natal sombras joana_serrano_12_1

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NATAL DE SOMBRAS Passeio sozinha por uma rua cheia de luz Observo pessoas que entram e saem de lojas Transportam sacos nas mãos, cheios de caixas embrulhadas com papel colorido e laços Esperam ansiosas pelo momento em que as entregam e observam os olhos curiosos de quem as abre. Não sei, na realidade, o que faço aqui. Sinto nos meus bolsos o vazio da falta de dinheiro, A ausência da vontade de voltar para casa Não tenho sacos nas mãos e o coração, esse há muito que se esvaziou. Há muito que o Natal ganhou um significado insignificante Imagino, porém, uma noite feliz e tento, contudo, tornála nisso tento darlhe alguma luz, algum brilho, um pouco de magia. Observo as pessoas, agora sentada num banco frio, calada acompanhada pela solidão e, enquanto passa gente iluminada, sinto uma sombra negra mergulhada na solidão ao meu redor, à minha volta. E lembro a minha infância e sinto falta Sinto falta, não das prendas ou da fartura da ceia De que a minha mesa continua cheia Mas da união e do amor Sinto falta de ter todos à minha volta De ter todos presentes, desse imenso calor! Quando relembro, não lembro a riqueza Mas os momentos de convívio Em que o meu pai lançava as suas piadas As minhas primas brincavam As minhas avós e a minha mãe na cozinha cozinhavam e fritavam sonhos. Agora tudo não passa disso, Um meio sonho Acalentado por uma pessoa ingénua. Essa sou eu... E vou continuar nesta rua da Baixa A olhar as luzes e as pessoas, À espera que volte a vontade de voltar para casa. Maria Magalhães

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NATAL  DE  SOMBRAS    Passeio  sozinha  por  uma  rua  cheia  de  luz  Observo  pessoas  que  entram  e  saem  de  lojas  Transportam    sacos  nas  mãos,  cheios  de  caixas  embrulhadas  com  papel  colorido  e  laços  Esperam  ansiosas  pelo  momento  em  que  as  entregam  e  observam  os  olhos  curiosos  de  quem  as  abre.    Não  sei,  na  realidade,  o  que  faço  aqui.  Sinto  nos  meus  bolsos  o  vazio  da  falta  de  dinheiro,  A  ausência  da  vontade  de  voltar  para  casa  Não  tenho  sacos  nas  mãos  e  o  coração,  esse  há  muito  que  se  esvaziou.  Há  muito  que  o  Natal  ganhou  um  significado  insignificante  Imagino,  porém,  uma  noite  feliz  e  tento,  contudo,  torná-­‐la  nisso  tento  dar-­‐lhe  alguma  luz,  algum  brilho,  um  pouco  de  magia.    Observo  as  pessoas,  agora  sentada  num  banco  frio,  calada  acompanhada  pela  solidão  e,  enquanto  passa  gente  iluminada,  sinto  uma  sombra  negra  mergulhada  na  solidão  ao  meu  redor,  à  minha  volta.  E  lembro  a  minha  infância  e  sinto  falta  Sinto  falta,  não  das  prendas  ou  da  fartura  da  ceia  De  que  a  minha  mesa  continua  cheia  Mas  da  união  e  do  amor  Sinto  falta  de  ter  todos  à  minha  volta  De  ter  todos  presentes,  desse  imenso  calor!    Quando  relembro,  não  lembro  a  riqueza  Mas  os  momentos  de  convívio  Em  que  o  meu  pai  lançava  as  suas  piadas  As  minhas  primas  brincavam  As  minhas  avós  e  a  minha  mãe  na  cozinha  cozinhavam  e  fritavam  sonhos.    Agora  tudo  não  passa  disso,  Um  meio  sonho  Acalentado  por  uma  pessoa  ingénua.  Essa  sou  eu...  E  vou  continuar  nesta  rua  da  Baixa  A  olhar  as  luzes  e  as  pessoas,  À  espera  que  volte  a  vontade  de  voltar  para  casa.  

Maria  Magalhães