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SEAN MICHAEL LUCAS Apresentação e capítulo sobre a Igreja Presbiteriana do Brasil por Alderi Souza de Matos Perguntas para reflexão e recapitulação ao final de cada capítulo

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SEAN MICHAEL LUCAS Apresentação e capítulo sobre a

Igreja Presbiteriana do Brasil por

Alderi Souza de Matos

Perguntas para reflexão e recapitulação ao final de cada capítulo

SEAN MICHAEL tUCAS Apresentação e capí sobre a

Igreja Presbiteriana do Bra

Alderi Souza de Mato

O cristão presbiteriano © 2011, Editora Cultura Cristã. Título original On Being Presbyterian © 2006 by Sean Michael Lucas. Traduzido e publicado com permissão da P&R Publishing, 1102 Marble Road, Phillipsburg, New Jersey, 08865, USA. Os capítulos 12 e 13 da edição original

não foram incluídos nesta edição, por se referirem exclusivamente ao presbiterianismo americano contemporâneo. Todos os direitos são reservados.

1ª edição - 2011- 3.000 exemplares

Conselho Editorial

Ageu Cirilo de Magalhães J r. Cláudio Marra (Presidente)

Fabiano de Almeida Oliveira Francisco Solano Portela Neto

Heber Carlos de CamposJr. Mauro Fernando Meister

Tarcízio José de Freitas Carvalho Valdeci da Silva Santos

Produção Editorial Tradução Elizabeth Gomes Revisão Airton Williams Vasconcelos Barboza Alderi Souza de Matos Wilson Ferreira Neto Editoração Lidia de Oliveira Outra Capa Osíris Cazzerato Rangel Rodrigues

L933lc Lucas, Sean Michael

O cristão presbiteriano / Sean Michael Lucas; traduzido por Elizaberh Gomes. _São Paulo: Cultura Cristã, 2011

240 p.: 16x23 cm

Tradução On being presbyterian

ISBN 978-85-7622-424-2

1. Eclesiologia 2. História 3. Presbiterianismo

'ª EDITORA CULTURA CRISTÃ Rua Miguel Teles Júnior, 394 - CEP 01540-040 - São Paulo - SP

Caixa Postal 15.136-CEP 01599-970 - São Paulo- SP Fones 0800-0141963 / (11) 3207-7099 - Fax (11) 3209-1255

www.editoraculturacrista.com.br- [email protected]

Superintendente: Haveraldo Ferreira Vargas Editor: Cláudio Antônio Batista Marra

CDD268

SUMÁRIO

Apresentação ...................................................................................................... 5 Prefácio ............................................................................................................... 7 Abreviaturas ..................................................................................................... 13 Introdução: Identidade presbiteriana na erd pós-moderna ............................. 15

Primeira parte: Convicções Presbiterianas 1. Deus é Rei: A soberania de Deus ................................................................ 27 2. A prioridade da maravilhosa graça .............................................................. 43 3. A história, promessa e domínio de Deus: Aliança e reino ........................... 59 4. O que afinal é a igreja? ................................................................................ 73 5. Sacramentos: sinais e selos da graça de Deus ............................................. 87

Segunda parte: Práticas Presbiterianas

6. Um coração em chamas: Piedade presbiteriana e reformada .................... 103 7. Culto presbiteriano impulsionado pelo evangelho .................................... 117 8. "Com decência e ordem": O governo da igreja presbiteriana ................... 133

Terceira parte: Histórias Presbiterianas 9. A gloriosa reforma: Calvino, Knox e os primórdios do

presbiterianismo ........................................................................................ 151 10. Tarefa numa terra selvagem: O presbiterianismo

americano inicial ...................................................................................... 167 11. Os anos dourados: Os presbiterianos americanos no século 19 ................ 181 12. A sarça ardente: Breve história da igreja presbiteriana

no Brasil (Alderi Matos) .......................................................................... 201

Epílogo: Tornando-se um presbiteriano ......................................................... 217 Notas ............................................................................................................... 221 Índice de assuntos e nomes ............................................................................. 227 Índice dos padrões de Westminster ................................................................. 239

A Sara,

por compartilhar comigo esta jornada.

APRESENTAÇÃO

D ESDE O SEU INÍCIO NO SÉCULO 16, O MOVIMENTO REFORMADO OU CALVINISTA

acredita ter contribuições valiosas a oferecer ao protestantismo mais amplo. Além de muitas ênfases que compartilham com outras igrejas derivadas da Reforma, os reformados valorizam alguns ensinos específicos das Escrituras no que diz respeito à forma de governo da igreja, o entendimento do culto e dos sacramentos, e a maneira como Deus se relaciona com os seres humanos.

O problema é que muitos presbiterianos não estão conscientes desses ricos elementos de sua herança. Quanto aos de fora, com frequência igno­ram ou entendem mal as peculiaridades do presbiterianismo. Daí a impor­tância deste livro de Sean Lucas, pastor e professor de teologia filiado à Igreja Presbiteriana da América (PCA). Num texto didático e agradável, ele delineia as características distintivas do presbiterianismo em tomo de três focos: suas convicções, práticas e histórias.

Na primeira parte, o autor aborda os conceitos fundamentais da sobe­rania de Deus, as doutrinas da graça, os conceitos de aliança e reino, a igreja e os sacramentos. A seguir, considera o aspecto prático da vida da igreja em três áreas cruciais: espiritualidade, culto e governo eclesiástico. Por fim, faz um apanhado de aspectos relevantes da história presbiteriana, mostrando as contribuições iniciais de Calvino e Knox e a evolução do presbiterianismo nos Estados Unidos ao longo dos séculos 18 e 19.

Nesta última parte, visando tomar o livro mais relevante para os lei­tores brasileiros, procedeu-se a uma modificação do texto original. Foram suprimidos dois capítulos que tratam da igreja presbiteriana norte-ameri­cana no século 20, sendo em lugar deles incluído um capítulo acerca do presbiterianismo no Brasil, escrito pelo autor desta apresentação.

A presente obra padece das limitações próprias de textos traduzidos. O autor é estrangeiro e escreveu para uma audiência do seu próprio país. Com isso, muitas ilustrações, perspectivas e ênfases fazem mais sentido para pessoas de cultura norte-americana. Apesar desta ressalva, o livro deverá ser muito útil para os presbiterianos brasileiros, tanto antigos como recentes

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(ou interessados em se tomar tais), bem como para pessoas de outras con­vicções que desejem saber como pensam e em que creem os presbiterianos convictos. As perguntas para reflexão ao final de cada capítulo, as infor­mações sobre obras para consulta posterior e o extenso índice remissivo são outros recursos valiosos para os leitores que pretendem tirar o máximo proveito deste livro.

Sean Lucas mostra que a versão mais autêntica e benéfica da fé refor­mada é aquela que se mantém fiel aos seus fundamentos históricos, confor­me apresentados nos escritos dos líderes iniciais, de seus expositores dos séculos seguintes e dos grandes documentos confessionais dessa tradição. Numa época, como a presente, em que muitos cristãos evangélicos estão confusos quanto às suas convicções doutrinárias, é salutar a leitura de um livro como este, que mostra a coerência e a consistência da fé bíblica e reformada.

REV. ALDERI SOUZA DE MATOS Historiador da IPB

Maio de 2011

PREFÁCIO

ºÍMPETO PARA ESTE PROJETO VEIO DE UM TRABALHO HISTÓRICO MAIS AMPLO EM

que estou envolvido há mais de três anos, intitulado provisoriamente Por uma Igreja Contínua: Discordância Conseniadora na Igreja Presbiteriana dos Estados Unidos, 1934-1974. Essa obra maior enfoca o movimento conservador dentro da Igreja Presbiteriana do Sul que levou à formação da Igreja Presbiteriana da América (PCA), denominação da qual faço parte. Essa obra poderia ser considerada uma espécie de arqueologia histórica. Nela procuro encontrar os contornos da "mente presbiteriana conservadora" ao desenterrar muitos dos ossos de sua história nas camadas subterrâneas de jornais presbiterianos e antigos arquivos pessoais, registros de igrejas e atas da Assembleia Geral. À medida que faço esse trabalho, as perguntas que se destacam em minha mente são: Como a Igreja Presbiteriana da América se tornou o que é hoje? Qual a conexão entre a maneira pela qual se desenvolveu o movimento conservador na antiga Igreja Presbiteriana do Sul e a maneira como a PCA vive e respira como igreja de Deus que realiza a obra do Reino nos dias atuais?

Essas indagações históricas me levaram a uma questão mais premente que tenho enfrentado como presbítero docente da PCA: As igrejas presbi­terianas conservadoras, conforme representadas em minha denominação, assumem sua identidade presbiteriana? Ou outras ideias, práticas e narra­tivas servem para moldá-las? Uma forma de ler a história da PCA, que examinarei mais de perto na minha argumentação histórica mais ampla, é que se trata da transição, aos trancos e barrancos, de uma identidade essen­cialmente evangélica conservadora, até mesmo fundamentalista, para uma identidade mais especificamente presbiteriana. Em outras palavras, pode-se ler a história da PCA como uma tentativa de responder a pergunta: O que significa ser um presbiteriano (conservador) na era pós-moderna?

Não é de admirar que presbiterianos mais conservadores se deba­tam com essa questão nos dias atuais. Os últimos trinta anos, que coin­cidem com a existência da PCA até o presente, não têm sido amigáveis com denominações de nenhuma estirpe. De um lado, ocorre uma forte

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hemorragia nas denominações protestantes mais antigas. Do outro, há o rá­pido crescimento de igrejas não denominacionais ou de filiação mais solta. Em nenhum lugar esse contraste está ilustrado de modo mais visível que em Louisville, Kentucky, onde residi por vários anos. Louisville é a cidade onde está a sede da Presbyterian Church (USA), com sua burocracia inflada e lamentação pública pela perda de membros. É também a sede de uma das maiores igrejas não denominacionais dos Estados Unidos, a Southeast Christian Church, com mais de 22.000 membros. No domingo de Páscoa de 2003, mais de 35.000 pessoas foram ao culto na Southeast, deixando diminuta a frequência conjunta de todas as igrejas protestantes tradicionais da cidade.

Essa tendência para o não denominacionalismo tem produzido di­versas respostas. Dentro do protestantismo tradicional, numerosos livros procuram reforçar a identidade denominacional. No final dos anos 80, por exemplo, a Fundação Lilly Endowment Inc. patrocinou uma série de seis livros intitulada The Re-forming Tradition ("A tradição re-formante"), que procurou abordar o declínio protestante tradicional conforme estava ocor­rendo na Igreja Presbiteriana dos Estados Unidos da América-a PC(USA). Mais recentemente, a casa publicadora da PC(USA) publicou livros como To Be a Presbyterian ("Ser presbiteriano", 1996), What Unites Presbyte­rians: Common Groundfor Troubled Times ("O que une os presbiterianos: bases comuns para tempos conturbados", 1997), Presbyterians: a Spiritual Journey ("Presbiterianos: uma jornada espiritual", 2000), Being Presbyte­rian in the Bible Belt ("Sendo presbiteriano no cinturão da Bíblia", 2000) e This We Believe: Eight Truths Presbyterians Affirm ("Nisso cremos: oito verdades que os presbiterianos afirmam", 2002). Ainda assim, a igreja per­de membros em um ritmo impressionante. Em outras denominações, como a Convenção Batista do Sul, essa busca de identidade tem sido muito for­te. Dois livros intitulados Why 1 Am a Baptist ("Por que sou batista") fo­ram publicados com um ano de diferença por grupos rivais dentro daquela denominação, cada qual apresentando uma versão diferente da identidade batista. Semelhantemente, a Igreja Luterana-Sínodo de Missouri publicou recentemente Why I Ama Lutheran ("Por que sou luterano", 2004) no es­forço de explicar aos de dentro e aos de fora da igreja em que consiste o luteranismo.

Dentro do presbiterianismo conservador tem havido diferentes res­postas. Por exemplo, a Igreja Presbiteriana da América (PCA) passou vá­rios anos elaborando um plano estratégico para a denominação, finalmente apresentado na Assembleia Geral (Supremo Concílio) de 2003. Contu­do, não ficou claro se esse plano tem impactado mais amplamente a vida

PREFÁCIO 9

denominacional fora dos escritórios da PCA em Atlanta. No âmbito local, muitas igrejas da PCA deixam de fora o nome "presbiteriano" com medo de serem confundidas com a PC(USA), que é teologicamente muito mais progressista. Isso faz com que muitas igrejas da PCA se pareçam mais como as igrejas não denominacionais. Outras retradicionalizam os presbi­terianos conservadores, enfatizando a tal ponto suas diferenças em relação ao evangelicalismo majoritário que a palavra "evangélico" se toma quase um palavrão. Ainda outros, dentro e fora da PCA, dizem que não basta ser reformado, produzindo revisões no culto e na doutrina presbiteriana em linhas mais sugeridas pelo Concílio Vaticano II e pela teologia pós-liberal do que por João Calvino, a Assembleia de Westminster ou mesmo a história do presbiterianismo nos Estados Unidos. Assim, a busca de uma identidade presbiteriana conservadora tem se movido na direção do evangelicalismo, contra ele ou para além dele, especialmente em suas formas não denomina­cionais ou paraeclesiásticas.

Essa questão de identidade toma-se especialmente premente em nível local, quando pessoas de outras tradições protestantes se filiam a uma igreja presbiteriana conservadora. A história comum a muitos membros da PCA é que foram criados em igrejas do tipo batista, lá ou em outros lugares se encontraram com Cristo, passaram a compreender as "doutrinas da graça" e descobriram que essas doutrinas eram ensinadas com clareza dentro de uma igreja da PCA, à qual então se filiaram. Contudo, muitos de nossos membros, até mesmo alguns oficiais, não possuem um entendimento só­lido do que significa ser presbiteriano. Passando de uma igreja para outra, eles ainda não aprenderam as narrativas, traços distintivos e práticas de seu novo lar espiritual. O resultado é que nossos membros muitas vezes têm di­ficuldade em explicar aos seus amigos e familiares por que eles pertencem a uma igreja presbiteriana e por que seus amigos também deveriam vir e fazer parte dessa igreja.

O intuito deste livro é ser uma cartilha sobre a identidade presbiteria­na. Não foi escrito para especialistas ou acadêmicos, e sim para membros de igrejas, candidatos ao ministério, presbíteros regentes e, especialmente, presbiterianos em potencial. Não é uma obra polêmica que visa promover um ponto de vista particular em áreas nas quais os presbiterianos conser­vadores têm diferenças legítimas de opinião (por exemplo, na questão dos estilos de culto). Ao invés disso, pretendo ficar ligado de perto à Bíblia, aos documentos constitucionais da PCA e aos documentos oficiais ao ex­por o que os presbiterianos creem, fazem e dizem sobre si mesmos. Nas seções intituladas "Leituras adicionais", apresentarei listas de livros que representem um conjunto mais amplo de perspectivas, deixando que o leitor

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examine as questões por si mesmo. Como este livro procura ser útil para classes de novos membros, bem como para atividades da Escola Dominical e de treinamento de oficiais, ofereço perguntas para reflexão e recapitulação no final de cada capítulo. Além disso, cadernos de exercícios individuais e apresentações de PowerPoint para professores podem ser baixados gratui­tamente de meu site: www.seanmichaellucas.com.

Não tenho a intenção de ressaltar as diferenças entre os presbiterianos e outros evangélicos. Conforme vejo, o rótulo "evangélico" procura comu­nicar certa atitude ou estilo de vida "orientado pelo evangelho". Os evan­gélicos reconhecem o significado histórico global da morte e ressurreição de Jesus Cristo para suas vidas, e almejam ver outros usufruindo de comu­nhão com ele. Esse reconhecimento de que o evangelho de Jesus transfor­ma todas as coisas confere um determinado estilo ao ministério das igrejas evangélicas, independentemente de suas posições confessionais ou dos ró­tulos que utilizam. Os presbiterianos são evangélicos por nossa orientação ligada às Boas Novas, que se expressa em nossa pregação, testemunho e vida comunitária. Tendo dito isso, como presbiterianos nós temos algumas perspectivas e práticas diferentes de outros evangélicos. Temos também uma história que faz parte da história "evangélica", mas ao mesmo tempo é distinta dela. O reconhecimento dessas diferenças ajudará a entender o que significa ser presbiteriano.

Ninguém jamais faz uma viagem importante sozinho. Não sou exce­ção. Os meus pais, Stephen e Susan Lucas, agora também são membros de uma congregação da Igreja Presbiteriana da América, tendo feito sua própria jornada até esse lugar. Embora não tivéssemos começado como presbiterianos, sou grato pelo amor que eles têm pelo Deus trino e por sua Palavra, que nos conduziu a todos nessa jornada, ainda que por caminhos diferentes. Também sou grato pelo apoio de meus sogros, Ron e Phyllis Young, que não são presbiterianos, mas nos lembram do amor de Cristo e da comunhão mais ampla dos santos.

Os amigos que me encorajaram na viagem têm sido importantes. Steve Nichols, grande amigo desde o seminário, tem participado dessa jornada. D. G. Hart, meu mentor no Seminário Teológico Westminster, ensinou-me a amar as histórias presbiterianas. Bruce Keisling apoiou o meu trabalho quando eu passava por águas profundas. Shawn Slate, Jonathan Medlock e John Roberts viveram todos o presbiterianismo comigo e para mim. Meus amigos e colegas no Seminário Teológico Covenant têm me ensinado sobre o presbiterianismo centrado na graça; tem sido um prazer estar aqui. Wayne Sparkman, diretor do Centro Histórico da PCA, deu-me a mão muitas vezes no decurso da escrita deste trabalho. Sou grato a Bryan Chapell, D. G. Hart,

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Robert Peterson e Michael Williams, que leram partes deste livro em seus estágios iniciais e fizeram valiosos comentários.

Agradeço às igrejas que se dispuseram a interagir com este material. Quanto a isso, agradeço em especial meus amigos da Community Presbyte­rian Church (PCA), de Louisville, Kentucky, onde o projeto teve sua pri­meira gestação, e a Covenant Presbyterian Church (PCA), de Saint Louis, Missouri, cuja interação levou ao refinamento do material. Tem sido uma bênção servir essas duas igrejas, bem como aprender sobre o presbiterianis­mo aos pés de dois excelentes pastores e líderes da igreja, David Dively e George Robertson.

Pela graça de Deus, minha família cultua a Deus dentro dos limites da Igreja Presbiteriana da América. Com profunda gratidão, este livro é dedicado a minha esposa, Sara, que me pediu, logo que nos casamos, que eu não a deixasse para trás em minhas jornadas intelectuais e espirituais, mas sempre me certificasse de que estivéssemos andando lado a lado. Foi um pedido sábio e, pela graça de Deus, temos caminhado juntos. O que talvez ela não saiba é que, pela providência divina, eu jamais poderia ter trilhado esse caminho sem ela. Nossos quatro filhos da aliança- Samuel, Elizabeth, Andrew e Benjamin - tem se aliado a nós nessa jornada, memorizando os catecismos, aprendendo hinos dos hinários Trinity e RUF, cantando salmos do Saltério Trinity e participando da vida da igreja visível. É minha oração que nossa vida juntos os levará a ensinar os seus próprios filhos sobre as convicções, práticas e histórias que nós presbiterianos amamos - especial­mente o gracioso evangelho de nosso Senhor Jesus:

a fim de que a nova geração os conhecesse, filhos que ainda hão de nascer se levantassem

e por sua vez os referissem aos seus descendentes; para que pusessem em Deus a sua confiança.

(Salmo 78.6-7 ARA)

BC BCO

CFW CM Institutas IPB OPC

PCA

PCUS

PC(USA)

ABREVIATURAS

Breve Catecismo de Westminster Book of Church Order (Livro de Ordem da Igreja Presbiteriana da América) Confissão de Fé de Westminster Catecismo Maior de Westminster Institutas da Religião Cristã, de João Calvino Igreja Presbiteriana do Brasil Orthodox Presbyterian Church (Igreja Presbiteriana Ortodoxa) Presbyterian Church in America (Igreja Presbiteriana da América) Presbyterian Church in the United States (Igreja Presbiteriana dos Estados Unidos) Presbyterian Church (United States of America) (Igreja Presbiteriana dos Estados Unidos da América)

INTRODUÇÃO: IDENTIDADE PRESBITERIANA NA ERA PÓS-MODERNA

gUANDO VOCÊ PENSA EM QUEM VOCÊ É, O QUE LHE VEM À MENTE? SE VOCÊ FOR

como eu, provavelmente faz uma série de descrições. Por exemplo, sou u lho criado numa típica família americana de classe média alta: meus pais tiveram dois filhos; morávamos nos subúrbios; meu pai trabalhava nas cidades e minha mãe ficava em casa conosco. Devido ao trabalho de meu pai, nos mudamos bastante, principalmente no corredor nordeste entre Nova York e a capital Washington (embora minha certidão de casamento diga que minha residência era o Condado de Los Angeles, na Califórnia, quando nos casamos). Sou um marido e pai de quatro filhos. Sou um pastor com inclinação acadêmica. Sou um historiador com chamado pastoral. Tomei-me cristão quando adolescente; era batista fundamentalista, mas agora sou presbiteriano. Sou escritor. Leitor voraz, meus autores preferidos incluem Mark Twain e Wendell Berry. Sou jardineiro. Sou fã de esportes, torcendo principalmente para equipes do Estado de Indiana. Meu esporte favorito é o beisebol, mas sigo de perto quase todos os esportes. Sou fã de Bruce Springsteen e do U2, mas também gosto de música country e bluegrass. Prefiro caminhonetes a carros ou minivans e transmissão manual a transmissão automática. Só compro veículos da Ford, mas quando acompanho as corridas da NASCAR, torço por pilotos de Chevrolets, especialmente Jeff Gordon.

Todas essas descrições cabem juntas em Sean Lucas; juntas, elas se combinam para formar uma identidade que me é singular. Na verdade, po­deríamos dizer que minha identidade pessoal descreve o "verdadeiro eu", minha própria personalidade. A maneira como essa identidade se desenvol­ve, o modo como fiquei ligado às diferentes descrições acima, tem muito a ver com a maneira pela qual a minha vida se desenvolveu e se interli­gou com as vidas de outras pessoas. Noutras palavras, a minha história e a

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história de minha família têm muito a ver com quem sou e o que considero essencial.

Além de minha história, tenho feito certas coisas e não outras. Na verdade, certas coisas que faço poderiam ser consideradas quase como "ri­tuais", de tanto que as faço regularmente. Parte disso, estou certo, tem a ver com o fato de eu ser homem. Minha esposa e eu costumávamos rir da maneira como eu sempre passava pela mesma cabine de pedágio na saída 26 da Rodovia da Pensilvânia (a cabine central, número oito, o que meco­locava na posição certa para pegar a Rodovia US 1 na direção norte). Con­tudo, as práticas mais importantes que contribuíram para moldar o que sou devem incluir o fato de que comecei a ler muito cedo; de que joguei beise­bol toda primavera e verão dos oito aos dezoito anos de idade; de que meu pai geralmente comprava carros Ford e meu sogro trabalha para uma filial da Ford; de que minha mãe ficava acordada comigo para assistir a World Series* todos os anos e que, desde o tempo que meus pais professaram sua fé em Cristo, quando eu tinha nove ou dez anos, raramente faltei a um culto de domingo. Muitas dessas práticas têm continuado com os meus filhos e formarão o seu próprio senso de identidade à medida que eles crescem.

Mais importante na formação de quem sou têm sido as minhas convic­ções. Creio que o casamento é uma instituição divina, que prometi ser fiel a minha esposa e que o divórcio não é uma opção para nós. Creio que Deus é o doador da vida desde o ventre e que os filhos são uma bênção do Se­nhor. Conquanto toda vocação legítima seja ordenada por Deus, creio que aqueles que aspiram ser pastores desejam uma boa vocação, uma vocação especial entre iguais, dada a sua importância na família de Deus. Creio que a história pode nos dizer bastante sobre quem fomos, quem somos agora e o que deveremos fazer e ser no futuro. Creio que temos a responsabilidade de ser mordomos da criação, que Deus nos colocou neste mundo para sermos produtores e não apenas consumidores, e que o trabalho sério é uma boa obra. Outras convicções não têm a mesma importância, tais como: o me­lhor e mais dificil esporte inventado pela humanidade é o beisebol (embora o golfe venha logo em seguida em ambos os aspectos); que terei de ouvir muitas críticas de meus familiares se eu comprar um veículo que não seja da Ford; e que as pessoas (e equipes esportivas) do Estado de Indiana ten­dem a ser superiores às do restante do país (como se evidencia pela minha

* NT - "Série Mundial": a série final do principal campeonato de beisebol dos Estados Unidos.

INTRODUÇÃO: IDENTIDADE PRESBITERIANA NA ERA PÓS-MODERNA 17

esposa). Essas crenças me levam a determinadas práticas repetitivas, que, por sua vez, reforçam uma história sobre quem sou e a quem pertenço.

Quando dizemos que alguém está passando por uma "crise de identi­dade", queremos dizer que essa pessoa se desiludiu ou está experimentando uma dissonância no cerne daquilo que é. Talvez esteja questionando suas crenças básicas, seus valores centrais. Talvez as práticas que a definiam não mais a estejam realizando, ou foram afastadas pela doença ou perdas. Tal­vez ela tenha descoberto que a história que orientava a sua vida não explica a realidade que agora conhece. Qualquer que seja o caso, esse indivíduo começará a buscar novas convicções, práticas e histórias que lhe ofereçam uma identidade estável. Não fazer isso leva a pessoa a um "colapso nervo­so'', a uma espécie de "demência" (uma forma de insanidade mental em que a pessoa "mente" para si mesma, como quando alguém sai por aí dizendo que é o Super-Homem). A crise de identidade mais óbvia é o que chama­mos de "crise da meia-idade", em que um homem que tenha gasto vinte ou trinta anos no mercado de trabalho descobre que as convicções, práticas e histórias que possuía quando se formou na faculdade não mais são suficien­tes nem realizadoras. Assim, tal indivíduo às vezes compra um carro mais veloz, flerta com mulheres mais novas ou muda de carreira, tudo no esforço de encontrar uma nova identidade.

Mais uma coisa sobre identidade. Nossa era pós-moderna se orgulha de promover identidades fluídas. Nas sociedades pré-modernas, ou mesmo modernas, a identidade era criada por relacionamentos sociais e conexões familiares (por exemplo, João, o filho mais velho de um ferreiro, foi criado no negócio da família que produzia ferraduras para o vilarejo em que vivia; por sua vez, ele esperava transmitir essa profissão a seu filho, etc.). Contudo, hoje em dia, devido à mobilidade da sociedade, a influência da tecnologia e a perda dos laços familiares, mesmo dentro da família "nuclear", as identidades são forjadas e não herdadas. O resultado é que a pós-modernidade proclama em alto e bom som que é possível criar ou recriar sua identidade inúmeras vezes. Talvez o melhor exemplo contemporâneo disso seja a cantora pop Ma­donna, que, no decurso de vinte anos, se transformou de um "brinquedo para meninos" em uma réplica de Marilyn Monroe, uma mulher espalhafatosa e uma espiritualista judia. O resultado de toda essa criação de identidades é que as pessoas não mais têm convicções básicas, histórias mestras ou práticas compartilhadas; tudo o que sobrou são identidades que imitam bites de sons e comerciais de trinta segundos, hoje aqui e amanhã não mais existentes.

Por que passei tanto tempo descrevendo essa questão da identidade? O que isso tem a ver com a "identidade presbiteriana"? Essas são perguntas legítimas. Primeiro, eu quis descrever o conceito de "identidade" porque é

18 Ü CRISTÃO PRESBITERIANO

uma daquelas palavras que usamos com frequência sem parar para pensar no que significam. Isso ocorre especialmente quando se fala de "identidade religiosa". Mas também quero que comecemos a ver como se forma um tipo particular de identidade, como a confluência de convicções, práticas e histórias. E eu precisava alertar o leitor sobre como, em nossa situação atual, essa questão da identidade é bastante conflituosa devido à "transição pós-moderna" de nossa sociedade.

Acima de tudo, quero sugerir no restante deste livro que a identidade presbiteriana é formada por meio de convicções, práticas e histórias comparti­lhadas. Essas três coisas trabalham em conjunto para forjar o que um teólogo presbiteriano do século 19 chamou de idiossincrasias da mente presbiteriana. 1

Convicções presbiterianas

Por convicções presbiterianas, eu me refiro à "doutrina". Na verdade, às vezes você ouvirá alguém se referir ao fato de que os presbiterianos são "confessionais". Isso quer dizer que as igrejas presbiterianas sintetizam suas crenças em confissões de fé. Em oposição àqueles que possuem uma declaração limitada de fé ou àqueles que têm um "livro de confissões'', os presbiterianos conservadores levam muito a sério a Confissão de Fé de Westminster. Talvez você saiba que as igrejas presbiterianas conservado­ras exigem que seus pastores, presbíteros regentes e diáconos subscrevam os Padrões de Westminster, um documento do século 17 que contém uma confissão de fé com trinta e três capítulos, e dois catecismos, o Catecismo Maior e o Breve Catecismo. Com o termo "subscrever" referimo-nos ao pedido de que nossos oficiais assumam as crenças dos Padrões como suas próprias, como sua confissão do que creem ser ensinado pela Bíblia. Con­quanto nossas igrejas não exijam que seus membros afirmem as convicções contidas nos Padrões de Westminster, espera-se que a pregação e o ensino os sigam de perto pela simples razão de que os oficiais declararam de boa fé que as crenças neles contidas são aquilo em que eles creem.

Naturalmente, grande parte do que os presbiterianos creem é bastan­te semelhante ao que afirmam outras igrejas protestantes evangélicas. Por exemplo, os presbiterianos conservadores, junto com outros protestantes evangélicos, creem na inspiração e inerrância da Escritura, na Trindade e nas grandes doutrinas da salvação, tais como a justificação somente pela fé, a adoção, a santificação e a glorificação. Também afirmamos juntos as natu­rezas divina e humana de Jesus Cristo, sua morte substitutiva na cruz, sua ressurreição fisica da sepultura e sua ascensão ao céu. Todos os protestantes evangélicos creem na necessidade de boas obras, numa organização chamada

INTRODUÇÃO: IDENTIDADE PRESBITERIANA NA ERA Pós-MODERNA 19

igreja, na realidade do céu e do inferno e no futuro retomo de Jesus em glória. Conforme observamos no prefácio, é por esta razão que os presbiterianos são evangélicos, porque nos apegamos à centralidade do evangelho, à maneira como ele transformou a nossa vida e a um profundo desejo de ver outras vi­das igualmente transformadas. Temos este evangelho em comum com todos os que creem que são pecadores e confiam somente na justiça e no sangue de Cristo para sua salvação - ou seja, com todos os que são evangélicos.

É importante declarar isso com simplicidade. Muitas pessoas que usam o rótulo de "presbiterianos" ou "reformados" duvidam que outros evangéli­cos realmente creiam no evangelho porque não falam disso com um sotaque presbiteriano. Foi o caso de uma denominação presbiteriana nos anos 50 que se recusou a entrar num concílio de igrejas porque seus membros incluíam batistas e outros que criam que a fé produz a regeneração, e não o contrário. Em consequência disso, esses presbiterianos concluíram que seus irmãos evangélicos criam num evangelho deficiente e talvez nem mesmo fossem irmãos! Tal atitude é inadequada- ainda que possamos ter diferentes níveis de comunhão e proximidade com base em pontos teológicos comuns, temos de dizer que todos aqueles que professam Jesus como Salvador e Senhor são nossos irmãos em Cristo. Também devemos dizer que temos um grande corpo de verdades em comum com todos os que seguem o nosso Senhor.

Tendo dito isso, existem diversas convicções - diversas doutrinas -que distinguem os presbiterianos de outros evangélicos. Eu as explicarei na Primeira Parte. Os presbiterianos tendem a enfatizar cinco grandes ideias.

Primeiro, cremos na soberania de Deus. Em outras palavras, Deus é o Rei que criou todas as coisas, governa cada esfera da existência e faz com que todas as coisas cooperem para a nossa salvação. Quando dizemos "Pai nosso que estás nos céus", estamos orando ao Rei (no céu) a quem apren­demos a conhecer como "nosso Pai". Não merecíamos tal relacionamento - longe disso. Antes esse relacionamento está arraigado na livre escolha de Deus, o Rei, no sentido de nos salvar. O resultado é que os presbiteria­nos enfatizam a prioridade da graça. A maravilhosa graça de Deus vem de encontro à nossa mais profunda necessidade: somos pecadores carentes de misericórdia. Não merecemos a misericórdia de Deus, mas Deus a de­monstra de maneira suprema na morte e ressurreição de Jesus em favor de pecadores como nós. Porém, Deus não se limita a nos salvar de sua ira; ele também nos transforma por sua graça, de modo que somos cada vez mais portadores da imagem de Jesus. Essa graça continua operando para nos levar seguros até o nosso lar.

Nossas histórias individuais, que Deus o Rei está produzindo em nos­sa vida por sua graça, se ligam à sua grande história, que ele desenvolve na

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Escritura e através da história. É isso o que queremos dizer, acima de tudo, quando usamos a palavra pacto. Queremos dizer que, mediante a Escritu­ra Sagrada, Deus nos conta uma grande história da redenção, focando um povo de Deus, começando no jardim do Éden, em Gênesis, e terminando na cidade de Deus, no Apocalipse. Às vezes utilizamos o termo pacto da gra­ça para descrever essa história. Houve algumas diferenças no modo como essa história se passou no Antigo Testamento e no Novo. Poderíamos dizer que o Antigo Testamento foi um tempo de promessa e o Novo Testamento é um tempo de cumprimento. Porém, mesmo com essas diferenças, é uma só história que enfoca uma só pessoa, Jesus Cristo, o Redentor do povo eleito de Deus, que inaugurou o domínio de Deus na terra - o reino de Deus - com sua morte e ressurreição. Essa história trata da promessa de Deus no sentido de suprir nossas necessidades em graça mediante Jesus Cristo - sua promessa de ser o nosso Deus e de sermos o seu povo. O desenrolar da promessa de Deus leva ao estabelecimento de seu reinado neste mundo e entre seu povo, a igreja.

Os presbiterianos entendem a natureza da igreja de modo um pouco diferente de outros evangélicos. Descrevemos a igreja de diversas manei­ras: como um povo moldado pela Trindade e pelo evangelho, mas também como um povo definido em termos de espaço, caráter e marcas. Acima de tudo, apelamos fortemente à distinção entre a igreja conforme Deus a vê e a igreja como nós a vemos. Isso dá lugar à linguagem de igreja "visível" e igreja "invisível". Conforme veremos, essa distinção é importante não somente por nos ajudar a tratar de numerosas questões pastorais espinhosas - em especial, o problema da "apostasia"-, mas também oferece uma sóli­da justificativa para vermos nossos filhos como membros da igreja visível. Ao invés de sustentar o ideal de "membros regenerados da igreja'', como afirmam nossos irmãos batistas, cremos que a igreja visível, aquela que vemos, é composta de adultos professos e seus filhos.

Sendo esse o caso, os filhos de crentes professos devem receber o sinal de iniciação no povo visível de Deus - o batismo. Isso naturalmente significa que os presbiterianos adotam uma visão diferente dos sacramentos que a dos crentes batistas. Quando se trata de batismo, cremos que os propósitos de Deus estão centrados nas famílias. Em Gênesis 17, Deus fez promessas a Abraão como chefe de uma família, e lhe deu um sinal pactual- a circunci­são - que se estendia a toda a sua casa e selava essas promessas para a sua posteridade. Em Atos ocorre o mesmo, exceto que agora o sinal do pacto é o batismo: a promessa divina de dar as bênçãos de Abraão é concedida aos chefes de família crentes, e o sinal da aliança é estendido a todos os mem­bros da família. Os presbiterianos também têm um entendimento diferente

INTRODUÇÃO: IDENTIDADE PRESBITERIANA NA ERA Pós-MODERNA 21

da Ceia do Senhor. Cremos que alguma coisa acontece com os que recebem a Ceia em fé: desfrutamos a presença do próprio Senhor. Isso não ocorre mediante uma transformação do pão e do vinho em algo que eles não são. Acontece, porém, como obra do Espírito de Deus que eleva nossos olhos e corações ao céu onde Jesus está em sua glória. Provavelmente isso é mais do que a maioria dos protestantes evangélicos aceita; eles tendem a pensar na Ceia como um simples memorial, um momento de lembrar a morte de Jesus. Nós também cremos nisso, mas acreditamos que a Ceia é mais do que isso.

Práticas presbiterianas

Essas convicções não estão isoladas do resto de nossa vida, como se fossem agradáveis brinquedos intelectuais com os quais brincamos. Ao contrário, tais crenças moldam nossas práticas e, por sua vez, são reforça­das por essas práticas. Quando nos referimos a práticas, estamos falando de ações repetitivas mediante as quais nossas convicções quanto a Deus e seus propósitos para nós são reforçadas. Podemos pensar em práticas como as atividades que realizamos todos os dias em nosso ramo de negócios. Por exemplo, todo dia, quando chego ao meu escritório, a primeira coisa que faço é verificar os meus e-mails. Se houver mensagens que preciso res­ponder, eu respondo. Enquanto escrevo uma resposta, pode ser que toque o telefone. Sempre atendo do mesmo jeito: "Alô, aqui é Sean Lucas". Se houver uma questão interna a ser tratada, utilizo o recurso memorando em meu programa de processamento de texto para enviar minhas ideias aos outros. Procuro ir à biblioteca do seminário uma vez por semana e passo pela seção de periódicos para ver se há alguma nova publicação na minha área. Estou certo de que na sua empresa também existem práticas que você desempenha todos os dias. As minhas convicções quanto a como deve ser meu trabalho moldam as minhas práticas, e minhas práticas reforçam essas convicções.

Podemos pensar nas práticas religiosas de modo semelhante. Talvez possamos dizer que existem práticas que usamos ao "tratar dos negócios" com Deus e práticas que utilizamos quando "tratamos dos negócios" da igreja. Nas primeiras, nos relacionamos com Deus pelas práticas da pieda­de. Descobriremos que essas práticas de piedade estão profundamente en­volvidas com o culto comunitário. A maneira como experimentamos união e comunhão com Deus pelo Espírito é mediante a pregação da Palavra, os sacramentos e a oração. Mas não fica só nisso - nós também nos voltamos para o mundo em serviço ao próximo. Nós servimos não porque com isso podemos alcançar algum mérito diante de Deus. Servimos por profunda

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gratidão pela graça que nos foi demonstrada pelo Senhor Deus. Assim, es­sas crenças interagem com as nossas práticas de piedade para forjar o modo como tratamos e somos tratados por Deus em favor do mundo.

Ao pensarmos no culto corporativo, os presbiterianos geralmente in­sistem que o culto deve ser regulado pelas Escrituras. O significado disso é um dos assuntos mais fortemente debatidos de nossos dias, mas no mínimo deve significar que a Escritura estabelece normas quanto aos "elementos" do culto. Na sequência de sermos chamados à presença de Deus, confessar­mos os nossos pecados, ouvirmos a Palavra de Deus e participarmos dos sa­cramentos de Deus, participamos da renovação das promessas pactuais de Deus e da repetição da história do seu evangelho. Em consequência disso, nossas convicções influenciam profundamente a maneira como cultuamos e são reforçadas por nossas práticas de adoração.

Na maior parte do tempo, durante o culto, os presbiterianos gostam de fazer as coisas "com decência e ordem" (lCo 14.40). Porém, nosso pendor para a ordem realmente se manifesta quando tratamos dos negócios da igre­ja. Isso nos leva a mais um conjunto de práticas, que podem ser englobadas sob o título governo eclesiástico. Porque Deus é Rei e exerce seu governo especialmente na igreja, os presbiterianos têm pensado bastante sobre como a autoridade de Deus é dada à igreja, como ela é mediada e como deve ser utilizada. Dessa maneira, argumentamos que Deus, em Cristo, é Rei sobre a igreja e concede presbíteros como dádivas à igreja de Cristo para gover­nar e pastorear o seu povo. Esses presbíteros são responsáveis não só por suas próprias congregações locais, mas também por todas as igrejas numa determinada região geográfica. Os presbíteros se reúnem nos "concílios" superiores da igreja - como Presbitério, Sínodo e Supremo Concílio - a fim de expressar seu cuidado pela obra de toda a igreja.

Outro aspecto do governo eclesiástico que nos diferencia é o fato de termos um documento que regulamenta o que nós, presbiterianos, podemos e não podemos fazer como igrejas. É o Livro de Ordem ou Constituição da Igreja, que regulamenta tudo, desde a natureza de uma igreja missionária até a escolha de um pastor, desde o processo de ordenação até o proces­so de disciplina eclesiástica, desde a renúncia de pastores até a dissolução de igrejas locais. Como presbíteros, fazemos um grande esforço em nos­sas diferentes reuniões no sentido de fundamentar tudo o que fazemos na Constituição da Igreja, cujos princípios subjacentes se encontram, por sua vez, fundamentados na Bíblia. Não é raro, quando alguma questão difícil é levada ao conselho da igreja (o corpo de presbíteros regentes de uma igreja local) ou a um presbitério, que todos os homens presentes consultem diferentes partes de seus próprios exemplares da Constituição da Igreja.

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Isso nos distingue de muitas igrejas evangélicas que possuem constituições limitadas que raramente são consultadas. Isso significa que talvez sejamos um tanto vagarosos em fazer as coisas, em consonância com as sutilezas dos procedimentos parlamentares, mas estamos todos fazendo a mesma coisa "com decência e ordem". Ainda mais, tais práticas reforçam a nossa convicção de que não somos reis da igreja, mas Deus, em Cristo, é o Rei e ele reina em nosso meio mediante sua Palavra e seu Espírito. Nossas práti­cas são informadas por nossas convicções e nossas crenças reforçadas por nossas práticas.

Histórias presbiterianas

Como historiador, é provável que eu tenha a tendência de crer que esta seja a parte mais importante de nossa identidade presbiteriana. Certamente isso não é verdade, pois o que cremos é mais importante do que as histórias a respeito dos que creem. No entanto, as histórias que contamos sobre nós mesmos oferecem pistas quanto a quais convicções e práticas mais pre­zamos e por que as prezamos tanto. Uma tentação que devemos evitar é concluir que a história mais ampla do presbiterianismo não seja importante. Como os presbiterianos conservadores tiveram de sair da antiga Igreja Pres­biteriana - PC(USA) - para formar novas denominações, talvez pensemos que a parte realmente importante da história é a que levou à criação de nossas próprias denominações. Mas esse tipo de pensamento não apenas é ingênuo como também nos rouba daquilo que é nosso por direito: somos presbiterianos e temos tanto direito de pertencer à linha do ensino e da vida presbiteriana que retrocede a João Calvino, e além dele até os apóstolos, como aqueles que pertencem à velha igreja presbiteriana.

É por isso que a terceira parte deste livro irá nos lembrar resumida­mente a história do presbiterianismo. Isso é muito importante para enten­dermos por que nossas igrejas são como são. João Calvino, John Knox e os teólogos da Assembleia de Westminster - teólogos que viveram nos séculos 16 e 1 7 - influenciam diretamente a maneira como as coisas são feitas na PCA de hoje. Você duvida? Ouça qualquer sermão pregado numa igreja da PCA e muito provavelmente ouvirá uma citação de João Calvino ou uma declaração dos Padrões de Westminster. Também ouvirá pensamentos de Jonathan Edwards, por algum tempo pastor presbiteriano no século 18, ou de Charles Hodge, teólogo presbiteriano do século 19. Antigos presbiteria­nos já mortos não somente são citados com frequência na PCA, mas seus pensamentos e conflitos têm moldado tanto as crenças que a igreja valoriza

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como a maneira pela qual a igreja realizou e realiza suas atividades de culto e governo.

Há também toda a história de como as denominações presbiterianas conservadoras vieram a existir no século 20, pelos esforços heroicos de pas­tores como J. Gresham Machen e Robert G. Rayburn, no norte dos Estados Unidos, e de presbíteros regentes como Jack Williamson, Kenneth Keyes e Bob Cannada, no sul. Como nossas igrejas vieram a existir influi sobre como fazemos as coisas hoje em dia; na PCA isso se demonstra em tudo, desde nossos pedidos de contribuição das igrejas locais (ao invés de taxas per capita) até a crença de que as igrejas controlam suas próprias proprieda­des para seus próprios fins, e não para os da denominação. Não poderemos tratar de todas as maneiras pelas quais nossa história molda quem somos hoje; isso terá de esperar por um livro maior ao qual me referi no prefácio. Daremos, porém, algumas sugestões quanto a isso e esperamos que você possa pensar sobre outras dentro de seu próprio contexto.

A minha oração é que este livro auxilie na explicação do que significa ser presbiteriano - que convicções nos movem, que práticas nos formam, que histórias contamos sobre nós mesmos. No final, a coisa mais importan­te não é nossa identidade presbiteriana, mas nossa identidade formada por Jesus Cristo. Se depositamos nossa fé sincera em Jesus, somos unidos a ele e recebemos todos os benefícios da salvação: somos declarados justos dian­te de Deus, somos adotados em sua família, somos separados e santificados aos olhos de Deus e somos glorificados. Essa união com Cristo é espiritual, mística, real e inseparável - ela nos marca com uma identidade cristã, como quem pertence a Deus o Rei, por sua maravilhosa graça. Ela nos coloca no desenrolar da história do povo da promessa de Deus, que remonta através da história da igreja até a história de Israel. Ela aponta para o futuro, para o domínio de Deus que por fim se manifestará plenamente sobre a terra no final dos tempos. E ela nos coloca no povo de Deus comprado pelo sangue de Jesus - a igreja. Essa identidade - de crente unido a Jesus Cristo - é a mais importante, e se tal identidade ainda não lhe pertence, você deve con­versar com um amigo, ente querido ou pastor que possa mostrar-lhe, pela Escritura, como entrar num relacionamento correto com Deus mediante a fé em Jesus. Você iniciará uma jornada de fé que, espero eu, o levará a caminhar com presbiterianos fiéis no mundo todo e em seu próprio bairro, para a glória de Deus.

PRIMEIRA PARTE

» Convicções Presbiterianas

Capítulo 1

DEUS É REI: A SOBERANIA DE Drus

QUANDO VOCÊ PENSA NA EXPRESSÃO "SOBERANIA DE DEUS", O QUE LHE VEM

à mente? Recentemente, fiz essa pergunta em uma classe de escola dommical e recebi várias respostas consistentes: onipotente e onipresente; criador e planejador mestre; controle pleno e absoluto; presença consoladora. Todas essas respostas tocam aspectos significativos dessa ideia. Contudo, sugiro que poderíamos resumir tudo isso com o significado da própria palavra soberania. Afinal de contas, ela é derivada de soberano, uma pessoa que exerce autoridade suprema e permanente. Colocando de maneira simples, quando falamos que Deus é soberano queremos dizer que Deus é Rei.

Nosso Deus é mais do que um rei. Antes, Deus é o Rei, o Rei supremo que criou todas as coisas, governa e dirige todas as coisas para seus devidos fins e exerce sua vontade de maneira suprema em cada área da vida. Há muitas passagens da Escritura que articulam essa visão de Deus como Rei, mas uma das melhores é Daniel capítulo 4. Em diversos aspectos, esse é um capítulo estranho de Daniel, apresentando-se como uma espécie de declara­ção de Nabucodonosor, o governante da Babilônia que conquistou Israel e Judá. Nabucodonosor tem um sonho que Daniel interpreta para ele. Nesse sonho, Deus diz ao rei que embora Nabucodonosor fosse grande e seu reino se estendesse por todo o "mundo conhecido'', ele seria humilhado até que aprendesse "que o Altíssimo tem domínio sobre o reino dos homens e o dá a quem quer" (Dn 4.25). Um ano após esse sonho, Nabucodonosor se vanglo­ria em seu coração por causa do seu reino; imediatamente uma voz do céu rearticula o que Daniel lhe falara. O rei perde o juízo, é afastado dos outros

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homens para viver entre os animais do campo, e é forçado a comer capim como um boi; seu cabelo e unhas crescem, dando-lhe aparência animalesca, e ele é profundamente humilhado. Finalmente, o rei "levantou os olhos ao céu, tomou-lhe a vir o entendimento'', e ele confessou:

Eu bendisse o Altíssimo, e louvei, e glorifiquei ao que vive para sempre, cujo domínio é sempiterno, e cujo reino é de geração em geração. Todos os moradores da terra são por ele reputados em nada; e, segundo a sua vontade, ele opera com o exército do céu e os moradores da terra; não há quem lhe possa deter a mão, nem lhe dizer: Que fazes? (Dn 4.34-35)

Deus o Rei está acima de todos os outros reis da terra; sua vontade é suprema e nenhum ser humano poder contradizer ou questionar seus desíg­nios. Um hino o coloca da seguinte maneira:

Ó Pai, tu és soberano Em todos os mundos que criaste; Tua poderosa palavra foi falada Vida e luz obedeceram. Tua voz ordena as estações E limita as bordas do oceano, Coloca em seus cursos as estrelas E aquieta o rugido da tempestade.

Ó Pai, tu és soberano Em todo afazer do humano Poder da morte ou das trevas Jamais frustram teu perfeito plano. Transcendes acaso e mudanças, No espaço e no tempo és supremo, Aos filhos que em ti confiam Seguras em teu forte abraço.

Ó Pai, tu és soberano, Senhor sobre a dor mais humana, Transmutas os sofrimentos da terra Em ouro de tesouros celestes. Reges, vencendo todo mal, Como ninguém, senão o Vencedor, O teu amor segue seu propósito -O bem eterno de nossa alma.

Ó Pai, tu és soberano! Agora vemos apenas em parte, Mas breve, ante o teu triunfo Se dobrará todo joelho da terra.

DEUS É REI: A SOBERANIA DE DEUS 29

Tendo diante de nós tão feliz esperança, Nossa fé renasce mais forte: Nosso Senhor e Salvador soberano, Em ti confiamos, a ti adoramos! 1

Como nos ensina esse hino, Deus é Rei sobre toda a criação. Ele trou­xe os mundos à existência mediante sua poderosa palavra e, como Criador, tem pleno direito à obediência da criação. Deus também é Rei sobre todas as esferas da vida. Guia e dirige tanto a macro-história - o movimento da história humana - quanto nossas micro-histórias - cada uma de nossas vi­das, individualmente. Tudo acontece de acordo com seu plano. Até mesmo a dor que sentimos e os sofrimentos que experimentamos estão debaixo do domínio do Rei. Finalmente, Deus é soberano sobre a salvação humana. Deus o Rei está desfraldando uma história, um plano, que envolve a salva­ção de um povo para sua própria glória e que concentra a atenção sobre o Deus-Homem, Jesus.

A crença de que Deus é Rei levanta algumas dificuldades, que tra­taremos brevemente no lugar apropriado deste capítulo. Contudo, talvez a maior dificuldade seja existencial: o modo como nos sentimos quanto à soberania de Deus sobre cada parte de nossa vida. Mesmo alguns santos protestantes como Jonathan Edwards lutaram existencialmente com a rea­lidade de que Deus é Rei. Numa narrativa sobre sua conversão, escrita para encorajar seu genro, Aaron Burr Sr., Edwards refletiu sobre quanto tempo ele havia objetado contra a doutrina da soberania divina; de fato, Edwards disse que "ela me parecia uma doutrina horrível". No entanto, chegou uma hora em que ele se convenceu de que essa crença era bíblica e, portan­to, verdadeira. Edwards jamais pôde dar uma explicação para a doutrina da soberania de Deus, salvo pela "extraordinária influência do Espírito de Deus". Mas sua mente pôde "repousar nela" a tal ponto que essa crença se tomou "uma deleitosa convicção". Edwards passaria a afirmar que "a dou­trina da soberania de Deus tem se apresentado a mim com muita frequência como algo extremamente agradável, brilhante e doce, e eu amo atribuir a Deus a soberania absoluta".2 Até mesmo alguém como Jonathan Edwards lutava para entender como Deus podia ser Rei; não era uma luta apenas intelectual, mas profundamente pessoal. Creio que isso nos mostra que a convicção de que Deus é soberano é simplesmente isso: uma convicção à

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qual não chegamos mediante o nosso raciocínio. Ao contrário, é uma con­vicção na qual devemos descansar.

Deus é soberano sobre a criação

Desde o princípio do tempo, Deus o Rei tem desenrolado uma história que se concentra em manifestar sua glória na criação. Efésios capítulo 1 diz que Deus "nos escolheu nele antes da fundação do mundo", e isso "con­forme o conselho da sua vontade" (1.4,11). Por causa de passagens como esta, os presbiterianos creem que "desde toda a eternidade e pelo mui sábio e santo conselho de sua própria vontade, Deus ordenou livre e inalterada­mente tudo quanto acontece" (CFW 3.1). Desde o início, surge a questão da soberania de Deus sobre todas as suas criaturas e todos os atos delas (CFW 5.1). Deus é realmente soberano desde o princípio do tempo ou não? Será que foi Deus quem iniciou e dirige a história humana, ou algumas outras forças estão no comando?

Esta questão toma-se particularmente premente quando se fala da criação. Como presbiterianos, confessamos que "no princípio aprouve a Deus o Pai, o Filho e o Espírito Santo, para manifestação da glória de seu eterno poder, sabedoria e bondade, criar ou fazer do nada, no espaço de seis dias, e tudo muito bom, o mundo e tudo o que nele há, quer as coisas visí­veis quer as invisíveis" (CFW 4.1). Ao confessarmos isso, estamos dizendo diversas coisas. Primeiro, cremos que Deus o Rei criou do nada todas as coisas do mundo. Deus falou e toda a criação veio a existir, pelo poder da sua Palavra e do seu Espírito (Gn 1.1-3; Jo 1.3; Hb 1.3). A seguir, cremos que Deus o Rei nos criou para sua própria glória. Na criação, Deus destaca seu poder, sua sabedoria e sua bondade (Rm 1.20; Sl 19.1). Em terceiro lugar, dizemos que Deus o Rei era antes de tudo o mais. Antes de começar o tempo, Deus era; na realidade, Deus foi quem criou tanto o tempo como a matéria. Em consequência disso, Deus não depende de sua criação; antes, sua criação depende dele. Finalmente, podemos dizer que, porque Deus o Rei criou, ele tem a propriedade de sua criação (Sl 24.1-2). Deus tem direitos sobre sua criação da mesma forma que um pintor tem direitos de propriedade sobre uma obra de arte ou um autor tem direitos de propriedade sobre seu manuscrito.

Todos esses pontos argumentam que Deus o Criador é Rei sobre sua criação; Deus é o "Soberano Senhor, que fizeste o céu, a terra, o mar e tudo o que neles há" (At 4.24). Como criaturas, somos dependentes de Deus e somos distintos dele. Mesmo quando fingimos viver nossa vida indepen­dentemente de Deus e ignoramos sua vontade, ainda assim Deus é nosso

DEUS É REI: A SOBERANIA DE DEUS 31

Rei e sua vontade é nossa lei. Toda a humanidade é responsável perante Deus e será julgada por Deus; isso é justo porque Deus é o Criador e o Rei da humanidade. O apóstolo Paulo argumenta que os gentios, que não possuíam a lei de Deus escrita, "mostram a norma da lei gravada no seu coração, testemunhando-lhes também a consciência e os seus pensamentos, mutuamente acusando-se ou defendendo-se, no dia em que Deus, por meio de Cristo Jesus, julgar os segredos dos homens, de conformidade com o meu evangelho" (Rm 2.15-16). A consequência da soberania de Deus sobre sua criação é o fato de que ele é tanto o seu Rei como o seu Juiz.

Deus é soberano sobre cada esfera da vida

Pode surgir a indagação se, sendo Deus o Rei da sua criação, ele con­tinuaria a se envolver com ela. Seria Deus o relojoeiro cego que, uma vez tendo criado o mundo e suas leis, agora o deixa funcionar por conta própria? Ou Deus se envolve diretamente nos movimentos diários de sua criação?

Os presbiterianos creem que, na realidade, Deus continua a exercer seu papel sobre cada esfera de vida. Uma das maneiras pelas quais normal­mente expressamos essa crença é a ideia de providência. Confessamos que

Pela mui sábia providência, segundo a sua infalível presciência e o livre e imutável conselho de sua própria vontade, Deus, o grande Criador de todas as coisas, para o louvor da glória de sua sabedoria, poder, justiça, bondade e misericórdia, sustenta, dirige, dispõe e governa todas as coisas, desde a maior até a menor (CFW 5.1 ).

Em outras palavras, cremos que Deus o Rei está ligado à sua criação e se envolve com ela. As palavras teológicas complicadas que se aplicam aqui são transcendência e imanência. Cremos que Deus não é como sua criação; ele é "santo" e "inteiramente" outro: é transcendente. Mas também cremos sinceramente que Deus ama sua criação e está próximo dela; ele se envolve intimamente com ela, dirigindo seus afazeres e governando suas criaturas; ele é imanente. Queremos dizer que a providência tem a ver com quatro categorias de atividade divina: sustento, direção, disposição e go­verno. Deus o Rei sustenta "todas as coisas pela palavra do seu poder" (Hb 1.3), de forma que, se ele cessasse de fazê-lo, o mundo deixaria de existir. Outro modo de dizer isso é que "nele subsistem todas as coisas". De um modo que não conseguimos entender, Deus em Cristo sustenta o mundo para que vivamos e nos movamos e tenhamos nossa existência "nele" (Cl 1.17;At 17.28).

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Deus o Rei também dirige os eventos da história humana. Mais impor­tante ainda, Deus orquestrou a história humana de tal maneira que, "vindo a plenitude do tempo, Deus enviou seu Filho" (Gl 4.4). Toda a história antiga conduziu até o momento da encarnação de Jesus Cristo: a preservação da linha messiânica, a administração da antiga aliança e do reino judaico, o movimento das potências do mundo para fazer os judeus retornarem à Pa­lestina, até mesmo a proclamação mundial do censo que levou Maria e José a Belém a partir de sua cidade natal de Nazaré - cada evento foi parte da direção de Deus sobre os assuntos humanos. Deus o Rei continua a conectar sua história maior de salvação com nossas histórias de vida menores, de forma que ela seja um grande mosaico que proclama sua glória.

Além disso, Deus o Rei dispôs os eventos no sentido de acontecerem de certa maneira, em sintonia com seu plano perfeito e secreto. Deus dispôs que fosse !saque, e não Ismael; Jacó, e não Esaú; Moisés, e não Aarão, quem conduziria o seu povo de forma singular. Deus dispôs que Faraó reagisse de determinadas maneiras para demonstrar que só ele é o verdadeiro Deus (Êx 4.21 ). De maneira que não conseguimos compreender plenamente, Deus até mesmo dispôs que Adão pecasse no jardim do Éden e assim iniciasse toda a história da redenção (CFW 5.4).

Finalmente, Deus o Rei governa os seres humanos e seu atos. Pode­mos afirmar isso porque os presbiterianos insistem que nenhuma parte da criação de Deus está isenta da providência de Deus. Não é como se Faraó estivesse sob o controle de Deus, mas Adão não estivesse; ou Ciro estivesse sob controle de Deus, mas César Augusto não estivesse. Todas as criaturas de Deus estão sob seu controle. Mesmo forças e objetos inanimados estão sob o controle de Deus. Davi cantou a este respeito no Salmo 68:

Ao saíres, ó Deus, à frente do teu povo, ao avançares pelo deserto, tremeu a terra; também os céus gotejaram à presença de Deus; o próprio Sinai se abalou na presença de Deus, do Deus de Israel. Copiosa chuva derramaste, ó Deus, para a tua herança; quando já ela estava exausta, tu a restabeleceste. Aí habitou a tua grei; em tua bondade, ó Deus, fizeste provisão para os necessitados.

(Sl 68.7-10)

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Foi Deus quem fez com que a chuva restaurasse a terra e providen­ciasse alimento para os rebanhos; é ele quem controla as tempestades e as estiagens da vida. Nada está fora do controle de Deus.

Essa atividade providencial de Deus o Rei está arraigada em sua pres­ciência infalível e em seu propósito irreversível. A presciência de Deus não consiste em simplesmente olhar pelo corredor do tempo e ver que alguma coisa vai acontecer. Antes, a presciência de Deus implica na preordenação de Deus - Deus sabe que uma coisa vai acontecer porque foi ele quem preordenou que tal acontecesse (Rm 9.11). Essa presciência é abrangente e infalível. Simplesmente não há nada na existência humana que pegue Deus de surpresa, porque Deus dispôs irreversivelmente que tal evento ocorresse. Por mais dificil que pareça ao nosso entendimento, o mal que acontece no mundo está sob o controle de Deus. De imediato vêm à mente as palavras de José a seus irmãos: "Vós, na verdade, intentastes o mal contra mim; porém Deus o tornou em bem, para fazer, como vedes agora, que se con­serve muita gente em vida" (Gn 50.20). Da mesma forma, o dia central da fé cristã é aquele que denominamos "Sexta-Feira Santa" (em inglês, Good Friday, isto é "boa sexta-feira"), um dia no qual um ato inegavelmente mau foi usado para o glorioso bom propósito de Deus de salvar os seus. Pedro observou isso em seu sermão no dia de Pentecostes: "sendo este [Jesus] entregue pelo determinado desígnio e presciência de Deus, vós o matastes, crucificando-o por mãos de iníquos" (At 2.23). Pedro não isentou os líderes religiosos - eles certamente tinham praticado o mal ao crucificar o Senhor da glória; contudo, isso aconteceu conforme o plano de Deus. Deus usou esse ato inegavelmente mau para produzir o bem supremo: a redenção do seu povo.

Uma das dificuldades que temos em compreender a providência está na relação do governo de Deus o Rei sobre todas as coisas com a agên­cia humana responsável. Se Deus é soberano, em que sentido são livres, e assim moralmente responsáveis, as ações humanas? Para entendermos isso, temos de voltar a reafirmar que o reinado de Deus sobre todas as suas criatpras inclui tudo. Os seres humanos não podem limitar a autoridade ou a liberdade de Deus. Ainda mais, a autoridade soberana de Deus estabelece a existência humana e, portanto, as escolhas humanas. Quando Deus criou os seres humanos e lhes concedeu domínio sobre o restante da criação, ele lhes delegou sua autoridade para tomar decisões acerca da criação. Essa autoridade e governo delegados não terminaram com a queda de Adão e Eva; o ser humano ainda possui autoridade para tomar essas decisões, fazer escolhas e exercer domínio (Sl 8.6). Agora, porém, os seres humanos têm de lidar com um fator adicional - a corrupção que nos foi transmitida em

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virtude do pecado de nossos primeiros pais. Sendo assim, nossa mente está anuviada pelo pecado e nossa vontade está cativa de nosso interesse próprio pecaminoso. O resultado é que, quando os seres humanos fazem escolhas, eles não somente estão limitados pela delegação prévia de autoridade feita por Deus e pela administração soberana de Deus sobre a criação, mas tam­bém estão limitados por sua própria pecaminosidade.

Existem implicações muito práticas que resultam desse amplo enten­dimento de que Deus é o Rei de cada esfera da vida. Uma delas é que a história humana possui tanto propósito quanto direção. Isso certamente é verdadeiro quanto à grande história que Deus está realizando. Deus está guiando a história humana para um alvo específico: a plena salvação e li­bertação final de seu povo e de sua criação (Rm 8.18-30). Mas ela também é verdadeira quanto a nossas histórias menores. As coisas que nos acontecem não acontecem sem propósito, mas estão cheias de significado. Disse muito bem um pastor amigo meu, David Dively: "Deus criou este momento para mim e me criou para uma eternidade desses momentos". Assim é porque nossas histórias menores são entretecidas por Deus em seu propósito e em seu plano maior de trazer glória para si.

Como esta é a história de Deus, nada nos acontece por sorte ou acaso. Na verdade, um dos pecados proibidos no primeiro mandamento é "atribuir o louvor de qualquer coisa boa que somos, temos ou podemos fazer ao des­tino, aos ídolos, a nós mesmos ou a qualquer outra criatura" (CM 105). Ao contrário, temos a fé do autor do hino:

O que meu Deus ordena é certo: Sua vontade santa permanece. Ficarei calmo, se qualquer coisa ele fizer, E seguirei onde quer que ele me guiar. Ele é meu Deus ainda que minha estrada seja escura; Ele me segura para que eu não caia. Assim, deixo a ele todas as coisas.

O que meu Deus ordena é certo: Ele jamais me enganará. Conduz-me no caminho certo; Sei que nunca me abandonará. Aceito, contente, o que ele me envia; Sua mão afasta meu sofrer E aguardo, paciente, o seu dia.

O que meu Deus ordena é certo. Ainda que agora o cálice que bebo

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Pareça amargo ao coração enfraquecido, Eu o tomo todo, sem medo. Meu Deus é verdadeiro; a cada manhã se renova O doce conforto que encherá meu coração, E sofrimento e dor se dissiparão.

O que meu Deus ordena é certo: Aqui me firmo em minha posição. Ainda que sejam meus: sofrimento, pobreza ou morte Ainda assim não estou abandonado. O cuidado de meu Pai em tudo me cerca; Ele me segura para eu não cair; Sendo assim, deixo a ele tudo.3

Nosso Deus e amoroso Pai dirige de tal modo nosso caminho que, ainda que este seja escuro, ele nos sustenta. Podemos confiar que o cami­nho em que ele nos colocou é o caminho certo, e podemos aprender a estar contentes com sua direção providencial. Nossa única esperança está no seu consolo, mediado pelo Espírito e pela Palavra, lembrando-nos que o cuida­do de Deus jamais nos deixará nem nos abandonará. A história humana tem propósito e direção: resultará, enfim, na plena e final salvação nossa e da igreja como um todo.

Ainda que Deus o Rei esteja dirigindo nossas histórias e sua história mais ampla para sua própria glória, pode não ficar claro aos nossos olhos humanos o que Deus está fazendo nos eventos cotidianos de nossa vida ou no âmbito mais amplo da história. Deus disse a Israel quando o povo se preparava para entrar na Terra Prometida: "As coisas encobertas pertencem ao Senhor, nosso Deus, porém as reveladas nos pertencem, a nós e a nossos filhos, para sempre, para que cumpramos todas as palavras desta lei" (Dt 29.29). Pode ser difícil entender o que Deus está fazendo em nossa vida; podemos imaginar se Deus tem algum propósito em tudo isso. Podemos descansar na certeza de que ele tem esse propósito, ainda que não saibamos discerni-lo nesta vida. O mesmo ocorre quanto ao entendimento do que Deus está fazendo no âmbito grandioso de eventos contemporâneos e na história recente. É uma tentação achar que podemos dizer o que Deus está fazendo numa determinada guerra ou permitindo o surgimento de determi­nado líder mundial. Stephen J. Nichols, teólogo amigo meu, escreveu certa vez um brilhante ensaio sobre a loucura de tentar dar nome ao Anticristo. Observando a história da igreja ao longo dos séculos, Nichols catalogou as muitas sugestões diferentes que os estudiosos da Bíblia têm dado quanto à identidade do Anticristo, desde Constantino até o Papa e Ronald Reagan! Mesmo quando se trata do estudo da história, alguns defendem um tipo de

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"história providencial", na qual personalidades religiosas são classificadas em grupos de justos e ímpios, e os efeitos de seus atos recebem significado teológico. Certamente, temos de buscar compreender as motivações huma­nas no escrever da história. Mas a identificação de certos eventos (aqueles que apreciamos) como "obra de Deus", enquanto deixamos de reconhecer outros acontecimentos (aqueles de que não gostamos) como igualmente obra de Deus, representa, ironicamente, uma incompreensão significativa da providência de Deus. Toda a vida está debaixo do controle de Deus; toda ela é para o louvor da sua glória; contudo, as razões e os porquês podem ser mais dificeis de discernir nesta época.

Finalmente, porque Deus o Rei governa cada aspecto de nossa vida, nosso trabalho e nossa vocação diária recebem maior significado. Nosso chamado, nossa "vocação", é o meio pelo qual Deus exerce seu governo neste mundo. O resultado é que, quer você seja dona de casa, advogado, professor ou pastor, o que você faz é de extrema importância para os propó­sitos de Deus. Você está estendendo o domínio de Deus onde quer que você esteja, pois é seu filho (ou sua filha) e agente do Rei que é Deus. Alguns presbiterianos entendem que isto significa que o domínio de Deus deve se estender a toda esfera da existência humana, como a ciência, as artes ou a política. Abraham Kuyper, teólogo reformado holandês que fundou a Uni­versidade Livre de Amsterdã e acabou se tomando Primeiro Ministro da Holanda, defendia que as crenças presbiterianas (sintetizadas sob o título de calvinismo, devido a seu elaborador mais destacado, João Calvino) ofe­reciam a única cosmovisão que podia dar uma justificativa coerente para as realizações humanas. Kuyper expressou sua crença na soberania de Deus sobre o mundo proclamando as conhecidas palavras de que "não existe um centímetro quadrado em todo o domínio de nossa existência humana sobre o qual Cristo, que é Soberano de tudo, não declare: É meu!".4 Ele também afirmou que a soberania de Deus tinha de ser expressa por "uma ciência que não descanse até que tenha pensado sobre todo o cosmos; uma religião que não descanse até que tenha permeado toda esfera da vida humana; e assim também deve haver uma arte que, sem desprezar nenhum departamento da vida, adote, em seu mundo esplêndido, a totalidade da vida humana, inclu­sive a religião". 5 Kuyper sugeriu que os crentes presbiterianos e reformados construíssem uma "visão do mundo e da vida" coerente, que tratasse cada esfera do conhecimento do ponto de vista da soberania e da lei de Deus. Tal entendimento tem levado muitos presbiterianos a seguir suas vocações sob a direção de Deus, buscando estender o seu reino em todas as esferas da vida.

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Deus é soberano sobre a salvação humana

Existe ainda outra questão que pode vir à nossa mente: Se Deus o Rei governa cada aspecto de nossa vida, ele não dirige também a história de nossa salvação? É aí que as coisas se complicam, pois quando a maior parte das pessoas fala da soberania de Deus, refere-se especialmente ao direito de Deus como Rei de salvar quem ele quer, da maneira como ele quer. Todo o conjunto de termos teológicos referentes a esse ponto - predestinação, eleição, preordenação - serve como um importante diferencial de iden­tidade entre os presbiterianos e muitos outros evangélicos. No entanto, a verdade de que Deus é soberano sobre a salvação humana flui naturalmente daquilo que já vimos: se Deus é Rei de toda a sua criação, tendo direitos de propriedade sobre aquilo que fez; e se Deus é Rei sobre cada esfera da vida, sustentando, dirigindo, dispondo e governando todas as suas criaturas, bem como todos os seus atos, não segue então que Deus demonstre o fato de ser Rei de suas criaturas salvando a quem ele quer salvar?

Conforme já observamos, desde a queda todo ser humano está em rebeldia contra Deus. Desde nossos primeiros pais, Adão e Eva, os homens procuram viver independentes de Deus, fazendo suas próprias avaliações do bem e do mal. Devido a essa rebeldia, Deus poderia, com todo o direito, condenar todos os seres humanos a experimentar sua ira e justiça eterna. Ninguém merece a salvação. O fato de que alguém experimenta a miseri­córdia é somente pela graça de Deus. Não somente isso, mas, como resul­tado da Queda, nossa vontade tende a não servir a Deus. Conforme Paulo disse de maneira memorável em Romanos:

como está escrito: Não há justo, nem um sequer, não há quem entenda, não há quem busque a Deus (Rm 3.10-11, citando o Salmo 14).

Como ninguém busca a Deus e nossa vontade se inclina contra Deus, alguém fora de nós tem de intervir se quisermos receber a misericórdia e o perdão divinos. É por isso que os presbiterianos confessam que

Deus escolheu em Cristo, para a glória eterna, os homens que são predestinados para a vida; para o louvor da sua gloriosa graça ele os escolheu de sua mera e livre graça e amor, e não por previsão de fé, ou de boas obras e perseverança nelas, ou de qualquer outra coisa na criatura que a isso o movesse como condição ou causa (CFW 3.5).

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Observe que essa parte da Confissão de Fé de Westminster parece ter sido escrita por um advogado. Vejamos suas partes mais detalhadamente. O pensamento chave é que Deus o Rei escolheu em Cristo quem ele irá salvar para sua própria glória. Tudo o mais descreve a maneira como Deus o Rei escolheu: ele o fez antes da fundação do mundo; ele escolheu de acordo com seu propósito irreversível e seu beneplácito; ele o fez por sua livre gra­ça e amor, não por qualquer obrigação que lhe fosse imposta pela criatura, e essa escolha tem como alvo final o louvor da gloriosa graça de Deus.

Outra maneira de dizer isso é que Deus o Rei nos escolheu por sua pró­pria liberdade e para seus próprios propósitos. O apóstolo Paulo destacou esse ponto em 2 Timóteo 1.8-9: "Não te envergonhes, portanto, do testemu­nho de nosso Senhor, nem do seu encarcerado, que sou eu; pelo contrário, participa comigo dos sofrimentos, a favor do evangelho, segundo o poder de Deus, que nos salvou e nos chamou com santa vocação; não segundo as nossas obras, mas conforme a sua própria determinação e graça que nos foi dada em Cristo Jesus, antes dos tempos eternos" (itálicos meus). Temos aqui muitos componentes da soberania de Deus em nossa salvação: Deus fez a escolha em Cristo por sua própria liberdade antes do início do mun­do e não porque tenhamos colocado sobre ele alguma obrigação devido às nossas obras. Outra passagem clara se encontra em Romanos 8.29-30, onde Paulo escreve: "Sabemos que todas as coisas cooperam para o bem daque­les que amam a Deus, daqueles que são chamados segundo o seu propósito. Porquanto aos que de antemão conheceu, também os predestinou para se­rem conformes à imagem de seu Filho, a fim de que ele seja o primogênito entre muitos irmãos. E aos que predestinou, a esses também chamou; e aos que chamou, a esses também justificou; e aos que justificou, a esses tam­bém glorificou". Cada um desses textos declara que Deus é soberano sobre nossa salvação - é ele que nos escolhe e o faz por sua própria liberdade.

Além disso, Deus o Rei dá todos os passos necessários para essa salva­ção. Confessamos que ele "preordenou todos os meios conducentes a este fim" (CFW 3.6). Foi Deus quem assegurou a salvação de seu povo envian­do Jesus para morrer sobre a cruz e ressuscitar do túmulo ao terceiro dia. Foi ele quem nos fez nascer em determinado tempo e lugar. Foi ele quem nos colocou em contato com o evangelho no momento certo. Foi ele quem derramou o Espírito Santo com o fim de usar sua Palavra para nos chamar eficazmente à fé em Cristo. É ele quem nos concede toda bênção espiritual em Cristo Jesus: justificação, adoção, santificação e a promessa da glorifi­cação. Se Deus não fizesse essas coisas, ninguém seria salvo. Na verdade, como observa o apóstolo João: "Nós amamos porque ele nos amou primei­ro" (IJo 4.19).

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Há quem diga que os presbiterianos não podem compartilhar o evan­gelho eficazmente com as pessoas porque ninguém pode saber quem Deus escolheu. Contudo, tal objeção é fraca, pois o mesmo Deus soberano que escolheu salvar escolheu também o modo como salvaria - por meio de vizi­nhos que compartilham o evangelho com outros vizinhos, pais que ensinam o evangelho aos filhos, pastores que pregam as boas novas às suas con­gregações, missionários que declaram o evangelho a grupos populacionais que nunca o ouviram. É disso que trata a Grande Comissão: à medida que passamos pela vida, façamos discípulos. Outra razão pela qual essa objeção não tem valor é que, embora Deus saiba quem escolheu, nós não sabemos. Assim, somos conclamados a compartilhar as boas novas sem distinção e com todos quantos encontramos. No Areópago, o apóstolo Paulo declarou: "Ora, não levou Deus em conta os tempos da ignorância; agora, porém, notifica aos homens que todos, em toda parte, se arrependam; porquanto estabeleceu um dia em que há de julgar o mundo com justiça, por meio de um varão que destinou e acreditou diante de todos, ressuscitando-o dentre os mortos" (At 17.30-31). Esta era a mensagem de Paulo aonde quer que fosse, na sinagoga e no mercado público, no Areópago e no Templo de Je­rusalém. Ele não tentava discernir quais seriam os "eleitos"; antes, pregou o evangelho a todos, crendo que Deus estava chamando os seus em cada grupo de pessoas.

Certamente, às vezes nossos amigos se confundem tentando enten­der como a predestinação "funciona". Confessamos que "a doutrina deste alto mistério de predestinação deve ser tratada com especial prudência e cuidado" (CFW 3.8). Às vezes algumas pessoas naufragaram na fé porque não conseguiram verificar se seu vizinho moribundo ou seus colegas de trabalho eram eleitos. Isso é perder de vista o ponto principal. A identidade dos que foram chamados antes da fundação do mundo só é conhecida por Deus. O que nós sabemos é o seguinte: "Crê no Senhor Jesus e serás salvo, tu e tua casa" (At 16.31 ). Além disso, a crença de que Deus é soberano nas questões relacionadas à salvação não deve nos levar ao desespero, e sim dar segurança ao nosso coração. Deve nos levar ao regozijo. Certamente, essa é a maneira como Paulo a utiliza em Romanos 8. Escrevendo a crentes que experimentavam os profundos "sofrimentos do tempo presente", ele lhes disse que nada poderia separá-los do amor de Deus, que nada poderia des­viar deles o amor de Deus (8.18, 31 ). Por quê? Porque aqueles a quem Deus predestinou ele também justificou e glorificou (8.29-30). Em consequência disso, podemos nos regozijar no "amor de Deus que está em Cristo Jesus, nosso Senhor" - nele somos mais que vencedores (8.37-39).

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Essa alegria tem sua raiz no entendimento de que Deus como Rei não teria a obrigação de nos salvar. Nós, criaturas de Deus, nos rebelamos con­tra ele, procurando viver autonomamente, sem ele. Não buscamos a Deus - ele é quem nos buscou, enviou seu Filho para morrer em nosso lugar e nos concede seu Espírito a fim de direcionar nossa vontade para Deus. Confor­me escreveu Isaac Watts:

Quão doce e maravilhoso o lugar Com Cristo portas a dentro, Enquanto o amor eterno revela As melhores de suas dádivas.

Enquanto nosso coração e nossas canções Se juntam para admirar o banquete, Cada qual indaga com língua mui grata: "Senhor, por que eu fui convidado?"

Por que fui levado a ouvir tua voz E encontrar lugar entre os teus, Quando há milhares cuja escolha infeliz Faz famintos morrerem em lugar de vir?

Foi o mesmo grande amor a servir o banquete Induzindo-nos com doçura para as bodas, Senão, teríamos ainda nos recusado a provar E no pecado teríamos perecido.6

Nossa salvação não se deve à nossa própria bondade ou capacidade. É inteiramente resultado da misericórdia de Deus. É favor não merecido - é graça. É uma graça baseada nas ações de Deus como Rei da sua criação, manifestando sua vontade na providência e na redenção.

Perguntas para reflexão e recapitulação

1. Já houve algum tempo em que você se debateu com a crença na soberania de Deus? O que o fez passar a vê-la como uma "deleitosa convicção"?

2. Todos os evangélicos afirmam que Deus criou todas as coisas, visíveis e invisíveis, mas provavelmente a maioria não tem pensado sobre as implicações desta afirmação. Como as afirmações sobre a

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independência de Deus em relação a sua criação e seu domínio sobre a criação confirmam ou questionam suas ideias sobre Deus?

3. Você às vezes sente que Deus está distante de sua criação? Como a afirmação da providência de Deus o consola no meio da dor e da luta?

4. Por que é importante a afirmação de que "nada está fora do controle de Deus"? Se houvesse pessoas ou forças fora do controle de Deus, o que isso faria ao seu entendimento de Deus?

5. Como a "Sexta-Feira Santa" questiona sua ideia do controle de Deus sobre o mal? Se Deus planejou tirar o bem supremo desse terrível mal, como isso questiona seu entendimento do mal que acontece em nossas vidas?

6. Este capítulo afirma que a "autoridade soberana de Deus estabelece a existência humana e, portanto, as escolhas humanas". Como essa compreensão corrige a confusão típica das pessoas quanto à soberania de Deus e a responsabilidade humana? Se Deus não estabelecesse a existência humana, como os seres humanos poderiam fazer escolhas significativas?

7. Como o compromisso reformado com o controle providencial de Deus sobre a vida nos dá confiança, segurança e significado quando observamos nossa vida e a história humana? Como relacionamos a confiança de que Deus está no controle de todos os acontecimentos de nossa vida com nossa incapacidade de discernir sempre a intenção de Deus nesses acontecimentos?

8. De que forma os direitos de Deus como soberano da nossa salvação nos incentivam na graça de Deus? Como isso fortalece nossa certeza quanto ao cuidado que Deus tem por nós?

9. Como você responderia a um amigo que dissesse que os presbiterianos não podem compartilhar o evangelho eficazmente porque ninguém sabe quem foi escolhido por Deus?

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Leituras adicionais

BOETTNER, Loraine. The Reformed doctrine of predestination. Filadélfia: Presbyterian and Reformed, 1966.

CAMPOS, Heber Carlos de. A providência e sua realização histórica: o ser de Deus e as suas obras. São Paulo: Cultura Cristã, 2001.

EDGAR, William. Truth in ali its glory: commending the Reformed faith. Phillipsburg, Nova Jersey: Presbyterian & Reformed, 2004.

HELM, Paul. The providence of God. Downers Grove, Illinois: Inter Varsity Press, 1994.

KUYPER, Abraham. Calvinismo. São Paulo: Cultura Cristã, 2002. MURRAY, John. Thefree ojfer ofthe gospel. Phillipsburg, Nova Jersey: L.

J. Grotenhuis, s.d. PACKER, J. 1. Evangelização e a soberania de Deus. São Paulo: Cultura

Cristã, 2002. SPROUL, R. C. Eleitos de Deus. 2ª ed. São Paulo: Cultura Cristã, 2002. WRIGHT, R. K. McGregor. A soberania banida: redenção para a cultura

pós-moderna. São Paulo: Cultura Cristã, 1998.

Capítulo 2

A PRIORIDADE DA

MARAVILHOSA GRAÇA

N ÃO É EXAGERO DIZER QUE "AMAZING ÜRACE" É O HINO MAIS CONHECIDO

dos anglo-americanos. O crítico e historiador da música Steve Turner contou a história desse cântico em seu livro Amazing Grace: The Story of America s Most Beloved Hymn ("Maravilhosa graça: a história do hino mais amado da América"). Turner observa que durante o período de luto nacional depois de 11 de setembro de 2001, o hino parecia estar em toda parte. "Uma das imagens mais tocantes do choque e da tristeza", escreveu ele, "foi aquela de pessoas de todas as idades unindo as mãos ou os braços e cantando suavemente essas palavras". Durante todo aquele período, a canção surgiu em funerais, reuniões de igrejas, concertos de homenagem e outros meios. Para uma nação em luto, a tentativa de lembrar a graça de Deus em face da tragédia foi um passo necessário e importante.

Isso não quer dizer, necessariamente, que todos compreendem o que graça significa. Peter Jennings, âncora da rede de televisão ABC, observou durante o funeral do Presidente Ronald Reagan, em 2004, que o hino Ama­zing Grace era apropriado porque falava de alguém que esteve lá embai­xo e acabou vitorioso contra todas as probabilidades. Outras pessoas têm compartilhado sentimentos semelhantes. Judy Collins, cuja versão de 1971 desse hino esteve no topo das listas, disse que a letra falava em "extravasar, voltar à tona, ver a luz, recomeçar, confiar no universo, inspirar, expirar, ir com a maré". Joan Baez, outra artista dos anos 60 que cantou o hino, acha­va que graça era "o modo mais lindo de expressar um tipo de iluminação ou um tipo de verdadeira gratidão, de doação". Nessa percepção secular, a graça está ligada ao auto-aperfeiçoamento proveniente de um entendimento

44 Ü CRISTÃO PRESBITERIANO

iluminado que trabalha com as forças deste mundo. Como disse Collins: "Estamos sempre no caminho desse poder e meu sentimento pessoal é que agnósticos, ateus, pessoas espirituais e dedicados frequentadores de igreja têm todos essa mesma experiência porque ela se refere a forças invisíveis que estão sempre ao nosso redor".

Contudo, essas percepções seculares parecem estar longe das noções cristãs da graça conforme resumidas no famoso hino. Bono, vocalista do grupo U2, destaca isso quando diz:

A graça é uma ideia poderosa. Realmente é. Ouvimos tanto sobre carma e tão pouco sobre graça. Toda religião ensina sobre carma e que a gente recebe aquilo que a gente investe. Até mesmo o cristianismo, que deveria tratar da graça, tem transformado a redenção em boas maneiras, ou no discurso correto, ou em boas obras, ou sei lá o que. Eu simplesmente não consigo me livrar da graça.

O hino de John Newton não se refere a alguém que está "lá embaixo", e sim a um desgraçado, alguém que estava cegó, amedrontado, enfrentando perigos, angústias e emboscadas. E a salvação não vem de quaisquer esfor­ços próprios ou auto-iluminação, mas está arraigada na promessa de Deus, tem origem no seu próprio beneplácito e é extrínseca à própria capacidade ou valor do indivíduo. I

Graça é mais que esforço ou iluminação, boas obras ou bom carma. Não é algo que fazemos ou conquistamos. A graça nos é mostrada e rea­lizada a nosso favor por alguém que está fora de nós. Não merecemos a graça; é uma dádiva. O resultado é que um entendimento bíblico da graça está ligado ao que já consideramos: Deus o Rei está operando para salvar um povo para sua própria glória. Essa salvação é totalmente imerecida - "o fato de ter Cristo morrido por nós, sendo nós ainda pecadores" (Rm 5.8). Na verdade, embora o acrônimo paragrace na língua inglesa (Gads Riches At Christ s &:pense: "Riquezas de Deus às expensas de Cristo") pareça um pouco forçado, ele expressa algo fundamental - a salvação não é nossa por direito ou esforço próprio, mas sim nos é concedida somente pelo beneplá­cito de Deus, seu favor imerecido. Ainda mais, a salvação não decorre nem de iluminação nem de "seguir a maré". Ela está arraigada na autorrevelação de Deus em Jesus Cristo, que veio ao mundo e viveu a vida perfeita que nós não conseguíamos viver, morreu uma morte que satisfez a ira de Deus e res­suscitou para justificar os pecadores. Somente pela fé em Jesus somos sal­vos da ira de Deus - que nós merecemos integralmente - e recebemos todas as riquezas dos beneficios de Cristo - que não merecemos. Essa gloriosa

A PRIORIDADE DA MARAVILHOSA GRAÇA 45

transação é o exemplo culminante do imerecido favor de Deus para com pecadores como nós.

Neste capítulo, quero examinar o significado bíblico da graça confor­me entendido pelos presbiterianos. Para que reflitamos sobre isso, usare­mos como guia o hino mais famoso de John Newton. Quando nós, presbi­terianos, meditamos sobre o significado da graça, cremos que a graça vem de encontro às nossas necessidades. É certo que a graça de Deus satisfaz nossa necessidade mais "básica": a salvação do pecado, da morte e da ira. Mas a graça de Deus também é manifestada a toda a humanidade em geral: ela sustenta a vida assegurando a operação regular da natureza e motivan­do-nos a ser criativos. Confessamos, também, que a graça nos transforma de dentro para fora. Não somos salvos pela graça e purificados pelas obras - antes, tudo vem da graça, do princípio ao fim. Finalmente, nos apegamos à esperança de que a graça de Deus irá nos levar ao lar celestial, para conhe­cermos plenamente a glória da presença de Deus.

A graça satisfaz nossas necessidades

Surpreendente graça! - que doce é o som -Que salvou um miserável como eu! Antes eu era perdido, mas agora fui achado, Era cego, mas agora vejo.

Foi a graça que ensinou meu coração a temer E a graça aliviou meus temores; Quão preciosa pareceu essa graça Na hora em que eu vim a crer!2

A qualidade surpreendente da graça está profundamente arraigada no fato de que somos pecadores merecedores da ira divina. Pense em textos como Efésios 2: Paulo nos diz que estávamos mortos e manifestávamos essa morte "seguindo o curso deste mundo'', vivendo consoante seus di­tames e satisfazendo "a vontade da carne e dos pensamentos". Em conse­quência disso, éramos "por natureza filhos da ira": aqueles que mereciam a plena justiça de Deus. Por quê? Porque todo o nosso pecado é, em última instância, contra Deus o Rei (Sl 51.4), e o Rei tem o direito e a necessidade de executar a justiça para manter sua soberania. Assim, o que cantamos realmente é verdade: somos "miseráveis", "perdidos" e "cegos".

Contudo, Deus não nos deixou debaixo de sua ira. Efésios 2.4 trans­forma tudo com a gloriosa palavra "mas", como na afirmação: "Mas Deus, sendo rico em misericórdia, por causa do grande amor com que nos amou e

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estando nós mortos em nossos delitos, nos deu vida juntamente com Cristo". O renomado pregador e mestre Martyn Lloyd-Jones certa vez comentou que o pequeno vocábulo "mas" é a maior palavra de toda a Bíblia, porque assinala a transição da ira de Deus para a misericórdia e graça de Deus. O que merecíamos? Ira. O que recebemos? Misericórdia imerecida. Como se chama isso? Graça. Assim, nós, que outrora estávamos perdidos, agora fomos achados; nós que antes éramos cegos podemos ver. Devemos essa misericórdia imerecida totalmente à livre escolha de Deus nosso Rei. Essa é, em síntese, a natureza gloriosa, surpreendente e indescritível da graça.

Pois bem, em seu esforço por preservar essa natureza do cristianismo centrada na graça, os presbiterianos com frequência se referem a suas cren­ças fundamentais como "as doutrinas da graça". Essas doutrinas se referem especificamente ao que veio a ser conhecido como "os cinco pontos do cal­vinismo". Ironicamente, os chamados "cinco pontos" originalmente foram uma resposta articulada pelo Sínodo de Dort, na Holanda, em 1618, aos "Remonstrantes", um grupo de teólogos originalmente liderados por Tiago Armínio, que protestou (daí o nome "remonstrância") contra o ensino reli­gioso dominante nas universidades e igrejas holandesas. Os Remonstrantes apresentaram declarações sobre cinco áreas básicas nas quais eles acredita­vam que o ensino calvinista clássico estava incorreto. Eles insistiam que:

• A eleição de seres humanos feita por Deus era condicionada por sua fé prevista;

• A depravação humana foi atenuada pela graça de Deus, que foi concedida a todos os seres humanos para capacitá-los a crer;

• Essa graça poderia ser resistida por alguns homens e mulheres, resultando em sua condenação;

• Era possível que alguns crentes pecassem e assim perdessem a graça de Deus;

• A graça de Deus foi concedida a todos porque Jesus havia morrido por todo ser humano individualmente.

Em resposta a esses ensinos, o Sínodo de Dort condenou o "armi­nianismo" (nome derivado do autor dessas crenças) e apresentou um do­cumento contendo cinco partes. Essas cinco partes foram resumidas em "cinco pontos'', cujas primeiras letras em inglês formam a palavra TULIP (algo apropriado, por ser a flor da Holanda): Total depravity (Depravação total), Unconditional election (Eleição incondicional), Limited atonement (Expiação limitada), Jrresistible Grace (Graça irresistível) e Perseveran­ce of the saints (Perseverança dos santos). Quando as pessoas pensam no "calvinismo" - uma síntese das crenças presbiterianas - elas geralmente

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pensam nesses cinco pontos. Embora as crenças presbiterianas incluam muitas outras coisas além desses cinco pontos, eles são um resumo útil do nosso entendimento da graça de Deus demonstrada na nossa redenção do pecado. Vejamos cada um desses pontos.

Depravação total. Essa convicção não quer dizer que os seres huma­nos são tão maus quanto podem ser. Antes, significa que somos corrompi­dos em nosso íntimo e em todas as partes. Até mesmo o bem aparente que praticamos está manchado, em maior ou menor grau, por nossas motiva­ções pecaminosas. Não somente isso, mas também confessamos que somos "totalmente indispostos, incapazes e adversos a todo bem e inteiramente inclinados a todo mal" (CFW 6.4). Nossa mente, coração e vontade estão inclinados para nossos próprios desejos, considerados à parte da vontade de Deus e avaliados por sua própria utilidade em nos promover. Quando se trata de coisas espirituais - glorificar a Deus e gozá-lo para sempre, como diz o catecismo - somos incapazes. Conforme vimos em Efésios 2, não estamos doentes, muito doentes ou moribundos: estamos mortos. Somos in­capazes de nos voltarmos para Deus porque estamos corrompidos em nosso própfio ser, alienados de Deus e inclinados para nossos próprios desejos egoístas e pecaminosos.

Eleição incondicional. Conforme já vimos, para que o ser humano fosse salvo da ira merecida, Deus teria de ser misericordioso. Assim sen­do, o Deus soberano escolheu um povo para ser salvo para si mesmo (Êx 19.5-6; lPe 2.9-10). Essa escolha foi feita com base na própria liberdade de Deus. Ela não foi condicionada por qualquer coisa que Deus visse em você ou em mim - nossas qualificações para a salvação, nossa fé futura, nossa obediência ou ministério. A escolha de Deus não dependeu de nada a não ser o beneplácito de Deus como Rei (Ef 1.3-1 O).

Expiação limitada. Deus não apenas escolheu um povo para a salva­ção, como também assegurou essa salvação enviando Jesus para morrer uma morte de pecador em seu lugar. Sendo assim, a expiação realizada por Jesus foi "limitada" em seu intento - em favor do povo escolhido de Deus. É por isso que provavelmente seja melhor falar em uma expiação definida ou particular em vez de limitada: Jesus morreu por um povo particular, a saber, o povo que Deus escolheu. Como dizem os teólogos Robert Peterson e Michael Williams:

Cremos na expiação substitutiva particular porque a Escritura deixa isso implícito ao falar do Pai, do Filho e do Espírito trabalhando em harmonia para salvar o povo de Deus (Ef 1.3-14; Jo 17.2, 9-10, 19, 24; cf. com lPe 1.1-2). Sustentamos a expiação definida porque às vezes, quando a Bíblia fala da morte redentora de Cristo, ela exclui

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algumas pessoas (Jo 10.11, 15, 26; 17.2, 9, 19). Ensinamos a expiação limitada porque a Escritura descreve a cruz como sendo eficaz, não tomando a salvação possível a todos, mas de fato assegurando a salvação para multidões (Ap 5.9; cf. lPe l.18-19).3

Graça irresistível. Como os seres humanos estão em oposição a Deus, em rebeldia, inteiramente corruptos e sujeitos à ira divina, Deus teve de agir a fim de que alguém pudesse ser salvo. Ao agir, Deus, por seu mero bene­plácito como Rei, escolheu um povo para ser salvo; enviou seu Filho, Jesus, para comprar sua salvação suportando a ira de Deus sobre a cruz, e envia seu Espírito para chamar esses escolhidos para si mesmo e aplicar-lhes a salvação. Este chamado "eficaz" não é universal, feito indiscriminadamente a todos os seres humanos, mas é feito apenas àqueles a quem Deus escolheu salvar: "Todo aquele que o Pai me dá, esse virá a mim; e o que vem a mim, de modo nenhum o lançarei fora" (Jo 6.37); "Ninguém pode vir a mim se o Pai, que me enviou, não o trouxer" (Jo 6.44). Este chamado é "irresistível" no sentido de que a graça de Deus levará os seus escolhidos à salvação e a salvação aos seus escolhidos. Deus o Espírito realiza isso "iluminan<;lo os seus entendimentos, espiritual e salvíficamente, a fim de compreenderem as coisas de Deus, tirando-lhes os seus corações de pedra e dando-lhes co­rações de carne, renovando as suas vontades e determinando-as, pela sua onipotência, para aquilo que é bom, e atraindo-os eficazmente a Jesus Cris­to". Contudo, tal atração não vai contra a vontade do pecador; ao contrário, as pessoas "vêm mui livremente, sendo para isso dispostas pela sua graça" (CFW 10.1).

Perseverança dos santos. Como Deus operou para a nossa salvação em cada aspecto - eleição, expiação, vocação eficaz - certamente ele a levará à consumação para que entremos na plenitude da vida eterna. Nossa perseverança está ligada à preservação feita por Deus: "Aquele que co­meçou boa obra em vós há de completá-la até ao Dia de Cristo Jesus" (Fp 1.6). Nossa salvação final está nas mãos de Deus, assim como o restante de nossa salvação. Sendo assim, a salvação é certa, porque está firmemente baseada no propósito e na promessa de Deus. Se fosse possível que o pro­pósito de Deus na predestinação, na vocação e na justificação fracassasse, então poderia ser que a promessa de Deus de nos preservar e nos capacitar a perseverar também fracassasse. Porém, como isso obviamente é impossível - pois "se Deus é por nós, quem será contra nós?" (Rm 8.31) - podemos confiar que a graça de Deus nos levará até o final.

Tomados em seu conjunto, esses "cinco pontos" - que estão centra­dos nos propósitos e nas ações de Deus - enfatizam a graça de Deus. Eles explicitam o que o apóstolo Paulo afirmou: "Porque pela graça sois salvos,

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mediante a fé; e isto não vem de vós; é dom de Deus; não de obras, para que ninguém se glorie" (Ef2.8-9). Porém, todos eles ocorrem porque aquilo que dissemos no começo desta seção é verdadeiro - estávamos mortos, sob a ira de Deus, sem esperança neste mundo, e Deus, por sua misericórdia imerecida, nos deu vida, concedeu-nos perdão e nos deu esperança neste mundo e no mundo por vir.

A graça de Deus não somente satisfaz nossa necessidade de salvação, como também se estende a todas as áreas de nossa vida. Às vezes, chama­mos isso "graça comum". Alguns ramos do mundo reformado negam que exista uma graça comum ou geral, mas parece claro que a determinação de Deus em não destruir a humanidade rebelde é,. em si mesma, uma de­monstração de favor imerecido. Ainda mais, em Gênesis 8.21-22, depois do Dilúvio, Deus prometeu que "enquanto durar a terra, não deixará de haver sementeira e ceifa, frio e calor, verão e inverno, dia e noite". Deus continua a derramar bênçãos de amor e bondade sobre os seres humanos, como observou Jesus: "Eu, porém, vos digo: amai os vossos inimigos e orai pelos que vos perseguem, para que vos tomeis filhos do vosso Pai celeste, porque ele faz nascer o seu sol sobre maus e bons e vir chuvas sobre justos e injustos" (Mt 5.44-45). Pelo fato de Deus demonstrar sua graça comum à humanidade na provisão regular das necessidades da vida e na preservação das leis uniformes da ciência e da natureza, os seres humanos podem cres­cer, desenvolver-se, progredir e investigar. Os cientistas podem discernir como funciona o DNA; os agricultores são capazes de utilizar os "avanços" da bioquímica para combater as pragas e fazer crescer suas plantações; os artistas exploram a condição humana na fotografia e na pintura. Em cada uma dessas áreas, os seres humanos pecadores podem encontrar e conhe­cer a "verdade", mesmo quando a negam ou se rebelam contra o Deus da verdade.

Mais ainda, os cristãos podem trabalhar ao lado de não cristãos nas es­feras da ciência, história, arte e natureza (as esferas da "revelação geral", ou seja, a verdade de Deus compartilhada com toda a humanidade na criação), porque a graça de Deus é geral ou comum. Existem verdades "superficiais" sobre as quais cristãos e não cristãos podem concordar, princípios básicos de operação que são comuns a todos. Como historiador, posso tratar com historiadores que se especializaram no sul dos Estados Unidos, e podemos conversar significativamente uns com os outros porque a graça comum de Deus nos mostra a "verdade". Assim, a misericórdia imerecida de Deus en­volve todos os seres humanos, sustentando-nos, capacitando-nos a susten­tar nossas famílias, motivando-nos a utilizar sua boa criação. Certamente, como nos lembra o hino famoso, "ele brilha em tudo o que é belo", em sua

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bondade conclamando suas criaturas a se arrependerem de seus pecados e amá-lo como seu soberano Pai (Rm 2.4).

A graça nos transforma

Perigos, duro labor eu já passei, E a graça em segurança, Desde longe me trouxe aqui, E a graça me levará ao lar.

O Senhor prometeu o bem para mim, Sua Palavra me concede esperança, Ele será meu escudo e quinhão Enquanto a vida perdurar. 4

A graça não somente sustenta nossa vida com a regularidade da boa criação de Deus, como também satisfaz nossas necessidades mais básicas. Ela não somente nos proclama as novas gloriosas da morte e da ressurreição de Cristo, suprindo nossa necessidade do perdão de Deus, como também nos sustenta em toda a nossa jornada aqui neste mundo, na nossa luta contra o pecado e em nossas batalhas contra o diabo. Nos perigos, lutas e ciladas desta vida, a graça nos sustém. Mas a graça faz mais do que nos sustentar e nos ajudar a dar um passo à frente. Deus, em seu favor imerecido, nos transforma: sua promessa de nos refazer à imagem de Cristo começou em Cristo e irá continuar por toda a nossa vida.

Isso pode parecer-nos estranho. Embora a salvação seja, do começo ao fim, resultado somente da graça de Deus, temos a tendência de achar que precisamos nos tomar mais semelhantes a Cristo por nosso esforço e deter­minação. Pensamos: somos salvos pela graça, mas santificados pela lei, por nossos esforços, nossas obras. Somente mais recentemente os presbiteria­nos têm começado a compreender que, como todos os outros aspectos da salvação, nossa santidade depende de repousarmos fielmente tão somente na graça de Deus.

Primeiro, é importante reconhecermos que, mediante a fé em Jesus Cristo, somos espiritualmente unidos a ele. Paulo diz: "Estou crucificado com Cristo" (Gl 2.19). Estamos unidos a Cristo em sua morte (Rm 6.1-4) e, portanto, estamos mortos para o domínio do pecado e a maldição da lei (Gl 2.19; 3 .10-14 ). A morte de Cristo toma-se nossa morte, a sua justiça é nossa e sua vida é nossa ("já não sou eu quem vive, mas Cristo vive em mim" - Gl 2.20). Como diz o conhecido hino de Augustus Toplady:

Rocha eterna, meu Jesus, Quero em ti me refugiar! O teu sangue, lá na cruz Derramado em meu lugar, Traz as bênçãos do perdão: Gozo paz e salvação.

Não por obras nem penar Plena paz terei aqui. Só tu podes consolar, Há perdão somente em ti. Rocha eterna, só na cruz Eu confio, ó meu Jesus!

Quando o derradeiro olhar A este mundo aqui volver E no Trono eu te encontrar Teu chamado a responder; Rocha eterna espero ali, Abrigar-me, salvo em ti! 5

A PRIORIDADE DA MARAVILHOSA GRAÇA 51

Por causa de nossa união com Cristo, sua morte é a "dupla cura" do nosso pecado - tanto a culpa como o poder do pecado são tratados na morte de Cristo. Por nossa união com Jesus, a ira de Deus contra o pecado é afas­tada, não por obras da lei, mas mediante a morte de Jesus por nós. Unidos a Jesus, apegados à sua cruz, recebemos uma "vestimenta", ou seja, ajustiça de Jesus; recebemos graça; recebemos purificação.

Além disso, somos unidos a Cristo não apenas na sua morte, mas tam­bém na sua ressurreição. Paulo escreveu aos crentes de Roma:

Porque, se fomos unidos com ele na semelhança da sua morte, certamente, o seremos também na semelhança da sua ressurreição ... Ora, se já morremos com Cristo, cremos que também com ele viveremos, sabedores de que, havendo Cristo ressuscitado dentre os mortos, já não morre; a morte já não tem domínio sobre ele. Pois, quanto a ter morrido, de uma vez para sempre morreu para o pecado; mas, quanto a viver, vive para Deus" (Rm 6.5, 8-10).

Aos olhos de Deus, existe uma nova realidade acerca de cada um de nós. Estávamos mortos, agora estamos vivos; estávamos presos ao pecado, agora fomos libertados; outrora éramos rebeldes contra Deus, agora somos filhos obedientes. Deus "nos deu vida juntamente com Cristo - pela graça sois salvos - e, juntamente com ele, nos ressuscitou, e nos fez assentar nos

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lugares celestiais em Cristo Jesus, para mostrar, nos séculos vindouros, a su­prema riqueza da sua graça, em bondade para conosco, em Cristo Jesus" (Ef 2.5-7). Somos novas criaturas - unidos a Cristo em sua morte, ressuscitados com ele para andar em novidade de vida - e antevemos em nosso próprio ser o que Deus está fazendo neste mundo: criando novos céus e nova terra.

Sendo essas coisas verdadeiras a respeito de cada um de nós, somos chamados a viver de acordo com essa nova realidade. Nos círculos pres­biterianos e reformados, falamos, às vezes, em manter a ordem certa entre os "indicativos" e os "imperativos". Porque certas coisas são verdadeiras a nosso respeito em Cristo, somos chamados a viver de determinada maneira. Porque somos novas criaturas, unidos com Cristo em sua morte e ressurrei­ção, a coisa mais importante que somos chamados a fazer é "oferecei-vos a Deus ... e os vossos membros, a Deus, como instrumentos de justiça" (Rm 6.13). Ou, como Paulo diz em outro lugar: "Rogo-vos, pois, irmãos, pelas misericórdias de Deus, que apresenteis o vosso corpo por sacrifício vivo, santo e agradável a Deus, que é o vosso culto racional. E não vos confor­meis com este século, mas transformai-vos pela renovação da vossa mente, para que experimenteis qual seja a boa, agradável e perfeita vontade de Deus" (Rm 12.1-2). Porque conhecemos a misericórdia de Deus por meio de Cristo, apresentamo-nos a Deus em gratidão.

Historicamente, os crentes presbiterianos e reformados têm a tendên­cia de pensar em João Calvino como um teólogo ranzinza e frio, mas na verdade ele foi um "teólogo da piedade" ou um "teólogo da vida cristã". Seu brasão, criado por ele mesmo, tinha ao centro um coração geralmente em chamas, oferecido numa mão estendida. Em volta desse selo estavam as palavras: "Ofereço o meu coração, ó Senhor, de modo pronto e sincero". Em seu livreto mais popular, Sobre a vida cristã, ele observou que "é dever dos crentes apresentar seus corpos por sacrifício vivo, santo e agradável a Deus; este é o único culto verdadeiro". A razão para isso, conforme Cal­vino, é que "fomos consagrados e dedicados a Deus, o que significa que pensamos, falamos, meditamos ou fazemos qualquer coisa tendo em vista somente a sua glória". Na verdade, Calvino prosseguiu dizendo:

Não somos de nós mesmos, portanto nem a razão, nem a vontade, deverão guiar nossos pensamentos e atos. Não somos de nós mesmos, portanto não devemos buscar o que é conveniente à carne. Não somos de nós mesmos, portanto esqueçamos, quanto for possível, de nós mesmos e de nossos próprios interesses. Somos de Deus, portanto permitamos que sua sabedoria e vontade dominem todos os nossos atos. Somos de Deus, portanto que cada parte de nossa existência esteja voltada para ele como nosso único alvo legítimo.6

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Como não somos de nós mesmos, mas pertencemos a Deus em Cristo, portanto devemos viver inteiramente para Deus. Devido a nossa união com Cristo, apresentamo-nos a Deus para viver conforme ele quer, de acordo com sua graça e misericórdia.

Somos capacitados a apresentarmo-nos a Deus porque reconhecemos que ele já "nos tem abençoado com toda sorte de bênção espiritual nas re­giões celestiais em Cristo" (Ef 1.3). Em virtude de nossa união com Cristo, somos plenamente justificados - nosso status foi mudado para sempre aos olhos de Deus. Em virtude de nossa união com Cristo, somos tão justos quanto poderíamos ser - não interiormente, algo que aumenta mais e mais à medida que o Espírito usa sua Palavra para nos transformar à imagem de Cristo, mas aos olhos de Deus, porque fomos revestidos da perfeita justiça de Cristo (Gl 3.27). Em virtude de nossa união com Cristo, fomos plena­mente adotados - não podemos nos tomar mais "filhos" do que já somos; fomos transformados de escravos em filhos amados de Deus (Gl 4.4-7). Em virtude de nossa união com Cristo, temos a maior das bênçãos espirituais - temos o próprio Cristo, comunhão com ele mediante o Espírito e a Pa­lavra. Todas essas bênçãos nos vêm pela graça - o favor de Deus que não merecemos.

O resultado é que estamos livres da armadilha de começar pela graça e terminar pelas obras. Muitos de nós somos tentados a crer que, conquanto Deus tenha nos salvado pela graça e possa se agradar de nós, ele ficaria ainda mais contente se fôssemos missionários ou pastores, se pudéssemos fazer algum serviço extraordinário para ele. Então, acreditamos erroneamente, Deus estaria satisfeito conosco. Mas essa perspectiva deixa de considerar duas verdades importantes. Primeiro, ainda somos, no máximo, pecadores salvos pela graça. Confessamos que nossas melhores obras, que procedem do Espírito de Deus, "são impuras e misturadas com tanta fraqueza e im­perfeição que não podemos suportar a severidade do juízo de Deus" (CFW 16.5). Segundo, Deus não se satisfaz conosco devido ao que fazemos ou po­deremos fazer. Na verdade, nada podemos fazer que satisfaça a Deus. "Não podemos, pelas nossas melhores obras, merecer da mão de Deus perdão do pecado ou vida eterna" (CFW 16.5). Antes, Deus se satisfaz conosco somen­te porque ele vê a obra perfeita de seu Filho. Nossas pessoas são "aceitas por meio de Cristo, suas obras também são aceitas por ele, não como se fos­sem, nesta vida, inteiramente perfeitas e irrepreensíveis à vista de Deus, mas porque Deus, que as considera em seu Filho, é servido aceitar e recompen­sar aquilo que é sincero, embora esteja acompanhado de muitas fraquezas e imperfeições" (CFW 16.6). Mesmo como cristãos, nossas melhores obras são aceitas somente em virtude de nossa união com Cristo; Deus nos olha

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continuamente através de seu Filho, aceitando assim nossas obras, ainda que imperfeitas. Começamos pela graça e continuamos pela graça.

Tal reconhecimento da graça de Deus em nossa busca de santidade também nos liberta da crença de que nossos pecados poderiam nos separar de seu amor. Com muita frequência, somos motivados a viver pela culpa, e não pela graça de Deus. Reconhecemos nossas falhas, sentimos o conflito interno devido à corrupção que ainda está em nós, conhecemos a oposição de Satanás e ouvimos suas acusações a ressoar nos nossos ouvidos: "Você se chama cristão e fez isso? Gritou com os filhos ou com o cônjuge. Teve inveja do sucesso de seus colegas a ponto de tentar sabotar sua ascensão profissional. Distorceu a verdade de modo a tomá-la em mentira, e o fez para parecer melhor. Cobiçou a mulher do próximo em seu coração". Temos a tendência de usar essas acusações como motivação para corrigir erros, aplacar a Deus com promessas de arrependimento e bom comportamento. Tememos a reação de Deus aos nossos pecados; temos medo de que ele nos pisoteie com suas botas gigantescas. Somos como crianças que temem a disciplina dos pais, não o sofrimento dos pais. Assim, usamos essa culpa, não para nos impelir a Cristo e a sua misericórdia, mas para nos empurrar a realizações de justiça própria. Começamos a medir nossa espiritualidade por aquilo que não fazemos, pelos pecados e transgressões que evitamos, pela justiça externa que conseguimos realizar. Tudo isso numa tentativa de manter Deus contente conosco. Enquanto isso, estamos longe de ter co­munhão com ele, longe de um amor profundo por ele, realmente longe de entendermos a misericórdia e a graça de Deus.

Quando entendemos a graça de Deus, respondemos à acusação do ini­migo de forma bem diferente. Confessamos: "Sim, sou pecador e de muitas formas falhei para com meu Senhor. Mas Deus é rico em misericórdia - em Jesus Cristo, ele cobriu todos os meus pecados. Mesmo esses pecados, por mais hediondos que sejam, estão cobertos pelo sangue de Jesus. Pode ser que Deus me discipline para meu próprio bem, mas não o fará por vingança - sua ira foi completamente satisfeita pela morte de Jesus". Com essa con­fissão arraigada em uma confiança profunda na misericórdia de Deus, ofe­recemo-nos novamente a Deus em profunda gratidão por tal misericórdia. Entendemos que estamos unidos, pela fé, a Cristo, e temos a segurança de que nada poderá nos separar do amor de Deus que nele está (Rm 8.31-39). Confiamos em sua graça duradoura para termos forças para viver para ele (2 Co 12.9). Essa graça nos transforma, toma-nos novas criaturas, capacita­nos, pelo poder do Espírito, a viver uma vida que agrada a Deus.

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A graça nos levará ao lar

E quando esta carne E coração passarem, E a vida mortal cessar, Além do véu terei Uma vida de alegria e paz.7

Nossa jornada na vida cristã começa pela graça, e ela nos sustenta por toda a vida. O favor imerecido de Deus vem a nós mediante Jesus Cristo e nos salva, apontando sempre para o sangue e a justiça de Cristo como nossa única esperança de salvação. Em toda a jornada, a graça de Deus também nos transforma. Lembra nossa nova identidade em Cristo e nos conclama a viver à luz dessa nova identidade. Finalmente, a graça nos leva de volta ao lar em segurança - o favor imerecido de Deus termina aquilo que come­çou. Deus nosso Rei continua sua boa obra em nós até que cheguemos ao lar celeste, junto a Deus. Tal perseverança e preservação dos santos é uma misericórdia distinta, uma graça real. Podemos saber com certeza que ao final da jornada, quando esta carne e coração falharem, Deus nos capacitará a atravessar o véu para a vida de alegria e paz prometida por Jesus. A graça realmente nos levará ao lar.

Em meio a esta vida, Deus promete nos dar forças para perseverar. Como presbiterianos, confessamos que "os que Deus aceitou em seu Bem­Amado, eficazmente chamados e santificados pelo seu Espírito, não podem cair do estado de graça, nem total nem finalmente; mas com toda a certeza hão de perseverar nesse estado até ao fim, e estarão eternamente salvos" (CFW 17.1). É essa a argumentação de Romanos 8- se Deus nos conhece desde antes da fundação do mundo, nos escolheu, nos chamou e nos justi­ficou, nada poderá nos separar do seu amor. Observe ainda que Romanos 8.30 diz que Deus nos glorificou - no tempo passado. Como isso é possí­vel? O apóstolo Paulo nos diz que nossa glorificação futura é absolutamente certa porque, da perspectiva de Deus, ela já aconteceu. É semelhante ao que Paulo diz em Efésios 2 - na perspectiva de Deus, fomos vivificados junta­mente com Cristo, ressuscitados com ele, assentados com ele nos lugares celestiais: já estamos glorificados. No entanto, também aguardamos com esperança nossa revelação final como filhos de Deus. A graça nos sustenta e nos capacita a perseverar até o fim.

Para nos incentivar, o Deus Trino nos dá graciosamente fortes evidên­cias de que cumprirá o seu propósito. Vemos a "imutabilidade do decreto da eleição, procedente do livre e imutável amor de Deus Pai" (CFW 17.2). Deus o Soberano não muda de ideia, nem é o seu amor instável - aquele que

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ele escolheu salvar, motivado unicamente por seu amor imutável, ele salva­rá. Isso deve nos dar grande coragem e confiança quando lutamos contra o pecado, olhando para a linha de chegada de nossa vida. Olhamos também para a "eficácia do mérito e intercessão de Jesus Cristo" (CFW 17.2). A vida e morte de Jesus são plenamente eficazes para nossa salvação: seu sangue dá pleno pagamento pelo nosso pecado e nos purifica de toda injustiça; ele nos reveste de sua justiça para que esta seja a nossa proteção na presença do Pai. Semelhantemente, a intercessão contínua de Jesus à destra do Pai é outra evidência que fortalece nosso coração: "Por isso, também pode salvar totalmente os que por ele se chegam a Deus, vivendo sempre para interceder por eles" (Hb 7.25). Um terceiro consolo gracioso para nós, enquanto per­severamos na fé, é a "permanência do Espírito e da semente de Deus neles" (CFW 17.2). O fato de o Espírito habitar em nós nos dá força para perseve­rar no chamado de Deus. Ainda que, às vezes, possamos nos abalar e falhar, o Espírito testemunha ao nosso espírito, fortalecendo nossa perseverança. Deus nos concede a graça de perseverar, dirigindo-nos "à natureza do pacto da graça" (CFW 17.2). À medida que continuamos na jornada desta vida, e nos aproximamos do final da corrida, nós nos apegamos às promessas que Deus fez no evangelho. Deus certamente cumprirá suas promessas a nós: "Se perseveramos, também com ele reinaremos" (2Tm 2.12).

Em nossos dias finais, Deus também nos dá a graça de morrermos bem. Temos a mesma confiança do apóstolo Paulo de que "o Senhor me livrará também de toda obra maligna e me levará a salvo para o seu reino celestial" (2Tm 4.18). Talvez a maior imagem dessa graça concedida aos crentes em seus últimos momentos se encontre em O Peregrino, de John Bunyan. Quando o viajante, Cristão, começa a atravessar o rio escuro da morte, ele começa a fraquejar. Seu amigo, Esperançoso, insiste que ele sinta o fundo do rio, onde existe firmeza, e lhe aponta as promessas do evangelho da graça uma última vez. No entanto, Cristão parece desprezar Esperançoso dizendo que tais promessas não foram para ele. Mas quando Esperançoso proclama uma última vez as Boas Novas da graça a Cristão - "Tenha bom ânimo; Cristo Jesus o salvou" - a graciosa luz de Deus irrompe no coração de Cristão e ilumina seus olhos. Ele exclama: "Ó, novamente o vejo! E ele me diz: 'Quando passares pelas águas, eu serei contigo; quando pelos rios, eles não te submergirão' (Is 43.2)". Tendo essa confiança centrada na graça, os dois viajantes "se encheram de coragem" e foram até o outro lado do rio. "Cristão encontrou apoio para os pés no leito do rio e o resto da travessia se deu em águas rasas; chegaram à outra margem".8 Como fez pelo per­sonagem Cristão, de Bunyan, a graça de Deus conduzirá todos os cristãos em segurança até seu reino celestial. Não precisamos nos preocupar com

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a morte, pois o mesmo Deus que nos chamou das trevas e nos ressuscitou com Cristo, o mesmo Deus que nos molda segundo a imagem de Cristo, capacitando-nos a viver vidas centradas em Jesus, esse mesmo Deus nos levará em segurança ao seu reino, onde, em sua presença, desfrutaremos deleites e prazeres eternos (Sl 16.11 ). Que graça maravilhosa! Graças a Deus por seu dom inefável da graça!

Perguntas para reflexão e recapitulação

1. Temos de ser honestos e admitir que a crença de que os seres humanos merecem a ira de Deus é "dificil de vender" no mundo atual. Quais são alguns pontos de contato ou ilustrações que podem ajudar seus amigos e vizinhos não crentes a entenderem a situação espiritual em que se encontram?

2. Dizemos que a depravação total não significa que as pessoas sejam tão más quanto podem ser, mas que elas são totalmente corrompidas. Como isso é diferente do modo como muitas pessoas secularizadas enxergam a natureza humana? Quais são algumas ramificações práticas dessas diferentes visões da humanidade?

3. Muitos evangélicos acreditam que não é possível compartilhar o evangelho com os descrentes a não ser que digamos que Jesus morreu especificamente por eles. Quais algumas respostas que você poderia dar a essa afirmação?

4. Se Deus não chamasse os pecadores para si de modo irresistível, as pessoas descrentes viriam por conta própria? Por que não?

5. Uma possível resposta que as pessoas podem dar aos "cinco pontos do calvinismo" é que eles são profundamente injustos. Como você responderia a essa objeção?

6. Você conhece alguém que negue a "graça comum"? Já pensou sobre o fato de que Deus demonstra seu favor imerecido a toda a criação - tanto àqueles que o desobedecem como aos que o obedecem? Como a graça comum oferece uma base para o pensamento e a pesquisa cientifica?

7. Você já se sentiu tentado a querer completar sua salvação por meio das obras? Quais são algumas consequências naturais de enfatizar demais nosso desempenho como meio de alcançar ou manter o

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favor de Deus? Alguém pode realmente praticar "boas obras"? Como Deus aceita nossas obras como sendo boas?

8. Pense na citação de Calvino na página 52. Como o fato de que não somos de nós mesmos, mas pertencemos a Jesus Cristo, nos capacita a entregarmo-nos livremente a Deus? De acordo com Romanos 12.l, qual é a grande motivação para nos apresentarmos a Deus?

9. De que maneira a certeza dos propósitos de Deus em Romanos 8.29-31 fortalece nossa segurança de que ele nos fará perseverar até o fim?

1 O. Você conheceu alguém que "morreu bem" na fé cristã? Como a graça de Deus se evidenciou no modo como essa pessoa faleceu?

Leituras adicionais

BOICE, James M.; RYKEN, Philip G. Doctrines of grace: rediscovering the evangelical gospel. Wheaton, Illinois: Crossway, 2002.

BOICE, James M. O evangelho da graça. São Paulo: Cultura Cristã, 2003.

BOICE, James M. e outros. Reforma hoje. São Paulo: Cultura Cristã, 1999.

CHAPELL, Bryan, Holiness by grace. Wheaton, Illinois: Crossway, 2001. HORTON, Michael S. As doutrinas da maravilhosa graça. São Paulo:

Cultura Cristã, 2003. . MOUW, Richard J. He shines in ali that'sfair: culture and common grace.

Grand Rapids: Eerdmans, 2001. PETERSON, Robert A.; WILLIAMS, Michael D. Why Iam not an

Arminian. Downers Grove, Illinois: Intervarsity Press, 2004. SPROUL, R. C. Grace Unknown: The heart of Reformed theology. Grand

Rapids: Baker, 1997. SPROUL, R. C. O que é teologia reformada. São Paulo: Cultura Cristã,

2009. TURNER, Steve. Amazing Grace: The story of America 's most beloved

song. Nova York: Ecco, 2002.

Capítulo 3

A HISTÓRIA,, PROMESSA E DOMÍNIO DE DEUS: ALIANÇA E REINO

''EXISTE UMA LINHA MUITO TÊNUE ENTRE O USO E O ABUSO DE UMA PALAVRA",

disse certa vez Richard Phillips, da Primeira Igreja Presbiteriana de Margate, na Flórida. Ele continuou:

O mesmo ocorre com personalidades públicas. Quando uma pessoa recebe atenção, ficamos empolgados com ela. Mas quando é exposta em excesso, ficamos constrangidos em relação a ela. A meu ver, a palavra aliança atravessou essa linha nos ambientes cristãos. Assim, com frequência ouve-se a palavra aplicada de modo dúbio. Passamos de povo da aliança e filhos da aliança para escolas da aliança e empresas da aliança. Recentemente, ganhei um pacote de "café da aliança", que, por sinal, recebi como um eficaz meio de graça. Hoje, se você quiser expressar zelo em ser nitidamente cristão, especialmente se for de tendência reformada, é bastante provável que aplique o vocábulo aliança à sua atividade, grupo ou produto. Nesse processo, a palavra começa a perder nitidez e a assumir pouco mais que um nimbo indefinido. 1

Concordo plenamente. E você que está interagindo com os presbite­rianos provavelmente tem experimentado essa confusão com o abuso das palavras aliança ou pacto.

Não deveria ser assim. Como vimos no último capítulo, aliança des­creve a condescendência voluntária de Deus em atravessar a linha divisória entre o Criador e a criatura, aproximar-se graciosamente de seres humanos

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finitos e estabelecer um relacionamento com eles. Esse próprio ato de aco­modação da parte de Deus é gracioso. Especialmente após a Queda, Deus estabeleceu o "pacto da graça", no qual "ele livremente oferece aos pecado­res a vida e a salvação através de Jesus Cristo (CFW 7.3). O pacto de Deus é a maneira como ele se relaciona com os seres humanos em geral e com seu povo escolhido em especial.

No entanto, dar uma definição básica da palavra pacto é notoriamente dificil. Talvez a melhor definição seja a do teólogo John Murray, que ar­gumentou que "um pacto divino é uma administração soberana de graça e promessa".2 Considero essa definição muito boa porque não exclui outras ideias importantes que tipicamente se associam a um pacto - por exemplo, se os pactos se baseiam em condições, se os pactos são acordos mútuos, o que exatamente é oferecido nos pactos, se um pacto possui "aspectos con­tratuais", se os pactos envolvem mérito e assim por diante. Essa definição resume a ideia de pacto em vários pensamentos essenciais, alguns dos quais nós já vimos: é uma aliança divina, ou seja, começa com Deus e seus direi­tos como Rei; é uma administração soberana, ou seja, sugere as regras de Deus para o relacionamento que, como Rei, ele tem o direito de estabelecer; essa administração demonstra a graça de Deus, do começo ao fim, ao per­mitir que seres humanos finitos tenham a Deus como sua "bem-aventurança e recompensa" (CFW 7.1); e está baseado na promessa de Deus.

De fato, essa definição prepara o palco para o entendimento daquilo que os presbiterianos creem sobre o pacto e o reino de Deus. A aliança de Deus, essa administração soberana, é uma história de redenção. Ela come­çou no jardim do Éden com uma aliança, o "pacto das obras", que Adão deixou de observar. Ela tem continuado desde a Queda com uma segunda aliança, um "pacto da graça", estabelecido por Jesus em sua morte e ressur­reição. Esse pacto da graça, essa história da redenção, teve duas "fases" ou "dispensações", quer sejam chamadas de "lei" e "graça" ou de "antiga alian­ça" e "nova aliança". Essa história se move em direção a um clímax, no qual o domínio de Deus será manifestado sobre todo o mundo em Jesus Cristo. Este domínio é o que queremos dizer com o reino de Deus; assim, a aliança de Deus busca estabelecer seu reinado, seu domínio, sobre toda a terra - por isso é que oramos "Venha a nós o teu reino". A razão pela qual podemos con­fiar que essa história prossegue em direção à manifestação do reino de Deus na terra é o fato de que ela está arraigada nas promessas de Deus e também as revela, promessas essas feitas desde Gênesis 3.15, mas mui especialmente a Abraão em Gênesis 12.1-3 - a promessa de abençoar todas as famílias da terra mediante a semente de Abraão, Jesus (ver Gl 3.6-9, 16). Essa história de uma redenção prometida, que resulta no domínio e na bênção de Deus sobre

A HISTÓRIA, PROMESSA E DOMÍNIO DE DEUS: ALIANÇA E REINO 61

toda a terra - é isso o que os presbiterianos querem dizer quando falam sobre o pacto e o reino de Deus.

O pacto de Deus é uma história de redenção

Depois da primeira fase do Grande Despertamento, Jonathan Edwards preocupou-se em colocar o recente avivamento dentro de um contexto mais amplo. Assim, em 1739, ele pregou uma série de trinta sermões que inti­tulou "História da Obra da Redenção". Apelando em parte ao novo inte­resse pela "história épica" e à crescente consciência histórica do mundo ocidental, os sermões de Edwards procuraram contar a grande história da redenção desde antes da fundação do tempo até a consumação dos séculos. Ele sugeriu que os avivamentos de Northampton em 1734-35 eram parte do motor que Deus estava usando para dirigir a história. O movimento cíclico da história, de avivamento para degradação até um novo avivamento, leva­ria a história a um derramamento final do Espírito de Deus em avivamentos e à apostasia final antes que Jesus voltasse para vencer todos os seus ini­migos e implantar a era milenar. Embora possamos discordar de parte da teologia de Edwards nesses sermões, eles são valiosos pelo modo como ele falou do pacto de Deus. Por meio desses sermões, Edwards apresentou uma "teologia pactuai" sob a rubrica da obra redentora de Deus. A história da obra redentora de Deus é o que os presbiterianos muitas vezes querem dizer quando falam sobre o "pacto". Eles pretendem explicar como Deus, desde o princípio da história humana, tem desenvolvido a redenção de um povo escolhido para sua própria glória.

Essa história tem início no jardim do Éden com Adão e Eva. Nesse jardim, o relacionamento de Deus com a humanidade passou por Adão, que atuou como representante de toda a sua posteridade. Deus condescendeu em se relacionar com Adão de modo que, se Adão obedecesse perfeita­mente os mandamentos de Deus, ele e sua posteridade receberiam, como recompensa, a vida prometida (CFW 7.2). Essa relação pactuai foi ilustrada especialmente pela árvore do conhecimento do bem e do mal: "E o Senhor Deus lhe deu esta ordem: De toda árvore do jardim comerás livremente, mas da árvore do conhecimento do bem e do mal não comerás; porque, no dia em que dela comeres, certamente morrerás" (Gn 2.16-17). O man­damento de Deus, a lei de Deus, veio a Adão exigindo obediência. Se o homem desobedecesse, o juízo viria na forma de morte, implicando que, tivesse Adão obedecido, ele teria recebido vida e bênção.

Como bem sabemos, Adão falhou e transgrediu o "pacto de obras" (alguns o chamam "pacto da vida", "pacto da criação" ou administração

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adâmica; não importa tanto o nome quanto a ideia). Contudo, após a queda de Adão, a história não termina. Deus dá ao primeiro casal a promessa de que seu descendente traria redenção à humanidade: "Porei inimizade entre ti e a mulher, entre a tua descendência e o seu descendente. Este te ferirá a cabeça, e tu lhe ferirás o calcanhar" (Gn 3.15). O descendente de Adão, ou sua "semente", triunfaria sobre o pecado e suas consequências. Além disso, essa promessa aponta para o fato de Deus cobrir a vergonha dos seres hu­manos por meio da vida de outra criatura ( Gn 3 .21 ). A história da redenção começou com a promessa de redenção feita por Deus: a Semente de Adão viria para reverter a maldição; a vergonha de mulheres e homens seria co­berta pelo sangue de outro.

Deus continua a desenrolar essa história de redenção na história de Noé. Os descendentes de Adão demonstram que a maldição de Deus acon­teceu: os seres humanos morrem fisicamente - por meios naturais ou vio­lentos (Gênesis 4 e 5) - e espiritualmente (Gênesis 6). Nos dias de Noé, "a maldade do homem se havia multiplicado na terra e era continuamente mau todo desígnio do seu coração" (Gn 6.5). Deus determina trazer juízo sobre a humanidade, mas se lembra da promessa feita a Adão e Eva - ele cumpre sua promessa e continua a história, demonstrando sua graça ao preservar Noé e sua família. Mais ainda, a preservação de Noé demonstra a determi­nação de Deus no sentido de redimir toda a sua criação (Gênesis 9) e assim prossegue a história da redenção.

Passando da humanidade em Adão para uma parte específica da raça humana em Noé, Deus estreita a história do Redentor prometido ao selecio­nar uma família-a de Abraão. Na história de Abraão, a história da redenção ligada à promessa de Deus se toma mais específica: "De ti farei uma grande nação, e te abençoarei, e te engrandecerei o nome. Sê tu uma bênção! Aben­çoarei os que te abençoarem e amaldiçoarei os que te amaldiçoarem; em ti serão benditas todas as famílias da terra" (Gn 12.2-3). Deus promete várias coisas a Abraão: seus filhos irão constituir uma grande nação; o nome de Abraão será grande, de modo que ele seja uma bênção; por meio de Abraão todas as famílias da terra serão abençoadas. Em termos mais simples, Deus promete a Abraão uma semente, uma terra e uma bênção universal. Assim, a história da redenção se concentra na família de Abraão, nos seus descen­dentes flsicos, porém, o que é ainda mais importante, nos seus descendentes espirituais.

A partir da progênie de Abraão, verificamos que a história continua com !saque, e não com Ismael; com Jacó, e não com Esaú. O propósito de Deus na história da redenção é estranho para os leitores do antigo Oriente Médio, pois o preferido é o mais novo e não o mais velho. A história divina

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de redenção enfatiza que as escolhas soberanas de Deus impulsionam essa história. Conquanto utilize meios (lembre-se do que dissemos sobre a provi­dência divina), Deus ainda é quem dirige o drama. Assim, Isaque e Jacó são os filhos da promessa. Isaque é surpreendente porque nasceu a um homem de cem anos de idade; Jacó surpreende porque parece ser tão salafrário. No entanto, Deus transforma Jacó, o suplantador, em Israel, o que prevalece (Gn 32.22-32). E entre os filhos de Jacó/Israel, a história se concentra em Judá, não em Rubem, o primogênito, pois Deus promete que "o cetro não se arredará de Judá, nem o bastão de entre seus pés, até que venha Siló; e a ele obedecerão os povos" (Gn 49.10).

Depois do exílio do povo no Egito, a história se concentra na obra culminante e típica do propósito redentor de Deus. O Êxodo demonstra a determinação de Deus em redimir seu povo da escravidão. Ao fazê-lo, Deus triunfa sobre todos os deuses que os seres humanos erigem, que não são deuses de maneira alguma, e o faz mediante o sacrifício sangrento de um cordeiro sem mácula. Como tal, ele aponta para o verdadeiro propósito dos atos de Deus - o Redentor perfeito e sem pecado que viria para salvar seu povo da escravidão do pecado mediante seu sacrifício sangrento sobre a cruz. A história prossegue com a entrega da lei, que serviria como tutor e disciplinador dos filhos de Jacó (Gn 3.23-26). Como presbiterianos, con­fessamos que

Sob a Lei, [a divina história pactual de redenção] foi administrada por meio de promessas, profecias, sacrifícios, da circuncisão, do cordeiro pascal e de outros tipos e ordenanças dados ao povo judeu, tudo prefigurando Cristo, que haveria de vir; por aquele tempo, essas coisas, pela operação do Espírito Santo, foram suficientes e eficazes para instruir e edificar os eleitos na fé do Messias prometido (CFW 7.5).

Deus levanta Moisés, o profeta, e Arão, o sacerdote, para guiar o seu povo, mas eles são homens profundamente imperfeitos. Eles apontam para o Redentor divino que seria um perfeito profeta (Dt 18.15; Hb 1.1-2) e sa­cerdote (Hebreus 5, 7, 9-11).

Depois de quarenta anos no deserto, Deus conduz seu povo à Terra Prometida. Durante várias gerações, ele é governado por juízes que operam como chefes de clãs, liderando as diferentes tribos. Enquanto a ordem social se desintegra, cada um fazendo o que considera certo a seus próprios olhos, o povo passa a acreditar que precisa de um rei. Escolhe Saul, um benjamí­ta, mas ele se revela um fracasso. Finalmente, Deus apresenta o grande rei - Davi, da tribo de Judá, um homem a quem Deus ama profundamente.

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Durante o reinado de Davi, a história de Deus se toma ainda mais específica. O filho de Davi governaria sobre um reino que não teria fim (2 Samuel 7). Contudo, nem Davi, nem Salomão, seu filho imediato (a quem Deus chama de filho amado em 2 Samuel 12.25), era o herói da história. Ambos eram profundamente imperfeitos e ambos apontavam para um Rei perfeito que reinaria sobre o povo de Deus.

Durante todo o restante da história, o povo de Deus perde de vista as promessas de Deus. Deus envia profetas para lembrar a história ao povo, mas também oferece pistas de como essa história continuaria a se desen­rolar. Por exemplo, o profeta Isaías proclama que o sinal dado por Deus acerca da libertação de seu povo seria o surgimento de uma criança nascida de uma virgem, que será "Deus conosco" (Is 7.14). Sobre os ombros deste menino estará o governo do povo de Deus, pois ele será "Deus forte" (Is 9.6). Essa criança impulsionada pelo Espírito irá restaurar o trono de Davi após o tempo de exílio; quando a árvore de Davi tiver sido cortada, brotará um "renovo" de seu tronco, e ele governará sobre um reino de paz e justiça que irá abranger todos os povos (Is 11.1-1 O). Contudo, o caminho para tal entronização é surpreendente - ela não aconteceria por meio do triunfo mi­litar, mas pelo sofrimento (Isaías 53); em aparente derrota, aquele que será o verdadeiro Israel iria lutar e vencer.

Finalmente, "vindo a plenitude do tempo, Deus enviou seu Filho'', Jesus (Gl 4.4-5). Ele veio como a semente prometida; o perfeito profeta, sa­cerdote e rei; o servo sofredor que redimiria seu povo mediante sua morte e ressurreição. Jesus havia sido escolhido por Deus Pai para esse papel desde antes da fundação do mundo. "Aprouve a Deus, em seu eterno propósito, escolher e ordenar o Senhor Jesus, seu Filho Unigênito, para ser o Mediador entre Deus e o homem, o Profeta, Sacerdote e Rei, o Cabeça e Salvador de sua Igreja, o Herdeiro de todas as coisas e Juiz do mundo" (CFW 8.1). Je­sus foi o foco dessa história progressiva de redenção contada por Deus em todo o Antigo Testamento; é uma única história focada em um só povo que concentrava sua fé no Redentor do povo de Deus, "por quem tiveram, ainda nesse tempo, a plena remissão do pecado e a salvação eterna" (CM 34).

No entanto, Jesus não destrói seus inimigos e não leva essa história ao fim imediatamente, nem realiza a redenção do modo como o povo de Deus esperava. Antes da cruz e da ressurreição, ele procura alertar seus discí­pulos para essa realidade surpreendente: o bem e o mal cresceriam juntos no mundo até o dia do juízo; o número daqueles que estariam sob o do­mínio de Deus por meio de Jesus seria pequeno no começo, mas cresceria constantemente ao ponto de um dia sua influência se alastrar por todo o mundo; as boas novas da salvação somente pela fé no Jesus crucificado e

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ressurreto seriam pregadas por todo o mundo, e então Jesus voltaria para concluir sua história de redenção. Sendo assim, o reino de Jesus começa espiritualmente: ele concede seu Espírito Santo a sua "nova comunidade", sobe aos céus e aguarda o tempo de sua volta. Enquanto isso, a história con­tinua: Deus redime indivíduos à medida que colocam sua fé em Jesus Cristo e vivem seu lugar nessa história. Aguardamos o fim dos tempos, quando a própria história da redenção chegará ao seu final.

É essa história progressiva da redenção que muitas vezes temos em mente ao nos referirmos ao "pacto". Na verdade, a teologia pactuai enfatiza essa história de como Deus cumpre sua promessa de enviar um redentor (BC 20). Espero que você tenha percebido duas grandes coisas quanto a essa história. Primeiro, ela possui uma continuidade básica. Existe unidade na história da redenção. Conforme já mencionamos, ela se divide em duas fases - quer as chamemos de promessa e cumprimento, antiga aliança e nova aliança ou lei e graça - mas ainda assim é uma história contínua sobre essa grande obra que Deus está realizando.

Este é um lugar em que muitas vezes os presbiterianos se afastam de outros evangélicos, muitos dos quais foram treinados num sistema de entendimento da Bíblia denominado dispensacionalismo. Os dispensacio­nalistas acentuam a descontinuidade entre as duas fases da história da re­denção. Focalizando dois povos de Deus, os dispensacionalistas sustentam que o Antigo Testamento tratou da relação de Deus com Israel, enquanto que o Novo Testamento trata da relação de Deus com a igreja. Esses dois povos, dizem os dispensacionalistas, são distintos, tendo duas histórias di­ferentes. Israel é o povo terreno de Deus, e a maior parte das promessas do Antigo Testamento são promessas tisicas que se cumprirão "literalmente" no tempo e no espaço. A igreja é o povo celestial de Deus, e será levada ao céu ("arrebatada") antes que a ira de Deus venha sobre o mundo por sete anos num período chamado tribulação. Depois que a igreja deixar o cená­rio, Deus voltará sua atenção novamente para Israel. Purificado pela tribu­lação, Israel desfrutará durante mil anos o governo direto de Jesus Cristo, a quem finalmente reconhecerá como Messias. No final desse tempo, Deus consumará a história vencendo e julgando todos os seus inimigos e dando início à existência eterna.

Como se pode ver, o dispensacionalismo enfatiza dois povos, duas his­tórias e dois destinos para o(s) povo(s) de Deus. Por outro lado, a teologia pactuai dos presbiterianos enfatiza um povo, uma história e um destino para o povo de Deus. Enquanto o dispensacionalismo acentua a descontinuidade, a teologia pactuai acentua a continuidade. Porém, às vezes os presbiterianos podem acentuar excessivamente essa continuidade. Há quem argumente, por

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exemplo, que a continuidade entre Antigo e Novo Testamento implica que as leis civis do Israel antigo devam se aplicar aos governos atuais, ou que apre­sença de crianças na ceia pascal judaica significa que as criancinhas devem participar da Santa Ceia sem uma prévia profissão de fé. A tradição presbite­riana tende a ver tais alegações como aplicações indevidas da continuidade. Afinal de contas, existem diferenças básicas entre a antiga e a nova aliança, realizada pela morte e ressurreição de Jesus. Conforme certo teólogo obser­vou ironicamente, sabemos que existem diferenças básicas entre a antiga e a nova aliança porque, só para começar, não mais sacrificamos touros e bodes. Ainda assim, temos de lembrar que Deus está contando uma história na Es­critura, a história de sua atividade redentora em favor de seu povo.

O pacto de Deus é uma promessa irrevogável

Espero que você tenha notado uma segunda coisa nesse panorama da história da redenção: a história do pacto de Deus tem seu centro na promes­sa divina de prover um Redentor para o seu povo. No início da história da humanidade, após a queda de Adão, houve a promessa de um descendente que viria para esmagar todos os inimigos de Deus (Gn 3.15). Essa promessa se desenvolveu passando por Noé até Abraão, até o momento em que Deus disse a Abraão que por meio de seu descendente seriam abençoadas todas as famílias da terra (Gn 12.2-3). À medida que a história se desdobrava, a promessa continuou a ser revelada progressivamente: o descendente seria um profeta, sacerdote e rei; ele redimiria seu povo da escravidão; o descen­dente reinaria com perfeição sobre o seu povo; o descendente intercederia por seu povo como os sacerdotes intercediam por Israel. Nos escritos dos reis de Israel e de Judá, especialmente em Davi e Salomão, o descendente prometido foi apresentado como alguém que iria personificar a sabedoria de Deus (Provérbios 8), como alguém que seria desamparado por Deus e ferido pelas iniquidades de homens e mulheres (Salmo 22) e como alguém que não veria a corrupção (Sl 16.1 O).

Esse Redentor, essa Semente, que é apresentado pelo evangelho de Deus e sobre o qual nos fala a história do pacto de Deus, é Jesus (Gl 3.16). Ele veio realizar sua obra como "o único Mediador do pacto da graça" (CM 36). Como Mediador, Jesus era (e é) Deus. Sendo assim, ele pode "sus­tentar a natureza humana e guardá-la de cair sob a ira infinita de Deus e o poder da morte; para dar valor e eficácia aos seus sofrimentos, obediência e intercessão; e para satisfazer a justiça de Deus, conseguir o seu favor, adquirir um povo peculiar, dar a este povo o seu Espírito, vencer todos os seus inimigos e conduzi-lo à salvação eterna" (CM 38). Como Mediador

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de Deus, Jesus também era (e é) homem (lTm 2.5). Portanto, ele "soergue a nossa natureza e possibilita a obediência à lei, sofre e intercede por nós em nossa natureza, e solidariza-se com as nossas enfermidades, para que recebêssemos a adoção de filhos, e tivéssemos conforto e acesso, com con­fiança, ao trono de graça" (CM 39). Como o Deus-homem, o Mediador de Deus para o povo de Deus, Jesus reconcilia Deus e o homem, oferecendo a Deus, em nosso favor, as obras próprias de cada natureza, das quais deve­mos depender para nossa salvação.

A promessa de Deus que o pacto nos oferece não é nada menos que o próprio Jesus. Ele é o beneficio especial que recebemos como aqueles a quem Deus escolheu e para quem Deus está realizando a história da redenção: "Os membros da Igreja invisível gozam, por meio de Cristo, de união e comunhão com ele em graça e glória" (CM 65). Essa união com Cristo, efetuada pela obra do Espírito de Deus e pela fé em Cristo, nos une a Cristo como cabeça e esposo "espiritual e místicamente, ainda que real e inseparavelmente" (CM 66). Desfrutamos verdadeira comunhão com Deus em Cristo pelo Espírito. Sendo assim, conquanto amemos os benefícios da obra de Cristo sobre a cruz, que nos foram prometidos por Deus, o que mais almejamos e recebemos pela fé é o próprio Jesus. Um de meus hinos prediletos o coloca assim:

As areias do tempo se esvaem, Rompe a aurora do céu, A manhã de verão pela qual anseio, A doce, bela manhã desperta; Escura, negra foi a meia-noite, Mas a madrugada está para nascer, E glória, glória habita Na terra de Emanuel.

Ali, o Rei é visto sem véu Em toda a sua beleza e esplendor; Foi uma jornada compensadora, Ainda que nela sete mortes existissem; O Cordeiro com seu belo exército Se firma sobre o monte Sião E glória, glória habita Na terra de Emanuel.

Ó Cristo, ele é a fonte O profundo e doce poço de amor! Riachos da terra eu já provei, Beberei mais fundo da água de cima;

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Ali, na plenitude de um oceano Sua misericórdia em tudo se expande, E glória, glória habita Na terra de Emanuel.

A noiva não olha seu vestido, Mas sim a face de seu amado noivo; Eu não fitarei a glória, Mas sim o meu Rei da graça: Não olho a coroa que ele me dá, Mas sua mão que foi traspassada: O Cordeiro é toda a glória Da terra de Emanuel.3

A aliança de Deus é a promessa de Cristo oferecida ao seu povo. Essa promessa é a mesma no Antigo Testamento e no Novo. No Antigo, a promessa foi exibida em "promessas, profecias, sacrifícios, circuncisão, a Páscoa, e outros tipos e ordenanças". Essas coisas foram "suficientes para edificar os eleitos na fé no Messias prometido" (CM 34). Em outras pala­vras, o objeto da fé dos santos do Antigo Testamento, ainda que diferente nos detalhes, era o mesmo que o nosso - o Redentor prometido de Deus. Jesus ressaltou isso aos fariseus, dizendo certa vez: "Porque, se, de fato, crêsseis em Moisés, também creríeis em mim; porquanto ele escreveu a meu respeito. Se, porém, não credes nos seus escritos, como crereis nas minhas palavras?" (Jo 5.46-47). Mais tarde, Jesus disse: "Abraão, vosso pai, alegrou-se por ver o meu dia, viu-o e regozijou-se" (Jo 8.56). Não existem dois caminhos de salvação - um pela lei, outro pela fé. Sempre tem havido apenas um caminho de salvação - fé em Jesus, o Redentor vindo de Deus. A diferença está em que no Antigo Testamento os crentes anteviam o Redentor, esperando na promessa divina, vendo-a apenas obscuramente e de longe (Hb 11.13-16); nós olhamos para Jesus Cristo como quem já veio, aquele que foi revelado como tendo cumprido as promessas de Deus quanto ao seu Redentor escolhido (Hb 12.1-2).

O pacto de Deus busca estabelecer o seu reino

A promessa de Deus acerca de um Redentor também está ligada ao estabelecimento do Reino de Deus. Não se pode deixar de observar isso ao ler os evangelhos, especialmente Mateus. Vez após vez, fica claro que o evangelho que Jesus veio pregar era as boas novas do reino de Deus. Mar­cos, por exemplo, registra que "depois de João ter sido preso, foi Jesus para

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a Galileia, pregando o evangelho de Deus, dizendo: O tempo está cumprido, e o reino de Deus está próximo; arrependei-vos e crede no evangelho" (Me 1.14-15). Este reino sobre o qual Jesus falou era tanto um reinado quanto um domínio. De um lado, o reino que Jesus proclamou tinha tudo a ver com o estabelecimento de seu reinado. Seria até mais acertado dizer que, com a vinda do reino de Deus, o reinado de Deus em Jesus Cristo estava sendo manifestado ao mundo inteiro. Afinal, observamos anteriormente que Deus já é Rei, soberano sobre todas as suas criaturas e sobre todos os atos delas. Toda a criação vive, se move e tem sua existência de acordo com o plano e os desejos de Deus. Além disso, o povo de Israel sabia, desde o princípio, que Deus era o seu Rei, mesmo quando quis um rei terreno ( 1 Sm 8; 10.17-19). A novidade em Jesus é que o reino de Deus está sendo manifesto ao mundo todo, mundo este que tem sido rebelde contra Deus.

Esse reinado não foi estabelecido de modo típico, pelo poder da con­quista militar. Conforme Jesus disse a Pilatos: "O meu reino não é deste mundo. Se o meu reino fosse deste mundo, os meus ministros se empenha­riam por mim, para que não fosse eu entregue aos judeus; mas agora o meu reino não é daqui" (Jo 18.36). O resultado é que o reinado de Deus não está necessariamente ligado ao avanço de entidades geopolíticas. Ao contrário, o Reino de Deus está intimamente ligado à obra de seu Espírito de levar mulheres e homens a um relacionamento correto com ele: "Se alguém não nascer de novo, não pode ver o reino de Deus" (Jo 3.3). Este relacionamen­to correto é estabelecido pela cruz e pela ressurreição, que asseguraram a redenção pela qual o povo de Deus pode entrar em relação com ele e se colocar sob o seu domínio.

No entanto, o reino de Deus não foi o que os primeiros seguidores de Jesus esperavam. Eles acreditavam que, quando o reino de Deus fosse es­tabelecido, o Dia do Senhor viria, trazendo julgamento final, especialmente sobre os romanos, e salvação para o povo de Deus, Israel. Depois daquele Dia do Senhor, os seguidores de seu Messias serviriam como vice-regen­tes do reino de Deus sobre um Israel restaurado, purificado da idolatria e resgatado do exílio. Na verdade, Jesus disse aos discípulos que o seu reino era muito diferente daquilo que eles esperavam. O bem e o mal cresceriam lado a lado - filhos do Reino e filhos do Maligno - até um julgamento futuro e final (Mt 13.24-30, 36-43). Igualmente, Jesus afirmou que o reino de Deus começaria muito pequeno, com apenas doze discípulos e alguns outros seguidores, mas se expandiria por todo o mundo (Mt 13.31-33). Os que reconhecem o reinado de Deus compreenderão o seu valor, mas ele será ocultado a muitos, exigindo busca e inquirição (Mt 13.44-46). No entanto,

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embora pareça que o mal existirá para sempre, Deus trará juízo no final dos tempos (Mt 13.47-49).

Os teólogos presbiterianos gostam de expressar essa tensão dizendo que o reino de Deus já está inaugurado, mas ainda não foi consumado. Ou seja, o reinado de Deus em Jesus Cristo está sendo manifestado por todo o mundo, e isso começou com sua crucificação, ressurreição e ascensão. Porque Jesus foi exaltado para a destra de Deus Pai, ele já está "assentado" à destra do Pai e está "pondo os seus inimigos por estrado dos seus pés" (At 2.33-36). Contudo, conforme reconhece o autor de Hebreus: "Agora, porém, ainda não vemos todas as coisas a ele sujeitas" (Hb 2.8). O reinado de Deus está se estendendo por todo o mundo à medida que homens e mu­lheres são chamados para se colocar sob o domínio de Deus pela Palavra e pelo Espírito. É assim que se desenrola a história da redenção em nossos dias, em lugares que não conseguimos ver, especialmente na Ásia, África, América do Sul e América Central, onde Deus está manifestando seu reino na transformação de vidas. Quando a história estiver completa, Jesus vol­tará para julgar o mundo em justiça e verdade. Seu reino será plenamente realizado no tempo e no espaço, nos novos céus e na nova terra (Is 66.22-23; Ap 21-22).

Isso sugere que o reino de Deus não é somente um reinado, mas tam­bém uma esfera. A esfera em que o reino de Deus se manifesta é a própria terra. Jesus disse claramente em sua interpretação da parábola do joio: "O campo é o mundo" (Mt 13.38). Noutro lugar, ele ensina que a herança pro­metida aos crentes será toda a terra (Mt 5.5). Além disso, em Romanos 8, Paulo indica que a redenção divina tem implicações cósmicas:

A ardente expectativa da criação aguarda a revelação dos filhos de Deus. Pois a criação está sujeita à vaidade, não voluntariamente, mas por causa daquele que a sujeitou, na esperança de que a própria criação será redimida do cativeiro da corrupção, para a liberdade da glória dos filhos de Deus. Porque sabemos que toda a criação, a um só tempo, geme e suporta angústias até agora (Rm 8.19-22).

Deus pretende que seu povo herde a terra em seu pleno desenvol­vimento como uma cidade (Hb 11.13-16), completamente renovada pelo juízo e pela misericórdia de Deus.

Até essa manifestação final do reino de Deus sobre a terra, que nós ain­da não vemos, esse reino já está presente e muito visível na igreja. Quando o povo de Deus se submete ao reinado de Deus em seu culto e governo, ele toma manifesto o seu reinado. De fato, os descrentes deveriam poder olhar para a igreja para ter uma visão prévia de como é o reinado de Deus: sob o

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reinado de Deus, homens e mulheres amam uns aos outros, submetendo-se mutuamente sob a regência da Palavra de Deus; sob o reinado de Deus, ho­mens e mulheres cultuam a Deus, sendo conduzidos pelo Espírito de Deus na renovação de sua comunhão com ele; sob o reinado de Deus, seus filhos servem uns aos outros, rindo e chorando juntos enquanto caminham como peregrinos no deserto a caminho da Cidade de Deus. Embora haja outras formas de o reinado de Deus se manifestar em nossa vida como indivíduos - quando exercemos nossa vocação, nos dedicamos às artes, criamos nossa família - seu reinado é manifesto de modo mais óbvio quando nos reuni­mos como igreja e quando sua vontade é feita na terra assim como no céu (Mt 6.1 O). E a vontade de Deus no céu é que seu povo lhe preste culto, adorando-o como o Rei que - somente ele - é digno de nossas melhores ações (Apocalipse 4-5).

Perguntas para reflexão e recapitulação

1. De que forma você tem observado o uso excessivo das palavras aliança ou pacto? Que outras boas palavras teológicas são usadas de modo tão excessivo na comunidade cristã que perdem seu significado?

2. Com base em sua leitura deste capítulo, se você tivesse de dar uma definição da palavra aliança numa só frase, qual seria?

3. De que modo a compreensão da aliança como uma história ajuda você na leitura da Bíblia? Quais são algumas outras narrativas fundamentais pelas quais vivemos a nossa vida (por exemplo, a história do Brasil)? Tais histórias conflitam com a história bíblica que nos é própria? Como isso acontece?

4. Quais são alguns temas da história da aliança no Antigo Testamento? Como esses temas encontram cumprimento em Jesus?

5. Quais são algumas consequências de se crer que a história da redenção tem uma continuidade básica? Quais são algumas tentações que resultam da aplicação exagerada da continuidade? As Escrituras são "suficientes" para cada detalhe de nossa vida?

6. O que você pensa sobre a afirmação de que a promessa feita pela aliança de Deus é sua promessa de Jesus Cristo estendida ao seu povo? Como isso o ajuda a entender que a salvação era a mesma no Antigo Testamento como é no Novo Testamento?

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7. De que forma o fato de se ligar a promessa e a história de Deus com o seu reinando nos ajuda a pensar no relacionamento entre o Antigo e o Novo Testamento?

8. Como é que pensar sobre o reino de Deus deveria impactar a vida cristã de uma pessoa?

Leituras adicionais

CLOWNEY, Edmund P. The unfolding mystery: Discovering Christ in the Old Testament. Phillipsburg, Nova Jersey: Presbyterian and Reformed, 1989.

GRONINGEN, G. van. Revelação messiânica no Antigo Testamento. São Paulo: Cultura Cristã, 2003.

___ . Criação e consumação (3 vols). São Paulo: Cultura Cristã, 2002.

HORTON, Michael. O Deus da promessa: introdução à teologia da aliança. São Paulo: Cultura Cristã, 2010.

RIDDERBOS, Herman. The coming ofthe Kingdom. Filadélfia: Presbyterian and Reformed, 1962.

ROBERTSON, O. Palmer. O Cristo dos pactos. São Paulo: Cultura Cristã, 2002.

ROBERTSON, O. Palmer. Alianças. São Paulo: Cultura Cristã, 2010. VOS, Geerhardus. Teologia bíblica: Antigo e Novo Testamentos. São Paulo:

Cultura Cristã, 201 O ___ . The teaching of Jesus concerning the Kingdom of God and the

church. Nutley, Nova Jersey: Presbyterian and Reformed, 1972. WILLIAMS, Michael. Far as the curse is found: the covenant story

of redemption. Phillipsburg, Nova Jersey: Presbyterian and Reformed, 2005.

Capítulo 4

Ü QUE AFINAL É A IGREJA?

JÁ OBSERVAMOS COMO A HISTÓRIA DE DEUS NARRA O DESENROLAR DE SEU REINADO

no mundo e como esse reinado, neste tempo entre os tempos, terá sua maior manifestação na igreja. Este corpo que se chama igreja tem experimentado tempos difíceis nos últimos trinta anos ou mais. Em parte, o problema é de geração. Os baby boomers (a geração nascida após a guerra) lideraram uma rebelião generalizada contra as instituições nos anos 60, temerosos do poder que tais entidades tinham sobre a vida e as escolhas que as pessoas fazem. A ideia era que, se estivessem livres para fazer suas próprias escolhas, as mulheres e os homens revolucionariam tudo, maximizando a liberdade e abrindo caminho para uma era de paz e boa-vontade. Obviamente, essa visão era utópica e os rebeldes daqueles tempos descobriram que as instituições ainda eram necessárias para organizar os seres humanos e efetuar mudanças no mundo. Esse reconhecimento, contudo, não levou aquela geração a abraçar as igrejas institucionais. Na verdade, nos últimos trinta anos temos visto uma gigantesca sangria das denominações protestantes tradicionais e o surgimento de igrejas não denominacionais. As igrejas que dão pouca ênfase a crenças e práticas distintivas têm crescido rapidamente, enquanto que aquelas que afirmam particularidades de qualquer espécie geralmente têm crescido muito lentamente, quando não diminuído. Tal tendência fez com que alguns se referissem ao período em que vivemos como uma "era pós-denominacional".

Não apenas vivemos numa era aparentemente pós-denominacional, como também naquilo que parece ser uma época "pós-igreja". Com ati­tudes pós-modernas em relação à espiritualidade, muitas pessoas cada vez mais estão em dúvida se precisam preocupar-se em frequentar uma igreja. Afinal de contas, se a espiritualidade é simplesmente minha própria ligação

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pessoal com Deus ou com o "ser transcendente", então a igreja passa a ser uma complicação confusa e desnecessária. Outras pessoas estão dispostas a "cultuar" a Deus na natureza, no descanso ou no tempo com a família, em vez de participar do culto e do serviço a Deus nesse organismo e instituição que chamamos igreja. Discutiremos no lugar certo a importância da igre­ja e de seus meios de graça para a espiritualidade reformada (ou devoção presbiteriana). Porém, fica bastante óbvio que a atitude de descaso descrita acima está muito distante do pensamento que os presbiterianos têm mantido historicamente a respeito da igreja.

Na verdade, os presbiterianos confessam que fora da igreja "não há possibilidade ordinária de salvação" (CFW 25.2). Isso significa que o Se­nhor concedeu à igreja "o ministério, os oráculos e as ordenanças de Deus, para congregamento e aperfeiçoamento dos santos nesta vida, até ao fim do mundo" (CFW 25.3). Em outras palavras, tudo o que é necessário para a comunhão com Deus em Cristo se encontra na igreja de Cristo. Assim sendo, se desejamos a salvação - que é nada menos que glorificar a Deus e desfrutá-lo por toda a eternidade - devemos desejar a igreja de Cristo. O compositor Derek Webb expressou isso muito bem:

Porque eu não vim só para você Mas para buscar o meu povo. Você não se importa comigo se não tiver carinho por ela Se você me ama, também amará a igreja. 1

Longe de uma atitude de descaso em relação à igreja, os presbiterianos há muito creem que a igreja está no centro dos propósitos de Deus para o mundo.

O que é a igreja?

A Bíblia fala da igreja de diferentes formas. Talvez você conheça des­crições da igreja como a "noiva de Cristo" ou o "corpo de Cristo". Outras pessoas se referem à igreja como a nova comunidade de Cristo ou a "fa­mília de Deus". Quero sugerir diversas maneiras históricas pelas quais a igreja tem descrito a si mesma, com base em imagens e temas bíblicos. Em seu livro The Church ("A igreja"), o teólogo e professor Edmund Clowney reúne em um só lugar grande quantidade de material dessa natureza para nossa reflexão e meditação.2

A igreja pode ser descrita em termos trinitárias. A igreja pode ser descrita acima de tudo como "o povo de Deus". Deus Pai chamou-nos para

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ser "raça eleita, sacerdócio real, nação santa, povo de propriedade exclusiva de Deus", a fim de proclamarmos "as virtudes daquele que vos chamou das trevas para a sua maravilhosa luz". Antes, nós não éramos um povo, "mas, agora, sois povo de Deus" (lPe 2.9-10). A igreja é também o "corpo de Cristo". Em resposta às divisões e facções da igreja de Corinto, o apóstolo Paulo sugere a imagem do corpo de Cristo como um meio de descrever a unidade e diversidade que caracteriza a igreja: "Porque, assim como o cor­po é um e tem muitos membros, e todos os membros, sendo muitos, cons­tituem um só corpo, assim também com respeito a Cristo. Pois, em um só Espírito, todos nós fomos batizados em um corpo, quer judeus, quer gregos, quer escravos, quer livres. E a todos nós foi dado beber de um só Espírito" (lCo 12.12-13). Uma terceira descrição da igreja é a "comunhão do Espíri­to". O propósito de Deus para a igreja é que ela seja cheia da "plenitude da­quele que preenche tudo em todas as coisas". Esse preenchimento é obra do Espírito Santo, que foi dado à igreja como uma garantia das boas promessas de Deus e como doador de sabedoria e revelação no conhecimento de Deus (Ef 1.7-23). Assim, a igreja pode ser descrita como o povo de Deus, o corpo de Cristo e a comunhão do Espírito, expressando o fato de que somos um povo que marcha sob a bandeira do Deus trino.

A igreja também pode ser descrita em termos do evangelho. Com isso, queremos dizer que a igreja pode ser descrita nos termos do Credo Niceno: "Cremos em uma igreja santa, católica e apostólica". É essa a espécie de igreja formada pelo evangelho de Jesus Cristo. Cremos, por exemplo, que a igreja é ''una". Com isso, queremos dizer diversas coisas. A igreja compar­tilha uma mensagem - que os pecadores são justificados pela fé somente, em Cristo somente. Foi por isso que Paulo ficou extremamente frustrado na Galácia com a reação das "colunas" da igreja. Pedro e Barnabé deviam ter entendido que a mensagem comum de que judeus e gentios creram a fim de se tomarem parte da igreja de Cristo relativizou as antigas leis dietéticas, a circuncisão e os dias de festas. Judeus e gentios são declarados igualmente justos para com Deus pela fé somente em Cristo somente; não pode ser acrescentada nenhuma outra exigência ou prática da lei como um ato a ser realizado (Gl 2.11-21). Além disso, a igreja também desfruta uma união comum com Jesus Cristo. Em sua oração de despedida, Jesus orou por sua nova comunidade:

Não rogo somente por estes, mas também por aqueles que vierem a crer em mim, por intermédio da sua palavra; a fim de que todos sejam um; e como és tu, ó Pai, em mim e eu em ti, também sejam eles em nós; para que o mundo creia que tu me enviaste. Eu lhes tenho transmitido a glória que me tens dado, para que sejam um, como nós

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o somos; eu neles, e tu em mim, a fim de que sejam aperfeiçoados na unidade, para que o mundo conheça que tu me enviaste e os amaste, como também amaste a mim (Jo 17.20-23).

Essa unidade essencial pela qual Jesus orou resulta da união que temos com Cristo e que Cristo tem com o Pai. A unidade da igreja também se ex­pressa em seu batismo comum (Ef 4.4-6). A unidade do Espírito é demons­trada pelo fato de que todos os que pertencem à igreja partilham o batismo com água em nome do Pai, do Filho e do Espírito Santo.

A igreja não somente é "una'', mas também é "apostólica". Isso não significa, como insistem alguns cristãos, que existe uma sucessão de líde­res eclesiásticos que podem estabelecer sua linhagem de ordenação desde os próprios apóstolos. Antes, significa que existe uma sucessão do ensino apostólico até os dias atuais, resultante da preservação da mensagem apos­tólica original nas Escrituras Sagradas. De fato, a igreja está edificada "so­bre o fundamento dos apóstolos e profetas, sendo ele mesmo, Cristo Jesus, a pedra angular; no qual todo o edifício, bem ajustado, cresce para santu­ário dedicado ao Senhor" (Ef 2.20-21 ). Essa mensagem apostólica deve ser comunicada "a homens fiéis e também idôneos para instruir a outros" (2Tm 2.2). É esta a forma pela qual a missão apostólica será transmitida de geração a geração: "Ide, portanto, fazei discípulos de todas as nações, batizando-os em nome do Pai, e do Filho, e do Espírito Santo; ensinando-os a guardar todas as coisas que vos tenho ordenado. E eis que estou convosco todos os dias até à consumação do século" (Mt 28.19-20). A igreja continua a ser apostólica à medida que continua a pregar a mensagem dos apóstolos, promover sua missão e cumprir sua comissão.

O evangelho também cria uma igreja que é "santa", enchendo a igreja de "santos" (lCo 1.2)- literalmente, aqueles que são chamados para serem "separados" e consagrados. À medida que os membros da igreja vão sendo conformados à imagem de Jesus Cristo, eles abandonam seus caminhos pecaminosos ("as paixões que tínheis anteriormente na vossa ignorância") e se revestem dos caminhos da santidade (lPe 1.14-16).

Essa igreja unida, que prega a mensagem apostólica e purifica a si mesma pelo evangelho a fim de viver santamente, também se expandirá além de uma nacionalidade em particular ou de um grupo étnico - ela se tomará verdadeiramente universal ou "católica". É isso que nosso batismo comum nos ensina: "Dessarte, não pode haver judeu nem grego; nem es­cravo nem liberto; nem homem nem mulher; porque todos vós sois um em Cristo Jesus" (Gl 3.28). Rompendo barreiras raciais ou culturais, a igreja se expande para todas as regiões do mundo com as boas novas da salvação em Jesus Cristo.

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Ademais, a igreja pode ser descrita em termos de suas "marcas ". Essa maneira de se referir à igreja está arraigada na preocupação reformada de distinguir entre a igreja "verdadeira" e a "falsa". Para isso, os presbite­rianos falam sobre o que caracteriza uma igreja verdadeira, identificando-a diante do mundo que a observa. Nossa confissão de fé, por exemplo, ob­serva que "as igrejas particulares, que são membros [da igreja universal], são mais ou menos puras conforme nelas é, com mais ou menos pureza, ensinado e abraçado o evangelho, administradas as ordenanças e celebrado o culto público" (CFW 25.4). Essas "marcas" da igreja foram articuladas de modo semelhante por João Calvino, quando disse que "onde quer que vejamos pregada e ouvida a Palavra de Deus com pureza, e administrados os sacramentos segundo a instituição de Cristo, não há de se duvidar que ali exista uma igreja de Deus (Calvino, lnstitutas, 4.1.9). Ter uma ideia básica dos elementos essenciais que caracterizam a igreja será útil ao buscarmos compreender os limites de nossa união comum com outras igrejas cristãs. Reconhecemos outras igrejas como parte da igreja universal de Cristo onde quer que a Palavra seja pregada e ouvida e os sacramentos administrados de acordo com as Escrituras.

A igreja pode ser descrita em termos de espaço ou localização. Po­demos nos referir à igreja local como também à universal. Provavelmente você esteja bem familiarizado com o fato de que a igreja é local. Muitas das cartas do Novo Testamento parecem ter sido escritas a congregações que cultuavam em igrejas "domésticas". Por exemplo, o apóstolo Paulo disse à igreja de Roma: "Saudai Priscila e Áquila, meus cooperadores em Cris­to Jesus, os quais pela minha vida arriscaram a sua própria cabeça; e isto lhes agradeço, não somente eu, mas também todas as igrejas dos gentios; saudai igualmente a igreja que se reúne na casa deles" (Rm 16.3-5; cf. com lCo 16.19). De maneira semelhante, Paulo saudou a Filemom e "à igreja que está em tua casa" (Fm 2; ver também Cl 4.15). Outras vezes, a palavra igreja é aplicada a igrejas "regionais", sugerindo que existe tanto uma visão local quanto uma visão geográfica mais ampla da igreja. Depois da conver­são de Paulo, quando ele cessou de perseguir os cristãos, "a igreja tinha paz por toda a Judeia, Galileia e Samaria, edificando-se e caminhando no temor do Senhor, e, no conforto do Espírito Santo, crescia em número" (At 9.31 ). Igualmente, o apóstolo escreveu sua carta aos gálatas para que circulasse entre "as igrejas da Galácia". Paulo entendia que essas igrejas tinham inte­resse e influência sobre os cristãos de uma determinada região geográfica (Gl 1.2; ver também Cl 4.16).

A igreja pode ser descrita em termos de seu caráter. Podemos pen­sar na igreja como um organismo. A Bíblia utiliza diversas metáforas

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relacionais para se referir à igreja: a igreja é um "corpo" (lCo 12.27; Ef 4.12-16; Cl 1.18), uma "noiva" (Ef 5.22-33), um "rebanho" (lPe 5.1-5) e uma "casa" (lTm 3.5,15). Cada uma dessas imagens é profundamente orgânica; elas sugerem crescimento, aumento da estatura, união amorosa, nutrição e afeto, interesse e cuidado. Com isso, aprendemos que a imagem mecânica do mundo moderno só pode ser aplicada à igreja com bastante dificuldade. A igreja é algo que tem de ser nutrido e amado; tem sua base no relacionamento, na amizade. Contudo, pensar na igreja como um organis­mo não exclui a visão da igreja também como uma organização. A Bíblia fala da igreja como estando "edificada sobre o fundamento dos apóstolos e profetas, sendo ele mesmo, Cristo Jesus, a pedra angular; no qual todo o edificio, bem ajustado, cresce para santuário dedicado ao Senhor, no qual, também vós, juntamente estais sendo edificados para habitação de Deus no Espírito" (Ef 2.20-22). A ideia de edificar sobre um fundamento sugere certo grau de organização - algo inevitável em qualquer sociedade humana. Na verdade, o apóstolo Paulo disse ter escrito as epístolas pastorais para que possamos estar "cientes de como se deve proceder na casa de Deus, que é a igreja do Deus vivo, coluna e baluarte da verdade" (lTm 3.15). As­sim, a estrutura proposta por essas epístolas é necessária para que a igreja trabalhe de acordo com o plano divino. A estrutura organizacional da igreja não é algo alheio a sua natureza orgânica e imposto a ela. Na verdade, a organização é necessária para assegurar que a vida orgânica da igreja possa ocorrer e florescer.

Igreja "visível" e "invisível"

A descrição final da igreja que precisamos considerar é a mais familiar para aqueles que conhecem algo sobre o presbiterianismo: a igreja pode ser descrita tanto da perspectiva da terra quanto da perspectiva do céu. Fa­lamos disso em termos de igreja "visível" e "invisível". Em épocas mais recentes, essa terminologia tem sido examinada mais a fundo em círculos presbiterianos conservadores. Por exemplo, John Murray, o grande teólogo do Seminário Westminster, certa vez argumentou que

"a igreja" do Novo Testamento jamais aparece como uma entidade invisível e assim nunca pode ser definida em termos de invisibilidade. É por isso que... se questiona a recomendação do uso do termo "invisível". Esse termo tem a tendência de ficar carregado de equívocos inerentes ao conceito de "igreja invisível" e tende a apoiar os abusos inerentes a ele.3

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Embora Murray e outros autores tenham preocupações louváveis quan­to ao modo como alguns crentes abusam da ideia de "igreja invisível" como desculpa para um viver relaxado ou para deixar de participar de igrejas bastante reais e visíveis, tais preocupações não desqualificam essa maneira de falar sobre a igreja. Na verdade, sugiro que, ainda que descartássemos tal descrição, teríamos de providenciar algum substituto semelhante.

Primeiro, é importante entender como esses termos são empregados nas confissões de fé presbiterianas. Confessamos que "a igreja católica ou universal, que é invisível, consiste do número total dos eleitos que já foram, dos que agora são e dos que ainda serão reunidos em um só corpo, sob Cristo, seu cabeça; ela é a esposa, o corpo, a plenitude daquele que enche tudo em todas as coisas" (CFW 25.1). Observe que a Confissão de Fé esta se referindo a uma igreja universal que só poderá ser vista completamente pelo próprio Deus. Em outras palavras, só Deus consegue ver a igreja ver­dadeira como um todo. Só Deus vê todos aqueles que, através do tempo e do espaço, ele escolheu e uniu a Cristo mediante seu Espírito. Nem o olho humano nem qualquer instituição visível poderão englobar todos os eleitos de Deus; a igreja verdadeira é literalmente invisível a nós e assim perma­necerá até o final dos tempos. Na verdade, Calvino fala da igreja como "realmente ela é na presença de Deus, na qual nenhuma pessoa é recebida exceto aqueles que são filhos de Deus pela graça da adoção e verdadeiros membros de Cristo mediante a santificação do Espírito Santo" (Calvino, Institutas, 4. l. 7).

Igualmente confessamos que "a igreja visível, também católica ou universal sob o evangelho (não limitada a uma nação como acontecia antes sob a lei), consiste em todos aqueles em todo o mundo que professam a ver­dadeira religião, e os seus filhos" (CFW 25.2). Esta é a perspectiva humana, a igreja que podemos ver. Esta igreja também é "universal", no sentido de que não está confinada a qualquer nação específica. Como certo historia­dor observou, o cristianismo representa a única religião verdadeiramente "mundial", porque foi disseminado por todo o mundo e está representado em praticamente todas as nações. Essa igreja, que vemos em todas asco­munidades, é composta de todos aqueles que professam a Cristo, bem como seus filhos. Nessa igreja visível, temos "misturados a ela muitos hipócritas que nada têm de Cristo, exceto o nome e a aparência externa" (Calvino, Institutas, 4.1.7), bem como aqueles que amam a Cristo de todo o coração.

Existem razões muito específicas pelas quais os crentes presbiteria­nos e reformados pensam sobre a igreja nesses termos. Durante os anos que antecederam a Reforma, a Igreja Católica Romana argumentou que todos aqueles que estavam em comunhão com a igreja visível - isto é,

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com a Igreja Romana - estavam em comunhão com Deus. Roma misturou a igreja visível com a igreja que somente Deus pode ver, identificando as duas como uma só. Apagar a distinção entre a igreja que Deus vê e a igreja como nós a vemos resultou numa religião cultural que levou ao for­malismo, à superstição e à perda do cristianismo vital e bíblico. Do outro lado do espectro estavam os anabatistas do século 16, que acreditavam poder adquirir a visão de Deus sobre quem era realmente regenerado e, assim, quem era verdadeiramente parte da igreja conforme Deus a vê. Os anabatistas procuravam identificar essa igreja universal e "invisível" com a igreja visível; seu programa consistia em "purificar" a membresia da igreja visível para que ela correspondesse àquela que só Deus pode ver - obviamente, tratava-se do ideal da "membresia regenerada da igreja". Em resposta a isso, reformadores como Calvino argumentaram que os cris­tãos deviam ter "um determinado julgamento caridoso" para com aqueles que "por confissão de fé, exemplo de vida e participação nos sacramentos professam conosco o mesmo Deus e Cristo" (Institutas, 4.1.8). Daí, nossa certeza da regeneração de outras pessoas não é necessária. Por outro lado, a fim de dar espaço para a realidade de que nosso conhecimento da fé dos outros e de sua posição diante de Deus não é igual ao conhecimento que Deus possui de tais coisas, os reformadores também falaram de uma igreja universal que é invisível a nós.

Isso chama a nossa atenção para aquilo que considero importantes razões bíblicas e teológicas para preservar essa distinção visível/invisível como uma forma necessária e válida de descrever a igreja. Ao explicar que as promessas de Deus a Israel não falharam, o apóstolo Paulo argumentou que "nem todos os de Israel são, de fato, israelitas; nem por serem descen­dentes de Abraão são todos seus filhos; mas: Em !saque será chamada a tua descendência. Isto é, estes filhos de Deus não são propriamente os da car­ne, mas devem ser considerados como descendência os filhos da promessa (Rm 9.6-8). Aqui Paulo está sugerindo que nem todos os que pertenciam visivelmente a Israel - em termos de etnia, circuncisão, sacrificio ou outros deveres - eram necessariamente o "verdadeiro" Israel - aqueles que foram escolhidos por Deus para serem seus filhos da promessa.

Se considerarmos a questão em termos do diagrama abaixo, vemos que o Israel "visível" incluía todos os adultos e as crianças que pertenciam a Israel- "pertence-lhes a adoção e também a glória, as alianças, a legislação, o culto e as promessas" (Rm 9.4).

ANTIGO TESTAMENTO

Povo visível de Deus: Todo o Israel (adultos e crianças)

"Verdadeiros filhos de Abraão"

Ü QUE AFINAL É A IGREJA? 81

Novo TESTAMENTO

Povo visível de Deus: Crentes professos e seus filhos

"Participantes da nova aliança"

Mas, pelo que Paulo disse, sabemos que nem todos os que perten­ciam visivelmente a Israel receberam a graça de contemplar todo o antigo sistema pactua!, ver o Redentor do povo escolhido de Deus, crer nele e ser justificados por Deus. Somente alguns dentro de Israel receberam essa graça. Assim, dentro do povo visível de Deus no Antigo Testamento, ha­via um "remanescente'', que eram os "verdadeiros filhos de Abraão", a quem vieram as promessas de Deus e em beneficio dos quais elas foram cumpridas.

A situação do Novo Testamento é semelhante. O povo visível de Deus na igreja de Cristo são os que fizeram profissão de sua fé em Jesus Cris­to, foram batizados e participam da Ceia do Senhor. Estão incluídos nesse povo visível de Deus os filhos de tais crentes. Ainda assim, sabemos que nem todos desse número fazem parte do verdadeiro povo de Deus, parti­cipando verdadeiramente da Nova Aliança, tendo recebido o Espírito de Deus, um novo coração e todos os benefícios de Cristo, como também o próprio Cristo. Existem hipócritas nesse número, como também aqueles que, em algum momento, se afastarão da fé (2Tm 4.10; Hb 6.4-6; 1 Jo 2.19). Conforme confessamos, "as igrejas mais puras debaixo do céu estão sujeitas à mistura e ao erro" (CFW 25.5), e uma parte desse erro é represen­tada por pessoas que usam o nome de Cristo, mas de alguma forma são hi­pócritas ou até mesmo heréticas. Ao reconhecer que a igreja que vemos não coaduna com a igreja conforme Deus a vê, temos uma explicação funcional para o problema da apostasia, como também um entendimento de como a promessa de Deus se relaciona com aqueles que se identificam com a igreja visível. Conforme nos ensina o Catecismo Maior de Westminster: "Nem

82 Ü CRISTÃO PRESBITERIANO

todos os que ouvem o evangelho e vivem na igreja visível são salvos, mas unicamente aqueles que são membros verdadeiros da igreja universal", pela graça eletiva de Deus e pela fé genuína em Jesus Cristo (CM 61).

Quem são os "membros" da igreja?

Outro valor da distinção entre igreja visível e igreja invisível é que ela nos dá um melhor entendimento de quem são os membros da igreja visível. Nosso Catecismo Maior ensina que "a igreja visível é uma socie­dade composta de todos quantos, em todos os tempos e lugares do mundo, professam a verdadeira religião, juntamente com seus filhos" (CM 62). De um lado, essa declaração parece óbvia. Vá ao culto de praticamente qualquer igreja de qualquer denominação e você encontrará pais cultuando a Deus junto com seus filhos. Na verdade, muitas pessoas que estiveram afastadas da igreja durante algum tempo, geralmente a partir dos anos de faculdade, são motivadas a voltar ao rebanho com o nascimento de seus filhos. Existe algo instintivo dentro de nós que reconhece que os filhos devem ser criados na presença de Deus, que Deus deseja que o cultuemos como famílias inteiras.

Além disso, existe uma forte razão teológica para ver nossos filhos como membros da igreja visível. O alvo de Deus na história é redimir um povo para sua própria posse e glória (Êx 19.5-6; lPe 2.9-10). Este é o propósito imutável de Deus que perpassa toda a história bíblica desde a promessa até seu cumprimento. Deus se dispôs a realizar seu propósito de redimir um povo a começar de uma família-Adão e seus filhos (Gn 3.15). A Escritura Sagrada continuamente enfatiza a importância de as famílias seguirem ao Senhor (por exemplo, Js 24.15). O exemplo mais eloquente desse fato é a história de Abraão, que foi chamado das trevas pagãs, recebeu gloriosas promessas sobre uma Semente e uma Terra, e recebeu um sinal sacramental para selar as promessas de Deus a ele e sua casa (Gn 12, 15, 17). Vez após vez, Deus fez promessas especiais a chefes de famílias quanto a seus filhos (ver, por exemplo, Is 49.25; 54.13; 60.9). Quando passamos para o Novo Testamento, o programa redentor de Deus permanece o mes­mo: "Pois para vós outros é a promessa, para vossos filhos e para todos os que ainda estão longe, isto é, para quantos o Senhor, nosso Deus, chamar" (At 2.39). É por esta razão que os apóstolos, além de reconhecerem os fi­lhos dos crentes como pactualmente separados em virtude de seu relacio­namento com os pais que são cristãos professos, muitas vezes falam desses mesmos filhos como tendo responsabilidades para com os pais, arraigadas

0 QUE AFINAL É A IGREJA? 83

no seu relacionamento com a igreja visível (Ef 6.1-3; ICo 7.14). Tudo isso sugere que os filhos dos cristãos professos são membros da igreja visível.

Por isso, os filhos dos crentes recebem, acertadamente, o sinal de iniciação que os marca como pertencentes à igreja visível - o batismo. Examinaremos mais de perto os sacramentos no próximo capítulo, mas é importante ressaltar aqui que os presbiterianos precisam refinar um pouco sua terminologia nessa questão. Devíamos falar em "batismo familiar" em vez de "batismo infantil". Batizamos os filhos de crentes professos porque Deus· deu aos pais, como chefes de família, muitas promessas importantes que indicam que ele se interessa por seus filhos e sugerem que ele atua primariamente por meio dessas famílias. Além disso, Deus concedeu, no Antigo Testamento, seu sinal de circuncisão a toda a casa de Abraão (em termos da velha dispensação definida como os filhos e os escravos do sexo masculino) como rito de iniciação no povo visível de Deus (Gn 17.22-27). Porque Abraão creu em Deus, toda a sua casa foi circuncidada, inclusive Ismael, que não era o filho prometido. Da mesma forma, pelo fato de que você como chefe de família crê, toda a sua família é vista por Deus como sendo separada - santa ( 1 Co 7 .14) - e deve receber o sinal de iniciação no povo visível de Deus. Este sinal sela a você e a seus filhos a promessa de Deus de cuidar de sua família (At 16.15, 33-34).

Os que são membros da igreja visível, quer adultos professos quer crianças do pacto, recebem certos privilégios. Por exemplo, estamos sob o cuidado e o governo especial de Deus. Nossa vida espiritual está "protegida e preservada em todos os tempos, não obstante a oposição de todos os ini­migos" (CM 63). Além disso, como membros da igreja visível recebemos muitos benefícios importantes - desfrutamos a comunhão dos santos, os meios ordinários de salvação e, especialmente, a oferta contínua e gratuita do evangelho da graça mediante a Palavra de Deus que é pregada. A cada semana, enquanto nós e nossos filhos ouvimos a pregação do evangelho, as promessas de Deus são repetidas a nós vez após vez.

É por tais razões que Deus nos convida a amar a igreja. Como mem­bros da igreja visível de Cristo, recebemos gloriosos privilégios, porém, mais ainda, desfrutamos a presença de Deus no culto, ouvimos a proclama­ção do evangelho de Cristo e experimentamos a comunhão do Espírito no vínculo da paz. Aprendemos a cantar com todos os santos:

Da igreja o fundamento É Cristo o Salvador! Em seu poder descansa E é forte em seu amor. Pois nele alicerçada,

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Segura e firme está E sobre a Rocha Eterna Jamais se abalará.

A Pedra preciosa Que Deus predestinou Sustenta pedras vivas Que a graça trabalhou. E quando o monumento Surgir em plena luz A glória do edificio Será do Rei Jesus.4

Perguntas para reflexão e recapitulação

1. Quais são algumas razões que seus amigos ou familiares têm dado para não frequentar a igreja ou para ir a uma igreja não denominacional? Você concorda que vivemos num mundo "pós­igreja"?

2. O que você acha que a Confissão de Fé de Westminster quis dizer ao declarar que "fora da igreja não há possibilidade ordinária de salvação" (CFW 25.2)? Isso sugere uma concepção mais elevada da igreja do que é comum hoje? Você concorda com essa declaração da Confissão?

3. Como conciliar a declaração de que "cremos numa igreja santa, católica e apostólica" com o fato de que a igreja cristã está dividida em centenas (talvez milhares) de grupos denominacionais?

4. Você já conheceu alguém que cria na "sucessão apostólica"? O que tal pessoa queria dizer com essa expressão: estava falando em ordenação (episcopal) ou igrejas verdadeiras (batistas)? O que queremos dizer quando falamos que cremos na igreja "apostólica"?

5. Em algumas tradições reformadas, a disciplina é acrescentada como uma terceira "marca" da igreja. Por que a disciplina deveria ser incluída como marca da verdadeira igreja? Por que não deveria?

6. Algumas pessoas criticam o entendimento da Confissão de Fé quanto à igreja universal "invisível a nós", zombando da possibilidade da existência de uma igreja invisível cujos membros invisíveis

Ü QUE AFINAL É A IGREJA? 85

participam de um sacramento invisível. Como é que essa caricatura representa um equívoco radical sobre o argumento confessional e bíblico?

7. Muitos evangélicos creem no ideal de uma "membresia regenerada da igreja". Como você discutiria o assunto com um amigo que acredita nesse ideal, visando demonstrar que isso representa uma confusão da igreja que vemos com a igreja que somente Deus pode conhecer?

8. Quais são algumas consequências da convicção de que os filhos de pais crentes são membros da igreja visível? Essa crença toma o argumento em favor dos "batismos familiares" mais fácil de sustentar?

Leituras adicionais

CLOWNEY, Edmund P. A igreja. São Paulo: Cultura Cristã, 2007 HABIG, Brian; NEWSOME, Les. The enduring community: embracing the

priority ofthe church. Jackson, Mississippi: Reformed University Press, 2003.

MACK, Wayne A.; SWAVELY, David. A vida na casa do Pai. São Paulo: Cultura Cristã, 2006.

Capítulo 5

SACRAMENTOS: SINAIS E SELOS DA

GRAÇA DE Drus

PARA MUITAS PESSOAS DE ORIGEM EVANGÉLICA MAIS AMPLA, AS CONVICÇÕES

presbiterianas sobre os sacramentos do batismo e da Ceia do Senhor são talvez as mais difíceis de serem aceitas intelectualmente. Quando falamos a palavra "sacramento", esses irmãos e irmãs em Cristo pensam imediatamente na Igreja Católica Romana, que estrutura toda a sua vida religiosa em torno de sete sacramentos que oferecem "graça" aos indivíduos desde o nascimento até a morte. Ou talvez esses amigos tenham vindo a Cristo em contextos eclesiásticos mais formais, filiaram-se a -igrejas evangélicas e foram convencidos de que precisavam ser "rebatizados"; podem ter-lhes dito que seu batismo na infància não foi legítimo porque esse ato não foi precedido de uma profissão de fé. Por uma leitura das Escrituras baseada no "senso comum" e uma relutância geral em crer que os sacramentos podem servir, de alguma forma, como meios de graça, muitos irmãos e irmãs têm dificuldades com o entendimento presbiteriano de como o batismo e a Ceia do Senhor funcionam como verdadeiros meios de graça na vida cristã.

· Talvez você saiba que a Igreja Católica Romana crê em sete sacramen­tos - além do batismo e da Ceia do Senhor, eles incluem a confirmação, a penitência, o matrimônio, a ordenação (ou Santas Ordens) e a extrema unção. Seguindo os reformadores, os presbiterianos não consideram essas outras ações pastorais como "sacramentos", por duas razões. Primeiro, os sacramentos do Novo Testamento foram estabelecidos diretamente pelo próprio Jesus. Tanto o batismo quanto a ceia tem essa característica (Mt 28.19-20; lCo 11.23). Em segundo lugar, esses sacramentos do Novo Tes­tamento representam diretamente Cristo e seus benefícios. Ainda que esses

88 Ü CRISTÃO PRESBITERIANO

outros ritos pastorais possam marcar a vida de modo importante, somente o batismo e a Santa Ceia apontam para a morte, o sepultamento e a ressur­reição de Jesus, e os beneficios que ele oferece. Sendo assim, os presbite­rianos creem que "há apenas dois sacramentos ordenados por Cristo, nosso Senhor, no evangelho: o Batismo e a Ceia do Senhor" (CFW 27.4).

O que é um sacramento?

Os presbiterianos, como também muitos outros crentes de mentalida­de sacramental, diriam que os sacramentos "são sinais e selos do pacto da graça" (CFW 27.1). Em outras palavras, um sacramento ilustra ou sinaliza as promessas de Deus. Na Bíblia, um "sinal" é como um grande letreiro rodoviário com uma seta que aponta para Jesus Cristo. Foi assim que João usou a palavra no seu evangelho: "Com este, deu Jesus princípio a seus sinais em Caná da Galileia; manifestou a sua glória, e os seus discípulos creram nele. (Jo 2.11 ). O sinal tinha o objetivo de chamar a atenção dos discípulos (e dos leitores de João) para Jesus como o Messias prometido de Deus. O mesmo se dá com os sacramentos - eles nos apontam aquele que é o salvador de nossas almas.

Um sacramento também tem a função de selar a promessa de Deus. Em tempos antigos, os documentos levavam uma marca do autor da carta ou do tratado que selava o material nele contido e garantia sua autentici­dade e autoridade. Hoje em dia, muitas vezes falamos sobre pessoas ou organizações que dão seu "selo de aprovação" para determinadas ações ou produtos, como, por exemplo, o selo ISO, a organização internacional de padronização e certificação de qualidade que indica a excelência de com­panhias e produtos. O selo indica que aquele produto foi testado e aprova­do. Usando outra ilustração, muitas vezes os produtos esportivos também vêm com um "selo de autenticidade" para que os compradores saibam que aquele autógrafo é verdadeiro e autêntico. Um selo dá a confiança de que o produto, carta ou documento por ele selado é aquilo que propõe ser. Do mesmo modo, um sacramento sela as promessas de Deus, dando-nos a ga­rantia de que tais promessas são confiáveis. Como diz a Confissão de Fé de Westminster, os sacramentos são para "confirmar o nosso interesse nele" (CFW 27.1). Eles nos dão confiança quanto ao nosso interesse por Deus e suas promessas.

Os sacramentos também fazem outra coisa. Eles fazem uma "diferen­ça visível entre os que pertencem à igreja e o restante do mundo" (CFW 27 .1 ). Eles marcam os crentes como sendo diferentes dos descrentes e per­tencentes a outra equipe. Por isso, gosto de dizer que o batismo é como uma

SACRAMENTOS: SINAIS E SELOS DA GRAÇA DE DEUS 89

camiseta que nos identifica como parte da equipe batizada. Eles nos identi­ficam a nós e a nossos filhos como membros da igreja visível, como aqueles que foram batizados e professam a fé no Deus trino. Semelhantemente, a Ceia do Senhor distingue os que fizeram boa profissão de Jesus Cristo do restante do mundo. Ela serve como uma figura daqueles que participarão das "bodas do Cordeiro" (Ap 19.6-11), aqueles que irão participar dos no­vos céus e da nova terra.

Como funcionam os sacramentos? Temos de esclarecer que não existe qualquer poder no sacramento em si que faça com que a graça de Deus venha a um indivíduo, ou seja, um sacramento de si mesmo não tem a ca­pacidade de confirmar o interesse de uma pessoa por Deus ou de "compro­metê-la no serviço de Deus em Cristo" (CFW 27.1, 3). Antes, eles servem como sinais de uma realidade espiritual, a saber, Cristo e seus benefícios. E existe uma "união sacramental" - uma "relação espiritual" - entre o sinal e a realidade espiritual. É por isso que, na distribuição da Santa Ceia, muitas vezes o pastor diz: "Isto é o corpo de Cristo. Tomai e comei". Não cremos que o pão da Santa Ceia seja transformado literalmente no corpo de Cristo, nem que o corpo de Cristo esteja, de alguma forma, "dentro, com ou sob" o pão. Cremos que existe uma relação espiritual entre o corpo de Cristo as­sunto aos céus e glorificado, e o pão mediante o qual, pela graça de Deus e pelo seu Espírito, nos alimentamos da presença de Cristo e recebemos seus benefícios. É devido a essa união sacramental entre o sinal e a coisa signifi­cada que "os nomes e efeitos de um são atribuídos ao outro" (CFW 27.2).

Quando pensamos sobre como "funcionam" os sacramentos, é impor­tante fazer distinção entre a validade de um sacramento e sua eficácia. Um sacramento é válido - ou seja, temos a garantia de um sacramento - porque está baseado no mandamento e na promessa de Deus, contidos nas palavras de instituição. Mas um sacramento é eficaz - "funciona", por assim dizer - porque o Espírito aplica Cristo e seus benefícios ao indivíduo que respon­de à promessa com fé.

Assim, quanto ao batismo, podemos dizer que a validade do sacra­mento - para os adultos professos como também para seus filhos - está ar­raigada na promessa de Deus. No batismo, Deus promete certos benefícios - "a união com Cristo, a regeneração, a remissão dos pecados" - que obri­gam o indivíduo a "andar em novidade de vida" (CFW 28.1). A promessa é válida porque Deus a prometeu, não porque o indivíduo testifica de alguma nova realidade espiritual em si mesmo. Porém, a eficácia do batismo está ligada aos propósitos eletivos de Deus, à obra do Espírito Santo e à resposta pessoal de fé. A graça sinalizada e selada pelo batismo - que o batismo exi­be e confere (CFW 28.6) - não está ligada ao momento de sua ministração,

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nem é dada a todos a quem o batismo é ministrado (CFW 28.5). Essa graça é outorgada pelo Espírito Santo àqueles a quem Deus o Rei escolheu "em seu tempo determinado" (CFW 28.6).

Essa distinção entre a validade e a eficácia de um sacramento é impor­tante. Pelo fato de muitos evangélicos deixarem de reconhecer tal distinção, eles entendem erradamente o que ocorre no batismo e na Ceia do Senhor. Por exemplo, aqueles que rejeitam o batismo infantil o fazem por imaginar que o batismo só é válido quando é eficaz. Ou seja, eles creem que o único batismo verdadeiramente "bíblico" é aquele em que o indivíduo, median­te sua própria profissão de fé no momento da ministração, recebe a graça oferecida no batismo. Ironicamente, outros que valorizam muito o batismo infantil muitas vezes cometem o mesmo erro. Eles acreditam que algo tem de "acontecer" no momento do batismo, e assim argumentam que a fé de uma criança é "despertada" no batismo, a fim de que a criança possa apre­ender a promessa da Palavra de Deus e assim receber a graça. Ou então eles supõem que a criança já está regenerada e assim batizam com base na pressuposição de que a graça de Deus já esteja operando na vida da criança. Essas duas abordagens confundem a validade do sacramento com a sua efi­cácia. Um batismo é válido quando proclama a promessa de Deus por meio de um ministro ordenado que aplica água e a fórmula bíblica, trinitária. É eficaz - confere graça - quando o Espírito de Deus produz a fé no indivíduo para que ele ou ela receba a promessa de Deus pela fé, cumprindo assim o significado desse sinal. Esse recebimento da graça pode acontecer ou não no momento em que ocorre o batismo - em alguns casos, pode ocorrer ime­diatamente; em outros, anos mais tarde; em alguns, pode nunca acontecer.

Outra coisa a considerar é que existiam sacramentos tanto no Antigo Testamento quanto no Novo Testamento. Os sacramentos do Antigo Testa­mento eram a circuncisão e a páscoa, enquanto que os do Novo Testamento são o batismo e a Santa Ceia. Os presbiterianos creem que "os sacramentos do Velho Testamento, quanto às coisas espirituais por eles significadas e representadas, eram, em substância, os mesmos do Novo Testamento (CFW 27 .5). Isto é, a circuncisão e a páscoa apontavam para a promessa de Cristo e seus beneficios, feita por Deus, como o fazem o batismo e a Ceia do Se­nhor. Essa continuidade em termos da substância das coisas significadas é importante - ela significa que não existem duas histórias ou duas religiões na Bíblia, mas uma história e uma "religião" na qual Deus requer a adoração de seu povo e este lhe responde com fé. Mas a descontinuidade também é significativa - as formas, os termos de admissão e as regras e regulamentos foram todos mudados. Sendo assim, não podemos simplesmente traçar uma linha reta entre a circuncisão e o batismo ou a páscoa e a ceia. Devemos

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estar cônscios da maneira pela qual o Cristo ressurreto transforma esses sinais e selos. Existem conexões entre os sacramentos do Antigo e do Novo Testamento (Cl 2.11-12; lCo 5.7; 10.1-4; 11.23-28), mas também existem diferenças. É importante ter em mente essas semelhanças e diferenças.

Batismo: ingresso no povo visível de Deus

Embora algumas pessoas possam crer que é complicado o entendi­mento presbiteriano com respeito ao batismo, na verdade ele está baseado na história mais ampla daquilo que Deus está fazendo no mundo por meio de seu povo. O sinal do batismo está arraigado no propósito mais amplo e imutável de Deus na história humana. Desde o princípio, Deus tem redimi­do um povo para sua possessão e para sua glória. Conquanto Deus chame indivíduos para si, ele tem, desde o início, enfatizado de modo especial o relacionamento dos crentes professos com suas famílias, bem como seu lugar dentro do propósito maior e imutável de redenção. Assim, a história da redenção começou com Adão e sua casa, com Abel e Caim e suas casas, e especialmente com Abraão e sua casa.

Deus fez um pacto com Abraão, prometendo "ser o teu Deus e da tua descendência" ( Gn 17. 7). Para selar essa promessa, Deus deu a Abraão um sinal - a circuncisão - que deveria ser aplicado a Abraão e a todos os ho­mens de sua casa. Esse sinal era uma promessa, um identificador comunitá­rio que sempre acompanharia os homens judeus como um lembrete de que Deus prometeu ser o seu Deus. A circuncisão também servia como rito de iniciação no corpo daqueles que professavam fazer parte do povo de Deus. O conteúdo da promessa feita por Deus a Abraão - "ser o teu Deus e da tua descendência" - permaneceu o mesmo em todo o Antigo Testamento. Cada pai devia instruir sua casa sobre o significado da circuncisão - a necessi­dade de ter o coração circuncidado por Deus, a necessidade de abraçar as promessas do pacto pela fé no futuro Redentor dos eleitos de Deus, e de se arrepender dos pecados (Dt 10.16; 30.6).

No Novo Testamento, o apóstolo Pedro deixa claro que o conteúdo das promessas de Deus não mudou - Deus promete ser o Deus dos cren­tes e de suas famílias (At 2.38-39). O que mudou foi aforma e os objetos da promessa de Deus: no Antigo Testamento, a circuncisão era aplicada a todos os homens da casa; no Novo Testamento, o batismo foi aplicado a todos quantos professavam fé no Redentor do povo de Deus, como tam­bém às suas famílias. Por exemplo, em Atos 16, Lídia e o carcereiro de Filipos, ambos chefes de família, creram em Jesus e suas famílias inteiras foram batizadas. A razão pela qual esses batismos familiares são corretos é

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que a "lógica familiar" atuante no Antigo Testamento ainda funcionava no Novo Testamento. Os filhos dos crentes do Novo Testamento - no primeiro século e hoje em dia - são separados ("santos") aos olhos de Deus porque nós, como chefes de família, professamos fé em Cristo (lCo 7.14). Dessa maneira, é correto aplicar aos nossos filhos o sinal de que pertencem ao povo visível de Deus. Este sinal sela a promessa de Deus aos nossos filhos, lembra-lhes a promessa de Deus e os assinala como separados do mundo e pertencentes a Deus.

Assim como os crentes do Antigo Testamento deviam instruir seus filhos sobre o significado e a importância do sinal pactual da circuncisão, nesta era do Novo Testamento, nós, como chefes de família, somos con­clamados a instruir nossos filhos sobre o significado e a importância do seu batismo, a insistir que abracem a promessa de Deus em Jesus Cristo, arrependendo-se de seus pecados e professando a fé nele, e a crescer no seu batismo a cada oportunidade (CM 167). A obra redentora de Deus é ampliada quando o seu propósito para nossas famílias é cumprido - quan­do nossos filhos deixam a casa paterna para formar suas próprias famílias, quando eles por sua vez batizam e instruem seus próprios filhos, exortando­os ao arrependimento e fé em Jesus Cristo (para quem este sinal aponta) e dedicando-se a criar filhos crentes para a glória de Deus.

Esse entendimento do batismo está fundamentado numa compreensão especial da igreja como povo visível. Como vimos no capitulo anterior, os presbiterianos creem que a igreja visível é composta de crentes professos e seus filhos. Em outras palavras, o ideal de uma "membresia regenerada da igreja" não é bíblico porque faz uma conexão direta demais entre o povo visível de Deus e o corpo daqueles a quem Deus escolheu desde o princípio até o final dos tempos. Aqueles que são responsáveis por admitir as pessoas à Ceia do Senhor não têm um meio de saber quem é regenerado e quem não é. Tudo o que temos é a profissão de fé das pessoas. Certamente, os presbí­teros se esforçam para investigar essas profissões de fé a fim de assegurar que sejam críveis e sinceras. Num juízo de caridade cristã, cremos que tais profissões de fé são genuínas e representam a realidade espiritual. No en­tanto, estamos longe de afirmar que a membresia da igreja visível deve ficar restrita àqueles que consideramos verdadeiramente eleitos e genuinamente regenerados. Só Deus pode fazer juízos dessa magnitude. Todavia, uma vez que mudamos nossa perspectiva sobre quem faz parte da igreja visível, nosso entendimento do batismo como sinal de iniciação na igreja visível também muda. De repente, o batismo não é mais o nosso ato de testificar que somos regenerados e que seguimos Jesus Cristo em obediência. Antes, é o ato de Deus de nos iniciar em seu povo visível. Disso se conclui que o

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batismo é corretamente aplicado àqueles que fazem profissão de fé, bem como a seus filhos, porque a promessa de Deus é oferecida "a vós e a vossos filhos" (At 2.39).

A ceia do Senhor: força para a jornada

A maior parte das pessoas que frequentam a igreja sabe o que é a Santa Ceia, mesmo quando a chamam por outro nome, como "o partir do pão", "comunhão" ou "eucaristia". O nome "Ceia do Senhor" vem de 1 Coríntios 11.20 e a essência desse ritual é comum a todos os cristãos: "A Ceia do Se­nhor é um sacramento no qual, dando-se e recebendo-se pão e vinho, con­forme a instituição de Cristo, se anuncia a sua morte" (BC 96). Em geral, a Ceia envolve ministros ordenados, aos quais Cristo determinou que

Separassem o pão e o vinho do uso comum pela palavra da instituição, ações de graça e oração; que tomassem e partissem o pão e dessem, tanto este como o vinho aos comungantes, os quais, pela mesma instituição, devem tomar e comer o pão e beber o vinho, em grata recordação de que o corpo de Cristo foi partido e dado, e o seu sangue derramado em favor deles (CM 169).

Conquanto a validade do sacramento seja razoavelmente fácil de esta­belecer a partir das Escrituras, sua eficácia é muito mais dificil de entender. Na verdade, em determinado ponto da Confissão de Fé de Westminster a Ceia é descrita como um "santo mistério" (CFW 29.8). Visto que a maneira como a Santa Ceia "funciona" é um mistério, têm existido numerosas di­vergências quanto ao que acontece na Ceia. Os documentos confessionais presbiterianos procuram tratar de diversos pontos de vista "equivocados" enquanto que, ao mesmo tempo, apresentam o nosso entendimento do que acontece nessa refeição. Às vezes, as qualificações e advertências nos pa­drões confessionais são tão confusas que é dificil entender o que está em jogo ou mesmo o que os presbiterianos estão tentando dizer. Se, contudo, formos pacientes, poderemos obter um entendimento básico do que ocorre nesse santo mistério chamado Ceia do Senhor. É importante compreender que os debates da Reforma sobre a Ceia tinham a ver coµi a localização do corpo de Cristo assunto ao céu e como os crentes "se alimentam" desse corpo que para lá subiu. Teremos mais a dizer sobre isso à medida que pros­seguirmos neste estudo.

Observe, primeiramente, que os documentos confessionais são cuida­dosos em dizer o que não acontece na Ceia: o pão e o vinho não se tornam

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real e substancialmente o corpo e o sangue de Cristo. A crença de que isso acontece, uma doutrina chamada "transubstanciação", é abraçada pelos ca­tólicos romanos. Estes acreditam que, no ato de consagração pelo sacerdote (quando ele diz em latim: "Este é meu corpo"), o pão, que é elevado à vista da congregação para ser adorado, toma-se real e literalmente a substância do corpo de Cristo. A Confissão de Fé de Westminster não poupa palavras ao rejeitar tal posição: essa doutrina "é algo repugnante, não só à vista das Escrituras, mas também ao senso comum e à razão; destrói a natureza do sacramento, e tem sido a causa de muitas superstições e até grosseira idola­tria" (CFW 29.6). Os presbiterianos acreditam que, quando o pão e o vinho são consagrados por Deus pela oração de um ministro, eles "conservam-se verdadeira e somente pão e vinho, como eram antes" (CFW 29.5). Tam­bém não cremos, ao contrário dos católicos, que a Ceia do Senhor dá uma oportunidade para Cristo ser oferecido ao seu Pai mais uma vez como real propiciação pelos pecados. "Esse sacrifício papal da missa ... é sobremodo ofensivo ao único sacrifício de Cristo, o qual é a única propiciação por to­dos os pecados dos eleitos" (CFW 29.2).

Além disso, os presbiterianos também não creem que o corpo de Cristo está, de alguma forma, "em, com ou sob o pão e o vinho" (CFW 29.7). Isto descreve a posição luterana, baseada na crença de que o corpo ressurreto e assunto ao céu de Cristo é ''ubíquo" (isto é, está em todo lugar ao mesmo tempo). A consequência da posição luterana é que, quando um indivíduo participa do pão na Ceia, o próprio pão não é o corpo, mas está unido ao corpo físico de Cristo que o envolve. Os presbiterianos não acreditam que o corpo de Cristo assunto ao céu funcione dessa maneira, mas que o corpo ressurreto de Cristo subiu ao céu, onde ele está assentado à destra do Pai (At 2.33). Sendo assim, seu corpo não está presente em todo lugar ao mesmo tempo, para envolver o pão e o vinho da Ceia em todas as igrejas em que ela esteja ocorrendo.

Então, o que os presbiterianos acreditam que acontece na Ceia do Se­nhor? Como os crentes se alimentam do corpo e do sangue de Cristo? A Confissão de Fé enfatiza que não nos alimentamos dele "corporal ou car­nalmente", mas "espiritualmente", contudo "real e verdadeiramente" (CFW 29.7). Talvez você já tenha lido esta seção da Confissão de Fé:

Os que comungam dignamente, participando exteriormente dos elementos visíveis deste sacramento, também recebem intimamente, pela fé, a Cristo crucificado e a todos os beneficios de sua morte, e dele se alimentam, não carnal ou corporalmente, mas real, verdadeira e espiritualmente; não estando o corpo e o sangue de Cristo corporal ou camalmente nos elementos, pão e vinho, nem com eles ou sob

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eles, mas estão espiritual e realmente presentes à fé dos crentes nessa ordenança, corno estão os próprios elementos em relação a seus sentidos corporais (CFW 29.7).

Você entendeu o que a Confissão está dizendo aqui? Duas coisas im­portantes: primeiro, os que comungam dignamente recebem e se alimentam do Cristo crucificado e de todos os benefícios de sua morte; segundo, na Ceia o corpo e o sangue de Cristo estão realmente presentes à fé dos cren­tes assim como os elementos estão presentes aos seus sentidos externos. Como essas duas coisas acontecem? Não corporalmente ou fisicamente, mas espiritualmente. De uma forma que não conseguimos entender inte­lectualmente de modo pleno, quando comemos e bebemos externamente os elementos visíveis, internamente estamos nos alimentando, pela fé, do cor­po e do sangue de Cristo. Não há mudança ou transformação dos elementos, nenhum corpo de Cristo circundando o pão e o vinho. Contudo, na verdade e realmente, nós nos alimentamos espiritualmente do corpo e do sangue de Cristo. João Calvino, o grande pastor e teólogo reformado do século 16, acreditava que na Ceia o Espírito Santo eleva nosso coração e mente ao céu, onde Cristo está assentado, para que nos alimentemos espiritualmente de sua presença (lnstitutas, 4.17 .18). Contudo, Calvino teve o cuidado de dizer que o ato de nos alimentarmos de Cristo é um mistério que mais se sente do que se explica, porque as palavras são inadequadas para descrever o que transcorre na Santa Ceia (lnstitutas, 4 .17.7).

O resultado de tudo isso é que na Ceia do Senhor os crentes "recebem e aplicam a si mesmos o Cristo crucificado e todos os benefícios de sua morte", pela fé (CM 170). Os benefícios que recebemos são consequên­cias de vivermos bem a vida cristã. Cremos que, nessa refeição, recebe­mos aquilo que é essencial para "nosso alimento espiritual e crescimento na graça'', incluindo a confirmação de nossa união e comunhão com Cristo, a renovação de nossa gratidão para com Deus e o compromisso de perten­cermos a ele, e o envolvimento em mútuo amor e comunhão uns com os outros (CM 168).

Porém, a fim de recebermos esses benefícios espirituais, devemos nos preparar para nos aproximar da Ceia do Senhor pelo menos de duas ma­neiras. Primeiro, com base na afirmação de Paulo em 1 Coríntios 11.28, há muito tempo os presbiterianos exortam uns aos outros a se examinarem antes de ir à Mesa do Senhor, a fim de verificarem "se estão em Cristo, a respeito de seus pecados e necessidades, da verdade e medida de seu conhecimento, fé, arrependimento e amor para com Deus e para com os irmãos, da caridade para com todos os homens, perdoando aos que lhes têm feito mal, de seus desejos de ter Cristo e de sua nova obediência" (CM

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1 71 ). Em segundo lugar, devemos procurar renovar o exercício de todas as graças espirituais. Ao refletirmos e examinarmos a nós mesmos, devemos meditar nas verdades da Palavra de Deus e em sua grandiosa graça e perdão para com os que falham em seus deveres espirituais. Também devemos orar fervorosamente, buscando a misericórdia e a graça de Deus quanto a nos­sos pecados e falhas, pedindo que ele venha ao nosso encontro na Ceia do Senhor para nos conceder sua graça fortalecedora e nutridora.

Durante a Ceia, somos chamados a esperar em Deus no sacramento, observando diligentemente o que está ocorrendo: a explanação do pastor sobre o sacramento, as palavras de instituição, o convite à Ceia, a oração de consagração dos elementos, o partir do pão e o derramar do vinho, e a distribuição dos elementos. Em meio a essas ações, devemos procurar discernir o corpo de Cristo, crendo que, no pão e no vinho, o corpo crucifi­cado e o sangue de Cristo estão espiritualmente presentes à nossa fé, e que, nesses elementos, Cristo e todos os seus beneficios nos são dados pela fé. Ao assim discernirmos o corpo de Cristo, somos estimulados a nos julgar­mos a nós mesmos e nos entristecer por nosso pecado, a ter fome e sede de Cristo, a alimentar-nos dele e receber de sua plenitude, confiando em seus méritos, regozijando-nos em seu amor e agradecendo por sua graça, e a re­novarmos nosso pacto com Deus e com os demais membros da igreja (CM 174). De muitas maneiras, a Ceia do Senhor é a renovação da aliança solene entre Deus e nós mesmos - estamos abandonando o pecado, descansando em Cristo e seus méritos para sermos aceitos por Deus, e renovando nossa obediência a Deus e sua Palavra, gratos por sua misericórdia. Deus, em resposta a isso, concede-nos todos os beneficios de Cristo - porém, o que é ainda mais importante, concede-nos o próprio Cristo.

Depois da Santa Ceia, devemos reservar algum tempo para conside­rar como participamos dela. Se encontramos consolo e renovação espiri­tual, bendigamos a Deus por sua misericórdia, pedindo que ele continue a conceder essa renovação graciosa, cuidando para não recair no pecado e cumprindo nossos deveres espirituais. Se não encontramos esse consolo e renovação, devemos avaliar como foi que nos preparamos ou nos portamos durante a Ceia. Se estávamos preparados e buscamos a presença do Senhor na Ceia, então esperemos o beneficio espiritual que Deus a seu tempo con­cederá. Se não estávamos preparados ou não utilizamos bem essa refeição, devemos nos humilhar e buscar mais a presença de Deus da próxima vez que tivermos oportunidade de participar da Ceia do Senhor (CM 175).

Historicamente, os presbiterianos têm levado muito a sério a Ceia do Senhor, talvez mais que outros evangélicos. Isso se reflete na prática pres­biteriana de "cercar a mesa". No século 18, os presbiterianos escoceses e

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norte-americanos eram examinados por seus presbíteros regentes quanto à fé em Jesus Cristo e sua presente condição espiritual. Se fossem julgados "professantes dignos'', esses crentes vigorosos recebiam "senhas de comu­nhão" que lhes davam um lugar à Mesa do Senhor. Na prática contemporâ­nea, os ministros presbiterianos convidam para a Ceia aqueles que já fize­ram profissão de fé em uma igreja local e foram admitidos à comunhão pelo conselho da igreja ou por outra liderança eclesiástica reconhecida. Também advertimos aqueles que ainda não professaram a fé ou que vivem em pe­cado impenitente a não virem à mesa, para que não "comam e bebam juízo para si" (BC 97; lCo 11.27-32; Princípios de Liturgia da IPB, arts. 13-17). Desta maneira, procuramos preservar a pureza da Mesa do Senhor.

Esta seriedade também se demonstra no modo como tratamos nossos filhos diante da Mesa do Senhor. Talvez a melhor maneira de entender isso seja pensar nas semelhanças e diferenças entre o batismo e a Santa Ceia. As semelhanças são um tanto óbvias (CM 176). Cremos que Deus é o autor do batismo e também da Ceia do Senhor; ambos são ideias de Deus e têm o seu aval. O foco dos dois está em Cristo e seus benefícios. Os dois são selos da mesma aliança, das mesmas promessas. Cada um deve ser administrado por ministros ordenados do evangelho e ninguém mais. E cada um deverá continuar na igreja até o fim dos tempos. Algumas diferenças entre os dois também são óbvias ou pelo menos deviam ser (CM 177). O batismo ocor­re, ou deve ocorrer, apenas uma vez na vida de uma pessoa. A Santa Ceia é ministrada com frequência. O batismo utiliza água; a Ceia utiliza pão e vinho.

Outras diferenças são ainda mais importantes. O Catecismo diz que o batismo é "um sinal e selo de nossa regeneração e de nossa união com Cristo", uma graça conferida no tempo determinado por Deus e que se evi­dencia em uma sincera busca de Cristo como Salvador e Senhor (CM 165). Por outro lado, a Ceia do Senhor é recebida por aqueles que já iniciaram a jornada de fé, "para confirmar nossa permanência e crescimento" em Jesus Cristo (CM 177). Em outras palavras, o batismo inicia nossos filhos no povo visível de Deus, no "povo da igreja", bem como no cuidado da igreja e nos benefícios trazidos pela participação nessa comunidade. Mas a Ceia do Senhor tem um foco diferente: serve para confirmar nossa fé e assegurar nosso coração de que, tão certamente como participamos do pão e do vinho, Cristo morreu pelos nossos pecados.

Sendo assim, os presbiterianos creem que o batismo é ministrado de modo legítimo "até mesmo aos infantes", como já vimos. Visto que nossos filhos pertencem às nossas famílias da fé, devem pertencer de modo visível à família da fé, e o batismo os inicia no povo visível de Deus. Contudo,

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cremos que a Ceia do Senhor deve ser ministrada "somente àqueles com idade suficiente para se examinarem a si mesmos". A ênfase não está na comunhão somente para adultos, mas na comunhão somente para cren­tes professos. Nosso catecismo presume que os bebês ou crianças peque­nas não podem examinar-se quanto ao "estar em Cristo" (CM 172), isto é, não conseguem reconhecer seu pecado e voltar-se em fé para Jesus Cristo. Quando chegarem à "idade da razão e forem capazes de se examinar" (CM 177), se fizerem profissão aceitável de fé em Jesus, o conselho da igreja local tem a oportunidade - e a responsabilidade - de admiti-los à Mesa do Senhor (BCO 57.2). Sendo assim, os presbiterianos em geral não admitem crianças à mesa até que estas tenham feito sua púbica profissão de fé, não porque elas sejam crianças, mas porque a fé observável em Jesus Cristo é necessária para a digna recepção da Santa Ceia.

Perguntas para reflexão e recapitulação

1. Pense em sua formação religiosa antes de conhecer o presbiterianismo. Quando você considera as crenças presbiterianas quanto aos sacramentos, como sua vida religiosa anterior faz você reagir a este capítulo?

2. Reflita sobre como este capítulo descreveu o modo como os sacramentos são um sinal, selo e marca. Essas descrições são úteis para entender o que fazem os sacramentos? Que outras figuras ou analogias falam da ação dos sacramentos?

3. Como "funcionam" os sacramentos? O que queremos dizer ao falar em uma "união sacramental" entre o sinal e a realidade espiritual? Quem é a "realidade espiritual" comunicada pelo sacramento?

4. O que você acha da distinção entre a validade e a eficácia de um sacramento? Como essa distinção esclarece o modo como você pode ter pensado sobre o batismo no passado?

5. Como a "lógica bíblica da família", tanto no Antigo quanto no Novo Testamento, oferece uma forte justificativa para o batismo familiar e, portanto, infantil?

6. Como o afastamento do ideal da "membresia regenerada da igreja" muda o foco do batismo?

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7. O que os presbiterianos creem que acontece na Ceia do Senhor? Como nos alimentamos espiritualmente de Cristo e todos os seus beneficios?

8. O que essa refeição oferece a nossa vida cristã? Para recebermos esses beneficios, como devemos nos preparar para receber a Ceia do Senhor?

9. Quais são algumas semelhanças e diferenças entre o batismo e a Santa Ceia? De que maneira o entendimento do batismo como iniciação e da Ceia com confirmação esclarece algumas diferenças em relação a nossos filhos?

Leituras adicionais

BOOTH, Robert R. Children of promise: the biblical case for infant baptism. Philipsburg, Nova Jersey: Presbyterian and Reformed, 1995.

BROMILEY, Geoffrey W. Filhos da promessa: a defesa bíblica do batismo dos filhos de crentes. São Paulo: Cultura Cristã, 2010.

BRUCE, Robert. The mystery of the Lord's Supper. T. F. Torrance (Org.). Londres: James Clarke, 1958.

GERRISH, B.A. Grace and gratitude: the Eucharistic theology of John Calvin. Minneapolis, Minnesota: F ortress, 1993.

HUNT, Susan. Herdeiros da aliança. São Paulo: Cultura Cristã, 2008. OLD, Hughes O. The shaping of the Reformed baptismal rite in the

seventeenth century. Grand Rapids: Eerdmans, 1992. Repor! of the Ad-Interim Committee to Study the Question of Paedo­

communion. 1986. Esse documento da PCA sobre a comunhão das crianças se encontra na internet: http://www.pcahistory.org/ pca/index.html.

RIGGS, John W. Baptism in the Reformed tradition: a historical and practical theology. Louisville, Kentucky: Westminster John Knox, 2002.

VANDER ZEE, Leonard J. Christ, Baptism and the Lord's Supper: recovering the sacraments for evangelical worship. Downers Grove, Illinois: InterVarsity Press, 2004

SEGUNDA PARTE

» Práticas Presbiterianas

Capítulo 6

UM CORAÇÃO EM CHAMAS:

PIEDADE PRESBITERIANA E REFORMADA

TALVEZ VOCÊ ESTEJA SE PERGUNTANDO POR QUE A "PIEDADE" REPRESENTA O

primeiro conjunto de práticas presbiterianas que vamos considerar. Talvez esteja perguntando o que significa piedade, afinal. São boas perguntas para se fazer. Hoje em dia não usamos muito o vocábulo piedade. Usa-se muito mais a palavra espiritualidade. Este último termo teve sua origem em fontes católicas romanas do século 1 7, mas desde então tem sido o termo predominante para descrever como as pessoas encaram as coisas religiosas. Personagens da cultura popular tão diferentes quanto Madonna, Bruce Springsteen e Oprah Winfrey falam da espiritualidade como um meio de se conectar com um "poder superior", com a verdade religiosa ou até consigo mesmas. Devido ao uso generalizado da palavra, algumas pessoas falam da "espiritualidade reformada" como um meio de compreender de que maneira os crentes presbiterianos têm comunhão com Deus. Contudo, o acadêmico Hughes Oliphant Old observou: "Os calvinistas geralmente preferem o termo piedade ao termo espiritualidade". 1 A razão disso, em parte, é que a palavra piedade (do latim pietas, que literalmente significa "zelo" ou "fidelidade") frequentemente transmite a ideia de "reverência associada com o amor a Deus e induzida pelo conhecimento de seus beneficios" (Calvino, Institutas, 1.2. l ). Mas piedade também representa toda uma gama de práticas que moldam nossa reverência e amor a Deus. Práticas como adoração, oração, cânticos e serviço ajudam a formar e dirigir o modo como se expressam nossa reverência e amor a Deus. Essas práticas também nos lembram os beneficios de Cristo concedidos a nós mediante a fé nele; assim, elas se tomam meios para induzir a piedade. Como a piedade chama nossa atenção

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tanto para as graças espirituais quanto para as práticas necessárias para inculcar essas graças, falaremos neste capítulo sobre piedade reformada, em vez de espiritualidade.

Com base no que acabamos de dizer, pode ficar óbvio que a piedade reformada é nada menos que o modo como os presbiterianos creem que a vida cristã deve ser vivida. Talvez seja menos óbvio o fato de que os pró­prios Padrões de Westminster oferecem excelente orientação sobre o que é e o que deve ser a piedade reformada. Muitas vezes, pensamos que os padrões são simplesmente declarações doutrinárias com o fim de assegurar a preservação da ortodoxia, e que além desse propósito eles têm pouca uti­lidade. Ao contrário, os padrões confessionais, na medida em que refletem o ensino da Escritura Sagrada, servem como uma excelente norma e direção para a vida cristã. Portanto, neste capítulo quero utilizar esses documentos para guiar nossos pensamentos sobre a piedade reformada. É especialmente importante observar como os padrões reformados argumentam que a pró­pria base da vida cristã é nossa união com Cristo. Todos os beneficias da salvação se encontram em Cristo e eles passam a ser nossos quando somos unidos a Cristo pela fé operada pelo Espírito Santo. Começando com nossa união com Jesus, entendemos que somos justificados e santificados, não por quaisquer obras que possamos realizar, mas por nossa união com ele, efe­tuada pela fé. A partir desta raiz, desejamos ver frutos espirituais manifestos em nossa vida. Deus oferece diversas práticas que servem como meios de nutrição espiritual, para ajudar-nos a crescer na graça. Se não utilizarmos esses "meios de graça", logo descobriremos que nosso crescimento espiri­tual ficará deficiente ou tolhido; além disso, não experimentaremos a segu­rança que Deus nos oferece no uso dessas práticas.

Com o uso dos padrões confessionais presbiterianos para delinear o que é a piedade reformada, também espero destacar mais um ponto. Boa parte daquilo que passa por um entendimento evangélico da vida cristã se­para o conhecimento sobre Deus (doutrina) do conhecimento pessoal de Deus (vida). Os presbiterianos (e outros crentes reformados) sempre enten­deram que a vida cristã é um modo de viver baseado na doutrina; em outras palavras, nossas práticas estão baseadas firmemente sobre nossas convic­ções. Ao longo de toda a história presbiteriana e reformada - quer fosse o teólogo João Calvino do século 16 ao escrever suas lnstitutas como um manual de piedade, quer o teólogo Charles Hodge do século 19 delineando os pontos básicos da vida cristã em seu livro O Caminho da Vida, quer o teólogo do século 20 J. I. Packer conduzindo as pessoas por uma bem elaborada discussão dos atributos divinos em seu livro O Conhecimento de Deus - temos sempre enfatizado que a maneira de "experimentar Deus"

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em nossa vida sempre passa por uma compreensão correta de quem Deus é, de quem nós somos e do que Cristo fez por nós e em nós. Na verdade, espero que você observe como as convicções das quais já falamos afetam a maneira como nos relacionamos com Deus. As convicções presbiterianas quanto à soberania e o reino de Deus, a prioridade da graça, o pacto da graça e a natureza da igreja e seus sacramentos moldam profundamente a maneira como desfrutamos a comunhão com Deus.

Em suma, somente ao abraçarmos a ortodoxia (sã doutrina) podere­mos demonstrar a ortopraxia (práticas saudáveis). A regra da doutrina pode e deve ser a regra da fé, da prática e da oração.

A raiz da piedade reformada: união com Cristo

Embora não haja um capítulo separado na Confissão de Fé de West­minster sobre a união com Cristo, a linguagem da união e da comunhão com Cristo permeia todos os documentos confessionais presbiterianos. Cremos que aqueles a quem Deus o Rei escolheu salvar são "espiritual e mística­mente, ainda que real e inseparavelmente, unidos a Cristo, seu Cabeça e Esposo" (CM 66). Observe como essa linguagem se assemelha ao que en­contramos nas seções dos Padrões que tratam da Ceia do Senhor. Os autores desses documentos confessionais se esforçavam para resguardar contra um erro específico enquanto afirmavam uma verdade bíblica vital. O erro que procuravam evitar era qualquer ideia de que os cristãos são "participantes da substância da divindade [de Cristo]" (CFW 26.3). Com base na lingua­gem de 2 Pedro 1.4, os ortodoxos orientais ensinam a doutrina da "teose", a ideia de que, participando da comunhão trinitária pela união com Cristo, os crentes são divinizados. Mas a Confissão de Fé proclama claramente que não há nenhum sentido em que os crentes participem da divindade a ponto de serem unidos à própria substância de Deus e assim sejam tomados, eles mesmos, divinos.

Esta união com Cristo, ao contrário, é espiritual ou mística, como dei­xou claro o apóstolo Paulo em 1 Coríntios 6.17: "Aquele que se une ao Senhor é um espírito com ele". A figura mais usada para ilustrar essa união com Cristo é a do casamento. O Catecismo usa essa imagem ao referir-se a Efésios 5. Cristo é nosso cabeça e esposo; nós, a sua noiva: "Porque o marido é o cabeça da mulher, como também Cristo é o cabeça da igreja, sendo este mesmo o salvador do corpo" (Ef 5.23). Na verdade, no pen­samento bíblico, nós "somos membros do seu corpo" (Ef 5.30, cf lCo 12.27); é íntima a nossa ligação com Cristo, o cabeça. Somos o seu corpo e estamos cheios da "plenitude daquele que a tudo enche em todas as coisas"

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(Ef 1.23). Daí, somos unidos a Cristo singularmente, como indivíduos, e corporativamente, como igreja (CFW 25.1).

Devido a essa nossa união com Cristo, nosso cabeça, Deus comunica a justiça de Cristo a nós e nos vê como santos. O Catecismo Maior ensina que a "comunhão em graça, que os membros da igreja invisível têm com Cristo, é a participação da virtude de sua mediação, em justificação, adoção, san­tificação e tudo o que nesta vida manifesta a sua união com ele" (CM 69). Deus nos vê como tendo sido crucificados com Cristo, sepultados com ele, ressuscitados em novidade de vida, adotados como seus filhos e assentados nos lugares celestiais em Cristo (Rm 6.1-4; Gl 2.20; Ef 1.3-14; Cl 3.1-4). Assim, temos uma nova posição com Deus - ou seja, a posição de estarmos em comunhão com Deus, concedida em virtude de nossa união com Cris­to. Na verdade, nossas pessoas são "aceitas por meio de Cristo". De igual modo, nossas boas obras não são aceitas por qualquer mérito que haja nelas, antes "são aceitas nele" (CFW 16.6). Não somente isso: nossa união com Cristo é "inseparável" (CM 79). Isto significa que aqueles que estão unidos a Cristo serão preservados na graça e irão perseverar até o fim.

Essa união com Cristo faz mais do que simplesmente conferir uma nova posição diante de Deus (ainda que isso já seja surpreendente): ela também significa que temos comunhão íntima com ele, comunhão que é fruto dessa união e que é a restauração daquilo que nossos primeiros pais experimentaram em seu estado original criado, antes da queda (CFW 4.2, 6.2). Porém, temos de entender que nossa comunhão com Deus é sempre por meio de Jesus Cristo, nosso Mediador. Na verdade, cremos que "a ele não se pode chegar sem ter um mediador" (CM 181; CFW 21.2). Assim, como recebemos os benefícios da redenção "em virtude de sua mediação", também desfrutamos a comunhão com Deus mediante sua mediação - é co­munhão com Deus por Jesus por meio de seu Espírito. Em virtude de nossa união com Cristo, temos "comunhão em glória" com Cristo nesta vida, que inclui desfrutar "das sensações do amor de Deus, da paz de consciência, da alegria do Espírito Santo e da esperança da glória" (CM 83). Ainda mais, depois da morte teremos comunhão em glória com Cristo que resulta em nossa alma ser aperfeiçoada em santidade e acolhida ao mais alto céu en­quanto aguardamos a ressurreição do corpo e a consumação do reino de Deus no final dos tempos (CM 86). Esses benefícios são nossos mediante nossa união com Jesus.

Uma última coisa que precisamos reconhecer aqui é que essa união e comunhão com Cristo também é a base para a nossa união e comunhão com os outros crentes, tanto os da igreja local quanto os da igreja em geral (CFW 29.1). Como estamos unidos individualmente a Jesus pela fé operada pelo

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Espírito, participamos "dos mesmos dons e graças e estamos obrigados ao cumprimento dos deveres públicos e particulares que contribuem para o seu mútuo proveito, tanto no homem interior como no exterior" (CFW 26.1). Por isso é tão penoso para nós quando os membros da igreja se afastam do culto e da comunhão (Hb 10.25) ou quando existe uma quebra do amor e confiança entre os crentes (ICo 3.3-9). Tais divisões fracionam nossa união comum e colocam em dúvida a alegação de que estamos unidos a Cristo (Ef 4.1-4).

As práticas da piedade reformada: os meios de graça

Com o uso dos meios de graça, gozamos comunhão com Deus e temos segurança de que estamos unidos a Cristo. Somos ensinados que Cristo comunica os beneficias de sua mediação - que são nossos mediante nossa união com ele - por meio de "todas as suas ordenanças, especialmente a Pa­lavra, os Sacramentos e a Oração" (CM 154). Ou seja, o meio para o nosso crescimento espiritual, o próprio motor da piedade presbiteriana, é o culto. E no âmago do culto presbiteriano e, assim sendo, de nossa piedade, estão a leitura e a pregação da Palavra de Deus. Confessamos que "o Espírito de Deus toma a leitura, e especialmente a pregação da palavra, meios eficazes para convencer e converter os pecadores, para edificá-los em santidade e conforto, por meio da fé para salvação" (BC 89). A palavra pregada faz isso de diversas formas: iluminando nossa mente, convencendo-nos e hu­milhando-nos ao nos afastar de nós mesmos, apontando para Jesus Cristo, conformando-nos com sua imagem, fortalecendo-nos em tempos de ten­tação, concedendo graça e força para batalhar contra a nossa corrupção e nos conformarmos à sua vontade, e ao "estabelecer os nossos corações em santidade e conforto mediante a fé para a salvação" (CM 155). Obviamente, a pregação da Palavra de Deus realiza muitas coisas para a nossa salvação e preparação para o mundo vindouro. Não é por acaso que em momentos essenciais de O Peregrino, o clássico de John Bunyan, o viajante, Cristão, se detém para ouvir a pregação da Palavra de Deus, quer na Casa do Intér­prete, quer dos pastores nos Montes Aprazíveis. De igual modo, a fim de progredirmos em nossa comunhão com Deus, temos de fazer uma pausa regularmente para ouvir a pregação da Palavra de Deus, que é um meio eficaz para a nossa salvação.

Parte do processo de ouvir a pregação da Palavra de Deus semana após semana está em preparar nosso coração para receber essa Palavra mediante a oração. Quando a Palavra é pregada, devemos ser diligentes em ouvi-la, não nos deixando distrair, mas concentrando o coração naquilo que Cristo

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está dizendo por meio do ministro da sua Palavra. As Escrituras também nos convidam a examinar o que é pregado, comparando-o com o restante da Escritura para ver se é verdadeiramente Palavra de Deus. Ao discernirmos que é, devemos então receber "a verdade com fé, amor, mansidão e pronti­dão de mente, como Palavra de Deus". Meditamos nela e a escondemos no coração. Acima de tudo, procuramos "produzir os devidos frutos em nossas vidas" (CM 160). Desta forma, a pregação da Palavra de Deus será um meio da graça para nós - um meio pelo qual rejeitamos o pecado e vivemos de conformidade com a vontade de Deus expressa em sua Palavra.

Os sacramentos do batismo e da Ceia do Senhor também são usados por Deus para nos ensinar reverência e amor para com ele, e para nos lem­brar, em especial, nossa união com Cristo. O batismo é "sinal e selo de nos unir a si mesmo" (CM 165). Sendo assim, como esclarece a resposta 167 do Catecismo Maior, cada vez que assistimos um batismo, somos lembrados dos "privilégios e beneficios conferidos e selados por ele e do voto solene que nele fizemos", inclusive ser batizados pelo Espírito Santo em união com Cristo e seu corpo. Contudo, há ainda outras maneiras pelas quais o batismo serve como meio de graça, não somente no momento em que o recebemos, mas também por toda a vida, "especialmente no tempo da tentação". Tiramos proveito do nosso batismo considerando atentamente o seu significado, es­pecialmente quanto a nossa própria corrupção pecaminosa, as nossas falhas que o Espírito vem lavar. Também usamos bem o nosso batismo quando nos voltamos para o evangelho, crescendo na certeza do perdão dos pecados e de "todas as demais bênçãos que nos foram seladas neste sacramento". Uma das grandes bênçãos seladas para nós no batismo é "nosso fortalecimento pela morte e ressurreição de Cristo". Fomos batizados nele, em sua morte e ressur­reição, pelo Espírito (Rm 6.1-4; lCo 12.12-13). Devido a isso, temos poder para "a mortificação do pecado e revivificação da graça". Finalmente, utili­zamos ou aperfeiçoamos nosso batismo ao nos esforçarmos por viver vidas santas pela fé em Cristo, caminhando uns com os outros em amor fraternal, reconhecendo que fomos "batizados pelo mesmo Espírito em um só corpo".

De modo semelhante, a Ceia do Senhor serve como ''vínculo e penhor" de nossa união e comunhão com ele (CM 168; CFW 29 .1 ). Alimentando-nos da presença de Cristo, a Ceia é para nós um penhor ou selo que nos lembra que desfrutamos da comunhão com ele. A própria visibilidade desses sinais serve para nos consolar, pois somos propensos a nos esquecer ou duvidar que Cristo morreu por nós e nos ama em particular. O Catecismo de Heidel­berg, padrão doutrinário das igrejas reformadas holandesas, nos ajuda bas­tante aqui. Na resposta à pergunta sobre como a Ceia do Senhor nos lembra

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e garante que temos parte no sacrificio de Cristo pelo pecado sobre a cruz, esse catecismo ensina que temos uma promessa que acompanha a Ceia:

Primeiro, que, por mim, seu corpo foi sacrificado na cruz e que, por mim, seu sangue foi derramado, tão certo como vejo com meus olhos que o pão do Senhor é partido para mim e o cálice me é dado. Segundo, que ele mesmo alimenta e sacia minha alma para a vida eterna com seu corpo crucificado e seu sangue derramado, tão certo como recebo da mão do ministro e tomo com minha boca o pão e o cálice do Senhor. Eles são sinais seguros do corpo e do sangue de Cristo (Catecismo de Heidelberg, Pergunta 75).

Sendo assim, na Ceia do Senhor obtemos segurança, confiança e ou­sadia na fé, confiantes na promessa da graça contida nesta refeição, descan­sados na graça do evangelho para a nossa salvação. A Ceia do Senhor e o batismo lembram-nos nossa união e comunhão com Cristo.

Um terceiro meio que Deus usa para nos transformar e tomar-nos mais parecidos com ele é a oração. De fato, podemos dizer que é uma "parte especial" do culto e da piedade presbiteriana (CFW 21.3). No entanto, para muitos crentes, a oração é o aspecto mais dificil da vida de comunhão com Deus. Talvez uma parte dessa dificuldade resida em nossa tendência de tor­nar a oração mais dificil ou mais "santificada" do que é necessário. Cremos, como presbiterianos, que a oração é um "oferecimento de nossos desejos a Deus". Certamente, existem algumas condições - nossas orações devem ser feitas em nome de Cristo e com o auxílio do Espírito Santo, confissão de pecados e grato reconhecimento da misericórdia de Deus (CM 178). Igualmente, não devemos orar pelos mortos, por "aqueles que reconheci­damente tenham cometido o pecado para a morte" ou por "nada que seja ilícito" (CFW 21.4; CM 184). Tais qualificações são detalhes em relação ao ponto principal, que é decididamente claro e nada místico - a oração é o oferecimento de nossos desejos a Deus.

Tendo dito isto, a verdadeira questão para muitos de nós não é o conteú­do de nossas orações, e sim o modo como oramos. A maneira como oramos oferece o meio de nossa transformação pela obra da graça de Deus. Somos chamados a orar com o pleno entendimento de que Deus é o nosso Rei e com o intenso reconhecimento de que somos pecadores que estariam total e com­pletamente perdidos não fosse a iniciativa da graça de Deus. Além disso, ao orarmos reconhecendo a quem estamos nos dirigindo e quem somos nós ao nos dirigirmos a ele, nossas orações ficam repletas de gratidão ao Deus e Rei que nos salvou; oferecemo-las com entendimento, com fé convicta e fervo­rosa sinceridade, com amor e perseverança resoluta. Finalmente, oferecemos

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nossos desejos a Deus em humilde submissão a sua vontade, reconhecendo que ele é o Rei que governa todas as suas criaturas e todas as ações delas de acordo com sua perfeita vontade. Assim, oferecendo nossos principais dese­jos a Deus, também lhe oferecemos a nós mesmos, para que conheçamos o que é bom, agradável e perfeito aos olhos de Deus (CM 185; Rm 12.1-2).

Os presbiterianos creem que "Deus deve ser adorado em todo lugar, em espírito e em verdade, tanto em família, diariamente e em secreto, es­tando cada um sozinho, como também, mais solenemente, em assembleias públicas" (CFW 21.6). Essas três esferas do culto individual, familiar eco­munitário reforçam-se mutuamente. Devemos orar, ler a Escritura e cantar louvores em particular, em nossa família e como igreja. Embora nem todos estejam preparados para a leitura pública e a pregação da Palavra de Deus, as pessoas "de todas as condições têm obrigação de lê-la em particular para si mesmas e com as suas famílias" (CM 156). Por essa razão, a tradição reformada tem sido líder na tradução da Bíblia - porque cremos que um dos mais importantes meios de crescimento espiritual é a leitura da Palavra de Deus. Cremos que todo crente "tem direito e interesse nas Escrituras" e deve "lê-las e estudá-las" no temor de Deus. Em consequência disso, os presbiterianos sentem a responsabilidade de traduzir a Escritura Sagrada a partir dos originais grego e hebraico para as línguas comuns de grupos populacionais em todo o mundo (CFW 1.8; CM 156). Todavia, observe que a razão da tradução bíblica não é apenas que as pessoas possam ler a Bíblia individualmente, mas a leiam em conjunto como famílias. O Livro de Ordem Eclesiástica da Igreja Presbiteriana da América (PCA) incentiva o culto em família, que consiste em oração, leitura bíblica e cântico de lou­vores a Deus, como parte necessária e vital da instrução de nossas famílias "nos princípios da nossa santa religião" (LOE 63-3,4).* A consequência é que, quando nossas igrejas se reúnem para o culto comunitário no Dia do Senhor, não são apenas indivíduos que se reúnem, e sim casas de adorado­res que já cultuaram juntas a semana inteira como famílias.

Embora estes sejam os meios particulares que nossos padrões con­fessionais apontam para o crescimento espiritual e a comunhão com Deus, nossos precursores presbiterianos e reformados também utilizaram outros meios. Por exemplo, nossa confissão de fé se refere a "juramentos religio­sos, votos, jejuns solenes e ações de graças" que podem ser ocasiões cor­porativas, familiares ou individuais de comunhão com Deus (CFW 21.5).

* Os Princípios de Liturgia da Igreja Presbiteriana do Brasil, no art. 1 O, apresentam a mesma instrução.

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Uma parte importante de nosso culto, em todas as esferas, e assim sendo, uma parte importante de nossa piedade, é o cântico de louvores a Deus. O historiador da igreja Hughes Oliphant Old observou que "qualquer espécie de espiritualidade protestante é uma espiritualidade que canta''.2 Cantar os Salmos, bem como hinos e outros cânticos espirituais, é um meio impor­tante de usufruir comunhão com Deus. Em certo aspecto, o cântico de sal­mos, hinos e cânticos espirituais é uma espécie de oração. Nos mosteiros medievais, o oficio da oração diária estava centralizado no Saltério e era inteiramente cantado; da mesma forma, quando cantamos a Deus - quer com hinos antigos ou novos cânticos, quer com salmos como os do Saltério Trinity (hinário baseado nos Salmos, utilizado por muitas igrejas presbite­rianas norte-americanas) - estamos empenhados numa forma de oração, oferecendo nossos desejos a Deus pela mediação de Jesus Cristo. Uma das razões pelas quais muitas igrejas cantam o "amém" no final dos hinos é que ele representa a afirmação e conclusão apropriada da oração musical que o povo de Deus acaba de cantar.

Todas essas práticas ligadas ao culto significam que os presbiteria­nos têm considerado a guarda do Domingo como Dia do Senhor uma parte importante de sua piedade. Infelizmente, muitos crentes reformados têm encarado o domingo de modo legalista, prescrevendo o que tem de ser feito nesse dia e proibindo outras coisas como violações do mandamento divino de guardar o Dia do Senhor. Essa ênfase em "faça isso, não faça aquilo" nesse dia obscurece o fato de que Deus nos deu o Dia do Senhor como um "meio de bênção para nós" e não como uma maldição (CM 120). Deve ser um dia de regozijo pela ressurreição de Jesus Cristo e pela nova criação que vem por meio dele. Somos conclamados a "fazê-lo o nosso deleite", des­cansando de nosso trabalho semanal e nos alegrando na presença de Deus (CM 117; CFW 21.7-8).

Como é que fazemos isso? Acima de tudo, lembrando-nos dele de an­temão a fim de separá-lo como um dia diferente e especial para o uso do Senhor. Ao nos lembrarmos desse dia, reconhecemos o quanto somos pro­pensos a esquecer-nos dele porque nos afasta de nosso trabalho legítimo e porque tanta coisa acontece de uma semana para outra. Além disso, o diabo se esforça para afastar nossa mente do domingo que se aproxima (CM 121). Às vezes, temos de confessar que "ficamos cansados" da regularidade do Dia do Senhor (CM 119). Ao nos lembrarmos desse dia de antemão, fica­mos "mais livres e prontos" para utilizarmos bem tal dia, sermos renovados pelo culto a Deus na Palavra e no Espírito, e por atos de misericórdia e comunhão com os santos (CM 117). Oferecendo uma parte da semana ao serviço de Deus, testificamos que todo o nosso tempo pertence a ele e temos

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a oportunidade de desfrutar da comunhão entre Deus e seu povo que ocorre de modo singular no culto comunitário.

A piedade presbiteriana trata não somente de nossa comunhão com Deus e com os irmãos no culto público, como também da questão mui­to prática do serviço de uns para com os outros. A comunhão recíproca é um compromisso de "serviços espirituais que contribuem para a sua mú­tua edificação" (CFW 26.2). Tal comunhão compartilhada pelos crentes é exemplificada no oficio de diácono. O Livro de Ordem Eclesiástica da PCA declara explicitamente que "ele também expressa a comunhão dos santos, especialmente na sua ajuda mútua em tempos de necessidade". Se alguém quer ver como é a nossa comunhão, deve observar os diáconos da igreja e seguir seu exemplo. Porém, mesmo que uma igreja não tenha diáconos ou talvez tenha diáconos pobres, cada um de nós tem a responsabilidade básica como crente unido a Cristo e aos outros de expressar essa comunhão mútua em atos de amor e de misericórdia.

Assim, nosso sustento financeiro da obra da igreja não é simplesmente um meio de pagar os salários da equipe pastoral, custear projetos de evange­lismo local e global ou sustentar a educação teológica. É também um meio de oferecer assistência benevolente aos que estão dentro e fora da família da fé (Gl 6.6, 10). Como crentes, certamente temos de estar envolvidos em obras de misericórdia dentro de nossa própria congregação, mas também, e em especial, trabalhar junto a nossas congregações mais pobres - muitas vezes situadas em regiões urbanas - para ajudar a trazer transformação e esperança às nossas cidades. Seguindo o modelo do apóstolo Paulo em re­colher coletas para os crentes de Jerusalém que experimentavam terrível fome, as igrejas locais e presbitérios inteiros precisam oferecer assistên­cia financeira, material e espiritual aos irmãos e irmãs carentes (2Co 8,9). Trabalhando juntos desta forma, expressaremos nossa união comum com Cristo e fortaleceremos nossos laços recíprocos no evangelho da graça, que transcende distinções de raça, gênero e classe social.

O alvo da piedade reformada: crescimento na graça com gratidão

Muitas vezes, os presbiterianos confessam que a vida cristã é uma jornada. Quer utilizemos a figura clássica do Peregrino de Bunyan, quer a imagem bíblica de perseverança numa corrida de maratona (Hb 12.1-2), reconhecemos há muito tempo que, como um povo peregrino, estamos em viagem para o lar e ainda não chegamos lá. Em termos do alvo de nossa

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piedade - aquela reverência e amor a Deus que produz nossa transformação espiritual - não buscamos perfeição nesta vida. Cremos que ainda habitam em todo crente "alguns resquícios de corrupção" que produzem "guerra contínua e irreconciliável" entre nossa pecaminosidade remanescente e o Espírito Santo que em nós habita (CFW 13.2). Sendo assim, o alvo de nos­sa piedade não é uma perfeita ausência de pecado, ou mesmo de "momento a momento", mas um crescimento na graça a longo prazo, progresso na comunhão com Deus e a "prática da verdadeira santidade" (CFW 13.1). Nossa grande esperança para o crescimento na graça é o "contínuo socorro da eficácia do Espírito de Cristo santificador" (CFW 13.3). Qualquer pro­gresso que façamos na vida cristã se deve somente à obra soberana do Es­pírito de Deus, motivada pela surpreendente graça de Deus e radicada em seu glorioso evangelho. As práticas da piedade que estamos considerando tiram o foco de nós mesmos e de nossos esforços para com Deus, e nos plantam firmemente no próprio evangelho. No culto comunitário, familiar e individual, lemos e ouvimos a Palavra de Deus, que nos confronta com nosso pecado e aponta para os ricos tesouros da graça em Jesus Cristo. Na oração, quando oferecemos nossos desejos a Deus pela mediação de Jesus, reconhecemos que ainda somos incapazes de agradar a Deus por nossa própria força e suplicamos a graça de Deus mediante nossa união com o sangue e a justiça de Jesus, implorando que Deus atenda nossos desejos. Além disso, o Espírito nos ajuda quando oramos, "operando e despertando em nossos corações ... aquelas apreensões, afetos e graças" necessários para a autêntica comunhão com Deus (CM 182). Participando dos sacramentos, e meditando em nossa condição pecadora e na obra redentora de Cristo por nós sobre a cruz, a graça de Deus vem ao nosso encontro e nos alimentamos da presença de Cristo. Somos fortalecidos em nossa jornada e encorajados pelo evangelho a continuar mortificando o pecado pelo Espírito e pela Pa­lavra. Passamos da adoração para o serviço ao próximo e deparamos com a devastação do pecado na vida de outras pessoas. Confrontamos esse peca­do com o evangelho em palavra e em ação, levando recursos financeiros e pessoais para fazer frente às tragédias humanas de nossas comunidades.

Em cada uma dessas práticas, o evangelho vem ao nosso encontro. Vez após vez, vemos nosso próprio pecado e "todas as misérias espirituais, temporais e eternas" (CFW 6.6). Mas também somos levados repetidamen­te a crer em Jesus Cristo: em nossa união com ele, na declaração de nossa posição correta diante de Deus porque ele nos considera pelos méritos de Jesus, e na promessa da contínua transformação que Deus está operando em nós até nossa morte, que trará a "comunl).ão da glória de Cristo" que nos é prometida no evangelho. Repetidas vezes, passamos a crer que:

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Não por obras nem penar, plena paz terei aqui. Só tu podes consolar, há perdão somente em ti. Rocha eterna, só na cruz. Eu confio, ó meu Jesus. Nada tenho em minhas mãos, só me apego a tua cruz; Nu, reveste-me de ti, incapaz, procuro tua graça. Impuro, corro para a Fonte. Lava-me, Salvador, ou morro! 3

Ao confessarmos que este evangelho da maravilhosa graça de Deus é tudo o que necessitamos, crescemos em nossa comunhão com Deus e obte­mos mais plenamente a "segurança do amor de Deus, paz de consciência, alegria no Espírito Santo, aumento de graça e perseverança nela até o fim" (BC 36).

Os presbiterianos e outros cristãos reformados creem que demons­tramos nosso crescimento na graça por meio de uma abrangente gratidão a Deus, que dá sabor a todas as áreas da vida. Mais uma vez, o Catecismo de Heidelberg nos ajuda aqui. É um fato bem conhecido que as três se­ções desse catecismo que delineiam a experiência cristã são graça, culpa e gratidão, e o catecismo afirma corretamente que fazemos o bem "porque Cristo não somente nos comprou e libertou com seu sangue, mas também nos renova, à sua imagem, por seu Espírito Santo, para que mostremos, com toda a nossa vida, que somos gratos a Deus por seus benefícios, e para que ele seja louvado por nós" (Catecismo de Heidelberg, 86). De maneira semelhante, nossos próprios padrões confessionais sustentam que "estas boas obras, feitas em obediência aos mandamentos de Deus, são o fruto e as evidências de uma fé viva e verdadeira; por elas os crentes ma­nifestam a sua gratidão" (CFW 16.2). Tal gratidão se fundamenta na união que temos com Jesus, na qual reconhecemos nosso profundo pecado e a gloriosa graça de Deus nosso Rei, que, mediante seu Espírito, nos levou a Cristo, transformou nossa vontade e nos concedeu fé para crermos nele. Sendo assim, todas as práticas de piedade, radicadas nesta união, ensinam continuamente que devemos ser gratos a Deus, exaltando e louvando a sua graça:

Criação, vida e também salvação, Todas as coisas boas e verdadeiras Vem sempre de Deus e por meio dele Enchendo nosso coração de grato louvor. Vem, levanta a voz ao alto trono do céu Dê glória a Deus, somente a Deus!4

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Perguntas para reflexão e recapitulação

1. Quais as vantagens e desvantagens de se usar a palavra piedade, em lugar do vocábulo mais comum espiritualidade, para descrever as práticas da vida cristã? Quando você pensa na palavra piedade, que imagens vêm à sua mente?

2. Você já considerou que os Padrões de Westminster são documentos que tratam da piedade? Como isso muda ou contradiz sua opinião anterior quanto a eles?

3. Você já conheceu pessoas que permitiram que sua preocupação com a doutrina correta sobrepujasse seu interesse por uma vida cristã saudável? Qual era o problema? Qual deveria ter sido a solução?

4. Embora a maior parte das denominações protestantes tenha tomado o sermão um elemento central do culto, é comum vê-lo mais como um meio de informação do que de transformação. Como você pode aperfeiçoar a maneira como recebe e utiliza o sermão de cada domingo para crescer em reverência e amor para com Deus?

5. Em tempos de tentação, você "desenvolve" seu batismo ao recordar as promessas que Deus lhe fez por meio dele?

6. Você pode se lembrar de uma ocasião em que sentiu a presença e o consolo do Senhor enquanto participava da Ceia do Senhor?

7. De que maneira um novo entendimento da oração como o "oferecimento de nossos desejos a Deus" pode tomar possível uma atitude mais contínua de oração?

8. Com sua ênfase no culto, você acha que a piedade presbiteriana poderia estar enfocada de modo demasiadamente introspectivo? Como a ênfase na mordomia e no serviço cristão ajuda a equilibrar nossa piedade?

9. Como a convicção de que a vida cristã é uma jornada que se apoia firmemente no evangelho da graça de Deus pode nos confortar quando falhamos na luta contra o pecado? Como os meios de graça servem para nos encorajar nessa jornada?

10.Considere, por um momento, o que um sentimento contínuo de gratidão a Deus faria com nossa maneira de encarar a vida cristã. Como esse sentimento grandioso de gratidão a Deus transforma sua

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atitude em relação ao seu trabalho? Ao culto que presta a Deus? Ao seu ministério junto a outras pessoas?

Leituras adicionais

BENNETT, Arthur. The valley of vision: a collection of Puritan prayers and devotions. Carlisle, Pensilvânia: Banner ofTruth, 1975.

CARSON, D. A. Um chamado à reforma espiritual. São Paulo: Cultura Cristã, 2007.

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Capítulo 7

CULTO PRESBITERIANO IMPULSIONADO

PELO EVANGELHO

N ÃO É SEGREDO QUE A QUESTÃO QUE MAIS PRODUZ DIVISÃO NA MAIOR PARTE DAS

igrejas atuais - sejam elas presbiterianas ou de outra denominação - é o estilo de culto. A situação degenerou a tal ponto que a produção de livros sobre as "guerras do culto" se tomou uma pequena indústria. Recentemente, nos meios presbiterianos, foram publicados diversos livros insistindo que adoremos em espírito e em verdade, ou com reverência e temor, livros que representam visões e ênfases contrastantes. Outras pessoas insistem numa abordagem mais litúrgica, apelando às mesmas correntes de pensamento que influenciam a moderna renovação litúrgica nas tradições mais solenes. Ainda outros desejam cultos talhados para alcançar pessoas de fora da igreja, que sejam relevantes especificamente para essas pessoas. Examinar toda essa literatura é um processo confuso; sem dúvida, visitar diferentes igrejas presbiterianas, com seus diferentes estilos de culto, também pode ser confuso.

É seguro dizer que parte desse conflito tem a ver com as diferenças en­tre as gerações - os filhos das décadas de 1960 e 1970 geralmente desejam o culto nos estilos e nas formas culturais de sua própria geração, enquanto que os de gerações anteriores tendem a se apegar ao estilo "tradicional" de culto. Ironicamente, agora que duas gerações já seguiram a geração do "baby boom", os nascidos após a Segunda Guerra Mundial, o culto "con­temporâneo" abraçado em muitas igrejas de classe média compostas de cinquentões parece tão tradicional quanto o culto contra o qual os "Boo­mers" originalmente se rebelaram. Também é irônico que os filhos e netos dos Boomers, criados ouvindo música cristã contemporânea, evidenciam

118 Ü CRISTÃO PRESBITERIANO

interesse muito maior por antigas tradições do culto cristão, enquanto mes­clam essas formas com estilos musicais contemporâneos. Assim, as linhas divisórias entre culto "tradicional" e culto "contemporâneo/inovador" po­dem ser não só ideológicas, mas motivadas pela passagem das gerações. É importante descobrir o que é central e o que é passageiro para um entendi­mento do que significa cultuar a Deus.

Historicamente, os presbiterianos têm refletido bastante sobre o sig­nificado do culto. Alguns estudiosos chegam a argumentar que a Reforma do século 16 foi mais uma reforma do culto do que da doutrina. Embora a reforma do culto faça parte do legado presbiteriano, existe a tendência de sacramentar o estilo de culto proveniente da era da Reforma, dos anos dourados da hinódia ou do avivalismo anglo-americano de meados do sé­culo 19. As pessoas ficam nervosas com mudanças. Quer estejam do lado "contemporâneo" quer do lado "litúrgico" do muro do culto, as pessoas têm a tendência de considerar expressões de culto diferentes das que elas usam como sendo tolas, cheias de modismos, estranhas ou simplesmente causadoras de divisões. Como veremos em breve, a Escritura certamente nos oferece um modelo de como devemos cultuar a Deus. Portanto, a corre­ção do nosso culto deveria ser julgada por sua adesão aos padrões e normas da Escritura. Contudo, quero sugerir (junto com um número crescente de pastores, professores e dirigentes litúrgicos presbiterianos) que o culto bí­blico, reformado e impulsionado pelo evangelho transcende os estilos, mas ao mesmo tempo se manifesta nas igrejas locais por meio de uma grande variedade de expressões válidas de culto. 1

Também sugiro que, em meio à estonteante diversidade que caracte­riza o culto presbiteriano conservador, existem princípios comuns, bíblicos e motivados pelo evangelho que sustentam o nosso culto - quer façamos parte de uma igreja tradicional, de classe média e rural; quer de uma igreja multinacional, multirracial e urbana; quer de uma igreja não tradicional, contemporânea e suburbana. Mais ainda, eu insistiria que existe uma conti­nuidade básica entre as práticas e os princípios de culto presbiterianos con­temporâneos e os da tradição cristã através dos séculos. Várias coisas estão no centro do culto presbiteriano e reformado: a Palavra e os sacramentos; um movimento do mundo em direção a Deus e de volta ao mundo para viver para a glória de Deus; o reconhecimento da importância formativa do culto à medida que somos conclamados semana após semana a crer no evangelho. Apesar de tudo o que parece ser novo, diferente, estranho e tal­vez até mesmo causador de divisões em nosso culto, sua essência continua a ter grande semelhança com o culto dos cristãos do primeiro século. Ele é moldado pelos mesmos princípios bíblicos e forjado nas mesmas práticas.

CULTO PRESBITERIANO IMPULSIONADO PELO EVANGELHO 119

O culto é regulado pela palavra de Deus

Obviamente, quando o assunto é o culto, os presbiterianos têm mui­tas coisas em comum com outros evangélicos. Por exemplo, todos os evan­gélicos creem que o culto é moldado por nossa comunhão com a Trindade. Deus Pai nos chama à sua presença; recebe nossa adoração conforme me­diada por seu Filho; desperta, transforma e salva seus adoradores mediante o Espírito. Todos os evangélicos creem nisso, mesmo que não o consigam articular muito bem. A maior parte dos evangélicos também crê que, em­bora seja desejável utilizar uma ampla variedade de dons entre os membros da igreja, é necessário - e até mesmo se exige - que haja alguma espécie de liderança reconhecida durante os cultos. Quer seja a equipe pastoral, os presbíteros ou os diáconos, alguém é responsável pela supervisão do culto. Além disso, diversos elementos são comuns à maior parte dos cultos evangélicos - leitura e proclamação das Escrituras, cântico de louvores, batismo e Ceia do Senhor, e orações. Assim, temos de admitir de pronto que os elementos básicos da maioria dos cultos presbiterianos têm muito em comum com outros cultos evangélicos. Esta é uma boa coisa - uma genuína expressão da unidade dos santos em toda a tradição cristã, uma demonstração verdadeira de que as pessoas que levam a sério a Escritura e o culto chegarão a pontos básicos semelhantes, não obstante as diferenças denominacionais.

Tendo dito isso, os presbiterianos há muito se destacam da maioria dos outros protestantes por levarem muito a sério a maneira como a Escritura disciplina o culto comunitário. Assim, não é de surpreender que seja exata­mente nessa área que tenham surgido divergências dentro do presbiterianis­mo. A Escritura regula como devemos cultuar? Se esse é o caso, como deve ser o culto? Historicamente, os presbiterianos têm se firmado no "princípio regulador do culto", definido pela Confissão de Fé de Westminster nos se­guintes termos: "O modo aceitável de adorar o verdadeiro Deus é instituído por ele mesmo, e é tão limitado pela sua própria vontade revelada, que ele não pode ser adorado segundo as imaginações e invenções dos homens, ou sugestões de Satanás, nem sob qualquer representação visível, ou de qual­quer outro modo não prescrito nas Santas Escrituras" (CFW 21.1).

Os presbiterianos fundamentam o princípio regulador no segundo mandamento. Por exemplo, o Catecismo Maior resume essa posição exaus­tivamente tanto de modo positivo quanto negativo. Positivamente, o segun­do mandamento requer de nós:

O receber, observar e guardar, puros e inalterados, todo o culto e todas as ordenanças religiosas tais como Deus instituiu em sua

120 Ü CRISTÃO PRESBITERIANO

Palavra, especialmente a oração e ações de graça no nome de Cristo, a leitura, a pregação e o ouvir a Palavra; a administração e recepção dos sacramentos; o governo e a disciplina da igreja; o ministério e sua manutenção; o jejum religioso; o jurar em nome de Deus e o fazer os votos a ele; bem assim o desaprovar, detestar e opor-se a todo culto falso, e, segundo a posição e vocação de cada um, o remover tal culto e todos os símbolos de idolatria (CM 108).

Negativamente, somos instados a rejeitar:

O estabelecer, aconselhar, mandar, usar e aprovar de qualquer maneira qualquer culto religioso não instituído por Deus mesmo; o fazer qualquer representação de Deus, de todas ou qualquer das três Pessoas, quer interiormente em nosso espírito, quer exteriormente em qualquer forma de imagem ou semelhança de alguma criatura; toda adoração dela, ou de Deus nela ou por meio dela; o fazer qualquer representação de deuses imaginários e todo culto ou serviço a eles pertencentes; todas as invenções supersticiosas, corrompendo o culto de Deus, acrescentando ou tirando desse culto, quer sejam inventadas e adotadas por nós, quer recebidas por tradição de outros, embora sob o título de antiguidade, de costume, de devoção, de boa intenção ou por qualquer outro pretexto; a simonia, o sacrilégio, toda negligência, desprezo, impedimento e oposição ao culto e ordenanças que Deus instituiu (CM 109; itálicos meus).

Ainda que isso pareça muito prolixo, o que é essencial nessa com­preensão do segundo mandamento é a crença de que o culto é regulado e limitado por Deus e sua Palavra. Também tem sido importante para moldar a visão presbiteriana do culto o texto de Levítico 10, no qual Nadabe e Abiú, sacerdotes filhos de Aarão, foram mortos por terem oferecido "fogo estranho" ao Senhor - adorando-o de maneira diferente daquela que ele havia prescrito. Na Assembleia de Westminster, no século 17, que produziu nossa confissão de fé e catecismos, o puritano Jeremiah Burroughs pregou com base nesse texto uma série de sermões sobre "o culto conforme o evan­gelho", comentando a relação entre o princípio regulador e o fracasso dos dois irmãos em observá-lo.

Em suma, o princípio regulador afirma que Deus instituiu um "modo aceitável" de culto, que Deus limitou o culto por sua própria vontade reve­lada e que os seres humanos não devem adorar de forma não prescrita pelas Escrituras. Os cristãos devem adorar a Deus somente conforme ele ordenou e qualquer coisa que Deus não ordenou na Escritura com respeito ao culto é proibida. Ultimamente, tal entendimento tem sido questionado por algumas

CULTO PRESBITERIANO IMPULSIONADO PELO EVANGELHO 121

pessoas que procuram redefinir o princípio regulador de que a Escritura serve de norma para cada atividade da vida, ou que creem que a Confissão de Fé de Westminster vai além dos princípios de outros reformadores, tor­nando-se legalista ao estabelecer a supremacia da Escritura em questões de fé e culto. Ainda assim, historicamente os presbiterianos têm declarado que a Palavra de Deus é o que regula o nosso culto, de maneira que ele esteja fundamentado naquilo que as Escrituras revelam. Se nos desviamos do mo­delo bíblico, estamos cultuando a Deus de modo inaceitável.

Todavia, nem sempre fica claro como devemos aplicar esse "princípio regulador": "Há algumas circunstâncias quanto ao culto a Deus e ao gover­no da igreja, comuns às ações e sociedades humanas, as quais têm de ser ordenadas pela luz da natureza e pela prudência cristã, segundo as regras da Palavra, que sempre devem ser observadas" (CFW 1.6). Tipicamente, isso tem levado os presbiterianos a falar sobre os elementos do governo eclesi­ástico e do culto, que são ordenados pela Escritura, e as circunstâncias, que não são reguladas pela Bíblia e podem ser livremente ordenadas de acordo com o entendimento humano e o bom senso. Os elementos do culto são coisas como a leitura e pregação da Palavra, a ministração dos sacramentos do batismo e da Ceia do Senhor, a apresentação de ofertas, o cântico de salmos e hinos e, às vezes, os juramentos (BCO 47-49). As circunstâncias do culto são as coisas necessárias para que um elemento seja realizado. Por exemplo, um elemento do culto é o cântico de salmos e hinos, mas uma circunstância poderia ser que esse cântico seja acompanhado por acordeão ou violão. Novamente, um elemento do culto é que a leitura e a pregação da Palavra de Deus ocorram no Dia do Senhor; uma circunstância é que isso aconteça às dez e meia da manhã de domingo, em vez de às duas horas da tarde.

Além disso, o princípio regulador significa que a igreja não pode in­troduzir no culto novos elementos que não estejam nas Escrituras. Dessa forma, o poder da igreja é estritamente limitado. Por exemplo, confessamos que "o modo aceitável de adorar o verdadeiro Deus é instituído por ele mes­mo, e é tão limitado pela sua própria vontade revelada que ele não pode ser adorado segundo as imaginações e invenções dos homens ou sugestões de Satanás, nem sob qualquer representação visível, ou de qualquer outro modo não prescrito pelas Sagradas Escrituras" ( CFW 21.1; itálicos meus). Assim, a igreja não pode fazer da queima de incenso diante de uma imagem de Jesus uma parte do culto porque não existe na Escritura lugar onde tal ato seja ordenado. Só deve ser feito o que Deus ordenou na Escritura.

A Confissão de Fé de Westminster afirma que o culto deve ser guiado somente pela Escritura a fim de preservar a liberdade da consciência dos

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crentes (CFW 20.2). Nossa consciência somente estará segura quando esti­ver sob o senhorio de Jesus Cristo conforme a orientação de sua Palavra e de seu Espírito. Embora o poder da igreja para introduzir novos elementos de culto, governo e doutrina seja limitado pela Palavra de Deus, isso não sig­nifica que toda "nova maneira" de cultuar esteja necessariamente fora dos limites. Devemos tomar cuidado para discernir entre o que é um elemento essencial ordenado pela Palavra de Deus e o que é um meio circunstancial para a realização desse elemento. Acima de tudo, ao pensarmos nisso não devemos abandonar um princípio bíblico - amor por nossos irmãos e irmãs em Cristo, a fim de preservar outro - liberdade de consciência. Ao contrá­rio, devemos todos nos comprometer a examinar as Escrituras cuidadosa­mente e submeter-nos ao senhorio de Cristo, que nos fala por seu Espírito, por meio das Escrituras Sagradas, confiantes de que, à medida que todos amadurecem na fé, chegaremos à mesma visão (CFW 1.10; Fp 3.15-16).

Creio que tal compreensão do culto como algo regulado pela Escri­tura toma o culto presbiteriano um pouco diferente. Tipicamente, somos reticentes em introduzir inovações no culto. Na maioria das igrejas presbi­terianas, dramatizações ou filmes não são usados para substituir a pregação da Palavra e a ministração da Santa Ceia no culto principal aos domingos. A tentativa de incorporar elementos audiovisuais nos sermões ou diferentes movimentos e posições litúrgicas no culto geralmente também levantam dúvidas entre os presbiterianos. Ao invés disso, o culto presbiteriano, sendo impelido pelo evangelho, é guiado e saturado pela Escritura. Em conse­quência disso, os cânticos, a pregação, as orações e os sacramentos são "repletos da Bíblia".

O culto é a renovação do pacto

Já observamos que os presbiterianos empregam bastante as palavras "pacto" ou "aliança". Elas aparecem novamente na questão do culto porque, em sua essência, o culto é pactuai. Isso significa muitas coisas, no mínimo o fato de que o culto envolve um movimento em dois sentidos entre Deus e o seu povo. Pense no que está envolvido no pacto. Dissemos anteriormente que o pacto é uma administração soberana de graça e promessa. Deus o Rei, como um exemplo de seu favor imerecido, faz certas promessas a seu povo, resumidas na grande promessa: "Tomar-vos-ei por meu povo e serei vosso Deus" (Êx 6.7; Jr 30.22; 2Co 6.16-18; lPe 2.9). Conquanto essas promessas tenham sido feitas unilateralmente por Deus, elas dependiam de pessoas que respondessem com fé. O povo pactuai de Deus evidencia­va que tinha se apropriado dessas promessas pela fé ao viver conforme a

CULTO PRESBITERIANO IMPULSIONADO PELO EVANGELHO 123

Palavra de Deus e adorar somente a ele como o Deus verdadeiro. Sendo as­sim, embora seja Deus quem dá início ao seu pacto, essa administração ou esse relacionamento também requer mutualidade. Deus vai ao encontro de seu povo em graciosa promessa e seu povo responde pela fé, o que resulta em práticas de amor.

Tomando tal entendimento e aplicando-o ao culto, vemos como nossa convicção de que o culto é pactuai significa que existe nele um movimento de duas direções entre Deus e seu povo. Algumas pessoas até mesmo suge­rem que no culto existe um diálogo entre Deus e sua igreja. É Deus que faz o primeiro movimento em nossa direção, chamando-nos para adorar, e nós respondemos invocando sua presença em nosso meio. O restante do culto é um movimento alternado entre Deus e seu povo amado, movimento no qual Deus nos encontra na Palavra e no sacramento e nós respondemos à sua presença com orações e louvores.

Talvez você tenha observado certo fluxo e refluxo em muitos cultos presbiterianos:

• Deus nos chama à sua presença por sua Palavra e seu Espírito. • Nós entramos na santa presença de Deus, somos convencidos do

pecado e confessamos nossos pecados a ele. • Deus responde por sua Palavra, assegurando-nos seu perdão. • Nas orações e cânticos, louvamos nosso Deus por nos chamar à sua

presença e perdoar nossos pecados. • Deus nos fala por meio de sua Palavra na leitura e pregação da

Escritura, como também por seus sinais visíveis do batismo e da Ceia do Senhor.

• Nós respondemos a Deus com ações de graça, louvores e ofertas. • Deus nos envia ao mundo com sua bênção. • Voltamos ao mundo em serviço amoroso, certos de que somos povo

de Deus.

A estrutura do culto - convite à adoração, invocação, confissão de pecados, certeza do perdão, leitura e pregação da Palavra de Deus, minis­tração dos sacramentos, entrega de ofertas e bênção final - ajuda a nos mol­dar como o povo pactual de Deus. Reconhecemos que estamos em contato com a santa presença de Deus em seu culto designado para o qual ele nos chamou. A ação litúrgica - quer o culto seja "tradicional", quer seja "con­temporâneo" - nos molda por meio de um diálogo com a presença de Deus, diálogo esse iniciado por Deus. O resultado é a transformação espiritual, pois, como bem disse Hughes Oliphant Old: "O culto é a oficina na qual somos transformados segundo a imagem de Deus".2 O culto é essa oficina

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porque Deus condescende em encontrar-se conosco, fazer-nos promessas, cumprir essas promessas e transformar-nos por amor de Jesus.

A ideia de que o culto é pactuai não somente significa que está ocor­rendo um diálogo entre Deus e o seu povo. Ela também afirma o fato de que, durante o culto, a aliança entre Deus e o seu povo está sendo renovada. A cada semana, somos chamados à presença de Deus e ele nos lembra suas promessas mediante a Palavra e Espírito. Assim também, por meio dos ele­mentos centrais do culto, renovamos a fé nas promessas de Deus e recebe­mos a certeza e a confirmação de que pertencermos a ele. Os atos centrais desta renovação são a Palavra e os sacramentos. Na pregação da Palavra, Deus nos declara suas promessas: salvar os que se achegam a ele pela fé em Jesus Cristo, ver os que estão unidos a Cristo como justificados com Deus e santos aos seus olhos e continuar a obra de transformação segundo a imagem de Cristo até o dia final. Se estivermos propensos a duvidar da Palavra de Deus, ele nos concedeu a Ceia do Senhor como sinal visível que confirma essas promessas feitas a nós e fortalece nossa confiança nelas. Respondemos com fé a esses dois atos graciosos de Deus, tomado posse de suas promessas feitas nas palavras faladas e visíveis e tranquilizando nosso coração por meio delas. Saímos, então, da presença de Deus no culto de volta ao mundo, a fim de viver a nossa vida, deleitando-nos na graça que nos foi mostrada por Deus na Palavra e no sacramento, e servindo ao próximo com palavras e atos de amor.

O culto está no centro de nossa comunhão com Cristo

A consequência disso é o fato de que o culto promove nossa comu­nhão com Cristo ao reapresentar o evangelho de uma forma que glorifica a Deus e santifica o seu povo. É uma surpreendente acomodação de Deus às nossas incapacidades e fraquezas. Ele sabe que somos propensos a nos desviar e esquecer os benefícios que nos oferece. Ele vem constantemente a nós, insistindo que nos lembremos:

Guarda-te, não te esqueças do SENHOR, teu Deus, não cumprindo os seus mandamentos, os seus juízos e os seus estatutos, que hoje te ordeno; para não suceder que, depois de teres comido e estiveres farto, depois de haveres edificado boas casas e morado nelas; depois de se multiplicarem os teus gados e os teus rebanhos, e se aumentar a tua prata e o teu ouro, e ser abundante tudo quanto tens, se eleve o teu coração, e te esqueças do SENHOR, teu Deus, que te tirou da terra do Egito, da casa da servidão, que te conduziu por aquele grande e terrível deserto de serpentes abrasadoras, de escorpiões e de secura,

CULTO PRESBITERIANO IMPULSIONADO PELO EVANGELHO 125

em que não havia água; e te fez sair água da pederneira; que no deserto te sustentou com maná, que teus pais não conheciam; para te humilhar, e para te provar, e, afinal, te fazer bem. Não digas, pois, no teu coração: A minha força e o poder do meu braço me adquiriram estas riquezas. Antes, te lembrarás do SENHOR, teu Deus, porque é ele o que te dá força para adquirires riquezas; para confirmar a sua aliança, que, sob juramento, prometeu a teus pais, como hoje se vê (Dt 8.ll-18).

O povo da antiga aliança havia experimentado a redenção dada por Deus no êxodo, seu sustento no "grande e terrível deserto", sua provisão do maná no meio desse deserto e seu cumprimento das promessas pactuais de terra e fartura. Contudo, de que Deus advertiu o povo? Do esquecimento arrogante e ignorante que atribuía o bem à sua própria capacidade ao invés da provisão prometida por Deus. O que Deus fez por seu povo? Através de Moisés, Deus o fez lembrar; no livro de Deuteronômio, ele reapresentou toda a história da redenção, junto com exortações para recordar suas pro­messas com fé e responder a elas com fidelidade.

É importante que o mesmo aconteça conosco como o povo de Deus deste lado da cruz. Deus vem a nós na Palavra e no sacramento, reapresen­tando, relembrando e recordando-nos a história da redenção. O chamado de Deus nos convoca ao culto, lembrando-nos seu chamado eficaz em nossa vida. Confessamos a Deus o nosso pecado, o que nos faz lembrar do nosso primeiro senso de convicção do mesmo, bem como nossa contínua neces­sidade de arrependimento. Deus fala uma palavra de segurança, ensinando­nos que nossa única esperança, desde o primeiro passo de fé até o último, é apegar-nos ao evangelho pela fé somente na obra consumada de Cristo somente. Cantamos louvores ao nome de Deus, ecoando nosso regozijo pela salvação que Deus nos trouxe desde o primeiro momento de fé. Deus fala sua Palavra a nós na pregação e na refeição sacramental, e nos ins­trui na vida cristã e na contínua aplicação do evangelho. Finalmente, Deus proclama sua boa palavra a nós na bênção final, comissionando-nos a ser testemunhas em nossa Jerusalém, Samaria e confins da terra. O próprio mo­vimento de culto nos reapresenta o evangelho e nos relembra o momento em que cremos pela primeira vez.

Ainda mais especificamente, na Palavra e no sacramento nos é enfa­tizada a centralidade de Cristo e a centralidade do evangelho que carac­terizam nossa fé. Na Palavra pregada, cada texto nos impulsiona a tomar posse de Jesus Cristo pela fé, dependendo somente dele para nossa justifi­cação e santificação. Na Ceia do Senhor, temos uma "lembrança perpétua do sacrificio que em sua morte ele fez de si mesmo", bem como o "selar

126 Ü CRISTÃO PRESBITERIANO

aos verdadeiros crentes todos os beneficios provenientes desse sacrificio" (CFW 29.1). O coração do evangelho - "Deus prova o seu próprio amor para conosco pelo fato de ter Cristo morrido por nós, sendo nós ainda peca­dores" (Rm 5.8)- nos é representado no partir do pão e derramar do vinho. Ao recebermos tais elementos, somos ensinados a receber Cristo pela fé conforme ele é oferecido no evangelho da cruz. Ao recebermos Cristo, nos é concedida a plenitude de seus beneficios, inclusive nossa adoção como filhos de Deus (Jo 1.12).

Essa contínua pregação e reapresentação do evangelho resulta no aprofundamento de nossa comunhão com Deus e em nossa maior santi­ficação como seu povo. Conforme vimos no capítulo sobre a piedade, o culto comunitário está no centro de nossa reverência a Deus e amor por ele. Quando nos deleitamos juntos em Deus mediante os meios de graça - pre­gação, sacramentos, orações - somos cada vez mais separados pela ativi­dade do Espírito Santo em nosso coração e vida: o pecado é confrontado, o arrependimento é produzido, o evangelho é proclamado, a fé é renovada, a esperança é fortalecida, o amor é aceso e o serviço é contemplado. Temos de nos lembrar que a santidade não é algo que nos qualifica para adorar, e sim que ela é o resultado de um compromisso com o Deus Santo pelo Espí­rito mediante o Filho. Sendo assim, a forma trinitária do culto não somente nos leva a glorificar e desfrutar o Deus trino, mas também serve para nos conduzir por caminhos de maior conformidade com ele. O culto está no centro de nossa comunhão com Deus porque, fundamentalmente, implica na reapresentação, semana após semana, do evangelho da graça de Deus em Jesus Cristo. A propósito, essa é a razão pela qual muitos teólogos e pastores de tradição reformada insistem na observação semanal da Ceia do Senhor. Somos criaturas tão fracas que não só precisamos ouvir a Palavra de Deus com os ouvidos, como também vê-la em forma concreta e experi­mentá-la de maneira tangível. Do mesmo modo que crianças pequenas con­seguem apreender uma história complexa como lvanhoé, de Walter Scott, por meio da série Grandes Clássicos Ilustrados, nós, como filhos de Deus, podemos entender a complexa história da redenção por meio da ilustração da Ceia do Senhor.

O que dizer da música sacra?

Certamente, isso não é tudo o que se pode dizer a respeito do culto. Meu objetivo aqui é apenas enfatizar as características do culto presbiteriano que todas as igrejas presbiterianas conservadoras têm em comum. Obvia­mente, o estilo musical não é uma característica compartilhada por elas.

CULTO PRESBITERIANO IMPULSIONADO PELO EVANGELHO 127

A igreja não tem dado muita atenção ao problema de como discutir objetivamente as questões relacionadas com o estilo musical e a encarnação do evangelho em lugares, espaços e tempos específicos. Em um ensaio para o livro The Conviction ofThings Not Seen ("A convicção das coisas que se não vêem"), John Witvliet, diretor do Instituto Calvino do Culto Cristão, apresenta seis perguntas que ajudam a discernir os critérios para a música utilizada no culto cristão:

• Temos a imaginação e a determinação de falar e fazer música de um modo que ao mesmo tempo celebra e limita o papel da música como instrumento para experimentar Deus?

• Temos a imaginação e a persistência de criar e tocar músicas que possibilitam e dramatizam as ações básicas do culto cristão?

• Temos a imaginação e a persistência de fazer músicas que realmente servem a congregação reunida, e não a própria música, o compositor ou a companhia de marketing que a promove?

• Temos a persistência e a imaginação para elaborar e então praticar um rico entendimento da "virtude estética"?

• Temos um entendimento suficientemente complexo da relação existente entre culto, música e cultura para explicar como o culto é ao mesmo tempo transcultural, contextual e contracultural?

• Temos a imaginação e a persistência para superar as profundas divisões da igreja cristã em termos de classe socioeconômica?3

Embora essas perguntas não provoquem necessariamente o tipo de conversas que os presbiterianos precisam ter sobre a música no culto, elas transcendem a típica separação entre "contemporâneo" e "tradicional" que muitas vezes é encontrada em nossos círculos, sendo útil considerá-las à luz dos principais temas levantados neste capítulo.

Primeiro, pense em como essas questões se relacionam com a ideia de que o culto é regulado pela Palavra de Deus. Se este princípio for verdadei­ro, até mesmo nossa música sacra deverá servir aos "principais atos do culto cristão" encontrados na Escritura Sagrada. Tendo dito isso, a Escritura tam­bém julga nossas expressões musicais e nos dá a oportunidade de colocá-las sob o senhorio de Cristo. Por exemplo, se o único tipo de música sacra que acolhemos é aquela associada com a cultura refinada europeia-americana ou com a cultura popular anglo-americana, talvez tenhamos de indagar a nós mesmos se realmente entendemos a visão da Bíblia de um culto multi­cultural a Deus por pessoas de toda tribo, língua e grupo populacional. Um entendimento mais profundo dessa visão nos ajudaria a expressar melhor nossa união e comunhão com os santos ao redor do mundo, atravessando as

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barreiras políticas e nacionais que foram criadas pelos pretensos senhores da terra (Ap 4-5, 7).

Em seguida, pense em como o culto no sentido de renovação da alian­ça tem impacto sobre o estilo da música sacra. Se o culto é a renovação do pacto de Deus com seu povo, que, reafirmamos, transcende barreiras de classe, raça ou gênero, isso deve se refletir em nossa música litúrgica. Segue, portanto, que a simplicidade da música e dos estilos de culto encon­trados em muitas igrejas rurais e urbanas deve ser tão valorizada quanto as músicas e os estilos extravagantes e "profissionais" encontrados nas gran­des megaigrejas de bairros nobres.

Finalmente, crendo que o culto está no centro de nossa comunhão com Cristo, temos espaço para considerar o estilo da música. Mas não é apenas a música que está no cerne dessa comunhão - o que toma tão essencial a primeira pergunta de Witvliet. Explicando essa questão, Witvliet escreve:

Podemos com segurança dar o próximo passo e crer que a música produz uma experiência de Deus? De maneira nenhuma. Isso daria excessivo poder à própria música. A música não é Deus, nem é ferramenta automática para produzir a presença de Deus ... A música é um instrumento pelo qual o Espírito Santo nos aproxima de Deus, uma ferramenta com a qual dramatizamos nosso relacionamento com Deus. Ela não é um meio mágico para manifestar a presença de Deus.4

A música, conforme representada nos aspectos de cantar salmos, hinos e cânticos espirituais, não é um elemento absolutamente essencial para o culto comunitário no mesmo nível que as orações ou a leitura e a pregação das Escrituras. É por isso que os presbiterianos confessam que os meios de graça são ler e pregar a Escritura, receber o sacramento e fazer orações; cantar salmos e hinos normalmente tem sido considerado uma forma de orar, não um elemento específico do culto em si mesmo. Assim, as per­guntas e os argumentos quanto à expressão e ao estilo musical estão em posição subserviente aos princípios mais amplos do culto que examinamo" aqui. É por isso que creio ser verdadeira a afirmação com o qual iniciei este capítulo: o culto motivado pelo evangelho, bíblico e reformado transcende os estilos; ele pode ser expresso de diversas maneiras válidas em diferentes igrejas locais.

Concluindo, temos de crer que o culto comunitário é o meio ordenado por Deus para nos deleitarmos nele e desfrutá-lo como o povo de sua alian­ça. Quer cantemos Bach ou rock tem relativamente pouca importância em comparação com a necessidade muito maior que temos de ouvir Deus

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falando a nós por meio de sua Palavra, de recordar as promessas que nos foram feitas em Cristo, de sermos lembrados do evangelho em Palavra e sa­cramento, e de sermos transformados pelo Espírito que usa sua Palavra em nossa vida. Assim, da melhor maneira que podemos, ao sermos chamados à presença de Deus para adorá-lo, nós cantamos:

Tu, fonte amável de verdadeiro prazer, A quem eu adoro sem ver, Desvenda tua beleza aos meus olhos Para que eu te ame mais.

Tua glória brilha em toda a criação, Mas em tua santa Palavra Eu leio em linhas mais claras e belas, Meu Senhor que sangrou e morreu.

Sempre que meu consolo esmaece E pecados, tristezas mais crescem, Que teu amor, em raios de viva esperança, Preencha meu coração desfalecido.

Mas ah! Tão rápido a agradável cena Se anuvia de tristeza e dor; Meus temores sombrios aumentam E novamente eu me queixo.

Jesus meu Senhor, minha Vida e Luz, Vem com teu raio bendito Brilhar nas sombras noturnas Dissipando os temores todos.

Em êxtase, então, minha alma escreve As maravilhas de teu amor; Mas as plenas glórias de tua face Somente no céu conhecerei. 5

Perguntas para reflexão e recapitulação

1. Você já esteve numa igreja que experimentou grande conflito por causa do estilo de culto? Como isto foi prejudicial para o testemunho dessa igreja?

130 Ü CRISTÃO PRESBITERIANO

2. O princípio regulador do culto limita a forma como realmente cultuamos? O que é que você gostaria de fazer no culto, mas que é proibido pelo princípio regulador? Você já pensou sobre Levítico 1 O em relação ao debate contemporâneo sobre o culto?

3. Como é que a distinção entre elementos e circunstâncias auxilia na mediação de divergências sobre o culto na igreja? Em sua igreja, você nota alguma circunstância do culto que foi erroneamente elevada ao status de um elemento bíblico?

4. Pense na liberdade de consciência em relação ao culto. Como as igrejas podem usar essa ideia para constranger a consciência dos crentes de forma antibíblica no culto? De que maneira as pessoas podem usar esta ideia de modo antibíblico como uma objeção com o fim de frustrar um tipo de culto que elas não aprovam?

5. Se você tiver à mão a ordem de culto de sua igreja, observe como o culto está estruturado. Você percebe um movimento de mão dupla de Deus para o seu povo e de volta para Deus? Caso contrário, o que a estrutura de culto da sua igreja sugere sobre a noção das pessoas a respeito de Deus, do ser humano e da salvação?

6. Que tipo de renovação da: fé você experimenta quando cultua a Deus? Um sentimento interno de fortalecimento?Umareivindicação consciente das promessas de Deus feitas em Jesus? O que é?

7. Lembre-se de um período de sua vida em que você se esqueceu de Deus, embora sempre o tenha "cultuado". Contraste essa época com outra em que você se sentiu muito perto de Deus no culto. Quais foram as diferenças? Você retomou novamente aos princípios básicos do evangelho?

8. O que você acha das seis perguntas propostas por John Witvliet? Numa discussão em grupo, tome cada uma dessas questões e considere como elas podem afetar o seu entendimento ou a abordagem da sua igreja quanto ao estilo da música sacra.

Leituras adicionais

COSTA, Hermisten M. P. Princípios bíblicos de adoração cristã. São Paulo: Cultura Cristã, 2009.

FRAME, John M. Em espírito e em verdade. São Paulo: Cultura Cristã, 2006.

CULTO PRESBITERIANO IMPULSIONADO PELO EVANGELHO 131

GORE JR., R. J. Covenantal worship: reconsidering the Puritan regulative principie. Phillipsburg, Nova Jersey: Presbyterian and Reformed, 2002.

HART, D. G. e Muether, John R. With reverence and awe: returning to the basics of Reformed worship. Phillipsburg, Nova Jersey: Presbyterian and Reformed, 2002.

HORTON, Michael. Um caminho melhor. Trad. Wadislau Martins Gomes. São Paulo: Cultura Cristã, 2007.

OLD, Hughes Oliphant. Worship: Reformed according to Scripture. Ed. rev. Louisville, Kentucky: Westminster John Knox, 2002.

RYKEN, Philip Graham, Derek W. H. Thomas e J. Ligon Duncan, III (Orgs.). Give praise to God: a vision for reforming worship. Phillipsburg, Nova Jersey: Presbyterian & Reformed, 2003.

WITVLIET, John D. "Beyond style: Rethinking the role of music in worship." Em: JOHNSON, Todd E. (Org.). The conviction of things not seen: worship and ministry in the 21st century. Grand Rapids: Brazos, 2002, p. 67-81.

---. Worship seeking understanding: windows into Christian practice. Grand Rapids: Baker, 2003.

Capítulo 8

"(oM DECÊNCIA E ORDEM":

Ü GOVERNO DA IGREJA PRESBITERIANA

UM DOS GRANDES MISTÉRIOS PARA AQUELES QUE VÊM DE IGREJAS DO TIPO BATISTA

para o presbiterianismo é o modo como funciona a forma presbiteriana de governo. Alguns procedem de ambientes nos quais o governo da igreja significa longas assembleias congregacionais em que os membros votam sobre tudo, desde quem será o próximo pastor até se o departamento de escola dominical tem autorização para gastar cinquenta reais para a Escola Bíblica de Férias. Outros frequentavam igrejas em que a reunião congregacional se realiza toda quarta-feira, em uma reunião de oração, votando-se a respeito dos membros novos ou que partem, com variados graus de indiferença. Ainda outros vieram de igrejas dirigidas por presbíteros nas quais estes são coordenadores de diversas áreas de ministérios, deixando a "direção" efetiva da igreja para uma equipe profissional. Não é necessário dizer que, quando essas pessoas se tomam membros de uma igreja presbiteriana, nossa maneira de fazer as coisas parece um pouco estranha.

Uma das coisas mais esquisitas para os novos presbiterianos é o nosso Livro de Ordem (Book of Church Order ou BCO). * Por exemplo, o Livro de Ordem da Igreja Presbiteriana da América (PCA) é uma pasta de folhas soltas divididas em 63 capítulos, tendo ainda uma seção separada com as "Regras para a realização de assembleias", um manual que orienta o traba­lho de nossas assembleias gerais anuais. Todos esses regulamentos parecem

* A Igreja Presbiteriana do Brasil (IPB) tem o Manual Presbiteriano, que inclui a Constituição da Igreja, o Código de Disciplina e os Princípios de Liturgia.

134 Ü CRISTÃO PRESBITERIANO

estranhos para pessoas que vieram de igrejas que acreditam que o Espírito e a Bíblia (com uma saudável dose de regras parlamentares e bom senso) são tudo o que é necessário para o governo da igreja de Cristo. No entan­to, outras pessoas passam a apreciar o fato de que todos os presbíteros da PCA fazem votos de ordenação em que "aprovam a forma e a disciplina da Igreja Presbiteriana da América, de conformidade com os princípios gerais do governo bíblico" (BCO 24-25). Visto que todos nós concordamos em usar as mesmas regras, podemos assegurar que a disciplina e a ordem são razoavelmente coerentes em toda a denominação. Igualmente, não existem surpresas em nossa ordem de culto - todos os membros comungantes e oficiais têm acesso ao BCO, podem utilizar seus recursos e estão sujeitos a seu processo de disciplina. Essa propensão para a ordem na igreja tem levado alguns indivíduos a dizer que o versículo favorito dos presbiterianos é: "Tudo, porém, seja feito com decência e ordem" (lCo 14.40).

Contudo, mesmo aqueles que apreciam bastante a maneira regular pela qual os presbiterianos governam a igreja de Cristo podem deixar de reconhe­cer os princípios bíblicos e confessionais que fundamentam essas práticas. A maior parte dos presbiterianos atuais provavelmente nunca refletiu sobre a natureza do "poder eclesiástico" (ou autoridade eclesiástica) e sua fonte. Para nossos antepassados presbiterianos e reformados, essa era uma questão vital, que distinguia os presbiterianos de outros grupos religiosos - congre­gacionais, batistas, luteranos, anglicanos, metodistas e católicos romanos. Grande parte da identidade presbiteriana é constituída por aquilo que cre­mos a respeito da autoridade eclesiástica: o que é, de onde vem, como deve ser exercida e quem deve exercê-la. Assim, seria útil para os presbiterianos conservadores (especialmente da PCA) compreender um pouco mais sobre nossa própria igreja, seus concílios e suas agências, a fim de apoiarem mais plenamente o trabalho de nosso ramo da igreja de Cristo.

Em um capítulo anterior, consideramos as crenças dos presbiterianos quanto à natureza e as marcas da igreja. Vimos que os presbiterianos creem que a palavra igreja é usada na Bíblia em três sentidos diferentes - em refe­rência a uma congregação local, a um grupo regional de igrejas ou à igreja universal. Também procuramos comprovar que a crença presbiteriana na natureza "conectiva" da igreja é bíblica; por exemplo, até mesmo as igrejas da Convenção Batista do Sul dos Estados Unidos sentem a necessidade de se associar umas às outras para fins de missões, evangelismo e educação teológica, por meio de suas associações e convenções locais, estad,uais e nacionais, e de seu "programa cooperativo". A razão disso é bem simples - as igrejas não são nem podem ser realmente "independentes e autôno­mas", como querem alguns. Em virtude de nossa união compartilhada com

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Cristo, as igrejas locais que compartilham a mesma fé e prática não po­dem deixar de se unir para promover a obra do reino de Deus neste mun­do. Em outras palavras, mesmo as igrejas "independentes e autônomas" que trabalham juntas no ministério demonstram a verdade bíblica básica do presbiterianismo - quer admitam isso ou não. De fato, a própria ideia de "denominação"- especialmente uma denominação composta de igrejas supostamente "independentes e autônomas" - sugere que nenhuma igre­ja existe em estado realmente independente ou autônomo. Já verificamos, portanto, que a natureza da igreja é "presbiteriana". Sendo assim, o presen­te capítulo irá considerar mais diretamente como as igrejas presbiterianas exercem sua autoridade na vida contínua do corpo de Cristo.

A natureza do poder da igreja: espiritual

Há dois sentidos em que as igrejas erram ao considerar o poder ou autoridade eclesiástica. De um lado, alguns acham que a autoridade da igre­ja é tal que ouvir a voz da igreja sobre determinado assunto é o mesmo que ouvir a voz de Cristo. Nessa perspectiva, ninguém pode discordar das decisões ou ações da igreja. Essa é a posição da Igreja Católica Romana, com sua crença na autoridade do papa, seu magistério (o oficio docente da igreja representado pelos bispos dirigidos pelo papa) e sua declaração de infalibilidade papal, fazendo com que a palavra da igreja seja final em todas as questões de fé e prática. Por outro lado, muitos evangélicos dizem que a igreja não possui nenhuma autoridade verdadeira, nenhum poder legíti­mo. Para tais pessoas, a igreja é uma associação voluntária na qual cristãos individuais, governados pelo Espírito de Cristo, concordam em participar de um corpo de crentes com o propósito de encorajamento e edificação mú­tua. A igreja, como instituição, não tem nenhum poder real, exceto naquilo que concordam os próprios membros. De fato, muitas igrejas nem recebem "membros" e se consideram uma organização de serviço que oferece minis­térios àqueles que escolhem frequentá-las. Se essas igrejas declarassem sua doutrina em caráter definitivo ou procurassem aplicar disciplina a alguém, o indivíduo em questão simplesmente poderia declarar nula a autoridade da igreja nessas áreas. A pessoa deixaria esse grupo, iria para outra comunida­de e seria recebida nessa outra igreja sem maiores consequências.

Existe uma parcela de verdade em ambas as concepções sobre o poder da igreja. Sem dúvida, é verdade que a igreja possui certa medida de poder para declarar o que Cristo disse em sua Palavra a respeito de doutrina, or­denanças e disciplina. A igreja também possui autoridade para requerer a obediência de seus membros naquilo que suas declarações concordam com

136 Ü CRISTÃO PRESBITERIANO

a Palavra de Deus. Contudo, como dizem os que se atém ao segundo ponto de vista, também é verdade que os crentes se submetem voluntariamente ao governo e supervisão da igreja. Além disso, os membros da igreja têm o direito de discordar e apresentar recursos contra as declarações e decisões da igreja caso creiam que os representantes da igreja tenham errado na dou­trina ou na disciplina. As duas posições também contêm bastante erro. A fim de pensarmos com clareza sobre a natureza da autoridade da igreja, temos de recuar um pouco e considerar, primeiramente, por que a igreja tem auto­ridade, em que esfera essa autoridade deve operar e como essa autoridade é diferente de outros tipos de autoridade ordenados por Deus.

Por sua própria natureza, são necessárias duas características para o tra­balho de toda sociedade ou organização, não importa qual seja: seus oficiais e suas leis. Os oficiais são necessários para representar o grupo e realizar o trabalho da organização. Nenhuma sociedade pode funcionar adequadamen­te se todo membro assumir controle direto de suas atividades; a expressão "muito cacique e pouco índio" nos ensina que todo grupo tem de ter quem li­dera e quem segue a liderança. Igualmente, as leis são necessárias para guiar o grupo em seu trabalho. Quer se trate de uma autorização concedida pelo estado, de um manual de funcionário ou de um código de leis, as regras e os regulamentos fornecem pontos de referência para que a sociedade realize suas tarefas. Além disso, essas leis ou regras proporcionam legitimidade ou autorização ao grupo. Ora, a ideia de que toda sociedade precisa de oficiais e leis conduz a essa constatação - os oficiais e as leis têm a ver com autori­dade, com poder. Afinal de contas, de que adianta ser um dirigente se não se pode dirigir? De que adianta ter leis se elas não dão autoridade para a ação? Em suma, qualquer ajuntamento de pessoas que se unem para determinado propósito implica em "poder" e "autoridade" para tal propósito.

Se isso é verdade para as sociedades em geral, também o é para a sociedade particular denominada igreja. A igreja, como sociedade daqueles que creem em Jesus Cristo, tem poder ou autoridade para desempenhar suas tarefas. Obviamente, a esfera na qual a igreja exerce seu poder é limitada pela própria natureza de sua missão: buscar a salvação de seres humanos. Isso implica numa transição individual do amor ao pecado para o amor a Deus - transição essa que é espiritual em sua essência. Visto que a missão da igreja é espiritual, seus meios também devem ser espirituais. Isso en­volve persuasão, não coerção; a pregação da Palavra, não o uso da espada. Portanto, podemos dizer que a esfera de autoridade da igreja é espiritual porque sua missão e seus meios são espirituais.

Especificamente, a igreja exerce seu poder ou autoridade espiritual de três maneiras. Primeiro, a igr~ja tem autoridade para declarar sua doutrina,

"COM DECÊNCIA E ORDEM": Ü GOVERNO DA IGREJA PRESBITERIANA 137

ou seja, a igreja tem o direito de dizer que crê em determinadas coisas como verdadeiras e não crê em outras, com base em seu entendimento da Bíblia. A igreja tem o direito e a responsabilidade de testemunhar do evangelho em face da perseguição. Quando chegam tempos de apostasia, a igreja tem o poder - e a responsabilidade - de identificar doutrinas corrompidas e teste­munhar contra elas. Em segundo lugar, a igreja tem o poder de ordenar seu culto, ministrar seus sacramentos e governar seus afazeres. Por exemplo, a igreja tem autoridade para pôr em prática os elementos bíblicos do culto, ministrar os sacramentos do batismo e da Ceia do Senhor, determinar quan­do e onde seu culto será realizado. Em consonância com as normas bíblicas, a igreja pode decidir o que irá exigir daqueles a quem admite ao oficio ministerial. Ela pode determinar o processo de convocação das reuniões maiores da igreja além daquelas da congregação local. Finalmente, a igreja tem o poder- e a responsabilidade - de disciplinar seus membros. Ela tem autoridade para conclamar os membros faltosos a se afastarem de padrões pecaminosos de conduta, utilizando os meios bíblicos da admoestação, cen­sura e exclusão. Também tem o poder de restaurar esses membros à plena comunhão, removendo a penalidade por meio da absolvição do evangelho. Muitas vezes, isso é chamado "o poder das chaves do reino" (CFW 30.2, 4; ver Mt 16.19; 18.17-18).

Sendo o poder da igreja exclusivamente espiritual, não deve ser con­fundido com o poder dado ao estado, nem o estado deve usurpar o poder da igreja. O estado, tendo esse poder delegado por Deus, exerce sua autoridade em questões temporais e aplica o poder coercitivo em lugar de Deus (Rm 13 .1-7). O estado tem poder para cobrar impostos, declarar guerra, defender seus cidadãos e punir os infratores (CFW 23.1). A igreja não tem nenhum desses poderes nem poderá usar o poder do estado para realizar sua missão espiritual. De fato, o próprio Jesus fez uma distinção explícita entre o estado e a igreja (Mt 22.21 ), demarcou o poder dos governantes civis em contraste com o poder dos governantes eclesiásticos (Mt 20.20-28) e declarou que a autoridade da igreja era de uma espécie totalmente diferente da autoridade do estado, porque o governo de Deus não é deste mundo (Jo 18.36-37). De­vido a essa distinção entre o poder da igreja e o poder do estado, os presbi­terianos há muito confessam que a igreja não deve "discutir nem determinar coisa alguma que não seja eclesiástica; não deve imiscuir-se nos negócios civis do Estado" (CFW 31.4). O compromisso da igreja de não envolver-se em questões temporais é um reconhecimento de que a esfera, o poder, a mis­são e a natureza da igreja são espirituais, diferentes daqueles do estado.

138 Ü CRISTÃO PRESBITERIANO

A fonte do poder da igreja: Jesus Cristo

A fonte do poder da igreja não está nela mesma como instituição, nem na associação de indivíduos dentro dela que possuem, eles mesmos, autoridade espiritual. Ao contrário, a autoridade da igreja vem diretamente do Senhor Jesus Cristo. Como o ressuscitado, Jesus declarou em Mateus 28: "Toda a autoridade me foi dada no céu e na terra". É ele que tem toda a auto­ridade, todo o poder; ele é Senhor de tudo e está assentado à destra de Deus Pai. A partir dessa declaração de autoridade, Jesus comissiona seus segui­dores: "Ide, portanto, fazei discípulos de todas as nações". Ele lhes concede esse poder com o propósito de fazer mais seguidores de Cristo (com base na confissão de fé nele) e reuni-los em uma nova comunidade que ele está formando (ver Mt 16.18-19). Os meios para fazer discípulos são o batismo e a instrução: "batizando-os em nome do Pai, e do Filho, e do Espírito Santo; ensinando-os a guardar todas as coisas que vos tenho ordenado". E a pro­messa ligada a essa concessão de autoridade é a presença contínua de Jesus até o fim dos tempos (Mt 28.16-20). Assim, os seguidores de Jesus recebem poder do próprio Jesus - poder de fazer discípulos, ministrar os sacramen­tos e ensinar sua Palavra com autoridade (CFW 30.1 ).

Tudo isso nos ensina que o próprio Jesus é o único cabeça da igreja (Ef 1.22-23). Ele é seu Senhor, seu governante supremo, seu Rei. Um escritor clássico escreveu sobre a igreja:

Dentro do âmbito da igreja, o Senhor Jesus Cristo é o único Mestre, Legislador e Juiz. Se a doutrina é ensinada, é ensinada porque ele a revelou; se as ordenanças são ministradas, são ministradas em seu nome, porque são dele; se o governo é estabelecido e exercido, é por sua designação e autoridade; se a graça salvadora é dispensada, é dispensada pela virtude e poder de seu Espírito; se uma bênção é comunicada, é porque .ele abençoa. 1

A igreja tem acesso a Deus só por meio de Jesus Cristo, porque "não há outro cabeça da igrejà senão o Senhor Jesus Cristo" (CFW 25.6). So­mente Cristo pode dirigir nossa consciência e requerer nossa submissão, porque somente ele é Senhor. Como discípulos de Jesus, estamos "livres das doutrinas e mandamentos humanos que, em qualquer coisa, sejam con­trários à sua Palavra ou, em matéria de fé ou de culto, estejam fora dela" (CFW 20.2). Como cabeça da igreja, Jesus é a fonte de sua autoridade, e só ele pode submeter nossa consciência por meio de sua Palavra.

"COM DECÊNCIA E ORDEM": Ü GOVERNO DA IGREJA PRESBITERIANA 139

As leis e limites do poder da igreja: a palavra de Deus

Com base no que já foi dito, é provável que você adivinhe qual é a lei que regula o uso da autoridade que foi outorgada por Cristo à igreja: a vontade do próprio Cristo expressa na Escritura Sagrada. É certo que a Bíblia não contém um Manual de Ordem Eclesiástica, nem uma Confissão de Fé, catecismos ou diretório para o culto público. Mas isso não quer dizer que ela não apresente orientações sobre como Cristo quer que a igreja seja dirigida. Afinal de contas, Paulo disse a Timóteo que escreveu as epístolas pastorais "para que, se eu tardar, fiques ciente de como se deve proceder na casa de Deus, que é a igreja do Deus vivo, coluna e baluarte da verdade" (1Tm3.15). Certamente, existem muitas regras e leis particulares, expostas nas Escrituras, que ensinam como o governo, o culto e a doutrina da igreja devem ser organizados. Também existem exemplos ao longo da Escritura que são normativos para o entendimento de como exercer a autoridade da igreja. Quando não existem preceitos e exemplos explícitos, existem prin­cípios gerais suficientes - algo que é "expressamente declarado na Escritura ou pode ser lógica e claramente deduzido dela" - para discernir o que Deus quer que façamos (CFW 1.6).

A distinção que fizemos anteriormente entre os elementos e as cir­cunstâncias do culto também tem a ver com o governo da igreja. Existem alguns elementos biblicamente definidos do governo eclesiástico sem os quais nenhuma igreja pode existir: liderança estruturada, ordem de disci­plina, administração do culto. Porém, existem algumas circunstâncias nes­se governo que estão abertas à luz da natureza e do velho bom senso. Por exemplo, um elemento do governo da igreja presbiteriana é que os presbí­teros se reúnam regionalmente nos presbitérios para conduzir o trabalho da igreja de Cristo; uma circunstância é que o presbitério se reúna três vezes por ano em locais alternados. Na questão da disciplina eclesiástica, um elemento é que a disciplina siga determinados procedimentos de investiga­ção e julgamento delineados em textos com Mateus 18; uma circunstância é o conjunto de regulamentos do Livro de Ordem Eclesiástica, na seção 32-3, quanto ao modo de escolher o promotor em um caso de disciplina. Um é questão de revelação bíblica; o outro, uma questão de procedimento eclesiástico que a igreja tem o direito de declarar, mas que não tem o peso da Escritura.

A questão aqui é a liberdade da consciência cristã. Só Cristo é Rei da igreja; somente ele possui autoridade para submeter nossa consciên­cia à sua Palavra. Ninguém mais pode intervir nisso a menos que possa demonstrar que "assim diz o Senhor". Sendo assim, a Palavra de Deus

140 Ü CRISTÃO PRESBITERIANO

oferece tanto a justificativa como os limites do poder da igreja sobre o povo de Deus.

Aqueles que recebem o poder eclesiástico: os oficiais

Em seu oficio de Rei, Jesus chama do mundo um povo para si, "dan­do-lhe oficiais, leis e disciplinas, para visivelmente o governar" (CM 45). Na verdade, o apóstolo Paulo ensina que o Cristo ressurreto e glorificado recebeu "dons" para dar à sua igreja, que são "os apóstolos, os profetas, os evangelistas, os pastores e mestres, com vistas ao aperfeiçoamento dos santos para o desempenho do seu serviço, para a edificação do corpo de Cristo" (Ef 4.7-12). Por meio desses oficiais, que Cristo o Rei concede à sua igreja como um dom, e por meio de sua Palavra, dada como sua lei, Cristo governa visivelmente sua igreja.

Isso não significa que os oficiais da igreja tenham essa autoridade em distinção da igreja como um todo. Como afirma adequadamente o Livro de Ordem da PCA: "O poder que Cristo concedeu à igreja é conferido a todo o corpo, os líderes e os liderados, fazendo dela uma comunidade espiritual. Esse poder, conforme exercido por seu povo, inclui a escolha dos oficiais que ele designou para sua igreja" (BCO 3-1 ). Em outras palavras, Cristo confiou autoridade à sua igreja como um todo, para que cada membro goze de seus beneficias e se submeta a sua autoridade. Porém, Cristo confiou poder mais especificamente àqueles crentes dentro de sua igreja que são oficiais, para que exerçam e administrem esse poder em beneficio dos de­mais. Como disse um autor: "[O poder da igreja] pertence igualmente, e por concessão divina, a ambos, mas sob características diferentes, de acordo com os diferentes lugares que cada parte ocupa na igreja cristã".2 Além dis­so, os oficiais da igreja não exercem essa autoridade por iniciativa própria. Todo poder na igreja é concedido aos oficiais mediante o chamado de Jesus Cristo, que vem pelo consentimento da igreja. É por isso que as comunida­des locais indicam, chamam e elegem os seus próprios oficiais, tanto pres­bíteros quanto diáconos; nenhum corpo deve ser regido por oficiais que eJe mesmo não escolheu (At 6.1-6; 14.23).

Mesmo recebendo autoridade da parte de Cristo, por meio da igreja, os oficiais não têm a liberdade de fazer o que quiserem. O poder para discipli­nar o culto é exercido pelos oficiais individualmente somente porque eles foram comissionados pela igreja para exercer essa autoridade. O resultado é que a autoridade para pregar o evangelho e ministrar os sacramentos é recebida mediante um chamado feito por uma igreja local e pelos pode­res concedidos por um presbitério. Ninguém pode tomar sobre si mesmo

"COM DEC~NCIA E ORDEM": Ü GOVERNO DA IGREJA PRESBITERIANA 141

a responsabilidade de pregar e ministrar os sacramentos sem a adequada autorização do presbitério ou sem convite do conselho de uma igreja. O poder de "jurisdição" (o direito e o poder de interpretar e aplicar a lei) é exercido pelos oficiais conjuntamente nos concílios eclesiásticos. Sendo assim, nenhum presbítero tem o direito de julgar individualmente um caso de disciplina; somente um grupo de presbíteros, quer no "conselho" de uma igreja local, num presbitério ou na Assembleia Geral (Supremo Concílio) da igreja, é que pode exercer essa autoridade. Além disso, nenhum pres­bítero isolado tem o direito de declarar de modo normativo uma doutrina diferente do que a igreja já tenha declarado crer como ensinamento bíblico. Os presbíteros que discordarem dos padrões confessionais da igreja devem submeter seus pontos de vista ao juízo de um conselho ou presbitério, que então decide se permite ou não essas "exceções" à doutrina da igreja (BCO 3-2, 21-24). Em suma, quer esse poder da igreja seja exercido individual­mente, quer em conjunto, ele somente terá a sanção divina quando estiver de conformidade com a Palavra de Deus, que é a norma e o limite de todo uso da autoridade pela igreja.

Nas igrejas presbiterianas, temos dois conjuntos de oficiais, um deles para supervisão e o outro para serviço no corpo de Cristo. O oficio de su­pervisão é o do "presbítero", palavra de origem grega que nos dá também o nome presbiteriano. Os presbíteros têm superintendência sobre a doutrina, a moral e a disciplina da igreja. Eles "exercem governo e disciplina, supe­rintendendo não somente os interesses espirituais da igreja particular como também os da igreja em geral, quando para isso chamados" (BCO 8-3). Os presbíteros têm numerosos deveres, que incluem visitar as pessoas em seus lares, cuidar dos doentes, instruir os incultos, confortar os enlutados, nutrir as crianças da igreja, dar um exemplo espiritual para a igreja, evangelizar os não convertidos e orar com e pelas pessoas.

Dentro dessa classe de oficiais, existem duas ordens (1 Tm 5.17). Aos presbíteros regentes é confiada, especificamente, a tarefa de administrar a ordem e a disciplina em uma igreja especifica; além disso, eles são concla­mados a "cultivar zelosamente sua própria aptidão para ensinar a Bíblia e devem aproveitar cada oportunidade de assim fazer" (BCO 8-9). Os presbí­teros docentes são aqueles que, além da responsabilidade de administrar a igreja, têm ainda a função de alimentar o rebanho pela leitura, explanação e pregação da Palavra de Deus e a ministração dos sacramentos (BCO 8-5). Os presbíteros docentes às vezes são chamados ministros da Palavra. Porém, os presbíteros docentes, como também os regentes, são duas ordens dentro da mesma classe de oficiais; ambos possuem "a mesma autoridade e elegibilidade para atuar nos concílios da igreja" (BCO 8-9). Além disso,

142 Ü CRISTÃO PRESBITERIANO

os presbíteros docentes não são presbíteros porque ensinam, mas ensinam porque são presbíteros. Ou seja, o direito que os pastores têm de pregar na igreja de Cristo decorre do fato de terem o oficio de presbítero, não de terem sido chamados como pregadores. Nas igrejas presbiterianas, não existe uma classe sacerdotal com poderes e autoridade especiais; o oficio de supervisão é o de presbítero ( 1 Tm 3 .1-7; Tt 1.5-9).

O oficio de serviço na igreja é chamado "diaconato". Em Atos 6, os apóstolos, como presbíteros da igreja de Cristo, realizavam tanto minis­térios de supervisão como de serviço. Como a tarefa do serviço os estava afastando da tarefa da supervisão, eles nomearam aqueles que deveriam servir o povo de Deus, permitindo que os presbíteros se concentrassem no ministério da Palavra e da oração. Assim, desde o começo, o oficio de diá­cono é de "simpatia e serviço" (BCO 9-1 ). É também um oficio que funcio­na sob a supervisão e a delegação de autoridade dos presbíteros (BCO 9-2). Finalmente, homens espirituais são escolhidos dentro do corpo e ordenados ao oficio pela imposição de mãos (BCO 17, 24).

As responsabilidades dos diáconos como mordomos e servidores in­cluem ministrar aos necessitados, aos enfermos, aos que não têm amigos e a quaisquer que estejam em aflição. Os diáconos também "procuram desen­volver a graça da liberalidade entre os membros da igreja", buscando meios para recolher as ofertas do povo e distribuir as benevolências da igreja (BCO 9-2). Além disso, eles têm a supervisão das propriedades da igreja, procurando administrá-las corretamente. Observe como cada uma dessas funções é vital para o ministério efetivo da igreja - somente em obras de misericórdia para com os perdidos e carentes é que a palavra de misericór­dia de Deus assume sua feição mais plena; somente em obras de liberali­dade e benevolência a comunhão dos santos poderá ser realizada; somente quando a igreja demonstra ser boa administradora das coisas materiais é que os outros poderão confiar que ela seja boa despenseira dos mistérios de Deus. Daí que um ministério diaconal bem organizado é essencial para que a igreja proclame o evangelho da graça de Deus.

A natureza conectiva da igreja

Já mencionamos o fato de que os presbíteros jamais exercem auto­ridade por iniciativa própria. Mesmo quando agem individualmente, eles só podem fazê-lo com a autorização de algum concílio eclesiástico. Esses concílios da igreja, compostos de presbíteros, são os conselhos locais, os presbitérios e a Assembleia Geral (Supremo Concílio). Um conselho con­siste dos presbíteros docentes e regentes de uma igreja local, que foram

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chamados por Cristo, mediante eleição pelo povo de Deus, para exercer a supervisão da comunidade. Um presbitério consiste de "todos os presbíte­ros docentes e igrejas dentro de seus limites que foram aceitos pelo presbi­tério". Quando o presbitério se reúne como concílio, este consiste de todos os presbíteros docentes e regentes conforme eleitos pelo conselho para re­presentar a igreja (BCO 13-1 ). A Assembleia Geral, sendo o mais elevado concílio da igreja, representa em um corpo todas as igrejas da denominação (BCO 14-1). Quando os presbíteros se reúnem como um concílio da igreja, eles têm autoridade para declarar, em seu ministério, somente aquilo que Deus já disse em sua Palavra nas áreas de doutrina, ordem e disciplina. Todavia, não possuem poder para submeter a consciência de maneira con­traditória com a Palavra de Deus, nem autoridade para exigir obediência pelo uso do poder do estado ou de meios coercitivos.

Ao pensarmos nesses concílios da igreja e em como eles se relacionam uns com os outros, deve-se ter em mente um princípio muito importante, um princípio que, em minha opinião, representa a essência do sistema pres­biteriano: no presbiterianismo, as partes estão no todo e o todo está nas partes. Desse princípio resultam diversos corolários importantes. Um deles é que todos os concílios da igreja são essencialmente iguais em poder. Um concílio inferior (por exemplo, o conselho da igreja local), que representa uma "parte" da igreja, tem todo o poder necessário para declarar ministe­rialmente o que diz a Palavra de Deus nas áreas de doutrina, ordem e disci­plina, porque existe como um concílio que representa toda a igreja. De ma­neira semelhante, o concílio superior (a Assembleia Geral), que representa "toda" a igreja, não tem maior poder do que um conselho de igreja local para declarar a doutrina, a ordem e a disciplina, exceto no caso de questões que a igreja já tenha decidido de antemão. É por isso que nosso Livro de Ordem Eclesiástica diz: "Todos os concílios eclesiásticos são de uma só natureza, constituídos dos mesmos elementos, possuidores inerentemente dos mesmos direitos e poderes, diferindo apenas conforme a Constituição [da igreja] possa dispor" (BCO 11-3).

Um segundo corolário deste princípio às vezes é denominado "revisão e controle" (BCO 11-4 ). Cada concílio superior tem responsabilidade pelas ações do concílio inferior. Isso se manifesta mais claramente no fato de que as atas e os registros dos concílios inferiores são examinados pelos concí­lios superiores: as atas dos conselhos das igrejas locais são examinados e aprovados pelos presbitérios, os registros dos presbitérios são examinados e aprovados pela Assembleia Geral e as atas da Assembleia Geral são exa­minadas por toda a igreja. Outra maneira pela qual isso se manifesta está no fato de que os presbitérios são responsáveis pelo trabalho da igreja em um

144 Ü CRISTÃO PRESBITERIANO

determinado local e são responsáveis pela saúde de todas as igrejas de uma determinada região. Quando uma igreja específica experimenta tensões en­tre o pastor e os demais presbíteros, o presbitério designa uma comissão para examinar a situação e encontrar uma solução. Esse princípio também se manifesta nas agências da igreja - os presbitérios designam represen­tantes à Assembleia Geral para servirem em comissões que examinam o trabalho das agências da igreja, assegurando que a obra mais ampla seja controlada por representantes de todo o corpo. O exame e o controle de­monstram a submissão mútua das partes da igreja ao todo e o todo às partes (BCO 40).

Este princípio também significa que as parte têm o direito de apelar ao todo. Se uma minoria crê que um concílio agiu de modo contrário à Escritura ou à ordem da igreja, essa minoria tem o direito de levar as ações do concílio ao conhecimento de toda a igreja. Às vezes, isso se faz por uma referência; às vezes, por uma apelação e, às vezes, por uma queixa. Em cada uma dessas ações, uma minoria de um concílio inferior faz um pedido específico ao concílio superior. Uma referência é um pedido de um concílio inferior a um concílio superior solicitando um parecer ou outra ação quanto a uma questão que está diante do concílio inferior (BCO 41-1). Quando a ação do concílio é contra um membro da igreja, este tem o privilégio de apelar para um concílio superior, que irá ouvir e deliberar sobre a proce­dência da apelação (BCO 42-1 ). E quando um concílio toma uma decisão ou empreende uma ação que parece, a um membro comungante, ir contra o ensino da Bíblia ou contra a constituição da igreja, esse membro tem o direito de fazer uma queixa a esse concílio (BCO 43-1, 2). Cada uma dessas ações é um meio de testificar que só Jesus Cristo é o Senhor da consciência, que os concílios da igreja cometem erros e que as partes estão no todo e o todo está nas partes.

Um corolário final deste princípio às vezes é denominado princípio "conectivo": cada parte da igreja tem responsabilidade para com as outras partes e para com o todo. As igrejas locais contribuem com recursos para sustentar o trabalho comum da igreja em missões, plantação de igrejas e educação teológica. Se as igrejas locais não sustentarem o trabalho da igreja toda, escolhendo seguir seu próprio caminho em missões, educação cristã ou educação teológica, então toda a igreja sofre. Assim também, uma igreja local não planta uma filial sem a autorização do presbitério; uma razão para isso é garantir que as novas igrejas não sejam implantadas de forma a preju­dicar o trabalho de outra igreja próxima (BCO 5-8). Novamente, a questão em jogo é que cada parte da igreja tem responsabilidade pelo cuidado do todo. Outro exemplo de nossa natureza conectiva está no fato de que os

"COM DECÊNCIA E ORDEM": Ü GOVERNO DA IGREJA PRESBITERIANA 145

erros doutrinários ou lapsos morais de uma parte da igreja afetam a igreja toda. Nos casos em que um presbitério não está disposto a tratar de desvios doutrinários ou morais significativos, dois outros presbitérios poderão re­querer à Assembleia Geral que assuma "jurisdição original" sobre o caso para que a questão seja tratada para o bem de toda a igreja (BCO 34-1 ). Não nos é permitido simplesmente fechar os olhos aos problemas doutrinários. ou morais que ocorrem em um de nossos presbitérios. Ao contrário, cada parte da igreja tem a responsabilidade, perante a igreja como um todo, de tratar de tais situações de modo apropriado.

Na PCA, também demonstramos nossa conexão mediante dez agên­cias nacionais e comissões permanentes:

• Comissão Administrativa (escritório do Secretário Executivo da denominação)

• Comissão de Educação Cristã e Publicações • Covenant College • Seminário Teológico Covenant • Aposentadorias e Beneficios da PCA • Missão à América do Norte (MNA) • Missão ao Mundo (MTW) • Fundação PCA • Centro de Conferências de Ridge Haven • Ministérios Universitários Reformados (RUM)

Uma forma de pensar no trabalho dessas agências e comissões é en­tender que toda a igreja tem a responsabilidade de cuidar da educação e do bem-estar espiritual dos filhos da aliança desde a infância até a universida­de (Educação e Publicações, Covenant College, Ministérios Universitários Reformados), bem como dos pastores idosos e aposentados da denomina­ção (Aposentadorias e Benefícios). Também somos responsáveis por trei­nar os ministros da Palavra (Seminário Covenant) e incentivar os leigos, homens e mulheres, em sua fé (Ridge Haven). Somos chamados a fazer discípulos de todas as nações, como também a cuidar de nossas próprias "Jerusalém e Samaria" na plantação de igrejas (Missão ao Mundo e Missão à América do Norte). Temos de ser bons mordomos das bênçãos materiais que Deus nos tem dado para que possamos empregá-los bem no Reino de Deus (Fundação PCA).

Sozinhos, não realizamos nenhuma destas tarefas; temos de nos unir com outras partes da igreja para realizá-las em prol de toda a igreja. Além disso, não temos poder ou autoridade para fazer essas coisas sozinhos: à medida que cooperamos como igreja de Cristo, cuidamos verdadeiramente

146 Ü CRISTÃO PRESBITERIANO

dos filhos da aliança, de nossos futuros pastores e dos aposentados, de nos­sos leigos, dos perdidos em todo o mundo e dos beneficios financeiros que Deus nos concede - fazemos isso juntos. Ao demonstramos a um mundo que nos observa que somos igreja de Cristo, então será verdade que "as portas do inferno não prevalecerão contra ela" (Mt 16.18). Que tudo isso .seja para a glória de Cristo o Rei e para a expansão de seu reino.

Perguntas para reflexão e recapitulação

1. Pense em sua igreja de origem: sua igreja reconhecia ter autoridade para ordenar a doutrina, o culto, o governo e a disciplina? Como ela usava sua autoridade?

2. Quais são algumas consequências da crença presbiteriana de que a missão, a esfera e o poder da igreja são espirituais? Isso exclui cuidar das necessidades fisicas e materiais das pessoas com finalidades espirituais?

3. Uma igreja tem o direito de apelar ao estado para que use seu poder com sabedoria? Em caso positivo, quando e como a igreja deve fazê-lo (ver CFW 31.4)?

4. Quais algumas formas práticas de expressar a verdade de que somente Jesus Cristo "é o Senhor da consciência" ao mesmo tempo em que mantemos a "paz, pureza e unidade" da igreja?

5. O que você acha do fato de que os oficiais da igreja não exercem poder por si mesmos, mas somente quando autorizados para isto? Existe certa proteção para os crentes na verdade de que os presbíteros exercem a disciplina coletivamente como conselho ou presbitério? ·

6. Quais são algumas implicações da afirmação de que "os presbíteros docentes não são presbíteros porque ensinam, mas ensinam porque são presbíteros"? De que maneira ver tanto os presbíteros docentes (pastores) quanto os presbíteros regentes como presbíteros resolve algumas tensões que podem surgir entre essas duas ordens de oficio?

7. Por que você acha que um ministério diaconal bem organizado é necessário para que a igreja proclame o evangelho? Como sua resposta ajuda a responder a pergunta nº 2 acima?

"COM DECtNCJA E ORDEM": Ü GOVERNO DA IGREJA PRESBITERIANA 147

8. De que maneira o princípio de que "a parte está no todo e o todo está nas partes" expressa a unidade da igreja ao mesmo tempo em que respeita as diferenças dentro dela?

9. Você já teve algum relacionamento com agências ou comissões de sua denominação? Como essas experiências influenciaram sua visão do trabalho da igreja como um todo?

Leituras adicionais

BANNERMAN, James. The church of Christ. 2 vols. 1869. Reimpressão. Carlisle, Pensilvânia: Banner ofTruth, 1960.

DICKSON, David. The e/der and his work. RYKEN, Philip G. e McFAR­LAND, George (Orgs.). Phillipsburg, Nova Jersey: Presbyterian and Reformed, 2004.

HALL, David W.; HALL, Joseph H. (Orgs.). Paradigms in polity. Grand Rapids: Eerdmans, 1994.

HODGE, Charles. Church polity. 1879. Reimpressão. Westminster Discount Books, 2002.

WITHEROW, Thomas. The apostolic church - which is it? Reimpressão. Glasgow: Free Presbyterian Publications, 1967.

A PCA mantém um útil website no qual você encontrará links com cada comissão e agência mantida pela Assembleia Geral: www.pcanet.org. A IPB tem um site com informações semelhantes: www.ipb.org.br.

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TERCEIRA PARTE

» Histórias Presbiterianas

Capítulo 9

A GLORIOSA REFORMA:

CALVINO; KNox 1 os PRIMÓRDIOS DO PRESBITERIANISMO

QUANDO FALAMOS SOBRE AS HISTÓRIAS PRESBITERIANAS, DEVEMOS COMEÇAR

com a Reforma Protestante, há cerca de quinhentos anos. Estudiosos mais recentes têm questionado se a Reforma (o período entre 1500 e 1550) realmente foi tão cataclísmica quanto a maioria dos protestantes acredita ter sido. Esses historiadores argumentaram que os períodos imediatamente anterior e posterior à Reforma na verdade foram mais significativos e efetuaram transformações sociais mais profundas e duradouras do que a própria Reforma. A visão mais antiga da Reforma como uma série de eventos que marcaram uma nova era caracterizada por novos começos foi substituída por um modelo que considera esse período como parte de um processo maior de transformações sociais que começaram a modificar a síntese medieval ainda no século 14.

Talvez uma boa maneira de questionar esse novo consenso seja imagi­nar como seria a vida na Europa se a Reforma não tivesse ocorrido. Como seriam a igreja e as práticas religiosas do povo? O que caracterizaria aso­ciedade e a cultura? Que futuro haveria para os países que abraçaram a Reforma e para alguns países que ainda nem haviam nascido? Poderíamos dizer diversas coisas aqui. Primeiro, se a Reforma não tivesse acontecido, é bastante provável que a Igreja Católica Romana tivesse se tomado total­mente secularizada e irrelevante para a vida europeia até o final do século 17. Na verdade, a corrupção da Igreja Romana, com seu papado dividido no século 14 e o papado corrupto do século 15 e início do século 16, levou

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ao surgimento de diversos "precursores da reforma", como eles geralmente são chamados. João Hus e João Wycliffe deram voz à crescente ansiedade social e espiritual dos leigos. Embora a Igreja Romana tivesse respondido a essas vozes radicais dando início a uma série de reformas internas, tais esforços não bastaram para aliviar a consciência do povo. O resultado foi uma explosão reformista alimentada pela recuperação da doutrina bíblica da justificação pela fé somente, feita por Lutero.

Considere ainda mais qual teria sido a situação se não tivesse ocorrido a Reforma. Certamente, haveria tentativas internas contínuas de reformar a igreja. Porém, como sugerem diversos historiadores, a maior parte das vias de reforma interna já havia sido tentada antes de 1500, com êxito bastan­te limitado devido ao tamanho e complexidade da burocracia da igreja. É inteiramente concebível que, sem a Reforma, a igreja teria desmoronado sobre si mesma e se tornado irrelevante. Embora isso pudesse ter ocorrido ainda antes do século 17, é certo que a essa altura uma igreja corrompida, sem a disposição de se reformar, não mais teria o respeito e a atenção da sociedade europeia. A era do Iluminismo, com sua exaltação da razão acima da revelação e das "'superstições" da época, teria ignorado a igreja e suas reivindicações. Em especial, o desafio de Thomas Hobbes e de sua obra Leviatã, que defendia um completo materialismo e um regime político utili­tário de total submissão ao Estado, não teria tido resposta - durante séculos a igreja havia seguido a mesma estratégia quando os papas maximizavam seus lucros e prazeres sob a bandeira de "o poder justifica". Qualquer pro­testo feito pela igreja contra o pensamento iluminista teria sido encarado com desdém e um encolher de ombros. Sem a Reforma, a Europa teria se tornado uma sociedade totalmente secular até o final do século 1 7.

Mais ainda, se não tivesse ocorrido a Reforma, os capitalistas que sur­giam na Europa teriam liderado o processo de secularização com resultados desastrosos para a situação política e moral do continente. O período da Reforma coincidiu com o crescimento de uma nova classe média na Eu­ropa, ligada ao surgimento do capitalismo, que se uniu aos reformadores para derrubar papas e sacerdotes opressores, e com o passar do tempo, no século 17, também monarcas. Foi esse o caso, em particular, na Genebra de João Calvino. Precisamente quando a cidade de Genebra alcançou a in­dependência e estava implementando as reformas de Calvino, ela passava de um estilo mais antigo de capitalismo para uma forma mais moderna. Após um período de recessão econômica, de 1535 a 1540, a cidade-estado experimentou um período de vinte anos de crescimento que coincidiu com a decisão de convidar Calvino para voltar a Genebra a fim de restabelecer e desenvolver a Reforma. Certamente é dificil argumentar que a Reforma

A GLORIOSA REFORMA: CALVINO, KNox E os PRIMÓRDIOS DO PRESBITERIANISMO 153

causou o surgimento do capitalismo em Genebra ou em qualquer outro lu­gar. Mas, sem dúvida, a Reforma fez muito para tornar mais humano o capitalismo do século 16.

O maior exemplo disso está no movimento de bem-estar social que Calvino promoveu em Genebra. A grande manifestação de benevolência, direcionada por meio das igrejas para um "hospital geral" central voltado para o cuidado de pobres e enfermos, ajudou a atenuar a crescente pertur­bação causada pelo crescimento populacional, guerras, epidemias e fome. O "hospital" envolveu diretamente os diáconos na distribuição de fundos e no cuidado dos pobres e enfermos, criando um movimento "hospitalar" em todos os países reformados. Com o tempo, os hospitais acabaram se dedi­cando somente aos doentes, mas eles fizeram parte da visão de Calvino de um ministério de palavras e ações em Genebra. O cuidado dos sofredores também fez parte da justificativa de Calvino para estimular e desenvolver a riqueza. As riquezas não deviam ser gastas egoisticamente em luxo e des­perdício, e sim distribuídas para a difusão do reino de Deus. Para tanto, a cidade-estado de Genebra organizava coletas gerais, tanto para enfrentar crises quanto para auxiliar os refugiados dentro de suas fronteiras. Ao cui­dar dos pobres de modo compassivo, a Genebra de Calvino restringia um pouco do egoísmo inerente ao sistema econômico capitalista.

Agora, imagine se não tivesse havido a Genebra da Reforma, ou mes­mo qualquer igreja relevante que monitorasse, canalizasse e desafiasse as aspirações capitalistas. Os cenários da França do século 18 ou da Inglaterra do século 19, com acentuadas divisões entre as elites e os pobres, com fer­vilhante inquietação nas ruas prestes a explodir em revolução a qualquer momento e com a possibilidade sempre presente de um Napoleão ou um Bismarck a unir as nações sob sua bandeira nacionalista - tudo isso teria es­tado presente muito antes sem as obras de caridade e compaixão que o pro­testantismo proporcionou na Alemanha ou na Inglaterra. Os personagens que teriam surgido em um mundo sem o protestantismo teriam sido muito mais parecidos com Mussolini, Stalin ou Kim Jong-Il - ditadores amorais que procuraram unir o povo em uma devoção pagã ao Estado, financiados por uma classe superior em expansão que recebia favores especiais.

Uma última coisa a lembrar quanto a isso é a seguinte: se não tivesse ocorrido a Reforma, o evangelho da livre graça teria sido obscurecido pelo ritual não reformado e pela teologia deficiente da Igreja Católica Romana. Ainda no início de sua vida, a igreja havia se comprometido a afirmar a soberania da graça de Deus e a total depravação da humanidade, embora vacilasse sobre exatamente como funcionava a "predestinação". Depois do Concílio de Orange, em 529, os teólogos da igreja passaram a dar cada vez

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maior liberdade e responsabilidade aos seres humanos. No final do século 15, havia uma forma de teologia pactuai que se resumia na frase: "Deus não nega sua graça a quem faz o que está ao seu alcance". Desse ponto de vista, em última análise a salvação era dada aos que praticavam boas obras, especialmente sendo batizados, participando do sacramento da penitência e desprezando o mal. A penitência se tornou um elemento chave da maneira católica de alcançar a certeza do perdão divino. Esse sistema penitencial ge­ralmente era bastante rigoroso, mas oferecia somente um alívio temporário ligado a certas condições. Se a igreja oferecesse uma efetiva remoção da culpa deste lado do céu, muitas das instituições religiosas medievais, que dependiam das rendas geradas pelo sistema penitencial, teriam falido.

O evangelho pregado pela Reforma, que proclamava que a justiça de Deus é dada aos que vivem somente pela fé, questionou de maneira fim­damental as bases da religião e da piedade medievais. Se a salvação vem somente pela fé em Cristo e se isso oferece a remoção efetiva da culpa e da ansiedade religiosa, então as formas de penitência que tantos lucros deram à igreja (especialmente as indulgências) são não somente desnecessárias, mas também blasfemas. No entanto, essa descoberta da Reforma foi na verdade uma recuperação do entendimento da igreja primitiva quanto ao evangelho - pois essa justificação, essa justiça, somente poderia vir pela fé, concedida por Deus em sua graça soberana.

Se esse resgate do evangelho não tivesse ocorrido naquele momento, se a Reforma não tivesse acontecido, é óbvio que não haveria igrejas pro­testantes. Se nós frequentássemos alguma igreja, ainda estaríamos obser­vando a missa, talvez levemente modificada pelo Concílio Vaticano II dos anos 60 (talvez não, pois provavelmente não teria ocorrido um Vaticano II). Ainda estaríamos observando um forte sistema penitencial, buscando o per­dão e, no entanto, resignados a nunca conhecer o pleno perdão nesta vida. A igreja, como um todo, ainda estaria tão confusa sobre como alguém pode ser justificado diante de Deus quanto estava antes do Concílio de Trento, no século 16, pois sem a Reforma não teria havido uma Contra-Reforma, ou uma Reforma Católica ou um movimento jesuíta. A igreja não somente teria se tomado irrelevante devido a sua corrupção, como também seria irrelevante principalmente em virtude de sua própria doutrina. Em resposta à pergunta "o que devo fazer para ser salvo?", a igreja ainda estaria respon­dendo: "Já pensou em acender uma vela, pagar uma missa ou fazer uma peregrinação?" O simples fato de que milhões de cristãos protestantes, nos últimos cinco séculos, conheceram a paz com Deus, sendo justificados pela fé somente, demonstra que a Reforma foi uma realidade de importância vital, que transformou indivíduos, famílias, cidades e nações.

A GLORIOSA REFORMA: CALVINO, l<Nox E os PRIMÓRDIOS DO PRESBITERIANISMO 155

O presbiterianismo surgiu desse período da Reforma, que transformou fundamentalmente as estruturas sociais, políticas, econômicas e religiosas. Embora não possamos tratar de cada ponto chave da história presbiteriana entre 1500 e 1706, quando os presbiterianos se organizaram oficialmente nos Estados Unidos, existem pelo menos três personagens e eventos histó­ricos que moldaram decisivamente a história presbiteriana.

João Calvino e a Reforma Suíça

Em termos amplos, o presbiterianismo - como um conjunto de cren­ças e práticas - teve sua origem em João Calvino. Sem dúvida, ele é o grande personagem histórico com o qual os historiadores e teólogos pres­biterianos têm de se defrontar. Seu pensamento continua a influenciar, ins­pirar, provocar e desafiar a teologia, o culto e a ética presbiterianas atuais. Embora os ministros presbiterianos tenham de subscrever os Padrões de Westminster - produto de um encontro de teólogos e líderes eclesiásticos ingleses em meados do século 17 - não seria exagerado dizer que nós nos vemos, de uma ou de outra maneira, como herdeiros de Calvino.

Nascido em Noyon, na França, em 1509, aos catorze anos Calvino foi para Paris a fim de se preparar para a carreira jurídica. Após fazer o curso de artes no College du Montaigu, estudou direito em Orleans e Bourges. Em algum momento durante seus estudos, Calvino absorveu a nova ênfase "humanista" no retomo às fontes originais do conhecimento. Para o direito, isso significava um retomo aos oradores e intelectuais clássicos gregos e latinos. Alinhado com essa nova ênfase, Calvino publicou em 1532 seu primeiro livro, um comentário da obra De Clementia, de Sêneca. Quanto à religião, os humanistas defendiam que os acadêmicos precisavam retor­nar às fontes (adfontes), em especial ao Antigo Testamento hebraico e ao Novo Testamento grego. Erasmo produziu sua primeira edição "crítica" do Novo testamento grego em 1516, instigando questionamentos sobre doutri­nas católicas romanas baseadas em traduções questionáveis encontradas na Vulgata Latina.

Em algum momento durante seus estudos de direito, Calvino se asso­ciou ao movimento da Reforma nas universidades francesas. Após o escân­dalo causado por um discurso do reitor da Universidade de Paris, provavel­mente escrito pelo próprio Calvino - discurso esse que apoiava a Reforma - Calvino fugiu para Basileia a fim de evitar a perseguição. No começo de 1536, publicou a primeira edição de suas Institutas da Religião Cristã. Pouco depois da publicação das Institutas, ele passava por Genebra e foi convencido por Guilherme Farei a permanecer nessa cidade-estado a fim

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de promover a causa da Reforma. Em 1537, Calvino e Farei tentaram per­suadir os genebrinos a instituir uma forma estrita de disciplina eclesiástica, centrada no uso de uma confissão de fé e na excomunhão como instrumento de controle social. Pressões políticas internas e externas se fizeram sentir contra as reformas de Calvino e ele foi forçado a deixar a cidade em 1538.

O reformador foi então para Estrasburgo, onde pastoreou a congrega­ção francesa e trabalhou em estreita ligação com Martin Bucer. De Bucer, ele aprendeu a importância de "administrar" o programa reformista tanto em questões civis quanto eclesiásticas; produziu uma segunda edição das lnstitutas, publicada em 1539; também achou tempo para se casar com Ide­lette de Bure, em 1540. Ele poderia se contentar em permanecer em Estras­burgo, mas os acontecimentos em Genebra levaram o conselho da cidade a insistir no seu retomo a fim de completar a obra da Reforma. Quando ele regressou a Genebra, em 1541, reestruturou com êxito os oficios da igreja, introduziu catecismos e uma liturgia no vernáculo, e criou um sistema de disciplina eclesiástica que utilizava um "consistório" de doze presbíteros para ouvir e decidir sobre casos disciplinares. Calvino enfrentou conside­rável oposição às suas reformas e até mesmo experimentou sérios revezes políticos em 1549, quando seus oponentes ganharam o controle do conse­lho municipal. Contudo, esses opositores se excederam ao apoiar o herege Miguel Serveto em sua teologia antitrinitária, visões milenaristas e acusa­ções antinomistas contra Calvino. As ideias de Serveto foram consideradas politicamente subversivas e condenadas pelo conselho municipal; ele foi executado em 1553 sob acusação de blasfêmia. Depois disso, os opositores de Calvino ficaram desacreditados e ele pôde trabalhar em relativa paz até sua morte, em 1564.

A obra prima de Calvino foi, naturalmente, suas lnstitutas, cuja versão final surgiu em 1559. Calvino lutou durante toda a vida para organizar esse livro de forma correta, e mesmo um exame superficial das edições anterio­res revela sua constante elaboração da estrutura e da forma. Contudo, a te­ologia de Calvino expressa nas lns_titutas permaneceu bastante consistente nas diversas manifestações de sua obra. Sua estrutura aponta claramente para o arcabouço trinitário da teologia do reformador: os primeiros três livros enfocam o conhecimento de Deus o Criador, de Deus o Redentor e da obra de Deus o Espírito em conceder a graça de Cristo. O livro final considera a igreja e os meios de graça, mediante os quais o Deus trino "nos convida para a sociedade de Cristo e nela nos mantém" (Calvino, lnstitutas, 4). Anteriormente, num catecismo escrito em 1537-1538 para promover a Reforma em Genebra e para anunciar ao mundo aquilo em que cria a igreja reformada, Calvino disse que:

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Quando mencionamos Pai, Filho e Espírito, não estamos imaginando três deuses, mas na mais simples unidade de Deus e da Escritura e na própria experiência da piedade estamos mostrando Deus o Pai, seu Filho e seu Espírito. Nosso entendimento não consegue conceber o Pai sem incluir também o Filho, em quem brilha sua imagem viva, e o Espírito, em quem são visíveis seu poder e sua força. Apeguemo-nos com total concentração de mente ao Deus único; no entanto, enquanto isso, contemplemos o Pai com o seu Filho e o seu Espírito. 1

Essa ênfase na obra da Trindade - Deus que se revela como Criador e Redentor por meio de Cristo e de seu Espírito - tem levado alguns au­tores a denominar Calvino o "teólogo do Espírito Santo". Nunca antes na teologia o papel do Espírito na obra da redenção foi tão enfatizado como no pensamento de Calvino. Como disse o teólogo I. John Hesselink: "Para se fazer justiça à doutrina de Calvino sobre o Espírito Santo é necessário discutir toda a sua teologia".2 Calvino relacionou de tal maneira o Espírito Santo com cada doutrina que abordou, que sua teologia ficou saturada com a atividade do Espírito. Assim, a nossa crença na autoridade da Escritura está arraigada, em última análise, na autocomprovação do Espírito e no seu testemunho da Palavra em nosso coração (Institutas, 1.7.4-5). De igual modo, o Espírito forja os laços entre Cristo e os crentes na sua união com ele (lnstitutas, 3.1.1; 3.11.1 O). Ele chama os crentes eficazmente para Cris­to, renova sua vontade para que possam ir a Cristo e concede a fé para que possam crer em Cristo (Jnstitutas, 3.2. 7). Além disso, o Espírito aplica are­denção comprada por Cristo à humanidade e testifica no coração dos santos a realidade do perdão de Cristo. Finalmente, o Espírito governa o coração do crente e o guia a toda ajustiça (lnstitutas, 2.3.10).

Não é surpresa para quem conhece alguma coisa da tradição reforma­da o fato de que Calvino enfatizou a profunda pecaminosidade da humani­dade. Segundo argumentava Calvino, o testemunho bíblico declarava que os seres humanos são depravados por natureza "para ensiná-los que todos eles foram atacados por uma inevitável calamidade da qual somente a mi­sericórdia de Deus os pode livrar. Como isso não podia ser provado a não ser que repousasse sobre a ruína e destruição de nossa natureza, [a Bíblia] apresenta esses testemunhos que comprovam nossa natureza totalmente perdida" (lnstitutas, 2.3.2). Visto que os seres humanos não podem salvar a si mesmos, Deus teve de entrar na situação humana por meio de Jesus, o Mediador, que veio para ser um perfeito profeta, sacerdote e rei por nós (Institutas, 2.15).

Recebemos a salvação comprada por Cristo mediante a união com ele. Calvino afirmava que "temos de entender que enquanto Cristo permanecer

158 Ü CRISTÃO PRESBITERIANO

fora de nós, e nós, separados dele, tudo o que ele sofreu e fez pela salvação da raça humana permanece inútil e sem valor para nós. Portanto, para com­partilhar conosco aquilo que recebeu do Pai, ele tinha de se tomar nosso e habitar em nós" (lnstitutas, 3.1.1). Essa habitação em nós é obra "secreta" do Espírito Santo, que estimula nossa fé em Cristo e produz um vínculo entre Cristo e nós. Porque estamos "em Cristo" e Cristo em nós, Deus nos vê como justos para com ele. Somos, também, transformados à medida que vivemos cada vez mais de acordo com o Espírito de Cristo que habita em nós e que continua a nos ensinar o que significa viver pela fé.

Os instrumentos usados pelo Espírito para nos ensinar a viver em har­monia com ele são a igreja e seus meios de graça. O principal dentre os exercícios da fé é a oração. Vivemos a comunhão com Deus por meio da oração:

Existe uma comunhão dos homens com Deus pela qual, tendo entrado no santuário celeste, eles apelam a Deus pessoalmente acerca de suas promessas, a fim de experimentarem, sempre que for necessário, que aquilo em que creram não é vão, ainda que ele o tenha prometido somente em palavras ... Isso é tão verdadeiro que desenterramos, pela oração, os tesouros apontados pelo evangelho do Senhor, os quais nossa fé tem contemplado (Institutas, 3.20.2).

A Palavra pregada e os sacramentos são essenciais para a manutenção e confirmação de nossa união e comunhão com Deus em Cristo; aqueles que não tiram proveito destes meios lançam dúvidas sobre sua posição diante de Deus em Cristo (lnstitutas, 4.1.1 ). A estrutura da igreja, governada por doutores, pastores, presbíteros e diáconos, também servia como um meio de graça fortalecedora para o povo de Deus. Em especial, Calvino restaurou o oficio de presbítero (ou "governante" da igreja) a um lugar de importância na estrutura da igreja. Ele acreditava que "os governantes eram, creio eu, presbíteros escolhidos dentre o povo, designados para a censura da moral e o exercício da disciplina junto com os bispos ... Cada igreja, portanto, teve desde o início um senado, escolhido entre homens piedosos, sérios e santos, que tinha jurisdição sobre a correção das faltas" (Institutas, 4.3.9). Assim, o princípio básico da forma de governo eclesiástico presbiteriano derivou da restauração do oficio de presbítero, feita por Calvino.

Fica claro que muitas das crenças e práticas que temos examinado nes­te livro encontraram sua origem renovada em Calvino. Ainda que muitas dessas coisas tivessem precedentes na igreja primitiva - razão pela qual Cal­vino e outros viam a si mesmos como "reformadores" e não "inovadores" - permanece o fato de que as igrejas presbiterianas em todo o mundo e em

A GLORIOSA REFORMA: CALVINO, KNOX E OS PRIMÓRDIOS DO PRESBITERIANISMO 159

todas as épocas têm encontrado sua inspiração e formação no pensamento do reformador genebrino. Porém, o presbiterianismo poderia ter permane­cido um esforço suíço e francês de renovação eclesiástica não fosse por um rebelde escocês que chegou a Genebra por volta de 1553: John Knox.

John Knox e a Revolução Escocesa

John Knox nasceu em Haddington por volta de 1513, estudou em Glasgow e possivelmente em St. Andrews, e assumiu uma pequena função religiosa e política como tabelião em sua cidade natal. Por volta de 1544, abandonou essa posição a fim de se tomar professor particular. Pouco de­pois, caiu sob a influência de George Wishart, o precursor itinerante da Reforma na Escócia. Em 1547, Knox tomou-se pregador em St. Andrews, o que acabou sendo um ministério de curta duração devido à captura do castelo pelos franceses. Foi condenado às galés, sendo transferido para a França em 1549, mas logo conseguiu fugir e acabou na Inglaterra, onde se tomou capelão de Eduardo VI. Nessa função, Knox ajudou na revisão do Livro de Oração Comum, conhecido como Segundo Livro de Oração. Em 1553, com a ascensão de· Maria Tudor, a rainha católica conhecida como "Maria, a sanguinária", Knox foi como pregador para Bucks, mas pouco tempo depois fugiu para Genebra, após uma breve estada em Frankfurt, na Alemanha.

A Genebra de Calvino foi uma revelação para Knox: ali ele encontrou o governo e a disciplina presbiteriana das igrejas, códigos morais aplica­dos pela igreja, ordem e paz na sua direção. Jasper Ridley, um biógrafo de Knox, observou: "Em Genebra, Knox se tomou firmemente calvinista, passando a nutrir uma admiração por Calvino que não havia sentido por ninguém desde Wishart". 3 Aparentemente, o que atraiu Knox foi a maneira pela qual Genebra colocou em ação o ideal do Antigo Testamento de uma comunidade político-religiosa sob a direção da Palavra de Deus. Natural­mente, Calvino não pôde alcançar plenamente esse ideal teocrático em seu próprio tempo, mas sua visão estimulou o ministério de Knox ao voltar para a Escócia, e mais tarde deu ímpeto aos esforços dos puritanos americanos no sentido de forjar uma "santa comunidade" na Nova Inglaterra. Ironica­mente, outra vez de modo muito semelhante a Calvino, Knox foi forçado pelas realidades pragmáticas da política a moderar o seu idealismo a fim de se mover gradualmente em direção a sua visão ideal. Depois de sua morte, as realidades políticas mais amplas descartaram muitas de suas realizações, mas sua visão de "coroa e pacto" trabalhando juntos sob a lei de Deus con­tinuou a ser uma inspiração para seus descendentes presbiterianos.

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Durante a estada de Knox em Genebra, a situação política da Escó­cia melhorou, de modo que ele pôde retomar em 1555 para um breve pe­ríodo de pregações e escritos. No entanto, a perseguição o forçou a fugir mais uma vez para Genebra, onde organizou uma igreja de língua inglesa. Quando em Genebra, em 1558, escreveu seu infame O Primeiro Toque da Trombeta contra o Monstruoso Regimento de Mulheres, no qual atacou im­piedosamente Maria Tudor e Maria de Guise, asseverando que os governos regidos por mulheres eram contrários à lei natural e divina. Este panfleto apareceu antes da ascensão de Elizabete I ao trono da Inglaterra e fez com que Knox não fosse aceito naquele país durante todo o seu reinado.

Finalmente, Knox retomou permanentemente à Escócia em 1559, como líder do Partido Reformador. No começo do ano seguinte, escreveu seu monumento duradouro, a Confissão Escocesa (1560), que ofereceu um resumo de sua própria perspectiva teológica e ajudou a moldar o pensa­mento presbiteriano escocês até a Assembleia de Westminster, em 164 7. Ele também elaborou o Primeiro Livro de Disciplina (1560) e o Livro de Ordem Comum (1556-64), estendendo, assim, sua influência sobre toda a igreja quanto à doutrina, disciplina e culto. Com o retomo de Maria Stuart à Escócia em 1561, Knox e Maria travaram numerosas disputas a respeito das missas particulares da rainha. Quando Knox forçou Maria a deixar o trono em 1567, ele apoiou fortemente Tiago VI, pregando em sua coroação e exercendo influência por meio do regente do rei, o Conde de Moray. Quan­do Moray foi assassinado, em 1570, Knox perdeu sua influência dentro da corte real, e quando o reformador escocês morreu, em 1572, o presbiteria­nismo ainda era uma proposta incerta. Foi somente após sua morte que sua causa triunfou plenamente.

A Confissão Escocesa serve como um bom resumo da continuidade existente entre o ensinamento de João Calvino no continente europeu e o de John Knox nas Ilhas Britânicas. São óbvios muitos pontos comuns: a ênfase no pecado original, o direito prévio de Deus de escolher aqueles que seriam salvos, a necessidade de regeneração e o chamado eficaz pela obra do Espírito Santo, as marcas da igreja como a autêntica pregação da Palavra de Deus e a ministração dos sacramentos (Knox acrescentou a disciplina eclesiástica como uma terceira marca) e a verdadeira presença "espiritual" de Cristo nos sacramentos. Contudo, a Confissão Escocesa também possui algumas outras características interessantes que continuam a tomá-la útil para a reflexão teológica. Ela enquadra muitos de seus tópicos (ou loci) na ordem histórico-redentiva encontrada na Escritura. Assim, visto que Deus é revelado no primeiro versículo da Escritura, a confissão começa com o Deus trino. A seguir, passa para a criação, especialmente a criação

A GLORIOSA REFORMA: CALVINO, KNOX E OS PRIMÓRDIOS DO PRESBITERIANISMO 161

da humanidade, para depois considerar os efeitos da queda de Adão, junto com a revelação da promessa de Deus, e delinear a continuação, o aumento e a preservação da igreja em todo o Antigo Testamento. O cumprimento da promessa de Deus aguardou a encarnação de Jesus Cristo, que é considera­da em sua ordem própria, junto com o significado de sua morte, ressurreição e ascensão. Além disso, o derramamento do Espírito Santo no Pentecostes chama a atenção para o ensino bíblico a respeito do Espírito, a vida cristã de boas obras e o estabelecimento da verdadeira igreja de Jesus Cristo. A elaboração desses tópicos à luz da história da redenção dá à Confissão Es­cocesa um sabor mais bíblico-teológico do que, por exemplo, a Confissão de Fé de Westminster.

Outro traço significativo da Confissão Escocesa é o modo como Knox fundamenta em Jesus Cristo a eleição de pecadores feita por Deus: "Esse mesmo Deus e Pai eterno, que somente pela graça nos escolheu em seu Filho Cristo Jesus antes da fundação do mundo, o designou para ser nossa cabeça, nosso irmão, nosso pastor e o grande bispo de nossas almas". Knox prosseguiu dizendo que

Por esta mui santa irmandade, tudo aquilo que perdemos em Adão nos é novamente restaurado. Portanto, não tememos chamar a Deus de Pai, não tanto porque ele nos criou, algo que temos em comum com os réprobos, mas porque ele nos deu seu único Filho para ser nosso irmão, dando-nos a graça de reconhecê-lo e abraçá-lo como nosso único Mediador (Confissão Escocesa, cap. 8).

Enquanto que a Confissão de Fé de Westminster, que veio mais tarde, coloca o propósito eletivo de Deus antes do início do tempo em uma se­quência lógica de decretos abstratos, Knox e a Confissão Escocesa situam a eleição no propósito de Deus de entrar no mundo por meio de Jesus.

Depois da morte de Knox, em 1572, a união entre a coroa e a igreja foi consumada na Confissão do Rei, em 1581. Temeroso de que o catolicismo romano pudesse ser reavivado na Escócia, John Craig, o sucessor de Knox, escreveu essa breve declaração do presbiterianismo. Ela foi afirmada pelo rei, James Stuart, e por sua casa; com o passar do tempo, foi exigido que todo o clero paroquial bem como todos os graduandos das universidades escocesas a subscrevessem. A Confissão foi reafirmada em 1590 e 1595. Mais tarde, após a unificação da Escócia e da Inglaterra por meio da família real Stuart, Carlos 1 tentou impor o Livro de Oração Comum bem como uma forma de governo eclesiástico episcopal, em 1637. Em reação a isso, muitos escoceses afirmaram o Pacto Nacional, em 1638, que tomou como base a Confissão do Rei e abjurou o livro de oração e o episcopado. Os que

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assinaram esse documento ficaram conhecidos como "Covenanters" ("pac­tuantes"). Embora tenham sido perseguidos implacavelmente por Carlos I e seu arcebispo de Cantuária, William Laud, os Covenanters apoiaram a aproximação com o Parlamento Inglês e acabaram assinando a "Liga e Pacto Solene", em 1643, comprometendo as duas partes na busca de uma doutrina, culto e governo eclesiástico comuns. Como parte desse acordo, os escoceses enviaram representantes à Sala de Jerusalém, na Abadia de Westminster, para se unirem aos representantes da igreja inglesa visando forjar e codificar um presbiterianismo unificado.

A Assembleia de Westminster e a codificação do presbiterianismo

Em 1640, quando o exército escocês marchou para a Inglaterra, Car­los I foi forçado a convocar o Longo Parlamento. Uma das tarefas a que o Parlamento se dedicou foi a reforma da igreja. Em 1642, o Parlamento aprovou uma lei determinando a convocação de um sínodo de ministros para esse propósito, mas ela não recebeu a chancela real. No ano seguinte, o Parlamento emitiu uma ordem exigindo tal assembleia. No dia 1 º de julho de 1643, a assembleia, constituída de 151 delegados, reuniu-se na Abadia de Westminster com o objetivo de reformar a igreja. Inicialmente, a assem­bleia recebeu a incumbência de revisar os Trinta e Nove Artigos da Igreja da Inglaterra a fim de remover quaisquer vestígios de arminianismo ou catoli­cismo romano. Quando, em agosto e setembro de 1643, foi assinada a Liga e Pacto Solene por representantes ingleses e escoceses, a tarefa da assembleia se transformou dramaticamente. Agora, ela ficou incumbida de produzir "a mais estreita conjunção de uniformidade de religião, confissão de fé, forma de governo eclesiástico, orientação para o culto e para a catequese".4 O Pacto significou que a Assembleia de Westminster gastaria a maior parte do tempo tratando do governo eclesiástico e do culto. Era sobre essas questões que os diferentes representantes nacionais que se uniram nos procedimen­tos tinham suas divergências mais profundas. Embora a assembleia tenha produzido um diretório do culto, ele não foi aprovado pela igreja escocesa, e embora a assembleia tenha forjado uma forma de governo presbiteriano atenuada por preocupações congregacionais e episcopais, ela também nun­ca foi adotada por nenhuma das partes devido a conflitos sobre a jurisdição dos concílios eclesiásticos e a natureza das censuras eclesiásticas.

A única contribuição da Assembleia de Westminster que teve um im­pacto realmente duradouro foram os padrões doutrinários elaborados por

A GLORIOSA REFORMA: CALVINO, KNox E os PRIMÓRDIOS DO PRESBITERIANISMO 163

seus teólogos. A Confissão de Fé levou 27 meses para ser elaborada: foi concluída em 4 de dezembro de 1646, sendo aprovada pela Assembleia Geral Escocesa em 27 de agosto de 1647 e pelo Parlamento Inglês em 20 de junho de 1648. O Catecismo Maior, baseado em parte na obraBo~ ofDivi­nity, do bispo anglicano James Ussher, teve como autor principal Anthony Tuckney; nele, Tuckney tentou reafirmar o ensino da Confissão de Fé na forma de perguntas e respostas. O Breve Catecismo também foi de autoria de Tuckney, com o auxílio de John Wallis. Esses padrões foram concluídos em 1647 e aprovados pelas autoridades nacionais em 1648. Após a restau­ração do governo real com o retomo de Carlos II em 1660, uma das ironias foi que os Padrões de Westminster não puderam preservar a ortodoxia no presbiterianismo inglês, que se tomou essencialmente unitário em meados do século 18. Os Padrões de Westminster exerceriam sua maior influência sobre o presbiterianismo escocês e, mais tarde, sobre o presbiterianismo da América do Norte. De igual modo, esses Padrões teriam grande influência na vida congregacional e batista, à medida que cada um desses grupos de­nominacionais produziu suas versões levemente modificadas da Confissão de Fé de Westminster e do Breve Catecismo. Portanto, a assembleia pro­duziu um padrão confessional que exerceu grande influência em cada área da igreja presbiteriana, exceto aquela para a qual tinha sido originalmente concebido - a igreja oficial da Inglaterra. Os Padrões continuam a exercer essa forte influência ainda hoje.

Isso se evidenciou recentemente na comemoração dos 350 anos dos Padrões de Westminster. Presbiterianos, batistas e congregacionais conser­vadores produziram muitos livros para celebrar a ocasião. Igualmente, na última década multiplicaram-se os esforços no sentido de estudar os Pa­drões em seus contextos sociais, políticos e religiosos originais. Além dis­so, temos tentado, no presente livro, levar a sério as crenças presbiterianas conforme representadas pelos Padrões. Pode chegar o dia em que esses Padrões venham a ser substituídos por melhores resumos da fé presbite­riana; pode chegar o dia em que haverá um autêntico avanço doutrinário à medida que os presbiterianos continuam a estudar a Palavra de Deus, a refletir sobre o caráter trino de Deus e a se alegrar com as maravilhas de sua graça. Como disse certa vez o renomado estudioso e teólogo presbiteriano J. Gresham Machen: "Tal avanço doutrinário certamente é concebível. É perfeitamente concebível que a igreja venha a examinar os erros específicos dos dias atuais e coloque contra eles, de modo ainda mais claro do que é feito nos credos existentes, a verdade contida na Palavra de Deus".5 No en­tanto, até que chegue tal dia, podemos ser gratos pelo trabalho dos doutores

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de Westminster e sua síntese fiel das coisas mais seguramente cridas pelos presbiterianos em sua história como povo de Deus.

Perguntas para reflexão e recapitulação

1. Você já pensou em como seria a vida religiosa se a Reforma não tivesse ocorrido? Quais são algumas outras diferenças que nos vêm à mente ao imaginarmos o mundo sem o protestantismo?

2. Em nosso panorama geral da Reforma, estudamos diversos efeitos políticos, culturais e sociais causados pela mudança religiosa. E hoje, que diferença faz ser protestante ou reformado? Se amanhã as igrejas protestantes deixassem de existir, que diferença isso faria para o tecido social e cultural?

3. Como as reflexões de Calvino quanto à Trindade diferem da maneira pela qual muitas vezes pensamos sobre Deus? Que significa para os cristãos chamar o Deus único de Pai, Filho e Espírito?

4. Os críticos de Calvino frequentemente o consideram frio, distante e calculista; como o retrato de Calvino apresentado neste capítulo questiona essa imagem (especialmente o que ele fala sobre a união com Cristo e a oração)?

5. Quais os pontos fortes que você vê na Confissão Escocesa de Knox? De que maneira a Confissão Escocesa poderia servir como um guia para novas reflexões nas discussões confessionais e teológicas contemporâneas?

6. Como a união entre a igreja e o estado na Escócia e na Inglaterra dos séculos 16 e 17 moldaram a reflexão teológica daquele período? Como a separação contemporânea entre igreja e estado muda o modo de fazermos uma confissão teológica?

7. De que maneira o fato de os Padrões de Westminster terem sido produzidos por uma comissão influencia nosso entendimento dos documentos como um todo?

8. Se houver no futuro uma revisão da confissão de fé, que forma deveria ter? Quais seriam algumas questões essenciais que você gostaria de ver tratadas ou desenvolvidas em uma futura confissão de fé reformada?

A GLORIOSA REFORMA: CALVINO, KNox E os PRIMÓRDIOS DO PRESBITERIANISMO 165

Leituras adicionais

Existem inúmeros estudos deste período que são interessantes e úteis sobre os tópicos acima. Os seguintes servem como boa introdução para a literatura mais ampla.

BENEDICT, Philip. Christ 's Churches purely reformed: A social history of Calvinism. New Haven: Yale University Press, 2002.

CALVINO, João. As Institutas: edição clássica. 4 vols. Trad. Waldyr C. Luz. 2ª ed. São Paulo: Cultura Cristã, 2006.

CALVINO, João. As Institutas: edição especial com notas para estudo e pesquisa. Da edição francesa de 1541. 4 vols. Trad. Odayr Olivetti. São Paulo: Cultura Cristã, 2006.

CALVINO, João. Cartas de João Calvino. São Paulo: Cultura Cristã, 2009.

DUNCAN, J. Ligon III. Ed. The Westminster Confession into the 21s1

century. 3 vols. Feam, Escócia: Christian Focus, 2003-2005. FARIA, Eduardo Galasso (Org.). João Calvino: textos escolhidos. São

Paulo: Pendão Real, 2008. LEITH, John H. Assembly at Westminster: Reformed theology in the

making. Richmond, Virgínia: John Knox, 1973. LUZ, Waldyr Carvalho. John Knox: o patriarca do presbiterianismo. São

Paulo: Cultura Cristã, 1999. MACLEOD, John. Scottish theology in relation to church history since the

Reformation. 1948. Reimpressão. Greenville, Carolina do Sul: ReformedAcademic Press, 1995.

McGRATH, Alister. A vida de João Calvino. São Paulo: Cultura Cristã, 2004.

OZMENT, Steven. The age of reform, 1250-1550: an intellectual and religious history of late medieval and Reformation Europe. New Haven: Yale University Press, 1980.

PAUL, Robert S. The assembly of the Lord: politics and religion in the Westminster Assembly and the "Grand Debate". Edimburgo, Escócia: T&T Clark, 1985.

TORRANCE, Thomas F. Scottish theology from John Knox to John MacLeod Campbell. Edimburgo: T &T Clark, 1996. Este livro tem uma argumentação muito peculiar, mas apresenta uma útil discussão da Confissão Escocesa (1560), de Knox, nas páginas 1-49.

WALLACE, Ronald. Calvino, Genebra e a Reforma. São Paulo: Cultura Cristã, 2003.

Capítulo 10

TAREFA NUMA TERRA SELVAGEM:

Ü PRESBITERIANISMO AMERICANO

INICIAL

Pouco DEPOIS QUE A ASSEMBLEIA DE WESTMINSTER CONCLUIU o SEU TRABALHO,

os presbiterianos começaram a surgir no Novo Mundo. Muitos deles eram escoceses e escoceses-irlandeses que emigraram para essa terra virgem, buscando oportunidades mais amplas, novas terras e liberdade de culto conforme criam apropriado. Quando esses imigrantes fizeram da América do Norte sua pátria, trouxeram com eles seu presbiterianismo. Fixaram-se nos estados atlânticos centrais, especialmente na Pensilvânia, Nova Jersey e norte da Virgínia. Com o tempo, os escoceses-irlandeses também chegaram aos Montes Shenandoah da Virgínia, plantando numerosas igrejas presbiterianas que existem até hoje. Outros imigrantes ingleses foram para as regiões mais tarde conhecidas como Nova Inglaterra e Long Island. Estes tinham crenças e práticas semelhantes às presbiterianas, mas inicialmente praticaram uma forma congregacional de governo eclesiástico. Eles também abraçavam uma história diferente sobre si mesmos e sobre sua herança no "Velho Mundo". Com o tempo, esses dois grupos - colonos ingleses da Nova Inglaterra e de Nova York, e colonos escoceses e escoceses-irlandeses dos estados atlânticos centrais - acabariam se unindo para dar início a uma nova história conjunta como presbiterianos na América.

168 Ü CRISTÃO PRESBITERIANO

Plantando o presbiterianismo no Novo Mundo

Não está muito claro quando foi fundada a "primeira" igreja presbi­teriana dos Estados Unidos. Parece que houve movimentos simultâneos de fé e prática presbiteriana em vários locais diferentes. Por exemplo, a igreja mais antiga de Long Island, Igreja Presbiteriana de Jamaica, data de pelo menos 1672, enquanto que a Primeira Igreja Presbiteriana de Filadélfia foi fundada em 1698. Contudo, ao que parece essas igrejas tiveram pouco con­tato uma com a outra. De igual modo, foram implantadas igrejas presbite­rianas no norte da Virgínia ainda em 1699. Essas igrejas da Virgínia foram plantadas pelo homem mais importante da história inicial do presbiterianis­mo norte-americano, Francis Makemie.

Makemie nasceu na Irlanda por volta de 1658. Depois de estudar em Glasgow, na Escócia, foi ordenado como missionário pelo Presbitério de Laggan, na Irlanda, em 1682. Ele aportou na América em 1683 e viajou ex­tensamente na Carolina do Norte, Virgínia, Maryland e Nova York. Depois de passar um tempo ministrando na ilha caribenha de Barbados, Makemie fixou residência em Accomac, na Virgínia. De lá, administrou sua empresa mercantil, que era bastante lucrativa, e plantou igrejas na região. Em 1704-1705, voltou à velha pátria a fim de recrutar pastores para as igrejas de Ma­ryland e levantar recursos para o trabalho missionário no Novo Mundo.

O gênio empresarial e organizacional de Makemie o levou a promover a formação do primeiro presbitério da América do Norte, em 1706. Ele reu­niu sete pastores, todos escoceses ou escoceses-irlandeses, em Filadélfia, em março daquele ano. Esses ministros - vindos de Maryland, Delawa­re, Pensilvânia e Virgínia - concordaram em se reunir anualmente "para consultar sobre as medidas mais apropriadas para o avanço da religião e a propagação do cristianismo em nossas diferentes regiões e manter uma correspondência tal que conduza ao aperfeiçoamento de nossa capacidade ministerial" .1 O presbitério também assumiu a função de examinar e licen­ciar pastores. Tendo tal organização, pôde ser efetuada a cooperação com os congregacionais da Nova Inglaterra e com os nascentes presbiterianos de Long lsland e de Nova Jersey.

Um dos incidentes mais famosos da carreira de Makemie foi sua di­vergência com Lorde Combury, de Nova York, em 1707. No começo da­quele ano, Makemie foi detido por Combury por pregar sem licença, sendo mantido na prisão por três meses. Em junho, foi absolvido quando argu­mentou em sua própria defesa que sua licença de pregador dissidente era válida para pregar em Nova York e que o Ato Britânico de Tolerância per­mitia que pastores não anglicanos pregassem sem perturbação da parte das autoridades. Essa vitória foi um marco importante nas argumentações que

TAREFA NUMA TERRA SELVAGEM: Ü PRESBITERIANISMO AMERCIANO INICIAL 169

se desenvolviam quanto à liberdade religiosa no Novo Mundo. Mak:emie deixou Nova York, seguiu para Boston e ali publicou um relato dos maus­tratos recebidos que acabou levando Combury a ser chamado de volta para a Inglaterra em 1709. Contudo, Makemie não pôde ver essa vitória política. O ministério itinerante, bem como o rude tratamento recebido da parte de Cornbury, minou sua saúde. Ele morreu em 1708, amplamente reconhecido como "o pai do presbiterianismo americano".

Dez anos após a primeira reunião do presbitério, as igrejas presbiteria­nas tinham se multiplicado por todos os estados atlânticos centrais. Agora havia 25 pastores, representando um espectro mais amplo de origens: gale­ses e ingleses se somavam aos escoceses e escoceses-irlandeses. Em 1716, o Presbitério de Filadélfia decidiu criar um sínodo que supervisionasse três presbitérios: Filadélfia, New Castle (Maryland e Delaware) e Long Island. Infelizmente, as igrejas da Virgínia que Makemie havia plantado não sobre­viveram à sua morte, embora mais tarde tenham sido reativadas e tenham atribuído a ele suas raízes espirituais. Sintomaticamente quanto ao futuro, o sínodo não adotou um padrão doutrinário naquela época. Talvez isso tenha ocorrido porque a igreja ainda era relativamente pequena e a maior parte dos pastores tinha vindo do Velho Mundo. Cada ministro sabia a posição dos outros e atestava sua integridade doutrinária e espiritual. Porém, até meados da década seguinte as relações pessoais e a confiança que caracteri­zavam esses líderes eclesiásticos pioneiros seriam substituídas por um tipo mais formal de subscrição a padrões doutrinários particulares.

Primeiros conflitos e tomada de posições

Em 1721, o Sínodo de Filadélfia tratou do difícil caso de Robert Cross, um pastor do Presbitério de New Castle. Cross foi acusado de fornicação. Seu presbitério transferiu o caso para o Sínodo sem fazer uma investiga­ção. O Sínodo investigou o caso e concluiu que Cross era culpado, após o que ele admitiu que havia pecado. A punição imposta pelo Sínodo foi afastar Cross do púlpito por quatro domingos consecutivos; fora isso, ele devia continuar como pastor de sua igreja e foi considerado um membro de seu presbitério em situação regular. Vários membros do Presbitério de New Castle protestaram contra essa decisão; um certo George Gillespie fez repetidas propostas ao Sínodo no sentido de reconsiderar o assunto. O Sínodo recusou-se a reconsiderar o caso de Cross, o que incomodou vários homens, que acreditavam ser a questão não apenas um problema moral, mas também de aberrações doutrinárias. Foi este o início da "controvérsia da subscrição".

170 Ü CRISTÃO PRESBITERIANO

No início da década de 1720, o Presbitério de New Castle tomou a ini­ciativa de exigir que os candidatos ao ministério subscrevessem os Padrões de Westminster. Liderados por John Thomson, os presbíteros de New Cas­tle acreditavam que a única forma de proteger a pureza doutrinária e moral da igreja seria requerer que os ministros declarassem aceitar os Padrões de Westminster como sua confissão de fé; isto é, os Padrões de Westminster resumiam aquilo que eles criam ser ensinado pela Bíblia. Jonathan Dickin­son, um pastor de Nova Jersey, se opôs a esse entendimento de Thomson e seus aliados.

Dickinson foi um dos homens mais destacados de sua época. Nascido em 1688 em Massachusetts, ele fez parte de uma das primeiras turmas do Yale College. Depois de estudar teologia por dois anos, foi ordenado pastor da Igreja Congregacional de Elizabeth, Nova Jersey, onde serviu até o final da vida. Enquanto pastoreava essa igreja, Dickinson convenceu sua congre­gação a se filiar ao Presbitério de Filadélfia, em 1717. Quase imediatamen­te, ele se tomou um líder do presbitério. À medida que a controvérsia da subscrição se desenrolava na década de 1720, Dickinson defendeu consis­tentemente que a consciência das pessoas deveria ser submissa somente à Bíblia, não a qualquer documento humano. Ao forçar os pastores a subscre­verem credos, dizia ele, a igreja estava difamando a suficiência da Palavra e do Espírito para resolver disputas doutrinárias.

Dickinson e Thomson logo travaram uma guerra de panfletos sobre a questão da subscrição. Thomson refutou as alegações de Dickinson de que a subscrição denegria a suficiência das Escrituras. Ao contrário, a subscri­ção era de vital importância para assegurar que todos os oficiais da igre­ja lessem a Escritura da mesma forma e apresentassem ao povo uma voz conjunta. Devido ao rápido crescimento da igreja, ressaltou Thomson, era quase impossível verificar tudo o que devia ser conhecido a respeito dos pastores em potencial. O melhor modo de assegurar a ortodoxia da igreja seria requerer a subscrição de uma confissão comum. Dickinson replicou dizendo que o melhor modo de assegurar a ortodoxia seria investigar a ex­periência de conversão dos candidatos ao ministério. Como um pastor se relacionava com Deus era muito mais importante do que se ele assinou ou não um determinado credo, dizia Dickinson.

Dickinson e Thomson foram influenciados pelas batalhas sobre fal­sas doutrinas que se travavam nas igrejas presbiterianas da Escócia e da Irlanda. Os conservadores de ambas as igrejas insistiam que a subscrição era o melhor meio de repelir tais doutrinas. Esses debates atravessaram o Atlântico e rapidamente surgiram na próspera igreja presbiteriana da Amé­rica. Aqueles que vieram do Velho Mundo, cujas origens eram as igrejas

TAREFA NUMA TERRA SELVAGEM: Ü PRESBITERIANISMO AMERCIANO INICIAL 171

presbiterianas escocesas e irlandesas, temiam os mesmos problemas e pro­punham as mesmas soluções. Em contraste com isso, os da Nova Inglaterra, que originalmente tinham sido congregacionais, não tinham de subscrever os Padrões de Westminster ou a Plataforma de Saybrook, a versão congre­gacional da Confissão de Fé de Westminster. A subscrição era considerada um remédio artificial que perdia de vista o problema maior da infidelidade espiritual.

Em 1727, sob a liderança de Thomson, o Presbitério de New Castle enviou um documento ao sínodo pedindo a adoção oficial e a subscrição dos Padrões de Westminster. A medida foi encaminhada aos presbitérios, que a debateram e insistiram que o sínodo tratasse da questão. Quando a proposta foi apresentada no ano seguinte, o sínodo decidiu que essa questão era demasiado importante para ser resolvida por uma assembleia delegada. Os presbíteros resolveram deixar a proposta sobre a mesa até 1729 e pedi­ram que todos os pastores e presbíteros representantes se esforçassem para assistir a reunião do sínodo.

O que aconteceu naquele ano foi uma questão grandemente debatida por muitos anos; na verdade, os historiadores continuam a terçar armas sobre o que exatamente fez o sínodo. Alguns disseram que, quando o sí­nodo deliberou adotar os Padrões de Westminster, ele promulgou um "ato de adoção" que se efetivou em dois estágios. O ato "matutino" detalhou o que se entendia por subscrição, distinguindo entre artigos essenciais e não essenciais, e permitindo "escrúpulos" ou exceções aos Padrões. O ato "ves­pertino" foi a adoção em si dos Padrões de Westminster pelo sínodo. Outros sustentaram que houve duas ações separadas: o ato matutino, que permitiu apenas um escrúpulo para aqueles que protestavam contra o capítulo sobre o magistrado civil, e o ato vespertino, que "pura e simplesmente" adotou os Padrões. De qualquer modo que o ato de adoção fosse entendido, uma coisa ficou clara: ele comprometeu a igreja presbiteriana da América com os Padrões de Westminster. A partir daquele momento, houve pouca dúvida de que as doutrinas sintetizadas naqueles documentos do século 17 eram as doutrinas que essas igrejas criam ser bíblicas e que seriam oficialmente ensinadas por elas. Se alguém discordasse do ensino da igreja, estaria dis­cordando dos Padrões. Porém, esse ato de adoção também continuaria a ser uma decisão contestada e disputada. Em 1730 e novamente em 1736, o Sínodo procurou esclarecer o que pretendeu com esse ato de adoção. O fato de que a subscrição dos Padrões tem sido continuamente a questão mais dificil enfrentada pelos presbiterianos em toda sua história demonstra que o ato de adoção resolveu muito pouco, quer em 1729, quer no século 21.

172 Ü CRISTÃO PRESBITERIANO

Outro problema rapidamente veio à tona. A subscrição teológica era uma via pela qual o Sínodo podia garantir que os ministros a serem rece­bidos eram ortodoxos. Outra via era a investigação da formação teológica recebido pelos candidatos ao ministério. A ideia era que, se pudesse ser comprovado que o ministro em potencial vinha de uma universidade apro­vada, então era muito mais provável que ele fosse ortodoxo em suas con­cepções doutrinárias. Em última análise, essa solução acabou se dividindo em correntes semelhantes às da controvérsia da subscrição. Os pastores re­centemente vindos do Velho Mundo - da Escócia e do Ulster - a apreciaram muito; os ministros da Nova Inglaterra - especialmente ministros e candi­datos nascidos na América, que tinham recebido sua formação teológica como aprendizes de outros pastores - se opuseram a ela. Além do mais, essa solução se tomou controversa porque parecia visar um pastor em particular e seu curso de treinamento pastoral: William Tennent Sr. e seu Log College ("Colégio de Toras").

Ironicamente, é provável que Tennent tenha nascido na Irlanda por volta de 1673. Após receber sua formação na Universidade de Edimburgo, acabou sendo ordenado pela Igreja Anglicana. Por alguma razão, por volta de 1718 emigrou para Nova York e foi recebido na igreja presbiteriana. Após trabalhar por vários anos em Nova York, mudou-se para o Conda­do de Bucks, na Pensilvânia, onde serviu duas igrejas, uma em Warwick e outra em Bensalem. Sua casa de toras em Warminster, na Velha Estra­da de York, servia em parte como hotel e em parte como seminário para um contínuo fluxo de estudantes que Tennent preparava para o ministério. Ele treinou não somente seus próprios quatro filhos, mas também diversos outros estudantes que deixaram suas marcas no presbiterianismo colonial - homens como Samuel e John Blair, Samuel Finley, William Robinson, John Rowland e Charles Beatty. Esse contingente de "homens do Colégio de Toras'', como foram chamados pelos detratores, enfatizavam uma pieda­de calorosa e sincera com uma pregação que buscava a conversão de seus ouvintes.

Em 1738, o Sínodo exigiu que todos os candidatos ao ministério ti­vessem um grau universitário, quer de uma faculdade ou universidade do Velho Mundo, quer de uma das duas faculdades da Nova Inglaterra, Har­vard ou Yale. Todavia, a essa altura estavam em atuação outras forças que misturaram a questão da educação teológica com os problemas levanta­dos pelo evento religioso mais importante da América colonial, o Grande Despertamento. Os filhos de Tennent, em especial o mais velho, Gilbert, foram importantes aliados de George Whitefield, um ministro anglicano itinerante que estava viajando por toda a orla marítima, atraindo enormes

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multidões e desencadeando imensa energia espiritual. De 1739 a 1742, a empolgação religiosa despertada por Whitefield dominou todas as denomi­nações americanas - congregacionais, batistas, anglicanos e, em especial, os presbiterianos.

O resultado disso foi uma grande divisão na igreja presbiteriana em 1741. Os partidos ficaram conhecidos como Ala Velha e Ala Nova. A Ala Velha se opunha ao Grande Despertamento, não porque não gostasse do evangelismo, mas porque temia os efeitos caóticos do ministério itinerante. Conforme entendiam os da Ala Velha, Whitefield e Gilbert Tennent, junto com alguns avivalistas menos conhecidos, invadiam igrejas, tomavam púl­pitos e instavam com os membros das igrejas a deixar suas congregações originais. A Ala Velha também acreditava que havia grande desordem na educação recebida pelos formandos do Colégio de Toras de Tennent. Tal irregularidade, os da Ala Velha pensavam, em lugar dos "canais" regulares da educação no Velho Mundo (ou mesmo, ainda que a contragosto, em Harvard e Yale), conduziria à inquietação espiritual do povo e por fim à destruição do presbiterianismo colonial. Finalmente, a Ala Velha acreditava que a ordem presbiteriana era prejudicada pelas concepções "frouxas" de seus opositores quanto à subscrição. A Ala Velha continuava a proclamar a importância de uma subscrição "estrita" dos Padrões como meio de pro­mover a ordem.

Por sua vez, a Ala Nova achava que a Ala Velha era tão ordeira que perdia de vista a coisa mais importante do cristianismo: o novo nascimento. Influenciada por um encontro com o pietismo holandês, bem como com o nascente movimento metodista representado por Whitefield e John e Char­les Wesley, a Ala Nova insistia que tanto os ministros quanto os membros necessitavam de um encontro pessoal com Jesus Cristo. Essa experiência de conversão seria caracterizada por um intenso senso de convicção do pe­cado produzido pela lei, por um correr para Cristo em busca de salvação e pela segurança outorgada pelo Espírito. A Ala Nova também acreditava que, se os pastores não tinham essa experiência de conversão, os membros da igreja tinham o direito de sair para iniciar novas igrejas. O resultado era previsível: muitas igrejas presbiterianas se dividiram em facções Ala Velha e Ala Nova.

O líder da Ala Nova era Gilbert Tennent, o filho mais talentoso de William Tennent. Nascido em 1703 no condado de Armaugh, na Irlanda, Gilbert veio com seus pais para a América em 1718. Foi educado por seu pai e depois recebeu o grau de mestre em artes no Yale College, em 1725. Foi licenciado pelo Presbitério da Filadélfia e mais tarde exerceu o pasto­rado em New Brunswick, Nova Jersey. Foi ali que ele se encontrou com o

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pregador holandês Theodore Frelinghuysen, que insistiu que ele conside­rasse a importância da piedade fervorosa e da conversão imediata no novo nascimento. Tennent começou a pregar a necessidade do novo nascimento e obteve algum êxito em sua própria congregação. Ele também assumiu um importante papel de liderança no presbitério e se tomou um aliado de Whi­tefield durante a primeira turnê deste último na América em 1739.

O ponto de transição inicial no ministério de Tennent foi um sermão que pregou em 1740 em Nottingham, Pensilvânia, sobre "Os perigos de um ministério não convertido". Tennent usou o sermão para atacar os ministros da Ala Velha como guias cegos e "multidões de fariseus", para defender as "escolas particulares ou seminários de aprendizado sob os cuidados de cristãos habilidosos e experientes" (como o "Colégio de Toras" de seu pai) e para insistir que somente aqueles que pudessem dar testemunho de uma experiência de conversão poderiam se candidatar ao ministério.2 Não é de surpreender que a Ala Velha tenha ficado furiosa com esse sermão, não só pelas calúnias pouco cristãs que Tennent lançou contra o caráter ministerial da Ala Velha, mas também porque havia pregado esse sermão como itine­rante em um púlpito que não era o seu! Era exatamente esse o perigo contra o qual a Ala Velha advertia. A animosidade continuou a crescer durante aquele ano até que a Ala Velha conseguiu forçar a Ala Nova a se retirar para o Presbitério de New Brunswick, um presbitério independente da Ala Nova que se compunha dos aliados de Tennent. Em 1745, a Ala Nova acabou recebendo os presbiterianos de Long Island para formar o novo Sínodo de Nova York.

Os dois lados coexistiram de modo inquieto em dois sínodos separados nos treze anos seguintes, durante os quais ocorreu outro evento significativo da história presbiteriana. Desejosos de uma instituição de ensino superior oficialmente reconhecida e vendo a necessidade criada pela "defecção" de Harvard e Yale para a coalizão contrária ao avivamento, os presbiterianos da Ala Nova criaram em 1746 o Colégio de Nova Jersey. Reconhecida pelo evangélico Jonathan Belcher, governador de Nova Jersey, a escola teve iní­cio na casa pastoral de seu presidente, Jonathan Dickinson, em Elizabeth, Nova Jersey. Infelizmente, Dickinson faleceu quase que imediatamente, inaugurando um padrão entre os líderes da instituição que continuou du­rante a maior parte do período inicial da vida dessa escola. Outro pastor presbiteriano, Aaron Burr Sr., assumiu a escola e a transferiu para sua casa pastoral em Newark, Nova Jersey. Finalmente, em 1756, a escola teve sua localização definitiva em Princeton, Nova Jersey, onde foi construído um novo edificio, o Nassau Hall. Burr sobreviveu apenas ao primeiro ano em Princeton. Seu sogro, o famoso pregador e teólogo Jonathan Edwards, foi

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chamado para sucedê-lo; Edwards viveu apenas mais seis semanas antes de morrer em 1758. Depois de outros breves mandatos de Samuel Davies e Samuel Finley, o Colégio de Princeton finamente obteve uma liderança estável com a chegada do escocês John Witherspoon.

Embora a Ala Velha e a Ala Nova estivessem divorciadas, o trabalho de plantação de igrejas e evangelismo ainda prosseguia. Os dois grupos plantaram igrejas entusiasticamente na Virgínia. AAla Nova criou um pres­bitério perto da moderna Richmond, mediante os esforços do poderoso pre­gador Samuel Davies. Elementos da Ala Nova também conseguiram criar um presbitério perto de Lexington, Virgínia, mediante os esforços de John Blair. No Vale de Shenandoah, John Thomson e John Craig, missionários da Ala Velha, criaram igrejas entre os colonos escoceses-irlandeses. Um dos templos presbiterianos mais antigos em uso contínuo, a Igreja Presbi­teriana de Augusta Stone, se encontra em Staunton, na Virgínia. O edifício data de aproximadamente 1740. Outra igreja da Ala Velha criada por Craig foi a Igreja Presbiteriana de Tinkling Spring, também próxima a Staunton, na moderna cidade de Fishersville.

Em 1743, depois da divisão, Gilbert Tennent mudou-se para Filadélfia a fim de pastorear a Segunda Igreja Presbiteriana. A igreja usava um tem­plo interdenominacional que havia sido erguido por Whitefield; o contrato explicitamente permitia seu uso por todos os grupos evangélicos. A igreja de Tennent usou o prédio por alguns anos, mas logo percebeu a necessidade de um edifício próprio. Além disso, Tennent fazia ataques públicos contra os quacres, apontando seus erros teológicos. Esse passo em falso ecumêni­co levou à expulsão da Segunda Igreja daquele prédio. Quando Whitefield manteve a decisão dos curadores contra o amigo Tennent, o relacionamento de ambos ficou estremecido. Por sua vez, Tennent começou a reconhecer que seu papel no Grande Despertamento tinha causado divisões desneces­sárias. Em 1749, ele começou a trabalhar em favor da unificação das duas alas, escrevendo um livro intitulado Irenicum Ecclesiasticum; or, A humble impartial essay upon the peace of Jerusalem ("Irenicum Ecclesiasticum ou um ensaio humilde e imparcial sobre a paz de Jerusalém"). Contudo, as feridas da divisão ainda estavam abertas demais para que houvesse a união. Além disso, o Sínodo de Nova York ainda não tinha a força numérica para obter concessões da parte do Sínodo de Filadélfia, da Ala Velha, em qual­quer possível reaproximação.

Seguindo um padrão que seria reproduzido muitas vezes na história do presbiterianismo, uma guerra acabou unindo os dois lados. A Guerra dos Sete Anos (também conhecida como Guerra Francesa e Indígena) começou em 1757, fazendo com que as colônias britânicas se unissem para lutar

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contra os "bárbaros" (americanos nativos) e o "anticristo" (os franceses católicos romanos). Enquanto os colonos se uniam para cooperar contra um inimigo comum, as duas alas presbiterianas, antes em guerra, concordaram em fazer as pazes. A Ala Velha aceitou o Colégio de Nova Jersey, da Ala Nova, como uma instituição presbiteriana; ela também concordou que os ministros deviam ser examinados quanto ao novo nascimento e à genuína piedade. A Ala Nova concordou que a subscrição confessional era impor­tante e que o treinamento teológico irregular não deveria ser tolerado. Em 1758, os dois sínodos se uniram para formar o Sínodo de Filadélfia e Nova York.

Rumo ao presbiterianismo americano

Embora a paz tivesse retomado à igreja, as coisas continuaram mudan­do na faculdade presbiteriana de Princeton, em Nova Jersey. Poucos meses antes de ser consumada a reunião das Alas Velha e Nova, o presidente da faculdade, Jonathan Edwards, morreu de complicações resultantes de uma vacina contra varíola. Edwards, o poderoso teólogo e defensor do Grande Despertamento, foi presidente por apenas seis semanas antes de falecer. Ele era congregacional, mas tinha fortes afinidades e contatos com os principais presbiterianos de sua época. Em 1720, na tenra idade de dezessete anos, teve oportunidade de pregar a um grupo presbiteriano na cidade de Nova York. Mesmo depois que se tomou pastor da igreja congregacional de Nor­thampton, em Massachusetts, alguns de seus amigos mais próximos eram presbiterianos escoceses como John Erskine, John MacLaurin, James Robe e William McCulloch. Ele chegou a confidenciar a Erskine que

Quanto a minha subscrição da substância da Confissão de Fé de Westminster, não haveria nenhuma dificuldade; quanto ao governo presbiteriano, há muito tenho minha opinião contrária à forma instável, independente e confusa de governo eclesiástico nesta nossa terra. A forma presbiteriana sempre me pareceu mais condizente com a Palavra de Deus, e com a razão e natureza das coisas.3

Ele também estabeleceu um bom número de amizades com presbite­rianos da Ala Nova, assistindo à reunião do Sínodo de Nova York em 1752. Edwards atribuiu a essas conexões presbiterianas o seu chamado para Prin­ceton. Na providência de Deus, tal chamado perdurou apenas seis semanas, deixando muitos historiadores a imaginar "o que teria acontecido" se ele tivesse vivido mais.

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Os curadores do Colégio de Princeton também se perguntaram o que fazer. Eles se voltaram para um dos jovens amigos de Edwards, Samuel Davies, ministro presbiteriano da Virgínia. Em certo sentido, esta foi uma escolha natural, porque alguns anos antes ele havia sido muito atuante no levantamento de recursos para a escola, tendo feito uma turnê de quase um ano na Grã-Bretanha e na Irlanda em busca de auxílio financeiro para a construção do Nassau Hall e da casa do presidente da escola. A eleição de Davies foi festejada pelos curadores e estudantes, mas, como a de seu pre­cursor, teve curta duração. Dezoito meses mais tarde, Davies foi sepultado ao lado de Edwards na "Ala dos Presidentes" do cemitério de Princeton; morrera de pneumonia após ser submetido a uma sangria por causa de um "forte resfriado". Os curadores então elegeram Samuel Finley como presi­dente. Um ex-aluno do Colégio de Toras, de William Tennent Sr., Finley era pastor de uma igreja da Ala Nova em Nottingham, Maryland (onde Gilbert Tennent havia pregado seu infame sermão sobre pastores não convertidos). Além de pastorear a igreja, também dirigia uma academia com padrões educacionais tão elevados que a Universidade de Glasgow lhe concedeu um grau honorário em reconhecimento por seu trabalho. Contudo, cinco breves anos depois, Finley também morreu. O Colégio de Princeton estava adquirindo a reputação de ser uma "armadilha fatal para pastores presbite­rianos". Levou dois anos para que os curadores conseguissem encontrar um sucessor para Finley.

Quando o fizeram, a escolha mudou a face do presbiterianismo nor­te-americano e até mesmo da história nacional dos Estados Unidos. John Witherspoon (1723-1794) veio da Escócia para a América a fim de servir como presidente do Colégio de Nova Jersey, em 1768. Ele revolucionou a escola, proporcionando a liderança estável de que ela carecia desde a morte de Aaron Burr Sr., em 1757. Afastou a filosofia idealista que havia reinado desde a presidência de Edwards, até mesmo facilitando para o filho de Edwards deixar seu cargo como professor da faculdade. Em seu lugar, Witherspoon apresentou aos presbiterianos americanos o Iluminismo Es­cocês, uma filosofia moral multifacetada muitas vezes denominada "rea­lismo escocês do senso comum". Um de seus primeiros estudantes, James Madison (classe de 1 771 ), absorveu tão bem os sentimentos filosóficos de Witherspoon que as ideias realistas escocesas acabaram por servir de base para a Constituição dos Estados Unidos. Witherspoon também exerceu uma liderança política regional. Na segunda cerimônia de formatura em que ofi­ciou, Witherspoon concedeu graus honorários a John Dickinson, da Pensil­vânia, e John Hancock, de Massachusetts, emprestando sua voz influente ao crescente protesto contra as políticas coloniais britânicas. Em 1774, ele se

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filiou ao Comitê de Correspondência do Condado de Somerset. Dois anos mais tarde, foi eleito para o Congresso Continental, onde se tomou o único pastor a assinar a Declaração de Independência dos Estados Unidos. Serviu no Congresso até 1782, tendo sido designado para mais de cem comissões. Era tão amado pelos Tories ou conservadores britânicos que sua memória foi preservada numa peça de má rima zombeteira:

Enquanto murmuro para mim funesta melodia, Preferia ser cachorro do que Witherspoon, Sê paciente, leitor - confia na questão: O dia dele virá - lembra, o céu é justo.4

Tal oposição não impediu Witherspoon de continuar. Ele ganhou a eleição para a legislatura estadual de Nova Jersey em 1783 e novamente em 1789; em 1787, ajudou a elaborar a constituição estadual de Nova Jersey.

Como era de se esperar, Witherspoon também estava profundamen­te envolvido com questões eclesiásticas. Ele estimulou os presbiterianos norte-americanos a se moverem na direção de uma enorme reestruturação da igreja. Ainda em 1774, antes da Guerra Revolucionária, muitas pessoas da igreja reconheciam que eram necessárias algumas mudanças na estrutu­ra presbiteriana para acompanhar o rápido crescimento. No interregno das reuniões anuais do sínodo, uma comissão com poderes sinodais se reuniu e aprovou decisões disciplinares, levantando questões a respeito de governo eclesiástico e poder. A guerra colocou em segundo plano as questões de forma de governo. Porém, em 1783 a discussão dessas questões recome­çou com força total. Não era prático exigir que presbíteros provenientes da distante Carolina do Sul e do leste do Tennessee assistissem a uma reunião do sínodo em Filadélfia, Nova Jersey ou Nova York. Dois anos mais tarde, as preocupações quanto ao estado da igreja chegaram ao seu ponto mais alto quando quase cem pastores estiveram ausentes do sínodo e apenas seis de várias centenas de igrejas foram representadas por presbíteros regen­tes. Seis presbitérios inteiros não enviaram ninguém à reunião do sínodo. Também era problemática a ordem eclesiástica frouxa, não regulada por qualquer código escrito, o que dava pouca estrutura ao que acontecia na igreja como um todo.

A solução foi dividir a igreja em dezesseis presbitérios, que se reu­niriam de modo parcialmente regular em três sínodos, os quais então se reuniriam numa Assembleia Geral mediante delegação. Em conexão com essa estrutura, Witherspoon e alguns outros líderes ajudaram a elaborar o primeiro Livro de Ordem Eclesiástica para a Igreja Presbiteriana nos Esta­dos Unidos. Depois de três anos de intensos debates no sínodo e limitado

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interesse da parte dos presbitérios existentes, o plano foi adotado. O primei­ro Livro de Ordem Eclesiástica foi publicado em 1788. A primeira Assem­bleia Geral se reuniu em Filadélfia em 1789. Em muitos aspectos, é apro­priado que Filadélfia tenha sido o local da primeira Assembleia Geral; ela seria o centro de grande parte da história presbiteriana em anos futuros.

Perguntas para reflexão e recapitulação

1. Você já pensou sobre o papel da etnia na história do presbiterianismo? Como as diferentes origens étnicas dos participantes moldaram os primórdios do presbiterianismo?

2. Como a tomada de posição de Francis Makemie contra o Lorde Combury promoveu a causa da liberdade religiosa?

3. Conforme veremos, a subscrição confessional há muito tem sido uma questão importante na história presbiteriana. Como a evolução do presbiterianismo marcada pela solução de problemas imediatos afetou a maneira pela qual a igreja pensava sobre a subscrição?

4. No âmago da desavença entre Jonathan Dickinson e John Thomson sobre a subscrição estava a questão da pureza da igreja. Avalie as duas estratégias para alcançar a pureza da igreja: você concorda mais com a ênfase de Dickinson sobre a piedade pessoal ou com a de Thomson sobre a uniformidade doutrinária?

5. Ao se pensar na educação teológica, foi sábia a solução da igreja de restringir a licenciatura a pessoas formadas por uma universidade aprovada? Como essa solução refletiu tensões teológicas e culturais subjacentes?

6. Muitas vezes, ao se narrar a história presbiteriana, uma "ala" da divisão de 17 41 é defendida contra a outra. A que ala você é mais simpático? Você consegue entender o ponto de vista da outra ala? De que maneira as duas alas poderiam ter feito concessões mútuas para evitar a divisão?

7. Este capítulo afirma: "Seguindo um padrão que seria reproduzido muitas vezes na história do presbiterianismo, uma guerra acabou unindo os dois lados". Neste caso, a Guerra dos Sete Anos foi a catalisadora. Pense sobre outras guerras e uniões de igrejas - como é que a política nacional influencia as comunhões religiosas para o bem ou para o mal?

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8. Descreva o papel de John Witherspoon na criação do presbiteria­nismo norte-americano. Como Witherspoon ajudou a unir o bem da igreja com o bem da nação emergente? Como isso poderia ter dado aos presbiterianos um senso de serem "zeladores culturais"?

9. Para você, é estranho ou surpreendente que a igreja tenha funcionado por quase oitenta anos sem um Livro de Ordem (Constituição)? Como essa forma de governo em desenvolvimento moldou o presbiterianismo, tanto de modo positivo quanto negativo?

Leituras adicionais

HALL, David W. (Org.). The practice of confessional subscription. Lanham, Maryland: University Press of America, 1995.

HODGE, Charles. The constitutional history of the Presbyterian Church in the United States of America. Filadélfia: William S. Martien, 1839-40.

LE BEAU, Byron F. Jonathan Dickinson and the formative years of American Presbyterianism. Lexington: University Press of Kentucky, 1997.

SMYLIE, James H. A brief history of the Presbyterians. Louisville, Kentucky: Geneva, 1996.

SCHLENTHER, Boyd (Org.). The life and writings of Francis Makemie. Filadélfia: Presbyterian Historical Society, 1971.

THOMPSON, E.T. Presbyterians in the South. 3 vols. Richmond, VA: John Knox, 1963-73.

TRINTERUD, Leonard. The forming of an American tradition. Filadélfia: Westminster, 1949.

WESTERCAMP, Marilyn. Triumph of the laity: Scots Irish piety and the Great Awakening, 1625-1760. Nova York: Oxford University Press, 1988.

Capítulo 11

ÜS ANOS DOURADOS:

ÜS PRESBITERIANOS AMERICANOS NO

SÉCULO 19

QUANDO PENSAMOS NOS GRANDES TEÓLOGOS PRESBITERIANOS DOS ESTADOS

Unidos, temos a tendência de pensar no século 19. De Charles Hodge a James Henley Thomwell, de Robert Lewis Dabney a A. A. Hodge, de Benjamin B. Warfield a John L. Girardeau, foi no século 19 que alguns gigantes teológicos andaram sobre a terra. Esse também foi um dos períodos mais formativos do presbiterianismo americano. Grande parte do que consideramos "presbiterianismo histórico" provém desse período. O reconhecimento desse fato gera uma dupla responsabilidade. Por um lado, devemos considerar criticamente o que entendemos por presbiterianismo "histórico" ou "tradicional", a fim de averiguar se ele foi produzido por forças culturais ou por contextos sociais, em contraste com a reflexão bíblica e teológica. Por outro lado, devemos reconhecer que, embora existam aspectos de nossa história que possam nos parecer repugnantes hoje (como a defesa da escravidão feita pelos presbiterianos do sul), esses acontecimentos e pessoas são parte de nossa história presbiteriana, parte de nosso álbum de fotos de família, por assim dizer. Fazendo uma mudança de metáfora, embora possamos ter patifes ou esqueletos em nossos armários, eles são nossos patifes e nossos esqueletos; eles testificam do poder da graça de Deus em usar instrumentos imperfeitos e pecaminosos para seus próprios poderosos objetivos redentores.

Ao considerarmos este período, uma coisa que devemos lembrar é que o presbiterianismo dos Estados Unidos ainda estava se desenvolvendo.

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Na virada do século 19, os presbiterianos americanos tinham um Livro de Ordem Eclesiástica há somente quinze anos; a Assembleia Geral vinha se reunindo há somente doze anos e a princípio não era um evento anual; ain­da não existia um verdadeiro seminário teológico (os primeiros seminários presbiterianos foram o Seminário Union, na Virgínia, criado em 1807, e o Seminário de Princeton, fundado em 1812) e, numericamente, os presbite­rianos eram uma das principais denominações do país. Em contraste com isso, no final daquele século, os metodistas e os batistas (para não mencio­nar os católicos romanos) haviam ultrapassado em muito os presbiterianos em termos de tamanho; a igreja havia se dividido três vezes e voltado a se unir duas vezes; havia oito seminários presbiterianos e um nono começou logo após o final do século, e a centralização representada pela Assembleia Geral e as juntas eclesiásticas havia se multiplicado grandemente. Muitos dos personagens e debates desse período contribuíram diretamente para aquilo que o presbiterianismo, em suas muitas formas, é nos dias de hoje.

Presbiterianos e congregacionais unidos

Com a criação dos Estados Unidos, a aquisição do Velho Noroeste (oeste de Nova York, Ohio, Indiana e Michigan), em 1787, e a Compra da Louisiana, em 1803, uma ampla fronteira clamava por moradores vin­dos das colônias já estabelecidas. Bandos de forasteiros se derramaram nas novas terras para implantar fazendas, cidades e novos estados. À medi­da que iam, esses homens e mulheres levaram consigo sua religião. Tanto os presbiterianos como os congregacionais se preocuparam com que esses viajantes retivessem suas conexões religiosas tradicionais. Devido às seme­lhanças em termos doutrinários e estruturais entre as duas denominações (a essa altura os congregacionais haviam criado estruturas semelhantes a presbitérios), eles concordaram, em 1801, a cooperar na evangelização do Velho Noroeste.

Mediante um plano elaborado por Jonathan Edwards Jr., presidente do Union College, de Nova York, cada denominação prometeu "promo­ver a mútua tolerância e um espírito de acomodação" recíproca, particular­mente nas congregações locais que fossem compostas tanto de elementos presbiterianos quanto congregacionais. O plano previa maneiras de resol­ver disputas entre igrejas congregacionais que desejassem obter ministros presbiterianos, e vice-versa, quer encaminhando a questão à associação ou presbitério apropriado que possuía as credenciais de ordenação do mi­nistro, quer criando uma comissão conjunta composta de congregacionais e presbiterianos para deliberar sobre a matéria. O plano também previa a

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possibilidade de igrejas com simpatias "mistas" se associarem como uma congregação "unida" e exercerem a disciplina dos membros mediante a criação de um conselho de presbíteros regentes; os membros sob disciplina tinham o direito de apelar, seja ao presbitério seja à congregação. Final­mente, o plano potencialmente dava aos líderes congregacionais "o mesmo direito de tomar assento e deliberar no presbitério quanto um presbítero regente da igreja presbiteriana".'

Embora na superficie o Plano de União parecesse ser um notável es­forço de cooperação ecumênica, ele criou alguns problemas dificeis. Em primeiro lugar, ao criar igrejas "unidas", essas congregações locais não te­riam uma identidade fixa. Elas eram presbiterianas ou congregacionais? A quem, em última análise, essas igrejas prestariam contas em termos de dis­ciplina ou contribuição financeira? Onde elas obteriam ministros - de fontes congregacionais ou presbiterianas? Além disso, o Plano de União parecia minimizar o governo eclesiástico como um elemento essencial da ordem eclesiástica. Como observamos no capítulo 8, a forma de governo eclesiás­tico é uma prática importante que distingue os presbiterianos dos batistas e congregacionais ou dos episcopais e metodistas. O Plano de União parecia sugerir que as diferenças entre as formas de governo não eram grandes ou importantes. Finalmente, o Plano parecia pressupor que havia similaridade doutrinária entre os dois grupos e que esse consenso haveria de continuar. Todas essas eram pressuposições inadequadas, como veremos em breve. Na realidade, em 1837 havia tamanhas diferenças entre os congregacionais e os presbiterianos em termos de identidade, forma de governo e doutrina que o Plano de União não mais foi considerado sustentável.

Outro grande esforço cooperativo foi o avivalismo que irrompeu em todas as regiões de fronteira na virada do século. Com frequência pensamos nesses avivamentos como parte do chamado "Segundo Grande Desperta­mento", que em geral se considera ter ocorrido entre 1792 e 1835. Na Vir­gínia, na Carolina do Norte e no oeste de Nova York, ocorreram diversos avivamentos locais nos quais se converteram muitos homens e mulheres. O mais importante (e famoso) desses esforços foi o avivamento de 1801 na Igreja Presbiteriana de Cane Ridge, perto da moderna Paris, em Kentucky. A ocasião do Avivamento de Cane Ridge foram os cultos anuais de comu­nhão realizados por diversas igrejas presbiterianas da fronteira. Barton W. Stone, pastor da igreja de Cane Ridge, incentivou as pessoas de sua própria igreja e de outras igrejas a irem para Cane Ridge a fim de participar do culto de comunhão. Para acomodar as multidões, Stone convidou os via­jantes a acamparem nos campos próximos ao templo, dando assim início a um dos primeiros "camp meetings" (reuniões de acampamento). Logo,

184 Ü CRISTÃO PRESBITERIANO

muitos outros se seguiram. Prolongando-se por quatro dias, esses cultos eram principalmente ocasiões para pregações, sendo o sacramento ofereci­do aos domingos àqueles que tivessem sido examinados pelos presbíteros. Diversos pastores batistas, metodistas e presbiterianos erigiram tendas de pregação em diversos pontos do acampamento e pregavam por longas ho­ras durante a maior parte do dia e da noite a fim de "preparar" os ouvintes para receber o sacramento. Em virtude da tensão emocional desses eventos, tomaram-se comuns nesse acampamento reações físicas como latir, tremer e ter espasmos. Quando os cultos terminaram, calculou-se que até 20.000 pessoas haviam participado. Desse avivamento nasceram diversos grupos e denominações, inclusive a Igreja Cristã/Igrejas de Cristo, que pertenceu por algum tempo aos Discípulos de Cristo, a Igreja Presbiteriana de Cum­berland e os Shakers de Pleasant Hill, Kentucky.

A divisão de 1837

Os presbiterianos continuaram a participar de avivamentos durante todo o período inicial da República, embora possivelmente nenhum deles tenha sido tão peculiar quanto o de Cane Ridge. No final da década de 1820, um novo avivalista alcançou notoriedade no noroeste, simbolizando para muitas pessoas grande parte do que estava acontecendo de errado no presbi­terianismo - Charles Finney. Nascido em Connecticut e transplantado para o oeste do Estado de Nova York, Finney era um advogado de formação informal quando experimentou a conversão em 1821. Após estudar teologia com o seu pastor durante dois anos, ele foi licenciado e depois ordenado por seu presbitério em 1824, como evangelista e missionário no interior do Estado de Nova York. Sua pregação e métodos eram eletrizantes: ele utili­zava em seu avivalismo o que chamou de "novas medidas", como o "banco dos ansiosos", reuniões prolongadas e atividades públicas para as mulheres. No ano seguinte, ele estava causando sensação nas principais cidades do Estado de Nova York.

As inovações de Finney logo atraíram a atenção do país. No verão de 1827, diversos simpatizantes e oponentes de Finney, entre os quais Ashael Nettleton e Lyman Beecher, reuniram-se em New Lebanon para discutir suas diferenças. Embora se tenha alcançado pouco entendimento substan­cial nessa conferência, Finney impressionou de tal maneira os seus opo­sitores que saiu da reunião como o novo líder do avivalismo evangélico, substituindo Nettleton nessa função. Entre 1827 e 1832, Finney passou a realizar importantes campanhas de avivamento em centros urbanos como Nova York, Filadélfia, Boston e Rochester. Em razão de sua saúde, ele foi

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forçado a interromper seu ministério itinerante e se fixou em 1832 em um pastorado em Nova York. A partir de seu posto na Capela da Rua Chatham, ele apresentou sua mais importante série de mensagens, intitulada Prele­ções sobre os Avivamentos da Religião (1835).

Homens como Finney perturbaram profundamente amplos setores da igreja presbiteriana. Finney representou de quatro maneiras significativas o ramo da "Nova Escola" que se desenvolvia dentro da igreja. Em primeiro lugar, obviamente, estava sua nova e inovadora abordagem do avivalismo. Finney proclamou de maneira bastante ousada que os avivamentos não se deviam a um derramamento miraculoso do Espírito de Deus, mas eram simplesmente o resultado da adequada aplicação de meios. Essa filosofia, associada a várias das "novas medidas" introduzidas por ele, apresentava forte contraste com o tipo mais "tradicional" de avivamento preferido pela maior parte dos ministros presbiterianos, nos quais as pessoas esperavam que Deus derramasse o seu Espírito no momento que desejasse.

Em segundo lugar, Finney representava uma consciência e uma prática interdenominacional que contrastava fortemente com a crescente identida­de denominacional que caracterizava outras partes da igreja presbiteriana. Essa consciência interdenominacional ficou evidenciada nas diversas socie­dades independentes de benevolência que estavam centralizadas em Nova York e utilizavam o templo de Finney para suas reuniões anuais: Sociedade Americana de Missões Nacionais, Sociedade Americana de Tratados, So­ciedade Bíblica Americana, Junta Americana de Comissionados para Mis­sões Estrangeiras, Sociedade Americana de Colonização e União Ameri­cana de Escolas Dominicais. Em contraste com isso, alguns presbiterianos argumentavam que a igreja devia criar e sustentar juntas denominacionais para desempenhar muitas dessas mesmas funções.

As sociedades benevolentes e o próprio ministério de Finney represen­tavam uma terceira questão que criou tensões na igreja - a reforma social. O tipo de avivalismo praticado por Finney teve importantes consequências sociais. Por exemplo, em 1831, os comerciantes de Rochester convida­ram Finney para levar o avivamento às massas de imigrantes que estavam inundando a cidade. Havia a esperança de que o avivamento tomaria esses imigrantes em consumidores sóbrios e produtivos das empresas da cidade. Um estudioso recente declarou que o avivamento de Finney em Roches­ter representou "o milênio dos lojistas'', porque conseguiu "converter" os imigrantes ao modo americano de vida e prática, que por acaso incluía a temperança e uma diligente ética do trabalho.2

Todavia, a reforma social mais importante e controvertida foi o abo­licionismo. Diversos líderes da Nova Escola eram fortes defensores dos

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afro-americanos e de sua liberdade, especialmente Theodore Weld, que liderou diversos "Rebeldes do Seminário Lane" em protestos contra a es­cravidão. Os presbiterianos do sul, em especial, ficaram muito atentos aos abolicionistas da Nova Escola, que foram incitados pelo discurso e pela visão de Finney acerca de uma renovação milenista.

Finalmente, e de maneira mais importante, Finney representava uma posição teológica diferente e inovadora em comparação com outros pres­biterianos. Apelando a noções teológicas associadas inicialmente a Jona­than Edwards, mas elaboradas mais plenamente por discípulos posteriores, como Samuel Hopkins e Nathaniel William Taylor, Finney proclamou uma "nova teologia" que era uma poderosa teologia em prol do avivamento. Tendo uma compreensão modificada de pecado original, liberdade da von­tade, regeneração, conversão e santificação, Finney popularizou muitas das posições da Nova Teologia à medida que ele e seus colegas evangelistas ganhavam grandes números de conversos em todo o país. Todavia, suas posições diferiam grandemente dos Padrões de Westminster e atraíram pe­sadas críticas de muitos setores da igreja.

Essas quatro questões - doutrina, política eclesiástica, avivalismo e reforma social- criaram duas "escolas" separadas dentro da igreja. Aque­les que se alinhavam com Finney e outros líderes com ideias semelhantes - como Lyman Beecher e Albert Barnes - vieram a ser denominados "Nova Escola". Muitos desses líderes pastoreavam ou estavam associados a igre­jas que foram plantadas sob o Plano de União de 1801. Seus opositores, liderados por Ashbel Green, Charles Hodge e R. J. Breckinridge - foram denominados "Velha Escola". A divisão entre as duas escolas se tornou tão rancorosa que Finney declarou que "há júbilo no inferno a cada ano por volta da época da reunião da Assembleia Geral".3 Entre 1832 e 1835, vários líderes destacados da Nova Escola foram julgados sob acusação de heresia; nenhum deles jamais foi condenado.

Finalmente, em 1837 a Velha Escola conseguiu impor uma solução. Na reunião da Assembleia Geral em Filadélfia, a Velha Escola conseguiu eleger o seu candidato a moderador, o que foi uma importante prova de força da sua causa. A seguir, eles conseguiram aprovar uma resolução, mais tarde denominada "Ato de Revogação", que cancelou oficialmente o Plano de União de 1801, alegando que ele era inconstitucional e não presbite­riano. A segunda iniciativa da Velha Escola foi recomendar que esse ato de revogação fosse retroativo a 1801. Essa resolução, mais tarde chamada "Ato de Exclusão", eliminou quatro sínodos da igreja (Western Reserve, em Ohio, e Utica, Geneva e Genesee, em Nova York). Com essa decisão, 60.000 comungantes deixaram de ser membros da igreja presbiteriana. No

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ano seguinte, quando a Assembleia Geral se reuniu novamente em Fila­délfia, os ex-membros da Nova Escola não puderam tomar assento como representantes nesse concílio da igreja e desceram a rua para formar a ''ver­dadeira" Assembleia Geral da Igreja Presbiteriana dos Estados Unidos da América.

A Nova Escola e a Velha Escola

Assim, agora a igreja presbiteriana estava dividida em duas "esco­las". A Nova Escola era principalmente uma igreja do norte, embora tivesse alguns membros no sul, localizados principalmente no oeste da Virgínia, na Carolina do Norte e no leste do Tennessee. No auge da controvérsia, a maior parte dos ataques contra a Nova Escola havia sido de natureza doutrinária. Portanto, tão logo se tomou autônoma, a Nova Escola procu­rou vindicar sua ortodoxia. Já em 1837, a Nova Escola havia elaborado um documento chamado "Declaração de Aubum'', que buscou responder as críticas da Velha Escola. Nos dezesseis pontos desse documento, a Nova Escola procurou estabelecer sua interpretação dos Padrões de Westminster como permissíveis dentro dos limites da ortodoxia. A Nova Escola era um ramo tolerante da igreja; embora seus adeptos desejassem ser considerados ortodoxos quando comparados com a Velha Escola, eles também queriam que alguns de seus irmãos que discordavam dos Padrões de Westminster ti­vessem um lugar dentro da igreja. Assim, eles tinham a tendência de defen­der a "subscrição de sistema" dos Padrões, um entendimento que afirmava que os Padrões ensinavam o sistema de doutrina contida nas Escrituras, mas que negava que cada proposição ou doutrina dos Padrões fosse necessária para a existência do sistema de doutrina.

A Nova Escola também procurou demonstrar que ela era mais distin­tamente presbiteriana do que se imaginava anteriormente. Adeptos da Nova Escola começaram a se afastar de suas alianças com os congregacionais a partir de 1838 e buscaram uma identidade presbiteriana mais explícita. Em 1852, eles criaram sua própria "comissão permanente sobre a extensão da igreja". Eles também demonstraram maior vigilância contra desvios doutri­nários dentro do protestantismo denominacional, muitas vezes falando de maneira bastante parecida com seus irmãos da Velha Escola. E até 1857 os adeptos da Nova Escola não assumiram nenhuma posição ºquanto à escravi­dão, não desejando marginalizar seus simpatizantes sulistas; eles queriam preservar seu caráter de uma igreja "nacional". Esses movimentos fizeram com que certo número de antigos presbiterianos da Nova Inglaterra retor­nassem a suas raízes congregacionais: Edward Beecher assumiu um púlpito

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na Nova Inglaterra; George Cheever deixou seu púlpito presbiteriano para servir a Igreja dos Puritanos, em Nova York, em 1845; Lyman Beecher aposentou-se em 1845 como presidente do Seminário Lane para retomar à igreja congregacional dirigida por seu filho, Henry Ward Beecher, e Charles Finney, que não havia esperado até a divisão, retirou-se para Oberlin, Ohio, para trabalhar como professor de teologia no Colégio de Oberlin e como pastor da igreja congregacional daquela cidade.

Talvez o fato mais importante desse período para o fortalecimento da Nova Escola tenha sido a criação do Seminário Teológico Union, em Nova York, em 1836. Esse seminário serviu como um importante canalizador de pastores para a igreja da Nova Escola. Entre seus principais professores nesse período estavam Edward Robinson, que lecionou estudos bíblicos, e Henry Boynton Smith, que lecionou teologia sistemática. Mais tarde, o Seminário Union desempenharia um importante papel na Controvérsia Mo­dernista-Fundamentalista do final do século 19 como um bastião do pensa­mento teológico progressista, mas, durante a divisão Velha Escola-Nova Escola, Smith foi particularmente respeitado por ambos os lados como um teólogo muito competente.

Enquanto a Nova Escola continuava a definir sua identidade, a igreja presbiteriana da Velha Escola representou a tentativa mais prolongada de alcançar um presbiterianismo confessional no século 19. Às vezes, isso sig­nificou intensos debates e retórica confusa, mas os trinta anos de existência da Velha Escola representam um período fértil para a teologia presbiteriana conservadora. Possivelmente o principal dos líderes da Velha Escola tenha sido Charles Hodge. Nascido em Filadélfia em 1797, Hodge estudou no Colégio de Princeton e no Seminário de Princeton. Ele também estudou na Europa, tendo sido um dos poucos teólogos americanos a terem essa opor­tunidade ainda na década de 1820. Ao retomar, assumiu suas funções em Princeton junto ao seu mentor, Archibald Alexander, como um expoente do que veio a ser chamado "a Teologia de Princeton", uma mistura da teolo­gia de Westminster com a filosofia moral escocesa. Hodge promoveu sua teologia no periódico teológico mais influente da sua época, Bíblica! Re­pertory and Princeton Review (Repertório Bíblico e Revista de Princeton), que ele editou por mais de 40 anos. Igualmente importante para entender a influência de Hodge foi o simples número de estudantes que ele ensinou. De 1830 a 1869, por exemplo, 2.260 alunos frequentaram o Seminário de Princeton. Supondo que a maior parte deles assistiu as aulas de teologia sistemática de Hodge, não é demais afirmar, segundo historiadores como Peter Wallace e Mark Noll, que Hodge foi o educador mais influente dos Estados Unidos.4 As preleções de Hodge oportunamente foram publicadas

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em sua Teologia Sistemática (1872-73), em três volumes, que continua a ser impressa e a exercer uma forte influência nos dias de hoje. Finalmente, Hodge não foi um teólogo de torre de marfim, e sim um líder eclesiástico profundamente envolvido com as questões de sua época. Como veremos, ele debateu diversas questões com que a igreja se defrontava tanto no ple­nário da assembleia quanto nas páginas da Princeton Review. Em reconhe­cimento de sua liderança, Hodge serviu como moderador da Assembleia Geral em 1846.

O principal opositor de Hodge em muitos desses debates foi James Henley Thornwell, um natural da Carolina do Sul que serviu tanto a igreja como a academia. Após estudar teologia no norte, na Universidade de Har­vard e no Seminário de Andover, Thomwell retornou ao seu estado natal em 1835, para pastorear a igreja presbiteriana de Lancaster. Três anos depois, foi para Columbia a fim de trabalhar como professor de filosofia no Colégio da Carolina do Sul. Ele retornou ao pastorado em 1839, servindo como pastor da Primeira Igreja Presbiteriana de Columbia, mas voltou para o co­légio em 1841 como capelão e professor de literatura sagrada e evidências cristãs. Após servir como presidente do Colégio da Carolina do Sul de 1852 a 1855, Thornwell retomou ao serviço da igreja como professor de teologia no Seminário de Columbia e pastor substituto na Primeira Igreja até sua morte em 1862.

Thornwell foi simplesmente o líder eclesiástico mais importante do sul. Ele foi moderador da Assembleia Geral em 184 7, o homem mais jovem a fazê-lo, com a idade de 35 anos. Articulou uma forte versão do "presbite­rianismo por direito divino", que exigia uma justificação bíblica tanto para os princípios como para muitos detalhes da forma de governo da igreja. Em consequência disso, Hodge e Thomwell se defrontaram em grandes bata­lhas acerca do que a Bíblia dizia acerca da natureza do presbiterianismo. Um desses debates foi sobre as juntas eclesiásticas. Thornwell questionou a justificativa bíblica das juntas que conduziam os negócios da igreja. Ao invés de juntas permanentes que funcionavam como corporações em minia­tura, ele defendeu comissões temporárias encarregadas de agir em nome da igreja, de preferência sob o controle de presbitérios e não da Assembleia Ge­ral. Em contraste com isso, Hodge argumentou que a Bíblia somente apre­sentava princípios básicos de administração eclesiástica e que os detalhes, como as juntas eclesiásticas, estavam sujeitos à discrição da igreja, dirigida pelo Espírito. Outro debate versou sobre os presbíteros regentes. Thomwell acreditava que havia dois oficios (presbítero e diácono) e duas ordens den­tro do oficio de presbítero (presbíteros docentes e regentes); ele também sustentava que havia uma paridade essencial entre presbíteros regentes e

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docentes em questões como ordenação e participação no presbitério. Por outro lado, Hodge sustentou que havia três oficios (ministros, presbíteros regentes e diáconos), que os presbíteros regentes atuavam como "represen­tantes" do povo e que os ministros eram um oficio superior para o qual os presbíteros serviam como um "contrapeso". Com o tempo essas diferenças levaram a distinções reais entre o presbiterianismo do norte, representa­do por Hodge, e os presbiterianos do sul, exemplificados por Thomwell, distinções essas que persistem em diferentes denominações presbiterianas conservadoras hoje em dia.

Uma nação e uma igreja divididas e reunidas

Comparadas com outras denominações, as duas escolas da igreja pres­biteriana conseguiram manter por bastante tempo sua "unidade" individual em face da crise da divisão. Os metodistas haviam se dividido em 1837 por causa da escravidão, como o fizeram os batistas em 1845. E embora a escra­vatura tenha servido de contexto para a divisão Velha Escola-Nova Escola em 1837, as duas escolas foram capazes de manter seu caráter "nacional" até meados da década de 1850. Foi a Nova Escola que se dividiu primeiro. Em 1856, em sua Assembleia Geral em Nova York, esse grupo publicou um relatório sobre "o poder constitucional da Assembleia Geral sobre a questão da posse de escravos em nossas igrejas".5 O relatório deu a enten­der que os proprietários de escravos não gozavam de uma situação regular na igreja porque a Assembleia Geral considerava a escravidão um pecado digno de disciplina. Além disso, Albert Bames, um importante pastor-teó­logo da Nova Escola, escreveu em 1857 sua obra A Igreja e a Escravidão, que conclamava sua igreja a reconhecer a escravidão como uma relação pecaminosa. Quando a Assembleia Geral se reuniu em 1857, ficou claro que a igreja estava pronta para afirmar que os proprietários de escravos não somente mantinham uma relação econômica e social pecaminosa, mas que eles deviam ser afastados da comunhão da igreja. Os sulistas sabiam que não mais seriam bem-vindos na igreja; em agosto, eles se reuniram em Richmond, na Virgínia, para constituir o Sínodo Unido do Sul, uma igreja separada de seus irmãos da Nova Escola do norte.

Os presbiterianos da Velha Escola mantiveram a unidade até o início da Guerra Civil. Embora estivesse claro depois que Abraham Lincoln foi eleito presidente, em novembro de 1860, que algumas partes do Sul iriam se separar, foi somente depois que o Forte Sumter foi destruído e o governo fe­deral proclamou a convocação para que 75.000 soldados esmagassem a "re­belião" que a nação realmente iria se dividir. Em maio de 1861, a Assembleia

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Geral da Velha Escola se reuniu em Filadélfia sem a presença de um grande número de representantes sulistas. Gardiner Spring, pastor da Igreja Pres­biteriana de Brick, em Nova York, propôs uma resolução que comprome­tia as igrejas a "fazer tudo o que estivesse ao seu alcance para fortalecer, sustentar e incentivar o governo federal".6 Embora Charles Hodge tenha argumentado contra as "Resoluções Spring", alegando que elas violavam a doutrina da natureza espiritual da igreja, as resoluções foram aprovadas de maneira esmagadora. Os sulistas foram colocados na estranha situação de viverem em estados que haviam se separado da união federal e pertencerem a uma igreja que a apoiava. Eles logo resolveram essa tensão reunindo-se na Primeira Igreja Presbiteriana de Augusta, na Geórgia, no dia 4 de dezem­bro de 1861, para criar a Igreja Presbiteriana dos Estados Confederados da América. Thomwell e B. M. Palmer, pastor da Primeira Igreja Presbiteriana de Nova Orleans, na Louisiana, foram as principais vozes da assembleia: Thomwell pregou o sermão de abertura e escreveu o primeiro discurso em nome da igreja; Palmer foi o primeiro moderador. No "Discurso a todas as igrejas de Jesus Cristo em toda a terra", Thomwell justificou o fato de te­rem se separado dos presbiterianos do norte destacando em primeiro lugar a ruptura dos mesmos com a doutrina da "espiritualidade da igreja". Ele se queixou que os sulistas foram forçados a se separar porque os nortistas pro­puseram uma teoria política "que tomava a secessão um crime, os estados separados em rebeldes e os cidadãos que os obedeciam em traidores". Esse era um claro exemplo no qual a igreja "transcendia a sua esfera e usurpava os deveres do Estado'', afirmou ele. "Ela beijou o cetro e dobrou os joelhos aos ditames do frenesi nortista". Thomwell também insistiu que era apro­priado para a Igreja do Sul ministrar à nova nação na qual se encontrava, com suas "instituições peculiares'', como a escravidão. Como a nova nação sulista cria que a escravidão era uma relação social permissível, ele argu­mentou que a continuidade da união com a Igreja do Norte, com seu enten­dimento inconsistente da questão da escravidão, era "um preço muito alto a ser pago por uma união nominal". Embora as questões sociais e políticas relacionadas com a escravidão pertencessem ao estado e estivessem fora da competência da igreja, quando as pessoas consideravam a escravidão a par­tir de uma perspectiva bíblica, "ninguém seria mais propenso a denunciar a escravidão como pecado de que a denunciar a monarquia, a aristocracia ou a pobreza". De acordo com Thomwell, a escravidão havia existido desde a época do patriarca Abraão até os primeiros dias da igreja cristã; Deus nunca condenou de modo algum essa instituição. Na realidade, ele sustentou que a escravidão havia sido "compensada pelo bem maior" prestado ao escravo na América ao expô-lo ao evangelho. Finalmente, Thomwell justificou a

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criação da nova igreja como uma oportunidade de "revelar as energias de nosso sistema presbiteriano de governo", na formulação de "direito divino" desse homem da Carolina do Sul.7

Durante a guerra, as quatro igrejas começaram a fazer propostas a seus irmãos regionais em termos de relações fraternais ou de uma nova união. Os ramos do sul se uniram primeiro em 1864. Essa união foi promovida e efetuada por Robert Lewis Dabney, um dos mais destacados líderes e teólogos da Igreja do Sul, contra as objeções de B. M. Palmer. Dabney de­sejava a união para promover seu objetivo pessoal de criar uma única igreja presbiteriana no sul que serviria como "baluarte" da moral e da doutrina naquela região. Ele também lutou pela união porque temia os efeitos de um proposto seminário da Nova Escola em Charlottesville, na Virgínia, tão perto de seu próprio seminário em Farmville; com a união, o dinheiro para o seminário da Nova Escola iria para o Seminário Union, raciocinou ele. Embora Dabney presidisse uma conferência de comissões que preparavam uma declaração sobre pontos doutrinários controvertidos entre a Nova e a Velha Escola, por fim a união foi consumada com base na subscrição "pura e simples" dos Padrões de Westminster.

Após o final da guerra, os ramos do norte começaram a explorar a possibilidade de união. Muitas questões que os haviam dividido pareciam menos importantes em 1869: a Nova Escola havia se tomado mais "pres­biteriana" em sua identidade; muitas das práticas avivalistas inovadoras eram agora amplamente utilizadas em igrejas da Velha Escola e a guerra havia convencido os presbiterianos da Velha Escola sobre a pertinência das reformas sociais, como o abolicionismo. A única questão substancial que dividia os dois grupos era doutrinária e se resumia na questão da subscri­ção confessional. O líder teológico da Nova Escola, Henry Boynton Smith, prometeu que o seu grupo estaria disposto a subscrever os Padrões em sua forma comumente entendida "sem notas ou comentários". Porém, alguns líderes da Velha Escola, como Hodge, se preocupavam com o fato de que os dois ramos tinham entendimentos substancialmente diferentes do que significava a subscrição - a Velha Escola se apegando a um tipo de "subs­crição estrita" na qual todas as verdades dos Padrões eram afirmadas, ao passo que a Nova Escola afirmava a "subscrição de sistema", no qual os pastores subscreviam o sistema fundamental de doutrina contido nos Pa­drões. Todavia, a igreja ainda estava usufruindo o patriotismo e o poder da "união" para superar todos os obstáculos. Contra as objeções de Hodge, a igreja voltou a se unir.

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A Igreja Presbiteriana do Norte (PCUSA): 1870-1903

Em retrospecto, parece que pelo menos alguns dos temores de Hodge acerca da subscrição tinham fundamento. Quase que imediatamente a Igre­ja do Norte foi mergulhada numa série de crises doutrinárias, começando com o julgamento de David Swing em 1874. Swing, pastor da Igreja Pres­biteriana Westminster, em Chicago, foi acusado de heresia por causa de seu livro Truths for Today ("Verdades para Hoje", 1874). Nesse livro, Swing negou doutrinas cristãs básicas conforme sintetizadas nos Padrões de West­minster. Quando levado a julgamento por Francis L. Patton, que mais tarde seria presidente tanto do Colégio quanto do Seminário de Princeton, Swing afirmou que os credos eram simplesmente o resumo da experiência cristã de qualquer geração em particular; como tais, eles somente eram válidos para a geração que os produziu e não eram compulsórios para qualquer crente do futuro. O presbitério de Swing o absolveu de todas as acusações, mas quan­do Patton planejou apresentar um recurso ao Sínodo do Norte de Illinois, Swing decidiu deixar a denominação e se tomou pastor de uma igreja inde­pendente em Chicago. O "Julgamento de Swing" foi o precursor de diver­sos julgamentos por heresia nos últimos trinta anos do século, à medida que novas correntes teológicas e filosóficas varriam a igreja presbiteriana; entre os mais célebres estiveram os julgamentos de três professores do Seminário Union: A. C. McGiffert, Henry Preserved Smith e Charles Briggs.

Para fazer frente a essas novas tendências teológicas, o corpo docente do Seminário de Princeton defendeu vigorosamente a antiga teologia de Princeton, que, conforme pensavam, sintetizava adequadamente a teologia dos Padrões de Westminster. Depois que Charles Hodge se aposentou, seu filho A. A. Hodge assumiu a cadeira de teologia e lecionou em Princeton desde 1878 até sua morte em 1886. Com a morte do Hodge filho, B. B. War­field se mudou de Nova York para assumir a cadeira de teologia sistemá­tica, que ele iria lecionar até 1921. Por meio desses três homens, a mesma perspectiva teológica foi ensinada a várias gerações de estudantes; de fato, até a reorganização do Seminário de Princeton em 1929, o corpo docente do seminário ensinou mais de 7 .000 estudantes, a grande maioria dos quais acabaram se tomando pastores da igreja presbiteriana. Embora houvesse outras correntes na igreja - particularmente o Seminário Union de Nova York, que se tomou cada vez mais progressista em suas concepções sobre a inspiração da Bíblia e as formulações teológicas - Princeton permaneceu como um baluarte contra as novas ideias da época.

Ainda assim, os princetonianos não foram capazes de impedir a tran­sição da igreja para a revisão confessional. O ímpeto em prol da revisão da Confissão de Westminster resultou do crescente desejo de "reunificação"

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com a Igreja Presbiteriana de Cumberland. Os presbiterianos de Cumber­land deviam sua existência ao avivamento de Cane Ridge no início do sécu­lo; eles davam ênfase à liberdade dos seres humanos de escolherem crer em Jesus Cristo para a salvação. Tendo surgido em 1810, eles cresceram rapida­mente em regiões rurais, mas a denominação tinha sua força predominante no oeste de Kentucky e no Tennessee. Em meados da década de 1880, os presbiterianos do Norte buscaram se unir com seus irmãos de Cumberland e iniciaram um processo de revisão confessional para dar espaço aos de Cumberland; esse esforço não teve êxito e foi por fim abandonado em 1893. No entanto, em 1903 a igreja decidiu revisar a Confissão, acrescentando a ela dois capítulos, um sobre o amor de Deus e outro sobre o Espírito Santo. Na opinião de muitos, o efeito global das revisões foi contradizer o capítulo sobre os decretos de Deus e colidir com a crença histórica na soberania de Deus na eleição de um povo para si mesmo. Muitas pessoas da Igreja Presbiteriana de Cumberland ficaram satisfeitas; quando a fusão ocorreu, em 1906, essa comunhão trouxe mais de mil comunidades para a Igreja do Norte. Porém, até mesmo alguns presbiterianos de Cumberland não se convenceram com as revisões. Uma Igreja Presbiteriana de Cumberland existe até os nossos dias, defendendo vigorosamente suas doutrinas mais "arminianas".

Outra grande questão que perturbou os ramos setentrional e meridio­nal da igreja foi a evolução. Com a publicação do livro A Origem das Es­pécies (1859), de Charles Darwin, a evolução se tomou um tema candente para a maior parte dos cristãos. O darwinismo parecia pôr em dúvida a no­ção tradicional de que Deus criou o mundo em seis dias "literais". Antes de Darwin já haviam surgido esquemas de harmonização que buscavam recon­ciliar o Gênesis com a geologia. Porém, a teoria de Darwin, com sua ênfase na "sobrevivência dos mais aptos" por meio da "seleção aleatória", algo aparentemente sem propósito e ainda assim um tanto otimista, representou um novo desafio. Charles Hodge acreditava que, embora certos aspectos da teoria de Darwin pudessem ser úteis para a ciência, ela era em última análise ateísta, porque propunha uma evolução "ateleológica". Outros não estavam tão certos disso. Tanto A. A. Hodge como B. B. Warfield acredi­tavam que era possível harmonizar a evolução com a revelação bíblica, afirmando que, quando Deus criou o mundo, em sua providência ele atuou por intermédio de meios secundários, ou seja, a evolução. Esses teólogos defenderam a criação especial de Adão, com base em Gênesis 2. Toda a questão da evolução irromperia novamente na parte inicial do século 20, quando a igreja se defrontou com o "modernismo" em suas fileiras.

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A Igreja Presbiteriana do Sul (PCUS): 1865-1900

Quando o exército de Lee se rendeu em Appomattox, a Igreja do Sul tinha uma perspectiva e um caráter diferentes de quatro anos antes, quando foi fundada. Seu líder fundador, Thomwell, havia morrido em 1862; ela foi forçada a mudar o nome para Igreja Presbiteriana dos Estados Unidos; e ela havia perdido um grande número de membros e pastores durante a guerra. Durante o período da Reconstrução, a igreja sulista tentou se posicionar em um novo mundo no qual sua gente estava sob controle militar e seus direitos políticos lhes estavam sendo restituídos lentamente. Por causa das frágeis circunstâncias políticas, a igreja se voltou para dentro, concentrando-se em reconstruir suas instituições e em acentuar ainda mais do que antes a natu­reza espiritual da igreja.

A igreja foi auxiliada nisso pela deserção de um estado fronteiriço. Durante a Guerra Civil, Stuart Robinson, pastor da Segunda Igreja Presbite­riana de Louisville, Kentucky, e editor do jornal True Presbyterian ("Pres­biteriano Verdadeiro"), repreendeu tanto os nortistas quanto os sulistas por violarem repetidamente a natureza espiritual da igreja. Como membro do Sínodo de Kentucky, que estava filiado à Igreja do Norte, Robinson des­prezava as ações de sua igreja após a guerra, particularmente as "Ordens de Pittsburgh", que declararam "a rebelião civil em prol da perpetuação da escravidão dos negros ... um grande crime" e a criação da igreja do sul "injustificada, cismática e inconstitucional".8 Além disso, essas "ordens" fizeram a membresia na Igreja do Norte depender da lealdade ao governo federal e da aceitação das resoluções aprovadas pela igreja durante a guer­ra contra a escravidão. Para Robinson, exigir lealdade ao governo federal como base para a filiação à igreja era uma gigantesca violação da doutrina da espiritualidade da igreja e tomava impossível a vida na Igreja do Norte. Ele conseguiu convencer a maior parte do seu sínodo a se retirar dessa denominação e, após existir em situação independente por algum tempo, unir-se com a Igreja do Sul em 1868. Em reconhecimento por sua liderança, a PCUS elegeu Robinson moderador da Assembleia Geral em 1869 e sua igreja hospedou o encontro nacional em 1870.

A Assembleia Geral de Louisvílle ocorreu em 1870, um ano após a união entre a Velha Escola e a Nova Escola no norte. A Igreja do Norte re­cém-unificada, que desejava cultivar relações fraternais e, por fim, a união com a Igreja do Sul, enviou uma delegação para pleitear sua causa. Robert Lewis Dabney era moderador em 1870 e ficou contrariado com o fato de a assembleia até mesmo considerar a possibilidade dessa união. Ele pro­pôs que a assembleia se tomasse uma comissão plenária e convocou outro

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homem para presidir, de modo que ele pudesse falar contra essa iniciativa. Seu discurso mudou a maré contra a união:

Eu ouço irmãos dizendo que é hora de perdoar. Sr. Presidente, eu não perdôo. Eu não tento perdoar. O quê! Perdoar essas pessoas que invadiram nosso país, queimaram nossas cidades, destruíram nossas casas, mataram nossos jovens e espalharam desolação e ruína sobre nossa terra! Não, eu não os perdôo. Mas vocês dizem: "Eles mudaram seus sentimentos para conosco, são bondosos". E por que não deveriam ser bondosos? Nós jamais fizemos alguma coisa para fazê-los se sentirem maldosos para conosco? Alguma vez nós os ferimos ou injustiçamos? Eles são amistosos e pacíficos, não são? O tigre saciado não é amigável e pacífico? Depois que se encheu com o bezerro que devorou, ele se deita de humor bom e gentil; mas espere até que tenha digerido sua refeição: ele não ficará feroz novamente? Ele não será um tigre novamente? Eles se encheram com tudo o que puderam tirar de nós. Eles ganharam tudo o que tentaram ganhar, eles nos conquistaram, eles nos destruíram. Por que não deveriam ser amistosos e gentis? Vocês acreditam que a mesma velha natureza de tigre não está neles? Simplesmente tomem deles qualquer coisa que tiraram de nós e vejam.9

Dabney tinha sido um líder em ascensão antes da guerra, atuando como professor de história e política eclesiástica e depois de teologia didá­tica e polêmica no Seminário Union, em Virgínia, por trinta anos. Durante a Guerra Civil, ele foi o chefe do estado maior de Stonewall Jackson por cinco meses em 1862. Após a guerra, Dabney representou a intransigên­cia conservadora sulista, tanto em questões eclesiásticas quando políticas. Enquanto que outros líderes aprovaram relações amistosas com a Igreja do Norte - plenamente ratificadas em 1882, embora a união entre os dois ramos tradicionais tivesse de esperar até 1983 - Dabney nunca se recon­ciliou com seus antigos irmãos do Norte. Esse ranço de contrariedade o marginalizou dentro de sua própria instituição teológica e com o passar do tempo nos concílios da igreja. Ele deixaria o Seminário Union em 1883 para se tomar um dos professores fundadores da Universidade do Texas, em Austin; também ajudou a criar a instituição que mais tarde se tomaria o Seminário Teológico Presbiteriano de Austin.

Ao longo dos últimos trinta anos do século 19, a Igreja Presbiteria­na do Sul proclamou em alta voz sua pureza e solidariedade doutrinária. Tais proclamações mascaravam diferenças entre teólogos importantes, como Dabney e Palmer, bem como a crescente diversidade nos seminários e nos púlpitos principais, surgida na década de 1880 e, especialmente, na

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de 1890. À medida que a igreja se movia de modo crescente de um caráter rural para um contexto mais urbano e cosmopolita, houve uma mudança correspondente nos interesses teológicos. Por exemplo, em 1898, James I. Vance, popular pastor da Primeira Igreja Presbiteriana de Nashville, no Tennessee, pregou um sermão empolgante sobre a doutrina presbiteriana da predestinação. Publicado mais tarde com o imprimatur da Comissão Presbiteriana de Publicações, o sermão de Vance modificou o calvinismo clássico dos Padrões de Westminster na tentativa de tomar a predestinação aceitável à sensibilidade moderna. Ao contrário dos teólogos que divor­ciavam "os decretos de Deus do coração de Deus", Vance fundamentou a predestinação firmemente no amor de Deus. "A raiz da predestinação", observou Vance, "cresce no solo do amor divino. Os decretos de Deus não são primariamente uma manifestação de poder, sabedoria, expediência ou presciência, mas de amor eterno e imutáveI". Longe de ser independente de sua criação, "Deus está debaixo de uma obrigação - a obrigação de seu amor, de sua misericórdia, de sua natureza". Deus estava destinado a salvar toda a sua criação, a refazer todo o barro imperfeito transformando-o em vasos "para o uso do Mestre ... revestidos de imperecível beleza e valor". Por fim, a doutrina da predestinação de Vance enveredou para o universalis­mo. "Deus não é glorificado pela condenação de suas criaturas ... A glória de Deus é sua bondade, sua graça, e se ele pode ser glorificado pela redenção de uma só alma, muito mais por todas", proclamou ele. Embora o ensino de Vance fosse amistoso para com o pensamento moderno, o fato de que foi publicado pela editora da denominação lhe deu perturbadora credibilidade e autoridade, e assinalou a força crescente do pensamento progressista den­tro da Igreja do Sul.'º

Perguntas para reflexão e recapitulação

1. Agora que você leu este capítulo, pense no século 19 como um todo: Quais são algumas maneiras comuns pelas quais os presbiterianos encararam a vida religiosa e o ministério? Quais são algumas diferenças?

2. Em sua opinião, quais foram alguns beneficios do Plano de União de 180 l? Quais foram alguns dos desafios? Você poderia imaginar uma "união" semelhante com outros grupos correlatos hoje?

3. Como você recebeu a descrição do avivamento de Cane Rídge? Se um acontecimento como esse ocorresse na igreja presbiteriana hoje, como você reagiria?

198 Ü CRISTÃO PRESBITERIANO

4. As quatro questões que produziram tensão na igreja na década de 1830- avivalismo, reforma social, cooperação interdenominacional e inovação teológica - ainda estão entre nós hoje. Como os presbiterianos atuais devem avaliar as soluções elaboradas por nossos antecessores?

5. Com quem estão suas simpatias - com a Nova Escola ou com a Velha Escola? Quais foram algumas contribuições positivas dadas pela "outra" escola? Quais foram alguns aspectos negativos da escola que você prefere?

6. Quando você pensa nas "Resoluções Spring", como você reagiria se a Assembleia Geral aprovasse uma resolução exigindo que você fizesse "tudo o que está ao seu alcance para fortalecer, sustentar e incentivar o governo federal"? Bíblicamente falando, por que você reagiria dessa maneira?

7. As uniões entre a Nova Escola e a Velha Escola do norte e do sul foram baseadas na subscrição "pura e simples" dos Padrões de Westminster. No entanto, parece que isso não funcionou bem no Norte, como ficou evidenciado pelo julgamento de Swing. Como essa situação histórica contribui para a maneira pela qual os presbiterianos atuais devem considerar as relações ecumênicas e mesmo futuras uniões com outras denominações presbiterianas?

8. Você ficou surpreso em saber que os teólogos de Princeton - grandes defensores da inerrância - também eram evolucionistas convictos? Como esse fato deveria afetar a maneira pela qual encaramos as diferenças sobre os dias da criação, se for o caso?

9. O que você pensa da reação de Dabney quanto à possibilidade de reunificação com a Igreja do Norte?

Para leitura adicional

CALHOUN, David B. Princeton Seminary: faith and leaming, 1812-1868. Carlisle, Pensilvânia: Banner ofTruth, 1994.

CONKIN, Paul. Cane Ridge: America s Pentecost. Madison: University of Wisconsin Press, 1990.

FARMER, James O. The metaphysical confederacy: James Henley Thomwell and the synthesis of Southem values. Macon, Geórgia: Mercer University Press, 1986.

Os ANOS DOURADOS: Os PRESBITERIANOS AMERICANOS NO SÉCULO 19 199

HAMBRICK-STOWE, Charles. Charles G. Finney and the spirit of American evangelicalism. Grand Rapids, Michigan: Eerdmans, 1996.

LUCAS, Sean Michael. Robert Lewis Dabney: a Southern Presbyterian life. Phillipsburg, Nova Jersey: Presbyterian & Reformed, 2005.

MADDEX, Jack. From theocracy to spirituality: The Southern Presbyterian reversai on church and state. Journal of Presbyterian History 54 (1976): 438-57.

MARSDEN, George M. The evangelical mind and the New School Presbyterian experience: a case study of thought and theology in nineteenth century America. New Haven: Yale University ·Press, 1970.

PARKER, Harold. The United Synod of the South: the Southern New School Presbyterian Church. New York: Greenwood, 1988.

STEWARD, John W.; MOORHEAD, James (Orgs.). Charles Hodge revisited: a criticai appraisal of bis life and work. Grand Rapids, Michigan: Eerdmans, 2003.

Observação: no original, este capítulo é seguido por outros dois, não incluídos neste volume, sobre o presbiterianismo norte­americano no século 20, um sobre o norte e outro sobre o sul dos Estados Unidos. Esses capítulos incluem, entre outros, os seguintes tópicos: Cap. 12 - o surgimento do fundamentalismo e a controvérsia modernista-fundamentalista, a Igreja Presbiteriana Ortodoxa e o evangelicalismo americano, a Igreja Presbiteriana da Bíblia (Carl Mclntire), a Igreja Presbiteriana Evangélica, a Igreja Presbiteriana Reformada. Cap. 13 - o crescimento do pensamento liberal, a reação conservadora, a criação da Igreja Presbiteriana da América (PCA), sua história até o início do século 21.

Sobre alguns desses temas, ver:

CALHOUN, David B. Princeton Seminary: the majestic testimony, 1869-1929. Carlisle, Pensilvânia: Banner ofTruth, 1996.

HART, D. G. Defending the faith: J. Gresham Machen and the crisis of conservative Protestantism in modem America. Baltimore, Maryland: Johns Hopkins University Press, 1994; reimpressão, Phillipsburg, Nova Jersey: Presbyterian and Reformed, 2003.

LONGFIELD, Bradley J. The Presbyterian controversy: fundamentalists, modernists, and moderates. Nova York: Oxford University Press, 1991.

200 Ü CRISTÃO PRESBITERIANO

NUTT, Rick. The tie that no longer binds: the origins of the Presbyterian Church in America. ln: COALTER, Milton J.; MULDER, John M.; WEEKS, Louis B. (Orgs). The confessional mosaic: Presbyterians and twentieth-century theology. Louisville, Kentucky: Westminster John Knox, 1990.

SETTLE, Paul. To God ali praise and glory: 1973 to 1998 - the first 25 years. Atlanta: PCAAdministrative Committee, 1998.

THOMPSON, E. T. Presbyterians in the south. Vol. 3: 1890-1972. Richmond: John Knox, 1973.

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Capítulo 12

A SARÇA ARDENTE:

BREVE HISTÓRIA DA IGREJA

PRESBITERIANA NO BRASIL (ALDERI MAros)

EUM FATO CONHECIDO QUE NOS SÉCULOS 16 E 17 OS PROTESTANTES NÃO

demonstraram grande interesse por missões mundiais. Houve vários motivos para isso, entre os quais a necessidade de consolidar a Reforma na Europa, em meio a lutas prolongadas e dolorosas. No século 18, graças ao ambiente mais estável então existente, a situação começou a se transformar. Surgiram iniciativas importantes como o acordo entre o reino da Dinamarca e os pietistas alemães que resultou num trabalho missionário pioneiro na Índia (1706). Esse evento é considerado o início das modernas missões protestantes. Poucas décadas mais tarde, os morávios - herdeiros espirituais do pré-reformador tcheco João Hus - tendo como líder o consagrado conde alemão Nicolau Zinzendorf, iniciaram um notável esforço missionário em diferentes regiões banhadas pelo Oceano Atlântico. A partir de 1732, eles enviaram pregadores à Groenlândia, Suriname, Costa do Ouro, África do Sul, aos índios norte-americanos e a diversas ilhas do Caribe.

Todavia, dentro de pouco tempo os países de língua inglesa iriam to­mar a dianteira nas missões protestantes ao redor do mundo. O estopim para isso foi o Avivainento Evangélico ocorrido na Inglaterra sob a liderança de John Wesley e George Whitefield. Este último, um calvinista, também pre­gou extensamente nas colônias americanas, tendo sido, ao lado de Jonathan

202 Ü CRISTÃO PRESBITERIANO

Edwards, um dos líderes do Primeiro Grande Despertamento. Esses fenôme­nos despertaram nas igrejas anglo-saxônicas um intenso fervor missionário. No final daquele século, o batista inglês William Carey, considerado o "pai das missões modernas", fundou com alguns colegas uma sociedade missio­nária "para propagar o evangelho entre os pagãos" e ele mesmo seguiu para a Índia em 1793. Sob o impacto desses acontecimentos, nos anos seguintes dezenas de sociedades missionárias foram criadas nas Ilhas Britânicas e nos Estados Unidos, dando início ao que o historiador Kenneth S. Latourette denominou "o grande século das missões" na história do cristianismo.

Os presbiterianos chegam ao Brasil

Os presbiterianos norte-americanos não poderiam deixar de ser in­fluenciados por esses eventos. Num primeiro momento, a jovem denomi­nação, cuja Assembleia Geral foi criada em 1788, teve como prioridade as missões nacionais, dirigidas tanto aos indígenas quanto aos pioneiros das novas áreas que estavam sendo colonizadas. Nas décadas iniciais do século 19, quando ocorreu o chamado Segundo Grande Despertamento, as igrejas dos Estados Unidos experimentaram um crescimento sem precedentes. Fi­nalmente, em 1837, a Igreja Presbiteriana dos Estados Unidos da América fundou sua Junta de Missões Estrangeiras, sediada em Nova York. Algumas décadas mais tarde, ao aproximar-se a Guerra Civil, quando os presbiteria­nos do sul formaram sua própria denominação (1861 ), eles rapidamente criaram o Comitê de Missões Estrangeiras, com sede na cidade de Nashvil­le, no Estado do Tennessee. Essas duas igrejas, a do norte (PCUSA) e a do sul (PCUS), logo enviaram missionários ao Brasil.

Os primeiros países que receberam missionários presbiterianos norte­americanos foram Libéria, Índia, Tailândia, China e Japão, todos os quais tinham pequena presença cristã. Logo, porém, os olhos da Junta de Nova York se voltaram para a América Latina, continente nominalmente cristão, sendo iniciada uma missão na Colômbia em 1856. A razão para isso era o entendimento de que faltava aos latino-americanos o genuíno evangelho redentor, tendo eles apenas um verniz de cristianismo. Além disso, havia a influência do sentimento anticatólico que vinha desde os tempos da Re­forma e tinha sido exacerbado pelo crescente ingresso de imigrantes ca­tólicos romanos nos Estados Unidos. Motivos adicionais para as missões, quer em países pagãos ou cristãos, num período em que os Estados Unidos ampliavam sua influência política e econômica, era a convicção de que a cultura norte-americana possuía valores, como a democracia e a liberdade, que poderiam beneficiar outras nações. É possível ver essas preocupações

A SARÇA ARDENTE: BREVE HISTÓRIA DA IGREJA PRESBITERIANA NO BRASIL 203

numa resolução da Assembleia Geral da PCUSA acerca do início do traba­lho missionário no Brasil. I

O instrumento para a introdução do presbiterianismo no Brasil não podia ser mais adequado. Ashbel Green Simonton (1833-1867) era mem­bro de uma sólida família presbiteriana da Pensilvânia. Seu avô viera ainda menino do norte da Irlanda e era descendente de escoceses que haviam emi­grado para aquela ilha. Um de seus filhos, William Simonton, foi respeitado médico e político, tendo se casado com Sarah Davis Snodgrass, filha de um pastor presbiteriano. O filho caçula do casal foi exatamente Ashbel Green, que recebeu esse nome em homenagem a um conhecido pastor da época. Criado nesse lar moldado pelos melhores valores calvinistas, o jovem teve excelentes oportunidades educacionais, tendo estudado no Colégio de Nova Jersey, a futura Universidade de Princeton. Em 1855, foi impactado por um avivamento em sua igreja local e sentiu o chamado para o ministério, in­gressando no Seminário de Princeton. Tomado pelo entusiasmo missionário da época, decidiu seguir para o exterior, vindo eventualmente a escolher o Brasil como seu campo de trabalho.

Tendo o coração cheio de expectativa e ansiedade, Simonton aportou no Rio de Janeiro em 12 de agosto de 1859. Os primeiros frutos tardaram um pouco a chegar, porque havia a necessidade de aprender o idioma, conhecer o povo e familiarizar-se com a cultura. Quando teve condições de pregar aos brasileiros, o missionário foi tomado de grande alegria e gratidão. Com o passar dos anos, foram surgindo várias realizações pioneiras: em 1862, a Igreja do Rio de Janeiro; em 1864, o jornal Imprensa Evangélica; em 1865, o Presbitério do Rio de Janeiro; em 1867, o seminário teológico. No final desse último ano, o jovem pioneiro faleceu aos 34 anos, vitimado pela febre amarela.2 Deixou uma enorme saudade e um legado de consagração a Cris­to, cavalheirismo, inteligência e liderança competente. Estavam lançadas as bases do presbiterianismo nacional.

A missão no Brasil foi iniciada em caráter experimental. No entan­to, logo se perceberam as tremendas possibilidades do novo campo. Com isso, a igreja norte-americana começou a fazer um investimento crescente no país, multiplicando-se o número de missionários. Pouco depois de Si­monton, vieram seu cunhado Alexander L. Blackford e o alemão Francis J. C. Schneider. Dos obreiros seguintes, George W. Chamberlain veio como leigo e foi ordenado no Brasil; Robert Lenington já havia trabalhado com igrejas de língua portuguesa no Estado de Illinois. Dois outros missionários dos anos 60, Emanuel Pires e Hugh Ware McKee, permaneceram por pou­co tempo em São Paulo. Nas décadas seguintes chegariam muitos outros

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obreiros altamente motivados, que deram grandes contribuições em diver­sas áreas de atuação.

Em 1869, outra missão presbiteriana norte-americana começou a atuar no Brasil - a da Igreja do Sul (PCUS), que, como foi dito, havia sido criada em 1861, na véspera da Guerra Civil. Os dois pioneiros dessa missão, que ficou sediada em Campinas, foram os Revs. Edward Lane e George N. Mor­ton. Uma das razões do início desse novo trabalho foi a presença de imigran­tes americanos sulistas em Santa Bárbara, nas proximidades de Campinas. Os missionários das duas igrejas dos Estados Unidos eram partidários de uma teologia calvinista conservadora conhecida como "Old School" ("Ve­lha Escola"), que valorizava altamente a herança reformada e os padrões da Assembleia de Westminster (confissão de fé e catecismos), bem como tinha reservas quanto ao excessivo emocionalismo dos avivamentos.

Além da evangelização, as missões norte-americanas se dedicaram a outra atividade, não só muito importante na tradição reformada, mas enten­dida como uma forte aliada do trabalho evangelístico - a educação. Inicial­mente, surgiram pequenas escolas primárias anexas às igrejas e destinadas aos filhos dos crentes, a primeira das quais foi a do Rio de Janeiro. Poste­riormente, foram criadas instituições com objetivos mais amplos, interessa­das em atrair também crianças e jovens não evangélicos. Essas escolas não tinham objetivos explicitamente proselitistas, mas nutriam o claro propó­sito de inculcar os valores da Bíblia e da cultura norte-americana. As duas primeiras instituições desse tipo foram a Escola Americana (São Paulo) e o Colégio Internacional (Campinas). Para servir nessa área, vieram ao Brasil as primeiras missionárias educadoras - da Igreja do Norte: Mary Parker Dascomb, Elmira Kuhl e Phebe Thomas; da Igreja do Sul: Arianna Hender­son, Mary Videau Kirk e Charlotte Kemper. Algumas dessas missionárias, e outras que chegaram mais tarde, foram também dedicadas evangelistas, trabalhando junto a mulheres e crianças.3

Rumo à nacionalização

Os missionários sabiam que, sem um ministério nacional, não seria possível a implantação definitiva do presbiterianismo no Brasil. Portanto, desde o início eles se preocuparam em treinar brasileiros para o trabalho pastoral. Todavia, o primeiro pastor nacional foi um ex-sacerdote católi­co, José Manoel da Conceição (1822-1873), que havia trabalhado em vá­rias cidades paulistas e há anos era conhecido como "o padre protestante". Seu contato desde a juventude com imigrantes protestantes em Sorocaba, bem como a leitura da Bíblia e de livros evangélicos, fizeram com que ele

A SARÇA ARDENTE: BREVE HISTÓRIA DA IGREJA PRESBITERIANA NO BRASIL 205

questionasse muitos dogmas e práticas de sua igreja de origem. Finalmente, após ser evangelizado por Blackford, foi recebido por profissão de fé e batismo, e então ordenado ministro evangélico pelo recém-criado Presbi­tério do Rio de Janeiro, na cidade de São Paulo, no dia 17 de dezembro de 1865. Iniciou então suas lendárias viagens evangelísticas pelo interior de São Paulo, vale do Paraíba e sul de Minas que se tomaram o embrião de muitas igrejas.4

Os primeiros jovens que foram treinados no pequeno seminário funda­do por Simonton no Rio de Janeiro, todos eles da Província de São Paulo, foram Modesto Perestrello Barros de Carvalhosa, Antônio Bandeira Tra­jano, Miguel Gonçalves Torres e Antônio Pedro de Cerqueira Leite, sendo os três primeiros portugueses. Esses estudantes se tomaram valorosos mi­nistros da igreja nascente. Com o fim do "primitivo seminário" em 1870, outros candidatos foram preparados pessoalmente por diferentes missioná­rios, entre os quais Eduardo Carlos Pereira, Zacarias de Miranda, Delfino Teixeira e João Ribeiro de Carvalho Braga. No Nordeste, os primeiros mi­nistros nacionais foram Belmiro de Araújo César, João Batista de Lima e José Francisco Primênio da Silva.

Enquanto que a Igreja do Norte concentrou os seus esforços iniciais no Sudeste-Sul (Rio de Janeiro, São Paulo, sul de Minas e Paraná) e em dois estados do Nordeste (Bahia e Sergipe), a Igreja do Sul atuou na áerea de Campinas, parte do sul de Minas e, na Região Nordeste, ao norte do rio São Francisco. As dez primeiras igrejas foram as seguintes: em 1862, Rio de Janeiro; em 1865, São Paulo e Brotas; em 1868, Lorena; em 1869, Borda da Mata e Sorocaba; em 1870, Santa Bárbara e Campinas; em 1872, Petró­polis e Salvador. Até 1888, havia igrejas organizadas no Rio de Janeiro, São Paulo, Minas Gerais, Bahia, Pernambuco, Ceará, Paraná, Paraíba, Sergipe, Rio Grande do Norte, Maranhão, Rio Grande do Sul e Alagoas.

Cerca de 30 anos após a chegada de Simonton, as missões norte-ame­ricanas concluíram que era chegada a hora de dar um passo importante - a autonomia da igreja presbiteriana brasileira. Isso se materializou com a or­ganização do Sínodo Presbiteriano, em setembro de 1888, no Rio de Janei­ro, que adotou como padrões doutrinários a Confissão de Fé e os catecismos de Westminster. Ao contrário dos presbitérios até então existentes (Rio de Janeiro, Pernambuco e Campinas e Oeste de Minas), que tinham pertencido a sínodos dos Estados Unidos, o Sínodo do Brasil passou a ser uma orga­nização separada das igrejas-mães. Todavia, a presença dos missionários estrangeiros ainda era muito forte. Além deles, também faziam parte do novo concílio os pastores nacionais, cada vez mais interessados em assumir o pleno controle de sua igreja. O líder dessas aspirações nacionalistas veio

206 Ü CRISTÃO PRESBITERIANO

a ser o Rev. Eduardo Carlos Pereira, o qual, no mesmo ano em que surgiu o Sínodo, foi eleito pastor da Igreja Presbiteriana de São Paulo.

Uma consequência indireta da organização do Sínodo foi o grande for­talecimento da escola missionária da capital paulista. Ao regressarem para os Estados Unidos, dois representantes da Igreja do Norte que tinham vindo ao Brasil naquela ocasião lançaram a ideia da criação de uma instituição de nível superior, como os presbiterianos norte-americanos já haviam feito em outros países. O projeto empolgou um grupo de homens destacados, sendo institu­ído, no início da década de 1890, o Colégio Protestante de São Paulo, que poucos anos depois, graças à vultosa doação feita por um advogado de Nova York, recebeu o seu nome, passando a denominar-se Mackenzie College. O plano era fornecer à juventude brasileira uma educação de qualidade que pu­desse influir positivamente nos rumos da recém-criada república brasileira.

Na mesma época, o Sínodo começou a se defrontar com uma dolorosa crise que acabou por dividir a igreja. Vários fatores contribuíram para isso, a começar da falta de sensibilidade das missões americanas, especialmente a da Igreja do Norte, em relação aos desejos da igreja nacional. Compreen­dendo a importância da preparação dos seus quadros ministeriais, o Sínodo decidiu criar o Seminário Presbiteriano. Todavia, a Junta de Nova York deixou de apoiar esse projeto, alegando que o Mackenzie College estava em condições de treinar os futuros líderes da igreja. Para tornar a situação ainda mais tensa, surgiram desentendimentos pessoais entre o Rev. Eduardo Pereira e dois líderes do Mackenzie, Dr. Horace M. Lane e Rev. William A. Waddell, os quais ele passou a considerar inadequados para educar a juventude presbiteriana e, em especial, os candidatos ao ministério. Adicio­nalmente, o Rev. Eduardo veio a questionar a própria existência de grandes instituições educativas como o Mackezie College, que, para ele e seus sim­patizantes, desviavam preciosos recursos e pessoal de uma atividade mais prioritária - a evangelização por meios diretos.

Como se todos esses problemas não bastassem, surgiu uma dificulda­de adicional que foi decisiva para o cisma presbiteriano - a questão maçôni­ca. A maçonaria havia surgido no Brasil no início do século 19 e tinha sido importante na difusão do liberalismo político entre as classes dirigentes do país. Defendia propostas como liberdade religiosa, separação entre igreja e estado e educação leiga. Quando as missões protestantes começaram a atuar no Brasil, contaram com a simpatia dos maçons, que em diversas oca­siões os defenderam da intolerância religiosa. Muitos maçons abraçaram o evangelho e um bom número de presbiterianos era filiado às lojas. No final da década de 1890, por meio de seu jornal, O Estandarte, o Rev. Eduar­do Carlos Pereira começou a defender a tese de que, por causa dos rituais

A SARÇA ARDENTE: BREVE HISTÓRIA DA IGREJA PRESBITERIANA NO BRASIL 207

maçônicos e das ideias maçônicas sobre Deus, a participação de crentes nessa entidade era incompatível com a fé evangélica.

O Sínodo de 1903 precisou tomar uma decisão definitiva sobre essa discussão que afligia a igreja. A maioria votou por não apoiar a proposta antimaçônica. Argumentou-se que ela feria o antigo princípio reformado de tolerância, que se tratava de uma questão de foro íntimo e que a igreja não devia legislar sobre o assunto. Ao mesmo tempo, em nome da paz na igreja, solicitava-se aos presbiterianos que se abstivessem de participar da maço­naria. Insatisfeitos com essas resoluções, o Rev. Eduardo e seus partidários desligaram-se do Sínodo e organizaram a Igreja Presbiteriana Independen­te, que não contou com a presença de nenhum missionário estrangeiro. Cer­ca de um terço dos ministros e comunidades locais se filiaram à nova igreja. É curioso notar que, nessa questão, os "sinodais" se mostraram abertos e os independentes, conservadores.

Novos tempos, novos desafios

O Brasil do início do século 20 era muito diferente daquele que Simon­ton encontrou. O Império havia dado lugar à República. Não mais existia a escravidão, embora a população negra continuasse numa triste situação de inferioridade econômica e social. O estado era laico, não mais havendo uma igreja oficial. Livre da tutela do estado e mais próximo de Roma, o catolicismo brasileiro estava experimentando uma notável revitalização, o que resultou em crescente intolerância contra os protestantes. Apesar dessa dificuldade, as igrejas evangélicas cresciam continuamente, estando firme­mente implantadas em muitas regiões do país. Os missionários estavam deixando de ser os principais líderes da igreja, tendo de dividir essa tarefa com os pastores nacionais.

Após o abalo de 1903, a Igreja Presbiteriana do Brasil se sentiu desa­fiada a fazer um grande esforço evangelístico, o que resultou numa expan­são sem precedentes. A Igreja Independente cresceu muito inicialmente, graças à adesão de indivíduos e igrejas oriundos da igreja-mãe. Todavia, com o passar do tempo o seu crescimento se estabilizou, ficando bem abai­xo dos índices da igreja de origem. A estatística da IPI em 1907 apontava 56 igrejas e pouco mais de 4.200 comungantes. Em janeiro do ano seguinte, foi instalado o Sínodo Independente, composto de três presbitérios. Sua principal comunidade foi, por muitos anos, a histórica Igreja Presbiteriana de São Paulo (organizada em 1865), pastoreada pelo Rev. Eduardo Carlos Pereira, falecido em 1923. Em São Paulo, a principal igreja da IPB passou a ser a Igreja Unida, na rua Helvetia, organizada em 1900.

208 Ü CRISTÃO PRESBITERIANO

O contínuo crescimento da IPB levou em 1910 à criação da Assem­bleia Geral, cujo primeiro moderador foi o Rev. Álvaro Reis, pastor da Igreja Presbiteriana do Rio de Janeiro. Nessa época, a denominação con­tava com cerca de 10 mil membros comungantes, 150 igrejas locais e oito presbitérios, estando na dianteira das igrejas evangélicas do Brasil. Entre os organizadores da Assembleia Geral, estavam missionários como John Rockwell Smith, William Calvin Porter, Samuel Gammon, Thomas Porter, Alva Hardie e Robert Daffin. Dentre os pastores nacionais, havia os vete­ranos Modesto Carvalhosa, Antônio Trajano, Álvaro Reis, Lino da Costa e Herculano de Gouvêa, e outros mais recentes, como Alberto Zanon, Aníbal Nora, Coriolano de Assumpção, Erasmo Braga, Jerônimo Gueiros e Mata­tias Gomes dos Santos. Entre os presbíteros presentes, estavam dois futuros ministros, Basílio Braga e Leonardo de Campos.

A recém-criada Assembleia Geral decidiu iniciar o primeiro trabalho missionário da IPB no exterior. Em 1911, seguiu para Portugal o Rev. João Marques da Mota Sobrinho, genro do Rev. Belmiro César. A obra presbite­riana entre os lusitanos havia sido iniciada pelos escoceses em meados do século 19, tendo experimentado pequeno crescimento. Mota Sobrinho foi sucedido por Pascoal Luiz Pitta a partir de 1925. Os dois obreiros tiveram grandes dificuldades por causa de um problema que afligiu a IPB por muitos anos - falta de recursos financeiros. No Brasil, duas novas regiões estavam se abrindo para a pregação do evangelho: o Mato Grosso e o Espírito Santo. Neste último estado, bem como no vizinho Leste de Minas, o crescimento da igreja se mostraria extraordinário.

No ano da organização da Assembleia Geral, foi realizada em Edim­burgo, na Escócia, a Conferência Missionária Mundial. Como esse encon­tro não incluiu representantes da América Latina, sob a justificativa de que esta já era um continente cristão, foi realizado em 1916, no Panamá, o Congresso da Obra Cristã na América Latina, do qual participaram três ministros presbiterianos brasileiros: Álvaro Reis, Erasmo Braga e Eduardo Carlos Pereira. Sob a liderança de Erasmo Braga, a IPB envolveu-se num grande esforço de cooperação com outras denominações evangélicas, do qual resultaram iniciativas como o Seminário Unido (Rio de Janeiro), a Missão Evangélica Caiuá (Dourados), o Instituto José Manoel da Concei­ção (Jandira) e a Confederação Evangélica do Brasil.

Nessa época, embora estivesse aumentando consideravelmente o nú­mero de pastores nacionais, o trabalho das missões norte-americanas tam­bém experimentava grande expansão. Em 1917, foi firmado um acordo de cooperação entre a igreja e as missões conhecido como Modus Operandi ou Plano Brasileiro, em consequência do qual os missionários passaram a

A SARÇA ARDENTE: BREVE HISTÓRIA DA IGREJA PRESBITERIANA NO BRASIL 209

trabalhar em regiões distintas dos campos dos presbitérios e deixaram de ser membros desses concílios. A maior parte dos autores considera que esse arranjo não foi benéfico nem para a igreja nem para o trabalho das missões, pois aquela ficou privada do auxílio dos norte-americanos em suas áreas mais promissoras e os missionários, por sua vez, ficaram isolados da vida da igreja nacional.

Nas primeiras décadas do século 20, os presbiterianos mantiveram seu tradicional envolvimento com a educação. Algumas escolas importantes surgidas nessa época foram o Colégio Agnes Erskine (1904), o Instituto Ponte Nova (1906), o Colégio 15 de Novembro (1908), o Instituto Cristão de Castro (1915), o Colégio Evangélico de Buriti (1923) e o Instituto Bíbli­co Eduardo Lane (1933). O Seminário do Norte, que havia sido fundado em Garanhuns (1899) e depois transferido para Recife (1921), foi reconhecido oficialmente pela IPB em 1924.

O final da década de 30 foi um período de crise para as duas deno­minações presbiterianas do Brasil. Na IPB, as dificuldades resultaram da Assembleia Constituinte que se reuniu no Rio de Janeiro em 193 7. A nova constituição da igreja, que substituiu o antigo Livro de Ordem adotado pelo Sínodo em 1888, incluiu alguns dispositivos polêmicos, em especial o dia­conato feminino. Os presbiterianos do Norte-Nordeste, liderados pelo Rev. Jerônimo Gueiros, reagiram fortemente contra essas inovações, chegando a surgir o risco de uma divisão na igreja. Alguns do pontos controvertidos foram modificados nos anos seguintes, mas a solução plena só foi alcança­da em 1950, ao ser promulgada uma nova constituição, que permanece em vigor até o presente.

Na IPI, a crise foi precipitada por uma controvérsia em torno das "pe­nas eternas", que resultou no afastamento de dois grupos. Julgando que o Sínodo Independente não foi suficientemente enérgico ao tratar das ques­tões doutrinárias em debate, os ortodoxos, liderados pelo Rev. Bento Fer­raz, acabaram organizarando em 1940 a Igreja Presbiteriana Conservadora. Os integrantes da "ala liberal", indivíduos como Otoniel Mota, Eduardo Pe­reira de Magalhães, Epaminondas Melo do Amaral e Isaac Nicolau Salum, criaram em 1942 a Igreja Cristã de São Paulo, cujos princípios essenciais eram a liberdade doutrinária, a tolerância e o espírito ecumênico, mas teve existência efêmera.

O centenário: tempo de transição

A aproximação do primeiro centenário do presbiterianismo no Bra­sil produziu grande euforia e entusiasmo na IPB. A igreja aperfeiçoou sua

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estrutura administrativa, criando organismos voltados para missões nacio­nais e estrangeiras, trabalho feminino, mocidade e literatura. Foram inicia­das a Junta de Missões Nacionais (1940) e a Junta de Missões Estrangeiras (1944). Em 1955 surgiu o Conselho Interpresbiteriano, integrado porre­presentantes da igreja e das missões norte-americanas. O CIP foi o suces­sor do Plano Brasileiro, tendo maior autoridade do que este para tratar do relacionamento entre a igreja e as missões. Em 1959, ao se realizarem as solenidades comemorativas do centenário da chegada de Simonton, a IPB tinha seis sínodos, pouco mais de 40 presbitérios, 90 mil membros comun­gantes e 70 mil não comungantes. A IPI, cujo Supremo Concílio foi criado dois anos antes, em 1957, contava com três sínodos, dez presbitérios e 30 mil membros comungantes.

Do ponto de vista teológico, a IPB foi fortemente conservadora até o fim dos anos 40, quando começou a surgir um período de maior abertura. Em 1948, a igreja enviou um representante à assembleia de organização do Conselho Mundial de Igrejas, porém dois anos mais tarde deliberou manter­se "equidistante" desse organismo e do Conselho Internacional de Igreja Cristãs, do líder fundamentalista Carl Mclntire. Nos anos 50, começaram a chegar ao país missionários com perspectivas teológicas progressistas, o mais conhecido dos quais foi Richard Shaull, que passou a lecionar no Seminário do Sul e influenciou fortemente muitos estudantes de teologia e a liderança da juventude presbiteriana. No Nordeste, o Rev. Israel Furtado Gueiros, pastor da Igreja Presbiteriana de Recife e aliado de Carl Mclntire, liderou um movimento de resistência, mas acabou sendo disciplinado e fun­dou a Igreja Presbiteriana Fundamentalista (1956).

De 1954 a 1962, foi presidente do Supremo Concílio da IPB o Rev. José Borges dos Santos Júnior, pastor da Igreja Unida de São Paulo, que desenvolveu crescente simpatia pelo movimento ecumênico. No contexto das comemorações do centenário, a seu convite reuniu-se em São Paulo a 18ª Assembleia da Aliança Presbiteriana Mundial e em 1961 ele compare­ceu à 3ª Assembleia do Conselho Mundial de Igrejas, em Nova Delhi. Uma importante contribuição do Rev. Borges à igreja foi seu grande empenho nas negociações com os presbiterianos norte-americanos que resultaram na doação do patrimônio do Instituto Mackenzie à IPB em 1961.

O início dos anos 60 foi um período de grande agitação na vida po­lítica e social do Brasil, com a crescente aceitação do ideário socialista. As preocupações sociais também se tornaram importantes no movimento evangélico e na igreja presbiteriana. A Confederação Evangélica do Brasil promoveu importantes conferências a respeito do tema, a mais famosa das quais foi a chamada Conferência do Nordeste, em 1962, com o tema "Cristo

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e o processo revolucionário brasileiro". No mesmo ano, o Supremo Concí­lio da IPB aprovou um célebre pronunciamento sobre problemas políticos e sociais, dirigido à igreja e ao povo brasileiro.5

Todavia, essa crescente abertura teológica, ecumênica e social preo­cupava amplos setores da igreja, para os quais ela estava se afastando de modo inaceitável de seus fundamentos reformados históricos. Dois setores da igreja, em especial, causavam apreensões: a Confederação Nacional da Mocidade e o Seminário de Campinas. Há vários anos os líderes dos jo­vens, através de seu órgão oficial, o jornal Mocidade, vinham externando opiniões teológicas ousadas e fazendo críticas aos dirigentes da igreja. As­sim sendo, em 1960 a mocidade foi "reestruturada", sendo sua Confede­ração Nacional substituída por uma Junta de Orientação da Mocidade. No Seminário do Sul, as preocupações se concentravam em tomo das ideias e da conduta dos estudantes.

O Supremo Concílio de 1966 foi um dos mais decisivos da história da Igreja Presbiteriana do Brasil porque representou a vitória da posição conservadora, que desejava mudanças significativas na vida da igreja. Foi eleito presidente o Rev. Boanerges Ribeiro (1919-2003), que há anos vinha se destacando de modo crescente como líder. Ele foi o fundador da Casa Editora Presbiteriana (1948), participou do processo de nacionalização do Mackenzie e desde 1964 era diretor e redator do periódico oficial da igreja, o Brasil Presbiteriano. Essa mudança de rumos da igreja coincidiu com o início de um novo período na vida política do país, através da tomada do poder pelos militares, em 1964.

A era Boanerges Ribeiro

Dada a grande ascendência deste personagem na vida da igreja duran­te três mandatos sucessivos (1966-1978), esse período está muito ligado ao seu nome e às suas iniciativas. A nova orientação se traduziu numa série de ações corretivas que resultaram em medidas disciplinares contra igrejas, concílios e ministros. A preocupação em manter a herança calvinista clás­sica e a ortodoxia doutrinária resultou numa luta contínua e intensa contra três tendências consideradas prejudiciais à igreja: o liberalismo teológico, as práticas ecumênicas e o envolvimento político-social.

Um quarto problema preocupou os líderes da igreja nesse período - o movimento de renovação carismática que afetava amplos setores do evan­gelicalismo brasileiro. Em 1968 foi organizada em Cianorte (PR) a Igre­ja Cristã Presbiteriana, com elementos egressos da IPB. Quatro anos de­pois, uma dissidência semelhante deixou a IPI. Em 1975, os dois grupos se

212 Ü CRISTÃO PRESBITERIANO

uniram para constituir a Igreja Presbiteriana Renovada do Brasil, de orien­tação pentecostal. Atualmente, essa igreja tem mais de 100 mil membros em todo o país. No outro lado do espectro, os elementos de linha progressis­ta que divergiam da nova administração da igreja também organizaram uma estrutura separada. Em 1978, por ocasião do 3º Encontro de Presbiterianos, em Atibaia (SP), foi organizada a Federação Nacional de Igrejas Presbite­rianas (Fenip), que, em 1983, passou a denominar-se Igreja Presbiteriana Unida do Brasil (IPU).

Como a missão prioritária da igreja voltou a ser entendida em ter­mos de evangelização e não de envolvimento sociopolítico, esse período foi marcado por grande atividade no âmbito de evangelismo e missões. A Comissão Nacional de Evangelização promoveu grandes campanhas em muitos pontos do país. Sob a liderança do Rev. José Costa e dos presbíteros Abílio da Silva Coelho e Dirceu Cerzósimo Souza, a Junta de Missões Na­cionais experimentou um crescimento sem precedentes, abrindo inúmeros trabalhos na Amazônia e em outras regiões do Brasil. Depois de muitos anos atuando somente em Portugal, a igreja estava enviando missionários para alguns países latino-americanos, como Argentina, Chile e Venezuela; posteriormente foram contemplados o Paraguai e a Bolívia.

Esse período também testemunhou o declínio e o fim das antigas mis­sões presbiterianas que vinham atuando no Brasil há mais de um século. Isso resultou em parte das crescentes e insuperáveis divergências teológicas entre a IPB e as igrejas norte-americanas, e em parte do fato de que as mis­sões já há muito haviam cumprido o seu papel e tinham, em certo sentido, se tomado obsoletas. Assim, em 1973 a IPB encerrou suas relações histó­ricas com a Igreja Presbiteriana Unida dos Estados Unidos da América (a antiga Igreja do Norte) e dez anos mais tarde com a Igreja Presbiteriana dos Estados Unidos (Igreja do Sul). Nesse mesmo ano, 1983, essas duas igre­jas, separadas há mais de um século, voltaram a se unir, formando a atual PC(USA).6 Pouco depois, a IPB começou a estabelecer parcerias com algu­mas denominações conservadoras dos Estados Unidos, como a Igreja Pres­biteriana Evangélica (EPC) e a Igreja Presbiteriana da América (PCA).

O período de orientação conservadora, que teve continuidade nas ad­ministrações do Pb. Paulo Breda Filho (1978-1986) e do Rev. Edésio de Oliveira Chequer (1986-1992), também foi marcado por grande preocupa­ção com a educação teológica. A partir de 1966, a igreja havia assumido um controle mais estrito da orientação teológica dos seminários por meio de uma comissão especial, cujas ações resultaram em mudanças significativas nos corpos docentes dessas instituições e no encerramento das atividades do Seminário do Centenário, em Vitória, que havia sido criado na véspera

A SARÇA ARDENTE: BREVE HISTÓRIA DA IGREJA PRESBITERIANA NO BRASIL 213

do centenário presbiteriano. Nos anos 80, foram criadas extensões do Semi­nário do Sul em São Paulo, Rio de Janeiro, Belo Horizonte e Goiânia, que mais tarde se tornaram seminários autônomos. A preocupação em dar sólida qualificação aos docentes dos seminários levou à criação, em 1982, de um curso de mestrado em teologia com a participação de três professores nor­te-americanos filiados à Igreja Cristã Reformada: Gerard Van Groningen, Simon J. Kistemaker e Fred H. Klooster.

As décadas recentes

O decênio 1992-2002, quando o Supremo Concílio foi presidido pelos Revs. Wilson de Souza Lopes e Guilhermino Silva da Cunha, constituiu um novo período de abertura na trajetória da Igreja Presbiteriana do Brasil. Isso foi exemplificado por um grande esforço de aproximação com a Igreja Presbiteriana Independente, tendo sido criada uma Comissão Paritária de Diálogo com representantes das duas denominações. No entanto, em 1998, o Supremo Concílio da IPI aprovou uma ampla reforma constitucional, que incluiu a ordenação feminina para todos os ofícios, o que fez esfriar o pro­cesso de aproximação.

A nova atitude de abertura também ficou evidenciada pelas ações dos líderes da igreja em relação à Aliança Mundial de Igrejas Reformadas (Amir), criada em 1970 e sucessora da Aliança Presbiteriana Mundial. O Supremo Concílio de 1986 havia suspendido todo e qualquer relaciona­mento com a Amir, mas em 1998 a IPB reativou sua condição de membro, no propósito de exercer uma influência positiva nessa organização. Toda­via, em 2004 o secretário executivo do Supremo Concílio compareceu à 24ª Assembléia Geral da Amir em Acra, Gana, e relatou que ela foi uma exal­tação do pluralismo religioso, da diversidade sexual e do feminismo. Dois anos mais tarde, a IPB se desligou definitivamente dessa entidade.

Finalmente, também houve um tentativa de reatamento com a PC(USA). A convite da mesa do Supremo Concílio, dirigentes dessa igreja vieram ao Brasil em 1994 e 1998; todavia, em 1994 o concílio magno de­cidiu pelo não relacionamento com a igreja americana, decisão essa que foi ratificada em 1999. Ao mesmo tempo, a IPB continuou a entrar em diálo­go com muitas igrejas reformadas ao redor do mundo. Inicialmente, foram feitos contatos com as igrejas de Angola, Coreia do Sul, Austrália, Chile e Holanda (Igreja Reformada Libertada); posteriormente, com denominações da Escócia, Canadá, México e Moçambique, além da Igreja Presbiteriana Ortodoxa, dos Estados Unidos.

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Mediante um convênio com a Evangelical Presbyterian Church (Igreja Presbiteriana Evangélica), foi criado em 1992 o Centro de Pós-Graduação Andrew Jumper, uma instituição com nítida orientação reformada desti­nada a treinar os professores e pastores da igreja. Essa entidade, que foi plenamente institucionalizada em 1997, passou por uma difícil crise em 2001, diante da tentativa de dar-lhe maior abertura teológica, sendo poste­riormente reafirmada a sua postura de claro compromisso com a fé refor­mada histórica. Ao longo de quase duas décadas, o "Andrew Jumper" tem dado inestimáveis contribuições à educação teológica na IPB, beneficiando também alunos de outras denominações evangélicas.

Na última década do século 20, a IPB passou por um notável processo de aperfeiçoamento de sua estrutura administrativa, sendo implantado um valioso sistema de planejamento estratégico. Foram criados órgãos como o Plano Missionário Cooperativo, a Rede Presbiteriana de Comunicação, a Agência Presbiteriana de Missões Transculturais e a Associação Nacional de Escolas Presbiterianas. As missões nacionais experimentaram grande crescimento, destacando-se um grande esforço de plantação de igrejas no Rio Grande do Sul, estado até então pouco alcançado pela IPB. Na área das missões transculturais, foi notável o trabalho do missionário Ronaldo Li­dório entre os konkombas, em Gana. A igreja também enviou obreiros para muitos outros países ao redor do mundo.

A IPB optou pelo retomo a uma linha teológica mais tradicional quan­do o Rev. Roberto Brasileiro Silva foi eleito presidente do Supremo Con­cílio em 2002. Ele é o segundo líder a exercer três mandatos consecutivos à frente do concílio maior da denominação. Afastando-se de uma posição histórica mantida por um século, a igreja reconsiderou em 2002 a questão maçônica, entendendo que não se tratava meramente de um problema de foro íntimo, mas uma questão bíblico-doutrinária. Em 2006, nova resolução declarou a incompatibilidade entre algumas doutrinas maçônicas e a fé cris­tã, proibindo a aceitação de novos membros e a eleição de oficiais ligados à maçonaria.

Não obstante seu compromisso prioritário com a evangelização e a plantação de igrejas, a IPB também realiza um importante ministério nas áreas educacional e social. A igreja possui conceituados hospitais em Rio Verde (GO) e Dourados (MS). Suas escolas oferecem educação de qualidade para milhares de alunos. Uma instituição que se destaca de modo especial é o Instituto Presbiteriano Mackenzie, com unidades em São Paulo, Barueri, Campinas, Brasília e Rio de Janeiro. Ao contrário de muitas instituições educacionais ligadas a igrejas protestantes, a Universidade Presbiteriana Mackenzie tem uma clara identidade confessional, expressando de forma

A SARÇA ARDENTE: BREVE HISTÓRIA DA IGREJA PRESBITERIANA NO BRASIL 215

respeitosa, mas enfática, seu compromisso com a fé evangélica e reforma­da. Para a educação básica, foi elaborado um sistema de ensino fundamen­tado em princípios cristãos que tem sido adotado por muitas escolas.

Nos últimos anos, a IPB tem sofrido a influência de teologias e práti­cas pouco saudáveis abraçadas por amplos setores do evangelicalismo bra­sileiro. Presentemente, o maior desafio da igreja é obter a lealdade de seus pastores, oficiais e congregações aos padrões confessionais e às decisões conciliares, principalmente na área crucial do culto. Por sua vez, deve-se lembrar que o culto é reflexo da teologia, das concepções acerca de Deus, da vida cristã e da missão da igreja. Uniformidade plena é indesejável ou mesmo impossível, mas o excesso de diversidade ameaça a unidade e a identidade da igreja. A fé reformada entende que o objetivo maior da igreja é honrar a Deus, todas as demais ações devendo estar subordinadas a esse alvo primordial. Somente uma teologia teocêntrica produzirá um culto, um evangelismo e um envolvimento social genuínos, não motivados por con­siderações pragmáticas ou utilitaristas, e sim pelas diretrizes da Palavra de Deus.

Perguntas para recapitulação e reflexão

1. A história do presbiterianismo brasileiro mostra o surgimento de diversos grupos autônomos resultantes de divisões (IPI, IPC, IPR, IPU). Isso foi inevitável ou a unidade da igreja poderia ter sido preservada?

2. As ênfases teológicas e o conceito de m1ssao da IPB têm experimentado oscilações ao longo de sua história. Qual lhe parece o caminho mais adequado a seguir?

3. Quais os riscos e os beneficios do envolvimento ecumênico? Não há o perigo de se fazer excessivas concessões teológicas para poder caminhar com outros grupos? Como a igreja poderia se aproximar de outras denominações sem abrir mão de sua própria identidade confessional?

4. Em sua opinião, quais as principais contribuições que a IPB tem proporcionado à sociedade brasileira? A igreja deveria prosseguir no mesmo caminho que vem trilhando ou buscar novas áreas de atuação?

5. Você concorda com a avaliação acima sobre os principais desafios enfrentados atualmente pela IPB?

216 Ü CRISTÃO PRESBITERIANO

Leituras adicionais

ARNOLD, Frank L. Uma longa jornada missionária. São Paulo: Cultura Cristã, 2012.

FERREIRA, Júlio Andrade. História da Igreja Presbiteriana do Brasil. 3ª ed. São Paulo: Cultura Cristã, 2012.

LÉONARD, Émile-G. O protestantismo brasileiro: estudo de eclesiologia e história social. 3. ed. rev. São Paulo: Aste, 2002.

MATOS, Alderi S. Os pioneiros presbiterianos do Brasil: missionários, pastores e leigos do século 19. São Paulo: Cultura Cristã, 2004.

____ . Uma igreja peregrina: história da Igreja Presbiteriana do Brasil de 1959 a 2009. São Paulo: Cultura Cristã, 2009.

MATOS, Alderi S.; NASCIMENTO, Adão Carlos. O que todo presbiteriano inteligente deve saber. Santa Bárbara D'Oeste, SP: Socep, 2007.

PIERSON, Paul Everett. A younger church in search of maturity: Presbyterianism in Brazil from 191 O to 1959. San Antonio, Texas: Trinity University Press, 1974.

RIBEIRO, Boanerges. Protestantismo e cultura brasileira: aspectos culturais da implantação do protestantismo no Brasil. São Paulo: Casa Editora Presbiteriana, 1981.

EPÍLOGO: TORNANDO-SE UM PRESBITERIANO

T ENTEI ARGUMENTAR QUE SER PRESBITERIANO ENVOLVE CERTAS CONVICÇÕES,

práticas e histórias que se entrelaçam para forjar uma teia de identidade pessoal. Essa identidade presbiteriana pode incluir pontos comuns com outros crentes evangélicos (por exemplo, a maior parte dos cristãos afirmaria a crença na prioridade da graça e muitos concordariam com a necessidade da Escritura para disciplinar o culto). Todavia, os presbiterianos têm a tendência de enfatizar essas convicções e práticas de certas maneiras que são influenciadas pelas histórias que contamos sobre nós mesmos e sobre nossas convicções e práticas. Colocando de modo mais técnico, as convicções e práticas estão implantadas nas histórias e essas histórias fornecem as estruturas narrativas que tomam compreensíveis nossas convicções e práticas.

Evidentemente, eu não disse tudo o que poderia ser dito em qualquer das seções do livro. Por exemplo, os presbiterianos têm muito a dizer sobre uma série de questões mais "públicas", como igreja e estado, educação e relações entre os gêneros. Ao não falar dessas coisas, na verdade fiz uma declaração importante, a saber, que o presbiterianismo, no que tem de me­lhor, se concentra em questões espirituais - o relacionamento com Deus por meio de Cristo e uma vida de serviço ao próximo. Ele não se identifica (ou não deve se identificar) com posturas políticas específicas ou particularida­des regionais. O fato de que fez isso no passado na verdade reforça o ensino presbiteriano sobre a contínua realidade do pecado na vida de homens e mulheres.

Além disso, existem outras histórias presbiterianas sobre as quais eu disse pouco. Por exemplo, existe toda uma tradição do presbiterianismo escocês que recebeu poucas referências neste livro, a saber, os "Covenan­ters". Eles foram indivíduos resolutos que resistiram às tentativas feitas pelos anglicanos no século 17 de impor à Igreja da Escócia o Livro de

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Oração Comum. Esses cristãos possuíam certas crenças sobre o relaciona­mento entre a igreja e o estado, mas suas crenças sobre o cântico de salmos eram igualmente importantes. Seus descendentes continuam a promover a "salmódia exclusiva" e são representados pela Igreja Presbiteriana Re­formada da América do Norte. Outra história que não foi mencionada é a dissidência da PC(USA), no início dos anos 80, que levou à criação da atual Igreja Presbiteriana Evangélica (EPC). Essa denominação é encontra­da principalmente no norte dos Estados Unidos e tem como lema "unidade no essencial, liberdade no não essencial e caridade em tudo". Esse lema é uma de suas principais justificativas para permitir que as igrejas elejam e ordenem presbíteras.

Obviamente existem mais coisas, muito mais, sobre as quais eu pode­ria ter escrito. Porém, fazê-lo teria resultado em um livro muito maior e me­nos útil. Embora algumas pessoas fiquem a imaginar se é possível descrever o "presbiterianismo puro e simples" (ou o que gosto de chamar o "bom e velho" presbiterianismo), o que tentei fazer neste livro foi manter o enfoque no grande terreno comum daquilo que os presbiterianos conservadores dos Estados Unidos têm crido há mais de 300 anos.

Bem, talvez você esteja lendo estas páginas porque está pensando em se tomar membro de uma igreja presbiteriana, em especial uma igreja lo­cal filiada à IPB. 1 Ou talvez você seja estranho ao presbiterianismo, mas gostaria de fazer parte de uma igreja da IPB. E a questão com que você se defronta é: Como alguém se toma um presbiteriano?

Existem duas respostas a esse pergunta, uma de procedimento e outra mais psicológica. Os procedimentos necessários para que alguém se tome membro de uma igreja presbiteriana na realidade são bastante simples. O requisito mais básico é "dar um testemunho de [sua] experiência cristã ao Conselho da igreja" (BCO 57-6).2 O que os presbíteros querem ouvir é uma declaração aceitável de sua fé. E essa declaração aceitável de fé que os presbíteros buscam ouvir está muito bem sintetizada no compromisso de membro que você deverá assumir:

• Você se reconhece como pecador aos olhos de Deus, merecendo com justiça o seu desprazer, não tendo qualquer esperança a não ser em sua soberana misericórdia?

• Você crê no Senhor Jesus Cristo como o Filho de Deus e o Salvador dos pecadores, e o recebe e repousa para a salvação somente nele, como é oferecido no evangelho?

• Você resolve e promete, em humilde dependência da graça do Espírito Santo, que irá se esforçar para viver como convém aos seguidores de Cristo?

EPÍLOGO: TORNANDO-SE UM PRESBITERIANO 219

• Você promete sustentar a igreja em seu culto e trabalho na medida de sua capacidade?

• Você se submete ao governo e disciplina da igreja, e promete buscar sua pureza e paz? (BCO 57-5)3

Essas perguntas na verdade representam a essência da fé cristã. O pri­meiro voto pergunta se você reconhece que é um pecador que merece a con­denação divina. A seguir, o segundo compromisso de membro pergunta se você recebe a Cristo e descansa nele somente para a salvação, conforme ele é oferecido no evangelho. A terceira e a quarta perguntas sondam se você está disposto a viver uma vida de discipulado cristão, tanto individualmen­te, conforme motivado e transformado pelo Espírito, quanto coletivamente, no culto e no trabalho da IPB. O voto final pergunta se você irá se submeter ao governo e à disciplina da IPB, conforme sintetizados no Manual Litúr­gico da igreja.

Este último ponto é importante: quando você se torna membro de uma igreja presbiteriana, seu nome é incluído no rol de membros da igreja local, mas você de fato é um membro da Igreja Presbiteriana do Brasil. Você se submete à disciplina da IPB conforme manifesta em uma congregação local particular - porém, como é verdadeiro o que dissemos no capítulo sobre o governo (lembre-se: as partes estão no todo e o todo está nas partes), sua "lealdade" não é dirigida a um grupo particular de presbíteros, e muito me­nos a um pastor em particular, mas à igreja como um todo e acima de tudo a Cristo, o Rei.

Essencialmente, isso é tudo o que se requer para que alguém se torne um presbiteriano: algumas igrejas podem ter uma classe para novos mem­bros, outras igrejas podem exigir que você assuma esses votos diante da congregação. Mas o procedimento para se tornar um presbiteriano é bas­tante simples. A psicologia de se tornar presbiteriano é que pode ser mais dificil. O que quero dizer? Tudo isso retorna à questão da identidade. Pense nas maneiras pelas quais você se identifica: esses rótulos na verdade são marcadores de identidade que podem ter grande peso psicológico. Alguns rótulos podem ser modificados com pequena dificuldade: por exemplo, eu já me mudei tantas vezes que deixar de ser um torcedor dos "Phillies" de Filadélfia para torcer pelos "Cardinais" (Cardeais) de Saint Louis não exi­giu grande esforço. Outros fatores de identidade podem ser mais dificeis de alterar: mudança de carreira ("eu era advogado, mas agora sou professor"), filiação a um partido político, adesão religiosa.

É por isso que deixar de se ver como batista ou católico romano para se tornar um presbiteriano pode envolver um grande preço para a vida emo­cional, tanto em termos pessoais quanto familiares. O custo pessoal pode

220 Ü CRISTÃO PRESBITERIANO

envolver um intenso esforço mental; às vezes eu digo às pessoas que isso é como você se imaginar com um tipo diferente de roupas. Se você está acostumado a se ver de certa maneira, com um determinado conjunto de roupas (como um batista do sul, por exemplo), pode ser desafiador mudar essas roupas e se ver de uma nova maneira (como presbiteriano). Porém, para muitas pessoas o preço em termos familiares pode ser mais desafia­dor. Pais ou irmãos podem ficar imaginando por que a igreja em que você cresceu não foi "boa o suficiente" para você. Os cônjuges podem se sentir muito desconfortáveis quando você realiza uma viagem da qual eles não participam. Os filhos podem lutar com a ideia de deixar uma igreja a fim de ir para outra, particularmente se ela tiver um ''jeito" diferente em termos de culto ou estruturas eclesiásticas.

Eu reconheço que esses desafios psicológicos são reais e muitas ve­zes bastante dolorosos. No entanto, se você se identifica profundamente com as convicções, práticas e histórias presbiterianas que descrevi neste livro, provavelmente não ficará satisfeito até que abrace uma identidade presbiteriana de modo pleno e alegre. Além disso, existem muitas pessoas nas igrejas da IPB que fizeram a mesma jornada e estão prontas para amar você e recebê-lo de braços abertos. Finalmente, você experimentará um sentimento de alívio quando finalmente estiver numa igreja que crê e prati­ca o cristianismo da maneira como você o vê refletido na Escritura Sagrada. Ainda que o preço possa parecer alto, os beneficios compensam a jornada.

Assim, eu o convido a unir-se a nós nessa jornada de se tomar um presbiteriano. Ao fazê-lo, você poderá se sentir pouco à vontade no início, como se sentiria ao aprender algo novo e pouco familiar. Porém, no final, estar com um povo que anseia por ser "fiel às Escrituras, leal à fé reformada e obediente à Grande Comissão" lhe trará grande alegria. Acima de tudo, você irá participar de um modo de viver que trará grande glória a Deus so­mente: a ele seja toda a glória e o louvor!

NOTAS

INTRODUÇÃO: IDENTIDADE PRESBITERIANA NA ERA PÓS-MODERNA

DABNEY, Robert Lewis. "A Thoroughly Educated Ministry". ln: VAUGHAN, C. R. (Org.). Discussions. 4 vols., 1890-97. Reimpressão. Harrisonburg, Virgínia: Sprinkle, 1982, vol. 2, p. 676.

CAPÍTULO 1: DEUS É REI: A SOBERANIA DE DEUS

"O Father, You Are Sovereign". Letra de Margaret Clarkson. © 1982 Hope Publishing Company, Carol Stream, Illinois 60188. Todos os direitos reservados. Usado mediante permissão. Tradução livre de Elizabeth Gomes.

2 EDWARDS, Jonathan. "Personal Narrative". ln: CLAGHORN, George S. (Org.). The Works of Jonathan Edwards. Vol. 16: Letters and Personal Writings. New Haven: Yale University Press, 1998, p. 792.

3 Samuel Rodigast, "Whate'er my God Ordains is Right'', trad. Catharine Winkworth, em Trinity Hymnal ( 1990), nº 108. Tradução livre para o português de Elizabeth Gomes. N.T.: Outro hino, bem conhecido dos presbiterianos brasileiros, que expressa a mesma ideia é "Direção Divina" (Hinário Novo Cântico, nº 163).

4 KUYPER, Abraham. "Sphere Sovereignty". ln: BRATT, James D. (Org.). Abraham Kuyper: a Centennial Reader. Grand Rapids: Eerdmans, 1998, p. 488.

5 KUYPER, Abraham. Lectures on Calvinism. 1931, reimpressão. Grand Rapids: Eerdmans, 1994, p. 163. Edição em português: Calvinismo. São Paulo: Cultura Cristã, 2002.

6 WATTS, Isaac. "How Sweet and Awesome is the Place". ln: Trinity Hymnal (1990), nº 469. Tradução livre de Elizabeth Gomes.

CAPÍTULO 2: Á PRIORIDADE DA MARAVILHOSA GRAÇA

TURNER, Steve. Amazing Grace: the Story of America s Most Beloved Song. Nova York: Harper Collins, 2002, xxvii, xxxii, 217-218.

222 Ü CRISTÃO PRESBITERIANO

2 John Newton, "Amazing Grace'', tradução livre de Elizabeth Gomes. Em inglês, Trinity Hymnal. Suwanee, Geórgia: Great Commission Publications, 1990, nº 460.

3 PETERSON, Robert A.; WILLIAMS, Michael D. Why 1 am Not an Arminian. Downers Grove, Illinois: InterVarsity, 2004, p. 207.

4 NEWTON, "Amazing Grace", tradução livre da 2ª e 3ª estrofes por Elizabeth Gomes.

5 TOPLADY, Augustus M. "Rocha Eterna". Hinário Novo Cântico, nº 136, tradução de M. S. Porto Filho. Em inglês, "Rock of Ages, Cleft for Me", Trinity Hymnal (1990), nº 499.

6 CALVIN, John. Golden Booklet ofthe True Christian Life. Trad. Henry J. Van Andei. Grand Rapids: Baker, 1952, p. 25-26.

7 NEWTON, "Amazing Grace". 8 BUNYAN, John. The Pilgrim's Progress. 1895, reimpressão. Carlisle,

Pensilvânia: Banner ofTruth, 1977, p. 183. Em português: O Peregrino. Trad. Eduardo Pereira Ferreira. São Paulo: Mundo Cristão, 1999.

CAPÍTULO 3: Á HISTÓRIA, PROMESSA E DOMÍNIO DE DEUS: ALIANÇA E REINO

PHILLIPS, Richard. "Covenant Confusion", http://www.alliancenet.org/partner/ Article _Display _page/O,PTID307086% 7CCHID5593 76% 7CCIID 1787572,00. htrnl.

2 MURRAY, John. The Covenant of Grace. Londres: Tyndale Press, 1954. Reimpressão. Phillipsburg, Nova Jersey: Presbyterian and Reformed, 1988, p. 31.

3 COUSIN, Anne R. "The Sands of Time are Sinking". ln: Trinity Hymnal. Suwanee, Geórgia: Great Commission Publications, 1990, nº 546.

CAPÍTULO 4: 0 QUE AFINAL É A IGREJA?

1 "The Church", por Derek Webb © 2002 Derek Webb Music (admin. por Music Services). Todos os direitos reservados. Usado com permissão.

2 Muito do que digo acompanha o livro de Edmund P. Clowney, The Church. (Downers Grove, Illinois: InterVarsity Press, 1995.)

3 MURRAY, John, "The church: its definition in terms of'visible' and 'invisible' invalid". Em: The Collected Works of John Murray, 4 vols. Carlisle, Pensilvânia: Banner ofTruth, 1976, vol. 1, p. 234-35.

4 Samuel Stone, trad. português R. H. Moreton, "A Pedra Fundamental". Hinário Novo Cântico, nº 298.

NOTAS 223

CAPÍTULO 6: UM CORAÇÃO EM CHAMAS: PIEDADE PRESBITERIANA

E REFORMADA

OLD, Hughes Oliphant. "What is Reformed Spirituality?" Perspectives: A Journal of Reformed Thought 9 (janeiro 1994), p. 8.

2 Ibid., p. 9. 3 N.T. - Estrofe inicial: Manuel Porto Filho, "Rocha Eterna" (Hinário Novo

Cântico, nº 136); segunda estrofe: tradução livre. As traduções contidas nos hinários brasileiros não contêm algumas estrofes originais ou não preservam a força do original.

4 BOICE, James Montgomery. "Give Praise to God". Em: BOICE, James Montgomery e JONES, Paul. Hymns for a Modem Reformation. Filadélfia: Décima Igreja Presbiteriana, 2000, nº 1. Usado mediante permissão.

CAPÍTULO 7: CULTO PRESBITERIANO IMPULSIONADO PELO EVANGELHO

1 Tomo emprestada essa linguagem do Dr. Mark Dalbey, deão acadêmico e professor assistente de teologia prática no Seminário Teológico Covenant.

2 OLD, Hughes Oliphant. Worship: Reformed according to Scripture. Ed. rev. Louisville: Westminster John Knox, 2002, p. 6.

3 Estas questões recebem uma explanação detalhada em WITVLIET, John D. "Beyond Style: Rethinking the Role of Music in Worship". Em: JOHNSON, Todd E. (Org.). The Conviction of Things Not Seen: Worship and Ministry in the 21'' Century. Grand Rapids: Brazos, 2002, p. 70-80.

4 lbid., p. 72. 5 Anne Steele, "Thou lovely source oftrue delight" (tradução livre).

CAPÍTULO 8: "COM DECÊNCIA E ORDEM": O GOVERNO DA

IGREJA PRESBITERIANA

BANNERMAN, James. The Church of Christ. 2 vols. 1869, reimpressão. Carlisle, Pensilvânia: Banner ofTruth, 1974, vol. 1, p. 195.

2 lbid., p. 271.

CAPÍTULO 9: A GLORIOSA REFORMA: CALVINO, KNox E os PRIMÓRDIOS DO

PRESBITERIANISMO

CALVINO, João. "Calvin's Catechism of 1538". Em: HESSELINK, I. John (Org.). Calvin 's First Catechism: A Commentary. Trad. Ford Lewis Battles. Louisville: Westminster John Knox, 1997, p. 21.

224 Ü CRISTÃO PRESBITERIANO

2 HESSELINK, 1. John. "Calvin: Theologian of the Holy Spirit". Em: Calvin :S

First Catechism: A Commentary, p. 178. 3 RIDLEY, Jasper. John Knox. Nova York: Oxford University Press, 1968, p.

219. 4 "The Solemo League and Covenant". Em: Westminster Confession of Faith.

Glasgow: Free Presbyterian Publications, 1994, p. 359. 5 MACHEN, J. Gresham. "The Creeds and Doctrinal Advance". Em:

STONEHOUSE, Ned B. (Org.). God Transcendent. Grand Rapids: Eerdmans, 1949, p. 151.

CAPÍTULO 10: TAREFA NUMA TERRA SELVAGEM: O PRESBITERIANISMO

AMERICANO INICIAL

Carta de Francis Makemie a Benjamin Coleman, 28 de março de 1707. Em: BRIGGS, C. A American Presbyterianism. Nova York: Charles Scribner's Sons, 1885; citado por E. T. Thompson. Presbyterians in the South. 3 vols. Richmond: John Knox, 1963-73, vol. 1, p. 23.

2 TENNENT, Gilbert. "The Dangers of an Unconverted Ministry". Em: HEIMERT, Alan e MILLER, Perry. The Great Awakening. Indianapolis: Bobbs­Merrill, 1967, p. 85.

3 Carta de Jonathan Edwards a John Erskine, 5 de julho de 1750. Em: EDWARDS, Jonathan. The Works of Jonathan Edwards. Vol. 16: Letters and Personal Writings. Org. George S. Claghom. New Haven: Yale University Press, 1998, p. 355.

4 Whilst to myselfl've humm'd in dismal tune, I' d rather be a dog than Witherspoon. Be patient reader - for the issue trust, His day will come - remember, heav'n is just. SMYLIE, James H. A Brief History of the Presbyterians. Louisville: Westminster John Knox, 1996, p. 60.

CAPÍTULO 11 ! ÜS ANOS DOURADOS: OS PRESBITERIANOS AMERICANOS NO

SÉCULO 19

"Plan ofUnion". Em: ARMSTRONG, Maurice W.; LOETSCHER, Lefferts A.; ANDERSON, Charles A. The Presbyterian Enterprise: Sources of American Presbyterian History. Filadélfia: Westminster, 1956, p. 104.

2 Paul E. Johnson. A Shopkeeper s Millennium: Society and Revivais in Rochester, New York, 1815-1837. Nova York: Hill and Wang, 1978.

3 FINNEY, Charles Grandison. Lectures on Revivais of Religion. Org. William G. McLoughlin. Cambridge, Massachusetts: Harvard University Press, 1960, p. 291.

NOTAS 225

4 WALLACE, Peter; NOLL, Mark. "The Students of Princeton Seminary, 1812-1929: A Research Note". American Presbyterians 72 (outono 1994): 203-15.

5 PARKER JR., Harold M. The United Synod of the South: The Southern New School Presbyterian Church. Newport, Connecticut: Greenwood, 1988, p. 129.

6 VELDE, Lewis G. Vander. The Presbyterian Churches and the Federal Union, 1861-1869. Cambridge, Massachusetts: Harvard University Press, 1932, p. 50.

7 THORNWELL, James Henley. "Address to Ali Churches of Christ". Em: PALMER, B. M. (Org.). The Collected Writings of James Henley Thornwell. 1870-73, reimpressão. Carlisle, Pensilvânia: Banner ofTruth, 1974, p. 446-64 (citações nas p. 451, 455, 456, 460 e 463).

8 WILSON, Joseph M. (Org.). The Presbyterian Historical Almanac and Annual Remembrancer ofthe Churchfor 1866. Filadélfia: Joseph M. Wilson, 1866, p. 43-45.

9 O discurso de Dabney pode ser encontrado em JOHNSON, Thomas Cary. Life and Letters of Robert Lewis Dabney (1903, reimpressão. Carlisle, Pensilvânia: Banner ofTruth, 1977), p. 352.

1 O VAN CE, James 1. Predestination: A Sermon. Richmond: Presbyterian Committee of Publication, 1898, p. 14, 17, 19, 26, 29.

CAPÍTULO 12: A SARÇA ARDENTE: BREVE HISTÓRIA DA IGREJA

PRESBITERIANA NO BRASIL

Ver: RIBEIRO, Boanerges. Protestantismo e cultura brasileira: aspectos culturais da implantação do protestantismo no Brasil. São Paulo: Casa Editora Presbiteriana, 1981, p. 17.

2 Para maiores informações sobre a vida e obra de Simonton, ver: SIMONTON, Ashbel G. O Diário de Simonton: 1852-1866. 2ª ed. São Paulo: Cultura Cristã, 2002.

3 Para maiores informações sobre os primeiros missionários, ver: MATOS, Alderi S. Os pioneiros presbiterianos do Brasil: missionários, pastores e leigos do século 19. São Paulo: Cultura Cristã, 2004.

4 Sobre Conceição, ver: RIBEIRO, Boanerges. José Manoel da Conceição e a reforma evangélica. São Paulo: O Semeador, 1995.

5 Ver Brasil Presbiteriano, setembro de 1962, p. 12, e Digesto Presbiteriano, SC-62-200.

6 Sobre o fim das missões norte-americanas no Brasil, ver: ARNOLD, Frank L. Uma longa jornada missionária. São Paulo: Cultura Cristã, 2012.

EPÍLOGO: TORNANDO-SE UM PRESBITERIANO

N.T. No original, o autor menciona sua denominação, a PCA.

226 Ü CRISTÃO PRESBITERIANO

2 Os Princípios de Liturgia da IPB dizem que os candidatos à profissão de fé devem ser previamente examinados "em sua fé em Cristo, em seus conhecimentos da Palavra de Deus e em sua experiência religiosa" (Art. 12).

3 Ver as perguntas semelhantes que constam do Manual Litúrgico da IPB, na seção referente à Profissão de Fé.

ÍNDICE DE ASSUNTOS E NOMES

Aarão 32, 120 Anglicanos 134, 168, Avivamento de Cane Abolicionismo 185, 192 173,217 Ridge 194, 197 Abraão 20, 60, 62, 66, Anticristo 35, 176

68, 80-83, 91, 191 Antiga aliança 32, 60, Baby boomers 73 Acaso 28, 34, 107, 185 65, 125 Baez, Joan 43 Adão e Eva 33, 37, 61, Aposentadorias e Be- Barnes, Albert 186, 190

62 nefícios da PCA Batismo 20, 76, 83, 87-Adfontes 155 145

93, 97-99, 108, Adoção 18, 38, 67, 79, Apostasia 20, 61, 81,

80, 106, 126, 171 136 109, 115, 119,

Alexander, Archibald Apostolicidade da igreja 121, 123, 137,

188 76 138, 204

Aliança (pacto) 59, 60, Arminianismo 46, 162 Batismo infantil 83, 90

65, 66, 68, 71, 96, Armínio, Tiago 46 Batistas 19, 20, 84, 134,

97, 122, 124, 128, Arrebatamento 65 163, 173, 182-145 Arrependimento 54, 92, 184, 190

como promessa irrevo- 95, 125, 126 Beatty, Charles 172 gável 66 Arte 30, 36, 49 Beecher, Edward 187

e redenção, 20, 32, 33, Assembleia de West- Beecher, Henry Ward 40, 42, 44, 47, minster 9, 23, 188 60-67, 69-71, 91, 120, 160, 162, Beecher, Lyman 184, 106, 125, 126, 167,204 186, 188 157, 161, 197 Assembleia Geral (Su- Belcher, Jonathan 174

e reino, 4, 5, 59 premo Concílio) Benevolência 142, 153,

Aliança Mundial de Igre- 8, 141, 142 jas Reformadas Ato de Adoção 171 185

(Amir) 213 Ato de Exclusão 186 Bíblia (ver também Pala-

Aliança Presbiteriana Ato de Revogação 186 vra de Deus)

Mundial 210, Auto-exame 95 inspiração e inerrância,

213 Autoridade da igreja 18, 193

"Amazing Grace" (hino) 135-137, 139 regula o culto, 119, 43,58,222 Avivalismo 118, 183- 121

Anabatistas 80 186, 198 tradução da, 110

228 Ü CRISTÃO PRESBITERIANO

Biblical Repertory and Carlos II 163 Colégio de Nova Jersey Princeton Review Catecismo de Heidelberg 174, 176, 177, 188 108, 109, 114 203

Bismarck 153 Catecismo Maior de Colégio de Oberlin 188 Blair, John 172, 175 Westminster 13, Colégio de Princeton Blair, Samuel 172 18, 81, 82, 106, (ver também Bono 44 108, 119, 163 Colégio de Nova Braga, Erasmo 208 Catolicidade da igreja Jersey) 175, 177, Breckinridge, R. J. 186 76 188 Breda Filho, Paulo 212 Ceia do Senhor 21, 81, Colégio de Toras 172-Breve Catecismo de 87-99, 105, 108, 174, 177

Westminster 18, 109, 115, 119, Colégio Internacional 163 121, 123, 124- 204

Briggs, Charles 193 126, 137 Collins, Judy 43 Bucer, Martin 156 como confirmação da "Com decência e ordem" Bunyan,John 56, 107 fé, 89, 95, 97 23, 23, 133 Burroughs, Jeremiah como renovação da Comitê de Correspon-

120 aliança, 95, 96 dência do Conda-Burr Sr., Aaron 29, 174, preparação para a 95, do de Somerset

177 96 178 Centro de Conferências Comunhão (ver Ceia do

Calvinismo 36, 42, 46, de Ridge Haven Senhor) 197 145 Comunhão com Deus

Calvino, João, 9, 13, 23, Centro de Pós-Graduação 21, 67, 74, 80, 36, 52, 77, 95, Andrew Jumper 103, 105-114, 104, 152, 155, 214 126, 158 160, 165 "Cercar a mesa" 96 Comunhão com outros

e a Reforma Suíça 155 Chamado (vocação) 36, crentes 95, 106, e as reformas de Ge- 48,56, 125, 160 112, 127, 142

nebra, 152, 153, Chaves do Reino 13 7 Comunhão do Espírito 156, 159 Cheever, George 188 75,83

sobre a ceia do Senhor, Chequer, Edésio de Oli- Conceição, José Manoel 95 veira 212 da 204,208,225

sobre a igreja, 77, 79 Ciência 36, 49, 194 Concílio de Orange 153 sobre a vida cristã, 52, "Cinco pontos do calvi- Concílio de Trento 154

95, 104 nismo" 46-48, 57 Concílios da igreja 141-Cannada, Bob 24 Circuncisão 20, 63, 68, 144, 196 Cântico de louvores 75, 80, 83, 90, Conferência de Edimbur-

110, 119 91,92 go 172 Cântico de salmos 111, Circunstâncias do culto Confissão de Fé de

121, 218 121, 139 Westminster (ver Capitalismo 152, 153 Clowney, Edmund 74 também Subscri-Carey, William 201 Colégio da Carolina do ção confessional) Carlos 1 161, 162 Sul 189 13, 18, 38, 84, 88,

93, 94, 105, 119, I2I, I61, I63, I7I, 176

e a piedade reformada, 104, 105

revisões de 1903, 193, 194

sobre a predestinação, 39, 197

sobre a soberania de Deus, 30

sobre a união com Cristo, 105

sobre o culto 119, 121, 122

Confissão do Rei 161 Confissão Escocesa 160,

161, 164, 165 Congregacionais 133,

134, 162, 163, 168, 171, 173, 182, 183, 187

Conselho (da igre-ja) 22, 97, 99, 143,218

Congresso do Panamá 208

Consciência interdeno­minacional 185

Conselho Mundial de Igrejas 210

Consistório 156 Contra-Reforma 154 Controvérsia modemis-

ta-fundamentalis­ta 188, 199

Convenção Batista do Sul 8, 134

Conversão 29, 77, 170, 172-174, 184, 186

Convicções presbiteria­nas 18, 87, 105

Combury, Lorde 168, 179

ÍNDICES DE ASSUNTOS E NOMES 229

Corpo de Cristo (fisico) 89, 93-96, 109

Corpo de Cristo (igreja) 73-75, 78, 79, 105, 108

Cosmovisão 36 Covenant College 145 Covenanters 162, 21 7 Craig, John 161, 175 Credo Niceno 75 Criação 16, 17, 23, 29-

34, 37, 40, 41, 49, 50, 57, 61, 62, 69, 70, 111, 114, 129, 160, 180, 182, 183, 188, 192, 194, 195, 197-199, 206, 208, 213, 218

Crianças e a Ceia do Senhor, 66, 98, 126

e a igreja visível 80, 83

Cross, Robert 169 Culpa 51, 54, 114, 154 Culto, 5, 8, 9, 16, 21,

22, 24, 52, 70, 71, 74, 77, 80, 82, 83, 107, 109-113, 115-130, 134, 137-I40, I46, I55, I60, 162, 167, I83, I51, 2I7,219,220

como renovação do pacto, 122, 128

e comunhão com Deus, I24, 126

reapresenta o evan­gelho 125

Culto aceitável 119, I20, 121

Culto como renovação da aliança 96, I22, I28

Culto comunitário 21, 110, 111, 113, 119, 126, 128

Culto contemporâneo 117, 118, 123, 127

Culto doméstico 11 O, 113

Culto particular II O, 113

Culto tradicional II 7, 118, I23, 127

Cunha, Guilhermino 213

Dabney, Robert Lewis 181, 192, 195, 199,225

Darwin, Charles I 94 Davi 32, 63, 64, 66 Davies, Samuel I 75,

I77 Declaração de Aubum

I87 Declaração de Indepen­

dência 178 Denominações 7, 8, 23,

24, 73, 115, 173, I82, I84, I90, I98, 208, 209, 2I2, 213, 214, 2I5

Depravação 46, 47 Depravação total 46,

47,57 Deserto 32, 63, 71, I24,

I25 Deus

ira de, 44, 46, 48, 49, 51,57,65

liberdade de, 33, 47

230 Ü CRISTÃO PRESBITERIANO

misericórdia de, 19, 186, 187, 191, Calvino sobre, 157 40, 52, 54, 70, 192, 195, 197 e eficácia dos sacra-109, 142, 157 Doutrinas da graça 5, mentos, 89, 90

presença no culto, 83, 9,46 e perseverança 56 124, 130 Espiritualidade 5, 54,

promessas às crianças, Ecumenismo 209, 21 O 73, 74, 103, 104, 92 Eduardo VI 159 111, 115, 191,

propósitos de, 20, 36, Educação 112, 134, 144, 195 58, 74 145, 172, 173, Espiritualidade reforma-

soberania na salvação, 179, 204, 206, da (ver também 37,38,40 209, 212, 214, Piedade) 74, 103

Deuteronômio 125 215,217 Estilo de culto 117, 118, Diáconos 18, 112, 119, Educação cristã 144 129

140, 142, 153, Educação Cristã e Pu- Estrasburgo 156 158, 190 blicações (PCA) Eucaristia (ver Ceia do

Dia do Senhor 69, 110, 145 Senhor) 93 111, 121 Educação teológica 112, Evangelho 10, 11, 19,

Diálogo no culto 123, 134, 144, 172, 20, 22, 31, 38, 39, 124 179,212,214 41, 56, 57, 66, 68,

Dickinson, John 177 Edwards, Jonathan 23, 69, 75-77, 79, 82, Dickinson, Jonathan 170, 29, 61, 174, 176, 83, 88, 97, 108,

174, 179, 180 186, 201, 221, 109, 112- 118, Dilúvio 49 224 120, 122, 124-Discernir o corpo de Edwards Jr., Jonathan 130, 136, 137,

Cristo 96 182 140, 142, 146, Disciplina 22, 54, 84, Eleição 37, 46, 48, 55, 153, 154, 158,

119, 120, 134- 142, 161, 177, 191, 202, 206, 136, 139, 141, 178, 194, 214 208, 218, 219, 143, 146, 156, Eleição incondicional 223 158-160, 183, 46,47 apresentado no culto, 190, 219 Elementos do culto 121 66, 83, 118, 124,

Discípulos de Cristo 184 Elizabete 1 160 125, 126 Dispensacionalismo 65 Envolvimento social e a igreja, 75 Dively, David 11, 34 215 recuperado na Refor-Dons 107, 119, 140 Era pós-denominacional ma, 154 Doutores (oficio da igre- 73 Evangélicos 6, 10, 18-

ja) 158 Erasmo 155 21, 37, 40, 57, 65, Doutrina 9, 18,29,39, Erskine, John 176,224 85, 90, 96, 119,

94, 104, 105, 115, Esaú 32,62 135, 175, 204, 118, 122, 135, Escola Americana 204 217 136, 138, 139, Escravidão 63, 66, 181, Evangelismo 112, 134, 141, 143, 146, 186, 187, 190, 173, 175, 212, 152, 154, 157, 191, 195,207 215 160, 162, 183, Espírito Santo Evolução 5, 179, 194

Exílio 63, 64, 69 Êxodo 63, 125 Experimentar Deus l 04,

127 Expiação 46, 4 7, 48 Expiação definida 4 7 Expiação limitada 46,

47,48 Expiação particular 4 7

Famílias, 20, 49, 60, 62, 66, 82, 83, 91, 92, 97, llO, 154

batismos, 85, 91 e culto, 74, llO igreja como, 74

Farel, Guilherme 155, 156

Ferraz, Bento 209 Fidelidade 103, 125 Filosofia moral escocesa

188 Finley, Samuel 172,

175, 177 Finney, Charles 184,

188 Forma de governo 5,

158, 161, 162, 178, 180, 183, 189

Frelinghuysen, Theodore 174

Fronteira 182, 183 Fundação PCA 145 Fundamentalismo 199 Fundamento da igreja

76, 83, 192, 211

Genebra 152, 153, 155, 156, 159, 160, 165

Gillespie, George 169 Girardeau, John ~- 181 Glorificação. 18, 38, 55

ÍNDICES DE ASSUNTOS E NOMES 231

Governo da igreja (ver também Forma de governo) 22, 70, 120, 121, 133

Graça, 19, 20, 22, 24, 37-58, 59-62, 65-68, 74, 79-84, 87-90, 93, 95-97, 104-109, 112-116, 120, 122-124, 126, 128, 138, 142, 153, 154, 156, 158, 161, 163, 181, 197, 217,218

crescimento na, 95, ll2, 113, 114

prioridade da, 19, 43, 105,217,222

Graça comum 49, 57 Graça irresistível 46, 48 Graça transformadora

50 Grande Despertamento

61, 172, 173, 175, 176, 183, 201, 202

Gratidão 11, 22, 43, 52, 54, 95, 109, 114, 116, 203

Green, Ashbel 186, 203 Guarda do domingo 111 Gueiros, Israel Furtado

210 Gueiros, Jerônimo 208,

209 Guerra Civil 190, 195,

196,202,204 Guerra dos Sete Anos

175, 179 Guerra Francesa e Indí­

gena 175

Hancock, John 177

Harvard 172-174, 189, 225

Heresia 186, 193 Hesselink, 1. John 157 Hipócritas 79, 81 História,

natureza cíclica da, 61 propósito na, 34

História da redenção 20, 32, 60-62, 65-67, 70, 71, 91, 125, 126, 161

História providencial 36 Histórias 5, 10, 11, 17,

18, 19, 23, 24, 29, 32, 34, 35, 65, 71, 90, 151,217,220

Histórias presbiterianas 10, 151, 217, 220

Hobbes, Thomas 152 Hodge, A. A. 181, 193,

194 Hodge, Charles 23, 104,

181, 186, 188, 191, 193, 194, 199

Hospitais 153, 214 Humanistas 155 Hus, João 152, 201

Identidade 7-9, 15-18, 23, 24, 35, 37, 39, 55, 134, 183, 185, 187, 188, 192, 214, 215, 217, 219,220

Identidade cristã 24 Identidade presbiteriana

7, 9, 17, 18, 23, 24, 134, 187, 217, 220

Igreja, 7-9, ll, 18, 20-24, 35, 44, 65, 71-85, 88,89,92,93,96-98, 105-107, llO-

232 Ü CRISTÃO PRESBITERIANO

112, 117-123, 127, Igreja Presbiteriana Con- Igreja Presbiteriana Or-129, 130, 133-147, servadora 9, 209 todoxa 13, 199, 151-156, 158-164, Igreja Presbiteriana da 213 168-173, 175-198, América 5, 7, 8, Igreja Presbiteriana 201-223, 225 10, 11, 13, 110, Renovada 212

como organismo, 74, 133, 134, 199, Igreja Presbiteriana Uni-77, 78 212 da do Brasil 212

como organização, 18, Igreja Presbiteriana da Igrejas Cristãs/Igrejas de 78 Bíblia 199 Cristo 77, 184

descrição nos evange- Igreja Presbiteriana de Igrejas domésticas 77 lhos, 75, 76 Cumberland 184, Igreja universal 77, 79,

descrição trinitátia, 194 80,82,84, 134 74, 75 Igreja Presbiteriana do Igreja verdadeira e igreja

e Estado, 164, 206, Brasil 13, 207, falsa 77, 79 217 211, 213, 216, Igreja visível 11, 20, 79-

espiritualidade da, 219 83,85,89,92 191, 195 Igreja Presbiteriana do Iluminismo 152

marcas da, 134, 160 Norte (ver Igreja Iluminismo escocês 177 membros da, 20, 76, Presbiteriana dos Imanência 31

82, 83, 85, 89, Estados Unidos Imprensa Evangélica 203 96, 106, 107, 119, daAmérica) 193 Indicativos e imperativos 135, 142, 173, Igreja Presbiteriana dos 52 186,219 Estados Confede- Institutas da Religião

natureza conectiva, rados da América Cristã (Calvino) 142, 144 191 13, 155

santidade da, 76 Igreja Presbiteriana dos Irmãos e irmãs em Cristo visível e invisível Estados Unidos 87, 122

78-82 7, 168, 195, 212 Isaías 64 Igreja Católica Romana Igreja Presbiteriana dos Isaque 32,62,63,80

79, 87, 135, 151, Estados Unidos Ismael 32, 62, 83 153 daAmérica 8, 13, Israel e a igreja 65

Igreja Cristã de São 187,202 Paulo 209 Igreja Presbiteriana do Jackson, Stonewall 196

Igreja da Inglaterra (ver Sul (ver Igreja Jacó 32, 62, 63 também Anglica- Presbiteriana dos Já e ainda não 70 nos) 162 Estados Unidos) James Stuart 161

Igreja invisível 78, 79, 7, 196 Jennings, Peter 41 82,84, 106 Igreja Presbiteriana Jesuítas 154

Igreja local 22, 77, 97, Evangélica 199, Jesus Cristo, 98, 106, 140-144, 212,214,218 beneficios dele nos 203,218,219 Igreja Presbiteriana Inde- sacramentos, 81,

Igreja Presbiteriana pendente (IPI) 87-90, 96, 97 (EUA) 8, 187, 207, 209, 210, como .mediador, 64, 66, 202 211, 213, 215 67, 106, 157, 161

e o poder eclesiástico, 134, 140

espiritualmente pre­sente na Ceia do Senhor, 94-96, 160

identidade em, 55 intercessão de, 56 morte e ressurreição

de, 10, 19, 20, 52, 60, 64, 66, 108

pessoa e obra de, 18 Jornada 8, 10, 11,24,

50, 55, 56, 67, 93, 97, 112-115, 116, 216,220,225

Judá 27,63,66 Juízo final 64, 70 Junta Americana de Co­

missionados para Missões Estran­geiras 185

Juntas eclesiásti-cas 182, 189

Jurisdição 140, 158, 162 Jurisdição original 144 Justiça 19, 31, 37, 39,

45, 50, 51-56, 64, 66, 70, 106, 113, 154, 157, 218

Justiça (diante de Deus) 45, 51, 53, 55, 66, 106, 113, 154

Justificação 18, 38, 48, 106, 125, 152, 154, 189

Keyes, Kenneth 24 Knox, John 23, 99, 131,

159, 160, 165, 180, 200, 223, 224

ÍNDICES DE ASSUNTOS E NOMES 233

Kuyper, Abraham 36, 221

Lane, Edward 204 Laud, William 162 Lei(s) 31, 35, 36, 49-51,

60, 61, 63, 65-68, 75, 79, 136, 138-140, 159, 160, 162, 173

Liberalismo 206, 211 Liberdade de consciência

122, 130 Liberdade religiosa 169,

179,206 Liga e Pacto Solene 162 Lincoln, Abraham 190 Livre arbítrio 19, 30, 55 Livro de Oração Comum

159, 161, 217 Livro de Ordem Eclesi­

ástica (PCA) 22, 110, 112, 133, 139, 140, 143, 178-180, 182, 209

Lloyd-Jones, Martyn 46 Log College (ver Colé­

gio de Toras) 172 Longo Parlamento 162 Louisville 8, 11, 99,

131, 180, 195, 200,223,224

Luteranos 134 Lutero, Martinho 152

Machen, J. Gresham 24, 163, 199

Mackenzie College 206 MacLaurin, John 176 Maçonaria 206, 207,

214 Madison, James 177

Makemie, Francis 168, 179, 180,224

Maria de Guise 160 Maria Stuart 160 Maria Tudor 159, 160 McCulloch, William

176 McGiffert,A.C. 193 Mclntire, Carl 199, 210 Meios de graça 74, 87,

104, 107, 116, 126, 128, 156, 158

Membresia regenerada da igreja 80, 85, 92,98

Membros, 8-10, 18-20, 52, 67, 75-79, 82-85, 89, 96, 105-107, 119, 133, 134, 135, 137, 142, 169, 173, 183, 186, 187, 195, 208-210, 212,214,219

votos de 218, 219 Metodistas 134, 182-

184, 190 Ministérios Universitá­

rios Reformados (PCA) 145

Misericórdia 19, 31, 37, 40, 45, 46, 49, 52-55, 68, 70, 96, 109, 111, 112, 142, 157, 197, 218

obras de, 112, 142 Missa 94, 154 Missão à América do

Norte 145 Missão ao Mundo (PCA)

145

234 Ü CRISTÃO PRESBITERIANO

Missões 134, 144, 201, 202, 204-210, 212,214,225

Mistério, da Ceia do Senhor 93, 95

Modernismo 194 Moisés 32, 63, 68, 125 Morrer bem 56 Mota, Otoniel 209 Mota Sobrinho, João

Marques da 208 Murray, John 60, 78,

222 Música 15, 43, 117,

126-128, 130 Música sacra 126-128,

130

Napoleão 153 Nassau Hall 174, 177 Natureza conectiva da

igreja 142 Nettleton, Ashael 184 Newton, John 44, 45,

222 Nichols, Stephen J. 10,

35 Noé 62, 66 Noiva, igreja como 74 Noll, Mark 188 Nova aliança 60, 65,

66,81 Nova criação 111 Novas medidas 184, 195 Nova teologia 186 Novo nascimento 173,

174, 176

Obras 6, 18, 37, 38, 42, 44, 45, 49-51, 53, 54, 58, 60, 61, 67, 104, 106, 112, 114, 142, 153, 154, 161

Obras de misericórdia 112, 142

Oficiais, 9, 10, 18, 134, 136, 140, 141, 146, 170, 214, 215

e a autoridade da igreja 136

Old, Hughes Oliphant 103, 111, 123

O Peregrino 56, 107, 221

Oração 11, 21, 24, 75, 93, 94, 96, 103, 105, 107, 109-111, 113, 115, 120, 133, 142, 158, 161, 164

Ordem 22, 23, 63, 133, 134, 139, 141, 143, 144, 159, 173, 178, 183

"Ordens de Pittsburgh" 195

Origens do presbiteria­nismo 155

Ortodoxia 104, 105, 163, 170, 187, 211

Ortopraxia 105

Packer, J. I. 104 Pacto da graça 20, 56,

60,66,88, 105 Pacto das obras 60 Pacto Nacional 161 Palavra de Deus, 22, 71,

77, 83, 90, 96, 107, 108, 110, 113, 121-127, 135, 139, 141, 143, 159, 160, 163, 176, 215, 226

e autoridade da igreja, 136, 139

leitura da, 11 O Palavra e sacramento

129 Palmer, B. M. 191, 192 Páscoa 8, 68 Pastores 16, 18, 22, 39,

53, 118, 126, 140, 141, 145, 146, 158, 168-173, 177, 178, 184, 188, 192, 193, 195, 205, 207, 208,214,215

Pastores itinerantes 169, 173, 185

Patton, Francis L. 193 Paulo,

pregação de 31, 38, 39 sobre a ceia do Senhor,

50,51,95 sobre a graça, 37, 45,

48,55,56 sobre a igreja, 52, 70,

75, 77, 78, 81, 105, 139, 140

sobre as coletas, 112 Pecado 34,40,45,47,

50, 51, 53, 56, 62-64, 96-98, 108, 109, 113, 114, 116, 123, 125, 126, 136, 160, 169, 173, 186, 190, 191, 217

Pecado original 160, 186

Penitência 87, 154 Perdão 37, 49-51, 53,

96, 108, 114, 123, 154, 157

Pereira, Eduardo Carlos 205-208

ÍNDICES DE ASSUNTOS E NOMES 235

Perseverança dos santos 204, 211, 215, Presbitérios 112, 139, 46,48 217,220 142-145, 169,

Peterson, Robert 11, 4 7 e convicções, 17, 21, 171, 178, 179, Phillips, Richard 59 23, 104, 217 182, 189, 205, Piedade 21, 22, 52, 103- e piedade 21, 22, 107, 207-210

105, 107, 109- 113, 114 Presbíteros 7, 18, 22, 115, 126, 154, Práticas presbiterianas 24, 92, 97, 119,

157, 172, 174, 21 133, 139-143,

176, 179,203 Predestinação 37, 39, 146, 156, 158,

Pietismo holandês 173 48, 153, 197 170, 171, 178,

Plano Brasileiro 208, Pregação 10, 18,21,83, 183, 184, 189,

210 107, 108, llO, 190, 209, 212,

Plano de União 183, 120-126, 128, 218,219

186, 197 136, 141, 160, Presbíteros docentes

Plataforma de Saybrook 172, 184, 208 141-143, 146, 189

171 Preordenação 33,37 Presbíteros regentes 7,

Poder da igreja, 121, Presbiterianismo colo- 18, 22, 24, 97,

122, 135, 137- nial 172, 173 141, 146, 178,

141, 146 "Presbiterianismo histó- 183, 189, 190

como algo espiritual, rico" 181 Presciência 31, 33, 197

135 Presbiterianismo inglês Preservação 32, 48, 49,

e a Palavra de Deus 163 55, 62, 76, 104,

138 Presbiterianismo por di-161

Princípio regulador do e Jesus Cristo, 137 reito divino 189

culto 119, 130 e os oficiais, 140 Presbiterianos da Ala

Profetas 64, 76, 78, 140 Pós-modernidade, Nova 173, 174, Profissão de fé 66, 87,

e identidades fluídas, 175, 176, 177 90, 92, 93, 97, 98, 17 Presbiterianos da Ala 204,226

espiritualidade da 73, Velha 173, 174, Promessa e cumprimento 74 175, 176 65

Povo de Deus 20, 24, Presbiterianos da Nova Propriedades da igreja 47, 64, 65, 67, Escola 185, 186, 142 69, 70, 74, 75, 81, 187, 188, 190, Protestantismo 5, 8, 91, 111, 123, 125, 192 153, 164, 187, 139, 142, 158, Presbiterianos da Velha 216,225 164 Escola 186, 187, Providência 11, 31, 32,

Práticas, 5, 7, 9-11, 16- 188, 190, 191, 33, 36, 40-42, 63, 18, 21-24, 34, 57, 192, 195, 198, 176, 194 73, 103-105, 107, 204 111, 113-115, Presbitério de New Quacres 175 118, 123, 134, Brunswick 17 4 Queda 33, 37, 62, 66, 146, 151, 155, Presbitério de New Cas- 106, 161 158, 167, 191, tle 169, 170, 171 Queixa 144

\

236 Ü CRISTÃO PRESBITERIANO

Rayburn, Robert G. 24 Ridley, Jasper 159 Scott, Walter 126 Realismo Escocês do Rituais (ver Práticas) Secularização 152

Senso Comum Robe, James 176 Segundo Grande Desper-177 Robinson, Edward 188 tamento 183, 202

Rebanho, igreja como Robinson, Stuart 195 Segurança (da salvação) 78 Robinson, William 172 39, 173

Rebelião 73, 190, 195 Rowland, John 172 Selo 52, 88, 97, 98, 108 Reconstrução 195 Sacramentos, 5, 20-22, Semente 56, 60, 62, 64 Redenção, 77, 80, 83, 87-91, Seminário de Andover

e pacto, 60, 61, 62, 63, 98, 105, 108, 113, 189 64,65,66 118, 120-124, Seminário de Columbia

implicações cósmicas 126, 137, 138, 189 da, 70 140, 141, 158, Seminário de Princeton

Reforma 5, 58, 79, 93, 160 182, 188, 193, 118, 151-156, no Antigo e no Novo 203 159, 164, 165, Testamento, 90, Seminário Lane 186, 201,202 91 188

Reforma escocesa 159 validade versus eficá- Seminário Teológico Reforma social 185, eia, 89, 90, 93, Covenant 10,

186, 198 98 145,223 Reforma suíça 155 Sacrificio 52, 63, 80, 94, Seminário Teológico Reinado 20, 33, 60, 64, 109, 125, 126 Presbiteriano de

69, 70, 71, 73, Salomão 64, 66 Austin 196 160, 177 Salvação 18, 19, 24, 29, Seminário Union da

Reino 5, 20, 27, 28, 32, 32, 34, 35, 37-41, Virgínia 182, 36, 56, 57, 59-61, 44, 45, 47-51, 55, 192, 196 64, 65, 68-70, 72, 56,58,60,64,66- Seminário Union de 105, 106, 134, 69, 71, 74, 76, 83, Nova York 188, 137, 145, 146, 84, 104, 107, 109, 193 153,201,222 114, 125, 130, Senhas para comunhão

e aliança 59, 60, 68 136, 154, 157, 97 Reis, Álvaro 208 158, 173, 194, Serveto, Miguel 156 Religião 36, 44, 79, 80, 218,219 Serviço ao próximo 21,

82, 90, 110, 154, Santidade, 50, 54, 76, 113,217 155, 162, 168, 106, 107' 113, Shakers de Pleasant Hill, 182 116, 126 Kentucky 184

Remonstrantes 46 da igreja 75, 76 Shaull, Richard 210 "Resoluções Spring" Santificação 18, 38, 79, Silva, Roberto Brasileiro

191, 198 106, 125, 126, 214 Responsabilidade huma- 186 Simonton, Ashbel Green

na 41 Santo mistério 93 203 Revelação geral 49 Santos Júnior, José Bor- Sinal 20, 59, 64, 82, 83, Revisão e controle 143 ges dos 210 88-92, 97, 98, Ribeiro, Boanerges 211 Saul 63 108, 124

Sínodo de Dort 46 Sínodo de Filadélfia

169, 175, 176 Sínodo de Nova York

174-176 Sínodo Unido do Sul

190 Sistema penitencial 154 Smith, Henry Boynton

188, 192 Smith, Henry Preserved

193 Soberania 5, 19, 27,

29-31, 36-42, 45, 105, 153, 194, 221

Sociedade Americana de Colonização 185

Sociedade Americana de Missões Nacio­nais 185

Sociedade Americana de Tratados 185

Sociedade Bíblica Ame­ricana 185

Sociedades benevolentes 185

Spring, Gardiner 191 Stone, Barton W. 183 Subscrição confessional

176, 179, 192 Subscrição de sistema

187, 192 Subscrição estrita 173,

192 Supremo Concílio 8,

22, 141, 142, 210, 211, 213, 214

Swing, David 193

Taylor, Nathaniel William 186

Tennent, Gilbert 173, 175, 177

ÍNDICES DE ASSUNTOS E NOMES 237

Tennent Sr., William 172,175

Teologia de Princeton 193

Teologia pactuai 61, 65, 156

Teose 105 Terra prometida 35, 63 Thomwell, James

Henley 181, 189, 198,225

Tiago VI (rei da Inglater-ra) 160

Tipos 63, 68, 136 Toplady, Augustus 50 Transcendência 31 Transubstanciação 94 Tribulação 65 Trindade, 18, 20, 119,

157, 164 e batismo, 76 e culto, 119 em Calvino, 157

Trinta e Nove Artigos 162

True Presbyterian 195 Tuckney, Anthony 163 TULIP 46 Turner, Steve 43

Ubiquidade do corpo de Cristo 94

União Americana de Escolas Domini­cais 185

União com Cristo, 24, 51, 53, 67, 89, 97, 104-108, 164

Calvino sobre, 157, 158

e a conetividade, 134, 135

e a igreja, 75, 76 e a piedade reformada,

105-107 e a vida cristã, 95, 106 e os sacramentos 108,

158 Unidade da igreja 76,

146,215 Unitarismo 163 Universalismo 197 Universidade de Glas-

gow 177 Universidade do Texas

em Austin 196 Universidade Presbite­

riana Mackenzie 214

U ssher, James 163

Vance, James 1. 197 Van Groningen, Gerard

213 Verdade(s) 19, 37, 45,

49, 53, 54, 70, 78, 95, 96, 103, 105, 108, 110, 117, 134, 139, 145, 146, 163, 192, 193

Vida cristã, 52, 55, 72, 87, 95, 99, 104, 112, 113, 115, 116, 125, 161, 215

como uma jornada, 112

e os sacramentos 87 Virgínia 165, 167-169,

175, 177, 182, 183, 187, 190, 192, 196,221

Vocação 16, 36, 38, 48, 71

Vocação eficaz 48 Votos de ordenação 134

238 Ü CRISTÃO PRESBITERIANO

Wallace, Peter 188 Wallis, John 163 Warfield, B. B. 193, 194 Watts, Isaac 40 Webb, Derek 74, 222 Weld, Theodore 186 Wesley, John e Charles

173 Whitefield, George 172,

173, 174, 175, 201

Williams, Michael 11, 47

Williamson, W. Jack 24 Wishart, George 159 Witherspoon, John 175,

177, 180

Witvliet, John 127, 130 Wycliffe, John 152

Yale 165, 170, 172-174, 199,221,224

Zinzendorf, Nicolau 201

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lNDICE DOS PADRÕES DE WESTMINSTER

Confissão de Fé

1.6-121, 139 1.8 - 110 1.10 - 122 3.1 - 30 3.5 -37 3.6-38 3.8-39 4.1-30 4.2-106 5.1-30,31 5.4-32 6.2-106 6.4-47 6.6-113 7.1 - 60 7.2-61 7.3 -60 7.5-63 8.1-64 10.1-48 13.l - 113 13.2-113 13.3-113 16.2-114 16.5 - 53 16.6-53, 106 17.1- 55 17.2-56 20.2 - 122, 138

21.1 - 119, 121 21.2-106 21.3 -109 21.4- 109 21.5-110 21.6-110 21.7-8 - 111 23.1 - 137 25.l - 79, 106 25.2 - 74, 79, 84 25.3-74 25.4-77 25.5 - 81 25.6-138 26.1 - 107 26.2-112 26.3 - 105 27.1- 88, 89 27.2 - 89 27.3 - 89 27.4-88 27.5 - 90 28.l - 89 28.5-90 28.6-89, 90 29.l - 106, 108, 126 29.2-94 29.5-94 29.6-94 29.7-94, 95 29.8-93 30.1-138

30.2-137 30.4-137 31.4-137, 146

Catecismo Maior

34-64, 68 36-66 38-66 39-67 45 -140 61-82 62-82 63-83 65-67 66-67, 105 69-106 79-106 83 -106 86-106 105-34 108-120 109-120 117-111 ll9-lll 120-111 121-111 154-107 155-107 156 - 110 160-108 165-97, 108

240 Ü CRISTÃO PRESBITERIANO

167 -92 168-95, 108 169-93 170-95 171 - 96 172-98 174-96 175 -96 176-97 177-97, 98 178 - 109 181 - 106

182 - 113 184-109 185 - 110

Breve Catecismo

20-65 36- 114 89-107 96-93 97-97