duelo de sombras

40
Antonio Cabral Filho DUELO DE SOMBRAS Edição

Upload: antonio-cabral-filho

Post on 28-Mar-2016

231 views

Category:

Documents


0 download

DESCRIPTION

ESTE LIVRO CONSTITUE-SE DE POEMAS MAIS EXTENSOS, E SEUS TEXTOS SÃO MAIS DEDICADOS À TRANQUILIDADE DA LEITURA MAIS DESPREOCUPADA, VOLTADOS AO POEMA DE VERSOLIVRE DE MODO A EXPLORAR MELHOR O ESPAÇO DA PÁGINA.

TRANSCRIPT

Antonio Cabral Filho

DUELODE

SOMBRAS

EdiçãoLetras

Taquarenses2013

Apresentação

Duelo de Sombras foi lançado em 1999 com a tiragem de 500 exemplares. Boa parte foi “passada” enquanto cercava porco na madrugada tentando

vender livro de bar em bar ou em eventos culturais.Desde então venho xerocopiando o original e repassando aos amigos, mas agora eu descobri o e-book e como não disponho de recursos para editá-lo em formato impresso, sou obrigado a lançar mão das “novas tecnologias...”

e espero que o efeito seja bem apreciado por todos.Aproveito para agradecer aos meus amigos Marcelo Giffoni e toda a equipe

da Revista Instantes, pelo apoio e editoração do “Duelo...

Fac-simile da 1ª Edição

ABERTURA“Por Deus e por todas as cousas em que não creio,

minha sombra fala: Ouço-a, mas não no creio.”(O Viandante e a Sua Sombra – Nietzsche)

SOMBRAS vão e vêm, são feitas, criadas, algumas ganham vida e tornam-se fantasmas. Lutas eternas.

SOMBRAS, companheiras.SOMBRAS, silhuetas de objetos, de infindáveis

realidades.O escuro fruto da luz.

SOMBRAS tão importantes quanto a luz nas suas mais diversas formas. Os detalhes que permitem,

denunciam, realçam. Lirismo, sutileza, chaga e dor.SOMBRAS que envolvem e despertam o poeta.

Duelo de SOMBRAS no qual sentimos o efêmero, o silêncio, fazendo-nos voar e pensar o mundo em que vivemos do ponto de vista da luta, como diriam os muçulmanos ( a Grande Guerra Santa), de cada ser

vivente consigo mesmo.*

Com o sorriso de inveja da borboleta a se banhar no orvalho, somos despertados sutilmente pelo soar de um sino de mosteiro para o estéril e movimentado

mundo dos viventes e impulsionados a pensar o que podemos, juntos, contribuir para torná-lo poético e

diferente.José Marcello Giffoni

Escritor e Professor de História.

***Duelo de Sombras

Eu atiro poesia no ventoComo quem quer parar a tempestadeSem me conter ante o raio e o trovão.

Com ele me agarro num duelo de sombrasPara aplacar a fúria dos gêniosContidos nas garrafas mágicas

E nos redemoinhos que formamosCom o nosso corpo-a-corpo

Diluímos as comportas

E tombamos libertos ao soloCorrendo líquidos num rio sem margens

Rumo ao mundo dos poetas andejos.*

Auto da Imaginação

Perante a tarde presa numa telaFito uma águia em vôo rasante

Rasgando o horizonte na direção do ocaso,

Em primeiro planoUma rosa rubra solitáriaHabita o topo do monte

E qual criança embevecida com o brinquedoAguço a vista procurando algum segredo

Mas o sol cansado já de volta ao colo da noiteE as nuvens arredias perdidas na imensidão

Detêm minha atenção:Aqui se inicia

O Delirium TremunsDa minha canção.

*Abstração

Fico absortoContemplando a tarde

Em pleno êxtaseComo um construtor

Admirando a sua obraProcurando os pontos de maior beleza...

Passado o breve instante de alheamentoCom a sensação de ter estado fora de mim

Retomo os afazeres...

E a vida vai girando girandoEm câmara lenta

Como o mundo em sonho de menino.

*

Golpe de Ar

De repente nada mais que de repenteTudo pode mudar e tomar rumo ignorado

O cotidiano pode ser interrompidoOs sonhos podem ferir os pés descalços

Que pisam o picadeiro da ilusãoE a obstinação e muitas coisas queridas

Perderem o sentido e o valorDe repente nada mais que de repente

*

Solidariedade

Um pássaro pousouÀ beira do meu silêncioAquele rio caudaloso...

Ficamos abstraídosCom aquela substância incolor

Frente a frenteSem entender um ao outro

*

Pressentimentos

Por hoje é só issoO medo da manhã cinzenta

Restos rostos e algo rotoOu qualquer coisa que dê força

Amuleto patuá fé reza-braba Responsa promessa despacho

Encarrego ou nada maisPor hoje é só isso

O medo da manhã cinzenta Ou de algo mais

*

Vagabundo

Estou no fim do mêsMas no meio da semana

No fim do séculoMas no meio da vida

Cercado por todos os ladosNo centro da imensa noiteQue fere as minhas retinas

Sem que eu possa fazer algoSequer acender um fósforoPara encontrar o caminhoPara que eu possa decidirSe mudo a vida o mundo

Ou se continuo assim mesmoComo a vida me fez

Frágil indefeso sensívelPra felicidade geral...

*

Obra Prima

O mar divide as terrasE divide os homens também

O sol nasceu para todosE não morre por ninguém

A chuva quando caiNão molha toda a terra

O vento é brisa para algunsE vendaval para muitos.

*

Utopia

De manhã Sentado no banco do jardim

Vi uma borboleta azulSe banhando no orvalho das flores

Com tanta liberdadeQue eu quase morro de inveja

*Espírito Dalí

FantásticoHoje eu acordei tristinho da silva

Nem o sol que se derramou sobre a cidadeComo uma chuva de prata

Conseguiu penetrar a pedraEm que eu havia me transformado

FantásticoÀs vezes eu estou em cada estado

Que nem eu sei qualÉ isso

Isso é o que me transmiti até há poucoAgora...

Agora tudo bemEstou quase como sempre

Meio Gala meio Dali.

*

Espelho de Sombras

Por sobre os ombros Os olhos fitam o mundo

Refletido no espelhoAtravés da janela

O corpo imerso no dia convulsoInsensível aos suicídios

E ao calor das discussõesNão figura, não é mais nem menos

na paisagem alheia

O pintor no ateliernão o notaria pousado na folha

branca sobre a mesao dia cheio de mecanismosé tudo que cabe no espelho

o resto os olhos não podem ver*

Pássaro Livre

Partiu para o AlémSem deixar herança

Nem despedir-se de ninguémPartiu anônimo como chegou

Juntou os seus pertencesFez uma trouxa com cuidadoDeu de ombros para o mundo

E partiu para o AlémAnônimo como chegou

Sem vestígiosNem despedir-se de ninguém

*Passageiro Amnésico

Não quero nada do mundo nem da vida.Não me importa se chove ou se faz sol.

Nem me comove o fato de estar ausente quem amo!Me perdi por aí...

Perdi minha identidadePerdi o bonde e o fio da meada

Sofri amnésia e tomei rumo ignoradoProcuro a benvinda mão que se estenda

Clara e francaNum gesto firme e confiante.

*

Hora Sem Legado

Com a erosão vassalaQue desola os meus dias

De ontem não restou sequerO prazer de ter vivido:

A EXPERIÊNCIA FOI TRÁGICA...

O que me contenta hojeÉ poder continuar vivendoMesmo sem saber por quê

*

Gota D’água

Não adianta.Tudo está perdido.

Morra em paz consigoQue é melhor assim.Não vá se desesperar,

Espalhar o medoE ser tido por louco.Viver é um desafio

Ainda aceito por poucos...*

Alice Ante o Espelho

Não sei o que vejoRefletido no espelho

Quando me fito.Poderia inventar Mil realidades,

Mas não sei fazer isso.Não aprendi a mentir.

Por isso insisto;Pode ser que um dia

O espelho me revele...*

Autobiografia

Sou um fragmentoQue vaga

Ao sabor dos ventos.

Não tenho metasNem venho

De lugar nenhum.

Minha origemEstá em mim

Tal qual meu fim.

Quero apenas Ficar em paz

No meu canto.

Não peço afeto,Mas não se afastem;

Sou apenas um fragmento.*

A Alma de Lady Godiva

Minha alma está na carícia do vento,

No sussurro da chuva, no calor do sol,Investigando os mistérios do tempo

Segura como o pólen da florE o pigmento da pele, sem nada temer,

Pronta para viverDocemente feliz

O delírio do prazerMontada em meu PégasoPelas avenidas do sonho.

*Habitante

Um viajante Dentro de mim ProcuraE como sempre encontra O que deixou para trásAssim não há futuro Presente Ou passadoPois As perguntasEstão nas respostasE estas são Enigmas

*

Vôo Contido

Qual egressoRegresso do vôo

Que não fizE pouso

Te examinandoO semblante

E só então vejoQuanto és esparsa

Por isso é que canseiDe voar...

*Gestação

O poetaDe repente

Em desalentoDá um soco na mesa

Suspira exaustoQual fêmea no coitoAguça a imaginaçãoComo anzol na água

Porém o verso não vemEstancou está preso

Tão preso quanto lágrimasDe fingimento.

*Diário

À noiteAo recolher-se

Tentou ordenar o seu diaDar forma aos atos

Explicar as omissõesEnfim

Dar o toque de classeNa obra prima

Que poderia ter sido o seu dia.No dia seguinte

Acordou atrasadoAinda tentou

Recordar-se de alguma coisaInútil

Foi trabalharÀ noite ao recolher-se

Repetiu o mesmo exercícioE adormeceu pensando o seu dia.

*

O Liberal

Um dia...Um belo dia de sol

Caminhando por ruasAristocráticasDe uma cidade

De um paísCertamente liberal

Encontrei um amigoO Rei Manuelini II

Espojado no mármoreÀ entrada de um templo

E ao indagar-lhe o porquê de ali estarTive a seguinte resposta:- Sou o Rei Manuelini II !

Ok, respondi e fui-me.*

O Velho e a Mata

Tarde da noiteUm velho pensando na vida

Vaga por uma florestaTemendo leopardos enamorados da lua.

Qual aprendiz de caçador,Arrepia-se todo ante as sobrasQue se movem na penumbra.

Não mais o nariz lhe aponta o caminhoMas a barba pontiaguda guia-o silenciosa

Por entre espectros barulhentos

Que passo a passo se aproximamImpregnando-o de idades

Tornando-o tão velho quanto o tempo.

*

Solidão A todos que têm

Certeza da suaImportância

Na minha vida.

Estou sóNo mundoE neste momento.Sei que é inútilGritar por socorro,Mas ainda assim,Sem controlar a aflição,Gostaria que alguém,

Qualquer ser humano,Neste momento,Viesse correndoEm minha direçãoAnsiando um abraçoBem forteTão forteQue nos levasseA sentir o calor de nossos corposE que isso nos assustasse tantoQue num gesto insólitoNos fitássemos hesitantesReconhecendo em seguidaQue fora apenas obra da emoção.

*

Luta Corporal

Vivo num tempo ferozEm que as horas passam com as águas

E a vida esvai-se com o vento.Busco desesperadamente a saídaMas as paredes nem se tocam...

VIR/AÇÃO

Se virarA noite inteira

Na esteira poídaNo chão frio

De terra batidaNas noites de insônia

Nos atos de amorNos braços amigos

Se virarO ano inteiro

Pra brincar o carnavalFantasiado de som

Cantando o samba da corNum imenso porre de suor

Se virar, se virarA vidaVira

Tudo.

*

TELA

De que valem Palavras Gestos Saltos GritosSe estamos sozinhos na briga.Que fim levaram nossos antepassadosApós tanta luta Em nome apenas da dignidade.Hoje Aqui Agora Nada consta a favorHá uma só resposta para todas as perguntasE tudo que se vêÉ o cansaço e a imobilidade Dos corpos estirados na paisagem.

*Assim É Que Não Dá

Vacilo alguns instantesAntes de alcançar papel e caneta,

Estou meio confuso

Com tudo à minha volta,O ambiente é terrível

Mas sou poeta e trabalhoCom a realidade onde estou.

Em meio a bêbados, viciados,Vagabundos e o comércio do corpo,Não sei mais o que se vende mais.

Sei que eu passo a passo lento e sem pressaComo fumaça no filtro do cigarro.

Não sei se impregno ou se sou impregnado,Sei que nesse mar eu remo

Entre os vendedores de pipoca,Churrasco, cachaça, balas e doces

E ócio barato,Onde o pato é o rato

Que pula demais, se atrapalhaE dorme na palha.

E olho nenhum ignora o que vêPor mais espessa que seja a repulsa

Cravada em suas retinas,E toda indiferença é inútil

E nós temos de nos dar as mãosPara avançar

E todo isolamento se quebraE o pântano é terra firme

Pra caminharE o medo é experiência segura

A nos ensinarQue não dá pra cruzar os braços

E ficar olhando o próprio atropelamento.*

Brecht Sob o Céu de Berlim

Olhem para mim, vejam bem !Eu estou aflito.

Não concebo ficar quietoDiante da situação.

Se o tempo estiver bom,Eu saio à rua a passear.

Se não estiver, eu saio também.Não dá pra ficar neutro.

Olhem para o tempo,Como estão as nuvens,

Claras ou turvas,Ou não há nuvens?

Chove e faz frioOu o calor é intenso?

Não importa!Conforme a temperatura,

Eu respondo à altura.

Não quero saberSe são nuvens de tnt

Ou se neve suave de amanhecer.Meus pés caminham...

*Instinto Primitivo

Foi assimSem mais

Nem menosMe aproximei dela

E senti um odor diferenteOdor de terra molhadaAlgo natural mesmoLhe cumprimentei

E senti todo meu corpo crispar-seEla notou e disse-me

Vem cáE fomos de mãos dadas

Olhos nos olhosAssim

Sem mais Nem menos.

*

Mulher de Ocasião

Ela vive por aíSempre vindo de algum lugarSempre com um e com outro

Arriando uma cascataPra arrumar um troco

E encher a barrigaDe comida e de feto.

Quando pega um bom freguêsSempre ela corre ao guarda-roupa

Se veste se pinta e se penteiaE voa nos braços dele

Sempre risonha e faceira....

De vem em quandoMorre um por causa dela...

Além do dinheiro, ganha jóias, perfumes franceses e roupas finas.

...E vai ficando por aí, pelos cantoscomo um objeto pegando poeira.

Outras têm chegadoE vão tomar o seu lugar.

Ela resistirá até à última rejeição,Depois vai vender balas e doces

Em algum ponto de ônibusOu estação rodoviária...

Até que um diaSerá encontrada morta por aíE enterrada como indigente.

*Lady Maria

Há uma prostituta famintaCaminhando pelas ruas da cidade

Convidando os suicidasA aparecerem mortos em leitos de hotéis

Com as gargantas abertas a navalha;

Há uma prostituta bonita e sadiaSentada ao meu lado no banco do ônibus

A caminho de uma boateMe interceptando envolvente

Pedindo um cigarro;

Há uma prostituta perdida na vidaSendo devorada pela tuberculose,

Há uma prostituta escondida

No dinheiro de um milionário;Há uma prostituta dormindo

Na calçada de minha rua;

Há uma prostituta no bar da esquinaBebendo às copadas sua homérica miséria;Há uma prostituta com disfarce de senhoraCirculando nervosa no seio da sociedade;

Há uma prostituta em cada um de nósNos servindo em migalhas aos mercadores,

Tentando ignorar a própria ruínaEm que estamos envolvidos.

Há uma prostituta me olhando sorrateiraDos olhos do caro leitor

Vendo que eu também sou uma prostitutaQue age em função do momento...

*Ode Ao Verso Livre

No princípio a poesia era uma canção regada a vinhoAo som de harpas tocadas com carinhos

E beijos de mulher amadaÀ sombra de palmeiras frondosas

Onde o poeta se deleitava com a vida sem fronteirasE ela brincava solta pelos bosques entre os duendes

Indiferente ao tempo acariciando a sua nudezCoberta de inocência...

Depois veio a escrita e de palavra em palavraFoi vergando-a sob o rigor do versoMoldando-a à disciplina da métrica

E aprisionando-a à liberdadeQue lhe permite esta margem de papel.

E agora ela atravessa as grades das gramáticasSobrevoa o muro das linguagens

e vem sondar-meno ondular dos cabelos desta mulher que passa...

*Incrédulo

Sem otimismo para saudar aos que chegam,Meu gesto sai brusco, minha voz rouca

E meu ser sem ambições vacilaAnte as notícias que leio

Nas entrelinhas de minhas mãos.Enquanto vivo,

Quero apenas a terra sob meus pés,Amor e um pouco de conforto.

Afinal, me viciaram nisso.

Mas depois de cumprida a missão,Adeus terra adeus luar adeus amigosAdeus mulheres que eu quis amar,Quero dormir imune ao turbilhão.

*

Informações Sobre o Autor

Nasci em 13 de Agosto de 1953, no Distrito de Jampruca, Município de Frei Inocêncio-Mg, passei uns tempos em Colatina-Es, mas me criei na Serra

do Paiol, Município de Frei Inocêncio também. É de lá que tiro toda minha mundivivência com o mundo

natural, devido à rusticidade daquele conjunto de serras, cheias de animais selvagens nos anos

sessenta e foi de lá que eu parti rumo à cidade grande, sem saber nada do porvir. Graças a Deus,

estou vivo, estudei um pouco, já editei quatro livros de poesia individualmente e participo de diversas coletâneas, entre as quais Poetas Em/Cena 6 Belô

Poético 2012, mas a que mais me glorifica é ANTOLOGIA POÉTICA VOL 2 Uff/Eduff 1996.

Edito vários blogues, mas o principal é http://letrastaquarenses.blogspot.com.br onde

aguardo os amigos...