ntd de literatura - carlos drummond de andrade [4ª fase]

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2ª Semana de Arte Moderna

VtÜÄÉá WÜâÅÅÉÇw  

wx TÇwÜtwx 4ª Fase (Final) - Memorialista

Fortaleza- CE, 2011

5/9/2018 NTD de Literatura - Carlos Drummond de Andrade [4ª Fase] - slidepdf.com

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Carlos Drummond de Andrade

Organização Educacional

Farias Brito Professora Maria Gordiano 

2º ano 7 do Ensino MédioTurno Manhã 

EquipeBeatriz Almeida, 2

Fernanda Freitas, 13Isabelle Lunna, 20Kaynan Rolim, 25

Lucas Lima, 32

Marynara Barros, 34

Fortaleza – CE, 2011

NTD de Literatura

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Sumário

Introdução, 3 1. Biografia e Cronologia, 4 a 10 2. Características Literárias (Geral), 10 e 11 

3. 4ª Fase – Memorialista, 11 a 13 4. Obras, 13 a 22 

4.1. Boitempo (I, II e II), 13 a 17 a)Boitempo I, 14 e 15 b) Boitempo II – Menino Antigo, 16 c) Boitempo III – Esquecer para Lembrar, 17 

4.2. A Falta Que Ama, 17 4.3. A Paixão Medida, 18 4.4. Corpo, 19 4.5. Amar Se Aprende Amando, 19 

4.6. O Amor Natural, 21 e 22 5. Contos de Aprendiz, 23 e 24 6. Crônicas, 24 a 27

6.1. Passeios na Ilha, 24 e 256.2. Cadeira de Balanço, 25 e 266.3. Os Dias Lindos, 26 e 27 

Conclusão, 28 

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Introdução

Carlos Drummond de Andrade é considerado um dos maiores representantesda literatura brasileira do século XX. Sua carreira poética pode ser dividida em 4fases. Cada uma delas é composta por obras que nos permitem acompanhar aevolução de seus temas e sua visão de mundo.

Neste trabalho iremos informar-lhes, para adquirir um melhor conhecimento eaprendizado, somente sobre a quarta fase de Carlos Drummond de Andrade, quetem por objetivo demonstrar a articulação entre memória e biografia de CarlosDrummond de Andrade, demonstrando como os aspectos memorialísticos dos maisvariados fatos vividos pelo autor se refletiram em sua produção literária. Pra tal, faz-seuma discussão entre a relação existente entre memória e biografia, assim como ogênero biográfico se desenvolveu. Pretende-se assim resgatar através da narrativade Drummond dados autobiográficos que reportam acontecimentos vividos peloautor, bem como fatos históricos e lugares que influenciaram na trajetória do mesmo.

Apresentaremos então sua biografia, suas características literárias, suas obras,

contos e crônicas memorialistas, onde o autor descreve fatos ocorridos em sua vida.

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Biografia

Carlos Drummond de Andrade nasceu em Itabira do Mato Dentro - MG, em 31de outubro de 1902. De uma família de fazendeiros em decadência, estudou nacidade de Belo Horizonte e com os jesuítas no Colégio Anchieta de Nova Friburgo RJ,de onde foi expulso por "insubordinação mental". De novo em Belo Horizonte,começou a carreira de escritor como colaborador do Diário de Minas, queaglutinava os adeptos locais do incipiente movimento modernista mineiro.

Ante a insistência familiar para que obtivesse um diploma, formou-se emfarmácia na cidade de Ouro Preto em 1925. Fundou com outros escritores A Revista,que, apesar da vida breve, foi importante veículo de afirmação do modernismo emMinas. Ingressou no serviço público e, em 1934, transferiu-se para o Rio de Janeiro,onde foi chefe de gabinete de Gustavo Capanema, ministro da Educação, até 1945.Passou depois a trabalhar no Serviço do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional e seaposentou em 1962. Desde 1954 colaborou como cronista no Correio da Manhã e, apartir do início de 1969, no Jornal do Brasil.

O modernismo não chega a ser dominante nem mesmo nos primeiros livros deDrummond, Alguma poesia (1930) e Brejo das almas (1934), em que o poema-piadae a descontração sintática pareceriam revelar o contrário. A dominante é aindividualidade do autor, poeta da ordem e da consolidação, ainda que sempre, efecundamente, contraditórias. Torturado pelo passado, assombrado com o futuro,ele se detém num presente dilacerado por este e por aquele, testemunha lúcida de

si mesmo e do transcurso dos homens, de um ponto de vista melancólico e cético.Mas, enquanto ironiza os costumes e a sociedade, asperamente satírico em seuamargor e desencanto, entrega-se com empenho e requinte construtivo àcomunicação estética desse modo de ser e estar.

Vem daí o rigor, que beira a obsessão. O poeta trabalha sobretudo com otempo, em sua cintilação cotidiana e subjetiva, no que destila do corrosivo. EmSentimento do mundo (1940), em José (1942) e sobretudo em A rosa do povo (1945),Drummond lançou-se ao encontro da história contemporânea e da experiênciacoletiva, participando, solidarizando-se social e politicamente, descobrindo na luta aexplicitação de sua mais íntima apreensão para com a vida como um todo. A

surpreendente sucessão de obras-primas, nesses livros, indica a plena maturidade dopoeta, mantida sempre.

Várias obras do poeta foram traduzidas para o espanhol, inglês, francês,italiano, alemão, sueco, tcheco e outras línguas. Drummond foi seguramente, por muitas décadas, o poeta mais influente da literatura brasileira em seu tempo, tendotambém publicado diversos livros em prosa.

Em mão contrária traduziu os seguintes autores estrangeiros: Balzac (LesPaysans, 1845; Os camponeses), Choderlos de Laclos (Les Liaisons dangereuses, 1782;As relações perigosas), Marcel Proust (La Fugitive, 1925; A fugitiva), García Lorca

(Doña Rosita, la soltera o el lenguaje de las flores, 1935; Dona Rosita, a solteira),François Mauriac (Thérèse Desqueyroux, 1927; Uma gota de veneno) e Molière (LesFourberies de Scapin, 1677; Artimanhas de Scapino).

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Alvo de admiração irrestrita, tanto pela obra quanto pelo seu comportamentocomo escritor, Carlos Drummond de Andrade morreu no Rio de Janeiro RJ, no dia 17de agosto de 1987, poucos dias após a morte de sua filha única, a cronista MariaJulieta Drummond de Andrade.

Cronologia

1902 - Nasce em Itabira do Mato Dentro, Estado de Minas Gerais; nono filho de Carlosde Paula Andrade, fazendeiro, e D. Julieta Augusta Drummond de Andrade.1910 - Inicia o curso primário no Grupo Escolar Dr. Carvalho Brito, em Itabira (MG).1916 - Aluno interno no Colégio Arnaldo, da Congregação do Verbo Divino, BeloHorizonte. Conhece Gustavo Capanema e Afonso Arinos de Melo Franco. Por problemas de saúde, interrompe seus estudos no segundo ano.1917 - Toma aulas particulares com o professor Emílio Magalhães, em Itabira.1918 - Aluno interno no Colégio Anchieta, da Companhia de Jesus, em NovaFriburgo; é laureado em "certames literários". Seu irmão Altivo publica, no únicoexemplar do jornalzinho Maio, seu poema em prosa "ONDA".1919 - Expulso do Colégio Anchieta mesmo depois de ter sido obrigado a retratar-se.

Justificativa da expulsão: "insubordinação mental".1920 - Muda-se com a família para Belo Horizonte.1921 - Publica seus primeiros trabalhos na seção "Sociais" do Diário deMinas. Conhece Milton Campos, Abgar Renault, Emílio Moura, Alberto Campos, MárioCasassanta, João Alphonsus, Batista Santiago, Aníbal Machado, Pedro Nava, GabrielPassos, Heitor de Sousa e João Pinheiro Filho, todos freqüentadores do Café Estrela eda Livraria Alves.1922 - Ganha 50 mil réis de prêmio pelo conto "Joaquim do Telhado" no concursoNovela Mineira. Publica trabalhos nas revistas Todos e Ilustração Brasileira.1923 - Entra para a Escola de Odontologia e Farmácia de Belo Horizonte.1924 - Escreve carta a Manuel Bandeira, manifestando-lhe sua admiração. Conhece

Blaise Cendrars, Oswald de Andrade, Tarsila do Amaral e Mário de Andrade noGrande Hotel de Belo Horizonte. Pouco tempo depois inicia a correspondência comMário de Andrade, que durará até poucos dias antes da morte de Mário.1925 - Casa-se com a senhorita Dolores Dutra de Morais, a primeira ou segundamulher a trabalhar num emprego (como contadora numa fábrica de sapatos), emBelo Horizonte. Funda, junto com Emílio Moura e Gregoriano Canedo, A Revista,órgão modernista do qual saem 3 números. Conclui o curso de Farmácia mas nãoexerce a profissão, alegando querer "preservar a saúde dos outros".1926 - Leciona Geografia e Português no Ginásio Sul-Americano de Itabira. Volta paraBelo Horizonte, por iniciativa de Alberto Campos, para trabalhar como redator-chefedo Diário de Minas. Heitor Villa Lobos, sem conhecê-lo, compõe uma seresta sobre o

poema "Cantiga de Viúvo".1927 - Nasce, no dia 22 de março, mas vive apenas meia hora, seu filho Carlos Flávio.1928 - Nasce, no dia 4 de março, sua filha Maria Julieta, quem se tornará sua grandecompanheira ao longo da vida. Publica na Revista de Antropofagia de São Paulo, opoema “No meio do caminho”, que se torna um dos maiores escândalos literário doBrasil. 39 anos depois publicará "Uma pedra no meio do caminho - Biografia de umpoema", coletânea de críticas e matérias resultantes do poema ao longo dosanos. Torna-se auxiliar de redação da Revista do Ensino da Secretaria de Educação.1929 - Deixa o Diário de Minas para trabalhar no Minas Gerais, órgão oficial doEstado, como auxiliar de redação e pouco depois, redator, sob a direção de AbílioMachado.

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1930 - Publica seu primeiro livro, "Alguma Poesia", em edição de 500 exemplarespaga pelo autor, sob o selo imaginário "Edições Pindorama", criado por EduardoFrieiro. Auxiliar de Gabinete do Secretário de Interior Cristiano Machado; passa aoficial de gabinete quando seu amigo Gustavo Capanema substitui CristianoMachado.1931 - Falece seu pai, Carlos de Paula Andrade, aos 70 anos.1933 - Redator de A Tribuna. Acompanha Gustavo Capanema quando este é

nomeado Interventor Federal em Minas Gerais.1934 - Volta a ser redator dos jornais Minas Gerais, Estado de Minas e Diário da Tarde,simultaneamente. Publica "Brejo das Almas" em edição de 200 exemplares, pelacooperativa Os Amigos do Livro. Muda-se, com D. Dolores e Maria Julieta, para o Riode Janeiro, onde passa a trabalhar como chefe de gabinete de GustavoCapanema, novo Ministro de Educação e Saúde Pública.1935 - Responde pelo expediente da Diretoria-Geral e é membro da Comissão deEficiência do Ministério da Educação.1937 - Colabora na Revista Acadêmica, de Murilo Miranda.1940 - Publica "Sentimento do Mundo" em tiragem de 150 exemplares, distribuídosentre os amigos.

1941 - Assina, sob o pseudônimo "O Observador Literário", a seção "Conversa Literária"da revista Euclides. Colabora no suplemento literário de A Manhã, dirigido por MúcioLeão e mais tarde por Jorge Lacerda.1942 - A Livraria José Olympio Editora publica "Poesias". O Editor José Olympio é oprimeiro a se interessar pela obra do poeta.1943 - Traduz e publica a obra Thérèse Desqueyroux, de François Mauriac, sob o títulode "Uma gota de veneno".1944 - Publica "Confissões de Minas", por iniciativa de Álvaro Lins.1945 - Publica "A Rosa do Povo" pela José Olympio e a novela "O Gerente". Colaborano suplemento literário do Correio da Manhã e na Folha Carioca. Deixa a chefia degabinete de Capanema, sem nenhum atrito com este e, a convite de Luís Carlos

Prestes, figura como editor do diário comunista, então fundado, Imprensa Popular,  junto com Pedro Mota Lima, Álvaro Moreyra, Aydano Do Couto Ferraz e DalcídioJurandir. Meses depois se afasta do jornal por discordar da orientação do mesmo. Échamado por Rodrigo M.F. de Andrade para trabalhar na Diretoria do PatrimônioHistórico e Artístico Nacional, onde mais tarde se tornará chefe da Seção de História,na Divisão de Estudos e Tombamento.1946 - Recebe o Prêmio pelo Conjunto de Obra, da Sociedade Felipe d'Oliveira. Suafilha Maria Julieta publica a novela "A Busca", pela José Olympio.1947 - É publicada sua tradução de "Les liaisons dangereuses", de Choderlos DeLaclos, sob o título de "As relações perigosas".1948 - Publica "Poesia até agora". Colabora em Política e Letras, de Odylo Costa,

filho. Falece Julieta Augusta Drummond de Andrade, sua mãe. Comparece aoenterro em Itabira que acontece ao mesmo tempo em que é executada no TeatroMunicipal do Rio de Janeiro a obra "Poema de Itabira" de Heitor Villa-Lobos,composta sobre seu poema "Viagem na Família".1949 - Volta a escrever no jornal Minas Gerais. Sua filha Maria Julieta casa-se com oescritor e advogado argentino Manuel Graña Etcheverry e passa a residir em BuenosAires, onde desempenhará, ao longo de 34 anos, um importante trabalho dedivulgação da cultura brasileira.1950 - Vai a Buenos Aires para o nascimento de seu primeiro neto, Carlos Manuel.1951 - Publica "Claro Enigma", "Contos de Aprendiz" e "A mesa". É publicado emMadrid o livro "Poemas".

1952 - Publica "Passeios na Ilha" e "Viola de Bolso".

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1953 - Exonera-se do cargo de redator do Minas Gerais, ao ser estabilizada suasituação de funcionário da DPHAN. Vai a Buenos Aires para o nascimento de seuneto Luis Mauricio, a quem dedica o poema "A Luis Mauricio infante". É publicado emBuenos Aires o livro "Dos Poemas", com tradução de Manuel Graña Etcheverry, genrodo poeta.1954 - Publica "Fazendeiro do Ar & Poesia até agora". Aparece sua tradução para"Les paysans", de Balzac. Realiza na Rádio Ministério de Educação, em diálogo com

Lya Cavalcanti, a série de palestras "Quase memórias". Inicia no Correio da Manhã asérie de crônicas "Imagens", mantida até 1969.1955 - Publica "Viola de Bolso novamente encordoada".1956 - Publica "50 Poemas escolhidos pelo autor". Aparece sua tradução para"Albertine disparue", de Marcel Proust.1957 - Publica "Fala, amendoeira" e "Ciclo".1958 - Publica-se em Buenos Aires uma seleção de seus poemas na coleção "Poetasdel siglo veinte". É encenada e publicada a sua tradução de "Doña Rosita la soltera"de Federico García Lorca, pela qual recebe o Prêmio Padre Ventura, do CírculoIndependente de Críticos Teatrais.1960 - Nasce seu terceiro neto, Pedro Augusto, em Buenos Aires. A Biblioteca

Nacional publica a sua tradução de "Oiseaux-Mouches orthorynques du Brèsil" deDescourtilz. Colabora em Mundo Ilustrado.1961 - Colabora no programa Quadrante da Rádio Ministério da Educação, instituídopor Murilo Miranda. Falece seu irmão Altivo.1962 - Publica "Lição de coisas", "Antologia Poética" e "A bolsa & a vida". É demolidaa casa da Rua Joaquim Nabuco 81, onde viveu 36 anos. Passa a morar emapartamento. São publicadas suas traduções de "L'Oiseau bleu" de MauriceMaeterlink e de "Les fouberies de Scapin", de Molière, esta última é encenada noTeatro Tablado do Rio de Janeiro. Recebe novamente o Prêmio Padre Ventura. Seaposenta como Chefe de Seção da DPHAN, após 35 anos de serviço público,recebendo carta de louvor do Ministro da Educação, Oliveira Brito.

1963 - É lançada sua tradução de "Sult" (Fome) de Knut Hamsun. Recebe os PrêmiosFernando Chinaglia, da União Brasileira de Escritores, e Luísa Cláudio de Sousa, doPEN Clube do Brasil, pelo livro "Lição de coisas". Colabora no programa Vozes daCidade, instituído por Murilo Miranda, na Rádio Roquete Pinto, e inicia o programaCadeira de Balanço, na Rádio Ministério da Educação. Viaja, com D. Dolores, aBuenos Aires durante as férias.1964 - Publica a primeira edição da "Obra Completa", pela Aguilar.1965 - São lançados os livros "Antologia Poética", em Portugal; "In the middle of theroad", nos Estados Unidos; "Poesie", na Alemanha. Publica, em colaboração comManuel Bandeira, "Rio de Janeiro em prosa & verso". Colabora em Pulso.1966 - Publica "Cadeira de balanço", e na Suécia é lançado "Naten och rosen".

1967 - Publica "Versiprosa", "Mundo vasto mundo", com tradução de Manuel GrañaEtcheverry, em Buenos Aires e publicação de "Fyzika strachu" em Praga.1968 - Publica "Boitempo & A falta que ama". Membro correspondente da HispanicSociety of America, Estados Unidos.1969 - Deixa o Correio da Manhã e começa a escrever para o Jornal do Brasil.Publica "Reunião (10 livros de poesia)".1970 - Publica "Caminhos de João Brandão".1971 - Publica "Seleta em prosa e verso". Edição de "Poemas" em Cuba.1972 - Viaja a Buenos Aires com D. Dolores para visitar a filha, Maria Julieta. Publica"O poder ultrajovem". Jornais do Rio, São Paulo, Belo Horizonte e Porto Alegrepublicam suplementos comemorativos do 70º aniversário do poeta.

1973 - Publica "As impurezas do branco", "Menino Antigo - Boitempo II", "La bolsa y lavida", em Buenos Aires, e "Réunion", em Paris.1974 - Recebe o Prêmio de Poesia da Associação Paulista de Críticos Literários.Membro honorário da American Association of Teachers of Spanish and Portuguese,Estados Unidos.

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1975 - Publica "Amor, Amores". Recebe o Prêmio Nacional Walmap de Literatura erecusa, por motivo de consciência, o Prêmio Brasília de Literatura, da FundaçãoCultural do Distrito Federal.1977 - Publica "A visita", "Discurso de primavera e algumas sombras" e "Os dias lindos".Grava 42 poemas em 2 long plays, lançados pela Polygram. Edição búlgara de"UYBETBO BA CHETA" (Sentimento do Mundo).1978 - Publica "70 historinhas" e "O marginal Clorindo Gato". Edições argentinas de

"Amar-amargo" e "El poder ultrajoven".1979 - Publica "Poesia e Prosa", 5ª edição, revista e atualizada, pela editora NovaAguilar. Viaja a Buenos Aires por motivo de doença de sua filha Maria Julieta. Publica"Esquecer para lembrar - Boitempo III".1980 - Recebe os Prêmios Estácio de Sá, de jornalismo, e Morgado Mateus (Portugal),de poesia. Edição limitada de "A paixão medida". Noite de autógrafos na LivrariaJosé Olympio Editora para o lançamento conjunto da edição comercial de "Apaixão medida" e "Um buquê de Alcachofras", de Maria Julieta Drummond deAndrade; o poeta e sua filha autografam juntos na Casa José Olympio. Edição de "Enrost at folket", Suécia. Edição de "The minus sign", Estados Unidos. Edição de"Gedichten" Poemas, Holanda.

1981 - Publica "Contos Plausíveis" e "O pipoqueiro da esquina". Edição inglesa de "Theminus sign".1982 - Ano do 80º aniversário do poeta. São realizadas exposições comemorativas naBiblioteca Nacional e na Casa de Rui Barbosa, no Rio de Janeiro. Os principais jornaisdo Brasil publicam suplementos comemorando a data. Recebe o título de Doutor honoris causa pela Universidade Federal do Rio Grande do Norte. Edição mexicanade "Poemas". A cidade do Rio de Janeiro festeja a data com cartazes de afeto aopoeta. Publica "A lição do amigo - Cartas de Mário de Andrade a Carlos Drummondde Andrade", com notas do destinatário. Publicação de "Carmina drummondiana",poemas de Drummond traduzidos ao latim por Silva Bélkior.1983 - Declina do troféu Juca Pato. Publica "Nova Reunião (19 livros de poesia)",

último livro do poeta publicado, em vida, pela Casa José Olympio.1984 - Despede-se da casa do velho amigo José Olympio e assina contrato com aEditora Record, que publica sua obra até hoje. Também se despede do Jornal doBrasil, depois de 64 anos de trabalho jornalístico, com a crônica "Ciao". Publica, pelaEditora Record, "Boca de Luar" e "Corpo".1985 - Publica "Amar se aprende amando", "O observador no escritório" (memórias),"História de dois amores" (livro infantil) e "Amor, sinal estranho". Edição de "Frän oxentid", Suécia.1986 - Publica "Tempo, vida, poesia". Edição de "Travelling in the family", em New York,pela Random House. Escreve 21 poemas para a edição do centenário de ManuelBandeira, preparada pela editora Alumbramento, com o título "Bandeira, a vida

inteira". Sofre um infarto e é internado durante 12 dias.1987 - No 31 de janeiro escreve seu último poema, "Elegia a um tucano morto" quepassa a integrar "Farewell", último livro organizado pelo poeta. É homenageado pelaescola de samba Estação Primeira de Mangueira, com o samba enredo "No reinodas palavras", que vence o Carnaval 87. No dia 5 de agosto, depois de 2 meses deinternação, falece sua filha Maria Julieta, vítima de câncer. "E assim vai-se indo afamília Drummond de Andrade" - comenta o poeta. Seu estado de saúde piora. 12dias depois falece o poeta, de problemas cardíacos e é enterrado no mesmo túmuloque a filha, no Cemitério São João Batista do Rio de Janeiro. O poeta deixa obrasinéditas: "O avesso das coisas" (aforismos), "Moça deitada na grama", "O amor natural" (poemas eróticos), "Viola de bolso III" (Poesia errante), hoje publicados pela

Record; "Arte em exposição" (versos sobre obras de arte), "Farewell", além decrônicas, dedicatórias em verso coletadas pelo autor, correspondência e um textopara um espetáculo musical, ainda sem título.

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Edições de "Moça deitada na grama", "O avesso das coisas" e reedição de "Denotícias e não notícias faz-se a crônica" pela Editora Record. Edição de "Crônicas -1930-1934". Edição de "Un chiaro enigma" e "Sentimento del mondo",Itália. Publicação de "Mundo Grande y otros poemas", na série Los grandes poetas,em Buenos Aires.1988 - Publicação de "Poesia Errante", livro de poemas inéditos, pela Record.1989 - Publicação de "Auto-retrato e outras crônicas", edição organizada por 

Fernando Py. Publicação de "Drummond: frente e verso", edição iconográfica, pelaAlumbramento, e de "Álbum para Maria Julieta", edição limitada e fac-similar decaderno com originais manuscritos de vários autores e artistas, compilados pelopoeta para sua filha. A Casa da Moeda homenageia o poeta emitindo uma nota de50 cruzeiros com seu retrato, versos e uma auto-caricatura.1990 - O Centro Cultural Banco do Brasil (CCBB) organiza uma exposiçãocomemorativa dos 60 anos da publicação de "Alguma Poesia". Palestras de ManuelGraña Etcheverry, "El erotismo en la poesía de Drummond" no CCBB e de AffonsoRomano de Sant'Anna, "Drummond, um gauche no mundo". Encenação teatral de"Mundo, vasto mundo", com Tônia Carrero, o coral Garganta e Paulo Autran, sob adireção deste no Teatro II do CCBB. Encenação de "Crônica Viva", com adaptação

de João Brandão e Pedro Drummond, no CCBB. Edição da antologia "Itabira", emMadrid, pela editora Visor. Edição limitada de "Arte em exposição", pela Salamandra.Edição de "Poésie", pela editora Gallimard, França.1991 - Publicação de "Obra Poética", pela editora Europa-América, em Portugal.1992 - Edição de "O amor natural", de poemas eróticos, organizada pelo autor, comilustrações de Milton Dacosta e projeto gráfico de Alexandre Dacosta e PedroDrummond. Publicação de "Tankar om ordet menneske", Noruega. Edição de "Dieliefde natuurlijk" (O amor natural) na Holanda.1993 - Publicação de "O amor natural", em Portugal, pela editora Europa-América. Prêmio Jabuti pelo melhor livro de poesia do ano, "O amor natural".1994 - Publicação pela Editora Record de novas edições de "Discurso de primavera"

e "Contos plausíveis". No dia 2 de julho falece D. Dolores Morais Drummond deAndrade, viúva do poeta, aos 94 anos.1995 - Encenação teatral de "No meio do caminho...", crônicas e poemas do poetacom roteiro e adaptação de João Brandão e Pedro Drummond. Lançamento de umselo postal em homenagem ao poeta. Drummond na era digital, publicação deuma pequena antologia em 5 idiomas sob o título de "Alguma Poesia", no World WideWeb , Internet, na data de seu 93º aniversário. Projeto do CD-ROM "CDA-ROM", quevisa a publicar, em ambiente interativo e com os recursos da multimídia, os 40poemas recitados pelo autor, uma iconografia baseada na coleção de fotografiasdo poeta, entrevistas em vídeo e um curta-metragem.1996 - Lançamento do livro Farwell, último organizado pelo poeta, no Centro Cultural

do Banco do Brasil do Rio de Janeiro, com a apresentação de Joana Fomm e JoséMayer. Esse livro é ganhador do Prêmio Jabuti.1997 - Primeira edição interativa do livro "O Avesso das Coisas".1998 - Inauguração do Museu de Território Caminhos Dummondianos em Itabira. Nodia 31 de outubro é inaugurado o Memorial Carlos Drummond de Andrade, projetodo arquiteto Oscar Niemeyer, no Pico do Amor da cidade de Itabira. Prêmio inmemorian Medalha do Sesquicentenário da Cidade de Itabira.1999 - I Forum Itabira Século XXI — Centenário Drummond, realizado na cidade deItabira. Lançamento do CD "Carlos Drummond de Andrade por Paulo Autran", peloselo Luz da Cidade.2000 - Inaugurada a Biblioteca Carlos Drummond de Andrade do Colégio Arnaldo de

Belo Horizonte. Lançamento do CD "Contos de aprendiz por Leonardo Vieira", peloselo Luz da Cidade. Estréia no dia 31 de outubro o espetáculo "Jovem Drummond",estrelado por Vinícius de Oliveira, no teatro da Fundação Cultural Carlos Drummondde Andrade e Itabira (Secretaria de Cultura do Município).

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Lançamento do CD "História de dois amores - contadas por Odete Lara", pelagravadora Luz da Cidade. Encenação pela Comédie Française da peça de MolièreLes Fourberies de Scapin, com tradução do biografado, nos teatros Municipal do Riode Janeiro e Municipal de São Paulo. Lançamento do projeto "O Fazendeiro do Ar",com o "balão Drummond", na Lagoa Rodrigo de Freitas - Rio de Janeiro. II FórumItabira Século XXI — Centenário Drummond, realizado em outubro na cidade deItabira. Homenagem in memoriam Medalha comemorativa dos 70 anos do MEC.

Homenagem dos Ex-Alunos da Universidade Federal de Minas Gerais.

Características Literárias (Geral)

Carlos Drummond de Andrade é o primeiro grande poeta pós-movimentomodernista e um dos mais importantes poetas brasileiros. Seu livro Alguma Poesia de1930 marca o início da segunda fase poética do Modernismo. Escreveu tambémprosa que se caracteriza pela riqueza e expressividade da linguagem e do tema,impregnados de senso de humor. Atribuem-se essas qualidades, igualmente, à suaobra poética. Segundo Bosi, Drummond possui uma percepção precisa do hiatoentre as convenções e a realidade, entre o parecer e o ser das coisas e dosindivíduos, o que se transforma em objeto privilegiado do humor, seu traço principal.O conjunto de sua obra poética é complexo e vasto, do qual, pela freqüência, épossível destacar certas características e tendências. Num primeiro momento, sem sedeixar envolver, o poeta mantém certo distanciamento do mundo à sua volta, o quelhe possibilita brincar e soltar a razão, deixando-a entregue a si mesma, maquinandoincertezas e certezas, mais afeitas a negar e anular que a construir. Daí os temas docotidiano, da família, do isolamento, da monotonia entediante das coisas e do viver,expressos numa linguagem coloquial plena de ironia seca, sarcasmo e humor desencantado, onde sentimento e emoção são refreados. São deste primeiromomento os livros Alguma Poesia e Brejo das Almas.

No segundo momento, sem se distanciar, deixa-se envolver pela realidade àsua volta e canta à impotência e a solidão em um mundo mecânico, frio e político; adecepção e a falta de perspectiva diante da fragmentação causada pela guerra; osofrimento e a solidariedade do ser humano brasileiro e universal. Temas estesabordados em tons ora esperançosos, ora desesperançosos, com a mesma ironia,humor e sobriedade, estão presentes nos livros Sentimento do Mundo, José e A Rosado Povo.

Finalmente, o poeta busca o real, através de interrogações e negações quelhe revelam o vazio, o nada e o desencanto que sempre acompanham o homem.Da poesia metafísica de Claro Enigma, desse período, Drummond passa à poesiaobjectual de Lição de Coisas que, ao enfatizar a linguagem nominal e os aspectosvisuais e sonoros, valoriza objetos e coisas, violando e desintegrando a palavra.

Drummond seguiu em   Alguma Poesia a mesma linha temática quepermaneceu durante sua trajetória poética, que pode ser identificada como sesegue, a partir do que o próprio autor sugere como condução temática de sua obra:

1. O indivíduo – “um eu todo retorcido”

Seção que investiga a formação do poeta e sua visão acerca do mundo. Semprelúcido, discorre com amargor, pessimismo, ironia e humor o que ele, atentoobservador, capta de si mesmo e das coisas que o rodeiam. Alguns poemas

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sintetizam a visão do indivíduo, como o poema Poema de sete faces em quevaticina seu destino. É o primeiro poema de Alguma Poesia do qual se transcreve aprimeira estrofe: Quando nasci, um anjo torto / desses que vivem na sombra / disse:Vai, Carlos! ser gauche na vida. 

A palavra gauche (lê-se gôx), de origem francesa, corresponde a “esquerdo” emnosso idioma. Em sentido figurado, o termo pode significar “acanhado”, “inepto”.

Qualifica o ser às avessas, o "torto", aquele que está à margem da realidadecircundante e que com ela não consegue se comunicar. 

2. A família – “a família que me dei”

Uma das constantes temáticas de Drummond, presente desde Alguma Poesia atéseus versos finais, é a família, sua vivência interiorana em Minas Gerais, a paisagemque marca sua memória. Contrariando o lugar-comum, ao invés de se referir àfamília como algo que lhe foi atribuído por Deus, o poeta coloca um “que me dei” aanalisa suas relações pessoais, consciente de que se assentam na perspectivapessoal. De modo muito individual, retrata o escoar do tempo, como é possívelobservar em Infância, Família, Sesta, alguns dos mais significativos poemas de Alguma Poesia.

3. O conhecimento amoroso – “amar-amaro”

Com o jogo de palavras amar-amaro, título emprestado de um poema do livroLição de Coisas, o poeta acrescenta ao substantivo "amar" o adjetivo "amargo",sentimento recorrente em alguns de seus poemas e livros escritos posteriormente. Em  Alguma Poesia o tema é tratado com boas doses de humor, sátira ou pitadas deidealismo, como em Toada do amor , Sentimental, Quero me casar , Quadrilha.

4. Paisagem e viagens 

Um grupo de poesias faz anotações sobre viagens, retratando paisagens vistase vividas, mas também recuperando as influências recebidas da sempre subservientepostura brasileira ante as supercivilizações, como em Lanterna mágica, Europa,França e Bahia.

5. O social e a evolução dos tempos 

Drummond constrói poemas em que contempla a mudança dos tempos, oprogresso chegando e invadindo a antiga paisagem, como em  A rua diferente ouSobrevivente.

4ª Fase – Memorialista

A temporalidade na obra de Drummond aparece como fator crucial para o resgate do passado através da memória. A chamada poesiamemorialística tornou-se presente nas produções literárias brasileiras, durante asdécadas de 1960 a 1980, como forma de recuperar a memória poética através deregistros de acontecimentos lugares e pessoas.

Os lugares da memória, não são somente espaços físicos, são tambémcognições do imaginário, lugares que guardam sinais do que passou como indíciosque possibilitam uma visão da memória. Desta forma, a poesia de Drummond

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articula esses lugares de recuperação do passado, no qual o autor reconstróilembranças de seu tempo.

Destarte, os registros literários são formas de acesso ao passado, portanto“lugares de memória” que para Pierre Nora situam-se entre a memória e a história.

Segundo o autor, os recursos de aceleração histórica levaram Memória eHistória para caminhos opostos, existindo, porém, entre ambas determinados lugares.- lugares de memória - onde “a memória se cristaliza e se refugia” dando a

capacidade ao homem de acessar momentos históricos específicos, momentos essesque são restos que reportam ao passado.O resgate da memória através de narrativas é também garantia de formação

das identidades individuais. Assim, a poesia atua profundamente na identificação dopoeta com o mundo e suas memórias. A poesia, para Drummond, é como umaviagem ao tempo passado, na tentativa de recuperar lembranças. Na obra deDrummond o poetizado se articula com os fatos vividos, assinalando o teor biográficoconstante em sua produção.

Minha poesia é autobiográfica (...). Assim sendo, quem seinteressar pelos miúdos acontecimentos da vida do autor, basta passar 

os olhos por esses nove volumes que, sob pequenos disfarces, dão asua ficha civil, intelectual, sentimental, moral e até comercial (...).

(DRUMMOND apud SANT’ANNA, 1991)

Da mesma forma, produção da narrativa do passado, ou seja, resgatar amemória pode ser facilitado através de mecanismos de auxílio como a visualizaçãode objetos que reportam uma lembrança como: fotografias, relógio, roupa, caneta,pedaço de papel, nesse sentido a poesia aponta lances de recuperação históricado passado, como forma de acesso à memória.

Segundo Bergson (1896) a memória é “o lado subjetivo de nosso

conhecimento das coisas”. Assim pode-se compreender a memória como algoíntimo, mas com presença extremamente ativa e profunda tanto no nosso agir quanto no nosso pensar. A memória interfere nas nossas ações do presente aomesmo tempo em que permite a relação com o passado. O autor afirma que ocorpo guarda duas formas de memória: a memória-hábito, que é esta incorporada onosso dia-a-dia e a imagem-lembrança ou lembrança-pura, esta entendida comouma situação definida, individualizada, é a lembrança de um momento único. LeGoff (2003) define memória como “fenômeno individual e psicológico”.

Para o autor a memória se liga também a vida social e varia em função dapresença ou ausência da escrita e desperta atenção do Estado, que produzdocumentos para escrever a história e conservar traços de qualquer acontecimento

do passado. Pollak em conferência no CEDOC em Brasília em 1987 discutiu quais sãoos elementos constitutivos da memória tanto individual, quanto coletiva. Para ele,esses elementos podem ser agrupados em acontecimentos vividos pela pessoa, dosquais a mesma se lembra porque foram vividos pessoalmente; acontecimentos“vividos por tabela”, que são acontecimentos vividos pelo grupo ou pelacoletividade à qual a pessoa se sente pertencer. São acontecimentos dos quais apessoa nem sempre participou, mas que, no imaginário, tomaram tamanho relevoque, no fim das contas, é quase impossível que ela consiga saber se participou ounão.

A terceira categoria de elementos constitutivos da memória é a categoria doslugares. Retomando a idéia de Nora, existem lugares da memória, que nos remetem

a uma lembrança, pessoal ou não.A Poesia de Carlos Drummond de Andrade, durante a segunda metade doséculo XX tornou-se foco de discussão das pesquisas literária articulando relaçãoentre memória, História e poesia.

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Os dados que reportam a memória literária em Drummond, são pontos derecuperação autobiográficos, mas que também possibilitam recompor dadosespecíficos de uma época, as lembranças de ontem se encaixam no presente,trazendo referências de sua infância como um processo de imersão no passado.

Em suas últimas produções, o lirismo de Drummond não assume umatendência definida ou unidirecional. O poeta reelabora alguns temas e formas dos

primeiros livros, mas também acrescenta algumas vertentes novas: a poesia decircunstância e o erotismo. Como o próprio nome já diz as obras desta fase (décadade 70 e 80), são cheias de recordações do poeta. Os temas infância e família sãoretomados e aprofundados além dos temas universais discutidos nas fases anteriores.

Alguns exemplos de Obras Boitempo I,Boitempo II - Menino Antigo,Boitempo III - Esquecer para Lembrar , A Falta que Ama, A Paixão Medida,

Corpo, Amar se Aprende Amando,O Amor Natural.

Obras

4.1. Boitempo I, II e III

Carlos Drummond de Andrade acabou com a estrutura tradicional dalinguagem literária quando inventou uma palavra composta para dar nome aos seuspoemas memorialísticos: Boitempo.

Na obra “Boitempo”, onde são arrolados diversos poemas de Drummond, pode-se notar o relato de diversos acontecimentos que marcaram a vida do autor, acontecimentos esses que envolvem, desde a vida de Drummond, até ocotidiano  em Itabira e os personagens que passaram pela vida do mesmo, bem

como fatos históricos do Brasil. Os três livros compõem de uma única temática,sua infância e adolescência, emolduradas pela tradição de tempo e de lugar. 

Drummond escreve sobre a vida simples de sua família, com o pai mourejandona fazenda próxima à cidade, da qual saía todas as manhãs uma mula, guiada por um empregado, para distribuir leite em Itabira, MG. O velho continuava umatradição rural de muitas gerações. A doçura materna e a aparente rigidez do paitambém são lembradas.

Verifica-se que, apesar da alegada incapacidade de se observar comopessoa, Drummond conseguiu flagrar instantâneos felizes de um meio urbano semi-

rural do começo do século XX, fixando tipos e costumes que documentam a época.São páginas que despertam emoção e valem como testemunho social. A vida dointerior ressurge com espontaneidade e graça, ora jovial ora melancólica.

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Drummond também escreveu contos ecrônicas:

ContoContos de AprendizCrônica 

Passeios na Ilha,Cadeira de Balanço,Os Dias Lindos.

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a) Boitempo I (1968)

Sinopse: Trata-se de um livro de recordações poéticas dainfância, um momento em que o menino faz a passagem domundo rural para o colégio interno. A roça está representada noboi, um animal calmo, que rumina indefinidamente os alimentos – simbolizando também a própria condição memorialística deste

“eu” que não termina nunca de digerir suas recordações. O boié a encarnação de um tempo perdido e materializa uma idadecampestre que se perdeu, mas que continua viva na lentatrituração da linguagem lírica de Drummond.

Poemas escolhidos de Boitempo I

NegraA negra para tudoa negra para todos

a negra para capinar plantar regar colher carregar empilhar no paiolensacar lavar passar remendar costurar cozinhar rachar lenhalimpar a bunda dos nhozinhostrepar.A negra para tudonada que não seja tudo tudo tudo

até o minuto de(único trabalho para seu proveitoexclusivo)morrer.

15 de Novembro A proclamação da República chegouàs 10 horas da noiteem telegrama lacônico.Liberais e conservadores não queriamacreditar.

Artur Itabirano saiu para a rua soltandofoguete.Dr. Serapião e poucos mais oacompanhavamde lenço incendiário no pescoço.Conservadores e liberais recolheram-seao seu infortúnioO Pico do Cauê quedou indiferente(era todo ferro, supunha-se eterno).

Não resta mais testemunha daquelanoite

para contar o efeito dos lençosvermelhosao suposto luar 

das montanhas de Minas.Não restam sequer as montanhas.

Boitempo Entardece na roçade modo diferente.A sombra vem nos cascos,no mugido da vacaseparada da cria.O gado é que anoitecee na luz que a vidraça

da casa fazendeiraderrama no curralsurge multiplicadasua estátua de sal,escultura da noite. Os chifres delimitamo sono privativode cada rês e tecemde curva em curva a ilhado sono universal.No gado é que dormimos

e nele que acordamos.No gado é que dormimose nele que acordamos.Amanhece na roçade modo diferente.A luz chega no leite,morno esguicho das tetas,e o dia é um pasto azulque o gado reconquista.

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 Antologia Guardo na boca os saboresda gabiroba e do jambo,cor e fragrância do mato,colhidos no pé. Distintos.Araticum, araçá,ananás, bacupari,

 jatobá... todos reunidoscongresso verde no mato,e cada qual separado,cada fruta, cada gostono sentimento compostodas frutas todas do matoque levo na minha bocatal qual me levasse o mato.

Copo d'água no sereno O copo no peitoril

convoca os eflúvios da noite.Vem o frio nevosoda serra.Vêm os perfumes brandosdo mato dormindo.Vem o gosto delicadoda brisa.E pousam na água.

Nova casa de José José entra resmungando no Paraíso.

Lança os olhos em torno: – Pensei que fosse maior.O azul das paredes está desbotado.Então é isto, o Céu?Os anjos entreolham-se: Ah, José!Estávamos tão contentes com suavinda...José procura o recanto menos luminosopara encastelar-se com sua canastra: – Ninguém me bula nisto.O serafim-ecônomo sorri:

 – Sossegue, José. Aqui todas as coisasviram essência.Você terá a essência de sua canastra.A taciturnidade de José causa espécieaos velhos santosque pulam carniça, brincam de roda: – Não quer vir conosco? A amarelinhavai ser uma coisa louca...Leve aceno de cabeça e: – Obrigado(entre dentes) é resposta de José.São Pedro coça a barba: como fazer 

José sentir-se realmente no Paraíso?

É sua casa natural, José foi bom,foi ríspido, mas bom.Carece varrer do íntimo de José asturvas imagensde desconfiança e solidão. – Não há outro remédio, suspira SãoPedro.

Vou contar-lhe uma piada fescenina.E José sorri ouvindo a piada. 

A puta Quero conhecer a puta.A puta da cidade. A única.A fornecedora.Na Rua de Baixoonde é proibido passar.Onde o ar é vidro ardendoe labaredas torram a língua

de quem disser: Eu queroa putaquero a puta quero a puta.Ela arreganha dentes largosde longe. Na mata do cabelose abre toda, chupanteboca de mina amanteigadaquente. A puta quente.É preciso crescer esta noite a noite inteira sem parar de crescer e querer 

a puta que não sabeo gosto do desejo do meninoo gosto meninoque nem o meninosabe, e quer saber, querendo a puta.

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b) Boitempo II - Menino Antigo (1973) 

Sinopse: Com prefácio de André Seffrin, 'Menino Antigo'reúne poemas que articulam visões da infância e daadolescência de Drummond. São lembranças que o poeta nãodespeja diretamente no papel, mas como que usa o verso e ametáfora para ir buscá-las, num passado refeito (poeticamen-

te), reconstruído. É então que somos como que convidados aparticipar do mundo que fundou a sua poesia. O pai quemourejava na sua fazenda, próxima à cidade, da qual saíatodas as manhãs uma mulazinha, puxada por um empregado,para ir levar o leite produzido até Itabira. A rigidez desse paicontrastando com a doçura da mãe. Os bichos, plantas eárvores, cuja vida a natureza é que ia levando, sempre igual,mas nos quais a sutileza do olhar do poeta enxergava episódios

a se destacar no cotidiano.

Poemas escolhidos de Boitempo II – Menino Antigo

A montanha pulverizada Chego à sacada e vejo a minha serra,a serra de meu pai e meu avô,de todos os Andrades que passarame passarão, a serra que não passa.Era coisa dos índios e a tomamospara enfeitar e presidir a vidaneste vale soturno onde a riquezamaior é a sua vista a contemplá-la.De longe nos revela o perfil grave.

A cada volta de caminho apontauma forma de ser, em ferro, eterna,e sopra eternidade na fluência.Esta manhã acordo enão a encontro.Britada em bilhões de lascasdeslizando em correia transportadoraentupindo 150 vagõesno trem-monstro de 5 locomotivas- trem maior do mundo, tomem nota -foge minha serra, vai

deixando no meu corpo a paisagemmísero pó de ferro, e este não passa.

Ferreiro Filho do ferro e da fagulhafulgurando na forja formidávelo seu fole afrouxo e sua forçaem face do fiscal e da folhinhade papel.

Doido O doido passeiapela cidade sua loucura mansa.É reconhecido seu direitoà loucura. Sua profissão.Entra e come onde quer. Há níqueisreservados para ele em toda casa.Torna-se o doido municipal,respeitável como o juiz, o coletor,os negociantes, o vigário.

O doido é sagrado. Mas se endoidade jogar pedra, vai preso no cubículomais tétrico e lodoso da cadeia.

Verbo SerQue vai ser quando crescer? Vivemperguntando em redor. Que é ser? Éter um corpo, um jeito, um nome?Tenho os três. E sou? Tenho de mudar quando crescer? Usar outro nome,corpo e jeito? Ou a gente só principia

a ser quando cresce? É terrível, ser?Dói? É bom? É triste? Ser: pronunciadotão depressa, e cabe tantas coisas?Repito: ser, ser, ser. Er. R. Que vou ser quando crescer? Sou obrigado a?Posso escolher? Não dá paraentender. Não vou ser. Não quero ser.Vou crescer assim mesmo. Sem ser.Esquecer.

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c) Boitempo III – Esquecer para Lembrar (1979)

Sinopse: A Série de Boitempo é constituída por ‘Boitempo’ (1968), ‘Menino Antigo’ (1973) e ‘Esquecer paralembrar’. Nessa última obra o poeta escreve sob a inspiraçãogeral do regresso à infância. O tema não é umasingularidade temática na poesia de Drummond, mas

‘Esquecer para Lembrar’ corresponde ao desenvolvimentomais profundo e amplo de um de seus temas eletivos. Quase200 poemas compõem este novo diário de infância e juventude de Carlos Drummond de Andrade.

4.2. A Falta que Ama (1968)

O grande poeta brasileiro Carlos Drummond, em um deseus brilhantes poemas de nome usado no título desse artigo,conclui que no solo tudo voltaria ser semente quando o

sentimento da falta virar verbo de amar. Verbo, ou seja, ação,ato de amor.

O psicanalista francês Jacques Lacan foi preciso ao dizer sobre o amor: “amar é dar o que não se tem”. Em outraspalavras, amar seria dar aquilo que nos falta. Mas vejamos: nãoexatamente um bem material. Amar seria dar os nossos própriossonhos, nossos mais profundos e legítimos sentimentos que nãohaveriam de existir se não fosse o amor. E dar nãonecessariamente a alguém, mas sim dar-se num ato de

reconhecer nosso mais puro desejo. Mas para reconhecer nosso verdadeiro desejo

seria importante descobrir e assumir o que nos falta. Há pessoas que se negamdurante toda a vida e muitas só descobrem isso fazendo psicanálise. E entãopercebem o quanto tempo perderam negando o próprio desejo. Aí, descobre que oque falta é a juventude. Mas tudo bem, o problema seria morrer sem descobrir acondição de desejante. O tempo passado não voltaria, mas o que resta passaria ater muito mais sentido. Como disse o Drummond no poema, no ato de amar tudotornaria a ser semente.

Para buscar uma vida mais plena, deveríamos descobrir a arte de amar.Como o poeta, que mesmo diante do papel ainda em branco, num sublime ato deamor, já oferta à amada o poema que ainda não escreveu.

Sinopse: Livro escrito em 1968 traz uma poesia mais madura e cheia dereflexões sobre a humanidade. A precariedade da existência, a busca pelo amor,pelo sonho e pela vida são alguns dos temas caros ao poeta mineiro.

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Entre areia, sol e gramao que se esquiva se dá,enquanto a falta que amaprocura alguém que não há.

Está coberto de terra,forrado de esquecimento.

Onde a vista mais se aferra,a dália é toda cimento.

A transparência da horacorrói ângulos obscuros:cantiga que não imploranem ri, patinando muros.

Já nem se escuta a poeiraque o gesto espalha no chão.A vida conta-se inteira,

em letras de conclusão.

4.3. A Paixão Medida (1980)

Sinopse

A paixão medida surgiu em 1980. Dois anos depois, aocompletar 80 anos, Drummond viu-se surpreendido por umaseqüência de homenagens, às quais, quebrando seu habitualretraimento, compareceu, emocionado. A emoção,naturalmente, devia-se a ter se tornado explícito o quanto ele eraconhecido e admirado pelo público, e, algo extraordinário dentrode nosso panorama cultural, o quanto e por quanta gente eraamado.

Nada mais apropriado em relação a esse poeta que soube como ninguémverter sua perplexidade diante do mundo e sua fragilidade tão sensível, em amor àvida, às pessoas e ao cotidiano, que observava avidamente, e daí em poesia.

Em A paixão medida, temos Drummond pelas ruas perguntando-se sobre anatureza do que vê: “Como é o lugar/quando ninguém passa por ele?/ Existem ascoisas sem ser vistas?”. E as respostas, não pretende dá-las, de fato, porque se colocacomo aquele que aborda enigmas, ou os revela, ciente de que sua palavra não osdesvenda: “A pretensão de ser homem/ e não-coisa ou caracol/ esfacela-me emfrente à folha/ que cai, depois de viver/ intensa, caladamente...”. Não existe matériaindigna da poesia. A vida é poética, também em seus detalhes mínimos, a quem sedeixa seduzir por ela. Um fascínio que será então contido em versos, sem outrapretensão do que a de oferecer essa paixão medida a seus leitores, já que... “tudo omais é sentimento ou fingimento/ levado pelo pé, abridor de aventu-ra,/conforme acor da vida no papel”.

Este último livro do poeta, escrito em tom de despedida. Drummond deixou-opronto para publicação apenas alguns dias antes de morrer. É composto por 49poemas, dos quais 47 nunca haviam sido publicados.

Por que é que revoa à toao pensamento, na luz?E por que nunca se escoao tempo, chaga sem pus?

O inseto petrificadona concha ardente do dia

une o tédio do passadoa uma futura energia.

No solo vira semente?Vai tudo recomeçar?É falta ou ele que senteo sonho do verbo amar?

Carlos Drummond de Andrade 

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4.4. Corpo (1984)

Sinopse

Publicado originalmente em 1984, este é um dos últimos livrosescritos pelo poeta, no qual faz uma deliciosa reflexão sobre oamor. 

4.5. Amar Se Aprende Amando (1985)

Publicado em 2001, Amar se Aprende Amando é umacoletânea, preparada por Ivan Junqueira, de poemas queCarlos Drummond de Andrade, o melhor poeta da LiteraturaBrasileira, produziu entre as décadas de 60 e 80, momentos finaisde sua existência. Seu organizador seguiu uma tese clara na suaseleção: buscar textos em que o tema não estivesse ligado aograndioso, ao metafísico, mas ao pequeno, ao cotidiano. Naopinião do estudioso, a qualidade do fazer poético do vatemineiro seria suficiente para dar seiva valiosíssima aos diversostextos do livro. De fato, Drummond tem capacidade para tanto;no entanto, há momentos em que, pelo menos na obra emquestão, não se obteve tal êxito. Não se quer dizer que a obra

não tenha valor. Pelo contrário, há vários pequenos tesouros que justificam sualeitura. O que mais chama a atenção é o tom prosaico de seus versos. É como seestivéssemos diante de um cronista tecendo poemas inspirados pelo jornal quediariamente lê.

Dividido em três partes, a segunda, “O Convívio Ideal”, mostra-se a mais fraca. Écomposta de poemas em homenagem a pessoas do convívio ou da admiração dopoeta, como Pedro Nava, Ziraldo ou Alphonsus de Guimaraens. São, portanto, poesiade circunstância, o que os enfraquece. Quem está de fora do contexto pessoal,como é o caso da maioria dos vestibulandos que se debruça sobre a obra, acabadeslocado, alheio, afastado de boa parte do valor dos textos. Ainda assim, há

instantes em que o espírito do poeta mostra-se o salvador da pátria. É o caso de “AKiss, un Baiser, un Bacio”, em que o último termo do título estabelece uma brincadeiracom o nome do homenageado, Stefan Baciu. Ou mesmo “Tintim para Luís Martins”,em que se explora a musicalidade da sílaba “tim".

Aliás, aqui e ali encontram-se ousadias no trato com a linguagem, principalmenteno emprego de neologismos. Lógico, são mais fracas se comparadas às realizadasna época de iconoclastia de Alguma Poesia, mas são dignas de nota.Boa é a segunda parte, “Carta de Guia (?) de Amantes”. Já tem em sua abertura umfamoso poema, que circulou pela internet graças a uma corrente de e-mails:“Reconhecimento do Amor”. Nele não se comemora o amor explosivo, espetacular,

mas o que se mostra de forma calma, amadurecida. Essa característica ficamarcada pela maneira como o eu-lírico chama sua amada: amiga. Essatranqüilidade do amor fruto do convívio, não da desequilibrada paixão, perpassa

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todos os poemas desse trecho do livro. Até o erotismo, quando surge, em nada échulo, mas limpo, claro, sem deixar de ser direto. Sobra, felizmente, espaço para aselaborações poéticas. É só observar como em “Lema do Amor Romântico”, em que,em meio a um andamento popular e quase folclórico das redondilhas maiores, opoeta exibe virtuosidades de linguagem e de raciocínio. Pegue-se, por exemplo, asegunda estrofe:

O último verso, um clichê, ganha graça pela associação que se pode fazer entre“roubado” e a maneira como o limão cai, “enviesado”. É exercer um toque deMidas, pois a matéria simples acaba-se tornando rica. Mas há também espaço parao tom clássico, como em “Epitalâmio”. Drummond demonstra, pois, um amplo

domínio poético, dando-se bem em versos brancos e rimados, metrificados e livres.Essa proeza vai-se mostrar sobretudo na terceira parte do livro, “Alegrias e Penas por Aí”. O próprio título dessa subdivisão carrega vários significados. A expressão “por aí”dá um ar de despretensão, de coloquialidade. Já “penas” tanto está ligada ao atode escrever quanto ao sofrimento do eu-lírico ao se defrontar com os problemas deseu tempo. Essa dor de viver seu momento é captada em “Relatório de Maio”, emque os eventos ligados ao famoso maio de 68, entre “violão e violência” (note quesonoridade belíssima e inteligente), são relatados por meio de imagens fortes e ricas.Por sua vez, o termo “alegrias” indica o tom humorístico comum em boa parte daprodução do poeta. Aliás, a utilização desse ingrediente é responsável pelos pontosmáximos do livro, principalmente nos poemas curtos, sintéticos, a lembrar os

limeriques ingleses ou mesmo os epigramas, poemas-pílulas de final surpreendente,típicos do seu início de carreira e do Primeiro Tempo do Modernismo (1922-30). É ocaso de “Miniversos”, “Microlira” e “Textos Mínimos”. Valem o livro todo.

Além desse aspecto, na terceira parte o olhar de cronista do autor assume umanova conotação. Ganha um aspecto crítico ao condenar a anestesia que tomou ohomem urbano, que se perdeu em ilusões inúteis, sem prestar atenção aos mais belose verdadeiros ideais ligados à experiência de vida, no seu sentido mais puro. É o quepercebemos em poemas que infelizmente chegam próximo do panfletário, como“Liquidação de Inverno” (a condenar o caráter descartável que nossa existênciaassumiu), “Conversa com o Lixeiro” (em que a típica ironia drummondiana se

manifesta) e “A Excitante Fila do Feijão”. Sua visão questionadora, na realidade,pode ser enxergada como saudosista, já que prega um ideal desaparecido, em quetínhamos tempo para prestar ao que estava ao nosso redor, para aproveitar umapraça, uma rua, uma tradição. O que se vê hoje é um desrespeito a todos esseselementos preciosos, que tem tornado os nossos centros urbanos em anticidade,para aproveitar expressão criada pelo próprio poeta.Em suma, Amar se Aprende Amando não é obra da altura de Alguma Poesia, A Rosado Povo e Claro Enigma. Mas possui ainda o caráter, a verve do poeta, justificandosua leitura.

Sinopse: Há de tudo neste desconcertante e caliente "mafuá" que agora se lê

sob o título de Amar se aprende amando, no qual se colhem de imediato duas raraslições: uma primeira, de ousada simplicidade e que se dá logo à tona de seuenunciado, onde o autor permite a audácia de reunir três verbos, cada um deles emvoz distinta; e uma outra, mais funda e talvez difícil, que nos ensina essa prática (tão

“Atirei um limão n’águae caiu enviesado.Ouvi um peixe dizer:Melhor é o beijo roubado.”

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trivial não fosse hoje absurdamente anacrônica) cuja eficácia reside apenas naelementar e irretorquível verdade de que só se aprende mesmo fazendo.

4.6. O Amor Natural (1992)

Guardados durante anos, os poemas eróticos de Carlos Drummond deAndrade estão reunidos nesta excepcional coletânea. O Amor 

Natural é uma obra inquietante, pois revela uma face nova,mais despojada, porém extremamente fascinante, do poeta.São textos repletos de vida e sensualidade, onde o autor seintrojeta ao mesmo tempo em que se expõe, desbravando ocorpo enquanto busca, na fluidez e sensualidade dalinguagem, a própria nudez da alma.

Quase todos os poemas encontrados aqui são inéditos,à exceção de uns poucos publicados em revistas eróticasdurante a década de setenta. Apesar de muitos deles teremservido de base para uma tese sobre o erotismo

drummondiano, o autor optou por guardá-los em segredo,confiando a seus herdeiros a tarefa de publicá-los após suamorte.

Embora o senso de humor e a leveza — traços marcantes do estilo do autor — estejam presentes em toda a obra, o elemento mais forte é, sem dúvida, a paixão, asensualidade à flor da palavra. Como define Affonso Romano de Sant’Anna, aspalavras às vezes copulam semanticamente, e o que encontramos nestas páginas éo êxtase poético de um autor que, ao mergulhar fundo em suas próprias sensações,desnuda também o leitor, que se vê frente a frente com suas próprias contradiçõesao pensar nos limites entre o erótico e o pornográfico, o sexo e o amor.

Sinopse

O AMOR NATURAL é sem dúvida o livro mais ousado do poeta. Publicado apósa morte do autor, trata do amor com uma linguagem desnuda, quase pornográfica,dividindo as opiniões sobre seu conteúdo: seria uma obra obscena ou um exercícioestético do erotismo? Muitos dos poemas foram compostos antes mesmo da décadade 1970, e já freqüentaram revistas eróticas como Homem, Ele&Ela e Status.

Em 1985, o poeta — que nunca considerou esses escritos um trabalho menor — concordou em ceder 39 dos 40 poemas reunidos em O AMOR NATURAL à

pesquisadora Maria Lúcia Pazo Ferreira, para que esta os analisasse em teseacadêmica. A conclusão a que chegou Maria Lúcia é de que o erotismo emDrummond tem um fundo místico e se afasta da pornografia. O escritor tampoucoteve intenção de privar o público de conhecer seus poemas eróticos. O que fez foiinstruir seu neto e herdeiro Pedro Augusto a publicá-los após sua morte, na data emque achasse mais conveniente. O erotismo, na verdade, não chega a ser umanovidade na obra de Drummond.

Como lembra Affonso Romano de Sant’Anna: “O tema do amor e do erotismonão é exclusividade de O AMOR NATURAL. Ele está presente em todos os seus livros.O que ocorre agora é um desnudamento temático.” O que se pode acrescentar à

observação de Sant’Anna é que este desnudamento, feito sem ânsia e com períciapor Drummond, torna-se extremamente excitante. O AMOR NATURAL faz parte dosplanos da Editora Record de reeditar, com novo projeto gráfico, todas as obras de

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Drummond, na ordem em que foram lançadas pelo próprio escritor. A idéia é queaté o aniversário de cem anos do poeta, em outubro de 2002, toda sua bibliografiaesteja nas livrarias, já com nova roupagem. Carlos Drummond de Andrade nasceuem 1902, em Itabira, Minas Gerais. Em 1921, vivendo em Belo Horizonte com a família,vê seus primeiros trabalhos publicados no Diário de Minas.

Em 1924, conhece Mário de Andrade, Oswald de Andrade e Tarsila do Amaral,

que regressam de excursão às cidades históricas de Minas Gerais, e inicia longacorrespondência com Mário de Andrade, de quem recebe orientação literária. Em1926, volta para Itabira, mas por pouco tempo. Um ano depois, volta para BeloHorizonte como redator e depois redator-chefe do Diário de Minas.

Em 1928, publica na Revista de Antropofagia, de São Paulo, o poema No meiodo caminho, que suscita polêmica nos meios literários. Dois anos depois, publicaAlguma poesia (500 exemplares), sob o selo imaginário de Edições Pindorama. Brejodas almas é publicado em 1934, mesmo ano em que Drummond se transfere para oRio como chefe de gabinete de Gustavo Capanema, ministro da Educação e SaúdePública. Em 1940, publica Sentimento do mundo. Só a partir de 1942 tem seus livros

custeados por uma editora, a José Olympio, pela qual são editados A rosa do povo eO Gerente, em 1945. Em 1945, Drummond colabora no suplemento literário doCorreio da Manhã, na Folha Carioca, deixa a chefia do gabinete de Capanema e, aconvite de Luís Carlos Prestes, dirige o diário comunista Tribuna Popular, do qual seafasta meses depois. A convite de Américo Facó, trabalha na frustrada remodelaçãodo Departamento Nacional de Informações, antigo DIP.

Na década de 1940, já consagrado como poeta, publica Poesia até agora evolta a escrever no Minas Gerais. Os anos 50 são marcados pela publicação deobras importantes, como Claro Enigma, Viola de bolso, Fazendeiro do ar e Fala,amendoeira. Em 1963, recebe os prêmios da União Brasileira de Escritores e do Pen

Club do Brasil por Lição de coisas.

Três obras de sua autoria são publicadas no exterior em 1965: Antologiapoética (Portugal), In the Middle of the Road (Estados Unidos) e Poesie (Alemanha).Ao deixar o Correio da Manhã, em 1969, Drummond passa a colaborar no Jornal doBrasil, escrevendo uma coluna que se tornaria referência no jornalismo brasileiro. Em1974, o escritor recebe o Prêmio de Poesia da Associação Paulista de CríticosLiterários. No ano seguinte, é agraciado com o Prêmio Nacional Walmap deLiteratura, mas o recusa. Novos prêmios chegam em 1980: o Estácio de Sá, de  jornalismo, e o Morgado Mateus (Portugal), de poesia. Ao completar 80 anos, oescritor recebe o título de doutor honoris causa pela Universidade Federal do Rio

Grande do Norte e é homenageado com exposições comemorativas na BibliotecaNacional e na Casa de Rui Barbosa. Em 1983, declina do troféu Juca Pato. No anoseguinte, assina contrato com a Editora Record, após 41 anos na José Olympio.Estréia na nova casa editorial com Boca de luar e Corpo, mas decide encerrar acarreira de cronista regular, após 64 anos dedicados ao jornalismo. Pelo selo Recordsão lançados Amar se aprende amando, O observador no escritório, História de doisamores e Tempo vida poesia, entre outros. Apesar de problemas de saúde no ano de1986, ainda encontra tempo e disposição para escrever 21 poemas para a ediçãodo centenário de Manuel Bandeira. Em 1987, Drummond é homenageado com osamba-enredo O reino das palavras pela escola de samba carioca Estação Primeirade Mangueira, que se sagra campeã. No dia 5 de agosto morre sua filha Maria

Julieta, vítima de câncer. Doze dias depois, a 17 de agosto, o poeta falece, deixandocinco obras inéditas: O avesso das coisas, Moça deitada na grama, Poesia errante, Oamor natural e Farewell.

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Contos de Aprendiz (1951) 

Contos de Aprendiz remexe em lembranças da infância dopoeta, passando muitas vezes a falsa impressão de um livro  dememórias. As histórias reunidas em Contos de Aprendiz parecemsimples, por vezes quase ingênuas, contudo, permitem a fantasiae estimulam o imaginário. Exercem uma relação franca com omundo, mexendo com os encantos da  memória paradesencantá-los e permitir que eles se mostrem como o que defato são: mitos. 

“Contos de Aprendiz”  foi publicado quando o autor jáestava próximo dos 50 anos. Até então, o poeta mineiro nunca

tinha se aventurado como contista e já havia publicado seus livros mais importantes -Alguma Poesia e Sentimento do Mundo - que o consagraram como um dos maiorespoetas brasileiros.Mais tarde, o poeta daria continuidade à sua experiência com a prosa, publicandoum livro de crônicas em 1951, mesmo ano em que publica Claro Enigma - um de seuslivros de poemas mais celebrados.Drummond era um poeta anti-retórico, que se aproxima da realidade com umaatitude de dúvida, de delicadeza, mas também de ceticismo, temperados com umaironia doce e um humor benevolente de sábio. Se tratando de Drummond, a poesiaé algo que extrapola o gênero poético, podendo se revelar em qualquer parte,mesmo em contos delicados e de aparência despretensiosa, mas fortes, como os de

Contos de Aprendiz.A obra reúne 15 contos da maior ternura, incluindo aquele que é um exemplo

do limite do real com o fantástico: "Flor, telefone, moça". Drummond conta ashistórias que acontecem ou podem acontecer, na medida em que o acaso ou outropoder as torna possíveis, com o auxílio da imaginação alerta. Drummond gosta derelatar aquilo que parece o mínimo, porém está cheio de significado na memória decada um, como a surpresa e a decepção do primeiro sorvete, ou uma briga deirmãos que transforma a penitência infantil em pecado. Ou senão, a simples troca depalavras entre um homem e uma mulher, no coletivo, em que o olhar perturbadoentra com sua carga de sensualidade. E ainda o devaneio da moça que prepara asfiguras do presépio, na véspera de Natal, com o pensamento não no que fazia, masno namorado.

Drummond escreve uma prosa limpa, evidentemente com prazer - o prazer decontar sem intenção de brilhar. A poesia de Drummond é algo que extrapola ogênero poético, podendo se revelar em qualquer parte, mesmo em contos delicadose de aparência despretensiosa, mas fortes, como os de Contos de Aprendiz. A tramados contos oscila entre a descoberta da cidade interiorana, seus códigos decomportamento, angústias e alegrias, e momentos inusitados na vida atropelada daentão capital do país. A metrópole enlaça e abraça os seus habitantes, para maispungente tornar a solidão humana. Sobressai-se nestes contos a presença de umavoz amiga. Como diz o próprio contista, "é doce ouvir amigos, ainda quando nãofalam, porque amigo tem o dom de se fazer compreender até sem sinais. Até semolhos".

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Em Contos de Aprendiz, ao lado da contida, mas intensa expressão de afeto erejeição ao absurdo do mundo perpassa um humor irônico em relação à diferençaentre o que os homens mostram ou parecem ser e o que são, uma das tônicas davisão deste poeta que se definiu como "um gauche na vida". Livro que insere omisticismo e o mito da poesia, mas que remete para uma trama sempre curta, ondepoucos personagens acabam, num tempo curto, chegando ao fim de suasproblemáticas ou deixando-as à média rés, como, aliás, acontece freqüentemente.

No cronista, o espírito ávido de denúncias se ocupa sempre do povo e de seusproblemas, dando ao leitor de hoje uma visão sincrônica de tudo quanto ele, na pelede seus concidadãos, vivenciou e sofreu. A obra drummondiana se mantématualizada em nossos dias; dela se depreende a visão crítica de um mundo cujasconseqüências repercutem ainda em nossas existências.

Como já vimos, muitos dos contos se realizam sobre as recordações dostempos infantis, estando assim impregnados de suave ondulação emocional,colocando o leitor tão próximo de outra realidade, que ele fica pensando que, sehouve por ali algum cronista, ele acabou sufocado pelo peso da narrativa ou, comoquer o poeta, “pelo mau cheiro da memória”. Há também contos de maior fôlego,

como o já citado “Flor, telefone, moça” e “O gerente”, que participam de umsuperior tratamento da matéria ficcional. Neles estamos diante de exemplos deperfeição no gênero. Drummond conseguiu imprimir sobre estruturas tradicionais agraça, a diafaneidade, a poesia e o mistério dos contos modernos, criando umaatmosfera de penumbra em que a linguagem mais sugere que descreve, e em que oleitor se vê obrigado a participar da obra para tentar descobrir as suas mais íntimasintenções.

Quanto à sua concepção de conto, ela aparece quase sempreindiretamente: tem de ser depreendida e compreendida pelo leitor. Em Contos deaprendiz há uma pequena nota (que não aparece na sexta edição da Aguilar) emque se diz que a coisa que mais o fascinava (Drummond) nas histórias ouvidasquando criança, não era o enredo, o desfecho, a moralidade; e sim um aspectoparticular da narrativa, a resposta de um personagem, o mistério de um incidente, acor de um chapéu.

Crônicas

6.1. Passeios na Ilha No relato da viagem a Ouro Preto, incluído em Passeios

na Ilha, vemos o viajante deter-se, em dado momento, diantedas ruínas do Morro da Queimada, onde, diz ele:

A imaginação histórica reconstituirá, por certo [...] ocenário onde se localizou um fato econômico, seguido de umatragédia política. Mas essa será apenas um ponto de partidapara a imaginação literária, de pungente meditação sobre apoesia das ruínas. Descanse o leitor: não o faremos. Passeiapenas alguns momentos por esses ermos frios, de uma tristezasevera. Aqui as ruínas dominam as formas compostas

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do que lá embaixo, no seu encanto sinuoso, é a cidade. Galgam a escarpa, vãoinfatigavelmente à procura do céu, e adquirem uma espécie de monumentalidadenegra, comburida, que nos oprime. Não têm a doçura um pouco vaporosa dasruínas românticas, de que o começo do século XIX impregnou a visão de velhos  jardins, com suas colunas a beira-lago. São ásperas, cruéis, e se não vêmseguramente daquele dia de julho de 1720, em que a soldadesca do Conde deAssumar ateou fogo no arraial de Ouro Podre, pois Diogo de Vasconcelos alude a um

arraial ali construído posteriormente e que por sua vez se converteu nessesescombros, não são por isso menos acerbas. Alguma coisa selvagem, própria danatureza, se incorporou aos pedaços de paredes, muros e corredores de pedra,remanescentes de técnicas primitivas de mineração, e que se estendem por umespaço não suspeitado a primeira vista. Sucessivas plataformas e dobras de morroostentam restos de construções, aparentemente sem outro qualquer vestígio depresença humana. Em vão o olhar procura descobrir um desses humildes objetos queassinalam a vida de todos os dias, mediadores entre o homem e a natureza. Aquihavia casas, mundéus, ferramentas e vidas. Não há mais nada senão pedras negras,vegetação rala, musgo, flores insistentes que rompem de qualquer jeito.

6.2. Cadeira de BalançoLer Drummond é sempre sair com a sensação de que

escrever é fácil, algo quase fisiológico. Não se poderia dizer o que ele diz, de modo mais simples e mais claro. Confessoque foi esse com esse propósito que retirei o livro quedescansava há alguns anos na prateleira do meu escritório,à espera do momento oportuno. As semanas passadasocupei-as em escrever a nova versão de um livro –quetambém estava esperando a oportunidade- e me lembreide um conselho de um amigo escritor. Passávamos uns dias

de feiras juntos e, sabendo que eu tinha uma obra deDrummond comigo, ma pediu emprestada por algumashoras. A minha cara de surpresa foi interpretada como umainterrogação, e ele respondeu de bate pronto: “Estouescrevendo alguma coisa, e preciso pegar vocabulário“. A

lição ficou, e eu também me dispus a “pegar vocabulário” emprestado doDrummond. Não idéias, pois essas devem ser próprias; mas o modo de exprimi-las, defazer-se claro.

Cadeira de Balanço é um conjunto delicioso de crônicas do escritor mineiro, amaioria redigida no Rio de Janeiro, sua segunda pátria. Motivos e temáticas variadas,

estilo singelo e claro, como uma conversa com o leitor, “aquelas conversas que sãoum recordar contínuo e calmo, passeio em terreno firme, conhecido, os dois sabendocada folha de arbusto, o lugar da sombra a cada hora da tarde”.

Recordações que invocam o doutor do bairro, que carece chamar e vocênão queria incomodar e que, chegando, conversa à cabeceira do leito e faz a vilprostração da gripe recolher-se por instantes. Ou o ascensorista, na prisão a que estácondenado durante a quarta parte do dia, ou durante a vida; prisão que se abre atodo momento, com regularidade monótona, e de que ele não pode fugir. Oumesmo Deus que aparece ao cronista e lhe comunica que pensa pulverizar a cidadedo Rio de Janeiro, caso não encontrasse um número razoável de justos. O cronista

lhe apresenta o Alcides, motorista da linha Maxwell – Lapa, que é a alegria dospassageiros. Deus lhe concede a graça, mas recomenda não estragar o Alcidesfazendo-o candidato a governador.

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E não poupa os recados de fundo, quando evoca a memória do filósofoamigo. “Não basta o que a vida ensina, pois como mestra a vida ensina mal: édemorada, insuficiente, especula com os dados de seu interesse imediato e muito seinclina a acomodar-se. Ela por si não larga segredos. O fundamental consiste em que

cada um aprenda como as coisas são. Nesse aprendizado, sucessão de atos decoragem e dureza, principalmente coragem de fechar as portas ao erro que foi

verdade, encontra-se a justificativa mais ilustre da existência humana”.Vivemos tempos onde o ativismo substitui a reflexão, envolvemo-nos em ação

carente de idéias. E as poucas idéias que sobrevivem a esta amálgama demovimentos e ruídos, ficam trancadas no interior, por incapacidade de comunicá-lascom nitidez. A tecnologia da informação é soberana que reina sobre súbditos vazios,que pouco tem a comunicar. E quando desejam fazê-lo, sentem a impotência dacriança que mal gagueja um palavreado obscuro, incapaz de revelar as duas idéiasque leva dentro. Sim, é preciso ler Drummond, ler os nossos escritores, emprestar deleso vocabulário capaz de veicular com transparência nossos pensamentos. Umadestreza que não se consegue com mutirões nem cursos intensivos, mas comempenho habitual em fechar as portas ao erro de sentir-se confortável por estar informado, para buscar a verdade da formação real, de edificar a própria cultura.

6.3. Os Dias Lindos

Não basta sentir a chegada dos dias lindos. É necessárioproclamar: "Os dias ficaram lindos." 

"Acontece em abril, nessa curva do mês que desçam-ba para a segunda metade. Os boletins meteorológicos nãose lembraram de anunciá-lo em linguagem especial. Nenhu-ma autoridade, munida de organismo publicitário, tirou parti-do do acontecimento. Discretos, silenciosos, chegaram os diaslindos.

E aboliram, sem providências drásticas, o estatuto docalor. A temperatura ficou amena, conduzindo à revisão dovestuário. Protege-se um tudo-nada o corpo, que vivia por aí exposto e suado, bufando contra os excessos da natureza.

Sob esse mínimo de agasalho, a pele contente recebe a visita dos dias lindos.

A cor. Redescobrimos o azul correto, o azul azul, que há meses se despeda-çara em manchas cinzentas no branco sujo do espaço. O azul reconstituiu-se na luz

filtrada, decantada, que lava também os matizes empobrecidos das coisas naturaise das fabricadas. A cor é mais cor, na pureza deste ar que ousa desafiar os vapores,emanações e fuligens da era tecnológica. E o raio de sol benevolente, pousando noobjeto, tem alguma coisa de carícia.

O ar. Ficou mais leve, ou nós é que nos tornamos menos pesadões, movendo-nos com desembaraço, quando, antes, andar era uma tarefa dividida entre osacrifício e o tédio? Tornou-se quase voluptuoso andar pelo gosto de andar,captando os sinais inconfundíveis da presença dos dias lindos.

Foi certamente num dia como estes que Cecília Meireles escreveu: "A doçura

maior da vida flui na luz do sol, quando se está em silêncio. Até os urubus são belos,no largo círculo dos dias sossegados". Porque a primeira conseqüência dacombinação de azul e leveza de ar é o sossego que baixa sobre nosso estoque deproblemas. Eles não deixam de existir. Mas fica mais fácil carregá-los.

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Então, é preciso fazer justiça aos dias lindos, oferecer-lhes nossa gratidão. Seráegoísmo curti-los na moita, deixando de comentar com os amigos e até comdesconhecidos que por acaso ainda não perceberam o raro presente de abril:"Repare como o dia está lindo". Não precisa botar ênfase na exclamação. Pode atéfazê-la baixinho, como quem transmite boato e não deseja comprometer-se com asegurança nacional. Mesmo assim, a afirmação pega. Não só o dia fica mais lindo,como também o ouvinte, quem sabe se distraído ou de lenta percepção sensorial,

ganha a chance de descobri-lo igualmente. Descobre e passa adiante ainformação.

A reação em cadeia pode contribuir para amenizar um tanto o que euchamo de desconcerto do mundo. De onde se conclui: deixar de lado, mesmo por instantes, o peso dos acontecimentos mundiais trágicos, esmagadores, para degustar a finura da atmosfera e a limpidez das imagens recortadas na luz, é um passo dadopara reduzir o desconcerto, na medida em que a boa disposição de espírito de cadaum pode servir de prefácio, ou rascunho de prefácio, à pacificação, ou relativapacificação, dos povos e seus dominadores. Em vez de alienação, portanto, o prazer dos dias lindos é terapia indireta.

Pode ser que o desconhecido lhe responda com um palavrão, desses emmoda na sociedade mais fina. Não faz mal. Não se ofenda. Ele descarregou sobre asua observação amical o azedume que ameaçava corroê-lo no íntimo. Livre dessefel, talvez se habilite a olhar também para o céu e a descobrir mesmo certa belezaesvoaçante no urubu. De qualquer modo foi avisado. Já sabe o que estavaperdendo: a consciência de que certos dias de abril e maio são mais lindos do queos outros dias em geral, e nos integram num conjunto harmonioso, em que somos aomesmo tempo ar, luz, suavidade e gente."

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Conclusão

Nesse trabalho adquirimos muitas informações e aprendemos bastante sobre a2ª Semana de Arte Moderna, 4ª fase de Carlos Drummond de Andrade. Sua vida,característica e obras foram definidamente apresentadas e estudadas, fazendo-noster uma maior taxa de conhecimento sobre o assunto.

Na 4ª fase (Memorialista), o lirismo de Drummond não assume uma tendênciadefinida ou unidirecional. O poeta reelabora alguns temas e formas dos primeiroslivros, mas também acrescenta algumas vertentes novas: a poesia de circunstância eo erotismo. Como o próprio nome já diz as obras desta fase (década de 70 e 80), sãocheias de recordações do poeta. Os temas infância e família são retomados eaprofundados além dos temas universais discutidos nas fases anteriores.

Caracterizamos e exemplificamos algumas obras, contos e crônicas, comoBoitempo I, II e III, A Falta que Ama, A Paixão Medida, Corpo, Amar se Aprende Amando, O Amor Natural, Contos de Aprendiz, Passeios na Ilha, Cadeira de Balançoe Os Dias Lindos.

Com isso, podemos concluir que adquirimos um melhor aprofundamento sobretodo o assunto apresentado.

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