metaforas para um duelo no sertao
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Metaforas para um duelo no sertaoTRANSCRIPT
Metáforas para um duelo no sertão
Entre o rio e o mar
tem semanas que acordo janeiro
versos feito cabral
seco ácido sertão
lâmina e pedra na poesia
galo escondendo a manhã
dias em que custam suores
recordar outros valores
lembrar dos asfaltos de jambeiros
andar pelas ruas, Jaguaribe
: há que sempre mirar adiante
nadar nada no capibaribe
colhendo feijão e poemas
lá na cozinha da casa grande tão pequena
tem semanas que me fixo em junhos
versos vem de vinícius
solto louco sezão
sonetos infiéis em minha castidade
elegias e sempre um grande amor
dias que valem suores
vale o hoje, o agora, vale o já
cajazeiras é só uma página e saudades
outras ruas outros olhos outras cores
madalenas e seus códigos secretos
mergulha poesia tambaú
- plantar sonhos e fantasias
no quarto onde deve ficar minha pequena
tem semanas e dias dezembros
onde espero, só nos livros
: é natal, temos que recomeçar.
Lamento
meu pai sorriu
à sombra da goiabeira
nada de rugas na face
apenas a névoa
de um tempo escondido pela sombra das horas.
Sossego
como azeite para o palestino
: correria solta de menino
pés no chão, barro batido
por trás da casa, o açude
banhando mãe, banhando filho, banhando primos
tudo nu, sem malícia e nem milícia
na casa grande, a avó
com panelas chiando fogo
e janelas abertas para o silêncio
na cadeira de balanço, o avô
sentado por baixo do grosso chapéu
o jeito todo seu de ralhar até com o céu
( - eita, moleque, cabelo grande é coisa de mulher)
na distração dos adultos
meninos correndo feito loucos e sertão
abrindo cancelas
fechando o curral para barulhos e bois
no sítio, ninguém sabia que existiam guerras do outro lado do azul.
Matraga
matraca silenciosa
liturgia de augusto
remoendo
moendo
doendo
moenda
- bagaço de homem no altar dos sertões
de repente, a hora chega
pai, filho e espírito santo
agora só quero rezar
e carregar os meus carregos.
Condimento
saber de teus cheiros
é saber da cheia
que resseca o sertão
com a pele do olfato
transbordando águas
entre coxas, buracos e palato:
cheiro verde nas narinas
erva do mato, minha daninha.
As seis irmãs
vem deci, conta
o que não se pode contar
conta para o mundo saber
as coisas que não se espalham por lá
- conto de lili, a caçula
menina, sempre menina
pedagogia que abre feridas
na enfermaria, nunca foi ferina
peter pan de saias (ou jeans)
sorriso além das colinas
vem deci, conta
o que não se pode contar
conta para o mundo saber
as coisas que não se espalham por lá
- conto de didi, a cúmplice
dividida entre o voo e o pouso
solta, porque nunca deixou de ser ela
presa, porque sempre cativou sua cela
olhos grandes para os rapazes da província
olhos pequenos, para os desejos em sua eterna sina
vem deci, conta
o que não se pode contar
conta para o mundo saber
as coisas que não se espalham por lá
- conto de laudeni, a mãe
mãe de todos, mãe dela mesma
mãe das dores do menino
mãe das flores do abismo
pelos óculos, vê os mares
e os naufrágios líricos dos amares
vem deci, conta
o que não se pode contar
conta para o mundo saber
as coisas que não se espalham por lá
- conto de laura, a pródiga
que reinou na casa da avó
tem mais irmãos que todos os outros
tem mais dores que todas as dores
mas tem no peito uma gargalhada invisível
que faz sorrir a lua ao transformar o sertão em eclipse do nada
vem deci, conta
o que não se pode contar
conta para o mundo saber
as coisas que não se espalham por lá
- conto de neném, a galega
e galegos somos todos nós
exageros de risos, exageros de choros
coral para a capela que não soube orar
três filhos, cinco destinos
cânticos de louvor para a oração antibíblica
vem deci, conta
o que não se pode contar
conta para o mundo saber
as coisas que não se espalham por lá
vem deci, conta agora
a tua história
para a gente aprender a sonhar
- minha história não tem o que contar
basta olhar em meus olhos pequeninos
vejo e crio mundos sem sair do meu planalto
já fui santa, moça e mulher, sem precisar calçar um salto
hoje, sou apenas quimeras
do que não pode acontecer
vem deci, conta
o que não se pode contar
conta para o mundo saber
as coisas que não se espalham por lá.
Natal
natal é meu pai
deitado na rede
: tocaiando sonhos de olho no alpendre
natal é minha mãe
na cadeira de balanço
: embalando filhos no seu jeito manso
natal são meus irmãos
espalhados no quintal
como se vivessem num curral
natal é você
: nascendo flores
no jardim de cimento.
Quimera
vontade de ser feliz
e não chorar como o menino que chora no último banco
de lorca
ser feliz como aquele senhor que nunca fechou a sua porta
e mastiga palitos
em olhos enrugados
mas que não guarda na alma qualquer rusga de atritos
apenas olha e olha a nuvem que se esconde por trás do cerrado
e sorri para o nada feliz.
Quaresma
gosto de carne
carne moída
chão de dentro
chão de fora...
carne vermelha
dentro
e fora
40 dias
40 noites
(na)
liturgia da oração
- negação do jejum do prazer.
Invídia
(para Luciano Andriola)
“Noirs dans la neige et dans l abrume,
Au grand soupirail qui s´allume,
Leur culs em rond”
(Arthur Rimbaud)
“Sente-se bem que para eles ali na feira
os balões de cor são a única mercadoria
útil e verdadeira indispensável”
(Manuel Bandeira)
nunca conseguira entender a ausência de pão
(enquanto lombrigas roncavam
pratos vazios no chão)
mas nunca conseguira entender mesmo era a ausência daquele
caminhão
que seu primo
cobria de tanto mimo
um caminhão vermelho com sirene dos bombeiros
movido à pilha, em movimentos pela sala bem decorada
vai e vem brilhando nos olhos daquelas alegres manhãs
e o menino conformado com o ronco ausente de seus carrinhos de
rolimã.
(a) Caba (que é) marcado
sou um homem marcado
marcado para doer
gado preso no curral
quando não, abatido
comendo baudelaire
na erva daninha de meu capim.
Belle de jour
não, não é catherine
de novo em busca de bordéis
para saciar a sede secreta de buñnuel
é juliana, sim,
bela na tarde cajazeiras;
bela na tarde capital
remake do que ainda está por vir:
surrealismo cinematográfico
- quadro de dali em rascunho eterno
juliana, que caminha nas tardes
, inconscientes
de sua beleza
em primeiro plano, seu sorriso
no the end, o silêncio e o sertão dialogam
para que o litoral reverencie suas maçãs secretas
: ela, protagonista de um filme de almodóvar.
Natinha
natinha fez uma canção para ela
sem medo da cuca vir pegar
natinha é a própria canção
canção de ninar mitos e gurus
canção de ninar vermelhos e azuis
canção para ninar tons e aquarelas
natinha e a sua canção
dedilhando no violão
todos os sons desconhecidos do mundo
e a vida fazendo cordas na poesia do seu coração.
Lamparina
(para Tereza Andrade)
querosene
consumindo-se
na consumação do fogo
lembra o canto das cigarras
na boca da noite
quando era light imaginar seu cruzar de pernas.
Luz del fuego
à luz da lamparina
os livros tinham mais letras
- leitura removendo vírgulas
remoendo pedras
: carro de boi em silêncio noturno
(meninas de anáguas e apelos
restos de réstias na parede)
à luz da lamparina
o sítio era sempre maior
quanto maior fossem as páginas de sonho
- sem marca-livros na memória
- com incêndios fátuos no vão das coxas.
Os ferreiros
um bate lá
outro bate cá
um bateaqui
outro bateacolá
por instantes desafinam
a monotonia da caatinga.
Pote de ouro
(no fim do arco-íris
o olhar do vaqueiro
em preto e branco).
Primeira infância
os meninos do sertão
já nascem sorrindo para a rua
às vezes nus
outras, não
fazem dos paralelepípedos
residências oficiais de verão
(já que o inverno é exceção na alma)
os meninos do sertão nascem livres para sonhar.
As casas
a primeira
ficou distante da memória
- foi morar em outro menino
a segunda, lembra,
tinha uns batentes
ainda não haviam heróis
(só os sonhos)
a terceira
ficava do outro lado do nordeste
e tinha um sotaque maranhes:
sombras e vozes assombram
os fantasmas do caubói de araque
de volta à terra natal:
nova rua
nova casa
novos amigos
era o rei da bola de gude
mas foi como súdito que chorou
após o último suspiro da avó
enfim, a capital
e a casa grande, longe da senzala,
em forma de igreja:
o adolescente pensa que a vida se esconde
no pé de goiaba
(apesar da paixão
que absorve a puberdade)
outra casa,
mesmo bairro
outro formato,
mais apertada
e a pelada se transforma em ritual
a primeira paquera guarda tons evangélicos
e o menino reza pelo futuro que não chega
ainda Jaguaribe
- bairro de tantas casas –
portões dão segurança
mas não seguram sonhos
negam segredos
contam dores
sangram a solidão
na rua da areia:
um viaduto
os carros
a velocidade
o infinito
os cabarés
o início da cidade
o adolescente duelando com o menino
depois os cristo
bairro nada religioso
ao lado do mato
quase dentro do mato
quase que ele mata
o menino que dormia no poeta
lá vem cajazeiras de novo
já homem (mal) feito
estudando as letras
namorando à vera
o pai vira saudade
e a cidade, poesia
agora, no litoral
(dentro de um apartamento
sufoca as dores
do futuro).
Mater
quando olho nos olhos de minha mãe
vejo as peraltices de uma infância tardia
com um arrazoado de conselhos alheios
e uma cumplicidade do futuro que dormia
quando olho nos olhos de minha mãe
sinto a fé de uma reza que não tem fim
a oração daquela nossa senhora minha
suplicando com um jeito assim assim
quando olho os olhos tristes de minha mãe
arrisco caminhar na memória da cidade
arrisco benzer-me no cristo que é só imagem
porque preciso construir minha tosca alegria
com os cacos da alma e o amor sofrido que resiste
nos olhos tristes de minha querida mãe.
Alucinação
(para Wilton Júnior)
(atropelados
pelos pássaros noturnos
do sertão)
sei
dos becos
da alma
e da fumaça
e dos olhos vermelhos
que imploram tragos
que pedem que tragas
a droga da vida
numa bandeja vazia
(e as cores fazendo ciranda em meus olhos).
Livro aberto
ser tão
abstrato
quanto
as
águas
do
meu
sertão.
Milagre
menino deita na rede
- bença pai!
- bença mãe!
lá do outro quarto vinha a resposta:
- deus te abençoe, filho!
- deus te dê saúde, filho!
e as malditas sombras na parede
e a insônia chata de cada noite
e as dores por ter jogado bola
e a preguiça de ir para a escola
sumiam!
Guitarras na caatinga
(para Naldinho Braga)
também se toca blues
também se escuta rock
também há melodias
estrangeiras
se apossando da nossa dor.
Açude grande
como era grande o meu açude!
um pouco poluído, é verdade
com seus lodos e lamas
sendo tapetes para lavadeiras
até onde a memória alcança
já o conheci assim:
lavando a roupa de todas as cajazeiras
até onde a memória entende
já o estranhava assim:
sem banhar a gente da cidade
mas era grande o meu açude!
e tinha um pôr-do-sol arretado!
Mário de Andrade visita o Sertão
(para William Costa)
(alguém lê mário de andrade
ninguém conhece mário de andrade)
o homem traga o cigarro
o homem traga o insulto ao burguês
o homem permanece sentado
sem insultar o burguês
(o copo na mão, o livro no chão
o violão na outra, mário de andrade no chão)
um garoto
pedala sua bicicleta rumo ao futuro
o garoto vai ser emboscado
e não encontrará mário de andrade
um jegue elétrico
anuncia as promoções
da livraria leia
(onde ninguém lê mário de andrade)
uma mulher reza o terço
tece a proteção de todos os santos
terrestres
- suas orações naufragam
na poluição do açude grande
(espelho do tietê?)
um militar marcha
ocioso
há reflexos de câimbras
em seus passos
há ânsia de poesia
em seus traços
(mas ele não lê mário de andrade)
uma mulher colhe acerolas
cura suas gripes
- letargia que invade
seu inconsciente literário
(mas ela não sabe quem foi mário de andrade)
as meninas exercitam a libido
as meninas dançam na fogueira
(“é noite de são joão, vai amanhecer o dia!”)
enquanto o vento
suga as trezentas cinzas
as trezentas e cinquenta cinzas
da poesia de mário de andrade.
Existencialismo
o ser e o nada
o ser é nada
o ser nada
e mergulha feliz nas águas do boqueirão.
2 velhos
sentados
na calçada
jogam conversa fora
é fim de tarde!
e às vezes
só querem jogar olhares fora
(o silêncio fala
sobre a vida que já veio).
Memória erótica
teu corpo
já foi relva
(lembra da enchente em nossa alma
e do banho nas biqueiras da 21 de abril?)
teu corpo
hoje é seiva
(lembra o gozo que veio para inundar a fonte
e semear a aridez do nosso solo esquecido!).
Curral
- nunca consegui entender
a melancolia que ecoava
nos chocalhos das vacas.
Primeira confissão
conte seus pecados
implorava o padre Giuliano
- briguei com minha irmã, chorava o menino
- está perdoado
(como é bom ser livre para pecar!).
Adolescência
quando já havia percorrido trezentas léguas
lembrou-se do subterrâneos da alma
feridos pelos galhos de juremas.
Só
era um homem que fumava
e o mundo se resumia
àquela fumaça
que saía de seu cigarro
quando sentava na calçada
olhando o outro lado do sertão
não era fumaça branca
porque não havia paz em sua alma
e depois do último trago
tossia
três
vezes
seguidas
(mas não chorava).
Seridó
não era a serra da rola,
moça,
porque moça
não se via
nem mesmo pelo retrovisor
viam-se,
sim,
mosquitos, moscas e outras coisas
que a vertigem humana não satisfazia
não era a serra da rola,
moça,
era a serra da santa luzia
abençoando o seridó
(carro subindo descendo
deixando mário na poeira
buscando oswald no horizonte
(avante!!!)).
As meninas do sertão
o sertão tem meninas
que cá
não encontro no litoral
longe do bem e do mal
são inocentes
de seus encantos
querem casar?
ora, mas qual não quer?
querem é amar
e amam como ninguém
o sertão tem meninas
que sorriem para o nada
- isso explica
o tudo que se esconde
por entre as pernas das meninas do sertão.
Lendo
lenda do sertão
é duas vezes prenda
ler teus olhos de solidão
é 2xpagando prendas
leitmotiv (em dramalhão)
é duas vezes (nós)
é nós dois enodoados de nós mesmos
pelas duas vezes que construímos
quimeras em cor de sanguesertão.
O primeiro irmão
(ao mano nonato)
ainda menino
vira arrimo
(rima pobre)
tintas impressas
nas rotativas
da vocação
(rota de sonhos e náufragos)
o filho
vira pai
vira filho
aos 50,
o sorriso nos lábios
esconde utopias
tecladas nas redações
servo de gutemberg
fazendo a manchete do último jornal
que sobrou para sonhar a história da família.
O segundo irmão
(para Lenilson)
na verdade,
foi o primeiro
quando fingia durango kid
nos postes da doutor coelho,
em viagens ao fundo do mar
depois, veio o bastardo marconi
a difundir no dial
algo que incomodava
depois veio lenilson
devoto dos sorrisos de marília e léo
enquanto o sangue manchava
o ibope das hertzianas.
Pai
não, não ficou a dor na bunda
e a sensação inútil
que sentia a cada chinelada
aquele era o pai
cuja fala tinha que ser mais alta
para conformar a educação sem-letras
sim, o menino ficava todo ardido
se escondia em galhos
se escondia em seu mundo
para não apanhar as vergonhas do carão
na frente do irmão
doía, mas doía de coração
as falas paternas
temperadas com gritos e chinelas
sentia-se um enjeitado
um moleque abandonado à sua sina
o que ficou de verdade
foi o heroísmo tardio
já na chegada da outra dor:
a dor da partida
ficou o exemplo do protetor
à revelia de rebeldias adolescentes
ficaram lembranças e perguntas:
por que você se foi,
quando já tinha superado o homem aranha e os contos de infância?
Renúncia
nunca teu cheiro de suor do menino
que passou o dia brincando em seu mundo
calou tão fundo
lágrimas travando
rolando garganta adentro
como se fora uma pedra
:
e o grito que não vinha
veio,
vinícius,
mas ficou mudo,
inútil ludo,
sem eco no escuro quarto.
Nordestear
(para Carlos Gildemar Pontes)
bússola em direção ao nordeste
nuvem cinza rompendo o agreste
navegar é preciso
mesmo com pouco riso
e muito silo.
Das vontades de um homem
vontade
de melar o palato
(e o pênis)
nos lábios
de tua caixa de pandora
liquidificar
meu desejo triturado
liquidar
(tua resistência aniquilada)
líquido
em sólidas palavras.
Ou isto ou aquilo
a moça
, que é moça ,
beija na boca
mas não dá aquilo
a puta
, que é puta ,
dá aquilo
mas não beija na boca
bobas
tolas
só querem o meu coração!
E-book
gosto de violar segredos
sentir larica após o gozo
(que não veio)
escrever cartas chilenas
(e rasgá-las)
: medo de você estar a fim de um soneto
gosto de estar além da tela
e de nossa ausência de estar
– excêntrico almodóvar
em busca de aventuras qual um indiana jones
em tuas ancas (perdido)
gosto até de pagar o mico
da solidão
quando desligo o micro
e você se torna apenas um conto de assunção.
Colheita
fazer um poema para uma paixão
é como colher grãos
no deserto
mas os sábios costumam apelar:
sempre existe um oásis
mesmo quando a seca seca tudo
inclusive a dor de não saber colher beijos
– como um chato pacifista colhe a paz no inferno.
Pacto
se é pra fazer escândalo
em teu silêncio
se é pra perfumar sândalo
o teu cio
se é pra calçar sandálias
e pisar nos pés
se é pra colher dálias
e tirar os anéis
se é pra eu ser tua amélia
e tu meu tutor
se é pra comer bromélias
e saciar teu furor
se é pra dizer ao amor que o amor não permite concessão
então diga, garota
mas não me deixe, por favor, deitado e inconsciente no chão.
Freudiano
duende
que dói na palma do pênis
segreda em meus sentidos
que a maçã do paraíso era podre
fosse menos sagrada
e mais alada, avisa ele,
teria mantido nus,
nos prados do senhor,
os corpos que vestiram a vergonha
do prazer.
Duelo
bumba-meu-boi
rasga mortalha
cuca
bicho papão
o homem do saco
sombras na parede...
tanto medo aos 12
aos 40, medo só de seus olhos de graúna.
Alforria
mucama :
ama de leite para os lábios
amarrada no tronco
faz-se escrava, concumbina
na verdade,
faz é do seu senhor, menino
escravo liberto a lambuzar-se, obediente, em seu corpo
– vítima do chicote e de seus açoites agnósticos.
Perdón
quando procuro teu perdão
estou procurando um indulto
para sandices e tolices
que se agarram nos cabelos do mar
mas a maresia corrói outros medos
e as raízes de teus cabelos, mais profundas:
não vem e vão, como as ondas do bessa
: se mantêm firmes
enquanto não perdôoo a mim mesmo
nem meu masoquismo borgiano.
Déjá vu
entendo, querida
fui muito dócil com você
e as mocinhas gostam mesmo de bandidos
no faroeste tupiniquin que sobrevivemos
é muita fala para pouca bala
e os cartuchos se esvaziam rapidamente
no coldre do revólver.
No dia sem juízo final
quando morto
quero ver suas coxas
portanto, vá ao velório
com saia curta
e de preferência transparente
para que me sinta num oratório
os mortos enxergam mais que os vivos e suas pernas
para quem está na vida
são só pernas
para o morto é mais do que isso,
é a devoção precisa para quem queria continuar na lida.
Uvas
verde, rosada, rubra, azulada. preta
angiospermas
: sementes plantadas nas tuas pernas turvas
: sêmens a escorrer por entre pelos e curvas
fruto que se colhe na videira,
na fonte
com a ponta dos lábios
saboreia vinhos e vinagres
e a libido faz-se cacho na uva.
Ocas
era você, asfaltando o mar
assaltando o bar
co
assassinando ba
co
asfixiando o ar
co
era eu, sendo asfalto
meliante
oco
sendo mato
oco
patife vomitando camas
ocas
pescando nossos próprios olhos
estrangulando nossos ossos inda moços
e ocos.
Posse
seus dedos
se apossaram feito feudos
– vassalos de minha pélvis.
Singular
apenas uma:
se tu, luva,
se encaixa em minha mão
por que procurar outra vulva?
Sentença
há encantos que surgem do nada
ou da brisa do mar
negros como os cabelos
que se enrolam na cama
inconstantes como as ondas
marujo da paixão
mas são esses encantos que ficam
grudados em pele de algodão
tão frágeis, que para continuarem existindo
só precisam do toque da tua mão.
Lombra...
é quando não sei onde começa teus pés e termina meus céus
tanta névoa nos sentidos
tanta névoa e nós
(perdidos em nossos achados).
Lema
amar apenas uma
sossegar a alma
guardar o coração no guarda-roupa
entre cuecas conformadas e sonetos de fidelidade
(cuidando, é claro, para que a traça não trace sua outra metade)
abandonar o leme
deixar a embarcação
ao acaso dos que continuarão navegando desatinos.
Gramática violada
o hímem rompendo fases
cortando frases
na tarde fria, que não permite crase
para acentuar o amor impontual.
Ciúmes
é como escrever um poema com gosto de sangue
f
i
l
e
t
e
a escorrer gota a gota pelo teu corpo nu
coalhando dores
sufocando amores
em busca da esfinge
nos mistérios do cisma.
Transgressão
ser hippie
largar-se no mundo
até o mundo largar de mim
suas presas
e eu ficar a sós
com meu amor convencional.
Menino do engenho
passar a tarde chupando meus dedos com teu sabor,
feito rolete de cana,
com uma diferença:
o bagaço, aqui, tem cheiro de orgasmo
moenda que mói e mói nossos ardis
– engenhos de desejos para senhores dos tempos de antanho
(como se tudo fosse estranho,
alheio ao próprio prazer da glicose que sai de tuas entranhas).
Metáforas para um duelo no vazio
é quando você está quieta
enroscada no próprio umbigo
feito uma concha
–- manto sagrado em saga profana –
e eu, emboscado na selva
escura de sua pele
feito um eunuco, perdido
nas fronteiras do absurdo
é quando duelamos em silêncio
em busca de nossos próprios ardis
que criamos ciladas para nossos próprios pés
enquanto mãos e bocas engendram armadilhas
– ilhas de solidão, protegidas pela carícia da dor.
Mitologia da aventura
você, agora vejo, berço da minha demografia
origem da minha poesia ainda por ser escrita
ruínas a serem reconstruídas
com o hálito de seu suor, numa republica helênica
etnia que remonta aos primórdios da civilização
na companhia filosófica de platão
ou recitando kaváfis: somos todos gregos
somos, nós dois, muito mais do que isso
somos brancos e negros
em nossa raça única
siameses da aventura
que insiste em acenos
para as águas do egeu
no templo de zeus, as orações serão outras
as orações serão loucas, como as sete deusas gregas
livre como ártemis,
sábia como minerva,
virgem como héstia,
poderosa como hera,
mãe como deméter,
espiritual como coré
afrodite como você.
Livro sagrado
sou um louco
um louco que sempre faz o sinal da cruz
na hora genuflexória de penetrar a luz
: gênesis de um prazer que tem origem no silêncio incondicional.
Amém
amor quando chega
não faz toc, toc, toc
simplesmente derruba a porta
invade nossa aorta
transforma o amador
na coisa sagrada
depois, ora pelo santo espírito insano
para que todo dia, todo ano
a oração se repita
com suor, sexo e libido.
Poética
poeta é bicho esquisito
todo mês sangra
(versos)
e aduba loucuras
vermelhas
com frases azuis.
Rapunzel pós-moderna
fios
que escorrem pelo dorso nu
e eu,
à espera das tranças
que você,
rapunzel pós-moderna,
não vai jogar em lugar nenhum.
Mapa-múndi
no princípio, era o verso
depois vieram tuas pernas
e o mundo se fez eros:
rio de janeiro, joão pessoa, paris, atenas
–- sempre a visão das coxas da moça.
o princípio se fez fim
e deus, que não tinha nada a ver com isso,
transformou esse desejo num pássaro cego.
Cunilíngua
coito
minete
(ou seria um minueto)?
suíte fragmentando
tuas aristocracias
em compassos ternários
: quando abre flores e rosas para minha língua.
Motivação
confesso que não soube segurar seus bicos
(por isso)
não sou alegre
não sou rico
:só, maldito.
Da falta de inspiração
às vezes
a dificuldade do poema
está
no olhar que não surge
na blusa
que a musa
teima em usar.
Marítimo
(abrigo perdido
onde encontro
cavalos-marinhos
para cavalgar minha paixão).
Intenso
ser intenso
é só mais uma de minhas azias
mania de cultivar tsunamis
viver no limite entre a doçura
e o olhar que beija a dor em áries
horóscopo e quiromancia
equilibrando a linha do equador
na geografia intensa
de um mapa- múndi
do tamanho da província.
Dialética
ela disse
que sou homem de paixões
avassaladoras
não de amores sólidos
talvez
porque os amores são eternos
(e morrem)
e as paixões são instantes (que ficam).
Usucapião
a língua
rodopia
no grelo
gleba feudal
de pelos
grilhão de cio
que prende
e algema prazeres,
gris.
O homem que vestia preto
o homem que vestia preto
tinha a alma azul
blue jeans
marcando a pele joplin
marcando a pele, jovem
o homem que vestia preto
tinha o amor vermelho
centelha de paixão
camiseta
(em rima impublicável)
queimando sangue caetânico
no afã de viajar na utopia de osíris
o homem que veste preto
já tem o sonho em duas cores
e duzentas dores daltônicas
: confusão de signos na melancolia de um fado português.
Morador do mundo
sou morador do mundo
aqui, dentro do meu alforje
dez tostões e um caçador
peregrino de dias insanos
colho rosas e espalho espinhos
mas só você sabe pisar de mansinho
os calos nos pés já não me calam mais
deixei meus sapatos andarem descaminhos tortos
mas fui salvo pelo verde da esperança-guia
gula (?), só de instintos na hora sagrada da cama
no café da manhã, a manha vem de outro corpo
que ensina a dançar meus temores, meus valores
sede (?), só da rede que balança o vento
ou da brisa, que guarda conchinhas em lençóis
ou da areia, que varre mares revoltos
fome (?), só dos encontros vadios
da pele branca, quase menina, a trançar pernas
no emaranhado de pelos e apelos sonoros
medo (?), só de não caber na mochila
as ilhas de milhas, filhas da alegria zumbi,
que acorda o morador do mundo.
Flor de lótus
já não tenho mais vontade de partir
meu lugar é aqui
deixo as glórias para aquele polifermo.
pasárgada (agora) é coisa do verão passado
ficarei feliz se me chamarem de nulisseu.
O sexto personagem
(para Rinaldo de Fernandes)
dorian gray com trajes de alferes
diante do espelho, não o horror aos próprios vícios mundanos
mas a saudade dos rapapés
e dos escravos
e dos mimos de tia marcolina
duas almas filosofando
sobre a eliminação humana:
never, for ever! –- for ever, never
enigmas machadianos espatifados no leitor,
sem réplica jacobina.
O guardador de segredos
(para Astier Basílio)
guardo comigo todos os segredos
do mundo em que não vivo
segredos de poetas, com seus versos
e estrofes quebradas no peito
almejando musas para guardarem em seu alforje
: como se não estivessem caçando ilusões na lírica sem metro
segredos de amigos, com seus desabafos
e histórias de prisões rigorosas, onde eles
são seus próprios carcereiros, sempre em
busca de reféns para seus instintos de safo
segredos de amigas, com seus eternos
mistérios e detalhes meticulosos de paixões
e amores vãos (porque todos os amores o são),
na busca desesperada pelo príncipe que não encanta
segredos de parentes, com seus estilos bem
familiares. sentados nas calçadas do sangue,
utilizando-se de algo que prende e não desata de
meu pulso: sempre em rota de colisão dentro de casa
segredos das putas, em suas lutas
fratricidas. messalinas modernas, em
transe no strip, em crise após o porre
mas também dignas de segredos do arco -da -velha
segredos de minha amada e companheira,
estes, sim, os maiores segredos que guardo
segredos de ansiedade, segredos de mistérios
segredos de alcova e de noites nem dormidas
guardo comigo todos os segredos
do mundo em que não vivo
como se fosse um rio, aonde desaguasse
todos os afluentes secretos da mentira.
Pavão
nunca olhei para os meus pés
até caetano
girar cajuína na vitrola
foi quando vi que eles nunca saíram
do chão
meu céu é que sempre esteve vermelho,
meus olhos voam o vazio.
Homo sapiens
sei,
faço tudo errado
troco o chinelo quando deveria estar descalço
piso em falso, corto as sete cordas que me mantêm amarrado
sei,
penso tudo errado
faço poesia mas não sei alimentar,
todo santo dia,
a gula crítica de políticos literários
– não sei nem fazer média de pão e manteiga
sei,
faço tudo errado
não estou sempre sorrindo para os amigos
não estou sempre presente ao meu filho
e nunca, mas nunca mesmo,
consigo agradar a sombra de meu pai
sei,
ando sempre errado
voto na esquerda quando todos estão à direita
ando na contramão, vivo em trânsito
sem desviar os buracos do asfalto
sei,
sou concreto, na hora de ler drummond
passional, para defender os irmãos campos
faço barba, quando deveria parecer mais velho
fico jovem, peter pan enroscado em novelos
apago a luz, quando quero clarear o túnel
ligo o som, na hora de apagar o mundo
sei,
choro quando todos riem de mim
sorrio, quando tudo é lágrima na mídia
rezo, quando nem deus já me aguenta
esnobo, quando deveria implorar um acalanto
reparto, no momento da perfídia
invejo, da hora de partir
sei
– o que mesmo? -.
Parabolicaleitura
as casas sustentam antenas
eu vi
fossem antenas poundianas
eu não via
EU LIA:
(as antenas globalizam novas raças).
Salieri
no brilho da lâmina
só o corte do olhar
Enquanto isso, na província
all right
criei um mito
agora, nem eu me fito.
Hibernar
tirar o pijama
que nunca vestiu
e enroscar
– caramujo no próprio vazio
Pêndulo
ah, deixem-me só
sem o relógio
(ponto)
deixem-me só
e o meu alforje
(junto)
deixem-me
só no espelho
(pranto).
DNA
apagar a escuridão
feito diógenes
: lanterna na mão
em busca de meus genes.
O velho aprendiz
agora é com vocês, jovens
meus cabelos já caíram
e as palavras estão feridas
no último grão da semente que não germinou
falem de helenas, sim
nunca de uma única helena
que a poesia não deve ser refém apenas daquela musa
leiam os velhos poetas:
sobretudo leminski, cabral, pessoa, augustos, drummond
é com eles que aprenderão os novos tons
versem sobre política, sim
nunca sobre os políticos,
que estes só merecem estrofes xingadas de atritos
debulhem as palavras a serem usadas, separem, bem separado,
o arroz
do
feijão
: caroços que serão úteis deixem em forno brando, sem pressa para
cozinhar
os outros, ah, os outros, deixem pra lá
não se frustrem pelo poema imperfeito:
se fores poetas de verdade
o verso preciso há de surgir antes do derradeiro poôr- do- sol
, sem a pressa que aniquila a vaidade
agora é com vocês, jovens
façam seus poemas, mas não me mostrem:
estarei ocupado tentando descobrir a poesia dos mestres
e a linguagem que ainda não aprendi.
Poesia com T de tédio
quando soube que minha poesia
tinha efeitos colaterais
fechei meus verbos
rasguei os versos
e fui ler olavo bilac!
Gêmeos
(para Lenilda, minha doce e pequena irmã)
foi minha irmã
minha doce e pequena irmã
com os olhos da ressaca que não bebeu
que acusou: você tem dupla personalidade!
olhei de um lado e de outro
mas não acusei o golpe
como fazer entendê-la
que estive em vários lugares ao mesmo tempo
dancei castanhola na espanha e recitei
sonetos de camões em lisboa sem sair de cajazeiras
mas também escutei pancada por pancada
a sucessividade dos segundos sem graça
feito um augusto sem anjos mórbidos,
não saí do boteco, tomando minha cachaça
como ela vai ver o ir e vir de minhas retinas
olhando ao longe e ao perto para o colo das meninas
querendo repousar minha quimera em mais de um
pensando apenas em deixar de ser um zumbi comum
como explicar, à minha doce e inocente irmã,
que as flores do mal povoam meu jardim
que bebo absinto, trago erva e não trago nada no peito
além da vontade de estar além de mim
como escrever poemas, minha pequena irmã,
quando não estou amando loucamente
por isso sempre tenho um amor guardado no peito
e outro repousando no espinho do meu leito
como lhe sugerir que as fábulas mortas
são apenas leituras la fontaines
que a vida se abre na janela do seu quarto
enquanto outra nasce em uma mesa qualquer de parto
como sonhar junto com minha doce e profana irmã
deitado, ao lado de freud, num mentecapto divã
quando sou paz, sou calmaria e tempestade
quando sou loucura e a agonizante busca da felicidade
não, minha irmã
não, minha doce e pequena irmã
não, minha doce, pequena e inocente irmã
não, minha doce, pequena, inocente e profana irmã
não tenho dupla personalidade
e nem tenho heterônimos, apesar do amor a pessoa
tenho apenas a certeza de que não posso ser ilha
enquanto os barcos acenam ao longe todos os dias
cheio de corsários e damas de seios redondos
fazendo o convite para o mar que se divide
entre o atlântico e minha pacífica monotonia.
Pobres moços
desconfiem dos bons moços
aqueles que costumam triturar nossos ossos
em segredos e no computador
entre teclados e roupas engomadas
amassam nossa paciência
nas filas dos bancos
engilham nossas roupas
na frieza de seus bytes
desconfiem das boas moças
também
estas, são muito certinhas
não assanham os cabelos
se brincar, acreditem,
nunca nem tiveram pentelhos
de tão limpas e boas que são
desconfiem, enfim, dos bons modos
daqueles que não comem sem garfo e faca
e não dispensam um guardanapo no colo
desses, tenha medo
são os piores assaltantes da raça humana:
assaltam o improviso
– a melhor forma de viver sem avisos.
Barco de ilusões
(para Veruscka Guerra)
o peixe cabe dentro do mar
o mar não cabe dentro do peixe
o pescador é maior que o mar
o pescado é menor que a fome
colcha de retalhos no oceano
navegar/e em 1690
(em raios de ósseos cartilaginosos)
miserere pro-nobis
óbice ao céu
que brilha
azul.
Uma face, só ânima
pernas de compasso
pernas na mesa
perna (d)e pau
pernas para que te quero, pernas,
pernas brancas, grossas pernas....
daí, chega uma das faces de drummond:
– pra que tantas pernas, meu deus?
porém, meu coração só pensa naquilo!
Collectivus
um poema nasce
quando as partes
se contundem
nas moléculas
salgadas
nas estrofes
amadas
nas leituras
armadas
um poema nasce
quando o tudo
é moleque
e confunde
as marcas
e confunde
e marca
traço armorial na tua pele beatnik.
Bilíngua
billie holliday
na vitrola
holiday
é altar
(fixed star)
ser ou estar?
asterisco
com notas no rodapé (em tua fenda)
lenda
do blues em férias
feridas em dia de folga da dor.
Auto-ajuda
corte à faca
corta a massa
(tritura a farsa)
(não) corta as asas
é cortaázar
acendendo todos os fogos do fogo
em jogos de cronópios e fama
para que a besta-célere
ofereça auto-ajuda
ao seu próprio cérebro
sempre sentado à margem direita do rio de pedras
com letras e números somando dinheiro na lama.
Twitterlandia
havia uma gota de sangue em cada poema
primitivo
eram tempos de antanho
e mário (de andrade ou sobral?)
só queria poetar a primeira guerra mundial
de lá para cá, quantas guerras já engolimos
bombas explodiram cabeças parnasianas
a modernidade se fez rito
: dos concretos ao twiter
agora, tudo se resolve em 140 caracteres
e os novos reis das letras não mais oferecem a cabeça numa
bandeja
oferecem a mente em TT, porque essa, sim, pode ser temperada
com a casca verde e luzidia da cereja.
Sem perder a ternura
letargia que invade as avenidas do XXI
terra sem lei, com fardas dormindo igual aos fardões
cabeças baixas, bolsos vazios, pés descalços
maiakovski apenas como um poema desbotado na estante
patrulhas cercando o quintal do vizinho
: a nova ordem não vem de caetano,
zeloso de todos os sonhos que fugiam do haiti
silêncio, é a palavra que barulheia todos os sentidos
mas as damas aristocráticas formam vassalos
na terra onde o verde quase se torna uma lembrança vã
e ainda dizem que existe o amanhã
e eu acredito
como acredito no gosto estranho da romã
vejo, na retina da memória, soldadinhos de papel
crianças correndo por ruas de barro
brincando e gingando para as dores que não conhecia
é verão – hora de lembrar lições guevarianas:
não podemos perder a ternura!
No mundo de Walt Disney
lamparina cansou do professor pardal
cansou dos inventores
sempre geniais
sempre descobrindo pólvoras
enquanto a bomba já explodiu faz séculos
lamparina cansou dos maniqueísmos:
eu sou do bem
você, do mal
lamparina, coitado, cansou dos insultos aos burgueses
de quem quer formar a nova poesia burguesa
quando o poema sai mesmo é da chama de lamparina
e do sorriso sacana no púbis da menina.
Juvenília
cansei de pasárgada
– este negócio de sentar-se eternamente no trono
não compensa a mulher que queremos
chorei em busca das setes faces de drummond
e voando com o passarinho de quintana
mas não saí da tabacaria de pessoa
tragando vícios e poemas.
Mapa de rugas
(para isabel allende)
o mapa de minhas rugas
não cabe na palma de mil mãos
são cartografias com milhões de afluentes
extensão territorial de barro marcada na pele branca
clientes de minhas rusgas
minhas teimosias e aleivosias
e de tanto rasgos de dores
– que abrem fendas de fatos
sempre a calar fênix diante de minhas ruínas.
Partida
quando eu estiver velhinho, cheio de rugas
só os galos estarão cantando o amanhã
e o pasto já terá incendiado todos os trigos
já não haverá mais porque procurar fugas,
da varanda,
nem escolher entre a tarde e a manhã
já estarei velhinho e só em meus abrigos
já estarei velhinho e só, meus amigos
mas não chorem por mim
sei que quando estiver velhinho terei um cobertor
para cobrir meus dedos finos
e nada, nem a maior das oceânicas dores,
conseguirá disfarçar meu gosto pelo frio
e pela ausência de ausências em teus olhos de carmim
quando eu estiver velhinho, cheio de rugas
sorrirei feliz por encontrar abrigo em ti, também já velhinha
agora, poderemos dormir. a noite chegou!
Dostoeiwviskiana
os ganchos
já estão
me levando
os anjos louvam: é hora de dormir.
FICHA TÉCNICA
Copyright © Editora Patuá, 2011.
Metáforas para um duelo no sertão © Linaldo Guedes, 2012.
Editores
Aline Rocha
Eduardo Lacerda
Revisão
Aline Rocha
Projeto Gráfico, Capa e Ilustrações
Leonardo Mathias | flickr.com/leonardomathias
Prefácio
Antônio Mariano
O livro “Metáforas para um duelo no sertão” pode ser adquirido
no site da Editora Patuá: www.editorapatua.com.br