vale das sombras

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    Eu no sei como eu fui parar ali, tudo aquilo era estranhamente comum. Olhei para o cu a

    lua cheia brilhava, o seu brilho prateado iluminava suavemente a floresta. Eu estava sozinho,

    mas no sentia medo quela floresta era aconchegante.

    Vi algo se mexendo entre as rvores, ouvi sua respirao, estava perto de mim. As sombras

    das rvores me impediam de v-lo. Meu corao comeou a bater em um ritmo acelerado. O

    medo comeou a me dominar, tentei correr, mas minhas pernas no obedeciam, era como se eu

    estivesse fincado no cho, no conseguia me mexer.

    O qu quer que estivesse escondido nas sombras das rvores estava saindo, um passo de cada

    vez e aos poucos fui identificando meu observador. Lutei novamente contra minhas pernas em

    vo, fechei meus olhos e esperei pelo pior.

    Nada aconteceu.

    Prolonguei o mximo que pude o momento de abrir meus olhos, talvez ele tenha ido embora

    pensei, respirei fundo e abri os olhos.

    Para minha decepo, ele ainda estava l, parado a uns dois metros de mim. Aquele enorme

    urso me olhava como se esperasse algo de mim.

    Meu corao foi voltando a bater normalmente. Eu no tinha outra opo, a no ser ficar.

    Tentei no olhar para ele, mas era quase impossvel no admira-lo, seu plo de veludo negro

    brilhava sob a luz da lua, seus grandes olhos cor de mel ainda me encaravam, naquele

    momento tive certeza que ele no era um animal comum. No sei por quanto tempo ficamos

    nos olhando, o tempo passava de um jeito diferente naquela floresta, se foram trs horas ou trs

    minutos eu no sei.

    Suas orelhas se mexeram e ele olhou para sua esquerda e depois voltou a olhar para mim.

    Olhei para a mesma direo, mas no vi nada.

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    Tentei me lembrar de como cheguei ali, mas no consegui, olhei para o urso de novo e ele

    ainda com aquele olhar enigmtico, aquele jeito de olhar era bastante humano para um animal.

    Eu ouvi um piado vindo da direo que o urso olhara anteriormente, vi um pontinho dourado

    brilhando que aos poucos foi ficando maior e maior, ate que finalmente pude ver com clareza

    que o pontinho dourado era um pssaro ele voo em nossa direo, planou sobre ns por um

    tempo e pousou nas costas do urso. Era uma guia uma bela guia, suas penas eram marrons

    claras e brancas e seus olhos eram cor de whisk. Ela abriu as asas e elas eram enormes deviam

    ter quase dois metros de uma ponta outra. Como no urso, a luz da lua tambm a deixava mais

    bela, suas penas ganhavam um brilho acetinado como reflexos toda vez que ela se mexia.

    Ela tambm me olhava, era como se ela despertasse recordaes, lembranas que eu jamaistive.

    O seu jeito de me olhar era diferente do urso. At que a ligao entre ns se quebrou, ela

    piscou os olhos e os voltou para minha esquerda.

    Senti que havia algum ao meu lado.

    Virei minha cabea lentamente, um enorme lobo cinza prateado estava rosnando e exibindo assuas enormes presas para mim. O seu olhar era de dio ou raiva talvez os dois. Uma coisa

    estranha comeou a acontecer, um sentimento estava crescendo dentro de mim. Raiva, ira, fria

    era isso que aquele lobo me causava, uma onda de calor percorreu todo o meu corpo, o sangue

    fervia em minhas veias, minha garganta estava em brasas, estava queimando!

    Eu gritei com toda fora tentando aliviar a dor. Mas ao invs do meu grito ouvi um rugido deleo.

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    01 Minha Vida

    Pessoas alegres rindo sem motivo, vestidos esvoaantes, sandlias descartadas aos ps das

    mesas, smokings descansando sob os braos das cadeiras, ali naquela atmosfera envolvente que

    transbordava felicidade eu percebi que tudo o que eu vivi nos ltimos dezesseis anos no havia

    sido nada se comparado aos ltimos trs meses... Eu sei que pode parecer loucura, mas tudo

    que voc esta prestes a ler real, eu juro pelas minhas duas almas. Se voc acreditar ou no, isso

    no far diferena para ns. Mas o meu orgulho me faz querer dizer que talvez voc esteja vivo

    ate agora por causa dos meus amigos. eu sou novo nisso e no tenho problema nenhum em

    dar os crditos a eles afinal ainda existe muita sujeira embaixo do tapete e mesmo que voc no

    saiba, ela continua l, ate algum ter a coragem de limpa-l.

    Voc deve estar confuso. Se algum me contasse o que voc esta prestes a ler, eu diria apenas

    uma coisa, isso impossvel.

    Trs meses e alguns dias antes...

    Minha camiseta estava mida pelo suor do meu corpo e meu corao batia acelerado, olhei o

    rdio-relgio em cima da mesinha de cabeceira, os nmeros estavam embaados, pisquei e olhei

    novamente, trs e dez a.m. Droga de sonho, droga de insnia! Sai da cama e desci as escadas,

    por mais que eu quisesse continuar na minha cama e voltar a dormir isso no aconteceria,

    sempre que eu acordava no meio da noite por qualquer que fosse o motivo o sono fugia de

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    mim. Isso no era um problema, mas de uns meses pra c esses turnos de insnia tornaram-se

    frequentes. droga justo no dia que eu tenho prova!

    Abri a geladeira, peguei um pedao de bolo que tinha escapado do jantar e fui para o quintal.

    Dentro de casa estava to quente quanto uma sauna, era vero e o ar-condicionado estava

    quebrado. Sentei no velho balano no jardim e comecei a fazer algo que me intrigava e fascinava

    ao mesmo tempo, olhar para as estrelas. O silencio exercia um efeito tranquilizador sobre mim.

    O cu estava livre de nuvens e as estrelas brilhavam no imenso quadro negro junto lua. Eu

    adoraria observar o sol, mas a minha droga de retina sensvel me impedia, pelo menos a lua no

    queima. Espero que quando amanhecer o dia no seja muito quente. Hoje o dia da viagem, eu

    s tenho que ir ate a escola fazer uma prova e depois camos na estrada. Talvez a ansiedade seja

    responsvel pela minha insnia. Eu no quero dar uma de sofredor, mas a escola no nenhum

    paraso, no para mim.

    Coloquei o prato no cho e me acomodei melhor, mas algo roubou a minha ateno, havia algo

    brilhando entre as folhas da grama, automaticamente caminhei em sua direo. Isso deve ser

    uma das porcarias da minha irm. pensei. Uma pena? Dourada? Ela era to macia quanto

    seda. A pena estava exatamente embaixo dos galhos da macieira do vizinho que invadiam o

    nosso jardim. Procurei por algum ninho nos galhos e nada. Comecei a me sentir um idiota

    desde quando passarinho tem pena dourada? Isso s pode ser da Sofia. Coloquei a pena no

    bolso e voltei para o balano, olhei para o prato e ele estava vazio, ouvi um rosnado atrs de

    mim. Eu no sei por que, mas sempre tive medo de cachorro, na pressa de sair logo dali levantei

    e bati a cabea no balano...

    * * *

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    - Acorda Branca de neve, acorda! So sete horas da manh!

    - Sai! disse abrindo os olhos, Sofia, minha irm me olhava espantada.

    - Calma eu j to saindo.

    - Desculpa, eu tive um sonho estranho e pensei que voc fosse um co que queria me atacar...

    como eu voltei para cama? pensei alto.

    - Voltou para cama, a onde voc foi? perguntou.

    Ser que eu realmente tive insnia ou ser que foi apenas mais um desses sonhos doidos?

    Bom isso no importa agora, eu tenho que me aprontar para ir para escola.

    - E a?

    - E a o que?

    - Onde voc foi de madrugada?

    - Olha eu acabei de acordar, ainda estou confuso, acho que confundi um sonho com a

    realidade.

    - Sei... H o papai pediu para perguntar se voc j arrumou as suas coisas?

    Eu apontei para a mala no cho.

    Assim que ela saiu pulei da cama e corri ate janela a procura do cachorro, mas estava tudo

    comum. Obriguei-me a ir ate o banheiro, lavei o rosto de olhos fechados e depois escovei os

    dentes de costas para o espelho. Se voc visse mesmo reflexo que eu vejo provavelmente faria a

    mesma coisa.

    Voltei para meu quarto e troquei de roupa tomei caf e sai. Demorei cerca de quinze minutos

    para chegar escola. Eu avistei Rafael no bicicletario. Ele e eu ramos amigos desde sempre, eu

    acho... Nossos pais estudaram juntos e quando se casaram e tiveram filhos ficaram mais

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    prximos ainda. Ele era um cara descolado, apesar de ser meu amigo, quero dizer, se ele no

    fosse meu amigo seria o cara mais popular da escola. Pois , se perde ponto quando voc anda

    com o cara estranho que vive fugindo do sol.

    -E a! disse quando me viu Eu pensei que voc no viesse mais.

    -Eu s vim fazer a prova depois eu vou embora.

    -Prova... ele colocou o cadeado na bicicleta e olhou para mim.

    -Conheo muito bem essa expresso em seu rosto!

    -H no! Esqueci completamente dessa maldita prova! disse atnito.

    -Como voc pode esquecer? Se no tirar pelo menos C voc bomba e eu no preciso nem te

    dizer o que isso significa...-Significa adeus frias!

    Era totalmente tpico do Rafael esquecer qualquer assunto relacionado a escola, desde que esse

    assunto no tivesse haver com garotas claro!

    -Voc pelo menos se lembra da ultima aula? perguntei.

    -Lembro claro! disse abrindo a mochila.-No d para estudar agora muita coisa... voc no vai estudar no mesmo. conclui.

    -Eu vou criar um resumo para consulta.

    -Voc sabe que a prova sem consulta...

    -Isso foi uma pergunta? No, claro que no foi. respondeu escrevendo-se.

    -Acontece que seu plano tem uma falha.- Do que voc ta falando?.. seu olhar perdeu-se em algum ponto atrs de mim. Eu acho que

    voc arranjou uma admiradora... disse olhando na mesma direo.

    Dessa vez foi a minha vez de perguntar; - Do que voc ta falando? olhei novamente, e no

    havia nenhuma garota me olhando.

    - Aquela morena que ta indo embora - ele disse quando fiz meno de virar novamente.-Fala serio! olhei novamente bem a tempo de v-la dobrar a esquina.

    -De qualquer forma eu acho que ela s estava impressionada com voc.

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    -Como assim?

    -William eu sou seu amigo e por isso vou dizer isso, voc muito estranho... tudo bem voc

    albino, mas isso no significa que voc tenha que se vestir todo de preto. Cara voc ta

    parecendo um vampiro ou algo do tipo...

    -Voc tambm no! J basta o resto da escola me dando apelidos e...

    -Calma William eu s quis dizer que voc muito fechado, talvez voc no fosse a piada da

    escola se no levasse tudo to a srio!

    -Voc ta querendo me dizer que se eu os incentivasse a tirar sarro de mim eles parariam?..

    -No exatamente... mas isso faria com que eles o vissem como um amigo e no como o

    estranho da escola.-Eu sinceramente no entendo essa sua linha de raciocnio. antes que ele pudesse abrir a

    boca novamente tirei meu casaco e joguei em sua direo Vista-o, a no ser que voc queira

    que todo mundo veja o seu resumo para consulta.

    Enquanto andvamos em direo a sala de aula os outros alunos cumprimentavam o Rafa,

    mas passavam por mim, como se eu no estivesse l. Era fcil para ele falar aquelas coisas, masa verdade era que no importava o que eu fizesse eles sempre me tratariam da mesma maneira.

    Quando cheguei na sala tropecei no p de algum e cai a frente de todo mundo. Ouvir os risos

    dos outros alunos no me deixava mais constrangido, depois de alguns anos acabei

    acostumando levantei como se nada tivesse acontecido.

    -Aberrao passando! gritou algum. Eu no fiz questo de me virar para saber quemfalava, essas provocaes eram constantes Rafael ainda queria que eu os encorajasse?

    -Em cima da mesa s lpis, caneta e borracha, o resto tudo dentro da mochila! disse o

    professor ao entrar na sala.

    Trinta minutos depois eu estava em frente escola sentado na calada a espera do meu pai.

    O casamento da minha tia J seria a minha salvao desse lugar, nos iramos de carro j queno temos grana o suficiente para pagar quatro passagens de avio para Cristalina no vou

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    dizer que odiei isso, sair de frias uma semana mais sedo de um lugar que voc no bem

    tratado no nenhum sacrifcio...

    Finalmente vi o nosso velho Cherockee vermelho desbotado chegar. Tom meu pai fez sinal

    para que eu entrasse logo o carro.

    -O que foi?

    -O que foi? Filho voc sabe no pode pegar sol! disse atnito.

    Estiquei a cabea para fora, o sol queimava no cu e eu nem se quer notara.

    -Voc ta bem? fiz que sim com a cabea. Pelo menos voc esta com os culos.

    Acho que esse o maior tempo que eu fiquei exposto ao sol durante minha vida toda. Como

    albino eu tenho fotossensibilidade e tambm no enxergo muito bem, uso lentes de contato eculos escuros o tempo todo, a no ser que eu esteja em um lugar fechado ou quando chove,

    mas hoje... isso foi estranho.

    Minha me ligara avisando que se atrasaria. Eu pensei em tirar um cochilo para compensar a

    insnia, mas quando deitei lembrei do sonho, se que realmente havia sido um sonho. Desci as

    escadas procura de Tom, perguntei a ele se tinha ouvido falar de algum co perdido no bairro.- Se eu no me engano uma garotinha estava procurando por um poodle semana passada.

    -Tem certeza que era um poodle?

    -Tenho, por que?

    -Por nada.

    Dei a volta e fui para o quintal procurar algum sinal de que o tal cachorro esteve ali, eu estavaandando de cabea baixa pelo jardim quando tropecei no que a principio pensei que fosse uma

    pedra, mas no era uma pedra e sim uma raiz enorme que saia de dentro da terra e mergulhava

    novamente, segui a parte mais grossa com os olhos e me deparei com uma rvore uma baita

    rvore, diga-se de passagem. Olhei a sua copa, seus galhos entrelaavam com os das outras

    gigantes.

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    Fui energizado por uma corrente que brotava da terra e tocava a minha pele e antes que eu

    desse por mim estava correndo entre as arvores colossais sem me preocupar com o sol batendo

    em minha pele, era uma sensao maravilhosa.

    Por mais que corresse eu no me sentia cansado, senti que podia correr quilmetros talvez eu

    ate tivesse corrido, eu no saberia responder isso, mas vi algo, ou melhor, algum que me fez

    parar de correr. Era a garota da escola a garota que o Rafa disse que me olhava, mesmo no a

    tendo visto sabia que era ela. Seus cabelos castanhos terminavam exatamente onde seus ombros

    comeavam.

    Ela estava de costas e segurava algo na mo direita, no pude identificar o que era. Cheguei

    um pouco mais perto; - Por que voc no olha para mim? perguntei.Ela deu um pulo assustada, mas no se virou.

    -Me desculpe no quis te assustar.

    Silncio.

    -No precisa ter medo de mim...

    -Eu no tenho medo de voc! disse ela finalmente virando de frente para mim.Nossos olhares se cruzaram com tal intensidade que tive receio do que ela realmente via.

    Ela piscou libertando-me de seu olhar hipntico. Cheguei um pouco mais perto e pude ver o

    que segurava em sua mo, era uma ma verde muito saborosa.

    Ela pegou meu pulso e colocou a ma na palma da minha mo. Eu imediatamente a levei a

    boca.-No! gritou. Eu sei que pode parecer difcil, mas voc tem que resistir! Esta em suas mos

    agora, s depende de voc.

    -Mas s uma ma! eu disse examinando cuidadosamente a fruta. O que ela tem de to

    especial?..

    Quando levantei o olhar ela no estava mais l, nada estava mais l, as arvores o mato asfolhas cadas ao cho, nada estava mais l...

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    -Filho acorda, ns vamos parti em trinta minutos.

    Mais um sonho lastimei. Acordei com o rosto da garota da escola no pensamento. Eu nunca

    havia sonhado com algum naquela floresta, a no ser com animais. O mais estranho que eu

    no me lembro de ter visto o rosto dela na escola. como era seu rosto mesmo? quanto mais

    eu tentava me lembrar, mais seus traos faciais esmaeciam em minha mente. Minha mochila

    estava jogada no quanto pensar em algum que vi apenas uma vez e de costa no adiantaria

    em nada. decidi montar um kit viagem, peguei minha mochila e coloquei dois bons, meu

    ipod e (por favor, no me julgue!) alguns gibis da Liga da Justia.

    Como todas as mes Marta me fez comer alguma coisa logo que desci as escadas e logo em

    seguida pegamos estrada.

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    02 A viagem

    A sensao que eu tive quando entramos na autoestrada era que eu tinha recebido a minha

    carta de alforria. Mas eu no estava livre, aquela garota no queria sair da minha mente e o pior

    que eu estava gostando. Tudo o que eu sabia que aquela morena era linda de costas... nossa

    como eu queria, ou melhor, quero ver o rosto dela, mas e o Rafael?

    - Como eu no pensei nisso antes?! pensei, quero dizer falei.

    - Pensou no que filho?

    - Nada no me, eu s pensei alto.

    Peguei a minha mochila torcendo para que eu no tivesse esquecido que pegar o celular.

    Agradeci em pensamento quando minha mo o encontrou.

    Abri a tela de mensagens;

    E a Rafa blz? J to na estrada t o maior tdio vc conseguiu usar o seu resumo p/ consulta?

    Enviei a mensagem e esperei.

    Sofia estava entretida vendo site de compras na internet, j Marta dormia profundamente no

    banco da frente ela era enfermeira e tinha feito planto nas ultimas vinte horas, esse era um

    dos motivos de esta tudo to letrgico, minha adorava ligar o radio e cantar e todos ns

    acabvamos fazendo a mesma coisa. Vi os olhos de Tom pelo retrovisor totalmente absorto

    diante do asfalto a nossa frente.

    Meu celular vibrou na minha mo, o Rafael finalmente respondera.

    Eu dei um jeito d escapar da aula e vir p/ sala de informtica, prefiro ficar sozinho d bobeira do q correr

    em volta da quadra feito um cachorro!!!

    H h h

    Enviei outra mensagem:

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    E aquela garota viu ela de novo?

    Rafael:

    No

    Por q ???

    Eu:

    Por nada, eu s tava pensando, vc lembra como era o rosto dela?

    Rafael:

    No, ela estava de culos. Agora eu tenho que ir o sinal vai tocar a qualquer momento e vc sabe q tem

    aquela regra babaca...

    Eu:

    Ok

    Rafael:

    + uma coisa vc esqueceu o seu casaco.

    Eu enviei outra mensagem dizendo para ele no perder o casaco, mas ele no respondeu

    provavelmente tinha desligado o celular, a nossa escola proibia o uso de aparelhos eletrnicos

    durante o horrio de aula.

    A coisa que eu mais desejava nas ultimas semanas finalmente estava comeando e tudo que

    eu pensava era naquela garota que nem ao menos eu sabia como era o seu rosto. Ela estava

    dominando meus pensamentos de uma forma quase que irritante. Olhei para a paisagem e

    obriguei-me a pensar em outra coisa. Essa viagem vai ser longa...

    A viso de rvores passando comeou a me deixar sonolento.

    O sono estava batendo forte. Deixei meu corpo escorregar no banco para ficar mais

    confortvel, abaixei o bon sobre os olhos e prestei a ateno no ronco do motor...

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    Acordei assustado com Sofia me empurrado.

    -Vamos crianas, ns no devemos demorar. ouvi Tom dizer.

    Sofia esperou ela sair para comear a falar; - A mame esta ficando preocupada com esses

    sonhos que voc vem tendo.

    -Como voc sabe, ela disse alguma coisa?

    -Outro dia a ouvi falando com o Dr. Edgar no telefone.

    -Dr. Edgar, o psiquiatra?

    -Ele mesmo.

    -timo, agora minha me pensa que eu estou ficando louco! disse passando as mos pelos

    cabelos.- melhor a gente ir. ela fez meno de abrir a porta.

    -A onde estamos?

    Ela olhou atravs da janela; - Hum... restaurante da Trudi.

    -Restaurante da Trudi... por quanto tempo eu dormi?

    -Umas quatro horas. disse saindo.Quatro horas! Olhei ao redor, no havia nada alm de areia ou terra muito seca e uma

    estrada que parecia estender-se ate o infinito.

    -William me ajuda aqui! gritou remexendo o porta-malas.

    Sofia tentava tirar a uma de suas malas que estava por baixo de todas as outras.

    -Por que voc quer tir-la da?-Eu quero tocar de roupa!

    -Por que voc quer trocar de roupa?

    -Ai William voc no entende nada mesmo! Quando ns samos de Relicria estava fazendo

    sol e agora o tempo esta nublado!

    Olhei para o cu; - Isso obvio.-Voc vai me ajudar ou no?

    -Tudo bem, eu ajudo. me rendi.

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    Tirei a mala e a esperei pegar o que queria, joguei a mala cor-de-rosa por cima das outras

    quando ela me implorou para tirar mais uma; - Voc quer pegar mais roupas?

    -No, eu preciso daquela mala ali. apontou.

    -E o que tem nelas?

    -Sapatos!

    Puxei a outra mala e esperei ela escolher o que queria.

    -Galochas?!

    -No me olhe assim, eu tenho certeza que ira chover!

    Ela voltou para dentro do carro. Devolvi a mala a seu lugar e esperei Sofia trocar de roupa.

    -Voc uma Patrcinha sabia?-Pelo menos eu tenho estilo! gritou dentro do carro.

    Alguns minutos depois ela finalmente saiu do carro, usando uma blusa branca com uma mini-

    saia jeans e suas galochas xadrez, antes de fechar a porta ela pegou um casaco azul claro e

    colocou.

    -Podemos ir agora Barbie?-A chave! disse voltando.

    Eu no sei se algum acreditaria no que eu estou prestes a dizer, mas vou tentar.

    Senti algo me puxar para a estrada, era como um im s que no atraa fisicamente, era algo

    mental e aquilo guiou o meu olhar na direo de um carro preto, um Honda Civic que parecia

    ter acabado de sair da fbrica.O carro pareceu reduzir a velocidade quando passou em frente ao restaurante. O motorista

    olhou direto nos meus olhos como uma afronta. Minha respirao travou junto com minha

    mente. No meu corpo s havia lugar para uma coisa.

    Raiva.

    Aquilo durou apenas alguns segundos que mais pareceram uma eternidade para mim.-William voc esta bem?.. William? William!

    O Civic aumentou a velocidade e desapareceu na estrada.

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    -William! olhei para o lado, Sofia estava cheia de pontinhos coloridos respirar meu corpo

    puxou o ar desesperado por oxignio; - Voc estava comeando a ficar roxo! Nossa eu acho que

    voc ta tendo um ataque! Eu vou chamar a mame!..

    -No!.. sussurrei, minha garganta ardia Eu tive a impresso de ter visto uma abelha e voc

    sabe que sou alrgico a abelhas. forcei a voz para parecer normal.

    -Nossa ainda bem que voc a viu antes que ela te picasse, mas voc no parece muito bem...

    -Foi s o susto, eu estou bem, srio! tentei parecer animado. pisquei os olhos longamente,

    pouco a pouco minha viso foi voltando ao normal.

    -Tem certeza que esta melhor?

    Fiz que sim com a cabea; - Pegou a chave? ela a balanou em sua mo Ento vamos antesque o Tom venha nos buscar! tentei parecer animado. Olhei para trs mais uma vez antes de

    entrar no restaurante.

    O lugar era uma parada de caminhoneiros e estava cheio deles, meus pais sentaram em uma

    mesa ao lado da janela tentando evitar a fumaa dos cigarros. Sentei, peguei o cardpio, sem

    muitas opes pedi um bife com batatas fritas e uma coca. Enquanto a comida no chegava deium jeito de escapar eu precisava jogar gua no rosto. O banheiro era nojento o cho estava

    preto pela sujeira e as paredes pichadas com palavres e ameaas, o banheiro s possua uma

    pia e estava ocupada por um cara que fazia a barba. Ele me olhou desconfiado.

    - S estou esperando voc acabar. eu disse dando um passo para trs. Ele me olhou por mais

    dez segundos e voltou a fazer a barba olhando no espelho que parecia ter sido quebrado por umsoco.

    Quando terminou colocou seu barbeador em um velho estojo de couro andou ate a porta

    parou, se virou e me olhou, abriu a porta e saiu. Finalmente pude lavar meu rosto, a gua fria

    me fez despertar, sequei meu rosto com uma toalha de papel. Confesso, no resisti e olhei pela

    janela averiguando se o carro preto realmente no voltara.

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    Quando voltei para mesa, todos j estavam comendo ou tentando Voc demorou sua

    comida acabou esfriando disse Tom brincando com a comida em seu prato. O bife no tinha

    uma cara muito boa parecia mais uma sola de sapato frita, mesmo assim peguei o garfo, a faca e

    cortei um pedao e coloquei na boca, era horrvel no consegui engolir - tambm tinha gosto de

    sola de sapato - cuspi em um guardanapo, peguei uma batata encharcada de leo, mas acabei

    largando no prato.

    Os outros tambm olhavam seus pratos com repulsa, a no ser Sofia que comia a sua salada

    com um grelhado de frango sem olhar para o prato por que olhava admirada para a bolsa de

    uma mulher que estava sentada na mesa ao lado.

    Como ela conseguia comer? As folhas de alface em seu prato estavam murchas e visguentas eo frango de devia ser grelhado parecia mais ter sido afogado no leo.

    -Como voc consegue comer isso? perguntei.

    -Qu? disse saindo de seu delrio de consumista.

    -Sua comida, como consegue come-la?

    Ela olhou para o prato; - Isso ta com um gosto... medonho.-J chega! Vamos embora daqui!

    Tom saiu da mesa, ns trs trocamos olhares e o seguimos. Ele estava abrindo a porta quando

    um homem alto e muito gordo com um avental que um dia havia sido branco disse; - Voc

    esqueceu de pagar a conta!

    Meu pai deu meia-volta ficando de frente para o cozinheiro.-Eu no vou pagar por essa porcaria que vocs nos serviram!

    Alguns caminhoneiros levantaram-se.

    -Escuta aqui, ns no os obrigamos a entrar, vocs vieram por livre o espontnea vontade! E

    por isso que voc vai pagar pelo que pediu... e tambm vai dar uma gorda gorjeia a garonete

    pelo excelente atendimento. disse com a voz baixa e agressiva.Tom o encarou por meio segundo antes de se virar e prosseguir com sua sada.

    -Os meus amigos esto aqui para ajud-los a cooperar.

  • 7/29/2019 Vale das Sombras

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    Cinco caminhoneiros coloram-se atrs do cozinheiro.

    Minha me abriu a bolsa e pegou a carteira; - Quanto mesmo? perguntou.

    -No! disse Tom Eu j disse que ns no vamos pagar.

    Os caminhoneiros comearam a vir em nossa direo. Por um minuto eu tive absoluta certeza

    do que iria acontecer... foi quando eu o vi atravs da janela, o Civic preto estava parado em

    frente ao restaurante, mas como isso possvel? perguntei-me em pensamento.

    -Me desculpem por isso, vocs tm toda a razo a comida esta horrvel, me perdoe. disse o

    cozinheiro. claro que no vou cobrar por isso! desculpou-se caminhado ate a entrada.

    Tenham um bom dia! disse abrindo a porta para ns.

    Sem entender o que acontecia Tom fez sinal para que sassemos. Assim que eu estava de ladode fora procurei com o olhar pelo carro preto, mas ele j no estava mais l.

    -Vamos sair antes que eles mudem de idia! disse Tom atnito.

    Minha mente comeou a relacionar o repentino surto de simpatia daquele cozinheiro com o

    Civic, ou melhor, com quem o dirigia, no! Isso loucura! O cozinheiro simplesmente se tocou

    que ele estava errado e resolveu desculpar-se pelo o que fez. no obvio William?! Omotorista daquele carro no teve nada a ver com aquilo, e voc nem sabe se era o mesmo carro

    que voc viu antes.

    Talvez minha me esteja certa em relao ao psiquiatra... pensando bem eu mesmo vou puxar

    assunto quanto tiver a oportunidade, mas por enquanto eu vou fazer o mximo para restringir a

    minha mente desses pensamentos absurdos.Eu estava decidido a no deixar a minha mente perambular pelo mundo das

    impossibilidades. Peguei o gibi da Liga da Justia e forcei-me a concentrar na histria.

    A estrada ainda estendia-se em linha reta a nossa frente parecia interminvel eu j havia

    relido as cinco revistas que eu levara.

    Dentro do carro estava mais silencioso do que de costume, minha me folhava distrada umarevista de fofoca, Tom estava concentrado no horizonte a sua frente, olhei para o lado, Sofia

  • 7/29/2019 Vale das Sombras

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    dormia, sua pele estava plida algo me fez prestar mais ateno em seu sono ela tremia

    ligeiramente, coloquei a mo em sua testa; - Me!.. Tem alguma coisa de errado com a Sofia.

    -Como assim? perguntou.

    -Ela esta muito quente...

    Meu pai parou o carro e minha me usou o seu conhecimento em medicina para examin-la.

    -Sofia querida acorde...

    Ela abriu os olhos e tornou a fech-los; - O que ela tem? perguntei. Sofia a aprumo-se de

    repente arregalando os olhos.

    -Eu vou... antes de terminar a frase ela j estava fora do carro vomitando. Nossa me foi

    ajud-la.-Eu aposto que foi aquela comida que a deixou assim. disse meu pai saindo do carro com

    uma garrafa de gua na mo. Sofia virou metade dela na nuca.

    -Esta melhor agora? perguntei.

    Ela fez que no com a cabea; - Estou um pouco tonta...

    -O que fazemos agora, voltamos ou seguimos? Se voltarmos ns s vamos chegar a Relicriaem cerca de cinco horas.

    -Ela precisa de um mdico. disse minha me, com sua voz coberta de preocupao.

    -A prxima cidade no deve estar muito longe. disse.

    -Ento vamos.

    Sofia cambaleou de volta ao carro com a ajuda da minha me.Ns rodamos cerca de quarenta minutos antes de algum carro passar por ns. Tom diminuiu

    a velocidade a acenou para o motorista do trailer que vinha da direo contraria, ele tambm

    diminuiu a velocidade quando nos viu. Tom parou exatamente ao seu lado.

    -Algum problema? perguntou o homem de barba ruiva do trailer velho.

    -Infelizmente sim respondeu Tom a minha filha no esta passando muito bem. Vocpoderia me dizer qual a cidade mais prxima?

  • 7/29/2019 Vale das Sombras

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    -A ultima cidade por qual passei foi Campo Verde... ele sumiu por alguns instantes deve

    estar pegando alguma coisa no porta-luvas pensei Esta aqui. ele estendeu algo para meu

    pai um mapa, pode ficar com ele, eu tenho outros aqui comigo por precauo. Se eu no

    estiver enganado, h um desvio que leva a Destina, eu acho que fica mais perto que Campo

    Verde...

    -Muito obrigado!

    -No h de que... agora eu preciso seguir viagem. Espero que sua filha melhore.

    -Eu tambm. disse Tom olhando para Sofia.

    O trailer fez um tremendo barulho quando saiu.

    Ele abriu o mapa sobre o painel; - Ele esta certo, h uma cidade no muito longe daqui.Sofia acordou novamente e voltou a vomitar pela janela que havia sido mantida aberta em

    caso de emergncia.

    -Voc esta melhor agora? perguntei.

    -No... respondeu com a voz rouca Eu estou com frio. tirei meu casaco e coloquei em

    cima dela. Em pouco tempo Sofia adormeceu novamente. Marta e eu trocamos de lugar, assimela poderia ficar de olho em Sofia.

    O cu estava escurecendo com as nuvens carregadas de gua que estavam prestes a cair.

    Espero que no chova, no muito seguro dirigir to rpido quanto Tom esta dirigindo se o

    asfalto estiver molhado.

    Comeara a anoitecer e ns ainda no havamos chegado a Destina (que nome estranho parauma cidade), Sofia ainda dormia - eu estou ficando preocupado, ser que normal ela dormir

    tanto assim?

    Gotculas de gua comearam a cair das nuvens que aos poucos foram transformando-se

    gordos pingos de gua que manchavam e embaavam o pra-brisa. Maldita hora para chover!

    Tive vontade de ligar o rdio para passar o tempo, mas no liguei no queria acordar a Sofia- lembrei do meu iPod, mas estava na minha mochila que eu coloquei no porta-malas quando

    Sofia passou mal.

  • 7/29/2019 Vale das Sombras

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    Encostei a cabea no banco e fiquei olhando as gotas de chuva escorrer pelo vidro, tentei

    identificar as coisas atravs do vidro embaado, mas era muito chato.

    O silncio de vozes junto com o barulho da chuva batendo nos vidros era tedioso.

    Eu no estava com sono, mas parecia que ele estava prestes a me apanhar quando um vulto

    passou por entre a vegetao fora da estrada. Dei um pulo no banco sustado.

    Passei a mo no vidro para desembaar, mas em pouco tempo embaava de novo. Abaixei o

    vidro para ver melhor, as gotas chocaram-se violentamente contra o meu rosto.

    -O que voc esta fazendo? Fecha esse vidro agora!

    Ento eu vi de novo, era algo grande e preto, parecia um... urso?

    -Tom voc viu aquilo?-Vi o qu? Fecha logo esse vidro William!

    Eu fechei rapidamente.

    -Do que voc estava falando?

    - Tinha alguma coisa correndo no mato!

    - E o que era?- Eu no sei, era enorme e preto, corria muito rpido, parecia um urso!

    - Filho voc esta cansado deve ter imaginado isso.

    - Pai eu no estava dormindo! Eu no sei o que eu vi, mas se parecia com um urso!

    Minha me acordou e perguntou por que discutamos, Tom disse que eu estava cansado e

    havia confundido um sonho com a realidade.Eu sei que no estava dormindo.

    -Pai eu estava acordado quando baixei o vidro!

    -William eu estou cansado e no quero me distrair com bobagens.

    -Tom eu no disse que era um urso, eu s disse que parecia um urso.

    Ele respirou fundo.

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    -Em primeiro lugar no existem ursos por aqui e em segundo lugar ursos no correm to

    rpido! Eu estou a quase cem km por hora! ser que ele no ouviu o que eu disse? Eu no

    tinha certeza se o que eu vi foi realmente um urso.

    - William fim de conversa!

    Eu sei que ele esta estressado com a situao. Por isso no fiquei chateado com a

    contrariedade dele.

    Sofia gemeu no banco de trs, mas ela ainda dormia.

    A chuva transformou-se em uma poderosa tempestade com raios e troves estrondosos que

    fizeram Sofia despertar assustada, mas no demorou para ela voltar a dormir novamente.

    -Que estranho. exclamou Tom, olhei para ele. Devia ter uma entrada direita por aqui.-Talvez voc tenha se enganado.

    -Pode ser. William pegue o mapa dentro do porta-luvas. fiz o que ele disse. Ns estamos na

    rodovia cinqenta e trs.

    -Rodovia cinqenta e trs, rodovia cinqenta e trs. eu dizia enquanto procurava ela entre

    todas as linhas coloridas do mapa.Aqui. eu indiquei a linha verde para Tom.

    -Ns devemos estar por aqui. ele alternava olhares entre a estrada e o mapa.

    -Voc tem razo, devia ter uma entrada direita.

    Olhei para frente, tudo que eu via era a estrada em linha reta cercada por rvores. Pai... ele

    olhou para mim eu acho que esse mapa no muito recente.-Voc acha que ele pode ter nos dado um mapa velho?

    Fiz que sim com a cabea.

    -Eu deveria ter comprado um antes de samos. lamentou-se.

    -E agora?

    -Vamos parar na prxima lanchonete ou posto de gasolina e pedir informaes. Como a suairm esta?

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    Olhei para trs, ela ainda dormia, sua franja estava molhada. Tom eu acho que a febre

    voltou.

    -Marta. ela tambm dormia.

    -Me. eu tirei o cinto de segurana e subi em cima do banco para poder alcan-la, coloquei

    a mo em seu ombro e a balancei devagar para acord-la; - Me eu acho que a Sofia esta com

    febre.

    Ela colocou a mo sobre a testa dela. Ela esta queimando. sua voz estava coberta de

    preocupao.

    Sofia estava plida, seus lbios rosados agora estavam sem cor e sua respirao oscilava.

    Vi meus pais trocarem olhares pelo retrovisor.

  • 7/29/2019 Vale das Sombras

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    03 A Reserva

    Olhei para meu relgio eu odiava o contraste que meu relgio preto fazia contra minha pele.

    quarenta e cinco minutos havia se passado e ainda continuvamos a seguir pela estrada que

    parecia no ter fim.

    A chuva havia parado permitindo-me enxergar nitidamente atravs do vidro.

    A viagem mal tinha comeado e j estava dando errado.

    -Ela esta piorando. ouvi minha me. Sofia precisa tomar soro, ela esta muito desidratada.

    Logo mais a frente avistei uma placa verde, s pude ler o que estava escrito quando chegamos

    mais perto.

    -Reserva indgena Kemau. li em voz alta, ao lado da placa havia um desvio ao lado

    esquerdo da pista.

    Tom no pensou duas vezes antes de seguir em direo da reserva.

    -Espero que tenha um mdico l.

    Eu precisava de um pouco de ar, abri o vidro e coloquei meu brao na janela, apoiei a cabea

    fiquei olhando para o cu nublado.

    Uma suave brisa refrescante atingiu meu rosto, foi confortante senti aquele suave vento tocar

    minha pele.

    Olhei para as rvores que passavam rapidamente. ser que eu imaginei aquele animal

    correndo? duvidei, eu nunca vou saber. melhor eu no pensar mais nisso, voltei a olhar para

    o cu, as nuvens comeavam a se dissipar deixando pequenos espaos para o sol lanar seus

    raios sobre a terra.

    Me assustei quando minha me tocou no meu ombro.

    -Coloque seus culos querido. disse ela com os meus culos na mo, fiz o que ela disse e

    voltei a olhar o cu. Um pssaro voava sobre o carro, ele batia as asas e planava nos

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    acompanhando pelo cu. O forte sol impedia-me de ver direto; - Pai ele olhou para mim que

    pssaro aquele? perguntei apontando para o cu.

    Ele chegou um pouco mais perto do pra-brisa; - Parece uma guia ou talvez seja um gavio.

    Olhei novamente para o cu.

    -William cuidado ou vai cair do carro! alertou Tom, eu no percebi que estava quase saindo

    pela janela. Sentei-me no banco e estiquei o pescoo para fora.

    -Cad ela? eu disse alto sem perceber.

    -Ela quem? perguntou Tom.

    -A guia, ela sumiu!..

    Ele riu; - Filho voc falou igual a uma criana! William voc no esperava que aquele pssaroficasse sobrevoando o carro o dia inteiro...

    Fiquei em silncio.

    Agora meu corao batia em um ritmo descompassado. Olhei para o cu na esperana de v-

    la novamente. Nada...

    A palavra loucura veio a minha cabea. Por que uma guia, ou melhor, aquela guia chamaratanto a minha ateno, afinal ela era apenas um pssaro! me senti mal por pensar assim.

    William voc no pode perder a razo! sussurrei para mim mesmo. Eu no posso deixar que

    as coisas saiam do controle, mas e o urso?.. Eu nem tenho certeza se era realmente um urso, mas

    tenho certeza de que eu o vi, eu no estava dormindo eu sei! eu estava comeando a ficar com

    raiva por no conseguir tirar aqueles pensamentos da cabea. Os caras da minha idadecostumam pensar em garotas, futebol, carros... Droga! Por que eu sou assim? olhei para Sofia

    eu precisava mudar a minha ateno para algo mais importante, como a sade da minha irm,

    por exemplo. Ela ainda dormia no colo da minha me.

    -Graas a Deus! exclamou Tom Chegamos.

    A reserva ficava cerca de dois quilmetros de distancia da estrada.Fiquei surpreso com o que vi, ao invs de ocas como imaginei que encontraria na reserva

    havia casas comuns. A reserva indgena era uma pequena cidade muito simples.

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    Todos que estavam na rua nos olharam curiosos, Tom parou o carro perto de uma loja de

    suvenires, um senhor estava sentado na calada em uma cadeira esculpindo um pedao de

    madeira com um canivete.

    Meu pai abaixou o vidro e perguntou se ele podia dar uma informao? o senhor que estava

    concentrado em seu artesanato e levantou a cabea atnito.

    -Boa tarde. respondeu ele.

    -A minha filha esta doente e precisa de um mdico o senhor sabe onde eu posso encontrar

    um?

    -Vocs deram sorte, hoje Dr. Paulo esta na aldeia.

    -Onde posso ach-lo?-Ele esta no ambulatrio, v reto e vire a direita na quarta esquina e o senhor vai encontr-lo.

    - Obrigado.

    Seguimos a sua orientao e chegarmos ao ambulatrio. Bati na porta marrom e uma mulher

    de traos indgenas abriu, ela vestia um uniforme branco e usava um chapeuzinho com uma

    cruz vermelha bordada.-A minha irm no esta muito bem, ela no para de vomitar...

    -Traga ela para dentro. disse para Tom que estava com Sofia nos braos Queiram me

    acompanhar, por favor. o lugar no era muito grande, para dizer a verdade era bem simples.

    Ela bateu na porta duas vezes antes abrir; - Dr. Paulo, ns temos uma paciente.

    Um senhor na casa dos cinqenta estudava uma pilha de papis sobre sua mesa velha.-A deite aqui. disse a enfermeira indicando a cama a Tom.

    -O que houve com essa moinha? perguntou o mdico.

    -Ela no para de vomitar desde que almoou. respondeu minha me.

    -Eu aposto que esse almoo foi no restaurante da Trudi.

    -Como o senhor sabe? perguntei.-Frequentemente as pessoas que passam por l tambm passam por aqui. respondeu a

    enfermeira.

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    -Isso no de surpreender.

    -E vocs? perguntou Dr. Paulo enquanto examinava Sofia.

    -Ns no chegamos a comer, mas minha filha anda sempre com a cabea nas nuvens...

    -Nessa idade todas andam. Ela vai precisar tomar soro com alguns medicamentos e repousar,

    mas no se preocupem depois de algumas horas ela vai ficara nova em folha!

    Sofia despertou e imediatamente levou mo a boca, a enfermeira pegou um balde de lixo e

    foi ate a Sofia bem a tempo.

    -Vou dar a ela um remdio para enjo antes.

    Ns samos do pequeno consultrio e fomos recepo, tudo que ns podamos fazer agora

    era esperar.A enfermeira Kein esse era o nome bordado no bolso do jaleco nos serviu caf e gua, eu

    folhei algumas revistas, mas nenhuma prendeu a minha ateno por muito tempo.

    -Por que no vai dar uma volta? disse minha me.

    Dar uma volta era uma boa idia, talvez um passeio por um lugar assim me distraia um pouco

    mais.As ruas da aldeia eram largas com casas dos dois lados, mas no perto uma das outras, os

    espaos entre elas era duas vezes o tamanho da prpria casa em si.

    Algumas crianas que brincavam na rua pararam para me olhar quando eu passei eu

    geralmente no gostava quando me olhavam desse jeito, mas eu compreendia a curiosidade

    deles j que quase todos ali eram descendentes de ndios, acho que uma pessoa ruiva faria maissucesso aqui do que eu.

    Continuei a andar, entrei na loja que vendia suvenires que passamos quando chegamos. A loja

    era cheia de artesanatos, mas nada que chamasse minha ateno, havia um objeto pendurado no

    teto que parecia uma teia de aranha em um circulo com trs penas penduradas.

    - um apanhador de sonhos. disse o vendedor. Voc o pendura em cima da sua cama parano ter pesadelos.

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    Lembrei dos sonhos medonhos que eu vinha tenho atualmente, mas eles no eram pesadelos.

    E funciona?

    -Eu tenho um no meu quarto desde criana e no me lembro da ultima que eu tive um

    pesadelo. eu no sei se ele estava sendo sincero ou se ele era um bom vendedor. Eu vi

    quando vocs param aqui em frente e falaram com o velho Iteni.

    -Iteni?

    -O senhor que esta sentado na frente. ele apontou para a porta de entrada. Vieram conhecer

    a aldeia?

    -Na verdade no foi a turismo que viemos aqui.

    -No? ele ergueu as sobrancelhas.-Minha irm estava passando mal ento paramos aqui, seu amigo disse que tivemos sorte por

    Dr. Paulo estar na aldeia hoje.

    -Tiveram mesmo, ele no costuma vir quatro vezes por semana.

    As coisas da loja eram todas artesanais, peas nicas; - A minha irm Sofia louca por essas

    coisas.-Eu tenho uma coisa especial aqui. disse ele andando na direo do balco.

    -Especial?

    Ele desapareceu detrs do balco. Onde ele esta, onde ele esta? ouvi o barulho dele

    remexendo nas caixas. Aqui! ressurgiu com uma caixinha branca nas mos, eu a peguei e

    abri, dentro dela havia uma pulseira com contas turquesas. Linda no ? perguntouentusiasmado. uma antiguidade.

    -Ela o tipo de coisa que Sofia adoraria ganhar.

    -Me deixa embrulhar para voc.

    Bati a mo acidentalmente numa pilha de folhetos que se espalharam pelo cho. Eu me

    abaixei para pega-los e vi algo na ultima prateleira que me fez duvidar de minha sanidade. Ovendedor se abaixou para ver o que eu estava olhando.

    - linda no mesmo!

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    Eu peguei aquela moldura como se fosse a coisa mais preciosa do universo.

    - Onde conseguiu? perguntei.

    - Olha rapaz isso uma relquia de famlia e eu nem sei o que ela esta fazendo aqui.

    Isso no possvel! Isso no possvel... repetia mentalmente para eu mesmo. Essa pena

    no pode ser real, eu sonhei com ela.

    O cara tomou o quadro da minha mo.

    - Relquia de famlia? Desde quando ndios viraram ourives?

    - Essa pena no de ouro, na verdade ela...

    - Ela o qu?

    Ele olhou para os lados e depois para pena em suas mos. Essa pena pertenceu a umpssaro, um dos quatros caimns que salvaram a nossa tribo.

    - Eu confesso que nunca tinha ouvido falar nesse pssaro.

    - Caimn no uma espcie de pssaro!

    - Esquece disse sacudindo a cabea uma histria boba, uma lenda que os ancies contam

    aos mais jovens.- Que lenda essa?

    - Olha... ele baixou o tom de voz. eu no posso cont-la para voc, mas eu tenho um livro,

    na verdade um dirio bem antigo que foi escrito por uma das crianas que estiveram

    presentes quanto eles vieram.

    - Eu posso ler?- Pode ficar com ele se tiver vinte pratas.

    - Vai vend-lo para mim? Voc no pode contar a histria, mas pode vend-la?

    - complicado, mas voc vai entender assim que ler o dirio!

    A curiosidade me corroia por dentro. Eu sabia que ele estava me enrolando s para me vender

    esse tal dirio, talvez a histria nem fosse to boa assim, mas eu tinha que saber mais sobreaquela pena por que se ela existia significava que aquilo realmente havia acontecido e que

    talvez eu no estivesse enlouquecendo, eu no sei o que uma coisa tinha haver com a outra, mas

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    sentia que tudo estava interligado, a pena dourada, a garota da floresta, o urso que eu no sabia

    o que realmente era e o cachorro que me atacou no quintal... Espera, se no foi um sonho por

    que no me lembro de volta para o meu quarto?

    Ele surgiu novamente atrs do balco e colocou um pequeno caderno de capa dura azul em

    cima do balco.

    - Esse o dirio? Pensei que ele fosse mais... velho.

    - O verdadeiro pertenceu a minha bisav e eu acabei ficando com ele, como uma herana de

    famlia. Ele estava escrito na lngua da tribo, voc no sabe o trabalho que eu tive para traduzi-

    lo.

    Tirei o dinheiro do bolso e coloquei em cima do balco; - S posso pagar dez pelo dirio.-O preo vinte.

    Peguei o dinheiro de volta deixando apenas o valor da pulseira. Peguei o pequeno embrulho

    cor-de-rosa e coloquei no bolso e comecei a andar torcendo para meu plano dar certo.

    Eu estava quase na porta quando ele gritou; - Tudo bem eu o vendo por dez, mas s por que

    eu gostei de voc!Algumas crianas pulavam corda no meio da

    rua em frente loja, mas quando me viram pararam olharam como se eu fosse um brinquedo na

    vitrine de uma loja no shopping.

    Eu tive vontade de perguntar por que eles estavam me olhando, mas eu sabia que era s

    curiosidade de criana, aposto que eles nunca haviam visto algum to branco quanto eu.-Eles acham que voc o grande leo branco.

    -O qu?

    -Voc como o leo branco, um caimn. disse o senhor que ainda estava esculpindo o

    pedao de madeira. uma coisa que aconteceu h muito tempo.

    -Por eles acham que eu sou um caimn?Ele respirou fundo como se estivesse cansado.

    - uma longa histria, que eu no posso contar.

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    - Uma lenda?

    - No uma lenda.

    Eu no insisti que ele contasse a histria, eu tinha ela na palma da minha mo literalmente

    olhei mais uma vez para a rua, as crianas ainda me olhavam curiosas. Eu no sou um caimn.

    disse, continuei andando, no resisti e acabei olhando para trs. Elas ainda me olhavam, os

    olhares que antes eram de curiosidade agora eram de decepo. Me senti culpado por destruir a

    fantasia deles.

    Voltei para o ambulatrio e fui at o quarto em que Sofia estava, ela dormia profundamente

    com uma mangueirinha no brao que levava soro para sua veia.

    Coloquei o pequeno embrulho rosa ao lado de sua mo esquerda e sai do quarto com cuidadopara no fazer barulho.

    Tom tomava um copo de gua no corredor. Est com fome? perguntei.

    -Para dizer a verdade no filho. sua voz soou rouca. Comprou um caderno novo?

    -Isso? eu apontei para o dirio. um livro sobre uma lenda local, tambm comprei um

    presente para a Sofia, eu deixei em cima da cama dela.Tom se importa se eu ficar l fora? Eu queria ler o livro.

    -Fiquei por perto no caso de eu precisar de voc.

    -Tudo bem.

    Em frente ao ambulatrio havia uma espcie de clareira. Um bom lugar para ler. pensei.

    Sentei na grama e encostei-me a uma rvore onde os raios solares no conseguiriam mealcanar. Peguei o dirio e o abri:

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    O dirio de Tawani

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    A histria aqui escrita apenas uma parte do dirio de Tawani Kemau, na poca do acontecimento ela

    tinha apenas oito anos. Dez anos depois quando a tribo ganhou o direito legalmente s terras da reserva,

    foi fundada uma escola para que os jovens no perdessem a cultura indgena e no precisassem sair da

    aldeia para estudar.

    Tawani aprendeu a escrever aos dezoito anos de idade e relatou partes de sua vida em um pequeno

    dirio, o qual voc ira ler a parte mais misteriosa de sua vida.

  • 7/29/2019 Vale das Sombras

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    Lembro-me como se tivesse acontecido ontem, mas na realidade foi a mais de dez anos atrs.

    Eu estava ajudando a minha me a descascar o milho quando o cacique da tribo vizinha Capun chegou

    e pediu para falar com Kait.

    Eles foram para perto das rvores, longe de mim. Eu era uma criana muito curiosa. Disse para minha

    me que minhas mos doam e ela disse para ir lav-las no rio, eu levantei e sai andando na direo do rio,

    quando eu estava quase chegando olhei para trs para ver se ela ainda me olhava, ela voltara a se

    concentrar nos milhos. Comecei a correr por entre a mata at chegar a onde os dois conversavam, me

    escondi atrs de um salgueiro e fiquei escutando a conversa.

    O cacique Capun pediu para que nossa tribo lutasse ao lado da sua contra o homem branco, Kait disse

    que seria certo lutar contra quem nunca nos fez mal e que por isso no arriscaria a vida de sua tribo sem

    razo.

  • 7/29/2019 Vale das Sombras

    35/260

    Eu vi a raiva crescer dentro do cacique, tive medo que ele atacasse Kait, mas ele no o fez, limitou-se a

    disser; - Voc e sua tribo vo se arrepender disso! e foi embora.

    Muitos dias se passaram at sabermos noticias sobre a batalha, apesar dos capuns estarem em maior

    nmero os brancos ganharam a batalha. Suas flechas e lanas no foram pario para as armas de fogo do

    homem branco.

    O cacique Capun e trs de seus filhos foram uns dos onze ndios sobreviventes.

  • 7/29/2019 Vale das Sombras

    36/260

    Eu brincava com outras crianas quando tudo escureceu, o dia ensolarado transformou-se em uma noite

    de breu sem a lua para iluminar. Eu fiquei desesperada estava tudo escuro no conseguia enxergar nada.

    Gritei chamando pela minha me, mas ela no respondia. Comecei a correr, eu podia sentir a terra de

    baixo dos meus ps, escorreguei em alguma coisa viscosa que eu no pude ver e cai. Eu estava com medo

    de cair de novo ento comecei a engatinhar tateando o cho a minha frente. Minha mo entrou dentro da

    gua. deve ser o rio pensei, virei e voltei para trs. Continuei a engatinhar, minha mo encontrou algo

    duro, fiquei de joelhos e usei as duas mos para identificar o que era... uma rvore, fiquei de p com as

    mos agarrando a rvore. Eu no queria sair dali com medo do que eu encontraria se continuasse

    andando.

    -Sai daqui! eu ouvi uma mulher gritar.

    -Me ajuda eu no consigo ver! eu gritei.

    -Eu disse para voc sair daqui. sua voz estava coberta pelo desespero, achei melhor no pedir mais

    ajuda a ela. Sai daqui! ela continuava a gritar. Me deixa em paz!

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    Me agarrei a rvore com mais fora. Eu no podia v-la, mas podia ouvir seus passos se aproximado

    cada vez mais de mim; - No chegue perto de mim! eu disse e de repente algo acertou minha cabea,

    desmaiei.

    No sei por quanto tempo eu fiquei desacordada. Quanto recuperei os sentidos tudo ainda estava escuro,

    minha cabea doa muito.

    No me mexi, no gritei, no chorei.

    Tudo que eu fazia era ouvir gritos.

    Gritos de terror.

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    Eu havia perdido completamente a noo do tempo, por isso no sei ao certo por quantos dias eu fiquei

    trancada nesse mundo sem luz.

    Eu dormia e acordava sempre no mesmo lugar. Tudo o que me lembro depois disso de acordar com

    minha me acariciando meus cabelos.

    Meus olhos doeram com a luz do dia, meu corpo estava sedento por gua, mas a primeira coisa que eu

    fiz foi abraar a minha me.

    Eu perguntei a ela o que tinha acontecido ela me falou que ainda no sabia, mas que logo iriam explicar.

    -Quem vai explicar? perguntei e a resposta dela foi tudo menos a que eu esperava.

    -Os caimns.

    Ela me pegou no colo e me levou at onde eles estavam, mas eles no eram como eu imaginava.

    Humanos. Lembro que a mulher tinha cabelos coloridos e que quando ela me viu veio na minha direo.

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    Ela perguntou a minha me como eu estava.

    -A cabea dela tem um corte grande. disse minha me.

    A mulher olhou dentro dos meus olhos eu nunca vou esquecer da bondade que eu vi naquele olhar

    ela colocou uma mo na minha cabea e com a outra agarrou uma pedra cor de fogo de estava pendurada

    em seu pescoo.

    -Vai ficar tudo bem! ela disse. Uma luz intensa invadiu minha cabea e eu desmaiei novamente.

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    Quando voltei eles j tinha ido embora.

    Alguns dias, depois que eu estava totalmente recuperado do terrvel trauma, tive coragem e pedi que

    minha me explicasse o que realmente tinha acontecido.

    Ela contou que depois que eu desmaiei os quatro caimns revelaram o motivo de coisas ruim acontecerem

    a todos da tribo.

    O cacique capun nos culpou sobre a sua derrota e ordenou que o feiticeiro da tribo lanasse sobre ns

    uma maldio. A maldio caiu sobre todos ns nos fazendo enxergar nossos mais profundos medos.

    Eu vi o escuro e a solido, minha me a minha morte, alguns viro seus pesadelos tornarem-se reais...

    Os caimns viram nosso sofrimento e vieram para nos ajudar, eles libertaram toda a tribo da maldio e

    ajudaram a curar os feridos.

    Antes de partirem disseram que quem quisesse continuar em paz e livre nunca deveria falar sobre a

    maldio ou quem decidisse cruzar os limites da terra que hoje em dia chamamos de reserva seria tomado

    pela praga de enxergar os prprios medos.

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    Abaixo alguns esclarecimentos:

    * Os caimns so deuses animais.

    * Leo, guia, ursos e lobo, esses foram os quatro animais caimns que salvaram a tribo da maldio

    lanada pelos capuns.

    * Conta lenda que os quatro animais sagrados assumiram a forma humana para explicar aos ndios que

    eles nunca poderiam falar sobre a maldio ou voltariam a ser dominados por ela.

    * Alguns dizem que a guia era uma jovem de cabelos longos e coloridos como as sementes da terra, o

    urso um rapaz grande e de cabelos pretos como a noite, o lobo um lindo e alto rapaz pelo qual as ndias

    ficaram fascinadas e o leo branco era um jovem de pele muito branca e cabelos cor de palha.

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    Me senti um completo idiota. O indiozinho passou a perna em mim. Mas tudo bem, eu

    mereci, tenho que admitir que apenas um lesado acreditaria nessa historia. Olhei ao meu redor

    certificando que estava realmente sozinho senti uma pontinha de vergonha por estar lendo

    aquilo. Um galho quebrou em algum lugar a minha esquerda no sei por que, mas a

    lembrana do co no jardim de casa veio a minha mente. Me encolhi atrs da arvore e arrisquei

    uma espiada. No havia ningum l.

    - O que voc esta fazendo? assustado e na pressa de virar bati o rosto na arvore. Filho eu

    ao quis assustar voc!

    - Nossa Tom! foi tudo que eu consegui dizer enquanto levava a mo ao corao.

    - A Sofia j teve alta. Levanta, vamos pegar uma gua para voc.

    * * *

    Samos da reserva trs horas e meia depois de chegarmos. Sofia agora mais corada mirava a

    paisagem sem muito interesse eu tentei fazer o mesmo, mas minha mente persistia emperambular por aquela historia. Eu s pensava naquela pena e em quanto quelas pessoas eram

    devotadas histria dos caimns a tal ponto de preservar o trato de silncio ate hoje.

    Aquelas crianas acharam mesmo que eu era o leo branco!? gostei que seus olhares fossem

    de admirao ao invs de curiosidade.

    Bom provavelmente isso no ira mais acontecer.-O que isso? perguntou Sofia apontando para o dirio em minha mo.

    Entreguei a ela; - uma histria da tribo Kemau.

    Ela comeou a ler imediatamente.

    Peguei o iPod na minha mochila. Talvez um pouco de msica me distrasse. coloquei os

    fones e pus no volume mximo e fiquei olhando as rvores passarem pela janela enquantoouvia Foo Fighters.

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    04 Coincidncias

    Eu no sei dizer ao certo quanto tempo se passou ate chegarmos a uma lanchonete chamada

    De passagem, o nome estava escrito na fachada em grandes letras cor-de-abobora desbotadas

    pelo sol. o cheiro de hambrguer que senti quanto Tom abriu a porta foi a melhor coisa do

    dia.

    O lugar no era sofisticado, mas era limpo isso dava para perceber, os acentos eram estofados

    e a decorao lembrava os anos oitenta.

    Nos sentamos em uma mesa prxima a janela e em pouco tempo uma garonete loira toda

    tatuada veio nos atender; - Boa tarde, eu sou Dulce em que posso servi-los?

    No precisar ser um gnio para adivinhar o que eu pedi. hambrguer e milk-shake de

    chocolate.

    Havia um casal que sentava a nossa frente, eles trocavam olhares cheios de magoa, tentei

    adivinhar o que eles, ou um deles teria feito ao outro.

    -William no fique encarando. disse minha me.

    Desviei a ateno para um senhor de idade que tomava caf sozinho no balco enquanto lia

    um jornal velho amarelado, o que me causou ainda mais curiosidade por que algum leria um

    jornal velho numa lanchonete?

    Tentei ler a manchete, estava muito longe. Sai da mesa com a desculpa de ir ao banheiro e

    passei perto do senhor.

    Vaca de duas cabeas encontrada morta na beira da estrada isso era o que prendia tanto

    a ateno dele? fiquei frustrado e voltei para mesa antes mesmo de chegar porta do

    banheiro.

    Sem demorar muito a moa logo voltou com a nossa comida.

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    Me eu tenho que tomar isso mesmo? choramingou minha irm encarando a sua sopa de

    legumes.

    - Filha melhor voc tomar uma sopinha leve... ou voc prefere tomar outra dose de soro na

    veia?

    Ouvir isso foi o suficiente para ela tomar a sopa quietinha.

    Havia uma mesa de sinuca na lanchonete que estava solitria ao lado de trs fliperamas que

    faziam alegria de algumas crianas.

    -Por que vocs no vo jogar um pouco quando termiarem? disse nossa me.

    Sofia olhou para mim; - Vamos?

    A mesa era velha, mas estava bem cuidada.-Eu comeo! disse ela dando uma tacada.

    -Isso pura sorte! eu exclamei quando ela encaapou cinco bolas seguidas.

    -Sorte?! respondeu indignada Ento voc se considera melhor do que eu? fiz que sim

    com a cabea O que voc acha de deixamos as coisas mais interessantes?

    -Como assim?-Uma aposta!.. Se eu perder fao o que voc quiser!

    -Feito!

    -No vai querer saber o que voc vai ter que fazer se eu ganhar?

    -Isso no vai acontecer!

    -Eu vou falar mesmo assim! Se eu ganhar voc vai ter que danar com a Prima Susam.-A Susam!.. Ela tem bigode e sempre aperta as minhas bochechas quando me v. No nem

    pensar que eu vou danar com ela!

    -T com medo de perder ou de danar?

    -Medo... eu no tenho medo, eu posso ter um pouco de nojo, mas medo no!

    -Ento joga!Eu e minha boca grande!

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    Olhei para mesa a bola numero oito estava praticamente dentro da caapa. Dei a tacada, a bola

    bateu com fora na quina da mesa, quase entrou, mas voltou e chocou-se com outra bola e

    quicou para fora da mesa. A bola rolou pelo cho ate a porta quando foi parada por uma bota

    de cowboy de algum que entrava. Subi o olhar, que pernas... continuei ate chegar ao seu

    rosto. Encontrei seu olhar a temperatura do meu corpo subiu e baixou ao mesmo tempo ela

    apanhou a bola e comeou andar na minha direo senti aquela estranha sensao de

    borboletas no estomago.

    Eu no conseguia parar de olhar para ela, seu rosto transmitia uma serenidade que eu nunca

    havia visto antes.

    -Acho que isso seu. ela estendeu o brao por cima da mesa para me entregar a bola semtirar seus olhos dos meus. Eu estava completamente hipnotizado por aqueles olhos castanhos

    que insistiam em me encarar.

    -Voc vai deixar ela com o brao esticado por quanto tempo? perguntou Sofia.

    -Me desculpe. minha voz saiu meio rouca por um minuto esqueci de como me mover

    levantei o brao e ela colocou a bola na palma da minha mo e agora o que eu fao?!-Eu posso tirar uma foto dela com o meu celular se quiser?

    Droga eu no acredito que ela disse isso! Eu mato ela! o nervosismo me fez deixar o taco

    cair no em cima do meu p.

    -AI! deixei escapar.

    A garota sorriu para mim. Que sorriso!.. faa alguma coisa, mas o qu? Pergunte se ela querjogar tambm!

    Antes que eu abrisse a boca um cara alto apareceu e colocou o brao sobre seu ombro.

    - Voc vem? disse um rapaz alto atrs dela colocando o brao em volta da sua cintura. Eles

    andaram at uma mesa onde um outro rapaz de cabelos muito pretos j estava sentado, os trs

    falaram alguma coisa, olharam para mim e depois sentaram tambm.Por um momento eu fiquei aborrecido aqueles trs no eram diferentes das pessoas da

    escola.

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    -Adorei o cabelo dela! Vou pedir para mame me deixar fazer igual. Ser que eu vou ficar

    bem com o cabelo cheio de mechas como ela? Ser que ela loira com mechas pretas ou morena

    com mechas loiras, ou talvez ela seja ruiva com mechas loiras e pretas, castanhas... Bom a sua

    vez de jogar.

    -Que?

    -Voc vai jogar ou no?

    -H...claro. dei uma tacada sem entusiasmo.

    -Agora sou eu!

    Sofia encaapou uma bola e errou outra.

    Meus olhos correram para mesa em que eles estavam. Eu os peguei olhando para mim,desviei o olhar e dei a volta na mesa de sinuca para ficar de costas para eles eu me senti uma

    aberrao no circo dos horrores. Por um momento eu me esqueci de como eu era, mas eles me

    ajudaram a lembrar pelo jeito que me fitavam.

    Errei a jogada de propsito para Sofia ganhar o jogo e sairmos logo dali. eu no agentava

    mais ser olhado daquele jeito.Voltamos para mesa, os sorvetes j havia chegado. Comi o mais rpido que pude, eu queria

    sair daquela lanchonete o quanto antes.

    -Vamos! Quanto mais tempo ns ficarmos aqui mais tempo vamos demorar para chegar a

    Cristalina.

    -De onde saiu toda essa animao? perguntou Tom.O tempo estava fechando, as nuvens do cu eram de um cinza-fumaa. Antes de entrar no

    carro arrisquei dar mais uma olhada na direo da lanchonete, eu pude ver com perfeio a

    mesa deles atravs da janela. S a mesa. Os trs no estavam mais l.

    Back!

    Ouvi a uma porta de carro bater atrs de mim. O Civic preto estava estacionado atrs do velhoCherokee eu no acredito! o rosto daquele motorista que passou em frente ao restaurante da

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    Trudi veio a minha cabea; - No pode ser! ele! O cara que estava com aquela garota, ele!

    Eu tenho certeza!

    O Civic deu marcha r violentamente e uma volta de cento e oitenta graus e acelerou

    desaparecendo na longa estrada cercada por rvores.

    -Vamos rapaz! disse Tom aproximando-se do carro.

    Entrei no carro. Olhei novamente para dentro da lanchonete, se eles ainda estivessem l eu

    estaria errado, mas eles no estavam.

    Eles esto nos seguindo?..

    William voc ta enlouquecendo! Por que eles fariam isso? tentei me acalmar E alm do

    mais eles saram antes de ns, se estivessem realmente nos seguindo eles no deveriam estaratrs de ns?

    A viagem estava sendo pior do que eu imaginava tudo que eu mais queria agora era chegar

    logo na casa da tia J onde todos me conheciam e me aceitavam da forma que eu era sem

    olhares de deboche por minha aparncia.

    A chuva voltara a cair despreocupadamente no pra-brisa. A nossa frente estrada sedesenvolvia interminavelmente com a moldura verde-escura.

    Peguei o dirio e comecei a folhe-lo a esmo.

    A no... eu sei o que esta acontecendo comigo! Eu j vi isso em algum filme, o cara comeava a

    suspeitar que todos estavam tramando algo contra ele, qual mesmo o nome disso?.. Paranoia!

    A droga eu sou um paranoico! To ficando louco!-T tudo bem William? perguntou Tom enquanto me encarada pelo retrovisor.

    -Tudo normal, quero dizer, eu sou normal... no que algum aqui no seja normal... olha pai eu

    estou muito bem obrigado.

    -Acho que algum comeu muito acar! disse ele voltando a se concentrar na estrada.

    Olhei para o dirio disfarando meu nervosismo, uma frase pareceu sobressair do papel equando comecei a ler meu sangue gelou.

    - a guia era uma jovem de cabelos longos e coloridos como as sementes da terra...

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    A imagem da garota da lanchonete veio a minha cabea, os cabelos dela eram como os da

    caimn, mas e aqueles dois? reli a pgina.

    O urso um rapaz grande de cabelos pretos como a noite, o lobo um lindo e alto rapaz pelo qual as ndias

    ficaram fascinadas...

    A essa altura eu j havia congelado.

    No.

    William voc esta ficando doido, isso uma lenda no real! Voc no pode achar que eles

    so os...

    Fechei o dirio com fora. Eu no queria mais pensar naquilo. Olhe para o lado Sofia enrolava

    uma mecha do prprio cabelo distraidamente, seu olhar perdido encarava o nada. notei um

    leve sorriso em seus lbios.

    -H no me esqueci de comprar um mapa!

    -Eu no acredito que ningum se lembrou do mapa! disse minha me Agora no adianta

    reclamar, tudo o que temos que fazer esperar ate chegarmos a proxima cidade.

    -Parece que tem gente com problemas l na frente. ouvi Tom dizer.

    Cheguei um pouco para frente para ver do que ele falava.

    Meu sangue esquentou e esfriou ao mesmo tempo quando eu vi Honda Civic parado no

    acostamento.

    -Eu vou parar a chuva esta muito forte.

    -Pai no para! No para!

    -William e se ns fomos o ltimo carro a passar por aqui hoje?

    -No importa no para, por favor!

    Tom no ligou para o que disse e parou o assim mesmo.

    O grandalho veio ate ns, Tom baixou o vidro; - O que aconteceu?

    -Meu carro quebrou, meu irmo esta tentando consertar, mas no esta se saindo muito bem,

    na verdade ele no tem a mnima ideia do que esta fazendo. Seu carro o segundo carro que

    passa por aqui em duas horas. Ser que vocs podem nos ajudar? Por favor!

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    -Duas horas?! Isso impossvel, faz menos uma hora que samos da lanchonete!

    - Lanchonete? repetiu.

    - De Passagem vocs saram alguns segundos antes de ns!

    -William agora no hora disso. Desculpe o meu filho, que hoje ele no esta num dia bom.

    - Sei como . disse olhando para mim.

    -Olha eu no entendo nada sobre mecnica.

    -O senhor pode nos puxar at a prxima cidade?

    -Tom ele esta mentindo, eles no esto aqui h duas horas isso impossvel!...

    -J chega William! disse ele com aquele tom de voz irritado e autoritrio ao mesmo tempo.

    Tom saiu do carro. O rapaz me encarou por trs segundos e foi atrs dele.-Por que fez aquilo? perguntou Sofia.

    -Sofia eles so aqueles trs que estavam na lanchonete...

    -Se aquele gato estivesse l eu com certeza me lembraria dele!

    -O que! Mas ele estava!

    O qu que esta acontecendo?! Por que apenas eu lembro deles?Isso no faz o menor sentido.

    Fiquei observando eles conversarem na chuva.

    Tem alguma coisa errada e eu vou descobrir o que . Desci do carro e fui ate o rapaz que

    tentava consertar o motor.

    -J descobriu o problema? gritei por causa da chuva, ele se assustou e bateu a cabea nocap. Me desculpe no quis assust-lo.

    -T tudo bem. disse passando a mo na cabea. Ele era to alto quanto o outro, seu cabelo

    preto insistia e ficar bagunado mesmo molhado. Ele me fitou nos olhos e disse; - No, eu no

    descobri.

    -Que?-Voc me perguntou se eu havia descoberto o problema.

    -H mesmo...

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    -Ainda bem que vocs pararam, aqui quase no passa carro, eu estava comeando a pensar

    que ia ter que passar a noite aqui. Eu sou Mel disse estendendo a mo.

    J que assim que eles querem, eu tambm vou entrar no jogo William apertei sua mo.

    Aquele rapaz parecia ter uma estranha expectativa ao meu respeito.

    -H quanto tempo esto aqui? comecei a jogar.

    -H umas trs horas. a resposta veio de trs de mim. Reconheci aquela voz suave sem

    precisar olhar, mas mesmo assim eu me virei.

    A chuva s a deixou ainda mais bonita era como olhar uma flor no meio de um furaco.

    -Ela Brisa. disse Mel.

    -Eu me chamo...-William... eu ouvi de dentro do carro. explicou.

    -Vocs... so... irmos? que ridculo eu gaguejava. Tenha sangue frio como eles, pensei.

    -Irmos afetivos... que nossa me no pode ter filhos biolgicos...

    -E ele... apontei para o grandalho com meu pai tambm irmo de vocs?

    -Sim, Lua... quero dizer Luan, o mais velho.-Mel, Luan e Brisa... forcei para no gaguejar os pais de vocs eram hippies? tentei fazer

    piada.

    -No. respondeu Mel.

    -Para onde vocs esto indo?

    -H... ns estamos indo para... parecia que ela no sabia o que dizer.- Santa Lucia. respondeu o tal de Luan.

    - isso mesmo, Santa Lucia. notei uma certa hesitao em sua voz.

    -Mel pare de conversar e prenda isso no para-choque. Luan entregou a ele uma corrente.

    -Quer ajuda?

    -No, eu fao isso sozinho. Mas obrigado mesmo assim!Eu sei que h cinco minutos eu estava dominado por uma estranha sensao de perigo em

    relao a eles, mas agora depois de uma simples e curta conversa na chuva se que da para

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    chamar isso de conversa eu estava mais calmo. Aquele... Mel, ele me passava confiana,

    mesmo tendo acabado de conhec-lo senti que podia confiar nele.

    Algum me tocou no ombro, virei Brisa estava atrs de mim. Nossos rostos estavam a poucos

    centmetros de distancia um do outro.

    -Sim... foi tudo que consegui dizer.

    Eu podia sentir a sua respirao e a minha comeou a oscilar pela proximidade entre ns. O

    que esta acontecendo?

    -Eu acho que voc deve sair da chuva... sussurrou em meu ouvido.

    -Sair da chuva?..

    -Eu no quero que fique doente.-Nem eu. ela riu Eu quero dizer... eu tambm no quero que voc fique doente.

    -Tudo bem! Mas eu preciso que voc entre no carro.

    -Eu vou entrar! tudo que eu mais queria no universo era satisfazer o seu desejo, andei ate o

    carro abri a porta e entrei, ela me olhou e depois entrou no Civic.

    -Tem algum apaixonadooo!!! cantarolou Sofia.-O que?! Cala a boca, eu no estou apaixonado! E alem do mais eu mal a conheo.

    -Isso tem nome, amor primeira vista...

    -Amor! Voc ta doida... amor!

    -Calma no precisa ficar nervoso! William eu estava s brincando e... amor?.. olhei

    novamente para a garota no carro ao lado...Eu no conseguia parar de olh-la. Brisa possua uma beleza agressiva e angelical ao mesmo

    tempo... extica. Aposto que todos os caras ficam to impressionados quanto eu quando olham

    para ela.

    Isso no se chama amor e sim atrao.

    -William!-Oi! disse saindo do mundo dos pensamentos.

    Sofia me olhava percebi que ela controlava o riso.

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    -Tem certeza que no esta apaixonado?

    Suspirei e fiquei em silncio.

    -Isso responde a minha pergunta.

    Eu no sabia se ela estava errada.

    A chuva tornara a parar dando lugar a um anmico sol. Eu me arrumei no banco de trs para

    fugir dos fracos raios solares, sem querer eu olhei pelo retrovisor e vi o reflexo do grandalho

    no carro de trs. Ele olhava para fora do carro. De repente seu olhar mudou para frente e

    encontrou o meu, foi como se ele tivesse sentido que eu o olhava, sua expresso ansiosa em

    deixou intrigado. Aquele olhar era... era familiar?!Como isso possvel se a primeira vez que os vi foi hoje? me perguntei. Fechei os olhos por

    um minuto e voltei a olhar o retrovisor, os olhos ansiosos de Mel no estavam mais l, parecia

    que ele estava brigando com os outros a viso limitada que eu tinha pelo retrovisor me

    impediu de ver os rostos dos outros dois, olhei para trs para ter uma viso ampla.

    Brisa colocou as mos em sua cabea e abaixou um pouco talvez ela no quisesse escutar oque Luan estava dizendo, ou melhor, gritando, apesar de eu no ouvir as suas vozes supus que

    eles gritavam pelas expresses de seus rostos. Luan falou mais alguma coisa que fez todos

    ficarem em silncio. Mel passou a mo pelos cabelos como um ato de rendio, Brisa encostou

    no banco e cruzou os braos ela estava com os olhos fechados, tambm se rendendo Luan

    virou para ela, ele estava de costas, no pude ver se ele disse alguma coisa, mas quando se virouolhou direto para mim. Eu mudei a direo do meu olhar como se eu estivesse olhando o carro

    e no quem estava dentro dele.

    O Honda Civic parecia ter acabado de sair da loja, a placa tambm parecia ser nova que

    problema teria um carro assim? O Cherokee do meu pai era mais velho do que eu e

    dificilmente tinha algum problema, um carro novo no devia ser melhor?Alguma coisa dentro de mim dizia que o nosso encontro no era mera coincidncia.

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    05 Sejam Bem Vindos

    Fiquei olhando a paisagem, as rvores passavam de presa por ns.rvores? No me lembro de ter visto rvores nesse caminho eu tenho certeza, mas talvez eu

    no estivesse prestado muito a ateno com toda a fome que eu estava. O carro parou de andar.

    -Pai por que paramos...

    Eu estava sozinho no carro olhei para trs, mas o Civic no estava l, abri a porta e sai do carro.

    -ME! PAI! SOPHIA! eu gritei, chamei por eles e nada, nenhum som, nenhuma voz.

    -Gente isso no tem graa! Eu no sei como vocs fizeram isso,

    mas admito, estou impressionado!

    O sol estava queimando minha pele, corri para floresta de enormes rvores, suas sombras me

    protegeriam do sol.

    A onde eles esto?

    Senti algum atrs de mim. Virei-me, mas no vi ningum.

    -Pai voc? fui entrando cada vez mais na floresta a procura deles.

    -Gente qual ! T bom vocs me pegaram agora saiam de onde quer que estejam escondidos.

    Vocs tm que estarem aqui!

    Chamei por eles mais uma vez.

    -ME! PAI! SOPHIA!

    Dessa vez ouvi algo que no soube distinguir o que era.

    -ME!

    -William. sussurrava uma fraca voz.

    -Me? Me voc?

    -William...

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    corri na direo de onde vinha aquela fraca voz, corri e corri, mas no a achava. ME! Pode

    me ouvir? Responda por favor!

    No sei por quanto tempo eu corri eu estava exausto no conseguia dar mais um nico passo

    se quer, deixei-me cair no cho.

    Estava escurecendo rapidamente, olhei para cima, mas no pude ver o cu por causa das

    copas das rvores. Tinha que continuar a procurar antes que escurece se mais, me levantei e

    comecei a correr.

    Agora mal podia ver as rvores a minha frente. O desespero e o medo estavam tomando

    conta de mim

    -William. um sussurro, eu quase no ouvi. Corri mais rpido no via mais nada a minhafrente.

    -William William William. a voz parecia vir de todas as direes.

    Fiquei parado.

    -Quem esta a? perguntei.

    Ningum respondeu, mas eu sabia que no estava sozinho.-Quem esta a?

    -No vai querer saber! sua voz era rouca, suave e agressiva.

    Senti um arrepio percorrer pelo meu corpo. Podia ouvir suas respiraes, estavam em volta

    de mim e formavam um circulo.

    -Vou lhe dar um conselho, resistir s vai prolongar a sua dor, no lute e tudo acabara rpido.Meu corao batia em um ritmo descompassado.

    -O que quer?

    A escurido era uma aliada, se eu no conseguia v-los eles tambm no podiam me ver. Dei

    um passo para trs com cuidado para no fazer nenhum barulho. Se eu conseguisse chegar ate

    o carro estaria salvo.Comecei a correr o mais rpido que pude.

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    J conseguia distinguir as rvores, a escurido comeava a ir embora, olhei para trs, seis

    vultos vinham em minha direo. Eu no agentava mais correr, tropecei numa raiz, cai no

    cho e bati a minha cabea, a intensa dor me impedia de manter os

    olhos abertos. Eu no podia desistir to fcil de viver! Ignorei a aflio e abri meus olhos.

    * * *

    Levei algum tempo para perceber o que tinha acontecido. Todos estavam no carro e no havia

    rvores do lado de fora, olhei para trs o Civic preto ainda estava l.

    -A Bela adormecida acordou! Sua cara esta pssima, esta se sentindo mal?Eu estava meio desorientado. Ento tudo no passou de um sonho?

    O que esta acontecendo comigo?

    A chuva voltara mais forte do que antes com seus raios e relmpagos que formavam desenhosno cu cinza, os troves os acompanhavam com seus estrondos ensurdecedores.

    Vi um raio rachar o cu e cair em uma enorme rvore que se incendiou com facilidade.

    Exatamente quatro segundos depois o poderoso trovo se fez presente com seu delirante

    barulho.

    A rvore em chamas desabou em pouco tempo bloqueando a estrada a nossa frente, Tomfreou bruscamente.

    - timo o que mais falta acontecer? lamentou.

    Olhei para os lados, havia um caminho estreito por entre as rvores; - Pai olha. apontei para

    o desvio.

    -Onde ser que ele vai dar? Eu no sei pode ser perigoso, talvez seja melhor voltar.-William ns sabemos excluindo a reserva indgena a cidade mais prxima Relicria, esse

    desvio deve levar a outra cidade ou a outra rodovia.

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    O atalho no era asfaltado e a chuva deixava a terra escorregadia e cheia de poas de gua que

    Tom desviava com dificuldade.

    Seguamos por esse caminho a cerca de vinte minutos quando o carro atolou. Tom pisou no

    acelerador e no adiantou.

    -Vamos ter que empurrar.

    Meus pais e eu samos do carro. Luan e Mel j estavam soltando corrente.

    Mesmo com seis pessoas empurrando o carro no saia do lugar, Sofia acelerava, mas o pneu

    girava inutilmente no mesmo lugar lanando lama para trs.

    Quanto mais empurrvamos mais nossas pernas afundavam. A situao era ridcula, quanto

    mais tentvamos desatolar o carro mais ns ficvamos atolados.-No vai dar para tirar o carro daqui enquanto a chuva no parar, j esta escurecendo e

    melhor ns no perdemos mais tempo aqui. Vamos continuar a p, no devemos estar longe da

    rodovia. Ns podemos pedir carona at a prxima cidade.

    -A mame tem razo Tom, o melhor que temos a fazer sair daqui antes que fique mais tarde.

    Meu pai olhou pensativo para os prprios ps.-Vamos pegar s as coisas leves e sair daqui.

    Eu peguei minha mala, tirei uma cala, uma camiseta e coloquei dentro da minha mochila.

    Sofia como sempre queria levar mais do que era necessrio; - Leve o que conseguir carregar.

    disse minha me a ela um erro que Sofia levou ao p da letra. Ela pegou suas duas malas e sua

    bolsa j era difcil andar na lama sem estar carregando nada, com o peso de duas malas seriauma misso quase impossvel Sofia deu trs passos a sua cara de esforo foi a coisa mais

    engraada que eu vi na vida ela usava o peso das malas para se equilibrar, deu mais um passo

    e sua perna direita ficou presa, na pressa de tirar a perna da lama ela jogou seu corpo para

    frente e o peso das malas a fez perder o equilbrio novamente; -Socorro! ela gritou antes de

    cair com tudo na lama pastosa. Ningum conseguiu segurar o riso e todos caram na gargalhadaenquanto Sofia excomungava a chuva com raiva.

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    Tom e Mel pegaram-na pelos braos e a levantaram, ela virou devagarzinho ficando de frente

    para ns e comeamos a rir novamente menos Luan, ele estava sempre srio sua frente

    estava toda lambuzada.

    - melhor ns irmos. disse Luan, ele pegou uma pequena mala no porta-malas e o bateu

    com fora.

    Pegou uma das malas de Sofia e continuou a seguir.

    Andvamos com cuidado para no escorregar, a chuva no fazia meno de parar, eu no

    sabia o que era pior, ter de andar no escuro ou andar na chuva com um vento congelante.

    A nossa nica luz era de uma pequena lanterna que meu pai sempre levava no carro.

    Eu estava um pouco mais atrs observando os trs estranhos. O jeito que eles olhavam umpara o outro em silncio me deixou incomodado o que eles estavam pensando? parecia que

    eles conversavam sem falar.

    De repente Luan virou a cabea para esquerda; - Ouviram isso? disse em voz alta.

    Prestei ateno, mas tudo que eu ouvia era o som da chuva.

    -S ouo a chuva. eu disse.-No a chuva outra coisa ele fez uma pausa fechando os olhos parece um carro, mas

    esta longe. Vamos correr eu acho que eu ouvi um carro.

    Mel olhou para as rvores, vigilante; - Eu acho melhor apresarmos o passo, talvez esse carro

    nos ajude a sair daqui. eu notei certa agitao em sua voz que at agora fora sempre calma

    isso me deixou um pouco nervoso.-Vamos. - disse Brisa pegando na mo de Sofia.

    Ns corramos no escuro a procura da rodovia que cruzaria com esse maldito atalho que

    pegamos.

    -L esta ela! disse minha me ofegante.

    Foi estranho pisar no asfalto depois de ter andado pela terra molhada e escorregadia tendoque se equilibrar para no cair.

    -Cad ele? Eu tenho certeza que estava longe o suficiente para

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    chegarmos at aqui.

    -Olha! Sofia apontou para dois pequenos pontos brilhantes que vinham em nossa direo.

    Ver aquele farol me fez lembrar o sonho que eu tive, uma guia vindo em minha direo, uma

    bela guia com penas que cintilavam sob a luz da lua. Uma guia, como a da lenda Kemau.

    no voc no pode ficar imaginando essas coisas agora! me obriguei a voltar para realidade.

    O tal de Luan me encarava como se soubesse o que eu pensava. Virei o rosto e continuei

    andando.

    O carro estava mais perto agora, mesmo estando escuro identifiquei o carro, era um furgo

    preto.

    Fizemos sinal para ele parar, por um momento pensei que fosse passar direto, mas parou logomais a frente.

    -O que vocs esto fazendo na rua no meio desse temporal? perguntou o motorista, um

    senhor na casa dos setenta anos vocs esto bem?

    Meu pai contou a ele sobre os carros.

    - Eu moro em uma pequena cidade aqui perto.-Destina? perguntou Luan.

    -No, Vale das Sombras. Destina ainda esta longe e vocs no vo conseguir chegar l com

    essa chuva. Vale a nica cidade por aqui.

    -E fica muito longe?

    -No muito, vocs querem uma carona? Eu levo vocs, no certo deixar uma famliaprecisando de ajuda no meio da noite. disse ele sorrindo. Vamos entrem!

    - Muito obrigada senhor...

    - Victor, meu nome Victor. completou.

    - Muito obrigada senhor Victor! agradeceu minha me No qualquer um que daria

    carona a estranhos no meio da noite como o senhor disse.- Eu sempre digo que devemos ajudar afinal nunca se sabe quando vamos precisar de ajuda.

    No mesmo?

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    Durante o caminho ele nos contou a histria da cidade (muito chata por sinal), e disse que

    daqui a dois dias aconteceria uma festa para comemorar o centenrio da cidade.

    Chegamos em menos de dez minutos, a cidade era realmente muito pequena.

    Na entrada havia uma placa escrita:

    -Muros! exclamei.-Ns nos sentimos mais seguros assim! disse o Sr.Victor.

    Um gigantesco porto de ferro restringia o acesso a apenas os moradores da cidade.

    O Sr. Victor buzinou duas vezes antes de um homem com capa de chuva amarela abrir o

    porto.

    -Obrigado Lucius! disse ao passar por ele.A escurido dominava a pequena cidade. Os faris do furgo iluminavam o caminho no

    muito longo at a hospedaria que ficava em frente a uma pequena praa.

    O Sr.Victor buzinou trs e um homem de cabelos longos e desorganizados abriu a porta.

    -Tenho alguns hospedes para voc Jaime.

    Ele veio at o carro com um enorme guarda-chuva; - Venham, venham. disse ele noschamando com a mo livre.

    A hospedaria nada mais era do que uma grande casa antiga com piso de madeira e quadros

    velhos nas paredes. se no fossem as circunstancias eu recusaria passar a noite ali, mas eu

    estava exausto pela caminhada na chuva e tudo que eu queria era um banho quente e uma

    cama.-Me desculpem por esse pequeno transtorno a tempestade fez uma de nossas rvores cair em

    cima dos cabos de eletricidade.

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    Infelizmente ficaremos sem eletricidade at amanh quando consertarem os cabos.

    Estou vendo que precisam de um banho.

    -Nosso carro atolou, mas no conseguimos tira-lo da lama, como pode ver estamos todos

    exaustos. Poderia nos dar as chaves dos quartos?

    -Claro senhor...?

    -Thomas.

    Ele comeou a preencher uma ficha; - Thomas...

    -Zaidan.

    -Quantos quartos senhor?

    -Sofia se importa de dividir um quarto comigo? perguntou Brisa.-Jura! Eu no me importo!

    O tal de Jaime olhou para Luan e perguntou; - Os garotos tambm vo dividir o quarto?

    -Eu fico sozinho. respondeu encarando o hospedeiro que devolveu o olhar com a mesma

    intensidade.

    -Eu no me importo de dividir o quarto, - disse Mel. E voc?-Por mim tudo bem. respondi.

    -Eu quero muito tomar um banho e dormir ento ser que o senhor, por favor, poderia deixar

    as formalidades para amanh?

    -Mas claro, que estupidez a minha! Vou lev-los at seus quartos. ele virou-se e abriu um

    quadro onde haviam penduradas varias chaves numeradas, ele pegou a nmero cinco, a quatro,a seis e a nove e abaixou atrs do balco da recepo dizendo; - Onde eles esto? Achei! ele

    colocou uma caixa em cima do balco e a abriu, de dentro dela ele tirou candelabros,

    lamparinas e uma caixa de velas. Me acompanhem. disse ele nos