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4° Seminário de Relações Internacionais da Associação Brasileira de Relações Internacionais - ABRI Foz do Iguaçu, 27 e 28 de Setembro de 2018 Segurança Internacional, Estudos Estratégicos e Política de Defesa O ACORDO DE SYKES-PICOT: UM OLHAR ESTRATÉGICO SOBRE O ORIENTE MÉDIO Nathana Garcez Portugal Programa de Pós-Graduação em Economia Política Internacional (PEPI-UFRJ)

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4° Seminário de Relações Internacionais da Associação Brasileira de Relações

Internacionais - ABRI

Foz do Iguaçu, 27 e 28 de Setembro de 2018

Segurança Internacional, Estudos Estratégicos e Política de Defesa

O ACORDO DE SYKES-PICOT: UM OLHAR ESTRATÉGICO SOBRE O ORIENTE MÉDIO

Nathana Garcez Portugal

Programa de Pós-Graduação em Economia Política Internacional (PEPI-UFRJ)

Universidade Federal do Rio de Janeiro

O acordo de Sykes-Picot: um olhar estratégico sobre o Oriente Médio

Resumo: O acordo de Sykes-Picot, assinado em maio de 1916, foi um acordo secreto

firmado entre o Reino Unido e a França, com anuência do Império Russo. O acordo definiu a

divisão territorial do Oriente Médio na hipótese de vitória da Tríplice Entente na Primeira

Guerra Mundial e repartiu a região em áreas de controle e influência para os possíveis

vencedores. Com a vitória dos aliados, a divisão não só mudou a configuração territorial da

região como gerou consequências profundas para o Oriente Médio que ainda podem ser

vistas atualmente. A hipótese principal da pesquisa é a de que este acordo tem em suas

bases a influência dos interesses dessas potencias nos recursos naturais do Oriente Médio,

com destaque para o petróleo que havia acabado de se tornar a nova matriz energética

mundial e, portanto, tinha imenso valor estratégico. Dessa forma, o objetivo central da

presente investigação será analisar quais os interesses estratégicos existiam à época da

assinatura do acordo entre os países. O objetivo específico é analisar quais foram as

consequências diretas dessa assinatura para a conquista dos interesses pelos países

envolvidos assim como para a região afetada pelo mesmo.

Para isso, a presente pesquisa pretende olhar, de forma qualitativa, para o acordo de Sykes-

Picot à luz dos interesses de petróleo e entender as consequências diretas do acordo para a

região afetada. A partir do estudo de fontes históricas, do acordo e outros documentos

oficiais é esperado que se consiga provar que a conquista da segurança energética a partir

do petróleo era o maior interesse com a assinatura do tratado e que este significou

complexas consequências para a região do Oriente Médio.

Palavras-chave: Guerra, Petróleo, Segurança, Estudos Estratégicos

3

INTRODUÇÃO

As reservas de combustíveis fósseis como as de petróleo são vistas como um tema

de High Politics e direcionam decisões estratégicas nacionais. Isso acontece porque, como

cita Daniel Yergin em seu livro "The Prize: the epic quest for oil, money and power", desde

que o petróleo foi descoberto, este significou hegemonia. Tal importância dada ao

combustível fóssil pode ser explicada pelo fato de que sua ascensão como principal fonte da

matriz energética mundial foi precipitada por uma escolha política feita pelas grandes

potências que estavam envolvidas na Primeira Guerra Mundial. E aqui, quando o petróleo é

citado, ele está intrinsecamente ligado ao conceito de segurança energética de um país, ou

seja, a capacidade de um Estado garantir uma quantidade de energia que mantenha sua

indústria em operação e alimente sua economia. Essa segurança energética também é

fundamental para a manutenção e obtenção de posições estratégicas no Sistema

Internacional pelas grandes potências mundiais e nesse contexto, o petróleo ainda hoje o

mais importante recurso natural energético mundial.

É dentro dessa perspectiva de disputa por hegemonia em meio a uma mudança de

ordenamento mundial que o Acordo Sykes-Picot se encontra. O acordo secreto assinado em

julho de 1916 pelos diplomatas Mark Sykes e François Georges-Picot significava em termos

práticos dois países líderes na antiga ordem mundial discutindo uma reorganização territorial

na Ásia menor. A região, rica em reservas de petróleo, que pouco havia despertado o

interesse mundial anteriormente subitamente passou a ser alvo das ambições dos Estados

competidores pelo posto de hegemonia no novo ordenamento do sistema. Tanto interesse

que ainda na metade do curso da Primeira Guerra Mundial, seu destino já estava sendo

decidido por essas potências. Entendendo que essa postura representa a importância

adquirida pelo Oriente Médio, a hipótese que este artigo trabalha é a de que o acordo

Sykes- Picot foi assinado à luz dos interesses em petróleo da Grã-Bretanha e da França.

Alinhado com a hipótese, o objetivo central desse artigo é, então, investigar o

protocolo secreto e averiguar os interesses das grandes potências envolvidas no acordo à

época. Essas análises serão feitas à luz da teoria de poder e de Guerra e Paz de José Luís

Fiori que versam sobre a busca de poder como orientador da economia política internacional

e a Guerra como um relógio do tempo político. Dessa forma, primeiro será feita uma seção

para explicar brevemente as teorias necessárias para que se compreender a orientação

dada ao artigo. Respeitando a interdisciplinaridade da área da Economia Política

Internacional, é preciso dizer que essa escolha foi feita de acordo com um enfoque no

campo dos Estudos Estratégicos. Então, será feita uma seção histórica que contextualizará

sobre o período diretamente anterior à guerra, com os preparativos das potências

4

envolvidas e as mudanças estruturais pelas quais elas passaram. Posteriormente será

construída uma seção com enfoque nas discussões envolvendo o acordo Sykes-Picot e a

sua posterior assinatura será analisada com a intenção de entender o acordo à luz assim do

espaço de tempo da guerra e dos interesses das potências.

Além do objetivo central, há também o objetivo específico de tentar compreender os

efeitos diretos da assinatura do acordo. Portanto, serão criadas outras duas seções, a

primeira com o interesse na investigação dos resultados do acordo para a Grã-Bretanha e a

França e a segunda focada em destrinchar as consequências mais diretas do protocolo para

a região discutida no mesmo. Esta última procurará mostrar os efeitos das divisões de

fronteiras criadas para o nascimento dos Estados do Oriente Médio e para as sociedades ali

presentes. Por fim, será criado um subitem destinado ao desenvolvimento das conclusões

finais a partir da pesquisa feita e espera-se que nele sejam estabelecidas correlações,

mesmo que superficiais, entre o acordo Sykes-Picot e a situação atual da região,

considerando-se que a história da região perpassou por outros acontecimentos que não

apenas a resolução datada ainda na primeira grande guerra.

A FORMAÇÃO DO SISTEMA INTERNACIONAL E A QUESTÃO DO PODER

O sistema mundial contemporâneo, de acordo com o cientista político José Luís Fiori,

é um tipo de organização de âmbito capitalista-estatal datada do que chamamos de longo

século XVI, um dos longos séculos da teoria do historiador francês Fernand Braudel para

organizar o tempo a partir da História. Esse sistema internacional é para Fiori um sistema

fragmentado politicamente e dividido pelos estados nacionais que por sua vez são um

fenômeno também do século XVI. Os primeiros estados nacionais como entidades políticas

foram se consolidando como estados soberanos em meio a guerras até que ao final da

Guerra dos Trinta Anos o princípio da soberania foi oficializado na Paz de Vestfália em

1648. Sem nenhum órgão supranacional que pudesse regulamentar a ordem internacional,

o sistema foi nascendo "competitivo e movido pela possibilidade permanente da guerra."

(FIORI, 2005, pg. 67).

A possibilidade permanente da guerra se dá porque segundo a ideia de formação e

funcionamento do sistema mundial descrita no livro O Poder Global, todo país teria um

determinado potencial de violência e a única forma de manter sua segurança seria com a

sua expansão. Além disso, nenhum país se satisfaz completamente com sua posição dentro

do sistema, o que significa que todos estão em busca de um aumento do poder em relação

a outro estado. Dessa forma, enquanto os estados nacionais iam nascendo e se

5

consolidando (o processo de formação de estados nacionais não terminou em Vestfália),

eles também procuravam aumentar suas defesas e capacidade de ataque.

Dentro desse contexto, Fiori aufere que o "poder é fluxo; para existir, precisa ser

exercido1". Essa característica relacional do poder (com a existência do conceito de poder

condicionada a comparação de forças entre nações) se traduz na verdade em uma pressão

competitiva entre os Estados que nunca acaba. Nesses termos e compreendendo que o

sistema mundial é fragmentado, organizado por Estados nacionais e limitado, pode-se inferir

que exercer poder no contexto interestatal se caracteriza por algum tipo de expansão e

conquista. Porém apenas uma expansão ou conquista pontual não garante o poder

atemporal a uma nação. Para manter-se poderosa, ela deve continuar se expandindo ou

pelo menos se preparando para isso. Isso significa, em ultima instância, que o poder político

deve ser acumulado continuamente.

O exercício, acúmulo e defesa de poder se dão quase sempre pela guerra e pela

preparação das nações para ela. Sendo o poder um fluxo, com a necessidade de sua

acumulação e exercício continuamente, a guerra passa a também ser uma constante no

sistema. Posto isso fica claro que a preparação dos estados para o conflito (o

desenvolvimento de aparatos militares capazes de garantir a segurança e capacidade de

conquista) também se torna permanente e a sua viabilidade fica completamente

condicionada a obtenção sucessiva dos meios materiais para tal. Esses bens materiais por

sua vez só podem ser adquiridos, de acordo com a teoria de Fiori sobre o Sistema Mundial

Contemporâneo, a partir de uma acumulação de riquezas. É dessa lógica que nasce a

necessidade por uma acumulação do lucro e das riquezas que não era possível nos antigos

moldes feudais.

A acumulação acelerada de capital instrumentalizada pelo estado para possibilitar a

preparação crônica para a guerra é vista pela primeira vez na Inglaterra. É nela que se

fundem a economia nacional com o estado soberano em função da ampliação de poder. O

desenvolvimento industrial e econômico do país foram consequências diretas dessa fusão.

A capacidade de organizar politicamente o seu território possibilitou ao estado inglês utilizar-

se de políticas nacionais muitas vezes não liberais e intervencionistas para incentivar o

desenvolvimento das suas indústrias e da sua economia. Essa organização da nação para

estimular e acelerar o acúmulo de riquezas é possível a partir da capacidade coercitiva do

estado que aqui é visto como poder. Então, é possível dizer o poder está sendo utilizado

neste caso para um acúmulo de uma riqueza que, por sua vez, será empregada para

1 FIORI (2007), p. 17.

6

obtenção dos meios necessários para a guerra crônica que permite e possibilita a conquista

de mais poder. Isso significa que o poder é um fim em si mesmo e que a riqueza é

acumulada para ser instrumento do aumento da força estatal, muito apesar de ter sua

própria importância e ser considerada tão fundamental nessa equação que sem ela, não

seria possível o aumento do poder.

Entendendo essa ideia torna-se claro que na busca pela sobrevivência em um

ambiente de anarquia e com pré-disposição a violência e na tentativa de conquista de mais

poder que aufere uma posição de mais destaque no Sistema Internacional, os estados

mobilizam seus recursos para orientar e coordenar o processo de desenvolvimento de

setores estratégicos na direção do acúmulo de riquezas e da projeção externa. É importante

destacar que os setores estratégicos são percebidos de formas diferentes dependendo de

cada nação. É a partir da percepção dos governantes ou tomadores de decisão nacionais

sobre a importância de determinados setores para as pretensões sistêmicas do seu estado

que é possível alinhar os recursos com projetos de desenvolvimento e inovação.

Nesse contexto caem em descrédito algumas ideias liberais de organização

econômica estatal que são difundidas como as ideais a serem seguidas. Uma delas é a de

que a economia é um organismo livre que tem capacidade de atuação independente da

política. Neste artigo que é embasado em uma teoria do interdisciplinar campo da Economia

Política Internacional, a economia é entendida como um corpo que dialoga incessantemente

com a política. No caso da teoria do Poder Global de Fiori, o que fica explícito é que

interesses políticos organizam decisões econômicas justamente porque em sua visão, a

preocupação máxima dos Estados é com o poder e em última instância isso resultaria em

uma precedência das decisões políticas na orientação econômica das nações. Como dito

anteriormente, o poder seria exercido para obtenção de riquezas que em fim levariam a

mais poder, ou seja: a economia em última medida é como um setor estratégico para a

guerra.

A noção de que a economia muitas vezes é usada política e estrategicamente pode

ser percebida quando o assunto é energia e recursos naturais. Os recursos naturais sempre

foram objeto de cobiça e interesse das sociedades porque é a partir deles que a vida

humana se torna possível. Com a Revolução Industrial, o advento do carvão como uma

fonte energética - entre outras - que possibilitou os avanços tecnológicos que transformaram

de vez o modelo de produção no mundo, os recursos naturais ganharam ainda mais

importância. Parte dos avanços tecnológicos se deu no âmbito militar e naturalmente os

estados compreenderam que ter acesso a recursos energéticos naturais era não apenas

uma questão de desenvolvimento tecnológico e por consequência também econômico. Os

7

avanços tecnológicos possibilitaram a invenção da pólvora, das armas, do canhão mudaram

também o campo militar e a maneira de se fazer guerra e essas mudanças continuam

acontecendo conforme a tecnologia avança. Portanto, recursos naturais energéticos são

considerados um interesse estratégico pelas nações e aquelas que detêm mais poder no

sistema interestatal mobilizam seus esforços para garantir acesso seguro a esses elementos

da natureza.

As decisões políticas das nações em busca da garantia de recursos energéticos têm

consequências. Elas também fazem parte do jogo de expansão e poder do Sistema

Internacional que é fragmentado e limitado. Então cada expansão representa uma perda de

poder para outra nação e as mudanças por sua vez são capazes de transformar o sistema

em si. Isso foi o que aconteceu com a precipitação do Petróleo como fonte energética no

início do século passado em um esforço de guerra nunca antes visto até aquele momento. A

decisão político-estratégica pela mudança da matriz energética2 e a organização das

potências da Tríplice Entente em torno da manutenção de poder em meio à contestação do

ordenamento do sistema estão representadas no assunto deste artigo. A próxima seção

abordará o acordo de Sykes-Picot e mostrar que ele representa todas as questões aqui

trabalhadas e além. É a partir dele que veremos como mais de cem anos atrás a busca pela

manutenção do poder produziu novos espaços estratégicos no globo que sofrem com as

consequências dessa mudança até hoje.

A PRIMEIRA GUERRA MUNDIAL E O PETRÓLEO

Nas primeiras décadas do século vinte a ordem mundial estava passando por uma

mudança crucial. Novas potências se colocavam em uma corrida imperialista tardia

objetivando se inserir no seleto grupo de potências que organizavam o ordenamento do

Sistema Interestatal. Ambições de reorganização do Sistema Internacional geralmente são

sucedidas de embates entre potências que costumam ser evidenciados nas guerras. Dessa

vez não foi diferente e em 1911, ainda quatro anos antes do estopim da Primeira Guerra

Mundial, o envio de um navio alemão para o porto de Agadir, Marrocos, foi a amostra dessa

tentativa de reorganização da ordem mundial. O objetivo simbólico da movimentação, a

contenção da influencia francesa na região e conquista de um ponto de ingerência no

continente africano foi o suficiente para convencer Winston Churchill, um dos últimos céticos

dentro do governo britânico, a aceitar a ideia da guerra como um fato3.

2 YERGIN (2012), p. 143.

3 YERGIN (2012), p. 145.

8

Ainda no fim do século XIX4 a Alemanha do kaiser Whilhem II havia se lançado em

uma incursão na direção dos avanços tecnológicos que pudessem fazer seu poderio militar,

em especial a sua marinha, se tornar comparável ou maior do que a armada britânica.

Apesar de parte do corpo político britânico ainda estar cético em relação à inevitabilidade de

uma guerra, "a supremacia naval era de importância central para a concepção que os

ingleses tinham de seu papel mundial e para a segurança do Império Britânico." (YERGIN,

1993, p. 145). Por isso, a Inglaterra ainda que dividida entre o almirantado e os economistas

começou o seu processo de mudança do aparato militar. Porém a ala dos economistas

ainda era contra os investimentos crescentes do orçamento militar. LLoyd George e

principalmente Winston Churchill eram a favor de uma transferência desse dinheiro investido

na marinha para reformas sociais já que para eles, a guerra era evitável.

Essa crença caiu por terra com o envio da canhoneira alemã Phanter ao porto no

Marrocos. A aproximação irreversível da guerra e o perigo da perda de poder com todas as

consequências que ela traz movimentaram o campo político da Grã-Bretanha. A mudança

de opinião de Churchill em relação ao conflito foi fundamental para a decisão do parlamento

de continuar orientando os recursos ingleses para a Armada Real e consequentemente para

a manutenção da hegemonia. Ao fim da crise de Agadir e do ano de 1911, Churchill tornou-

se Primeiro Lorde do Almirantado, posto civil mais alto da Armada Real, e ao lado do

almirante John Arbuthnot Fisher procuraram preparar a Inglaterra para um futuro ataque

alemão.

O almirante John Fisher era, desde o início do século XX, um entusiasta de uma

nova fonte de energia que surgira décadas antes: o petróleo. Em 1903 ele já havia feito uma

tentativa mal sucedida de convencer a marinha real dos benefícios do uso do óleo nos

encouraçados ingleses5. Naquele momento, em 1911, o almirante teve mais uma

oportunidade de convencer o governo de que uma frota de navios movidos por petróleo

seriam mais eficientes em uma luta contra os navios alemães, que também começavam a

alçar voos na direção de uma frota militar que usasse o óleo negro6. Dessa vez a tentativa

foi bem sucedida e os programas navais dos anos de 1912, 1913 e 1914 da Armada Real

foram os mais caros da história. Todos os seus navios, inclusive os encouraçados, eram

movidos a óleo, o que os tornava mais rápidos, eficientes e independentes do uso de mão

de obra para mantê-los navegando.

4 ibidem, p.145.

5 ibidem, p. 143.

6 ibidem, p. 148.

9

Essa mudança na marinha real britânica foi o ponto chave na mudança de orientação

estratégica da Inglaterra. A partir dela, uma das prioridades do governo britânico passou a

ser encontrar uma solução para suprir a grande demanda que fora criada. Onde poderia se

encontrar o óleo para a produção do petróleo? E como assegurar que uma vez encontrada a

oferta para a demanda britânica, ela ficaria segura e seria o suficiente para o esforço de

guerra? Certamente essas perguntas representariam em si um esforço e investimentos

britânicos ainda maiores, mas na visão de Winston Churchill "a própria hegemonia seria o

prêmio do risco" (CHURCHILL, 1923, pg. 130). Esse pensamento foi levado a cabo em 1914

e grandes investimentos foram feitos na companhia de petróleo britânica Anglo-Persian que

passava por dificuldades financeiras à época. Assim, o governo britânico conquistou 51%

das ações além do controle sobre assuntos estratégico. Além da compra, a Anglo-Persian

precisava ser uma empresa que além da extração de petróleo bruto também fosse capaz de

realizar o refino e distribuição do produto. Para isso, no início da guerra, o governo inglês

tomou do Deutsche Bank o controle da companhia de distribuição British Petroleum e a

revendeu para a Anglo-Persian. Com a fusão, a Grã-Bretanha formava uma empresa capaz

de ser autossuficiente e integrada no mercado do petróleo.

Com essas mudanças, o governo e empresas inglesas puderam continuar seu plano

de busca por terras com abundante recurso natural. Essas terras encontradas seriam alvos

de disputas que mudariam suas histórias. Entre elas estava a região da Ásia Menor, Síria,

Kuait e Iraque onde já se sabia da existência de petróleo em abundância. A Pérsia, bem ao

lado da região discutida no acordo, por exemplo, já era alvo de perfurações em busca de

Gás Natural e Petróleo feitas pela companhia Anglo-Persian7. Essas regiões foram alvo do

acordo de Sykes-Picot e foram irreversivelmente transformadas com base nesses interesses

estratégicos das potências da época. Interesses esss que versavam desde a prioridade na

conquista do petróleo para uso bélico, questões econômicas relacionadas ao investimento

na companhia de Petróleo Anglo-Persian e o controle do Canal de Suez para manutenção

do funcionamento da economia interna.

Por sua vez, a França enfrentou duas crises diplomáticas com a Alemanha em 1905

e 1911 envolvendo o Marrocos. O território marroquino era importante para a França por

proteger sua fronteira argelina e por sua posição estratégica em relação a dois oceanos e

após as duas crises, tornou-se um protetorado francês com a anuência britânica8. Após as

crises, foi inevitável que o clima de hostilidade entre alemães e franceses que vigorava

desde a Guerra Franco-Prussiana aumentasse e corroborasse para a ideia de que a guerra

7 ibidem. p.138

8 FELDBERG (2006), p. 186.

10

se aproximava rapidamente. Aliado a isso, a França passava por um momento de perda de

proeminência na Europa e sabia que não poderia perder mais guerras e territórios em

disputas com europeus, principalmente novas potências como a Alemanha que buscavam

espaços de poder no Sistema Internacional.

Ao mesmo tempo em que o governo frances tinha essa percepção, o militarismo

ofensivo alemão jogava as potências em uma espiral de corrida militar de preparação para

uma possível guerra. A França não foi uma exceção e também começou seus preparativos

para defender sua posição no sistema. Um exemplo dos novos esforços feitos foi a aliança

de apoio militar entre franceses e russos. Infelizmente, no que se refere às mudanças da

armada francesa ligadas ao petróleo não é exatamente claro qual foi o investimento que

houve, mas sabe-se que a França tinha conhecimento tanto da revolução pela qual passava

a marinha inglesa tanto quanto dos avanços alemães. O país também tinha conhecimento

de que havia interesse desses países na capacidade petrolífera da região da Mesopotâmia

já que havia recebido pelo menos três relatórios sobre as buscas por petróleo na região9.

O interesse na Mesopotâmia com sua capacidade petrolífera crescia conforme a

necessidade pelo óleo para a manutenção do esforço de guerra aumentava. Ao longo do

conflito, não apenas os navios haviam sido adaptados para propulsão a óleo. Dois anos

depois da deflagração, as frentes de batalha não viam grandes mudanças em decorrência

da nova e exaustiva forma de combate criada na Primeira Guerra: a guerra de trincheiras.

Esse novo formato de guerra, exaustivo e dispendioso (de vidas e suprimentos), precisava

ser ultrapassado por algum dos lados caso quisesse a vitória. Desta necessidade que surgiu

a ideia, entre os aliados, de se fabricar um carro que fosse blindado e assim pudesse

atravessar as trincheiras.

A ideia enfrentou uma série de opositores, mas encontrou em Churchill um forte

aliado. O primeiro lorde do almirantado decidiu investir na fabricação desses carros ainda

em 1915 e no fim do ano seguinte o primeiro tanque foi introduzido com sucesso nas

batalhas de trincheiras tanto por ingleses quanto por franceses que também aderiram ao

investimento. Os tanques, assim como os carros e motocicletas de guerra, tinham seu motor

convertido ao óleo e foram mais um exemplo da introdução do petróleo na Primeira Guerra

Mundial. Além deles, o avião, já no final da guerra, também foi outro avanço tecnológico que

se utilizava do óleo negro. Todas essas mudanças no desenvolvimento dos combates

aumentavam a necessidade de acesso garantido ao óleo para que não houvesse o perigo

9 FITZGERALD (2006), p. 700-702.

11

de que a máquina de guerra francesa e inglesa não ficasse desabastecida e arriscasse o

resultado final do conflito mundial.

Nesse momento, o Oriente Médio era uma possível fonte de relevantes quantidades

de petróleo. Já se sabia desde 1911 que em Abadã e Masjid-I-Suleiman, havia, por

exemplo, o óleo. As duas cidades inclusive já tinham refinarias instaladas e estavam em

processo de extração e refino de petróleo. Relatórios enviados a britânicos e franceses10

também citavam as grandes possibilidades de outras partes da Mesopotâmia e da Anatólia

terem bacias petrolíferas suficientes para grande produção. Naturalmente o caminho a se

seguir para duas potências em guerra foi o de pensar estrategicamente como ocupar a

região e dessa forma britânicos, em maior escala, e franceses começaram a pensar nos

seus projetos de ocupação. Esses projetos não se desenvolveriam com facilidade caso

outra potência entrasse em desacordo e tivesse interesse conflitante na área. Entendendo

isso e sabendo do interesse secular e colonialista francês no território onde hoje se situa a

Síria e Palestina, os britânicos procuraram o governo francês ainda em 1915 para debater a

situação da região do Oriente Médio no pós-Primeira Guerra Mundial e o resultado dessas

negociações foi a assinatura do acordo Sykes-Picot.

O ACORDO SYKES-PICOT

O acordo de Sykes-Picot foi um dos muitos tratados assinados durante a Primeira

Guerra Mundial em meio a um contexto de busca por Petróleo para assegurar a Segurança

Energética das potências bélicas e também outros interesses estratégicos em jogo. Ele foi

discutido durante 1915, assinado em maio de 1916 (menos de dois anos após a declaração

oficial da Primeira Guerra Mundial) e envolveu diretamente Grã-Bretanha e França, duas

das nações da Tríplice Entente e indiretamente a Itália e o Império Russo que sairia do

pacto após a Revolução Russa. O seu objetivo era repartir antecipadamente os espólios da

possível vitória da Entente na Primeira Guerra Mundial. Das discussões que precederam o

pacto participaram os diplomatas Mark Sykes e François Picot, britânico e francês

respectivamente, que deram o nome ao acordo.

Pensando diretamente no tratado feito, ele negociou as fronteiras futuras do Oriente

Médio e dividiu a região em áreas de controle da Grã Bretanha e da França. Os territórios

divididos foram considerados protetorados das duas nações e a área onde atualmente se

encontra a Palestina e Israel foi transformada em um condomínio controlado pela Tríplice

Entente como é possível ver nos mapas abaixo:

10

FITZGERALD (1994), p. 700-702.

12

Figura 1: Mapa original do acordo Sykes-Picot. Fonte: UNISPAL, 2014.

De acordo com o mapa é possível examinar como a Grã-Bretanha e França dividiram

alguns dos antigos territórios do Império Otomano que estava se esfacelando durante o

conflito internacional. A Inglaterra ficou com o controle direto da área em vermelho que

representava na época uma parte do território Persa e com controle indireto da região B

onde atualmente ficam o Iraque e grande parte da Jordânia. Por outro lado, a França

conquistou o controle direto um pedaço do território da Anatólia e Líbano expandido,

assinalado em azul no mapa, e também pôde exercer influência na área A, onde fica a Síria

e a parte norte do Iraque chegando até Mossul onde havia petróleo. Além disso, ficou

instituído que França, Inglaterra e o Império Russo exerceriam uma administração

internacional sobre o território onde atualmente fica a Palestina e Israel, região representada

em amarelo no mapa11.

No texto do acordo consta que as regiões que ficaram sob a influência das duas

nações - A e B no mapa - seriam reconhecidas como estados árabes ou confederações de

independentes sob o comando de chefes árabes. As potências europeias teriam a prioridade

11

SYKES-PICOT AGREEMENT. Fonte: <https://www.un.org/unispal/document/sykes-picot-agreement-text-non-un-document/>.

13

no direito de exploração empresarial e de empréstimos. Além disso, as duas nações

poderiam fornecer servidores e funcionários para os estados árabes de forma exclusiva12.

Além disso, outros pontos estratégicos abordados entre os dois países foram:

1) A Grã-Bretanha ficaria com os portos de Haifa e Acre. No entanto, o porto de Haifa

seria independente contando que o império francês não sofresse com sobretaxas, sua

circulação no porto fosse liberada e o uso das ferrovias britânicas para transporte de

mercadorias francesas fosse liberado. De forma análoga, o porto de Alexandretta, em área

francesa, também seria livre e aberto aos britânicos.

2) Basra e Bagdá na Mesopotâmia ficariam sob a influência britânica.

3) A ferrovia de Bagdá não poderia ser ampliada para a região ao sul de Mossul e

nem para ao norte de Samarra antes que outra ferrovia, ligando Bagdá até Aleppo através

do rio Eufrates, fosse construída. Mesmo assim a ampliação da ferrovia em Bagdá além de

Mossul e Samarra estava condicionada a ratificação de franceses e ingleses.

4) A Grã-Bretanha teria o direito de ligar a cidade de Haifa com a sua área de

influência exclusiva por meio de uma ferrovia. Ela teria o direito perpétuo de transportar

tropas e recursos pela mesma. Em caso de dificuldades na construção, o governo francês

consideraria deixar a construção passar por suas áreas de influência.

5) A França não cederia os territórios envolvidos no tratado sem consulta prévia ao

governo britânico.

6) França, Grã-Bretanha e a confederação de países árabes não cederiam territórios

na Península Árabe para outrem e nem consentiriam que outra nação instalasse bases

navais na costa leste, nas ilhas ou no Mar Vermelho. Os dois países também controlariam a

importação de armamentos para os estados árabes.

7) As negociações com os árabes quanto às fronteiras dos estados árabes

continuariam sendo tratadas com as duas potências.

8) O acordo deveria ser enviado aos governos russo e japonês e as demandas

italianas deveriam ser consideradas.

O tratado tinha uma condição não escrita. Sua entrada em vigor dependia de uma

revolta árabe que seria organizada pelo xerife da Meca Hussein bin Ali. Essa revolta havia

12

SYKES-PICOT AGREEMENT. Fonte: >https://www.un.org/unispal/document/sykes-picot-agreement-text-non-un-document/>.

14

sido debatida nas Correspondências Hussein-MacMahon13 na qual foi acordado - na visão

do xerife - o apoio britânico a criação de um estado árabe unido e independente no Oriente

Médio após a guerra em troca da organização de uma revolta árabe contra o Império

Otomano ainda durante a Primeira Guerra Mundial. O xerife descobriria tempos depois que

fora enganado pelas palavras ambíguas do comissário MacMahon e que seu sonho de um

reino árabe independente não seria realizado.

Ainda houve uma mudança no acordo. Conforme descrito em seu texto14, Mark

Sykes e François Picot ficaram responsáveis por, após os conselhos britânicos aprovarem p

texto, levar o acordo até Petrogrado para ser discutido com o Império Russo. Chegando lá,

os três países decidiram que uma pequena parte da Palestina seria destinada a população

judia como ficou assinalado na pequena faixa vermelha dentro do território em amarelo

mostrado no mapa. Assim, após a viagem a Petrogrado e as mudanças finais, o acordo

secreto Sykes-Picot ganhava um novo nome ainda que por pouco tempo15: Sykes-Picot-

Sazanov.

Em geral, o acordo foi benéfico para todas as potências envolvidas. Do lado da Grã-

Bretanha, ela foi bem sucedida em conquistar influência e governo exclusivo na atual Síria e

em partes do Iraque que eram ricas em petróleo. As fronteiras traçadas a leste favoreceram

a Grã-Bretanha por serem muito próximas de algumas das maiores refinarias persas como a

de Abadã e Masjid-i-Suleiman, que já eram operadas pela companhia britânica Anglo-

Persian por meio de acordos com os persas. Além disso, Sykes garantiu para a Inglaterra

uma rica gama de possibilidades de escoamento de petróleo, suprimentos e tropas ainda na

guerra. A influência no Canal de Suez fora garantida assim como a possibilidade de criação

de ferrovias ligando Bagdá e Basra e também a possessão de dois portos estratégicos na

região palestina. Por fim, uma conquista importante foi a criação de uma zona de ocupação

e influência francesa que serviria de tampão entre o Cáucaso russo e a área britânica

recém-conquistada.

A princípio, os ganhos franceses foram mais expressivos, dada a situação francesa à

época e suas necessidades. François Picot fora avisado de que a França não tinha

capacidade financeira de, em meio à guerra, manter uma região muito extensa sobre seu

controle direto. Então o negociante francês pôs seus esforços em conseguir apenas uma

13

Série de correspondências entre o alto comissário britânico no Egito, sir Henry MacMahon, e o

xerife da Meca Hussein bin Ali durante o período de julho de 1915 até março de 1916. 14

SYKES-PICOT AGREEMENT. 15

Em 1917 o Império Russo enfrentou a Revolução Soviética e saiu da guerra. Dessa forma a Rússia estava fora do acordo. Após a vitória dos revolucionários, o chefe de governo soviético Lênin divulgou uma série de tratados secretos, entre eles o acordo Sykes-Picot.

15

parte estendida do atual Líbano e deixar sob sua influencia, como um protetorado, a maior

parte da região que hoje fica Síria e de uma parte do Iraque. Seus esforços foram

recompensados e o território de influência francesa chegou até a cidade de Mossul onde já

se sabia da existência de Petróleo. O que não se sabia ainda em 1916 é que os britânicos,

revoltados com a desistência de Sykes sobre Mossul, organizariam uma estratégia onde

conquistariam Mossul ao final da guerra e pressionariam o governo francês a ceder a cidade

para os ingleses como um espólio de guerra. Nesse ponto existe uma divergência entre

autores sobre uma possível participação francesa nos lucros no petróleo encontrado na

cidade16. De qualquer forma, ainda no acordo, o diplomata também conseguiu assegurar

uma ambição de religiosos, comerciantes e políticos franceses: a região síria. Como o

acordo também previa a prioridade francesa na exploração industrial, o petróleo ali estava

praticamente garantido nas mãos francesas. A última conquista de destaque foi o comando,

mesmo que compartilhado, da área palestina do Oriente Médio, onde existia enorme

interesse francês.

O acordo Sykes-Picot e todas as negociações que o envolveram tiveram como foco

central a distribuição do Oriente Médio para as potências aliadas. Ao analisar o teor do

acordo e olhar para as mudanças estruturais que aconteceram no mundo pré-guerra é

possível perceber que o petróleo era uma das maiores ambições da Inglaterra e foi o

interesse nele que foi um dos propulsores do acordo. O caso francês é mais sensível porque

a França não tinha nenhum projeto orquestrado sobre o petróleo até anos antes da guerra.

Porém episódios como o da frota de táxis17, no início do conflito, fizeram os governantes

franceses entenderem que o novo mundo que se formaria após a guerra se moveria à base

do motor e da gasolina. Ao fim da guerra, os dois países já estavam organizados para se

manterem na disputa com os Estados Unidos pelo mercado de Petróleo. A França acabara

de formar uma empresa privada nacional chamada Compagnie Française des Pétrole, a

CFP, e estava tentando entrar no mercado a partir das áreas conquistadas no acordo feito

em 1916. Enquanto isso, do lado inglês é possível dizer que "no final de 1916 a Anglo-

Persian atendia um quinto da necessidade de óleo da Armada Inglesa" (YERGIN, 1993, pg.

168) e ao final da guerra, a empresa estava inteiramente organizada e trabalhando nas

refinarias do Oriente Médio.

16

FITZGERALD (1994), p. 703. 17

Episódio no início da Primeira Guerra onde generais franceses organizaram uma frota de 3 mil táxis civis com a missão de levar combatentes ao front de batalha. A França venceu a batalha contra os alemães e os governantes franceses perceberam a importância do motor e da gasolina na guerra.

16

CONSEQUÊNCIAS DO ACORDO

As conquistas das potências da Entente não vieram sem efeitos e transformações

em larga escala. As consequências do acordo Sykes-Picot são tão extensas que perduram

até a atual conjuntura do Sistema Internacional. Ao contrário do que ficou acordado nas

Correspondências Hussein-MacMahon, as potências europeias não reconheceram um

estado árabe unificado na região do Oriente Médio após o fim da Primeira Guerra. Como

visto, as potências aliadas decidiram que a região deveria ser dividida em sub-regiões

controladas diretamente por elas ou indiretamente por meio de alguns estados árabes que

estariam submetidos às suas vontades.

Com o acordo Sykes-Picot, foram abertas as portas para outros acordos, protocolos

e decisões das grandes potências que decidiriam os rumos do Oriente Médio ignorando

princípios como autodeterminação dos povos e soberania dos governos na região. Ainda na

Primeira Guerra Mundial, a Declaração de Balfour legalizou a imigração em massa de

judeus sem consultar os árabes que já viviam na região da Palestina durante séculos.

Posteriormente foi decidida pelas grandes potências na Conferência de Paris a criação da

Síria e do Iraque, em 1923 a recém-criada Liga das Nações autorizou a criação do estado

do Líbano e no mesmo ano a Grã-Bretanha separou a parte palestina do território sob sua

influência em uma mudança que configuraria as bases para o território da Jordânia.

Também nessa época o protetorado inglês conhecido como Kuwait, na região de controle

direto inglês pós Sykes-Picot, tornou-se um estado independente sob a tutela britânica.

Todas essas regiões, sem exceção continuavam sob a influência de britânicos e franceses.

Essas foram as consequências mais diretas para a região afetada pelo acordo.

Porém, além disso, essas transformações territoriais obedeciam aos interesses das

potências aliadas e quase nada levavam em consideração as formações políticas e sociais

que já existiam na região. Estados foram criados cortando comunidades étnicas, religiosas e

muitas vezes essas novas nações abrigaram comunidades que disputavam os mesmos

espaços seja por questões políticas ou religiosas. A consequência disso é a constante

tensão na área que até hoje resulta em guerras. Guerras por independência, mas também

muitas vezes por disputas de territórios reivindicados pelas comunidades que foram

ignoradas nas divisões territoriais do Pós Primeira Guerra. Alguns exemplos são o conflito

palestino-israelense e as disputas envolvendo os curdos na Síria e na Turquia. Por fim,

também é importante citar que a influência e exploração das potências sobre as riquezas da

região continuaram mesmo após as independências dos estados. Isso acontece por dois

motivos principais: o sucesso na divisão feita no acordo Sykes-Picot e a incorporação desse

Oriente Médio desestruturado e fragilizado pelo controle europeu na nova ordem mundial

17

em formação. Assim, as independências dos estados não foram suficientes para impedir a

exploração das grandes empresas e potências sobre o petróleo; em última instância isso

tem se refletido em instabilidade política, surgimento de grupos terroristas e guerras que

destroem o Oriente Médio como a Primeira e Segunda Guerra do Golfo.

CONCLUSÕES

“O poder político é fluxo, mais do que estoque. Para existir precisa

ser exercido; precisa se reproduzir e ser acumulado

permanentemente (...). Por isso, toda relação de poder exerce uma

pressão competitiva sobre si mesma” (FIORI, 2007, p.17).

Conforme o pensamento de Fiori deixa claro, o poder é relativo e só existe quando

exercido sobre alguém. O Sistema Internacional funciona nesse dinâmica competitiva e

quando nações começam a galgar lugares de poder no sistema, as antigas potências são

obrigadas a se preparar para exercer o poder sobre as aspirantes a posição de hegemonia.

Um desses embates foi visto neste artigo a partir dessa perspectiva de poder por uma

escolha autoral. Esse embate, a Primeira Guerra Mundial, foi o que se pode considerar um

conflito por posições dentro do Sistema Internacional e, portanto, as potências dos dois

lados precisaram se organizar para defender suas posições ou atacar outras.

É a partir desse contexto que a antiga potência hegemônica europeia, a Grã-

Bretanha, empenhou grandes esforços para defender sua hegemonia no cenário

internacional. Os esforços foram tão exacerbados que o governo inglês acelerou um

processo de mudança de matriz energética mundial e colocou de vez o petróleo no lugar de

recurso energético mais importante mundial. Ao transformar sua frota naval que antes era

movida a carvão e posteriormente modificar sua armada tendo como base na construção de

novos carros, aviões o motor a óleo, a Grã-Bretanha (porém não apenas ela: em

determinada medida França e Alemanha também participaram do processo) transformou a

geopolítica. Regiões inteiras passaram a ser alvo da cobiça dos países envolvidos na guerra

e o acordo Sykes-Picot simbolizou as movimentações dos países da Tríplice Entente nesse

sentido.

O artigo tinha o objetivo central analisar o acordo Sykes-Picot a partir da hipótese de

que Grã-Bretanha e França tinham interesses na região do Oriente Médio oriundos da

necessidade por petróleo. A análise do documento oficial e de outras fontes acadêmico-

históricas, possibilita afirmar com certa segurança que sim a Grã-Bretanha tinha como maior

objetivo do acordo a conquista das áreas petrolíferas que pudessem assegurar a sua

segurança energética durante e no pós guerra. O caso francês é singular dado que não

18

existem tantas fontes que possibilitem uma afirmação contundente, mas as que existem

puderam mostrar que se não o maior interesse, a França pelo menos já tinha conhecimento

da existência do petróleo na região e tentou se preparar para participar ativamente para a

nova economia de petróleo. Acordo assinado, os dois países conquistaram suas metas

principais e venceram a Primeira Guerra Mundial, porém é importante dizer que o processo

de reorganização das posições de poder no globo já havia se iniciado e a vitória na guerra

apenas retardou em algumas décadas a mudança definitiva no Sistema Internacional.

Por fim, outro objetivo do artigo era provar que o tratado feito foi um dos

responsáveis pelas transformações profundas pelas quais o Oriente Médio passou no

século XX. De fato ele foi o passo inicial para a construção das novas fronteiras da região e

excluiu do debate os habitantes daquele espaço; entendendo isso, é impossível negar que o

destino do Oriente Médio foi modificado a partir das transformações pelas quais ele

começou a passar a partir da assinatura do protocolo secreto de Sykes-Picot.

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