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Revista Eletrônica do Programa de Pós-graduação da Faculdade Cásper Líbero Resumo Resumo Palavras-chave Palavras-chave Volume nº 2, Ano 2 - Dezembro 10 * Mestranda, PPGCOM PUC Minas. Email: [email protected] Fenomenologia. Olhar. Estrangeiro. Redução fenomenológica. Revista Piauí. A questão do olhar é fundamental ao pensamento filosófico e, a ela, dedica-se parte relevante da obra Fenomenologia da percep- ção, de Maurice Merleau-Ponty, filósofo-chave para a compreensão deste artigo. Nesta pesquisa, tomamos o olhar do estrangeiro sobre o Brasil como um fenômeno, e pretende-se estudar como o nacional é construído por quem vem de fora e quais as re- flexões possíveis a partir da análise deste olhar, seja naquilo que ele destaca sobre nossa cultura, seja na valorização dada a ele em nossa sociedade, cujo imaginário é historicamente marcado pelo relato estrangeiro. Nádia Lebedev* http://www.revistas.univerciencia.org/index.php/comtempo The question of the gaze is central to philosophical thinking and, with it, is dedicated to the relevant part of Phenomenology of Perception, from Maurice Merleau-Ponty, an important philosopher to understand this article. In this research, we took the look of a foreigner inside Brazil as a phenomenon, and we intend to study how the national is built by foreigners and what are the pos- sible reflections from the analysis of this look, that he accentuates in our culture, the importance given to it in our society, whose imagination is historically marked by the foreign account. Phenomenology. Look. Foreigner. Phenomenological reduction. Piauí magazine. Artigo Olhar pela primeira vez: a percepção do estrangeiro Abstract Abstract Keywords Keywords

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Revista Eletrônica do Programa de Pós-graduação da Faculdade Cásper Líbero

ResumoResumo

Palavras-chavePalavras-chave

Volume nº 2, Ano 2 - Dezembro 10

* Mestranda, PPGCOM PUC Minas. Email: [email protected]

Fenomenologia. Olhar. Estrangeiro. Redução fenomenológica. Revista Piauí.

A questão do olhar é fundamental ao pensamento filosófico e, a ela, dedica-se parte relevante da obra Fenomenologia da percep-

ção, de Maurice Merleau-Ponty, filósofo-chave para a compreensão deste artigo. Nesta pesquisa, tomamos o olhar do estrangeiro

sobre o Brasil como um fenômeno, e pretende-se estudar como o nacional é construído por quem vem de fora e quais as re-

flexões possíveis a partir da análise deste olhar, seja naquilo que ele destaca sobre nossa cultura, seja na valorização dada a ele

em nossa sociedade, cujo imaginário é historicamente marcado pelo relato estrangeiro.

Nádia Lebedev*

http://www.revistas.univerciencia.org/index.php/comtempo

The question of the gaze is central to philosophical thinking and, with it, is dedicated to the relevant part of Phenomenology of

Perception, from Maurice Merleau-Ponty, an important philosopher to understand this article. In this research, we took the look

of a foreigner inside Brazil as a phenomenon, and we intend to study how the national is built by foreigners and what are the pos-

sible reflections from the analysis of this look, that he accentuates in our culture, the importance given to it in our society, whose

imagination is historically marked by the foreign account.

Phenomenology. Look. Foreigner. Phenomenological reduction. Piauí magazine.

Artigo

Olhar pela primeira vez: a percepção do estrangeiro

AbstractAbstract

KeywordsKeywords

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O olhar e a fenomenologia Discussões em torno da problemática do olhar são caras à filosofia. Em O visível e o invisí-

vel, obra póstuma que Merleau-Ponty deixou incompleta, o estudioso aponta o ver como comum

ao homem ordinário e ao pensador, assinalando que, por esse ato, passam as mais fundamentais

questões, dentre elas, nossa relação com o outro e com o mundo.

Vemos as coisas mesmas, o mundo é aquilo que vemos – fórmulas desse gênero

exprimem uma fé comum ao homem natural e ao filósofo desde que abre os olhos,

remetem para uma camada profunda de “opiniões” mudas, implícitas em nossa vida. Mas

essa fé tem isto de estranho: se procurarmos articulá-la numa tese ou num enunciado,

se perguntarmos o que é este nós, o que é este ver, e o que é esta coisa ou este mundo,

penetramos num labirinto de dificuldades e contradições. (MERLEAU-PONTY, 2009:15)

Em Timeu ou A Natureza – um dos últimos diálogos platônicos de que se tem registro, escrito

supostamente por volta de 421 a.C. –, Platão apresenta um sistema cosmogônico montado por Ti-

meu em uma conversa entre esse, Sócrates, Hermócrates e Crítias, no qual ele explana sobre a fisio-

logia humana, a Natureza, o Universo e dedica parte de sua argumentação aos olhos e à finalidade

da visão. O texto traz, possivelmente, uma das primeiras reflexões a respeito do ver na história do

pensamento ocidental. Nele, Timeu explica que, no processo da Criação, Deus quis que tudo fosse

bom como ele e que um Todo inteligente era mais belo que um Todo desprovido de inteligência.

O Intelecto só poderia nascer se estivesse unido à Alma que, por sua vez, só existiria se existisse o

Corpo. “Cosmos, que é verdadeiramente um ser vivo provido de Alma e Intelecto, é assim gerado

pela ação da Providência de um Deus” (PLATÃO, s.d.:81). E toda a Criação só poderia ser apreendi-

da e admirada através dos olhos.

A vista realmente, segundo meu entender, foi criada para ser, em nosso benefício, o

princípio de maior utilidade. Pois de todos os discursos que se podem fazer presentemente

sobre o Cosmos nenhum poderia ser mantido se os homens nunca tivessem podido ver

nem os astros, nem o Sol, nem o Céu. Mas no atual estado, são o dia e a noite, os meses, os

períodos regulares das estações, os equinócios, os solstícios, tudo o que vemos, que nos

proporcionou a invenção dos números, forneceu o conhecimento do tempo e permitiu

especular a natureza e o universo. Por isso fomos dotados dessa espécie de ciência, tal

que nenhum bem maior jamais foi concedido, nem nunca será, pelos deuses, à raça dos

mortais. (PLATÃO, s.d.:109)

Fica evidente a associação que Platão faz do processo de aprendizagem e apreensão das

coisas com a capacidade de olhar. Essa noção permanece até hoje, porém é extrapolada, ou melhor,

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repensada ao longo da história da filosofia. Ela passa a ser associada não só ao conhecimento, mas

também ao desejo – portanto, às sensações –, à reflexão e à crítica. Em Confissões, uma espécie de au-

tobiografia que reflete sobre a teologia católica, escrito por Santo Agostinho, o pensador fala de sua

infância e, assim como Platão, credita aos olhos e à observação do mundo, sua formação. Agostinho,

ao se lembrar de quando começou a falar, descreve que observava as pessoas à sua volta e percebia

que estas davam nomes aos objetos e assim aprendeu a se comunicar. Entretanto, mais à frente em

seu relato, o teólogo fala da sedução dos olhos e atribui ao olhar o desejo inapropriado, portanto, o

pecado. “Resta-me falar da voluptuosidade destes olhos (...) os olhos amam a beleza e a variedade

das formas (...) Oxalá que tais atrativos não me acorrentassem a alma!” (AGOSTINHO, 1992:251).

Logo, podemos associar a visão a fenômenos relativos ao conhecimento sensível. As sensa-

ções – que acontecem a partir dos nossos sentidos – são condições sensoriais da percepção neces-

sárias ao conhecimento de qualquer objeto. Em sua obra mais conhecida, e possivelmente mais re-

levante, Merleau-Ponty propõe uma análise profunda da percepção e o olhar é um elemento funda-

mental nesse estudo. Fenomenologia da percepção, livro baseado em sua tese de doutorado, é uma

das mais notórias pesquisas do movimento fenomenológico1 iniciado por Edmund Husserl, princi-

pal influência de Merleau-Ponty. “A fenomenologia é o estudo das essências, e todos os problemas,

segundo ela, resumem-se em definir essências: essência da percepção, essência da consciência, por

exemplo.” (MERLEAU-PONTY, 2006:1). No entanto, essas essências não podem ser vistas de forma

eidética2, já que elas fazem parte do mundo, pois o homem faz parte do mundo, sua existência está

atrelada a ele, não existe separação. Pode parecer óbvio, mas essa idéia, para os estudiosos dessa

corrente de pensamento, marca uma ruptura com o que, até então, era entendido como filosofia.

O que interessa por enquanto é mostrar que, ao se preocupar com a percepção do mundo

tenta-se conhecer este mundo e refletir sobre ele e essa reflexão depende, essencialmente, do sujei-

to que observa, já que esse sente e possui uma consciência. Logo, inúmeras variáveis se revelam:

quem é esse sujeito, como ele se sente com relação à vida, como se comporta diante dos fenômenos

do mundo, qual é sua história, qual é sua formação, onde ele se encontra, e quais suas pretensões

etc. A tese de Merleau-Ponty, baseada nas idéias de Husserl, se propõe a oferecer um novo princípio

para a filosofia ocidental, entretanto incorporando tudo o que acredita ter de melhor na história do

pensamento filosófico até então. A forma como essa incorporação se dá é que nos interessa.

Como foi dito anteriormente, a fenomenologia preocupa-se com as essências, por isso ela

“repõe as essências na existência, e não pensa que se possa compreender o homem e o mundo de

outra maneira se não a partir de sua ‘facticidade’”. (MERLEAU-PONTY, 2006:1). Essa facticidade é

justamente o que liga o homem ao mundo, nas palavras de Sartre, que também foi um estudioso da

fenomenologia de Husserl: “quando há tal ou tal emoção, e apenas essas, isso manifesta sem dúvi-

da a facticidade da existência humana.” (SARTRE, 2006:52). Num certo ponto de vista, essa ligação

1 Movimento que estudo o mundo em suas mani-festações fenomênicas.

2 Para Husserl, eidética diz respeito unicamente a essência das coisas, sem atrelá-las ao mundo, desconsiderando sua existência bem como sua presença nesse mundo.

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é desconsiderada pela ciência, ou mesmo pela filosofia iniciada pelos gregos.3 A fenomenologia é

quase um meio termo, ou melhor, uma possibilidade de encontro entre o idealismo e a empiria, e

isso se dá pela proposta da redução fenomenológica. Explicando melhor pelas próprias palavras

de Merleau-Ponty:

Toda redução [fenomenológica], diz Husserl, ao mesmo tempo em que é transcendental,

é necessariamente eidética. Isso significa que não podemos submeter nossa percepção

do mundo ao olhar filosófico sem deixarmos de nos unir a tese do mundo, a esse interesse

pelo mundo que nos define, sem recuarmos para aquém de nosso engajamento para

fazer com que ele mesmo apareça como espetáculo, sem passarmos do fato de nossa

existência à natureza de nossa existência, do Dasein ao Wesen. (MERLEAU-PONTY, 2006:11)

Daisen em alemão significa existência e Wesen significa essência. Logo, experimentamos o

mundo, não conseguimos nos separar dele, o que faz com que a essência seja não uma meta, mas

um meio e que “nosso engajamento efetivo no mundo é justamente aquilo que é preciso compre-

ender (...)” (MERLEAU-PONTY, 2006:11). Como foi dito, a fenomenologia é o estudo das essências,

portanto, para estudá-las é preciso passar pela existência e pelas sensações, e só assim a tentativa

de compreensão dos fenômenos do mundo se faz possível. Dessa forma, ela se diferencia de todas

as correntes filosóficas vigentes até então.4 Para entender melhor essa corrente de pensamento, elu-

cidar o porquê de sua diferença pode ser um caminho.

Explicando melhor, para Platão, devemos colocar de lado nossa perspectiva individual do

mundo e ascender a uma visão afastada e objetiva do mesmo. Em Fedro, um dos mais célebres di-

álogos de Platão, o filósofo atribui a Sócrates a seguinte fala:

A alma que nunca contemplou a verdade não pode tomar a forma humana. A causa

disso é a seguinte: é que a inteligência do homem deve se exercer segundo aquilo que

se chama Idéia; isto é, elevar-se da multiplicidade das sensações à unidade racional.

(PLATÃO, s.d.:154)

Essas idéias são tão caras para a história da filosofia e da ciência, que até hoje nos guiamos

por elas, como bem coloca Eric Matthews, professor emérito de filosofia na Universidade de Aber-

deen no Reino Unido:

Pois desde Platão se reconhece que as proposições matemáticas são o exemplo mais

claro de verdades racionais, impessoais e atemporalmente verdadeiras. Tomando o

exemplo mais simples de proposição matemática que se pode imaginar, “2 + 2 = 4” é

verdadeiro não apenas para mim ou para você, nem somente em 2005 ou na Grécia

antiga, mas simplesmente verdadeiro, independente de quem o diz ou quando é

dito. Na medida em que as ciências empíricas como a física e a química (e a biologia,

3 Na história da filosofia, é notório o embate entre o idealismo, a metafísica e o eidético – represen-tados principalmente por Platão, Santo Agostinho, Descartes e Kant – versus a empiria, o cientificis-mo e o transcendental – Aristóteles, São Tomás de Aquino e John Locke. Trata-se, logicamente, de uma espécie de linha do tempo, na qual os primeiros representantes são Platão e Aristóteles. Platão com seu mundo das idéias de um lado e Aristóteles, num certo aspecto, rompendo com seu mestre de outro, através da proposta do pensamento lógico. Ao mundo das idéais credita-se a metafísica e ao pensamento lógico associa-se a ciência.

4 O pensamento filosófi-co, tal como desenvolvi-do por Platão, creditava a razão pura e impessoal o mais elevado atributo humano. O pensamento lógico de Aristóteles se apropriou dessa idéia e propôs uma visão objeti-va do mundo, tornando-se a base fundamental para que séculos depois, por volta de XVI e XVII, surja o pensamento mo-derno e toda a revolução científica. A fenomeno-logia nasce na virada do fim do século XIX para o início do século XX, ou seja, num período em que se inicia o questiona-mento do racionalismo científico que na época parecia ser a diretriz do pensamento filosófico. Pensadores como Hegel, Marx, Nietzsche e Freud, cada um à sua maneira, assim como Husserl e, mais à frente, Merleau-Ponty, questionaram a modernidade e toda a tradição filosófica que lhe dava suporte.

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considerada um derivado delas) podem expressar suas descobertas em linguagem

matemática – equações, proporções, razões etc. –, adquirem também a impessoalidade e

a atemporalidade matemática. Por exemplo, a lei da gravitação formulada por Newton –

que expressa a atração entre dois corpos segundo relações matemáticas de suas massas

e a distância que os separa – o é atemporal e impessoal. Desse modo, Galileu expressou

a essência da revolução científica dos séculos XVI e XVII quando disse que o livro da

natureza era escrito em linguagem geométrica e só podia ser entendido por aqueles que

dominassem essa linguagem. (MATTHEWS, 2006:24)

É claro que a aplicação dessa abordagem na astronomia, na automação e robótica e na far-

macologia, por exemplo, é fundamental. Entretanto, questionamentos devem ser levantados: Será

que está é a única forma de entendermos o mundo? As ações humanas são similares ao funciona-

mento das máquinas?

O próprio livro Fenomenologia da percepção se estrutura de forma que toda sua introdu-

ção, composta por quatro capítulos, critica o empirismo – tão forte e vigente na época, e sob certo

aspecto tão forte e vigente até hoje – a fim de reavaliar a noção de sensação. Para que possamos

perceber o mundo é necessário senti-lo. Temos que admitir que a sensação não é um conteúdo

qualificado, só posso diferenciar o vermelho e o verde se eles se postam diante de mim. “A pretensa

evidência do sentir não está fundada em um testemunho da consciência, mas no prejuízo do mun-

do.” (MERLEAU-PONTY, 2006:25). Só é possível ver, sentir, ou ouvir, porque a percepção nos põe em

contato com objetos coloridos ou sonoros. Então, percebo as coisas assim que as experimento. Eis

o problema do cientificismo. Para ele – assim como para o idealismo, mas em outro sentido, que

será exposto mais à frente – o mundo está fora de mim. Ele é observado de forma racional e lógi-

ca, ele procura fundar uma “ciência objetiva da subjetividade” (MERLEAU-PONTY, 2006:32) e não

admite contradições. Um dos produtos mais perfeitos do pensamento lógico é a matemática, como

dito anteriormente, privada de qualquer tipo de sensação. O cientificismo racionaliza a sensação.

O próprio cientista deve aprender a criticar a idéia de um mundo exterior em si, já

que os próprios fatos lhe sugerem abandonar a idéia do corpo como transmissor de

mensagens. O sensível é tudo aquilo que se apreende com os sentidos, mas nos sabemos

agora que este “com” não é simplesmente instrumental, que o aparelho sensorial não é

um condutor, que mesmo na periferia a impressão fisiológica se encontra envolvida em

relações antes consideradas como centrais. (MERLEAU-PONTY, 2006:32)

Abre-se, assim, um novo tipo de inteligibilidade. Ao contrário do que a ciência postula não

é possível uniformizar as sensações, tentar apresentar um sentir puro. “A qualidade determinada

pela qual o empirismo queria definir a sensação, é um objeto, não um elemento da consciência,

e é o objeto tardio de uma consciência científica.” (MERLEAU-PONTY, 2006:28). O sentido para a

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ciência, de acordo com Merleau-Ponty, é uma significação lógica, quando na verdade ele é antes de

tudo um valor expressivo, apreendido pelas essências. Assim, o racionalismo científico acaba por

mascarar a subjetividade ao invés de revelá-la.

Se agora nos voltamos, como se faz aqui, para a experiência perceptiva, observamos que

a ciência só consegue construir uma aparência de subjetividade: ela introduz sensações

que são coisas ali onde a experiência mostra que já existem conjuntos significativos, ela

sujeita o universo fenomenal a categorias que só são exigidas no universo da ciência. Ela

exige que duas linhas percebidas, assim como duas linhas iguais de reais sejam iguais ou

desiguais, que um cristal percebido tenha um número determinado de lados, sem ver

que o próprio do percebido é admitir a ambigüidade, o “movido”, é deixar-se modelar

pelo seu contexto. (MERLEAU-PONTY, 2006:33)

Para o fenomenólogo, o grande problema dos empiristas é entender o mundo como objetos

separados. Tudo é visto em partes ao invés de se aceitar um mundo unificado e individual que con-

diz com a experiência de vida de cada sujeito. Para Merleau-Ponty (2006) existe uma relação de pro-

porcionalidade entre a racionalidade e as experiências nas quais ela se revela, ou seja, a racionalida-

de existe quando perspectivas e percepções se confrontam e se confirmam para que o sentido possa

aparecer. O sentido é sempre simbólico. O problema dos idealistas é que eles transformam o senti-

do numa espécie de “Espírito absoluto” comum a todos, enquanto que os empiristas determinam

que esse sentido tenha correspondência perfeita com o mundo, uma busca de um sentido realista.

O mundo fenomenológico não é o ser puro, mas o sentido que transparece na intersecção

de minhas experiências, e na intersecção de minhas experiências com aquelas do outro,

pela engrenagem de umas nas outras; ele é portanto inseparável da subjetividade e

da intersubjetividade que formam sua unidade pela retomada de minhas experiências

passadas em minhas experiências presentes, da experiência do outro na minha. Pela

primeira vez a meditação do filósofo é consciente o bastante para não realizar no mundo

e antes dele os seus próprios resultados. O filósofo tenta pensar o mundo, o outro e a si

mesmo, e conceber suas relações. (MERLEAU-PONTY, 2006:18)

O mundo fenomenológico, portanto, não explicita um ser prévio, ele acompanha a fundação

desse ser: “a filosofia não é o reflexo de uma verdade prévia, mas, assim como a arte, é a realização

de uma verdade.” (MERLEAU-PONTY, 2006:14).

A fenomenologia, enquanto revelação do mundo repousa sobre si mesma, ou, ainda,

funda-se a si mesma. Todos os conhecimentos apóiam-se em um “solo” de postulados

e, finalmente, em nossa comunicação com o mundo como primeiro estabelecimento da

racionalidade. (...) Será preciso então que a fenomenologia dirija a si mesma a interrogação

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que dirige a todos os conhecimentos; ela se desdobrará então indefinidamente, ela

será, como diz Husserl, um diálogo ou uma meditação infinita, e, na medida em que

permanecer fiel à sua intenção, não saberá aonde vai. O inacabamento da fenomenologia

e o seu andar incoativo não são o signo de um fracasso, eles são inevitáveis porque a

fenomenologia tem como tarefa revelar o mistério do mundo e o mistério da razão. Se

a fenomenologia foi um movimento antes de ser uma doutrina ou um sistema, isso não

é nem acaso nem impostura. Ela é laboriosa como a obra de Balzac, de Proust, de Valéry

ou de Cézanne – pelo mesmo gênero de atenção e admiração, pela mesma exigência de

consciência, pela mesma vontade de apreender o sentido do mundo ou da história em

estado nascente. (MERLEAU-PONTY, 2006:20)

O grande mérito da fenomenologia “foi sem dúvida ter unido o extremo subjetivismo ao

extremo objetivismo em sua noção do mundo ou de racionalidade.” (MERLEAU-PONTY, 2006:18).

Pode-se dizer que os fenômenos são sempre frescos aos olhos da fenomenologia. Ela quer retomar

um contato ingênuo com o mundo para compreendê-lo melhor. Merleau-Ponty (2006), na conclu-

são de seu livro, Fenomenologia da percepção, propõe uma espécie de “jogo” envolvendo o ser-

para-si e o ser-no-mudo. Compreender o mundo em suas manifestações fenomênicas é, justamente,

considerar tanto a essência do ser ou da coisa – ser-para-si – quanto sua existência – ser-no-mundo.

No entanto, essa diferenciação requer um exercício reflexivo complexo para um sujeito absorto na

cotidianidade de sua vida, um salto no pensamento se faz necessário.

Pensando o objeto desse estudo – o olhar do estrangeiro – sob essa ótica, aspectos interes-

santes emergem. O sujeito que vem de fora passa a integrar dois mundos, a sua terra natal – Daisen

– e o novo local em que se encontra – Wesen. Por estar numa ambiência nova, o olhar do estran-

geiro adquire um quê de fresco, certo toque de ingenuidade e, para fenomenologia, esse é um dos

passos que se deve dar para poder conhecer o mundo. Mas, como construiu sua consciência no seu

local de origem, sempre carrega em si as impressões dessa construção. Portanto, é possível afirmar

que, ao mesmo tempo em que integra o mundo, o estrangeiro se suspende dele, afinal, o que vê, é

novo, e causa estranhamento, assim suas reflexões sobre o lugar em que se encontra serão diferen-

tes das de um nativo, por exemplo.

Para começar essa discussão, um exemplo de uma declaração que parece se fundamentar

numa afirmação que, para nós brasileiros, aparenta ser um consenso, a de que “no Brasil não existe

a repressão sexual” (PIAUÍ, 2009, p.54). Essa frase foi dita por Hany Abu-Assad, diretor de cinema

palestino cujo filme Paradise Now recebeu indicação ao Oscar de melhor filme estrangeiro. Hany

se diz aficionado pelo Brasil, e já visitou o país algumas vezes. Num primeiro instante não é difícil

aceitar tal afirmação, considerando que quem a diz vem de um local onde se acredita ter uma maior

repressão e falta de liberdade. Entretanto, o cineasta continua: “Às vezes me pergunto o que é mais

cruel: usar o véu para se cobrir ou ser obrigado a aparentar eternamente 20 anos. (...) É claro que

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você pode sempre argumentar que aqui existe a livre escolha. Pois eu acho que essa liberdade é pura

ficção; o que existe é um outro tipo de escravidão.” (PIAUÍ, 2009:54). Considerando essa crítica, per-

cebe-se que o olhar do estrangeiro traz elementos para uma reflexão sobre nossa nação. No ensaio,

“O olhar viajante (do etnólogo)”, Cardoso (1993) pensa sobre esse sujeito que se desloca para um

lugar não familiar, e como esse lugar é apreendido por seus sentidos. A experiência da viagem é de

reorganização da própria subjetividade do sujeito. Todo seu repertório se alia ao que ele acaba de

ver, olhar, apreender num novo território e essa soma será acrescida ao seu próprio conhecimento.

Compreendemos, portanto, que as viagens sejam sempre experiências de estranhamento.

E podemos mesmo observar que está, talvez, neste efeito de distanciamento, no

sentimento de dépaysement (termo forjado com tanta felicidade pela língua francesa,

cuja significação se aproximaria do nosso termo “desterro”, se tomássemos num registro

exclusivamente psicológico e simbólico) que, de um modo ou de outro, sempre envolve

o viajante (que não se mostra inabalavelmente frívolo), o seu núcleo essencial e sua

expressão mais íntima. (CARDOSO, 1993:359)

Para o autor, é fundamental a distinção entre ver e olhar. O ver diz respeito a um vidente

discreto e passivo, dono de um olho dócil e quase desatento que “parece deslizar sobre as coisas;

e as espalha e registra, reflete e grava” (CARDOSO, 1993:348). Trata-se de uma fé perceptiva, mui-

tas vezes própria de quem submete os olhos a uma rotina, ao homem comum num lugar que lhe é

familiar. Já o olhar vai além, remete de imediato à atividade e às virtudes do sujeito, “perscruta e

investiga, indaga a partir e para além do visto, e parece originar-se sempre da necessidade de ‘ver

de novo’ (ou ver o novo)” (CARDOSO, 1993:348). Logo, o olhar tem um peso maior, afinal ele inter-

roga o que é visto, o vidente e o visível se misturam, assim como o viajante e a viagem.

Claramente, Cardoso (1993) se apóia na reflexão de Merleau-Ponty: “A percepção não é uma

ciência do mundo, nem mesmo uma tomada de posição, ela é o fundo sobre o qual todos os atos

se destacam e ela é pressuposta por eles” (MERLEAU-PONTY, 2006:6). Portanto, homem e mundo

estão atrelados, e para perceber esse mundo é preciso retomar um contato ingênuo com o mesmo.

Trata-se de descrever, não de explicar nem de analisar. Essa primeira ordem que Husserl

dava à fenomenologia iniciante de ser uma “psicologia descritiva” ou de retornar “às

coisas mesmas” é antes de tudo uma desaprovação da ciência. Eu não sou o resultado

ou entrecruzamento de múltiplas casualidades que determinam meu corpo ou meu

“psiquismo”, eu não posso pensar-me como uma parte do mundo, como simplesmente

um objeto da biologia, da psicologia e da sociologia, nem fechar sobre mim o universo

da ciência. Tudo aquilo que sei do mundo, mesmo por ciência, eu o seu a partir de uma

visão minha ou de uma experiência do mundo sem a qual os símbolos da ciência não

poderiam dizer nada. (MERLEAU-PONTY, 2006:3)

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Assim, a compreensão do mundo depende de minha experiência única e individual do mes-

mo. Ao apreender um mundo novo, fora de sua zona de conforto, o viajante não vê, mas sim, olha.

A estranheza do em torno se imbrica ao universo desse estrangeiro.

O ver conota ingenuidade no vidente, evoca espontaneidade, desprevenção, sugerindo

contração ou rarefação da subjetividade... como para atestar as imposições do mundo,

realçar o poder das coisas, sua jurisdição sobre o conhecimento. De outro lado, no olhar

– que deixa sempre aflorar uma certa intenção, traz sempre um certo urdimento, algum

cálculo ou malícia – as marcas do artifício sublinham a atuação e poderes do sujeito.

(CARDOSO, 1993:348)

O autor continua sua reflexão afirmando que não há gradação, ou passagem de ver para

olhar. Cada um opera com sua própria configuração de mundo. As declarações do cineasta pales-

tino Hany – que usamos como exemplo anteriormente – versam sobre a sexualidade brasileira. Ele

associa tudo que observa ao seu próprio repertório. O cineasta olhou para esse aspecto de nossa

brasilidade e outras características emergem dele. O palestino inclusive infere que as relações hu-

manas no Brasil denotam mais proximidade que em outros lugares, como na Europa numa forma

geral e na própria comunidade palestina:

Pode até parecer estereótipo de gringo, mas esse é um país sensual. As mulheres andam

de biquíni nas ruas, as pessoas sorriem, se abraçam, se beijam, beijam estranhos ao se

cumprimentarem. Aqui é possível sentir amor pelos outros. (PIAUÍ, 2009:54)

Claro que se trata das considerações de um artista, de um intelectual. Sua mente está mais

propícia à reflexão. Entretanto, será que sua condição de viajante, de estrangeiro, não colabora para

que tudo o que esteja a sua volta – no contexto da viagem – seja olhado e não visto? Se tomarmos

essa hipótese como verdadeira, o estrangeiro, sujeito que se encontra fora de sua zona de conforto,

talvez esteja num constante processo de redução fenomenológica.

Pôr o mundo em parêntesisA redução fenomenológica foi proposta por Husserl na primeira década do século XX. O

pensador também usava a palavra grega epoché, que significa suspensão de juízo, ao se referir à re-

dução fenomenológica. Suspender o juízo é justamente uma tentativa de, como explicava Husserl,

“pôr o mundo em parêntesis” (MERLEAU-PONTY, 2006), mas sem deixar de reconhecer nossa liga-

ção inerente com esse mundo. O que se defende nessa pesquisa é a possibilidade de o viajante, do

estrangeiro, estar constantemente nesse movimento ou, pelo menos, estar mais propício a colocar

o mundo em parêntesis. Afinal, o estranhamento é próprio ao sujeito que se desloca, que está fora

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de sua zona de conforto.

Para que a redução fenomenológica aconteça, é necessário manter uma relação de espanto

com o mundo, uma curiosa e admirada indagação. Se nós podemos falar em “sonho” e “realidade”

isso significa que experimentamos o imaginário e o real, tanto que podemos distingui-los, e o que

percebemos como mundo, como real é o que funda nossa idéia da verdade, portanto “não é preciso

perguntar se nós percebemos verdadeiramente o mundo, é preciso dizer, ao contrário: o mundo é

aquilo que nós percebemos.” (MERLEAU-PONTY, 2006:13). Se algo nos causa espanto, ele nos toma

a atenção e logo a consciência é ativada:

O milagre da consciência é fazer aparecer pela atenção fenômenos que restabelecem

a unidade do objeto em uma dimensão nova, no momento em que eles a destroem.

Assim, a atenção não é nem uma associação de imagens, nem um retorno a si de um

pensamento já senhor de seus objetos, mas a constituição ativa de um objeto novo que

explicita e tematiza aquilo que até então só se oferecera como horizonte indeterminado.

Ao mesmo tempo em que aciona a atenção, a cada instante o objeto é reapreendido

e novamente posto sob sua dependência. Ele suscita o “acontecimento cognoscente”

que o transformará pelo sentido ambíguo que lhe oferece para ser determinado,

se bem que ele seja seu ”motivo” e não sua causa. Mas pelo menos o ato da atenção

acha-se enraizado na vida da consciência, e compreende-se enfim que ela saia de sua

liberdade de indiferença para dar-se um objeto atual. Esta passagem do indeterminado

ao determinado, essa retomada, a cada instante, de sua própria história na unidade de

um novo sentido, é o próprio pensamento. (MERLEAU-PONTY, 2006:59).

É através desse processo que o mundo é percebido, que reconhecemos seus fenômenos. “A

percepção torna-se uma interpretação dos signos que a sensibilidade fornece conforme os estímu-

los corporais, uma ‘hipótese’ que o espírito forma para ‘explicar suas impressões’”. (MERLEAU-

PONTY, 2006:61). E é logo aí que entra o juízo ou a consciência, introduzido para explicar tudo o

que foi apreendido pelos olhos. Portanto, existe uma diferença entre o sentir e o juízo.

Entre o sentir e o juízo, a experiência comum estabelece uma diferença bem clara. O

juízo é para ela uma tomada de posição, ele visa conhecer algo de válido para mim

mesmo em todos os momentos de minha vida e para os outros espíritos existentes ou

possíveis; sentir, ao contrário, é remeter-se à aparência sem procurar possuí-la ou saber

sua verdade. (MERLEAU-PONTY, 2006:59)

Logo, “o reconhecimento dos fenômenos implica enfim em uma teoria da reflexão e um

novo cogito.” (MERLEAU-PONTY, 2006, p.82). Esse novo Cogito – argumento original de Descartes

que fundamenta toda sua Teoria do Conhecimento, “penso logo existo” – não define a existência

do sujeito pelo seu pensamento, não converte a existência do mundo em pensamento de mundo,

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ele reconhece que o próprio pensamento é inalienável, e elimina qualquer espécie de idealismo

revelando-me como “ser no mundo”.

Assim a fenomenologia estuda a aparição do ser para a consciência, sem supor que esse

fenômeno é previamente dado, ou seja, é de fato a busca constante por uma retomada de contato

ingênuo com o mundo. É justamente aí que a redução fenomenológica pode parecer contraditória

numa análise mais superficial. Por não sermos capazes de nos separar do mundo é que, para po-

der compreendê-lo e refletir sobre ele, precisamos nos suspender do mundo, é preciso recusar essa

cumplicidade que temos com ele, e a admiração ou o estranhamento nos permite esse afastamento,

“justamente para ver o mundo e apreendê-lo com o paradoxo, é preciso romper nossa familiarida-

de com ele.” (MERLEAU-PONTY, 2006:10). Tanto Husserl, quanto Merleau-Ponty, admitem que uma

redução completa é impossível. Mas não podemos esquecer que a redução fenomenológica é uma

proposta de exercício de compreensão do mundo. Ao admitir a experiência e o pertencimento de

nós no mundo ela retoma o que acredita ter de melhor no empirismo e ao propor uma suspensão

para que possamos compreender o mundo ela toma para si o que acredita ter de melhor no idealis-

mo. Portanto, ela de fato une o extremo do objetivismo e o extremo do subjetivismo.

Retornando ao objeto deste artigo, se a admiração e o estranhamento são necessários ao

exercício da redução fenomenológica, talvez um viajante, ao contemplar um local novo, de fato

retome certo grau de contato ingênuo com o mundo. O deslocamento passa a ser um fator deter-

minante para que o movimento de suspensão aconteça. A redução fenomenológica ocorre, não

intencionalmente – afinal, como afirma Merleau-Ponty (2009), ela é uma sugestão, um exercício de

apreensão do mundo –, mas por decorrência da própria viagem, da saída da zona de conforto. Isso

fará com que as impressões de um estrangeiro sejam interessantes para uma reflexão sobre aquele

local em que ele se encontra.

As impressões do cineasta Hany Abu-Assad apontam para uma reflexão importante sobre o

corpo e a relação da mulher brasileira com ele. Mesmo partindo de um estereótipo, que associa a

mulher brasileira à liberdade sexual, o artista palestino instaura uma nova possibilidade de com-

preensão para esse quadro. Se de fato parece que buscamos uma juventude eterna, o que biologica-

mente não é possível, o corpo envelhecido torna-se uma prisão e o clichê do Brasil enquanto país

livre para o exercício da sexualidade cai por terra. Como apontado anteriormente, tal reflexão feita

por Hany só é possível se considerarmos tanto seu repertório – que é ao mesmo tempo cumulativo

e em constante construção –, quanto seu deslocamento, sua viagem. Parece ser seguro afirmar que

o cineasta vai do “Dasein ao Wesen”, num exercício de redução fenomenológica.

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CoMtempoRevista Eletrônica do Programa de Pós-graduação da Faculdade Cásper LíberoSão Paulo, v.2, n.2, dez.2010/maio 2011

A revista CoMtempo é uma publicação científica semestral em formato eletrônico do Programa de Pós-graduação em Comuni-cação Social da Faculdade Cásper Líbero. Lançada em novembro de 2009, tem como principal finalidade divulgar a produção acadêmica inédita dos mestrandos e recém mestres de todos os Programas de Pós-graduação em Comunicação do Brasil.

Presidente da Fundação Cásper Líbero Paulo Camarda

Diretora da Faculdade Cásper Líbero Tereza Cristina Vitali

Vice-Diretor da Faculdade Cásper Líbero Welington Andrade

Coordenador da Pós-Graduação Dimas Antônio Künsch

EditorWalter Teixeira Lima Junior

Comissão EditorialÂngela Cristina Salgueiro Marques (Faculdade Cásper Líbero) * Carlos Costa (Faculdade Cásper Líbero) * Luis Mauro de Sá Martino (Faculdade Cásper Líbero) * Maria Goreti Frizzarini (Faculdade Cásper Líbero) * Liráucio Girardi Junior (Faculdade Cásper Líbero) * Walter Teixeira Lima Júnior (Faculdade Cásper Líbero)

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