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Ano V, Número 19, Setembro - 2014

1

Ficha Técnica

Conselho Editorial:

Stela Mithá Duarte - Doutora em Educação/Currículo pela Pontifícia Universidade Católica de

São Paulo - Brasil

Jó Anónio Capece - Doutor em Educação/Currículo pela Pontifícia Universidade Católica de São

Paulo - Brasil

Carla Maciel - Doutora em Estudos Ingleses pela Universidade de Illinois - EUA

Félix José Mulhanga - Doutor em Ciências da Educação pela Universidade Friedrich Schiller -

Alemanha

Crisalita Djeco Funes - Doutora em Ciências Pedagógicas pela Università degli Studi di

Bergamo - Itália

Equipa Técnica

Simião Muhate - Licenciado em Ensino de Português

Germano Diogo - Licenciado em Planificação e Gestão da Educação pela UP

Titulo: UDZIWI

Publicação: Trimestral

Propriedade: Centro de Estudos de Políticas Educativas (CEPE) da Universidade Pedagógica

DISP. REGº/GABINFO-DEC/2008

2

Índice

Editorial…………………...……………………………….....…………………...……....….... 3

Paradigmas sócio-culturais, educação e desenvolvimento em Moçambique: uma

perspectiva epistemológica .........................................................................................................4

Gregório Adélio Mangana

Monitoria da capacitação de docentes e técnicos de Educação em Educação Física e

Desporto inclusivo .......................................................................................................................11

Eduardo Jaime Machava

Que desafios para a avaliação formativa de paradigma construtivista na escola

moçambicana?

David Silvestre Chabai Mudzenguerere ..................................................................................24

Desafios actuais da educação em Moçambique ........................................................................31

Agostinho Goenha

3

Editorial

Esta é a Revista UDZIWI, número 19, de Setembro de 2014.

A Revista integra um total de quatro artigos.

O primeiro artigo, de Gregório Adélio Mangana, docente da UP Maxixe, intitulado

"Paradigmas sócio-culturais, educação e desenvolvimento em Moçambique: uma perspectiva

epistemológica", analisa como as práticas sócio-culturais compõem epistemologicamente a

educação articulada em Moçambique, pretendendo reivindicar uma forma de diálogo inter e

multicultural.

O segundo artigo, da autoria de Eduardo Jaime Machava, docente da Faculdade de

Educação Física e Desporto, cujo título é: “Monitoria da capacitação de docentes e técnicos de

Educação em Educação Física e Desporto inclusivo” avalia a actuação dos docentes e técnicos de

educação capacitados em matéria de Educação Física e Desporto Inclusivo (EFDI) nas Cidades

da Beira, Pemba e Nampula.

O terceiro artigo sobre "Que desafios para a avaliação formativa de paradigma

construtivista na escola moçambicana?", elaborado por David Silvestre Chabai Mudzenguerere,

docente da UP - Quelimane, remete-nos à necessidade de adoptarmos uma nova filosofia

avaliativa, sendo, para o efeito, pertinente investir na formação de professores.

O quarto e último artigo, intitulado "Desafios actuais da educação em Moçambique",

elaborado por Agostinho Goenha, docente da Faculdade de Ciências da Linguagem,

Comunicação e Artes, UP - Maputo, conduz-nos a repensar a educação na actualidade em

Moçambique e ao entendimento da necessidade de conhecimento das condições sócio-culturais,

materiais e até económicas subjacentes ao processo de ensino-aprendizagem.

4

Paradigmas socioculturais1, educação e desenvolvimento em Moçambique: uma

perspectiva epistemológica

Gregório Adélio Mangana2

Resumo

O texto tem por objectivo, analisar como as práticas sócio-culturais compõem epistemologicamente a

educação articulada em Moçambique, procurando identificar os seus deslocamentos e efeitos no

desenvolvimento da sociedade contemporânea, tendo como base a crítica ao modelo de racionalidade

ocidental, que surge como um modelo hegemónico, suplantando, desse modo, os outros modelos. O texto

pretende reivindicar uma forma de diálogo inter e multicultural, sem excluir ou distanciar-se dos outros

substratos epistemológicos. Pretende-se propor aqui um modelo de racionalidade cosmopolita, resgatando

e legitimando as experiências produzidas localmente.

Palavras-chave: Conhecimento, Educação, Desenvolvimento, Moçambique, Paradigmas sócio-culturais.

Educar em Moçambique: com que paradigmas?

O substrato epistemológico de qualquer sistema de educação deve assentar-se aos valores

do grupo e às condições sócio-culturais (cultura material e espiritual), às quais os grupos

deveriam dar resposta. Aliás, a cultura apresenta-se como um espelho de uma determinada

sociedade ou grupo. Parafraseando Durkheim3, qualquer sociedade deve ter para si um certo

ideal de homem, daquilo que ele deve ser, tanto do ponto de vista intelectual, como físico e

moral, e que esse ideal é, em certa medida, o mesmo para todos os cidadãos. A educação deve

partir da imagem que temos do homem que queremos construir, e ela tem como finalidade

desenvolver no homem as suas faculdades. A questão da educação em Moçambique centrada nos

saberes locais vem sendo muito debatida por académicos e pouco colocada em prática pelas

entidades competentes. A verdade é que tomou-se consciência de que a importação de modelos

pedagógicos ocidentais, sem adequá-los a realidade moçambicana concreta, afectou muito

negativamente a educação, quer sob ponto de vista da qualidade, assim como sob que tipo de

valores se quer transmitir.

Há necessidade de se efectuar uma mudança paradigmática do status quo da educação em

Moçambique, e esta (a educação) deve centrar-se em paradigmas sócio-culturais; mas não se

quer dizer com isso que ela deve isolar-se do mundo e de outros saberes culturais, isto porque,

segundo Hall (1997), o mix cultural, cruzando velhas fronteiras, pode não ser a eliminação do

1Com a expressão “paradigmas socioculturais” queremos considerar os modelos sociais e culturais e os

conhecimentos produzidos nesses modelos, que podem ser designados por: etno-conhecimentos, conhecimento

indígena (local, nativo, original), saberes locais, etc. 2Licenciado em Ensino de Filosofia e docente na Universidade Pedagógica - Maxixe.

3DURKHEIM, Emile. Sociologia, Educação e Moral. Porto, Rés editora,1984.p.16

5

velho pelo novo, mas a criação de novas alternativas. Ora, o que o texto pretende resolver e que

emerge como inquietação é o seguinte: numa realidade cosmopolita que é Moçambique, em que

medida a integração dos substratos sócio-culturais na educação poderá ser um factor

epistemologicamente preponderante? Qual é a pertinência da escola ser um espaço de debate dos

conhecimentos indígenas? E como é que a educação nesses moldes pode ser impulsionadora de

desenvolvimento em Moçambique? Ou como a integração dos saberes locais na escola pode

contribuir para melhorar a qualidade de ensino e, consequentemente, o desenvolvimento de

Moçambique?

Sem precisar de nenhum estudo aprofundado, salta-nos à vista, por um lado, que até então

tem-se privilegiado nas nossas escolas sistemas de educação ocidental, como dissemos acima;

facto pelo qual se tem notado em Moçambique um consequente epistemicídio cultural4. Por outro

lado, percebe-se que o maior problema da educação em Moçambique hoje5, é que nos objectivos

do processo educativo, o fim último, em direcção ao qual se devem orientar todas as técnicas

pedagógicas, não é antecipadamente definido. Tanto que é crucial que quando se olha para um

dado sistema educativo, o interesse não deve ser prioritariamente para os métodos e para as

técnicas de ensino, mas para os conteúdos axiológicos que o sistema de educação pretende

transmitir, isto é, os substratos sócio-culturais.

Quero defender aqui que a dimensão cultural na educação vem, em primeiro lugar, pelo

seu substrato nas normas e nos valores instituídos de uma dada sociedade; ou por outra, todo o

projecto de educação depende do projecto de sociedade que se pretende construir. Por isso que a

educação, segundo Toscano (1999)6, é o processo social através do qual a sociedade sistematiza

a transmissão do seu legado cultural, sendo esta transmissão a própria condição de continuidade

da espécie humana, enquanto tal. E ela só pode ser entendida como integrando uma totalidade

cultural, nunca como um fenómeno isolado.

A sociedade produz uma variedade de códigos de significação que dão sentido às suas

acções. Esses códigos de significações, quando levados ao seu conjunto, segundo Hall (1997),

formam a cultura. Para ele toda a acção social é intrinsecamente cultural e todas as práticas

culturais, expressam significações. Ora, nota-se nas escolas moçambicanas uma ausência total de

4Termo usado pelo sociólogo Boaventura de Sousa Santos no seu artigo: Para uma Concepção Multicultural dos

Direitos Humanos, 2001. Literalmente significa assassinato do conhecimento; e usa o termo para designar o

processo pelo qual o conhecimento ocidental – primeiro a teologia depois a ciência moderna – deslegitimou,

suprimiu e, em última instância, eliminou conhecimentos rivais com que se defrontou durante os períodos colonial e

pós-colonial, um processo que dura até hoje. 5NGOENHA, Severino Elias. Estatuto e Axiologia da Educação em Moçambique: O paradigmático questionamento

da Missão Suíça. Maputo, Livraria Universitária, 2000, p.26. 6A este respeito recomendo o 1º capítulo do livro Introdução a Sociologia Educacional de Moema Toscano,

Petrópolis, Vozes, 1999.

6

alguns elementos culturais importantes que a criança aprende no seio familiar, isto é, o legado

familiar nas escolas moçambicanas não é levado em consideração. É o exemplo das línguas

locais/nativas com as quais a criança se comunica no seio familiar, que, muita das vezes, quando

chega à escola ela é obrigada a esquecer. Durkhiem (1984), já dizia que ao aprendermos uma

língua, aprendemos todo um sistema de ideias, distintas e classificadas, e herdamos todo o labor

de que resultaram essas classificações, que se resumem a séculos de experiências de uma

determinada cultura. E na mesma linha, Ngoenha (2000), dá preponderância à língua em termos

da filosofia da linguagem, afirmando que ela (a língua) é um dos principais veículos axiológicos,

não apenas no sentido em que ela é um dos principais meios de transmissão de valores, mas

porque cada idioma é já nele mesmo habitado por uma série de valores fundamentais. Dimas

Masolo7, por exemplo, concebe o uso da língua indígena como sendo simplesmente bom em si

mesmo, sendo a língua crucial na transmissão dos seus valores aos seus membros. O uso da

língua é em si um valor e, do ponto de vista epistémico, a língua de uma comunidade reflecte a

estrutura do seu mundo, como a comunidade a entende, define e procede à taxonomia das ideias

sobre si própria, as relações, as suas hierarquias e o seu ecossistema. Para este filósofo, não

restam dúvidas que o uso das nossas línguas ajuda no desenvolvimento da ortografia, assim

como na preservação e melhoramento das nossas diferentes línguas e no desenvolvimento

cultural.

Todavia, sirvo-me destes exemplos para defender que, de facto, os substratos sócio-

culturais locais são bastante importantes na edificação da personalidade humana, tanto que é

crucial que definitivamente esses elementos sejam integrados nos sistemas de educação em

Moçambique. Castiano8 – emprestando o termo a Bourdieu – chama a desvalorização ou

marginalização desses valores epistemológicos violência simbólica.

Se olharmos para o percurso histórico da educação em Moçambique, vamos perceber que

a questão cultural sempre foi desvalorizada nos modelos curriculares, isto é, houve sempre

violência simbólica. Não obstante o interesse por parte do INDE9, e de algumas políticas do

governo como a Agenda 202510

, na integração dos valores locais nos sistemas de educação, o

7MASOLO, Dimas A. “Filosofia e conhecimento Indígena: Uma Perspectiva Africana”. In SANTOS, Boaventura de

Sousa; MENESES, Maria Paula (org): Epistemologias do sul. São Paulo, Cortez, 2010.p.526. 8NGOENHA, S. E. e CASTIANO, P. J. Pensamento Engajado: Ensaio Sobre filosofia africana, Educação e Cultura

politica. Maputo, Editora Educar, 2011, p.86-87. 9(INDE) - Instituto Nacional de Desenvolvimento de Educação que tem vindo a fazer um inventário sobre as

necessidades locais de aprendizagem, no âmbito do currículo local. 10

Agenda 2025: Visão e Estratégia da Nação. Maputo-Moçambique, 2003.p.98 (Que destaca que a educação deveria

promover valores tradicionais familiares ao mesmo tempo que cultiva os valores nacionais mais altos de patriotismo,

auto-estima, paz, diálogo e reconciliação entre os moçambicanos, valores estes que estão enraizados nas diferentes

culturas moçambicanas).

7

esforço ainda mostra-se insuficiente do ponto de vista prático e, sobretudo, na articulação desses

substratos culturais para o desenvolvimento do país.

Orientando a cultura para as escolas, estaríamos a conhecer a essência da sociedade e,

segundo Durkheim (2009), quanto melhor conhecermos a sociedade, melhor poderemos dar-nos

conta de tudo o que acontece no microcosmo social que é a escola11

. O currículo12

deve

apresentar à criança, em forma idealizada, a vida presente, as aspirações éticas do presente, a

apreciação presente do valor cultural do passado. O currículo é, de facto, a introdução da criança

na vida e na educação escolar.

E o currículo local tem a incumbência de ser preenchido por conteúdos que os membros

da comunidade consideram ser relevantes para a criança conseguir inserir-se na sua própria

comunidade. O currículo local, segundo Castiano (2011), permite que as crianças se confrontem

racional e criticamente com o meio natural, cultural, epistémico e político em que vivem e o

professor deve ser o facilitador dessa confrontação. A criança não só deve conhecer os conteúdos

e tradições locais, mas, sim, deve desenvolver a faculdade de julgar e formular seus próprios

juízos sobre estes mesmos hábitos, costumes e tradições.

Assim, pode-se perceber que o currículo local vai permitir dar mais relevância aos

conhecimentos indígenas. E para Masolo (2010), tudo aquilo que é indígena, ou localmente

produzido, se for reinstalado no topo do seu regime epistémico terá, consequentemente, maior

valor político e cultural do que o que é estrangeiro ou importado.13

Aliás, os conhecimentos

reflectem sempre os contextos (sócio históricos) práticos da comunidade em que são produzidos.

Mas é preciso que se impulsione a emergência dos movimentos de construção-social-de-

conhecimento (etno-conhecimentos) através do currículo local nas escolas. Reconhece-se nos

tempos hodiernos o fim de um ciclo de hegemonia de uma certa ordem científica e a emergência

de uma nova ordem científica (as epistemologias contextuais)14

.

Mas a emergência destas epistemologias contextuais deve ter suas bases nos nossos

sistemas de educação, através dos currículos locais. Embora haja algumas instituições e

académicos em Moçambique que se preocupam com estudos virados ao conhecimento local, é

crucial que todo o sistema de educação comece a valorizar os conhecimentos locais,

enquadrando estes nos currículos, só assim é que a educação poderá alcançar resultados

11

DURKHEIM, Émile. Educação e Sociologia. Lisboa, Edições 70, 2009. p.111. 12

MONROE, Paul. História da Educação. 10. ed. São Paulo, Companhia Editora Nacional, 1979. 13

MASOLO, Dimas A. “Filosofia e conhecimento Indígena: Uma Perspectiva Africana”. In SANTOS, Boaventura

de Sousa; MENESES, Maria Paula (org): Epistemologias do sul. São Paulo, Cortez, 2010. p.508. 14

SANTOS, Boaventura de Sousa. Um Discurso Sobre as Ciências. 15. ed. Porto, Edições Afrontamento, 2007.p. 9.

8

almejáveis, quer na melhoria da qualidade de ensino, assim como no alcance do desenvolvimento

desejável do País.

Conhecimento e Desenvolvimento

No seu artigo intitulado "Knowledge as a Development Issue", Hountondji reconhece que

houve um interesse crescente, tanto na Europa como na América, em estudos denominados por

conhecimento indígena ou local; quando em 1972 Harold Conklin publicou uma impressionante

bibliografia sobre o conhecimento indígena e muitos novos trabalhos foram posteriormente

publicados, por Clifford Geertz (1973, 1983), Paul Richards (1985, 1986, 1996), Pieter Schmidt

(1996), etc. Mas o próprio Hountondji diz ter suas reservas quanto aos métodos, pressupostos

teóricos, metas e objetivos usados nesses estudos. Porém, a ideia que Hontondji nos quer passar

e, num olhar com tendências viradas para a África sobre os conhecimentos indígenas, é de que

estes ainda são bastante marginalizados, e que é urgente integrá-los em pesquisas para o

benefício da própria África (Cf. Hountondji, 2006: 534). Afirma ainda Hountondji que antes de

ser aplicado, e de modo a ser bem aplicado, o conhecimento tradicional deveria ser testado

constantemente pelas pessoas, deviam reapropriá-lo, para que torne possível a sua ligação

indispensável com o avanço da ciência e da tecnologia. O racional é potenciar as pessoas a

desenvolver novos conhecimentos de forma contínua, num processo ininterrupto de criatividade,

aplicando as inovações de forma sistemática e responsável com intuito de incrementar a sua

própria qualidade de vida.

Na mesma dianteira, Prakash, no seu artigo: “Uso do Saber Indígena nos Programas de

Desenvolvimento”15

, lamenta o facto de ter havido em África um subaproveitamento do

conhecimento indígena como veiculo do desenvolvimento, e que no passado, muitas nações

africanas adaptaram políticas económicas visando a modernização da sociedade e a

transformação dos sectores produtivos. Ora, o grande erro foi o de terem desconsiderado o saber

indígena que poderia ter consubstanciado, em grande medida, este processo.

No entanto, é crucial que, em Moçambique, o saber indígena seja aplicado em programas

e projectos de desenvolvimento.

Para que o conhecimento indígena tenha uma influência significativa no futuro das

sociedades da África, terá que ser valorizado nas escolas, instituições sociais oficialmente

15

PRAKASH, Siddhartha. Uso do Saber Indígena nos Programas de Desenvolvimento.2000.Disponivel em

http://WWW. Worldbank. Org/afr/ik/pr/iknotes.htm> Acesso em 29 de Junho de 2012.

9

responsabilizadas pela organização de aprendizagem e pela certificação do conhecimento e

formação das próximas gerações dos cidadãos. (Cf. Easton; Capacci; Kane, 2000, p. 3)16

Portanto, é crucial que a escola moçambicana seja um espaço de diálogo entre as culturas

de natureza local e universal, onde o currículo local seja um espaço de integração dos saberes,

valores e práticas locais e, também, da sua legitimação. Os discursos sobre o desenvolvimento

local ou regional têm espaço se for compreendido o homem e a sua própria cultura. Os grupos

sociais constroem o conhecimento que a escola veicula, dependendo das políticas educacionais

desenvolvidas.

Referências bibliográficas

DURKHEIM, Émile. Educação e Sociologia. Lisboa, Edições 70, 2009.

DURKHEIM, Emile. Sociologia, Educação e Moral. Porto, Rés editora.1984.

EASTON,P.; CAPACCI, C; KANE,L. O Saber Indígena Vai à Escola. 2000. Disponível em

http://WWW. Worldbank.org/afr/ik/pr/iknotes.htm> acesso em 29 de junho de 2012

HALL, Stuart. A centralidade da cultura: notas sobre as revoluções culturais do nosso tempo.

Educação & Realidade, v. 22, n. 2, jul./dez. 1997.

HOUNTODJI, P. Knowledge as a Development Issue, in Wiredu, K., (ed.) A Companion to

African Philosophy, Blackwell Publishing Ltd; Oxford, 2006.

INDE. Integração do Conhecimento Local no Currículo do Ensino Básico: Pesquisa educacional

sobre o Conhecimento Local/Indígena e Educação. Maputo, INDE, 2004.

MASOLO, Dimas A. “Filosofia e conhecimento Indígena: Uma Perspectiva Africana”. In:

SANTOS, Boaventura de Sousa; MENESES, Maria Paula (org): Epistemologias do sul.

São Paulo, Cortez, 2010.

MAZULA, Brazão. Ética, Educação e Criação da Riqueza: Uma Reflexão Epistemológica.

Maputo, Texto Editora, 2008.

MONROE, Paul. História da Educação. 10. ed. São Paulo, Companhia Editora Nacional, 1979.

NGOENHA, S. E. e CASTIANO, P. J. Pensamento Engajado: Ensaio Sobre filosofia africana,

Educação e Cultura politica. Maputo, Editora Educar, 2011.

NGOENHA, Severino Elias. Estatuto e Axiologia da Educação em Moçambique: O

Paradigmático questionamento da Missão Suíça. Maputo, Livraria Universitária, 2000.

16

EASTON,P.; CAPACCI, C; KANE,L. O Saber Indígena Vai à Escola. 2000. Disponível em http://WWW.

Worldbank.org/afr/ik/pr/iknotes.htm> cesso em 29 de junho de 2012

10

PRAKASH, Siddhartha. Uso do Saber Indígena nos Programas de

Desenvolvimento.2000.Disponivel em http://WWW. Worldbank.

Org/afr/ik/pr/iknotes.htm> Acesso em 29 de Junho de 2012.

SANTOS, Boaventura de Sousa. Um Discurso Sobre as Ciências. 15. ed, Porto, Edições

Afrontamento, 2007.

SANTOS, Boaventura de Sousa. Para uma Sociologia das Ausências e uma Sociologia das

Emergências, Revista Crítica de Ciências Sociais, No.63, 2002.

TOSCANO, Moema. Introdução a Sociologia Educacional. Petrópolis, Vozes, 1999.

11

Monitoria da capacitação de docentes e técnicos de educação em Educação Física e

Desporto inclusivo

Eduardo Jaime Machava17

Resumo

Pretendeu-se com este estudo, avaliar a actuação dos docentes e técnicos de educação capacitados em

matéria de Educação Física e Desporto Inclusivo (EFDI) nas Cidades da Beira, Pemba e Nampula. Os

resultados obtidos permitiram concluir que (i) o processo de inclusão na prática da EFDI, é pouco

conhecido e implementado; (ii) os capacitandos não haviam sido sujeitos à formação em matéria de EFDI

antes destas; (iii) as expectativas dos capacitandos eram: dominar as estratégias pedagógicas a aplicar nos

contextos de aulas de EFDI; (iv) o Departamento de Educação Especial (DEE) interpretou muito bem as

recomendações da Declaração de Salamanca atinentes à educação das crianças na sua diversidade; (v) a

avaliação da capacitação foi de muito bom nível e as actividades inclusivas realizadas pelos facilitadores

foram classificadas de bom nível.

Palavras - chave: Necessidades Educativas Especiais, Educação Física e Desporto Inclusivo, Inclusão.

1. Introdução

Abordar assuntos que se relacionem com a implementação prática de uma educação que

sirva verdadeiramente os moçambicanos na sua plenitude, tem sido um discurso que, ainda que

de extrema importância e pertinência se revelem, não têm merecido a atenção que seria de

antever. Com efeito, Moçambique aderiu a várias convenções nacionais e internacionais que

abordam a temática da inclusão educacional, como imperativo para o equilíbrio e harmonização

dos processos de ensino e aprendizagem.

Para Pedro & Esper (2008), a inclusão é um processo dialéctico complexo, pois envolve a

esfera das relações sociais, inter e intrapessoais vividas na escola. Vai além de inserir, de trazer a

criança para dentro do contexto educacional. Significa envolver, compreender, participar e

aprender.

Num outro desenvolvimento, Sanches & Teodoro (2007) afirmam que numa escola

inclusiva só pode existir uma educação inclusiva, uma educação em que a heterogeneidade do

grupo não é mais um problema, mas um grande desafio à criatividade e ao profissionalismo dos

profissionais da educação, gerando e gerindo mudanças de mentalidades, de políticas e de

práticas educativas.

17

Mestre em Educação/Educação Física e Desporto. Docente na UP-Maputo, Faculdade de Educação Física e

Desporto.

12

Na procura de soluções que assegurem uma redução considerável entre a prática corrente

no nosso país e os desígnios de uma educação verdadeiramente inclusiva, estão sendo realizados

estudos que procuram compreender os fenómenos que decorrem desses factos que, de alguma

forma, pouco contribuem para o alcance do plasmado na Declaração de Salamanca de 1994,

instrumento internacional de orientação para uma educação para todos.

Em estudo efectuado por Machava (2010) contemplando 56 professores de Educação

Física de 20 Escolas Secundárias Públicas de Maputo, demonstrou que 85.7% destes

manifestaram interesse em participar de formações sobre a Educação Física e Desporto

Inclusivo, o que é entendido como prova da ausência de argumentos didáctico-pedagógicos para

a administração de aulas na perspectiva de uma educação na diversidade. É nossa pretensão, com

o presente trabalho, avaliar a actuação dos docentes e técnicos de educação capacitados em

matéria de Educação Física e Desporto Inclusivo nas Cidades da Beira, Pemba e Nampula.

1.1. Objectivos

A realização do presente trabalho apoiou-se no seguinte quadro de objectivos:

1.1.1. Objectivo Geral

Avaliar a actuação dos docentes e técnicos de educação capacitados em matéria de Educação

Física e Desporto Inclusivo nas Cidades da Beira, Pemba e Nampula.

1.1.2. Objectivos específicos

Descrever o espaço reservado à divulgação da Educação Física e Desporto inclusivo nas

províncias envolvidas;

Identificar as formas de socialização dos conhecimentos adquiridos na capacitação

efectuada;

Verificar a acção do Departamento de Educação Especial face à interpretação das

recomendações da Declaração de Salamanca;

Observar o nível da capacitação e da qualidade dos facilitadores assim como o tempo

disponibilizado para o efeito.

13

2. Material e métodos

2.1. Amostra

Para a realização do presente estudo, foi envolvida uma amostra constituída por 62

docentes e técnicos da educação nas províncias. Abaixo apresentamos o quadro que resume o

essencial sobre as características mais marcantes da nossa amostra. De realçar que do estudo

efectuado, não participou 1 (um) elemento que esteve igualmente envolvido na capacitação.

Quadro nº 1. Caracterização da amostra de estudo/ participantes na capacitação:

DPEC SDEJT ZIP DAP CREI UAEI EI/TU PROF/EF Total

Geral

06 09 08 10 06 03 02 19 62

Participantes da capacitação por província

Gaza Sofala Manica Tete Zambézia Niassa C. Delgado Nampula Total

Geral

07 07 07 07 10 09 10 06 63

2.2. Tipo e local de estudo

Tratou-se de um estudo de tipo descritivo-transversal, com enfoque principal na avaliação

da actuação dos docentes e técnicos de educação capacitados em matéria de Educação Física e

Desporto Inclusivo nas Cidades da Beira, Pemba e Nampula. Importa referir que o presente

estudo foi efectuado no mês de Setembro de 2013 na Cidade de Nampula, envolvendo

participantes das capacitações havidas em Maio na Cidade da Beira e Agosto na Cidade de

Pemba. Corporizaram o presente estudo, Professores de Educação Física (incluindo os dos

Centros de Recursos à Educação Inclusiva, das Unidades de Apoio à Educação Inclusiva e de

Escolas/Turmas Inclusivas), Coordenadores das Zonas de Influência Pedagógica, Chefes de

sectores de Educação Especial na Direcção Provincial de Educação e Cultura e Serviços

Distritais de Educação, Juventude e Tecnologia, Chefes de Desporto nos SDEJT e Directores

Pedagógicos de escolas de Ensino Básico.

2.3. Procedimentos de recolha de dados

O processo de recolha de dados obedeceu às seguintes etapas: (i) O pesquisador

administrou junto de sua equipa de trabalho, aulas teóricas e práticas atinentes às estratégias de

inclusão em Educação Física e Desporto nas cidades da Beira, Pemba e Nampula integrando os

mesmos elementos; (ii) No intervalo entre as capacitações, os capacitandos socializaram os

14

conhecimentos e estratégias aprendidas a outros elementos educacionais da sua província, sob

forma de réplica; (iii) Durante as capacitações, os elementos em formação apresentaram

experiências práticas de acções inclusivas em contextos de Educação Física e Desporto; (iv) No

final da última etapa de capacitação, os capacitandos preencheram fichas cujo inquérito visava

assuntos ligados às capacitações acabadas de acontecer, com o intuito fundamental de monitoria

das mesmas; (v) A ficha preenchida foi criada pelo autor, tendo em conta o contexto e

pertinência do tema.

2.4. Outros procedimentos

Para o cálculo das médias e respectiva percentagem, recorreu-se à máquina de calcular de

marca Kenko Scientific calculator KK-82TL.

3. Apresentação e discussão de resultados

As variáveis contidas nas fichas preenchidas com vista ao presente estudo são em número

considerável. Resulta deste facto que, para melhor entendimento e interpretação dos resultados,

procedamos à apresentação e discussão de seus resultados tomando em conta cada uma das

variáveis expressas.

Quadro 2. Divulgação da Educação Física e Desporto Inclusivo

Divulgação da EFDI na província FREQ %

Q 2 Educação Física e Desporto Inclusivo na

minha província é:

a) Muito conhecida e implementada 07 11.29

b) Pouco conhecida e pouco implementada 48 77.42

c) Não é conhecida 07 11.29

TOTAL 62 100

Seja em que contexto for, a implementação de qualquer que seja a estratégia que se

julgue necessária, passa necessariamente pelo seu íntegro conhecimento e domínio de quem a vai

aplicar. Nesse caso, a divulgação do que se pretende e a forma de o conseguir, assume uma

dimensão primordial. Do quadro acima, ressalta a ideia expressa na percentagem de 77.42% que

faz uma implícita revelação de que a Educação Física e Desporto Inclusivo é pouco conhecida

nas províncias objecto de estudo. Com efeito, poucos ou nenhuns agentes educacionais estariam

15

em condições de abraçar e difundir, no espírito e na letra, uma estratégia sobre a qual eles

próprios não se apropriaram. Sobre esta matéria Machava (2010) concluiu em seu estudo o

seguinte:

As condições para a implementação da educação física inclusiva, ainda não foram materializadas.

É preocupante sobremaneira quando, transcorridos 30 anos após a criação da EE no país e 12 da

adesão de Moçambique às “Escolas Inclusivas”, muito pouco tenha sido realizado com respeito à

estruturação das instituições escolares em aspectos inerentes à inclusão, à formação de

professores, à sensibilização das comunidades, à adopção de estratégias metodológicas claras

sobre a matéria e seu respectivo controlo.

Quadro nº 3: Participação em capacitações anteriores

Participação na capacitação antes FREQ %

Q3 Participaste em alguma capacitação em

matéria de EFI antes da que se realizou na

Cidade da Beira e Nampula?

a) Sim 09 14.52

b) Não 52 83.87

c) Em caso afirmativo que matérias forma

abordadas?

01 01.61

TOTAL 62 100

A participação em cursos de formação ou capacitação em qualquer que seja a matéria que

tenha como foco, lidar com crianças em idade escolar, requer um conhecimento e domínio de

conteúdos com os quais irá confrontar. O insucesso na abordagem desta temática nas condições

de desconhecimento, não pode constituir motivo de inquietação uma vez que “quem não sabe

para onde ir, não se admira se for parar onde não quer”.

Os dados expressos no quadro 3 são elucidativos. Recorde-se que os actores em causa são

docentes e dirigentes educacionais desde as DPEC até às escolas, que revelaram nunca terem

participado antes em alguma formação ou capacitação em matéria de Educação Física e Desporto

Inclusivo na ordem de 83.87%. Estes resultados nos convidam a reflectir profundamente sobre

esta temática em alusão, pois os dados não são encorajadores. Agir, é algo que se mostra ser a

medida mais adequada a tomar urgentemente, se a nossa postura não for a de perpetuar o

fenómeno de indiferença perante factos com que convivemos no nosso dia-a-dia, as crianças com

Necessidades Educativas Especiais em nossas escolas.

16

Quadro nº 4: Expectativas antes da capacitação

Expectativas antes do início da capacitação FREQ %

Q 4 Que expectativas tinhas antes do início da capacitação

realizada na Cidade da Beira e Nampula?

a) Conhecer o tipo de NEE a incorporar nas aulas de EF e

no desporto inclusivo

05 08.06

b) Dominar as estratégias pedagógicas a aplicar nos

contextos de aulas de EF e Desporto inclusivo

41 66.12

c) Compartilhar experiências sobre a Educação Inclusiva

com outros colegas de outras províncias

08 12.91

d) Observar a forma de como trabalhar com crianças com

algumas limitações na Educação Física e no desporto

08 12.91

TOTAL 62 100

Nada mais seria de esperar para quem deseja tomar conhecimento acerca da forma como

trabalhar um dado assunto, que não fosse o dominar as estratégias de como fazê-lo. Os nossos

capacitandos elegeram em 66.12%, a componente “dominar estratégias pedagógicas a aplicar

nos contextos de aulas de Educação Física e Desporto Inclusivo”. Sendo eles docentes e técnicos

em exercício a vários níveis, ávidos em prestar melhores serviços às comunidades e sociedade

em geral, é legítimo que a sua opção seja esta e com a qual nós alinhamos. A formação de

pessoal especializado melhora o atendimento das crianças na sua diversidade, torna as aulas

mais atraentes e garante maior segurança aos riscos que da sua prática possam surgir (Moreira et

al., 2007).

Quadro nº 5: Contribuição mediante demonstrações práticas

Contribuição através de demonstrações práticas FREQ %

Q 5 No processo da sua capacitação tiveste a

oportunidade de contribuir através de

experiências e demonstrações práticas?

a) Sim 59 95.16

b) Nao 03 04.84

TOTAL 62 100

Um processo de formação desprovido da componente prática resulta geralmente em

algum fracasso ou, no mínimo, cria um deficit de acompanhamento e de execução quando se for

ao terreno. Conscientes desta necessidade, os elementos ora em formação se dispuseram em

apresentar suas experiências através de demonstrações práticas que eram, na altura, discutidas e

registadas para uso posterior. Sustenta este interesse, a percentagem de 95.16% que aponta para o

facto de ter existido espaço durante a capacitação para que cada um e, na sua vez, contribuisse

17

por experiência e demonstrações no processo de sua formação. Para analisar as práticas

pedagógicas nas disciplinas escolares, considera-se a dificuldade que existe em elaborar e

estabelecer a necessária ligação da teoria com a sua prática na sala de aula. Não se pode

continuar na didáctica tradicional “dar a lição” e “tomar a lição” (Pacheco, 2008).

Quadro nº 6: Acção do Departamento de Educação Especial

Acção do Departamento da Educação Especial FREQ %

Q 6 Ao incorporar a capacitação de Docentes e quadros técnicos

do Ministério da Educação no rol da formação integral das

crianças com NEE, o Departamento de Educação Especial:

a) Interpretou muito bem as recomendações da Declaração de

Salamanca atinentes à educação das crianças na sua diversidade

60 96.77

b) Cumpriu orientações superiores mas sabe que os

conhecimentos adquiridos não serão implementados

02 03.23

c) Falhou na escolha do grupo alvo para esta capacitação 00 00

TOTAL 62 100

O sucesso das acções políticas definidas nos vários sectores, depende largamente do

empenho e fiel interpretação das normas plasmadas para cada sector em particular. O Ministério

da Educação, braço executor das políticas do governo no âmbito educacional, tem-se desdobrado

no cumprimento das mesmas, ainda que, de forma tímida, por vezes. No mesmo contexto,

participa e assina convénios internacionais ligados a certos sectores da sociedade, por vezes em

condições de vulnerabilidade, tudo na tentativa de acarinhar estas camadas e colocá-las em

condições de reconhecimento de sua existência. Para tal, define políticas que os acomodem a

todos os níveis. Para além de ter criado o Departamento de Educação Especial, principal

responsável por definir estratégias que assegurem o tratamento adequado a crianças com algumas

limitações educacionais, subscreveu a Declaração de Salamanca, instrumento aglutinador das

políticas educacionais dos governos subscritores. Este documento advoga a imprescindibilidade e

pertinência da abolição do ensino segregado em substituição do ensino para todos e em

condições de tratamento diferenciado em processos de ensino multifacetado. Ainda que seja de

forma algo tardia, é de eleger como bastante positiva a ideia de criar condições para que a

inclusão (sobretudo na educação física e desporto) não passasse de um termo “para constar”

como tem sido usual em vários momentos na nossa Pátria. Este nosso posicionamento é

18

sustentado não só pelos inquiridos que apontam para 96.77% ao corroborar com a ideia de uma

muito boa interpretação das orientações desta Declaração que, a dado momento, aponta como

pontos-chave os seguintes:

Os sistemas de educação devem ser planeados e os programas educativos implementados tendo

em vista a vasta diversidade destas características e necessidades;

As crianças e jovens com necessidades educativas especiais devem ter acesso às escolas

regulares, que a elas se devem adequar através duma pedagogia centrada na criança, capaz de ir

ao encontro destas necessidades;

As escolas regulares, seguindo esta orientação inclusiva, constituem os meios mais capazes para

combater as atitudes discriminatórias, criando comunidades abertas e solidárias, construindo uma

sociedade inclusiva e atingindo a educação para todos; além disso, proporcionam uma educação

adequada à maioria das crianças e promovem a eficiência, numa óptima relação custo-qualidade,

de todo o sistema educativo.

Quadro nº7: Tempo disponibilizado para a capacitação

Tempo disponível para a capacitação FREQ %

Q 7 Tendo em conta a importância do tema, o

tempo disponibilizado para a capacitação

foi

a) Muito bom 24 38.71

b) Aceitável 28 45.16

c) Muito pouco 10 16.13

TOTAL 62 100

A formação de pessoal é uma das componentes fundamentais do sucesso na actividade

que se pretenda levar a efeito. Ignorar a formação é assumir que o surgimento dos erros ou

adversidades no percurso não deve constituir preocupação. Implícita, fica então, a ideia da

importância da formação, seja de que natureza e dimensão for. Mediante as perspectivas

institucionais, podem ser desencadeados vários modelos de formação e destes a definição do

tempo e até o espaço para a sua realização. O tempo de duração do curso, nem sempre representa

qualidade. A selecção dos conteúdos em função do tempo disponível, marca sua diferença

quando for posto em evidência o rumo pretendido na formação em causa.

Os nossos inquiridos dividem-se entre o considerar o tempo disponibilizado para cada

fase (seis dias) como sendo aceitável (45.16%) e muito bom (38.71%). Em nosso entender, é

previsível a ideia de que o tempo que durou a capacitação terá contribuído, de alguma forma,

para que os mesmos se apropriassem de uma considerável parte dos conteúdos administrados e

por consequência tenham sido satisfeitas as suas expectativas.

19

Quadro nº 8: Socialização dos conhecimentos

Socialização dos conhecimentos e experiências FREQ %

Q 8 Para a socialização dos conhecimentos e experiências

obtidas na capacitação realizada na Cidade da Beira e

Nampula:

a) Os meus colegas na província contribuíram positivamente

para realização do meu trabalho

59 95.16

b) A retirada imediata do grupo por abordar assuntos fora do

contexto da Educação Física e Desporto Inclusivo

03 04.84

c) Os meus colegas não permitiram a divulgação dos resultados

da capacitação

00 00

TOTAL 62 100

Todo o conhecimento recolhido em algum lugar, só tem validade quando é replicado a

outros sujeitos que dele necessitem. Este depoimento ganha mais corpo, quando esse

conhecimento é obtido por docentes e técnicos educacionais legítimos (na circunstância)

representantes de suas províncias. Nada mais terá importância, senão quando este conhecimento

for sujeito à socialização em outros quadros educacionais que, tendo vontade de participar da

formação, não o puderam fazer devido a questões de ordem logística e não só. Importa

reconhecer que de nada pode valer a concentração de indivíduos desinteressados no assunto que

se lhes pretenda fazer chegar a. Os resultados da presente investigação mostram que 95.16% dos

inquiridos confirmaram a livre adesão e contribuição positiva da parte dos colegas que

participaram da réplica realizada na sua província.

Quadro nº 9: Participantes nos actos de socialização

Participantes nos actos de socialização FREQ %

Q 9 Participaram na socialização da capacitação (só para

os casos em que ela se realizou):

a) Professores de EF, coordenadores das ZIPs, chefes de

sectores de EE na SDJET e DPEC, chefes de Desporto, D.

Pedagógicos

57 91.93

b) Só professores de EF, de outras disciplinas e

coordenadores das ZIPs

03 04.84

c) Outras individualidades 02 03.23

TOTAL 62 100

De acordo com Libâneo (1994), a educação é um amplo processo de desenvolvimento da

personalidade, envolvendo a formação de qualidades humanas - físicas, morais, intelectuais,

estéticas - tendo em vista a orientação da actividade humana na sua relação com o meio social,

num determinado contexto de relações sociais.

20

Como se pode depreender do conceito acima referido, o processo de ensino-

aprendizagem é complexo, envolve vários actores, varia de acordo com os contextos e não deriva

de acções isoladas. É consciente da necessidade de fazer com que os resultados obtidos na

capacitação não fossem “um segredo” dos que dela participaram que os nossos inquiridos

envolveram os vários sectores que asseguram o bom funcionamento da escola. Situa-se em

91.93% os que envolveram no processo de socialização dos resultados da capacitação os

professores de Educação Física, Coordenadores das Zonas de Influência Pedagógica, Chefes de

Sectores de Educação Especial nas Direcções Provinciais de Educação e Cultura e nos Serviços

Distritais de Educação, Juventude e Tecnologia, Chefes de Desporto, Directores Adjuntos

Pedagógicos.

Este envolvimento permite que, na medida do possível, se replique de alguma forma e

com todos os constrangimentos que são de antever devido a dificuldades que caracterizam o

processo de inclusão no geral e, particularmente, em Educação Física e Desporto nas nossas

escolas.

Quadro nº10: Avaliação da capacitação

Avaliação da capacitação realizada FREQ %

Q 10 A capacitação em matéria de Educação

Física e Desporto Inclusivo foi de

a) Muito bom nível 34 54.84

b) Aceitável 28 45.16

c) Suficiente 00 00

d) Baixo Nível 00 00

TOTAL 62 100

A realização de qualquer que seja a actividade, ganha maior impacto e reconhecimento

quando, após a sua efectivação, se procede à respectiva avaliação como um instrumento de

verificação. Reconhecida a competência e idoneidade dos inquiridos, as percentagens

apresentadas de Muito bom nível (54.84%) e Aceitável (45.16%), deixaram uma clara imagem

da importância dos conteúdos administrados. Estas percentagens reflectem, em nosso entender à

satisfação de expectativas expressas no quadro nº 4. Estes resultados enaltecem o espírito dos

mentores desta capacitação e comprovam a necessidade da prossecução dos mesmos actos em

outros locais e com o envolvimento de outras áreas educacionais inclusivas, por constituir um

valor visivelmente acrescentado.

21

Quadro nº 11: Avaliação dos facilitadores

Avaliação das actividades dos facilitadores FREQ %

Q 11 As actividades inclusivas proporcionadas pelos

facilitadores foram:

a) Muito boas e ultrapassaram as minhas expectativas 28 45.16

b) Boas pois alcançaram as minhas expectativas 30 48.39

c) Suficientes e, ainda assim alcançaram as minhas

expectativas

04 06.45

d) Medíocres e julgo a capacitação nem devia ter tido

lugar

00 00

TOTAL 62 100

A avaliação é um processo formativo, contínuo, dinâmico, sistemático, que permite

desenvolver a formação integral, estimular a auto-avaliação, contribuir para a construção do

conhecimento em sala de aula e desenvolver uma atitude crítica e participativa perante a

realidade educacional, cultural e social (Universidade Pedagógica, 2012).

Este posicionamento nos faz acreditar na necessidade de procedermos, a todo o momento,

ao melhoramento da qualidade dos serviços que prestamos a outrem. A avaliação vai, de toda a

forma, garantir a nossa introspecção e auto-valorização. Os bons passos de hoje, constituem a

nossa segurança de amanhã.

Relativamente aos resultados da avaliação das actividades levadas a cabo pelos

facilitadores, observa-se um equilíbrio entre os que afirmaram que elas foram “boas pois

alcançaram as suas expectativas” na proporção de 48.39% e outros 45.16% que disseram que

foram simplesmente “muito boas e ultrapassaram as suas expectativas”. Estes resultados são

encorajadores pois, apontam para uma média acima de bom trabalho realizado, o que nos faz

crer, ter sido uma aposta acertada para os objectivos definidos pelo Departamento de Educação

Especial, na selecção da equipa de facilitadores.

Quadro nº 12: Recomendações sobre a capacitação

Recomendações sobre a capacitação FREQ %

Q 12 . Se eu tivesse poderes de decisão no contexto da

capacitação nesta matéria, recomendaria:

a) A manutenção desta equipa de facilitadores porque

demonstrou competências sobre a matéria

62 100

b) A retirada imediata do grupo por abordar assuntos fora

do contexto da Educação Física e Desporto Inclusivo

00 00

c) Sem opinião porque não fiquei claro sobre os temas

administrados pelos facilitadores

00 00

TOTAL 62 100

22

Como não deixaria de ser, foi nossa intenção receber, da parte dos elementos

directamente envolvidos na capacitação, seus depoimentos sobre qual seria o seu posicionamento

se eles fizessem parte da equipa que procede à selecção das equipas de facilitadores, tendo-se

referido que seria preferência, manter a equipa de facilitadores por ter demonstrado competências

sobre a matéria (100%). Nas lides desportivas é comum, ouvir-se “equipa que ganha não muda”.

4. Conclusões

Os resultados da presente pesquisa permitiram traçar o seguinte quadro de conclusões:

I. O processo de Inclusão nas vertentes da prática da Educação Física e Desporto, ao

nível das províncias sujeitas ao estudo é pouco conhecida e, por consequência, pouco

implementada;

II. Os capacitandos não haviam sido sujeitos anteriormente à formação em matéria de

Educação Física e Desporto Inclusivo;

III. As expectativas dos capacitandos eram dominar as estratégias pedagógicas a aplicar

nos contextos de aulas de Educação Física e Desporto Inclusivo;

IV. O Departamento de Educação Especial interpretou muito bem as recomendações da

Declaração de Salamanca atinentes à educação das crianças na sua diversidade;

V. Os colegas dos capacitandos nas suas respectivas províncias facilitaram o trabalho de

socialização onde participaram Professores de Educação Física, Coordenadores das

Zonas de Influência Pedagógica, Chefes de sectores de EE nas Direcções Provinciais

de Educação e Cultura e nos Serviços Distritais de Educação, Juventude e

Tecnologia, Chefes de Desporto e Directores Adjuntos Pedagógicos.

VI. A avaliação da capacitação foi considerada como sendo de muito bom nível e que as

actividades inclusivas realizadas pelos facilitadores foram classificadas de boas, tendo

sido por essa via alcançadas as suas expectativas;

VII. Se os inquiridos tivessem poderes de decisão na selecção dos facilitadores, seria sua

intenção manter a actual equipa.

Bibliografia

MACHAVA, E. J. Diagnóstico de participação de crianças moçambicanas com Necessidades

Educativas Especiais nas aulas de Educação Física Inclusiva. O caso das Escolas

Secundárias Públicas de Maputo. Dissertação de Mestrado. Maputo, UP, FEFD, 2010.

PEDRO, J. D. & ESPER, P. B. Relato de casos. Inclusão. Serviço de Itinerância. APAE de

Passos, Brasil, 2008.

23

PACHECO, F. T. A importância das práticas pedagógicas nas disciplinas laboratoriais em

cursos de graduação. Portugal. 2008. Disponível em www.psicologia.com.pt , 31.03.2014.

SANCHES, I. & TEODORO, A.. Procurando indicadores de educação inclusiva. As práticas

dos professores de apoio. Revista Portuguesa de Educação, vol. 20, nº 2, 2007.

UNIVERSIDADE PEDAGÓGICA. Regulamento Académico para os cursos de graduação e de

pós- graduação. Maputo, UP, 2012.

24

Que desafios para a avaliação formativa de paradigma construtivista na escola

moçambicana?

David Silvestre Chabai Mudzenguerere18

Resumo

Desenvolver uma nova postura avaliativa requer desconstruir e reconstruir a concepção e a prática da

avaliação e romper com a cultura de memorização, classificação, selecção e exclusão, tão presente no

sistema de ensino. Isto remete a uma reflexão em torno de algumas questões básicas que constituem a

compreensão epistemológica e pedagógica do conceber e do fazer da avaliação. São elas: para que

avaliar? O que é avaliar? O que avaliar? Quando avaliar? Como avaliar e o que fazer com os resultados da

avaliação? Estes questionamentos representam as principais dúvidas dos docentes na hora de concretizar

seu trabalho pedagógico e elaborar e implementar a dinâmica avaliativa. O domínio sobre estas perguntas

colabora para o desenvolvimento da autonomia didáctica do professor, conduzindo-o a uma sólida

fundamentação teórica e prática do seu fazer docente e a sua implementação de forma consistente,

sistemática e intencional. Nisso, vários investimentos são necessários: mudança da mentalidade docente

para as inovações na avaliação, formação regular e abrangente sobre as novas metodologias (de

avaliação), instrução sobre aplicação dessas novas a situações concretas/reais das escolas moçambicanas.

Não custa pouco em termos económicos. Mas vale a pena investir.

Palavras-chave: Avaliação da aprendizagem, Avaliação formativa, Paradigma construtivista.

0. Introdução

O presente artigo enquadra-se na área temática de Avaliação da Aprendizagem no

processo de ensino-aprendizagem. A partir do início do século XX, as concepções sobre

avaliação vêm-se diversificando evolutivamente ao atravessar, pelo menos, quatro gerações,

nomeadamente:

- Geração da Mensuração: que não distinguia avaliação da medida, e a preocupação dos

estudiosos, nessa fase, era a elaboração de instrumentos ou testes para verificação do rendimento

escolar;

- Geração da Descrição: que surgiu em busca de melhor entendimento do objectivo da

avaliação. Aqui o avaliador estava muito mais concentrado em descrever padrões e critérios. Foi

nessa fase que surgiu o termo “avaliação educacional”;

- Geração de Julgamento: que questionava os testes padronizados e o reducionismo da

noção simplista de avaliação como sinônimo de medida; tinha como preocupação maior o

julgamento; e, finalmente:

18

Mestre em Educação/Ensino de Filosofia. Docente na UP-Quelimane.

25

- Geração de Negociação: que considera a avaliação como um processo interactivo,

negociado, que se fundamenta num paradigma construtivista. É uma forma responsiva de enfocar

e um modo construtivista de fazer.

Segundo Serafim (2010), no seu artigo sobre a educação, “neste contexto de historicidade

é que se trabalha na compreensão de uma prática avaliativa cuja finalidade da avaliação, de

acordo com a quarta geração, é: fornecer, sobre o processo pedagógico, informações que

permitam aos agentes escolares decidir sobre as intervenções e redireccionamentos que se

fizerem necessários em face do projecto educativo, definido colectivamente, e comprometido

com a garantia da aprendizagem do aluno.”

Ora, num país como Moçambique, em que os intervenientes no processo de ensino-

aprendizagem, sobretudo os professores, ainda entendem avaliação como instrumento ou teste

para verificação do rendimento escolar, o que é necessário fazer ou quais são os desafios por

forma a que principalmente os professores (porque os implementadores) concebam a avaliação

da aprendizagem como processo construtivo de um novo saber – fazer, de uma negociação?

Este é o problema que nos propomos discutir neste trabalho, com o objectivo de

identificar os problemas que impedem a concretização desse tipo de avaliação de aprendizagem e

a partir daí as condições necessárias para a sua implementação ou a passagem de uma avaliação

normativa para a formativa, de uma avaliação de mensuração para uma de negociação.

E discutir/resolver este problema significa contribuir para uma educação mais integrada,

multidimensional e inclusiva (promovendo as capacidades de cada aluno e respeitando as suas

fraquezas) de que os moçambicanos precisam para o desenvolvimento próprio e do país em

geral.

1. Por que os professores resistem à avaliação formativa ou negociada (em

Moçambique)?

A diversidade e a coerência entre os instrumentos e o processo avaliativo visam atingir as

várias dimensões dos sujeitos/objectos avaliados. Tal postura avaliativa intenciona superar a

visão restrita do aluno e do professor como seres apenas cognitivos, desconsiderando outras

dimensões como a afectiva, a social, a cultural, etc.. Portanto, o resgate da

multidimensionalidade dos sujeitos da educação escolar é imprescindível, pois "... a formação

integral é a finalidade principal do ensino e, portanto, seu objectivo é o desenvolvimento de

todas as capacidades da pessoa e não apenas a cognitiva" (Zabala, 1998).

26

Pelo que se faz necessário inventariar um maior número de instrumentos avaliativos,

perpassando o trabalho pedagógico, para colectar o máximo de informações possíveis em torno

das aprendizagens e das histórias de vida dos alunos e das intervenções e posturas dos

professores. A título de exemplo, restringir a avaliação aos testes finais e aos alunos implica não

avaliar certos aspectos dos alunos, como o desempenho oral, a capacidade investigativa e a

participação em trabalhos em grupos, nem tão pouco o desenvolvimento da aquisição dos

conceitos testados finalisticamente, como também não toma a intervenção didáctica como

objecto da avaliação. Diversificar os instrumentos avaliativos não é simplesmente adoptar vários

instrumentos aleatoriamente, a avaliação é um campo teórico e prático que possui um carácter

metódico e pedagógico que atende à sua especificidade e intencionalidade.

Por isso, os programas dos diversos níveis de escolarização em Moçambique, como o de

filosofia, já propõem

metodologias activas e participativas (…), centradas no aluno e viradas para o

desenvolvimento de competências para a vida, pretendendo significar que o professor não

é mais um centro transmissor de informações e conhecimentos, expondo a matéria para

reprodução e memorização pelos alunos. O aluno deve ser um sujeito activo na

construção do conhecimento e pesquisa de informação, reflectindo criticamente sobre a

sociedade. (MEC-INDE, 2008).

Hoffmann (1993) tem razão ao afirmar que "... o quotidiano da escola desmente um

discurso inovador de considerar a criança e o jovem a partir de suas possibilidades reais. A

avaliação assume a função comparativa e classificatória". Perrenoud (1999) também tem a

mesma opinião quando escreve que "... a teoria avaliativa já avançou muito, mas o fazer

avaliativo no quotidiano da escola ainda traz resquícios de uma avaliação mensuradora e

coerciva". Pois, o que se vive na prática escolar moçambicana é isso: os professores continuam

no centro do processo de ensino-aprendizagem, o aluno um receptáculo de seus discursos

(método expositivo, apontamento do professor-única fonte do conhecimento), avaliação baseada

somente nos testes (e aspectos como participação oral na sala, assiduidade, TPC, são postos de

fora), etc..

Ora, o receio de perder o seu poder/autoridade sobre os alunos (quando tudo é negociado

e não mais se usa a dificuldade do aluno para humilhá-lo, chumbá-lo), a falta de domínio das

metodologias da avaliação construtivista (porque não preparados), a exiguidade do material

didáctico em muitas escolas moçambicanas, o número de alunos por turma exagerado (dificulta o

acompanhamento de cada um e de todos, ao mesmo tempo que se cumpre o programa de ensino),

etc., colocam-se como causas evidentes dessa atitude resistente dos professores. Vale dizer que

não se trata só de mentalidade conservadora, por parte dos profissionais da educação, que está

27

em causa, como também as condições estruturais e profissionais de trabalho para a

implementação das mudanças/inovações contam.

2. Que desafios para o paradigma construtivista de avaliação de aprendizagem?

2.1. Mudar a concepção dos intervenientes na educação, sobretudo os professores, se faz

urgente e necessário, deslocando a ideia da avaliação do ensino para a avaliação da

aprendizagem, de modo que se evite que o avanço nas formas de organizar o ensino não tenha

correspondência com as práticas avaliativas, ocorrendo, portanto, uma discrepância entre

inovadoras práticas educativas e as vigentes formas avaliativas.

Aliás, Perrenoud (1993) já nos chama atenção ao afirmar que " ... mudar a avaliação

significa provavelmente mudar a escola. Automaticamente, mudar a prática da avaliação nos

leva a alterar práticas habituais, criando inseguranças e angústias e este é um obstáculo que

não pode ser negado, pois envolverá toda a comunidade escolar". Todos os intervenientes na

acção pedagógica devem ter bem em mente que a função nuclear da avaliação é colaborar para

que o aluno aprenda e que o professor consiga, ao ensinar, determinar também quanto e em que

nível os objetivos estão sendo atingidos. Para isso, é necessário o uso de instrumentos e

procedimentos de avaliação adequados (Libâneo, 1994). A importância da avaliação está no

facto de o aluno poder tomar conhecimento de seus avanços e dificuldades. Cabe ao professor

desafiá-lo a superar as dificuldades e continuar progredindo na construção dos conhecimentos.

(Luckesi, 1999).

Para Hadji (2001), "... a passagem de uma avaliação normativa para a formativa implica,

necessariamente, uma modificação das práticas do professor em compreender que o aluno é,

não só o ponto de partida, mas também o de chegada. Seu progresso só pode ser percebido

quando comparado com ele mesmo: Como estava? Como está? As ações desenvolvidas entre as

duas questões compõem a avaliação formativa".

É necessário que se perceba claramente que as metodologias se definem pelas intenções e

formas de agir do professor. Assim, as tarefas avaliativas são instrumentos de dupla função para

professores e alunos: Para o professor – elemento de reflexão sobre os conhecimentos expressos

pelo aluno e elemento de reflexão sobre o sentido da sua acção pedagógica; Para o aluno –

oportunidade de reorganização e expressão de conhecimentos e elemento de reflexão sobre os

conhecimentos construídos e procedimentos de aprendizagem.

28

Por isso, na avaliação da aprendizagem, o professor não deve permitir que os resultados

das provas periódicas, geralmente de caráter classificatório, sejam supervalorizados em

detrimento de suas observações diárias, de carácter diagnóstico. E o professor que trabalha numa

dinâmica interactiva, cooperativa, tem noção, ao longo de todo o ano, da participação efectiva e

produtividade de cada aluno. Como, em geral, a avaliação formal é datada e obrigatória, é

preciso que se tenha inúmeros cuidados em sua elaboração e aplicação. Em síntese, como afirma

Perrenoud (1999), “O importante não ‘é fazer como se’ cada um houvesse aprendido, mas

permitir a cada um aprender”.

2.2. Com a transição paradigmática no campo educacional, a discussão em torno das

emergentes concepções e práticas educativas e suas relações com o conceber e o fazer avaliativos

constitui um universo denso e novo. Este universo requer do docente sua aproximação e seu

envolvimento crítico para que ele possa repensar autonomamente sua postura político-

pedagógica e reelaborar constantemente seu fazer profissional e, em particular, a acção

avaliativa.

Daí que não se pode esquecer que qualquer mudança no processo avaliativo não foge de

um debate sobre as condições da formação inicial e continuada do professor (através de

seminários regulares de capacitação a nível nacional e a de cada escola moçambicana) e de suas

condições de trabalho (material didáctico disponível e número razoável de alunos por turma) e

valorização social e económica (pelo menos que receba o seu salário à data). Esse pressuposto

visa desmistificar uma perspectiva ingénua de que é apenas mudando a avaliação em si mesma

que os problemas educacionais estarão resolvidos.

Diante desse quadro, "justifica-se a necessidade de uma maior reflexão em torno da

prática educativa" (Zabala, 1998), que envolve a relação pedagógica entre o planeamento do

trabalho docente, a sua efectivação através do ensino e da aprendizagem, o processo avaliativo e

as condições estruturais de trabalho dos profissionais da educação. Buscar compreender a

coerência didático-pedagógica entre os elementos da prática educativa (planeamento,

ensino/aprendizagem e avaliação) e sua interdependência com a especificidade sócio-educacional

do contexto escolar poderá possibilitar aos professores reflectirem sua acção para reelaborar sua

postura pedagógica como um todo e, em especial, a avaliativa, cientes dos limites e

possibilidades dessa reflexão.

Em nome dos objectivos actuais, e com razão, da educação (centrados no aluno), importa

lutar pela materialização da avaliação formativa reguladora por favorecer ao professor

desenvolver "intervenções diferenciadas, que, por sua vez, precisam vir acompanhadas de (...)

29

meios de ensino, de organização dos horários, de organização do grupo-aula, até mesmo de

transformações radicais das estruturas escolares" (Perrenoud, 1999). Isto é, torna-se imperativo

um repensar e uma reestruturação do sistema educacional como um todo e da escola em

específico, tomando como referência uma perspectiva emancipadora da educação (Silva, 2002).

Conclusão

Desenvolver uma nova postura avaliativa requer desconstruir e reconstruir a concepção e

a prática da avaliação e romper com a cultura de memorização, classificação, selecção e

exclusão, tão presente no sistema de ensino. Isto remete a uma reflexão em torno de algumas

questões básicas que constituem a compreensão epistemológica e pedagógica do conceber e do

fazer da avaliação. São elas: para que avaliar? O que é avaliar? O que avaliar? Quando avaliar?

Como avaliar e o que fazer com os resultados da avaliação? Estes questionamentos representam

as principais dúvidas dos docentes na hora de concretizar seu trabalho pedagógico e elaborar e

implementar a dinâmica avaliativa. O domínio sobre estas perguntas colabora para o

desenvolvimento da autonomia didáctica do professor, conduzindo-o a uma sólida

fundamentação teórica e prática do seu fazer docente e a sua implementação de forma

consistente, sistemática e intencional.

Nisso, vários investimentos são necessários: mudança da mentalidade docente para as

inovações na avaliação, formação regular e abrangente sobre as novas metodologias (de

avaliação), instrução sobre aplicação dessas novas a situações concretas/reais das escolas

moçambicanas. Não custa pouco em termos económicos. Mas vale a pena investir.

Bibliografia

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31

Desafios actuais da educação em Moçambique

Agostinho Goenha19

Resumo

Repensando na actualidade a educação em Moçambique e o entendimento da necessidade de

conhecimento das condições sócio-culturais, materiais e até económicas subjacentes ao PEA.

Palavras-chave: educação, condições sócio-culturais, reflexão.

A presente análise do fenómeno da educação em Moçambique surge no âmbito das

pesquisas feitas em torno desta problemática em Maputo (e em Moçambique, de uma maneira

geral) e procura contribuir para um melhor entendimento da necessidade de conhecimento das

condições sócio-culturais, materiais e até económicas subjacentes ao processo de ensino-

aprendizagem (PEA). Neste sentido, procura-se estabelecer uma relação (talvez de causa-efeito)

entre essas condições (ou a ausência delas) e a “produtividade” do aluno na sala de aulas. Para o

efeito, identificou-se um público-alvo de faixa etária entre 12-14 anos, da 7ª Classe do ensino

regular. Em jeito de parêntesis e de sugestão, considero que seria interessante proceder-se, de

igual modo, a outro estudo paralelo, desta feita centrado no professor (particularmente no do

ensino primário do primeiro ciclo) e nas suas condições sócio-económicas, materiais e até

culturais, para se determinar se não se verificará uma espécie de "efeito dominó", ou de ciclo

vicioso geracional deste fenómeno. Mais adiante, retomamos esta questão.

Em relação ao presente estudo, analisa-se, de forma muito genérica, o fracasso escolar

dos alunos da classe terminal do nível primário de escolaridade acima referido, tendo como

suporte as origens sócio-culturais, linguísticas e económicas dos alunos de quatro escolas, duas

da cidade de Maputo, e outras duas da periferia da mesma cidade. Os dados não estão

quantificados porque a dimensão desta análise não permite um estudo desenvolvido deste

fenómeno.

Segundo Dias (2002: 96), ao analisar-se o fenómeno das desigualdades sociolinguísticas

e o fracasso escolar em Moçambique, em particular, em Maputo, torna-se necessário olhar para

as questões éticas implicadas no processo de exclusão subjacente às desigualdades e ao fracasso.

A exclusão tem de ser discutida como um processo dialéctico que é inseparável do processo de

19

Docente de Literatura na UP, Faculdade de Ciências da Linguagem, Comunicação e Artes, Departamento de

Ciências da Linguagem, Curso de Português, Maputo.

32

inclusão; ao mesmo tempo, o fracasso escolar deve ser analisado à luz dos factores sociais,

culturais e linguísticos.

Entretanto, já na perspectiva de Alcina Lages, se estes fenómenos forem entendidos no

seu sentido mais abrangente, individual, social, institucional e cultural,

o grau de convergência ou de divergência entre as representações da escola nos actores

constitui um indicador importante para a sua análise. É necessário, no entanto, relativizar

este raciocínio. Os alunos, os pais e os professores, nas significações que atribuem a

princípios educativos e às normas gerais que enquadram a sua aplicação, nunca

manifestam juízos inteiramente consensuais. Para além das diferenças no estatuto sócio-

institucional, subsistem, como um conjunto de factores diferenciadores, os dados das

experiências singulares e os estilos de inserção sócio-cultural que produzem efeitos

igualmente diferenciadores no processo de formação das representações"

(Considerações Gerais, p.1 – texto de apoio)20

.

Se se pensar no caso de Moçambique, retomando Dias (2002), verifica-se que a língua

oficial que se utiliza na escola – o Português – transporta consigo todas as ambiguidades e

ambivalências. A língua portuguesa é "de fora", porque é de origem europeia, mas também é

uma língua "de dentro" porque é usada como L1 ou como L2 por uma parte da população. Por

um lado, esta língua é marcada disforicamente, porque é considerada língua de colonização

recente, por outro, tem um estatuto privilegiado e, por isso, é admirada porque é língua de

comunicação alargada. Por não haver, em relação a ela, uma identificação étnica forte e uma

grande fidelidade linguística, isso permite a união entre os moçambicanos. Ela é vista como o

modelo de perfeição linguística, visto que é através dela que se podem discutir a maior parte

dos assuntos políticos, científicos, técnicos, etc.

Neste sentido, importa referir duas finalidades da escola, na perspectiva de alguns

estudiosos do fenómeno educativo, a da escola transmissiva, de Alain (1976) e a da escola

instrutiva, de Tonucci (1986): segundo Alain (1976)21

,

as grandes finalidades da escola de natureza transmissiva (segundo o método tradicional

de ensino) gravitam em torno de uma certa ideia da sua missão sócio-cultural e moral. A

sua função primeira é a de preparar as crianças para a inserção nas estruturas sociais,

através da transmissão de conhecimentos básicos e de valores morais e culturais,

supra-individuais, que se assumem como o suporte das instituições e das variadas formas

de organização social de uma dada sociedade.

20

A educação torna-se um produto, uma mercadoria e fica submetida à lógica economicista do mercado.

Torna-se um bem de consumo e um instrumento de sobrevivência a nível da competitividade mundial ou um

lugar onde se aprende uma cultura de “guerra” (ter mais êxito do que os outros) – as aspas são da nossa

responsabilidade – e não uma cultura de vida / de paz (viver com os outros num interesse geral). LAGES,

Alcina, A Escola e a Guerra, p.4 – texto de apoio). 21

. Apud Lages, in Considerações Gerais, p.18.

33

Por sua vez, Tonucci (1986)22

defende a existência de uma outra perspectiva e de outra

finalidade educativa, afirmando que “a escola construtiva assume (…) concepções diferentes nos

princípios e nos meios da sua acção educativa. É dada uma grande ênfase à construção

gradual da autonomia do aluno a partir da valorização da sua iniciativa pessoal, em oposição

à atitude passiva, face aos saberes e aos valores impostos do exterior”.

Estas duas perspectivas teriam como veículo transmissor, no caso do nosso processo

educativo, a língua portuguesa, como língua de instrução, de procedimentos governamentais e

administrativos (oficiais) e não através das línguas maternas do tronco bantu, da grande maioria

dos alunos. Entretanto, importa referir que, não obstante a importância, ainda que relativa, das

teorias de Alain e de Tonucci, respectivamente, e apesar de a língua oficial e de instrução

aparecer como um sistema simbólico que permite que a escola realize a sua função ordenadora,

ao funcionar como elemento agregador e unificador, ela não deixa de conter em si algo de

paradoxal. Neste sentido, para além da função unificadora, de língua oficial e de ensino, o

português assume também uma função separatista porque, ao mesmo tempo que une, ela exclui

todos os outros que não a utilizam. No momento da sua escolha, como referimos, ela agrega os

que a falam e confere prestígio a estes falantes, em detrimento dos que não a falam.

A título ilustrativo, segundo dados estatísticos oficiosos, Moçambique tem

aproximadamente 17 milhões de habitantes; destes, pouco mais de 75% são analfabetos ou estão

em situação de iliteracia. Com esta percentagem, é possível ter uma “ideia” do número de

“excluídos” por não falar a língua oficial e, paralelamente, é possível ter outra “ideia” do número

de crianças que vão à escola, pela primeira vez, sem falar essa língua oficial pretensamente

agregadora e unificadora; mais: os currículos escolares adoptados em Moçambique e que

consubstanciaram o Sistema Nacional de Educação (SNE) até finais da década de 90 do século

passado, não fazem distinção entre alunos falantes, à partida, e não falantes da língua oficial

(portuguesa) à entrada da escola, ou seja, na classe inicial (1ª classe); Esses currículos são

uniformes ou uniformizantes e tratam todos os alunos por igual, o que, por mais paradoxal que

pareça, cria uma situação de injustiça, de exclusão linguística (escolar) e de um potencial

insucesso escolar.

Esta é uma das situações que prevaleceu no nosso país e que contribuiu para o baixo

índice de aproveitamento escolar, particularmente nas zonas suburbanas e rurais (também nas

cidades) e nas classes iniciais, pelas razões atrás referidas. Entretanto, as últimas reformas

educativas encetadas pelo MINED acautelaram, desta vez, a situação linguística do aluno falante

22

. Apud Lages, op. cit., p.20.

34

da língua materna bantu à entrada da escola.

Retomando a abordagem anterior, importa reiterar que a instituição da norma-padrão ou

da língua oficial, particularmente para os alunos não falantes dessa mesma língua, à partida, ou

seja, à entrada do ensino primário, aparece, segundo Dias 23

, como a “violência” fundadora,

aquela que permite criar uma certa ordem cultural. Na definição dessa ordem cultural, cria-se um

sistema de diferenças que vai dar, aos indivíduos, as suas identidades e vai colocá-los numa certa

hierarquia. É a partir da criação dessas hierarquias que os homens são inseridos socialmente em

certos grupos, tendo uns vantagem porque se encontram no grupo do topo da hierarquia e, outros,

desvantagem, porque não têm poder na sociedade.

No que diz respeito ao estágio actual do PEA nas escolas, relacionado com a manutenção

desses desequilíbrios sociais, como fruto da recente introdução do novo currículo, parece-nos

tender para a existência de uma harmonização entre a função pretensamente unificadora da

escola e a tendência das comunidades para a conservação dos hábitos e costumes locais

veiculados e expressos através de uma determinada língua bantu (continuo a pensar na maioria

da população rural que constitui o grosso dos nossos alunos moçambicanos). Esta situação, de

certo modo, contrasta com a anteriormente preconizada no SNE, em que a escola funcionava

segundo uma lógica de selecção dos valores ideológicos e comportamentais considerados

civilizacionais, modernos e globais e, noutra medida, numa lógica de exclusão dos valores

tradicionais locais, ainda que de modo implícito. Neste sentido, involuntariamente, a escola

criava uma espécie de situações de ‘choque’ entre os ditos valores ideológicos da modernidade e

os valores tradicionais sendo, por isso, um dos meios de produção e de reprodução de

desigualdades e, consequentemente, de desmotivação dos alunos e até de descrédito dos pais e

encarregados de educação (esse descrédito verificava-se e manifestava-se, por exemplo, através

de altos índices de desistências, de abandono escolar dos alunos, entre outras formas, situações

que, aliás, não estavam dissociadas de factores económicos e sócio-culturais como a pobreza das

famílias, a necessidade de mão-de-obra para a agricultura, a necessidade de realização de

casamentos costumeiros, principalmente para as raparigas, de ritos de iniciação, para os rapazes,

sobretudo, a necessidade de cumprimento de certos calendários religiosos (sobretudo em certas

zonas e comunidades no Norte do país, de influência islâmica, para a aprendizagem do Alcorão)

e de certas obrigações afins, entre outros).

A conjugação dos factores referidos contribuía, por sua vez, para um potencial fraco

aproveitamento escolar, por causa do abandono escolar. Entretanto, reconhecemos que a reforma

23

. (2000:103), op. cit.

35

educacional consubstanciada no novo currículo introduzido pelo MINED já acautela, no nosso

entender – e bem – esta problemática da valorização do substracto sócio-cultural local do aluno,

através da introdução do designado ‘Currículo Local’ e do ‘Ensino Bilingue’, particularmente

nos Programas Escolares do ensino primário e esperemos que contribua para a minimização

destes desencontros.

Dando continuidade à presente abordagem, reconheça-se, superficial, pode-se afirmar

que, não obstante o facto de o ser humano possuir certa dinâmica para a adaptação a novos ou

‘estranhos’ modelos culturais, sociais e linguísticos, a tendência para a manutenção e

preservação da cultura tradicional nativa bantu (para o presente caso), entretanto, também se

manifesta a níveis bastante elevados; neste sentido, há a permanente necessidade de se procurar

harmonizar essas tendências, com a dinâmica dos processos histórico-culturais nacionais e

universais em curso, tanto a nível local, como a nível nacional e global, o que nos parece que o

antigo currículo do SNE sugeria de modo implícito e superficial.

Pensamos que só deste modo será possível construirmos um ‘novo homem novo’

moçambicano (no seguimento da sugestiva expressão ‘mudança na continuidade’) que

reconheça e dê importância, tanto aos seus valores sócio-antropológicos, culturais e históricos

ancestrais nativos moçambicanos, assim como aos que cultivem e enalteçam os valores da

cidadania, da civilização, da dignidade humana, do patriotismo e do homem global multifacetado

e multicultural, através do cultivo de atitudes e de comportamentos de tolerância e de respeito

pelo próximo e pelo diferente.

Para uma melhor contextualização da actual situação da educação no nosso país, importa

recordar, a este propósito, o seguinte: quando em 1975, em Moçambique se decidiu por uma

certa política cultural, linguística e educativa, o país ter-se-ia envolvido, do ponto de vista

histórico-cultural, na ambivalência que se está a tratar no presente estudo. Não se pretende pôr

em causa os esforços e as intencionalidades de agregação, de união, de inclusão de todos na

educação, mas queremos apenas contribuir, de forma singela, no sentido de que haja um

permanente aperfeiçoamento e reflexão sobre as políticas e as planificações linguísticas e

educativas, em função da realidade concreta de cada momento histórico do país. Aliás, é a partir

de estudos e pesquisas permanentes, no caso em apreço, na área da educação em Moçambique,

tanto no sentido diacrónico, como no sentido sincrónico, que derivam as acções histórico-

culturais de (re)organização do país, de actualização, de desenvolvimento e de (re)planificação

e/ou reformas curriculares.

Em todos os esforços civilizacionais de construção e de reconstrução dos países e de

unificação de uma língua, ou de adopção de uma língua comum, o homem depara-se, segundo

36

Dias, (2000), com o mesmo drama da ambivalência, isto é, ao buscar agregações para realizar a

necessidade de fraternidade, de igualdade e de liberdade, ao mesmo tempo desagrega, desune e

cria desigualdades; ao mesmo tempo que se caminha para a união, caminha-se também para

outras formas de desunião. A História da Humanidade tem sido marcada por um processo

dialéctico entre a união, a inclusão e a desunião, a exclusão, etc. A ambivalência dos processos

histórico-culturais pode ser considerada como desejo simultâneo de unir e de desunir algo. A

ambivalência também se coloca quando as intencionalidades não correspondem aos

resultados que se esperam, ou seja, quando o projecto educacional, ao concretizar-se, não

consegue realizar a sua intenção inicial.

A este propósito, basta recordar que, apesar de em Moçambique as autoridades da

educação terem instituído a escolaridade obrigatória e gratuita para todas as crianças em idade

escolar, muitos alunos principiantes, principalmente nas zonas peri-urbanas e rurais de famílias

modestas não têm acesso ao sistema oficial de ensino, por falta de vagas, consequentemente, nos

anos seguintes, estes vão engrossar a lista dos que não tiveram acesso nos anos anteriores. Nota-

se, claramente, que há a necessidade urgente de formulação de novas políticas de educação,

mais consentâneas com a realidade e com o tempo histórico-político actuais. Infelizmente, apesar

da boa vontade do Governo e do que se preconiza nos Objectivos do Desenvolvimento do

Milénio (da ONU), na verdade, nem todas as crianças podem ter acesso à educação (muito

menos à gratuita), nas actuais condições. Urge uma reflexão conjunta!

Para terminar e de forma sintética, podemos considerar que, no caso concreto de Maputo,

espaço de análise no presente estudo (que nos parece generalizável a todo o país), o projecto

educacional consubstanciado no antigo SNE, que se pretendeu que fosse de cultivo de valores

da unidade nacional, de patriotismo, em torno tanto do Homem Novo, como da língua

portuguesa, ao ser concretizado e implementado ao quotidiano escolar, subestimou os valores

culturais, sociais e históricos locais das comunidades nativas de origem bantu, o que

motivou a emergência de uma espécie de resistência intrínseca, latente nessas comunidades

suburbanas ou rurais e provocou um distanciamento entre a escola e a comunidade e,

consequentemente, criou uma espécie de marginalização de uma certa classe (rural,

camponesa) da sociedade.

A título de exemplo, lembremos que nas escolas moçambicanas era expressamente

proibido a todos os alunos, professores e funcionários fazerem uso das suas respectivas

línguas maternas bantu, dentro dos recintos escolares; nas comunidades era proibida a

prática de manifestações culturais, sociais e antropológicas, ainda que consideradas vitais

pelos seus habitantes, como o lobolo, os ritos de iniciação, as manifestações tradicionais de

37

religiosidade, isto porque eram vistas como obstrutoras da civilização, do progresso, mas,

acima de tudo, da ideia ou da ideologia de criação do Homem Novo e do cultivo do espírito

de Unidade Nacional.

Esta situação é uma das que seguramente terá estado na origem do sucessivo fraco

aproveitamento pedagógico nas escolas primárias (sobretudo, mas não só) moçambicanas,

precisamente por não se ter tido em consideração (pelo menos de modo abrangente e razoável) as

diferenças culturais, sociais e, sobretudo, linguísticas existentes entre os alunos, maioritariamente

falantes de línguas bantu (à altura da Independência Nacional, a percentagem de moçambicanos

não falantes da língua portuguesa situava-se acima dos 90%) o que, reiteramos, a recente reforma

curricular do MINED procurou, sabiamente, colmatar, particularmente através da introdução do

‘Currículo Local’ no ensino primário, procedimento a todos os níveis louvável.

Deste modo, o projecto do antigo SNE uniforme, harmonioso e igualitário, em todo o

país, encontrara dificuldades de sustentação, ora por desequilíbrios entre a realidade rural ou

suburbana local (na maioria dos moçambicanos recém-independentes não havia ainda a cultura

de vida urbana) e as ‘orientações’ das estruturas superiores da Educação, ora por falta de

professores qualificados e de materiais de ensino e de apoio pedagógico ao PEA adequados (esta

é outra das vertentes que teve e ainda tem um grande peso, tanto na qualidade, como no ainda

fraco aproveitamento escolar).

Como se pode depreender, a partir desta última constatação, a problemática do fraco

rendimento pedagógico pode ser igualmente analisada, centrando-a no professor (ou até nas

condições materiais, tais como a falta de salas de aulas, a falta de carteiras que possibilitem uma

maior concentração do aluno na aula e, simultaneamente, a aquisição de uma melhor postura

corporal e esquelética, tanto para o exercício da actividade de leitura, como para a da escrita).

Como propostas para futuras análises e investigações, no âmbito do fenómeno da

educação e dos seus constrangimentos em Moçambique, sugerimos que se observem, de igual

modo, as seguintes linhas de pesquisa parcelares ou globais, relacionadas com:

(i) a qualificação do corpo docente moçambicano, por níveis (pré-escolar, escolar

primário, secundário, etc);

(ii) as condições sócio-económicas dos professores e suas implicações no PEA e na

qualificação ou na desqualificação do actual estágio de ensino no nosso país);

(iii) as infra-estrtuturas e as condições físicas e materiais das escolas, acautelando a

problemática das estações chuvosa (no Verão) e de frio (no Inverno);

(iv) os materiais didáctico-pedagógicos disponíveis ou não, ou com a possibilidade e a

38

capacidade de produção dos mesmos, pelos professores, etc..

Parece-nos ser um dado generalizado considerar que a fraca qualidade do nosso ensino se

deve à deficiente preparação do aluno, como se este fosse um produto independente da

sociedade (caracterizada em muitos casos, pela pobreza absoluta que, herculeamente o

Governo se compromete a combater) e do professor (muitas vezes, também ele pobre ou mais

pobre, ainda, que o aluno).

O sucesso da educação em Moçambique depende de todos nós, sobretudo do nosso

trabalho e, periodicamente, da avaliação dos processos educativos e da nossa própria auto-

avaliação.

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