metaforas para um duelo no sertao

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Metáforas para um duelo no sertão Entre o rio e o mar tem semanas que acordo janeiro versos feito cabral seco ácido sertão lâmina e pedra na poesia galo escondendo a manhã dias em que custam suores recordar outros valores lembrar dos asfaltos de jambeiros andar pelas ruas, Jaguaribe : há que sempre mirar adiante nadar nada no capibaribe colhendo feijão e poemas lá na cozinha da casa grande tão pequena tem semanas que me fixo em junhos versos vem de vinícius solto louco sezão sonetos infiéis em minha castidade elegias e sempre um grande amor dias que valem suores vale o hoje, o agora, vale o já cajazeiras é só uma página e saudades outras ruas outros olhos outras cores madalenas e seus códigos secretos mergulha poesia tambaú - plantar sonhos e fantasias no quarto onde deve ficar minha pequena tem semanas e dias dezembros onde espero, só nos livros

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Metaforas para um duelo no sertao

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Page 1: Metaforas para um duelo no sertao

Metáforas para um duelo no sertão

Entre o rio e o mar

tem semanas que acordo janeiro

versos feito cabral

seco ácido sertão

lâmina e pedra na poesia

galo escondendo a manhã

dias em que custam suores

recordar outros valores

lembrar dos asfaltos de jambeiros

andar pelas ruas, Jaguaribe

: há que sempre mirar adiante

nadar nada no capibaribe

colhendo feijão e poemas

lá na cozinha da casa grande tão pequena

tem semanas que me fixo em junhos

versos vem de vinícius

solto louco sezão

sonetos infiéis em minha castidade

elegias e sempre um grande amor

dias que valem suores

vale o hoje, o agora, vale o já

cajazeiras é só uma página e saudades

outras ruas outros olhos outras cores

madalenas e seus códigos secretos

mergulha poesia tambaú

- plantar sonhos e fantasias

no quarto onde deve ficar minha pequena

tem semanas e dias dezembros

onde espero, só nos livros

Page 2: Metaforas para um duelo no sertao

: é natal, temos que recomeçar.

Lamento

meu pai sorriu

à sombra da goiabeira

nada de rugas na face

apenas a névoa

de um tempo escondido pela sombra das horas.

Sossego

como azeite para o palestino

: correria solta de menino

pés no chão, barro batido

por trás da casa, o açude

banhando mãe, banhando filho, banhando primos

tudo nu, sem malícia e nem milícia

na casa grande, a avó

com panelas chiando fogo

e janelas abertas para o silêncio

na cadeira de balanço, o avô

sentado por baixo do grosso chapéu

o jeito todo seu de ralhar até com o céu

( - eita, moleque, cabelo grande é coisa de mulher)

Page 3: Metaforas para um duelo no sertao

na distração dos adultos

meninos correndo feito loucos e sertão

abrindo cancelas

fechando o curral para barulhos e bois

no sítio, ninguém sabia que existiam guerras do outro lado do azul.

Matraga

matraca silenciosa

liturgia de augusto

remoendo

moendo

doendo

moenda

- bagaço de homem no altar dos sertões

de repente, a hora chega

pai, filho e espírito santo

agora só quero rezar

e carregar os meus carregos.

Condimento

saber de teus cheiros

é saber da cheia

que resseca o sertão

com a pele do olfato

transbordando águas

entre coxas, buracos e palato:

Page 4: Metaforas para um duelo no sertao

cheiro verde nas narinas

erva do mato, minha daninha.

As seis irmãs

vem deci, conta

o que não se pode contar

conta para o mundo saber

as coisas que não se espalham por lá

- conto de lili, a caçula

menina, sempre menina

pedagogia que abre feridas

na enfermaria, nunca foi ferina

peter pan de saias (ou jeans)

sorriso além das colinas

vem deci, conta

o que não se pode contar

conta para o mundo saber

as coisas que não se espalham por lá

- conto de didi, a cúmplice

dividida entre o voo e o pouso

solta, porque nunca deixou de ser ela

presa, porque sempre cativou sua cela

olhos grandes para os rapazes da província

olhos pequenos, para os desejos em sua eterna sina

vem deci, conta

o que não se pode contar

conta para o mundo saber

as coisas que não se espalham por lá

Page 5: Metaforas para um duelo no sertao

- conto de laudeni, a mãe

mãe de todos, mãe dela mesma

mãe das dores do menino

mãe das flores do abismo

pelos óculos, vê os mares

e os naufrágios líricos dos amares

vem deci, conta

o que não se pode contar

conta para o mundo saber

as coisas que não se espalham por lá

- conto de laura, a pródiga

que reinou na casa da avó

tem mais irmãos que todos os outros

tem mais dores que todas as dores

mas tem no peito uma gargalhada invisível

que faz sorrir a lua ao transformar o sertão em eclipse do nada

vem deci, conta

o que não se pode contar

conta para o mundo saber

as coisas que não se espalham por lá

- conto de neném, a galega

e galegos somos todos nós

exageros de risos, exageros de choros

coral para a capela que não soube orar

três filhos, cinco destinos

cânticos de louvor para a oração antibíblica

vem deci, conta

o que não se pode contar

conta para o mundo saber

as coisas que não se espalham por lá

Page 6: Metaforas para um duelo no sertao

vem deci, conta agora

a tua história

para a gente aprender a sonhar

- minha história não tem o que contar

basta olhar em meus olhos pequeninos

vejo e crio mundos sem sair do meu planalto

já fui santa, moça e mulher, sem precisar calçar um salto

hoje, sou apenas quimeras

do que não pode acontecer

vem deci, conta

o que não se pode contar

conta para o mundo saber

as coisas que não se espalham por lá.

Natal

natal é meu pai

deitado na rede

: tocaiando sonhos de olho no alpendre

natal é minha mãe

na cadeira de balanço

: embalando filhos no seu jeito manso

natal são meus irmãos

espalhados no quintal

como se vivessem num curral

natal é você

: nascendo flores

no jardim de cimento.

Page 7: Metaforas para um duelo no sertao

Quimera

vontade de ser feliz

e não chorar como o menino que chora no último banco

de lorca

ser feliz como aquele senhor que nunca fechou a sua porta

e mastiga palitos

em olhos enrugados

mas que não guarda na alma qualquer rusga de atritos

apenas olha e olha a nuvem que se esconde por trás do cerrado

e sorri para o nada feliz.

Quaresma

gosto de carne

carne moída

chão de dentro

chão de fora...

carne vermelha

dentro

e fora

40 dias

40 noites

(na)

Page 8: Metaforas para um duelo no sertao

liturgia da oração

- negação do jejum do prazer.

Invídia

(para Luciano Andriola)

“Noirs dans la neige et dans l abrume,

Au grand soupirail qui s´allume,

Leur culs em rond”

(Arthur Rimbaud)

“Sente-se bem que para eles ali na feira

os balões de cor são a única mercadoria

útil e verdadeira indispensável”

(Manuel Bandeira)

nunca conseguira entender a ausência de pão

(enquanto lombrigas roncavam

pratos vazios no chão)

mas nunca conseguira entender mesmo era a ausência daquele

caminhão

que seu primo

cobria de tanto mimo

um caminhão vermelho com sirene dos bombeiros

movido à pilha, em movimentos pela sala bem decorada

vai e vem brilhando nos olhos daquelas alegres manhãs

e o menino conformado com o ronco ausente de seus carrinhos de

rolimã.

Page 9: Metaforas para um duelo no sertao

(a) Caba (que é) marcado

sou um homem marcado

marcado para doer

gado preso no curral

quando não, abatido

comendo baudelaire

na erva daninha de meu capim.

Belle de jour

não, não é catherine

de novo em busca de bordéis

para saciar a sede secreta de buñnuel

é juliana, sim,

bela na tarde cajazeiras;

bela na tarde capital

remake do que ainda está por vir:

surrealismo cinematográfico

- quadro de dali em rascunho eterno

juliana, que caminha nas tardes

, inconscientes

de sua beleza

em primeiro plano, seu sorriso

no the end, o silêncio e o sertão dialogam

Page 10: Metaforas para um duelo no sertao

para que o litoral reverencie suas maçãs secretas

: ela, protagonista de um filme de almodóvar.

Natinha

natinha fez uma canção para ela

sem medo da cuca vir pegar

natinha é a própria canção

canção de ninar mitos e gurus

canção de ninar vermelhos e azuis

canção para ninar tons e aquarelas

natinha e a sua canção

dedilhando no violão

todos os sons desconhecidos do mundo

e a vida fazendo cordas na poesia do seu coração.

Lamparina

(para Tereza Andrade)

querosene

consumindo-se

na consumação do fogo

lembra o canto das cigarras

na boca da noite

Page 11: Metaforas para um duelo no sertao

quando era light imaginar seu cruzar de pernas.

Luz del fuego

à luz da lamparina

os livros tinham mais letras

- leitura removendo vírgulas

remoendo pedras

: carro de boi em silêncio noturno

(meninas de anáguas e apelos

restos de réstias na parede)

à luz da lamparina

o sítio era sempre maior

quanto maior fossem as páginas de sonho

- sem marca-livros na memória

- com incêndios fátuos no vão das coxas.

Os ferreiros

um bate lá

outro bate cá

um bateaqui

outro bateacolá

por instantes desafinam

a monotonia da caatinga.

Page 12: Metaforas para um duelo no sertao

Pote de ouro

(no fim do arco-íris

o olhar do vaqueiro

em preto e branco).

Primeira infância

os meninos do sertão

já nascem sorrindo para a rua

às vezes nus

outras, não

fazem dos paralelepípedos

residências oficiais de verão

(já que o inverno é exceção na alma)

os meninos do sertão nascem livres para sonhar.

As casas

a primeira

ficou distante da memória

- foi morar em outro menino

a segunda, lembra,

tinha uns batentes

ainda não haviam heróis

(só os sonhos)

Page 13: Metaforas para um duelo no sertao

a terceira

ficava do outro lado do nordeste

e tinha um sotaque maranhes:

sombras e vozes assombram

os fantasmas do caubói de araque

de volta à terra natal:

nova rua

nova casa

novos amigos

era o rei da bola de gude

mas foi como súdito que chorou

após o último suspiro da avó

enfim, a capital

e a casa grande, longe da senzala,

em forma de igreja:

o adolescente pensa que a vida se esconde

no pé de goiaba

(apesar da paixão

que absorve a puberdade)

outra casa,

mesmo bairro

outro formato,

mais apertada

e a pelada se transforma em ritual

a primeira paquera guarda tons evangélicos

e o menino reza pelo futuro que não chega

ainda Jaguaribe

- bairro de tantas casas –

portões dão segurança

mas não seguram sonhos

negam segredos

contam dores

Page 14: Metaforas para um duelo no sertao

sangram a solidão

na rua da areia:

um viaduto

os carros

a velocidade

o infinito

os cabarés

o início da cidade

o adolescente duelando com o menino

depois os cristo

bairro nada religioso

ao lado do mato

quase dentro do mato

quase que ele mata

o menino que dormia no poeta

lá vem cajazeiras de novo

já homem (mal) feito

estudando as letras

namorando à vera

o pai vira saudade

e a cidade, poesia

agora, no litoral

(dentro de um apartamento

sufoca as dores

do futuro).

Page 15: Metaforas para um duelo no sertao

Mater

quando olho nos olhos de minha mãe

vejo as peraltices de uma infância tardia

com um arrazoado de conselhos alheios

e uma cumplicidade do futuro que dormia

quando olho nos olhos de minha mãe

sinto a fé de uma reza que não tem fim

a oração daquela nossa senhora minha

suplicando com um jeito assim assim

quando olho os olhos tristes de minha mãe

arrisco caminhar na memória da cidade

arrisco benzer-me no cristo que é só imagem

porque preciso construir minha tosca alegria

com os cacos da alma e o amor sofrido que resiste

nos olhos tristes de minha querida mãe.

Alucinação

(para Wilton Júnior)

(atropelados

pelos pássaros noturnos

do sertão)

sei

dos becos

da alma

e da fumaça

e dos olhos vermelhos

que imploram tragos

Page 16: Metaforas para um duelo no sertao

que pedem que tragas

a droga da vida

numa bandeja vazia

(e as cores fazendo ciranda em meus olhos).

Livro aberto

ser tão

abstrato

quanto

as

águas

do

meu

sertão.

Milagre

menino deita na rede

- bença pai!

- bença mãe!

lá do outro quarto vinha a resposta:

- deus te abençoe, filho!

- deus te dê saúde, filho!

e as malditas sombras na parede

e a insônia chata de cada noite

Page 17: Metaforas para um duelo no sertao

e as dores por ter jogado bola

e a preguiça de ir para a escola

sumiam!

Guitarras na caatinga

(para Naldinho Braga)

também se toca blues

também se escuta rock

também há melodias

estrangeiras

se apossando da nossa dor.

Açude grande

como era grande o meu açude!

um pouco poluído, é verdade

com seus lodos e lamas

sendo tapetes para lavadeiras

até onde a memória alcança

já o conheci assim:

lavando a roupa de todas as cajazeiras

até onde a memória entende

já o estranhava assim:

sem banhar a gente da cidade

Page 18: Metaforas para um duelo no sertao

mas era grande o meu açude!

e tinha um pôr-do-sol arretado!

Mário de Andrade visita o Sertão

(para William Costa)

(alguém lê mário de andrade

ninguém conhece mário de andrade)

o homem traga o cigarro

o homem traga o insulto ao burguês

o homem permanece sentado

sem insultar o burguês

(o copo na mão, o livro no chão

o violão na outra, mário de andrade no chão)

um garoto

pedala sua bicicleta rumo ao futuro

o garoto vai ser emboscado

e não encontrará mário de andrade

um jegue elétrico

anuncia as promoções

da livraria leia

(onde ninguém lê mário de andrade)

uma mulher reza o terço

tece a proteção de todos os santos

terrestres

- suas orações naufragam

na poluição do açude grande

Page 19: Metaforas para um duelo no sertao

(espelho do tietê?)

um militar marcha

ocioso

há reflexos de câimbras

em seus passos

há ânsia de poesia

em seus traços

(mas ele não lê mário de andrade)

uma mulher colhe acerolas

cura suas gripes

- letargia que invade

seu inconsciente literário

(mas ela não sabe quem foi mário de andrade)

as meninas exercitam a libido

as meninas dançam na fogueira

(“é noite de são joão, vai amanhecer o dia!”)

enquanto o vento

suga as trezentas cinzas

as trezentas e cinquenta cinzas

da poesia de mário de andrade.

Existencialismo

o ser e o nada

o ser é nada

o ser nada

e mergulha feliz nas águas do boqueirão.

Page 20: Metaforas para um duelo no sertao

2 velhos

sentados

na calçada

jogam conversa fora

é fim de tarde!

e às vezes

só querem jogar olhares fora

(o silêncio fala

sobre a vida que já veio).

Memória erótica

teu corpo

já foi relva

(lembra da enchente em nossa alma

e do banho nas biqueiras da 21 de abril?)

teu corpo

hoje é seiva

(lembra o gozo que veio para inundar a fonte

e semear a aridez do nosso solo esquecido!).

Page 21: Metaforas para um duelo no sertao

Curral

- nunca consegui entender

a melancolia que ecoava

nos chocalhos das vacas.

Primeira confissão

conte seus pecados

implorava o padre Giuliano

- briguei com minha irmã, chorava o menino

- está perdoado

(como é bom ser livre para pecar!).

Adolescência

quando já havia percorrido trezentas léguas

lembrou-se do subterrâneos da alma

feridos pelos galhos de juremas.

Page 22: Metaforas para um duelo no sertao

era um homem que fumava

e o mundo se resumia

àquela fumaça

que saía de seu cigarro

quando sentava na calçada

olhando o outro lado do sertão

não era fumaça branca

porque não havia paz em sua alma

e depois do último trago

tossia

três

vezes

seguidas

(mas não chorava).

Seridó

não era a serra da rola,

moça,

porque moça

não se via

nem mesmo pelo retrovisor

viam-se,

sim,

mosquitos, moscas e outras coisas

que a vertigem humana não satisfazia

Page 23: Metaforas para um duelo no sertao

não era a serra da rola,

moça,

era a serra da santa luzia

abençoando o seridó

(carro subindo descendo

deixando mário na poeira

buscando oswald no horizonte

(avante!!!)).

As meninas do sertão

o sertão tem meninas

que cá

não encontro no litoral

longe do bem e do mal

são inocentes

de seus encantos

querem casar?

ora, mas qual não quer?

querem é amar

e amam como ninguém

o sertão tem meninas

que sorriem para o nada

- isso explica

o tudo que se esconde

por entre as pernas das meninas do sertão.

Page 24: Metaforas para um duelo no sertao

Lendo

lenda do sertão

é duas vezes prenda

ler teus olhos de solidão

é 2xpagando prendas

leitmotiv (em dramalhão)

é duas vezes (nós)

é nós dois enodoados de nós mesmos

pelas duas vezes que construímos

quimeras em cor de sanguesertão.

O primeiro irmão

(ao mano nonato)

ainda menino

vira arrimo

(rima pobre)

tintas impressas

nas rotativas

da vocação

(rota de sonhos e náufragos)

o filho

vira pai

vira filho

Page 25: Metaforas para um duelo no sertao

aos 50,

o sorriso nos lábios

esconde utopias

tecladas nas redações

servo de gutemberg

fazendo a manchete do último jornal

que sobrou para sonhar a história da família.

O segundo irmão

(para Lenilson)

na verdade,

foi o primeiro

quando fingia durango kid

nos postes da doutor coelho,

em viagens ao fundo do mar

depois, veio o bastardo marconi

a difundir no dial

algo que incomodava

depois veio lenilson

devoto dos sorrisos de marília e léo

enquanto o sangue manchava

o ibope das hertzianas.

Pai

Page 26: Metaforas para um duelo no sertao

não, não ficou a dor na bunda

e a sensação inútil

que sentia a cada chinelada

aquele era o pai

cuja fala tinha que ser mais alta

para conformar a educação sem-letras

sim, o menino ficava todo ardido

se escondia em galhos

se escondia em seu mundo

para não apanhar as vergonhas do carão

na frente do irmão

doía, mas doía de coração

as falas paternas

temperadas com gritos e chinelas

sentia-se um enjeitado

um moleque abandonado à sua sina

o que ficou de verdade

foi o heroísmo tardio

já na chegada da outra dor:

a dor da partida

ficou o exemplo do protetor

à revelia de rebeldias adolescentes

ficaram lembranças e perguntas:

por que você se foi,

quando já tinha superado o homem aranha e os contos de infância?

Page 27: Metaforas para um duelo no sertao

Renúncia

nunca teu cheiro de suor do menino

que passou o dia brincando em seu mundo

calou tão fundo

lágrimas travando

rolando garganta adentro

como se fora uma pedra

:

e o grito que não vinha

veio,

vinícius,

mas ficou mudo,

inútil ludo,

sem eco no escuro quarto.

Nordestear

(para Carlos Gildemar Pontes)

bússola em direção ao nordeste

nuvem cinza rompendo o agreste

navegar é preciso

mesmo com pouco riso

e muito silo.

Page 28: Metaforas para um duelo no sertao

Das vontades de um homem

vontade

de melar o palato

(e o pênis)

nos lábios

de tua caixa de pandora

liquidificar

meu desejo triturado

liquidar

(tua resistência aniquilada)

líquido

em sólidas palavras.

Ou isto ou aquilo

a moça

, que é moça ,

beija na boca

mas não dá aquilo

a puta

, que é puta ,

dá aquilo

mas não beija na boca

bobas

tolas

só querem o meu coração!

Page 29: Metaforas para um duelo no sertao

E-book

gosto de violar segredos

sentir larica após o gozo

(que não veio)

escrever cartas chilenas

(e rasgá-las)

: medo de você estar a fim de um soneto

gosto de estar além da tela

e de nossa ausência de estar

– excêntrico almodóvar

em busca de aventuras qual um indiana jones

em tuas ancas (perdido)

gosto até de pagar o mico

da solidão

quando desligo o micro

e você se torna apenas um conto de assunção.

Colheita

fazer um poema para uma paixão

é como colher grãos

no deserto

mas os sábios costumam apelar:

sempre existe um oásis

Page 30: Metaforas para um duelo no sertao

mesmo quando a seca seca tudo

inclusive a dor de não saber colher beijos

– como um chato pacifista colhe a paz no inferno.

Pacto

se é pra fazer escândalo

em teu silêncio

se é pra perfumar sândalo

o teu cio

se é pra calçar sandálias

e pisar nos pés

se é pra colher dálias

e tirar os anéis

se é pra eu ser tua amélia

e tu meu tutor

se é pra comer bromélias

e saciar teu furor

se é pra dizer ao amor que o amor não permite concessão

então diga, garota

mas não me deixe, por favor, deitado e inconsciente no chão.

Page 31: Metaforas para um duelo no sertao

Freudiano

duende

que dói na palma do pênis

segreda em meus sentidos

que a maçã do paraíso era podre

fosse menos sagrada

e mais alada, avisa ele,

teria mantido nus,

nos prados do senhor,

os corpos que vestiram a vergonha

do prazer.

Duelo

bumba-meu-boi

rasga mortalha

cuca

bicho papão

o homem do saco

sombras na parede...

tanto medo aos 12

aos 40, medo só de seus olhos de graúna.

Alforria

mucama :

ama de leite para os lábios

Page 32: Metaforas para um duelo no sertao

amarrada no tronco

faz-se escrava, concumbina

na verdade,

faz é do seu senhor, menino

escravo liberto a lambuzar-se, obediente, em seu corpo

– vítima do chicote e de seus açoites agnósticos.

Perdón

quando procuro teu perdão

estou procurando um indulto

para sandices e tolices

que se agarram nos cabelos do mar

mas a maresia corrói outros medos

e as raízes de teus cabelos, mais profundas:

não vem e vão, como as ondas do bessa

: se mantêm firmes

enquanto não perdôoo a mim mesmo

nem meu masoquismo borgiano.

Déjá vu

entendo, querida

fui muito dócil com você

e as mocinhas gostam mesmo de bandidos

no faroeste tupiniquin que sobrevivemos

Page 33: Metaforas para um duelo no sertao

é muita fala para pouca bala

e os cartuchos se esvaziam rapidamente

no coldre do revólver.

No dia sem juízo final

quando morto

quero ver suas coxas

portanto, vá ao velório

com saia curta

e de preferência transparente

para que me sinta num oratório

os mortos enxergam mais que os vivos e suas pernas

para quem está na vida

são só pernas

para o morto é mais do que isso,

é a devoção precisa para quem queria continuar na lida.

Uvas

verde, rosada, rubra, azulada. preta

angiospermas

: sementes plantadas nas tuas pernas turvas

: sêmens a escorrer por entre pelos e curvas

fruto que se colhe na videira,

na fonte

Page 34: Metaforas para um duelo no sertao

com a ponta dos lábios

saboreia vinhos e vinagres

e a libido faz-se cacho na uva.

Ocas

era você, asfaltando o mar

assaltando o bar

co

assassinando ba

co

asfixiando o ar

co

era eu, sendo asfalto

meliante

oco

sendo mato

oco

patife vomitando camas

ocas

pescando nossos próprios olhos

estrangulando nossos ossos inda moços

e ocos.

Page 35: Metaforas para um duelo no sertao

Posse

seus dedos

se apossaram feito feudos

– vassalos de minha pélvis.

Singular

apenas uma:

se tu, luva,

se encaixa em minha mão

por que procurar outra vulva?

Sentença

há encantos que surgem do nada

ou da brisa do mar

negros como os cabelos

que se enrolam na cama

inconstantes como as ondas

marujo da paixão

mas são esses encantos que ficam

grudados em pele de algodão

tão frágeis, que para continuarem existindo

só precisam do toque da tua mão.

Page 36: Metaforas para um duelo no sertao

Lombra...

é quando não sei onde começa teus pés e termina meus céus

tanta névoa nos sentidos

tanta névoa e nós

(perdidos em nossos achados).

Lema

amar apenas uma

sossegar a alma

guardar o coração no guarda-roupa

entre cuecas conformadas e sonetos de fidelidade

(cuidando, é claro, para que a traça não trace sua outra metade)

abandonar o leme

deixar a embarcação

ao acaso dos que continuarão navegando desatinos.

Gramática violada

o hímem rompendo fases

cortando frases

na tarde fria, que não permite crase

para acentuar o amor impontual.

Page 37: Metaforas para um duelo no sertao

Ciúmes

é como escrever um poema com gosto de sangue

f

i

l

e

t

e

a escorrer gota a gota pelo teu corpo nu

coalhando dores

sufocando amores

em busca da esfinge

nos mistérios do cisma.

Transgressão

ser hippie

largar-se no mundo

até o mundo largar de mim

suas presas

e eu ficar a sós

com meu amor convencional.

Page 38: Metaforas para um duelo no sertao

Menino do engenho

passar a tarde chupando meus dedos com teu sabor,

feito rolete de cana,

com uma diferença:

o bagaço, aqui, tem cheiro de orgasmo

moenda que mói e mói nossos ardis

– engenhos de desejos para senhores dos tempos de antanho

(como se tudo fosse estranho,

alheio ao próprio prazer da glicose que sai de tuas entranhas).

Metáforas para um duelo no vazio

é quando você está quieta

enroscada no próprio umbigo

feito uma concha

–- manto sagrado em saga profana –

e eu, emboscado na selva

escura de sua pele

feito um eunuco, perdido

nas fronteiras do absurdo

é quando duelamos em silêncio

em busca de nossos próprios ardis

que criamos ciladas para nossos próprios pés

enquanto mãos e bocas engendram armadilhas

– ilhas de solidão, protegidas pela carícia da dor.

Page 39: Metaforas para um duelo no sertao

Mitologia da aventura

você, agora vejo, berço da minha demografia

origem da minha poesia ainda por ser escrita

ruínas a serem reconstruídas

com o hálito de seu suor, numa republica helênica

etnia que remonta aos primórdios da civilização

na companhia filosófica de platão

ou recitando kaváfis: somos todos gregos

somos, nós dois, muito mais do que isso

somos brancos e negros

em nossa raça única

siameses da aventura

que insiste em acenos

para as águas do egeu

no templo de zeus, as orações serão outras

as orações serão loucas, como as sete deusas gregas

livre como ártemis,

sábia como minerva,

virgem como héstia,

poderosa como hera,

mãe como deméter,

espiritual como coré

afrodite como você.

Page 40: Metaforas para um duelo no sertao

Livro sagrado

sou um louco

um louco que sempre faz o sinal da cruz

na hora genuflexória de penetrar a luz

: gênesis de um prazer que tem origem no silêncio incondicional.

Amém

amor quando chega

não faz toc, toc, toc

simplesmente derruba a porta

invade nossa aorta

transforma o amador

na coisa sagrada

depois, ora pelo santo espírito insano

para que todo dia, todo ano

a oração se repita

com suor, sexo e libido.

Page 41: Metaforas para um duelo no sertao

Poética

poeta é bicho esquisito

todo mês sangra

(versos)

e aduba loucuras

vermelhas

com frases azuis.

Rapunzel pós-moderna

fios

que escorrem pelo dorso nu

e eu,

à espera das tranças

que você,

rapunzel pós-moderna,

não vai jogar em lugar nenhum.

Mapa-múndi

no princípio, era o verso

depois vieram tuas pernas

e o mundo se fez eros:

rio de janeiro, joão pessoa, paris, atenas

Page 42: Metaforas para um duelo no sertao

–- sempre a visão das coxas da moça.

o princípio se fez fim

e deus, que não tinha nada a ver com isso,

transformou esse desejo num pássaro cego.

Cunilíngua

coito

minete

(ou seria um minueto)?

suíte fragmentando

tuas aristocracias

em compassos ternários

: quando abre flores e rosas para minha língua.

Motivação

confesso que não soube segurar seus bicos

(por isso)

não sou alegre

não sou rico

:só, maldito.

Page 43: Metaforas para um duelo no sertao

Da falta de inspiração

às vezes

a dificuldade do poema

está

no olhar que não surge

na blusa

que a musa

teima em usar.

Marítimo

(abrigo perdido

onde encontro

cavalos-marinhos

para cavalgar minha paixão).

Intenso

ser intenso

é só mais uma de minhas azias

mania de cultivar tsunamis

viver no limite entre a doçura

e o olhar que beija a dor em áries

horóscopo e quiromancia

equilibrando a linha do equador

na geografia intensa

de um mapa- múndi

do tamanho da província.

Page 44: Metaforas para um duelo no sertao

Dialética

ela disse

que sou homem de paixões

avassaladoras

não de amores sólidos

talvez

porque os amores são eternos

(e morrem)

e as paixões são instantes (que ficam).

Usucapião

a língua

rodopia

no grelo

gleba feudal

de pelos

grilhão de cio

que prende

e algema prazeres,

gris.

Page 45: Metaforas para um duelo no sertao

O homem que vestia preto

o homem que vestia preto

tinha a alma azul

blue jeans

marcando a pele joplin

marcando a pele, jovem

o homem que vestia preto

tinha o amor vermelho

centelha de paixão

camiseta

(em rima impublicável)

queimando sangue caetânico

no afã de viajar na utopia de osíris

o homem que veste preto

já tem o sonho em duas cores

e duzentas dores daltônicas

: confusão de signos na melancolia de um fado português.

Morador do mundo

sou morador do mundo

aqui, dentro do meu alforje

dez tostões e um caçador

peregrino de dias insanos

colho rosas e espalho espinhos

mas só você sabe pisar de mansinho

os calos nos pés já não me calam mais

deixei meus sapatos andarem descaminhos tortos

mas fui salvo pelo verde da esperança-guia

Page 46: Metaforas para um duelo no sertao

gula (?), só de instintos na hora sagrada da cama

no café da manhã, a manha vem de outro corpo

que ensina a dançar meus temores, meus valores

sede (?), só da rede que balança o vento

ou da brisa, que guarda conchinhas em lençóis

ou da areia, que varre mares revoltos

fome (?), só dos encontros vadios

da pele branca, quase menina, a trançar pernas

no emaranhado de pelos e apelos sonoros

medo (?), só de não caber na mochila

as ilhas de milhas, filhas da alegria zumbi,

que acorda o morador do mundo.

Flor de lótus

já não tenho mais vontade de partir

meu lugar é aqui

deixo as glórias para aquele polifermo.

pasárgada (agora) é coisa do verão passado

ficarei feliz se me chamarem de nulisseu.

Page 47: Metaforas para um duelo no sertao

O sexto personagem

(para Rinaldo de Fernandes)

dorian gray com trajes de alferes

diante do espelho, não o horror aos próprios vícios mundanos

mas a saudade dos rapapés

e dos escravos

e dos mimos de tia marcolina

duas almas filosofando

sobre a eliminação humana:

never, for ever! –- for ever, never

enigmas machadianos espatifados no leitor,

sem réplica jacobina.

O guardador de segredos

(para Astier Basílio)

guardo comigo todos os segredos

do mundo em que não vivo

segredos de poetas, com seus versos

e estrofes quebradas no peito

almejando musas para guardarem em seu alforje

: como se não estivessem caçando ilusões na lírica sem metro

segredos de amigos, com seus desabafos

e histórias de prisões rigorosas, onde eles

são seus próprios carcereiros, sempre em

busca de reféns para seus instintos de safo

Page 48: Metaforas para um duelo no sertao

segredos de amigas, com seus eternos

mistérios e detalhes meticulosos de paixões

e amores vãos (porque todos os amores o são),

na busca desesperada pelo príncipe que não encanta

segredos de parentes, com seus estilos bem

familiares. sentados nas calçadas do sangue,

utilizando-se de algo que prende e não desata de

meu pulso: sempre em rota de colisão dentro de casa

segredos das putas, em suas lutas

fratricidas. messalinas modernas, em

transe no strip, em crise após o porre

mas também dignas de segredos do arco -da -velha

segredos de minha amada e companheira,

estes, sim, os maiores segredos que guardo

segredos de ansiedade, segredos de mistérios

segredos de alcova e de noites nem dormidas

guardo comigo todos os segredos

do mundo em que não vivo

como se fosse um rio, aonde desaguasse

todos os afluentes secretos da mentira.

Pavão

nunca olhei para os meus pés

até caetano

girar cajuína na vitrola

foi quando vi que eles nunca saíram

do chão

Page 49: Metaforas para um duelo no sertao

meu céu é que sempre esteve vermelho,

meus olhos voam o vazio.

Homo sapiens

sei,

faço tudo errado

troco o chinelo quando deveria estar descalço

piso em falso, corto as sete cordas que me mantêm amarrado

sei,

penso tudo errado

faço poesia mas não sei alimentar,

todo santo dia,

a gula crítica de políticos literários

– não sei nem fazer média de pão e manteiga

sei,

faço tudo errado

não estou sempre sorrindo para os amigos

não estou sempre presente ao meu filho

e nunca, mas nunca mesmo,

consigo agradar a sombra de meu pai

sei,

ando sempre errado

voto na esquerda quando todos estão à direita

ando na contramão, vivo em trânsito

sem desviar os buracos do asfalto

sei,

sou concreto, na hora de ler drummond

Page 50: Metaforas para um duelo no sertao

passional, para defender os irmãos campos

faço barba, quando deveria parecer mais velho

fico jovem, peter pan enroscado em novelos

apago a luz, quando quero clarear o túnel

ligo o som, na hora de apagar o mundo

sei,

choro quando todos riem de mim

sorrio, quando tudo é lágrima na mídia

rezo, quando nem deus já me aguenta

esnobo, quando deveria implorar um acalanto

reparto, no momento da perfídia

invejo, da hora de partir

sei

– o que mesmo? -.

Parabolicaleitura

as casas sustentam antenas

eu vi

fossem antenas poundianas

eu não via

EU LIA:

(as antenas globalizam novas raças).

Page 51: Metaforas para um duelo no sertao

Salieri

no brilho da lâmina

só o corte do olhar

Enquanto isso, na província

all right

criei um mito

agora, nem eu me fito.

Hibernar

tirar o pijama

que nunca vestiu

e enroscar

– caramujo no próprio vazio

Pêndulo

ah, deixem-me só

sem o relógio

(ponto)

Page 52: Metaforas para um duelo no sertao

deixem-me só

e o meu alforje

(junto)

deixem-me

só no espelho

(pranto).

DNA

apagar a escuridão

feito diógenes

: lanterna na mão

em busca de meus genes.

O velho aprendiz

agora é com vocês, jovens

meus cabelos já caíram

e as palavras estão feridas

no último grão da semente que não germinou

falem de helenas, sim

nunca de uma única helena

que a poesia não deve ser refém apenas daquela musa

leiam os velhos poetas:

sobretudo leminski, cabral, pessoa, augustos, drummond

é com eles que aprenderão os novos tons

versem sobre política, sim

Page 53: Metaforas para um duelo no sertao

nunca sobre os políticos,

que estes só merecem estrofes xingadas de atritos

debulhem as palavras a serem usadas, separem, bem separado,

o arroz

do

feijão

: caroços que serão úteis deixem em forno brando, sem pressa para

cozinhar

os outros, ah, os outros, deixem pra lá

não se frustrem pelo poema imperfeito:

se fores poetas de verdade

o verso preciso há de surgir antes do derradeiro poôr- do- sol

, sem a pressa que aniquila a vaidade

agora é com vocês, jovens

façam seus poemas, mas não me mostrem:

estarei ocupado tentando descobrir a poesia dos mestres

e a linguagem que ainda não aprendi.

Poesia com T de tédio

quando soube que minha poesia

tinha efeitos colaterais

fechei meus verbos

rasguei os versos

e fui ler olavo bilac!

Page 54: Metaforas para um duelo no sertao

Gêmeos

(para Lenilda, minha doce e pequena irmã)

foi minha irmã

minha doce e pequena irmã

com os olhos da ressaca que não bebeu

que acusou: você tem dupla personalidade!

olhei de um lado e de outro

mas não acusei o golpe

como fazer entendê-la

que estive em vários lugares ao mesmo tempo

dancei castanhola na espanha e recitei

sonetos de camões em lisboa sem sair de cajazeiras

mas também escutei pancada por pancada

a sucessividade dos segundos sem graça

feito um augusto sem anjos mórbidos,

não saí do boteco, tomando minha cachaça

como ela vai ver o ir e vir de minhas retinas

olhando ao longe e ao perto para o colo das meninas

querendo repousar minha quimera em mais de um

pensando apenas em deixar de ser um zumbi comum

como explicar, à minha doce e inocente irmã,

que as flores do mal povoam meu jardim

que bebo absinto, trago erva e não trago nada no peito

além da vontade de estar além de mim

como escrever poemas, minha pequena irmã,

quando não estou amando loucamente

por isso sempre tenho um amor guardado no peito

e outro repousando no espinho do meu leito

Page 55: Metaforas para um duelo no sertao

como lhe sugerir que as fábulas mortas

são apenas leituras la fontaines

que a vida se abre na janela do seu quarto

enquanto outra nasce em uma mesa qualquer de parto

como sonhar junto com minha doce e profana irmã

deitado, ao lado de freud, num mentecapto divã

quando sou paz, sou calmaria e tempestade

quando sou loucura e a agonizante busca da felicidade

não, minha irmã

não, minha doce e pequena irmã

não, minha doce, pequena e inocente irmã

não, minha doce, pequena, inocente e profana irmã

não tenho dupla personalidade

e nem tenho heterônimos, apesar do amor a pessoa

tenho apenas a certeza de que não posso ser ilha

enquanto os barcos acenam ao longe todos os dias

cheio de corsários e damas de seios redondos

fazendo o convite para o mar que se divide

entre o atlântico e minha pacífica monotonia.

Pobres moços

desconfiem dos bons moços

aqueles que costumam triturar nossos ossos

em segredos e no computador

entre teclados e roupas engomadas

amassam nossa paciência

nas filas dos bancos

engilham nossas roupas

Page 56: Metaforas para um duelo no sertao

na frieza de seus bytes

desconfiem das boas moças

também

estas, são muito certinhas

não assanham os cabelos

se brincar, acreditem,

nunca nem tiveram pentelhos

de tão limpas e boas que são

desconfiem, enfim, dos bons modos

daqueles que não comem sem garfo e faca

e não dispensam um guardanapo no colo

desses, tenha medo

são os piores assaltantes da raça humana:

assaltam o improviso

– a melhor forma de viver sem avisos.

Barco de ilusões

(para Veruscka Guerra)

o peixe cabe dentro do mar

o mar não cabe dentro do peixe

o pescador é maior que o mar

o pescado é menor que a fome

colcha de retalhos no oceano

navegar/e em 1690

(em raios de ósseos cartilaginosos)

miserere pro-nobis

Page 57: Metaforas para um duelo no sertao

óbice ao céu

que brilha

azul.

Uma face, só ânima

pernas de compasso

pernas na mesa

perna (d)e pau

pernas para que te quero, pernas,

pernas brancas, grossas pernas....

daí, chega uma das faces de drummond:

– pra que tantas pernas, meu deus?

porém, meu coração só pensa naquilo!

Collectivus

um poema nasce

quando as partes

se contundem

nas moléculas

salgadas

nas estrofes

amadas

nas leituras

armadas

Page 58: Metaforas para um duelo no sertao

um poema nasce

quando o tudo

é moleque

e confunde

as marcas

e confunde

e marca

traço armorial na tua pele beatnik.

Bilíngua

billie holliday

na vitrola

holiday

é altar

(fixed star)

ser ou estar?

asterisco

com notas no rodapé (em tua fenda)

lenda

do blues em férias

feridas em dia de folga da dor.

Page 59: Metaforas para um duelo no sertao

Auto-ajuda

corte à faca

corta a massa

(tritura a farsa)

(não) corta as asas

é cortaázar

acendendo todos os fogos do fogo

em jogos de cronópios e fama

para que a besta-célere

ofereça auto-ajuda

ao seu próprio cérebro

sempre sentado à margem direita do rio de pedras

com letras e números somando dinheiro na lama.

Twitterlandia

havia uma gota de sangue em cada poema

primitivo

eram tempos de antanho

e mário (de andrade ou sobral?)

só queria poetar a primeira guerra mundial

de lá para cá, quantas guerras já engolimos

bombas explodiram cabeças parnasianas

a modernidade se fez rito

: dos concretos ao twiter

agora, tudo se resolve em 140 caracteres

e os novos reis das letras não mais oferecem a cabeça numa

bandeja

Page 60: Metaforas para um duelo no sertao

oferecem a mente em TT, porque essa, sim, pode ser temperada

com a casca verde e luzidia da cereja.

Sem perder a ternura

letargia que invade as avenidas do XXI

terra sem lei, com fardas dormindo igual aos fardões

cabeças baixas, bolsos vazios, pés descalços

maiakovski apenas como um poema desbotado na estante

patrulhas cercando o quintal do vizinho

: a nova ordem não vem de caetano,

zeloso de todos os sonhos que fugiam do haiti

silêncio, é a palavra que barulheia todos os sentidos

mas as damas aristocráticas formam vassalos

na terra onde o verde quase se torna uma lembrança vã

e ainda dizem que existe o amanhã

e eu acredito

como acredito no gosto estranho da romã

vejo, na retina da memória, soldadinhos de papel

crianças correndo por ruas de barro

brincando e gingando para as dores que não conhecia

é verão – hora de lembrar lições guevarianas:

não podemos perder a ternura!

Page 61: Metaforas para um duelo no sertao

No mundo de Walt Disney

lamparina cansou do professor pardal

cansou dos inventores

sempre geniais

sempre descobrindo pólvoras

enquanto a bomba já explodiu faz séculos

lamparina cansou dos maniqueísmos:

eu sou do bem

você, do mal

lamparina, coitado, cansou dos insultos aos burgueses

de quem quer formar a nova poesia burguesa

quando o poema sai mesmo é da chama de lamparina

e do sorriso sacana no púbis da menina.

Juvenília

cansei de pasárgada

– este negócio de sentar-se eternamente no trono

não compensa a mulher que queremos

chorei em busca das setes faces de drummond

e voando com o passarinho de quintana

mas não saí da tabacaria de pessoa

tragando vícios e poemas.

Page 62: Metaforas para um duelo no sertao

Mapa de rugas

(para isabel allende)

o mapa de minhas rugas

não cabe na palma de mil mãos

são cartografias com milhões de afluentes

extensão territorial de barro marcada na pele branca

clientes de minhas rusgas

minhas teimosias e aleivosias

e de tanto rasgos de dores

– que abrem fendas de fatos

sempre a calar fênix diante de minhas ruínas.

Partida

quando eu estiver velhinho, cheio de rugas

só os galos estarão cantando o amanhã

e o pasto já terá incendiado todos os trigos

já não haverá mais porque procurar fugas,

da varanda,

nem escolher entre a tarde e a manhã

já estarei velhinho e só em meus abrigos

já estarei velhinho e só, meus amigos

mas não chorem por mim

sei que quando estiver velhinho terei um cobertor

para cobrir meus dedos finos

e nada, nem a maior das oceânicas dores,

conseguirá disfarçar meu gosto pelo frio

Page 63: Metaforas para um duelo no sertao

e pela ausência de ausências em teus olhos de carmim

quando eu estiver velhinho, cheio de rugas

sorrirei feliz por encontrar abrigo em ti, também já velhinha

agora, poderemos dormir. a noite chegou!

Dostoeiwviskiana

os ganchos

já estão

me levando

os anjos louvam: é hora de dormir.

Page 64: Metaforas para um duelo no sertao

FICHA TÉCNICA

Copyright © Editora Patuá, 2011.

Metáforas para um duelo no sertão © Linaldo Guedes, 2012.

Editores

Aline Rocha

Eduardo Lacerda

Revisão

Aline Rocha

Projeto Gráfico, Capa e Ilustrações

Leonardo Mathias | flickr.com/leonardomathias

Prefácio

Antônio Mariano

O livro “Metáforas para um duelo no sertão” pode ser adquirido

no site da Editora Patuá: www.editorapatua.com.br