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    F e r n a n d o L u i z F e r r e i r a R a b e l o

    M D I A S D I G I T A I S :

    I N T E R F A C E S H I B R I D I S M O S E

    M E T F O R A S

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    F e r n a n d o L u i z F e r r e i r a R a b e l o

    M D I A S D I G I T A I S :

    I N T E R F A C E S H I B R I D I S M O S E

    M E T F O R A S

    Dissertao apresentada ao Curso de Mestrado daEscola de Belas Artes da Universidade Federal de MinasGerais, como requisito parcial obteno do ttulo demestre em Artes Visuais.

    rea de concentrao: Arte e Tecnologia da ImagemOrientador: Prof. Dr. Luiz Nazario.Universidade Federal de Minas Gerais

    Belo HorizonteEscola de Belas Artes da UFMG

    2006

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    Para os meus pais Maria Constncia da Silva e Geraldo Ferreira Rabelo.

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    I - A G R A D E C I M E N T O S

    Agradeo a Luiz Nazario pela dedicada orientao, que forneceu

    todo apoio para a construo do nosso objetivo, tanto prtico

    quanto terico, discutindo e propondo conceitos. Um agradecimento

    especial Patrcia Klingl, por escutar horas de teoria e corrigir os

    vrios rudos gramaticais, ajudando a construir essa dissertao.

    Peo desculpas e agradeo muito aos meus irmos Fabiano e

    Fabola e aos amigos Marcos e Nazaret que se envolveram em

    algumas etapas do processo, sempre me incentivando. Gostaria de

    agradecer especialmente a Oskar e Noeme que permitiram, atravs

    de seus conselhos e observaes, o surgimento de idias, e aos

    amigos e colegas reais e virtuais que me incentivaram durante a

    pesquisa.

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    I I - R E S U M O

    A presente pesquisa tem como objeto de estudo as relaes

    estabelecidas entre arte e tecnologia percebidas na construo das

    novas mdias. A imagem sntese, varivel, programada, entendida

    por processos binrios, representa um novo espao para uma ao

    criadora como tambm novos entendimentos de sua potencialidade.

    A interface (conexo, contato) - elemento mediador entre o homem

    e o objeto cultural virtual ou real - o ponto onde essa mudana

    acontece. Pesquisamos a interface como objeto mensagem, pois o

    meio hoje trnsito de informaes entre variados suportes. Na

    combinao dessas interfaces surgem os hibridismos tecnolgicos.

    A metfora visual a representao grfica que a mensagem

    assume na interface. Os cones como elementos de manipulao e

    interao atuam conforme a metfora presente na estrutura do

    objeto digital. Procuramos analisar essas trs caracterstricas

    globais das novas mdias como tambm apresentar trs exemplos

    prticos de aplicativos, em CD-ROM e internet, nos quais os

    conceitos pesquisados foram esteticamente trabalhados.

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    I I I - A B S T R A C T

    The present research has as its object of study the relationships

    established between art and technology, as perceived in the

    construction of the new media. The synthesis image, variable,

    programmed, understood according to binary processes, constitutes

    a new space for the creative action as well as for new

    understandings of its potentiality. The interface (connection,

    contact) - element of mediation between man and cultural object

    (virtual or real) - is the point where this shifting happens. We

    researched the interface taken as "message object", since the

    medium is today information transit between several supports. In

    the interface combination (mixing), emerges the tecnological

    hybridisms. The visual metaphor is the graphic representation whichthis message assumes in the interface. Icons are manipulation

    elements, which will be acting on the interface, according to the

    metaphor chosen in order to structure information. Further on we

    tried to analyse these three general aspects of the new media as

    well as to present three practical examples of applicatives in CD-

    ROM andinternet, in which the concepts researched have been

    aesthetically worked.

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    I N T R O D U O A O M A P E A M E N T O D A I N F O R M A O

    ---- 7

    1 T O P O L O G I A D A S N O V A S M D I A S

    ------------------------------- -- 13

    1 .1 Interatividade------------------------------------------ - -- -201.2 Representao numrica------------------------------------- - 261.3 Modularidade----------------------------------------------------- 271.4 Automao-------------------------------------------- ----- -------- 281.5 Variabilidade------------------------ --------- ------------------- 301 .6 Simbitica---------- - -------------\------------------------ --------- 32

    2 I N T E R F A C E S

    2.1 Revelando a interface: Marcel Duchamp e o objeto 362.2 Interfaces digitalizadas ---------------------------------------

    2.2.1 A infografia e seus prolongamentos -- - --------- - - -- 512.2.2 Ambientes de imerso e exteriorizao -- ----- - - -57

    H I P E R F A C E ------------------------------------------------------------------- -69

    3 H I B R I D I S M O S

    --------------------------------------------------------------79

    3.1 Hibridismos e midiamorfose -------------------- ----- ---- -- 823.2 Processos de composio visual ----------- 893.3 Composio ontolgica em O bloqueio ---------- 933.4 Composio esttica na Trilogia do caos----- 100

    C D - R O M E X P R E S S I O N I S M O ---------------- --------------- 109

    4 M E T F O R A S --------------------------------------------------------- - -115

    4 . 1 Metforas estruturais --------------------- - ------ - -- 1194.2 A metfora do Desktop ---- -------------------- ---- - 1234.3 O rizoma como a metfora da Internet --- ----- 1284.4 Outras interfaces e possveis metforas da rede- 1304.5 A negao da metfora --------------------------- - 141

    I N S N I A --------------------------------------------------------------- 146

    C O N C L U S O -------------------------------------- ------------------- - - 160

    B I B L I O G R A F I A

    165

    A N E X O I - H q m l

    A N E X O I I - C D - R O M

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    I N T R O D U O A O M A P E A M E N T O D A

    I N F O R M A O

    Mapa da capitania do Rio de Janeiro, 1778.

    Na estruturao de nossa pesquisa sobre mdia digital, encontramos

    em diversas leituras alguns conceitos que foram freqentemente

    usados para designar seus princpios: interfaces, hibridismos emetforas esto presentes na estrutura conceitual formadora das

    novas mdias. Decidimos, assim, propor palavras carregadas de

    sentido como eixos de nossa anlise sobre os princpios das novas

    mdias. Esta dissertao poder ser lida em uma estrutura linear ou

    fragmentada, hipertextual, pois seus contedos so independentes

    entre si e formadores de um conjunto.

    Nossa tese, pensamento codificado na escrita em forma de teoria,

    uma das partes formadoras da dialtica dessa dissertao. Como

    anttese, ou forma que necessita da tese para se complementar,

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    realizamos construes prticas, diferentes ambientes em

    hipermdia, nos quais aplicamos a teoria criando um objeto cultural

    classificado como nova mdia. A sntese est no CD-ROM (anexo II),

    que apresenta novas propostas de experimentao e representao

    da informao digital, criadas a partir do entendimento dos

    conceitos discutidos durante a pesquisa. Estruturado de forma

    hbrida, possui caractersticas que necessitaro de outras mdias,

    como a Internet, para futuras atualizaes, e da leitura digital,

    armazenada em discos removveis.

    Para entendermos o princpio gerador das novas mdias, comeamos

    a mapear os pensamentos que se tornaram linguagens na

    comunicao e representao visual da informao.

    O ato de mapear, segundo definies topogrficas, uma funo

    criada para conceber, por meio de uma escala proporcional, uma

    grande imagem de superfcie em uma reduzida representao visual.

    Essa representao pode ser usada como um mapa ou um guia dos

    territrios reconhecidos (mapeados), uma apropriao do macro-

    mundo em forma de micro-grfico, com intuito de orientar-se em

    relao a este mundo. Na computao, o mapeamento a

    transformao da seqncia binria em dados discretos quantificados

    em grficos, cones e interfaces para orientao, reconhecimento e

    movimentao no mundo virtual.

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    Salientamos que pesquisas e prticas de mapear ou visualizar

    espaos-informao, de exteriorizar os processos mentais, foram

    realizadas seis sculos antes de Cristo como afirma Steven Johnson1,

    por retricos da poca, como o poeta grego Simnides, conhecido

    por construir os chamados palcios da memria. Eram histrias

    contadas em espaos arquitetnicos que se transformavam em

    espao-informao, conceitos abstratos que criavam as casas

    imaginrias. A arquitetura era a interface que mediatizava o processo

    de compreenso da histria, baseava-se numa peculiaridade da

    cognio encontrada na mente humana. Nossa memria visual

    mais imediata que a memria textual.

    No ato de contar a histria, percorriam-se e visualizavam-se os

    aposentos da casa, a fim de exterioriz-la ou torn-la reconhecvel

    pelos ndices, objetos distopos para estimular o raciocnio. Para cada

    quarto (bloco) era programada uma mudana na narrativa. Se

    Simnides pretendesse aprofundar-se em determinado assunto no

    roteiro, aumentava o ndice de informao dos aposentos, revelando

    mais pistas para sua compreenso. Esse mtodo encadeava toda

    narrativa programada da histria. Esses recursos da retrica foram

    utilizados pelos criadores durante centenas de anos. As prprias

    1 JOHNSON, Steven. A Cultura da interface. Rio de Janeiro: Jorge Zahar Editor, 2001,

    p.15.

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    igrejas utilizam seu amplo e imponente espao para transmitir sua

    ideologia, marcada por simbolismos visuais, como plantas

    arquitetnicas em forma de cruz e hierarquizao de valores na

    distribuio de informaes: altar inferior/superior etc.

    Um importante escritor que utilizou o mapeamento de informao

    para compor suas obras foi William Burroughs, que explicou seu

    mtodo de composio por fragmentao ou cortes (cut-up) como

    uma construo de "mapas" de reas fsicas. Edgar Alan Poe usou,

    no seu conto O escaravelho de ouro2, o texto como mapa estatstico

    para decifrar o enigma criptografado. No poema O Corvo, Poe usa a

    repetio e o espelhamento da palavra raven/never (pronuncia-se

    nevar) como pistas de um mapa codificado nos nveis de leitura de

    sua histria.

    O mapeamento tambm pode ser entendido como a capacidade que

    uma nova mdia tem de incorporar aspectos de uma outra mais

    antiga, redefinindo-a, remapeando-a. Para Lev Manovich3, a forma

    mais adequada de descrever o que as novas mdias fazem com as

    antigas. Ao mapear uma obra, tem-se a possibilidade de acrescentar

    novas interfaces, novos tipos de objetos, preservando sempre a

    2 PIGNATARI, Dcio. Informao, linguagem, comunicao. So Paulo: Ateli Editorial,2002, p.44.3Palestra realizada em So Paulo, (Emoo Art.ficial - agosto de 2002), onde o Prof. Dr.Lev Manovich divulgou seus trabalhos e pesquisas no campo da data art.

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    estrutura da mdia original. Podemos exemplificar com a hibridizao

    das estruturas do filme e vdeo que formam um novo objeto. Em

    Steps (1987), de Zbigniew Rybczynski, observamos um grupo de

    turistas americanos acompanhados por um guia, representados

    visualmente com caractersticas de vdeo, m definio e cores, que

    penetram no filme Encouraado Potemkin (1925), de Sergei

    Eisenstein, caracterizado pela granulao prateada de seu preto e

    branco e maior definio de imagem (formato 35mm).

    Cena de Steps (1987) de Zbigniew Rybczynski.

    Podemos dizer que mapear tornar o pensamento, a idia (virtual)

    em real (visvel ou reconhecvel). Desencadeamos mltiplosprocessos de raciocnio e percepes do mundo real e temos a

    necessidade de exp-los. Inscrevemos o pensamento em diversos

    suportes transformando-o em objeto concreto, visvel, que ganha

    forma de textos, desenhos, cones, smbolos, narrativas,

    montagens, teatro, msica etc que se tornam linguagens do

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    pensamento e de comunicao. Fazendo parte da cultura codificada,

    reconhecvel, os mapeamentos mentais podem ser usados como

    guias para o mundo real, ou podem simular o real como experincia

    intelectual.

    Com a digitalizao das formas da informao, todas as variaes

    da linguagem e da comunicao esto sendo pouco a pouco

    transformadas em um nico meio. O computador o incio dessa

    unificao digital e as novas mdias esto surgindo atravs dos

    novos agenciamentos culturais. Nossa cultura visual na era do

    computador cinematogrfica na aparncia, digital no nvel do

    material, bilateral no fluxo de informao e computacional na sua

    lgica. Necessitamos encontrar princpios gerais para mapear as

    caractersticas das novas mdias e poder criar objetos que possam

    represent-las.

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    1 . T O P O L O G I A D A S N O V A S M D I A S

    Outra revoluo comea com a codificao do

    pensamento humano na escrita com a inveno da

    tipografia. No sculo XV, ela generalizou a

    comunicao por signos e smbolos e tornou

    acessvel o conhecimento acumulado pelos homens.

    A capacidade de tratamento eletrnico das

    informaes tomou o basto. A memria dos livros

    foi completada pela memria dos computadores; os

    cdigos de comunicao no verbais, sons e

    imagens, so tratados pela eletrnica.

    Jel de Rosnay

    Para definirmos o que pode ser considerado como nova mdia,

    precisamos conceituar e contextualizar as antigas, comparando seus

    elementos formadores com os novos elementos. A evoluo da

    tecnologia humana aplicada aos processos de comunicao cultural

    faz surgir novos paradigmas, novas perguntas, novas respostas e

    novos meios de ao. A existncia de novas mdias no acaba com as

    antigas; uma mdia sempre nos prepara para outras. Hibridismos e

    simbioses so termos usados tanto na biologia como na tecnologia

    para o estudo dos seres e das mquinas.

    Se formos conceber como nova mdia tudo que manipulado por

    computador, como os textos digitalizados em stios web em

    comparao com os mesmos impressos, ou similarmente, fotografias

    escaneadas e distribudas em CD-ROM em comparao as mesmas

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    colocadas em um lbum de famlia, estaramos limitando e

    privilegiando somente o computador como nova mdia.

    Acompanhando a evoluo das tecnologias, as primeiras que

    obtiveram um grande impacto na cultura da comunicao foram a

    imprensa de Gutenberg e a fotografia. A imprensa possibilitou a

    reproduo tcnica de textos em massa, j a fotografia possibilitou a

    reproduo tcnica das imagens em massa, s que essas mdias

    afetaram faces singulares da comunicao. A TV e o cinema

    possibilitaram a difuso das imagens e sons ao mesmo tempo, j a

    evoluo da mdia computvel ou computadorizada, foi abrangente

    em todas as formas da comunicao cultural, incluindo aquisio,

    armazenamento, criao e distribuio em massa, afetando todas as

    linguagens produzidas pelo homem.

    Segundo Lev Manovich4, as novas mdias representam uma

    convergncia de duas trajetrias histricas que evoluram separadas:

    a computao e a tecnologia miditica. Entendemos que a tecnologia

    das mdias ou miditica engloba as artes criadas e reproduzidas

    individualmente ou coletivamente com o auxlio das tecnologias. A

    arte automaticamente reproduzida pela tecnologia massificada e

    transforma-se em prottipos de comunicao.

    4MANOVICH, Lev. The language of new media. Cambridge:Ed. MIT Press, 2001.

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    Pode-se dizer que computao nasceu em meados de 1800 com a

    Mquina de Tear, de J. M. Jacquard, que inspirou, em meados de

    1830, a mquina de Engenharia Analtica de Charles Babage.

    Mquina de Tear, de J. M. Jacquard.

    A preocupao de Babage era tornar informaes visveis em cartes

    perfurados, para serem computadas e calculadas. J a tecnologia

    miditica desenvolveu-se basicamente com o processo de reproduo

    tipogrfica, que se iniciou com a imprensa de Gutenberg e foi

    fomentada pelas imagens tecnicamente captadas quando Louis

    Daguerre apresentou seu Daguerretipo em 1839 no Palace Institute

    em Paris. Em dois anos essa tecnologia da reproduo tcnica de

    imagens j havia se espalhado pelo mundo, todos queriam ter suas

    cpias e alguns construir seu prprio daguerretipo.

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    Daguerretipo de 1839.

    Em 1895 ocorreu um desdobramento notvel da tcnica da

    fotografia. Os irmos Lumire mostraram sua nova mquina - o

    Cinematgrafo5- hbrido de cmera e projetor. Tambm em poucos

    anos essa tecnologia se difundiu rapidamente pelo mundo. Na outra

    trajetria, em 1890, Herman Hollerith

    inventou uma mquina tabuladora

    eltrica para o Governo dos EUA efetuar

    clculos demogrficos. Em 1891 foi

    criada a Holleriths Tabulating Machine

    Company, que dcadas depois se fundiria

    com outras companhias do ramo

    tornando-se a IBM - International

    Business Machine Corporation.

    Estudos para a HollerithsTabulating Machine.

    5Cinematographe = escritor de movimento.

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    Na Alemanha nazista, a IBM6, em busca do monoplio de mercado

    colocou disposio do regime mquinas de tabulao (IBM Hollerith

    D-11) para a automao dos registros dos judeus, cuja contagem e

    identificao rpida tornara-se um desafio tecnolgico para o Reich;

    a tecnologia Hollerith de cartes perfurados era a tecnologia de

    informao mais sofisticada que existia na poca. Assim, qualquer

    invento pode ser usado para a melhoria das condies de vida do

    homem ou para sua manipulao e destruio em massa, seguindo

    somente os preceitos polticos e no os cientficos (humanitrios).

    IBM Hollerith D-11.

    Com o aumento da complexidade social gerada pela evoluo

    industrial e a circulao em massa da informao, j era mais que

    necessrio a construo de mquinas que ajudassem a calcular,

    6BLACK, Edwin. IBM e o holocausto. So Paulo: Ed.Campos, 2001.

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    controlar e processar informaes complexas mais rapidamente. As

    palavras ciberntica (arte de pilotar mquinas) e governo (arte

    da gesto dos sistemas complexos) tm a mesma etimologia.

    Em 1936 Alan Turing descreveu no artigo On computable numbersa

    possibilidade matemtica no tratamento da informao, sendo desde

    ento considerado um dos pais do computador. Nesta mesma

    dcada o aparato da reprodutibilidade tcnica em massa tambm j

    havia se desenvolvido, sendo o cinema a mdia mais significativa.

    Com o decorrer do sculo, foram inventadas e destrudas vrias

    mquinas tanto computveis quanto mdias reprodutveis. Uma

    interessante simbiose miditica considerada o ponto de

    convergncia das duas trajetrias: o alemo Konrad Zuse construiu

    na sala de seu apartamento em Berlim, um dos primeiros

    computadores de trabalho pessoal.

    Z1 no apartamento de Konrad Zuse (1936).

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    Uma de suas caractersticas marcantes que a mquina j usava

    uma fita magntica para estocar os dados. O interessante que

    essas fitas magnticas eram fitas de negativos de 35mm sub-

    utilizados. Ao mesmo tempo em que se percebia uma cena captada

    impressa nos fotogramas como registro de tempo, se percebiam as

    marcaes perfuradas como registro da informao, tornando-a

    discreta, transformada em unidades (pontos) distinguveis e

    calculveis. A mdia que antes fora usada como simulao sensvel da

    realidade voltou sua forma original, um reles magntico de registro

    seqencial de informao.

    Ilustrao de Fernando Rabelo que simula a computao da informaona forma de pontos perfurados sob pelcula de 35mm.

    Essa situao histrica poderia ser considerada por alguns como

    complexo tecnolgico de dipo, um filho que mata seu prprio pai. O

    processo da mquina cinematogrfica, a cmera, opera sob um fluxo

    de tempo, captando os dados visveis que sensibilizados nessa

    gravao registram as imagens, armazenando o que foi captado em

    pelcula, inscrevendo o tempo. Esse processo torna os dados inscritos

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    reconhecveis para a mquina que, posteriormente, podem ser

    projetados ou visualizados em uma tela. o principio bsico da

    computao. Na fita cinematogrfica e infogrfica, essa superposio

    de cdigo binrio e cdigos icnicos o encontro da tecnologia

    reprodutvel das mdias com o computador e pode simplificar ou ser a

    metfora de toda a transformao digital que ocorre no mundo ps-

    moderno.

    Antes de descrevermos as caractersticas encontradas nas novas

    mdias, faamos uma sucinta abordagem do conceito de

    interatividade, que no exclusivo das novas mdias.

    1 . 1 I n t e r a t i v i d a d e

    Imagem do labirinto de Valcamonica, perodo neoltico.

    Dentre as diversas leituras sobre interatividade, podemos notar que

    o termo no apresentou uma definio singular, mas significados

    diversos, porm no opostos entre si, desde relaes entre objetos,

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    relaes entre homem e mquina, princpios de associao e vrios

    outros. Os vrios tipos de interatividade podem ser encontrados nas

    novas e antigas mdias, mas definir uma teoria para explic-la pode

    ser mais complexo.

    Alguns tericos dividem a interatividade entre aberta e fechada, a

    primeira caracterizando a interatividade de estruturas infinitas ou

    recombinveis, em que toda a participao proporciona novas

    experincias; a segunda, possuindo uma estrutura finita de mltiplas

    escolhas, que em certo tempo possvel esgotar-se. J outros

    tericos dividem-na em implcita e explcita, a primeira

    significando interagir com o mundo em geral (experincia esttica ou

    no), e a segunda significa que existe algum tipo de interface

    tecnolgica atravs da qual, ou com a qual, um participante

    confronta seu trabalho. Inicialmente, a interatividade explcita era

    usada para proporcionar ao participante tomar posies conscientes,

    escolhendo entre A, B, C ou D. Esse tipo de interatividade

    geralmente encontrado em vrias estruturas de informao, como

    menus, botes, pastas, cardpios etc.

    Paula Pressinoto7 coloca que para diferenciarmos tais obras, ns

    podemos as classific-las em trs grupos. No primeiro, esto as

    7PRESSINOTO, Paula. O cinetismo interativo nas artes plsticas um trajeto para a arte

    tecnolgica. Univesidade de So Paulo. So Paulo, 2000.

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    obras que solicitam uma interao perceptiva do espectador que

    pode ser tambm sensitiva e / ou transformadora. No segundo, esto

    as obras que interagem com espao. Esta interao pode ocorrer

    pela mecnica, pela induo humana e inumana, pela interao

    natural e maquinal e finalmente pela interao ciberntica. No

    terceiro grupo, temos aquelas obras que experimentam a interao

    interdisciplinar da arte com a tecnologia.

    Todas as artes possuem, de certo modo, interaes entre duas

    partes (objeto-observador); literatura, teatro, pintura, escultura,

    fotografia etc, propem diversos nveis de interatividade e usam de

    vrias tcnicas para despert-las nos espectadores, leitores ou

    atores. Elipses, cortes bruscos, estruturas em abismo, detalhes sub-

    ocultos em uma narrativa, como as montagens realizadas no cinema,

    podem ser exemplos de uma tcnica de interatividade realizada por

    estmulos visuais, que exibidos em seqncia, proporcionam

    associaes mentais, construindo um todo (a obra). Os movimentos

    de arte moderna, bem como as novas mdias, adaptaram esses

    dispositivos transformando-os em outros como os happenings e

    performances do Futurismo e Dadasmo ou o minimalismo da

    percepo no jogo das formas da arte construtivista e abstrata.

    A arte cintica de Tinguely, Moholy-Nagy, Fernand Lger; as vdeo-

    instalaes de Nan June Paik, Igo Gunter e outros tornou-se um

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    dispositivo de manipulao e transformao da tecnologia (mdia).

    Eles no se limitaram repetio das caractersticas tcnicas

    contidas no aparelho, mas superaram-na na recombinao de suas

    interfaces. Como exemplo, citemos as vdeo-esculturas de Nam June

    Paik, que reconfiguram o meio (mdia) criticando-o na forma e assim

    ironizando a mensagem.

    MoreLogins_LessLogging (1960) vdeo-escultura de Nam June Paik

    Esses objetos prepararam-nos para a interao com o vdeo, o

    vdeo texto, os videogames e, logo, o computador. Com a seqencial

    digitalizao das mdias foi adicionada uma caracterstica importante

    ao computador que antes era encontrada somente nas comunicaes

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    bilaterais como o telefone ou telgrafo. Segundo Marshall Macluhan8,

    o telefone foi a mdia mais democrtica, a nica conseguida com

    presso popular e na poca a nica a vecular informao com fluxo

    bilateral, essa caracterstica, somada ao computador, permitiu sua

    conexo com outros, criando uma grande rede que compartilha o

    espao virtual gerando um fluxo infinito de informao. O que antes

    era um fluxo unilateral, de um centro para todos usurios,

    transformou-se em em um fluxo bilateral initerrupto de todos para

    todos. Essas caractersticas recombinadas revelaram uma nova

    interface para apropriao e experimentaes tecnolgicas, que

    antes eram dispositivos estticos, fixos em uma estrutura. Com a

    digitalizao da informao e da produo cultural, miditica, houve

    uma mudana na cultura tecnolgica do homem que propicia novos

    rumos para uma arte fluida, atualizvel, autogestora, imprevista,

    mltipla e inclusiva.

    J o modelo de interatividade, para os engenheiros da computao,

    est baseado em um circuito cclico de estmulos, iniciado pelo

    homem, processado pela mquina e retornado ao homem. Cada ao

    desencadeia um processo que agenciado pela mquina e retornado

    ao homem como forma de resposta (visual ou auditiva). O usurio

    pode decidir interromper o ciclo ou repetir a ao ao infinito, a

    8MCLUHAN, Marshall. Os meios de comunicao como extenses do homem. So Paulo:Cultrix, 2002.

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    interatividade reside no fluxo bilateral das informaes, entrada e

    sada de dados.

    A conseqncia da modificao do fluxo de comunicao foi o uso

    distorcido do termo interatividade em relao aos computadores, em

    que vrios dispositivos comearam a serem considerados interativos

    como os cliques do mouse, movimentos capturados, teclados,

    atribuindo interaes fsicas com o mesmo sentido das interaes

    mentais. Os prolongamentos da interao humana exteriorizados

    pela tecnologia como os culos 3D, controles remotos, impressoras,

    teclados, botes e vrios outros, no podem ser confundidos com os

    processos de associao mental, interior, desencadeados por esses

    mesmos dispositivos.

    Descreveremos agora as principais caractersticas das novas mdias

    seguindo conceitos desenvolvidos por Lev Manovich sobre os

    princpios gerais de construo, distribuio e manipulao digital.

    Como as transformaes culturais ocorrem rapidamente, at os

    conceitos gerais podem ser reconfigurados. Destacamos cinco

    princpios ou tendncias encontrados nas mdias digitais.

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    1 . 2 R e p r e s e n t a o n u m r i c a

    A maioria dos objetos culturais criados em outras mdias podem se

    tornar numricos e conseqentemente modificados nos

    computadores como uma imagem escaneada, um som captado ou

    uma escultura mapeada em eixos 3D, ambos fazem parte das mdias

    digitalizadas. Imagens, sons, esculturas 3D e outras interfaces

    tambm podem ser criadas diretamente no computador com o uso

    dos programas (softwares) gerando o objeto sntese. De toda forma,

    so compostos por representaes binrias contnuas, criadas no

    computador ou configuradas pelo decodificador, como a imagem

    escaneada, que mapeia valores de cor encontrados no original. Isso

    acarreta importantes mudanas nas caractersticas do objeto digital.

    Uma que o objeto ser descrito numericamente, os valores fsicos

    (reais) so codificados em valores discretos (virtuais), entendidos

    somente pela mquina, podem ser combinaes de nmeros entre 0

    e 255, dependendo escala de cores, atribudos para cada tipo

    informao (cor). Se realizarmos esse processo de digitalizao em

    uma imagem monocromtica, 0 (zero) representaria a ausncia da

    cor, espao branco, e 1 (um) representaria a presena da cor, espao

    preto. Essas cores so distribudas em pontos regulares descrevendo

    uma minscula grade imaginria, composio informtica usada para

    representar a imagem virtual.

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    Ampliao de uma composio de valores numricos (0 e 1) seguida de sua representao visual.

    Como exemplo dessa codificao da informao podemos utilizar o

    cinema, considerando-o como a primeira nova mdia, por que para

    cada segundo de imagem projetada so utilizadas 24 amostras detempo (informao) compostas pela mquina em intervalos regulares

    e seqenciais, gerando os fotogramas. Sensibilizados pela imagem

    real (luz) so armazenados na pelcula sensvel em forma de dados

    visveis. O aparato cinematogrfico escreve o tempo, quantificando o

    filme em nmeros contveis de fotogramas que revelam sua

    durao, dados discretos que somente o mesmo aparelho pode

    decodificar, projetando a informao gravada em uma tela.

    1 . 3 M o d u l a r i d a d e

    Este termo tambm pode ser entendido como estruturas fractais das

    novas mdias. Os elementos constituintes das novas mdias podem

    ser sons, imagens, vdeo, textos ou estruturas de programao

    compostas de outras finitas partes discretas, como pixels, polgonos,

    scripts, fontes etc. Esses elementos podem ser combinados em um

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    objeto das novas mdias, como CD-

    ROMs ou DVDs, e manter sua

    caracterstica como linguagem

    distinta; vdeos, textos, desenhos e

    imagem compostos em uma

    estrutura de hiperlinks. A Internet tambm um exemplo desse

    macro-objeto que abriga micro-estruturas, na Internet todos os

    objetos esto interconectados em hipertextos que esto englobados

    no hiperdocumento. Os novos objetos de mdia consistem de

    elementos independentes e cada elemento consiste de outros at

    chegar menor escala da representao, os tomos digitais:

    pixels, pontos 3D, vetores ou famlia de fontes. Essa estrutura

    modular faz com que os processos de construo, como uma pgina

    da Internet, sejam facilmente executados. Colocar, trocar ou excluir

    elementos uma tarefa rpida.

    1 . 4 A u t o m a o

    O processo de automao dos objetos um princpio que depende

    fundamentalmente dos dois princpios iniciais, codificao numrica e

    modularidade. Encontramos aqui certos parmetros que divergem do

    conceito original proposto por Manovich. Segundo sua teoria, a

    automao auxilia na criao dos objetos das novas mdias. De fato,

    se precisarmos executar tarefas cclicas, essa automao pode

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    perfeitamente funcionar. Por exemplo, temos o tratamento

    seqencial de vrias imagens removendo seus rudos e diminuindo

    seu tamanho em pixels, ou tarefas iniciais de criao de modelos em

    3D a partir dos modelos automticos embutidos como os primitivos,

    esferas, cubos, etc. Outras possveis utilizaes so aplicadas na

    automao comercial (bancos, fbricas, supermercados),

    reconhecimento automtico de caractersticas (cdigo de barras,

    cartes) e Internet (comrcio eletrnico e busca de informao).

    Mas se utilizarmos a automao para criar produtos culturais, devido

    s facilidades de uso somadas ao prazo comercial, como o uso

    automtico e prtico dos plugins ou rotinas de pacotes de efeitos,

    podemos cair no abismo da homogeneizao da imagem digital, onde

    todas as figuras geradas pelo idntico plugin, programa ou efeito

    ficam perceptveis por serem usadas da mesma forma no mundo

    inteiro. Se um milho de pessoas usarem o mesmo efeito no

    Photoshop, teremos um milho de imagens tratadas com o mesmo

    algoritmo, um milho de imagens que refletem o plugin e no

    proporcionam um novo objeto cultural. Essa criao de prottipos

    visuais pode ocorrer no s complugins de programas, mas tambm

    com outros dispositivos que se tornam automticos como o efeito

    Matrix, que capta sob vrios pontos de vista em um nico plano,

    gerando uma viso tridimensional do movimento. Esse efeito

    alastrou-se como uma epidemia em todos os objetos criados para a

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    propaganda de massa. A automao pode ser tambm

    homogeneizao, dependo do modo como aplicada.

    1 . 5 V a r i a b i l i d a d e

    Um objeto da nova mdia no pode ser rgido, determinado com

    parmetros restritos e imutveis. Velhas mdias envolvem um criador

    humano que manualmente combina linguagens em particulares

    composies ou seqncias. Essa composio colocada em um tipo

    de suporte que determinar sua representao at o fim desse

    objeto. As novas mdias, opostamente, so caracterizadas pelas

    variabilidades de diferentes representaes. Em vrias obras digitais,

    a seqncia estabelecida para a narrativa da histria pode ser gerada

    por uma programao que auto-organizar sua ordem, podendo ser

    realizada qualquer combinao, randmica, sem uma nica

    interveno do criador na obra ou objeto. Tornando-se

    extremamente varivel e singular, pois a cada participao se

    compe outra narrativa. Essa obra digital exposta em rede pode ser

    acessada e manipulada por vrias pessoas ao mesmo tempo, cada

    um com sua experincia individual. Outros fatores da variabilidade

    so a escala de representao, que modifica dependendo do aparato

    visual que o participante ou usurio dispor, monitor de 15 polegadas

    ou monitor de 21, telas com resoluo de 800X600 ou 1024X768.

    Como so representadas em bases numricas so facilmente

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    compostas em qualquer meio que possuir tal caracterstica, podemos

    transferir sem denegrir o contedo de uma obra digital em Zip-

    drives, CDs, DVDs, Internet, visualizada em monitores ou projetada

    por teles.

    Alm de todos esses aspectos, as novas mdias podem ser

    construdas de maneira a oferecer diferentes interfaces para cada

    usurio. Essa interface programada de forma a consultar um banco

    de dados com as diversas formas de linguagem, textos, sons e

    imagens, dispondo especficos elementos de acordo com as opes

    escolhidas, construindo uma interface individual. Quanto maior for o

    banco de dados, maior a variabilidade da nova mdia.

    Outras formas de proporcionar a variabilidade nas novas mdias so

    as peridicas atualizaes updates, que adicionam recursos que so

    desenvolvidos depois da concepo final da mdia. A maioria dos

    stios na Internet atualizada, gerando e armazenando novos

    contedos com o decorrer do tempo. Stios dinmicos como os de

    informao minuto a minuto so atualizados constantemente

    graas automao. Agora at os DVDs cinematogrficos contero

    atualizaes dos extras que podem ser realizadas pela Internet.

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    1 . 6 S i m b i t i c a

    O conceito de simbitica mais o resultado provocado pela evoluo

    da tecnologia cultural que uma qualidade definidora das novas

    mdias. Manovich9 propem que seja um quinto princpio,

    qualificando como um fator definidor, caracterstico que

    transcodifica10 a cultura proporcionada pelas novas mdias para a

    cultura do homem. Propomos que o conceito da simbiose seja uma

    mudana cultural provocada por uma co-evoluo da tecnolgica das

    mdias e do homem. A simbiose cultural, biomecnica, trata da

    influncia da ontognese (a cultura do homem) na infognese (a

    cultura informtica). O termo simbiose foi criado por Anton de Bary e

    Jel de Rosnay11acrescenta outras possveis formas em que podem

    ocorrer simbioses, sendo desde ento, amplamente utilizado na

    linguagem moderna para designar uma simples associao bem

    sucedida entre animais, indivduos, organizaes, sistemas e

    mquinas que proporcionam vantagens mtuas para os parceiros.

    Tais associaes criam-se pelo jogo de co-evolues que podem ser

    no-lineares. A totalidade simbitica maior que a soma das partes.

    Essa especificidade revela que a simbologia criada pelo homem

    comea a ser transformada pela simbologia criada com o uso do

    9MANOVICH, Lev. The language of new media. Cambridge: Ed. MIT Press, 200110O tremo transcodificao, segundo dicionrio Aurlio, significa: [De trans-+ codificar.]V.T.D. 1. Passar de uma forma de cdigo para outra: transcodificar uma mensagem. T.D.e i. 2. Telev. Passar (vdeo) de um sistema de cor para outro: transcodificar do sistema

    PAL para o sistema NTSC.11ROSNAY, Jel. O homem simbitico. Rio de Janeiro: Editora Vozes, 1997.

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    computador. Entendemos as imagens pelos seus significados,

    formas, cores, composies, etc; j o computador processa as

    imagens de acordo com suas representaes numricas, traduzindo

    em pixels, vrtices e outros tomos informticos. Assim como o

    efeito cultural do cinema transformou a cultura do homem, criando

    novas linguagens, espaos, gerando novas formas de padronizao

    intelectual, misturando-se com nosso cotidiano, o computador

    tambm afeta nossos modos de compreenso e utilizao da

    realidade. As unidades de medida do virtual como os megapixels,

    dpi, razes de aspecto (800X600 ou widescreen) somam-se a outros

    padres como os conceitos de copiar e colar, deletar, etc. Birs-

    digitais, jogos em rede, comrcio-eletrnico, sexo digital, bio-robs e

    outras criaes do homem informtico deixam de ser fantasias para

    se tornarem realidade.

    Um dos crticos mais contundentes da evoluo tecnolgica

    apresentada pelo homem moderno Paul Virilio12. Denunciando o

    estriamento do espao geometafsico, a padronizao dos objetos e a

    sincronizao das emoes causadas pelas tecnologias da

    telecomunicao, principalmente a TV. Virilio tambm aponta os

    vrios perigos do descontrole da sociedade tecnolgica. Criticado por

    muitos como apocalptico Virilio somente nos mostra a mudana da

    conscincia informtica na sociedade tecnolgica, preferindo que o

    12VIRILIO. Paul.A Bomba da Informtica.So Paulo: Ed. Estao Liberdade, 1999.

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    homem controle de forma adequada a tecnologia. Outra forte crtica

    s sociedades tecnolgicas foi elaborada por Luiz Nazario, que

    sustenta que a cincia avana atualmente sem os obstculos antes

    impostos pela tica e pela religio, reduzindo a necessidade do

    esforo fsico e ampliando o lazer a tal ponto que a humanidade

    tornou-se incapaz de acompanhar a evoluo das novas tecnologias,

    que passam a produzir quimeras e clones13.

    Verdadeiro apocalptico, contestador da teoria positivista da

    tecnologia, baseado tambm no descontrole das tecnologias e

    estruturas modificveis como os pixels, os tomos e DNAs, o

    professor americano Teodore Kaczynski. Segundo seu manifesto14; se

    o sistema tecnolgico sobreviver ele poder atenuar os sofrimentos

    fsicos e psicolgicos, como doenas, degeneraes e deficincias

    providas das microestruturas. Mas somente alcanar isso se os

    seres humanos se tornarem subprodutos da engenharia gentica ou

    meros autmatos do mecanismo social; se este sistema existir, no

    haver forma de reform-lo ou modific-lo para evitar que prive as

    pessoas de dignidade e autonomia. O termo apocalptico que usamos

    para adjetivar o professor Kaczinski deve-se forma que usou para

    impor suas teorias; explodindo pessoas estratgicas, inimigas,

    tornando-se mundialmente conhecido como Unabomber. Logo

    13 NAZARIO, Luiz. Ps-Modernismo e Novas Tecnologias. In: O Ps-modernismo. So

    Paulo: Editora Perspectiva, 2003 (no prelo).14http://www.soci.niu.edu/~critcrim/uni/uni.txt

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    proliferou uma multido de neoluditas que fomentaram o movimento

    de intolerncia tecnologia. Kirkpatrick Sale, o destruidor de

    computadores autoproclamado lder do "neoludismo" (herdeiro do

    movimento de desempregados ingleses que, entre 1811 e 1813,

    quebravam mquinas em protesto contra a revoluo industrial),

    compartilha esse mal-estar em relao sociedade moderna. Para

    ele, "a civilizao catastrfica porque destri a si mesma e o

    ambiente natural", e "o uso da cincia e das suas tecnologias um

    atentado Natureza, uma tentativa de criar uma natureza

    tecnolgica, de modo que a humanidade possa controlar todas as

    coisas". Do Unabomber, Kirkpatrick s discorda quanto aos

    "mtodos", porque "a inteno boa".

    Ao mesmo tempo surgiram outros movimentos como os tecno-

    rebeldes15, cyberpunks, hackerse crackers. Esses ltimos promovem

    a socializao da informao (decodificando cdigos, destravando

    DVDs, criando sistemas operacionais gratuitos) e tambm sua

    desmistificao, mostrando a fragilidade do sistema atravs do uso

    da engenheria social16 (obter informaes de terceiros, enganando-

    os) ou do envio de vrus digitais e outros mtodos danosos

    sociedade informatizada.

    15TOFFLER, Alvin.A terceira onda. Rio de Janeiro: Ed. Record, 1980, p.158.16 VAZ, Ary. Engenharia social in: Geek tecnologia, informtica e comortamento.Digerati editorial, ano II, vol.11, 2001, p.64.

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    2 I N T E R F A C E S

    O mundo das interfaces o reino privilegiado da

    nova arte, no somente porque ele constitui um

    ambiente acessvel pesquisa, mas porque ele

    representa uma metfora dos sentidos. Com nossas

    mos, nossos ouvidos, nossos olhos, e outros canais

    de ao e sensao, ns entramos em contato com o

    mundo, essas so as relaes s quais os artistas

    prestaram mais ateno desde o surgimento da arte.

    Derrick de Kerkchove

    2 . 1 R e v e l a n d o a i n t e r f a c e - M a r c e l

    D u c h a m p e o o b j e t o

    Em meados de 1913 ocorreu uma mudana que abalou os

    paradigmas vigentes na poca sobre as relaes definidoras do

    conceito e da criao de arte. Marcel Duchamp usou objetos

    comuns ou cotidianos manufaturados deslocando-os do seu

    contexto de origem, a fbrica, inserindo-os em outro contexto, os

    museus. O mictrio, elemento comum, foi rotulado como A fonte

    (1912-1915) e deslocado para um novo ambiente, uma exposio

    internacional de arte. Este simples deslocamento do objeto

    produziu uma descaracterizao, deixou de representar ou

    caracterizar aquilo que era pr-concebido para

    fundar outra concepo. Duchamp dessa forma

    revelou uma das inmeras interfaces

    escondidas, expondo o objeto fora do seu

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    contexto preconcebido. Seus ready-mades (objetos prontos)

    contestaram o conceito de arte e outros padres vigentes na poca,

    desmistificando a arte. De forma irnica questionou quase todos os

    padres scio-culturais de cunho essencialistas17.

    Em 1913, Duchamp proclamou: A arte no mais que um cdigo,

    uma conveno18. Os ready-mades apresentavam um novo

    conceito, uma nova interface, que exposta no museu tornava-se

    participativa, o ndice da mudana dos paradigmas estticos e

    tcnicos. Desse modo, ele deixava para o pblico a concluso da

    obra, que no simplesmente forma, e sim conceito. A interface do

    objeto deslocado opunha-se s suas caractersticas superficiais

    (formas) escondidas e suprimidas pela formao padronizada dos

    conceitos.

    Duchamp, na poca aliado ao movimento dadasta, procurou

    tambm nivelar19uma ordem de valores institudos entre as partes

    constituintes de uma obra artstica (autor-obra-espectador), que

    eram antes hierarquizadas. Seus objetos eram considerados

    dispositivos de raciocnio, mquinas de pensar, pois no tinham a

    17 Essencialismo: posio filosfica que considera fundamental a essncia, e que afirmaque a existncia tem sua razo naquela.18RUHRBERG, Karl. Lart au XX sicle. Paris: Taschen, 2000, p.457.19Destacamos a palavra nivelar, colocada pela caracterstica de igualdade entre autor-obra-espectador, para retificar que esta posio no totalmente nivelada, uma vez quesempre existir um proponente ou criador de algo que outros participam e criam. Umaobra concebida pelo(s) criador(es) apresenta aberturas que so espaos reprogramveis.

    Porm sempre h um idealizador, mesmo que este no seja quem fez a obra, estacreditar algum nome.

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    inteno de definir ou representar, eram combinatrios.

    Encontrados no cotidiano, seus objetos reduziam o statusdo artista

    que produzia a obra nica.

    Marcel Duchamp, O Grande Vidro, 1915 /1923.

    Assim como a fotografia libertou a pintura da representao

    realstica das formas naturais, delegando seu poder de registro do

    real, Duchamp libertou a arte das composies visuais,

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    bidimensionais, do quadro, para os objetos e instalaes, iniciando

    os mecanismos cognitivos da arte conceitual.

    Tanto para o espectador quanto para o artista, a obra de arte se

    instaura como interface quando afirma sua condio de elemento

    mediador entre experincias que podem ser pessoais e coletivas. O

    autor coloca o espectador para atuar entre as informaes

    sensoriais, estados e tenses que a forma agencia. Uma pintura

    bidimensional tambm uma interface que agencia a interpretao

    do espectador com a expresso do realizador.

    Segundo Paternostro20, as interfaces so sentidas e entendidas

    como entidades que se interpem entre dois ou mais dispositivos ou

    agentes, regulando sua interao, no ficando restritas relao

    entre computadores e usurios. Qualquer mediador entre processos

    (aos quais dispositivos ou agentes estejam relacionados) que

    definem as condies para ocorrer a ligao entre dispositivos e

    agentes, pode constituir uma interface.

    Uma torneira uma interface. O cabo de uma panela, o

    departamento de relaes pblicas de uma empresa tambm .

    Mas, usualmente, damos o nome de interface a estruturas ou

    dispositivos de alta tecnologia, tais como painis de instrumentos,

    20 DUARTE, Claudia. Marcel Duchamp, olhando o Grande Vidro como interface. Rio deJaneiro: Marca dgua Livraria e Editora, 2000, p.10.

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    teclados, protocolos de comunicao ou, ainda, programas de

    computador especializados em transformar a representao de

    informaes, tendo em vista facilitar o trabalho do usurio.

    As interfaces agenciam todo o tipo informao. Em todas sua

    formas de representao, seu sentido no a soma dos dispositivos

    ou das superfcies de contato, e sim uma forma de interpretao,

    indeterminvel e personalizada, pois cada observador tem sua

    bagagem cultural que pode interferir na sua relao com as

    interfaces.

    Uma pessoa habituada a uma interface de um painel de controle de

    avies pode ter dificuldades em outras interfaces como a de um

    fogo. Cada suporte ou espao permite formas, usos e conexes de

    diferentes modos da sua interface. Podem ser intercambiveis e

    interconexas, dependo da superfcie dos objetos ou relaes que

    elas compem. Duchamp usou uma cadeira e uma roda de

    bicicletas para compor uma terceira e nica interface, da qual no

    existia ainda nenhuma similar no ambiente.

    Cada interface tem seu tempo de aprendizado, o reconhecimento, a

    familiaridade podem tambm ser parte da causalidade. Ou seja,

    aprendemos a manipular interfaces desde criana e vamos sempre

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    encontrando novas a serem exploradas para serem reconhecidas,

    familiarizadas.

    Piaget formulou a hiptese de que os bebs aprendem o conceito

    de causalidade percebendo que podem ter uma experincia direta

    na manipulao de objetos (interfaces) ao seu redor puxar

    cobertas, atirar suas mamadeiras, derrubar brinquedos gestalts,

    experincias21.

    Como todo o processo de aprendizagem agenciado por interfaces,

    nossa cultura o faz a partir da interao, ou seja, projeta extenses

    sensoriais no universo da tecnologia externa em diferentes

    interfaces. Como exemplo podemos citar: lunetas (viso), controles

    remotos (tato), fones de ouvido (audio).

    Em seu sentido mais simples, infogrfico, a palavra interface refere-

    se a softwares que do forma interao entre usurio e

    computador. A interface atua como uma espcie de tradutor,

    mediadora entre as duas partes, tornando uma sensvel para a

    outra. Principalmente nessas interfaces, existem certos conceitos

    responsveis pela idia da interface utilitria, amigvel, que orienta

    e define as condies de atuao do usurio, colocando seus limites

    21 LAKOFF, George e Mark Johnson. Metforas da vida cotidiana. So Paulo: EDUC -Editora da PUC-SP, 2002, p.150.

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    para a obteno de resultados j previstos pelo criador. Estabelece-

    se, assim, uma forma homognea, padronizada de relaes com

    interfaces que nos leva ao automatismo. Era sobre essa relao

    utilitria a crtica mais contundente da obra de Duchamp.

    As proximidades dos trabalhos artsticos e interfaces utilitrias

    ficam evidentes quando o olhar que os entende, tanto em relao

    sua forma, quanto em relao ao seu conceito, torna-se ambguo

    entre os diferentes objetos. Isso aparece quando as obras de arte

    se incorporam ao cotidiano como interfaces utilitrias e tambm

    quando os objetos do uso cotidiano invadem o repertrio da arte.

    Citamos como exemplo de arte-utilitria o incio da fotografia que,

    alm de ser objeto cientfico e artstico, serviu tambm como

    gadget (souvenir). No caso da interface infogrfica, a utilizao dos

    objetos cotidianos na forma de cones, smbolos e metforas visuais

    do real, que estruturam nossa forma de pensar e agir no ambiente

    virtual, misturam-se ainda mais com os trabalhos artsticos, que

    tambm possuem suas metforas visuais, por que tudo simulado

    e criado com a mesma matria, a informao digitalizada.

    A cincia e as tcnicas mudam os processos de pensamento ligados

    produo artstica, condicionando - em alguns casos, de maneira

    mais intencional do que em outros os resultados. A arte se

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    alimenta das tecnologias, elaborando-as e realimentando-as, mas

    no se confunde com elas22.

    Esta posio a que se refere Cludia Duarte acolhida tambm por

    outros criadores, que no consideram a tecnologia como forma de

    arte. Jlio Plaza, professor e artista plstico, nos oferece um outra

    percepo:

    Sendo a tecnologia um produto da cincia, ou melhor, a arte

    aplicada da cincia, o artista trabalha sua potica singular e

    inderteminada em relao ao hipercodificado e fortemente

    determinado instrumento tecnolgico, ele tem de ter um domnio e

    conhecimento das leis que regem as suas criaes junto com a

    acuidade perceptiva ou raciocnio perceptual. Assim, as criaes

    com as tecnologias devem estabelecer um compromisso

    harmonioso ente norma e forma vencer o tpico que constitui o

    domnio essencial da tcnica23.

    J em 1839 o pintor Utrillo24 produzia suas fascinantes vistas de

    Paris atravs de postais fotogrficos; o pintor usava um registro

    tcnico como forma de percepo, onde cada ponto do desenho

    correspondia a cada ponto da fotografia e no o ponto

    22 DUARTE, Claudia. Marcel Duchamp, olhando o Grande Vidro como interface. Rio deJaneiro:. Marca dgua Livraria e Editora, 2000, p.18.23PLAZA, Jlio; TAVARES, Mnica, Processos criativos com os meios eletrnicos: poticasdigitais. So Paulo: Ed. Hucitec, 1998, pp. 11-12.24BENJAMIN, Walter. Obras escolhidas: Magia e tcnica, arte e poltica.So Paulo: Ed.Brasiliense, 1993,p.93.

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    correspondente ao real. A pintura impressionista utilizava-se do

    gro revelado pela fotografia para seu pontilhismo visual; os

    artistas criaram as unidades atmicas dos tons regidas por regras

    de combinao ptica. J a arte do movimento futurista utilizava-se

    das pesquisas de registro do tempo como a cronofotografia

    pesquisada por Etienne Jules Marey.

    Etienne Jules Marey, Homem descendo uma rampa inclinada, 1890.

    Marcel Duchamp, Nu descendo a escada, 1912.

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    Nestes movimentos artsticos ainda possvel haver certa distino

    entre a arte produzida e a tecnologia utilizada, mas no cinema e na

    prpria fotografia j no distinguimos mais o que material

    artstico e o que tecnologia. Na fotografia e no cinema, a arte o

    conceito, a forma elaborada na mente do fotgrafo ou diretor e

    registrada pela tcnica da mquina. Mas a codificao dos

    pensamentos em obras, realizada por inmeras tcnicas, como a

    escrita, pintura, escultura, quadrinhos, CDs, so tambm

    conceituais, como o exemplo da Fontede Duchamp, que externaliza

    esse conceito em sua forma mais pura.

    O abandono da representao das aparncias fsicas, sempre

    mutveis, de objetos especficos em busca das formas invariveis,

    das leis formais para os conceitos abrangentes, das formas

    geomtricas subjacentes s formas aparentes, considerado uma

    opo da arte moderna que comeou vagarosamente e ficou cada

    vez mais radical. A opo analtica da arte moderna.

    Obras abstratas no podem escapar de ser uma rplica de leis

    gerais e princpios ainda mais abstratos que lhes so subjacentes,

    o modo como a linguagem visual passou a ser produzida

    contemporaneamente, atravs dos processos de sntese dos

    computadores, acabou por levar a visualidade para bem perto das

    bases matemticas que os artistas partiam. De Max Bill a Le Witt,

    deste para Moholy-Nagy, a sintaxe lgica da arte levou ao limite o

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    processo de formalizao da linguagem artstica iniciado por

    Seurat e Czanne25.

    Segundo Jlio Plaza26arte e tecnologia no evoluem, o que existe

    so cruzamentos intertextuais entre cincia e arte. Uma se

    alimentando da outra sem prejuzo para ambas. A simbiose aqui

    tambm aplicada aos gneros culturais, proporcionando novos

    espaos de ao, inmeras snteses. Duchamp provou que qualquer

    objeto pode ser arte, desde que contenha o dispositivo gerador de

    discusso, inquietao e comunicao realizada para contestar

    nossa compreenso da realidade. Falava-se da arte ptica, cintica

    gerando outras como o cinema e a vdeo-arte; agora j se fala em

    info-esttica, digital-arte, web-arte e game-arte. A arte no tm

    compromisso com a verdade e sim com a estesia ou sensibilidade

    (algo instvel). Assim, a arte se mostra mas no demonstra.

    Segundo Jlio Plaza, a pergunta no se as tecnologias so ou no

    arte. A questo correta seria: o que as tecnologias fazem com a

    arte? Ou como os produtores artsticos se colocam diante desse

    fenmeno? Estamos, sem dvida, diante de um novo paradigma, no

    qual os repertrios antigos no servem para o abordar. O conceito

    25SANTAELLA, Lucia. Matrizes da Linguagem e pensamento. So Paulo:Ed. Iluminuras,2001,p. 224.26PLAZA, Jlio; TAVARES, Monica.Processos criativos com os meios eletrnicos: poticasdigitais. So Paulo: Ed. Hucitec, 1998, p.8.

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    de saber, criao, arte, nas sociedades gutemberguianas no

    mais o mesmo na era da sociedade ps-industrial.

    Jean Tinguely e sua Mquina (1968) no Eindhoven Van Abbemuseum.

    As linguagens de comunicao humana multiplicaram-se no

    decorrer dos sculos. O mensageiro cedeu carta; esta cada vez

    mais substituda pelo telefone e este pelo e-mail. O desenho est

    sempre transformando-se em paralelo com a cincia existente em

    seu tempo, dela dependendo para poder desenvolver sua linguagem

    e seus espaos de comunicao ou superfcies para ser

    representado. Cada novo meio, tecnologia, um novo espao de

    ao. Com o computador, a forma do desenho ganhou outro espao

    de representao e reproduo, a tela do monitor.

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    No incio do Sculo XX, a pintura era a tcnica de representao

    visual mais utilizada pelos artistas. Posteriormente, a fotografia

    passa a cumprir esse papel e a criticar a pintura. Quando a

    fotografia e o cinema se tornaram espaos de ao bastante

    utilizados pelos artistas, surgiu a televiso que questionou e

    apropriou as mdias anteriores. Com a digitalizao das mdias, o

    computador inclui as outras artes em seu repertrio de ao e

    torna-se o espao mais utilizado. O elemento binrio a estrutura

    homognea que pode ser distribuda por qualquer forma (satlites,

    ondas de rdio, cabos) e manipulada em qualquer mquina

    (cmeras fotogrficas, filmadoras digitais, discos de

    armazenamento, celulares, pagers), no se limitando aos

    computadores.

    Como escreveu o semilogo Gian Franco Bettetini,

    o usurio de computadores interage com o sistema segundo

    possibilidades que so pr-ordenadas e definidas; o resultado da

    interao, porm, no totalmente previsvel. O usurio de fato

    opera uma srie de escolhas que, em sucesso, geram um produto

    novo e do ento origem a uma situao no totalmente pr-

    codificada: os percursos so pr-ordenados, os resultados, ao

    contrrio, dependem de operaes que vo sendo pouco a pouco

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    realizadas pelo usurio e conservam ento uma ampla margem de

    imprevisibilidade em suma, uma espcie de processo em devir27.

    Neste sentido, no final de um conjunto de interaes, mediadas

    pela interface simblica infogrfica, opera-se o mesmo processo que

    ocorre nas interfaces de outros tipos obras artsticas. Esse processo

    baseia-se nas trs categorias de pensamento pirceanas28 da

    primeiridade (sentimento ou sensao da interface), secundidade

    (interatividade com os elementos em um momento preciso) e

    terceiridade (o reconhecimento da experincia, soma das

    observaes e inter-relaes com a obra).

    A soma das experincias sinestsicas, estruturadas pela construo

    de parmetros, formam vrias compreenses da realidade. O

    cognitivismo inerente ao tipo de material fsico em contato.

    Podemos aprender e estruturar informaes atravs da subjetivao

    de vrios processos, como a observao de comportamento dos

    animais na natureza transformados em fbulas, disposio de

    objetos em determinados lugares como links, simulaes em

    computador como experincia psicolgica, discusses em chats

    como aprendizado em grupo, matemtica em Cds de games

    27PARENTE, Andr. Imagem Mquina- A era das tecnologias do virtual.. Rio de Janeiro:Ed.34, 1993, p.70.28SANTAELLA , Lucia. Matrizes da Linguagem e pensamento. So Paulo:Ed.Iluminuras,

    2001,p.34.

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    infanto-juvenil, histria no cinema, conceitos em livros, interagindo

    com obras e objetos, smbolos e cones, reais ou virtuais.

    Isso ocorre porque nos comunicamos com o uso de apenas trs

    matrizes de linguagem e pensamento - verbal, sonora e imagtica29

    - encontradas em qualquer objeto construdo pelo homem,

    manifestando-se em cada superfcie e interface diversamente, se

    hibridizando, interconectando, sintetizando com outros objetos.

    Retomando os pensamentos de Jlio Plaza30, as novas infografias

    ampliam, incluem, conservam e transmitem todas as iconografias

    artesanais e indusriais que servem ao conhecimento e tambm

    como difuso cultural. Assim as relaes entre arte e tecnologia se

    pautam por duas atitudes: a) tecnologia como arte, que reflete

    uma postura quantitativa e conservadora; b) arte como

    tecnologia, que possui um carter qualitativo e inovador.

    29 SANTAELLA, Lucia. Matrizes da Linguagem e pensamento. So Paulo: Ed.Iluminuras,2001.30PLAZA, Jlio; TAVARES, Monica.Processos criativos com os meios eletrnicos: poticasdigitais. So Paulo: Ed. Hucitec, 1998, p.29.

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    2 . 2 I n t e r f a c e s D i g i t a l i z a d a s

    2 . 2 . 1 A I n f o g r a f i a e s e u s p r o l o n g a m e n t o s

    Ilustrao do MEMEXde Vannervar Bush.

    Em 1833 Charles Babbage com sua mquina Analytical Engine j

    realizava anlises de dados baseadas em cartelas perfuradas

    demonstrando a preocupao da poca com o mapeamento e

    armazenamento da informao. O MEMEX (memory extension)

    aparelho descrito por um cientista militar chamado Vannevar Bush,

    em seu ensaioAs We May Think(1945) foi um desses dispositivos

    imaginados para manipular dados. O MEMEXpossua uma interface

    que tambm armazenava e visualizava dados e permitia ao usurio

    abrir caminho atravs de comandos, elos de associao em

    grandes bancos de dados existentes, neste caso textos ou imagens

    microfilmados. Seria um pouco semelhante aos navegadores de

    web atuais. Bush baseava-se na hiptese de que nossa mente

    trabalha por associaes espao-temporais.

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    Relevante na teoria do mapeamento espao-informao o nome

    do primeiro visionrio responsvel pelo incio dessa pesquisa na

    interface infogrfica, Doug Engelbart. Em meados do final da 2

    Guerra Mundial, trabalhando na empresa de computao

    Augmentation, ele colocou em prtica as premissas de Bush. Seu

    objetivo era dar ao homem ferramentas que pudessem auxili-lo

    nas operaes mentais. Um de seus projetos Augment- propunha

    um auxlio para os cientistas da informao, termo ainda no

    existente na poca, tentando expandir os potenciais da cognio

    humana.

    Na dcada de 1960, Engelbart mostrou suas idias sobre o

    mapeamento da informao como concepo e representao visual

    metafrica. As pastas (folders) enquanto cones funcionais foram

    imaginadas por ele, como locais de armazenamento de informao

    que, como no mundo real, guardavam textos, planilhas e vrios

    outros tipos de informao impressa. Nessa apresentao ficou

    claro que as caractersticas representacionais e adjetivas dos cones

    virtuais foram concebidas a partir das funes dos mesmos

    elementos no ambiente real de trabalho.

    Metforas visuais de pastas.

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    O cone da pasta, grafismo que possui semelhana visual com o

    referente do mundo real, retm virtualmente suas caractersticas

    funcionais bsicas do real, como a de armazenar outros materiais

    impressos. Isso facilita o aprendizado por lgica de assimilao, que

    se caracteriza pela transferncia da nossa experincia com o objeto

    no mundo real para o objeto representado no mundo virtual.

    Na poca em que ocorriam estes avanos na representao visual

    de informao, a ideologia dominante nas linguagens infogrficas

    era a interface dos comandos de linha, textos seqenciais escritos

    em linguagens como o MS/DOS, muito especficos e rgidos, sendo

    poucos os capacitados a produzirem algo complexo no computador.

    Engelbart e outros como Ivan Sutherland foram responsveis pela

    criao de importantes interfaces de manipulao e mapeamentos

    de dados, entre as quais o mouse, o teclado, a caneta ptica e

    outros.

    A metfora do Desktop(rea de trabalho) define-se pela disposio

    grfica dos cones na tela do computador e pelas funes que cada

    cone ter em relao ao ambiente criado, que no caso a rea de

    trabalho. Os vrios cones da rea de trabalho: lixeira, pastas,

    arquivos de textos e imagens somados com sua estrutura

    armazenamento em profundidade e as aes realizadas como

    cortar, colar, limpar a lixeira, formam um todo visual e funcional,

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    transpondo modos de ao praticados com objetos reais em

    operaes realizadas no modo virtual, estruturando nosso

    comportamento ao conceber uma coisa (no espao virtual) em

    termos de outra (no espao real).

    Computador pessoal da Apple.

    Com o mapeamento da informao digital, o entendimento e a

    utilizao dos computadores foram tambm expandidos. A metfora

    proporcionou uma experincia mais intuitiva. Se uma pessoa sabia

    organizar e revirar papis em sua mesa de trabalho, poderia

    facilmente usar um computador. Os chamados personal computers

    (PC) comearam a ser ento fabricados. O primeiro fabricante a

    construir computadores com interface grfica usando mapeamento

    de dados como metfora do desktop foi a Apple, com o Macintosh,

    ainda com escassos recursos diante dos computadores atuais.

    No decorrer das pesquisas e com o grande aumento dos

    investimentos na rea, a metfora do desktop foi difundida e aceita

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    de maneira universal. To assimilada que dificilmente refletimos

    sobre sua existncia:

    possvel afirmar que essa foi a deciso de design isolada mais

    importante da ltima metade do sculo, tendo alterado no apenas

    nossa percepo do espao de dados como tambm nossa

    percepo dos ambientes do mundo real. Numa era da informao,

    as metforas que usamos para compreender nossos zeros e uns

    so to centrais, to significativas, quanto as catedrais da Idade

    Mdia. Em nossas prprias vidas, agora, giramos em torno de um

    texto mais prosaico: o desktop do computador. Compreender as

    implicaes dessa metfora sua genialidade e suas limitaes

    a chave para compreenso da interface contempornea31.

    O fato de possurem uma interface amigvel gerou diversas

    polmicas entre os programadores de linhas de comando, assim

    como entre os intelectuais que criticavam a facilidade de criao, os

    programas prontos, fceis de operar e que no exigiam, e ainda no

    exigem, grandes conhecimentos tcnicos especializados da parte de

    quem os usa, gerando frases como: agora ficou fcil; com o

    computador, qualquer um pode fazer msica ou criar obras de

    arte.

    31JOHNSON, Steven. Cultura da Interface. Rio de Janeiro: Ed. Jorge Zahar, 2001, p.38.

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    Escreveu Arlindo Machado:

    A possibilidade de produzir arte foi colocada nas mo de todos, mas

    isso no quer dizer que todos possam faz-la; apenas mudou o tipo

    de aptido necessria para se criar a partir de mquinas de

    produo simblica. Uma vez que a obra nasce agora do trabalho

    cognitivo do artista, a sua execuo seja manual ou tcnica, torna-

    se irrelevante talvez seja mais acertado acreditar que a

    verdadeira arte de nosso tempo duplamente motivada pelatcnica e pelo imaginrio, nascendo, portanto, de um dilogo

    produtivo que o artista-engenheiro trava com a mquina.32

    Alm das metforas da interface infogrfica, o computador possui

    tambm outros prolongamentos que so caracterizados como

    dispositivos de entrada (input) e sada (output). Impressoras,

    teclados, mouse, cmeras, microfones, etc. So mecanismos que

    ampliam a capacidade de criao, reproduo e armazenamento da

    informao. Dentre esses prolongamentos, um dos mais

    importantes o monitor ou tela, responsvel pela visualizao dos

    dados. Poderamos dizer que a tela ou monitor representam

    visualmente de modo satisfatrio todo o material digital, exceto a

    leitura de textos que geram incmodos visuais, pois o papel reflete

    luz e os monitores emanam luz em freqncias pr-definas. Este

    32MACHADO, Arlindo. Mquina e imaginrio. So Paulo: Ed. EDUSP - Universidade de SoPaulo, 2001, p.16.

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    desgaste com a leitura um ponto crucial na publicao de textos

    digitais, o prazer de ler um livro real no substitudo pela sua

    simulao digital, o e-book.

    2 . 2 . 2 A m b i e n t e s d e i m e r s o e o

    a p r e n d i z a d o p o r s i m u l a o

    Desenho sobre ambiente de manipulao sinestsica.

    Em 1849, Richard Wagner, compositor de pera alemo, escreveu o

    ensaioA obra de arte do futurodefinindo uma sntese artstica que

    operaria como interface-objeto de unificao de toda a arte.

    Acreditava que o futuro da msica, do teatro, e de toda a arte,

    fariam parte de uma juno (Gesamtkunstwerk), ou obra de artetotal, uma fuso de toda a arte, nunca imaginada, em tal

    proporo, desde o perodo grego. O Festpielhaus, teatro aberto em

    1876 em Bayreuth, na Alemanha, era o lugar onde Wagner aplicava

    suas inovaes opersticas, como a Darkering the House, uma casa

    sonoro-imersiva desenvolvida em surround, vrias caixas acsticas

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    eram separadas e dispostas espacialmente produzindo

    reverberaes de som ttil-sensveis, semelhante ao sistema de

    cinco ou mais canais de som (Dolby, THX) montados nos cinemas.

    Uma outra caracterstica interessante do seu espao foi a

    reutilizao da arquitetura grega do teatro antigo, sendo um de

    seus atrativos principais. Esse espao hbrido aproximou a pera

    com experincias de realidade virtual, percepo por simulao,

    imersos no imaginrio humano desde ento.

    Desde o princpio da existncia da cultura humana, esto presentes

    os processos de subjetivao; realizados com vrias tecnologias,

    como os desenhos nas cavernas, esses processos so considerados

    os primeiros indcios de imerso. Essa capacidade de imerso foi

    ampliada com a construo de outras tecnologias como o cinema e

    a TV que foram fundamentais para a construo dos monitores de

    computador e dos ambientes de realidade virtual. Alm da

    padronizao dos monitores e TVs, causada pela proporo usada

    na tela do cinema e o advento do HDTV, televiso em alta definio,

    opera-se um encurtamento da distncia de visualizao entre o

    espectador e o dispositivo de projeo. Uma das principais

    condies para o mergulho em um ambiente imersivo, tambm

    tratado como semi-hipnose, segundo alguns psiclogos, advm da

    sala escura do cinema. A escurido, como no mito da caverna de

    Plato, leva hipnose em que a luz ou projeo a realidade

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    existente, guia, esclarecedora. Esse ambiente tecnicamente

    elaborado surgiu como diverso de massas e foi diminuindo

    segundo as tendncias do individualismo ps-moderno. Agora

    podemos encontrar esse ambiente propcio para imerses tambm

    em uma sala de estar com as luzes apagadas: o Home Theater.

    A seqncia do desenvolvimento tecnolgico da percepo foi a de

    aproximar o espectador ainda mais da tela de projeo, com o uso

    de culos especiais, que recebem as informaes digitais e simula o

    ambiente e/ou filme a ser projetado, como nas Cavernas Digitais.

    Esse fator decrescente das distncias de projeo cada vez mais

    acentuado e chega at em pesquisas atuais que utilizam lentes de

    contato como telas de visualizao, uma mnima distncia do

    crebro, o rgo gerencial das percepes.

    Na busca de construir ambientes e dispositivos reais de imerso,

    inicialmente estereoscpicos, ou seja, com profundidade e

    envolvimento surroundao redor do espectador, foi desenvolvido o

    Cinerama33em 1950, tendo como caracterstica principal a fuso de

    trs diferentes projetores em um nico campo de viso simulando

    um ambiente em trs dimenses. Esse processo, similar ao sistema

    de projeo Ominimax, onde so projetados filmes em uma doma

    33LAUREL, Brenda. The Art of Computer Interface. New York:Ed. Addison-Wesley, 1998,

    p.423.

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    hemisfrica que produz sensaes de imerso em 360. Em meados

    de 1960 surgiu o Sensorama, dispositivo inventado por Morton

    Reling que produzia efeito de simulaes multisensoriais por um

    sistema ptico de ponto de vista

    binocular e sons estreo. Era uma

    mquina em que o espectador se

    sentava e colocava a cabea em uma

    abertura onde via a tela para simular

    uma corrida de moto, filmada em

    diversos pontos de vista e projetada

    em duas telas justapostas.

    Paralelamente ao desenvolvimento da tecnologia de imerso, j

    treinvamos nossas mentes para uma outra caracterstica

    importante no desenvolvimento dos ambientes virtuais, a

    manipulao de objetos inexistentes ou calculados. A forma

    introdutria foi o videogame ou jogos virtuais, em que escolhemos

    avatares para se movimentar em um mundo virtual de simples

    escolhas e combinaes repetitivas. Sua evoluo mais importante

    aconteceu com o sucesso da utilizao da metfora do desktop na

    manipulao das informaes virtuais, que ocorreu devido a um

    processo de iconizao do espao real no espao virtual,

    digitalizando os objetos que conhecemos: lixeiras, pastas etc,

    gerando interfaces familiares, cotidianas que facilitam a percepo e

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    a manipulao dentro do computador.

    Como processo inverso metfora do desktop, que a

    interiorizao do espao real no digital, manipulado no ambiente

    real pelo monitor, concretizou-se uma idia surgida pelo

    mapeamento do espao-informao, a da exteriorizao dos

    processos mentais em ambientes nos quais nos comunicamos

    controlando as operaes da mente projetadas em ambientes

    virtuais. A Realidade Virtual (RV) teve um pioneiro, Ivan

    Shuterland, que em meados de 1960 inventou um dispositivo

    montado na cabea que proporcionaria ao espectador a simulao

    do mundo virtual captando os movimentos realizados pelo corpo e

    os transmitiria a um computador que controlava a simulao.

    Em 1980, Jaron Lanier comeou a esboar seus desejos de tornar

    transparentes os modelos e operaes mentais construindo uma

    linguagem chamada de comunicao ps-simblica, sem linguagens

    ou smbolos utilizados em nossa atual comunicao. Chegamos

    perto de uma teoria da linguagem universal, espcie de esperanto

    visual que j foi levantada por pesquisadores da imagem em

    movimento. Eisenstein pretendia em seus filmes externar e

    controlar os pensamentos, para isso usou a dinmica da montagem

    ideolgica para compreenso dos sentidos universais. Baseava-se

    na juno de diferentes conceitos emanados de determinadas

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    imagens, tese e anttese, em que a concluso da seqncia

    encadeada, pr-programada pela montagem, seria a sntese

    realizada na mente do espectador. importante observar que como

    a concluso realizada na mente do espectador torna-se

    praticamente impossvel a universalidade e seu controle da

    concluso ou sntese proposta pela montagem, visto que cada

    grupo social possui um imaginrio particular de significados,

    smbolos, distintos de outros grupos34.

    Pierre Lvy elaborou uma extensa argumentao e teorizao de

    princpios de comunicao em realidade virtual a partir de uma

    modelagem espao-temporal, tendo como princpio, movimentos,

    campos de foras e cones. Afirma no se tratar de decalque da

    linguagem falada, a exemplo das escritas alfabticas ou silbicas;

    ela seria por essncia lingstica. A ideografia dinmica35quer reatar

    com a energia original das escritas anteriores ao Estado. Seus

    estudos apontam para o cerne da construo dos objetos digitais,

    no qual a imagem no representa o real, ela o simula, reconstri.

    No se trata mais de fazer a imagem representar um real

    organizado onde cada ponto da imagem tica corresponde a um

    ponto do objeto real, mas de figurar o que pode ser modelado e

    34NAZARIO, Luiz. Cinema onceitual, in: As sombras mveis. Belo Horizonte: Ed. UFMG/Mdia@rte, 1999.35 LVY, Pierre. A ideografia dinmica: rumo a uma imaginao artificial. So Paulo:Ed.Edies Loyola, 1998.

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    programado, onde nenhum ponto de qualquer objeto real pr-

    existente corresponde ao pixel, feito por nmeros abstratos, no

    reais.

    Entre teorias e construes de representao das formas de

    exteriorizao do pensamento em realidade virtual j efetuadas

    pela cincia informtica da simulao, principalmente elaboradas

    pela NASA, destacamos algumas que se baseiam inteiramente nas

    teorias da simulao das realidades, conceituadas por apresentarem

    o mesmo valor das experincias de laboratrio ou em campo.

    Algumas condies necessrias so pr-requisitos para a concepo

    desses ambientes de realidade virtual, tambm chamados de

    interfaces virtuais, como a sensao de presena fsica direta

    realizada mediante as indicaes sensoriais que podem ser

    multimodais, ou seja visuais, auditivas e tcteis. Todas essas

    sensaes so captadas e produzidas por aparelhos de alta

    tecnologia, como os datagloves, luvas que captam o movimento da

    mo que interage com os objetos virtuais, ou os culos

    estereoscpicos que so um dispositivo que projeta ambientes em

    trs dimenses, 360 graus, como sensao de total imerso.

    culos Stereovision.

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    Outra caracterstica encontrada o processo de interao natural

    que agora toma uma forma mais abrangente, um mundo virtual,

    onde se utiliza os mesmos gestos nos ambientes reais como pegar

    objetos, girar, correr, pular, fixar o olhar como ponto de aumento e

    outros que so ampliados com a evoluo tecnolgica. A

    telepresena uma caracterstica encontrada em ambientes virtuais

    que so utilizados por uma ou mais pessoas para representar a

    presena de algum no mundo virtual, o avatar voc mesmo.

    Outra caracterstica existente a tele-assistncia ou

    telemanipulao que ordena ou simula operaes manuais em

    objetos complexos, como a simulao de cirurgias e ou a

    manipulao de robs controlada por um humano em qualquer

    distncia da maquina.

    Inmeras interfaces artsticas de manipulao para as cavernas ou

    qualquer mdia digital podem ser construdas, como observa Jeffrey

    Shaw36, com o uso de objetos ou de conceitos idiossincrticos que

    reconfiguram o hardware usual, comercial, aproximando-o do

    experimentalismo sinestsico, como o boneco-interface que

    configura sua caverna digital atravs de uma manipulao espacial.

    36Artemdia na Alemanha a partir de 1990; palestra de Jeffrey Shaw - Instituto Goethe.

    So Paulo(2003).

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    Configurando a caverna (1996), de Jeffrey Shaw

    Modelo em VRML da Caverna Digital de Marcelo Zuffo montada na USP.

    Como decorrncia do desenvolvimento da realidade virtual, existem

    vrios outros aparatos montados no mundo. Um deles a caverna

    digital (CAVE). J existem cerca de 160 CAVES espalhadas pelo

    mundo, uma delas aqui no Brasil - a nica na Amrica Latina -

    montada em So Paulo pelo Prof. Dr. Marcelo Knrich Zuffo,

    coordenador do Laboratrio de Sistemas Integrveis (LSI) da Escola

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    Politcnica (POLI) da USP, e que est em atividade desde janeiro de

    200037. O ambiente de realidade aumentada (RA), outra variao da

    realidade virtual, projeta por superimposio objetos virtuais no

    ambiente real. Simulando volumes e formas que se misturam com o

    real, usurios podem atuar com objetos reais e virtuais, levando a

    informao para o usurio dentro do mundo real ao contrrio da RV.

    que coloca o usurio dentro de um mundo virtual.

    Outra tcnica usada como exteriorizao da informao e aumento

    da capacidade de processamento e ao do homem a da

    computao ubqua. Confundida com a realidade virtual, que cria

    um mundo virtual no existente, a computao ubqua usa o mundo

    real e o amplia. So criados dispositivos inteligentes integrados em

    servidores de informao que ampliam as atuaes humanas no

    real, como as casas inteligentes, que executam tarefas j

    estabelecidas interagindo com outros dispositivos interligados, como

    cafeteira, lavadeira, telefone, fax, Internet, etc.

    Uma questo levantada por pesquisadores das novas mdias sobreos ambientes virtuais de exteriorizao dos pensamentos : at que

    ponto a padronizao de processos mentais, antes individuais e

    privados, quando exteriorizados, transformam-se em pblicos, e

    so padronizados para o acesso em massa?

    37Endereo na Internet: http://www.lsi.usp.br/~rv/p/cave_lab_p.html.

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    Um dos princpios de associao realizados pela mente atravs de

    ndices foi exteriorizado no mundo digital na forma de hiperlinks.

    Freqentemente encontramos, nas novas mdias, o uso de

    hiperlinkagem, que uma forma de objetivar e adiantar os

    processos de associao antes feitos pela mente agora pr