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10887 NOVOS PARADIGMAS DA PESQUISA CIENTÍFICA EM DIREITO * NEW PARADIGME TO JURIDICAL RESEARCH Clóvis Airton de Quadros RESUMO O estudioso do direito deve conceber seu objeto de estudo a partir de uma visão valorativa da ciência e da sociedade, construindo esse objeto a partir da análise conjunta do papel de transformação social que seu trabalho promoverá. O estudo científico deve ser comprometido com a emancipação social, na medida em que a pesquisa jurídica precisa encontrar alternativas aos processos regulatórios da modernidade. O princípio da solidariedade congrega útil ferramenta para a indicação de novos paradigmas de convivência social na medida em que estimula a concretização da emancipação. O pensamento utópico não é suficiente para a emancipação, precisa valer-se de algo mais concreto, espelhado no pensamento heterotópico. PALAVRAS-CHAVES: REGULAÇÃO, EMANCIPAÇÃO, SOLIDARIEDADE, UTOPIA E HETEROTOPIA. ABSTRACT The scholar of Law must draw their subject from a vision that values science and society, building the object from the joint analysis of the social transformation role that would promote with their work. The scientific study must be committed to social emancipation, in the extent that the legal research needs to find alternatives to the Modern regulatory processes. The principle of solidarity brings useful tool for the indication of new paradigms to the social coexistence as it encourages the achievement of emancipation. The Utopian Meaning is not enough for emancipation, must draw on something more concrete, mirrored in Heterotopic Meaning. KEYWORDS: REGULATION, EMPOWERMENT, SOLIDARITY, UTOPIA AND HETEROTOPIC. 1. INTRODUÇÃO A produção do conhecimento jurídico deve ser efetuada a partir de conceitos atuais para a necessária revisão do processo regulatório da modernidade, com o objetivo * Trabalho publicado nos Anais do XVIII Congresso Nacional do CONPEDI, realizado em São Paulo – SP nos dias 04, 05, 06 e 07 de novembro de 2009.

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NOVOS PARADIGMAS DA PESQUISA CIENTÍFICA EM DIREITO*

NEW PARADIGME TO JURIDICAL RESEARCH

Clóvis Airton de Quadros

RESUMO

O estudioso do direito deve conceber seu objeto de estudo a partir de uma visão valorativa da ciência e da sociedade, construindo esse objeto a partir da análise conjunta do papel de transformação social que seu trabalho promoverá. O estudo científico deve ser comprometido com a emancipação social, na medida em que a pesquisa jurídica precisa encontrar alternativas aos processos regulatórios da modernidade. O princípio da solidariedade congrega útil ferramenta para a indicação de novos paradigmas de convivência social na medida em que estimula a concretização da emancipação. O pensamento utópico não é suficiente para a emancipação, precisa valer-se de algo mais concreto, espelhado no pensamento heterotópico.

PALAVRAS-CHAVES: REGULAÇÃO, EMANCIPAÇÃO, SOLIDARIEDADE, UTOPIA E HETEROTOPIA.

ABSTRACT

The scholar of Law must draw their subject from a vision that values science and society, building the object from the joint analysis of the social transformation role that would promote with their work. The scientific study must be committed to social emancipation, in the extent that the legal research needs to find alternatives to the Modern regulatory processes. The principle of solidarity brings useful tool for the indication of new paradigms to the social coexistence as it encourages the achievement of emancipation. The Utopian Meaning is not enough for emancipation, must draw on something more concrete, mirrored in Heterotopic Meaning.

KEYWORDS: REGULATION, EMPOWERMENT, SOLIDARITY, UTOPIA AND HETEROTOPIC.

1. INTRODUÇÃO

A produção do conhecimento jurídico deve ser efetuada a partir de conceitos atuais para a necessária revisão do processo regulatório da modernidade, com o objetivo

* Trabalho publicado nos Anais do XVIII Congresso Nacional do CONPEDI, realizado em São Paulo – SP nos dias 04, 05, 06 e 07 de novembro de 2009.

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de apresentar novas saídas para o dilema pós-moderno da reinstalação, em âmbito da sociedade, dos processos emancipatórios.

Toda e qualquer produção de conhecimento, especificamente em direito, já que ele foi elevado à condição de instrumento fundamental da regulação, precisa apresentar um cunho emancipatório real. O rompimento dos laços seculares que transformaram o perfil do direito numa cápsula ideológica capaz de preservar o status quo num processo de confirmação dos pressupostos paradigmáticos da modernidade, quais sejam a estabilidade do modus vivendi das sociedades dos países centrais, de sua cultura e dos seus processos de construção do conhecimento, dentre os quais avulta o positivismo, somente poderá ser viável através de uma visão crítica e comprometida com a expansão do processo emancipatório das comunidades periféricas, onde está inserida a nossa própria sociedade.

Portanto, a eleição de mecanismos concretos de emancipação, os quais somente poderão surgir a partir do conhecimento utópico, é o desafio da produção do conhecimento no âmbito do Direito, que mais se avulta neste momento de transição paradigmática.

2. DESENHANDO O ROSTO DA MODERNIDADE

A partir do século XVI a transição paradigmática do pensamento medieval para o moderno se faz sentir de forma aguda[1], sobretudo nas ciências naturais.

Evidentemente esse fenômeno não se deu de forma automática, foram necessários, pelo menos, três séculos para que a transição efetivamente ocorresse com o desabrochar do pensamento Iluminista, no século XVIII, no qual as novas premissas paradigmáticas da modernidade foram definitivamente sedimentadas.

O pensamento filosófico daquilo que podemos denominar "modernidade" foi construído ao redor de certas idéias que conferem o seu perfil teórico e metodológico, dentre as quais podemos citar: a racionalização científica, em oposição às premissas medievais de apreciação do mundo a partir da fé; a busca de métodos de investigação capazes de captar a realidade das coisas, ou seja, daquilo que os nossos sentidos podem apreender; a busca por leis genéricas e abstratas capazes de explicar os fenômenos naturais; a idéia de que todo o pensamento e todos os esforços científicos são feitos em proveito do homem, de tal forma que o ser humano assume o papel central dentro da

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teia de imagens filosóficas, científicas, artísticas e jurídicas do conceito de modernidade[2].

Some-se a tudo isso o propósito deliberado de criar um conjunto de instrumentos teóricos e práticos que viabilizassem de forma definitiva o domínio do homem sobre a natureza e teremos um rápido esboço do conceito moderno de ciência[3].

Interessante destacar que a concepção moderna de ciência, desde logo, pretendeu-se totalizante da natureza, isto é, procurou encontrar uma explicação que unificasse todo o conhecimento em torno do ser natural, na tentativa de formular as descobertas científicas daquilo que cabia à razão humana ter acesso. E, diga-se, era idéia corrente entre os fundadores da modernidade, que a ciência poderia formular uma concepção hermética e plenamente satisfatória do mundo, tanto é assim que os primeiros esforços do pensamento moderno dirigiram-se diretamente à especulação natural.

Esse processo de modernização das ciências foi sumamente influenciado pela corrente filosófica positivista, da qual homens como DESCARTES, GALILEU e NEWTON podem perfeitamente ser considerados os fundadores[4]. O pensamento positivista parte da idéia central de que a razão pode descrever todos os fenômenos naturais, pelo princípio da causalidade, identificando através da matemática todas as relações e interações lógicas que existem entre um estado e outro da matéria[5].

Se no primeiro momento o pensamento moderno tinha, portanto, o objetivo de estudar a natureza, mediante a identificação de métodos e técnicas específicas, somente a partir do século XIX[6] é que irá expandir-se para o campo das chamadas ciências humanas, sobretudo pela influência decisiva de AUGUSTO COMTE, mediante a sociologia.

Assim, esse novo paradigma que é o positivismo, elemento tão intrínseco à modernidade, aparece no cenário do pensamento para propor uma série de respostas racionais aos velhos questionamentos humanos como: o que é o mundo? Do que é feito? Para que existimos? As respostas dadas a estas perguntas percorrem um conjunto de mecanismos racionais que, reunidos podem ajudar a entender de que forma concebemos o mundo que nos cerca[7].

Dessa forma traçamos, com riscados grossos, o perfil da modernidade, que se complementa em função das observações que faremos agora quanto às premissas

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cartesianas que são, em síntese, o primeiro passo da modernidade, quando então poderemos complementar o traçado proposto, indicando novos paradigmas para a pesquisa em Direito.

2.1. Premissas Filosóficas Cartesianas

DESCARTES procurou refletir o mundo a partir da especulação racional e desvinculada dos conhecimentos armazenados antes de suas investigações, por considerá-los inviáveis para a solução dos problemas apresentados para a compreensão do mundo, já que até então não tinham dado respostas suficientemente seguras para os questionamentos formulados com relação à natureza.

Dessa forma, desenvolveu sua filosofia primeiramente ao redor da dúvida, isto é, da cogitação sobre a validade e a capacidade humanas de conhecer. ARENDT faz referência ao fato de que foi o processo de pesquisa científica desenvolvida por Descarte que deu início à filosofia moderna e que esse processo tem origem no 'omnibus dubitandum est', mas a dúvida não como controle inerente à mente humana, destinada a resguardá-la contra os engodos do pensamento e as ilusões do sentido, nem como ceticismo em relação à moral e os preconceitos dos homens e das épocas, e nem mesmo como método crítico de pesquisa científica e especulação filosófica[8].

Assim, DESCARTES não acreditava em conhecimentos pré-elaborados, o ponto de partida da verdade é a dúvida, somente através dela é que se podem formular conjecturas válidas sobre a vida e o mundo.

Cotrim, referindo-se ao processo crescente de demolição do saber até então acumulado promovido pela dúvida cartesiana lembra que foram relativizados a existência de tudo aquilo que constitui a realidade e o próprio conteúdo dos pensamentos[9]. Depois do princípio da dúvida, em função das reflexões cartesianas cuja exposição não cabe nesta apertada síntese, conclui DESCARTES que a única coisa que resta de essencial e verdadeira é o pensamento: cogito, ergo sum.

Se o pensamento é a única coisa que permanece, sendo ele um pré-requisito para a existência do homem e das próprias coisas (que passam a existir porque são pensadas), surge a necessidade de pesquisar a essência das coisas através de um método que pudesse efetivamente contribuir para a identificação da verdade o qual, nas palavras do próprio Descartes possui os seguintes passos:

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O primeiro consiste em jamais aceitar como verdadeira coisa alguma que eu não conhecesse à evidência como tal, quer dizer, em evitar, cuidadosamente, a precipitação e a prevenção, incluindo apenas nos meus juízos aquilo que se mostrasse de modo tão claro e distinto a meu espírito que não subsistisse dúvida alguma.

O segundo consistia em dividir cada dificuldade a ser examinada em tantas partes quanto possível e necessário para resolvê-las.

O terceiro, pôr ordem em meus pensamentos, começando pelos assuntos mais simples e mais fáceis de serem conhecidos, para atingir, paulatinamente, gradativamente, o conhecimento dos mais complexos, e supondo ainda uma ordem entre os que não se precedem normalmente uns aos outros.

E o último, fazer para cada caso, enumerações tão exatas e revisões tão gerais que estivesse certo de não ter esquecido nada[10].

Tal método é baseado evidentemente na matemática, mais especificamente na geometria, como bem explica DESCARTES[11], uma tal concepção "matematizante" da filosofia estava bem ao gosto dos pensadores do seu tempo, como Galileu e Newton. O pensamento passa a ser encarado então como um mecanismo formal capaz de 'pesar' e 'medir' a realidade, a partir da razão.

Essas são as chamadas regras de ouro da pesquisa científica que partem da concepção de evidência, análise, síntese e enumeração. Destaque-se que o pensamento cartesiano parte da idéia de que o pensamento precede a existência do ser pensado: ele só existe na medida de sua reflexão interior pelo sujeito pensante. Só existe aquilo sobre o que se pode predicar algo, essa concepção idealista esta muito de acordo com a filosofia racionalista dos séculos XVI a XVIII.

Sendo assim, é possível considerar o projeto filosófico de DESCARTES como um meio de defesa e justificação dos novos conceitos científicos que desde COPÉRNICO, KEPLER e GALILEU estavam se formando na Europa. Ocorreu a este pensador a idéia de que era necessário demonstrar que a nova ciência estava no caminho certo, por isso era preciso desacreditar as noções de ciência que desde ARISTÓTELES até a escolástica haviam se formado, enfatizando que a ciência antiga havia adotado concepções falsas e errôneas, como por exemplo o sistema geocêntrico do cosmos[12].

Ora DESCARTES viveu um momento de conturbação social oriunda de uma das mais memoráveis transições paradigmáticas de que se tem notícia: a passagem da visão teológica de mundo para a visão racionalista-empirista, do teocentrismo para o

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humanismo; foi preciso, portanto, aplainar o terreno do saber, retirando os escombros do passado, para que se pudesse edificar a nova forma de conhecimento, totalmente racional, neutra e organizada, um edifício sólido o suficiente para proporcionar efetivamente o conhecimento da verdade das coisas e o domínio da natureza. DESCARTES deixa isso bem claro quando diz:

Tendo sido educado nas letras desde a minha meninice e, como me tornassem convencido de que por meio delas podia alcançar um conhecimento claro e certo de tudo quanto é útil à vida, tive extremo desejo de aprendê-las. Assim que concluí, entretanto, todo esse curso de estudos ao término do qual se costuma ser tido na classe dos doutos, mudei totalmente de opinião. É que eu me vi enlaçado por tantas dúvidas e erros que me parecia não ter tido outro proveito, tratando de instruir-me senão o de descobrir cada vez mais a minha ignorância.

Possuído dessa certeza, da inabalável crença de que o conhecimento produzido pelas gerações que o antecederam estava errado, lança o notável filósofo as bases que, ao seu tempo, mostram-se indispensáveis para a construção da moderna concepção de mundo.

2.2. O Papel do Direito no Processo de Regulação Moderno

Assinala BOAVENTURA que o direito tem servido como um instrumento de fundamental importância para garantir o pressuposto de regulação social e imposição da vontade das sociedades que ele denomina como "centristas" no atual estágio de desenvolvimento global[13].

O referido autor mostra, a partir de vasta pesquisa e ampla reflexão filosófica, que o direito tem sido utilizado como elemento de positivação dos status quo, figurando como um fator de instrumentalização da atividade de certas tendências culturais, notadamente as européias e norte-americanas, no cenário mundial. O direito, nesse contexto, tem servido como veículo de solidificação de estruturas sociais e culturais[14].

O direito moderno percorreu, ao lado da ciência moderna cujo pensamento inicial procuramos descrever até aqui, um caminho de positivação estatal e “cientificização”, num processo que fez com que ambos, ciência moderna e direito

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moderno, acabassem se tornando os dois lados de um mesmo fenômeno, conforme BOAVENTURA nos explica: a transformação da ciência moderna na racionalidade hegemónica e na força produtiva fundamental, por um lado, e a transformação do direito moderno num direito estatal científico, por outro, são as duas faces do mesmo processo histórico, daí decorrendo os profundos isomorfismos entre a ciência e o direito modernos[15].

O papel do direito no processo de regulação moderno é vasto e está intimamente ligado ao processo de confirmação da hegemonia científica pretendida pelo pensar filosófico oriundo desde o século XVI; seu papel confirmatório das estruturas de dominação social e do processo de regulação que deixa ao largo a emancipação da sociedade estão complementarmente ligados à trajetória da ciência moderna.

Nesse pormenor, o positivismo jurídico, cujas raízes estão lançadas no pensamento Iluminista do século XVIII, encontra uma participação de importância fundamental e que não pode passar despercebida. Desde as filosofias de Locke, ROUSSEAU e KANT, foram se formando os esteios sobre os quais iria, no século XIX, cristalizar-se a concepção positiva de direito. A sociedade européia do século XVIII clamava por segurança e certeza jurídicas, num patamar nunca antes verificado, isso se devia, dentre outras coisas, ao crescente poderio econômico da comunidade burguesa, que desde o período das grandes navegações acumulara enorme riqueza e, agora, exigia sua participação nas decisões de Estado, encontrando no direito um excelente veículo para tanto.

Com o advento da Revolução Francesa (evento cujos efeitos, tanto no campo do direito, quanto da ciência, da moral e da política modernos, são muito mais vibrantes do que os ruídos que provocou nas ruas de Paris), abre-se espaço para a entrada em cena do direito legislado pelo Estado, agora de cunho universal e abstrato, onde são incluídos todos os cidadãos, mediante a criação de normas jurídicas rígidas e predefinidas constitucionalmente. Em 1804 foi promulgado o Código de Napoleão, monumento jurídico do século XIX, onde figura de forma concreta a filosofia exegética do direito, expressão do positivismo. Conforme doutrina FERRAZ JÚNIOR:

A tarefa do jurista circunscreveu-se, a partir daí, cada vez mais à teorização e sistematização da experiência jurídica, em termos de uma unificação construtiva dos juízos normativos e do esclarecimento dos seus fundamentos, descambando, por fim, para o chamado "positivismo legal" (gesetzapositivismus), com a autolimitação da ciência do direito ao estudo da lei positiva e o estabelecimento da tese da "estabilidade do direito"[16].

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Perseguiram os juristas do período novecentista o "mundo da segurança"[17], onde a estrita previsão de condutas normativamente asseguradas era tido como o meio mais eficiente de atingir os antigos ideais da modernidade: ordem, progresso e segurança.

Não é possível falar em ciência do direito sem aludir ao processo codificador do direito ocorrido já em meados do século XIX, v. g., como o Código de Napoleão, que tinha por finalidade estruturar o direito estatal em tratados herméticos, capazes de prever todas as condutas humanas e criar-lhes um âmbito seguro de ação, sobretudo na ordem civil, cujo leque de atuação tradicionalmente, desde os antigos romanos, sempre foi tida como o coração da normatividade, por enfeixar as relações mais comuns e, por isso, mais numerosas dentro da sociedade. Os códigos espelhavam o grau de erudição e evolução de um povo[18].

Não se olvide, também, que o positivismo dos primeiros tempos, a cuja linha pertencem todas as codificações do século XIX, justificou a sua ação codificadora nos preceitos do direito natural, encontrando nas premissas do antigo jusnaturalismo racional as fontes para composição dos códigos[19].

Em que pesem as explicações legitimadoras propostas pelas correntes positivas novecentistas e em conexão ao pensamento que já expusemos, na esteira de BOAVENTURA, anotemos a posição de BATTIFOL, no sentido de que:

O positivismo se aliou instintivamente, no século XIX, à tradição voluntarista, segundo a qual o fenômeno jurídico se reduz aos atos de vontade dos governantes. O direito positivo, estudo do qual o positivismo pretende limitar-se, é aquele que é "expresso" por um ato de vontade, que tomou lugar no tempo e no espaço, quer se trate da vontade unilateral do príncipe, ou do acordo das vontades daqueles que fazem as leis[20].

Essa tendência jurídica denomina-se voluntarismo, do qual Hobbes e Rousseau foram expoentes e embora tenha sofrido várias críticas, demonstra com clareza a mentalidade dos positivistas de então. O pensamento voluntarista influenciou profundamente a compreensão de contrato, dentro da filosofia liberal do século XIX.

No século XX o positivismo terá seu ápice teórico com HANS KELSEN, com esse jurista serão estabelecidas as bases do direito científico em moldes matemáticos, bem ao gosto da ciência natural e do pensamento reinante em fins do século XIX,

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segundo o qual a única ciência válida era aquela que seguisse os moldes das ciências naturais, como fizera Comte com a sociologia.

O direito assume seu papel de predomínio sobre o processo de regulação social, de confirmação das estruturas sociais dominantes, como concretizador dos pressupostos filosóficos de segurança e certeza jurídicas e, finalmente, como conformador da vida social através da atividade legiferante.

3. NOVAS DIMENSÕES DA PESQUISA JURÍDICA

A pesquisa jurídica deverá partir da premissa básica de que, nas palavras de BOAVENTURA, “nos encontramos numa sociedade intervalar”[21], isto é, vivemos um momento especial dentro do processo de construção do conhecimento, onde o modelo atual, de matriz positivista, encontra-se abalado em face de novas reflexões teóricas, capazes de desestabilizar suas estruturas fundamentais, acenando para um novo momento de investigação científica, onde a constante valorização do humano em detrimento do formal e técnico será a nova tendência.

A delimitação desse processo de transição epistemológica, em que a ciência moderna é posta em discussão diacrítica com a doutrina e a sociedade, observa-se uma crescente necessidade de construção efetiva do novo modelo de ciência, de sociedade e de cultura que a pós-modernidade reserva para o futuro.

Na mesma esteira de BOAVENTURA podemos afirmar que a previsão desse novo momento da vida social não é um exercício de futurologia, pois não está alheio às bases concretas do fenômeno sobre o qual pretende intervir[22]. A forma de delinear esse novo perfil é o exercício do pensamento utópico.

3.1. A posição do sujeito no contexto da ciência moderna

No processo de construção do conhecimento moderno, desde DESCRARTES e BACON, o sujeito do conhecimento sempre se colocou distante do objeto e a justificativa para isso era a necessária neutralidade do conhecimento. Mais válido era o conhecimento que mais pudesse se auto-representar como neutro.

O pensamento neutro é um dos pontos centrais da teoria científica da modernidade, onde o cientista se coloca, em verdade, como espectador do objeto, seu descobridor e não criador. Essa situação tem dupla função: 1º) isenta o cientista de responsabilidade em relação aquilo que descobre e, 2º) traz ao conhecimento revelado

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por esse meio um caráter formal e pretensamente universal, já que baseado exclusivamente na razão.

Hoje sabe-se que essa postura contribuiu para fazer do conhecimento regulatório o grande paradigma da modernidade, um conhecimento que é formalmente neutro mas voltado para regular situações que são potencialmente valorativas. JAPIASSU nos ensina que o processo de formação cultural é essencialmente valorativo e que o cientista não se distancia dele, portanto, seu pensamento será essencialmente valorado[23].

Refletindo sobre esse assunto CARNEIRO afirma que se pudéssemos eliminar a base ou o ambiente de valores - que é a cultura - na qual se encontra o sujeito, ele ficaria impossibilitado de pensar[24], posto dessa forma é crível a discussão no sentido de que um pensamento neutro é inviável, portanto, o cientista não deve supor a neutralidade, mas aceitar e assumir a valoração de seus juízos, procurando dentro dos nexos valorativos ali surgidos as respostas, científicas, dos problemas de ordem teórica e prática que têm se afigurado nos últimos cem anos.

3.2. Direito e concepção de mundo

Todo e qualquer estudo sobre o direito deverá partir, então, de uma concepção valorativa do mundo que nos cerca. É necessário ao estudioso do direito que faça uma reflexão coerente sobre a sociedade em que está inserido, procurando encontrar dentro dela novos caminhos para a solução dos problemas mais graves que a afligem; uma das formas dessa descoberta é traçar meios que propiciem um maior grau de emancipação em detrimento da regulação.

Já que não se pode construir uma ciência a partir de conceitos puramente neutros, é preciso que se identifiquem quais são os princípios valorativos que inspiram a sociedade para, então, nesse contexto, efetuar a verdadeira construção de alternativas viáveis ao modelo ora existente. O pensamento científico, pois, passa pela revisão de princípios sociais, de escolhas dos grupos isolados e da coletividade, em busca da identificação de novos parâmetros de conhecimento capazes de superar os atuais, do ponto de vista qualitativo.

Num mundo dominado pelo pensamento positivo e capitalista, onde o "ter" suplantou imensamente o "ser" e o objetivo da vida de milhares de pessoas é auferir cada vez maior riqueza em detrimento de outros tantos milhões, para cuja tarefa foi estruturada toda uma teoria de regulação com amparo no direito, urge a efetiva definição de parâmetros para a inclusão, na sociedade, na cultura e na ciência, da parcela excluída do ciclo social. Essa inclusão, tão premente na sociedade atual, somente poderá ser viável a partir da definição e do reconhecimento livre e consciente do estado atual, para, a partir dessa concepção, estruturar novas saídas, novos projetos e planos de viabilidade social.

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3.3. Ciência e exclusão social

A incoerência do saber científico neutro se faz notar, desde logo, pela simples constatação de que o uso da ciência e de suas "descobertas" é índice (valorativo portanto) para medir o grau de evolução de uma sociedade. Tão mais evoluída é aquela sociedade que melhor domina os meios de fazer científicos. Ora, o processo de construção da ciência fez surgir um subproduto que, por décadas, ficou encoberto sob o manto artificial da racionalidade avalorativa: os milhões de excluídos sociais.

Não são apenas os indivíduos dentro dos Estados que têm sido excluídos do processo criador de ciência, da ação de acumulação de saber e de poder, como já disse BACON; os próprios Países têm sido excluídos em função de seu maior ou menor grau de "desenvolvimento científico" do processo de discussão do papel da ciência para a manutenção do "status quo", dando origem ao que BOAVENTURA denomina estados periféricos[25].

Uma verdadeira discussão sobre novos paradigmas da pesquisa do direito deverá ser iniciada a partir do reconhecimento de que nossa sociedade encontra-se nas bordas do processo mundial de construção da ciência: nosso País é, também, marginal no que se refere à produção de conhecimento, nossa cultura tem sido rejeitada pelos círculos europeus e norte-americanos desde o seu nascimento, de tal modo que, o novo conhecimento emancipatório precisa ser divisado através da identificação concreta desse pormenor, a partir do qual será viável a eleição, por nossa sociedade e suas congêneres, de novos caminhos científicos e sociais.

Dentro do conceito de países periféricos (os do terceiro mundo) e centrais (os desenvolvidos), é que se estabelecerá a concreta participação de cada um deles no novo contexto (pós-moderno) de ciência que se pretende produzir: uma ciência que seja menos excludente e mais participativa.

3.4. Solidariedade e pesquisa científica em direito

O princípio da solidariedade[26], segundo BOAVENTURA, será o grande mote de reavivamento do processo emancipatório. A solidariedade se dá pela interdependência recíproca dos agentes formadores do pensamento científico, numa atividade dialética com valores sociais e interesses da coletividade.

Se o saber científico não é mais neutro, sua pesquisa também não pode sê-lo. Dessa forma, todo estudo em direito precisa ter uma finalidade social. Não se concebem mais estudos sem vinculação com as necessidades coletivas, estudos descomprometidos

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com os processos de integração social, já que a abordagem neutra do fenômeno jurídico é, também, uma das muitas causas do processo de exclusão social.

A solidariedade importa no trabalho de construção do conhecimento científico em direito a partir do critério da reciprocidade dialética entre a ação do estudioso e uma maior participação comunitária nos desígnios do organismo social onde está inserido. O processo de saber solidário deverá estar atrelado ao conteúdo valorativo que a sociedade almeja, buscando identificar pontos de apoio entre a pesquisa e a satisfação de necessidades sociais, sob pena da atividade intelectual cair no vazio.

É dos pontos de contato entre a ciência do direito e as demais ciência sociais, econômicas e também naturais, que se poderá estabelecer novos caminhos de solução dos conflitos sociais que geram a exclusão, a miséria e a violência, presentes no nosso cotidiano e fruto de mais de duzentos anos de congelamento do princípio da solidariedade e da imposição do pensamento tecnicista sobre a ciência e a sociedade. Somente a superação desse estado regulatório que engessa a sociedade pela sua complacência com os processos de exclusão, é que se poderá dar um verdadeiro sentido prático às pesquisas jurídicas.

3.5. Da utopia à heterotopia

O pensamento utópico está adstrito à idéia de que não se pode projetar novos espaços de ação humana sem que se antevejam novas situações de pesquisa e produção científica. A utopia científica não é a tentativa de revolução desordenada e caótica que busca, do nada, reverter situações desde muito tempo conflitantes em nossa sociedade, como a oposição entre os extremamente ricos e os extremamente pobres. Não. O pensamento utópico parte do real para aquilo que ainda não aconteceu, mas que poderá acontecer se a sociedade for estimulada a isso.

Em direito um pensamento utópico pode muito bem ser estabelecido como aquele que pretende implantar um novo sistema de administração estatal, menos burocrático, mais eficiente e mais comprometido com os interesses da coletividade. Esse pensamento está presente nos processos de reforma administrativa brasileira, discutidos em âmbito da ciência e da Administração há pelo menos duas décadas.

Como diz BOAVENTURA, não é possível construir uma nova realidade partindo do nada. O ponto de partida deve ser a sociedade existente: é dentro do movimento interno efetuado pelo pensamento, pela pesquisa científica e pela ação efetiva, que se estabelecerão aqueles paradigmas de sociedade justa e solidária que se espera implantar.

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Para ilustrar o que afirmamos acima, recorremos à lição do mestre português:

Em vez da invenção de um lugar situado algures ou nenhures, proponho uma deslocação radical dentro do mesmo lugar: o nosso. Partir da ortotopia para a heterotopia, do centro para a margem. A finalidade deste deslocamento é permitir uma visão telescópica do centro e uma visão microscópica de tudo o que o centro é levado a rejeitar para reproduzir a sua credibilidade como centro. O objectivo é experienciar a fronteira da sociabilidade enquanto forma de sociabilidade[27].

Uma utopia que estivesse buscando "inventar" novos destinos para a sociedade sem partir do concreto, do lugar em que nos encontramos hoje, seria totalmente inválida para a proposta de esquadrinhar novas alternativas de vida social e científica.

É por isso que a heterotopia, enquanto utopia do real, pode efetivamente contribuir para a discussão crítica da sociedade, da ciência e da cultura, indicando, no aqui e no agora, novos campos de atuação para uma nova ciência e uma nova sociedade, que não são inventadas do nada, mas partem do que já existe.

As tentativas anteriores de revisão do paradigma social de regulação sempre partiram de uma discussão "idealista", às vezes irracional dos destinos da sociedade e do homem; na transição paradigmática da pós-modernidade o que se busca é uma discussão calcada no real, naquilo que é experimentado hoje, para então construir o novo, tão esperado pela sociedade.

O estudioso do direito deve ser um heterotopista, pois seus ensaios e pesquisas precisam buscar algo de concreto, de real e verdadeiro, como solução para as mazelas que são reais, concretas e verdadeiras. O destino de sua pesquisa é a concretização do sonhado, mas o ponto de partida é o real.

4. CONCLUSÃO

A construção dos novos paradigmas emancipatórios, objetivo central de toda discussão pós-moderna em torno da ciência e da sociedade, é algo tão incipiente quanto

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difícil de romper com a barreira traçada pela regulação vivia pela sociedade ocidental nos últimos cinco séculos[28].

A produção do conhecimento no âmbito do direito será, sem dúvida, um dos meios mais importantes para a nova delimitação de um mundo onde haja espaço maior para a solidariedade e menor para a regulação. Nesse contexto social o pesquisador do direito estará encarregado de proceder a indicação de novos caminhos, novos perfis de atuação da sociedade e do Estado.

Como o direito é um fenômeno social e os processos de regulação e emancipação precisam de um veículo capaz de normatizar a conduta, o direito desde sempre tem se prestado ao papel de regular e emancipar a sociedade num percurso pendular, que ora acentua um ou outro desses fatores, o problema está em que, nos últimos duzentos anos, a regulação foi hipertrofiada por meio do direito, em prejuízo de uma efetiva emancipação e esse será o desafio do jurista e pesquisador do direito: encontrar novas formas de emancipação, dentro da regulação.

Entendemos a emancipação como toda e qualquer forma de pensamento que proporcione ao homem maior independência social em função do 'status quo' e regulação, como toda e qualquer imposição social que vise manter ou conservar situações de dominação de grupos de pessoas sobre outros, gerando processos de exclusão social.

Portanto, uma ponte para o direito utópico está calcada no princípio de solidariedade, o qual, através do fenômeno do heterotopismo (a utopia do concreto), poderá dar novo alento às pesquisas e produções jurídicas, sendo assim:

a) a pesquisa jurídica deve apresentar propostas concretas para a solução dos problemas sociais, visando aumentar os níveis emancipatórios;

b) o pensamento utópico é fundamental para a delimitação de novos espaços de emancipação;

c) o cientista deve investigar e identificar os parâmetros valorativos sobre os quais vai se desenvolver a sua pesquisa;

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d) a produção do conhecimento em direito deve estar atrelado à idéia de resgate e inclusão social, pela valorização do 'ser' em detrimento do 'ter';

e) a produção científica e as discussões sobre a emancipação em nosso País foram colocadas pelos círculos culturais europeu e norte-americano como inviáveis para a revisão paradigmática, mas é em função dessa constatação que devemos, discutir e rever os conceitos nortistas de cultura e conhecimento;

f) a solidariedade se dá pela interdependência recíproca dos agentes formadores do pensamento científico, numa atividade dialética com valores sociais e interesses da coletividade;

g) a neutralidade do conhecimento científico é um mito: somente terá utilidade o conhecimento produzido com base na discussão valorativa da sociedade e sua aplicação prática;

h) o pensamento utópico parte do real para aquilo que ainda não aconteceu, mas que poderá acontecer se a sociedade for estimulada a isso;

i) o estudioso do direito deve ser um heterotopista, na medida em que sua pesquisa parte do real para reinventar novas alternativas para a realidade.

A ponte para o direito utópico, aquele direito que queremos que seja menos regulador e mais emancipador da sociedade, pode muito bem ser estabelecida através do pensamento heterotópico, ou seja, o pensamento que parte de uma discussão crítica consciente da sociedade e dos processos de atuação estatal, para delinear outras soluções, mais concretas e mais condizentes com os desejos da sociedade e o pavimento desta ponte será a solidariedade.

BIBLIOGRAFIA DE REFERÊNCIA

AZEVEDO, Plauto Faraco de. Crítica à dogmática e hermenêutica jurídica. Porto Alegre: Fabris, 1989.

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CARNEIRO, Maria Francisca. Pesquisa Jurídica: metodologia da aprendizagem. Curitiba: Juruá, 2000.

DWORKIN, Ronald. O império do direito. São Paulo: Martins Fontes, 1999.

HESSEN, Johannes. Teoria do Conhecimento. Tradução João Virgílio Gallerani Cuter. São Paulo: Martins Fontes, 1999.

JAPIASSU, Hilton. Fracis Bacon - o profeta da ciência moderna. São Paulo: Letras & Letras, 1995.

SANTOS, Boaventura de Sousa. A crítica da razão indolente. 2. Ed. São Paulo: Cortez, 2000.

. Pela Mão de Alice. São Paulo: Cortez, 1998.

[1] SANTOS, Boaventura de Sousa. A crítica..., pg. 60: o modelo de racionalidade que preside a ciência moderna constituiu-se a partir da revolução científica do século XVI e foi desenvolvido nos séculos seguintes basicamente no domínio das ciências naturais.

[2] ARENDT, Hannah, A condição..., pg. 260. Para conhecer mais sobre esse assunto, leia-se o Capítulo VI da obra, intitulado: "A Vita Activa e a Era Moderna", por ser riquíssimo em informações.

[3] SANTOS, Boaventura de Sousa. A crítica..., pg. 62: a natureza é tão-só extensão e movimento; é passiva, eterna e reversível, mecanismo cujos elementos se podem demonstrar e depois relacionar sob a forma de leis; não tem qualquer outra qualidade ou dignidade que nos impeça de desvendar os seus mistérios, desvendamento que não é contemplativo, mas antes activo, já que visa conhecer a natureza para a dominar e controlar. Como diz Bacon, a ciência fará da pessoa humana "o senhor e o possuidor da natureza.

[4] SANTOS, Boaventura de Sousa. A crítica..., pg. 61.

[5] COTRIM, Gilberto. Fundamentos..., pg. 145 e sgs.

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[6] SANTOS, Boaventura de Sousa. A crítica..., pg. 60: ainda que com alguns prenúncios no século XVIII, é só no século XIX que este modelo de racionalidade se estende às ciências sociais emergentes.

[7] CHAUI, Marilena. Convite..., pg. 247 e sgs. Para conhecer mais recomenda-se a leitura do Capítulo 7 dessa obra, pela luminosidade que lança sobre diversos aspectos da ciência moderna.

[8] ARENDT, Hannah. A condição..., pg. 286.

[9] COTRIM, Gilberto. Fundamentos..., pg. 152-153.

[10] DESCARTES, René. Discurso sobre o método: para bem dirigir a própria razão e procurar a verdade nas ciências. Tradução de Márcio Pugliesi e Norberto de Paula Lima. 9ª ed. Curitiba: Hemus, 2000, pg. 40.

[11] DESCARTES, René. Discurso..., pg. 40 e sgs.

[12] MARCONDES, Danilo. Iniciação..., pg. 162.

[13] SANTOS, Boaventura de Sousa. A crítica..., pg. 139 e sgs.

[14] SANTOS, Boaventura de Sousa. A crítica..., pg. 60 e sgs, esse processo faz parte, inclusive, da proposta da ciência moderna.

[15] SANTOS, Boaventura de Sousa. A crítica..., pg. 120.

[16] FERRAZ JÚNIOR, Tércio Sampaio. Conceito de sistema no direito: uma investigação histórica a partir da obra jusfilosófica de Emil Lask. São Paulo: RT, 1976, pg. 32.

[17] Anotação de aula do dia 28/03/2001, il mondo della sicurezza, conforme Natilino Irti em L'età della decodificazione, na tradução livre de Paulo Nalim.

[18] NALIM, Paulo. Do contrato: conceito pós-moderno em busca de sua formulação na perspectiva civil-constitucional. Curitiba: Juruá, 2001, pg. 72: a motivação ideológica do projeto codificador do período oitocentista era a manutenção do status quo, alcançado pela classe burguesa que perseguia, dentre outros fins, o resguardo dos direitos individuais conquistados na Revolução de 1789 perante o Estado. Os Códigos civis, fruto desse processo, serviram e servem de escudo do indivíduo, dos valores pessoais e bens jurídicos relevantes da época (v.g. propriedade privada, liberdade de casamento, liberdade contratual e direito sucessório) nas suas relações com o Estado.

[19] FERRAZ JÚNIOR, Tércio Sampaio. Conceito..., pg. 34: a Segunda característica da concepção positivista, já implícita na primeira [a sistematização], mas que merece ser posta em relevo, revela a continuidade da tradição jusnaturalista.

[20] BATTIFOL, Henri. A filosofia do direito. Tradução de Neide de Faria. São Paulo: Difusão Européia do Livro, 1968, pg. 13.

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[21] SANTOS, Boaventura de Sousa. A crítica..., pg. 16.

[22] SANTOS, Boaventura de Sousa. A crítica..., pg. 101.

[23] JAPIASSU, Hilton. Fracis Bacon - o profeta da ciência moderna. São Paulo: Letras & Letras, 1995, pg. 28 e sgs.

[24] CARNEIRO, Maria Francisca. Pesquisa Jurídica: metodologia da aprendizagem. Curitiba: Juruá, 2000, pg. 25.

[25] SANTOS, Boaventura de Sousa. A crítica..., pg. 333.

[26] SANTOS, Boaventura de Sousa. A crítica..., pg. 355.

[27] SANTOS, Boaventura de Sousa. A crítica..., pg. 333.

[28] Principalmente se contarmos desde os primeiros estudos de Descartes até nosso dias.