teresa medeiros - série contos de fadas 01 - duelo de paixões
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TTeerreessaa MMeeddeeiirrooss
DDuueelloo ddee PPaaiixxeess
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1 Livro da Srie Contos de Fadas
RRReeesssuuummmooo
O valente Lorde Bannor de Elsinore necessitava com
urgncia de uma mulher sensata que cuidasse de seus
filhos rfos e o mantivesse afastado da tentao
carnal. Enquanto isso, a jovem Willow sonhava com um
prncipe encantado que a libertasse de sua mesquinha
famlia. Ambos contraem matrimnio, mas nenhum dos
dois encontra o que procurava. Willow se sente como
uma intrusa no castelo, com um aprumado marido que
no a quer em seu leito. Logo descobrir que no a
indiferena o que est no corao do impetuoso
guerreiro, a no ser um desejo to real que acabar por
derrubar todos os muros, uma paixo to ardente que
nada poderia apag-la.
ENTRE O ARDOR DA BATALHA
Aceitar uma oferta de matrimnio era a nica maneira
que tinha Willow de escapar de sua detestvel famlia.
Como ia adivinhar que lorde Bannor, seu bonito marido,
j era duas vezes vivo e pai de uma penca de meninos,
legtimos e naturais, dos quais ela teria que cuidar?
Decepcionada e ferida, convencida de que no tinha
nenhum atrativo para seu marido, Willow se rebela. Com
feliz assombro, descobrir que seu inimigo conta com
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armas secretas e capaz de converter a rendio no
maior dos prazeres.
E A DOURA DA RENDIO
Lorde Bannor de Elsinore, o mais temvel guerreiro da
Inglaterra, no sabe como cuidar de seus indomveis
filhos. A nica soluo procurar para eles uma me,
uma mulher sensata que saiba educ-los, mas que sobre
tudo no seja para ele uma tentao carnal que o leve a
aumentar a famlia. Decidido a mostrar-se frio e
distante, encarrega a seu fiel colaborador de lhe trazer
uma mulher adequada... E assim aparece Willow, a
jovem mais atraente, sensual e deliciosa que Bannor
jamais viu.
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PPPrrrlllooogggooo
IIInnnggglllaaattteeerrrrrraaa,,, 111333444777
Lady Willow de Bedlington tinha esperado este momento durante toda
sua vida. Apertava com fora a mo de seu pai e apoiava o peso s vezes
em um p, depois no outro, to excitada que estava tinha medo de urinar-
se ali mesmo.
Por fim, depois de seis anos de desejos e oraes, ia ter uma mame para
ela.
Olhou a seu pai de soslaio. Estava to bonito como o rei Edward em
pessoa, to alto e sbrio no ptio do castelo, com a tnica adornada com
um casaco, atada com um cinturo escarlate. O casaco poderia estar
pudo e a empunhadura da espada opaca, mas Willow deslizou at seu
colo e tinha penteado a barba da cor acobreada s uns segundos antes
que o trompete de um arauto anunciasse a chegada da carruagem de sua
prometida.
Papai? sussurrou-lhe entre dentes enquanto esperavam que a
carruagem e seu squito de cavalheiros subissem e serpenteasse caminho
colina acima.
Sim, princesa? respondeu, inclinando a cabea.
Amar lady Blanche como amava a minha mame?
Nunca amarei a outra mulher como amei a sua mame.
Comovida pela saudade agridoce de sua expresso, Willow apertou a mo.
Ele respondeu com uma piscada pouco convencida.
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Mas o rei estar satisfeito se me casar com uma viva rica como
Blanche. Seu senhor morreu na mesma batalha em que perdi meu brao
bom. Assim ela necessitava de um marido com ttulo de nobreza e eu
necessito ainda mais do generoso dote que proporcionar o rei.
Balanou sua manta para frente e para trs Pensa em quanto ser
maravilhoso desfrutar do favor do rei outra vez, Willow. Sua barriga no
voltar a urrar como um urso. Haver carne fresca na mesa toda noite.
No teremos que voltar a vender nenhum dos tesouros de sua me. S
com os lucros da madeira dos bosques de Blanche nossos cofres
transbordaro durante anos.
Willow tentou parecer entusiasmada, mas no se importava com os mais
mnimos benefcios da madeira nem os cofres transbordantes. Ela s
esperava que a senhora Blanche necessitasse de uma menina pequena
tanto como ela necessitava de uma mame. No teria sido capaz de
suportar as longas ausncias do castelo de seu pai durante os ltimos
meses, se no soubesse que seu pai estava cortejando a sua nova me.
Sua nsia de ter uma me era o nico segredo que no tinha
compartilhado com ele. Para falar a verdade, a maior parte do tempo
estava contente de ser a garotinha do papai. Contente de costurar os
rasges de suas meias pudas com pontos incompetentes. Contente de
brigar quando saa sem a capa em um dia de inverno, quando nevava, e de
derreter o gelo da barba dos beijos quando voltava. Contente de rir da
satisfao quando ele a chamava de sua princesa e lhe revolvia os
cachos escuros de seu cabelo. Nunca tinha se importado que em sua sopa
de feijes houvesse mais sopa que feijes, sempre que pudesse dormir em
seus braos depois que tivesse lido uma histria da Bblia manuscrita que
tinha pertencido a sua me. Era o nico livro que seu pai resistiu a vender.
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No era at depois de ter-se encolhido frente ao fogo, sobre uma esteira
de palha e rodeada pelos sabujos do castelo, que seus pensamentos
comeavam a vagar com a idia de quo agradvel seria ter uma me que
lhe acariciasse o cabelo e que cantasse uma cano de ninar enquanto
dormia.
Voltou a esticar a mo na de seu pai.
Ir querer-me a senhora Blanche?
obvio, carinho. Como poderia algum no querer a princesinha do
papai?
Mas desta vez o pai no a olhou e nem apertou a mo com tanta fora
que quase lhe fez mal.
Com uma pontada de dvida, Willow alisou a saia de l de seu vestido com
a mo que ficou livre. Ela mesma o tinha feito com recortes de tecido
cortados de um vestido de sua me. Tinha trabalhado luz das velas at
que seus olhos arderem e os dedos duros com fendas e sangrassem.
Desejando impressionar a sua nova mame com suas habilidades com a
agulha, tinha costurado uma caderneta de rosas ao redor do pescoo
quadrado. Embora o vento que aoitava do norte anunciava neve, Willow
preferiu tremer de frio antes que esconder seu trabalho sob um manto
descolorido.
Elevou o queixo, animada de repente por uma corrente de teimoso
orgulho. Papai tinha razo, obvio. Como poderia algum no quer-la?
Mas quando a esplndida carruagem cruzou com grande estrondo a ponte
levadia, e entrou no ptio exterior acompanhado por uma dzia de
cavalheiros que levavam estandartes, o pnico se apoderou dela. O que
aconteceria se todos seus esforos no fossem suficientes? O que
aconteceria a ela estava predestinado?
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A carruagem coberta deteve-se com suavidade. Willow ficou boquiaberta
ao ver a magnificncia dos damascos bordados das cortinas, e as rodas de
cor nata e dourado. Seis corcis de um branco imaculado chutaram e
moveram as cabeas, pavoneando-se de suas crinas tranadas. As
campainhas trespassadas nas rdeas de pele soavam em uma alegre
fanfarra.
A senhora Blanche tem uma maravilhosa surpresa para ti lhe
sussurrou papai ao ouvido.
A porta da carruagem abriu-se com um chiado. Willow conteve a
respirao, deslumbrada pela viso de um gracioso tornozelo; uma manga
resplandecente adornada com pele de Marta; um cabelo loiro platinado
recolhido em uma rede para cabelo.
Quando a senhora Blanche acabou de sair de seu casulo de seda, o
corao de Willow deu um pulo. Sua nova mame era inclusive mais
bonita do que imaginou.
Em sua cabea danavam imagens de todas as coisas apaixonantes que
fariam juntas: cantar e recitar poemas para seu papai nas geladas noites
de inverno, fiar linho na roca que tinha permanecido silenciosa e solitria
depois da morte de sua me, recolher ervas medicinais nos aventais de
seus vestidos quando a suave bruma verde da primavera chegasse
deslizando sobre os prados.
Quando a dama inclinou a cabea e observou papai com um sorriso
radiante, Willow imaginou que iria apert-la contra seu colo perfumado e
quase chorou.
Avanou um passo sem dar-se conta, mas deteve-se em seco quando algo
saiu tropeando da carruagem de trs de sua nova mame. A princpio
pensou que se tratava de um co, uma dessas criaturas peludas, de nariz
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chato que tanto gostavam s damas nobres. Mas quando se levantou e
sacudiu a juba de cabelo loiro platinado para lhe lanar um olhar
desafiante, deu-se conta de que era uma menina.
Willow retrocedeu. Parecia que a senhora Blanche no ia necessit-la. J
tinha uma menina prpria. Os olhos se abriram ainda mais quando um
segundo pimpolho rechonchudo saiu com dificuldade atrs do primeiro.
Desta vez era um menino, com as bochechas rosadas e as pernas
gordinhas como chourios.
Sua confuso aumentou quando um terceiro menino seguiu ao anterior, e
depois um quarto. Tinha que esforar-se para no perder a conta. Trs,
quatro, cinco. Cada um deles era to loiro e robusto como senhora
Blanche, embora sem a graa desta. Agarraram-se ao redor de sua me
como uma ninhada de lobinhos brancos, choramingando e gritando, e
tropeando com a cauda do vestido.
Tenho sede, mame!
Eu tenho tambm!
Tenho pip!
Por que tivemos que vir a esta casa em runas? Quero ir para minha
casa!
As splicas e peties foram interrompidas por um grito que encheu de
terror o corao de Willow.
Papai Rufus!
O maior dos meninos soltou a saia de sua me e se dirigiu para o pai de
Willow. Seu grito foi como uma trompetista que chamasse batalha, e em
um momento um pequeno exrcito correu atravs do ptio.
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Willow plantou-se na frente deles com as pernas separadas, mas os
meninos simplesmente a jogaram de um lado antes de rodear o seu pai,
saltando acima e abaixo e o chamando.
Papai Wufus!Papai Wufus!
Teve que agarrar trs em seus braos antes de desaparecer sob seus ps.
O menino e a menina maiores, que pareciam ter a mesma idade que
Willow, penduraram-se em seu pescoo, enquanto que o resto se agarrou
por seus braos e pernas.
Sua me foi atrs deles. Levava um vulto envolto em peles em seus braos
e sorria com indulgncia.
Sentiram sua falta Rufus, e eu tambm. A voz da senhora era clara e
doce, como a nata antes de ser batida, e o corao de Willow se contraiu
de desejo. Ficou nas pontas dos ps para tentar ver o que havia no vulto
que levava sua madrasta. Possivelmente se tratasse da maravilhosa
surpresa que tinha mencionado seu pai.
Enquanto fazia malabarismos com sua carga, passando-a do brao dbil ao
forte para que no lhe casse nenhum menino, papai se inclinou para
diante e esfregou a bochecha de Blanche com um beijo.
Espero que tenham tido uma viagem agradvel, milady.
Nem por indcio to agradvel como o que confio que me aguarda no
final dele.
Willow esperava que sua nova mame se dessa conta de sua presena,
mas o olhar faminto da mulher seguia cravada em seu pai. Finalmente foi
papai quem lhe dirigiu um olhar de causar pena.
Willow, lhe disse que sua madrasta tinha uma surpresa para ti. J no
ter que voltar a esbanjar seu tempo falando com amigos imaginrios.
Agora ter irmos e irms de verdade para jogar com eles.
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Os meninos deixaram de gritar de repente, e reinou o silncio, s
quebrado por um beb que chupava o dedo ansiosamente.
Cinco pares de olhos de gelo a examinaram. Nenhum dos filhos que tinha
levado Blanche tinha vestidos infantis. Todos se vestiam como adultos em
miniatura, com roupa de l crua, adornada com brocados dourados. O
maior inclusive levava uma pequena espada, em uma empunhadura com
incrustaes de rubis e esmeraldas. E todos tinham o cabelo loiro e
sedoso, que lhes caiam perfeitamente lisos, sem rastro dos rebeldes
cachos que sempre tinham aborrecido Willow.
Encolheu-se o estmago quando se viu a si mesmo atravs desses pares
de olhos claros e escrutinadores: uma menina boba vestida com os
farrapos de uma mulher morta, e com um bordado de ns no decote que
em vez de rosas pareciam urtigas.
A menina maior apoiou a cabea no peito de papai e bateu suas pestanas
de um loiro quase branco.
Nunca tinha visto um cabelo to negro, mame. Caiu nas cinzas?
Querer dizer no esterco do estbulo. Por isso tem a pele to escura e
spera disse seu irmo soprando.
Papai franziu o cenho e olhou ao menino que tinha em braos.
Advirto-te, moo, que no consentirei...
No ria de sua meio-irm, Stefan interrompeu Blanche com
suavidade A pobre criatura no pode evitar seu aspecto.
Willow no parece um nome cristodisse a menina, olhando-a ainda
com receio - pag?
Willow tinha sido o apelido que tinha posto seu pai desde que ficou
dormindo sob os ramos pendentes de um salgueiro quando era um beb,
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e seu pai e os habitantes do castelo a tinham estado procurando at a
manh seguinte.
Antes que pudesse esclarecer que seu verdadeiro nome era Wilhelmina, a
risada baixa e gutural de lady Blanche a interrompeu.
obvio que no pag, Reanna. Sua me era francesa.
O sorriso da mulher no vacilou, mas entreabriu os olhos levemente, e
isso conferiu um ar malevolente a seu olhar. O sangue de Willow gelou
nas veias.
Os franceses mataram a nosso pai na guerra - disse Stefan friamente,
enquanto acariciava o punho de sua espada em miniatura com sua mo
gordinha.
Willow apertou-se contra a perna de seu pai e tentou voltar a lhe agarrar a
mo.
Agora no, Willow lhe espetou seu pai, que fazia caretas de dor
enquanto lutava por desembaraar-se dos dentes do meio e sair de um
beb que lhe mordia a orelha, e ao mesmo tempo tentava que seu brao
dbil no cedesse sob o peso de Stefan - No v que s tenho duas mos?
Willow retirou a mo e ruborizou. Seu pai nunca a tinha repreendido
naquele tom.
No faa indagaes, querida. No nada decoroso. Aqui tem algo para
manter suas mozinhas ocupadas ronronou sua madrasta.
A mulher lanou o vulto peludo que sustentava nos braos de Willow. Esta
nem sequer lhe jogou uma olhada, porque no podia afastar os olhos de
Blanche, que agarrou a seu pai no brao e o dirigiu com firmeza para o
castelo. Os meninos os seguiram com passos errantes. Reanna se inclinou
sobre o ombro de papai e mostrou a lngua a Willow. Papai lhe dirigiu uma
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ltima e impotente olhar antes que todos desaparecessem nas sombras
do grande salo.
Willow poderia ter permanecido ali todo o dia, confusa e aflita, no se deu
conta de que um estranho calor se estendia pela parte dianteira de seu
vestido. O vulto comeou a retorcer-se. Abriram os olhos de espanto
quando uma mecha de cabelo loiro platinado e um rosto rosado
apareceram lentamente por uma abertura no vulto de pele. O rosto de
duende enrugado se voltou da cor carmesim antes de deixar cair cabea
para trs e comear a chorar com uns gritos que partiam a alma e as
orelhas.
S ento se deu conta de que sustentava a outro dos cachorrinhos de sua
madrasta. E s ento ouviu as risadas sarcsticas dos cavalheiros de
Blanche, que se golpeavam uns aos outros com o cotovelo e a
assinalavam. S ento se precaveu do que era exatamente o que estava
empapando seu precioso vestido e gotejando em seus sapatos.
Esforando-se por no unir seus prprios gritos aos do beb, Willow
levantou o queixo e dirigiu um olhar severo aos homens que sorriam.
O que fazem a enlevados? Nunca tinham visto ningum urinar-se em
cima de uma dama?
Os cavalheiros ficaram firmes, reprimindo as risadas, enquanto Willow
recolhia a prega empapada da saia e se dirigia ao castelo, tentando no
cambalear sob o peso do estridente vulto.
Os filhos so uma herana do Senhor. Os meninos, uma
recompensa dela. Como as flechas nas mos do guerreiro so os
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filhos nascidos em nossa juventude. Bendito aquele cuja aljava est
cheia deles.
(Salmo 127 A sagrada Bblia)
CCCaaappptttuuulllooo III
IIInnnggglllaaattteeerrrrrraaa,,, 111333666000
Sir Bannor o Audaz corria precipitadamente pelos escuros corredores de
pedra do castelo. O suor lhe escorria sobrancelhas abaixo e o corao
pulsava desbocado no peito como um tambor de guerra. Dobrou a
esquina a toda pressa e se escondeu no oco de uma janela afundada no
muro, lutando por acalmar a rouca respirao que no o permitia escutar
se aproximavam seus perseguidores.
Durante um instante bendito, houve silncio. Depois ouviu o implacvel
golpear de seus ps contra o cho, seguido dos gritos selvagens que
pressagiavam sua sorte.
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A mo tremente dirigiu-se instintivamente ao punho da espada, antes que
recordasse que a arma seria intil contra eles. Estava indefeso.
Se qualquer dos homens que tinham brigado a seu lado contra os
franceses durante os ltimos quatorze anos tivesse visto o calafrio de
terror que percorreu seu volumoso corpo naquele momento, teria
duvidado de seus prprios sentidos. Tinham-lhe visto escalar a parede de
um castelo sem mais ajuda que suas mos, se esquivando do azeite que
caa ardendo do cu como se tratasse de fogo do inferno. Tinham-lhe visto
descer de um salto de seu cavalo e correr em meio de uma chuva mortal
de flechas, para recolher a um homem cansado em combate sobre seu
ombro e lev-lo a um lugar seguro. Tinham visto romper a folha de uma
espada francesa contra sua prpria coxa, sem indcio de vacilao a causa
da dor, e depois usar essa mesma espada para acabar com o homem que
o tinha atacado. Para deleite do rei Edward, sabia-se que alguns de seus
inimigos tinham deposto as armas e se renderam somente ante o rumor
de que Sir Bannor se achava no campo de batalha.
Mas nunca antes enfrentou a um adversrio to formidvel, to carente
de piedade e de compaixo crist.
Enquanto passavam em correria diante de seu esconderijo, encolheu-se
contra a parede, enquanto movia os lbios silenciosamente em uma
orao, para que Deus, que sempre tinha estado ao seu lado nas batalhas,
o resgatasse.
Mas no ms que tinha transcorrido desde que se assinou o armistcio com
os franceses, parecia que at Deus o tinha abandonado. Os uivos de
triunfo que chegaram a seus ouvidos pareciam provir do prprio Lcifer.
Tinha sido descoberto! Muito aterrorizado para pensar nas conseqncias,
saiu em disparada, desfazendo o caminho que acabava de seguir. Os
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diabos estavam quase em cima dele, to presos aos seus calcanhares que
podia sentir seu flego chamuscando a parte posterior de seu espartilho.
Subiu as escadas em caracol, com a esperana de chegar ao refgio da
torre norte antes que o alcanassem e o despedaassem como a uma
matilha de ces guias de ruas. A porta de madeira apareceu ante ele.
Equilibrou-se sobre o fecho de ferro e empurrou, rezando para que sua
mo suada no escorregasse. Algo o agarrou pelo tornozelo. Durante um
instante que lhe gelou os ossos, temeu que tudo estivesse perdido. Ento
a porta se abriu.
Cruzou a soleira de uma sacudida, desembaraando-se ao mesmo tempo
daquilo que o sujeitava, e de uma portada fechou a porta atrs de si. S
quando a tranca da porta caiu pesadamente em seus suportes metlicos,
atreveu-se a desabar contra a porta e aspirar uma grande e entrecortada
baforada de ar. Os raivosos gritos que exigiam que se rendesse foram
aumentando at que se detiveram em seco.
Por favor, Senhor murmurou, desejando no perder ainda o favor de
seu velho aliado isso no. Algo menos isso.
No passado tinha suportado quatro meses em uma masmorra de Calais,
preso a uma mida parede de pedra, com piolhos e ratos como nica
companhia. Quando seus carcereiros lhe davam papa ranosas para
aliment-lo, saboreava cada bocado e logo pedia para repetir. Depois que
o tivessem estirado no ponto de tortura, deixou a todos surpresos ao
acordar de uma soneca. Quando lhe queimaram a carne com um ferro
ardendo, tragou os gritos de dor e havia rido em seus rostos. Mas nem
sequer seu carcereiro mais diablico tinha conseguido lhe dar uma tortura
to cruel, to capaz de acabar com a vontade de um homem e lhe fazer
suplicar piedade como...
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Papai?
Bannor gemeu em meio de uma agonia mortal. E outra vez, a suave voz de
um anjo:
Papai? No zaldrz a jogar com nozotroz?
Bannor jurou pelo baixo. Muito prprio desse ardiloso demnio do
Desmond o de enviar a sua irm de seis anos a negociar uma trgua.
Nenhum outro de seus filhos era to bonito ou to doce como a pequena
Mary Margaret.
Ou era Margaret Mary? Bannor lutou por recordar a rosto de sua filha,
mas no pde passar de uma vaga idia de olhos azuis como a nvoa e uns
cachos dourados. Segundo o pai Humphries, o sacerdote do castelo,
parecia-se com sua me. Bannor sentiu-se envergonhado ao dar-se conta
de que tinha estado ausente do castelo durante tanto tempo, que
tampouco podia recordar de maneira precisa o aspecto de sua segunda
esposa.
Parte, cu sussurrou junto porta Papai j no quer jogar mais.
Odiava o tom de splica que aparecia em sua voz, mas no podia evit-lo.
Zlo queremoz que zeaz nueztro poni. Voc prometemoz
que no volveremoz a te pegar.
Nem atiraremos mais pimenta em seu elmo se uniu outra voz
esperanada.
Nem voltaremos a te queimar a barba gorjeou um terceiro.
Enquanto Bannor acariciava o que ficava de barba, o coro de splicas
chegou a um crescendo com o Por favor, papai da Mary Margaret.
Bannor fez fora para resistir lastimosa cantinela.
Fora daqui! rugiu Papai tem assuntos importantes dos que
ocupar-se.
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Mais importantes que ns, sem dvida. Urinar sobre as pulgas, por
exemplo.
Bannor apertou os lbios ao reconhecer no ressentido grunhido a voz de
seu filho maior e herdeiro. Da boca de Desmond, de treze anos, saam
palavras mais sujas que uma privada. Bannor ardia de vontades de agarrar
ao menino por seu imundo cangote e repreend-lo por sua insolncia.
Mas para isso teria que abrir a porta.
A voz de Desmond animou-se.
J o tenho! Vamos usar os foles para preencher os embutidos do
cozinheiro com azeite de queimar!
As queixas abatidas dos menores se converteram em alaridos de alegria
enquanto Desmond e seus seguidores baixavam as escadas carreira,
como se fossem uma ninhada de filhos de Satans.
Quando por fim seus passos se afastaram, Bannor se apoiou na porta,
desfeito pela indigna situao. Ele, lorde Bannor o Audaz, senhor de
Elsinore, orgulho dos ingleses e terror dos franceses, estava prisioneiro em
seu prprio castelo, cativo de um exrcito de mucosos.
Seus mucosos.
Sacudiu a cabea, mas o nico que conseguiu foi levantar uma nuvem de
pimenta que saa de seu cabelo. Quando seu ataque de espirros acalmou,
aprumou-se, descansou a mo no punho da espada e sua mandbula se
contraiu em uma careta capaz de gelar o sangue de qualquer inimigo. No
era prprio dele render-se sem brigar. Decidido a encontrar a maneira de
demonstrar a sua rebelde descendncia que se equivocou de homem
contra quem lutar, dirigiu-se janela, abriu a veneziana com um golpe e
com um rugido chamou o servial.
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Quando um ofegante Sir Hollis chegou ao alto das escadas, em resposta s
tormentosas chamadas de seu senhor, surpreendeu-se ao encontrar a
porta fechada e gradeada.
Preocupado pelo silncio que reinava no interior, aproximou os lbios da
porta.
Senhor?
Est sozinho? respondeu-lhe um sussurro. Olhou por cima de um
ombro, depois do outro.
De tudo.
A porta rangeu ao abrir-se. Um brao musculoso saiu disparado pela
abertura, arrastou-o para dentro e voltou a fechar e gradear a porta atrs
de si.
Hollis mal teve tempo de tomar flego antes de voltar a ficar sem ele, ao
ver a expresso de seu senhor. Bannor tinha as pernas tensas, e o peito
subia e descia enquanto apertava os punhos com fora. O cabelo escuro
caa de ambos os lados do rosto em um matagal selvagem, e emoldurava
uns olhos avermelhados de fria. Mas o mais surpreendente era o estado
de sua negra barba. Ou do que restava dela. Hollis inclinou-se para sua
mandbula e inspirou. No era sua imaginao. Seu amo, na verdade,
cheirava a fumaa.
Santo Deus. Eles atacaram? Hollis olhou assustada ao seu redor - H
um inimigo espreitando dentro dos muros do castelo?
Sim replicou Bannor, carrancudo dez, para ser mais exatos.
Armados s com seu engenho e suas splicas.
Dez? Hollis franziu o cenho e depois assentiu quando entendeu a
que se referia Ah, quer dizer os meninos.
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Meninos? soprou Bannor Essa palavra muito amvel para essa
prole do demnio. Se no tivesse contado os dedos dos ps eu mesmo
quando ainda era um beb, ordenaria que Desmond os inspecionasse at
lhe encontrar a cauda, o tridente e as patas.
Suponho que esto um pouco descontroladas disse o servial,
prudente, contendo um sorriso Possivelmente to somente a
exuberncia natural da juventude.
Exuberncia? ... Malevolncia, diria eu. Bannor deixou-se cair em
uma cadeira e varreu a mesa com o brao, deixando pulverizados diversos
pergaminhos e levantando uma nuvem de p. Maldita seja esta horrvel
paz! Oxal a guerra contra os franceses tivesse durado cem anos!
Hollis suspirou com melancolia, j que ele desejava o mesmo. Se Edward
no tivesse assinado o tratado de Brtigny, Bannor e ele estariam
sentados em uma loja de algum distante campo de batalha, brindando por
sua ltima vitria. Depois de anos de ser camarada, o final da guerra os
tinha forado a assumir os papis de amo e vassalo. Temia que sua
capacidade para ser servial de uma propriedade to grande como
Elsinore fosse to duvidosa como a de seu senhor para exercer de ser um
pai carinhoso de um punhado de mucosos.
De um sopro Hollis tirou o p de uma taa antes de servir a Bannor um
pouco de cerveja da jarra de barro que havia na mesa com a inteno de
acalmar um pouco os nimos. Se por acaso no funcionasse, serviria um
pouco para ele.
Estivestes em uma campanha atrs de outra desde que no foram mais
que um menino voc mesmo. Possivelmente o nico que precisam um
pouco de disciplina.
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No entende Bannor se inclinou sobre a mesa e baixou o tom de voz
at convert-la em um rouco sussurro como se estivesse confessando um
terrvel pecado No me tm medo.
Hollis teve que sentar-se na chamin e tomar um generoso gole de cerveja
para digerir aquela surpreendente revelao. Tinha lutado ao lado de
Bannor durante mais de treze anos, e ainda no tinha encontrado a um
homem que no retrocedesse de medo quando Bannor se erguia at sua
altura mxima, ou levantava a voz no mais que um murmrio. Naquela
mesma manh um moo tinha sado do grande salo em lgrimas s
porque tinha mostrado os dentes e tinha desejado um bom dia.
Em qualquer caso, no pode passar o resto da vida fechado nesta torre
disse Hollis pensativo Talvez fosse melhor conseguir que tivessem
medo.
E como sugere que o faa? Jogue-os nas masmorras? Ou cortem as
cabeinhas? Bannor levantou-se e caminhou para a janela, derramando
cerveja pela borda da taa a cada furioso passo que dava. Intrigado pelos
gritos de alegria que o vento levava at ali, Hollis foi atrs dele.
No ptio situado a seus ps reinava o caos. A anglica Mary Margaret
estava muito ocupada enchendo peles vazias de intestino para embutidos
com azeite de queimar. Enquanto isso, dois de seus irmos tinham
capturado a um dos pajens mais jovens e o sustentavam agarrado pelos
tornozelos em cima de um poo.
Desmond! gritou Bannor, aparecendo janela Solta a esse moo
agora mesmo!
Antes que pudesse retratar-se de sua pouco afortunada eleio de
palavras, um chapinhar e uns gritos surdos chegaram a seus ouvidos do
poo.
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Enquanto um escudeiro ia correndo resgatar o moo que tinha cado no
poo, Desmond dirigiu uma reverncia aduladora para a torre e gritou:
Sempre um prazer cumprir suas ordens, senhor.
Isto a maldio do Elsinore. Meu pobre pai, que era um canalha
desumano, teve dezessete filhos legtimos e trinta e seis bastardos, dois
deles em seu leito de morte. A gente acreditaria que o lema da famlia
Cresa e se multiplique em vez de Conquistar ou morrer grunhiu
Bannor baixo.
Hollis no necessitava que o recordassem que seu amo tinha sido um
desses bastardos. Se no granjeou o favor do rei graas a sua resolvida
lealdade e a seu valor em combate tenra idade de dezessete anos,
Bannor seguiria sendo um soldado sem dinheiro, em vez de senhor de
uma das posses mais ricas de seu pai. Bannor a tinha arrebatado a seu
legtimo irmo maior com a mais sincera bno do rei. E o resto de seus
meio-irmos tinha fugido a um dos castelos de seu pai situados mais ao
sul, para ouvir que Bannor o Audaz, um dos jovens cavalheiros mais
blicos e de mais confiana de Edward, tinha reunido um exrcito e estava
preparando para partir sobre Elsinore.
Bannor olhou para Hollis desesperadamente.
Deus deve estar me castigando por minha luxria. meu nico defeito.
Nunca fui aficionado a bebidas fortes, nem me deixo levar pela fria, nem
tomo o nome de Deus em vo.
No pode carregar toda a culpa pela existncia de seus filhos, senhor.
Suas duas esposas os adoravam. Inclusive quando tentavam lhes dar uma
pausa em seus cuidados, elas deslizavam em sua cama em metade da
noite e insistiam em cumprir com seus deveres maritais. Dirigiu a
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23
Bannor um olhar que expressava de uma vez compaixo e um pouco de
inveja este seu rosto condenada, a que as damas no podem resistir.
Se ao menos tivesse nascido com um rosto ordinrio, como voc...
disse Bannor, meneando a cabea e suspirando.
Hollis, que se considerava mais que pausadamente bonito, com seu
bigode arrepiado e sua cabea coberta de forte cabelo marrom, dirigiu a
seu amigo um olhar ofendido, antes de captar a piscada maliciosa nos
olhos de Bannor.
Dado seu atrativo, senhor, este talvez seja s o comeo de sua prole.
Depois de tudo, s tm trinta e dois anos. Ouvi que homens que tiveram
filhos a idade to tardia como os setenta e cinco! respondeu Hollis com
um sorriso.
Deus no o queira. Antes me castraria eu mesmo disse Bannor
estremecendo-se.
Algum bateu na porta. Uma sombra de pnico cruzou a rosto de Bannor.
Pergunta quem antes de abrir. Desmond mais ardiloso que o
Prncipe Negro disse, referindo-se ao filho do rei Edward, que tinha sido
to hbil que tinha tomado como refm ao rei francs no Poitiers
Poderia ser uma armadilha.
Hollis obedeceu.
Fiona senhor.
Quando Bannor assentiu, abriu a porta, atrs da qual a enrugada bab
irlandesa sustentava um vulto que no parava de retorcer-se. Bannor
tomou o resto de sua cerveja antes de esconder a rosto na mo e
murmurar:
Santo Deus bendito, outro no.
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Temo-me que sim, milorde disse Fiona, entrando apressadamente
na torre o segundo em quinze dias. Encontrei-a em uma cesta na
porta da casa do porteiro.
Trazia esta alguma nota?
No senhor, s uma manta e urticria por todo o corpo.
Embora Bannor se mantivesse firmemente distncia, Hollis no pde
resistir a retirar a puda manta para dar uma olhada. O rosto do beb
estava ainda mais enrugado que a de Fiona.
Hollis franziu o cenho, perplexo.
Mas se esta criatura no pode ter mais que umas semanas. No
estavam na Gascua com o Edward quando...
Que v ao povo a procurar uma ama de leite, Fiona lhe interrompeu
Bannor como se no tivesse ouvido nada E diga ao sacerdote que a
batize e lhe ponha um nome. A pobre criatura pelo menos merece um
nome. Apontou com o dedo a radiante bab Mas que no seja
Margaret. Nem Mary. J temos trs Margarets, uma Mary e uma Mary
Margaret. Isso confundiria a qualquer homem.
Sim, milorde respondeu Fiona, fazendo uma torpe reverncia.
Quando se virou para partir, a menina comeou a mover-se inquieta. A
bab a ps no ombro, cantarolando brandamente em galico. A menina se
acalmou como se tivesse estado sob o feitio de algum encantamento, e
comeou a fazer alegres borbulhas de baba e, a arrulhar como uma
pomba.
Bannor as viu partir com uma curiosa expresso no rosto.
Possivelmente o que necessitam meus filhos no a mo firme de um
homem disse com ar distrado a no ser a mo delicada de uma
mulher.
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25
Fiona uma mulher assinalou Hollis.
Sim, mas est fazendo maior. Uma sombra de melancolia passou
pelo rosto de Bannor. E ainda no se inventou um toque mais delicado
que o de uma me.
Quando se virou para dirigir a Hollis um olhar penetrante, qualquer rastro
de ternura tinha desaparecido do rosto de Bannor. Seus traos severos
voltaram a adquirir a expresso implacvel que sempre tinham quando
estava preparando uma campanha... Ou uma emboscada.
Hollis deu instintivamente um passo atrs, temendo ser seu objetivo. Seu
medo foi justificado quando Bannor comeou a lhe espreitar, com um
sorriso de predador em seus lbios.
Na verdade, Hollis, acredito que seria o homem ideal para encontrar
uma me para meus filhos.
Eu? Hollis retrocedeu at a mesa, fazendo que a jarra de cerveja
cambaleasse P... P... Mas senhor, no seria mais prudente que
escolhesse voc mesmo a sua esposa?
Bannor varreu suas objees com um movimento da mo.
No tenho critrio no que se refere s mulheres, s loucura. Se de mim
dependesse, voltaria a escolher outra rolia beleza perfumada como Mary
ou Margaret, antes que pudesse me liberar do feitio de seu perfume,
voltaria a estar rodeado por uma nova ninhada de mucosos para me
aterrorizar.
Dirigiu-se para o outro lado da mesa e comeou a examinar os
pergaminhos dispersos at que encontrou uma parte em branco. Inundou
a ponta de uma pluma de ave no tinteiro e comeou a escrever
furiosamente.
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Se h rumores que o rei estar em Windsor, revisando a renovao do
castelo. Se autorizar minha petio, ter total autoridade para escolher
uma noiva por mim, arrumar as escrituras nupciais com a famlia e fazer os
votos sagrados ante um sacerdote.
O pnico de Hollis aumentou.
Queres que me case com sua esposa?
Bannor deixou de escrever e lhe dirigiu um olhar exasperado.
obvio que no. S quero que ocupe meu lugar enquanto se lem as
admoestaes e o sacerdote benze a unio. Selou a missiva com uma
gota de cera derretida, e depois se levantou para entregar na mo o
pergaminho a Hollis Quando voltar a Elsinore com minha esposa, j
estar tudo arrumado. Estarei casado com essa mulher aos olhos tanto de
Deus como do rei. Aplaudiu a seu amigo no ombro. Hollis tentou no
cambalear-se Deixo meu futuro em suas mos, meu amigo. O que
preciso alguma criatura dcil e maternal, que no seja nenhuma
tentao para meus apetites.
Hollis ocultou o pergaminho em seu cinturo, suspirando derrotado. Sabia
melhor que ningum que no havia maneira de dissuadir Bannor uma vez
que tinha tomado uma deciso.
Dado que sua fama como um dos favoritos do rei chegou a todos os
lugares mais afastados do reino, no acredito que seja um grande desafio
encontraram uma esposa.
Pode ser que o desafio seja maior do que imagina. Matei a minhas duas
primeiras esposas disse Bannor arqueando uma sobrancelha escura.
Embora em realidade no fosse sua culpa, senhor.
Bannor voltou a dirigir-se para a janela e ficou olhando para o ptio, com
as mos a costas. Uma risada infantil chegou flutuando at seus ouvidos,
-
27
inocente e melancolicamente doce. A expresso de Bannor suavizou-se,
delatando o desespero que ocultava debaixo de seu mau gnio.
Encontra-a por mim, Hollis. Encontra a uma mulher que ame a meus
filhos como se fossem dela.
Quando Hollis viu a preocupao contida do amigo mais fiel que tinha
conhecido, uma quebra de onda de lealdade assaltou seu corao.
Encontrarei-a, senhor. Fincou o joelho e levou a mo ao punho da
espada O juro por minha vida.
CCCaaappptttuuulllooo IIIIII
Bannor ia mat-la.
Hollis avanava penosamente atravs do bosque coberto de musgo,
enquanto guiava a seus exaustos arreios e imaginava taciturnamente que
horrorosa forma tomaria sua morte. Ser atravessado pela espada de seu
senhor seria muito misericordioso. Merecia, pelo menos, um banho lento
em uma tina com azeite fervendo, ser devorado lentamente pelos ratos da
masmorra, ou uma entrevista a meia-noite com o verdugo encapuzado.
Possivelmente poderia pedir a Bannor que cravasse sua cabea em uma
estaca como advertncia para outros jovens cavalheiros que pudessem ser
o suficientemente estpidos para aceitar uma petio impossvel como
aquela.
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28
Senhor? atreveu-se a perguntar um dos soldados que trabalhava em
excesso atrs dele a quarta vez que passamos ao lado desse carvalho.
Temo que estejamos perdidos disse o outro.
Perdido murmurou Hollis, ainda apanhado em seu cru sonho Sim,
tudo est perdido.
O solo feito de pr um p diante do outro parecia estar acabando com o
resto de suas foras. Ele e seus homens tinham estado penteando a
campina inglesa durante dois meses. Tinham visitado todas as casas
nobres desde Windsor a Gales com filhas em idade casadoira, mas ainda
no tinha podido encontrar uma noiva apropriada para seu senhor.
Apesar da pessimista predio de Bannor, no tinham faltado pais
dispostos a lanar a suas filhas nos braos de seu senhor. Mas se a maior
era muito doce e bela, a menor era muito antiptica e feia. Se uma
confessava que no gostava dos meninos, outra se esfregava o ventre e
prometia dar a Bannor muitos filhos vares que honrassem sua casa.
Tinha albergado esperanas quando encontrou filha de um conde que
tinha uma cintura larga e um bigode mais povoado que o seu, at que lhe
tocou o joelho por debaixo da mesa de cavalete, bateu seus olhos sem
pestanas e grasnou que era uma pena que um homem jovem e viril como
ele no procurasse esposa. A horripilante viso de Bannor esmagado sob
suas macias coxas o tinha feito fugir do palcio de seu pai na metade da
noite.
Um suspiro de derrota escapou de seus pulmes. O tapete de folhas que
rangia sob seus ps logo estaria coberto pelas primeiras neves do inverno.
No ficava outra opo que retornar a Elsinore e confessar a Bannor que
tinha fracassado. Talvez no ficasse to mal com a cabea sob o brao.
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Tropeou, chamou o alto e olhou a seu redor, luz tenebrosa do bosque.
No pde seguir evitando por mais tempo o que seus homens estavam
tratando de lhe dizer. Estavam perdidos, e j devia fazer um bom
momento que o estavam. As velhas rvores elevavam-se sobre eles com
esplendor misterioso, e suas coroas outonais de folhas douradas e
escarlates esfumavam a luz de modo caprichoso. Justo em frente deles viu
um claro na folhagem. Primeiro pensou que era uma iluso pelas sombras,
mas logo lhe chegou o dbil eco de uma risada muito aguda que lhe
chamou a ateno.
Os homens que o acompanhavam retrocederam, trocando olhares
duvidosos.
Eu arrancaria a espada, se fosse voc, senhorlhe advertiu um deles -
Poderia ser um duende do bosque.
Ou uma fada sugeriu o outro, fazendo sobre seu peito o sinal da
cruz.
Sim disse a primeira Essas fadas gostam de levar os mortais a suas
guaridas subterrneas e lhes roubar sua semente.
Hollis soprou.
Provavelmente nos mandariam de um empurro a procurar a nosso
amo. Bannor poderia povoar um reino de fadas inteira.
Fincou um joelho no cho, separou as reluzentes samambaias e descobriu
um prado emoldurado entre luz e sombra. Seus pequenos habitantes
corriam e davam cambalhotas sobre a grama alta e marrom com feliz
despreocupao, cabelo loiro e ps ligeiros. A primeira vista, Hollis pensou
que realmente tinham ido parar a algum reino de fadas. Mas ento uma
das criaturas tropeou em uma raiz e caiu, e seus gritos de raiva lhe
demonstraram que era mortal.
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Antes que Hollis pudesse nem sequer expor-se e ir resgatar ao menino,
uma pastora se separou do brincalho rebanho de meninos e se
aproximou do menino cado. Enquanto recolhia ao vociferante menino em
seu colo, a curiosidade do Hollis foi aumentando. Entreabriu os olhos para
ver melhor, mas no pde distinguir seus traos. Embora movesse com a
graa e a rapidez prpria da juventude, sua vestimenta no dava nenhuma
pista a respeito de sua idade. Levava o cabelo recolhido em uma boina de
l vermelha e um vestido cinza com um avental, como os que estavam
acostumados a levar as faxineiras.
No foi seu aspecto o que lhe chamou a ateno, a no ser a curva
protetora de seus ombros enquanto embalava ao menino contra seu
peito. Estava muito longe para ouvir sua voz, mas podia imagin-las
palavras carinhosas que devia estar cantarolando para acalmar os soluos
do menino.
Hollis se sentou sobre os tales. Talvez tivesse estado procurando em
direo equivocada. Depois de tudo, Bannor nunca lhe havia dito que sua
esposa devesse ser de origem nobre. Por que no lhe obsequiar com uma
jovem Fiona, uma camponesa tmida e robusta que estaria encantada de
cuidar de sua indomvel prole, e no afligiria a seu amo e senhor com
peties de nenhum tipo?
Um sorriso se estendeu lentamente por seu rosto. Os soldados se
aproximaram, observando alarmados seu aturdido rosto. Um deles moveu
uma mo diante de seu rosto. Hollis nem sequer pestanejou.
O que ocorre, senhor? Viu uma apario?
Sim, vi-a. A resposta a todas minhas preces. Enquanto os homens
trocavam um olhar perplexo, o sorriso de Hollis se suavizou Uma
Madona.
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Esteve tentado guiar a seu cavalo diretamente colina abaixo at o prado,
mas teve medo de assustar tanto moa como aos meninos que cuidava.
Provavelmente seria mais singelo procurar o povo ou o castelo mais
prximo. Certamente ali algum poderia lhe dizer quem era ela e onde
vivia.
Voltou a separar as samambaias, incapaz de resistir a jogar uma ltima
olhada a seu achado antes de ir-se. Enquanto observava, o pequeno
escorregou de seu colo e escorregou pelo retorcido tronco de uma
macieira. Ela ficou de p e se plantou debaixo da rvore com os braos
estendidos, para agarr-lo se falhava uma mo ou se escorregava um p.
Pde ver a grande extenso de seus quadris, que lhe davam um aspecto
claramente dcil.
Hollis suspirou esperanado enquanto se levantava e procurava provas s
rdeas do cavalo, podendo ouvir j em sua cabea a doce e melosa msica
de sua voz..
Se no descer dessa rvore agora mesmo, maldito duende, subirei eu e
o derrubarei.
No o far.
Sim o farei.
No o far. Uma ma mdia podre saiu disparada de entre os ramos
e golpeou a Willow na tmpora. Os outros meninos deixaram escapar
uma risada zombeteira.
Apertando os dentes, Willow ps um p em um oco da rvore,
preparando-se para cumprir sua ameaa. Uivando como um gato
apanhado, Harold, de dez anos, comeou a deslizar-se tronco abaixo.
Quando j quase tinha chegado ao cho, o p enganchou na saia de
Willow e voltou a cair pela segunda vez aquele dia.
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32
O pranto do menino, to agudo, produzia-lhe cime. Enquanto tentava
decidir se voltava a recolher e consolar ou o estrangulava, Harold sentou-
se.
Atirou-me. Tragou saliva e as bochechas gordinhas lhe puseram mais
tintas que as mas que Willow tinha guardado nos bolsos de seu avental
Willow me atirou, vou dizer ao meu papai.
Gerta, de oito anos, chutou em sua defesa, com as loiras tranas
arrepiadas de indignao.
Vi como te atirava. uma garota feia e odiosa, e eu tambm vou dizer a
papai.
E a mame chiaram ao unssono as gmeas de nove anos Diremos
mame que vai nos mandar para a cama sem jantar outra vez.
Sem alterar-se ante a cantinela que lhe era to familiar, Willow se limitou
a apoiar-se no tronco da rvore, cruzou os braos sobre o peito e
entreabriu os olhos. Enquanto um sorriso malicioso se estendia sobre seu
rosto, os meninos ficaram calados. Inclusive Harold deixou de
choramingar.
Oxal me mande cama sem jantar disse brandamente Assim,
logo terei uma fome feroz. Ento sairei me arrastando de minha cama na
metade da noite procurando comida. Deliberadamente baixou a vista
at a branca barriga que aparecia por debaixo da prega da tnica de
Harold. Depois passou a lngua pela borda de seus reluzentes dentes
Algo rolio, tenro e suculento...
Enquanto sua voz ia descendo de tom at converter-se em um grunhido,
Harold se ergueu de um salto, gritando de terror. Seu irmo e suas irms
lhe seguiram, gritando a todo pulmo enquanto se dispersavam pelo
prado, fugindo para o santurio que representava o castelo.
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33
Willow se apoiou contra a rvore, morta de risada. Quando se acalmou,
deslizou-se at o cho e agarrou uma das mas que guardava no avental,
saboreando a felicidade de um fato to pouco habitual como era estar
sozinha. No encontrava o sentido a seguir rogando e xavecando,
raciocinando e ameaando, j que todos seus esforos para conseguir que
seus irmos e irms se comportassem, ficavam frustrados pela indulgncia
de sua madrasta.
Afundou os dentes na pele rangente da ma recordando a iluso com a
que tinha esperado o nascimento de Harold. Depois de trs anos de fazer
de bab de seus consentidos meio-irmos, finalmente ia ter um irmo ou
irm de seu prprio sangue. Mas Blanche tinha aproveitado a ocasio para
vomitar mais veneno no ouvido de seu pai. Quando Willow se aproximou
da cama para lhe jogar uma olhada a seu novo irmo, Blanche tinha
aproveitado para lhe recordar a seu marido que era ela e no a me de
Willow a que tinha completo com o sagrado dever de lhe dar um filho
varo.
Willow lhe deu outra dentada ma. Harold tinha sido um beb doce e
de bom carter, igual aos outros trs bebs que nasceram depois. Mas o
carinho natural que sentiam por volta dela se viu logo embaciado pelo
desdm com que a tratavam seus meio-irmos. O abismo que se abria
entre eles era muito grande para que o cruzassem seus bracinhos
gordinhos.
Eles eram robustos, ela era magra. Eles eram loiros, ela morena. Eles
tinham olhos azuis, ela os tinha do tom cinza tempestuosa de uma
tormenta no mar. Sangue saxo corria frio por suas veias, enquanto que as
dela ferviam com o sangue quente e apaixonado dos franceses. Eles eram
queridos, ela era...
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Willow lanou longe a ma ao meio. De repente tinha perdido o apetite.
Fazia j muito tempo que no era a princesinha do papai. Do momento
em que Blanche chegou a Bedlington, tinha deposto Willow com a
ambio implacvel de uma rainha disposta a conseguir que seu herdeiro
suba ao trono.
A princpio Willow tinha estado muito aturdida para aceitar a derrota.
Quando tentava subir ao colo de seu pai, encontrava-o ocupado pela
Reanna, pendurada em seu pescoo ou por um satisfeito Stefan. Quando
morria de vontades de escutar um conto, tentava introduzir-se no crculo
de meninos que se agruparam ao redor dos joelhos de seu pai. Justo
quando papai alargava um brao para aproxim-la do seu lado, a mo de
Blanche posava em seu ombro como uma aranha plida.
J muito maior para estas tolices querida lhe sussurrava Blanche, e
o meloso veneno de suas palavras paralisava Willow de modo mais efetivo
que sua mo cortante por que no sobe para ver se Beatriz necessita
que troquem suas fraldas?
Willow partia do grande salo com o rabo entre as pernas, lanando um
ltimo olhar ofegante a seu pai por cima do ombro. Mais de uma vez tinha
jurado ver seu prprio pnico refletido nos olhos de seu pai. Abria a boca,
mas antes que pudesse falar, os meninos de Blanche se lanavam sobre
ele como um enxame e reclamavam toda sua ateno. Com o tempo, as
palavras no pronunciadas se incharam at converter-se em um silncio
to ensurdecedor que nunca mais poderia romper-se.
s vezes Willow desejava no ser capaz de recordar aquela poca em que
seu pai a queria. Talvez ento no perdesse o tempo sonhando que
algum voltava a querer ela daquele modo. Tinha enterrado aquele desejo
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muito fundo, inclusive mais fundo que o desejo de dispor de uma simples
hora de liberdade para ela sozinha.
Seduzida por aquele sonho agridoce, apoiou a cabea contra o tronco.
Enquanto seus olhos fechavam-se, a rosto de seu pai se transformou no
rosto de outro homem. Seu prncipe, como o tinha batizado quando era
o bastante jovem e estpida para acreditar nessas fantasias.
Seu cabelo era to escuro e brilhante como o azeviche, sua mandbula
forte, e suas sobrancelhas, finas. No importava de que cor fossem seus
olhos, enquanto brilhassem de amor por ela e s por ela. Ele no a amaria
unicamente durante uma doce e breve temporada. Amaria-a para sempre.
Willow no poderia dizer quanto tempo tinha passado naquele prado,
ouvindo seus sussurros no vento que movia a erva, sentindo seu toque na
carcia da brisa. Nem sequer se tinha dado conta de que tinha franzido os
lbios espera de um beijo imaginrio at que a primeira gota de chuva
caiu sobre ela fez que tanto seu prncipe como seus sonhos se
desvanecessem.
Ergueu-se devagar e alarmou-se ao dar-se conta de que a brisa se
convertia em um forte vento. Talvez fora j muito maior para que a
enviassem cama sem jantar, mas no tinha nenhuma dvida de que
Blanche podia inventar formas mais sutis de castig-la por sua rebeldia.
Voltou a colocar uma mecha de cabelo extraviado dentro da boina. A
ltima vez que se atreveu a desafiar a sua madrasta, Blanche a tinha
ameaado e cortado os indomveis cachos.
Ajustando o avental para que as mas no lhe cassem dos bolsos, Willow
se apressou a cruzar o prado at o castelo que uma vez tinha chamado seu
lar.
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Willow se precipitou na cozinha mofada e lgubre s instante antes que o
caprichoso tor se transformasse em um autntico dilvio. Esquivou o
jorro de gua que caa atravs de uma greta do teto e sentiu um calafrio
ao dar-se conta de que ningum tinha mantido o fogo aceso. A julgar pela
chamin fria e o assador deserto, talvez no fosse ela a nica em ir cama
sem jantar. Talvez no fosse m idia conservar alguma ma no avental.
Os gastos de Blanche estavam deixando seu pai na runa. Os cofres
transbordantes com os que sonharam quando se casou com a rica viva,
converteram-se em uma exgua destilao. Enquanto ela pudesse levar
peles e jias, e vestir a seus garotinhos com l e seda, a Blanche no
importava absolutamente que as defesas do castelo estivessem caindo a
pedaos nem que os soldados e camponeses estivessem abandonando o
seu pai em busca de um amo mais prspero e generoso.
A ira do rei j faria tempo e teria desabado sobre eles a no ser pelos dois
matrimnios que Blanche tinha arrumado entre suas duas filhas maiores,
Reanna e Edwina, e dois ricos bares. As contnuas choramingaes das
esposas tinham conseguido que os bares acessassem a pagar os
impostos do castelo, quantidade que nem as ameaas nem os valentes
de Blanche tinham conseguido reunir.
Possivelmente Willow e seu pai eram pobres antes que se casasse com
Blanche, mas pelo menos tinham um ao outro. Agora a nica coisa que
havia entre eles eram recriminaes e silncios tensos.
Willow comeou a subir as escadas em caracol, esperando passar
despercebida na galeria que dominava a grande sala e chegar ao
dormitrio que compartilhava com suas irms antes que sua madrasta lhe
sasse ao passo. Esperava ouvir o Harold balbuciando uma lista detalhada
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de seus pecados. O que no esperava absolutamente era ouvir o som
austero de vozes masculinas.
Willow se aproximou escondida do corrimo da galeria e jogou uma
olhada entre a fumaa das velas de sebo. Para sua surpresa, no havia
nenhum menino vista no grande salo. Trs estranhos estavam de p em
frente do estrado elevado onde Blanche insistia em receber a todos os
visitantes. Papai se sentava curvado em uma cadeira com dossel. Seu
cabelo antigamente avermelhado dourado, voltava-se cada vez de um
cinza mais apagado. Seus ombros, antigamente orgulhosos, inclinavam-se
sob o peso das dvidas e exigncias de sua mulher. Blanche estava
reclinada ao seu lado em um banco dourado, presidindo a sujeira do salo.
O homem que estava falando levava as esporas douradas prprias dos
cavalheiros.
Se no se pode arrumar uma dote agora mesmo, estou seguro de que
meu senhor estaria desejoso de contribuir uma generosa quantidade pela
noiva.
Que barbaridade! No quero nem ouvir falar disso gritou papai,
golpeando o brao da cadeira.
Exatamente quanto generosa? perguntou Blanche, apoiando uma
mo plida sobre a manga de papai. O estranho deixou de olhar a papai
para esquadrinhar a madrasta de Willow, enquanto o grosso bigode se
movia ao tratar de ocultar a risada.
Suficientemente generosa. Meu senhor j tem a bno do rei. Est
muito ansioso por fechar o pacto.
Ah, mas ela muito valiosa para ns disse Blanche antes que papai
pudesse falar.
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Willow abraou ao corrimo. S podiam estar falando do pacto nupcial da
filha mais jovem de Blanche de seu primeiro matrimnio. Mas Beatriz
ainda no tinha completo os quatorze! Blanche devia estar realmente
desesperada se estava considerando a possibilidade de oferec-la ao
melhor partido. Em justia, Willow sabia que deveria alegrar-se de livrar-
se dela. Depois de ter urinado em seus sapatos fazia j tantos anos, a
mucosa no tinha deixado de lhe infligir multido de indignidades. Willow
levou uma mo ao estmago. Talvez a pontada que notava ali era s
inveja pela boa sorte de Beatriz. Seguro que no ia sentir falta dessa
malcriada.
Livrando-se da mo de Blanche, papai olhou com o cenho franzido ao
cavalheiro, cheio de suspeitas.
Pode-se saber por que seu amo a quer to desesperadamente?
Willow se inclinou para diante para ouvir melhor a resposta do cavalheiro,
mas justo ento notou que algo mido deslizava por sua nuca.
Eca! grunhiu, reconhecendo que se tratava de uma vida lngua
masculina.
Se virou e fez retroceder a seu assaltante para as sombras.
Sugiro-te que guarde essa vbora em sua boca antes que lhe arranque
isso da raiz.
Seu meio-irmo riu entre dentes e levantou uma sobrancelha com
presuno.
Ah, por que teria que guard-la em minha boca se a tua for muito mais
doce?
O brilhante e espesso arbusto de cabelos loiros e os protuberantes
msculos de Stefan podiam fazer que as faxineiras do castelo se
acautelassem, mas para Willow seguia sendo o mesmo menino
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39
presunoso que riu dela sem piedade desde seu primeiro encontro. S
que agora levava uma espada muito mais larga.
Inclusive o mais doce dos bagos pode te envenenar respondeu,
ficando em garras.
Acredito que este bago em especial fez mais do que isso disse
entreabrindo seus plidos olhos azuis e assinalando para o salo com a
cabea Antes que sua opinio sobre ti mesma siga melhorando,
recordo-te que este misterioso cavalheiro est oferecendo um preo para
te levar a sua cama como se no fosse mais que uma rameira do povo.
Willow ficou muito surpreendida para ofender-se com o insulto.
A mim? levou-se uma mo ao peito, trada por um sentimento de
surpresa Este senhor me quer como esposa?
O sorriso de Stefan se obscureceu e franziu o cenho.
No faz falta que ponha esse rosto de carneiro degolado. Mame nunca
te deixar partir.
O sentimento de milagre se desvaneceu quando Willow se deu conta de
que suas palavras eram certas.
obvio que no o far. Se no, teria que encontrar a outra bab para
seus mucosos.
Incapaz de escutar como seu pai jogava do castelo ao jovem e formal
cavalheiro, Willow se dirigiu para seu dormitrio. Stefan ficou na sua
frente, lhe bloqueando o caminho.
Mame no entregaria a outro homem porque sabe que te quero para
mim.
Willow retrocedeu. Seu meio-irmo nunca se atreveu a ser to
desagradvel. Obrigou-se a lhe devolver o sarcstico olhar com a mesma
expresso.
-
40
Bem, pois temo que no possa me ter. Embora no haja laos de
sangue entre ns, somos irmos. O rei nunca permitiria que nos
casssemos.
Stefan a agarrou pelos ombros com tanta fora que lhe fez mal, enquanto
sua voz se convertia em um grunhido rouco.
Quem falou em matrimnio?
Enquanto ele passava a lngua pelo lbio inferior, como se saboreasse
antecipadamente uma suculenta parte de carne, Willow quase se
arrependeu de haver tirado sarro de Harold. Obrigou-se a esperar at que
a brilhante ponta de sua lngua estivesse s a uma polegada de seus lbios
abertos antes de murmurar:
Adverti-te que guardasse essa vbora longe de mim.
De uma sacudida se livrou de seus braos, e depois lhe deu uma joelhada
no meio das pernas. Ele se dobrou sobre si mesmo, soltando um
juramento. Antes que se recuperasse, Willow saiu correndo para a direita
e depois para a esquerda, movida por um impulso primitivo de fugir. Seu
dormitrio j no lhe parecia um refgio, a no ser uma armadilha. Sem
pensar duas vezes, precipitou-se escada abaixo at o grande salo, e se
deteve de repente entre as sombras que projetava a galeria.
uma soma tremenda, Rufus dizia Blanche nesse momento, com um
brilho sonhador que mostrava um pouco o resplendor avaro de seu olhar
Suficiente para pagar os impostos dos prximos dois anos.
No quero ouvir falar do tema, mulher. No venderei a minha prpria
filha.
Desejando escapar de um futuro to pouco atrativo como o sorriso
zombador de seu meio-irmo, Willow saiu das sombras e sua voz ressonou
como um sino:
-
41
E por que no, papai? No seria a primeira vez.
Hollis ficou com a boca aberta quando viu sua dcil Madona entrar
decididamente no grande salo, com os ombros preparados para a
batalha.
Entreabriu os olhos para v-la melhor na escurido, porque a fumaa das
velas de sebo o fazia chorar. A ordinria boina da moa deslizou para um
lado, o que projetava uma sombra sobre seus traos.
Ainda no acabava de acreditar em sua boa sorte. O anjo misterioso no
resultava ser uma vulgar moa de povo, era a filha solteirona de um baro
ao menos. Provavelmente j faria tempo que teria resignado-se a viver o
resto de sua existncia como uma carga para sua famlia. Sem dvida seria
dcil e estaria encantada de agradar a um poderoso senhor como Bannor.
Sobre tudo porque Bannor elogiaria a fealdade que a voltava repugnante a
olhos de outros homens.
Hollis olhou de esguelha para o teto, onde as teias de aranhas ondeavam
em lugar dos animados estandartes que deviam ter adornado as vigas em
outra poca. Provavelmente tambm estaria agradecida de ser resgatada
desse lugar. Desde que tinham se aproximado, ele e seus homens tinham
ficado horrorizados pelo desagradvel fedor do fosso cheio de ervas. A
chuva se filtrava com fora atravs de gretas no teto e descia pelas
desvencilhadas paredes de pedra formando arroios. Os juncos velhos que
tinham sob os ps estavam cheios de ossos rodos e de excrementos de
co, tanto afrescos como secos.
Enquanto a moa avanava para o estrado, Hollis lhe deixou chegar
galantemente, e indicou a seus homens que fizessem o mesmo. Esperava
que a chegada da moa intensificasse as bravatas de seu pai, mas o ancio
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comeou a jogar com as dobras de sua capa, evitando cuidadosamente
olh-la nos olhos.
O que est fazendo aqui, menina?
J no sou nenhuma menina, papai. Se o fora, no estaria aqui
discutindo meu pacto nupcial com estes estranhos.
O assunto no de sua incumbncia respondeu ele assinalando-a
com um dedo.
Justamente o contrrio. Incumbe-me e muito. No pude dizer nada
quando me jogou em uma vida de servido em troca da aprovao do rei
e do dote de Blanche. Talvez tivesse que permitir escolher o meu prximo
senhor.
Voltou s costas a seu pai que seguia balbuciando, e se dirigiu para o
Hollis. Pareceu duvidar um momento. Embora na escurido quase no
pudesse adivinhar sua expresso, Hollis no pde evitar sentir-se
impressionado pela dignidade de sua postura. Apertava os punhos de
ambos os lados de seu corpo, e elevou o queixo com orgulho.
Diz a verdade, senhor? Seu amo me quer como esposa? Seriamente me
quer?
Recordou o desejo que tinha visto no rosto de Bannor quando este lhe
tinha encarregado de encontrar uma me para seus filhos. Hollis afirmou
com a cabea e disse brandamente:
Sim, senhora. Ele me disse querer mais do que possa imaginar.
Elevou o queixo um pouco mais.
Ento me ter.
Hollis no pde ocultar um sorriso, sem emprestar ateno ao grunhido
de seu pai, risada triunfal de sua madrasta, nem dissimulada
exclamao de raiva que saiu da galeria do primeiro piso.
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A moa levou as mos s costas para desatar o avental. Enquanto se
desprendia do objeto enrugado, uma chuva carmesim de mas caiu ao
cho. Algumas foram parar na ponta da bota de Hollis, mas ele no se deu
conta.
Seu sorriso congelou em seu rosto quando ela se desprendeu do
volumoso avental. Com os olhos como laranjas, seu olhar viajou acima e
abaixo por seu corpo esbelto e de peito erguido, seguindo o gracioso
caminho de suas mos enquanto se elevavam por cima de sua cabea para
livrar-se da boina vermelha. Sacudiu a cabea e liberou uma nuvem
brilhante de cachos negros como o azeviche antes de deixar a descoberto
uns dentes brancos como prolas em resposta ao sorriso de Hollis.
Mas o sorriso de Hollis se desvaneceu. Grunhiu em voz alta.
Bannor ia lhe matar.
CCCaaappptttuuulllooo IIIIIIIII
Perna de cordeiro, senhora?
Willow afastou a vista da janela da carruagem para jogar uma olhada ao
enorme pedao de carne que sustentava sir Hollis.
No, obrigado murmurou.
A expresso esperanada do cavalheiro desapareceu, e se sentiu tentada a
aceitar. Mas suas mos tremiam, sentia um formigamento no estmago e
no queria arriscar-se a manchar seu precioso vestido novo nem sequer
com uma gota de graxa.
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Enquanto sir Hollis afundava de novo no cesto de comida aparentemente
sem fundo que tinha comprado no ltimo povoado por onde tinham
passado, Willow esticou a saia, maravilhando-se da falta de rastros de
dedinhos lamacentos em suas dobras de veludo felpudo verde. Sabia que
no era uma beleza como Reanna ou Beatriz, mas arrumada dessa
maneira, quase podia imaginar-se que o era. No havia se sentido to feliz
desde aquele remoto dia em que Blanche tinha chegado ao Bedlington
para casar-se com seu pai.
Willow sorriu divertida pela ironia. Hoje era ela a que balanava em uma
esplndida carruagem atirada por seis preciosos corcis. Era ela que ia
escoltada por um squito de cavalheiros que levavam pendes ondulando
ao vento, adornados com o estandarte de seu senhor: um magnfico cervo
vermelho rampante sobre um fundo dourado. Era ela que corria para os
braos do homem que a tinha feito sua esposa. Seu corao pulsava ao
mesmo ritmo que os cascos dos cavalos enquanto se inclinava por volta da
janela para abraar com a vista aquela fresca tarde de outono.
Ao viajar para o norte, tinham deixado atrs as imensas rvores do bosque
de Bedlington, que tinham cedido o posto s onduladas colinas e aos
escarpados penhascos de Northumberland. Um resto de neve adornava
um pico longnquo.
Doce de figo? Sir Hollis se inclinou para diante para lhe passar o doce
debaixo do nariz, como se quisesse tent-la com seu rico aroma de noz
moscada.
Ela moveu a cabea, suavizando sua negativa com um educado sorriso.
Voltou a colocar as mos no cesto, murmurando algo que soou
curiosamente como: Pendurar minha cabea no grande salo, seguro.
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O mundo inteiro de Willow se inclinou quando a carruagem comeou a
subir colina acima pelo caminho sinuoso e com forte pendente.
Recostou-se para trs no assento e cobriu a cabea com o capuz de sua
capa adornada com pele, tremendo em parte de alegria e em parte de
apreenso.
Tudo o que sabia do misterioso senhor que era agora seu marido era que
se tratava de um homem generoso. Logo que o servial lhe tinha feito
chegar notcia de que ela tinha aceitado a converter-se em sua esposa,
enviou no s a carruagem e os cavalheiros, mas tambm um carro
carregado com dois pesados cofres cheios a transbordar de deliciosos
vestidos de veludo, seda e damasco; meia dzia de sapatos da pele de
camura mais suave e vrios frascos de perfumes preciosos e especiarias
estranhas.
A viso de toda aquela abundncia pulverizada pelo grande salo tinha
feito que Blanche se voltasse verde de remorso, Stefan verde de cimes e
Beatriz verde de inveja. Blanche tinha-se lamentado enormemente de no
ter pedido um preo mais alto, enquanto Stefan ficava de muito mau
humor e Beatriz subia correndo as escadas gritando que Willow lhe tinha
tirado o homem que devia ter sido seu marido.
Willow acariciou as franjas de visom que penduravam das mangas de seu
vestido, sorrindo com ironia. Se no tivesse sido pela extravagncia de seu
marido, teria chegado ao castelo com seus escassos pertences atado em
uma trouxa ao final de um pau. Talvez pensasse que ela era do tipo de
mulher que se deixava conquistar pela carcia da seda em sua pele ou pelo
aroma embriagador da mirra. Esperava que ele estivesse contente ao
comprovar que seu afeto podia conseguir-se por muito menos, s com sua
devoo.
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Um doce?
No disse Willow bruscamente, cada vez mais assombrada pela
insistncia do cavalheiro No tenho nem pingo de fome.
Seu rechao fez que o grosso bigode do cavalheiro adoecesse de
desnimo. Pela primeira vez Willow seguiu o percurso de suas pestanas e
este a levou at seu vestido. Olhou-o, interrogadora, e se deu conta de
que ia muito grande, como se tivesse sido confeccionado pensando em
outra mulher. Ela sempre havia sentido insignificante, ao lado de seus
robustos irmos. Stefan tinha-se burlado dela muitas vezes, dizendo que
era to ossuda como uma vara de salgueiro e muito mais nodosa.
Possivelmente lorde Bannor preferisse uma moa robusta, larga de
quadris e com peitos to rolios como os prometedores seios da jovem
Beatriz.
A pobre menina no pode evitar seu aspecto. O murmrio compassivo
de Blanche ressonou to claramente, que a Willow no tivesse surpreso
encontrar a sua madrasta pendurada no teto da carruagem como alguma
malevolente harpia.
Ainda impressionada, agarrou o doce da mo do cavalheiro e o tragou de
um s bocado. Pareceu to satisfeito que tambm aceitou o doce de figo
que este timidamente lhe ofereceu. Mas quando resgatou a perna de
cordeiro da cesta e a ofereceu, ela perdeu de repente o pouco apetite que
pudesse ter.
Suas dvidas voltaram a faz-la sentir como a menina que atirava da mo
de seu pai.
Querer-me a senhora Blanche?
obvio, carinho. Como poderia algum no querer a princesinha do
papai?
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Uma vez foi to ingnua que acreditou em uma mentira como aquela. Se
havia tornado a enganar-se, teria toda uma vida por diante para
arrepender-se de sua temerria deciso.
Me conte mais os gostos e costumes a respeito de lorde Bannor
pediu Me explicastes todo o referente a seu valor em combate e a sua
devoo ao rei e ptria, mas ainda no sei que classe de homem
encarregaria a outro que lhe escolhesse a noiva.
Sir Hollis lhe deu uma pensativa dentada na perna de cordeiro.
Um homem prudente.
Um calafrio lhe percorreu as costas. Possivelmente no era ela a que tinha
algum defeito, a no ser seu marido.
Acaso se inclinou para diante no banco, quase sem atrever-se a
expressar suas suspeitas em voz alta ... Mal parecido?
Sir Hollis quase se engasga com o pedao de cordeiro.
Eu no diria exatamente isso.
Willow encontrou sua resposta pouco reconfortante.
Ficou desfigurado na guerra? Perdeu algum membro? Um olho?
Ocultou um calafrio Ou nariz?
O bigode do cavalheiro se moveu como se estivesse reprimindo um
espirro.
Asseguro-lhes, senhora, que lorde Bannor retornou da Frana com
todas suas partes vitais intactas.
Willow franziu o cenho e se perguntou que partes seriam vitais para um
homem.
E o que tem que seu temperamento? amvel? um homem justo?
Ou dado a jurar e a sofrer violentos ataques de ira?
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Meu senhor seria o primeiro em assegurar que no homem dado
bebida, ira incontrolada nem blasfmia disse Hollis piscando.
Willow se reclinou em seu assento e cruzou as mos no colo.
Suponho que uma mulher no pode pedir mais a seu marido.
Entretanto queria mais. Muito mais. Uma viso efmera de seu prncipe
flutuou diante de seus olhos e lhe provocou uma agridoce pontada de
desejo. Nunca voltaria a ouvir o eco de sua risada. No voltaria a provar o
doce sabor de seus beijos imaginrios. Tinha chegado o momento de
trocar seus sonhos de menina por um homem forjado de carne e sangue,
nervos e ossos. Fechou os olhos para despedir-se de seu prncipe com um
suspiro melanclico.
Estava decidida a converter-se em uma boa esposa para o tal lorde
Bannor. No importava se era velho ou adoentado, se tinha o lbio
leporino ou se estava desfigurado por causa das batalhas liberadas pelo
rei ou pela ptria. Se ele estava disposto a oferecer sua total devoo a ela
e s a ela, ela faria o mesmo por ele.
Fortalecida por sua deciso, Willow abriu os olhos. Ou pelo menos
acreditou que o fazia. Mas a viso que contemplou pela janela da
carruagem a convenceu de que devia estar sonhando.
Um castelo parecia flutuar sobre o escarpado que dominava as
resplandecentes guas do rio Tyne. No se parecia em nada
desmantelada fortaleza de seu pai. Graciosas torres redondas apontavam
para as nuvens, acinzentadas. Um muro enorme abraava o macio
palcio, como se fosse feito de uma cortina de pedra.
Willow piscou. Porque quem, alm de um prncipe, poderia viver em to
majestosa morada? No se deu conta de que tinha formulado esta ltima
pergunta em voz alta at que sir Hollis lhe respondeu:
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Voc, obvio.
Desviou seu olhar assombrado para o cavalheiro. Seu sorriso tenso fez que
um calafrio de pressentimento lhe percorresse as costas.
Porque essa majestosa morada Elsinore, e voc, querida, sua nova
senhora.
A carruagem se aproxima! A carruagem se aproxima!
Quando o grito do vigia ressonou da torre de vigilncia, seguido do
trompete ensurdecedor de um corno de caa, Bannor bocejou e estirou
suas longas pernas sem inteno de mover-se da cadeira. Durante a
semana passada, Desmond o tinha enganado duas vezes com uma farsa
similar. Quando saiu do aposento a primeira vez, escorregou com as
pranchas cobertas de manteiga e caiu escada abaixo. Se a parede no
tivesse freado sua queda, teria podido quebrar seu pescoo. A segunda
vez que o corno soou, tomou com mais calma. Baixou com ps de chumbo
as escadas, olhando antes de dobrar as esquinas, at que o porco
engordurado que Mary Margaret tinha atrado at o grande salo com um
punhado de bolotas saiu carreira entre suas pernas e o derrubou.
Tinha resistido muitos stios durante a defesa das propriedades do rei no
Guienne e no Poitou, mas nunca tinha tido que enfrentar a um to
prolongado nem to implacvel. Desde que Hollis partiu para procurar
uma me para seus filhos, Bannor tinha levado a maior parte de seus
assuntos da torre, e s se atreveu a abandonar seu santurio quando era
noite fechada e os meninos dormiam.
Uma manh, quando estava a ponto de amanhecer, deslizou-se no
labirinto de habitaes interconectadas que compartilhavam, e os tinha
encontrado a todos feitos um novelo como uma ninhada de cachorrinhos
em uma enorme cama com dossel. Sobre o peito de Desmond se estendia
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o cabelo dourado da Mary Margaret, que ainda tinha o polegar entre seus
pequenos lbios rosados. Um dbil ronco saiu da boca aberta de
Desmond. Estudando as bochechas sardentas e o nariz chato de seu filho,
Bannor sacudiu a cabea, maravilhado que um rosto to anglico pudesse
ser capaz de tantas diabruras.
O sentimento de impotncia que lhe atormentava era totalmente alheio a
sua natureza. Sabia todo o necessrio para ser um guerreiro, mas no
sabia nada a respeito da paternidade. Como podia ser que fora capaz de
mandar uma legio de duzentos dos homens mais poderosos e
endurecidos do rei, e em troca no pudesse enrolar a um pequeno
esqulido para que cumprisse a ordem mais singela?
Estava a ponto de colocar em seu stio uma mecha despenteada do cabelo
castanho do moo, quando Mary Margaret abriu seus olhos de cor azul
brumosa.
Papai? murmurou um fantasma?
No, preciosa sussurrou S um sonho.
A menina fechou os olhos e voltou a dormir com um suspiro satisfeito, e
Bannor saiu do aposento sem fazer rudo.
O grito do vigia no se repetiu. Bannor se acomodou mais profundamente
em seu assento e apoiou o queixo no peito, esperando poder tirar uma
sesta. O sonho se converteu em um prmio esquivo desde que se
dedicava a perambular durante a noite, rondando, por seu prprio castelo
como se fosse um fantasma sitiado.
Quando soou um golpe na porta, ficou em p de um salto, agarrando a
espada instintivamente.
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Senhor, senhor! gritou Fiona, e seu acento irlands ficou amortecido
pela grossa porta de carvalho Seu estandarte foi avistado na estrada
que vem do sul a menos de uma lgua daqui! sua dama!
Sua dama. Divertido pela idia, Bannor deps a espada lentamente. No
tinha tido uma dama que pudesse chamar prpria desde que Margaret
tinha morrido, fazia j seis anos.
Podia ouvir a velha bab cacarejando com impacincia enquanto retirava
o slido banco que tinha usado para bloquear a porta e levantava a
travessa. Fiona estava no patamar, retorcendo o avental entre suas mos
nodosas.
sua dama, senhor! Por fim chega!
Bannor agarrou rapidamente seu colete cor de vinho do respaldo da
cadeira e o ps em cima da camisa. Enquanto seus longos dedos lutavam
com os botes de marfim da tnica perfeitamente entalhada que se
ajustaravam ligeiramente altura dos quadris, desejava estar colocando a
cota de malha, a couraa e o elmo para entrar em combate, em vez de sair
sem armadura nem armas a receber a sua nova esposa. Olhou ofegante
sua espada, sabendo o vulnervel que se sentiria sem sentir seu peso
familiar no quadril.
Rena aos meninos para que recebam a sua nova me, tal como
ordenei?
Sim, senhor. A todos. Inclusive os bebs. Fiona lhe sorriu, tremendo
de alegria ante a idia de ter de novo a uma dama no castelo. Tinha
adorado a suas duas primeiras senhoras, e lhe tinha dodo tanto como a
Bannor quando tinham morrido to jovens e de maneira to trgica.
Pendurou uma cadeia de prata tranada ao redor dos quadris, e arrumou
um pouco o cabelo.
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Suponho que devo lhes passar revista antes que chegue. Um guerreiro
nunca envia a seus homens batalha sem lhes dar umas quantas palavras
de conselho e flego.
Sim, e seguro que estaro ansiosos de seus conselhos, milorde
prometeu Fiona.
Um homem menos precavido tivesse estado disposto a acredit-la,
pensava Bannor enquanto percorria a distncia que lhe separava do ptio
interior, olhando aos meninos reunidos no recinto amuralhado. De fato
formavam j algo muito parecido a uma fila. Fiona trouxe para os menores
da tropa e os entregou a membros do servio, fazendo malabarismos. Do
maior ao menor, os meninos olhavam frente sem espionagem de
nervosismo nem risinhos entre eles. A inocncia de seus rostos fez que
Bannor se sentisse realmente inquieto.
Embora Desmond parecesse to inocente quanto seus irmos, o corvo
com as asas entaladas que estavam posadas em seu ombro olhava a
Bannor fixamente, e a cauda do animal que saa do pescoo da tnica do
menino se movia com inquietao.
Bannor decidiu prudentemente que era melhor no fazer perguntas sobre
a origem do animal, assim cruzou as mos s costas e se inclinou para
cheirar o pescoo sujo do moo loiro e esbelto que havia ao lado deste.
E quando foi a ltima vez que te banhou, jovem Hammish?
O moo contou com os dedos.
menos de quinze dias. Mas eu no sou Hammish, senhor. Deu-lhe
uma cotovelada ao moo macio que estava a seu lado, o que provocou
um afogado aiEle Hammish.
Hmmmmm... Bannor ocultou seu desgosto dedicando um olhar
carrancudo a Hammish. O menino tinha pernas robustas, e o cabelo liso e
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grosso de cor canela, o que lhe dava o aspecto de algum que levasse uma
terrina de barro na cabea.
Assim que voc Hammish?
Sim, senhor.
No precisa me chamar de senhor. Pode me chamar de papai.
Sim, senhor.
Bannor suspirou. Comeava-lhe a doer cabea. No podia apresentar os
meninos corretamente para sua carinhosa e nova me se no era capaz de
recordar seus nomes.
Saiu do apuro com uma convincente mentira.
Antes de entrar em combate, habitual que todos os homens que
lutam sob meu estandarte gritem seu nome. Vocs gostariam de prov-lo?
Os meninos se inclinaram para diante e viraram o pescoo para a direita,
procurando o moo que dirigia suas filas. Este encolheu os ombros a
contra gosto, e depois obedientemente gritou:
Desmond!
Os outros seguiram seu exemplo.
Ennis! Mary! Hammish! Edward! Kell! Mary Margaret! Meg! Margery!
Colm!
Os dois bebs acrescentaram um gu gu e um gorjeio. Fiona dedicou a
Bannor um sorriso to desdentada como a dos bebs.
Estes dois pequenos anjos se chamam Peg e Mags.
Bannor encolheu seu nariz. A dor de cabea era agora mais forte, e
acompanhado de palpitaes na tmpora, entretanto, ainda no era capaz
de reconhecer a seus prprios filhos entre um monto de estranhos. Por
todos os demnios, eles eram um monto de estranhos.
Tentou um sorriso.
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Bom intento. O que lhes parece se o voltamos a tentar?
Claro, estpido murmurou Desmond No temos nada melhor que
fazer.
Bannor lhe olhou com os olhos entreabertos.
O que disse moo? O menino lhe devolveu um sorriso de querubim.
Disse que ser um prazer.
Antes que Bannor pudesse fazer frente a sua insolncia, um poderoso
trompete do corno do vigia contagiou um tremor de excitao por todo o
ptio.
O som das cadeias foi seguido pelo rangido do restelo da porta exterior,
ao subir chiando polegada a polegada. O tinido musical das esporas e o
rtmico golpear dos cascos anunciava a chegada da carruagem.
Bannnor se colocou na fila entre Hammish e Mary, preferindo estar entre
suas tropas. Quando o squito de cavalheiros se dispersou e a carruagem
finalmente se deteve, estirou-se o espartilho e tentou alisar uma barba
que j no tinha. Ainda no tinha se acostumado a sua mandbula
barbeada, mas dada a tendncia alarmante de sua barba a incendiar-se
sempre que sua descendncia estava perto, tinha decidido acostumar-se.
No era uma pessoa dada a ficar nervosa. Mas Fiona se deu conta de sua
inquietao e lhe ps o beb menor nos braos. Bannor no haveria
sentido mais aterrorizado se lhe tivessem posto nos braos uma cabea
decapitada. Tentou sustentar criatura com o brao esticado, mas
quando comeou a retorcer-se, o ps debaixo do brao como se fosse
uma dessas bexigas secas de porco que seus escudeiros lanavam com a
mo ou com o p durante horas.
Exasperada, Fiona resgatou ao fardo envolto em mantas, e o colocou
limpamente no oco do brao.
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No se inquiete milorde cantarolou em voz baixa, enquanto ficava
nas pontas dos ps para lhe beliscar a bochecha Ainda no conheci a
nenhuma moa que possa resistir a um tipo forte com um beb nos
braos.
Bannor abriu a boca para lhe replicar que a ltima coisa que desejava era
uma esposa que o encontrasse irresistvel, mas j era muito tarde.
Um escudeiro ansioso j se equilibrou sobre a carruagem para abrir a
porta, e tinha deixado ao descoberto um p esbelto calado com um
sapato de pele de camura.
CCCaaappptttuuulllooo IIIVVV
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Quando a porta da carruagem se abriu, Willow titubeou, e olhou insegura
para sir Hollis.
Talvez no devesse ter comido toda aquela perna de cordeiro, querida.
Ser melhor que passe adiante. Eu lhes seguirei disse Hollis reclinando-
se no assento.
Willow respirou fundo e com cautela tirou um p da carruagem. No seria
prprio cair aos ps de seu marido como um saco de cevada. Agradeceu
porque o amplo capuz da capa lhe cobria o rosto, e manteve a vista fixa na
pavimentao do cho enquanto descia da carruagem, jurando-se que no
vacilaria quando visse seu rosto pela primeira vez, sem importar a
deformada ou repugnante que fosse. S quando esteve firmemente
plantada sobre seus dois ps se atreveu a olhar acima. E acima. E acima.
O rosto do seu prncipe.
Willow sufocou um grito de assombro, convencida pela segunda vez
naquele dia de que estava sonhando. Um sonho mais doce e encantador
que qualquer dos que tinha tido anteriormente.
Mas nem sequer em sonhos tivesse podido imaginar um homem como o
que estava frente a ela. A ela nunca lhe tivesse ocorrido desenhar essas
ligeiras rugas ao redor de sua boca, nem sombrear seu queixo com aquela
mera insinuao de barba. Um rosto que tinha recebido o beijo do sol, que
lhe tinha marcado dbeis sulcos na frente e lhe tinha escurecido a pele at
voltar a de cor dourada profundo. Seu cabelo azeviche no era brilhante e
lustroso, mas sim de seda crua, entremeados com alguns fios de prata e
talhado justo por cima dos ombros. Nas profundidades de seus olhos, de
cor azul de meia-noite brilhavam tanto o humor como o engenho, e uma
esquiva covinha em sua mandbula direita servia para enfatizar o torcido
doce, mas ressentido, de sua boca.
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No era esbelto, como o tinha imaginado, a no ser largo de costas e
musculoso. Sua mandbula proeminente a avisou que no recuava e que
no se tratava de nenhum menininho que se contentaria de lhe roubar
beijos castos, mas sim de um homem que no descansaria at obter tudo
o que ela pudesse lhe oferecer.
Seu homem.
Aturdida por seus pensamentos, baixou o olhar. S ento se deu conta de
que sustentava algo nos braos. Talvez outro dos presentes para ela.
Algum tesouro custoso, sem dvida, como objeto de seu afeto.
Willow retirou o capuz do rosto, levantou a cabea e lhe sorriu.
Quando Bannor baixou a vista por volta da beleza encapuzada que era
agora sua esposa, s um pensamento atravessou a nvoa de desejo que se
apoderou dele.
Ia matar a Hollis.
Se no tivesse tido as mos ocupadas, provavelmente teria jogado a um
lado mulher e teria tirado aquele covarde da carruagem pego pelo
pescoo. Mas naquele momento s podia olh-la paralisado pelo horror.
Uma singela cadeia rodeava sua frente, embora essa delicada banda de
ouro fosse um esforo valente, mas vo, de domesticar a nuvem de
cachos escuros que rodeavam seu rosto. Tinha a boca pequena. Seu lbio
superior era um pouco mais carnudo que o in