o bandeirante - agosto 2013 - n.249

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249 249 249 249 249 AGOSTO 2013 O Bandeirante Publicação mensal da Sociedade Brasileira de Médicos Escritores - Regional S.Paulo Alteridade “Sempre expor e nunca impor ideias é assim que deve ficar de forma consciente o princípio universal da liberdade incondicional da palavra. Dominar a si mesmo e elogiar trajetórias heroicas daqueles que batalham para respeitar os costumes do seu vizinho de apartamento, ou seja, do outro, do distinto, do diferente.” Leia a crônica de JOSÉ JUCOVSKY na p. 4 Curativos emergenciais “Um lenitivo pode amenizar dores e propiciar conforto para um lapso de sofrimento que alguém não esperava sentir. O alívio dado à aflição é sempre bem-vindo. Não porque o consolo seja, em si, o bálsamo que se esperava nesse momento angustiante que a dor contém. Mas simplesmente pelo gesto de apreço que se pressupõe.” A prosa poética de MARCOS GIMENES SALUN está na p. 3 “Os azuis faziam os vermelhos de prisioneiros e vice-versa. Todos se arrastavam na lama e eram picados por espinhos, fora os carrapatos, para um avanço de trincheiras. O pessoal da Saúde tinha que justificar a padiola determinando, vez por outra, a algum pobre coitado da Infantaria: Você está ferido. E lá ia o pobre coitado eleito pro chão, sendo acomodado e transportado na padiola.” A crônica de SÉRGIO PERAZZO você lê na p. 5 Está chegando a XII Jornada Médico-Literária Paulista - p. 7 Padiolas Meus versos Os instantes “A vida é a resultante De cada instante Que seja o bastante Para ser relevante” “Eu bem queria que o meu verso Permanecesse cálido, vibrando” JOSYANNE RITA DE ARRUDA FRANCO GEOVAH PAULO DA CRUZ p. 5 p. 6

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Page 1: O Bandeirante - agosto 2013 - n.249

249249249249249AGOSTO

2013O BandeirantePublicação mensal da Sociedade Brasileira de Médicos Escritores - Regional S.Paulo

Alteridade“Sempre expor e nunca impor ideias é assim que deve

ficar de forma consciente o princípio universal daliberdade incondicional da palavra. Dominar a si

mesmo e elogiar trajetórias heroicas daqueles quebatalham para respeitar os costumes do seu

vizinho de apartamento, ou seja, do outro,do distinto, do diferente.”

Leia a crônica de JOSÉ JUCOVSKY na p. 4

Curativos emergenciais“Um lenitivo pode amenizar dores e propiciar confortopara um lapso de sofrimento que alguém não esperava sentir.O alívio dado à aflição é sempre bem-vindo. Não porque oconsolo seja, em si, o bálsamo que se esperava nessemomento angustiante que a dor contém. Mas simplesmentepelo gesto de apreço que se pressupõe.”

A prosa poética de MARCOS GIMENES SALUN está na p. 3

“Os azuis faziam os vermelhos de prisioneiros e vice-versa.Todos se arrastavam na lama e eram picados por espinhos,

fora os carrapatos, para um avanço de trincheiras. O pessoalda Saúde tinha que justificar a padiola determinando, vezpor outra, a algum pobre coitado da Infantaria: Você está

ferido. E lá ia o pobre coitado eleito pro chão, sendoacomodado e transportado na padiola.”

A crônica de SÉRGIO PERAZZO você lê na p. 5

Está chegando a XII Jornada Médico-Literária Paulista - p. 7

Padiolas

Meus versos Os instantes“A vida é a resultanteDe cada instanteQue seja o bastantePara ser relevante”

“Eu bem queria queo meu versoPermanecesse cálido,vibrando”

JOSYANNE RITA DEARRUDA FRANCO

GEOVAH PAULODA CRUZ p. 5 p. 6

Page 2: O Bandeirante - agosto 2013 - n.249

2 O Bandeirante - Agosto 2013

Jornal O Bandeirante

ANO XXIII - nº. 249 -

Agosto 2013

Publicação mensal da SociedadeBrasileira de Médicos Escritores -

Regional do Estado de São Paulo

SOBRAMES-SP. Sede: Av.

Brigadeiro Luiz Antonio, 278 - 7º Andar - Sala 1 (Prédio da

Associação Paulista de Medicin a) - São Paulo - SP

Editores: Josyanne Rita de Arruda Franco e Marcos Gimenes

Salun (MTb 20.405-SP)

Jornalista Responsável e Revisora: Ligia Terezinha Pezzuto

(MTb 17.671-SP).

Redação e Correspondência: Rua Francisco Pereira

Coutinho, 290, ap. 121 A – V. Municipal – CEP 13201-100 –

Jundiaí – SP E-mail: [email protected]

Tels.: (11) 4521-6484 Celular (11) 99937-6342.

Colaboradores desta edição (textos literários): Geovah

Paulo da Cruz, José Jucovsky, Josyanne Rita de Arruda

Franco, Marcos Gimenes Salun e Sérgio Perazzo.

Tiragem desta edição: 300 exemplares (papel) e mais de

1.000 exemplares PDF enviados por e-mail.

Diretoria - Gestão 2013/2014 - Presidente: Josyanne Rita

de Arruda Franco. Vice-Presidente: Carlos Augusto Ferreira

Galvão. Primeiro-Secretário: Márcia Etelli Coelho. Segundo-Secretário: Maria do Céu Coutinho Louzã. Primeiro-Tesoureiro: José Alberto Vieira. Segundo-Tesoureiro: Aida

Lúcia Pullin Dal Sasso Begliomini. Conselho FiscalEfetivos:Hélio Begliomini, Luiz Jorge Ferreira e Marcos

Gimenes Salun. Conselho Fiscal Suplentes: José Jucovsky,

Rodolpho Civile e José Rodrigues Louzã.

.

Matérias assinadas são de responsabilidade de seus

autores e não representam, necessariamente, a opinião

da Sobrames-SP

Editores de O BandeiranteFlerts Nebó - novembro a dezembro de 1992

Flerts Nebó e Walter Whitton Harris - 1993-1994

Carlos Luis Campana e Hélio Celso Ferraz Najar - 1995-1996

Flerts Nebó e Walter Whitton Harris - 1996-2000

Flerts Nebó e Marcos Gimenes Salun - 2001 a abril de 2009

Helio Begliomini - maio a dezembro de 2009

Roberto A.Aniche e Carlos Augusto F. Galvão - 2010

Josyanne R.A.Franco e Carlos Augusto F.Galvão - 2011-2012

Josyanne R.A.Franco e Marcos Gimenes Salun - janeiro 2013

Presidentes da Sobrames SP1º. Flerts Nebó (1988-1990)

2º. Flerts Nebó (1990-1992)

3º. Helio Begliomini (1992-1994)

4º. Carlos Luiz Campana (1994-1996)5º. Paulo Adolpho Leierer (1996-1998)

6º. Walter Whitton Harris (1999-2000)

7º. Carlos Augusto Ferreira Galvão (2001-2002)

8º. Luiz Giovani (2003-2004)

9º. Karin Schmidt Rodrigues Massaro (jan a out de 2005)

10º. Flerts Nebó (out/2005 a dez/2006)

11º. Helio Begliomini (2007-2008)

12º. Helio Begliomini (2009-2010)

13º.Josyanne Rita de Arruda Franco (2011-2012)

14º.Josyanne Rita de Arruda Franco (2013-2014)

Editores: Josyanne R.A.Franco e Marcos Gimenes Salun

Revisão: Ligia Terezinha Pezzuto

Diagramação Marcos Gimenes Salun

Impressão e Acabamento: Expressão e Arte Gráfica

Expediente Editorial

Josyanne Rita de Arruda Franco

Médica Pediatra Presidente da Sobrames-SP

As Pizzas Literárias da SOBRAMES-SP acontecem naterceira quinta-feira de cada mês, a partir das 19h00

na PIZZARIA BONDE PAULISTA

Rua Oscar Freire, 1.597 - Pinheiros - S.Paulo

NESTA DATA QUERIDA,NOSSOS PARABÉNS!

Um mês de julho tão frio como foi este último nos remete à necessidade

de aconchego: família e amigos reunidos para o calor da vida, com o

recheio das emoções. A Sobrames-SP eleva as baixas temperaturas com

literatura de excelente qualidade, promovendo desfrute de momentos de

quietude e reflexão. Direis ouvir estrelas ao viajar dimensões de prosa

e poesia talentosas, na agradável leitura desta edição de inverno do mês

de agosto. Saudações Literárias!

Última Superpizza: Saúde

A prosa poética “Curativos

emergenciais para a alma - sem

efeitos colaterais e sem contra-

indicação”, de autoria de Marcos

Gimenes Salun foi o texto

vencedor da última Superpizza,

cujo tema era “Saúde”. Os textos

apresentados com esse tema

foram avaliados por Maria Emilia

de Almeida, que participa de saraus literários do Centro Cultural São

Paulo e da Casa das Rosas.

03/08 – Arary da Cruz Tiriba

05/08 – Carlos José Benatti

15/08 – Carlos Roberto Ferriani

18/08 – Vera Lucia Teixeira

26/08 – Josef Tock

28/08 – Guaracy Lourenço

da Costa

Rubem Braga: “As coisas boas da vida”Em homenagem ao centenário de

nascimento de Rubem Braga,

comemorado em 2013, o tema da

próxima Superpizza será AS COISAS

BOAS DA VIDA, nome de uma

premiada crônica do autor. Os textos

deverão ser apresentados na Pizza

Literária de AGOSTO.

Reativada a regional Sergipe da SOBRAMESA Academia Sergipana de Medicina realizou em 17 de julho, no auditório

da Sociedade Médica de Sergipe - Somese, sessão especial para reativar a Socie-

dade Brasileira de Médicos Escritores – SOBRAMES - seccional Sergipe,

desativada desde 2008, e que contou com a presença do Dr. Luiz de Gonzaga

Braga Barreto, vice-presidente da Sobrames para região nordeste.

Na oportunidade, foram empossados 35 novos associados da entidade e

aclamada a comissão encarregada de organizar e convocar eleições num prazo

de 60 dias, para a diretoria da Sobrames-Sergipe (2013-2015), assim constituída:

José Hamilton Maciel Silva, Lucio Prado Dias (coordenador) e Paulo Amado

Oliveira. Desejamos vida profícua à Regional Sergipe que ora volta à ativa.

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O Bandeirante - Agosto 2013 3

Marcos Gimenes Salun

Curativos emergenciaispara a alma

(sem efeitos colaterais e semcontraindicações)

TEx

Carrega Dores

Cada um tem seu próprio fardo nesta vida. Ecada um sabe o peso que ele tem. Sempre queencontrar alguém à sua frente, com a cargade sua vida nos ombros, repare no tamanho epense no peso que esse fardo pode ter. E sóentão pense no que vai dizer a respeito doteu.

Bálsamos

Um lenitivo pode amenizar dores e propiciarconforto para um lapso de sofrimento quealguém não esperava sentir. O alívio dado àaflição é sempre bem-vindo. Não porque oconsolo seja, em si, o bálsamo que seesperava nesse momento angustiante que ador contém. Mas simplesmente pelo gesto deapreço que se pressupõe. A diminuição dafadiga que esse gesto infringe à dor é por si ogrande alívio imediato que se possa querer.Muitas vezes essa cura mágica está empequenos momentos em que se pode ouviralguém desabafar suas dores, extravasar seussentimentos aflitivos ou chorar algumas poucaslágrimas que só quem verte sabe a razão.Bálsamos são assim mesmo. Quase sempre seconfundem aos placebos. Só que sãoefetivamente muito mais eficazes e valiosos.

Evidências

Você descobre algumas verdadesincontestáveis quando se encontra emsituações um tanto diferentes da normalidadede seu dia a dia. Seja lá por que motivo for:doença, desemprego, baixo astral, depressão,angústia ou carência emotiva... É muito

provável que nesses momentos, que são osque você mais precisa de apoio, ajuda ouapenas de uma conversa motivadora, vocêveja as pessoas se distanciando, te evitandoe sumindo. Seja lá que motivo ou desculpaelas tenham para isso é essa a impressão quevocê terá. Contudo, em situação oposta, sevocê estiver dando uma festa, por exemplo,é bem possível que de você se aproximemmuitas pessoas, até mesmo as que estiveramausentes em seus momentos denecessidade. Por essas constatações achoque é muito prudente você não contar oucatalogar amigos ou pessoas queridas nosmomentos de exceção, pois nos dois picosvocê estará vulnerável e sujeito ajulgamentos precipitados e normalmenteerrados. Espere tudo voltar ao normal. Masem qualquer caso, sempre considere que aspessoas que realmente te querem bem hãode estar por perto e disponíveis em qualquercircunstância. Para o que der e vier.

Voluntariado

Você já pensou em dedicar seu pensamentopositivo para alguém que esteja sofrendo?Dizem que os bons pensamentos sãocondutores de extremas benquerenças, quetêm o poder da cura e do milagre. Entãotente e deseje que seu pensamento debondades e com poderes milagrosos sejadecisivo no avanço e engrandecimento davida das pessoas que você ama. Só isso jábastará para que os degraus desta vida sejammenos aporrinhadores e dolorosos.

(Vencedor da Superpizza com o tema SAÚDE)

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4 O Bandeirante - Agosto 2013

José Jucovsky

Alteridade

Em maior ou menor escala alcançada peloplaneta Terra, torna-se imperativo e elementarconsiderar que este terceiro planeta da via Lácteareúne condições únicas para a existência da vidahumana.

As principaispremissas: atmos-fera, água e tem-peratura possi-bilitaram tirar dasombra o per-turbador véu doconhecimento eimaginar o infin-dável caminho daevolução do ho-mem na Terra.

Envolto numanatureza variável,a espécie humana,mamífero bípededotado de inte-ligência e linguagem articuladas, evoluiu doprimitivo hominídeo para vir a ser a dona absolutada alta tecnologia e ciência a imperar pelo mundoatual.

Tais mudanças, representadas pelos processosevolutivos, promovem efeito constante deexponencial velocidade implicando no arcabouçoteórico conceitual da persistente pergunta: porque as pessoas diferem umas das outras?

A marcha do tempo parece ter uma relaçãode construção e desconstrução com tonalidadesdesiguais que passam do físico para o químico edeste por sua vez ao molecular. A ambientação nopós-moderno capitalismo industrial promoveimpactantes transformações dos centros urbanoscriando situações nem sempre idênticas, evoluindopara certas características fenotípicas robo-tizadas.

A vida, espaço de tempo de seres viventes,

é marcada por sensíveis mudanças no conceitocoletivo e ideológico formatadas por característicassemânticas no que se refere ao pensamentopessoal,atributo e diferença que produz aalteridade. Para que se venha entender aalternativa psicossocial de identidade e alteridade,é imperativo a referência de um grupo socialdominante. Frequentemente as sociedades de umamaneira geral não estão suficientementepreparadas no modo de pensar sobre questões

como raça, nação, gênero, identidade e asinumanas variáveis situações.

Diuturnamente na literatura e nosimportantes trabalhos estruturais surgem novas

colocações que tentamdemonstrar o conceitoontológico de lidar,interpretar e classificaras diferentes iden-tidades no complexocontexto social. O tidocomo diferente, pelosimples fato de nãopertencer à igualdadesocial ou religiosa,torna-se na prática odiferente, o estrangeirosujeito à confrontaçãosempre com violência.

Desde o início daorganização social emgrupos, as tribos in-

tuíram a necessidade de aumentar o número deviventes, focalizadas no receio de não seremdominadas ou dizimadas pelas tribos vizinhas. Ahumanidade fragmentada no túnel do tempoaprofundou-se em cruéis ações de canibalismo,passaram a viver em perpétuas guerras agressivas.

Mesmo dentro de grupos éticos, o progresso ea evolução terminam por definir fatores variáveiscomplexos num cortejo multifacetado. Prefigura-se assim em forma de desafio um mundoparticular colocando sempre identidades emdiscussão. As primaveras revolucionárias quedevem moldar relacionamentos saudáveis seresumem em sempre expor e nunca impor ideias.Sempre expor e nunca impor ideias é assim quedeve ficar de forma consciente o princípio universalda liberdade incondicional da palavra. Dominar asi mesmo e elogiar trajetórias heroicas daquelesque batalham para respeitar os costumes do seuvizinho de apartamento, ou seja, do outro, dodistinto, do diferente.

Sempre houve estúpidos raios borbulhantesde fanáticos sádicos como o depravado ImperadorCalígula tirano extravagante e cruel; histo-ricamente, porém, ele fica muito longe do maiormonstro de todos os tempos, o ególatra Hitlersociopata insano, responsável pelo holocausto naSegunda Guerra Mundial do século passado.

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O Bandeirante - Agosto 2013 5

Meus versos

Josyanne Rita de Arruda Franco

Padiolas

Sérgio Perazzo

Senti vontade de fazer um versoQue arrebate a vida num açoiteE ecoe n’alma no emotivo grito,

E que perfume qual dama-da-noite.

Eu bem queria que o meu versoPermanecesse cálido, vibrando

Em frase inesquecível, confesso;Eternizado no hálito de um anjo.

Queria crer num verso mais eternoQue envolva o dia em grande claridade

Trazendo brisa, se fosse preciso,Ou vigorosa e louca tempestade...

Um verso forte e onipotenteQue nem palavras ouse proferir

E só as rugas de um olhar descrenteSejam capazes de o traduzir.

Mas eu não sei fazer um simples versoSe não pensar em tudo o que desejo,Se não molhar de novo minha boca

Na vã lembrança do teu doce beijo...

Por isso meus versos são ateus...Por isso meus versos são assim:

Despidos de eternidade e de Deus,Sem anjos de faces carmins.

São fonte alheia, legados teusQue instigam amar e seduzir.

Meus versos... Suspiros que não são meus.Meus versos... Tesouros que vêm de ti!

A única vez em que me propus a ser voluntário, foinas vésperas do acampamento em Gericinó, na periferiado Rio, lá pros lados de Bangu, e palco constante dasmanobras de treinamento militar com um tom maisrealista.

Fiquei sabendo pela patotinha, uma meia dúzia decolegas da faculdade, que também serviam comigo noCPOR, que aquele que se apresentasse ao sargento comovoluntário, partiria um dia antes com a missão de armarbarracas para todo destacamento da Saúde e voltariaalgumas horas depois de terminadas as operações, parapoder desarmá-las. Em compensação, nos três dias quedurasse a guerra simulada, não precisaríamos participarde mais nada, ficando de folga nas barracas doacampamento, de papo pro ar. Em suma, iríamos antespara a guerra, mas não iríamos para a guerra. Fomoscorrendo falar direto com o sargento e entramos na lista.E lá fomos nós aboletados no bojo de um velho caminhãode transporte de tropas, sacolejando desengonçado acaminho do local demarcado para o acampamento.

Montamos várias barracas para dez soldados,grandes e espaçosas, verdadeiras mansões secomparadas com as tendas para dois utilizadas nosbivaques de uma noite, para movimentações mais curtasque, não raro, deixavam os pés de fora e o cotovelofincado no estômago do parceiro.

Para cada um dos dez lugares, cavávamos uma covarasa que abrigaria um forro de jornal e, por cima, umsaco de dormir do Exército, de lona verde-oliva. O jornalera o revestimento que nos protegia do frio e da umidadeque emanava do chão e, só assim, entendi a coberta dosmendigos ressonando ao relento, mesmo com chuva evento cortante.

O próximo passo foi o de construir as privadas.Tínhamos aprendido em aula específica para isso, as

(continua na p.6)

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6 O Bandeirante - Agosto 2013

Padiolas

dimensões exatas dos buracos a cavar para ainstalação das tais privadas de campanha:comprimento, largura, profundidade e distância entreuma e outra, medidas essas que tinham sido objeto deperguntas de uma prova escrita e mais um motivo quese acrescentara ao sentimento de inutilidade, acordarcedo no domingo para assistir aulas sobre privadas.

O diabo é que tais buracos tinham que sermedidos certinho, tanto como providência assépticade higiene, como para poder ser encaixada neles umatampa sêxtupla de madeira, que transportávamos nocaminhão. É isso mesmo que estou dizendo: uma tábuade privada comprida com seis lugares emendados. Senão entenderam ainda, explico de novo. Seis soldadossentavam na privada ao mesmo tempo, sem a mínimaprivacidade, moldando o próprio barro escatológico, umao lado do outro.

O único arremate possível, arremate final, eraestender uma lona por fora, como uma parede precária,que isolasse os seis contemplados do resto do batalhão.Não é preciso dizer o quanto de gozação sobrava paracada visitante deste palácio do conforto, deste spa depétalas de rosas.

Estava marcada para a noite a mobilização datropa para a frente simulada de batalha, enquanto nós,os voluntários, a cruz vermelha da Saúde pintada noscapacetes de aço, nos acomodávamos em volta de umafogueira para um banquete de salsichas em lata,presuntada fatiada e sardinhas regadas a óleo, contandocausos e discutindo futebol, concursos de miss e as dezmais certinhas do Lalau da Revista Manchete, pelamadrugada adentro, todo mundo se preparando paradormir, de cuecas, camiseta e touca de mano-esquiador,exceto o Valdir, sempre o Valdir, que sacou da mochilaum pijama de flanela. Só faltava a estampa do MickeyMouse.

Pela manhã cedinho, mal o sol tinha nascido, chegao pessoal das manobras, olheiras mil, extenuados,enlameados até a raiz dos cabelos, doidos por uma canecade café quente que preparávamos para nós e para eles.E aí contaram a história completa.

Eram dois exércitos. Um azul e outro vermelho e amissão se resumia em capturar o maior número desoldados do outro lado, envolvidos por tiros de festim esalvas de artilharia. Cada um, munido de mapas, tinhaque se orientar pelos azimutes determinados por aquelatopografia. Convencionava-se que certo trecho do terreno

era um campo minado e quem fosse flagrado dentro deseus limites tinha que deitar no chão e se fingirtecnicamente de morto.

Os azuis faziam os vermelhos de prisioneiros e vice-versa. Todos se arrastavam na lama e eram picados porespinhos, fora os carrapatos, para um avanço detrincheiras. O pessoal da Saúde tinha que justificar apadiola determinando, vez por outra, a algum pobrecoitado da Infantaria: Você está ferido. E lá ia o pobrecoitado eleito pro chão, sendo acomodado e transportadona padiola.

Quando a notícia correu, o pessoal da Infantariaquase fez fila junto ao destacamento da Saúde. Era aoportunidade de encerrar essa guerra de merda, sair dalama, se abrigar da chuva, parar de correr de um ladopara o outro no escuro, com o peso da mochila, docapacete de aço e do mosquetão, voltando inteiro comoferido para o hospital de campanha que tinha sidomontado, para dormir sossegado até o dia raiar. Nunca opessoal da Saúde foi tão bem-vindo e prestigiado.

Ali ainda era tudo brincadeirinha. Mais tarde,abriríamos as portas das ambulâncias e deixaríamos entrartodas as mazelas do mundo, todos os sobreviventes dessaguerra não declarada do nosso cotidiano. O resto eraenterrar os mortos. Ainda não sabíamos disso. Brindamos,então, aos dias que viriam com as canecas de alumíniotransbordando café escaldante.

(continuação da p.5)

A vida é a resultanteDe cada instante

Que seja o bastantePara ser relevante

Fortuito ou constanteAnterior ou duranteAgora ou doravanteNeutro ou atuante

Pequeno, insignificanteOu quase gigante

Parando ou avante

Compensador ou frustrantePífio ou gratificante

Viva seu cada instante

Geovah Paulo da Cruz

Os instantes

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O Bandeirante - Agosto 2013 7

Jornadas de Botucatu prestes a começarEstá quase tudo pronto para a realização de mais um evento literário da SOBRAMES. De 26 a 29 de setembro, a

cidade de Botucatu, no interior de São Paulo, acolherá os autores da Sociedade Brasileira de Médicos Escritores paraa realização simultânea da XII Jornada Médico-Literária Paulista e da VII Jornada Nacional da Sobrames.

Conheça aqui as atrações deste evento.

Além dos serviços do Hotel Primar durante o café damanhã, almoço e coffee breaks nos intervalos das sessõesliterárias, o evento contará com jantares nos restaurantesCeleiro e Sinhô Sinhá. No sábado o almoço será a bordodo navio Cidade de Cuesta, que navegará com osparticipantes pelo Rio Tietê, até a transposição da Eclusa,em Barra Bonita.

No último dia 27 de julho, a diretoria da Sobrames-SP reuniu-se extraordinariamente no Hotel Primar, emBotucatu, para fazer um check list em todos os itens da programação. Estiveram presentes os diretoresJosyanne, Aída, Márcia, Hélio, Salun (e esposa Imaculada). Fomos recebidos por Evanil e Claudia, nossosanfitriões na cidade. A reunião contou ainda com a participação de Antonio Evaldo Klar, representante da

Academia Botucatuense de Letras. Após a reunião houve um almoço de confraternização no restaurante SinhôSinhá. O dia terminou com uma rápida visita à Igreja em Rubião Junior, de onde o grupo retornou para São Paulo.

A abertura da Jornadaacontecerá na quinta-feira noTeatro Municipal de Botucatu,onde teremos a apresentaçãode um Coral e logo após seráservido um coquetel. Na sexta-feira, haverá apresentaçãoespecial da Camerata deBotucatu e no sábado, noencerramento do evento,teremos uma apresentação deConjunto Folcórico Regionaldurante a entrega dos prêmios.

Cultura, gastronomia e lazerO evento conta com a inscrição de26 autores, com 51 textosliterários, sendo 26 em prosa emais 25 poesias. Haverá ainda ainclusão de 10 textos em prosa epoesia de acadêmicos de medicina

da FMB previamente selecionados. Todos estes textosserão publicados nos ANAIS do evento, cuja ediçãoestá sendo preparada para impressão pelo parquegráfico da UNESP de Botucatu. Um primorosotrabalho. Assim, durante as quatro sessões literáriasprevistas para o evento, teremos a leitura de umlivro ao vivo, na voz de seus autores. Será umaoportunidade imperdível, aberta ao público e queacontecerá na sala de eventos do Primar Plaza Hotel.

Concursos de prosa e versoTodos os textos inscritos na Jornada participam dosconcursos para poesia e prosa. Os textos já foramentregues aos membros da Academia Botucatuense deLetras, que escolherão os vencedores. Participarãocomo jurados os acadêmicos Antonio Evaldo Klar(presidente da ABL), Evanil Pires de Campos, MariaAmélia Blasi Toledo Pizza e Sebastião Avelar Pires. Oprêmio para os vencedores em cada modalidade será obelíssimo e exclusivo troféu “O Bandeirante”,confeccionado pela artísta plástica Eleonora Yoshino.

Evento tem caráter nacionalAlém de sediar a XII Jornada Paulista, o evento recebetambém a VII Jornada Nacional da Sobrames, e em razãodisso, conta com a participação de representantes deregionais de vários Estados, estando também programadoum Fórum da Academia Brasileira de Médicos Escritores -ABRAMES.

Literatura de primeira

Diretoria reuniu-se em Botucatu

Page 8: O Bandeirante - agosto 2013 - n.249

FATOS & OLHARESMárcia Etelli Coelho

Jubileu de PrataSOBRAMES-SP completa 25 ANOSno dia 18 de setembro de 2013e a comemoração será na Pizza

Literária do dia 19.Participe desta efeméride!

XII Jornada Médico-Literária

Paulista e VII Jornada

Nacional da SobramesDias 26, 27, 28 e

29 de setembro, no Hotel PrimarPlaza, em Botucatu-SP.Prestigie estes eventos!

IX Antologia PaulistaLançamento na Jornada Literáriade Botucatu em 27 de setembro.

Aguarde confirmação dadata do lançamento emSão Paulo, num Sarau na

Associação Paulista deMedicina. Previsão para

novembro.

Pizza Literária de NatalA reunião festiva de Natal já

tem data confirmada para 19 dedezembro. Não perca!

2014IX Congresso da UMEAL

De 12 a 15 de março de 2014,será realizado na cidade deMaputo (Moçambique) o IX

Congresso da UMEAL. A ComissãoOrganizadora, presidida por

Helder Martins, prepara amplarepresentatividade cultural dos

povos lusófonos, incluindoespetáculos com a CompanhiaNacional de Canto e Dança e aCompanhia Teatral “Motumbela

Gogo”, além de sessões literárias,passeios e gastronomia regional.Presença confirmada de PaulinaChiziane e do premiadíssimo Mia

Couto. Em breve maioresinformações!

“QUEM é QUEM”

Resposta na próxima edição.

Participe desta seção

enviando uma foto sua bem

antiga para a redação.

Como tradicionalmente acontece nosmeses de julho, a Pizza Literária foidedicada aos autores consagrados.

Assim os sobramistas leram poesias ecrônicas de seus escritores prediletos,

compartilhando com todos a beleza dosseus textos. No dia 18 também foi

revelado que Marcos Gimenes Salunconquistou o Prêmio Superpizza de

tema “Saúde” com a crônica“Curativos Emergenciais para

a Alma - sem efeitos colateraise sem contraindicações ”.

AIDA LUCIA PULLIN DAL

SASSO BEGLIOMINI

era a criança retratada na

edição de JULHO.

DESAFIO DO MÊSEste garoto sorridente é

hoje um ativo batalhador da

SOBRAMES. Você sabe

quem é ele?

CONSAGRADOS NA PIZZA DE JULHO

LANÇAMENTO DA

IX ANTOLOGIA PAULISTAEm fase final de editoração, os textospublicados em “O Bandeirante” noperíodo de abril de 2011 a março de2013 resultaram em uma Antologia com146 textos de 40 autores. Sob acoordenação de Marcos Gimenes Salun, aIX Antologia Paulista comemorará os 25anos da Sobrames-SP com lançamentooficial em setembro, durante a Jornadaem Botucatu, e no sarau na APM previstopara novembro de 2013. Aguardemconfirmação da data no próximo “OBandeirante”.

(Manoel de Barros, umdos autores consagrados

lembrados na noite)