus netos; as relaes consensuais, o compadrio e outras formas de arranjo.

    Essa perspectiva supera a ideia de famlia apenas como aquela legitimamente constituda, ou seja, sancionada

    pela Igreja (Florentino e Ges, 1997; Mattos, 1998; Slenes, 1999). No entanto, para o escopo deste artigo a

    anlise recair nas famlias nucleares (compostas por pai, me e filhos), no por consider-las mais legtimas,

    mas por um posicionamento historiogrfico e poltico que busca romper com uma viso preconceituosa de uma

    dada historiografia que, por muito tempo, disseminou o discurso da existncia de relaes promscuas entre as

    populaes de origem africana, especialmente as cativas.

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    Revista da ABPN v. 5, n. 10 mar.jun. 2013 p. 79-107

    pode indicar a reinveno das identidades na medida em que esta implica na redefinio

    cultural e histrica de pertencimento e, portanto, na criao de novos laos a partir da escolha

    de parentes. Inicialmente considero que a existncia de famlias ora apresentadas conferiram

    s populaes africanas, a despeito das limitaes e do controle impostos por uma sociedade

    escravista, sentido s suas vidas.

    A ideia de reinveno das identidades est relacionada perspectiva dos estudos

    acerca do mundo atlntico, da dispora, dos processos inter e transculturais de construo das

    identidades que apontam que o processo global de formao de sociedades multiculturais,

    constitudas por diferentes grupos tnicos e culturais, iniciou-se com a expanso e conquistas

    europeias.

    Para Gilroy (2001) as culturas e as identidades formadas no Novo Mundo so

    indissociveis da experincia da escravido, dos fluxos e das trocas culturais atravs do

    Atlntico. As experincias do desenraizamento, do deslocamento e da insero dos africanos

    num novo contexto resultaram num processo de reinveno das identidades e das culturas.

    Nesta perspectiva, o prprio conceito de dispora no possui a ideia de disperso que carrega

    consigo a promessa de retorno redentor. Ela representa um processo de redefinio cultural e

    histrica do pertencimento, implica, para alm do deslocamento, mudana, transformao. As

    identidades, no contexto da dispora, tornam-se mltiplas, de forma que, junto ao elo que liga

    o sujeito a sua terra de origem, outras identificaes so criadas; portanto no so fixas e

    resultam da formao de histrias especficas podendo se constituir como um posicionamento

    em relao a um dado contexto, ao que Hall denomina de conjunto de posies de identidade:

    dependem da pessoa, do momento e do contexto. Nesta perspectiva as escolhas identitrias

    so mais polticas que antropolgicas, mais associativas, menos designadas. uma situao

    ambgua e uma questo histrica; de forma que [...] cada uma dessas histrias de identidade

    est inscrita nas posies que assumimos e com as quais nos identificamos (Hall, 2003, p. 34

    e 433). Portanto, as identidades criadas ou reinventadas na dispora no podem ser tomadas

    como resultado de uma assimilao completa, pois representam novas configuraes

    marcadas pelo processo de transculturao, que, por sua vez, no ocorre de mo nica: a

    construo ou reinveno de identidades ou das diferenas dialgica e no binria, embora,

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    muitas vezes, o equilbrio seja desigual, pois so inscritas nas relaes de poder, dependncia

    e subordinao, caractersticas do colonialismo (Hall, 2003, p. 67).

    Nesse sentido, preciso pensar na produo e na circulao transnacional de ideias,

    mas tambm na dinmica da leitura e da traduo por meio das quais essas so incorporadas e

    ressignificadas a partir das especificidades histricas e culturais de cada sociedade (Hannerz,

    1997, p. 121-122). Tal abordagem extremamente importante porque considera a mtua,

    embora desigual, influncia das diferentes culturas, sem, contudo, reduzir a histria das

    populaes de origem africana apenas sua vitimizao.

    a partir dos pressupostos colocados anteriormente que deve ser considerado o

    processo de escravizao dos africanos e de reinveno das suas identidades. Descobrir,

    analisar e discutir a multiplicidade de experincias dos africanos escravos e libertos possibilita

    compreender as caractersticas histricas de Santa Catarina. Permite tambm abranger a

    complexidade dos arranjos de convivncia, das relaes entre cor, condio social, regio de

    procedncia e lugar na sociedade do perodo.

    A anlise das experincias compartilhadas por pessoas de diferentes procedncias e

    categorias sociais permitem compreender como se criaram relaes afetivas, vnculos

    familiares que possibilitaram conferir sentidos s suas vidas.

    Evidentemente, vrias so as lacunas em relao s vidas dos africanos e seus

    descendentes. importante lembrar que as fontes de pesquisa se constituem de produtos

    daqueles que detinham o poder evidenciando, sobretudo a forma como as elites brancas

    dirigentes pensavam no perodo8. Mas na perspectiva que estou trabalhando penso que um

    olhar sobre os indcios permitem evidenciar no somente como a sociedade se estruturava ou

    as representaes existentes sobre as populaes africanas, mas principalmente como estes se

    identificavam e os laos de solidariedade que estabeleciam bem como as relaes de conflitos

    que ocorriam. Portanto, os sentidos atribudos por eles mesmos s dimenses de suas vidas a

    partir da construo de partculas de suas prticas cotidianas e das relaes sociais

    (Malavota, 2007, p. 34). possvel, a partir de alguns indcios e de dados expressos em

    variadas fontes, construir uma imagem possvel do seu passado e das suas relaes sociais

    (Lvi, 2000; Ginzburg, 1991, p. 113).

    8 Com exceo feita aos processos judiciais dos quais se podem apreender, mesmo que indiretamente, os

    depoimentos de africanos e seus descendentes (Wissenbach, 1998).

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    Atravs do rastreamento dos nomes destes e de seus donos, no caso de qualidade de

    cativos9, nas documentaes, tem-se o guia para a prtica do mapeamento de relaes que

    estes homens e mulheres de origem africana teciam entre si deixadas nos documentos,

    construindo suas trajetrias histricas enquanto sujeitos ambientados no contexto da dispora.

    A VILA E SEUS MORADORES: OS PRETOS DE NAO

    Provavelmente o ano de 1830 foi marcante na vida de Catharina, de Nao Benguela

    cativa e de Francisco de Siqueira, homem preto forro, pois neste ano ele conseguiu dar-lhe a

    alforria, prometida h mais de oito anos, mas que somente naquele momento estava

    podendo cumprir10. Ambos eram moradores da vila de Nossa Senhora do Desterro, espao

    marcado pelas atividades do porto, local de chegada de pessoas e de produtos. possvel

    imaginar o balanar das bandeirolas das canoas que vinham de outros portos da Ilha de Santa

    Catarina como o do Contrato do Ribeiro, do Rio Tavares, da Lagoa, de Santo Antnio e

    dos barcos e navios que chegavam ao porto, vindos do Rio de Janeiro, Rio Grande do Sul,

    Pernambuco, Montevidu e Buenos Aires. Ou visualizado e ouvido o burburinho das pessoas

    que comercializavam peixes nas canoas ao longo da praia central, o alarido de vozes de

    vendedores africanos e crioulos, escravos e libertos, nas barraquinhas que ficavam na praa,

    tambm, prximo praia (Malavota, 2011, p. 43-46; Cardoso, 2008, p. 44).

    Por sua vez, provvel que a Francisca Maria do Rosrio e seu esposo Joaquim preto da

    costa, citados no incio deste artigo que se dirigiam Igreja Matriz para batizar a sua filha,

    tenham passado em frente a alguma das tabernas existentes na cidade. Nestas se vendiam uma

    variedade de gneros alimentcios, secos e molhados, como por exemplo, aguardente, acar,

    algodo, imb, carne seca, cebolas, caf, erva-mate, farinha de mandioca, feijo, fumo, figos

    passados, manteiga, paios, peixe-seco, queijos do Rio Grande e de Minas, sal, toucinho,

    9 Ao longo do texto optei por utilizar o termo cativo ou escravizado. Isto se deve ao fato de considerar que o

    termo escravo, que do ponto de vista jurdico expressa a ideia de propriedade, logo alienvel a seu proprietrio,

    sendo despersonalizado, limitadora e simplificadora das experincias empreendidas pelas populaes de

    origem africana no Brasil no contexto escravista. Como bem observa Meillassoux (1995) como um ser humano

    pode ser comparado a um objeto ou um animal? no mnimo contraditria essa comparao, pois em todas as

    suas atividades h o apelo a sua razo e a inteligncia, para que o servio seja produtivo. O que nos interessa

    nessa perspectiva assinalar que, muito embora haja uma definio jurdica para o ser escravo, ela no anula a

    condio de humanidade deste. 10 CK. 1 Ofcio de Notas de Florianpolis. Livro 4 do 2 Ofcio do Desterro. 01/1829 a 05/1833.

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    vinho, vinagre e ch. Ou tivessem encontrado aqui e acol algum conhecido que exercesse um

    ofcio como o de sapateiro, alfaiate, barbeiro, ferreiro, marceneiro, serralheiro, tanoeiro,

    funileiro, entalhador e pintor. Ou poderiam ter cruzado com Joaquina, cativa crioula,

    vendendo produtos em seu tabuleiro pelas ruas da cidade juntamente com tantos outros

    homens e mulheres, africanos, crioulos e pardos, cativos, libertos ou livres, bem como

    brancos pobres.

    Alis, na cidade do Desterro, as ruas, o porto e os espaos privados das casas eram os

    seus locais de trabalho e de sobrevivncia. Era comum, por exemplo, ver africanas e crioulas,

    circulando pelas ruas vendendo quitutes em tabuleiros ou em quitandas, outras tantas lavando

    roupas nos inmeros crregos e fontes de gua ou cozinhando e cuidando das suas crianas e

    das de seus donos. Homens africanos e crioulos carregavam mercadoria ou as vendiam pelas

    ruas da cidade e cais do porto, trabalhando ao ganho11 ou de aluguel. Eram eles que

    embarcavam e desembarcavam os produtos dos navios e dos barcos, que garantiam a venda de

    artigos para o abastecimento da cidade destinada ao consumo da populao. Alguns ainda

    viviam envolvidos nas atividades martimas como armadores e mestres de embarcaes

    (Malavota, 2011, p. 55-61). Algumas africanas e crioulas, cativas e libertas, alugavam

    barraquinhas na praa da cidade para vender seus produtos com a devida licena da Cmara e

    do dinheiro delas dependia a subsistncia de vrias famlias (Pedro, 1994, p. 126-127).

    Havia ainda no espao da cidade as Igrejas catlicas: a Matriz; a Capela do Menino

    Deus, anexa ao Hospital de Caridade; a de So Francisco e a de Nossa Senhora do Rosrio.

    Alm de se constiturem enquanto espaos de devoo possibilitavam, sobretudo, o

    estabelecimento de laos de amizade e de solidariedade entre os confrades atravs das

    chamadas Irmandades Religiosas. No caso dos africanos, pardos e crioulos, esse espao era o

    da Irmandade de Nossa Senhora do Rosrio sediada na igreja de mesmo nome. Mais tarde, na

    segunda metade do XIX, outras duas igrejas foram construdas: a de Nossa Senhora das Dores

    e a de Nossa Senhora da Conceio, de irmos crioulos e pardos, respectivamente (Malavota,

    11 O trabalhador escravo nas reas urbanas poderia exercer as suas atividades junto ao seu senhor ou era alugado

    ou trabalhava por conta prpria. Neste ltimo caso, levava posteriormente uma parte da quantia que ganhava ao

    seu senhor. Era o sistema de trabalho chamado de ganho. A existncia dos escravos de ganho um dos exemplos que evidencia a variedade de atividades desenvolvidas pelos escravos e em contrapartida a

    complexidade das relaes escravistas no contexto. Essa prtica de trabalho permitia, em alguns casos, que o

    escravo ficasse como pagamento o valor que ultrapassava o jornal estipulado pelo seu senhor possibilitando a acumulao de um peclio para a compra da sua alforria (Soares, 1988).

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    2011, p. 80). Alis, neste perodo a cidade estava em amplo processo de crescimento com a

    edificao de novos prdios e reformas urbanas empreendidas por inmeros trabalhadores de

    origem africana como, por exemplo, Jeremias Lobo, filho do escravo Matheos12.

    neste cenrio urbano que homens e mulheres de origem africana ao realizarem os seus

    trabalhos e circularem por todos os lugares acabavam forjando inmeras possibilidades de

    sobrevivncia e, ao mesmo tempo, estabelecendo seus vnculos parentais, de solidariedades e,

    tambm, de conflitos. Importante pontuar que a Vila do Desterro estava intrinsecamente

    vinculada ao mundo atlntico no somente por ter se constitudo a partir da atividade

    comercial ligada ao porto, incluindo o trfico de africanos escravizados, mas por possuir

    andando pelas ruas e morando nas casas pessoas portadoras de referenciais culturais e de

    origens diversas. Enquanto um espao multicultural era na cidade que pessoas se encontraram

    e se reinventaram. E, entre elas, as personagens dessa nossa histria: os pretos de nao. Mas

    afinal, quem so eles?

    importante compreender que, no sculo XIX, a noo de cor no designava um grupo

    racial ou nveis de mestiagem, mas delimitava os lugares sociais. Dito de outra forma, etnia e

    condio jurdica eram indissociveis. Nesta perspectiva, o termo pardo era atribudo aos

    libertos ou livres, nascidos no Brasil. Preto designava cativo e forro, de origem africana; e

    crioulos e mulatos eram termos atribudos a cativos e forros, nascidos no Brasil. Esses

    referenciais nos permitem perceber o sentido atribudo cor: guardava relao com a

    condio social do indivduo (Malavota, 2007).

    Todos esses termos remetem marca africana e, especificamente no que nos interessa,

    o termo preto refere-se, na maioria das vezes, aqueles homens e mulheres trazidos do

    continente africano atravs do trfico atlntico que, na documentao da poca, vem

    acompanhada da denominao de nao.

    As denominaes das naes no possuam correlao com as formas por meio das

    quais os africanos costumavam identificar-se em frica. Geralmente, nao referia-se ou a

    portos de embarque, a regio de onde eram provenientes, ou a uma identificao dada pelos

    prprios traficantes em razo de algumas semelhanas atribudas aos africanos escravizados,

    de forma que somente possvel apontar regies de procedncia destes e no exatamente aos

    12 APESC. Livro de Ofcios do Chefe de Polcia ao Presidente da Provncia, set. 1865.

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    grupos tnicos que pertenciam. Alm disso, o prprio territrio africano marcado por

    conflitos, por deslocamentos populacionais em funo de migraes internas, por

    aprisionamento de cativos antes e durante o trfico atlntico, por deslocamento de cativos do

    interior para o litoral a fim de serem embarcados para a Amrica (Meillassoux, 1995; Silva,

    2002; Lovejoy, 2002). Alguns exemplos evidenciam essa complexidade.

    O termo negro da Guin ou gentio da Guin foram as primeiras designaes

    utilizadas para marcar a origem dos africanos que chegaram Bahia atravs do trfico ainda

    no sculo XVI e representavam mais do que um registro de procedncia, pois se referiam

    condio de cativo na linguagem da poca, evidncia de que a diversidade cultural da frica

    passou a ser ignorada devido ao carter de mercadoria atribudo aos traficados. Ao longo do

    desenvolvimento do trfico, o termo guin passou a se referir aos africanos escravizados

    provenientes de vrias regies. No incio a Guin, restringia-se ao litoral da costa ocidental

    africana, que tinha como centro comercial a feitoria de Cachu, sobretudo as Ilhas de Cabo

    Verde. Com a expanso do comrcio portugus pela costa africana ao sul, o termo passou a

    ser utilizado, tambm, para se referir a partes do litoral conhecidas como Costa da Pimenta,

    Costa do Marfim, Costa do Ouro e Costa dos Escravos. Ou seja, toda a frica Ocidental ao

    norte do Equador, do Rio Senegal ao Gabo, era conhecida, ento, como Costa da Guin.

    Posteriormente, o termo passou tambm, a ser aplicado s regies subequatorianas, tanto que,

    na metade do sculo XVIII a expresso era ainda utilizada para se referir regio do Congo e

    de Angola na frica Central Atlntica. Portanto, sob a denominao de gentio da guin e

    negro da guin, foram inseridos no Brasil atravs do trfico, africanos cativos procedentes

    de toda a Costa Ocidental africana, do Gmbia ao Congo. Nessa perspectiva, esses termos

    possuam significado mais geogrfico do que indicativo de etnias especficas (Oliveira, 1997 e

    Soares, 2000).

    Por sua vez, denominaes de naes como cabinda, luanda13, benguela, designavam

    portos de embarque de africanos de forma que, sob estas denominaes misturavam-se vrios

    povos, inclusive de reinos do interior. Tal fato fundamenta a hiptese de que boa parte dos

    escravos classificados como sendo de origem congo ou angola no pertenciam sequer a

    povos que viviam sob a influncia destes reinos, mas sim de outros reinos e grupos do interior

    13 Luanda foi o maior porto de exportao de africanos ao sul do Equador, sendo exportados 204 mil cativos

    entre 1723 e 1771, metade dos quais para o Rio de Janeiro (Klein, 1978, p. 32 e 253).

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    da frica subequatorial. Tal hiptese permite inferir que muitos comportamentos, atribudos a

    indivduos dessas denominaes, podiam fazer parte de outras matrizes culturais africanas.

    Assim como o termo Mina, que no sculo XIX correspondia a duas realidades distintas na

    frica: em primeiro lugar, ao Reino Achanti, da Costa do Ouro, onde ficava situado o castelo

    da Mina e em segundo lugar, o nome dado populao de Ancho (pequeno Lobo), formada

    em parte pelos ghen e pelos fantis-ane, populaes que migraram da Costa do Ouro entre o

    final do sculo XVII e o sculo XVIII e que eram, desde ento, conhecidas como minas. O

    termo era igualmente utilizado para denominar a lngua veicular, falada em Ancho e

    utilizada pela rede do trfico na regio do Golfo do Benin (Oliveira, 1997, p. 60; Soares,

    2000, p. 95-127).

    Portanto, lcito considerar a extrema dificuldade em at mesmo de se aventar uma

    hiptese acerca do grupo tnico a que o africano pertencia na frica. A frica, o africano, as

    naes so construes modernas que se referem a uma multiplicidade de povos, com lnguas

    e culturas diversas, cujo ponto de origem comum est no trfico de cativos e na escravido

    como condio jurdica. Nessa perspectiva somente possvel apontar as regies de

    procedncia ou de origem dos africanos e no os grupos tnicos a que pertenciam.

    Portanto, tentar compreender o estabelecimento de vnculos parentais ou os

    comportamentos dos africanos a partir de uma busca a uma cultura original africana pode

    resultar em generalizaes. No se trata aqui de desconsiderar as referncias culturais de

    origem desses indivduos. Todos possuem histrias de famlia, recordaes das comunidades

    ou reinos em que viviam, bem como das guerras travadas, dos rituais, das relaes de

    parentesco. Mas considerar que a vinda para o novo mundo significou apenas a passagem,

    transposio de uma mesma cultura para outro lugar, parece um paradoxo.

    Por outro lado, pensar a cultura em termos de processo, ou seja, que est sempre em

    transformao torna possvel encontrar nas experincias dos africanos no novo mundo e,

    especificamente em Desterro, evidncias de uma gama de vivncias complexas nas quais

    esto expressas valores culturais ressignificados e reinventados. Por essa razo, o termo

    grupos de procedncia, parece mais apropriado para a referncia aos africanos, mesmo porque

    no pressupe uma busca a uma cultura de origem, mas como essas culturas se reorganizaram

    na dispora. Por isso, mais que etnias (no sentido de grupos originais) trata-se aqui de

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    configuraes tnicas em permanente processo de redefinio (Soares, 2000, p. 117). Nessa

    perspectiva, pertinente pensar que os africanos se apropriaram das identificaes que lhes

    eram impostas e as utilizaram no processo de reinveno de suas identidades e criao de

    vnculos afetivos e familiares.

    Um exemplo parece bastante pertinente neste sentido. Segundo Oliveira, Nag foi o

    nome escolhido no circuito do trfico que se organizou em direo a Bahia para denominar os

    povos de lngua ioruba, mas na frica esses grupos tinham um modo prprio de adscrio,

    referindo-se aos nomes de suas cidades de origem. No contexto da dispora, ao mesmo tempo

    em que aceitavam a pretensa unidade expressa pelo nome nag, em suas relaes particulares,

    que a autora chama de uso domstico, mantinham os nomes que consideravam como sua

    marca de origem. Tal fato aponta indcios para a existncia de uma conscincia da diferena

    presente entre os diversos grupos diante da aceitao do nome imposto. Dito de outra forma,

    os nomes de nao atribudos aos africanos acabaram sendo assumidos por esses como

    verdadeiros etnnimos no processo de organizao de suas comunidades (Oliveira, 1997, p.

    63 e 66).

    Nessa perspectiva, para poder evidenciar como os africanos vo criar seus vnculos

    familiares e reinventar as suas identidades, preciso compreender quais eram as procedncias

    desses africanos14.

    Em pesquisa realizada, para o perodo entre 1788 a 1850, nos livros de batismo da

    Freguesia de Nossa Senhora do Desterro, foram identificados e sistematizados 5.245 registros

    de batismos de escravos.15 Destes, 1.138 (22%) eram de adultos africanos e apresentavam

    como referncia a procedncia africana16, sendo as mais significativas: congo (267), cabinda

    14 Uma das fontes mais significativas para essa anlise o assento de batismo, pois, para alm do seu aspecto

    religioso, o assento significava um registro civil, na medida em que identificava a populao registrando para

    vrios fins, o nome do batizado, o nome dos pais e, no caso dos cativos, o nome do proprietrio. Se o africano

    recm-chegado no havia sido batizado (alguns africanos poderiam ser batizados nos prprios portos de

    embarque na frica ou nos de chegada ao Brasil), o assento informava a nao a qual pertencia e, no caso dos

    nascidos na vila, traz a informao da procedncia da me e pai, caso houvesse. O africano no momento do seu

    batismo tinha registrado a marca da sua procedncia. 15 Na pesquisa por ora em andamento, tem-se realizado a sistematizao dos registros de batismo de cativos,

    libertos e livres para a segunda metade do sculo XIX. 16 Foi no contexto da primeira dcada do sculo XIX que ocorreu um maior nmero de batismos de africanos

    adultos e, portanto, uma intensificao do trfico na cidade. Dos 1.138 africanos batizados, 626 tinham entre 15

    e 49 anos, 211 entre 4 e 14 anos e apenas 3 deles tinham a idade de 50 anos. Em 296 registros no foi referida a

    idade do batizando e em 6 o registro encontrava-se ilegvel. Desses dados observa-se que havia um predomnio

    de africanos adultos (Malavota, 2007, p. 90-92).

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    (259), moambique (197), costa (171), monjolo (59) e mina (55). Ou seja, havia a

    predominncia de indivduos, principalmente da regio da frica Central Atlntica, seguido

    pela frica Oriental e em menor presena da frica Ocidental. Por sua vez, a procedncia dos

    pais e mes africanos (famlias nucleares) nos registros tambm acompanhou a tendncia para

    os recm-chegados: em maior nmero est congo, angola, benguela, rebolo, monjolo,

    destacando-se a procedncia guin (18 vezes). Especificamente este termo era utilizado na

    metade do sculo XVIII para se referir regio do Congo e de Angola na frica Central

    Atlntica e cai em desuso ao longo deste mesmo sculo sendo possvel supor que, uma me

    de procedncia da guin j estava inserida no contexto da vila na segunda metade do sculo

    XVIII. Em relao as denominaes das procedncias ou naes das mes africanas (famlias

    matrifocais) foi possvel identificar as seguintes regies de procedncia: 37 da frica Oriental

    (Moambique); 83 da frica Ocidental (guin, calabar, mina, nag); 759 da frica Central

    Atlntica. Mas o maior conjunto destas, 800 ao total, formado por aquelas com

    denominaes de procedncia gerais (costa, nao, nao africana, africana de nao, frica,

    costa da frica) que podem ser referentes a toda a costa da frica Ocidental e Central

    (Malavota, 2007, p. 89-90; 111-12; 124-127).

    Como foi apontado no incio deste artigo, preciso ter presente que os sujeitos

    analisados no contexto de Desterro, especificamente os africanos, so frutos da dispora, que

    implica em um descolamento fsico, mas, sobretudo de construo de novas configuraes de

    identidades, de ressignificao cultural de pertencimento. Portanto, considero pertinente partir

    do pressuposto de que as identidades no contexto da dispora so transformadas e

    ressignificadas, sendo que os nomes de nao, embora atribudos aos africanos, podem ter

    sido assumidos por eles prprios no processo de reorientao dos critrios de identidades.

    Neste sentido, ao invs de discutir as procedncias das populaes africanas do ponto de vista

    de buscar uma reconstituio de uma cultura original, importante identificar os grupos de

    procedncia organizados na sociedade escravista (Oliveira: 95/96; Soares: 1997 e 2000;

    Souza: 2002; Gomes: 2005). Neste sentido, as procedncias genricas ou as naes podem ter

    servido como um guarda-chuva tnico que acabou por possibilitar as reconstrues

    identitrias e culturais que marcaram as estratgias escravas frente ao poder senhorial. [...]

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    Diferenas no seriam necessariamente apagadas, mas semelhanas podiam estar sendo

    construdas e redefinidas (Gomes, 2005, p. 51-56).

    A vila de Nossa Senhora do Desterro, no perodo correspondente ao final do sculo

    XVIII e primeira metade do XIX, foi se configurando como uma vila porturia, marcada pela

    atividade comercial. Lugar multicultural. Seu porto e suas ruas eram espao de trabalho e de

    vivncias de mltiplos e diferentes sujeitos, escravos, forros, homens brancos pobres. Dentro

    destas categorias de trabalhadores, os africanos. Homens e mulheres procedentes de vrias

    regies da frica marcados por suas histrias e por suas diferenas, inseridos num novo

    contexto atravs do trfico atlntico. Atravs das atividades dirias essas pessoas iam

    construindo o espao da vila e criando sentidos as suas vidas. Pelo mar eles chegaram e perto

    do mar viveram e reinventaram suas identidades, estabeleceram vnculos afetivos, criaram

    suas famlias e seus laos de parentesco. Como fizeram isso?

    VNCULOS PARENTAIS: AS FAMLIAS NUCLEARES

    Os registros de batismo do final do sculo XVIII e primeira metade do XIX fornecem

    dados de que homens e mulheres africanos de diferentes procedncias cativos e libertos

    estabeleceram seus vnculos parentais e, portanto, conferiram sentidos as suas vidas. Entre

    esses vnculos, os de consanguinidade, resultaram na formao de famlias nucleares,

    compostas por pai e me17. Como foram organizadas? Africanos de um mesmo grupo de

    procedncia casavam mais entre si? Africanos forros tendiam a casar com africanas ou

    crioulas? Os casamentos entre os africanos tendiam para a endogamia? A que grupos de

    17 No contexto estudado, o nmero de famlias matrifocais muito maior do que as nucleares. No entanto, esta

    anlise no deve ser feita apenas do ponto de vista da quantidade ou de uma perspectiva senhorial, pois pode

    resultar num reducionismo da histria desses sujeitos. Penso que a prpria existncia das famlias nucleares, por

    si s, j significativa no sentido de criao de possibilidades e de esperanas, no dizer de Slenes. Importante

    considerar que nos registros de batismo, as crianas nascidas entre casais unidos sob os preceitos catlicos do

    matrimnio (casamento) eram consideradas legtimas, as nascidas de unies consensuais, isto , do casal unido,

    mas sem a beno da Igreja, eram naturais e, finalmente, as crianas nascidas de mes solteiras eram tidas como

    ilegtimas. Constituies Primeiras do Arcebispado da Bahia, Coimbra, 1720, Livro I, Ttulo XI Em que tempo, porque pessoas e em que lugar se deve administrar o sacramento do batismo, 40 (Venncio, 1999). Em vrios momentos deste texto estas expresses iro aparecer na perspectiva da legislao do perodo.

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    procedncia pertenciam s mes e os pais? Essas so algumas das questes que se pretende

    responder objetivando compreender a criao dos vnculos familiares dos africanos18.

    No dia dez de agosto de mil setecentos e noventa e quatro, Domingos e Engrcia,

    africanos de nao, cativos de Rita Maria da Conceio, em cerimnia realizada na Igreja

    Matriz do Desterro, batizaram a sua filha Maria, que na ocasio estava com dois meses de

    idade e que teve como padrinhos Manoel e Antnia, ambos cativos19. No inverno de 1816

    nasceu e foi batizado, aos oito dias de vida, Venncio, filho de Joana e Joaquim Venncio

    pretos da costa de condio forra20. O batismo da pequena Maria e do inocente Venncio so

    apenas dois dos muitos que ocorreram na Matriz do Desterro entre os anos de 1788 a 1850 e

    ambos tm em comum o fato dos pais serem de procedncia africana, mas se diferenciam no

    que diz respeito a condio jurdica dos envolvidos: enquanto Maria e seus pais Domingos e

    Engrcia so cativos; Venncio e seus pais, Joana e Joaquim, so de condio forra.

    Em relao a vila porturia de Nossa Senhora do Desterro, a partir dos registros de

    batismo de crianas cativas foram encontrados, entre os anos de 1788 a 1850, 196 famlias

    nucleares. Destas, 68 (34,69%) eram formadas somente por crioulos e 128 (65,31%) possuam

    em sua composio africanos21. A maioria dos casamentos ocorreu entre aqueles que tinham

    em comum a procedncia africana (79,69%). No caso dos estabelecidos entre africanos e

    crioulos, os dados evidenciam que os homens de procedncia africana tenderam mais a

    contrair matrimnio com parceiras crioulas (12,5%), ao contrrio das mulheres africanas

    (5,47%). Tal tendncia ao casamento entre africanos tambm foi apontada por Faria para

    Campo do Goitacazes e Recncavo da Guanabara. Para a autora, os cativos africanos casavam

    mais entre si devido ao fato de serem mais numerosos que os crioulos. Por outro lado, a

    legalizao dos matrimnios seria uma estratgia utilizada pelos africanos para que seus

    senhores respeitassem seus grupos familiares: os africanos, habilmente, utilizaram o cdigo

    18 Para a localizao dessas famlias, tanto de forros quanto de cativos, em primeiro lugar selecionaram-se 454

    registros de crianas que traziam o nome da me e do pai. No caso especfico dos cativos a partir da identificao

    da legitimidade da criana buscou-se agrupar os registros pelo nome do senhor, o nome da me e o do pai e as

    respectivas procedncias. Em registros que no traziam a procedncia da me ou o pai para saber se eram da

    mesma famlia procurou-se observar a diferena de tempo entre o batismo das crianas, sendo que, se este fosse

    acima de um ano considerou-se sendo a mesma me e pai. 19 ACMF. Livro Catedral, Batismo de Escravos, Desterro, 1771-1798. 20 ACMF. Livro Catedral, Batismo de Livres, 1802-1820. 21 ACMF. Livros Catedral, Batismo de Escravos, 1788 a 1850.

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    social e ritual do homem branco para ter condies de estabilizar sua organizao familiar

    (1998, p. 335-336).

    No que se refere ao contexto da Vila do Desterro, a forma como essas relaes esto

    compostas pode ser resultado da escolha dos proprietrios, das disponibilidades de parceiros

    de um mesmo senhor, bem como da escolha dos prprios africanos no sentido de construrem

    novos laos a partir de suas referncias culturais no contexto da dispora. Embora considere a

    probabilidade de alguns casamentos realizados serem resultado de determinaes e

    imposies dos senhores, preciso ter presente que muitas das relaes estabelecidas entre

    estes e seus cativos foram marcadas por negociaes, concesses, sendo possvel que, dentro

    dos limites impostos, tenham ocorrido possibilidades de escolhas e de aceite dos parceiros a

    partir de suas preferncias, desejos, vontades. Alm disso, apesar das sociedades africanas

    serem marcadas por diferenas, no que diz respeito s relaes de parentesco, se apresentarem

    tanto em formato matrilinear quanto patrilinear e ainda um sem nmero de variantes no

    interior de uma mesma regio, em todos os casos era dada fundamental importncia

    formao da famlia e ao parentesco, este baseado tanto em afinidade quanto

    consanguinidade22.

    Um exemplo desta perspectiva pode ser evidenciado a partir da configurao da

    propriedade de Manoel Silveira de Sousa que possua 9 cativos: 3 africanas e 1 crioula e 5

    homens africanos. Uma de suas cativas, Rita, de nao conga, foi batizada juntamente com

    mais trs africanos, Joanna e Mathias, ambos tambm de nao congo, e o Miguel, de nao

    moambique, em 1815. Dois anos depois de sua insero na vila, em 1817, Rita batiza sua

    primeira filha, a pequena Joaquina e, em 1819, o Mathias, ambos seus filhos legtimos.

    Entretanto, o pai das crianas e, portanto, companheiro de Rita, no foi nenhum dos que

    chegaram com ela em 1815, mas sim outro africano: Manoel, um preto da costa que j havia

    sido traficado e batizado um ano antes da sua chegada, em 1814. Junto com Manoel, que no

    registro do batismo aparece como sendo de nao cabinda, foram registrados Joo, de nao

    congo e Luis de nao cabinda. O que a histria da trajetria desses africanos, particularmente

    de Rita e Manoel, que acabaram unindo suas vidas na dispora indica que diante do contexto

    22 Evidentemente, preciso ter cuidado para no se buscar sobrevivncias africanas no Brasil colonial haja vista que a frica um continente marcado por diferenas. Por isso, necessrio observar as especificidades do

    prprio continente e de suas populaes para no se incorrer em equvocos e generalizaes (Russel-Wood,

    2001, p. 11-50).

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    no qual foram inseridos houve a possibilidade de uma escolha. Rita poderia ter preferido por

    companheiro um dos que chegaram com ela ou outro que j se encontrava na vila, como por

    exemplo, Joo que era da mesma nao. Por sua vez, tambm o Manoel poderia ter

    escolhido por companheira Joanna ou Theresa outra preta cabinda que j fazia vivia na

    propriedade23. Pode ser que um dos critrios da escolha de Rita tenha sido o fato de Manoel,

    por j estar inserido no contexto da vila h um ano, possuir alguns conhecimentos ou relaes

    com outros africanos ladinos ou, talvez quem sabe, por exercer uma funo diferente de seus

    outros companheiros, trabalhando ao ganho, por exemplo. Evidente que esses critrios so

    hipteses. O fato indiscutvel que eles, embora de procedncias diferentes, se uniram e

    criaram uma famlia no contexto da vila.

    Um dos maiores proprietrios de cativos do perodo localizado a partir de 37 registros

    de batismo foi Manoel Antnio de Sousa Medeiros, um militar, que somente nas trs

    primeiras dcadas do sculo XIX batizou 19 africanos adultos escravizados. Alm desses,

    outros 18 adultos homens e mulheres, em sua maioria tambm africanos, aparecem nos

    registros batizando seus filhos. Ao total so 37 cativos: 13 mulheres africanas e 3 crioulas, 16

    africanos e 2 crioulos. Neste montante haviam 5 famlias legtimas constitudas: Francisca e

    Vicente, pretos da costa; Andreza, preta de nao rebolo e Antnio, crioulo; Catharina e

    Antnio, pretos da costa; Luiza e Antnio, pretos da costa; e Igncia Joaquina e Jos Antnio,

    que no trazem a referncia procedncia, mas que se supe serem crioulos e que, inclusive,

    possuem um status diferenciado do restante dos cativos por possurem sobrenome, fato

    geralmente no comum entre estes24. Das mulheres e dos homens, apenas Antnio, casado

    com Andreza, Felicidade e Maria so referidos como crioulos. Portanto, quase todos os

    cativos so africanos.

    Dessa configurao e da anlise de como estes africanos so referidos nos registros se

    evidenciam duas questes pertinentes. A primeira , novamente, o indcio da existncia da

    possibilidade de escolha do parceiro a partir do que se encontra disponvel e de um critrio

    particular: Andreza a nica africana que constri vnculo de casamento com um crioulo

    apesar de existir um nmero muito maior de africanos na propriedade. A segunda a de que

    23 ACMF. Livro Catedral, Batismo de Escravos, Desterro, 1798-17818, 1818-1840 e 1840-1850. 24 ACMF. Livros Catedral, Batismo de Escravos, Desterro, 1798-1818, 1818-1840.

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    diferentemente dos africanos adultos que so batizados e que trazem a referncia a regio de

    procedncia nao cabinda, nao monjolo, nao congo, nao Moambique, etc. os pais

    e as mes de procedncia africana, a exceo de Andreza que referida como de nao

    rebolo, recebem a denominao genrica de pretos da costa25. Tal dado indica ideia da

    reinveno das identidades dos africanos, expressa na hora do registro, com o estabelecimento

    de uma categoria genrica que associa procedncia e cor e, portanto, na perspectiva que

    estamos trabalhando este termo indica os grupos de procedncia que sero construdos na

    dispora. Dito de outra forma, temos vrios africanos de diferentes regies de procedncia,

    em frica, que no contexto da vila vo acabar por assumir uma identificao genrica, como

    pretos da costa, que pode se referir a indivduos provenientes de diferentes regies de toda a

    costa atlntica africana.

    Embora exista uma predominncia endogamia na constituio das famlias legtimas

    dos africanos escravos no Desterro, foi possvel evidenciar na documentao a existncia de 5

    famlias cujos pais pertenciam a diferentes senhores. Thereza era uma africana de nao

    rebolo, cativa de Andr Gonalves Machado, que em 1788 batizou um filho, Joo. Cinco anos

    mais tarde ela aparece novamente nos registros batizando uma menina, Joaquina, sua filha

    com Caetano, um africano cativo de Maria Theresa26. Caracterstica semelhante a esta em

    termos de construo familiar pode ser percebida na relao estabelecida entre os africanos

    Joanna e Manoel, ambos de nao congo, ela cativa de Antnio Martins de Mello; ele, de

    Anna de vila Bitencur. Joanna j possua um filho, Thomaz, nascido no inverno de 1790.

    Trs anos depois aparecem os registros de seus filhos, fruto de sua relao com Manoel: a

    pequena Maria, nascida num inverno de 1793, Antnio, em 1795 e, finalmente, cinco anos

    depois, em 1800, outra menina, Joaquina27. Outros dois africanos em 1790, Josefa e Antnio,

    ambos de nao guin, batizaram sua filha Luiza, mas eram tambm, cativos de diferentes

    senhores: ele, de Elena Rosa de Jesus; ela, de Jos Fernando de Sousa, sendo este o nico

    registro referente tanto aos senhores quanto aos seus cativos durante todos os anos de 1788 a

    185028. Em outro exemplo, a crioula Maria era casada com Manoel de nao congo que

    tiveram uma filha, a pequena Anna, nascida em 1793. Por sua vez, Agostinho de nao

    25 ACMF. Livros Catedral, Batismo de Escravos, Desterro, 1798-1818, 1818-1840. 26 ACMF. Livros Catedral, Batismo de Escravos, Desterro, 1771-1798. 27 ACMF. Livros Catedral, Batismo de Escravos, Desterro, 1771-1798 e 1798-1818. 28 ACMF. Livros Catedral, Batismo de Escravos, Desterro, 1771-1798.

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    camund constituiu sua famlia com Isabel, crioula de cujo relacionamento nasceram trs

    crianas: Anna, em 1797, Adam, em 1799 e Siriaca, em 180029.

    Essas histrias de formao de famlias compostas por africanos pertencentes a

    diferentes senhores indicam e reafirmam a existncia da possibilidade de escolha dos

    indivduos em relao a quem queriam por companheiro, sendo provvel que essa seja

    resultado de inmeras negociaes e trocas. Alm disso, possvel que esses cativos fossem

    trabalhadores de ganho que moravam fora da casa de seus senhores. Neste sentido preciso

    considerar, tambm, o contexto no qual essas famlias esto inseridas: a vila do Desterro que,

    como visto, enquanto espao comercial caracterizado pela existncia de seu porto possua

    muitos trabalhadores envolvidos em diferentes atividades relacionadas s funes urbanas que

    circulavam por todos os lugares: eram vendedores, quitandeiras, carregadores, jornaleiros. Por

    outro lado, mesmo os trabalhadores cativos domsticos precisavam se deslocar pela vila para

    a realizao de algum servio: lavar roupa, fazer compras no mercado, pegar gua nas fontes.

    Dessa forma, em determinado momento de suas vidas esses indivduos se cruzaram e mesmo

    pertencendo a senhores diferentes, acabaram conquistando ou ganhando a permisso para

    criarem as suas famlias.

    Essas histrias mostram a capacidade de criao e apontam para a tese que vem sendo

    construda pela historiografia ao longo das duas ltimas dcadas: a escravido e o parentesco

    no so coisas excludentes. O fato de serem aviltados com a condio jurdica da

    modernidade europeia no exclua, obviamente, os africanos, da condio, das necessidades e

    dos desejos humanos. plausvel considerar que a escravido limitou, mas no impediu a

    constituio da famlia, mesmo se um dos companheiros no pertencesse ao mesmo senhor ou

    fosse de condio forra, a exemplo de Joo Dantas, africano forro, de nao angola, que criou

    sua famlia com Maria, tambm de nao angola, com a qual teve dois filhos. Maria era cativa

    do Tenente Coronel Jos da Gama Lobo Coelho30. Cativo tambm era Joaquim, um preto da

    costa, que pertencia a Joaquim Luis do Livramento. Mas sua condio no evitou que ele

    pudesse criar sua famlia com Francisca Maria do Rosrio, uma crioula forra31. O mesmo

    ocorreu em relao africana forra Thereza, de nao benguela, casada com Joo, um crioulo

    29 ACMF. Livros Catedral, Batismo de Escravos, Desterro, 1771-1798 e 1798-1818. 30 ACMF. Livro Catedral, Batismo de Escravos, Desterro, 1771-1798. 31 ACMF. Livro Catedral, Batismo de Livres, Desterro, 1843-1848.

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    do Desterro, cativo de Paulo Lopes Falco32, cirurgio de Fragata que exercia seu ofcio na

    vila (Cabral, 1979, p. 226).

    possvel considerar, portanto, a partir das evidncias que a criao das famlias

    compostas por africanos cativos decorre, sem desconsiderar a influncia do proprietrio, da

    disponibilidade encontrada no meio em que vivem e da possibilidade de escolha em relao a

    quem querem por companheiro. Neste sentido, vrios podem ser os critrios para estas

    escolhas, mas um dado apontado pela anlise da composio destas famlias significativo: a

    presena de um maior nmero destas 102 (79,69%) compostas apenas por pais africanos. Essa

    evidncia permite supor duas possibilidades acerca da existncia das famlias formadas

    apenas por africanos cativos.

    A primeira a de que o estabelecimento de vnculos familiares para esta populao

    poderia representar um meio para a construo de uma nova vida na dispora e os caminhos

    para a estabilidade, algo mais importante para estes africanos do que para os crioulos, j

    socializados e inseridos em redes familiares e de amizade. A segunda refere-se ideia de que

    a procedncia africana pode ter sido um dos critrios utilizados para as escolhas dos

    companheiros de matrimnio. Isso pode ser possvel de evidenciar a partir da anlise dos

    grupos de procedncia dos pais e das mes, bem como da recorrncia a escolha de parceiros

    por outros de uma mesma procedncia.

    Atravs da anlise dos registros de batismo possvel reconhecer alguns grupos de

    procedncia j referidos anteriormente: em maior nmero est congo, angola, benguela,

    rebolo, monjolo, africano de nao e, principalmente, costa. Moambique aparece pouco, se

    comparado aos africanos adultos, apenas 4 vezes; destaca-se a referncia a procedncia guin:

    18 vezes. Nesta configurao aparecem dois dados importantes em relao s famlias

    nucleares africanas: a pouca presena de pais de procedncia moambique e, em contrapartida

    um nmero significativo daqueles pertencentes a guin. Analisando-se esses dados a partir da

    questo do trfico atlntico percebe-se que Moambique aparece pouco, porque vai ser

    incorporada ao trfico, principalmente a partir de 1811 (Florentino, 1997, p. 80), e a

    procedncia guin, utilizada na metade do sculo XVIII para se referir regio do Congo e de

    32 ACMF. Livro Catedral, Batismo de Livres, Desterro, 1792-1797.

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    Angola na frica Central Atlntica, cai em desuso ao longo deste mesmo sculo (Soares,

    2000, p. 60).

    Essas evidncias permitem considerar que j havia um nmero significativo de

    famlias nucleares de cativos africanos formadas antes do incremento do trfico atlntico em

    Desterro a partir de 1812 (Malavota, 2007). Outro dado vem a corroborar isto: das 261

    crianas filhas de famlias nucleares de africanos, 181 (69,35%) delas foram batizadas entre

    os anos de 1788 a 1812 e 80 (30,65%) aps esse perodo, at o ano de 1841, quando foi

    encontrado o ltimo registro. Portanto, mesmo com a intensificao do trfico no houve uma

    ampliao do nmero de famlias africanas33.

    Em relao escolha dos parceiros percebe-se que 73 casais (71,57%) formaram suas

    famlias com do mesmo grupo de procedncia e 29 (28,43%) destes com de procedncias

    diferentes. Portanto, pode-se considerar primeiro a existncia de uma certa regularidade nestas

    escolhas e segundo que estas podem ter ocorrido a partir do critrio da procedncia34.

    Para alm de apontar indcios acerca da constituio das famlias africanas a partir do

    critrio da procedncia possvel pensar numa outra questo: a reinveno das identidades.

    Os registros de batismo trazem, quase sempre, a referncia procedncia do pai e da me,

    mas o que se observou acerca desta questo que essa procedncia variava no caso dos pais

    que batizaram mais de um filho. Tal fato explica o porqu de se encontrarem diferentes

    referncias procedncia de uma mesma me e pai. Este o caso de Joaquina e Antnio,

    cativos de Manoel Fernandes Lea. Quando Benedita, a primeira filha do casal, foi batizada

    em 1794 esses foram referidos como da guin; em 1797 na ocasio do batismo de outra filha,

    Genoveva, eles aparecem como sendo africanos de nao; quando nasceu Maria, em 1799, a

    33 Em relao a essa questo, segundo Faria, no sculo XIX, em todas as regies brasileiras, incluindo quelas

    que possuam alta legitimidade, as taxas passaram a ser decrescentes. Esse fato resulta das transformaes

    ocorridas na sociedade brasileira ao longo do sculo a vinda da Corte portuguesa para o Brasil, os tratados com a Inglaterra, a abolio do trfico negreiro que acabaram por reduzir a oferta de escravos no Brasil. Consequentemente, os proprietrios passaram a interferir mais na questo da constituio do matrimnio dos

    seus escravos, haja vista que, assim procedendo, poderiam dispor mais facilmente da sua propriedade. Por sua

    vez, devido ao aumento considervel de africanos nas escravarias devido ao trfico, possvel ter ocorrido um

    aumento da influncia de prticas africanas no cotidiano dos escravos, de forma que, o sentido atribudo ao

    matrimnio pelos escravos africanos pode ter mudado (1998, p. 339-340). 34 A escolha entre parceiros de um mesmo grupo de procedncia tambm foi encontrada por Soares (2000) para

    o Rio de Janeiro e Schwartz (1998).

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    procedncia volta a ser a mesma de quando batizaram a primeira filha: guin; e, finalmente,

    quando batizaram Francisco, em 1803, eles so referidos como pretos da costa35.

    O mesmo ocorreu a outro casal: Joaquina e Antnio, cativos de Dona Anna Mauricia

    Rosa de So Felix. Eles foram referidos como sem procedncia no batismo da primeira filha

    Joanna, em 1829; em 1823 e 1824, respectivamente, no registro de Damianna e Agostinho

    eles aparecem como sendo de procedncia congo; e em 1825, no batismo de Delfino, quanto

    procedncia so referidos como pretos da costa36. Ocorrncias semelhantes encontram-se

    tambm, nos registros de filhos de mes cativas e forras, de filhos de casais africanos forros,

    nas referncias aos padrinhos e madrinhas cativos africanos e forros.

    sabido que quem realizava o registro do batismo era o coadjutor ou o vigrio da

    Igreja (Soares, 2000) e que, portanto, a referncia procedncia de forma diferenciada pode

    ter sido resultado da viso desses em relao aos africanos de diferentes procedncias e

    categorias jurdicas. Por outro lado, no caso dos cativos, essa referncia pode ter sido dada

    pelo senhor. Mas possvel tambm, que os prprios africanos, inclusive os cativos, possam

    ter se autoidentificado de diferentes formas nos vrios momentos.

    Em qualquer um dos casos, a evidncia sugere que as formaes identitrias poderiam

    estar sendo avaliadas e ressignificadas tanto por parte dos coadjutores e senhores, quanto pelo

    conjunto da populao africana, escravos e forros. Evidentemente as referncias das

    procedncias foram construdas dentro de uma lgica do trfico no contexto escravista, mas

    africanos se conheciam e se identificavam para alm dos significados atribudos pelas

    autoridades e senhores. Talvez muito mais que isso: africanos reinventavam as suas

    identidades visto que no contexto da dispora essas nunca seriam fixas ou definitivas (Hall,

    2003).

    Se africanos cativos estabeleciam, em sua maioria, vnculos matrimoniais com

    africanas, em relao aos forros encontrados nos registros dos Livros de Batismo dos Livres,

    esses vnculos vo se constituir de forma diferenciada. Das 58 famlias forras dos registros de

    batismo, 11 so compostas somente por crioulos, 19 no aparece a referncia a procedncia

    35 ACMF. Livro Catedral, Batismo de Escravos, Desterro, 1771-1798 e 1798-1818. 36 ACMF. Livro Catedral, Batismo de Escravos, Desterro, 1818-1840.

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    dos pais e 25 famlias nucleares so constitudas por africanos37. Os dados, provenientes dos

    registros de batismo de crianas forras, indicam que houve uma tendncia de os africanos

    forros contrarem matrimnio com crioulos 18 em relao aos 6 ocorridos entre parceiros de

    procedncia africana. Esse dado indicativo que, para alm da procedncia, outros critrios,

    possivelmente, foram estabelecidos pelos africanos forros para a construo de seus vnculos

    familiares. Alusiva a esta questo tambm a existncia nos registros de trs casais em que

    um dos cnjuges era cativo: uma me e um pai de procedncia africana e um pai crioulo. No

    caso desta me, mesmo sendo cativa, seu filho foi registrado como forro38.

    No possvel inferir quais os motivos que levavam homens forros a se unirem a

    mulheres cativas, visto que estas comprometiam os seus descendentes escravido. Por outro

    lado, para estas mulheres, a escolha de um companheiro poderia significar a possibilidade de

    criao de vnculos pessoais para alm da sua condio jurdica, bem como a compra da sua

    alforria. No entanto, pelo menos oficialmente, essas relaes no eram as predominantes

    nos registros de batismo. Segundo Wagner, entre 1800 a 1819 na Igreja Matriz do Desterro,

    das unies realizadas em 24 destas pelo menos um dos cnjuges era de condio forra, mas a

    escolha dos parceiros ocorria preferencialmente entre aqueles que possuam o mesmo estatuto

    jurdico, visto que em 79% dos casamentos os cnjuges eram libertos (Wagner, 2003, p. 1-

    17).

    Observando especificamente as procedncias dos africanos forros que casaram entre si

    possvel apontar para a possibilidade de ter havido por parte destes um critrio de escolha

    baseado no pertencimento a um mesmo grupo de procedncia.

    A tendncia dos africanos forros endogamia tambm foi percebida por Wagner em

    pesquisa realizada em Livros de Casamentos da Igreja Matriz, entre 1800 a 1819. Segundo a

    autora, dos 8 noivos africanos, 7 deles se casaram com uma parceira africana, a exemplo de

    Antnio Jos e Maria Francisca, ambos forros de procedncia benguela, que se casaram em

    1805 e de Manoel e Luiza, ambos forros da guin, que contraram matrimnio em 1807

    (Wagner, 2003).

    37 ACMF. Livro Catedral, Batismo de Livres, Desterro, 1778 a 1850. Estes dados foram obtidos atravs da

    leitura e transcrio de 8 livros, referente ao perodo da pesquisa. 38 ACMF. Livro Catedral, Batismo de Livres, Desterro, 1802-1820 e 1820-1829.

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    A predominncia de casamentos entre africanos e crioulos forros, a evidncia da

    existncia de casamentos entre forros e cativos, bem como a escolha de alguns africanos em

    terem parceiros do mesmo grupo de procedncia, evidenciam a forma como criaram seus

    vnculos familiares e indicam o processo de reinveno das identidades.

    Em relao aos africanos e crioulos forros que constam nos registros de batismo,

    alguns so procedentes de outras localidades e que acabam criando seus vnculos afetivos e

    familiares no Desterro, a exemplo do casal Joaquim Gonalves e Anna Joaquina, ambos

    forros, ela de So Jos (Freguesia do Continente) e ele de So Francisco39, e de Joaquim

    Ribeiro da Silva, um pardo forro natural da Ilha Grande que acabou se casando com Anna

    Maria, africana da costa, cativa de Manoel Pereira de vila, em 1804 no Desterro (Wagner,

    2003, p. 4).

    Uma hiptese plausvel para essa mobilidade de forros para outras localidades pode

    estar ligada a questo apontada por Faria, segundo a qual, homens pobres permanecem pouco

    tempo num mesmo lugar. Sua caracterstica marcante a extrema mobilidade. Mover-se em

    busca de melhores condies de sobrevivncia, tornava-se uma atitude previsvel e esperada;

    identificava-se para os forros e seus descendentes, como o exerccio da liberdade (Faria,

    1998, p.102).

    Esse deslocamento no ocorria de maneira aleatria. Poderia ser resultado de escolhas

    individuais em contextos especficos, como por exemplo, a busca por reas urbanas nas quais

    os libertos e seus descendentes pudessem arrumar trabalho. Em contrapartida, o deslocamento

    pode, tambm ter significado uma tentativa por parte do liberto de libertar-se da antiga

    condio cativa e viver sobre si (Faria, 1998, p. 111; Mattos, 1998, p. 45). De uma ou outra

    perspectiva significava, fundamentalmente, a liberdade de escolha estendida a todas as

    questes da vida.

    CONSIDERAES FINAIS

    As trajetrias aqui apresentadas so indicativas de um contexto complexo,

    transcultural, no qual as identidades so reinventadas e as relaes criadas atravs de vnculos

    39 ACMF. Livro Catedral, Batismo de Livres, Desterro, 1802-1820 e 1820-1829.

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    Revista da ABPN v. 5, n. 10 mar.jun. 2013 p. 79-107

    afetivos e de compadrio. Essas histrias mostram a capacidade de criao e apontam para a

    tese que vem sendo construda pela historiografia ao longo das duas ltimas dcadas: a

    escravido e o parentesco no so coisas excludentes. O fato de serem aviltados com a

    condio jurdica da modernidade europeia no exclua, obviamente, os africanos, da

    condio, das necessidades e dos desejos humanos.

    As trajetrias evidenciam a multiplicidade de escolhas, de vivncias, de arranjos,

    caractersticos aos africanos na dispora. Apontam para a forma como esses criaram seus

    vnculos familiares e indicam como reinventaram suas identidades num contexto de uma

    cidade porturia, multicultural. Fizeram escolhas e lidaram com as incertezas de sua

    existncia de uma forma que pode parecer ambgua para ns, homens e mulheres do sculo

    XXI, mas intrnsecas em suas vivncias, dentro de um contexto e de um tempo.

    Todas essas prticas e os vnculos sinalizam para a ideia de que o passado no um

    agregado de histrias separadas, mas uma rede de relaes e aes que se influenciam e so

    interdependentes. Nesta perspectiva, a vida, o cotidiano, a histria sempre modificada pelo

    sujeito a partir do momento em que esse toma uma deciso ou faz uma escolha ou estabelece

    um vnculo de compadrio ou de pertencimento.

    Nessa perspectiva, Russel-Wood aponta algumas questes em relao as sociedades

    africanas que possibilitam compreender a fora desses homens e mulheres em criarem

    possibilidades de sobrevivncia e vnculos familiares no contexto da dispora. Segundo o

    autor, os africanos de diferentes sociedades eram marcados pela diversidade; inventividade;

    criatividade; disponibilidade para inovao; adaptabilidade e habilidade de lidar com a

    mudana; bem como, pela estabilidade e continuidade perceptvel atravs do

    compartilhamento de culturas e valores comuns (2001, p.21-23).

    Em outras palavras, o trfico atlntico, o desenraizamento e a escravido dos africanos

    destruiu os vnculos que estes possuam na frica, mas no a conscincia que permitiu a

    reinveno das identidades e o estabelecimento de novos vnculos familiares no contexto da

    dispora. Alguns desses vnculos foram relativamente longos.

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    Livro Catedral, Batismo de Escravos, Desterro, 1771-1789.

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    Revista da ABPN v. 5, n. 10 mar.jun. 2013 p. 79-107

    Livro Catedral, Batismo de Escravos, Desterro, 1788 a 1850.

    Livro Catedral, Batismo de Escravos, Desterro, 1798-1818.

    Livro Catedral, Batismo de Escravos, Desterro, 1818-1840.

    Livro Catedral, Batismo de Escravos, Desterro, 1840-1850.

    Livro Catedral, Batismo de Escravos, Desterro, 1843-1848.

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    Livro Catedral, Batismo de Livres, Desterro, 1792-1797.

    Livro Catedral, Batismo de Livres, Desterro, 1802-1820.

    Livro Catedral, Batismo de Livres, Desterro, 1820-1829.

    Livro Catedral, Batismo de Livres, Desterro, 1843-1848.

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