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PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO PUC-SP Leila Yuri Sugahara Música na escola: um estudo a partir da psicogenética walloniana MESTRADO EM EDUCAÇÃO: PSICOLOGIA DA EDUCAÇÃO São Paulo 2008

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PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO PUC-SP

Leila Yuri Sugahara

Música na escola: um estudo a partir da psicogenética walloniana

MESTRADO EM EDUCAÇÃO: PSICOLOGIA DA EDUCAÇÃO

São Paulo 2008

LEILA YURI SUGAHARA

Música na escola: um estudo a partir da psicogenética walloniana

MESTRADO EM EDUCAÇÃO: PSICOLOGIA DA EDUCAÇÃO

Dissertação apresentada à Banca Examinadora como exigência parcial para obtenção do título de Mestre em Educação: Psicologia da Educação pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo, sob a orientação da Profa. Dra. Laurinda Ramalho de Almeida.

Pontifícia Universidade Católica de São Paulo São Paulo

2008

Banca Examinadora

________________________

________________________

________________________

Dedicatória

Ao Cláudio, meu marido,

pelo amor infinito, pelo carinho, dedicação

e companheirismo em todos os momentos.

À minha filha Bianca,

meu amor incondicional

por ser a luz da minha vida.

Aos meus pais,

ao meu irmão, à Nana e minha sobrinha Sofia,

pelos ensinamentos, e amor que nos une.

À Regina e Dino,

pela eterna amizade.

Aos meus lindos afilhados,

Arthur, Catarina e Enzo.

A todos os meus alunos e ex-alunos,

que me constituíram como pessoa e professora pela música.

AGRADECIMENTOS

À Professora Doutora Laurinda Ramalho de Almeida, minha orientadora, que me afetou com

seu entusiasmo e me conduziu com paciência e competência pelos caminhos da pesquisa.

Ao Professor Doutor Antonio Carlos Caruso Ronca, por ter me proporcionado uma

aprendizagem significativa e pelas valiosas contribuições por ocasião da qualificação.

À Professora Doutora Ilza Zenker Leme Joly, por ter me incentivado a continuar estudando e

me guiar pelos caminhos da educação musical.

À Irene e Helena pela paciência e disponibilidade.

Aos Professores do programa, pelo acolhimento e pela contribuição em minha formação,

especialmente à Professora Doutora Abigail Alvarenga Mahoney que me ensinou a ouvir

ativamente.

Aos meus colegas de mestrado e doutorado, à Luciana, Regiane, Aurora, Alda, Dena e Vera,

pelo apoio e amizade e especialmente à Marilene, por compartilhar idéias, alegrias e

angústias no período de finalização dessa dissertação.

Aos Educadores que permitiram minha constituição como formadora e pesquisadora.

Aos Professores, Coordenadores e Diretores das Faculdades Oswaldo Cruz, pelos

ensinamentos e pelo incentivo que me conduziram ao mestrado.

À Professora Doutora Shirley Costa Ferrari, minha maior incentivadora, ainda nos tempos

da graduação em Pedagogia, me apresentando à teoria de Henri Wallon.

À todos os alunos de música, aqui representados por Davi, meu primeiro pequeno grande

pianista, que do alto dos seus três anos de idade, me ensinou a ser professora. A todos os pais

de alunos, pela confiança e amizade.

À Silvia pela tradução.

SUGAHARA, Leila Yuri. Música na escola: um estudo a partir da psicogenética walloniana.

Dissertação de mestrado, São Paulo: Pontifícia Universidade Católica de São Paulo, 2008.

RESUMO

Este trabalho teve como objetivo estudar o papel da música na escola, a partir da

concepção que professoras e coordenadoras pedagógicas têm da música no desenvolvimento

integral da criança. Como desenvolvimento pressupõe aprendizagem e a escola é o lócus

privilegiado desse processo, sendo o professor o agente mediador e o coordenador pedagógico

tendo como atribuição a formação de professores, é pelo discurso de professoras e

coordenadoras pedagógicas que este trabalho pretende discutir o tema proposto. Ao entender

que a reflexão por parte do professor, sobre a música no desenvolvimento da criança, em

programas de formação continuada, pode ser um caminho para a efetivação da prática musical

na escola, optou-se por entrevistar educadores que haviam participado de um programa de

formação continuada em município do interior paulista. Para se obter uma maior abrangência

na coleta dos dados para a pesquisa, foram entrevistadas: 1 professora de educação infantil, 1

professora polivalente de ensino fundamental I, 1 professora de educação física, 1 professora

de arte, 1 coordenadora pedagógica de educação infantil e 1 coordenadora de ensino

fundamental. A teoria psicogenética de Henri Wallon norteou a coleta e a análise dos dados.

A análise foi feita a partir de 3 eixos: a constituição da pessoa do professor e do coordenador

pedagógico; a música no desenvolvimento integral da criança e a música na escola. As

entrevistadas perceberam a partir de sua prática cotidiana escolar, que a música induz ao

movimento, desenvolve o senso rítmico, a coordenação motora, a memória, e promove a

interação entre as pessoas, favorecendo a socialização. Os cursos de formação continuada em

música possibilitam um melhor aproveitamento do potencial da linguagem musical, para o

desenvolvimento da pessoa completa e integrada do aluno em todas as suas dimensões:

afetiva, cognitiva e motora.

Palavras-chave: música na escola; teoria walloniana; formação de professores.

S, L Y. Music at school: a study from the Wallonian psychogenetis.

Master’s dissertation, SP: PUC – SP, 2008.

ABSTRACT

This project had as an objective to study the role of music at school, from the

conception teachers and pedagogic coordinators have of music in the total development of the

child. As development presupposes learning and the school is the privileged place of this

process, being the teacher the mediatory agent and the pedagogic coordinator having as duty

teachers’ formation, it is by teachers’ and pedagogic coordinators’ speech that this project

intends to discuss the proposed theme. As we understood the teacher’s reflection about music

in the child’s development, in continuous formation programmes, a way to the effectiveness

of musical practice at school, we chose to interview teachers who had participated in a

continuous formation programme in an urban community in São Paulo country-side. To

obtain a broad spectrum of the data collected for the survey, we interviewed: a kinder-garten

and nursery school teacher, a multi-disciplinary elementary and junior high school teacher, a

Physical Education teacher, an Art teacher, a kindergarten and nursery pedagogic coordinator

and an elementary and junior high school coordinator. Henry Wallon’s psychogenetics theory

guided the data collection and analysis of information. The analysis was carried out from 3

pivotal angles: the constitution of the teacher and the pedagogic coordinator as people, the

music in the total development of the child and the music at school. The interviewed people

noticed from their daily school practice, that music induces movement, it develops the sense

of rhythm, the coordinated motor activity, the memory and it promotes an interaction among

people favouring socialization. The continuous music formation courses make it possible for

the student to have a better improvement of the musical language potential, in order to

improve his development as a complete, entire person in all of his dimensions: affective,

cognitive and motor.

Key words: music at school; Wallonian theory; teachers’ formation.

SUMÁRIO

INTRODUÇÃO ......................................................................................................................10 CAPÍTULO I REVISÃO DE LITERATURA..............................................................................................14 1.1. A MÚSICA NAS ESCOLAS BRASILEIRAS: UM BREVE HISTÓRICO .........15 1.2. O QUE A LITERATURA REVELA SOBRE A MÚSICA NO ..............................21 DESENVOLVIMENTO DA CRIANÇA ..........................................................................21

CAPÍTULO II REFERENCIAL TEÓRICO .................................................................................................25 2.1 POR QUE A ESCOLHA POR HENRI WALLON COMO REFERENTE TEÓRICO ...........................................................................................................................26 2.2. INTEGRAÇÃO ORGANISMO-MEIO NA TEORIA DE WALLON ...................29 2.3. INTEGRAÇÃO AFETIVA-COGNITIVA-MOTORA ............................................33 2.4. WALLON E A EDUCAÇÃO .....................................................................................41

CAPÍTULO III .......................................................................................................................44 PROCEDIMENTOS METODOLÓGICOS ........................................................................44 3.1 O CONTEXTO DA PESQUISA: Um Projeto de formação continuada em música ..................................................................................................................................45 3.2 PARTICIPANTES E INSTRUMENTOS PARA COLETA DE DADOS...............48 3.2.1. Participantes da pesquisa.....................................................................................48 3.2.2. Instrumento para a coleta de dados ....................................................................50

3.3 PROCEDIMENTOS PARA ANÁLISE DOS DADOS .............................................52 CAPÍTULO IV - ANÁLISE E DISCUSSÃO DOS DADOS...............................................57 4.1. A CONSTITUIÇÃO DA PESSOA DO PROFESSOR E DO COORDENADOR PEDAGÓGICO ..................................................................................................................58 QUADRO 1 .........................................................................................................................58 Caracterização das participantes da pesquisa .................................................................58 4.1.1. Caracterização das participantes da pesquisa ...................................................59

QUADRO 2 .........................................................................................................................63 A dimensão afetiva que permeia a descrição do processo de formação ........................63 Quadro 2 A – Sentimentos e situações indutoras que predominam no processo de formação de professoras e coordenadoras pedagógicas – Tonalidades agradáveis .....63 4.1.2. A dimensão afetiva que permeia a descrição do processo de formação ..........65

4.2. A MÚSICA NO DESENVOLVIMENTO INTEGRAL DA CRIANÇA ................77 4.2.1. Concepção de desenvolvimento das professoras e coordenadoras pedagógicas .....................................................................................................................77 4.2.2. Perspectiva psicológica da música ......................................................................80 4.2.3. A música no desenvolvimento motor ..................................................................83 4.2.4. A música no desenvolvimento afetivo .................................................................93 4.2.5. A música no desenvolvimento cognitivo ...........................................................101

QUADRO 3 - DA ESCUTA MUSICAL .........................................................................111 4.3. A MÚSICA NA ESCOLA.........................................................................................113

4.3.1. Da escuta musical ...............................................................................................113 4.3.2. Música na escola para quê? ...............................................................................121

CONSIDERAÇÕES FINAIS...............................................................................................129 REFERÊNCIAS ...................................................................................................................132 ANEXOS ...............................................................................................................................136 QUADRO 4 - (1.3) Afetividade e (1.4) formação continuada......................................137 QUADRO 5 – (2.1) Concepções de música e funções atribuídas à música e (3.2) Música na escola ...............................................................................................................140 QUADRO 6 – (2.2) Concepção de desenvolvimento......................................................141 QUADRO 7 – (2.3) Música e dimensão motora .............................................................142 QUADRO 8 – (2.4) Música e dimensão afetiva..............................................................143 QUADRO 9 – (2.5) Música e dimensão cognitiva..........................................................144 QUADRO 10 – (2.6) Música e integração funcional......................................................145

MODELO DO TERMO DE CONSENTIMENTO LIVRE E ESCLARECIDO............146 GLOSSÁRIO DE TERMOS MUSICAIS ..........................................................................186

INTRODUÇÃO

10

INTRODUÇÃO

O presente trabalho pretende apresentar e discutir o papel da música na escola a partir

da concepção que os professores e coordenadores pedagógicos tem da música no

desenvolvimento integral da criança, tendo como referencial a teoria de desenvolvimento de

Henri Wallon.

O problema de pesquisa foi sendo delimitado a partir da revisão de literatura sobre a

música no contexto educacional brasileiro e sobre a influência da música no desenvolvimento

da criança, que consta no Capítulo I deste trabalho, de minha participação como formadora

em projetos de formação continuada, e de minha trajetória como pessoa e profissional.

A música sempre esteve presente em minha vida. Neta de imigrantes japoneses, ainda

lembro de minha mãe entoando cantigas de ninar e de minha avó paterna, que morava

conosco, e de meu pai ensinando-me a cantar cantigas infantis japonesas. No ano de 1973,

fomos morar em Campina Grande, na Paraíba e em 1976, aos oito anos de idade, iniciei meus

estudos de piano com uma professora particular, já que a cidade ainda não tinha uma escola

de música. Apesar de ter nascido em São Paulo, fui alfabetizada no nordeste, onde cartilha e

cordel, cantigas de roda e brincadeiras cantadas, bem como as festas juninas animadas pelo

sanfoneiro e as histórias dos repentistas, se refletiam na alegria de viver num mundo cheio de

imaginação e fantasias. Eu e meu irmão passávamos tardes inteiras inventando brincadeiras

em nosso quintal, rodeados por goiabeiras, galinhas, um gato e uma tartaruga. Era esconde-

esconde, cabra-cega, índio e bang-bang, balanço, pega-pega, amarelinha e tantas outras. Nos

sentíamos como Narizinho e Pedrinho, personagens de Monteiro Lobato, que líamos à

tardinha, comendo bolinhos de chuva. Também assistíamos a um programa de televisão

chamado “Vila-Sésamo”, enquanto papai falava com o mundo todo por “rádio-amador”. Eu

adorava ouvi-lo falar em inglês e aprendemos também o código Morse. Na época, não sabia o

quanto essa imersão, em culturas diversas, norteariam os vários caminhos percorridos

posteriormente. Retornando a São Paulo, em 1977, ingressei no Conservatório Musical

Beethoven e me formei em piano no ano de 1988. No ano seguinte, tranquei a matrícula da

Faculdade de Publicidade e Propaganda, que cursava na época, e fui para o Japão, onde morei

por cinco anos.

No Japão, trabalhando como dekasseki1 percebi o quanto a música era importante para

mim e voltei a estudar piano. Foi no ano de 1992, morando na Província de Gunma-Ken,

localizada à uma hora de Tókio, no Japão, que tive a oportunidade de conhecer o trabalho de

musicalização desenvolvido por minha professora de piano, com crianças de três a seis anos

de idade em uma escola de educação infantil. Em visita à escola, percebi que as crianças

ficavam alegres já com a chegada da minha professora. Durante a aula, todas as crianças

participavam alegremente de todas as atividades propostas. As atividades envolviam o canto

acompanhado pelo piano, além de histórias sonorizadas e brincadeiras tradicionais japonesas.

Voltei para o Brasil em 1994, trazendo na bagagem essa experiência musical mais do que

significativa, pois foi através dela que iniciei minhas leituras e estudos autodidatas sobre a

importância da música no desenvolvimento humano, já que também estava grávida de minha

filha. Durante a gestação, escutava música, cantava e tocava para ela. Hoje, minha filha, aos

treze anos é alegre, adora cantar e estuda piano. Com a maternidade resgatei minha infância

cheia de música e alegria, ensinando uma à outra as brincadeiras e jogos que aprendemos.

A necessidade de trocar experiências e aprofundar meus conhecimentos levou-me a

diversos cursos na área de musicalização e à faculdade de pedagogia. Nesses treze anos, atuei

como professora de piano, de musicalização infantil, como regente coral, em conservatórios

de música, escolas e organizações-não-governamentais, e como formadora em projetos de

formação continuada.

No final de 2004, fui convidada por uma organização-não-governamental que acabara

de firmar uma parceria com a Secretaria de Educação de um Município, situado no Estado de

São Paulo, a participar de um projeto de formação continuada para os professores e

coordenadores pedagógicos de Educação Infantil e Fundamental da rede municipal de ensino.

Este projeto teve como foco a capacitação desses professores e coordenadores em música,

tendo em vista que a obrigatoriedade do ensino da Arte, em todos os níveis da educação

básica, a partir da promulgação da Lei de Diretrizes e Bases nº. 9394/ 96, tornou necessário o

ensino das diversas linguagens que compõem a Arte, visando o atendimento adequado às

Diretrizes Curriculares Nacionais, sendo a música uma delas.

1 O termo inicialmente tinha uma conotação negativa, pois carregava a imagem sombria dos tempos em que os imigrantes eram assim chamados. O termo acabou se incorporando à linguagem jornalística, passando a designar os descendentes de imigrantes japoneses que voltaram ao Japão para trabalhar, a partir de 1985, atraídos pela diferença salarial resultante do desenvolvimento econômico japonês.

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A experiência vivida como formadora, nesse projeto de formação continuada em

música, me afetou profundamente, levando-me a diversos questionamentos e reflexões, a

partir dos relatos dos participantes, durante os encontros de formação, da influência da música

no desenvolvimento e na aprendizagem da criança. Nas reuniões, discutíamos sobre qual seria

o papel da música no contexto escolar.

Foi sob o impacto das diversas experiências vividas, ao longo de minha trajetória

como pessoa e profissional, que cheguei ao mestrado. Por entender que a reflexão por parte do

professor, sobre a música no desenvolvimento da criança, em programas de formação

continuada, pode ser um caminho para a efetivação da prática musical na escola, optei por

entrevistar educadores que haviam participado de um programa de formação continuada em

município do interior paulista, delimitando a discussão a partir das seguintes questões:

• Qual a concepção que professores e coordenadores pedagógicos participantes

de um programa de formação continuada em município do interior paulista têm

da música no desenvolvimento da criança no contexto escolar?

• O que as concepções revelam sobre a prática musical no cotidiano escolar?

No Capítulo II será apresentado como referencial teórico deste trabalho, a teoria

psicogenética de Henri Wallon. O capítulo está organizado em três partes: a primeira justifica

a escolha por Wallon, a segunda e a terceira partes apresentam os principais conceitos da

teoria walloniana: integração organismo-meio e integração afetiva-cognitiva-motora.

O Capítulo III descreve os caminhos metodológicos percorridos, explicitando o

contexto da pesquisa e apresentando suas participantes. A pesquisa de caráter qualitativo

utilizou-se da entrevista para a coleta dos dados. Foram entrevistadas: 1 professora de

educação infantil, 1 professora de educação fundamental, 1 professora de educação física, 1

professora de arte, 1 coordenadora de educação infantil e 1 coordenadora de ensino

fundamental.

O Capítulo IV é composto pela Análise e Discussão dos dados. A análise será

realizada a partir de 3 Eixos de análise, tendo como referência a psicogenética walloniana.

O 1º. Eixo de análise descreve A constituição da pessoa do professor e do

coordenador pedagógico, a partir de duas categorias: Caracterização das participantes da

pesquisa e A dimensão afetiva que permeia a descrição do processo de formação no começo

da trajetória profissional, no cotidiano escolar e na formação continuada em música.

O 2º. Eixo de análise explicita a concepção que as entrevistadas tem sobre A música

no desenvolvimento integral da criança, a partir das seguintes categorias: Concepção de

desenvolvimento das professoras e coordenadoras pedagógicas; Perspectiva psicológica da

música; A música no desenvolvimento motor; A música no desenvolvimento afetivo; A música

no desenvolvimento cognitivo.

O 3º. Eixo de análise contém uma reflexão sobre A música na escola, a partir das

categorias: Da escuta musical e Música na escola para quê?

Nas considerações finais será apresentada uma reflexão a partir da síntese dos três

eixos de análise que compõem este trabalho, buscando traçar os caminhos possíveis para uma

prática musical na escola, orientada pela teoria psicogenética de Henri Wallon e fornecendo

indicativos para futuros cursos de formação de professores.

13

CAPÍTULO I

REVISÃO DE LITERATURA

1.1. A MÚSICA NAS ESCOLAS BRASILEIRAS: UM BREVE HISTÓRICO

Para compreender a atual situação do ensino de música nas escolas públicas

brasileiras, torna-se necessário conhecer a história da educação musical no contexto da

educação brasileira e da formação do professor que ensina música nas escolas.

De acordo com o levantamento histórico feito por Pires (2004), a sociedade brasileira,

a partir da Proclamação da República, passa por profundas transformações. A música fazia

parte dos currículos escolares das escolas primárias e nas Escolas Normais de formação de

professores com o objetivo de educar para a civilidade, estando de acordo com uma

concepção de educação entendida como instrumento de regeneração e moralização das classes

inferiores e formação do novo cidadão brasileiro. Nesse contexto, a educação estética era

considerada um instrumento fundamental na formação desse novo cidadão, não se

restringindo à educação artística, visto que, envolvia as mais variadas formas de expressão,

como a literatura e os trabalhos manuais, além do desenho, da música, da dança e do teatro.

Apoiado nessa concepção de educação e diante do contexto sócio-político da época, o ensino

de música praticado nas escolas primárias era alvo de críticas, pois a concepção de ensino das

Escolas Normais de formação de professores era conservadora e reprodutora, refletindo numa

prática igualmente disciplinadora e adestradora, através do ensino por imitação, de canções

que continham forte teor ideológico, demonstrando atribuir pouca importância à música como

linguagem.

Ainda de acordo com Pires (2004), a década de 1930 foi marcada pela introdução do

canto orfeônico como disciplina obrigatória nos currículos escolares, através do Decreto

n.19.890 de 1931 e da criação da Superintendência de Educação Musical e Artística (SEMA)

em 1932, sob a direção do compositor Heitor Villa-Lobos. O número insuficiente de

professores de música levou a SEMA a criar Cursos Rápidos, visando preparar professores

“aptos” para o ensino da disciplina em apenas um mês. Como esses professores, em sua

maioria, eram egressos da Escola Normal, a SEMA mantinha uma orientação constante, até o

fim do Estado Novo e a saída de Villa-Lobos do SEMA, quando o canto orfeônico vai

perdendo força, dando lugar ao movimento da arte-educação.

Após a promulgação da Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional n.4.024 de

1961, o canto orfeônico passa a ser considerado como prática educativa e não mais uma

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disciplina, fazendo parte do que o Conselho Federal de Educação determinou como sendo:

atividades complementares de iniciação artística, juntamente com modelagem, escultura,

desenho de expressão e pintura, e música. A Educação Musical possuía um aspecto mais

teórico e o canto orfeônico mais prático, criando assim uma dicotomia entre teoria e prática. A

questão da formação ideal do professor de música também estava longe de estar resolvida,

podendo atuar como professores de Educação Musical nas escolas: professores de instrumento

ou de canto formados em nível superior e professores de canto orfeônico formados em nível

médio. Mas não existia exigência legal de diploma para ministrar Educação Musical, apenas

era dada a preferência ao profissional de instrução mais sólida.

Em 1971, uma nova LDB extinguiu a Educação Musical dando lugar à disciplina de

Educação Artística que passou a ser componente curricular obrigatório nas escolas públicas.

Novamente devido às mudanças curriculares, foram criados os cursos de licenciatura em

Educação Artística, que podiam ser de curta duração, habilitando o professor para dar aulas

no 1º. Grau de forma generalista, tendo como conseqüência, uma formação muitas vezes

superficial na abordagem dos conteúdos de cada linguagem artística.

Finalmente, com a redemocratização do País, começaram as discussões que

culminaram na LDB de 1996 e no retorno da música aos currículos escolares, a partir das

orientações dos documentos curriculares de referência para a educação infantil – Referencial

Curricular Nacional para a Educação Infantil (RCNEI) e para o ensino fundamental e médio –

Parâmetros Curriculares Nacionais (PCN). A partir da LDB de 1996, a educação infantil

passa a fazer parte do sistema regular de ensino, compondo com o ensino fundamental e

médio, os três níveis da educação básica. De acordo com o RCNEI, a música na educação

infantil é proposta no âmbito de Conhecimento de mundo, cujo conteúdo abrange as relações

que as crianças estabelecem com o objeto de conhecimento, mais especificamente ligados às

seguintes áreas de conhecimento: Música, Movimento, Artes Visuais, Linguagem Oral e

Escrita, Natureza e Sociedade e Matemática. O PCN-Arte destaca quatro linguagens da Arte a

serem desenvolvidas na escola: Artes Visuais, Dança, Música e Teatro. Portanto, de acordo

com as Diretrizes Curriculares Nacionais, a Música passa a constituir uma área de

conhecimento. Com a Lei 9.394/96, revogam-se as disposições anteriores e o ensino da Arte

torna-se obrigatório conforme o art. 26, parágrafo 2º.:

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O ensino da arte constituirá componente curricular obrigatório, nos diversos níveis da educação básica, de forma a promover o desenvolvimento cultural dos alunos. (BRASIL, 1996).

A pesquisa realizada por Prandini (2000) traz alguns indicativos do cenário atual do

ensino de Arte, nas escolas públicas brasileiras. Inicialmente, Prandini relata que, como

musicista e pedagoga, pretendia integrar a música ao ensino regular, porém concluiu que a

proposta inicial não tinha significado na escola escolhida para a realização da pesquisa,

porque entre os professores de Arte da escola, não encontrou nenhum com formação em

Música. Dois professores eram formados em Artes Plásticas e Desenho e apenas um, em

Artes Cênicas. Resolveu então, buscar o sentido do ensino de Arte na escola, a partir do

discurso dos próprios professores de Arte, com o objetivo de fornecer subsídios para a

formação de professores. A pesquisadora afirma que “...para desempenhar o papel de

professor, a pessoa precisa em primeiro lugar, ter algo a ensinar”. (PRANDINI, 2000, p.212).

Como resultado da pesquisa, apresenta um professor de Arte à procura de sua identidade e de

seu papel na escola, cuja função de “quebra-galho” foi sendo definida nas relações vividas.

Embora esse professor de Arte reclame, ele continua a desempenhar bem seu papel de “artista

quebra-galho”, dificultando sua constituição como professor de Arte. Conclui que, a

constituição do professor de Arte depende de sua apropriação do conteúdo próprio da

disciplina Arte, em suas várias linguagens, e do seu espaço de trabalho. Por isso, a

pesquisadora indica a formação do professor em serviço, na escola, pois de acordo com a

pesquisadora, é o local onde ele se constitui como tal, na relação com o aluno, tendo entre

professor e aluno, um conteúdo específico a ensinar e aprender. A pesquisa de Prandini

limitou-se ao espaço da escola, mas a constituição da pessoa do professor não se limita à

escola, pois há aprendizagens fora do espaço escolar. A pesquisa aponta para a necessidade de

capacitação específica em cada linguagem da Arte como sugere o PCN-Arte:

O ensino de Arte é área de conhecimento com conteúdos específicos e deve ser consolidada como parte constitutiva dos currículos escolares, requerendo, portanto, capacitação dos professores para orientar a formação do aluno. (BRASIL, 2000, p. 51).

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O ensino de Arte, passando a ser obrigatório em todos os níveis da educação básica,

suscitou também outra questão: o quanto o professor de classe, unidocente2 ou polivalente,

que atua na educação infantil e nas quatro séries iniciais e passa a ser responsável também

pela disciplina Arte, está preparado para trabalhar com cada uma das linguagens artísticas. As

três décadas de ausência da música, nos currículos escolares, deixaram uma lacuna na

formação dos professores no que se refere à educação musical.

Diniz (2006) buscou caracterizar a formação musical de três professoras licenciadas

em Pedagogia, destacando o papel da formação inicial dentro deste percurso formativo inicial

docente. Observou que o curso de licenciatura em Pedagogia que as professoras cursaram, deu

pouca ênfase às habilidades musicais de seus alunos, tendo em vista que ainda privilegiam os

conteúdos disciplinares considerados importantes ou nobres pela escola, como matemática e

português; a concepção que prevalece, é de que em apenas uma disciplina, um único professor

tem que trabalhar as quatro linguagens artísticas. A pesquisa revelou que as professoras foram

formadas musicalmente por um conjunto de saberes e conhecimentos, provenientes de

diversas fontes e momentos de suas histórias de vida. Aponta para a necessidade da formação

continuada dos professores polivalentes, considerando a formação inicial apenas uma etapa do

percurso formativo das professoras. Afirma que “a formação musical inicial sozinha não dá

conta de todos os conhecimentos necessários para a atuação das professoras, mas oferece o

suporte teórico e pedagógico necessário para o início da docência e para que trabalhem a

música de forma sistematizada e articulada com os demais conteúdos curriculares das séries

iniciais do ensino fundamental” (DINIZ, 2006, p.101). Sugere uma formação de professores

que contemple as duas dimensões do conhecimento em música: pedagógica e musical,

valorizando os saberes experienciais, visando sanar o descompasso existente entre a formação

acadêmica e a função exercida no cotidiano escolar, a fim de proporcionar uma consciência

sobre a importância da inserção da música como campo de conhecimento na escola e sua

relevância na formação integral dos indivíduos.

2 O termo designa o professor que sozinho ministra todas as disciplinas; é também chamado polivalente. Nas escolas públicas estaduais de São Paulo, esse professor também é denominado: Professor do Ciclo I do Ensino Fundamental.

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Assim como os cursos de licenciatura em Pedagogia não preparam, adequadamente, os

professores para trabalhar com a linguagem musical, os cursos de licenciatura em Música3

deixam a desejar no que diz respeito à formação adequada para trabalhar com as séries

iniciais.

Mateiro (2003) faz uma análise dos cursos de Licenciatura em Educação Artística e

constata que nos programas curriculares de formação de professores, as disciplinas

específicas, as denominadas disciplinas de conteúdo, continuam precedendo as pedagógicas.

Aponta para a necessidade de se preparar o professor de música para atuar nos diferentes

níveis de ensino, pois ser especialista em educação infantil, por exemplo, requer uma

preparação cultural, pedagógica, psicológica, que vai além da mera aquisição de

conhecimentos e habilidades musicais necessários à sala de aula.

Bellochio (2003) discute a questão da formação de professores e da educação musical

a partir da construção de projetos colaborativos entre Escola e Universidade, envolvendo

alunos do curso de licenciatura em Música e alunos do curso de Pedagogia. Os pares de

acadêmicos das licenciaturas em Música e Pedagogia, interagem na escola, no espaço da sala

de aula, fazendo atividades musicais com alunos de 1ª. a 4ª. séries, conjuntamente com os

professores já atuantes, buscando preencher a lacuna existente na formação inicial, bem como

problematizar as práticas educativas. Para a pesquisadora, trabalhar em conjunto, do

planejamento à implementação reflexiva, pode constituir importantes possibilidades para a

reflexão sobre e para a educação musical, contribuindo no processo de formação inicial e

continuada de professores.

As pesquisas (Diniz, 2006; Mateiro, 2003; Bellochio, 2003) confirmam que os cursos

de licenciatura em Música ainda deixam uma lacuna, no que diz respeito às habilidades

necessárias para se atuar na educação infantil, enquanto que nos cursos de pedagogia, as artes,

principalmente a música, continuam ausentes e apontam para a necessidade de se estabelecer

um diálogo entre os cursos de licenciatura em música e de pedagogia. Apesar das lacunas

apontadas no âmbito da formação inicial dos professores, observa-se que a prática musical

encontra-se presente em algum grau, principalmente na educação infantil.

3 Não foram considerados na discussão do presente trabalho, os cursos específicos de Graduação e Licenciatura em Educação Musical, a exemplo do Curso de Educação Musical da Universidade Federal de São Carlos (UFSCar), que já apresentam uma proposta integrada e buscam preencher as lacunas apontadas pelas pesquisas.

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Azevedo (2002) realizou uma pesquisa em escolas particulares de educação infantil da

zona leste da cidade de São Paulo, na qual foram sujeitos 20 professores do sexo feminino,

com o objetivo de mostrar como a função preventiva4 da educação infantil pode ser

desenvolvida por meio das atividades de musicalização5. Realizou também, um levantamento

sobre a existência e o tipo de atividades de musicalização, bem como a formação e a opinião

dos professores sobre esta prática. A pesquisa revelou que apesar das divergências dos

professores sobre o conceito de musicalização, existe a presença de atividades de música na

educação infantil, o que possibilita o favorecimento do desenvolvimento global da criança e

conseqüentemente, trabalhar a prevenção primária na educação infantil. Segundo a

pesquisadora, as atividades de musicalização mais realizadas pelos professores consistem em

ouvir, cantar e dançar músicas. A pesquisa realizada por Azevedo apresenta os benefícios das

atividades musicais no desenvolvimento da linguagem, pois o cantar proporciona a vivência

da linguagem como meio de representação da interação intelectual e afetiva da criança com o

meio; a dança possibilita a expressão espontânea e o desenvolvimento físico, e o ato de ouvir

música produz reações de ordem física e mental proporcionando prazer estético, sensações de

descanso, relaxamento ou animação, trabalhando também a capacidade auditiva e a pronúncia

de sons articulados. A pesquisadora constatou também que falta aos professores formação

para ministrar atividades de musicalização, pois apesar de existir uma prática de atividades de

musicalização nas escolas pesquisadas, observou uma defasagem quanto ao trabalho de

criação musical e de aprendizagem da cultura brasileira e mais da metade dos professores

responderam que receberam apenas breves citações ou nenhuma informação sobre a prática

da musicalização em sua formação. A pesquisa de Azevedo (2002) aponta a existência de uma

prática musical na pré-escola, mas confirma a lacuna na formação dos professores,

principalmente dos que atuam na educação infantil, do conhecimento das estratégias de ensino

de música, indicando os benefícios que a música oferece para o desenvolvimento da criança.

Sobre esse assunto, fez-se também um levantamento de literatura, que segue no

próximo item deste trabalho.

4 A pesquisa foi realizada no âmbito da Psicologia Escolar e o termo função preventiva diz respeito à atuação do psicólogo na escola no sentido de prevenir os problemas gerados na escola e os que extrapolam sua área, decorrentes da estrutura sócio-econômico-política, das condições sociais e psicológicas existentes nos lares dos alunos. 5 Musicalização, de acordo com Joly (2003), é o processo pelo qual a criança desenvolve a capacidade de expressar-se de modo integrado, realizando movimentos corporais enquanto canta ou ouve uma música; o canto é usado como forma de expressão e não como mero exercício musical, ampliando assim a capacidade perceptiva, expressiva e reflexiva com relação à linguagem musical.

21

1.2. O QUE A LITERATURA REVELA SOBRE A MÚSICA NO

DESENVOLVIMENTO DA CRIANÇA

Além da pesquisa de Azevedo (2002), outros estudos (Marquetti, 1994; Souza, 1995;

Cunha, 2001) revelam a influência da música no desenvolvimento da criança no contexto

escolar.

Marquetti (1994) investigou os efeitos da música de fundo sobre o comportamento de

crianças pré-escolares com idades entre cinco e seis anos, durante o recreio e em sala de aula.

Considerou as categorias de movimentação individual (deslocamento físico e manipulação de

objetos), movimentação dirigida socialmente (padrões verbais e não verbais) e a ritmicidade

referentes à movimentação individual (movimentos rítmicos e não rítmicos). Estudou também

os eventos interativos dos sujeitos (olhar prévio e contato). Os resultados demonstraram que a

estimulação musical leva a um aumento na ocorrência de movimentos rítmicos de dançar e

reger na situação de recreio e que, em sala de aula, as meninas apresentaram supremacia de

movimentos rítmicos. Verificou também um aumento na ocorrência de padrões não verbais e

de eventos interativos nas duas situações. A pesquisadora conclui que a música aumenta os

eventos interativos entre as crianças, minimizando os conflitos e sugere investigações futuras

que contribuam para o melhor aproveitamento do potencial da música para a pré-escola.

Souza (1995) estudou o efeito da música Rock Trilogy de Malmsteen6 no movimento

corporal de 17 meninos de 8 a 10 anos de idade, indicados por professoras de três escolas de

São Paulo, apontados como irrequietos e diagnosticados por um neuropediatra como

hiperativos. Avaliou o efeito da música no grupo dos irrequietos e hiperativos e no grupo de

controle composto por 32 sujeitos considerados normais, antes, durante e depois da exposição

à música de Malmsteen. A pesquisadora observou que o grupo dos irrequietos apresentou uma

movimentação corporal diferenciada comparativamente ao grupo de controle a partir da

análise das seguintes dimensões do movimento corporal: quantidade, alternância, ritmo e

funcionalidade da tarefa; espaço ocupado, postura e natureza dos movimentos. A análise da

movimentação corporal do grupo de controle possibilitou a criação de um método de

mensuração de movimentos de hiperativos que serviu de referência para o estudo. Durante a

6 Música Trilogy do roqueiro sueco Yngwie Malmsteen consta no CD anexo ao trabalho (faixa 1).

22

realização de uma tarefa não-verbal em sala de aula, onde as crianças copiavam desenhos da

lousa, sem música, Souza observou que o grupo de hiperativos apresentava poucos

movimentos direcionados à execução da tarefa. O grupo foi exposto à música de Malmsteem

e a análise funcional do movimento revelou que, o hiperativo olhou o caderno e escreveu

mais, durante e depois da música, do que antes de ouvi-la. Concluiu que a música favorece a

diminuição da movimentação do hiperativo na sala de aula, direcionando-se a tarefa.

Cunha (2001) pesquisou a influência dos jogos musicais no comportamento de

crianças que não se adaptaram ao espaço da pré-escola, após o primeiro semestre. Os sujeitos

foram alunos entre cinco e seis anos de idade, que sofreram repreensões diárias por

apresentarem comportamentos perturbadores como: agressão física ou moral ao serem

contrariados, choros durante as atividades, não realização ou não conclusão de tarefas, entre

outros. Após a participação de 15 sessões grupais com variados tipos de jogos e dinâmicas

musicais no espaço escolar, apresentaram como resultado, melhoria nos comportamentos

sociais e de interesse em sala de aula. Concluiu-se que os jogos musicais facilitaram a

interação entre pares e aumentaram a motivação dos alunos tornando o ambiente escolar mais

prazeroso.

Outra boa justificativa para a inserção da música no contexto escolar é apresentada por

Andrade (2006), em seu artigo Música e canção popular na formação de todo e qualquer

professor, que considera a canção como expressão fundamental da cultura brasileira,

revelando os movimentos e realizações no campo estético da música popular brasileira, tais

como o movimento do samba, da bossa nova e do tropicalismo. Andrade afirma que essa

justificativa, por si só, bastaria para tomar a canção como objeto de trabalho sistemático pelas

disciplinas curriculares de escolas, mas apresenta outras duas razões para a inserção da

música, especialmente da música popular, na escola. A primeira, que a música popular, como

qualquer música, “... apresenta uma estrutura de aspecto lógico-matemático”. E a segunda

justificativa, que a tarefa da escola “... é a introdução crítica das crianças e dos jovens no

cultivo das tradições culturais de um país...”, possibilitada pela música popular, que articula

“... um conjunto infindável de temas da vida coletiva, individual, psicológica, metafísica,

enfim, uma variedade riquíssima que pode interessar a qualquer trabalho educativo...”.

(ANDRADE, 2006, p.p. 128 e 129).

23

A educadora Elvira Souza Lima (2000), com formação nas áreas de psicologia,

antropologia, lingüística e neurociências e estudiosa do desenvolvimento humano, também

afirma que a música deve fazer parte do currículo desde a pré-escola. Justifica a sua afirmação

relacionando a aprendizagem musical com a aprendizagem de uma língua estrangeira, que

deve ser iniciada na faixa de idade correspondente ao pré-escolar, pois é o momento em que

ocorre o desenvolvimento expressivo da linguagem. A autora explica: “... a experiência

musical leva à formação de redes neuronais que têm grande resiliência e que, conforme se

sabe hoje, atuam como suporte para o desenvolvimento e exercício do pensamento

matemático e da física, em idades posteriores”. (LIMA, 2000, p.18).

O levantamento de literatura permitiu a delimitação do problema de pesquisa do

presente trabalho, pois as pesquisas e artigos revelaram a necessidade de se refletir sobre o

papel da música no contexto da educação brasileira na atualidade; e indicaram que a música

influencia no desenvolvimento da criança. Como desenvolvimento pressupõe aprendizagem e

a escola é o lócus privilegiado desse processo, sendo o professor o agente mediador, e o

coordenador pedagógico, tendo como atribuição a formação de professores, é pelo discurso de

professoras e coordenadoras pedagógicas que este trabalho pretende discutir o tema proposto.

Referenciado por uma matriz epistemológica que considere a formação do homem como ser

integral e integrado, em suas dimensões afetivas, cognitivas e motoras, constituído biológico e

socialmente e situado no contexto histórico-cultural.

Quando se fala em música, logo surgem palavras como: cultura, tradição, sentimento,

lembrança, dança, alegria, lazer, brincadeira, relaxamento, ritmo, movimento, entre tantas

outras. Muitas vezes o conceito de música se confunde com a sua ação ou função. Tendo em

vista a pluralidade que envolve o conceito e a concepção de música, recorremos ao discurso

de Marisa Trench de Oliveira Fonterrada (2003), pesquisadora, educadora musical e

professora da UNESP7, no qual a música pode ser entendida como um misto de expressão e

pensamento lógico. A autora explica: “Compreender a música como atividade da psique

humana, por sua vez, não exclui a aceitação de que ela é uma prática humana, dotada de uma

rede complexa de inter-relações com o panorama social, cultural, político e

econômico”.(FONTERRADA, 2003, p.105).

7 Universidade Estadual Paulista.

24

Maria de Lourdes Sekeff (2007), pesquisadora em música e também professora da

UNESP, concorda com Fonterrada (2003) e confirma as idéias de Lima (2000). Sustenta que a

música é importante na escola porque auxilia a percepção e estimula a memória e a

inteligência, relacionando-se com habilidades linguísticas e lógico-matemáticas ao

desenvolver procedimentos que ajudam o aluno a se reconhecer e se orientar melhor no

mundo. Para isso, recorre a conhecimentos de outras áreas como psicologia, musicoterapia,

psiquiatria, antropologia e relaciona-os com a música. A autora define a música da seguinte

forma:

Música não é somente um recurso de combinação e exploração de ruídos, sons e silêncios, em busca do chamado gozo estético. Ela é também um recurso de expressão (de sentimentos, idéias, valores, cultura, ideologia), um recurso de comunicação (do indivíduo consigo mesmo e com o meio que circunda), de gratificação (psíquica, emocional, artística), de mobilização (física, motora, afetiva, intelectual) e auto-realização (o indivíduo com aptidões artístico-musicais mais cedo ou mais tarde direciona-se nesses sentido, seja criando – compondo, improvisando -, re-criando – interpretando, tocando, cantando, “construindo” uma nova parição – ou simplesmente apreciando – vivenciando o prazer da escuta). (SEKEFF, 2007, p. 14).

A busca por um referencial teórico que pudesse fornecer os subsídios necessários à

discussão e reflexão propostas para o presente trabalho, sob o prisma da psicologia da

educação, no contexto sócio-histórico, levou ao encontro da teoria psicogenética de Henri

Wallon, que será apresentado no Capítulo II.

CAPÍTULO II

REFERENCIAL TEÓRICO

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2.1 – POR QUE A ESCOLHA POR HENRI WALLON COMO REFERENTE

TEÓRICO

A escolha pela teoria de Henri Wallon mostrou-se pertinente por possuir uma

abordagem do desenvolvimento humano de forma completa e integrada, permitindo apreender

o sentido de totalidade do indivíduo. A teoria de desenvolvimento de Wallon parte de uma

perspectiva psicogenética, diz respeito às transformações que se sucedem no processo de

desenvolvimento. Wallon trata da integração entre o organismo e o meio, e entre os domínios

cognitivos, afetivos e motores do desenvolvimento humano. De acordo com Mahoney:

É uma teoria que facilita compreender o indivíduo em sua totalidade, que indica as relações que dão origem a essa totalidade, mostrando uma visão integrada da pessoa do aluno. Ver o aluno dessa perspectiva põe o processo ensino-aprendizagem em outro patamar porque dá ao conteúdo desse processo – que é a ferramenta do professor – outro significado, expondo sua relevância para o desenvolvimento concomitante do cognitivo, do motor e do afetivo. (MAHONEY, 2007, p.10).

O desenvolvimento e a aprendizagem na perspectiva de Wallon tem como pressuposto

a interação do indivíduo com o meio físico e social8, o que indica sua matriz interacionista.

Por sua fundamentação epistemológica, no materialismo dialético, apresenta também uma

abordagem sócio-histórica, pois “...não há fenômeno psicológico que não seja engendrado no

histórico e no social”. (ALMEIDA, 2004a, p.125).

O materialismo dialético encontra-se implícito na vida e na obra de Wallon, não como

um conjunto de dogmas, mas principalmente, como um método de trabalho.

8 Wallon considera a existência de um meio físico-químico (que reúne as condições de existência mais elementares, como o oxigênio por exemplo); um meio biológico (no qual as várias espécies convivem, e exercem ações recíprocas) e um meio social (que pode reunir-se aos dois anteriores e é constituído por construções simbólicas e culturais). Os meios se inter-relacionam, encontram-se imbricados. As suas relações resumem-se a uma transformação mútua. (WALLON, 1975a, p.164).

27

Para Wallon, de acordo com Zazzo, um de seus principais colaboradores e intérpretes,

o homem é geneticamente social9, isto é, são as condições de existência do homem, que

proporcionam a base material para o desenvolvimento, que são de ordem fisiológica e social.

O desenvolvimento em Wallon é sempre considerado a partir das possibilidades orgânicas e

neurológicas do momento e as condições de existência do indivíduo. Segundo Zazzo, é difícil

apreender o significado de toda a riqueza e complexidade da obra de Wallon, já que obriga o

leitor a pensar em termos dialéticos.

Wallon não é um autor fácil. E isso não acontece por utilizar palavras difíceis, termos técnicos. É que ele obriga-nos a pensar em termos dialécticos. O próprio movimento da sua frase, o movimento da sua argumentação são já para nós uma exigência de conversão, uma violência contra a confortável preguiça dos nossos hábitos, dos nossos preconceitos. Wallon nunca sacrifica a complexidade de um problema à aparente clareza de uma exposição. Em suma, Wallon é marxista em todos os rodeios, em todos os pormenores do seu pensamento. (ZAZZO, 1978, p. 134)

Se a obra de Wallon é complexa, conhecer a sua vida pode ajudar a conduzir o leitor

em direção à iluminação proporcionada por suas idéias. Ou nas palavras de Zazzo, a obra de

Henri Wallon “(...) é ao mesmo tempo tão desconcertante, tão perturbante, mas

espantosamente luminosa quando conseguimos finalmente compreendê-la”. (idem, p.135).

Henri Wallon nasceu em Paris, na França, em 15 de junho de 1879, onde viveu a vida

toda até a sua morte, em 1º. de dezembro de 1962, aos 83 anos. Estudou na Escola Normal

Superior (1899-1902) e licenciou-se em Filosofia; estudou Medicina (1903-1908) e estagiou

como médico até 1914, aprofundando posteriormente seus estudos sobre o sistema nervoso.

Wallon viveu num período marcado por instabilidades sociais e turbulências políticas, tendo

participado de duas guerras mundiais. A primeira (1914-1918), como médico, o que lhe

possibilitou, ao tratar de feridos, observar lesões orgânicas e seus reflexos sobre processos

psíquicos e, posteriormente, poder compará-las ao estudo que realizou a partir da observação

de crianças internadas em serviços psiquiátricos, com idades entre 2 e 15 anos, com profundas

perturbações de comportamento, e que resultou em sua tese de doutoramento em Letras. Sua

tese, publicada em 1925, foi transformada no livro conhecido como L’Enfant Turbulent (A

criança turbulenta). No mesmo ano, criou o Laboratório de Psicobiologia da Criança, onde

9 Zazzo explica o pensamento de Wallon da seguinte maneira: Desde o seu nascimento, geneticamente, a criança é um ser social; e acrescenta: Esta mutação de reacções puramente fisiológicas em meios de expressão, este enxerto precoce do social no orgânico, revestem-se na espécie humana uma importância decisiva, pois ligam-se às condições de existência do indivíduo desde o seu nascimento. (ZAZZO, 1978, p.99).

28

atendia crianças de origem proletária e realizava pesquisas, cujos resultados fundamentaram

seus estudos sobre a evolução do pensamento da criança. Wallon, desde a sua juventude,

pleiteava a igualdade e a solidariedade entre os homens. Seu pai e seu avô já o haviam

influenciado com as idéias liberais, republicanas e humanistas. A atuação na Resistência

Francesa durante a Segunda Guerra (1939-1945) reforçou o seu ideal humanitário.

Segundo Almeida (2007), Wallon fez uma análise criteriosa da Educação Nova e

concluiu que os pioneiros da Educação Nova (Ferrière, Claparède, Freinet, Dewey,

Montessori) ora privilegiavam o indivíduo, ora a sociedade. Excetuando-se Decroly, educador

belga (1871-1932) e Makarenko, soviético (1888-1939), pois situa os dois autores como os

que conseguiram fazer a integração entre a formação da pessoa e sua inserção na coletividade;

concretizando na prática a teoria da unidade inseparável entre criança e meio. Decroly

respeita a criança como ser total, concreto e ativo, isto é, um ser individual e ao mesmo tempo

social, plenamente firmado e situado, e Makarenko supera a atitude de oposição entre

indivíduo e sociedade. Essa análise, respaldada por sua teoria psicológica da formação da

pessoa permitiu a Wallon uma participação destacada na Comissão designada para reformar o

sistema de ensino da França após a Segunda Guerra. Inicialmente, o físico Paul Langevin foi

designado presidente da Comissão, cargo assumido por Henri Wallon, após a morte de

Langevin. O Projeto que se tornou conhecido como Plano Langevin-Wallon foi resultado do

trabalho realizado entre 1945 e 1947, pela Comissão composta por vinte membros nomeados

pelo Ministério da Educação Nacional. O Plano Langevin-Wallon previa transformações na

estrutura e no funcionamento do sistema escolar francês, a fim de atender a quatro princípios

norteadores das ações propostas: Justiça, Dignidade igual de todas as ocupações, Orientação e

Cultura geral. A idéia de cultura10 que domina o Plano Langevin-Wallon, inspira as idéias

wallonianas sobre a educação e indicam o profundo respeito que Langevin e Wallon tiveram

pela instituição escolar, e conseqüentemente pelo professor, considerando a escola um meio

indispensável para a formação da pessoa. Portanto, faz-se necessário compreender melhor o

conceito de integração organismo-meio na teoria de Wallon.

10 O conceito de cultura será abordado mais detalhadamente neste trabalho, em Wallon e a educação. Para Wallon, cultura é um conceito abrangente que envolve todo o legado da humanidade, não se restringindo ao conhecimento literário ou científico: “Aqueles que receberam esta cultura sentem-se, muitas vezes, no direito de menosprezar as outras formas de cultura, mesmo quando a receberam mal ou a aproveitaram erradamente. Mas, por outro lado, aqueles que se ocupam das chamadas ciências exactas também se julgam no direito de menosprezar os outros sistemas de conhecimento”. (WALLON, 1975a, p.426).

29

2.2. INTEGRAÇÃO ORGANISMO-MEIO NA TEORIA DE WALLON

A integração organismo-meio é conceito fundamental na teoria de Henri Wallon, pois

na teoria walloniana não há como compreender o homem longe das condições de existência.

O desenvolvimento se faz a partir da interação entre o organismo, considerado por Wallon

como sendo o potencial genético típico da espécie, e o meio. Tendo em vista que a teoria de

desenvolvimento de Wallon parte de uma perspectiva psicogenética, cabe esclarecer que a

psicologia genética de Wallon é o estudo de como se forma e se transforma o psiquismo. O

estudo da psicologia genética pode ser realizado no âmbito do mundo vivo, da espécie

humana ou do indivíduo.

O estudo psicogenético no âmbito do mundo vivo, considera não apenas a

complexidade da estrutura fisiológica das espécies, mas “o tipo de relações que o organismo

tem com o meio que manterá as suas relações ao nível de mecanismos fisiológicos ou que os

fará passar ao do psiquismo”. (WALLON, 1975a, p.54).

No âmbito da espécie humana, Wallon explica: “A história das civilizações oferece o

conhecimento dos meios, em que teve de se desenvolver o indivíduo em cada época e de

continentes diferentes. A psicogênese deve demonstrar os efeitos que disso sofreu o

indivíduo”. (idem, p.57).

Para realizar os estudos a partir da perspectiva da psicologia genética, Wallon

elaborou um método de investigação: a análise genética comparativa multidimensional. O

método é comparativo porque consiste em fazer uma série de comparações, da criança

patológica, com a criança normal, da criança normal com o adulto normal, do adulto de hoje

com o de civilizações primitivas, da criança com o animal, entre outras, com o objetivo de

esclarecer o processo de desenvolvimento. Nessas comparações, a análise do fenômeno, que é

um conjunto de variáveis que só pode ser entendido pela comparação com outros conjuntos, é

feita em suas várias determinações: orgânicas, neurofisiológicas, sociais e as relações entre

esses fatores, portanto, multidimensional.

No âmbito individual, Wallon afirma que “a psicologia genética estuda a

transformação da criança em adulto” (ibidem, p.59).

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A teoria de desenvolvimento de Wallon assume que o desenvolvimento da pessoa se

faz a partir da interação do potencial genético, típico da espécie, e das condições capazes de

modificar as manifestações das determinações genotípicas, isto é, o desenvolvimento está

ligado às condições orgânicas e ao meio do qual a criança recebe os motivos das suas reações.

O recém-nascido, na nossa espécie, é um ser ainda longe de estar concluído. As suas insuficiências motoras, perceptivas e intelectuais testemunham-no. Se ele possui já todos os neurônios, de que poderá até nunca chegar a dispor, a maior parte deles não está ainda em estado de funcionar por falta das interconexões necessárias. Os seus prolongamentos neuro-fibrilares só muito gradualmente se tornam capazes de conduzir o influxo nervoso. Assim se vão progressivamente fechando os circuitos que correspondem ao exercício de cada função. Diz-se então que ela atingiu a maturação. É o que se poderá chamar o seu ponto inicial. Mas o seu desenvolvimento ulterior pode ser muito variável conforme ela encontre ou não ocasiões para se manifestar. (ibidem, p.59 e 60).

A maturação orgânica é o processo pelo qual os vários reflexos herdados

filogeneticamente são inibidos ou integrados a sistemas mais complexos, durante o

desenvolvimento do organismo, conforme o seu plano ontogenético. Paralelamente à

maturação, que representa as novas possibilidades que o desenvolvimento do organismo

coloca à disposição da pessoa, surge o exercício funcional, cujo objetivo é desenvolver essas

novas funções para conseguir o efeito que deseja. Conforme o exemplo dado por Prandini

(2004) em seu artigo sobre a integração funcional na constituição da pessoa segundo Wallon:

Um bebê por volta de dois meses, ao movimentar rapidamente braços e pernas, não o faz com intenção de movimentar um móbile, por exemplo, mas sim pela sensação que o próprio movimento provoca. Quando seu organismo se desenvolve um pouco a partir do plano de desenvolvimento da espécie, ao realizar os mesmos movimentos e bater ocasionalmente no móbile, percebe o efeito que provocou e começa a querer repetir o movimento no brinquedo e esforçar-se por fazê-lo. (PRANDINI, 2004, p.27).

O desenvolvimento e a aprendizagem da marcha, também pode ser tomado como

exemplo, como aponta Prandini, para explicar o papel da maturação orgânica e do exercício

funcional:

Um bebê raramente é capaz de aprender a andar antes de 10 meses, 1 ano. Colocá-lo realizando exercícios para desenvolver essa atividade antes desse período é perda de tempo, porque o exercício será em vão e, assim, desperdiçaremos tempo precioso para a realização de outros exercícios funcionais, como o engatinhar por exemplo. Há que se aguardar que o

31

organismo esteja pronto, maduro para tal atividade, Por outro lado, ao deixar uma criança presa ao berço nessa fase, estamos impedindo que ela faça os exercícios necessários para que a função se realize, podendo, apesar de ter o organismo amadurecido, não andar até que lhe seja possível exercitar tal função. (idem, p.28)

Portanto, para Wallon, “o meio é o complemento indispensável da função, pois sem

ele, a função permaneceria virtual ou atrofiada” (WALLON, 1975a, p.60). Wallon afirma que

para estudar a criança é necessário também estudar o meio ou os meios em que ela se

desenvolve. “De outro modo é impossível determinar exactamente aquilo que lhes é devido e

o que pertence ao seu desenvolvimento espontâneo” (idem, p.193). Define o meio como

conjunto mais ou menos duradouro das circunstâncias nas quais se desenvolvem as pessoas e

esclarece que meios e grupos, apesar de serem noções conexas, que por vezes podem

coincidir, são distintas:

O meio é complemento indispensável do ser vivo.(...) Ele comporta evidentemente condições físicas e naturais, mas que são transformadas pela técnica e pelos costumes do grupo humano correspondente. A maneira como o indivíduo pode satisfazer as suas necessidades mais fundamentais depende dele e também de certos refinamentos dos costumes que podem fazer coexistir nos mesmos lugares as pessoas de diferentes meios. (ibidem, pp.164,165 e 166).

Ilustra sua fala citando como exemplo, que mesmo quando se fala em meio urbano,

um mesmo espaço urbano revela diferenças entre as relações de vizinhança e de convívio num

prédio com muitos apartamentos e de moradores de casas individuais separadas. Cita também

a escola e a família como meio funcional11 que podem coincidir ou não com os ambientes

locais.

Prandini argumenta que para Wallon, assim como existem os diferentes meios e

grupos, “algumas potencialidades pertencem à espécie e são essencialmente as mesmas para

todos os organismos, e outras são individuais, fazem parte da constituição do organismo em

particular, são específicas do indivíduo”.(PRANDINI, 2004, p.28 e 29).

11 Este conceito walloniano é assim explicado por Gulassa, em seu artigo sobre os processos grupais na constituição da pessoa: “O meio físico-químico influencia e determina a construção do meio social. O clima, os acidentes geográficos, a constituição do solo vão determinar como as pessoas se desenvolvem, moram, alimentam-se, comunicam-se, relacionam-se, desenvolvem seus trabalhos etc. Da mesma forma, o meio social se sobrepõe e transforma o meio físico. Nesse sentido, é determinante a relação entre o meio físico e a função exercida pelo homem. Neste caso, Wallon os chama de meios funcionais, e o que os caracteriza são suas similaridades nas funções, nos interesses, nas obrigações e nos hábitos. Assim, existe o meio rural e o meio urbano; o meio profissional, o meio estudantil e o meio familiar, o meio agrícola e o meio industrial etc” (GULASSA, 2004b, p. 99).

32

Um bom exemplo para ilustrar a questão da potencialidade individual, surgida da

relação entre o potencial herdado geneticamente (genótipo) e sua realização no indivíduo

particular (fenótipo), é a sonoridade da voz:

A voz é produzida pela vibração das cordas vocais. Um cantor lírico, com voz afinada e potente, é produto da integração de um organismo com a constituição física específica de cordas vocais e de um ambiente que permita a ele exercitá-las de determinada forma que o torne capaz de produzir o som típico de canto lírico. As mesmas cordas vocais sem o exercício não são capazes de produzir o mesmo som, assim como o exercício aplicado a um organismo com outras características físicas produz um resultado diferente. Neste exemplo, estamos considerando apenas as cordas vocais, mas na verdade na constituição de um cantor estão implicados muitos outros fatores, como: capacidade respiratória, formato e capacidade da cavidade bucal, discriminação auditiva, capacidade interpretativa etc., que se integram numa configuração única em cada pessoa. (idem, p.29).

Para Wallon (1975a) a psicogênese não é automática, não tem uma progressão

necessária, existe a possibilidade de lacunas nas elaborações psíquicas. Como exemplo dessa

possibilidade, Wallon se refere à pesquisa de Leontiev12 e de seus colaboradores sobre

crianças que não conseguiam cantar corretamente uma melodia por mais que estivessem

habituadas a ouvi-la. Segundo Wallon, no período lúdico da aprendizagem vocal,

prevaleceram de forma exclusiva, os aspectos relacionados às associações audiocinestésicas

de acordo com o tom, aos movimentos da voz e articulação que permitiram a aprendizagem

da fala, constituídos por outros elementos acústicos que se sobrepuseram à altura do som.

Exercícios que colocavam em uníssono a voz e a série de notas possibilitaram às crianças

cantarem corretamente.

Portanto, o jogo ou a função estética representa a oportunidade de restituição das

funções que não puderam ser desenvolvidas. “Só poderão então encontrar eventualmente uma

oportunidade para o seu livre desenvolvimento no jogo ou na actividade estética, que restitui,

nomeadamente, às funções escravizadas pelo uso e pela evolução, o seu exercício ou

expressão próprias”. (WALLON, 2005, p.132).

12 Alexis N. Leontiev (1903-1979) – foi um dos importantes psicólogos soviéticos a trabalhar com Vygotski e Luria. Uma das principais preocupações de Leontiev foi com a pesquisa das relações entre o desenvolvimento do psiquismo humano e a cultura, ou seja, entre a evolução das funções psíquicas e a assimilação individual da experiência histórica.

33

2.3. INTEGRAÇÃO AFETIVA-COGNITIVA-MOTORA

Foi da análise genética comparativa multidimensional, que Wallon extraiu os

princípios reguladores do processo de desenvolvimento humano e identificou seus vários

estágios. Segundo Wallon:

A psicogênese encontra-se estreitamente ligada aos modos sucessivos das relações com o meio: meio humano e meio físico. Estas relações assentam nos meios de que cada idade dispõe e têm como conseqüência as fases sucessivas da personalidade. (WALLON, 1975a, p.62).

Wallon propõe a seguinte seqüência de estágios: impulsivo-emocional (0 a 1 ano);

sensório-motor e projetivo (1 a 3 anos); personalismo (3 a 6 anos); categorial (6 a 11 anos);

puberdade e adolescência (11 anos em diante). Segundo Mahoney (2007) as idades precisam

ser revistas para os dias de hoje, em nossa cultura, já que foram propostas por Wallon para as

crianças de sua época e sua cultura. Porém, mais do que os limites etários, os estágios indicam

os interesses e atividades predominantes em cada período. É nessa sucessão temporal que

cada estágio se estabelece, preparado pelas atividades do estágio anterior e no

desenvolvimento das atividades que prepararão a emergência do próximo.

De etapa em etapa, a psicogênese da criança mostra, através da complexidade dos factores e das funções, através da diversidade e da oposição das crises que assinalam, uma espécie de unidade solidária, tanto em cada uma como entre todas elas. É contra a Natureza tratar a criança fragmentariamente. Em cada idade, ela constitui um conjunto indissociável e original. Na sucessão das idades, ela é um único e mesmo ser em curso de metamorfoses. Feita de contrastes e de conflitos, a sua unidade será por isso ainda mais susceptível de desenvolvimentos e de novidade. (WALLON, 2005, p.215).

Sendo assim, o desenvolvimento, na perspectiva de Wallon, é um processo que

envolve avanços e retrocessos. Os comportamentos de uma pessoa, num dado momento e

circunstância, são resultantes das configurações formadas a partir das interações entre as

dimensões afetivas, cognitivas e motoras que compõem a pessoa, de forma integrada e

indissociável. Essas dimensões a que Wallon se refere como conjuntos ou domínios

funcionais, estão vinculadas entre si, e suas interações em constante movimento.

34

As necessidades da descrição obrigam a tratar separadamente alguns grandes conjuntos funcionais, o que não deixa de ser um artifício, sobretudo de início, quando as actividades estão ainda pouco diferenciadas. (...) Existe entre elas uma sucessão de preponderância. (...) para reconhecer isto é necessário saber identificar o estilo próprio de cada uma e não nos limitarmos à simples enumeração dos traços que são simultaneamente observáveis.(...) Os domínios funcionais entre os quais se dividirá o estudo das etapas que a criança percorre serão, portanto, os da afectividade, do acto motor, do conhecimento e da pessoa. (idem, pp. 131 e 135).

Wallon explica que descrever os conjuntos ou domínios funcionais separadamente é

um artifício didático para explicar o psiquismo, já que a pessoa é na realidade indissociável e

inseparável. Recorrendo à síntese feita por Mahoney e Almeida (2005), a função de cada

conjunto funcional que constitui a pessoa é explicitada a seguir:

• O conjunto afetivo oferece as funções responsáveis pelas emoções, pelos sentimentos e pela paixão;

• O conjunto ato motor oferece a possibilidade de deslocamento do corpo no tempo e no espaço, as reações posturais que garantem o equilíbrio corporal, bem como o apoio tônico para as emoções e sentimentos se expressarem;

• O conjunto cognitivo oferece um conjunto de funções que permite a aquisição e a manutenção do conhecimento por meio de imagens, noções, idéias e representações. É ele que permite ainda registrar e rever o passado, fixar e analisar o presente e projetar futuros possíveis e imaginários.

• A pessoa – o quarto conjunto funcional – expressa a integração em todas as suas inúmeras possibilidades.

O processo de desenvolvimento se sucede pela alternância na predominância de

conjuntos funcionais diferentes em cada estágio e também pela alternância de direções

opostas, ora para o conhecimento de si, para dentro (centrípeta), ora para o conhecimento do

mundo exterior (centrífuga). A alternância na predominância de diferentes conjuntos

funcionais em cada estágio significa que, um dos conjuntos fica mais em evidência, embora

os outros também estejam presentes de forma complementar, numa relação recíproca, pois são

indissociáveis. Isto significa que cada estágio é considerado na teoria de Wallon, um sistema

completo em si, formado pelo conjunto afetivo, motor e cognitivo, pelo tipo de relação que os

une e os integra na totalidade que constitui o quarto conjunto funcional: a pessoa, que

expressa essa integração, em suas inúmeras possibilidades.

35

No estágio impulsivo-emocional (0 a 1 ano), o predomínio é afetivo e motor e o

movimento é para dentro (centrípeto), para o conhecimento de si. Nos estágios sensório-motor

e projetivo (1 a 3 anos), e categorial (6 a 11 anos), a predominância é cognitiva e o

movimento é para fora (centrífugo), para o conhecimento do mundo exterior. Nos estágios do

personalismo (3 a 6 anos), e da puberdade e adolescência (11 anos em diante), o predomínio é

afetivo e sua direção centrípeta.

O movimento que vai do sincretismo à diferenciação é outra característica do processo

de desenvolvimento como um todo, que se expressa no desenvolvimento afetivo.

Inicialmente, os conjuntos funcionais revelam-se de forma sincrética, e no caso específico da

afetividade, tem sua origem nas sensibilidades interoceptivas, ou seja, ligada às vísceras e nas

sensibilidades proprioceptivas, ligadas aos músculos. São essas sensibilidades, juntamente

com as respostas do meio humano (sensibilidade de exterocepção, isto é, sensibilidade ao que

vem do exterior) que provocam sentimentos e emoções cada vez mais específicos.

Segundo Wallon, as emoções consistem em sistemas de atitudes que respondem a uma

determinada espécie de situação, e que se implicam mutuamente e são indicadas pelas

variações musculares. A emoção é indissociável das suas expressões tônicas. Através da

emoção, o bebê mobiliza o outro (a mãe ou outra pessoa) a satisfazer suas necessidades,

manifestadas através do choro, que podem ser de: fome, cólica ou sono. É a presença do outro

que garantirá a sobrevivência física e cultural da criança, tendendo cada vez mais para o

mundo externo e, portanto, para a diferenciação. É pela emoção, através do contágio, que o

bebê se comunica com o meio humano. O contágio das emoções também ocorre entre pessoas

adultas. Um exemplo disso é a torcida em um jogo de futebol. Portanto, o contágio das

emoções ocorre da instituição de uma espécie de consonância entre as atitudes emocionais das

pessoas que se encontram num mesmo campo de percepção e ação.

A emoção é o primeiro momento na evolução da afetividade. A afetividade, em sua

sucessividade e evolução, apresenta três momentos marcantes: a emoção, o sentimento e a

paixão. Enquanto a emoção implica reações instantâneas e diretas, o sentimento é a expressão

representacional da afetividade que pode ser expresso pela mímica e pela linguagem; e a

paixão revela o aparecimento do autocontrole como condição para dominar uma situação,

configurando a situação, o comportamento, a fim de atender às necessidades afetivas.

Portanto, emoção, sentimento e paixão são conceitos distintos na teoria walloniana

36

Wallon (1975a) também ressalta a importância do movimento corporal no

desenvolvimento psicológico da criança. Argumenta que o movimento corporal humano é

uma atividade de relação da pessoa consigo mesma, com os outros e com o meio, na qual se

constroem e são expressos conhecimentos e valores; não é apenas o deslocamento voluntário

do corpo ou de partes do corpo no tempo e no espaço. Na teoria walloniana, o movimento,

além de ser apoio tônico para as emoções, pelo qual o bebê mobiliza os outros na satisfação

de suas necessidades, como já foi explicado anteriormente, “é essencialmente deslocação no

espaço e tem três formas que possuem cada uma a sua importância na evolução psicológica da

criança”. (WALLON, 1975a, p.75).

A primeira forma de deslocamento é o movimento exógeno ou passivo, ou movimentos

de equilíbrio; caracterizado pelos deslocamentos necessários para a manutenção do equilíbrio,

e depende de forças exteriores, como força da gravidade. Segundo Limongelli (2004), em seu

artigo sobre a dimensão motora na constituição da pessoa na proposta de Wallon, “esse

movimento é que permite aos seres humanos saírem de uma posição horizontal para a posição

vertical dinâmica, tão importante e significativa para a evolução da espécie humana. As

estruturas corporais, ou centros neurológicos que controlam esse tipo de movimento, estão

localizadas na região subcortical do cérebro, ou seja, são movimentos subconscientes”.

(LIMONGELLI, 2004, p.51 e 52).

Limongelli (2004) cita como exemplo a seguinte situação: “quando estamos andando e

tropeçamos ou escorregamos em um piso liso, sem pensar reagimos imediatamente com a

abertura de nossos braços e o abaixamento do corpo para tentar restabelecer nosso equilíbrio

corporal”. (idem, p.52).

A segunda forma de deslocamento é o movimento autógeno ou ativo ou movimentos

de preensão e de locomoção; “seja do próprio corpo no meio exterior, seja de objectos que

nele se encontram: locomoção ou preensão”. (WALLON, 1975a, p.76).

Portanto, o movimento autógeno, é para Wallon, o movimento propriamente dito, pois

possui caráter voluntário ou intencional do corpo ou de partes do corpo no tempo e no espaço,

possibilitando a locomoção e a preensão dos objetos.

37

A terceira forma de deslocamento é o deslocamento dos segmentos corporais ou de

suas frações, uns em relação aos outros, ou reações corporais. “Trata-se de reacções

posturais que não deixam de se confundir parcialmente com as de equilíbrio assinaladas no

primeiro grupo”. (WALLON, 1975a, p.76).

Segundo Wallon, a diferença entre o movimento exógeno ou passivo e a terceira forma

de movimento, reside no caráter mais psicológico deste último. Limongelli (2004) esclarece

que a terceira forma de movimento é “caracterizado pelas mímicas ou expressões corporais e

faciais que os seres humanos constroem nas diferentes situações ou experiências vividas. Ou

seja, constituem-se nas atitudes que os seres humanos apresentam a partir das diversas

emoções e vivências”. (LIMONGELLI, 2004, p.52).

Limongelli (2004) explica as semelhanças afirmando que, as estruturas corporais, ou

centros neurológicos que controlam a terceira forma de deslocamento, também estão

localizados na região subcortical do cérebro, ou seja, são movimentos subconscientes. “Em

geral, esse movimento se confunde com o movimento tipo exógeno ou passivo devido ao

pouco deslocamento externo observável do corpo. A diferença entre eles está na origem e no

nível de deslocamentos realizados”. (idem, p.52)

O exemplo dado por Limongelli (2004) ilustra esse tipo de movimento (reações

posturais): “quando um(a) amigo(a) nos olha e percebe tensão ou tristeza sem termos dito

uma única palavra, ou seja, apenas pela observação de nossa fisionomia (testa contraída

ocasionando abaixamento e aproximação das sobrancelhas entre si) ou expressão corporal

(ombros caídos e costas recurvadas)”. (ibidem, p.52).

O movimento exógeno ou passivo e o movimento autógeno ou ativo podem ser

estudados com base em suas trajetórias e seus ângulos de deslocamentos pela matemática e

pela física; ao passo que, o movimento de reações posturais não pode ser analisado da mesma

forma, pois as mudanças produzidas ficam num nível músculo-cutâneo, visíveis apenas na

plástica da musculatura corporal, sem a provocação de mudanças do corpo no tempo e espaço.

O movimento pode ser entendido então, como resultado da atividade muscular, que tem dois

aspectos: clônico e tônico.

38

Esses termos, utilizados por Wallon, se referem: aos movimentos dos músculos de

alongamento e encolhimento (clônico) e às atitudes e posturas atividades que darão ao

músculo grau de consistência e forma determinadas (tônico). No curso do desenvolvimento,

os componentes do sistema motriz aparecem, permitindo mudanças nas relações da criança

com seu meio, já que se encontra longe de estar pronto no nascimento, que se traduz nas

sensibilidades interoceptivas, proprioceptivas e exteroceptivas.

Segundo Wallon (2005), as funções intelectuais não estão prontas ao nascer, mas seu

desenvolvimento deve ser considerado desde o nascimento, quando o comportamento ocorre

basicamente por reflexos. É o nascimento que impõe à criança situações de privação e

desconforto às quais busca satisfação. Como já foi abordado, mobiliza o outro pela emoção e

apreende a realidade de seu entorno a partir do movimento. O movimento é a primeira forma

de expressão da criança e revela o que se passa no seu mundo externo, sendo de importância

crucial na sua constituição mental. Até o surgimento da linguagem, a criança tem como

recurso a inteligência prática ou inteligência espacial para intervir no mundo. A inteligência

prática diz respeito à capacidade de resolver problemas em determinado espaço concreto, a

partir da manipulação dos objetos e pelos exercícios no espaço, possibilitando a investigação

do mundo ao redor. A aquisição da marcha e da linguagem permitirá à criança outra forma de

exploração do mundo, oferecendo oportunidades para ingressar no mundo dos símbolos,

constituindo os fatores decisivos para o desenvolvimento psíquico da criança. É a partir da

emergência da linguagem que a inteligência discursiva terá seu desenvolvimento pleno. O

período entre a emergência da linguagem e os 5 ou 6 anos de idade, é caracterizado pelo

pensamento sincrético, por um pensamento que ainda mistura o que é percebido ou pensado

com o que é a experiência vivida pela criança. O pensamento categorial tem características do

pensamento adulto, e inicia-se por volta dos 6 ou 7 anos e vai se definir no estágio da

puberdade e adolescência, após os 12 anos. É caracterizado pela objetividade, com

características do pensamento formal, na qual podem ser percebidas mudanças significativas

no pensamento da criança em duas etapas. Amaral (2004) no seu artigo sobre a dimensão

cognitiva no constituição da pessoa na proposta de Wallon, explica que a primeira etapa do

estágio categorial, entre 6/7 anos e 9/10 anos de idade, chamada pré-categorial ou pré-

relacional, se caracteriza pelo “momento em que ocorre a formação das categorias mentais,

com as quais o pensamento vai poder operar dissociado da experiência concreta”.(AMARAL,

2004, p.90).

39

Na segunda etapa, entre 9/10 anos e 12 anos de idade, “as categorias tornam possível

generalizar as circunstâncias, estabelecer a coincidência entre nomes e aspecto das coisas,

perceber a reversibilidade de um processo para outro”. (idem, p.91).

Wallon (2005) explica que, a passagem para o período da puberdade e adolescência

ocorre “quando a amizade e as rivalidades deixam de se basear na comunidade ou no

antagonismo das tarefas empreendidas ou a empreender, quando procuram justificar-se por

afinidades ou repulsas morais, quando parecem interessar mais à intimidade do ser do que as

colaborações ou os conflitos efetivos (...)”. (WALLON, 2005, p.215).

Assim, afirma que, “a nova idade”, o estágio da puberdade e da adolescência, também

“vai incidir simultaneamente em todos os domínios da vida psíquica”. Na qual “um mesmo

sentimento de desacordo e de inquietação desponta nos da ação, da pessoa, do conhecimento;

em cada um existem mistérios a desvendar, e surge uma mesma necessidade de posse de certo

modo essencial, pois a posse atual não basta para satisfazer e procura para si perspectivas

indefinidas”. (idem, p.215).

A teoria walloniana obriga a repensar os conceitos de emoção, sentimento, paixão, o

sentido do movimento, e as funções intelectuais, apresentando-os como conjuntos funcionais

que se encontram imbricados entre si, não sendo possível concebê-los de forma isolada no

processo de constituição da pessoa; criando assim, a necessidade de se ter um novo olhar

sobre o aluno, o processo ensino-aprendizagem, a elaboração de currículos, o papel da escola

e a formação dos professores.

A contribuição da teoria walloniana para a educação pode ser entendida da seguinte

forma: tendo em vista que a emoção é uma condição indispensável para o ingresso no mundo

da razão e da competência humana, que estabelece as bases da inteligência, pois a emoção é a

base do sujeito, que se manifesta através da expressão do tônus; deve-se considerar que a

criança não aprende sem vínculo afetivo, e que a emoção é base para a efetivação da ação

pedagógica. As situações vividas por professores e alunos no cotidiano escolar, são indutoras

de sentimentos e emoções que possibilitam uma análise, por parte dos professores, que pode

levar a uma reflexão sobre a ação, considerando a pessoa do aluno de forma completa e

integrada, nas suas dimensões afetiva, cognitiva e motora do desenvolvimento.

40

Outro aspecto a ser considerado é que o cotidiano escolar é marcado por relações

interpessoais, nas quais o conflito também está presente, e tem um papel importante, pois

revela o aspecto afetivo do grupo e dos sujeitos que compõem esse grupo. Essas relações

envolvem os vários pares que encontram lugar no processo ensino-aprendizagem: professor-

aluno, aluno-aluno, professor-professor, professor-coordenador, coordenador-aluno, escola-

família e individual-coletivo.

Portanto, considerar também a pessoa do professor e do coordenador pedagógico,

integrada nas dimensões afetiva, cognitiva e motora, e as relações envolvidas no cotidiano

escolar, pode trazer contribuições significativas para se pensar a escola no contexto da

atualidade.

No âmbito do presente trabalho, considero que a teoria walloniana, principalmente no

que diz respeito ao estudo do aspecto afetivo nas relações pedagógicas, pode contribuir para a

elaboração de currículos que ofereçam uma variedade de recursos que despertem e canalizem

as emoções, tais como as que residem no universo da Arte.

Buscando uma melhor compreensão da contribuição da teoria walloniana para a

educação, apresentaremos no próximo item deste capítulo: as idéias de Wallon sobre

educação.

41

2.4. WALLON E A EDUCAÇÃO

De acordo com Almeida (2004a) é a experiência de cada professor, adquirida em sua

constituição pessoal e profissional, que conduz a sua ação. Para Almeida, aprender significa

selecionar, organizar e interpretar as informações de acordo com o sentido atribuído pela

“biografia afetivo-cognitiva” de cada um. Segundo a autora, quando a busca de um subsídio

teórico surge da necessidade gerada por uma prática ou da reflexão sobre a ação, encontra-se

um sentido para o diálogo entre teoria e prática. A teoria de Wallon é pertinente ao diálogo

em questão. As questões de Wallon coincidem com a dos professores em geral. Dizem

respeito à sua concepção de escola, de aluno, de aprendizagem; sobre as metas da educação

escolar, sobre o papel do professor, sobre o método mais adequado e o papel da avaliação. O

processo reflexivo parte de uma determinada ação, da observação da ação, levando a uma

prática pedagógica reflexiva.

Antes de iniciar a discussão dessas questões, lembramos que Wallon não é considerado propriamente um pedagogo, mas que sua obra apresenta duas possibilidades de leitura sobre educação: textos que trazem análises sobre educação e o Plano Langevin-Wallon; inferências a partir de sua psicogenética e da atuação como professor. (ALMEIDA, 2004a, p. 120).

Para compreender a pertinência da teoria walloniana para a educação e ao diálogo

entre teoria e prática no processo ensino-aprendizagem, uma breve exposição das análises

feitas por Wallon no campo da educação e sobre o Plano Langevin-Wallon se faz necessária.

Wallon, em conferência realizada em 20 de dezembro de 1945 na União Francesa

Universitária, sob o tema A reforma da universidade, faz uma análise da proposta de Escola

Única da Associação dos Companheiros do pós-guerra de 1914-1918, cujas tentativas de se

realizar perduraram e foram muito combatidas até 1939, pela classe burguesa, já que

propunha “do ensino tradicional chegar à cultura e aos direitos que ela confere, que está

aberta primeiro a todos e, gradualmente, aos mais aptos e que fora dela só podem existir

ensinos utilitários”. Essa proposta, segundo Wallon, foi combatida pelos burgueses, que

temiam “(...) uma selecção, selecção daqueles que poderiam atingir situações liberais,

situações dirigentes da sociedade, deixando para os outros as profissões que, na estrutura da

sociedade actual, são ainda profissões manuais ou consideradas profissões operárias e

próprias para deslocar um burguês da sua classe”. (WALLON, 1975a, p.418).

42

Após essa explanação sobre a Escola Única, em sua conferência sobre a reforma da

Universidade, considerando a concepção burguesa que a acompanha, ultrapassada, Wallon

propõe a criação de uma nova Escola Única. Esta escola “(...) deve ser diversificada, a fim de

poder corresponder a todas as aptidões das crianças, seja qual for a sua diversidade, (...) que

tenderia a tomar a criança, tal como ela é, com seus gostos e as suas aptidões, e segundo estes

fazer com que ela se torne no adulto mais completo que ela possa vir a ser”. (idem, p.419)

Portanto, diferentemente da proposta inicial de Escola Única, essa nova proposta

poderia abrir “caminho a todas as situações sociais possíveis”, pois teria “por fim cultivar

cada criança, quaisquer que fossem as suas aptidões particulares, e, ao mesmo tempo, daria

preparação para todas as situações sociais, sem considerar que algumas poderiam contentar-se

com um ensino de mais baixo nível e que outras seriam alvo da estima e da consideração

geral, tendo também o direito de dirigir o resto da sociedade”. (ibidem, p.419).

Essa é uma das propostas que inspiram o Plano Langevin-Wallon e refletem a idéia de

cultura que permeia toda a obra de Wallon. Cultura, em Wallon, tem um significado

abrangente, diz respeito a todo o legado da humanidade, tanto no sentido do conhecimento

científico acumulado ao longo de sua existência, dos progressos técnicos, quanto no sentido

estético, da necessidade humana de cultivar valores que representam o conjunto de noções e

sentimentos inspirados pelas artes.

Creio que haverá sempre lugar para esta cultura que apela para todos os graus de sensibilidade e para todos os interesses do homem pelo mundo. E nestes interesses pelo mundo só existem interesses analíticos, interesses pela natureza física; existe o interesse pela sociedade e também interesse do homem por si próprio; existe o interesse pelas civilizações e por tudo o que seja arte, pela literatura, por tudo o que é cultura no sentido humano ou no sentido estético do termo. (ibidem, p.428).

O Plano Langevin-Wallon é um referencial de programas, horários, métodos, exames e

formação de professores. Dá liberdade á escolha dos métodos, desde que sejam ativos,

alternando-se trabalho individual e em grupo, permitindo assim, a iniciativa individual e

coletiva, buscando-se a autonomia, a autodisciplina e o autogoverno. A concepção walloniana

de avaliação é orientada pelos princípios de justiça, igualdade, dignidade, orientação

vocacional e cultura geral, a partir da observação atenta feita pelos professores dos seus

alunos, o que implica em um registro cuidadoso do seu aluno em seu desenvolvimento

43

completo e das circunstâncias que o cercam, levando o professor a uma ação refletida, que por

sua vez, pode servir novamente de referência para a sua prática. Nesse sentido, Wallon

reserva especial atenção à formação do professor, explicando que, “a formação psicológica

dos professores não pode ficar limitada aos livros. Deve ser uma referência perpétua nas

experiências pedagógicas que eles próprios podem pessoalmente realizar”. (WALLON,

1975a, p.366).

De acordo com Almeida (2004a), na teoria de Wallon, o professor tem um papel ativo

na constituição da pessoa do aluno, atuando como mediador entre o aluno e o conhecimento,

sendo essa mediação afetiva e cognitiva.

A mediação do professor será tanto mais eficaz quanto maior for o número de linguagens de que dispõe. Os recursos da literatura, da dramatização, da música são possibilidades que servem para canalizar as emoções em favor do pensar, bem como para ampliar a cultura, e é dever da escola oferecer à criança e ao jovem, sem discriminação, o que há de melhor na cultura. (ALMEIDA, 2004a p. 127).

A avaliação não pode se dissociar do método do professor, que é decorrente da sua

concepção de escola, de aluno e de professor. O que torna a teoria de Wallon, extremamente

atual, pois vem ao encontro das necessidades do nosso sistema educacional, onde a escola é

um espaço ao qual todas as crianças devem ter acesso, sendo um dos meios para formar o

homem-cidadão e não apenas um lugar de transmissão de conhecimentos, em que todos os

alunos tenham direito à cultura e os professores desempenhem para isso, um papel ativo na

constituição da pessoa do aluno.

Portanto, o professor precisa buscar constantemente a clara definição dos objetivos

que se quer atingir, procurando subsídios teóricos que possam nortear a prática, sendo a ação

do professor única e singular, e por isso mesmo, é a sua experiência prática que pode levar a

uma verdadeira transformação. A formação dos professores deve ter um respaldo também nas

experiências práticas, respeitando o aluno como ser único e tendo a preocupação com a

constituição de um coletivo.

CAPÍTULO III

PROCEDIMENTOS METODOLÓGICOS

45

3.1 – O CONTEXTO DA PESQUISA: Um Projeto de formação continuada em música

No final de 2004, fui convidada por uma organização-não-governamental que acabara

de firmar uma parceria com a Secretaria de Educação de um Município, situado no Estado de

São Paulo, a participar de um projeto de formação continuada para os professores e

coordenadores pedagógicos de Educação Infantil e Fundamental da rede municipal de ensino.

O projeto teve como foco a capacitação desses professores e coordenadores em música, tendo

em vista que a obrigatoriedade do ensino da Arte, em todos os níveis da educação básica, a

partir da promulgação da Lei de Diretrizes e Bases nº. 9394/ 96, tornou necessário o ensino

das diversas linguagens que compõem a Arte, visando o atendimento adequado às Diretrizes

Curriculares Nacionais, sendo a música uma delas.

O projeto de formação continuada em música, batizado de Musicalizar em sala de

aula 13 foi desenvolvido ao longo de dois anos, com a capacitação dos profissionais de

educação no ano de 2005 e a aplicação sistemática do conhecimento adquirido pelos

professores e coordenadores capacitados, junto aos alunos em sala de aula, atuando também

como professores multiplicadores no ano de 2006. O município onde o projeto foi

desenvolvido tem uma população média de 15.000 habitantes.

Ao longo do ano de 2005, 47 profissionais da educação participaram da capacitação

em música, dentre eles: 40 professores e 04 coordenadores pedagógicos de Educação Infantil

e Fundamental e professores especialistas de educação física (01), filosofia (01) e arte (01)

que atuam nos níveis de Educação Fundamental I e II. Inicialmente, 50 profissionais da

educação foram convocados e destes, 47 permaneceram voluntariamente na capacitação

durante o ano de 2005. Os 3 profissionais da educação que desistiram da capacitação

apresentaram como justificativa, freqüentarem um curso de pós-graduação lato-sensu em

psicopedagogia, que estava sendo ministrado no mesmo dia e horário.

13 As informações sobre o projeto Musicalizar em sala de aula foram retiradas do Relatório do projeto e da Apostila de atividades realizadas pelos alunos das escolas participantes do projeto.

46

O curso de capacitação em música teve duração de um ano, com 10 encontros de 4

horas, com a seguinte estrutura:

1. Música e educação – uma breve história da música e sua importância na educação.

Pequeno histórico do papel da música na educação através de exemplos práticos de

atividades e de escuta musical. (março/ abril de 2005)

2. Música e desenvolvimento infantil – a importância da música no desenvolvimento

infantil. Abordagem prática do papel da música no desenvolvimento infantil, através de

jogos e brincadeiras. (maio/ junho de 2005)

3. A música em sala de aula – Jogos e brincadeiras musicais e os temas transversais.

Alternativas lúdico-pedagógicas para a utilização de música em sala de aula, através de

jogos e atividades rítmicas, de manipulação do som, músicas folclóricas, sonorização de

histórias em quadrinhos e utilização de material plástico. (de julho a dezembro de 2005)

Inicialmente o projeto Musicalizar em sala de aula tinha duração prevista de apenas

um ano, mas tendo em vista o resultado apresentado na avaliação da capacitação realizada no

ano de 2005, na qual os participantes relataram que outros professores gostariam de participar

da capacitação, pois perceberam uma melhora no desempenho e no comportamento dos

alunos cujos professores utilizaram a música nas suas aulas, o projeto foi estendido por mais

um ano.

No ano de 2006, foi feita uma proposta a todos os participantes da capacitação

realizada no ano anterior, para compartilharem sistematicamente e com acompanhamento, o

conhecimento adquirido na capacitação, com outros professores, atuando como professores

multiplicadores, já que não seria possível realizar um novo curso de capacitação em música.

Dos professores e coordenadores pedagógicos que concluíram a capacitação, apenas

13 professores e 3 coordenadoras pedagógicas participaram do projeto no ano de 2006,

atuando como multiplicadores.

47

Os professores e coordenadores que participaram da capacitação e não puderam ou

não quiseram participar da Fase II (como foi chamada a continuidade do projeto em 2006),

apresentaram como justificativas: mudança de cidade, aprovação em concurso público

estadual (mudança de escola), falta de material para a realização das atividades propostas pela

capacitação (solicitado à direção/ coordenação da escola no ano da capacitação e não

atendida), não adesão da escola em que trabalha atualmente à proposta do projeto de

capacitação em música (por terem que participar de outros projetos, como o de alfabetização e

matemática). A Fase II do projeto consistiu na atuação dos professores e coordenadores

capacitados, como professores multiplicadores nas escolas em que trabalhavam,

compartilhando o conhecimento adquirido na capacitação, com os professores que não

puderam participar da capacitação oferecida no ano de 2005, com o objetivo de

desenvolverem um projeto com atividades utilizando a linguagem musical, com os alunos, em

sala de aula. O acompanhamento dos professores multiplicadores pela coordenação do projeto

era realizado quinzenalmente, em encontros de 4 horas de duração. Mesmo com a adesão de

apenas 16 educadores como multiplicadores à Fase II, foram atendidas: 3 escolas de educação

infantil, 4 escolas de educação fundamental, 1 escola de educação especial e 1 ONG,

beneficiando 122 professores e 3540 alunos. Foi organizada uma apostila reunindo as

atividades e os projetos desenvolvidos pelos professores, que foram elaborados a partir dos

objetivos propostos pelo projeto Musicalizar em Sala de Aula, procurando atender às

necessidades de cada faixa etária e às diretrizes do Plano Pedagógico das escolas participantes

do Projeto.

48

3.2 – PARTICIPANTES E INSTRUMENTOS PARA COLETA DE DADOS

3.2.1. Participantes da pesquisa

As participantes da pesquisa foram escolhidas entre os profissionais de educação que

participaram por dois anos do projeto Musicalizar em sala de aula, freqüentando o curso de

formação continuada em música e atuando como multiplicadoras no ano seguinte. Para tanto,

escolhi como participantes da presente pesquisa, a professora Mara14 de Educação Infantil, a

professora Vanessa de Ensino Fundamental I, a professora Patrícia de Educação Física que

atua no Ensino Fundamental I, a professora Adriana de Arte que atua no Ensino Fundamental

II, a coordenadora pedagógica Bia de Educação Infantil e a coordenadora pedagógica Júlia de

Ensino Fundamental.

As participantes desta pesquisa foram escolhidas em função do cargo e do nível de

ensino15 ou da disciplina que ministram, para que se tenha uma maior abrangência no âmbito

da coleta de informações. Todas as participantes estão cientes dos objetivos da pesquisa e que

as informações nela contidas são confidenciais, garantindo a privacidade e o sigilo das

informações individuais obtidas. O modelo do termo de consentimento livre e esclarecido

assinado pelas participantes encontra-se no anexo deste trabalho.

Segue um breve perfil de cada participante:

Mara, 26 anos, é professora de Educação Infantil, cursou o Magistério16, e começou a

lecionar três anos depois de formada como monitora17.

14 Os nomes são fictícios e foram dados por mim para preservar a identidade das participantes. 15 Quando foi feita a opção por entrevistar coordenadores pedagógicos por segmento, ainda não existiam políticas sobre coordenação pedagógica por segmento. No dia 21/12/2007 foi publicado no Diário Oficial do Estado de São Paulo a Resolução SE -88, de 19-12-2007, que dispõe sobre a função gratificada de Professor Coordenador. A Secretaria de Educação considerando que a coordenação pedagógica se constitui em um dos pilares estruturais da atual política de qualidade de ensino e que os Professores Coordenadores atuam como gestores implementadores dessa política, no seu Artigo 1º. indica a coordenação pedagógica por segmento: de 1ª a 4ª. série do ensino fundamental, de 5ª a 8ª. série do ensino fundamental e para o ensino médio. 16 Curso profissionalizante de nível médio, que habilitava a dar aulas na educação infantil e fundamental de 1ª. a 4ª. série. 17 Substituta do professor quando este se ausenta da sala ou auxiliar de professor.

49

Vanessa, 36 anos, é professora polivalente de Ensino Fundamental I, também cursou o

Magistério e depois fez o Normal Superior18.

Patrícia, 27 anos, é professora de Educação Física, fez Licenciatura em Educação

Física e leciona há três anos, após ter feito dois anos de estágio.

Adriana, 29 anos, é professora de Inglês e Ciências, fez Licenciatura em Letras, com

habilitação em Português e Inglês. No momento em que participava do Projeto “Musicalizar

em sala de aula” era professora de Arte e Filosofia. Não é professora efetiva.

Bia, 35 anos, é coordenadora de Educação Infantil, cursou o Magistério, fez o Normal

Superior e o Curso de Pós-graduação Lato-sensu em Gestão Escolar.

Júlia, 53 anos, é coordenadora de Ensino Fundamental, fez o curso Normal (curso de

nível médio, equivalente ao magistério), cursou Pedagogia, Licenciatura em educação artística

e Complementação Pedagógica19 (coordenação pedagógica). O curso de educação artística

dava ênfase ao desenho e às artes plásticas. Não preparava para o ensino de música.

Observa-se que nenhuma possui formação específica em música, mas todas

participaram do curso de formação continuada em música e atuaram como professoras

multiplicadoras no projeto Musicalizar em sala de aula por dois anos.

18 Equivalente ao Curso de pedagogia – habilitação para dar aulas na educação infantil e fundamental de 1ª. a 4ª. Série do Ensino Fundamental ou Ciclo I do Ensino Fundamental e no atual sistema de Ensino Fundamental de 9 anos: do 1º. ao 5º. ano. 19 No caso, equivalente ao Curso de pós-graduação Lato-sensu em Coordenação Pedagógica

50

3.2.2. Instrumento para a coleta de dados

Utilizando-me da abordagem qualitativa optei pela entrevista para a coleta de dados.

Neste caso, a entrevista é considerada em seu caráter de interação social, na qual, “a entrevista

face a face é fundamentalmente uma situação de interação humana, em que estão em jogo as

percepções do outro e de si, expectativas, sentimentos, preconceitos e interpretações para os

protagonistas: entrevistador e entrevistado”. (SZYMANSKI, 2004, p.12).

Partindo dessa perspectiva, a entrevista torna-se também “um momento de

organização de idéias e de construção de um discurso para o interlocutor, o que já caracteriza

o caráter de recorte da experiência e reafirma a situação de interação como geradora de um

discurso particularizado”. (idem, p.14).

A participação do entrevistador e do entrevistado no resultado final é evidenciado pela

forma como se apresenta, pois traz em si significados construídos na interação, na qual está

incluída a subjetividade dos protagonistas, revelando o caráter reflexivo da entrevista.

Segundo Szymanski (2004) a organização do processo de interação inclui a

emergência de significados da situação de entrevista como um todo, além dos significados

referentes ao conteúdo da fala. Sendo assim, a situação interpessoal na entrevista, a história de

vida do entrevistado e seu ambiente sociocultural, também interagem reflexivamente entre si.

A intervenção do entrevistador pode ocorrer no sentido de explicitar sua compreensão do

discurso do entrevistado, que “além da influência mútua”, é considerada como “resultado de

um processo de tomada de consciência desencadeado pela atuação do entrevistador”. (ibidem,

p.17).

A entrevista tem como ponto de partida para a fala do entrevistado, uma questão,

chamada desencadeadora, formulada pelo pesquisador a partir dos objetivos da pesquisa,

tendo em vista o problema de pesquisa, de forma que seja ampla o suficiente para que o

entrevistado possa escolher por onde começar, mas que não o distancie do propósito da

pesquisa. Tendo em vista o objetivo deste trabalho, apresentar e discutir o papel da música na

escola, a partir da concepção que os professores tem da música no desenvolvimento integral

da criança no contexto escolar, a entrevista constou das seguintes questões desencadeadoras:

51

1 – Como é que você se tornou professora/ coordenadora?

2 – Como você vê o processo de desenvolvimento da criança?

3 – De que maneira a música contribui para o desenvolvimento da criança?

4 – Que tipo de música você gosta de ouvir no seu cotidiano? Por quê?

5 – Você levaria essas músicas para a sala de aula: Por quê?

6 – Vou colocar quatro músicas20 para você escutar. Quais das quatro você utilizaria

nas suas aulas? Qual o motivo da(s) escolha(s)? Que tipo de atividade você desenvolveria em

aula com a(s) música(s)? Por quê?

As quatro músicas foram apresentadas na seguinte seqüência durante as entrevistas:

• O Cavaleiro Selvagem de Robert Schumann

• Camaleão do folclore brasileiro

• Fome come de Paulo Tatit e Sandra Peres

• Tema da Pantera-Cor-de-Rosa de Henry Mancini

Escolhi as músicas para o momento de escuta da entrevista, em função do estilo e do

caráter de cada uma, diferindo com relação à época e o contexto em que foram compostas. O

Cavaleiro Selvagem, foi composta para piano solo, é instrumental, do período romântico e de

caráter descritivo. Camaleão é música de tradição oral, possui letra, conhecida também como

brinquedo cantado por crianças, podendo ser incluída na categoria das cantigas de roda. Fome

come também pode ser considerado brinquedo cantado ou jogo rítmico; apesar do jogo

rítmico de passar a lata ter origem na cultura popular infantil tradicional, o arranjo em estilo

Rap e a divulgação em veículo de massa, em formato de videoclipe, coloca a música na

categoria de produto da indústria cultural. O tema da Pantera Cor-de-Rosa se diferencia da

anterior por ser instrumental, sem letra, mas que pode ser enquadrado também na categoria

cultura de massa.

Todas as entrevistas foram realizadas individualmente, nos meses de abril e maio de

2007, conforme possibilidade de local e disponibilidade de horário de cada entrevistada. As

entrevistas foram agendadas por telefone. Todas concordaram em participar da pesquisa no

momento do agendamento da entrevista, e assinaram o termo de consentimento livre e

esclarecido logo após a entrevista.

20 As músicas podem ser ouvidas no Cd que se encontra anexado a este trabalho (faixas 2 a 5).

52

3.3 – PROCEDIMENTOS PARA ANÁLISE DOS DADOS

Após a realização de todas as entrevistas, iniciei o processo de transcrição. Durante a

transcrição, fui percebendo os significados que emergiam da fala das entrevistadas e comecei

a levantar hipóteses de interpretação, iniciando o processo de análise. Conforme lia a

transcrição das entrevistas, anotava nas margens a minha compreensão sobre a experiência

relatada pelas entrevistadas. Esse processo é sugerido por Almeida (in SZYMANSKI, 2004)

em seu estudo sobre o Projeto Noturno, segundo a qual, a proposta de análise de Amadeo

Giorgi, prevê que:

1. O pesquisador leia todo o depoimento para familiarizar-se com o texto que descreve a

experiência, tantas vezes quantas forem necessárias para captar a essência do conteúdo

da fala do entrevistado;

2. Após as sucessivas leituras, uma vez apreendido o sentido do todo, o pesquisador deve

quebrar o todo em partes, já que é impossível analisar simultaneamente um texto

inteiro, colocando em evidência os significados em função do fenômeno que está

sendo investigado;

3. É necessário transformar as expressões cotidianas “ingênuas” do depoente em

linguagem psicológica, formando assim as unidades de explicitação de significados;

4. O pesquisador deve integrar todas as unidades de significado transformadas em uma

descrição consistente, da experiência do depoente, realizando uma síntese.

As transcrições de todas as entrevistas, com a explicitação dos significados que

emergiram da fala das entrevistadas constam no anexo deste trabalho. Foram criados quadros

agrupando-se as unidades de significados de acordo com as categorias definidas a priori, para

que os dados fizessem sentido e a análise, tomando a teoria walloniana como referência, se

tornasse possível. Desses primeiros quadros, alguns foram reagrupados e deram origem a

novos quadros e outros foram mantidos e utilizados na análise. A explicitação dos quadros e a

seqüência utilizada na análise serão descritas adiante.

A seguir apresentamos as categorias e as subcategorias, determinadas a priori, que

foram utilizadas para compor os primeiros quadros para organizar os dados, utilizados para

compor os quadros definitivos deste trabalho:

53

1. A constituição da pessoa do professor e do coordenador pedagógico

1.1. Formação inicial

1.2. Trajetória profissional

1.3. A afetividade na constituição da pessoa do professor e do coordenador pedagógico

1.4. Formação continuada

2. A música no desenvolvimento integral da criança

2.1. Concepções de música e funções atribuídas à musica

2.2. Concepção de desenvolvimento

2.3. Música e dimensão motora

2.4. Música e dimensão afetiva

2.5. Música e dimensão cognitiva

2.6. Música e integração funcional

3. A Música na escola

3.1. Concepção de escola

3.2. A música na escola

Com os quadros prontos, foi possível visualizar melhor os dados, mas ainda assim, era

necessário fazer com que as partes “dialogassem” entre si. Decidi então agrupar algumas

subcategorias e criar outras, em função das categorias propostas. Essas subcategorias,

agrupadas formam as novas categorias que compõem os 3 Eixos de análise (que antes eram

chamadas de categorias), buscando responder às questões que delimitam a discussão a que se

propõe este trabalho.

Assim, as duas categorias que compõem o 1º. Eixo de análise - A constituição da

pessoa do professor e do coordenador pedagógico, foram organizadas em novos quadros:

Quadro 1 - Caracterização das participantes da pesquisa; e Quadro 2 - A dimensão afetiva

que permeia a descrição do processo de formação. Os quadros do 2º. Eixo de análise – A

música no desenvolvimento integral da criança, foram mantidos, à exceção do quadro – (2.1)

Concepções de música e funções atribuídas à musica, que foi agrupado ao quadro – (3.2) A

música na escola, e passou a compor o 3º. Eixo de análise juntamente com o Quadro 3 – Da

escuta musical, que foi criado a partir da questão 6 da entrevista. A seguir, a explicitação e a

estrutura dos eixos e categorias de análise utilizados neste trabalho.

54

1º. Eixo de análise:

A constituição da pessoa do professor e do coordenador pedagógico

Explicitação dos quadros:

O quadro 1 - Caracterização das participantes da pesquisa - apresenta uma síntese

das categorias determinadas a priori: (1.1). formação inicial e (1.2). trajetória profissional. Os

dados foram agrupados a partir da coluna categorização que consta na transcrição integral das

entrevistas, no anexo deste trabalho.

O quadro 2 - A dimensão afetiva que permeia a descrição do processo de formação –

é uma síntese dos sentimentos e de suas situações indutoras, que foram percebidos pela

pesquisadora a partir da imersão nos dados organizados como categorias: (1.3). afetividade e

(1.4). formação continuada (que foram mantidas no anexo como quadro 4, para eventual

consulta). Para facilitar a análise, o quadro 2 foi organizado em duas partes, de forma a

agrupar os sentimentos e situações indutoras de tonalidades agradáveis e de tonalidade

desagradáveis:

• Quadro 2 A – Sentimentos e situações indutoras que predominam no processo

de formação de professoras e coordenadoras pedagógicas – Tonalidades

agradáveis

• Quadro 2 B - Sentimentos e situações indutoras que predominam no processo

de formação de professoras e coordenadoras pedagógicas – Tonalidades

desagradáveis

Estrutura da análise do 1º. Eixo, as categorias e subcategorias:

• Caracterização das participantes da pesquisa

• A dimensão afetiva que permeia a descrição do processo de formação:

a) no começo da trajetória profissional

b) no cotidiano escolar

c) na formação continuada em música

• Síntese do 1º. eixo de análise: a constituição da pessoa do professor e do

coordenador pedagógico

55

2º. Eixo de análise:

A música no desenvolvimento integral da criança

Explicitação dos quadros utilizados no 2º. Eixo de análise (que se encontram no anexo

deste trabalho):

Quadro 6 – (2.2) Concepção de desenvolvimento – apresenta as concepções que as

professoras e coordenadoras pedagógicas têm sobre o desenvolvimento da criança.

Quadro 7 – (2.3) Música e dimensão motora – apresenta as concepções das professoras

e coordenadoras pedagógicas sobre a música na dimensão motora do desenvolvimento dos

alunos.

Quadro 8 – (2.4) Música e dimensão afetiva - apresenta as concepções das professoras

e coordenadoras pedagógicas sobre a música na dimensão afetiva do desenvolvimento dos

alunos.

Quadro 9 – (2.5) Música e dimensão cognitiva - apresenta as concepções das

professoras e coordenadoras pedagógicas sobre a música na dimensão cognitiva do

desenvolvimento dos alunos.

Quadro 10 – (2.6) Música e integração funcional - apresenta as concepções das

professoras e coordenadoras pedagógicas sobre a música na integração funcional do

desenvolvimento dos alunos.

Estrutura da análise do 2º. Eixo, as categorias:

• Concepção de desenvolvimento das professoras e coordenadoras

pedagógicas

• Perspectiva psicológica da música

• A música no desenvolvimento motor

• A música no desenvolvimento afetivo

• A música no desenvolvimento cognitivo

• Síntese do 2º. eixo de análise: a música no desenvolvimento integral da

criança

56

3º. Eixo de análise

A música na escola

Explicitação dos quadros:

Quadro 3 – Da escuta musical – apresenta uma síntese das respostas apresentadas

pelas entrevistadas a partir da questão 6 da entrevista: Vou colocar quatro músicas para você

escutar. Quais das quatro você utilizaria nas suas aulas? Qual o motivo da(s) escolha(s)? Que

tipo de atividade você desenvolveria em aula com a(s) música(s)? Por quê?

As respostas foram organizadas no quadro da seguinte maneira:

• Gosto musical

• Música 1 – O Cavaleiro Selvagem

• Música 2 – Camaleão

• Música 3 – Fome come

• Música 4 – Tema da Pantera Cor-de-Rosa

Quadro 5 – (2.1) Concepções de música e funções atribuídas à música e (3.2) Música

na escola – apresenta o agrupamento das falas das entrevistadas referentes às categorias

criadas a priori (2.1) e (3.2) que nomeiam o quadro.

Estrutura da análise do 3º. Eixo, as categorias:

• Da escuta musical

• Música na escola para quê?

• Síntese do 3º eixo de análise: a música na escola

Para facilitar o acompanhamento da análise por parte do leitor, os dois quadros que

compõem o 1º. Eixo de análise serão apresentados, no corpo do texto do Capítulo IV –

Análise e discussão dos dados. Assim como o Quadro 3 – Escuta musical, que será

apresentado antes do início da análise do 3º. Eixo. Todos os outros quadros constam do anexo

deste trabalho.

CAPÍTULO IV - ANÁLISE E DISCUSSÃO DOS DADOS

O fio condutor de nossa ação é a experiência de cada um, constituída na trajetória pessoal e profissional.

Laurinda Ramalho de Almeida

58

4.1. A CONSTITUIÇÃO DA PESSOA DO PROFESSOR E DO COORDENADOR

PEDAGÓGICO

QUADRO 1

Caracterização das participantes da pesquisa

Mara 26 anos

Vanessa 36 anos

Patrícia 27 anos

Adriana 29 anos

Bia 35 anos

Júlia 53 anos

Professora de Educação Infantil

Professora do Ensino Fundamental I

Professora de Educação Física

Professora de Inglês, Português e Arte

Coordenadora pedagógica da Educação Infantil

Coordenadora pedagógica do Ensino Fundamental

1.1. Formação inicial • Magistério

• Magistério • Normal

Superior

• Licenciatura em

Educação Física

• Licenciatura em Letras (Português-inglês)

• Magistério • Normal

Superior • Especialização

em Gestão Escolar

• Curso Normal (Nível médio)

• Pedagogia • Licenciatura

em Educação Artística

• Complemen-tação Pedagógica (Coordenação Pedagógica)

1.2. Trajetória profissional • Monitora

(auxiliar de professor)

na Ed. Infantil • Professora da Ed. Infantil • Tempo no magistério: 4 anos

• Professora da Ed. Infantil

• Professora do Ensino Fund. I

• Tempo no magistério: 7 anos

• Estagiária como professora de Ed. Física por 2 anos

• Professora de Ed. Física há 3 anos

• Professora de reforço em Língua Portuguesa de 1ª. a 4ª. série

• Professora substituta de Inglês, Português, Filosofia, Arte e Ciências no Ensino Fund. I e Ensino Médio

• Tempo no magistério: 6 anos

• Professora substituta no Ensino Fundamental I

• Professora da Ed. Infantil

• Professora substituta de Língua Portuguesa (8ª. Série)

• Professora no Ensino Fundamental I

• Coordenadora Pedagógica da Ed. Infantil

• Atua na área há 15 anos

• Professora de 1ª. a 4ª. série do Fundamental em Escola Rural

• Professora de 1ª a 4ª série no Ensino Fundamental e professora de Ed. artística de 5ª. a 8ª. série em Escola pública estadual por 25 anos

• Coordenadora Pedagógica do Ensino Fundamental há 7 anos

59

4.1.1. Caracterização das participantes da pesquisa

A formação inicial das professoras entrevistadas é heterogênea. As professoras

polivalentes Mara e Vanessa e as coordenadoras pedagógicas Bia e Júlia cursaram o

Magistério e as professoras especialistas Patrícia e Adriana não cursaram. A professora Mara

de educação infantil é a única que cursou somente o Magistério. Todas as outras entrevistadas

tem formação superior: Patrícia fez Licenciatura em Educação Física, Adriana fez

Licenciatura em Letras (português-inglês), Vanessa e Bia fizeram o Normal Superior e Júlia

cursou Pedagogia e Licenciatura em Educação Artística. Segundo Júlia “...a ênfase era em

desenho e artes plásticas. Música eu vi pouco. Mas quando eu dava aula, eu usava música

para ensinar conteúdos. Eu cantava bastante com os meus alunos. Música para alfabetizar”

(08)21. As coordenadoras fizeram Pós-Graduação Lato-sensu, Bia em Gestão Escolar e Júlia

em Coordenação Pedagógica. Nenhuma possui formação específica em música. Todas

participaram do curso de formação continuada em música.

Vanessa começou a dar aulas quando estava no 4º. ano de Magistério, para uma turma

de Educação Infantil e no momento em que deu a entrevista, dava aulas para o 2º. ano do

Ensino Fundamental22. Vanessa conta que sempre gostou da profissão e confirma dizendo:

“Quando eu ia buscar meu filho na escola e conversava com as professoras, pensava: eu

também ainda vou ser professora” (01).

Patrícia também se tornou professora por causa da admiração que sentia pela

professora de Educação Física, quando estava na 5ª. série. Leciona a disciplina há cinco anos,

tendo iniciado como estagiária e há três anos é professora efetiva.

21 As transcrições de todas as entrevistas, com a explicitação dos significados das falas das entrevistadas encontram-se no anexo deste trabalho. Os números colocados entre parênteses, no final do trecho da transcrição da fala de cada entrevistada, bem como o nome fictício de cada uma (salvo quando se trata de citação da fala), foram colocados a fim de facilitar a sua localização no corpo da transcrição integral das entrevistas que consta no anexo deste trabalho. 22 No momento em que as entrevistas foram realizadas, as escolas passavam por um período de transição entre o sistema de ensino fundamental de 8 anos (divididos em séries) para o sistema de ensino fundamental de 9 anos. Sendo assim, as professoras ora utilizam o termo série, ora se referem à série utilizando a nova nomenclatura: ano.

60

Eu gostava tanto da disciplina educação física quanto da professora. Ela se tornou um modelo para mim. Era muito organizada nas aulas, e eu também procuro ser. E ela como pessoa, era maravilhosa, tratava todo mundo bem, dava atenção, todos os alunos gostavam dela. Era muito amiga, conversava sobre tudo, então todos os alunos contavam as coisas para ela e qualquer problema que os alunos tivessem ela estava sempre disposta a ouvir e ajudar.(01) PATRÍCIA

Adriana começou como professora substituta da disciplina de Língua Portuguesa

quando estava cursando a Faculdade de Letras. Já deu aulas de Inglês, Filosofia, Arte e

Ciências no Ensino Fundamental II e no Ensino Médio. É contratada, mas não é efetiva na

escola pública. Adriana gosta de música e dá aulas de Arte como professora substituta, mas

não tem formação específica na área. No momento da entrevista, desenvolvia um projeto

interdisciplinar com alunos de 8ª. série a partir do musical “Os saltimbancos” de Chico

Buarque. Adriana conta que seu pai assistiu ao musical de Chico Buarque em pleno período

da Ditadura Militar no Brasil, levado por sua avó, que como professora, valorizava tanto a

participação política quanto as artes. Por isso, tem grande admiração pela avó, e diz: “...ela

sabe muita coisa e acho que também foi por isso que virei professora. Minha avó foi

professora de 1ª. a 4ª. série e depois virou diretora. Ela foi diretora de uma escola grande de

São Paulo. O meu pai também é professor. Venho de uma família de professores” (29).

As três professoras têm em comum, a admiração que sentiam por um determinado

professor, criando uma expectativa positiva em se tornar professora, que as influenciou na

escolha pela profissão. Segundo Mahoney e Almeida (2005): “Queira ou não, o professor é

um modelo, na sua forma de relacionar-se, de expressar seus valores, na forma de resolver

conflitos, na forma de falar e ouvir” (MAHONEY e ALMEIDA, 2005, p. 26).

Bia, coordenadora pedagógica de educação infantil, iniciou sua carreira como

substituta de uma professora do ensino fundamental, que havia saído de licença-maternidade,

quando ainda estava cursando o 2º. ano de Magistério. Foi professora de educação infantil,

professora de Português para turmas de 8ª. série e professora polivalente de 4ª. série do ensino

fundamental, antes de assumir o cargo de Coordenadora Pedagógica da educação infantil. Atua

na área de educação há 15 anos. Quando Bia começou a dar aulas, sentiu medo por nunca ter

lecionado, mas superou o medo e descreveu o sentimento de satisfação e orgulho, dizendo:

“Aí, foi uma correria grande, mas fui gostando da coisa. Fui gostando, fui gostando, fui

gostando, nunca mais eu parei” (02).

61

Mara, professora de educação infantil, começou a trabalhar muito cedo, aos oito anos

de idade, ajudando os pais em um pequeno comércio local. Não pensava em ser professora e

queria trabalhar em uma “firma”. Enquanto cursava o Magistério, trabalhou em uma pequena

empresa onde segundo ela, fazia um pouco de tudo, conferia pedido, trabalhava na máquina.

Começou a lecionar três anos depois de formada, como monitora, na educação infantil. Um

ano depois, tornou-se professora na mesma escola. Mara descreve de modo semelhante a Bia,

as impressões com relação ao início da carreira:

No primeiro momento eu pensei: não quero, meu Deus, a primeira impressão é que quase morri, não dá, fiquei com medo. Sei lá, crianças de 4 anos, pequenas e eu não tinha uma sala minha e tinha que trabalhar em todas, quando precisava. Eu entrava numa sala, era insegurança, porque eu sempre pensava que eu não queria isso. Sempre fui voltada pra outras áreas, mas pensei eu vou tentar. No ano seguinte, peguei uma sala, como professora e (...) aí eu fui atrás das coisas, e fui gostando mais e estou até hoje. Mas foi difícil no começo.Eu tinha medo das crianças se machucarem, de eu não dar conta, pensava será que estou fazendo certo ou errado, as crianças eram pequenas, mas eu falei vou tentar. (02) MARA

Júlia, coordenadora pedagógica de educação fundamental, também só começou a

lecionar depois de formada. Começou dando aulas em uma escola pública rural e diz ter

enfrentado dificuldades no início da carreira, ocasionadas pela diferença entre a situação

vivida durante período de estágio e curso de magistério e a realidade encontrada:

Voltando à história da minha formação, quando eu terminei o magistério, eu fui dar aula num sítio longe, longe, longe, que era multiseriado, com 1ª. Série, 2ª. Série, 3ª. e 4ª. Então, eu nem bem me formei, fui dar aula e não tinha prática. Do que eu estudei, era outra a realidade, completamente diferente do que eu vi no curso de magistério. (03) JÚLIA.

Depois de um ano na primeira escola, Júlia mudou para outra escola rural, onde

permaneceu por mais um ano. Passou em um concurso público que possibilitou o seu ingresso

como professora em uma escola da cidade, onde lecionou por 25 anos. Quando estava prestes

a se aposentar, tornou-se coordenadora pedagógica. É coordenadora pedagógica na educação

fundamental há sete anos. Apesar dos 25 anos de experiência no magistério, no momento em

que virou coordenadora, Júlia também teve sentimentos parecidos aos de Bia e Mara:

No começo fiquei muito insegura de pegar a coordenação, apesar dos 25 anos em sala de aula. Eu tinha uma insegurança de que eu não ia me dar bem, porque achava que ia ser difícil tomar conta de professor, porque dizem que o coordenador é sanduichão, porque se fizer cara feia já não gostam e se agradam já abusam, e aí fica como uma mãezona, mas não se pode fazer as coisas sem o aval da diretora. Tem que mediar a relação entre os professores e a direção (02). JÚLIA

62

Ao descrever a formação inicial e o começo da trajetória profissional das

entrevistadas, percebeu-se que não seria possível dissociar essa formação do começo das suas

trajetórias profissionais, tendo em vista que, muitas vezes o começo da trajetória profissional

das professoras ocorre durante o período de estágio. Outro fator relevante, é que o processo de

formação de professores, na perspectiva da teoria de Wallon, tem como intencionalidade a

construção da pessoa completa, constituída nas relações interpessoais ao longo de suas

trajetórias. De acordo com Almeida (2004b) quando se refere à concepção de escola de

Wallon, “o professor é uma pessoa completa” que se relaciona com o aluno, “também pessoa

completa, integral, ambos com afeto, cognição e movimento”, que se influenciam

mutuamente e estão em constante processo de transformação. Nesse sentido, Almeida

esclarece que ao falar de formação de professores está se referindo não só à formação inicial,

mas também à formação continuada, pois “(...) a formação inicial é o primeiro momento da

formação continuada e que esta, portanto, não é apenas uma etapa de atualização daquela; ou

seja, todos nós temos um percurso de formação profissional que começa na formação inicial e

se prolonga por toda a vida”. (ALMEIDA, 2004b, p. 22 e 23).

Percebeu-se também que, em todos os casos, a dimensão afetiva encontrava-se

presente no sentido walloniano do termo afetividade, isto é, na “(...) disposição do ser humano

de ser afetado pelo mundo externo/interno por sensações ligadas a tonalidades agradáveis ou

desagradáveis”. (MAHONEY e ALMEIDA, 2005, p.19).

Surgiu então, a necessidade de se identificar os sentimentos que predominam no

processo de formação das entrevistadas e suas situações indutoras, que pudessem indicar os

fatores que influenciam as transformações que ocorrem ao longo da trajetória profissional das

professoras e coordenadoras pedagógicas, nos diferentes momentos da formação, tendo em

vista a constituição da pessoa completa e integrada do professor e do coordenador

pedagógico.

(...) a identificação de sentimentos e de suas situações indutoras pode ser uma boa base para a discussão com professores, fornecendo-lhes indicadores úteis para que iniciem a reflexão sobre sua prática, levando em consideração a dimensão afetiva, lembrando sempre que as situações indutoras desvelam necessidades de professores e alunos a ser satisfeitas. (MAHONEY e ALMEIDA, 2007, p.23).

63

QUADRO 2

A dimensão afetiva que permeia a descrição do processo de formação

Quadro 2 A – Sentimentos e situações indutoras que predominam no processo de formação de professoras e coordenadoras pedagógicas – Tonalidades agradáveis

NA FORMAÇÃO INICIAL (incluindo período de estágio e início de carreira) Sentimentos Situações indutoras

Admiração, respeito e orgulho • Atitudes positivas com relação à educação por parte de professor que conhece

Satisfação e alegria • Descobrir que se constitui professor no cotidiano da sala de aula

• Gostar de dar aulas • Gostar dos alunos e colegas • Reconhecimento dos alunos

NO COTIDIANO ESCOLAR Sentimentos Situações indutoras

Confiança • Apoio dos colegas • Diálogo com os alunos

Satisfação e orgulho • Atendimento adequado de suas necessidades e de seus alunos

• Conseguir fazer a inclusão de aluno com deficiência

• Aprender a ser professora • Observar respostas positivas dos alunos

NA FORMAÇÃO CONTINUADA EM MÚSICA Sentimentos Situações indutoras

Alegria • Novas aprendizagens • Ampliar as possibilidades de atuação • Aprender música trouxe sensação de bem-

estar para alunos e professores Confiança • Ampliar as possibilidades de atuação em

sala de aula a partir da utilização da música como recurso

• Melhor relacionamento entre alunos e professores

Satisfação • Conhecer músicas novas • Melhor relacionamento entre os alunos • Novas aprendizagens • Aumento do repertório de atividades • Novos desafios para os alunos • Entender a importância da música para o

desenvolvimento da criança • Conseguir trabalhar de forma

interdisciplinar Esperança • Quando professor muda de atitude com

relação às possibilidades que a música oferece

64

Quadro 2 B - Sentimentos e situações indutoras que predominam no processo de formação de professoras e coordenadoras pedagógicas – Tonalidades desagradáveis

NA FORMAÇÃO INICIAL (incluindo período de estágio e início de carreira) Sentimentos Situações indutoras

Medo e insegurança • Nunca ter lecionado • Falta de experiência • Achar que não vai conseguir cumprir com o

dever ou lidar com os alunos Tristeza • Falta de recursos materiais para o professor

ou alunos • Acesso difícil até a escola

NO COTIDIANO ESCOLAR Sentimentos Situações indutoras

Tristeza e desânimo • Problemas que extrapolam a sala de aula • Situações de conflito com os alunos • Explosões de raiva por parte de aluno

Preocupação e apreensão • Lidar com questões ligadas à adolescência, como: sexualidade e gravidez precoce

• Lidar com crianças pequenas, agitadas Indignação • Atendimento inadequado das necessidades

dos alunos por parte dos professores NA FORMAÇÃO CONTINUADA EM MÚSICA

Sentimentos Situações indutoras Frustração • Não fez o curso e agora quer fazer

• Queria ter mais conhecimento musical, aprender a tocar um instrumento musical para ampliar as possibilidades de atuação em sala de aula

65

4.1.2. A dimensão afetiva que permeia a descrição do processo de formação

Os relatos das professoras e coordenadoras pedagógicas com relação à formação, em

todos os momentos, são permeados tanto por sentimentos de tonalidade agradável quanto

desagradável. Os sentimentos de tonalidades agradáveis são descritos pelas entrevistadas, na

maioria das vezes, a partir da utilização do verbo gostar, exprimindo idéia de admiração,

satisfação, orgulho e alegria.

a) No começo da trajetória profissional

Na formação inicial, os sentimentos de tonalidade agradável que predominam são de

admiração, respeito e orgulho, pelos professores que influenciaram em suas formações,

percebendo nesses professores, atitudes positivas com relação à educação, como foi descrito

anteriormente. Os sentimentos de tonalidade desagradável, como medo, insegurança e

frustração, são causados pela falta de experiência, por nunca terem lecionado, por achar que

não iriam conseguir cumprir com o dever ou lidar com os alunos; ao perceber as diferenças

entre a formação acadêmica e a prática cotidiana de sala de aula.

Ainda lembro do medo no primeiro dia de aula da EMEI23. Pedi para outra professora ficar comigo na sala. (13) BIA.

Falta experiência, porque tem criança que é mais danada, outras mais quietinhas. Quando eu comecei entrei numa sala com crianças muito agitadas e eu pensei, meu Deus, será que vai dar certo, será que é isso, que é assim mesmo? Quando a gente faz magistério, você faz as disciplinas, que te dá aquela base, faz o estágio, mas nada como a prática pra te ensinar. Num primeiro momento, ninguém pode falar que no começo foi sensacional, porque você fica mesmo com receio. (03) MARA.

Eu achei que não ia ter muita paciência assim com crianças, de ficar o tempo inteiro na sala e eu tinha medo de não conseguir alfabetizar.(01) ADRIANA.

Além do sentimento de medo, insegurança e frustração, o sentimento de tristeza é

descrito pelas professoras quando se referem à falta de boas condições de trabalho e à

condição sócio-econômica do aluno. No entanto, quando as professoras percebem que o seu

trabalho está sendo reconhecido pelo aluno, manifestado através de demonstrações de carinho,

o sentimento de tristeza dá lugar à satisfação.

23 EMEI – sigla que significa Escola Municipal de Educação Infantil.

66

Onde nem tinha muita merenda, as crianças não tinham poder aquisitivo, não tinham caderno e eu tinha que ajudar até nisso, comprando papel e caderno. A escola rural era longe, quando chovia não dava para chegar. Meu pai resolveu até comprar um Jipe para me levar para a escola, a estrada era de terra. Foi uma época muito triste, quer dizer, triste não, eu tive um apego muito grande a essas crianças, elas eram muito carinhosas, super amorosas. (04) JÚLIA.

O apoio de professoras mais experientes demonstra ser um caminho importante na

superação dos sentimentos de tonalidade desagradável.

E mesmo sem experiência, eu procurava aprender com as professoras mais antigas, pra me dar um apoio, para saber o que eu poderia trabalhar com aquela sala. (05) JÚLIA.

Considerar a comunidade como parte do contexto que envolve as relações no cotidiano

escolar, estabelecendo uma relação de parceria com a família dos alunos, ajuda o professor a

identificar as necessidades desses alunos e a vencer os momentos de incerteza e insegurança.

Peguei uma sala com 35 alunos que diziam que eram terríveis. Colocaram muito medo na minha cabeça. Falaram que tinha muito problema. E tinha o contato com as mães. Não é como na EMEF. A mãe vai levar e pegar a criança na porta, elas querem falar com você. Mas um menino que era considerado um problema, eu acabei virando amiga da mãe. Então as crianças que eram um problema, não são um problema para mim hoje. (13) BIA

O aprender na prática cotidiana traz satisfação e alegria, contribuindo para a

superação do sentimento medo. Ao afirmar que gostam cada vez mais de dar aulas, estão

consolidando sua identidade como professora. É o primeiro momento de transformação na

constituição da pessoa da professora.

No ano seguinte, peguei uma sala, como professora e aí minha concepção mudou. Aí eu fui atrás das coisas, e fui gostando mais e estou até hoje. (...) Depois, a gente vai pegando novas turmas, vai acostumando, aprendendo, pegando novas fases. (03) MARA

Ao aceitar o aluno no ponto em que está e que a educação é uma relação evolutiva, o

professor demonstra conhecer as necessidades do aluno e pode passar a atendê-las

adequadamente, adquirindo a confiança necessária à sua atuação.

Eu entrei na sala e não sabia o que estava fazendo, mas achei legal. Eu dava aula de 1ª. a 4ª. série, de reforço de língua portuguesa como substituta, já que eu fazia faculdade de Letras. E estou dando aula até hoje. (...) Dando aulas, eu descobri casos de crianças na 5ª. Série que ainda não é alfabetizado, tem dificuldades e a gente tem que ajudar. (03) ADRIANA

67

Enquanto para as professoras, o foco se volta para as necessidades específicas de seus

alunos, com o modo pelo qual o conhecimento será transmitido e a sua relação com as

famílias desses alunos, o coordenador pedagógico tem em sua função, o desenvolvimento dos

professores, que envolve a relação com os alunos, a família e a comunidade.

Eu virei coordenadora este ano. E de novo está sendo um desafio. Lidar com os professores. Mas aprendi muito com as mães e com as crianças da EMEI. (14) BIA

A formação inicial da coordenadora pedagógica também não se limita ao âmbito

acadêmico, tendo sido iniciado durante o período em que se constituía professora. Os

sentimentos frente ao novo, ao assumir o cargo de coordenadora pedagógica são semelhantes

ao início de sua carreira como professora, só que agora, com foco no desenvolvimento dos

professores, constituindo-se também formadora.

Portanto, cabe ao coordenador identificar também as necessidades dos professores, das

famílias dos alunos, ao mesmo tempo em que deve atentar para as suas próprias necessidades,

pois alerta Almeida (2006): “O coordenador, tal qual o professor, tem uma tarefa que implica,

e talvez dobrado, grande investimento afetivo. Cuidar de seu fazer, cuidar do conhecimento já

elaborado, cuidar de seus professores requer envolvimento e desgaste emocional”.

(ALMEIDA, 2006, p.57).

As necessidades das professoras e das coordenadoras pedagógicas na formação inicial

e no começo da trajetória profissional, desveladas a partir das situações indutoras, foram de:

•••• Ter o apoio de colegas mais experientes;

•••• Ter espaço para discutir as questões do cotidiano escolar;

•••• Ter melhores condições materiais para a condução de seu trabalho;

•••• Aprender com os professores mais experientes e com a própria prática;

•••• Aproximar o professor em sua formação inicial das situações da prática

cotidiana escolar, levando-o a refletir sobre essa prática a partir das diversas

teorias as quais tem acesso nesse momento de formação;

•••• Ter acesso a uma prática diversificada durante o processo de formação inicial.

68

b) No cotidiano escolar

Os sentimentos de preocupação e apreensão, captados nas entrevistas, revelam que as

professoras reconhecem que os alunos possuem necessidades específicas, em cada estágio do

desenvolvimento e demonstram sentir indignação, quando percebem que as necessidades

desses alunos não estão sendo satisfeitas adequadamente. Quando conseguem atender

adequadamente às suas necessidades e a de seus alunos, sentem satisfação e orgulho.

Depois, outro trauma: entrar no pré. Por que a EMEF24 é uma realidade, o pré é outra. Na EMEF a gente aprende a ser, eu acho... muito dura.Você vê o aluno de uma outra maneira. Não vê que o aluno tem uma história, que é uma criança que passou por poucas e boas. Você não vê. Eu nunca vi uma EMEF que tem um bichinho, uma parede enfeitada... é só letra, cartaz, letra, cartaz (03). BIA No ano passado, quando peguei uma 4ª. série foi totalmente diferente. Muita conversa, não foi só lição, lição, lição. Muita conversa com os alunos. E isso influencia na aprendizagem, por causa da confiança.Eu acho que se eu não tivesse passado pela EMEI, eu não saberia fazer o que eu fiz. (06) BIA

A coordenadora pedagógica Bia consegue perceber, como lembra Almeida, que “o

aluno é uma pessoa concreta, constituída tanto de sua estrutura orgânica como de seu contexto

histórico, e traz inúmeras possibilidades de desenvolvimento que podem ser efetivadas

conforme o meio lhe ofereça condições”. (ALMEIDA, 2004a, p.125). As falas ressaltam a

necessidade de um ambiente que motive a aprendizagem, o respeito pela história do aluno e o

estabelecimento da confiança através do diálogo. Bia descreve também uma situação de

inclusão, na qual o estabelecimento do diálogo entre os professores, a coordenação e a

direção, foi fundamental para o encaminhamento de uma solução visando o interesse do

aluno, com foco no atendimento das necessidades específicas do aluno em questão.

Ele teve meningite e todo mundo só criticava ele. Mas quando chegou o final do ano, eu não concordava com o que acontecia com ele. Ele estava 3 anos na 4ª. série. Ele sabia palavras simples e contas simples. Aí eu falei com a diretora. Ele vai fazer 16 anos e vocês vão mandar ele pro EJA (Educação de jovens e adultos), onde só tem adultos, pessoas idosas e fora da realidade dele, de jovem, e vai virar um outro problema. Ele precisa conviver com outros jovens. Porque não deixar esse menino viver a idade que ele tem. Porque o problema dele a escola não vai sanar. Ele tem uma carta do médico avisando que a meningite deixa seqüelas, cognitivas mesmo. Então, uma professora, eu, a coordenação e a direção debatendo o assunto, resolvemos mandar para a 5ª. Série. Hoje ele dá risada, conversa, brinca, como alguém da idade dele. (10) BIA

24 EMEF – Sigla que significa Escola Municipal de Educação Fundamental.

69

A preocupação com as questões ligadas ao período da adolescência também se faz

presente no discurso das professoras. A necessidade apontada é de diálogo com os alunos.

... e hoje em dia a gente tem que ser um pouco psicólogo, os adolescentes tem muito problema com namorado, aluna grávida. A gente tem que aconselhar. Com os alunos, a gente começa a falar sobre isso na 5ª. Série, de leve. (06) ADRIANA. O professor tem que fazer muito mais do que só ensinar o conteúdo da matéria, e precisa prestar atenção no desenvolvimento, da necessidade de cada um, que é diferente nos alunos que tem mais facilidade e dos que tem dificuldades, e tem que ser um pouco de tudo, pelo menos aqui. Acho que os alunos são muito carentes, e o professor precisa ser amigo, conversar. (07) ADRIANA

As falas revelam que as professoras consideram a dimensão afetiva do aluno no

processo ensino-aprendizagem e que a escola não se limita à instrução, mas deve ser

instrumento para o desenvolvimento da pessoa em todas as suas dimensões.

Na teoria walloniana, o professor desempenha um papel ativo na constituição da pessoa do aluno. Como a teoria enfatiza a pessoa com as dimensões afetiva, cognitiva e motora integradas e se nutrindo reciprocamente, o professor deve basear sua ação fundamentado no pressuposto de que o que o aluno conquista no plano afetivo é um lastro para o desenvolvimento cognitivo, e vice-versa. (ALMEIDA, 2004a, p.126).

As professoras sentem confiança quando conseguem lidar com as dificuldades em sala

de aula, verificam uma resposta positiva do aluno, recebem o apoio dos colegas e conseguem

estabelecer o diálogo tanto com o aluno quanto com os colegas.

Eu acho que você aprende muito conversando com o aluno. Os alunos contam muita coisa. É a confiança. Eu já sou muito de escutar. Então, sou muito de conversar. (...) E foi na EMEI que aprendi a não ter medo do toque, do beijo, do abraço. Porque antes era uma coisa muito fria. Até lembro de um aniversário de uma diretora em Santana, que quando fui abraçar, disseram que o meu abraço tinha dois metros de largura. E superar o medo do toque me ajudou muito. Até mesmo a ser mais brincalhona. (...) Mudei meu jeito de ser com os colegas da escola, porque na EMEI as pessoas são mais próximas que na EMEF, pois entendem o que você quer falar, sabem ouvir. (11,12 e 19) BIA

Percebe-se também que os sentimentos de tonalidade agradável, descritos como

carinho e afeto, apresentam-se muitas vezes por manifestações epidérmicas, ou seja, por

beijos e abraços. Na teoria de Wallon, conversar, ouvir, rir e olhar para cada um, também é

afeto, só que mais evoluído, racionalizado. Ao criar um clima receptivo e descontraído,

deixam à mostra suas disposições humorais e abrem um canal de comunicação mais livre com

os alunos, propiciando o diálogo e a confiança.

70

O papel do conflito e da crise

As situações de conflito entre professor e aluno são comuns no cotidiano escolar. Os

sentimentos de tristeza e desânimo são percebidos nas falas das entrevistadas, quando relatam

situações de conflito com os alunos e percebem que muitos problemas extrapolam a sala de

aula, situações na qual, segundo a coordenadora pedagógica Júlia, a escola se vê obrigada a

assumir o papel que cabe à família.

Agora, tem aluno de 8, 9 anos que agrediu uma professora, chutando e a professora ficou segurando e disse para o aluno: eu não tenho medo de você. Ficou segurando até ele se acalmar. E o aluno ficou falando também: eu não tenho medo de você. Aí foi se acalmando, mas acho que as coisas estão muito difíceis na escola, porque a gente tem que ensinar, mas também tem que assumir a parte que cabe à família (16).JÚLIA.

Um dos objetivos da educação proposta por Wallon, é educar para uma maior

humanização, a partir do incentivo e exercício do apoio mútuo, do cuidar e ajudar o outro,

desenvolvendo o sentido de cooperação, solidariedade e justiça social. De acordo com a

concepção walloniana de escola, abordada por Gulassa, os professores precisam ser alertados

“(...) para que percebam seus alunos não só como aqueles que precisam ser instruídos, mas

como aqueles que precisam ser educados”. (GULASSA, 2004, p.116).

O rapaz foi chamado na diretoria e teve uma crise de choro. Começou a chutar a carteira, falar palavrão e eu só olhava para ele. Não me alterei. E disse: não vou conversar com você nesse estado. Quando você se acalmar, quando tudo passar você vem falar comigo. Eu vou até esquecer todos os palavrões que você está falando. Aí eu virei e fui passar a lição e a diretora é calma, tranqüila. Ele se explicou e tudo bem. Mas eu nunca vou me esquecer. Ele foi ficando ao meu lado, pediu licença, e falou: professora, você me desculpa? E eu: Desculpa, do quê? Não, sabe o que é que é, estava nervoso, falei um monte de palavrão, vou explicar pra senhora. Aí ele me contou tudo. (08) BIA

A coordenadora pedagógica Bia demonstra saber lidar com a emoção, racionalizando-

a, tanto no aluno como em si mesma, pois percebe suas emoções, reconhece seus sentimentos

e não se deixa contagiar pela emoção do aluno nas situações em que a temperatura emocional

se eleva. Na teoria de Wallon, segundo Almeida, “a emoção é contagiosa, alimenta-se dos

efeitos que produz; para que ocorra a aprendizagem, é necessário reduzir a temperatura

emocional; o par razão-emoção perdura a vida toda, e seu equilíbrio é sempre precário,

voltando a emoção a dominar toda vez que o indivíduo se vê numa situação de imperícia”.

(ALMEIDA, 2007, p.82).

71

Wallon explica que “entre a emoção e a atividade intelectual existe a mesma evolução,

o mesmo antagonismo”. No desenvolvimento psíquico, a intuição prática, isto é, o sentido de

uma situação, despertado pelas atividades e pelas disposições e atitudes que suscita, precede o

poder de discriminação e compreensão. “Entre indivíduos, é o acordo ou a reciprocidade das

atitudes que podem em primeiro lugar realizar uma espécie de contacto e de entendimento

mútuos mas ainda totalmente absorvidos pelos apetites ou pela impulsividade do momento

presente”. (WALLON, 2005, p.143).

Mahoney e Almeida esclarecem: “o aparecimento de uma imagem que resulte da

comparação ou de uma previsão só poderá nascer reduzindo-se gradualmente as reações

posturais, isto é, as emoções; sempre que voltarem a dominar as atitudes afetivas a imagem se

confundirá”. (MAHONEY e ALMEIDA, 2005, p.21).

As necessidades dos alunos no cotidiano escolar, desveladas a partir das situações

indutoras, foram de:

• Ter um ambiente estimulador e motivador que favoreça a aprendizagem;

• Ser escutado e poder falar, estabelecendo vínculos de confiança mútua com seu

professor;

• Ser considerado também em sua dimensão afetiva, respeitando-se seu estágio

de desenvolvimento, suas condições sócio-econômicas, no seu contexto

histórico e social.

As necessidades das professoras e coordenadoras pedagógicas no cotidiano escolar,

desveladas a partir das situações indutoras, foram de:

• Dar voz ao aluno, poder falar e ser escutada pelos seus pares e também pela

coordenação e/ou direção, estabelecendo vínculos de confiança;

• Estabelecer parceria com a família do aluno para melhor atender às

necessidades dos mesmos;

• Ser considerada em sua dimensão afetiva;

• Criar um ambiente estimulador e motivador que favoreça a aprendizagem.

72

c) Na formação continuada em música

Lembrando que todas as participantes desta pesquisa freqüentaram voluntariamente

um curso de formação continuada em música, seguem algumas razões pelas quais fizeram o

curso:

• Por gostar e acreditar que toda criança gosta de música, considerá-la importante no

processo de desenvolvimento e ser um recurso facilitador no processo ensino-

aprendizagem;

Bom, primeiro, toda criança gosta de música. Então, música é importante para a formação da criança para a vida (06). VANESSA É arte e a gente precisa de arte para viver.(09) PATRÍCIA Eu também gosto de música, e acho que escolhi trabalhar com música, primeiro porque dei aula de artes e música faz parte, e também porque sou meio complicada, eu penso numa aula, e depois, mudo tudo. De repente, eu estou em casa, penso numa coisa, resolvo fazer uma coisa, e quando chego na aula, começo a conversar com eles (os alunos) e eles começam a falar outra coisa, mudo na hora e começo a fazer outra coisa, e aí com a música, consigo criar algo divertido e diferente. (21) ADRIANA Acho que através da música a gente consegue mostrar outras realidades, de um jeito mais divertido. Criança gosta de música, então fica mais fácil conversar com eles sobre muitas coisas. Os alunos não conversam em casa, e assistem muita televisão também, quando não estão na rua (44).JÚLIA

• Queria aprender música, pois não teve música em sua formação;

Eu não tive música na minha formação, nem no magistério, nem no normal superior.(...) Eu penso que se eu tivesse mais formação musical, acho que ficaria mais fácil para criar mais coisas. Queria aprender a tocar violão. (07 e 10) VANESSA Sabe, eu não brinquei muito de roda quando era criança, porque tive que trabalhar desde os 8 anos, mas as meninas (professoras e monitoras) aqui brincam bastante. Por isso eu procurei o curso de música. Aprendi muitas músicas que eu não conhecia.(19) MARA

• Familiares cantam e tocam violão;

O gosto por música veio do meu pai. Meu pai gostava de compor e tocar violão. Ele quase gravou um disco, mas as circunstâncias do momento não permitiram, mas passou esse gosto pela música para os filhos. Meu irmão também toca violão, compõem e canta. Eu não toco, mas também gosto de cantar e compor, coisas pequenas, assim, fazer letras, criar canções para crianças.(08) VANESSA

73

• Já utilizava música em sala de aula;

Eu já trabalho com música nas aulas. Sempre trabalhei, porque na faculdade eu já tive um pouco de contato com atividades com música. (10) PATRÍCIA

• Teve experiências positivas com música em sala de aula.

Eu peguei numa época, com a 8ª. Série, um trecho de uma música do Fábio Júnior e cantei para eles (a entrevistada canta um trecho da música). É que eu não me lembro o nome da música. Aí, eu coloquei a música para tocar na aula. A música tocava muito no rádio, na época. Pedi que fizessem uma redação enquanto a música tocava.(...) Deu certo, porque nenhuma redação foi boba. Todos esqueceram do que a música falava, mas entraram na música, no que ela passou e contaram da família, coisas alegres, coisas tristes. E eu guardei essas três cartas. Tanto que no ano passado, na 4ª. série, voltei a mexer com música. Eu achei o máximo. (...) A música fez com que os alunos se abrissem. (20 e 23).BIA

Os sentimentos descritos pelas professoras e coordenadoras pedagógicas, com relação

à formação continuada em música, foram em sua maioria de tonalidade agradável. O único

sentimento de tonalidade desagradável percebido nas entrevistas, foi o de frustração, por

querer ter mais conhecimento musical e aprender a tocar um instrumento musical, que

possibilitaria ampliar as possibilidades de atuação em sala de aula. A coordenadora

pedagógica Júlia observou que os professores que não fizeram o curso, ao constatarem

melhoras no desempenho dos alunos e dos professores, com a utilização da música em sala de

aula, ficaram frustrados por não terem participado.

Depois do curso, fiquei pensando que eu podia ter ampliado um pouco a questão da cultura, dos tipos de música, das épocas, acho que dava para pensar um pouco mais sobre o que eles ouvem como agora, o funk e falar sobre os gostos e como a mídia influencia nas nossas escolhas. (27) BIA

Eu penso que se eu tivesse mais formação musical, acho que ficaria mais fácil para criar mais coisas. Queria aprender a tocar violão (10).VANESSA

Os professores que foram no curso do Projeto eram os que estavam realmente interessados, mas acho que agora é que está repercutindo, porque tem professor que pergunta quando vai ter curso de música de novo. Quando teve, não tiveram muito interesse, mas agora querem, por causa dos professores que fizeram e aplicaram com seus alunos (31).JÚLIA Mas ele não fez o curso e agora quer fazer, porque percebeu que os professores que fizeram o curso, sabem atividades diferentes de só tocar, que aliás a maioria não sabe tocar um instrumento, mas coloca um cd, faz as atividades de escutar e desenhar, de escutar o som e o silêncio, de perceber a diferença dos sons, dos jogos com música, de dançar.(33) JÚLIA

74

Os sentimentos de tonalidade agradável foram captados pela pesquisadora como sendo

de alegria, satisfação e esperança, todos manifestando sensação de bem-estar. O sentimento

de alegria foi descrito pelas expressões: muito bom, estou me sentindo bem, melhorou,

transformou, trouxe bem estar e ficou bem.

Foi muito bom! Muito bom mesmo, gostei muito, melhorou. Antes era muito parado, me sentia mal.(08) MARA

Então com o curso de música, proporcionou muita coisa nova,muita atividade, muito bom, muito bom mesmo. Transformou. Agora estou me sentindo bem. Então a música foi boa por causa disso. Porque além da criança, o professor também ganhou com isso. Ficou bem. Trouxe bem estar. Para os dois lados. (09) MARA

O sentimento de satisfação e esperança foi manifestado através dos verbos: conhecer,

trabalhar, desenvolver, ajudar, ampliar, conhecer, fazer, aprender, gostar, perceber.

No curso conheci outros tipos de música e que dá para trabalhar com as crianças. (17)MARA (satisfação)

As atividades que eu desenvolvo são baseadas no curso que a gente fez de capacitação em música, que ajudou bastante. Ampliou as possibilidades.(11) VANESSA (satisfação) Eu conheci a música no curso. Para eles foi um desafio, porque tinha que fazer os movimentos e passar a latinha e ainda aprender a letra. Alguns já sabiam por causa do Projeto de música. Eu trabalhei essa música do Fome Come com a 7ª. Série. Achei que por causa da dificuldade, do desafio e de ser conhecida, eles gostaram. (26) ADRIANA(satisfação) Antes eles gostavam de música mas não entendiam sua importância para o desenvolvimento e aprendizagem. Desde desenvolver a atenção, a concentração, trazer a calma e tranqüilidade até usarem a música nas aulas, em projetos na escola, de forma interdisciplinar. (27) JÚLIA (esperança)

Aos poucos os outros professores também percebem os benefícios que a música traz. Acho que o interesse pela música vai além do projeto que acabou no ano passado. Acho que agora é que está dando frutos de verdade.(31) JÚLIA (esperança) É diferente quem faz o curso de quem aprende com o outro professor que fez. Acho que foi bom, mas os professores têm vontade de aprender com um professor de música de verdade. (32) JÚLIA (esperança) Acho importante saber tocar, mas se não sabe, também pode trabalhar com música. Acho que isso foi o mais importante do curso. De nós percebermos que dá para trabalhar música sem saber tocar um instrumento, que dá para ter música na escola. E que música é importante para o desenvolvimento da criança.(37) JÚLIA (esperança)

75

A formação continuada em música foi percebida como o momento de maior

predomínio de sentimentos de tonalidade agradável, desde a formação inicial, inclusive

ajudando a superar os sentimentos de tonalidade desagradável.

As professoras e coordenadoras pedagógicas expressaram os sentimentos de

tonalidade agradável quando aprenderam novas estratégias de ensino com a utilização da

música, ampliaram o repertório musical e conheceram as possibilidades e os benefícios que a

música traz, tanto para o aluno quanto para o professor, mesmo sem saber tocar um

instrumento musical.

As coordenadoras pedagógicas observaram que os professores mostraram-se mais

motivados depois do curso de formação continuada em música, inclusive os que não

freqüentaram o curso e tiveram acesso às informações através dos professores

multiplicadores. Mas relataram que, apesar dos resultados alcançados, os professores que não

puderam freqüentar diretamente o curso e aprenderam com os colegas, gostariam de ter

aprendido música com um professor especialista em música.

Estudar os sentimentos e as emoções com relação ao curso de formação continuada em

música, permitiu perceber que o curso atendeu e até mesmo superou as expectativas que as

entrevistadas mantinham antes do seu início.

As possibilidades e benefícios oferecidos pela música e pelo curso de formação em

música, tanto para aluno quanto para professor, indicados pelas professoras e coordenadoras

pedagógicas foram:

• Transformar sentimentos desagradáveis em agradáveis, trazendo bem-estar;

• Possibilitar a interdisciplinaridade;

• Servir de incentivo para os professores conhecerem coisas novas;

• Facilitar a interação entre os professores e entre professor e alunos;

• Ajudar a desenvolver a motricidade e a linguagem nos alunos;

• Desenvolver a atenção, a concentração, a calma e a tranqüilidade.

76

1º. EIXO DE ANÁLISE: UMA SÍNTESE

A CONSTITUIÇÃO DA PESSOA DA PROFESSORA E DA COORDENADORA

PEDAGÓGICA

As professoras e as coordenadoras pedagógicas foram se transformando ao longo de

suas trajetórias profissionais. A primeira transformação ocorre no início da carreira, quando se

deparam com uma realidade muito diferente da idealizada durante a formação inicial. O

sentimento medo foi citado quando tiveram que enfrentar situações novas ou idealizadas de

forma negativa, tais como: turma nova de alunos, mudança de cargo, turmas de alunos que

são vistos como “agitados” ou “difíceis”, não dar conta do conteúdo disciplinar. A presença e

o apoio de professores mais experientes e o diálogo com os colegas, com os alunos e com os

familiares dos alunos ajudaram a superar o medo inicial. No cotidiano escolar, os sentimentos

de tonalidade desagradável retornam toda vez que sobe a temperatura emocional, gerando o

descontrole e a imperícia. Reconhecer os sentimentos e suas situações indutoras permite ao

professor identificar tanto as suas necessidades quanto as de seus alunos e refletir sobre sua

prática. Ao refletir sobre a prática, ocorre a diminuição da temperatura emocional, tornando-

se possível racionalizar o sentimento, preponderando assim a razão. O coordenador

pedagógico tem uma função formadora e necessita ele próprio de cuidados, pois sua tarefa

implica em grande investimento emocional. A formação continuada em música mostrou-se

eficaz no atendimento das necessidades apontadas no início da formação inicial e no cotidiano

escolar, tendo em vista que a música amplia o repertório de possibilidades para a atuação do

professor em sala de aula, a socialização e o senso de solidariedade, ajudando o professor e o

coordenador pedagógico a lidar melhor com as situações do cotidiano escolar. Portanto, a

formação do professor e do coordenador pedagógico não ocorre somente no âmbito da

formação inicial. Sua formação ocorre continuamente durante e no processo de atuação. É na

situação vivida que o professor se constitui. Almeida afirma que:

A escola é um rico espaço para a formação de seus professores, embora haja outros espaços que devem ser articulados aos objetivos de formação; (...) Para que a formação seja transformadora em conhecimentos, sentimentos e ações, é preciso que a proposta de formação tenha referência na atividade cotidiana do professor, que faça sentido para ele. (ALMEIDA, 2006, p.44) .

.

77

4.2. A MÚSICA NO DESENVOLVIMENTO INTEGRAL DA CRIANÇA

4.2.1. Concepção de desenvolvimento das professoras e coordenadoras pedagógicas

Encontramos pontos de aproximação entre a concepção de desenvolvimento das

professoras e coordenadoras pedagógicas entrevistadas e a teoria de desenvolvimento de

Henri Wallon. Na teoria de Wallon a pessoa é constituída em suas interações com o meio e

cada fase do desenvolvimento envolve um sistema de relações estabelecidas entre a criança e

seu ambiente.

(...) para quem não separa arbitrariamente o comportamento e as condições de existência próprias de cada época do desenvolvimento, cada fase constitui, entre as possibilidades da criança e do meio, um sistema de relações que os faz especificarem-se reciprocamente. O meio não pode ser o mesmo em todas as idades. É composto por tudo aquilo que possibilita os procedimentos de que dispões a criança para obter a satisfação das suas necessidades. Mas por isso mesmo é o conjunto dos estímulos sobre os quais se exerce e se regula a sua atividade. Cada etapa é ao mesmo tempo um momento da evolução mental e um tipo de comportamento. (WALLON, 2005, p.47).

As professoras Mara, Vanessa e Adriana e a coordenadora Júlia concebem o

desenvolvimento como um processo dinâmico de interação do organismo com o meio,

revelando suas percepções de que a dimensão temporal do desenvolvimento da criança está

distribuída em estágios ou etapas que se sucedem desde o nascimento até a idade adulta.

A criança cresce através de etapas. Conforme vai passando, vai crescendo, ela vai se desenvolvendo. E a escola é importante para o desenvolvimento, porque é o meio social para a criança. (04) MARA O desenvolvimento da criança se dá em etapas. Desde que nasce até ficar adulto. Ele nasce e depende da mãe para sobreviver a aprender. Depois aprende a falar e andar, vai para a escola. A escola é meio importante para o seu desenvolvimento. (04) VANESSA (...) o desenvolvimento vem desde a barriga da mãe, depois que ela nasce, é importante ver como a mãe cuida da criança, desde os primeiros meses de vida, se ela dá brinquedos para estimular o desenvolvimento, se ajuda de alguma forma com algum brinquedo pedagógico, até entrar na escola. E aí, o professor é que tem que prestar atenção se a criança está aprendendo, se ela está se desenvolvendo. (05) ADRIANA Até a criança virar adulta, ela passa por etapas, infância, a partir dos 10, 11 anos, adolescência e ela precisa de um adulto que a acompanhe, por isso a família tem um papel importante, fundamental, porque a criança só passa uma parte do tempo na escola.(14) JÚLIA

78

A coordenadora Bia faz uma observação que vai ao encontro da afirmação de Wallon

de que: “O estudo da criança é essencialmente o estudo das fases que vão fazer dela um

adulto”. (idem, p.45).

Se você conhece a criança, você conhece o adolescente e você conhece o adulto, conhecendo a criança.(...) porque quando você entende o mundo da criança, você entende o adolescente. É assim o desenvolvimento. É no todo. (16) BIA

Júlia, Adriana e Patrícia reconhecem que o desenvolvimento depende tanto dos fatores

orgânicos quanto das condições oferecidas pelo meio, e citam a família e a escola como meio

social importante nesse processo e apontando para os fatores que prejudicam ou interferem no

desenvolvimento.

A criança fica muito sozinha em casa e tem que se virar até com a própria alimentação. E eu acho que isso prejudica o desenvolvimento, não só o crescimento físico, mas também a aprendizagem. O aluno de hoje não tem apoio em casa, da família, que devia acompanhar os estudos. A família devia olhar o caderno, o que a criança está aprendendo, não tem aquele carinho necessário, a atenção e deixa tudo para a escola. Até na questão da saúde e dos cuidados. Tem aluno que vem com o pé queimado, e o curativo tem que ser feito na escola. Como é que o pai não dá essa atenção, às vezes é porque tem muitos filhos e é a direção da escola que compra o remédio para os curativos e eu acho que é atribuição dos pais e não da escola. Tem também os casos de violência, a falta de disciplina que atrapalha também, interfere no desenvolvimento adequado da criança. Quando os alunos estão muito agitados, não conseguem prestar atenção e isso prejudica a aprendizagem.(11) JÚLIA Eu vejo o desenvolvimento como muito rápido e complicado, porque tem criança que tem desenvolvimento mais rápido e tem mais facilidade e tem criança que é muito mais lenta, no aprendizado, porque tem criança que entende mais rápido, você explica uma vez e ela já entende e não tem paciência de esperar a explicação que é dada aos colegas. Mas tem criança que é mais lenta, porque tem explicar muitas vezes e tem dificuldade de concentração e é muito mais complicado.(04) ADRIANA O professor tem um papel importante no desenvolvimento da criança e pelo menos aqui (na cidade em que a entrevistada leciona), o professor tem que dar educação que a criança às vezes não tem em casa, ensinar o básico, agradecer, pedir licença, tem que ver também as questões de higiene, ensinar ir ao banheiro, se limpar, porque eles não sabem, e até nas aulas de filosofia, tenho que dar orientação sexual, porque é um assunto que muitas vezes não é tratado em casa, (...).(05) ADRIANA

Como professora de educação física eu acompanho o bem estar da criança. Às vezes, tem criança que tem problemas de saúde que a mãe esconde e aí é complicado, porque a gente tem que ser muito atento, para não prejudicar o desenvolvimento e a saúde. Por isso eu acho que o desenvolvimento físico está ligado ao afetivo, e também ao cognitivo, a criança tem que estar bem fisicamente para estar bem emocionalmente, e aí ele também aprende. Se a criança está bem ela faz tudo.(03) PATRÍCIA

79

Os fatores que prejudicam ou interferem no desenvolvimento das crianças, apontados

pelas entrevistadas foram:

• Falta de alimentação adequada e de cuidados básicos com a saúde das crianças

por parte das famílias;

• Falta de apoio e atenção das famílias com relação ao acompanhamento das

questões ligadas à aprendizagem escolar das crianças;

• Ambiente violento tanto familiar quanto da comunidade em que vivem as

crianças, indisciplina e agitação dos alunos;

• Alunos com dificuldades de aprendizagem, com dificuldades de concentração;

• Alunos que não conhecem os cuidados básicos com a higiene corporal;

• Alunos que não aprenderam com a família regras básicas de educação;

• Famílias que não revelam quando as crianças têm algum problema de saúde.

Os fatores que prejudicam ou interferem no desenvolvimento das crianças, apontados

por Júlia, Adriana e Patrícia, revelam como elas relacionam desenvolvimento e aprendizagem.

Atribuem as dificuldades de aprendizagem escolar, na maioria dos casos, a fatores extra-

escolares, como falta de cuidados com a saúde da criança por parte da família e o

desconhecimento de regras de convívio social por parte dos alunos. Mahoney (2004a) explica

a relação que se estabelece entre aprendizagem e desenvolvimento:

A aprendizagem, como um dos motores do processo de desenvolvimento, também é um processo contínuo, constante, em aberto. Ao se relacionar com o meio humano e físico, a criança está sempre aprendendo. A aprendizagem é, além dos automatismos naturais, mais um recurso de que a criança dispõe para responder às exigências de adaptação ao meio humano e físico que a rodeia e constituir-se indivíduo. A presença do outro humano nesse processo de aprendizagem é primordial e indispensável.(...) Aprender é transformar-se na relação com o outro. (MAHONEY, 2004a, p.19).

80

4.2.2. Perspectiva psicológica da música

Na teoria walloniana, o meio social e a cultura constituem as condições, as

possibilidades e os limites de desenvolvimento para o organismo. O meio escolar é um meio

funcional fundamental para a criança, no qual mantém contato com novas formas de relações

grupais, familiarizando-se com novos tipos de disciplina e com a cultura acumulada de forma

sistematizada. A fala das professoras a seguir, ilustra essa idéia.

A criança convive com outras crianças da sua idade, com a professora, aprende novos conteúdos e atividades, aprimora os movimentos, aprende a ler e a escrever e aumenta as possibilidades de interagir com o mundo. (04) VANESSA

Na escola ela convive com outras crianças, com os adultos, professores, funcionários e aprende sobre o mundo em que vive, sobre sua cultura.(04) MARA

Lembrando que o conceito de cultura na teoria walloniana tem sentido abrangente,

Almeida (2007) explica que: quando a criança ou o jovem escuta música, está se socializando,

pois interage com a cultura. Segundo Almeida (2004a), “a interação com o outro e a interação

com a cultura ampliam o conceito de socialização: a criança e o jovem tanto podem

socializar-se relacionando-se com os membros da família, da vizinhança, do grupo da escola,

como também lendo um livro, ouvindo uma música, apreciando uma pintura”. (ALMEIDA,

2007, p.81).

A música também oferece possibilidades de socialização por promover a interação

com o outro, a partir de sua escuta. De acordo com o levantamento de literatura sobre a

influência da música no desenvolvimento de crianças no contexto escolar, Marquetti (1994) e

Cunha (2001) concluem, respectivamente, que:

• A música aumenta os eventos interativos entre crianças, minimizando os conflitos;

• Os jogos musicais facilitaram a interação entre pares e aumentaram a motivação dos

alunos tornando o ambiente escolar mais prazeroso.

Sekeff (2007) defende a presença da música nas escolas, considerando a música um

agente facilitador do processo educacional, pois atende a diferentes aspectos do

desenvolvimento humano. Afirma que uma das características psicológicas da música é a

indução. A autora explica:

81

Ela é indutora das atividades motora, afetiva e intelectual em razão de seus elementos constitutivos – ritmo25, melodia, harmonia, timbre -, de seus parâmetros formadores – duração, altura, intensidade, densidade, textura – e de seus movimentos sintáticos e relacionais, todos com poder de co-mover o receptor que, na escuta, acaba por responder afetiva, intelectual e corporalmente a esses elementos de comunicação postos em jogo por ela, música. (SEKEFF, 2007, p.42)

Émile Jaques-Dalcroze, educador musical suíço que viveu entre 1865 e 1950, segundo

Fonterrada, tinha como ideal a união dos indivíduos, “num processo que caminha em direção

ao coletivo; para ele, caberia à arte esse papel aglutinador, graças à sua capacidade de

suscitar, nos indivíduos, a expressão de sentimentos comuns. A nova arte preconizada por

Dalcroze seria o resultado da união de múltiplos ideais e quereres, pela exteriorização comum

dos sentimentos”. (FONTERRADA, 2003, p.112).

Para Fonterrada (2003), Dalcroze pretendia descobrir a fórmula de uma arte futura,

caracterizada pela expressão dos sentimentos do povo, a partir do aprofundado conhecimento

que dispunha sobre as sinergias e antagonismos corporais. Em 1906, Dalcroze recebeu um

carta de Claparède, em resposta à sua, na qual Claparède dizia reconhecer que Dalcroze tinha

sido capaz de perceber a importância psicológica do movimento como suporte dos fenômenos

intelectuais e afetivos, mesmo que por caminhos diferentes dos da psicologia fisiológica. Em

1909, já destacava a importância do papel das representações motrizes do ritmo, que seriam

confirmados dez anos depois pelo psicólogo americano Seashore26.

Oliver Sacks (2007), psiquiatra inglês nascido em 1933, relata que salvo “alguns raros

seres humanos que (...) são desprovidos do equipamento neural para apreciar tons ou

melodias”, (...) para a imensa maioria “a música exerce um grande poder, quer busquemos,

quer não, e isso ocorre inclusive com quem não se considera particularmente musical”.

Acrescenta que o ser humano é uma espécie musical além de lingüística, pois a maioria das

pessoas é capaz “de perceber música, tons, timbre, intervalo entre notas, contornos melódicos,

harmonia e, talvez no nível mais fundamental, ritmo”. (SACKS, 2007, p.09).

25 A explicação pormenorizada dos termos musicais encontra-se no Glossário de termos musicais no final deste trabalho. 26 Carl Seashore, um dos mais importantes cientistas a investigar a natureza da escuta musical, e um dos precursores dos testes de medir o que ele chama “talento musical”, criando The measures of musical talent (1919).

82

Sacks (2007) explica que o cérebro é responsável pela integração de todos os

elementos que compõem a música; e que essa música é justamente “construída” na mente

utilizando-se as muitas partes do cérebro.

A inclinação para a música revela-se na primeira infância, é manifesta e essencial em todas as culturas e provavelmente remonta aos primórdios da nossa espécie. Essa “musicofilia” é um dado da natureza humana. Ela pode ser desenvolvida ou moldada pela cultura em que vivemos, pelas circunstâncias da vida e pelos talentos ou deficiências que temos como indivíduos. Mas é tão arraigada na natureza humana que devemos considerá-la inata (...). Talvez a musicofilia seja uma forma de biofilia, pois a própria música quase dá a impressão de que é um ser vivo. (idem, pp.09 e 10).

Tendo em vista o levantamento de literatura que consta no Capítulo I deste trabalho, a

justificativa apresentada por Sekeff (2007) sobre a característica indutora da música, as

contribuições de Dalcroze e de outros educadores musicais na construção de um pensar

musical visando o desenvolvimento humano, e apoiado nos estudos de Sacks (2007) e da

neuropsicologia27, prosseguiremos a análise buscando relacionar a música e o

desenvolvimento da criança à luz da teoria walloniana. Relembrando que discutir

separadamente cada domínio ou conjunto funcional é um artifício didático para descrever e

explicar o psiquismo, pois cada um deles é responsável pelo predomínio de uma faceta das

atividades que constituem o ser humano, constituindo em si também um sistema integrado no

qual cada um deles depende do funcionamento do sistema como um todo, participando da

constituição dos outros e funcionando como uma unidade. É nesse aspecto que Wallon

considera o homem como ser integral e integrado em todas as suas dimensões: motora, afetiva

e cognitiva.

27 “A neuropsicologia é um campo do conhecimento interessado em estabelecer as relações existentes entre e o funcionamento do sistema nervoso central (SNC), por um lado, e as funções cognitivas e o comportamento, por outro, tanto nas condições normais quanto nas patológicas. Ela tem natureza multidisciplinar, apoiando-se em fundamentos das neurociências e da psicologia, e visa ao tratamento dos distúrbios cognitivos e comportamentais decorrentes de alterações no funcionamento do SNC”. (FUENTES et.al., 2008).

83

4.2.3. A música no desenvolvimento motor

O discurso das professoras e das coordenadoras pedagógicas revelou diferentes

aspectos relacionados à dimensão motora do desenvolvimento, em situações que utilizavam a

música em sala de aula. Segue a explicitação e a compreensão de cada um desses aspectos à

luz da teoria walloniana.

A música induz ao movimento

Eles gostam de movimento e de dançar e a música faz com que a criança se movimente.(11) ADRIANA

Como Wallon (1971; 1975a; 2007) utiliza conhecimentos da anatomia humana para

explicar as origens e funções do movimento, torna-se possível estabelecer algumas relações

entre música e movimento partindo desse prisma. Para tanto, uma breve descrição do Sistema

Nervoso do ponto de vista funcional ajudará a estabelecer essa relação e proceder à discussão

no âmbito psicológico.

O Sistema Nervoso (SN) é constituído pelo tecido nervoso localizado no sistema

Nervoso Central (SNC), representado pelo encéfalo (cérebro, cerebelo, tronco encefálico) e

pela medula espinhal; e no Sistema Nervoso Periférico (SNP), representado pelos nervos

(conjuntos de axônios que conduzem impulsos nervosos de receptores nervosos da periferia

do corpo para o SNC ou do SNC para músculos e glândulas) e glânglios (são grupamentos de

corpos neuronais situados fora do SNC)28. O SN leva o indivíduo a interagir, através de

estruturas nervosas distintas, mas integradas entre si, com o meio ambiente (sistema nervoso

somático) e com seu meio interno (sistema nervoso visceral). As informações (impulsos

nervosos aferentes29) somáticas vindas de diversas partes do corpo (auditivas, visuais,

gustativas, olfativas, táteis, térmicas, proprioceptivas) e viscerais, são conduzidas pelo SNP

para o SNC. O SNC recebe essas informações, avalia, compara-as com outras informações

registradas, processando a informação recebida e responde com impulsos eferentes30

28 FUENTES et al., 2008. 29 Aferente, diz-se de vaso que conduz o sangue que penetra numa estrutura, de nervo que conduz estímulo em direção a centro nervoso, ou de vaso linfático que conduz a linfa que penetra em gânglio linfático. (AURÉLIO, 1995). 30 Eferente, que tira e conduz de dentro para fora; diz-se de vaso que conduz o sangue que sai de um órgão, de canal excretor de um órgão, de nervo que conduz excitação vinda de centro nervoso. (idem).

84

somáticos, que são conduzidos pelo SNP, aos músculos estriados, ou eferentes viscerais e aos

músculos lisos, cardíaco e glândulas, estes últimos ativados em situações de “fuga ou luta”.

Na teoria walloniana, a sensibilidade exteroceptiva fornece ao próprio corpo

informações do mundo exterior pelos sentidos (olfato, audição, paladar, visão, tato),

provenientes da região cortical do cérebro. Então, como uma música (captada pelo sentido da

audição) pode provocar uma reação involuntária, ou seja ter origem na região subcortical do

cérebro? A resposta pode ser encontrada em Limongelli (2004):

O Sistema Nervoso Somático e o Sistema Nervoso Visceral estabelecem comunicação intensa entre si, garantindo a integração entre as regiões corticais e subcorticais do cérebro com a medula espinhal. Em outras palavras, garantindo a integração do sistema nervoso no controle das dimensões motora, afetiva e cognitiva e, conseqüentemente, garantindo a totalidade e a unidade do ser. (LIMONGELLI, 2004, p.54 e 55).

Segundo Wallon (1971), o ruído produz no recém-nascido reações consideráveis. Mas

ainda como excitações mais primitivas que as da audição propriamente dita. As reações do

bebê de sobressalto ou tremor, são reações globais de um tipo arcaico, ligadas aos centros

neuronais responsáveis pelo equilíbrio, possuindo portanto, funções sobretudo tônicas.

Wallon não considera portanto, a reação ao ruído como sendo função da audição, diz que

“limita-se ao sobressalto, pertencente ao domínio proprioceptivo31”. (WALLON, 1971,

p.172).

Afirma que o sobressalto ocorre também no adulto em situações específicas, como

uma regressão ao estágio de manifestações infantis:

Na vigília do adulto, o sobressalto também pode reaparecer, seja de certos estados de distração ou de devaneio, os quais, à semelhança do sono, suspendem, mais ou menos, a sinergia da atividade psíquica e das reações somáticas; seja, em seguida a exitações emotivas, cujos efeitos, durante muito tempo, reduzidos e reprimidos acabaram por acumular nos centros subcorticais, uma intensa energia, libertada ao menor choque: ora sob a forma ainda de sobressaltos e tremores repetidos, ora sob a forma mais livre de convulsões tônicas. (WALLON, 1971, p.45).

31Função que permite organizar o esquema corporal; provoca sensações, predominantemente, relativas ao equilíbrio do corpo e à posição dos segmentos corporais em relação ao próprio corpo.

85

Jordain (1998) afirma que antes de reconhecer uma música como forma, com uma

estrutura definida, “o cérebro representa a posição espacial de cada tom num mapa comum”.

(JORDAIN, 1998, p.51).

O autor explica que fontes de som são rastreadas ao se movimentarem pelo espaço,

nos colículos inferiores32, que estão localizadas na parte de trás do tronco encefálico33, e

alguns neurônios só funcionam quando são feitos movimentos em determinadas posições.

Assim, chama a atenção para a função primeira da escuta, que é a reação. Essa reação ao som,

que se encontra presente nos animais e nos seres humanos, é um mecanismo que garante a

sobrevivência. Nos animais, essa reação ao som serve para que a presa evite o predador, ou

que o predador capture a presa. Portanto, os colículos inferiores desempenham papel

importante no direcionamento das orelhas dos animais. Logo acima dos colículos inferiores,

situam-se os colículos superiores, onde o som se encontra com a visão e o toque. Isso explica

a reação humana ao som: quando ouvimos um som, logo voltamos a cabeça em sua direção,

na direção dos olhos e não da orelha.

Mas a sensibilidade humana à música se sobressai à simples reação ao som ou ruído,

apesar de sua origem estar intimamente ligada à função proprioceptiva. Pode-se considerar

que a música é predominantemente domínio da afetividade, por sua capacidade de provocar

sensações de tonalidades agradáveis ou desagradáveis, que são expressos pelo tônus, domínio

do movimento, e encontram ressonância no domínio da cognição. Isso explica a propensão

humana natural para a música, a que se refere Sacks (2007): “até em quem não se considera

particularmente musical”. (SACKS, 2007, p.09).

Para Sekeff, a música é uma organização sonora dotada de sensibilidade, que “leva o

receptor a sentir, não porque ele o queira, mas forçosamente”, pois “a cada inflexão

expressiva do discurso musical corresponde uma sensibilização ativa, afetiva, intelectiva.(...)

o ritmo mexe fisiológica e psicologicamente com o indivíduo, até mesmo no tálamo34,

induzindo esquemas de movimento e mobilizando formas de comportamento. Por isso o seu 32 Colículos inferiores são grupamentos de neurônios (axônios) onde predominam as fibras nervosas que fazem parte da via auditiva, onde realizam sinapses que chegam ao tronco espinhal vindos de outras regiões do sistema nervoso central. (idem, p.34) 33 O tronco encefálico liga a medula espinhal ao cérebro. 34 O tálamo está situado na região central do cérebro é estrutura que participa da recepção e integração de informações nervosas. Sensações e emoções chegam ao tálamo, permanecendo num plano não consciente. Assim, mediante um ritmo musical pode-se condicionar uma resposta inconsciente automática em nível subcortical.

86

uso no desenvolvimento e recuperação de deficientes motores normalmente se cobre de

êxito”. (SEKEFF, 2007, p.43 e 44).

O som e ritmo (co)movem o ser humano, e isso desde a fase intra-uterina, uma ação que se estende pela vida afora. O mundo do feto é de vibração, um mundo de sons, de movimentos e ritmos que impressionam o ser sistema de percepção. Recém-nascido, a audição começa a se estabelecer mais ou menos a partir da segunda ou terceira hora de vida, quando então as reações do bebê são mais relacionadas à intensidade e menos à qualidade do som. A partir do quarto mês (há quem assegure que a partir do segundo), o estímulo auditivo já proporciona efeitos agradáveis e/ ou desagradáveis ligados também à qualidade dos sons. (idem, p.117).

Os estudos descritos neste item, indicam a qualidade indutora da música no que diz

respeito ao movimento, que se encontra intimamente ligado à dimensão afetiva do ser humano

e encontra ressonâncias no domínio da cognição. Lembrando que a emoção é a expressão

plástica da afetividade. Como observa a professora Adriana, quando afirma que a criança

sente alegria ao realizar movimentos com o corpo, induzidos pela música.

A música provoca mudança na expressão da criança

Quando a gente coloca uma música, eu observo que a criança muito quieta, muito retraída,

muda a expressão dela, fica mais alegre, comunicativa.(11) MARA

Segundo Sacks (2007), “ouvir música não é apenas algo auditivo e emocional, é

também motor”, citando Nietzsche que escreveu “ouvimos música com nossos músculos”.

Sacks explica que “acompanhamos o ritmo da música, involuntariamente, mesmo se não

estivermos prestando atenção a ela conscientemente, e nosso rosto e postura espelham a

narrativa da melodia e os pensamentos e sentimentos que ela provoca”.(SACKS, 2007, p.11).

Para Wallon (1975a), o movimento corporal humano não é apenas o deslocamento

voluntário do corpo ou de partes do corpo no tempo e no espaço. Uma das formas de

movimento na teoria walloniana é o das reações corporais, diz respeito às atitudes que os

seres humanos apresentam a partir das diversas emoções e vivências. A emoção é

indissociável das suas expressões tônicas.

87

Quando a criança canta, ela se movimenta, mostra em sua expressão, o que sente e como sente. É só ver a carinha dela. A criança fica alegre e demonstra pela expressão de alegria.(13) VANESSA

A fala de Vanessa revela que a música provoca reações motoras que se traduzem por

mudanças no tônus muscular do rosto expressando as emoções, por isso, a expressão da

criança se modifica ao escutar música. Então, o sentimento de alegria produzido pela música,

pode ser percebido graças à expressão tônica da emoção. Assim como é possível perceber a

presença dos três níveis de deslocamento corporal, presentes na ação de cantar e dançar:

deslocamento de equilíbrio, de locomoção e de reações corporais. Portanto, a música tem sua

ação tanto em nível consciente quanto subconsciente, expressados por movimentos

voluntários e involuntários.

Sekeff (2007) descreve a influência da música na vida biológica e psicológica do ser

humano, explicando a ação do ritmo sobre a disposição humoral e o controle do sistema

motor.

A ação do ritmo se estende por nossa respiração, circulação, digestão, oxigenação, dinamismo nervoso e humoral, e sobre o cortejo das operações mentais; atua em nossa vida biológica e psicológica, induz reações positivas e negativas, cria consciência do movimento, propicia controle do sistema motor (e nesse procedimento se assenta a educação de pessoas com necessidades motoras especiais), robustece e enfraquece a energia muscular, reduz e retarda a fadiga. (SEKEFF, 2007, p.75).

A música desenvolve o senso rítmico e a coordenação motora

Eu fiz um trabalho com música no ano passado, com a turma da 5ª. Série. Fiz uma atividade com a parlenda do Tatu, trabalhando o ritmo da parlenda, falando e passando uma latinha. Criei um movimento para cada parte da parlenda do Tatu. Os alunos acharam muito divertido, e eu achei que ajudou na coordenação, porque tem criança que não tem ritmo, e tinha que bater a lata. Isso ajudou a desenvolver a coordenação e melhorar o ritmo. Acho que o movimento faz parte do desenvolvimento. Precisa desenvolver também a parte motora, que é junto com o cognitivo. (19) ADRIANA

Sekeff cita um caso relatado na literatura musicoterápica, de um adolescente com

paralisia cerebral que, apesar de “impossibilitado de participar dos desfiles organizados por

sua escola, era capaz de tocar tambor, na banda, marcando o ritmo para que seus colegas

marchassem.” (SEKEFF, 2007, p.45).

88

Explica que a música rítmica proporciona a sensação do sentido e da emoção do

movimento, e que “essa sensação provavelmente precede a possibilidade de sua realização (do

movimento), tendo em conta que, do ponto de vista embriológico, o sistema motor é o

primeiro a se desenvolver, antes de qualquer sistema sensorial. As primeiras sensações fetais

são de movimentos gravitacionais, precedendo o movimento propriamente dito”. (idem, p.45).

No caso descrito por Sekeff (2007), a própria autora apresenta os benefícios da

emoção da ação provocada pelo ritmo, ensejando disciplina. Desenvolve o ouvido, pois

estimula as possibilidades receptivas do aluno; o sistema muscular, pois atuando dentro de um

tempo e duração determinados, induz os músculos a responder dentro de ordem e duração

estabelecidas; e possibilita o desenvolvimento de mecanismos de comportamento no tempo e

no espaço, favorecendo o sistema nervoso.

Buscando esclarecer a ação do ritmo no cérebro, Sacks (2007) cita os estudos de Chen,

Zatorre e Penhune, em Montreal, sobre a capacidade humana para marcar o tempo e

acompanhar um ritmo. Utilizando imagens funcionais para visualizar como isso se reflete no

cérebro, constataram que houve ativação do córtex motor e de sistemas subcorticais quando

as pessoas examinadas batucavam ou faziam outros movimentos em resposta à música.

Descobriu-se também que ouvir música ou imaginá-la também ativava essas áreas do cérebro.

Concluíram que as ativações sensitivas e motoras são integradas entre si com precisão e que

só no cérebro humano existe uma relação funcional entre o córtex auditivo e o córtex pré-

motor dorsal. Conclui, após examinar os estudos de Chen e seus colegas, que o ritmo, “como

integração de som e movimento, pode ter um papel essencial para coordenar e envigorar

movimentos locomotores básicos”. (SACKS, 2007, p.234).

Wallon (1975a) identificou que estímulos nervosos provenientes de diferentes regiões

cerebrais geravam diferentes potenciais de ações nas miofibrilas dos músculos estriados,

produzindo diferentes níveis de tônus muscular. Isso porque o movimento ocorre também pela

integração das dimensões afetiva, cognitiva e motora, pois envolve uma ampla e complexa

rede como foi observado anteriormente, e os diferentes componentes (estruturas corporais e

informações) se interpenetram, produzindo os diferentes tipos de movimento.

Limongelli explica como a dimensão motora estabelece uma relação integrada com a

dimensão afetiva e a dimensão cognitiva, segundo a teoria walloniana:

89

A dimensão motora estabelece relação integrada com a dimensão afetiva predominantemente por meio da função tônica, especialmente na constituição do tônus plástico, que produz a mímica corporal ou as atitudes da pessoa. A dimensão motora estabelece relação integral com a dimensão cognitiva predominantemente por meio da função cinética, que produz os movimentos voluntários ou intencionais da pessoa. (LIMONGELLI, 2004, p.58).

Podemos tentar estabelecer uma relação entre o estudo apresentado por Sacks e a

teoria walloniana. Ambos descrevem sistemas funcionais que integram as várias dimensões

que constituem a pessoa, que se encontram imbricadas entre si. A música favorece o

desenvolvimento motor, por suscitar reações de ordem emocional e motora, organizadas

segundo o ritmo proporcionado por ela (música).

Tem criança que não tem ritmo, e precisa desenvolver ritmo para aprender a escrever.(17) A música desenvolve a lateralidade, esquerda, direita, em cima, embaixo, a localização, tudo. Acho que a música ajuda a criança a aprender. A criança gosta de música. (18) ADRIANA

A professora Adriana percebe que a dimensão motora, no âmbito do desenvolvimento

da consciência e do esquema corporal, e da movimentação no espaço, está intimamente ligada

à dimensão afetiva, através do ritmo da música; e também à dimensão cognitiva, favorecendo

a aquisição de novos conhecimentos e habilidades, como a escrita.

Sekeff (2007) explica que é através do ritmo que “a música estimula a execução de

atividades voluntárias e a extensão de reflexos condicionados (escrever, dirigir, tocar

desenhar)”. (SEKEFF, 2007, p.76).

A música organiza e traz fluidez aos movimentos

Na sala de aula, no meu caso, que é educação física, eu acho importante cantar e usar a música como recurso pedagógico, porque leva ao movimento, organizando os movimentos. Também faz fluir os movimentos e aproxima uns dos outros. (08) PATRÍCIA

Talvez pelo fato de Patrícia ser professora de educação física, a ênfase encontrada em

seu discurso, seja justamente a música como fator de organização e fluidez de movimentos.

90

Bréscia (2003) afirma que “a música permite que atletas façam exercícios extenuantes

sem tensão indevida”. Encontrou respaldo para a sua afirmação em Merritt35, que por sua vez,

relata as descobertas que “a música diminui o estresse psicológico do exercício. Além de

tornar o exercício mais agradável, possibilitando o prosseguimento do programa de exercício,

faz com que os exercícios sejam persistentemente tentados sem esforço adicional. A música

também regula a respiração e promove melhor coordenação muscular”. (MERRITT apud

BRÉSCIA, 2003, p.56).

Segundo Fonterrada (2003), “o sistema de educação musical concebido por Dalcroze

parte do ser humano e do movimento corporal estático, ou em deslocamento, para chegar à

fruição, conscientização e expressão musicais”, pelo qual, “o corpo expressa a música, mas

também transforma-se em ouvido, transmutando-se na própria música”. (FONTERRADA,

2003, p.120).

O sistema de educação musical criado por Dalcroze busca trabalhar a escuta ativa, a

sensibilidade motora, o sentido rítmico e a expressão, organizando-se em movimentos e

atividades destinados a desenvolver atitudes corporais básicas (andar, correr, saltar, arrastar-

se, deslocar-se em diferentes direções, utilizando-se de diferentes saltos, livremente, ou

seguindo ritmo determinado), necessárias à conduta musical. Assim, de acordo com a autora,

Dalcroze supera o dualismo entre música (que na concepção romântica era considerada arte

espiritual) e movimento (relativo ao corpo).

Quando uma pessoa passa a executar um determinado movimento cada vez melhor,

com menos erros e maior rapidez, é um indicativo de que a mobilização da habilidade não

depende da busca consciente dos fatos que descrevem a tarefa. Um bom exemplo disso é a

aquisição da habilidade de nadar. Inicialmente é necessário vencer o medo de afundar na

água. Os movimentos desajeitados, descoordenados e “pensados” do início, com o treino

regular vão se tornando cada vez mais coordenados, “ritmados” e automatizados, permitindo

ficar na superfície da água. Nesse momento, a aprendizagem passa para o nível subconsciente

da ação. Portanto, acompanhar músicas realizando movimentos, ou através dela, pode levar ao

desenvolvimento de certos automatismos.

35 Merritt, S. Autor de Mind, music and imagery: unlocking your creative potencial (1990), New York.

91

É importante frisar que o sistema Dalcroze não se limita aos exercícios, diz respeito às

atitudes e é muito mais abrangente do que o citado, visto que para ele, segundo Sekeff, “o

estudo da música é o estudo do próprio ser humano”. (SEKEFF, 2007, p.103).

Sacks (2007) relata que certa vez, quando teve que descer uma montanha após sofrer

um acidente, ao sentir dificuldade para se locomover, recorreu a uma canção de sua infância

que o auxiliou na realização do movimento de “remar” durante a descida, estabelecendo um

“ritmo” ao cantar a canção. Após esse incidente, percebeu como os movimentos

automatizados, de nível subcortical (subconsciente), quando perdidos, podem ser

restabelecidos através da música. Conta também que cantando a canção, restabeleceu a

confiança, vencendo o medo que sentiu diante da situação. Pode-se dizer que a música ativou

uma região subcortical do cérebro, restabelecendo o equilíbrio das funções motoras, que por

sua vez depende também da participação integrada no sistema das dimensões afetiva e

cognitiva.

A integração das diferentes dimensões, envolvidas na realização do movimento

corporal de uma pessoa, pode ser observada quando um indivíduo consegue aprender a andar

de bicicleta, após várias quedas e aprendizagens, por exemplo. A dimensão cognitiva

mobilizou a dimensão motora, elaborando uma série de movimentos compatíveis e adequados

na solução do problema de se deslocar sobre uma bicicleta. A dimensão afetiva também se

encontra presente, pois andar de bicicleta pressupõe a manutenção de um ritmo regular de

pedaladas para se alcançar o equilíbrio, vencendo a sensação de medo que a falta de equilíbrio

provoca. Wallon esclarece que “a perfeição do automatismo não está em ter definitivamente

fixado um certo encadeamento de acções musculares; traduz-se, pelo contrário, por uma

liberdade maior na escolha das acções musculares a encadear”. (WALLON, 1975b, p.200).

As perspectivas de Dalcroze e Sacks sobre a ação do ritmo da música e do movimento

corporal podem ser relacionadas, com os conceitos de integração funcional e automatismo dos

movimentos presentes na teoria walloniana. A música pode ser utilizada para organizar os

movimentos e levar ao desenvolvimento integral das dimensões da pessoa. A ação repetida do

movimento produz automatismo, passando ao nível não consciente, tornando-se cada vez

mais fluente, abrindo espaço para novas aprendizagens.

92

Como as coordenadoras pedagógicas percebem a necessidade de movimento dos alunos

Júlia, coordenadora pedagógica de ensino fundamental, reconhece a necessidade de

movimento dos alunos e acredita que a música seja um recurso facilitador no

desenvolvimento de atividades que motivem o movimento.

Os alunos nessa idade são agitados mesmo. Os alunos aqui também ficam muito no corredor, não agüentam ficar na sala de aula, mas também não tem muito espaço, então tem que fazer atividades que dê para movimentar um pouco na sala mesmo, e a música ajuda nisso. Porque com o projeto de tempo integral tem sempre atividade na quadra e são dois professores nos espaços que tem para as atividades do período contrário das aulas, de esportes, de música, de artes e ainda vai vir professor de teatro e eu não sei onde vai ter lugar para as atividades e olha que a escola é nova, acabou de construir, mas já não tem espaço, então as atividades do período regular têm que ser em sala mesmo. Os professores têm que ser criativos mesmo. E eu sempre falo das atividades de música, porque tem movimento, mas dá para fazer na sala de aula. E criança precisa de movimento. Acho que é isso. (48) JÚLIA

Bia, coordenadora pedagógica de educação infantil, não fez uma referência direta com

relação à necessidade de movimento dos alunos, mas revela suas impressões do curso de

formação continuada em música, e as compara à reação da criança à música. Constata que a

música induz ao movimento e traduz sentimentos.

A música não deixa a gente ficar parado. Mas precisa ter confiança. Um adulto, por exemplo. Você me faria dançar. Me puxar para uma roda. Você me deu segurança para eu dar uma resposta. Aí é que entra a música. A música traz vários sentimentos.Ela abre espaço para isso. No curso, um falava faz assim, e eu não conseguia ficar parada.Igual na sala de uma professora daqui. Até a criança mais inibida se soltou (31).BIA

Observar os movimentos dos alunos permite ao professor e ao coordenador elaborar

situações pedagógicas adequadas às características e necessidades desses alunos. A música

pode ser um recurso pedagógico importante para o desenvolvimento motor da pessoa, por

apresentar características de indução e organização dos movimentos, além de promover a

fluidez dos movimentos e a interação social.

93

4.2.4. A música no desenvolvimento afetivo

O discurso das professoras e das coordenadoras pedagógicas revelou diferentes

aspectos relacionados à dimensão afetiva do desenvolvimento, em situações com música em

sala de aula. Segue a explicitação e a compreensão de cada um desses aspectos à luz da teoria

walloniana.

A música afeta e é contagiosa

Se eu ouço uma música mais calma eu fico calma e tranqüila, e se for uma música mais agitada eu fico mais animada, e por isso não tenho uma preferência. Gosto de tudo um pouco. A criança também é igual (13) ADRIANA

O relato de Adriana, sobre sua própria experiência de escuta musical, indica a natureza

afetiva da música. Ao dizer: ouço uma música calma, fico calma ou música agitada, fico

agitada, está se referindo ao caráter da música, que provoca reações em sua conformidade. Se

a música “afeta”, ela pode ser considerada afetiva no sentido da capacidade ou disposição de

ser afetado pelo meio interno ou externo, pelas sensações que a música provoca.

O som, fenômeno físico/ acústico, matéria da música, afeta o sistema nervoso autônomo, base da reação emocional, e as respostas fisiológicas que suscita são diretamente ligadas às vibrações sonoras, ao passo que as realizações psicológicas são diretamente ligadas às relações sonoras, facultando associação, evocação e integração de experiências. (SEKEFF, 2007, p.61).

Sacks (2007) também faz uma reflexão sobre a capacidade do ser humano de ser

afetado pela música. Relata que o ritmo, no sentido de som e movimento combinados,

“aparece espontaneamente em crianças humanas e não em outros primatas”, indicando que o

ritmo pode ter origem filogenética. Observa que “existe uma propensão universal e

inconsciente a impor um ritmo mesmo quando ouvimos uma série de sons a intervalos

inconstantes”, citando o argumento apresentado por Iversen36, na qual “tendemos a ouvir o

som de um relógio digital, por exemplo, como tic-tac, tic-tac, quando na verdade, ele faz tic-

tic-tic-tic”.(SACKS, 2007, p.237 e 238).

36 John Iversen, neurocientista que juntamente com Patel e Ohgush pesquisaram como grupos de pessoas, de diferentes nacionalidades, organizavam esses ritmos e criavam seus próprios padrões rítmicos. Notaram diferenças culturais nesses agrupamentos rítmicos de acordo com o padrão da língua nativa de cada grupo, sugerindo haver correspondência entre o ritmo e a melodia da fala com os padrões musicais da cultura do falante.

94

Afirma que existe uma tendência da mente humana a buscar um sentido e um

significado aos sons e movimentos, de acordo com os padrões estabelecidos pela cultura em

que a pessoa se encontra inserida. Por outro lado, pessoas em todas as culturas cantam e

dançam juntas, provavelmente, há milênios. Sacks faz referência a Anthony Storr, psiquiatra e

autor do livro Music and the mind, que ressalta a função coletiva e comunitária essencial que

a música possui em todas as sociedades, a “de reunir as pessoas e criar laços entre elas”.

(idem, p.237).

Especula que várias práticas religiosas começaram com cantos e danças comunitários,

que muitas vezes acabavam em estados de transe. Afirma que os espaços para a música como

uma atividade social foram muito reduzidos e atribui ao progresso da humanidade, o

surgimento de “uma classe especial, a dos compositores e intérpretes, enquanto o resto de nós

quase sempre se vê reduzido à audição passiva”. (idem,p.237).

O autor diz que, para experimentar a música como uma atividade social nos dias de

hoje, que possibilite recapturar a emoção coletiva, é necessário ir a um concerto, festival de

música ou igreja. Vivenciar a música coletiva, leva a um estado de ligação, proporcionada

pelo ritmo internalizado de forma idêntica nas pessoas que se encontram no mesmo lugar,

transformando ouvintes em participantes, tornando a audição ativa e motora, sincronizando

cérebros e mentes.

Sekeff (2007) também acredita que, “(...) a emoção coletiva cresce e até mesmo nasce

por contágio psíquico, como pode ser observado no canto em conjunto, na música de massas,

nos festivais de rock. Ela se transmite, mobiliza e vivifica o grupo, até mesmo por contágio

psíquico (...)”. Cita Platão que dizia: “se me fosse possível escolher canções e melodias de um

povo eu não me preocuparia tanto com seus legisladores”. (SEKEFF, 2007, p.61).

A teoria walloniana confirma: a emoção é contagiante. Afeta os que estão no mesmo

campo de percepção e ação. Se a música provoca certas reações motoras que expressam uma

determinada emoção, numa pessoa, outras que se encontram no mesmo campo perceptivo,

podem apresentar as mesmas reações por contágio. Wallon (2005) lembra que: “o contágio

das emoções é um facto comprovado freqüentemente. Depende do poder expressivo delas, no

qual se basearam as primeiras cooperações de tipo gregário, e que incessantes permutas e,

95

sem dúvida, ritos colectivos transformaram de meios naturais em mímica mais ou menos

convencional”. (WALLON, 2005, p.141).

Até a criança mais tímida vem ver o que está acontecendo. Até eu, não consigo ficar parada. Todo mundo participa. A música mexe com tudo. (06) MARA

Considerando que a maioria dos ritos coletivos em todo o mundo e em todas as épocas

apresentam algum tipo de manifestação musical ou pelo menos rítmica, pode-se dizer que a

música realmente promove a interação entre pessoas, pois possui caráter afetivo, gregário e

contagiante.

A música desenvolve a expressão e a comunicação

Mas eu acho também que a música por ser uma linguagem expressiva, também ajuda a criança a desenvolver a comunicação, a relação entre as pessoas e o meio.(10) MARA

Quando eu coloco música na sala de aula, as crianças já saem do lugar, se movimentam, chama o colega para dançar. Então além de ser uma forma de expressão, a música ajuda a criança no meio social, ajuda a criança a conhecer o outro, como o outro pensa, faz prestar atenção no que o outro vai fazer, como o outro vai agir. (11) MARA

Mara relatou que ao desenvolver atividades com música nas aulas, percebeu que seus

alunos passaram a interagir mais com os colegas, ficaram mais soltos, passaram a prestar mais

atenção no outro, indicando que a música possui um potencial expressivo. Os alunos de Mara

estão no estágio do personalismo, cuja predominância é afetiva e centrípeta. As crianças no

estágio do personalismo necessitam de outras linguagens para poder se comunicar, além da

verbal. Segundo a teoria walloniana, este estágio é marcado por três fases distintas: oposição,

sedução e negação. A criança pela sua necessidade de experimentar a independência, o faz

tentando impô-la, confrontando-se com as pessoas de seu ambiente, sente prazer em

contradizer, para afirmar o eu. Depois, surge a fase da sedução, ou a idade da graça, na qual

tem a necessidade de ser admirada, de sentir que agrada o outro, pois só assim poderá se

admirar também. Gosta de ser o centro das atenções. A terceira fase é a da imitação, por meio

da qual as crianças criam personagens a partir das pessoas que ela admira ou quer suplantar,

apoderando-se de seus méritos e qualidades.

96

Na fase da oposição, a música oferece a oportunidade de cada criança se expressar

através dos movimentos por ela incitados, ajudando-a a passar para as próximas fases, ao

mesmo tempo em que atividades em grupo ajudam a desenvolver a solidariedade, no lugar de

inveja e ciúme, que ocorrem quando são contrariadas. Nesse sentido, Wallon (1975a) sugere:

“o que é preciso é associar as crianças em exercícios, direi quase gregários, onde terão de

fazer as mesmas coisas, onde as distinções entre elas são devidas a figuras como nas rodas

infantis onde cada uma vai tomar posições ou papéis definidos”. (WALLON, 1975a, p.212).

Acho que a música contribui para o desenvolvimento afetivo da criança, porque trabalha a expressão, a socialização, a criação, que parte do universo da criança, do que ela sente e vive e de como interage com o mundo e as pessoas (12). VANESSA

Vanessa também atribui à música uma função expressiva e socializadora.

Acho que as crianças precisam de música para enfrentar melhor a realidade em que vivem. A realidade deles é muito difícil. Eles são muito carentes. A música alegra, faz sonhar (07). PATRÍCIA

Para Patrícia, a música ajuda as crianças a enfrentar a realidade, muitas vezes difícil,

do meio em que vivem, proporcionando uma outra forma de relacionar com essa realidade, ao

afirmar que, a música alegra, faz sonhar.

Vanessa e Patrícia são professoras do ensino fundamental, cujos alunos se encontram

no estágio categorial. Nesse estágio, a predominância é cognitiva e sua direção é centrífuga,

voltada para o conhecimento do meio. No momento em que a criança passa a se interessar

pelo mundo que a rodeia, mudando o eixo de direção que no estágio anterior era centrado em

si mesmo, para o mundo exterior, aumenta também seu campo perceptivo. Com seu interesse

agora voltado para fora, a apreensão da realidade não se limitará somente à realidade concreta

e imediata, o que faz requerer uma maior mobilização das funções psíquicas, que se tornarão

cada vez mais complexas. À medida que a criança vai se diferenciando, deixando o estado

sincrético anterior, consegue se destacar da realidade imediata, imposta, ao mesmo tempo em

que o grupo familiar deixa de ter a importância que tinha no estágio anterior. Tornando-se

cada vez mais independente, “concebe o grupo em função das tarefas que o grupo pode

realizar, dos jogos em que ela poderá participar com os camaradas do grupo, e também

contestações, conflitos que podem nascer nos jogos onde há duas equipas adversárias (...) a

criança já é capaz de pensar e de formar o seu grupo”. (idem, p.214).

97

Segundo Wallon (1975a; 2005), relações recíprocas são estabelecidas entre o grupo e a

criança, pelas quais o grupo pode aceitar ou não uma criança que queira fazer parte dele.

Nesse estágio, a criança passa a se expressar também pelo grupo.

O discurso das professoras Vanessa e Patrícia revela essa necessidade da criança de

pertencer e ser aceita pelo grupo, e a preocupação com relação ao meio em que vive, pois são

características próprias do estágio categorial do desenvolvimento. Nesse estágio, a música

proporciona a oportunidade de compartilhar os mesmos interesses e de desenvolver o espírito

de cooperação e solidariedade, que Wallon assim recomenda, referindo-se aos pioneiros

(alunos que, nas escolas visitadas por Wallon na Polônia e na União Soviética, eram

escolhidas pelos seus méritos e que por sua vez recrutavam outros pioneiros): “a sanção feliz

desta solidariedade entre pioneiros traduz-se no facto de todos juntos terem mais facilidade de

participar, cada um segundo os seus gostos, nas atividades dos círculos de cultura: pintura,

dança, música, botânica, (história natural e mesmo ciências e matemática)”. (ibidem, p.217).

A fala de Patrícia revela que ela percebe a necessidade afetiva do estágio em que se

encontram seus alunos e também que as atende adequadamente.

A música contribui muito para o desenvolvimento, em todos os sentidos, porque acalma, eles gostam, participam mais, interagem mais, tanto entre eles quanto comigo enquanto professora. Eles gostam de ver como eu faço, como eu me movimento, canto, e eles também fazem, porque imitam e o professor é o modelo. Eu me lembro da primeira vez que eu sentei no chão e um aluno disse: professora, você vai brincar? Alguns profissionais acham isso estranho, eu acho importante brincar. Então brincar junto, cantar, dançar, é importante para o desenvolvimento. Desenvolve a sociabilidade e a afetividade na criança através da interação e do movimento. Então está tudo junto. É o todo. Não dá para separar corpo e mente (04). PATRÍCIA

A música provoca sentimentos e lembranças

Eu peguei numa época, com a 8ª. Série, um trecho de uma música do Fábio Júnior e cantei para eles (a entrevistada canta um trecho da música). É que eu não me lembro o nome da música. Aí, eu coloquei a música para tocar na aula. A música tocava muito no rádio, na época. Pedi que fizessem uma redação enquanto a música tocava. As meninas, como sempre, colaboraram, gostaram, mas os meninos, falaram: pra que isso professora? Pra que vou escrever isso? A música fala de sentimentos, lembra de alguma situação, conta alguma coisa... Quando cheguei em casa, tive uma surpresa. Eu descobri duas alunas grávidas, e a carta mais bonita do menino que perdeu o rumo e que contava da separação do pai e da mãe. Os pais brigavam muito e se separaram e ele contou que quando ele foi morar com a mãe, e a mãe tinha um pouco de revolta e ele não podia falar com a mãe que ele amava o pai de

98

paixão e que ele tinha vontade de dar um grande abraço no pai e que no final do ano ele ia fazer isso. Ele adorava o pai, aliás, os dois, mas não queria magoar a mãe, então ele não falava. Ele escreveu que o pai era tudo pra ele e adorava o pai. E ele me relatou todo o processo da separação. E foi a partir de uma música. Nem tanto a letra, o tema, mas a música. Que tocou o menino (22). BIA

Bia descreveu uma situação relativa ao período em que foi professora de uma turma de

8ª série do período noturno. Wallon (2005) explica que o período da adolescência é marcado

pela oposição aos outros e às idéias e pela ambivalência de sentimentos. Bia acreditou que

poderia dar certo trabalhar com música, porque sentiu que o problema dos alunos era

emocional. Escolheu para isso, uma música que tocava no rádio na época e pediu para que os

alunos escrevessem uma redação a partir da escuta da música proposta. Avaliou que a

estratégia se mostrou eficaz, porque segundo Bia: “nenhuma redação foi boba”. As redações

revelaram os sentimentos mais íntimos dos alunos. A situação relatada por Bia, traz

indicativos de que a música promove a libertação de sentimentos, que por outros caminhos,

seriam mais difíceis de ser identificados ou simplesmente expostos.

E a 8ª. da noite tinha muito problema e pensei em levar uma música que tocava na rádio. Os meninos não gostaram no começo, mas o resultado foi ótimo. Tocou o sentimento. Eu pensei:acho que vai dar certo, porque senti que o problema era emocional. Deu certo, porque nenhuma redação foi boba. Todos esqueceram do que a música falava, mas entraram na música, no que ela passou e contaram da família, coisas alegres, coisas tristes. E eu guardei essas três cartas. Tanto que no ano passado, na 4ª. série voltei a mexer com música. Eu achei o máximo. Você descobrir duas alunas grávidas e o caso da separação a partir de uma música, marcou bastante. A música fez com que os alunos se abrissem (23).BIA

Wallon (1975a) recomenda a realização de “atividades que podem ser libertadoras”

tais como: “narrativas, desenhos provocados, trabalhos feitos em conjunto pelas crianças”.

Justifica dizendo que “um bom observador pode descobrir nessas situações indícios que lhe

servirão para orientar a sua conduta em relação ao seu jovem interlocutor”. (WALLON,

1975a, p.385).

Eu acho que a música mexe com o emocional e quando você mexe com o lado afetivo da pessoa, você tem mais respostas (29). BIA

A música pode ser um recurso de catarse, pois possibilita que o fluxo de emoções e

sentimentos, que não se consegue expressar verbalmente, possa ser levado “para fora”.

Fazendo uma analogia com o que Wallon (2005) diz sobre o poder catártico do jogo, a música

ao substituir o seu objeto verdadeiro, oferece oportunidade de se manifestar e de se exprimir.

99

No caso específico da música, remete à lembrança de lugares, pessoas e situações vividas.

Traz sensação de alívio às tensões, equilibrando-se os domínios da afetividade e da cognição.

Porque a música trabalha os sentidos. Falam de sentimentos, situações, sobre meio ambiente, pessoas... A própria música leva a gente para outros lugares, provoca sentimentos, lembranças (06). PATRÍCIA

Bréscia (2003) afirma que “quando ouvimos ou fazemos música, nossas emoções e

pensamentos são tocados, e isto pode reacender lembranças de um relacionamento passado,

uma cantiga de ninar, memórias da infância”. Podendo servir “para a pessoa como uma

espécie de elo com suas experiências significativas do passado”. (BRÉSCIA, 2003, p.38).

Aí depois disso, você chega aonde você quer. No campo cognitivo, como nessas redações, eles precisavam falar, contar, se abrir, porque nas aulas de português eles queriam falar. Desbloqueou, aí eles começaram a aprender de verdade. Aí, nos intervalos, eles passaram a me procurar para conversar, não tinha mais intervalo. A música ajudou a desbloquear, a se libertar, a ganhar confiança. A música favoreceu muito. (31). BIA

No período da adolescência, quando a predominância é afetiva e voltada para o

conhecimento de si, a música assume um significado especial, pois se torna companhia nos

momentos de introspecção, ao mesmo tempo em que oferece oportunidades para compartilhar

gostos e interesses com seus pares. É justamente nesse período, que o adolescente apreende a

noção completa de tempo futuro e de consciência de si, e talvez por isso, passe longos

momentos a devanear, tentando lidar com o turbilhão de sentimentos que surgem nesse

estágio do desenvolvimento. E coincidentemente, o adolescente tem verdadeira empatia com a

música. Muitos dos nossos gostos musicais são formados nesse período e nos acompanham

pela vida afora, trazendo consigo as lembranças e experiências significativas, nos constituindo

como pessoa.

A música, dentre as artes, é a única ao mesmo tempo completamente abstrata e profundamente emocional. Não tem o poder de representar nada que seja específico ou externo, mas tem o poder exclusivo de expressar estados íntimos ou sentimentos.A música pode penetrar direto no coração; não precisa de mediação. Ninguém tem que saber coisa alguma sobre Dido e Enéas para comover-se com o lamento dela por ele; quem já perdeu um ente querido sabe o que Dido está expressando. E existe, por fim, um profundo e misterioso paradoxo nisso, pois embora esse tipo de música nos faça vivenciar a dor e o luto mais intensamente, ao mesmo tempo nos traz consolo e alívio. (SACKS, 2007, p.288).

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Como as coordenadoras pedagógicas percebem a necessidade afetiva dos alunos

Júlia observou que a música provoca sensação de bem-estar nos alunos revelando sua

percepção da necessidade afetiva dos alunos. Constatou os benefícios da música a partir da

observação de sua própria reação à música que foi o estabelecimento da sensação de

tranqüilidade e bem-estar.

Quando o professor traz a flauta e toca para os alunos, eles ficam calmos, tranqüilos, dá até vontade de dormir e até a gente gosta de ouvir e se sente melhor, fica bem (25). JÚLIA

Bia percebeu que seus alunos tinham dificuldade para expressar seus sentimentos.

Buscou utilizar a música como indutora de sentimentos e emoções, inicialmente de forma

intuitiva, após constatar que a música ajudava a lidar com seus próprios sentimentos. A

experiência mostrou-se bem sucedida e encorajou a coordenadora a utilizar a música como

recurso pedagógico.

E a 8ª. da noite tinha muito problema e pensei em levar uma música que tocava na rádio. Os meninos não gostaram no começo, mas o resultado foi ótimo. Tocou o sentimento. Eu pensei:acho que vai dar certo, porque senti que o problema era emocional. Deu certo, porque nenhuma redação foi boba. Todos esqueceram do que a música falava, mas entraram na música, no que ela passou e contaram da família, coisas alegres, coisas tristes. E eu guardei essas três cartas. Tanto que no ano passado, na 4ª. série voltei a mexer com música. Eu achei o máximo. Você descobrir duas alunas grávidas e o caso da separação a partir de uma música, marcou bastante. A música fez com que os alunos se abrissem (23). BIA

101

4.2.5. A música no desenvolvimento cognitivo

O discurso das professoras e das coordenadoras pedagógicas revelou diferentes

aspectos relacionados à dimensão cognitiva do desenvolvimento, em situações com música

em sala de aula. Segue a explicitação e a compreensão de cada um desses aspectos à luz da

teoria walloniana.

A música desenvolve a atenção e a concentração

Dois aspectos relacionados à função da música no desenvolvimento da atenção devem

ser considerados. O primeiro no qual a música, ou melhor, o som provoca uma reação em

nível não consciente, de origem subcortical do cérebro, como já foi abordado anteriormente e

suscita reações de ordem motora. Quando escutamos um som, voltamos imediatamente a

cabeça em sua direção. O segundo aspecto, diz respeito à atitude consciente e voluntária. Ler

um livro, por exemplo.

A música ajuda a desenvolver a atenção e a concentração. Esse ano eu notei a diferença do grupo da manhã e da tarde que te falei. O grupo da tarde que já trabalhou com música desde o ano passado é mais tranqüilo, são mais concentrados e gostam mais das atividades. O grupo da manhã que eu peguei só esse ano, ainda não trabalhou muito com música e eu notei que são mais agitados e não conseguem prestar muita atenção. (12) MARA

Mara atribui à música, a melhora no nível de atenção e concentração de seus alunos.

Nesse trecho da transcrição da entrevista, a atenção é concebida como postura de

tranqüilidade, percebida pela diminuição do nível de movimentação dos alunos.

Segundo a teoria walloniana, o vetor do desenvolvimento caminha do sincretismo à

diferenciação, isto é, do social para o individual. Quanto mais jovem a criança, mais se

encontra em estado sincrético com o meio e sua atenção, direcionada à experiência concreta e

momentânea. Wallon (1975a) prefere falar em desatenção, justamente por considerar que o

conceito de atenção remete a uma discussão ao nível exclusivamente intelectual, constituindo-

se num recorte, que desconsidera as funções e processos orgânicos, as suas particularidades e

as condições particulares das quais a atenção é resultante, ou seja as situações e o meio em

que ocorre. Explica que “a desatenção, sendo um termo genérico para designar as diferentes

formas de actividade nas quais se pode analisar o acto da atenção, tem um conteúdo mais

positivo que a atenção que é tão facilmente tomada por uma aptidão auto-suficiente”.

(WALLON, 1975a, p.369).

102

Nesse sentido, não é possível a partir da fala da entrevistada, fazer uma afirmação

exata quanto à concepção que possui de atenção/ desatenção, pois logo depois da primeira

descrição, de uma situação do seu cotidiano em sala de aula, Mara descreve outra, na qual

atribui à atividade com movimentos corporais, a melhora no nível de atenção e concentração

dos seus alunos.

Estava pensando em fazer aquela atividade do curso que eu fiz com a turma da tarde, que a gente coloca uma música para ouvir e as crianças dançam e se expressam livremente, a gente pára a música e eles tem que entrar dentro do bambolê, aí vai variando, andando em volta, devagar e mais rápido. As crianças gostam muito por causa do movimento. E dá para perceber que elas ficam mais atentas e concentradas quando tem atividade desse tipo. (13) MARA

A perspectiva apresentada por Wallon, com relação aos limites impostos pelo termo

atenção, obriga o professor a observar as situações e buscar identificar os fatores causadores

da desatenção, pois diz respeito “à experiência concreta e positiva do educador, que deve

esforçar-se por lutar contra ela, isto é, deve tentar, sejam quais forem o temperamento e o

comportamento próprios da criança”, ensinar coisas que sozinhas não conseguiriam aprender.

(idem, p.370).

Afirma que “o principal estímulo da atenção é o interesse”. E que o objetivo do

educador deve ser suscitá-lo. “A grande dificuldade e o paradoxo do ensino é ter que desviar a

criança da sua experiência imediata e espontânea para a interessar por aquilo que não se

relaciona diretamente com as suas necessidades ou desejos actuais”. (ibidem, p.370).

Wallon (2005) explica que às vezes, o olhar atento de um aluno que parece

demonstrar, estar prestando atenção na aula não deve “criar ilusões” no professor. Diz que,

mesmo quando absorta na realização de alguma tarefa, qualquer pequeno incidente pode

desviar-lhe do foco da atividade ou “simplesmente pelo seu brusco desinteresse”, referindo-se

às dificuldades de focalização próprias da criança no curso de seu desenvolvimento. Descreve

sua observação da seguinte maneira: “com que dificuldade se torna capaz de deixar o que está

a fazer para se acomodar a outra tarefa e para se consagrar a ela exclusivamente, sem lhe

misturar elementos estranhos. É por graus muito lentos que ela deixa de ser refractária às

tarefas impostas”. (WALLON, 2005, p.100).

Tran Thong no prefácio ao livro de Wallon A criança turbulenta esclarece que:

103

O caráter esporádico, descontínuo e frágil da atividade de pensamento e de raciocínio na criança pequena até os 6 anos, que Wallon colocou em evidência, explica-se pela especialização funcional ainda flutuante e mal estabelecida entre os dois hemisférios e, ao mesmo tempo, pela lentidão da maturação do lobo pré-frontal que continua até depois da adolescência. (TRAN THONG,2007, p.24).

Se a atenção na criança ainda é borboleteante, utilizando-me do termo dado por

Wallon, ao caráter esporádico, descontínuo e frágil da atividade de pensamento e de

raciocínio da criança pequena, conforme explica Tran Thong, é necessário suscitar o interesse

para estimular a função da atenção. Wallon (2005) recomenda os jogos, como forma de

fornecer ocasiões para adestrar a “receptividade indefinidamente aberta e para verificar em

que medida ela pode ser dirigida”.(WALLON, 2005, p.101).

O contexto do jogo a que se refere Wallon, é o de grupo, já que considera que “uma

criança não pode ser aquilo que ela é senão em função dos outros. E é a isto que o educador

deve estar atento para saber intervir judiciosamente”. Neste caso, o jogo pode ser uma forma

de intervenção, de mediação do professor em relação ao grupo de alunos, inclusive em

momentos de conflitos e indisciplina em sala de aula, por estabelecer um clima de

cumplicidade e desenvolver o senso de responsabilidade e solidariedade. Pois o jogo

pressupõe o estabelecimento de regras, papéis e funções de forma lúdica e despretensiosa. “As

conseqüências das suas intervenções dependem também, aliás, das constelações que ele

próprio é capaz de formar com as crianças”.

Faço uma brincadeira com música todos os dias, porque assim, as crianças ficam mais atentas, prestam mais atenção na aula. Depois de fazerem uma atividade com música, sempre ficam mais atentos e concentrados. Melhoram no comportamento, ficam mais disciplinados.(14) VANESSA.

Se a música for tomada no contexto de jogo, pela sua ludicidade implícita, pode-se

afirmar que a música desenvolve a disciplina, pois como jogo, possui regras, papéis e funções.

Quando Mara brinca com seus alunos, colocando uma música para tocar e num dado

momento fazendo-a parar para que as crianças busquem um lugar vago, entre os bambolês

espalhados pelo chão, está utilizando a música como jogo. No caso do relato de Vanessa, sem

a descrição da atividade, não foi possível fazer uma análise relacionando música ao

desenvolvimento da atenção/desatenção, pois ela cita como parâmetro, apenas o

comportamento e a disciplina, sem descrever as atitudes posturais dos alunos.

104

Souza (1995) em sua pesquisa sobre os efeitos da música sobre o movimento corporal

de crianças hiperativas, concluiu que a música favorece a diminuição da movimentação dessas

crianças em sala de aula. Observou que o grupo de alunos hiperativos, quando exposto à

música, olharam mais para o caderno e escreveram mais, durante e depois da música, do que

antes de ouvi-la. Neste caso específico, Souza utilizou-se de vários parâmetros que a levaram

à concluir que a música favorece o desenvolvimento de alunos hiperativos, porém também

não utiliza o termo atenção/desatenção, atendo-se a observação da movimentação corporal

dos sujeitos da pesquisa.

No entanto, se a integração das funções e portanto, das dimensões cognitiva, motora e

afetiva, no decorrer do desenvolvimento da criança, de suas atividades e conforme as

incitações do meio, for considerada, torna-se de alguma forma possível verificar de que modo

a música influencia no desenvolvimento da atenção e concentração. Tran Thong (2007) define

a função de orientação de forma estreitamente ligada à função de consciência:

Para Wallon, a orientação pré-frontal – chamada também de atenção, concentração – depende das atitudes mentais, cuja natureza é a mesma que a das atitudes motora e perceptiva. Todas elas fundamentam-se no tônus e brotam do desenvolvimento da função postural. (...) As funções de orientação e de consciência vão diferenciar-se com a maturação sucessiva dos centros de integração do tônus e das atitudes. Elas presidem ao aparecimento dos diferentes estágios de evolução, de que elas determinam os respectivos níveis e asseguram a unidade das manifestações comportamentais. Na época da adolescência, elas se tornam o núcleo integrador da estrutura de conjunto das funções que enquadra todas as nossas atividades. A tomada de consciência de uma situação ou de uma tarefa dá lugar a uma orientação que fixa os objetivos à atividade, seleciona meios e ordena as etapas da realização. A consciência controla o desenrolar da atividade e seus resultados. (TRAN THONG, 2007, p.38).

Na medida em que o interesse da criança se volta ou não para o foco de determinada

situação, pessoa ou objeto, esse interesse se revela a partir de sua expressão tônica, de

satisfação ou de insatisfação, indicando seu nível de atenção e a extensão do tempo em que

mantém esse interesse, podendo determinar o nível de concentração. Se a música induz ao

movimento, suscita o interesse na criança com relação ao estímulo inicial, apresenta respostas

de interesse, a partir de suas expressões tônicas e posturais, e esse interesse se mantém por um

certo período, nessa perspectiva, a música desenvolve a atenção e a concentração. A teoria

walloniana tornou possível fazer essa relação, já que concebe todas as dimensões: motora,

105

afetiva e cognitiva, de forma totalmente integrada, imbricadas entre si e em constante

movimento, ao longo do desenvolvimento da pessoa.

Coloco música sempre nas minhas aulas, todos os dias. Às vezes coloco música enquanto as crianças fazem uma atividade escrita, mas se alguém entrar na minha sala, vai ver criança deitada no chão fazendo a lição, sentada em outro canto, na minha mesa, mas não é bagunça. Os alunos ficam quietinhos fazendo a lição, mas à vontade. É à vontade dentro de um limite também. Então é por isso que ficam concentrados e fazem as atividades com prazer. O importante é que as crianças fazem tudo direitinho e estão progredindo. As crianças precisam estar se sentindo bem para conseguirem aprender. Aí, tudo flui e a música ajuda muito nesse processo. Não dá para separar o afetivo, do movimento, da expressão, do pensamento. Vejo meus alunos como esse conjunto. E a música faz parte desse conjunto, ou melhor, a música é todo o conjunto. Acho que música faz parte da pessoa. Pelo menos, é importante para mim. Não imagino minha vida sem música (19). VANESSA

A música desenvolve o raciocínio lógico-matemático

A música desenvolve o raciocínio lógico-matemático porque trabalha com conceitos como: longo e curto, comparações, proporções, seqüências numéricas. Gostei daquele jogo de música e matemática, como era mesmo? Ah, da adição rítmica (16). VANESSA

Vanessa afirma que a música desenvolve o raciocínio lógico-matemático porque

trabalha conceitos que são inerentes à área da matemática como duração, proporcionalidade e

seqüências numéricas. O jogo da adição rítmica37 consiste em dois ou mais grupos de

jogadores, que recebem cada um, um monte de cartas (à semelhança de cartas de baralho),

contendo em cada carta, um número que pode ser de 1 a 10, por exemplo, conforme o grau de

dificuldade que se queira dar ao jogo. Cada grupo em sua vez, executa com palmas o número

que a carta apresenta, sendo pelo menos duas cartas, já os outros grupos, deverão escutar,

identificar pelo som das palmas, o número contido em cada carta, sem que possam vê-las, e

apresentar a resposta correta referente à soma dessas duas cartas. O jogo da adição rítmica

mobiliza os mecanismos de percepção do som (na escuta atenta das palmas), de atenção,

concentração, discriminação auditiva, e outras operações mentais necessárias para a

compreensão dos parâmetros pelas quais se organizam os sons como por exemplo, na

identificação da quantidade de palmas.

37 A descrição pormenorizada deste jogo encontra-se no anexo deste trabalho. A professora aprendeu este jogo no curso de formação continuada em música.

106

Sekeff (2007) explica que “relacionando-se com a matemática em razão das dimensões

concretas e quantitativas de que são dotadas (duração, compasso, pulso, proporcionalidade,

velocidade), as representações sonoras possibilitam o desenvolvimento do pensamento lógico

de que ambas, música e matemática, compartilham”. (SEKEFF, 2007, p.82).

As atividades envolvendo música se relacionam com a matemática e são benéficas

para a educação, porque “os parâmetros musicais são passíveis de medição e representação

sígnica a exemplo da matemática, facultam a construção de critérios que possibilitam

reconhecer, abordar e resolver problemas do dia-a dia”. (idem, p.82).

Tocando um instrumento, as crianças desenvolvem a coordenação, precisam pensar em uma maneira de registrar o que tocam, escrevendo uma partitura, que pode ser criada pelos próprios alunos, escrevem a letra da música, então desenvolve o lado cognitivo também (15). (...) Além disso, dá para ensinar vários conteúdos a partir da letra das músicas e do contexto da música (17).VANESSA

O discurso de Vanessa apresenta também sua compreensão da integração das funções

e domínios que constituem a pessoa. Diz que ao tocar um instrumento musical, a criança

desenvolve a coordenação motora; ao registrar os sons tocados, criando uma partitura e ao

escrever uma letra para a música, desenvolvem a dimensão cognitiva e por conter elementos

comuns a diversas disciplinas, promovem a interdisciplinaridade. E a dimensão afetiva

encontra-se presente, ao promover a interação e pelo próprio conteúdo expressivo da música.

Sekeff (2007) explica como a música desenvolve a dimensão cognitiva do ponto de

vista funcional, afirmando que “a música estimula a inteligência tanto no domínio do cérebro-

racional (neocórtex) quanto do cérebro-emocional e do cérebro-sentimental (sistema

límbico), todos constitutivos do córtex, embora exerçam funções diferentes”. (idem, p.122).

O córtex cerebral é responsável por produzir e regular atividades mentais como:

sensação, percepção, planejamento de estratégias de comportamento e motricidade,

linguagem, raciocínio lógico matemático, atenção, raciocínio abstrato, julgamento crítico,

emoções e memória38.

38 Explicações detalhadas sobre a função do córtex podem ser encontradas em FUENTES et.al.

107

A música auxilia a maturação intelectual do educando (a despeito de ser uma linguagem não verbal), no sentido em que sua percepção requer, de algum modo, um mínimo de participação da inteligência, ainda que o texto musical abordado seja constituído de forma elementar. Mesmo experiências musicais as mais elementares solicitam do receptor um estado de prontidão, de alerta, a fim de que se sustente a escuta da arquitetura sonora, além do que a escuta envolve também movimento de operações mentais que auxiliam na apreensão e compreensão de formas e sentidos ouvidos. Afinal, um som só se justifica em relação ao que antes e ao que vem depois. Partindo desse nível primário de abordagem podemos então proceder a construções cada vez mais elaboradas, até chegar a formas superiores de música, quando então uma série de operações mentais de complexidade crescente são solicitadas. (ibidem, p.82 e 83).

A música é um recurso mnemônico

Toda cultura possui canções e rimas para ajudar as crianças a aprender o alfabeto, os números e outras listas. Mesmo quando adultos, somos limitados em nossa capacidade para memorizar séries ou retê-la na mente se não usarmos recursos ou padrões mnemônicos – e os mais poderosos desses recursos são a rima, a métrica e o canto. Podemos cantar a canção do ABC internamente para lembrar o alfabeto (...). (SACKS, 2007, p.231).

É possível perceber no discurso da professora Adriana e da coordenadora Bia, que

ambas utilizam a música como recurso mnemônico.

A música ajuda também na alfabetização, ajuda na leitura, na memorização, meio na brincadeira, por exemplo, eu estava na sala agora, que a professora faltou e eu falei: vamos cantar a música do alfabeto.(33) A música de um programa de televisão, que todas as crianças sabem cantar. Aí todo mundo cantou direitinho, sem errar uma letra. Quando é só falado, os alunos têm mais dificuldade. Então, cantar ajuda muito a fixar o conhecimento, além de ser mais divertido. Todo mundo gosta (34). BIA

A música ajuda no desenvolvimento da concentração. Já trabalhei com música para ajudar a decorar pronomes, regras de língua portuguesa. Faço adaptações das letras das músicas para ensinar o que eu preciso.Por exemplo, para ensinar inglês, eu ensino numerais com música. (08) ADRIANA

Sacks (2007) explica que, “além dos movimentos repetitivos de andar e dançar, a

música pode permitir a habilidade de organizar, de seguir seqüências complexas ou de manter

na mente um grande volume de informações – é o poder narrativo ou mnemônico da música”.

(idem, p.230).

108

Pacientes com lesão no lobo frontal também podem perder a capacidade de executar um encadeamento complexo de ações, como vestir-se por exemplo. Nesses casos, a música pode ser muito útil como recurso mnemônico ou narrativo: na prática ela fornece uma série de comandos ou deixas na forma de rimas ou de canção, como na cantiga infantil “This old man” [Este homem velho]. Ocorre coisa semelhante com indivíduos gravemente retardados, que são incapazes de executar seqüências razoavelmente simples envolvendo talvez quatro ou cinco movimentos ou procedimentos, mas conseguem realizá-las perfeitamente acompanhando uma música. A música tem o poder de embutir seqüências, e de fazê-lo quando outras formas de organização (inclusive formas verbais) não têm êxito. (idem, p.p. 230-231).

Foi justamente a partir do estudo das síndromes de insuficiência frontal, entre outros

“retardamentos e anomalias do desenvolvimento motor e mental”, subtítulo de sua tese de

doutoramento transformado no livro “A criança turbulenta”, que Wallon chegou às leis gerais

do desenvolvimento de sua teoria psicogenética. E Zazzo sintetiza brilhantemente o

pensamento de Wallon, no que ele considera “tornar cientificamente pensável o que os

metafísicos designam como problema das relações entre o corpo e a alma”. (ZAZZO, 1978,

p.153).

Substituir pela noção de relações recíprocas a de uma causalidade unilateral e mecanicista é já um progresso, mas ainda não é ir suficientemente ao fundo das coisas. É de implicações que é preciso falar: implicação da sociabilidade futura da criança nas suas reacções corporais, implicação mútua entre os fatores de origem orgânica e de origem social que operam a génese do psiquismo. A motricidade é, na espécie humana, uma função de expressão antes de ser também, mas muito mais tarde, uma função de realização. Expressão, quer dizer intercâmbio, relação com outrem. Pelos seus gestos, pelas suas posturas, pelas suas atitudes, a criança ainda incapaz de nada efectuar por si mesma, age a seu meio, e por intermédio do seu meio, quando se trata de satisfazer as suas necessidades e desejos. Assim, por encadeamentos extremamente precoces – e nesta condição de incapacidade inicial da criança – o movimento torna-se gesto, o tônus muscular torna-se mímica, isto é, condutas, comportamentos carregados de significação humana. Mas a significação, a eficácia destes comportamentos não são, evidentemente, de natureza intelectual como o será mais tarde, em grande parte, a linguagem. Têm a ver com a emoção que desencadeia estes comportamentos e que estes comportamentos traduzem, canalizam, amplificam. A emoção é indissociável das suas expressões tônicas: posturas, atitudes. E é pela emoção que se estabelecem as primeiras relações com outrem. Relações de comunhão, de contágio. Mas começa progressivamente a estabelecer-se uma distinção nesta confusão primitiva. Pela resistência de outrem, e também por uma espécie de complacência da criança em reproduzir as suas próprias reacções emocionais, em ensaiá-las, em diversificá-las, em dá-las a si mesma como espetáculo. Assim, a emoção que inicialmente amalgama a criança ao seu meio por intermédio das mais confusas, das mais arcaicas sensibilidades, leva um dia à noção de outrem e à consciência de si mesmo. (idem, p.p.153 e 154).

109

Como as coordenadoras pedagógicas percebem a necessidade cognitiva dos alunos

Em síntese perceber as necessidades cognitivas do aluno, é também perceber suas

necessidades afetivas e motoras ao longo de seu desenvolvimento. É possível perceber que a

perspectiva do desenvolvimento como sendo integral e integrada na constituição da pessoa de

seus alunos, encontra-se presente no discurso das coordenadoras pedagógicas, sobre a música

no desenvolvimento integral da criança.

Acho que isso ajuda no desenvolvimento como um todo, físico, mental, afetivo, social e até motor, porque tem esporte, educação física, teatro e música (18). JÚLIA

A experiência de uma professora foi muito importante para perceber como as crianças reagiam durante uma atividade que envolve sons. É bem isso. As crianças ficavam atentas aos sons que eram apresentados e as que não ficavam quietas, as outras crianças chamavam a atenção dizendo: fica quieto, não dá pra ouvir. E ainda tinha as músicas que a gente trabalhou com o objetivo de desenvolver além da atenção, a coordenação motora, a lateralidade, o esquema corporal, a socialização e o canto. E tem também a pulsação e o ritmo, que a gente aprendeu como conteúdo de música (35). BIA É aí que eu disse que dava pra ver o prazer nas atividades, que dava pra ver ele escrevendo, batendo o pé e cantando, tudo ao mesmo tempo. E quando eu falo do resultado, é isso mesmo. Eu não lembro muito bem os números, mas é isso. É só ver o resultado, tem 34 alunos numa sala, 30 são alfabéticos e 4 estão em processo. E tudo isso depende da pessoa, que tem que mudar, proporcionar algo para a criança...(38). BIA

110

2º. EIXO DE ANÁLISE: UMA SÍNTESE

A MÚSICA NO DESENVOLVIMENTO INTEGRAL DA CRIANÇA

Ao examinar a concepção de desenvolvimento das professoras e coordenadoras

pedagógicas, encontramos pontos de aproximação entre suas concepções e a teoria de

desenvolvimento de Henri Wallon, principalmente no que diz respeito às interações da pessoa

com o meio, que é visto por elas como um processo dinâmico que ocorre ao longo do

desenvolvimento da criança. Dos fatores apontados pelas entrevistadas, que prejudicam ou

interferem nesse processo de desenvolvimento, destacam-se: a falta de cuidado com a saúde

das crianças por parte da família, falta de apoio e atenção das famílias com relação à

aprendizagem escolar dos filhos, ambiente violento do local em que moram os alunos e

desconhecimento de regras de convívio social por parte dos alunos, que acarretam

dificuldades de aprendizagem. As entrevistadas descreveram situações que utilizavam música

em sala de aula, que puderam revelar quais são os aspectos da música que estão relacionados

às dimensões motora, afetiva e cognitiva do desenvolvimento, segundo suas concepções e à

luz da teoria psicogenética de Wallon. Os aspectos relativos à dimensão motora são: a música

induz ao movimento; a música provoca mudança na expressão da criança; a música

desenvolve o senso rítmico e a coordenação motora; a música organiza e traz fluidez aos

movimentos. A coordenadora pedagógica Júlia percebe a música como recurso facilitador no

desenvolvimento de atividades que motivem o movimento.E Bia revelou que a formação

continuada em música ampliou o seu olhar com relação às necessidades de movimento dos

alunos. No desenvolvimento afetivo: a música afeta e é contagiosa; a música desenvolve a

expressão e a comunicação; a música provoca sentimentos e lembranças. As coordenadoras

pedagógicas perceberam que a música ajuda a estabelecer uma melhoria na qualidade das

relações entre as pessoas que compõem a comunidade escolar. No desenvolvimento

cognitivo: a música desenvolve a atenção e a concentração, o raciocínio lógico-matemático,

além de ser um recurso mnemônico. O discurso das professoras e das coordenadoras

pedagógicas revelou que a música contribui favoravelmente para o desenvolvimento integral

da criança, e pode ajudar a lidarem melhor com as dificuldades apontadas como prejudiciais

ao desenvolvimento.

111

QUADRO 3 - DA ESCUTA MUSICAL

Mara Vanessa Patrícia Adriana Bia Júlia

GOSTO MUSICAL Eu gosto mais de sertanejo, porque eu me identifico mais com esse tipo de música. Acho que é porque eu gosto assim de carinho e a música sertaneja é mais próxima a isso. É mais romântica.

Eu gosto de tudo um pouco. Eu escolho o que ouvir pela letra das músicas, e pela música em si também. Acho que os dois têm que combinar, tanto a letra quanto a melodia também. Os sons, os instrumentos, a letra, acho que o todo precisa passar alguma coisa. Depende do seu estado de espírito. Música é algo muito pessoal.

Eu gosto de ouvir de tudo, menos rock pauleira, porque eu não entendo o que eles cantam. No geral eu gosto de todos os gêneros.

Eu gosto de todo tipo de música. Se eu ouço uma música mais calma eu fico calma e tranqüila, e se for uma música mais agitada eu fico mais animada, e por isso não tenho uma preferência. Gosto de tudo um pouco.

Eu gosto de tudo um pouco. Gosto de sertanejo, música infantil, música que fala de coisas bonitas, que tocam o coração. Gosto também de música clássica. Sempre compro as revistas sobre educação que vem com Cd. Tenho aquele do Pedro e o Lobo, que ensina sobre os instrumentos da orquestra. Então, sempre que posso eu estou pesquisando e aprendendo tudo que dá nos cursos também.

Eu gosto de ouvir música clássica, música calma, mais romântica, dos anos 60, eu só não gosto de rock, de música muito agitada, mas minha filha adora rock, então eu acabo ouvindo, mas não gosto muito. Mas como ela ouve rock até na hora de dormir, acabei gostando um pouco das músicas de rock mais lentas, mais melódicas, até que são bonitas. E aí eu falo para minha filha que essas músicas mais melodiosas de rock eu gosto, que são bonitas.

MÚSICA 1 - O CAVALEIRO SELVAGEM Trabalha a expressão corporal, o movimento, é diferente. Atividade39: jogo do som e silêncio com bambolê

Dá para trabalhar com a imaginação, desenhando a música e por ser diferente, falando sobre o piano, a música clássica, o compositor, sobre a época em que foi feita, das diferenças entre a música cantada e a música tocada e desenvolver o tema, criando histórias sobre os cavaleiros e também acompanhando com instrumentos musicais.

Gostou e utilizaria se tivesse um aparelho de som que pudesse ser usado na quadra. É rápida (andamento): leva ao movimento. É descritiva: dá para perceber e imaginar um cavaleiro correndo em seu cavalo. Atividades: contar história com movimentos e criar outros jogos a partir do tema (cavalos). A música sem letra (instrumental) estimula a imaginação e a atenção fica focada na sensação que a música traz (vontade de trotar no cavalinho correndo).

Atividades: pesquisas sobre o compositor da música, período histórico, instrumentos musicais, outras músicas clássicas.

Dá para proporcionar a escuta de música que os alunos não estão acostumados. Ouvir algo diferente. De sentir

Acha música clássica bonita e as crianças gostam porque é diferente, tem um andamento rápido e provoca alegria. Escutou a música no curso de capacitação. Atividades: pulsação com percussão corporal e percepção de altura (descrever). Escuta ativa desenvolve a atenção e a concentração.

39 As atividades sugeridas pelas entrevistadas estão descritas no anexo deste trabalho.

112

Mara Vanessa Patrícia Adriana Bia Júlia MÚSICA 2 - CAMALEÃO

Gostou porque é uma brincadeira, cantiga de roda, folclórica, que trabalha o movimento, desenvolve a socialização, regras. É a música que as crianças iam gostar mais, por causa do movimento, porque crianças gostam de se movimentar (movimentar braços, pernas, correr, brincar de roda). Criança não gosta de ficar presa e precisa se expressar. Aprendeu a música no curso porque começou a trabalhar aos 8 anos e não brincou muito de roda.

Trabalharia por ser uma brincadeira cantada. Às vezes não daria para ser dentro da sala, porque precisaria de mais espaço. Eu colocaria a música do camaleão para ser acompanhada por instrumentos musicais, trabalhando o conceito de andamento, rápido e lento, com a sala do fundamental. Se fosse na Educação Infantil, acho que teria que trabalhar primeiro a brincadeira, com movimentos, para as crianças entenderem o conceito de andamento.

Já trabalhou esta música com os alunos até os 11 anos, por ser uma atividade lúdica. Desenvolve a coordenação motora, a atenção, a socialização, a disciplina, a locomoção espacial, a interação entre os pares, o canto e o ritmo. Oferece múltiplas possibilidades.

Trabalha o andamento, o ritmo e o movimento. Explorou os mesmos conceitos com a música (parlenda) do Tatu (anexo). Os alunos gostam de desafios. Bater e passar a latinha no ritmo era um desafio assim como inventar movimentos para a atividade, com a turma da 5ª. Série, pois na 5ª. Série, eles não gostam mais de brincar de roda. A música do Camaleão seria a 1ª. Escolha, por levar ao movimento.

As professoras brincam bastante de roda.

Folclore brasileiro Trabalha o movimento e por ser brincadeira, promove a socialização. As crianças precisam brincar mais com cantigas de roda (resgate da cultura)

MÚSICA 3 – FOME COME Gostou mais porque tocou mais (o sentimento), por causa da letra que fala da fome, dá para trabalhar o ritmo e dançar. O tema é atual e dentro da realidade dos alunos.

A música “Fome come” eu trabalharia com a letra. Já a brincadeira, fica um pouco difícil, na turma do 2º. ano, porque as crianças nessa idade ainda não têm a coordenação motora desenvolvida para fazer os movimentos do jogo.

Trabalhou com sucata e desenvolve a coordenação motora, a lateralidade e aborda um tema atual. Os alunos ficaram treinando para conseguir realizar a atividade. Superação de dificuldades.

Os alunos já conhecem a música porque é veiculada na televisão. Trabalhou com a turma da 7ª. Série e os alunos gostaram por causa do desafio proposto na execução dos movimentos, de passar a latinha e cantar simultaneamente, além de ser conhecida

Gostou por que trata de um tema real, como da modelo que morreu de anorexia, então o tema é atual. Trata de assuntos que passam na televisão, sobre a saúde. Eu acho que na escola dá para apresentar algo diferente.

Trabalho de reciclagem, meio ambiente, questões da atualidade. Desenvolve a coordenação motora e a linguagem.

MÚSICA 2 – TEMA DA PANTERA COR-DE-ROSA Atividade: jogo da sombra

Eu faço uma brincadeira com movimentos, sons de boca e eles adoram.

Tem movimento, sons produzidos com a boca.

Remete à infância da professora, aos desenhos animados. Atividade: brincadeira da sombra.

Todo mundo conhece, mas o enfoque é outro na escola

Tema de desenho animado. Curso de capacitação em música- importante para conhecer novas possibilidades (de utilização da música na sala de aula)

113

4.3. A MÚSICA NA ESCOLA

4.3.1. Da escuta musical

Durante as entrevistas, foi solicitado às professoras e coordenadoras pedagógicas que:

escutassem as quatro músicas40 a seguir: O Cavaleiro Selvagem; Camaleão; Fome come; e

Tema da Pantera Cor-de-Rosa. Logo após a escuta das músicas, as entrevistadas responderam

às seguintes questões:

• Quais das quatro você utilizaria nas suas aulas?

• Qual o motivo da(s) escolha(s)?

• Que tipo de atividade você desenvolveria em aula com a(s) música(s)? Por quê?

Todas as entrevistadas responderam que utilizariam as quatro músicas na sala de aula.

As professoras deram vários exemplos de sua prática, utilizando música com seus alunos em

sala de aula. E as coordenadoras pedagógicas, como não atuam em sala de aula, relataram as

experiências dos professores que trabalham em suas escolas, as atividades que desenvolveram

no tempo em que eram professoras e as atividades desenvolvidas no curso de formação

continuada em música. O relato das experiências vividas com música em sala de aula e a

descrição das músicas e das impressões relativas à escuta de cada uma, no momento da

entrevista, serão explicitados a seguir.

O Cavaleiro Selvagem foi composto por Robert Alexander Schumann, compositor

alemão, contemporâneo de Chopin e Mendelssonhn, que viveu entre 1810 e 1856 e foi um dos

mestres da primeira fase do Romantismo. A música O Cavaleiro Selvagem faz parte de um

ciclo de peças que compõem o Álbum para a juventude op.68, para piano solo, e tem caráter

descritivo. O Álbum para a Juventude op.68 não foi composto exatamente para ser um álbum

para os jovens, mas como um presente de aniversário para a filha mais velha de Schumann,

Marie. No dia 30 de agosto de 1848, dois dias antes do aniversário de sete anos de Marie, o

compositor começou a trabalhar nesse ciclo de obras. Ele acabou o ciclo das primeiras sete

peças, em apenas dois dias, a tempo de oferecê-lo à filha, no dia do seu aniversário. Assim ele

40 As músicas encontram-se gravadas no CD anexado ao trabalho (faixas 2 a 5). As letras das músicas também estão no anexo deste trabalho.

pôde oferecer uma peça para cada ano de sua vida. Das primeiras sete peças, prosseguiu

escrevendo mais canções para o ciclo, num período em que Schumann foi muito produtivo.

Terminou o ciclo de 43 peças, que compõem o Álbum para a juventude, tal qual é hoje

conhecido, em duas semanas. As canções que compõem esse ciclo, inicialmente chamado

pelo compositor de Álbum de Natal, contém promessas, noções e situações futuras para

pessoas jovens. Como as peças foram compostas originalmente para a família dele, Schumann

gostava particularmente delas, e declarou: “Eu me senti como se estivesse novamente

começando a compor, como se fossem as minhas primeiras peças”. (SCHUMANN apud

HAEN).

Mara descreve como utilizaria a música O Cavaleiro Selvagem para desenvolver a

percepção do som e do silêncio, relacionando esses conceitos com o movimento corporal no

espaço, dando como exemplo uma atividade chamada pela professora de jogo do som e do

silêncio com bambolê41:

(...) a gente coloca uma música para ouvir e as crianças dançam e se expressam livremente, a gente pára a música e eles tem que entrar dentro do bambolê, aí vai variando, andando em volta, devagar e mais rápido. As crianças gostam muito por causa do movimento. E dá para perceber que elas ficam mais atentas e concentradas quando tem atividade desse tipo. (13) MARA

Vanessa trabalharia a música O Cavaleiro Selvagem de forma interdisciplinar, a fim

de desenvolver a criatividade, ao desenhar ouvindo a música; o conteúdo de História,

pesquisando sobre a época e o contexto em que a música foi composta; o senso crítico, a

linguagem oral e escrita, além dos conteúdos específicos da área de música, tais como:

diferenciar a música cantada da música tocada, “falando sobre o piano, a música clássica, o

compositor” e acompanhando o ritmo da música, com instrumentos musicais feitos com

sucata. Essa última atividade possibilitaria trabalhar o tema transversal: meio ambiente.

No ano passado, eu criei com os alunos, um projeto sobre o rio Tietê. Escutamos a gravação da parlenda “Hoje é domingo” e a partir da idéia do arranjo dessa música, criamos uma letra sobre o rio Tietê. Construímos os instrumentos musicais com sucata, pesquisamos sobre o tema, todos os alunos desenharam e fizeram uma redação ou uma história em quadrinhos sobre o tema, que virou letra da música. Fizemos um arranjo baseado na escuta do “Hoje é domingo” e tocamos. O trabalho despertou para uma reflexão sobre a temática do meio ambiente e serviu para trabalhar várias disciplinas: Arte, Ciências, Português e História,

41 A descrição detalhada do jogo encontra-se no anexo deste trabalho.

114

115

além de facilitar o aprendizado dos conteúdos, pois todos ficaram muito envolvidos no projeto. Este ano, estou trabalhando também com várias músicas, mas ainda não desenvolvi um projeto assim.(20) VANESSA

Patrícia, por ser professora de educação física, disse que utilizaria a música O

Cavaleiro Selvagem se tivesse um aparelho de som que pudesse ser usado na quadra, o que

nem sempre acontece. Apontou para as possibilidades que a música oferece para a educação

física, porque percebeu que a música sem letra (instrumental) estimula a imaginação e a

atenção fica focada na sensação que a música traz (vontade de trotar no cavalinho correndo) e

sendo assim, induz a um determinado tipo de movimento. Sugeriu também outras atividades

como: contar história com movimentos e criar outros jogos a partir do tema (cavalos).

Adriana sugeriu como atividades a serem realizadas com a música O Cavaleiro

Selvagem: pesquisas sobre o compositor e o contexto histórico da música e a confecção de

instrumentos musicais com sucata. Adriana acredita que o trabalho com essa música poderia

estimular a escuta de outras músicas clássicas.

Bia, referindo-se à música O Cavaleiro Selvagem, apontou para a possibilidade de

proporcionar a escuta de músicas que os alunos não estão acostumados a ouvir no seu

cotidiano, apesar de não ter descrito especificamente uma atividade, ao dizer:

A primeira me tocou, porque eu pensaria em alguma coisa para trabalhar, no sentido de ouvir a música. Ouvir algo diferente. De sentir. Não consigo imaginar agora, uma atividade, mas poderia criar algo sim.(42) BIA

Júlia gosta e acha música clássica bonita e disse que as crianças poderiam gostar da

música por ser diferente, ter um andamento rápido e provocar alegria, descrevendo as suas

próprias sensações. Relatou que conheceu a música O Cavaleiro Selvagem no curso de

formação continuada, citando uma atividade aprendida no curso, que poderia ser realizada

com essa música:

No curso tinha uma dinâmica em que a gente tinha que escutar marcando o ritmo no corpo. Acompanhando a pulsação. Quando estava na parte que a música era tocada no agudo a gente marcava com palmas e no grave, a gente marcava com os pés. Acho que dá para trabalhar com as crianças na sala de aula. Eu acho importante que as crianças percebam essas coisas na música, porque assim elas escutam com mais atenção. Desenvolve a atenção e a concentração.(49) JÚLIA

116

Camaleão é uma música de tradição oral, conhecida também como um brinquedo

cantado por crianças e pode ser incluída na categoria das cantigas de roda. A música foi

coletada no interior da Bahia, e documentada pela pesquisadora e etnomusicóloga Lydia

Hortélio. Hortélio relata que, ao mostrar para seu professor de piano húngaro, uma série de

cantigas de sua infância, o professor lhe disse: “Pois é, só que a melodia é só uma dimensão

de um fenômeno muito mais complexo, muito mais rico, que é o brinquedo ele mesmo”. A

pesquisadora percebeu então, que algo mudara em sua vida: “a música tinha o poder de mover

a ação”. (HORTÉLIO apud MANZATTI, 2007).

Em uma música como olha o camaleão/ olha o rabo dele/ segura esse nego(...), por exemplo, as crianças formam uma fila e uma pessoa é a cabeça do camaleão. Ela canta isso e cumpre um roteiro entrando e saindo daquela fila, e aos poucos vai se formando o camaleão. Isso tudo é o brinquedo camaleão. A melodia, tão bonitinha no começo, agora desaparece, porque a ação dramática é muito mais forte. E há uma infinidade de ações dramáticas com uma linguagem de movimento própria em cada brinquedo. O brinquedo é a palavra, o texto literário; é a música, o movimento; é o drama e o outro, o companheiro de brinquedo. E isso é um todo indissociável. (idem, 2007).

Mara aprendeu a música Camaleão no curso de formação continuada e disse que

conhecia poucas cantigas de roda, porque começou a trabalhar aos 8 anos e não teve muitas

oportunidades para brincar. Acha que as crianças iriam gostar da música, pois elas têm

necessidade de se expressar pelo corpo, além de desenvolver a socialização.

Por isso eu procurei o curso de música. Aprendi muitas músicas que eu não conhecia.E estou usando bastante as músicas folclóricas com as crianças, porque acho importante. O que faz sucesso é “Atirei o pau no gato, caranguejo não é peixe, corre cotia”, que as crianças brincam(...) antes de entrar na aula(...) tem também, as músicas que falam do esquema corporal , de mão, pé, do jacaré, que elas gostam, porque mexe com movimento.(20) MARA

Vanessa gostou da música por ser uma brincadeira, mas disse que não daria para

trabalhá-la como propõe a brincadeira original, dentro da sala de aula, porque precisaria de

mais espaço para sua realização. Então com os alunos do ensino fundamental, colocaria a

música Camaleão para ser acompanhada por instrumentos musicais, trabalhando o conceito

de andamento: rápido e lento. Se fosse na Educação Infantil, acha que teria que trabalhar

primeiro a brincadeira como ela é, realizando os movimentos corporais, para que as crianças

pudessem entender o conceito de andamento.

117

Patrícia disse que já trabalhou a música Camaleão com os alunos de até 11 anos de

idade, justificando que as crianças até essa idade precisam de atividades lúdicas, nas aulas de

educação física, que possam desenvolver a coordenação motora, a atenção, a socialização, a

disciplina, a locomoção espacial, a interação entre os pares, o canto e o ritmo.

Adriana trabalharia o andamento, o ritmo e o movimento da música Camaleão, e

acredita que esta seria sua primeira escolha para trabalhar com crianças até a 5ª.série do

ensino fundamental.

Eu fiz um trabalho com música no ano passado, com a turma da 5ª. Série. Fiz uma atividade com a parlenda do Tatu, trabalhando o ritmo da parlenda, falando e passando uma latinha. Criei um movimento para cada parte da parlenda do Tatu. Os alunos acharam muito divertido, e eu achei que ajudou na coordenação, porque tem criança que não tem ritmo, e tinha que bater a lata. Isso ajudou a desenvolver a coordenação e melhorar o ritmo. Acho que o movimento faz parte do desenvolvimento. Precisa desenvolver também a parte motora, que é junto com o cognitivo. (19) ADRIANA

Disse que poderia adotar o mesmo procedimento e trabalhar os mesmos conceitos

musicais que explorou com a parlenda do Tatu42, utilizando a música Camaleão, segundo o

qual os alunos sentados em roda, no chão, devem passar uma lata ou outro objeto de acordo

com o andamento e o ritmo da música. Segundo Adriana, relacionar movimento corporal aos

conceitos musicais constitui um desafio para os alunos, que acaba por despertar o interesse

nesses alunos.

Bia também escolheria a música Camaleão porque as professoras de educação infantil

brincam bastante de roda. Como coordenadora pedagógica, apóia essa iniciativa e diz estar

sempre em busca de novos cursos que proporcionem a ampliação de seu repertório de músicas

e atividades.

Júlia disse que as crianças precisam brincar mais com cantigas de roda para promover

o resgate do folclore brasileiro, por julgar que as crianças conhecem pouco dessa cultura.

Além de trazer benefícios para o desenvolvimento porque trabalha o movimento, e por ser

brincadeira, promove a socialização.

42 Parlenda do folclore brasileiro: Viva eu, viva tu, viva o rabo do tatu. A parlenda difere da música, por não possuir melodia. A atividade desenvolvida pela professora encontra-se detalhada no anexo deste trabalho.

118

Fome come (PERES, Sandra, TATIT, Paulo, 1998), composta em 1998, faz parte do

CD Canções Curiosas que conta com a participação especial de intérpretes da música popular

brasileira, entre eles: Ná Ozzetti, Mônica Salmaso, José Miguel Wisnik e Márcio Werneck.

Fome come43 também pode ser considerado brinquedo cantado ou jogo rítmico; apesar do

jogo rítmico de passar a lata ter origem na cultura popular infantil tradicional, o arranjo, que

mantém a base rítmica do jogo de latas e mistura os estilos Rap e Pop, e a divulgação em

veículo de massa, em formato de videoclipe, coloca a música na categoria de produto da

indústria cultural. O videoclipe da música foi veiculado nos intervalos de uma emissora de

televisão educativa, o que a tornou muito conhecida pelas crianças. O jogo rítmico feito com

latas (apresentado no videoclipe) é uma brincadeira tradicional de acampamento, que se

assemelha ao também tradicional Escravos de Jó.

Mara gostou muito da música Fome come porque “tocou o sentimento”, e também por

causa da letra que versa sobre um tema atual que está relacionado à realidade dos seus alunos,

pois “fala” da fome. No âmbito do desenvolvimento, disse que desenvolve o ritmo e o

movimento.

Vanessa relatou que trabalharia a letra da música Fome come, já que a brincadeira de

passar a lata é de difícil execução para a turma do 2º. ano do ensino fundamental, porque

percebeu que as crianças nessa idade ainda não têm a coordenação motora suficientemente

desenvolvida para fazer os movimentos propostos para o jogo.

Patrícia desenvolveu com seus alunos, o material para a brincadeira nas aulas de Arte,

reciclando sucata. Trabalhou com a música Fome come para desenvolver a coordenação

motora, a lateralidade e discutir temas da atualidade. Relatou que seus alunos ficaram

“treinando” para conseguir realizar a atividade com perfeição, demonstrando que a atividade

despertou o interesse nos alunos.

Adriana trabalhou com a turma da 7ª. Série do ensino fundamental e relatou que os

alunos gostaram da atividade com a música Fome come por causa do desafio proposto na

execução dos movimentos, que consistia em passar a lata e cantar ao mesmo tempo, além de

ser uma música conhecida por eles, já que foi veiculada na televisão.

43 A descrição do jogo rítmico Fome come e a letra da música encontram-se no anexo deste trabalho.

119

Bia gostou da música Fome come por tratar de um tema relativo à atualidade, citando

como exemplo, o caso de uma modelo que morreu de anorexia. Assim, poderia conversar com

os alunos sobre assuntos “que passam na televisão” e também sobre os cuidados com a saúde,

atribuindo à escola esse papel.

Júlia sugeriu trabalho com reciclagem de sucata, no preparo do material para a

brincadeira do Fome come, pelo qual poderia estimular uma discussão sobre a questão do

meio ambiente e outras questões da atualidade. Acredita que a atividade possa desenvolver a

coordenação motora e a linguagem.

Tema da Pantera Cor-de-Rosa (MANCINI, 1999) foi composta em 1964, por Henry

Mancini (1924-1994), como trilha sonora para uma série de filmes para o cinema, estrelada

por Peter Sellers. Essa música se diferencia da anterior por ser instrumental, seu estilo é o jazz

e também pode ser enquadrado na categoria de cultura de massa. O primeiro filme da série A

Pantera Cor-de-Rosa narra as aventuras do atrapalhado Inspetor Closeau, correndo em busca

do diamante que dá nome ao filme. A primeira aparição da personagem em animação foi na

abertura do primeiro longa-metragem. Fritz Freleng e David DePatie foram chamados para

criarem uma introdução para o filme, em forma de desenho animado, na qual o Inspetor

Closeau deveria aparecer correndo atrás da Pantera Cor-de-Rosa, só que, ao invés de

desenharem o diamante, fizeram uma brincadeira ao “pé-da-letra” e desenharam a pantera que

se tornou mais conhecida que o filme. A série animada The Pink Panther Show foi lançada em

1969, e no fim dos anos 70, o desenho animado da pantera já tinha transformado a

personagem felina, o Inspetor Closeau e a música-tema, composta por Mancini, em fenômeno

de massa mundial. O desenho chegou a ganhar um Oscar da Academia de Hollywood.

Mara e Adriana sugerem a atividade: jogo da sombra44 com a música Tema da

Pantera-Cor-de-Rosa, para desenvolver a expressão corporal e promover a interação entre os

alunos. Adriana relata que a música traz lembranças de sua infância, porque é tema de um

desenho animado.

A música da Pantera-Cor-de Rosa me remete à infância. Eu assistia os desenhos e acho que dá pra trabalhar também com movimentos, e também porque é conhecida. Acho que dá para fazer a brincadeira da sombra com essa música.(27) ADRIANA

44 O jogo da sombra é uma atividade que foi aprendida pelas professoras no curso de formação continuada em música e sua descrição consta do anexo deste trabalho.

120

Vanessa e Patrícia desenvolveriam a brincadeira da Pantera-Cor-de-Rosa45, que

consiste em realizar gestos e sons corporais relativos a uma letra criada sobre a música Tema

da Pantera-Cor-de-Rosa, que foi aprendida por elas pela tradição oral, não se sabendo a

origem da brincadeira.

Já a música da Pantera Cor-de-rosa, eu faço uma brincadeira com movimentos, sons de boca e eles adoram.(20) VANESSA. A música da Pantera cor-de-rosa tem até uma atividade que coloquei na apostila do curso, que tem movimento, sons que os alunos fazem com a boca representando o som das coisas, e os alunos adoram. Tem que cantar todo dia.(11) PATRÍCIA

Bia e Júlia relataram que a música poderia ser trabalhada na escola, porque os alunos

iriam gostar, por ser tema de desenho animado, portanto, conhecida por todos. Ambas

atribuem ao curso de formação continuada em música, a oportunidade de conhecer e ampliar

as possibilidades de utilização de música em sala de aula.

Eu acho que na escola dá para apresentar algo diferente. Mas tem que explicar bem para quê algo está sendo feito. Mas também, tem o outro lado, a música pode passar uma mensagem. Tocar alguém. Então, música é diferente de falar. A mensagem chega. O aluno escuta melhor do que quando a gente fala. Na 8ª. Série, 14 anos, adolescência, eles acharam brega a música, mas fizeram a atividade e nem prestaram atenção na letra depois. A música teve algum sentido para eles. Eles conseguiram contar um pouco sobre eles depois de terem escutado a música. O adolescente é muito discriminado. Precisa dos amigos da mesma idade, mas precisa ser ouvido. Então a música proporcionou esse entendimento. Acho que isso é se desenvolver. E eles se soltam, desbloqueiam, aprendem melhor, o rendimento melhora, a atenção melhora, a partir do afetivo, do emocional que melhora com a música.(43) BIA

45 A brincadeira desenvolvida pelas professoras encontra-se no anexo deste trabalho.

121

4.3.2. Música na escola para quê?

Na entrevista elaborada para coletar os dados para este trabalho, foi perguntado às

participantes da pesquisa, que tipo de música a entrevistada costumava ouvir em seu cotidiano

e se levaria esta música para a sala de aula.

Três professoras e uma coordenadora pedagógica responderam que gostam de ouvir

“um pouco de tudo”, uma professora demonstrou preferência por música sertaneja e uma

coordenadora pedagógica prefere músicas clássicas, românticas e dos anos 60. Entre elas,

duas disseram não gostar de “rock pesado”, apresentando como justificativas: não entender o

que estão cantando e não gostar de música agitada; sendo que uma delas, apesar de

geralmente não gostar de rock, apresentou uma exceção ao rock melódico, que aprendeu a

ouvir por influência de sua filha adolescente, que costuma escutar “rock até na hora de

dormir”.

Todas as entrevistadas declararam que levariam a música que escutam no cotidiano,

para a sala de aula, tomadas as devidas precauções, tais como: adequação da letra da música à

faixa etária a que se destina e temática adequada ao contexto escolar.

Eu acho que dependendo da letra sim. Porque tem música que não é apropriada para criança. Agora tem música sertaneja que dá, que fala da Nossa Senhora, de ecologia, meio ambiente, que dá para trabalhar na festa junina, porque fala da nossa cultura. Eu acho que dá para trabalhar com outros tipos de música para trabalhar as várias culturas. Eu acho que a música sertaneja e a música religiosa tem a ver com a cultura da nossa cidade. E tem também o samba. A cidade tem orgulho de ser o berço do samba paulista. É bem conhecido. (15) MARA

O discurso das entrevistadas revelou que os alunos têm preferência por músicas que

estão “na moda”. No caso, a música mais tocada no momento em que as entrevistas foram

feitas, era o funk. As professoras e coordenadoras não utilizariam o funk em sala de aula por

conter letras consideradas por elas como inadequadas para os alunos. Indicaram que cabe à

escola oferecer alternativas que possibilitem a ampliação do repertório musical e da cultura

geral dos alunos, ao mesmo tempo em que se deve valorizar a cultura local.

Mas as crianças mesmo, gostam mais de funk, do que está na moda. Mas a escola tem que mostrar que tem coisas diferentes, outras culturas. O professor é que tem que orientar, dar uma base para a criança, para o desenvolvimento dela. (16) MARA

122

Eu levaria para eles conhecerem, porque funk, o que eles ouvem agora, não gosto, as letras não são adequadas para crianças e é só o que eles conhecem. Levaria para eles conhecerem outros estilos de música, para ampliar o universo deles (38). JÚLIA

Reconhecer-se em meio à cultura local pode contribuir para o despertar do sentido de

pertencimento, e estimular o “espírito” de colaboração e solidariedade preconizado por

Wallon (1975a). Segundo ele, uma das atribuições da escola é oferecer também essa cultura

“que apela para todos os graus de sensibilidade e para todos os interesses do homem pelo

mundo”. (WALLON, 1975a, p.428).

Como eu tinha falado, acho importante eles conhecerem outras culturas e também a cultura de onde eles moram. O funk não é da cultura da cidade, nem é música brasileira. Acho que as crianças precisam aprender a valorizar o que tem e o que são. Também acho importante mostrar música clássica, como tem professor que agora coloca música clássica enquanto escreve na lousa (39).JÚLIA

O discurso das professoras revela também suas concepções sobre o papel da música na

escola e como essas concepções se refletem nas suas práticas cotidianas:

• Tanto a professora quanto os alunos gostam de música, pela sensação de bem-estar

que ela proporciona para ambos, tornando a aula mais agradável, favorecendo o

processo ensino-aprendizagem;

Levaria sim. Criança gosta de todo tipo de música. Coloco música sempre nas minhas aulas, todos os dias. Às vezes coloco música enquanto as crianças fazem uma atividade escrita, mas se alguém entrar na minha sala, vai ver criança deitada no chão fazendo a lição, sentada em outro canto, na minha mesa, mas não é bagunça. Os alunos ficam quietinhos fazendo a lição, mas à vontade. É à vontade dentro de um limite também. Então é por isso que ficam concentrados e fazem as atividades com prazer. O importante é que as crianças fazem tudo direitinho e estão progredindo. As crianças precisam estar se sentindo bem para conseguirem aprender. Aí, tudo flui e a música ajuda muito nesse processo. Não dá para separar o afetivo, do movimento, da expressão, do pensamento. Vejo meus alunos como esse conjunto. E a música faz parte desse conjunto, ou melhor, a música é todo o conjunto. Acho que música faz parte da pessoa. Pelo menos, é importante para mim. Não imagino minha vida sem música (19). VANESSA Na escola aprender também tem que ser bom, divertido, a gente tem que sentir prazer, proporcionar também o bem estar das crianças.(21) MARA

• A música é um recurso facilitador na elaboração de projetos interdisciplinares, pela

sua característica de ser ao mesmo tempo: recurso expressivo e simbólico. Pode levar

a uma reflexão e apreensão da realidade a partir dos elementos que a compõem e dos

significados que carrega;

123

Esse ano estou trabalhando com o musical dos Saltimbancos (Chico Buarque).Estou fazendo tentando fazer um trabalho interdisciplinar. Como é na aula de Arte, pedi para os alunos pesquisarem sobre a Ditadura no Brasil para entender o contexto em que o musical foi feito. (...) Foi aí que ela me contou que já tinha visto com o Chico Buarque, na época que ele fez. Eu não sabia que o musical tinha a ver com a ditadura e minha avó disse que eu tinha que saber, então fui pesquisar sobre a obra de Chico Buarque e sobre a Ditadura militar no Brasil. E aí veio a idéia de trabalhar com o compositor Chico Buarque, que é um compositor maravilhoso. Estou fazendo esse trabalho com a 8ª. Série. No começo, quando levei o CD e coloquei para eles escutarem, eles não gostaram e falaram que era muito de criança. Aí eu contei um pouco sobre o que era, da ditadura, da mensagem e eles se interessaram. Tem alguns alunos que tocam flauta, violino e violão, e são do Projeto de música do Estado, e que querem fazer o musical tocando. Já pedi a Casa de Cultura para apresentar. Os alunos é que vão fazer a fantasia e já estão ensaiando o coral. O professor de teatro vai ajudar nos ensaios e pedi ajuda para a professora de história. Os alunos estão animados. Acho que vai ficar bonito. E assim, com música, eles vão aprender também história do Brasil, se expressando, com movimentos, cantando, representando e também fazendo as fantasias. Porque aqui nesta cidade, a gente ama o carnaval, e todo mundo tem fantasia guardada em casa, porque todo mundo participa do concurso de fantasia. A galinha já está pronta, porque é tanta pena que você não imagina, porque todo mundo tem algum acessório que dá para tirar e refazer. O coro já está sendo montado. Na música da galinha, o coro vai ser de pintinhos que vão cantar. Tá meio complicado, mas está todo mundo animado (31). ADRIANA

• A utilização da música como recurso pedagógico favoreceu o intercâmbio de idéias

entre os professores, pois os resultados positivos obtidos pelas professoras

entrevistadas com a utilização da música em sala de aula, motivaram outros

professores a utilizá-la também.

Não sei como as outras professoras trabalham, mas tem uma professora que dá aula no 2º. ano também, que tudo o que eu faço, ela pergunta como é, e faz igual na sala dela. Então, passamos a planejar juntas as atividades e está sendo muito produtivo. A proposta de passar para os outros professores é um pouco complicada, porque cada um pensa diferente, mas aos poucos acho que as coisas vão mudando. Quando o pessoal percebe que dá resultado, vem atrás para saber o que está sendo feito. VANESSA

O discurso das coordenadoras pedagógicas revela também suas concepções sobre o

papel da música no contexto escolar, e de que maneira essas concepções influenciam em suas

práticas como coordenadoras no cotidiano escolar.

Das possibilidades apontadas pelas coordenadoras pedagógicas, quanto à utilização de

música em sala de aula, destacam-se:

• A música favorece o diálogo entre professores e alunos, principalmente no período da

puberdade e adolescência;

124

Tem criança de 9, 10 anos que usa o cabelo enroladinho e usa brinquinho e tem pai que deixa, já pensou? Acho que é por isso que eles estão se desenvolvendo precocemente. A sexualidade já aflora com essa idade. A adolescência é mais cedo, já querem namorar (43). Por isso a gente tenta mostrar outras coisas para eles, a gente tenta mostrar que outras músicas também são interessantes. Acho que através da música a gente consegue mostrar outras realidades, de um jeito mais divertido. Criança gosta de música, então fica mais fácil conversar com eles sobre muitas coisas. Os alunos não conversam em casa, e assistem muita televisão também, quando não estão na rua (44). JÚLIA

• Partindo da música que os alunos gostam, como por exemplo o funk, torna-se possível

trabalhar os elementos musicais que a compõem, no caso, o ritmo;

Eu acho que todos os tipos de música são interessantes para chamar a atenção da criança, menos o funk, porque as letras não trazem nada de bom. Mas dá para trabalhar com o ritmo. (40) BIA

• Desenvolver o senso crítico dos professores, a partir da reflexão sobre a música

veiculada nos meios de comunicação e sobre a música e sua importância na vida dos

indivíduos e na sociedade;

As músicas que os alunos gostam agora, é o que eles ouvem no rádio. Cada época é um tipo de música, então acho que é importante mostrar que existem estilos de música que passa o tempo e a música fica, e não é só moda. É claro que os professores também gostam de música da moda, ouvem sertanejo, mas tem música sertaneja que tem uma letra bonita, então acho que dá para escutar na escola, mas funk não. Acontece que é o que eles gostam (42). JÚLIA

• A música amplia as possibilidades para um trabalho interdisciplinar também na

educação infantil, contribuindo no processo de alfabetização, trabalhando todas as

dimensões: afetiva, cognitiva e motora do desenvolvimento, de forma equilibrada.

A gente trabalhou com várias cantigas de roda, como: Atirei o pau no gato, Pirulito que bate bate, Caranguejo não é peixe. E a gente fez um projeto para cada fase na escola. As 1as. fases (4 anos de idade), fizeram o projeto com a música “A linda rosa juvenil”, onde as crianças cantaram e brincaram de roda, fizeram uma encenação, até com fantasias que as professoras fizeram, e depois, elaboraram várias atividades para várias disciplinas a partir do conteúdo da música, como: dobraduras, caça-palavras e desenhos, para explorar o vocabulário dos versos, a questão da família, falar de germinação em ciências e meio ambiente. Na turma das 2as. fases (5 anos de idade), trabalhamos com a música “Bambu Tirabu”. Primeiro as crianças aprenderam como se brinca e depois que todo mundo aprendeu a brincar, fizemos alguns instrumentos com sucata, que as crianças usaram para acompanhar a música cantada. Aí, dividimos a turma em dois grupos, assim eles aprenderam também a ser mais organizados, esperar a vez, e onde um grupo brincava de Bambu, e outro tocava acompanhando o ritmo da música. Depois, desenvolvemos atividades de ditado das palavras tiradas dos versos da música, cruzadinha com banco de palavras, desenho do bambu. Conversamos sobre o bambu, do que dá para ser feito com bambu, do meio ambiente e de reciclagem. Foi daí que construir os instrumentos com sucata foi importante para vivenciar a reciclagem (36). BIA

125

As concepções que as professoras e coordenadoras pedagógicas têm do papel da

música na escola, vão ao encontro da afirmação de Almeida, sobre o papel da escola na

formação cultural dos alunos:

Cabe à escola transmitir o pensamento, a arte, a civilização passada, sendo, ao mesmo tempo, um agente ativo de progresso e modernização.(...) lembrando, com Wallon, que a cultura geral aproxima os homens, enquanto a especialização os afasta. (ALMEIDA, 2004a, p.138).

As concepções das entrevistadas se aproximam também das recomendações contidas

nos documentos curriculares de referência para a educação infantil – Referencial Curricular

Nacional para a Educação Infantil (RCNEI) e para o ensino fundamental e médio –

Parâmetros Curriculares Nacionais (PCN).

Na educação infantil, o terceiro volume do RCNEI, Conhecimento do mundo, propõe

um trabalho integrado e interativo a partir dos “seis eixos de trabalho orientados para a

construção das diferentes linguagens pelas crianças e para as relações que estabelecem com os

objetos de conhecimento” (BRASIL, 1998): movimento, música, artes visuais, linguagem oral

e escrita, natureza e sociedade, matemática.

No ensino fundamental, o PCN-Arte (no primeiro ciclo), para a linguagem Música,

propõe o desenvolvimento: da “comunicação e expressão em música: interpretação,

improvisação e composição”; da “apreciação significativa em música: escuta, envolvimento e

compreensão da linguagem musical”; da “música como produto cultural e histórico: música e

sons do mundo”.

Os documentos curriculares de referência possuem uma abordagem bastante ampla do

universo da arte, exigindo do professor a seleção dos conteúdos desses documentos, tendo em

vista as necessidades de cada situação didática, de forma a trazer resultados satisfatórios ao

processo ensino-aprendizagem.

Alguns dos critérios de escolha do que se pretende ensinar, e do procedimento a ser

adotado, foram encontrados no discurso das entrevistadas e dizem respeito: às condições

oferecidas pela escola para a realização das atividades; ao material disponível para o

desenvolvimento das propostas didáticas; ao conhecimento que o professor dispõe de cada

linguagem da Arte; ao apoio que tem ou não dos colegas professores, da coordenação e da

126

direção da escola; entre outras tantas implicações impostas pelo meio em que se insere esse

professor. Então, como a música pode existir na escola, em meio a tamanha diversidade de

atribuições, funções e ações, e ainda produzir e ao mesmo tempo, ser conhecimento?

As professoras apontaram as principais dificuldades encontradas na utilização da

música em sala de aula:

• Pouco espaço na sala de aula, dificultando o desenvolvimento de atividades que

requerem movimento;

• Falta de materiais adequados ao desenvolvimento de atividades musicais, tais como:

aparelho de som e instrumentos musicais;

• Pouco conhecimento musical;

• Não saber tocar um instrumento musical;

• Falta de compreensão da importância da música na formação e desenvolvimento dos

alunos, por parte de outros professores;

• Falta de apoio da direção ou coordenação;

• Não valorização da música como atividade inerente ao conhecimento, sendo visto

apenas como atividade expressiva.

Apesar das dificuldades apontadas pelas professoras, uma resposta à questão da

possibilidade da música no contexto escolar, é dada por Sekeff (2007) ao afirmar:

O exercício da música alimenta o crescimento perceptual, emocional, social e mental do educando, desde que o educador faça uso, com método, conhecimento e pertinácia, de seus recursos. Ora, se educar é levar a conhecer, se educar é possibilitar sentir e refletir, o processo educativo acrescido dos usos e recursos musicais afiança conhecimento e sentimento, este último muitas vezes fora do alcance do pensamento e da linguagem verbal. (SEKEFF, 2007, p.110).

Outra resposta à questão, encontra-se na fala de uma coordenadora pedagógica:

Hoje em dia, as crianças e os adolescentes gostam mais do que ouvem no dia-a-dia. Talvez porque não conheçam outra coisa. Por isso acho que a escola deve proporcionar isso. Eu estou sempre procurando aprender mais. Só assim eu acho que dá para ser professora e também coordenadora (41). BIA

127

Sendo assim, uma coordenadora pedagógica nunca deixa de ser também professora e

ao dizer, “estou sempre aprendendo”, reconhece que se constitui professor ao longo de sua

trajetória não só profissional, como de vida. Nesse sentido, Wallon (1975a) afirma que:

Um professor, que tem verdadeiramente consciência das responsabilidades que lhe são confiadas, deve tomar partido das coisas da sua época. Deve tomar decisões, não cegamente, mas fazendo o inquérito que a sua educação e a sua instrução lhe permitem fazer. Deve tomar decisões, não só no seu gabinete de trabalho e não só pela análise das situações económicas ou sociais da sua época e das do seu país; deve tomar decisões solidariamente com seus alunos informando-se de quais são as suas condições de vida. (...) Deve, em colaboração com os seus alunos, conhecendo-os, se não nas particularidades da sua vida individual, pelo menos segundo as classificações entre as quais é possível distribuir as existências individuais, deve examinar com elas o meio onde os encaminharão as suas diferentes profissões. Deve, desta maneira, ser uma perpétua remodelação de idéias pelo contacto permanente com uma realidade que é móvel, feita da existência de todos e que deve tender para o interesse de todos.(WALLON, 1975a, p.p.213 e 234).

E as condições pelas quais se constitui professor no exercício da música, envolvem: a

apreensão de seu espaço de trabalho, do conteúdo que se tem a ensinar e a aprender, do

suporte teórico e pedagógico necessário para o início de sua docência, das diversas

experiências ao longo de sua carreira, da reflexão sobre a prática, do reconhecimento da

pessoa do aluno como ser constituído de afetividade, cognição e motricidade, do

conhecimento da influência que a música exerce no desenvolvimento da criança e do papel da

música na escola.

128

3º EIXO DE ANÁLISE: UMA SÍNTESE

A MÚSICA NA ESCOLA

A escuta musical proposta durante as entrevistas, revelou que a escolha das músicas a

serem utilizadas no contexto da escola, tem como referência: o gosto musical das professoras

e das coordenadoras pedagógicas, desenvolvido de acordo com as experiências vividas; o

modo como são afetadas pela música; as possibilidades que a música oferece para o

desenvolvimento da criança e as possibilidades que a música oferece como recurso

pedagógico. Assim como os alunos, as professoras e as coordenadoras pedagógicas

demonstraram ter preferência por músicas conhecidas. As questões propostas às entrevistadas

possibilitaram verificar que o desenvolvimento do gosto musical de uma pessoa está ligado

principalmente ao meio sócio-cultural em que essa pessoa está inserida e é influenciado pela

exposição aos meios de comunicação: rádio e televisão. As atividades musicais no contexto

escolar foram desenvolvidas pelas professoras a partir: do conhecimento adquirido ao longo

de sua formação como pessoa, fazendo o resgate de brincadeiras e jogos vividos na infância;

do repertório adquirido junto aos outros professores e da participação nos cursos de formação

continuada. Na escola, segundo o discurso das entrevistadas, a música favorece o processo

ensino-aprendizagem por: trazer sensação de bem-estar, facilitar a interdisciplinaridade;

promover o intercâmbio de idéias entre os professores e o diálogo entre professores e alunos;

desenvolver o senso crítico dos professores; contribuir no processo de alfabetização. As

professoras também apontaram as dificuldades encontradas na utilização da música em sala

de aula: pouco espaço físico para a realização das atividades que requerem movimento, falta

de materiais adequados ao desenvolvimento de atividades musicais, pouco conhecimento

musical, entre outras. Apesar das dificuldades apresentadas, o discurso das entrevistadas

revelou que a música encontra-se presente no cotidiano escolar, através da ação de

professores e coordenadores pedagógicos que percebem as possibilidades que a música

oferece para o desenvolvimento integral da criança e para o processo ensino-aprendizagem.

129

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Retomando minha trajetória como pessoa e profissional, qual não foi minha surpresa

ao perceber que não havia limites claros entre a pessoa e a profissional, tal a música

encontrava-se impregnada no todo que sou e em tudo o que faço. Essa constatação veio no

momento em que estava me constituindo também como pesquisadora, ao me defrontar com as

angústias e as alegrias das participantes da pesquisa, e com as dificuldades e as aprendizagens

envolvidas no processo de constituição da pessoa do professor e do coordenador pedagógico,

ao longo do desenvolvimento deste trabalho. Angústias das incertezas, alegrias das

descobertas e realizações, dificuldades impostas pelas situações, as mesmas que promoveram

as aprendizagens e o crescimento da pesquisadora, afetada pelo discurso das participantes da

pesquisa. Será esse o sentido da dialética walloniana?

O estudo das concepções das professoras e coordenadoras pedagógicas, revelou que a

música: induz ao movimento; provoca a mudança na expressão da criança; desenvolve o

senso rítmico e a coordenação motora; organiza e traz fluidez aos movimentos; afeta e é

contagiosa; desenvolve a expressão e a comunicação; provoca sentimentos e lembranças;

desenvolve a atenção e a concentração; o raciocínio lógico-matemático; além de ser um

recurso mnemônico.

A música no contexto escolar proporciona uma melhora na qualidade das relações que

são estabelecidas na escola, trazendo sensação de bem-estar, minimizando conflitos e

proporcionando uma variedade de recursos no desenvolvimento de estratégias, que favorecem

o processo ensino-aprendizagem.

Para um melhor aproveitamento das possibilidades que a música oferece para a

educação, torna-se necessário formar não só os professores, mas também coordenadores pedagógicos e gestores em cursos de formação continuada em música, visto que, uma ação

transformadora só é possível mediante um olhar colaborativo e cooperativo entre os agentes

que formam o sistema educacional.

130

Essa discussão, que envolve aspectos políticos e estruturais não foi abordada neste

trabalho. Apenas damos alguns indicativos sobre a necessidade de uma reflexão mais

aprofundada sobre o contexto em que ocorrem as formações de educadores, já que o

referencial walloniano considera a pessoa sempre em relação ao seu meio.

O estudo dos sentimentos e das emoções que permeiam o processo de formação das

professoras e das coordenadoras pedagógicas, na formação inicial, no cotidiano escolar e na

formação continuada, revelou que as coordenadoras pedagógicas também têm necessidades

semelhantes às das professoras. As coordenadoras prescindem de cuidados, tanto quanto as

professoras e as preocupações com relação às professoras que estão sob sua coordenação, são

parecidas às que os professores têm com relação aos seus alunos. Se a música promove

sensação de bem-estar, despertando sentimentos de confiança e alegria quando utilizada como

recurso pedagógico, ajudando a superar os sentimentos de medo e de insegurança que

aparecem no início da carreira profissional, torna-se necessário oferecer o acesso à música nos

cursos de formação inicial de professores. Se a música amplia o repertório de possibilidades

para a atuação do professor em sala de aula e promove a socialização e o senso de

responsabilidade nos alunos, ajudando o professor e o coordenador pedagógico a lidar melhor

com as situações do cotidiano escolar, torna-se necessário facilitar o acesso aos recursos que a

música oferece através dos cursos de formação continuada.

Alunos, professoras e coordenadoras pedagógicas demonstraram ter preferência por

músicas conhecidas. O discurso das entrevistadas revelou que o gosto musical é formado a

partir das experiências vividas e das lembranças e sensações que a música provoca, e é

influenciado pelos meios de comunicação, principalmente: o rádio e a televisão. Muitas vezes,

são as nossas preferências que norteiam a escolha do repertório ou da atividade com música a

ser desenvolvida junto aos alunos. No entanto, devemos considerar também as necessidades

específicas de cada estágio do desenvolvimento, tendo em vista os objetivos que se quer

alcançar.

Para que a formação continuada em música atinja o seu objetivo de ampliar as

possibilidades de atuação do professor em sala de aula, ajudando-o a lidar melhor com as

situações do cotidiano, é necessário oferecer não só ao professor, mas também ao coordenador

pedagógico, uma visão ampla das possibilidades que a música oferece para o

desenvolvimento do aluno.

131

A formação continuada deve fornecer os subsídios teóricos que possibilitem ao

professor a reflexão sobre sua prática, e os subsídios técnicos e pedagógicos para a utilização

de música em sala de aula. Cabe ao coordenador pedagógico oferecer as condições

necessárias para o desenvolvimento adequado das ações dos professores junto a seus alunos,

além de apoio e incentivo.

Ao desenvolver a pesquisa, percebi a multiplicidade de ações e funções que a música

possui no âmbito escolar, dificultando encontrar uma resposta precisa à questão: Música na

escola para quê? - indicando a necessidade de se buscar outros olhares e um maior

aprofundamento das questões abordadas no presente trabalho, através de novas pesquisas,

principalmente no âmbito da observação em sala de aula.

No entanto, considerando que a cultura tem um significado amplo na teoria

walloniana, e diz respeito a todo o legado da humanidade, tanto no sentido do conhecimento

científico acumulado ao longo de sua existência, dos progressos técnicos, quanto no sentido

estético, da necessidade humana de cultivar valores que representam o conjunto de noções e

sentimentos inspirados pelas artes; dentro dos limites deste trabalho, responderemos à questão

da seguinte maneira:

A música ajuda a alcançar o equilíbrio necessário na formação da pessoa completa e

integrada a que se refere Wallon, pois oferece muitas possibilidades para o desenvolvimento

integral e integrado de todas as dimensões que constituem a pessoa, é interdisciplinar por

natureza, sendo ao mesmo tempo, forma de expressão e conhecimento.

Afinal, gostar de música é quase uma unanimidade, confirmando a idéia de que a

música é inerente ao ser humano.

132

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ANEXOS

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QUADRO 4 - (1.3) Afetividade e (1.4) formação continuada

Mara Vanessa Patrícia Adriana Bia Júlia No primeiro momento eu pensei: não quero, meu Deus, a primeira impressão é que quase morri, não dá, fiquei com medo. Sei lá, crianças de 4 anos, pequenas e eu não tinha uma sala minha e tinha que trabalhar em todas, quando precisava. Eu entrava numa sala, era insegurança, porque eu sempre pensava que eu não queria isso. Sempre fui voltada pra outras áreas, mas pensei eu vou tentar. No ano seguinte, peguei uma sala, como professora e (...) aí eu fui atrás das coisas, e fui gostando mais e estou até hoje. Mas foi difícil no começo.Eu tinha medo das crianças se machucarem, de eu não dar conta, pensava será que estou fazendo certo ou errado, as crianças eram pequenas, mas eu falei vou tentar. (02) (Sentimentos: medo, insegurança, frustração, satisfação).

Quando eu ia buscar meu filho na escola e conversava com as professoras, pensava: eu também ainda vou ser professora (01). (admiração, esperança) O gosto por música veio do meu pai. Meu pai gostava de compor e tocar violão. Ele quase gravou um disco, mas as circunstâncias do momento não permitiram, mas passou esse gosto pela música para os filhos. Meu irmão também toca violão, compõem e canta. Eu não toco, mas também gosto de cantar e compor, coisas pequenas, assim, fazer letras, criar canções para crianças.(08) (admiração)

Eu gostava tanto da disciplina educação física quanto da professora. Ela se tornou um modelo

para mim. Era muito organizada nas aulas, e eu também procuro ser. E ela como pessoa, era maravilhosa, tratava todo mundo bem, dava atenção, todos os alunos gostavam

dela. Era muito amiga, conversava sobre tudo, então todos os alunos contavam as coisas para ela e qualquer problema que os alunos tivessem ela estava sempre disposta a ouvir e ajudar.(01) (admiração)

... e hoje em dia a gente tem que ser um pouco psicólogo, os adolescentes tem muito problema com namorado, aluna grávida. A gente tem que aconselhar. Com os alunos, a gente começa a falar sobre isso na 5ª. Série, de leve. (06) (preocupação) O professor tem que fazer muito mais do que só ensinar o conteúdo da matéria, e precisa prestar atenção no desenvolvimento, da necessidade de cada um, que é diferente nos alunos que tem mais facilidade e dos que tem dificuldades, e tem que ser um pouco de tudo, pelo menos aqui. Acho que os alunos são muito carentes, e o professor precisa ser amigo, conversar. (07) (preocupação)

No 2º. ano já, com essa dificuldade , me falaram para fazer inscrição nas escolas que pegavam professores para substituir professores que faltavam. Uma professora vizinha, falou: vou sair de licença gestante, você se interessa? Não, tenho medo. Preciso ir ao médico, são só 3 dias. Bom, são só 3 dias, vou tentar. Desses 3 dias, que foi em 92, nunca mais eu parei. Aí, foi uma correria grande, mas fui gostando da coisa. Fui gostando, fui gostando, fui gostando, nunca mais eu parei (02). (medo e satisfação) Depois, outro trauma: entrar no pré (educação infantil). Na educação fundamental, você não vê que o aluno tem uma história, que é uma criança que passou por poucas e boas. Eu nunca vi uma EMEF que tem um bichinho, uma parede enfeitada... é só letra, cartaz, letra, cartaz (03). (indignação) Quando entro numa EMEF hoje, acho estranho... os professores ficam muito lá, distantes. O professor de EMEI (Escola Municipal de Educação Infantil) não. Se for um professor de EMEI, ele já chega, dá um abraço, beija, brinca e da EMEF não. Na EMEF, de vez em quando, ele tem um contato. (05). (estranheza e indignação) No ano passado, quando peguei uma 4ª. série foi totalmente diferente. Muita conversa, não foi só lição, lição, lição. Muita conversa com os alunos. E isso influencia na aprendizagem, por causa da confiança. Eu acho que se eu não tivesse passado pela EMEI, eu não saberia fazer o que eu fiz. (06) (satisfação e auto-realização)

No começo fiquei muito insegura de pegar a coordenação, apesar dos 25 anos em sala de aula. Eu tinha uma insegurança de que eu não ia me dar bem, porque achava que ia ser difícil tomar conta de professor, porque dizem que o coordenador é sanduichão, porque se fizer cara feia já não gostam e se agradam já abusam, e aí fica como uma mãezona, mas não se pode fazer as coisas sem o aval da diretora. Tem que mediar a relação entre os professores e a direção. Tem professor que fala agora vou ao médico, e eu falo você já falou com a diretora, e o professor pede para eu falar, autorizar a saída (02) Foi uma época muito triste, quer dizer, triste não, eu tive um apego muito grande a essas crianças, elas eram muito carinhosas, super amorosas (04). (saudades) E mesmo sem experiência, eu procurava aprender com as professoras mais antigas, pra me dar um apoio, para saber o que eu poderia trabalhar com aquela sala (05). (estímulo e satisfação)

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Mara Vanessa Patrícia Adriana Bia Júlia Falta experiência, porque tem criança que é mais danada, outras mais quietinhas. Quando eu comecei entrei numa sala com crianças muito agitadas e eu pensei, meu Deus, será que vai dar certo, será que é isso, que é assim mesmo? Quando a gente faz magistério, você faz as disciplinas, que te dá aquela base, faz o estágio, mas nada como a prática pra te ensinar. Num primeiro momento, ninguém pode falar que no começo foi sensacional, porque você fica mesmo com receio. (03) (receio e medo) Foi muito bom! Muito bom mesmo, gostei muito, melhorou. Antes era muito parado, me sentia mal.(08) (alegria)

Eu penso que se eu tivesse mais formação musical, acho que ficaria mais fácil para criar mais coisas. Queria aprender a tocar violão. (10) (frustração) As atividades que eu desenvolvo são baseadas no curso que a gente fez de capacitação em música, que ajudou bastante. Ampliou as possibilidades.(11) (satisfação e confiança)

Tenho mesmo (orgulho e admiração por sua avó), ela sabe muita coisa e acho que também foi por isso que virei professora. Minha avó foi professora de 1ª. a 4ª. Série e depois virou diretora. Ela foi diretora de uma escola grande de São Paulo. O meu pai também é professor. Venho de uma família de professores (29). Eu conheci a música no curso. Para eles foi um desafio, porque tinha que fazer os movimentos e passar a latinha e ainda aprender a letra. Alguns já sabiam por causa do Projeto de música. Eu trabalhei essa música do Fome Come com a 7ª. Série. Achei que por causa da dificuldade, do desafio e de ser conhecida, eles gostaram.(26) (satisfação)

Eu tinha um menino de 15 anos na minha sala, que estava com um problema: sexo, por que ele estava se descobrindo, só que ele teve meningite, então ele não aprendia. E todo mundo que tinha dado aula para ele falava horrores: olha, esse menino é terrível, esse menino tem um problema sério, e ele está se desenvolvendo, mas está com a turminha da 4ª. Série. Mas estava comigo e não me dava trabalho. Ele tinha um problema, mas para mim ele poderia se desenvolver. Mas todo mundo só criticava. (07) (indignação) O rapaz foi chamado na diretoria e teve uma crise de choro. Começou a chutar a carteira, falar palavrão e eu só olhava para ele. Não me alterei. E disse: não vou conversar com você nesse estado. Quando você se acalmar, quando tudo passar você vem falar comigo. Eu vou até esquecer todos os palavrões que você está falando. Aí eu virei e fui passar a lição e a diretora é calma, tranqüila. Ele se explicou e tudo bem. Mas eu nunca vou me esquecer. Ele foi ficando ao meu lado, pediu licença, e falou: professora, você me desculpa? E eu: Desculpa, do quê? Não, sabe o que é que é, estava nervoso, falei um monte de palavrão, vou explicar pra senhora. Aí ele me contou tudo. Vou explicar o que aconteceu. (08) (satisfação) Aí eu percebi que se eu não tivesse sido professora da EMEI eu também teria sido dura com ele. Só que quando isso aconteceu, pensei: não é assim. (09) (satisfação) (10) Inclusão: A direção pretendia enviá-lo ao EJA, mas a professora percebeu que era melhor para o seu desenvolvimento que o aluno fosse para a 5ª. série e pudesse conviver com outros jovens e não com adultos. Hoje ele dá risada, conversa, brinca, como alguém da idade dele. (satisfação)

Agora, tem aluno de 8, 9 anos que agrediu uma professora, chutando e a professora ficou segurando e disse para o aluno: eu não tenho medo de você. Ficou segurando até ele se acalmar. E o aluno ficou falando também: eu não tenho medo de você. Aí foi se acalmando, mas acho que as coisas estão muito difíceis na escola, porque a gente tem que ensinar, mas também tem que assumir a parte que cabe à família (16). (desânimo) Antes eles gostavam de música mas não entendiam sua importância para o desenvolvimento e aprendizagem. Desde desenvolver a atenção, a concentração, trazer a calma e tranqüilidade até usarem a música nas aulas, em projetos na escola, de forma interdisciplinar. (27) (esperança) Aos poucos os outros professores também percebem os benefícios que a música traz. Acho que o interesse pela música vai além do projeto que acabou no ano passado. Acho que agora é que está dando frutos de verdade. Os professores que foram no curso do Projeto eram os que estavam realmente interessados, mas acho que agora é que está repercutindo, porque tem professor que pergunta quando vai ter curso de música de novo. Quando teve, não tiveram muito interesse, mas agora querem, por causa dos professores que fizeram e aplicaram com seus alunos. (31) (esperança)

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Mara Vanessa Patrícia Adriana Bia Júlia Então com o curso de música,proporcionou muita coisa nova, muita atividade, muito bom, muito bom mesmo. Transformou. Agora estou me sentindo bem. Então a música foi boa por causa disso. Porque além da criança, o professor também ganhou com isso. Ficou bem. Trouxe bem estar. Para os dois lados. (09) (alegria) No curso conheci outros tipos de música e que dá para trabalhar com as crianças ( ...). (17) (satisfação)

Eu acho que você aprende muito conversando com o aluno. Os alunos contam muita coisa. É a confiança. Eu já sou muito de escutar. Então, sou muito de conversar. (11) (satisfação) E foi na EMEI que aprendi a não ter medo do toque, do beijo, do abraço. Porque antes era uma coisa muito fria. Até lembro de um aniversário de uma diretora em Santana, que quando fui abraçar, disseram que o meu abraço tinha dois metros de largura. E superar o medo do toque me ajudou muito. Até mesmo a ser mais brincalhona. (12) (satisfação) Ainda lembro do medo no primeiro dia de aula da EMEI. Pedi para outra professora ficar comigo na sala (13). Eu virei coordenadora este ano. E de novo está sendo um desafio. Lidar com os professores. Mas aprendi muito com as mães e com as crianças da EMEI. (14) Mudei meu jeito de ser com os colegas da escola, porque na EMEI as pessoas são mais próximas que na EMEF, pois entendem o que você quer falar, sabem ouvir. Eu achava estranho brincar, não gostava. Aprendi na EMEI. Brincar permitiu que eu me abrisse. É importante brincar. (19) (satisfação) Depois do curso, fiquei pensando que eu podia ter ampliado um pouco a questão da cultura, dos tipos de música, das épocas, acho que dava para pensar um pouco mais sobre o que eles ouvem como agora, o funk e falar sobre os gostos e como a mídia influencia nas nossas escolhas. (27) (frustração)

É diferente quem faz o curso de quem aprende com o outro professor que fez. Acho que foi bom, mas os professores têm vontade de aprender com um professor de música de verdade. (32) (esperança) Mas ele não fez o curso e agora quer fazer, porque percebeu que os professores que fizeram o curso, sabem atividades diferentes de só tocar, que aliás a maioria não sabe tocar um instrumento, mas coloca um cd, faz as atividades de escutar e desenhar, de escutar o som e o silêncio, de perceber a diferença dos sons, dos jogos com música, de dançar.(33) (frustração) Acho importante saber tocar, mas se não sabe, também pode trabalhar com música. Acho que isso foi o mais importante do curso. De nós percebermos que dá para trabalhar música sem saber tocar um instrumento, que dá para ter música na escola. E que música é importante para o desenvolvimento da criança.(37) (esperança)

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QUADRO 5 – (2.1) Concepções de música e funções atribuídas à música e (3.2) Música na escola Mara Vanessa Adriana Bia Júlia (15) Música sertaneja, samba e música religiosa dá para ser trabalhada na escola, dependendo da letra da música e também na festa junina, porque fala da nossa cultura (brasileira) e da cultura da cidade. (16) As crianças gostam de funk porque está na moda, mas cabe à escola, especialmente ao professor a tarefa de apresentar músicas diferentes,de outras culturas, a fim de contribuir para o desenvolvimen-to dos alunos.

(09) Prática musical na escola: interpretação, produção, composição, arranjo. (17) Música e interdisciplina-ridade - dá para ensinar vários conteúdos a partir da letra das músicas e do contexto da música. (20)Então, passamos a planejar juntas as atividades e está sendo muito produtivo. A proposta de passar para os outros professores é um pouco complicada, porque cada um pensa diferente(...). Quando o pessoal percebe que dá resultado, vem atrás para saber o que está sendo feito.

(14) Criança gosta mais do que é veiculado na mídia, gosta do que conhece. As crianças do local onde mora gostam de funk, mas crianças pequenas (4 anos), gostam de qualquer coisa que ouvem. (28) Este ano (2007) está montando o musical Os Saltimbancos de Chico Buarque com os alunos na disciplina de arte. Tornou-se um trabalho interdisciplinar pois para os alunos entenderem o contexto em que o musical de Chico Buarque foi feito, pediu para pesquisarem sobre a Ditadura militar no Brasil. Pesquisou sobre a obra de Chico Buarque. (30) O trabalho com a obra “Os Saltimbancos”, do compositor, da origem das músicas está sendo realizado com a turma da 8ª. Série. No começo, os alunos (adolescentes) não gostaram, pois consideraram infantil e mudaram de atitude quando contei sobre o contexto em que foi feito. (31) Os alunos estão animados com a possibilidade de apresentar um trabalho musical. Os alunos que sabem tocar um instrumento irão participar tocando e os outros cantando e representando.

(36) Descrição de atividades com música em projeto interdisciplinar. (37) Construção de instrumentos com sucata (40) Levaria as músicas que ouve no seu cotidiano para a sala de aula, pois toda música chama a atenção da criança. Não recomenda o funk por possuir uma letra não adequada para crianças, mas diz que dá para trabalhar com o ritmo do funk. As crianças e adolescentes gostam do que ouvem no cotidiano. (41) Mas a escola deve ampliar o universo cultural dos alunos. Por isso, a coordenadora acredita que deva sempre aprender mais, além de contribuir para melhorar sua atuação como coordenadora pedagógica e dos professores também.

(26) O professor de arte da escola toca violão e flauta doce. Situação que estimula os alunos a aprenderem a tocar um instrumento musical. Prática musical na escola e educação musical. (28) Música melhora as relações entre professor aluno e professor-professor. (29) Música possibilita ampliar universo cultural dos alunos, sensibiliza, muda a visão de mundo do aluno. (30) Música possibilita a interdisciplinaridade e a transversalidade: Reciclagem e meio ambiente; Obras de arte (quadros e pintores); Mercado de trabalho; Música e compositores. (33) O professor de arte (que sabe tocar violão e flauta), manifestou a vontade de fazer o curso de capacitação em música, pois percebeu que as atividades desenvolvidas pelos professores que fizeram o curso, ampliaram as possibilidades de atuação. “...sabem atividades diferentes de só tocar.” Atividades de escuta, desenho com música, percepção de som e silêncio, discriminação de timbres, jogos musicais, danças, desenvolvendo a atenção e melhorando a aprendizagem e a socialização. (34) Acho importante saber tocar, mas se não sabe, também pode trabalhar com música. Acho que isso foi o mais importante do curso. De nós percebermos que dá para trabalhar música sem saber tocar um instrumento, que dá para ter música na escola. E que música é importante para o desenvolvimento da criança. (35) O professor de arte quer ensinar flauta, mas só alguns alunos puderam comprar o instrumento. Uma tentativa de inclusão foi realizada através da confecção de instrumentos com sucata e percussão corporal (desenvolvida a partir da capacitação), mas todo mundo vê o som bonito que a flauta faz e quer mesmo uma flauta de verdade. (37) Os alunos ouvem Funk (38) Eu levaria outros estilos de música para ampliar o universo cultural dos alunos. (39) Acho importante os alunos conhecerem outras culturas, a partir da música clássica e a cultura local a partir da música brasileira. (43) Buscar sua identidade a partir da música. (42) Os alunos e professores gostam da música veiculada no rádio (da moda). Acho importante mostrar que existem estilos de música que sobrevivem ao tempo, aos modismos. (47) A exposição à mídia leva ao desenvolvimento precoce da sexualidade. (44) A música possibilita o diálogo, a partir do contexto em que se insere e de sua ludicidade implícita.

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QUADRO 6 – (2.2) Concepção de desenvolvimento

Mara Vanessa Patrícia Adriana Bia Júlia (04) O desenvolvimento ocorre em etapas e envolve o cognitivo, o afetivo, o motor e o social. A escola é importante para o desenvolvimento completo da criança, porque é o meio social. Na escola ela convive com outras crianças, com os adultos, professores, funcionários e aprende sobre o mundo em que vive, sobre sua cultura.

O desenvolvimento da criança se dá em etapas. Desde que nasce até ficar adulto. Ele nasce e depende da mãe para sobreviver a aprender. Depois aprende a falar e andar, vai para a escola. A escola é meio importante para o seu desenvolvimento. A criança convive com outras crianças da sua idade, com a professora, aprende novos conteúdos e atividades, aprimora os movimentos, aprende a ler e a escrever e aumenta as possibilidades de interagir com o mundo.(04)

(03) Como professora de educação física acompanha principalmente o desenvolvimento físico da criança. O desenvolvimento físico não está separado do cognitivo e do afetivo, é o todo. A criança tem que estar bem fisicamente para estar bem emocionalmente e aí, ele também aprende. Se a criança está bem, ela faz tudo

(04) Criança que tem desenvolvimento mais rápido tem mais facilidade, pois entende um determinado conteúdo com apenas uma explicação, mas não tem paciência para esperar a explicação que é dada aos outros alunos. A criança que é mais lenta, porque necessita de várias explicações tem dificuldade de concentração. (05) O desenvolvimento se inicia na gestação e depende da mãe nos cuidados dispensados desde os primeiros meses após o nascimento até a entrada na escola e das condições oferecidas para estimular o desenvolvimento da criança, como brinquedos. Depois, cabe ao professor acompanhar o desenvolvimento da criança: ensinar regras de convivência social (agradecer, pedir licença) e hábitos de higiene, além de orientação sexual, pois não aprendeu com a família.

(06) A experiência adquirida como professora da educação infantil levou à mudança em sua prática também na educação fundamental. As conversas com os alunos permitiram perceber as necessidades específicas desses alunos e do estágio de desenvolvimento em que se encontravam. Ele precisa conviver com outros jovens. Porque não deixar esse menino viver a idade que ele tem. Porque o problema dele a escola não vai sanar. Ele tem uma carta do médico avisando que a meningite deixa seqüelas, cognitivas mesmo. Então, uma professora, eu, a coordenação e a direção debatendo o assunto, resolvemos mandar para a 5ª. Série. Hoje ele dá risada, conversa, brinca, como alguém da idade dele. (10) (16) Conhecer a criança para conhecer o adulto. (25) Os alunos da 8ª. Série do período noturno não gostavam de ficar na sala de aula. Alguns tinham problemas com a família, enquanto outros, chegavam atrasados por causa do trabalho.

(10) O desenvolvimento da criança depende do adulto que a acompanha. A criança fica muito sozinha em casa e tem que se virar até com a própria alimentação. (11) Fatores que interferem no desenvolvimento: Ausência dos pais e falta de apoio da família (necessidade de parceria escola/ família). (12) A falta de cuidado com a alimentação interfere no desenvolvimento físico e no processo de aprendizagem da criança. (13) Família atribui à escola os cuidados com a saúde da criança. (14) Violência, baixa condição financeira dos alunos, falta de disciplina e agitação em sala de aula que gera a desatenção, são fatores que interferem no processo de desenvolvimento e na aprendizagem. (15) Até a criança virar um adulto, ela passa por etapas, infância, a partir dos 10, 11 anos adolescência e ela precisa de um adulto que a acompanhe. O acompanhamento da família é importante, pois a criança passa só uma parte do tempo na escola. (46) É o meio em que os alunos vivem que influencia no desenvolvimento. A escola tem que dar conta das mudanças.

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QUADRO 7 – (2.3) Música e dimensão motora

Mara Vanessa Patrícia Adriana Bia Júlia (11) Observou que a criança quieta e retraída exposta à música, fica mais alegre e comunicativa, pois quando coloca uma música na sala de aula, as crianças saem do lugar, se movimentam e chamam o colega para dançar.

Quando a criança canta, ela se movimenta, mostra em sua expressão, o que sente e como sente. É só ver a carinha dela. A criança fica alegre e demonstra pela expressão de alegria.(13) Então o movimento faz parte da música. (...) Faço uma brincadeira com música todos os dias, porque assim, as crianças ficam mais atentas, prestam mais atenção na aula. Depois de fazerem uma atividade com música, sempre ficam mais atentos e concentrados. Melhoram no comportamento, ficam mais disciplinados.(...) A música desenvolve a coordenação dos movimentos, por isso acho importante tocar também.(14)

(08) Na aula de educação física, acho importante cantar e usar a música como recurso pedagógico, porque leva ao movimento, organizando-o, trazendo fluidez e aproximando uns dos outros. Contribui para o auto-conhecimento, pois mexe com emoções e sentimentos.

(11) Crianças gostam de movimento e de dançar. A música leva ao movimento corporal. (17) A criança precisa desenvolver o ritmo para aprender a escrever. (18) A música desenvolve a lateralidade e noção espacial. Criança gosta de música.

(31) A música provoca a sensação de confiança e segurança. Ninguém consegue ficar parado. Até a criança mais inibida se soltou.

(48) Os alunos nessa idade (Ensino fundamental) são agitados mesmo. Não tem espaço na escola. Necessitam de espaço para se movimentar. A música possibilita esse movimento mesmo na sala de aula.

143

QUADRO 8 – (2.4) Música e dimensão afetiva

Mara Vanessa Patrícia Adriana Bia Júlia

Até a criança mais tímida vem ver o que está acontecendo. Até eu, não consigo ficar parada. Todo mundo participa. A música mexe com tudo. (06) (10) A música por ser linguagem expressiva, desenvolve a comunicação, a relação das pessoas com o meio.

(12) Música trabalha a expressão, a socialização, a criação, que parte do universo da criança, do que ela sente e vive e de como interage com o mundo e as pessoas

(06) A música trabalha os sentidos, “fala” (música com letra) de sentimentos, situações, meio ambiente, pessoas. A música “leva” a outros lugares, provoca sentimentos, lembranças. (07) As crianças (referindo-se aos seus próprios alunos) precisam de música para ajudá-las a enfrentar a realidade, pois alegra e faz sonhar.

(13) Se ouve uma música calma, fica mais calma e tranqüila. Se a música for agitada, fica animada.

(22) A música tocou o menino e relatou todo o processo de separação dos pais, expondo os sentimentos em relação ao pai e a preocupação em relação à mãe. (23) Acreditou que ia dar certo trabalhar com música, porque sentiu que o problema dos alunos era emocional. Escolheu para isso, uma música que tocava no rádio na época. O indicador de que estava no caminho certo foram as redações: todas significativas.Todos esqueceram do que a música falava, mas entraram na música, no que ela passou e contaram coisas sobre família, coisas alegres, coisas tristes. (28) O resultado foi uma maior interação com os alunos. Percebeu diferenças entre a turma da manhã e a turma da noite. De manhã, os relatos foram de teor mais alegre e à noite, mais tristes, refletindo a realidade vivida.Mas nas duas turmas a música tocou. Ajudou a ganhar a confiança deles. (29) A música provoca respostas afetivas, ninguém fica indiferente ao estímulo musical. (31) As redações revelaram o conteúdo emocional provocado pela escuta da música. A partir daí os alunos começaram a aprender de verdade.A música ajudou a desbloquear, a se libertar, a ganhar confiança. A música não deixa a gente ficar parado. A música traz vários sentimentos.

(25) Música contribui para o desenvolvimento porque acalma, traz tranqüilidade, bem estar, ajuda a se concentrar.

144

QUADRO 9 – (2.5) Música e dimensão cognitiva Mara Vanessa Adriana Bia Júlia (05) A música contribui para o desenvolvimento da linguagem e da fala, melhora o vocabulário e ajuda no processo de alfabetização. Também acontece o contrário. A música ajuda a desenvolver a atenção e a concentração. Esse ano eu notei a diferença do grupo da manhã e da tarde que te falei. O grupo da tarde que já trabalhou com música desde o ano passado é mais tranqüilo, são mais concentrados e gostam mais das atividades. O grupo da manhã que eu peguei só esse ano, ainda não trabalhou muito com música e eu notei que são mais agitados e não conseguem prestar muita atenção. (12)

Faço uma brincadeira com música todos os dias, porque assim, as crianças ficam mais atentas, prestam mais atenção na aula. Depois de fazerem uma atividade com música, sempre ficam mais atentos e concentrados. Melhoram no comportamento, ficam mais disciplinados.(14) Tocando um instrumento, as crianças desenvolvem a coordenação, precisam pensar em uma maneira de registrar o que tocam, escrevendo uma partitura, que pode ser criada pelos próprios alunos, escrevem a letra da música, então desenvolve o lado cognitivo também.(15) A música desenvolve o raciocínio lógico-matemático porque trabalha com conceitos como: longo e curto, comparações, proporções, seqüências numéricas. Gostei daquele jogo de música e matemática, como era mesmo? Ah, da adição rítmica.(16)

(08) A música contribui para melhorar a concentração, memorizar regras gramaticais e auxiliar no ensino de inglês. (09) Criança gosta de música em andamento rápido, pois chama mais a atenção. (10) Uma experiência: cantar devagar uma série de números de 1 a 5 em inglês causou desânimo nos alunos e em andamento rápido (em ritmo de rock) resultou em movimento e todos os alunos cantaram juntos. (16) A música ajuda na concentração, atenção, coordenação motora, memorização e deixa tudo mais leve e divertido. Música ajuda a aprender.

(33) Música contribui no processo de alfabetização, ajudando na memorização das letras e palavras (34) Cantar ajuda muito a fixar o conhecimento, além de ser mais divertido. Todo mundo gosta.

(40) A música ajuda a se concentrar e facilita a aprendizagem, pois desenvolve o cérebro. (41) Os professores experimentaram e confirmaram que os alunos ficam mais atentos quando expostos à musica. A sala de aula fica mais calma.

145

QUADRO 10 – (2.6) Música e integração funcional

Mara Vanessa Patrícia Adriana Bia Júlia (06) Cantando, se expressando, fazendo movimentos, eles aprendem a escrever.E na hora de fazer atividade, a música abre espaço para o movimento. A coordenação motora e a atenção melhoram. (10) A música por ser linguagem expressiva, desenvolve a comunicação, a relação das pessoas com o meio. (11) Observação 1: observou que a criança quieta e retraída exposta à música, fica mais alegre e comunicativa, pois quando coloca uma música na sala de aula, as crianças saem do lugar, se movimentam e chamam o colega para dançar. A música ajuda a conhecer o outro, como o outro pensa, faz prestar atenção no que o outro vai fazer, como o outro vai agir. (12) Observação 2: Notou a diferença entre dois grupos: um da manhã, que ainda não trabalhou muito com música e são mais agitados e não conseguem prestar muita atenção e o da tarde, que já trabalhou com música desde o ano passado são mais concentrados e mais tranqüilos. (13) A atividade de Som e silêncio com bambolê e de percepção de andamento podem levar ao desenvolvimento da atenção e da concentração. (18) Música contribui para o desenvolvimento da criança, porque induz ao movimento, aproxima do outro, amplia o universo cultural. Contribui no processo ensino-aprendizagem, por ser uma forma de expressão e desenvolve a linguagem e a escrita.

Então o movimento faz parte da música Todo mundo participa, fazem a percussão corporal, criam novos movimentos e cantam juntos. Faço uma brincadeira com música todos os dias, porque assim, as crianças ficam mais atentas, prestam mais atenção na aula. Depois de fazerem uma atividade com música, sempre ficam mais atentos e concentrados. Melhoram no comportamento, ficam mais disciplinados. (...)A música desenvolve a coordenação dos movimentos, por isso acho importante tocar também.(14) Coloco música sempre nas minhas aulas, todos os dias. Às vezes coloco música enquanto as crianças fazem uma atividade escrita, mas se alguém entrar na minha sala, vai ver criança deitada no chão fazendo a lição, sentada em outro canto, na minha mesa, mas não é bagunça. Os alunos ficam quietinhos fazendo a lição, mas à vontade. É à vontade dentro de um limite também. Então é por isso que ficam concentrados e fazem as atividades com prazer. O importante é que as crianças fazem tudo direitinho e estão progredindo. As crianças precisam estar se sentindo bem para conseguirem aprender. Aí, tudo flui e a música ajuda muito nesse processo. Não dá para separar o afetivo, do movimento, da expressão, do pensamento. Vejo meus alunos como esse conjunto. E a música faz parte desse conjunto, ou melhor, a música é todo o conjunto. (19)

(04) A música contribui para o desenvolvimento porque acalma, os alunos gostam, melhora a relação entre eles e comigo. O professor é o modelo e os alunos o imitam. Acha importante brincar com a criança, cantar, dançar para desenvolver a sociabilidade e a afetividade na criança através da interação e do movimento. Não dá para separar corpo e mente.

(19) Atividade: parlenda do tatu e jogo de mãos e copos (anexo). Ajudou a desenvolver a coordenação motora, o ritmo. Melhora a atenção e o relacionamento entre eles. O movimento faz parte do desenvolvimento. Precisa desenvolver a motricidade que dá suporte ao cognitivo.

(30) A música entra fundo no emocional e dá suporte ao afetivo, que dá suporte ao cognitivo, provoca respostas motoras. Na alegria, na tristeza, alguma resposta você obtêm. (32) A música trabalhou tanto na parte cognitiva, como motora, afetiva e social. (35) Relato de Experiência (de acordo com a entrevistada, observar a professora em sala de aula foi muito importante para perceber como as crianças reagiam durante uma atividade que envolve sons) (38) Música e processo ensino-aprendizagem É aí que eu disse que dava pra ver o prazer nas atividades, que dava pra ver ele escrevendo, batendo o pé e cantando, tudo ao mesmo tempo. E quando eu falo do resultado, é isso mesmo. Eu não lembro muito bem os números, mas é isso. É só ver o resultado, tem 34 alunos numa sala, 30 são alfabéticos e 4 estão em processo. E tudo isso depende da pessoa, que tem que mudar, proporcionar algo para a criança...

(18) O esporte, a educação física, o teatro e a música contribuem no desenvolvimento como um todo, físico, mental, afetivo, social e motor. Música e desenvolvimento: (24) A música ajuda no desenvolvimento da atenção, da disciplina, da sociabilidade.

146

MODELO DO TERMO DE CONSENTIMENTO LIVRE E ESCLARECIDO

I – IDENTIFICAÇÃO DO RESPONSÁVEL

NOME:_______________________________________________________________ DOCUMENTO DE IDENTIDADE Nº. ____________________ SEXO:.( M ) ( F ) DATA DE NASCIMENTO......../....../........... INSTITUIÇÃO: PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO ENDEREÇO: __________________________________________________________ BAIRRO: ________________________ CIDADE: __________________________ CEP: _________________________TELEFONE: _______________________

II - DADOS SOBRE A PESQUISA CIENTÍFICA

TÍTULO DA PESQUISA: __________________________________________________________________ __________________________________________________________________ _________________________________________________________________ PESQUISADORES RESPONSÁVEIS: CARGO/FUNÇÃO: UNIDADE: AVALIAÇÃO DO RISCO DA PESQUISA:

147

III –EXPLICAÇÕES DO PESQUISADOR SOBRE A PESQUISA

1. Benefícios: 2. Procedimentos 3. Riscos e desconfortos 4. Não existem riscos ou desconfortos associados com este projeto, isto é, a probabilidade

de que o indivíduo sofra algum dano como conseqüência imediata ou tardia do estudo. 5. Sigilo: Fica garantindo aos sujeitos da pesquisa a confidencialidade, a privacidade e o

sigilo das informações individuais obtidas. Os resultados deste estudo poderão ser publicados em artigos e/ou livros científicos ou apresentados em congressos profissionais, mas informações pessoais que possam identificar o indivíduo serão mantidas em sigilo.

IV – ESCLARECIMENTOS DADOS PELO PESQUISADOR SOBRE GARANTIAS AO PARTICIPANTE

Ficam garantidas aos sujeitos da pesquisa: 1. O acesso, a qualquer tempo, a informações sobre procedimentos, riscos e benefícios

relacionados à pesquisa, inclusive para dirimir eventuais dúvidas. 2. A salvaguarda da confidencialidade, sigilo e privacidade. 3. O direito de retirar-se da pesquisa no momento em que desejar.

V – INFORMAÇÕES

NOMES: __________________________________________________________

ENDEREÇOS: _____________________________________________________

148

TELEFONES DOS RESPONSÁVEIS PELO ACOMPANHAMENTO DA PESQUISA, PARA CONTATO EM CASO DE DÚVIDAS.

VI – CONSENTIMENTO LIVRE E ESCLARECIDO

Eu compreendo os direitos dos participantes de pesquisa e autorizo participação dos educadores nesta pesquisa como coordenadora pedagógica dessa escola. Compreendo sobre o que, como e porquê este estudo está sendo feito. Receberei uma cópia assinada deste formulário de consentimento. S.Paulo. / /2007 ______________________________________ _____________________________ Sujeito da pesquisa ou seu representante legal. pesquisador

149

LEGENDA DAS CATEGORIAS LEVANTADAS A PRIORI PARA ORGANIZAR OS

DADOS COLETADOS

As categorias a seguir foram elaboradas a priori a partir dos objetivos da

pesquisa e do referencial teórico:

4. A constituição da pessoa do professor e do coordenador pedagógico

4.1. Formação inicial

4.2. Trajetória profissional

4.3. A afetividade na constituição da pessoa do professor e do coordenador pedagógico

4.4. Formação continuada

5. A música no desenvolvimento integral da criança

2.1. Concepções de música e funções atribuídas à musica

2.2. Concepção de desenvolvimento

2.3. Música e desenvolvimento motor

2.4. Música e desenvolvimento afetivo

2.5. Música e desenvolvimento cognitivo

2.6. Música e desenvolvimento integral

6. A Música na escola

6.1. Concepção de escola

6.2. A música na escola

Nas páginas a seguir encontram-se as transcrições das entrevistas de: Mara, Vanessa,

Patrícia, Adriana, Bia e Júlia (nessa ordem), bem como a explicitação dos significados das

falas das entrevistadas, cujos nomes são fictícios, para preservar a identidade, seguida pela

categorização dos trechos das falas transcritas, conforme a legenda acima:

150

Mara – Professora de Educação Infantil Idade – 26 anos Transcrição da entrevista

Explicitação dos significados Cate-gorias

Leila – Como você se tornou professora? Mara - Eu nunca imaginei que ia ser professora. Eu fiz o magistério na cidade vizinha. Mas não fui empurrada, eu era muito boa aluna, mas nunca imaginei que ia ser professora, porque eu trabalhava em firma, comércio, em loja. Eu comecei a trabalhar com oito anos, com os meus pais, no comércio. Acho que é daí que veio a idéia de trabalhar em firma, de gostar de comércio, mas eu terminei a 8ª. Série e fui fazer magistério na cidade vizinha. Fiz os 4 anos, terminei mas não fui dar aula e fui trabalhar em firma, por 3 anos em outra cidade, mas desde os 8 anos eu trabalhava aqui mesmo, vendendo brinquedos, correntinhas. Daí eu falei que queria trabalhar em firma e fui. Durante a semana ia para a outra cidade e de fim de semana, trabalhava aqui mesmo. Fazia de tudo um pouco na firma, conferia pedido, trabalhava na máquina. E eu adorava trabalhar lá. Mas era temporário e eu precisava trabalhar e fiquei sabendo que precisava de professor aqui mesmo e tava precisando de professor na EMEI (Escola Municipal de Educação Infantil) . E minha amiga disse que precisava de professora. Mas eu comecei não como professora, mas como monitora. (01) No primeiro momento eu pensei: não quero, meu Deus, a primeira impressão é que quase morri, não dá, fiquei com medo. Sei lá, crianças de 4 anos, pequenas e eu não tinha uma sala minha e tinha que trabalhar em todas, quando precisava. Eu entrava numa sala, era insegurança, porque eu sempre pensava que eu não queria isso. Sempre fui voltada pra outras áreas, mas pensei eu vou tentar. No ano seguinte, peguei uma sala, como professora e aí minha concepção mudou. Aí eu fui atrás das coisas, e fui gostando mais e estou até hoje. Mas foi difícil no começo.Eu tinha medo das crianças se machucarem, de eu não dar conta, pensava será que estou fazendo certo ou errado, as crianças eram pequenas, mas eu falei vou tentar. (02) Aí quando eu passei a ter a minha sala, as coisas mudaram, porque você vai se dedicar, mas quando a sala não é sua, você fica com receio, porque a monitora fica de sala em sala, não fica numa sala só. Falta experiência, porque tem criança que é mais danada, outras mais quietinhas. Quando eu comecei entrei numa sala com crianças muito agitadas e eu pensei, meu Deus, será que vai dar certo, será que é isso, que é assim mesmo? Quando a gente faz magistério, você faz as disciplinas, que te dá aquela base, faz o estágio, mas nada como a prática pra te ensinar. Num primeiro momento, ninguém pode falar que no começo foi sensacional, porque você fica mesmo com receio. Depois, a gente vai pegando novas turmas, vai acostumando, aprendendo, pegando novas fases. Esse ano eu peguei a 2ª. Fase, de manhã e à tarde, crianças de 4 anos. (03)

(01) Cursou o magistério e só começou a lecionar 3 anos depois de formada, como monitora (substituto do professor quando este se ausenta da sala ou auxiliar de professor). (02) Sentia insegurança e medo. As crianças eram pequenas (4 anos de idade), tinha que trabalhar em todas as salas de aula (como monitora) e por não ter optado num primeiro momento pela profissão (foi trabalhar porque necessitava do salário). No ano seguinte, passou de monitora a professora e sua concepção mudou. No começo foi difícil: tinha medo das crianças se machucarem, porque tem criança que é muito agitada. (03) Mesmo tendo cursado o magistério e feito estágio, disse que sentiu falta da experiência, o que gerou o medo e a insegurança, e aprendeu na prática, com o tempo e adquirindo a própria experiência.

1.1 1.3 1.2 1.2 1.3

151

Leila – Como você vê o processo de desenvolvimento da criança? Mara - A criança cresce através de etapas. Conforme vai passando, vai crescendo, ela vai se desenvolvendo. E a escola é importante para o desenvolvimento, porque é o meio social para a criança. E o desenvolvimento envolve tudo, o cognitivo, o afetivo, o motor e o social. E ela desenvolve tudo isso na escola também. A escola é o meio social para a criança se desenvolver por completo. Aqui ela convive com outras crianças, com os adultos, professores, funcionários e aprende sobre o mundo em que vive, sobre sua cultura. (04)

(04) O desenvolvimento ocorre em etapas e envolve o cognitivo, o afetivo, o motor e o social. A escola é importante para o desenvolvimento completo da criança, porque é o meio social. Na escola ela convive com outras crianças, com os adultos, professores, funcionários e aprende sobre o mundo em que vive, sobre sua cultura.

2.2

Leila – De que maneira a música contribui para o desenvolvimento da criança? Mara – Acho que a música contribui para o desenvolvimento da linguagem, melhora o vocabulário, desenvolve a fala. Também ajuda no processo de alfabetização. (05) Cantando, se expressando, fazendo movimentos, eles aprendem a escrever. E na hora de fazer atividade, a música abre espaço para o movimento. Até a criança mais tímida vem ver o que está acontecendo. Até eu, não consigo ficar parada. Todo mundo participa. A música mexe com tudo. A coordenação da criança fica melhor. (06) A atenção fica melhor.Fiz uma atividade de escutar os sons, tinha uns 12 sons. E eles ficaram quietinhos escutando e depois escreveram os sons. Eram sons de animais. Um ia cutucando o outro. Não dá pra ouvir, não faz barulho...Fica quieto que eu quero ouvir. (07) Foi muito bom! Muito bom, gostei muito, melhorou muito. Antes era muito parado, me sentia mal. (08) Então com o curso de música, proporcionou muita coisa nova, muita atividade, muito bom, muito bom mesmo. Transformou. Agora estou me sentindo bem. Então a música foi boa por causa disso. Porque além da criança, o professor também ganhou com isso. Ficou bem. Trouxe bem estar. Para os dois lados. Acho que é isso mesmo. (09) Mas eu acho também que a música por ser uma linguagem expressiva, também ajuda a criança a desenvolver a comunicação, a relação entre as pessoas e o meio.(10) Quando a gente coloca uma música, eu observo que a criança muito quieta, muito retraída, muda a expressão dela, fica mais alegre, comunicativa. Quando eu coloco música na sala de aula, as crianças já saem do lugar, se movimentam, chama o colega para dançar. Então além de ser uma forma de expressão, a música ajuda a criança no meio social, ajuda a criança a conhecer o outro, como o outro pensa, faz prestar atenção no que o outro vai fazer, como o outro vai agir. (11) Também acontece o contrário. A música ajuda a desenvolver a atenção e a concentração. Esse ano eu notei a diferença do grupo da manhã e da tarde que te falei. O grupo da tarde que já trabalhou com música desde o ano passado é mais tranqüilo, são mais concentrados e gostam mais das atividades. O grupo da manhã que eu peguei só esse ano, ainda não trabalhou muito com música e eu notei que são mais agitados e não conseguem prestar muita atenção. (12) Estava pensando em fazer aquela atividade do curso que

(05) A música contribui para o desenvolvimento da linguagem e da fala, melhora o vocabulário e ajuda no processo de alfabetização. (06) Cantando, se expressando, fazendo movimentos, eles aprendem a escrever.E na hora de fazer atividade, a música abre espaço para o movimento. A coordenação motora e a atenção melhoram. (07) Atividade: Reconhecimento de timbres. (08) Foi muito bom! Muito bom mesmo, gostei muito, melhorou. Antes era muito parado, me sentia mal.(sobre capacitação) (09) O curso de capacitação em música transformou. Agora estou me sentindo bem. Trouxe bem estar para professor e aluno. (10) A música por ser linguagem expressiva, desenvolve a comunicação, a relação das pessoas com o meio. (11) Observação 1: observou que a criança quieta e retraída exposta à música, fica mais alegre e comunicativa, pois quando coloca uma música na sala de aula, as crianças saem do lugar, se movimentam e chamam o colega para dançar. A música ajuda a conhecer o outro, como o outro pensa, faz prestar atenção no que o outro vai fazer, como o outro vai agir. (12) Observação 2: Notou a diferença entre dois grupos: um da manhã, que ainda não trabalhou muito com música e são mais agitados e não conseguem prestar muita atenção e o da tarde, que já trabalhou com música desde o ano passado são mais concentrados e mais tranqüilos.

2.5 2.6 1.3 1.4 2.6 2.3 e 2.6 2.6

152

eu fiz com a turma da tarde, que a gente coloca uma música para ouvir e as crianças dançam e se expressam livremente, a gente pára a música e eles tem que entrar dentro do bambolê, aí vai variando, andando em volta, devagar e mais rápido. As crianças gostam muito por causa do movimento. E dá para perceber que elas ficam mais atentas e concentradas quando tem atividade desse tipo. (13)

(13) A atividade de Som e silêncio com bambolê e de percepção de andamento podem levar ao desenvolvimento da atenção e da concentração.

2.6

Leila – Que tipo de música você ouve no seu cotidiano? Mara - Eu gosto mais de sertanejo, porque eu me identifico mais com esse tipo de música. Acho que é porque eu gosto assim de carinho e a música sertaneja é mais próxima a isso. É mais romântica. (14)

(14) Gosta de música sertaneja.

2.1

Leila – Você levaria esse tipo de música para a sala de aula? Mara - Eu acho que dependendo da letra sim. Porque tem música que não é apropriada para criança. Agora tem música sertaneja que dá, que fala da Nossa Senhora, de ecologia, meio ambiente, que dá para trabalhar na festa junina, porque fala da nossa cultura. Eu acho que dá para trabalhar com outros tipos de música para trabalhar as várias culturas. Eu acho que a música sertaneja e a música religiosa tem a ver com a cultura da nossa cidade. E tem também o samba. A cidade tem orgulho de ser o berço do samba paulista. É bem conhecido. (15) Mas as crianças mesmo, gostam mais de funk, do que está na moda. Mas a escola tem que mostrar que tem coisas diferentes, outras culturas. O professor é que tem que orientar, dar uma base para a criança, para o desenvolvimento dela. (16) No curso conheci outros tipos de música e que dá para trabalhar com as crianças, ... (17) ... e que é importante para desenvolver a criança, porque mexe com o movimento, aproxima do outro, é importante para conhecer outras culturas, para ensinar e aprender, como expressão, na linguagem, na escrita, acho que é isso. (18)

(15) Música sertaneja, samba e música religiosa dá para ser trabalhada na escola, dependendo da letra da música e também na festa junina, porque fala da nossa cultura (brasileira) e da cultura da cidade. (16) As crianças gostam de funk porque está na moda, mas cabe à escola, especialmente ao professor a tarefa de apresentar músicas diferentes,de outras culturas, a fim de contribuir para o desenvolvimento dos alunos. (17) O curso de capacitação em música ampliou o repertório de músicas adequadas para crianças. (18) Música contribui para o desenvolvimento da criança, porque induz ao movimento, aproxima do outro, amplia o universo cultural. Contribui no processo ensino-aprendizagem, por ser uma forma de expressão e desenvolve a linguagem e a escrita.

2.1 3.2 1.4 2.6

Leila – Vou colocar 4 músicas para você escutar. Quais das 4 você utilizaria nas suas aulas? Qual o motivo da(s) escolha(s)? Que tipos de atividade você desenvolveria em aula com a(s) música(s)? Por quê? Mara – Gostei da música do Camaleão porque dá para brincar de roda, trabalha o movimento, é uma cantiga folclórica, que eu lembrei que a gente trabalhou no curso e eu não conhecia antes. Sabe, eu não brinquei muito de roda quando era criança, porque tive que trabalhar desde os 8 anos, mas as meninas (professoras e monitoras) aqui brincam bastante. Por isso eu procurei o curso de música. Aprendi muitas músicas que eu não conhecia. (19) E estou usando bastante as músicas folclóricas com as crianças, porque acho importante. O que faz sucesso é “Atirei o pau no gato, caranguejo não é peixe, corre cotia”, que as crianças brincam lá na frente, antes de entrar na aula, e

1. O cavaleiro selvagem – expressão corporal, movimento, é diferente. Atividade: jogo do som e silêncio com bambolê (19) 2. Camaleão – gostou porque é uma brincadeira, cantiga de roda, folclórica, que trabalha o movimento, desenvolve a socialização, regras. É a música que as crianças iam gostar mais, por causa do movimento, porque crianças gostam de se movimentar (movimentar braços, pernas, correr, brincar de roda).

153

deixa eu pensar... Ah, tem também, as músicas que falam do esquema corporal , de mão, pé, do jacaré, que elas gostam, porque mexe com movimento. (20) Ouvindo o cavaleiro selvagem acho que também dá para ser trabalhado com as crianças, porque também gera movimento, dá para se expressar e é diferente. E dá para trabalhar com a atividade que falei antes, do bambolê. A música do Camaleão também dá para trabalhar a socialização, a criança tem que pegar na mão da outra e aprende também a esperar, tem regra, acho bom. Mas mesmo assim, para mim, a terceira tocou mais, por causa da letra. Eu trabalharia a música do Fome come porque fala da fome, pelo tema. Dá para explorar mais, o tema é atual e dentro da realidade dos alunos. Tem ritmo que dá para trabalhar (batendo o ritmo) e dá para dançar. Mas as crianças iam gostar mais do Camaleão, por causa do movimento, porque criança gosta de se movimentar, movimentar, braços, pernas, correr...brincar de roda. Gosta de se expressar, porque criança não gosta de ficar presa. Na escola aprender também tem que ser bom, divertido, a gente tem que sentir prazer, proporcionar também o bem estar das crianças. (21)A música da Pantera Cor-de-rosa dá para trabalhar o jogo da sombra que aprendi no curso.

Criança não gosta de ficar presa e precisa se expressar. Aprendeu a música no curso porque começou a trabalhar aos 8 anos e não brincou muito de roda. As professoras e monitoras da escola brincam bastante. Trabalha muito com músicas folclóricas. As crianças gostam: Atirei o pau no gato, caranguejo não é peixe, corre cotia, músicas de esquema corporal, do jacaré, porque tem movimento. (20) 3. Fome come – gostou mais porque tocou mais (o sentimento), por causa da letra que fala da fome, dá para trabalhar o ritmo e dançar. O tema é atual e dentro da realidade dos alunos. (21) 4. Tema da Pantera cor-de-rosa Atividade: jogo da sombra

1.4

154

Vanessa – Professora de Ensino Fundamental I Idade – 36 anos Transcrição da entrevista

Explicitação dos significados Cate-gorias

Leila – Como você se tornou professora? Vanessa – Sempre gostei da profissão. Quando eu ia buscar meu filho na escola e conversava com as professoras, pensava: eu também ainda vou ser professora (01). Meu filho estava com 7 anos quando eu comecei a fazer magistério. Meu filho tem hoje 16 anos. Comecei a dar aulas no 4º. ano do magistério e depois, eu fiz o normal superior (02). Já dei aula na Educação Infantil e agora dou aulas no ensino fundamental, turma do 2º. Ano (03).

(01) Sempre gostou da profissão. Pensava: eu também ainda vou ser professora. (02) Fez Magistério e Normal Superior. (03)Começou a dar aulas no 4º. Ano de magistério. Deu aulas na Educação Infantil e agora dá aulas para o 2º. Ano do Ensino Fundamental.

1.3 1.1 1.2

Leila – Como você vê o processo de desenvolvimento da criança? Vanessa – O desenvolvimento da criança se dá em etapas, não é? Desde que nasce até ficar adulto. Ele nasce e precisa da mãe para sobreviver a aprender. Depois aprende a falar e andar, vai para a escola e aí, a escola é o meio importante para o seu desenvolvimento. A criança convive com outras crianças da sua idade, com a professora, aprende novos conteúdos e atividades, aprimora os movimentos, aprende a ler e a escrever e aumenta as possibilidades de interagir com o mundo (04). O professor precisa sempre trazer coisas novas, para levar conhecimentos diversificados para os alunos (05). Acho que é isso.

(04) O desenvolvimento da criança se dá em etapas. Desde que nasce até ficar adulto. Ele nasce e depende da mãe para sobreviver a aprender. Depois aprende a falar e andar, vai para a escola. A escola é meio importante para o seu desenvolvimento. A criança convive com outras crianças da sua idade, com a professora, aprende novos conteúdos e atividades, aprimora os movimentos, aprende a ler e a escrever e aumenta as possibilidades de interagir com o mundo. (05) O professor precisa sempre trazer coisas novas, para levar conhecimentos diversificados para os alunos.

2.2 3.1

Leila – De que maneira a música contribui para o desenvolvimento da criança? Vanessa – Bom, primeiro, toda criança gosta de música. Então, música é importante para a formação da criança para a vida (06). Eu não tive música na minha formação, nem no magistério, nem no normal superior (07). O gosto por música veio do meu pai. Meu pai gostava de compor e tocar violão. Ele quase gravou um disco, mas as circunstâncias do momento não permitiram, mas passou esse gosto pela música para os filhos. Meu irmão também toca violão, compõem e canta. Eu não toco, mas também gosto de cantar e compor, coisas pequenas, assim, fazer letras, criar canções para crianças (08). Quando eu dou aula, coloco música em todas as atividades porque é importante para o desenvolvimento cultural da criança, do seu gosto pela música, trabalha a interpretação, a produção e a composição. Eu deixo eles criarem a letra, a música e o arranjo. Faço os instrumentos musicais com eles, desenvolvo o projeto todo com os alunos (09). Eu penso que se eu tivesse mais formação musical, acho que ficaria

(06) Toda criança gosta de música. Música é importante para a formação da criança para a vida. (07) Não teve música na sua formação, nem no magistério, nem no normal superior. (08) O gosto por música veio do seu pai. Seu pai gostava de compor e tocar violão. Seu irmão também toca violão, compõem e canta. A professora não toca, mas também gosta de cantar, compor, fazer letras e criar canções para crianças. (09) Prática musical na escola: interpretação, produção, composição, arranjo. (10)Acredita que se tivesse formação musical

2.1 1.1 1.4 3.2 1.4

155

mais fácil para criar mais coisas. Queria aprender a tocar violão (10). As atividades que eu desenvolvo são baseadas no curso que a gente fez de capacitação em música, que ajudou bastante. Ampliou as possibilidades (11). Acho que a música contribui para o desenvolvimento afetivo da criança, porque trabalha a expressão, a socialização, a criação, que parte do universo da criança, do que ela sente e vive e de como interage com o mundo e as pessoas (12). Quando a criança canta, ela se movimenta, mostra em sua expressão, o que sente e como sente. É só ver a carinha dela. A criança fica alegre e demonstra pela expressão de alegria (13). Então o movimento faz parte da música. Sabe aquela atividade do “Ua ta ta”? Nossa, eles adoram! Pedem todos os dias. Todo mundo participa, fazem a percussão corporal, criam novos movimentos e cantam juntos. Faço uma brincadeira com música todos os dias, porque assim, as crianças ficam mais atentas, prestam mais atenção na aula. Depois de fazerem uma atividade com música, sempre ficam mais atentos e concentrados. Melhoram no comportamento, ficam mais disciplinados. Estou pensando em fazer instrumentos com sucata com essa turma também. A música desenvolve a coordenação dos movimentos, por isso acho importante tocar também (14). Tocando um instrumento, as crianças desenvolvem a coordenação, precisam pensar em uma maneira de registrar o que tocam, escrevendo uma partitura, que pode ser criada pelos próprios alunos, escrevem a letra da música, então desenvolve o lado cognitivo também (15). A música desenvolve o raciocínio lógico-matemático porque trabalha com conceitos como: longo e curto, comparações, proporções, seqüências numéricas. Gostei daquele jogo de música e matemática, como era mesmo? Ah, da adição rítmica (16). Fiz com as crianças e elas adoraram. Além disso, dá para ensinar vários conteúdos a partir da letra das músicas e do contexto da música (17).

adequada, ficaria mais fácil para criar mais coisas. Queria aprender a tocar violão. (11) As atividades que desenvolve são baseadas no curso de capacitação em música. O curso de capacitação ampliou as possibilidades de atuação em sala de aula. (12) Música trabalha a expressão, a socialização, a criação, que parte do universo da criança, do que ela sente e vive e de como interage com o mundo e as pessoas. (13) Quando a criança canta, ela se movimenta, mostra em sua expressão, o que sente e como sente. É só ver a carinha dela. A criança fica alegre e demonstra pela expressão de alegria. (14) Então o movimento faz parte da música. Sabe aquela atividade do “Ua ta ta”? Todo mundo participa, fazem a percussão corporal, criam novos movimentos e cantam juntos. Faço uma brincadeira com música todos os dias, porque assim, as crianças ficam mais atentas, prestam mais atenção na aula. Depois de fazerem uma atividade com música, sempre ficam mais atentos e concentrados. Melhoram no comportamento, ficam mais disciplinados. Estou pensando em fazer instrumentos com sucata com essa turma também. A música desenvolve a coordenação dos movimentos, por isso acho importante tocar também. (15) Tocando um instrumento, as crianças desenvolvem a coordenação, precisam pensar em uma maneira de registrar o que tocam, escrevendo uma partitura, que pode ser criada pelos próprios alunos, escrevem a letra da música, então desenvolve o lado cognitivo também. (16) A música desenvolve o raciocínio lógico-matemático porque trabalha com conceitos como: longo e curto, comparações, proporções, seqüências numéricas. Gostei daquele jogo de música e matemática, como era mesmo? Ah, da adição rítmica. (17) Música e interdisciplinaridade - dá para ensinar vários conteúdos a partir da letra das músicas e do contexto da música.

1.4 2.4 2.3 e 2.4 2.6 2.5 2.5 3.2

Leila – Que tipo de música você ouve no seu cotidiano? Vanessa – Eu gosto de tudo um pouco. Eu escolho o que ouvir pela letra das músicas, e pela música em si também. Acho que os dois têm que combinar, tanto a letra quanto a melodia também. Os sons, os instrumentos, a letra, acho que o todo precisa passar alguma coisa. Depende do seu

(18) Gosta de tudo um pouco. Depende do seu estado de espírito. Música é algo muito pessoal.

2.1

156

estado de espírito. Música é algo muito pessoal (18). Leila – Você levaria esse tipo de música para a sala de aula? Por quê? Vanessa – Levaria sim. Criança gosta de todo tipo de música. Coloco música sempre nas minhas aulas, todos os dias. Às vezes coloco música enquanto as crianças fazem uma atividade escrita, mas se alguém entrar na minha sala, vai ver criança deitada no chão fazendo a lição, sentada em outro canto, na minha mesa, mas não é bagunça. Os alunos ficam quietinhos fazendo a lição, mas à vontade. É à vontade dentro de um limite também. Então é por isso que ficam concentrados e fazem as atividades com prazer. O importante é que as crianças fazem tudo direitinho e estão progredindo. As crianças precisam estar se sentindo bem para conseguirem aprender. Aí, tudo flui e a música ajuda muito nesse processo. Não dá para separar o afetivo, do movimento, da expressão, do pensamento. Vejo meus alunos como esse conjunto. E a música faz parte desse conjunto, ou melhor, a música é todo o conjunto. Acho que música faz parte da pessoa. Pelo menos, é importante para mim. Não imagino minha vida sem música (19).

Música em sala de aula e desenvolvimento integral (19) Coloco música sempre nas minhas aulas, todos os dias. Às vezes coloco música enquanto as crianças fazem uma atividade escrita, mas se alguém entrar na minha sala, vai ver criança deitada no chão fazendo a lição, sentada em outro canto, na minha mesa, mas não é bagunça. Os alunos ficam quietinhos fazendo a lição, mas à vontade. É à vontade dentro de um limite também. Então é por isso que ficam concentrados e fazem as atividades com prazer. O importante é que as crianças fazem tudo direitinho e estão progredindo. As crianças precisam estar se sentindo bem para conseguirem aprender. Aí, tudo flui e a música ajuda muito nesse processo. Não dá para separar o afetivo, do movimento, da expressão, do pensamento. Vejo meus alunos como esse conjunto. E a música faz parte desse conjunto, ou melhor, a música é todo o conjunto. Acho que música faz parte da pessoa.

2.6

Leila – Vou colocar 4 músicas para você escutar. Quais das 4 você utilizaria em suas aulas? Qual o motivo das escolhas? Que tipo de atividades você desenvolveria em aula com as músicas? Por quê? Vanessa – Todas as 4 eu utilizaria. O camaleão, por ser uma brincadeira cantada. Às vezes não daria para ser dentro da sala, porque precisaria de mais espaço. Eu gosto muito de brincadeiras com música. Eu colocaria a música do camaleão para ser acompanhada por instrumentos musicais, trabalhando o conceito de andamento, rápido e lento, com a sala do fundamental. Se fosse na Educação Infantil, acho que teria que trabalhar primeiro a brincadeira, com movimentos, para as crianças entenderem o conceito de andamento. Com a primeira (O Cavaleiro Selvagem), dá para trabalhar com a imaginação, desenhando a música e por ser diferente, falando sobre o piano, a música clássica, o compositor, sobre a época em que foi feita, das diferenças entre a música cantada e a música tocada e desenvolver o tema, criando histórias sobre os cavaleiros e também acompanhando com instrumentos musicais. No ano passado, eu criei com os alunos, um projeto sobre o rio Tietê. Escutamos a gravação da parlenda “Hoje é domingo” e a partir da idéia do arranjo dessa música, criamos uma letra sobre o rio Tietê. Construímos os instrumentos musicais com sucata, pesquisamos sobre o tema, todos os alunos desenharam e fizeram uma redação ou uma história em quadrinhos sobre o tema, que virou letra da música. Fizemos um arranjo baseado na escuta do Hoje é domingo e tocamos. O trabalho despertou para uma reflexão sobre a temática

(20) 1. O cavaleiro selvagem - dá para trabalhar com a imaginação, desenhando a música e por ser diferente, falando sobre o piano, a música clássica, o compositor, sobre a época em que foi feita, das diferenças entre a música cantada e a música tocada e desenvolver o tema, criando histórias sobre os cavaleiros e também acompanhando com instrumentos musicais. 2. Camaleão - trabalharia por ser uma brincadeira cantada. Às vezes não daria para ser dentro da sala, porque precisaria de mais espaço. Eu gosto muito de brincadeiras com música. Eu colocaria a música do camaleão para ser acompanhada por instrumentos musicais, trabalhando o conceito de andamento, rápido e lento, com a sala do fundamental. Se fosse na Educação Infantil, acho que teria que trabalhar primeiro a brincadeira, com movimentos, para as crianças entenderem o conceito de andamento. 3. Fome come - A música “Fome come” eu trabalharia com a letra. Já a brincadeira, fica

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do meio ambiente e serviu para trabalhar várias disciplinas: Arte, Ciências, Português e História, além de facilitar o aprendizado dos conteúdos, pois todos ficaram muito envolvidos no projeto. Este ano, estou trabalhando também com várias músicas, mas ainda não desenvolvi um projeto assim. (20) A música “Fome come” eu trabalharia com a letra. Já a brincadeira, fica um pouco difícil, na turma do 2º. ano, porque as crianças nessa idade ainda não têm a coordenação motora desenvolvida para fazer os movimentos do jogo. Já a música da Pantera Cor-de-rosa, eu faço uma brincadeira com movimentos, sons de boca e eles adoram. Tenho que brincar e cantar todos os dias, senão a aula não acontece. Não sei como as outras professoras trabalham, mas tem uma professora que dá aula no 2º. ano também, que tudo o que eu faço, ela pergunta como é, e faz igual na sala dela. Então, passamos a planejar juntas as atividades e está sendo muito produtivo. A proposta de passar para os outros professores é um pouco complicada, porque cada um pensa diferente, mas aos poucos acho que as coisas vão mudando. Quando o pessoal percebe que dá resultado, vem atrás para saber o que está sendo feito. (20) Acho que é isso. Tá bom assim?

um pouco difícil, na turma do 2º. ano, porque as crianças nessa idade ainda não têm a coordenação motora desenvolvida para fazer os movimentos do jogo. 4. Tema da Pantera Cor-de-rosa - eu faço uma brincadeira com movimentos, sons de boca e eles adoram. (20) Não sei como as outras professoras trabalham, mas tem uma professora que dá aula no 2º. ano também, que tudo o que eu faço, ela pergunta como é, e faz igual na sala dela. Então, passamos a planejar juntas as atividades e está sendo muito produtivo. A proposta de passar para os outros professores é um pouco complicada, porque cada um pensa diferente, mas aos poucos acho que as coisas vão mudando. Quando o pessoal percebe que dá resultado, vem atrás para saber o que está sendo feito.

1.4 e 3.2

LEILA – Está ótimo. Obrigada.

158

Patrícia – Professora de Educação Física Idade – 27 anos Transcrição da entrevista

Explicitação dos significados Cate-gorias

Leila - Como você se tornou professora? Patrícia - Sempre sonhei em ser professora. Tinha uma admiração por uma professora minha de educação física e pensei: quando eu crescer quero ser como ela. Eu acho que tinha uns 11 anos, estava na 5ª. Série. Eu gostava tanto da disciplina educação física quanto da professora. Ela se tornou um modelo para mim. Era muito organizada nas aulas, e eu também procuro ser. E ela como pessoa, era maravilhosa, tratava todo mundo bem, dava atenção, todos os alunos gostavam dela. Era muito amiga, conversava sobre tudo, então todos os alunos contavam as coisas para ela e qualquer problema que os alunos tivessem ela estava sempre disposta a ouvir e ajudar. E também escolhi ser professora de educação física porque sempre gostei de esportes (01). Fiz licenciatura em educação física e dou aulas há 3 anos, mas já tinha dado aulas como estagiária, então são 5 anos dando aulas (02).

(01) Decidiu ser professora de educação física, porque sempre gostou de esportes e admirava uma professora de educação física na 5ª. Série quando tinha 11 anos. A professora era organizada, uma pessoa maravilhosa, tratava todo mundo bem, dava atenção, todos os alunos confiavam e gostavam dela, era muito amiga, conversava sobre tudo, estava sempre disposta a ouvir e ajudar, portanto tinha um ótimo relacionamento com os alunos. (02) Licenciatura em educação física, leciona há 3 anos, após dois anos lecionando como estagiária, totalizando 5 anos.

1.2 1.3 1.1 e 1.2

Leila - Como você vê o processo de desenvolvimento da criança? Patrícia - O desenvolvimento da criança tem a ver com o desenvolvimento como um todo, mas como professora de educação física, eu vejo principalmente o desenvolvimento físico, mas o físico não está separado do desenvolvimento cognitivo, do afetivo, é o todo. Quando trabalho o físico, trabalho a motricidade que está ligada também ao cognitivo. Como professora de educação física eu acompanho o bem estar da criança. Às vezes, tem criança que tem problemas de saúde que a mãe esconde e aí é complicado, porque a gente tem que ser muito atento, para não prejudicar o desenvolvimento e a saúde. Por isso eu acho que o desenvolvimento físico está ligado ao afetivo, e também ao cognitivo, a criança tem que estar bem fisicamente para estar bem emocionalmente, e aí ele também aprende. Se a criança está bem ela faz tudo (03).

(03) Como professora de educação física acompanha principalmente o desenvolvimento físico da criança. O desenvolvimento físico não está separado do cognitivo e do afetivo, é o todo. A criança tem que estar bem fisicamente para estar bem emocionalmente e aí, ele também aprende. Se a criança está bem, ela faz tudo.

2.2

Leila - De que maneira a música contribui para o desenvolvimento da criança? Patrícia - A música contribui muito para o desenvolvimento, em todos os sentidos, porque acalma, eles gostam, participam mais, interagem mais, tanto entre eles quanto comigo enquanto professora. Eles gostam de ver como eu faço, como eu me movimento, canto, e eles também fazem, porque imitam e o professor é o modelo. Eu me lembro da primeira vez que eu sentei no chão e um aluno disse: professora, você vai brincar? Alguns profissionais acham isso estranho, eu acho importante brincar. Então brincar junto, cantar, dançar, é importante para o desenvolvimento.Desenvolve a sociabilidade e a afetividade na criança através da interação e do

(04) A música contribui para o desenvolvimento porque acalma, os alunos gostam, melhora a relação entre eles e comigo. O professor é o modelo e os alunos o imitam. Acha importante brincar com a criança, cantar, dançar para desenvolver a sociabilidade e a afetividade na criança através da interação e do movimento. Não dá para separar corpo e mente.

2.6

159

movimento. Então está tudo junto. É o todo. Não dá para separar corpo e mente (04). Leila - Que tipo de música você ouve no seu cotidiano? Patrícia - Eu gosto de ouvir de tudo, menos rock pauleira, porque eu não entendo o que eles cantam. No geral eu gosto de todos os gêneros (05).

(05) Só não gosta de rock pauleira

Leila - Você levaria esse tipo de música para a sala de aula? Patrícia - Eu levaria sim. Porque a música trabalha os sentidos. Falam de sentimentos, situações, sobre meio ambiente, pessoas... A própria música leva a gente para outros lugares, provoca sentimentos, lembranças (06). Acho que as crianças precisam de música para enfrentar melhor a realidade em que vivem. A realidade deles é muito difícil. Eles são muito carentes. A música alegra, faz sonhar (07). Na sala de aula, no meu caso, que é educação física, eu acho importante cantar e usar a música como recurso pedagógico, porque leva ao movimento, organizando os movimentos. Também faz fluir os movimentos e aproxima uns dos outros. Acho que contribui também para o auto-conhecimento, já que mexe com as emoções e os sentimentos (08). Tudo fica mais fácil. É arte e a gente precisa de arte para viver (09).

(06) A música trabalha os sentidos, “fala” (música com letra) de sentimentos, situações, meio ambiente, pessoas. A música “leva” a outros lugares, provoca sentimentos, lembranças. (07) As crianças (referindo-se aos seus próprios alunos) precisam de música para ajudá-las a enfrentar a realidade, pois alegra e faz sonhar. (08) Na aula de educação física, acho importante cantar e usar a música como recurso pedagógico, porque leva ao movimento, organizando-o, trazendo fluidez e aproximando uns dos outros. Contribui para o auto-conhecimento, pois mexe com emoções e sentimentos. (09) É arte e a gente precisa de arte para viver.

2.1 e 2.4 2.4 2.3 e 2.6 2.1

Leila - Vou colocar 4 músicas para você escutar. Quais das 4 você utilizaria nas suas aulas? Qual o motivo das escolhas? Que tipos de atividades você desenvolveria em aula com as músicas? Por quê? Patrícia - Eu já trabalho com música nas aulas. Sempre trabalhei, porque na faculdade eu já tive um pouco de contato com atividades com música. (10) A música da Pantera cor-de-rosa tem até uma atividade que coloquei na apostila do curso, que tem movimento, sons que os alunos fazem com a boca representando o som das coisas, e os alunos adoram. Tem que cantar todo dia. (11)A primeira música (Cavaleiro Selvagem), eu gostei muito, mas nem sempre eu tenho aparelho de som para trabalhar na aula de educação física que é na quadra. Quando é na sala de aula dá. Acho que por ser rápida, leva ao movimento e pelo nome, dá para perceber e imaginar um cavaleiro no seu cavalo correndo. Acho que dá até para contar uma história com movimento. A música é legal para incentivar outros jogos também. A música quando é só tocada, não tem letra, faz com que a gente imagine as coisas e a atenção fica focada na sensação que ela traz. No caso, a música dá vontade de trotar no cavalinho correndo. A segunda música (Camaleão), que é uma brincadeira, eu já trabalhei com os alunos. Eu trabalho bastante com brincadeiras, porque eles ainda são crianças. Dou aulas desde a 1ª. Série até a 8ª. Da 6ª. em diante dá para trabalhar com esportes,

(10) 1. Cavaleiro Selvagem – gostou e utilizaria se tivesse um aparelho de som que pudesse ser usado na quadra. É rápida (andamento): leva ao movimento. É descritiva: dá para perceber e imaginar um cavaleiro correndo em seu cavalo. Atividades: contar história com movimentos e criar outros jogos a partir do tema (cavalos). A música sem letra (instrumental) estimula a imaginação e a atenção fica focada na sensação que a música traz (vontade de trotar no cavalinho correndo). 2. Camaleão – Já trabalhou esta música com os alunos até os 11 anos, por ser uma atividade lúdica. Desenvolve a coordenação motora, a atenção, a socialização, a disciplina, a locomoção espacial, a interação entre os pares, o canto e o ritmo. Oferece múltiplas possibilidades. 3. Fome come – Trabalhou com sucata e

160

com jogos esportivos, basquete, futebol, vôlei, porque já entendem as regras, mas com os menores não. Eles precisam melhorar a coordenação, a atenção e também saber jogar junto, melhorar a socialização. Então eu brinco mais, dou até jogo de tabuleiro, dama, dominó, que a gente fez junto com a professora de artes. A brincadeira do Camaleão desenvolve a disciplina, tem que saber esperar, a locomoção no espaço, melhora a interação e tem que cantar e marcar o ritmo com palmas. Acho que dá para explorar bastante a música. A música do Fome come eu trabalhei com sucata e mexeu com a coordenação motora, a lateralidade e ainda fala de um tema atual. Os alunos ficaram treinando para conseguir fazer. Teve criança que no começo não quis fazer porque achou difícil, mas não queria falar. Mas eu incentivei e no fim todos participaram. Agora, ficam pedindo mais. Acho que a música une as pessoas. É só isso?

desenvolve a coordenação motora, a lateralidade e aborda um tema atual. Os alunos ficaram treinando para conseguir realizar a atividade. Superação de dificuldades. 4. Tema da Pantera Cor-de-rosa – (descrever a atividade no anexo). Tem movimento, sons produzidos com a boca. (11)

Leila - É. Obrigada pela entrevista.

161

Adriana – Professora de Arte do Ensino Fundamental Idade – 29 anos Transcrição da entrevista

Explicitação dos significados Cate-gorias

Leila - Como você se tornou professora? Adriana - Foi um acaso. A primeira faculdade que eu fiz foi pedagogia, que eu fiz um ano e parei, era para trabalhar de 1ª. a 4ª. série. Eu achei que não ia ter muita paciência assim com crianças, de ficar o tempo inteiro na sala e eu tinha medo de não conseguir alfabetizar. Já tentei com as minhas filhas (atualmente com 9 e 10 anos) e não tinha paciência. Depois, eu resolvi prestar vestibular para fisioterapia, porque queria trabalhar com deficientes. E aí eu fiquei grávida do Gu, que hoje tem 6 anos. E aí não deu, porque era muito caro e eu não tinha muitos recursos e resolvi mudar para educação física, e aí meu pai falou que eu não ia agüentar as aulas de anatomia... meu pai é professor de educação física, e aí eu mudei pra Letras. Eu fiz licenciatura plena em Letras (Português-inglês). (01) Comecei a dar aulas quando o Gu nasceu (meu filho). Eu entrei na sala e não sabia o que estava fazendo, mas achei legal. Eu dava aula de 1ª. a 4ª. série, de reforço de língua portuguesa como substituta, já que eu fazia faculdade de Letras. E estou dando aula até hoje. Agora peguei aulas de inglês, português, filosofia, artes e ciências, no fundamental II e Ensino Médio, por contrato. (02) Dando aulas, eu descobri casos de crianças na 5ª. Série que ainda não é alfabetizado, tem dificuldades e a gente tem que ajudar. (03)

(01)Desistiu do curso de Pedagogia porque achou que não ia ter paciência com crianças, de ficar o tempo todo na sala e tinha medo de não conseguir alfabetizar, pois tinha tentado com as filhas e não teve paciência. Prestou vestibular para fisioterapia. Queria trabalhar com pessoas com deficiência. Mas acabou cursando Letras (português-inglês). (02)Começou como professora substituta de Português quando estava cursando letras. Já deu aulas de inglês, filosofia, artes e ciências no ensino Fundamental II e no ensino Médio (É contratada, mas não efetiva na escola pública). (03)Superação: alfabetizou crianças da 5ª. Série com dificuldades de aprendizagem.

1.1 e 1.3 1.2 1.2

Leila - Como você vê o processo de desenvolvimento? Adriana - Eu vejo o desenvolvimento como muito rápido e complicado, porque tem criança que tem desenvolvimento mais rápido e tem mais facilidade e tem criança que é muito mais lenta, no aprendizado, porque tem criança que entende mais rápido, você explica uma vez e ela já entende e não tem paciência de esperar a explicação que é dada aos colegas. Mas tem criança que é mais lenta, porque tem explicar muitas vezes e tem dificuldade de concentração e é muito mais complicado. (04) Leila - Complicado, como? Adriana - É assim: o desenvolvimento vem desde a barriga da mãe, depois que ela nasce, é importante ver como a mãe cuida da criança, desde os primeiros meses de vida, se ela dá brinquedos para estimular o desenvolvimento, se ajuda de alguma forma com algum brinquedo pedagógico, até entrar na escola. E aí, o professor é que tem que prestar atenção se a criança está aprendendo, se ela está se desenvolvendo. O professor tem um papel importante no desenvolvimento da criança e pelo menos aqui (na cidade em que a entrevistada leciona), o professor tem que dar educação que a criança às vezes não tem em casa, ensinar o básico, agradecer,

(04) Criança que tem desenvolvimento mais rápido tem mais facilidade, pois entende um determinado conteúdo com apenas uma explicação, mas não tem paciência para esperar a explicação que é dada aos outros alunos. A criança que é mais lenta, porque necessita de várias explicações tem dificuldade de concentração. (05) O desenvolvimento se inicia na gestação e depende da mãe nos cuidados dispensados desde os primeiros meses após o nascimento até a entrada na escola e das condições oferecidas para estimular o desenvolvimento da criança, como brinquedos. Depois, cabe ao professor acompanhar o desenvolvimento da criança: ensinar regras de convivência social (agradecer, pedir licença) e hábitos de higiene, além de orientação sexual, pois não aprendeu com a família.

2.2 2.2

162

pedir licença, tem que ver também as questões de higiene, ensinar ir ao banheiro, se limpar, porque eles não sabem, e até nas aulas de filosofia, tenho que dar orientação sexual, porque é um assunto que muitas vezes não é tratado em casa,... (05) ... e hoje em dia a gente tem que ser um pouco psicólogo, os adolescentes tem muito problema com namorado, aluna grávida. A gente tem que aconselhar. Com os alunos, a gente começa a falar sobre isso na 5ª. Série, de leve. (06) O professor tem que fazer muito mais do que só ensinar o conteúdo da matéria, e precisa prestar atenção no desenvolvimento, da necessidade de cada um, que é diferente nos alunos que tem mais facilidade e dos que tem dificuldades, e tem que ser um pouco de tudo, pelo menos aqui. Acho que os alunos são muito carentes, e o professor precisa ser amigo, conversar. Tem alguns alunos que vem até em casa depois da aula, para contar sobre seus problemas, e já ajudei muitos adolescentes e crianças, até dando lanche. Alguns alunos daqui são carentes de muita coisa. (07) Acho que é isso.

(06) Diz que o professor tem que ser um pouco psicólogo para orientar e acompanhar os adolescentes, no sentido de evitar a gravidez precoce, a partir da 5ª. Série. (07) O professor tem que fazer muito mais do que só ensinar o conteúdo da matéria, precisa atender às necessidades individuais dos alunos, conversar, ser amigo, escutar, pois são muito carentes. Alguns alunos vão até a casa da entrevistada depois da aula para conversar. Já ajudou muitos adolescentes e crianças, até dando lanche.

1.3 e 3.1 1.3 e 3.1

Leila - De que maneira a música contribui para o desenvolvimento da criança? Adriana - A música ajuda no desenvolvimento da concentração. Já trabalhei com música para ajudar a decorar pronomes, regras de língua portuguesa. Faço adaptações das letras das músicas para ensinar o que eu preciso. Por exemplo, para ensinar inglês, eu ensino numerais com música. (08) Quando eu coloco uma música para as crianças, eu nunca coloco uma música lenta, devagar, porque eu acho que a música mais rápida chama mais a atenção da criança. (09) Vou dar um exemplo que contei até na faculdade, para meus colegas e meu professor. Eu estava dando uma aula de inglês para as crianças de 1ª. Série e cantei: “one, two, three, four, five”, bem devagar, e eles ficaram olhando para mim, com cara de desânimo. Aí eu tentei de novo: “one, two, three, four, five”( a entrevistada canta em ritmo de rock, bem rápido e forte) e aí, todo mundo cantou junto, balançando a cabeça e fez assim com a mão (mostrando o gesto feito pelas crianças, sacudindo as mãos e mostrando os números com os dedos). (10) Eles gostam de movimento e de dançar e a música faz com que a criança se movimente. (11)

(08) A música contribui para melhorar a concentração, memorizar regras gramaticais e auxiliar no ensino de inglês. (09) Criança gosta de música em andamento rápido, pois chama mais a atenção. (10) Uma experiência: cantar devagar uma série de números de 1 a 5 em inglês causou desânimo nos alunos e em andamento rápido (em ritmo de rock) resultou em movimento e todos os alunos cantaram juntos. (11) Crianças gostam de movimento e de dançar. A música leva ao movimento corporal.

2.5 2.5 2.5 2.3

Leila - Que tipo de música você gosta de ouvir no seu cotidiano? Porque? Adriana - Eu gosto de todo tipo de música. (12) Se eu ouço uma música mais calma eu fico calma e tranqüila, e se for uma música mais agitada eu fico mais animada, e por isso não tenho uma preferência. Gosto de tudo um pouco. (13) A criança também é igual, mas acho que ela gosta mais do que toca no rádio e na televisão, do que ela conhece. Em determinada idade, ela gosta mais do que está na moda. E acho que por causa da economia, do local em que a gente vive, as crianças gostam muito de funk, mas eu acho que criança como o Gu (filho), que tem 4 anos, gosta de qualquer música que a gente coloca. Ele não tem um tipo de música que gosta mais. (14)

(12) Gosta de todos os estilos de música. (13) Se ouve uma música calma, fica mais calma e tranqüila. Se a música for agitada, fica animada. (14) Criança gosta mais do que é veiculado na mídia, gosta do que conhece. As crianças do local onde mora gostam de funk, mas crianças pequenas (4 anos), gostam de qualquer coisa que ouvem.

2.1 2.1 e 2.4 2.1

163

Leila - Você levaria as músicas que você ouve no seu cotidiano para a sala de aula? Porque? Adriana - Eu levaria sim, não a letra da música, mas o ritmo, porque eu coloco as regrinhas que tenho que ensinar, na música. (15) Acho que a música ajuda na concentração, na atenção, na coordenação, na memorização, deixa tudo mais leve e divertido. (16) Tem criança que não tem ritmo, e precisa desenvolver ritmo para aprender a escrever. (17) A música desenvolve a lateralidade, esquerda, direita, em cima, embaixo, a localização, tudo. Acho que a música ajuda a criança a aprender. A criança gosta de música. (18) Eu fiz um trabalho com música no ano passado, com a turma da 5ª. Série. Fiz uma atividade com a parlenda do Tatu, trabalhando o ritmo da parlenda, falando e passando uma latinha. Criei um movimento para cada parte da parlenda do Tatu. Os alunos acharam muito divertido, e eu achei que ajudou na coordenação, porque tem criança que não tem ritmo, e tinha que bater a lata. Isso ajudou a desenvolver a coordenação e melhorar o ritmo. Acho que o movimento faz parte do desenvolvimento. Precisa desenvolver também a parte motora, que é junto com o cognitivo. (19) E como todo mundo gosta de música, acham divertido também, melhora a atenção e melhora o relacionamento entre eles. A música deixa tudo mais dinâmico. (20) Eu também gosto de música, e acho que escolhi trabalhar com música, primeiro porque dei aula de artes e música faz parte, e também porque sou meio complicada, eu penso numa aula, e depois, mudo tudo. De repente, eu estou em casa, penso numa coisa, resolvo fazer uma coisa, e quando chego na aula, começo a conversar com eles (os alunos) e eles começam a falar outra coisa, mudo na hora e começo a fazer outra coisa, e aí com a música, consigo criar algo divertido e diferente. (21) Quando penso em uma atividade como a música do Tatu, fui mudando de acordo com o que os alunos foram sugerindo, os movimentos, e aí eu também sugeri ir mudando cantando mais rápido e mais devagar, cantando mais agudo e mais grave, e fui ensinando também alguma coisa da linguagem musical que aprendi no curso. (22) Leila - Você disse que você é complicada por que costuma planejar e mudar a aula, você poderia explicar melhor? Adriana - Bom, eu acho que isso faz parte e eu acho bom que eu não seja muito assim, de planejar e ficar presa ao planejamento, mas é um pouco complicado, porque você tem que criar mais na hora. Como esse ano, que eu dando ciências, e ensinando aparelho digestivo e aí eu fiquei imaginando formas de eles não ficarem só no papel, e eu ter que ensinar só teoria. Então eu olhei no livro e vi desenhado o corpo humano e pedi para eles (os alunos) desenharem na cartolina, o contorno deles, do tamanho deles mesmos para colocarem os órgãos internos durante o ano, desenhando, colando e aí, eles acharam super interessante também. Durante a aula vai surgindo idéias. (22)

(15) Levaria as músicas que escuta no cotidiano para a sala de aula, mas adaptando as letras das músicas ao conteúdo que pretende ensinar. (16) A música ajuda na concentração, atenção, coordenação motora, memorização e deixa tudo mais leve e divertido. Música ajuda a aprender. (17) A criança precisa desenvolver o ritmo para aprender a escrever. (18) A música desenvolve a lateralidade e noção espacial. Criança gosta de música. (19) Atividade: parlenda do tatu e jogo de mãos e copos (anexo). Ajudou a desenvolver a coordenação motora, o ritmo. Melhora a atenção e o relacionamento entre eles. O movimento faz parte do desenvolvimento. Precisa desenvolver a motricidade que dá suporte ao cognitivo. (20) Todo mundo gosta de música. Música é divertida e dinâmica. (21) Escolheu trabalhar com música porque deu aulas de artes e música é uma linguagem da arte e oferece várias possibilidades de atividades, de acordo com as situações. (22) Costuma planejar e mudar a aula, mas também acha bom planejar uma aula e não ficar presa ao planejamento. Acha complicado porque tem que criar mais na hora da aula em função das situações e do interesse dos alunos, mas diz que estimula a criatividade do professor.

2.5 2.5 2.5 2.5 2.6 2.1 2.1 3.1

164

Leila -Vou colocar 4 músicas para você escutar. Quais das 4 você utilizaria nas suas aulas? Qual o motivo das escolhas? Que tipo de atividade você desenvolveria em aula com as músicas? Por quê? Adriana - Eu trabalharia as 4. Na verdade, eu já trabalhei no ano passado. A primeira eu acho que colocaria para mostrar uma música diferente do que eles estão acostumados a ouvir. Acho que é importante eles saberem que tem outros tipos de música. (23) Ia pedir para fazer uma pesquisa sobre o compositor, a época, mostrar outras músicas clássicas, sobre os instrumentos. Eu conheci um pouco de música clássica no curso e achei interessante, porque tinha ouvido pouco esse tipo de música e não sabia como trabalhar com música clássica na escola. (24) Com a segunda (Camaleão), não foi bem essa música, mas fiz do mesmo jeito, com a música do tatu, que primeiro a gente brincou com o ritmo e com movimento e depois, trabalhando mais rápido, mais lento, como na música do Camaleão. Só não brinquei assim andando, porque a sala não tem muito espaço e era a 5ª. Série e na 5ª. Eles não gostam mais de brincar de roda, mas gostam de desafios. Bater e passar a latinha no ritmo era um desafio, e ainda ter que inventar os movimentos. Se eu tivesse que escolher, ia escolher primeiro a música do Camaleão porque tem bastante movimento e é mais simples. (25) A terceira, eu também já trabalhei no ano passado. Eu conheci a música no curso, mas as crianças já conheciam do Projeto de música, da ONG e do clipe da cultura. Para eles foi um desafio, porque tinha que fazer os movimentos e passar a latinha e ainda aprender a letra. Alguns já sabiam por causa do Projeto de música. Eu trabalhei essa música do Fome Come com a 7ª. Série. Achei que por causa da dificuldade, do desafio e de ser conhecida, eles gostaram. (26). A música da Pantera-Cor-de Rosa me remete à infância. Eu assistia os desenhos e acho que dá pra trabalhar também com movimentos, e também porque é conhecida. Acho que dá para fazer a brincadeira da sombra com essa música. (27) Esse ano estou trabalhando com o musical dos Saltimbancos (Chico Buarque). Estou fazendo tentando fazer um trabalho interdisciplinar. Como é na aula de Arte, pedi para os alunos pesquisarem sobre a Ditadura no Brasil para entender o contexto em que o musical foi feito. É que minha avó também era professora e levou minhas tias e meu pai para ver os Saltimbancos, com o Chico Buarque. Ela contou que os pais levavam os filhos, mas a mensagem era para os pais. No ano passado, eu levei minhas filhas para participar do coro no musical dos Saltimbancos de uma escola de música em São Paulo e aí, levei minha avó para ver. Foi aí que ela me contou que já tinha visto com o Chico Buarque, na época que ele fez. Eu não sabia que o musical tinha a ver com a ditadura e minha avó disse que eu tinha que saber, então fui pesquisar sobre a obra de Chico Buarque e sobre a Ditadura militar no Brasil. E aí veio a idéia de trabalhar com o compositor Chico Buarque, que é um compositor maravilhoso (28).

(23) Acha importante os alunos conhecerem estilos de música que eles não estão acostumados a ouvir. 1. O cavaleiro selvagem Atividades: pesquisas sobre o compositor da música, período histórico, instrumentos musicais, outras músicas clássicas. Eu conheci um pouco de música clássica no curso e achei interessante, porque tinha ouvido pouco esse tipo de música e não sabia como trabalhar com música clássica na escola. (24) 2. Camaleão – trabalha o andamento, o ritmo e o movimento. Explorou os mesmos conceitos com a música (parlenda) do Tatu (anexo). Os alunos gostam de desafios. Bater e passar a latinha no ritmo era um desafio assim como inventar movimentos para a atividade, com a turma da 5ª. Série, pois na 5ª. Série, eles não gostam mais de brincar de roda. A música do Camaleão seria a 1ª. Escolha, por levar ao movimento. (25) 3. Fome come – os alunos já conhecem a música porque é veiculada na televisão. Trabalhou com a turma da 7ª. Série e os alunos gostaram por causa do desafio proposto na execução dos movimentos, de passar a latinha e cantar simultaneamente, além de ser conhecida. (26) 4. Tema da Pantera Cor-de-rosa – remete à infância da professora, aos desenhos animados. (27) Atividade: brincadeira da sombra (anexo). (28) Este ano (2007) está montando o musical Os Saltimbancos de Chico Buarque com os alunos na disciplina de arte. Tornou-se um trabalho interdisciplinar pois para os alunos entenderem o contexto em que o musical de Chico Buarque foi feito, pediu para pesquisarem sobre a Ditadura militar no Brasil. Pesquisou sobre a obra de Chico Buarque.

2.1 3.2 3.2 3.2

165

Leila - Você tem uma grande admiração por sua avó, não é mesmo? Com que turma você está fazendo esse trabalho? Adriana - Tenho mesmo, ela sabe muita coisa e acho que também foi por isso que virei professora. Minha avó foi professora de 1ª. A 4ª. Série e depois virou diretora. Ela foi diretora de uma escola grande de São Paulo. O meu pai também é professor. Venho de uma família de professores (29). Minha avó ficou meio indignada, que eu não sabia nada sobre a importância da obra de Chico Buarque e aí eu fui pesquisar. E por influência dela resolvi fazer um trabalho com os alunos a partir da obra do Chico, da vida dele, da origem da música. Descobri que ele traduziu, a música (Os saltimbancos) não era dele e aí ele adaptou. Estou fazendo esse trabalho com a 8ª. Série. No começo, quando levei o CD e coloquei para eles escutarem, eles não gostaram e falaram que era muito de criança. Aí eu contei um pouco sobre o que era, da ditadura, da mensagem e eles se interessaram (30). Tem alguns alunos que tocam flauta, violino e violão, e são do Projeto de música do Estado, e que querem fazer o musical tocando. Já pedi a Casa de Cultura para apresentar. Os alunos é que vão fazer a fantasia e já estão ensaiando o coral. O professor de teatro vai ajudar nos ensaios e pedi ajuda para a professora de história. Os alunos estão animados. Acho que vai ficar bonito. E assim, com música, eles vão aprender também história do Brasil, se expressando, com movimentos, cantando, representando e também fazendo as fantasias. Porque aqui nesta cidade, a gente ama o carnaval, e todo mundo tem fantasia guardada em casa, porque todo mundo participa do concurso de fantasia. A galinha já está pronta, porque é tanta pena que você não imagina, porque todo mundo tem algum acessório que dá para tirar e refazer. O coro já está sendo montado. Na música da galinha, o coro vai ser de pintinhos que vão cantar. Tá meio complicado, mas está todo mundo animado (31). E por falar nisso, você tem as partituras das músicas dos Saltimbancos? As crianças falaram que tinha que ser da parte deles (de cada instrumento). Se tiver, você me manda?

(29) Sente admiração e orgulho pela avó que foi professora e diretora de escola e pelo pai que era professor de educação física. (30) O trabalho com a obra “Os Saltimbancos”, do compositor, da origem das músicas está sendo realizado com a turma da 8ª. Série. No começo, os alunos (adolescentes) não gostaram, pois consideraram infantil e mudaram de atitude quando contei sobre o contexto em que foi feito. (31) Os alunos estão animados com a possibilidade de apresentar um trabalho musical. Os alunos que sabem tocar um instrumento irão participar tocando e os outros cantando e representando.

1.2 3.2 3.2

Leila - Claro! E me convide para assistir, tá? Obrigada pela entrevista.

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Bia – Coordenadora de Educação Infantil Idade – 35 anos Transcrição da entrevista

Explicitação dos significados Cate-gorias

Leila – Como você se tornou coordenadora? Bia - Bom, primeiro vou contar como virei professora. Como eu casei na adolescência, com 16, fiquei dois anos sem estudar.Aí meu marido falou assim, quando minha filha tinha dois anos: você não vai fazer mais nada? Você não quer estudar? Eu falei que queria, mas eu nunca pensei em ser professora. Eu queria fazer faculdade de letras, gosto muito de letras. Mas foi ficando cada vez mais difícil, por conta de pagar uma faculdade, e eu fui fazer magistério.(01) Aí, pela idade, eu tinha amizade com as meninas que iam estudar e eu fui levar a minha menina no médico e encontrei uma ex-professora minha que disse: você é muito nova e se não dá para fazer faculdade, porque você não faz magistério? No Ivani tem magistério e é de graça. Vira professora de 1ª. a 4ª. série e depois você faz faculdade, aí sua menina vai estar maiorzinha. Fui falar com as meninas da minha rua que já faziam lá e que confirmaram. Fui falar com o meu marido e ele falou que bom, vai. E fui. Foram 4 anos de cão! Por causa do horário, que mudou o horário. No começo chegava às 7 horas. No segundo ano mudou o horário para as 7 horas às 11h! Aí a coisa se complicou. Tinha filho, marido correndo pro serviço. Daí, o que aconteceu, continuei. No 2º. ano já, com essa dificuldade , me falaram para fazer inscrição nas escolas que pegavam professores para substituir professores que faltavam. Uma professora vizinha, falou: vou sair de licença gestante, você se interessa? Não, tenho medo. Preciso ir ao médico, são só 3 dias. Bom, são só 3 dias, vou tentar. Desses 3 dias, que foi em 92, nunca mais eu parei. Aí, foi uma correria grande, mas fui gostando da coisa. Fui gostando, fui gostando, fui gostando, nunca mais eu parei (02). Graças a Deus nunca me faltou aula, mesmo não sendo efetiva. Só com contrato. Não parei mais. Depois, outro trauma: entrar no pré. Por que a EMEF (Escola Municipal de Educação Fundamental) é uma realidade, o pré é outra. Na EMEF a gente aprende a ser, eu acho... muito dura.Você vê o aluno de uma outra maneira. Não vê que o aluno tem uma história, que é uma criança que passou por poucas e boas. Você não vê. Eu nunca vi uma EMEF que tem um bichinho, uma parede enfeitada... é só letra, cartaz, letra, cartaz. (03) No pré não, você primeiro tem um contato com a criança, brinca, beija, e eu tinha uma dificuldade: não sei brincar, não sei abraçar... Mas eu não sabia ter um contato com o aluno... e eu acho importante, aprender a beijar, abraçar. É o tato. Porque a minha carência é a carência deles. E eu passo a lembrar da minha adolescência. Porque a minha mãe é assim. Não tem contato. Ela sempre deixou claro que não gosta de criança, então ela nunca foi de abraçar e nunca foi de beijar. Quando uma aluna vinha me abraçar, eu não gostava, tinha repulsa, porque ela nunca fez isso comigo e meu pai também não. Então, eu não tinha esse contato. Eu fui

(01)Formação inicial – Curso de Magistério Queria ter cursado Letras (02) Começou a lecionar no ensino fundamental, quando estava cursando o 2º. ano de Magistério como substituta de uma professora que havia saído de licença maternidade. Quando foi convidada a dar aulas, sentiu medo, mas depois foi gostando e nunca mais parou de dar aulas. (03) Depois, outro trauma: entrar no pré (educação infantil). Na educação fundamental, você não vê que o aluno tem uma história, que é uma criança que passou por poucas e boas. Não tem enfeites na parede... é só letra, cartaz, letra, cartaz. (04) Na educação infantil é comum a professora demonstrar os seus sentimentos através de beijos, abraços e brincadeiras. Essa interação traz sensação de bem-estar para professora e aluno. Essa atitude influencia na aprendizagem, por trazer confiança. Demonstrar os sentimentos com beijos e abraços foi aprendido atuando como professora de educação infantil. (05) Na educação fundamental, a demonstração de sentimentos através de contato físico ocorre com menos freqüência. Os professores são distantes. (06) A experiência adquirida como professora da educação infantil levou à mudança em sua prática também na educação fundamental. As conversas com os alunos permitiram perceber

1.1 1.2 e 1.3 1.3 e 1.2 1.3 1.3 1.3 e 2.2

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aprender com a minha filha. Quando chegou no pré, as crianças eram espontâneas. E abraçam, e beijam. Então eu passei a ver um mundo diferente. (04) Quando entro numa EMEF hoje, acho estranho... os professores ficam muito lá, distantes. O professor de EMEI (Escola Municipal de Educação Infantil) não. Se for um professor de EMEI, ele já chega, dá um abraço, beija, brinca e da EMEF não. Na EMEF, de vez em quando, ele tem um contato. (05) Eu sabia dar carinho, mas sem contato físico. No olhar...mas acho que precisa mais. Por exemplo: No ano passado, quando peguei uma 4ª. série foi totalmente diferente. Muita conversa, não foi só lição, lição, lição. Muita conversa com os alunos. E isso influencia na aprendizagem, por causa da confiança. Eu acho que se eu não tivesse passado pela EMEI, eu não saberia fazer o que eu fiz. (06) Eu tinha um menino de 15 anos na minha sala, que estava com um problema: sexo, por que ele estava se descobrindo, só que ele teve meningite, então ele não aprendia. E todo mundo que tinha dado aula para ele falava horrores: olha, esse menino é terrível, esse menino tem um problema sério, e ele está se desenvolvendo, mas está com a turminha da 4ª. Série. Mas estava comigo e não me dava trabalho. Ele tinha um problema, mas para mim ele poderia se desenvolver. Mas todo mundo só criticava. Na 4ª. Série, as meninas já estão se desenvolvendo, o corpo mudando, mas ele, já era um rapaz. Resolvi conversar com ele. Todo mundo saiu para o recreio e eu chamei para conversar. Falei: você está crescendo, está na fase da puberdade, expliquei tudo o que estava acontecendo (as mudanças do crescimento) e disse que as meninas daqui ainda são crianças e se você quiser namorar, pode arrumar uma namoradinha, só que da sua idade, expliquei, expliquei e ele nunca me deu problemas. Entendeu tudo. (07) Até aconteceu um fato: Os meninos entraram no banheiro das meninas, aí ele entrou para tirar os meninos, só que o guarda da escola, que tinha sido chamado por uma menina, não por causa dele, entrou e pensou que o problema era ele. O rapaz foi chamado na diretoria e teve uma crise de choro. Começou a chutar a carteira, falar palavrão e eu só olhava para ele. Não me alterei. E disse: não vou conversar com você nesse estado. Quando você se acalmar, quando tudo passar você vem falar comigo. Eu vou até esquecer todos os palavrões que você está falando. Aí eu virei e fui passar a lição e a diretora é calma, tranqüila. Ele se explicou e tudo bem. Mas eu nunca vou me esquecer. Ele foi ficando ao meu lado, pediu licença, e falou: professora, você me desculpa? E eu: Desculpa, do quê? Não, sabe o que é que é, estava nervoso, falei um monte de palavrão, vou explicar pra senhora. Aí ele me contou tudo. Vou explicar o que aconteceu. (08) Aí eu percebi que se eu não tivesse sido professora da EMEI eu também teria sido dura com ele. Só que quando isso aconteceu, pensei: não é assim. (09) Ele teve meningite e todo mundo só criticava ele. Mas quando chegou o final do ano, eu não concordava com o que acontecia com ele. Ele estava 3 anos na 4ª. série. Ele sabia palavras simples e contas simples. Aí eu falei com a diretora. Ele vai fazer 16 anos e vocês vão mandar ele pro EJA (Educação de jovens e adultos), onde só tem adultos, pessoas idosas e fora da realidade dele, de jovem, e vai

as necessidades específicas desses alunos e do estágio de desenvolvimento em que se encontravam. (07)O aluno de 15 anos que estava na 4ª. série era tido como aluno-problema por outros professores, mas a entrevistada respondia adequadamente às necessidades do aluno e o aluno melhorou seu comportamento. (08) O aluno considerado problema foi acusado injustamente e chamado à diretoria da escola, teve um acesso de raiva (descontrole emocional e crise de choro) A entrevistada manteve a calma e aluno também se acalmou (contágio das emoções). (09) Ter sido professora na educação infantil permitiu que a entrevistada percebesse as necessidades do seu aluno e mudasse sua ação. Processo de reflexão na ação. (10) Aluno tinha 15 anos, apresentava dificuldades de aprendizagem em conseqüência de uma meningite e estava na 4ª. série há 3 anos. A direção pretendia enviá-lo ao EJA, mas a professora percebeu que era melhor para o seu desenvolvimento que o aluno fosse para a 5ª. série e pudesse conviver com outros jovens e não com adultos. Ele precisa conviver com outros jovens. Porque não deixar esse menino viver a idade que ele tem. Porque o problema dele a escola não vai sanar. Ele tem uma carta do médico avisando que a meningite deixa seqüelas, cognitivas mesmo. Então, uma professora, eu, a coordenação e a direção debatendo o assunto, resolvemos mandar para a 5ª. Série. Hoje ele dá risada, conversa, brinca, como alguém da idade dele.

1.3 1.3 1.3 1.3 Inclu-são 2.2

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virar um outro problema. Ele precisa conviver com outros jovens. Porque não deixar esse menino viver a idade que ele tem. Porque o problema dele a escola não vai sanar. Ele tem uma carta do médico avisando que a meningite deixa seqüelas, cognitivas mesmo. Então, uma professora, eu, a coordenação e a direção debatendo o assunto, resolvemos mandar para a 5ª. Série. Hoje ele dá risada, conversa, brinca, como alguém da idade dele. (10) Os professores ficaram preocupados, aí vai passando ele de ano, como vai ser? Falei: cada professor vai ter que enfrentar quando chegar o problema. Eu sou professora da 4ª. Série, como vocês querem que eu preveja o problema. Vamos dar tempo ao tempo. Cada professor é um professor. Alguém falou. E se ele quiser ser médico? O que eu faço? Alguém vai falar para ele: talvez isso não dê, mas vamos tentar outra coisa. Não sei se vai ser médico, mas ninguém sabe o dia de amanhã. Ele precisa ter a oportunidade. Leila - A oportunidade é importante... Bia - É na hora, eu pensei nele, passou 3 anos lá, com um monte de problemas, todo mundo criticando... Leila - Você percebeu a necessidade dele... Bia - Eu acho que você aprende muito conversando com o aluno. Os alunos contam muita coisa. É a confiança. Eu já sou muito de escutar. Então, sou muito de conversar. (11) E foi na EMEI que aprendi a não ter medo do toque, do beijo, do abraço. Porque antes era uma coisa muito fria. Até lembro de um aniversário de uma diretora em Santana, que quando fui abraçar, disseram que o meu abraço tinha dois metros de largura. E superar o medo do toque me ajudou muito. Até mesmo a ser mais brincalhona. (12) Ainda lembro do medo no primeiro dia de aula da EMEI. Pedi para outra professora ficar comigo na sala (13). Leila - Como era esse medo? Bia - Peguei uma sala com 35 alunos que diziam que eram terríveis. Colocaram muito medo na minha cabeça. Falaram que tinha muito problema. E tinha o contato com as mães. Não é como na EMEF. A mãe vai levar e pegar a criança na porta, elas querem falar com você. Mas um menino que era considerado um problema, eu acabei virando amiga da mãe. Então as crianças que eram um problema, não são um problema para mim hoje. (13) Leila - Há quanto tempo que você está na EMEI? Bia - 3 anos. Aí eu tive que aprender a lidar muito de perto com a mãe. Tanto que esse menino saiu do pré, e a mãe continuou vindo falar comigo. Ela vinha vender Avon como pretexto para falar comigo. Eu virei coordenadora este ano. E de novo está sendo um desafio. Lidar com os professores. Mas aprendi muito com as mães e com as crianças da EMEI. (14)

(11) Confiança na relação professor-aluno. Eu já sou muito de escutar. Então, sou muito de conversar. (12) Foi como professora de educação infantil que aprendeu a exteriorizar os sentimentos por meio de contato físico, tornando-se mais brincalhona. (13) Descreve o medo que sentiu no 1º. dia como professora na educação infantil, comparando com a experiência que teve como professora da educação fundamental (a entrevistada tem concepções diferentes da escola de educação infantil e fundamental). . (14) Tornar-se coordenadora foi um novo desafio. Concepção de Coordenação: lidar com os professores. Aprendi com as mães e com os alunos da Educação Infantil.

1.3 1.3 1.3 1.2

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Leila - Como você vê o processo de desenvolvimento da criança? Bia - Bom primeiro quero contar que já dei aula de português para a 8ª. Série, como substituta , enquanto aprendia nas reuniões de HTPC (Hora de trabalho pedagógico coletivo) com uma professora que me deu aula na 5ª. Série para poder dar aula na 8ª. Eu me dei bem com essa turma, na EMEF, mas me dei melhor na EMEI.(15) Prestei concurso na EMEF e na EMEI e passei na EMEI. Eu não queria a EMEI, mas tava barato a inscrição, então eu fiz e passei, mas hoje, sinto que foi um privilégio ter passado, porque na EMEI percebi que: Se você conhece a criança, você conhece o adolescente e você conhece o adulto, conhecendo a criança. (16) Então, toda pessoa deveria passar pela EMEI, mesmo que vá dar aulas no PEB II (professor de educação básica II), porque quando você entende o mundo da criança, você entende o adolescente. É assim o desenvolvimento. É no todo. Até com as minhas filhas eu mudei. O meu jeito de ser mudou. (17) Eu gostei do normal superior, gostei do curso de gestão escolar, e gostei de perceber a importância de entender o mundo da criança. A mudança foi drástica.(18) Mudei meu jeito de ser com os colegas da escola, porque na EMEI as pessoas são mais próximas que na EMEF, pois entendem o que você quer falar, sabem ouvir. Eu achava estranho brincar, não gostava. Aprendi na EMEI. Brincar permitiu que eu me abrisse. É importante brincar. (19) Posso contar outra experiência, com uma turma do 8ª.? Leila - Claro. Bia - Eu peguei numa época, com a 8ª. Série, um trecho de uma música do Fábio Júnior e cantei para eles (a entrevistada canta um trecho da música). É que eu não me lembro o nome da música. Aí, eu coloquei a música para tocar na aula. A música tocava muito no rádio, na época. Pedi que fizessem uma redação enquanto a música tocava (20). As meninas, como sempre, colaboraram, gostaram, mas os meninos, falaram: pra que isso professora? Pra que vou escrever isso? A música fala de sentimentos, lembra de alguma situação, conta alguma coisa... Quando cheguei em casa, tive uma surpresa (21). Eu descobri duas alunas grávidas, e a carta mais bonita do menino que perdeu o rumo e que contava da separação do pai e da mãe. Os pais brigavam muito e se separaram e ele contou que quando ele foi morar com a mãe, e a mãe tinha um pouco de revolta e ele não podia falar com a mãe que ele amava o pai de paixão e que ele tinha vontade de dar um grande abraço no pai e que no final do ano ele ia fazer isso. Ele adorava o pai, aliás, os dois, mas não queria magoar a mãe, então ele não falava. Ele escreveu que o pai era tudo pra ele e adorava o pai. E ele me relatou todo o processo da separação. E foi a partir de uma música. Nem tanto a letra, o tema, mas a música. Que tocou o menino (22). E a 8ª. da noite tinha muito problema e pensei em levar uma música que tocava na rádio. Os meninos não gostaram no começo, mas o resultado foi ótimo. Tocou o sentimento.

(15) Uma professora que tinha dado aulas para a entrevistada quando ela estava na 5ª. série, deu as orientações necessárias para que pudesse dar aulas para a turma de 8ª. Série (como substituta). (16) Conhecer a criança para conhecer o adulto. (17) Ser professora no ensino infantil mudou sua concepção de aluno e de educação. Concepção de desenvolvimento integral. (18) Cursar o normal superior e o curso de gestão escolar ajudou a compreender esse processo. (19) Na educação infantil as pessoas são mais próximas do que no ensino fundamental. Brincar permitiu a melhora na interação também com os outros professores. (20) Quando deu aulas para a 8ª. Série, a entrevistada cantou uma música do Fábio Júnior para os alunos durante a aula. Pediu para que fizessem uma redação escutando a música. (21) A meninas gostaram mais. Os meninos questionaram a proposta e a professora justificou dizendo que a música falava de sentimentos e propôs que relatassem uma situação vivida. (22) A música tocou o menino e relatou todo o processo de separação dos pais, expondo os sentimentos em relação ao pai e a preocupação em relação à mãe. (23) Acreditou que ia dar certo trabalhar com música, porque sentiu que o problema dos alunos era emocional. Escolheu para isso, uma música que tocava no rádio na época. O indicador de que estava no caminho certo foram as redações: todas significativas. Todos esqueceram do que a música falava, mas entraram na música, no que ela passou e contaram coisas sobre família, coisas alegres, coisas tristes.

1.2 2.2 3.1 1.1 1.3 2.1 2.1 2.4 2.4 e 2.5

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Eu pensei:acho que vai dar certo, porque senti que o problema era emocional. Deu certo, porque nenhuma redação foi boba. Todos esqueceram do que a música falava, mas entraram na música, no que ela passou e contaram da família, coisas alegres, coisas tristes. E eu guardei essas três cartas. Tanto que no ano passado, na 4ª. série voltei a mexer com música. Eu achei o máximo. Você descobrir duas alunas grávidas e o caso da separação a partir de uma música, marcou bastante. A música fez com que os alunos se abrissem (23). Leila - Porque a música do Fábio Júnior? Bia - Porque era uma música que era tema de uma novela, mas eu não vou lembrar que novela (24). Na realidade, a 8ª. Série do noturno era bastante complicada, os alunos tinham muitos problemas. Uns eram a família, outros trabalhavam e chegavam sempre atrasados, e quando eu peguei essa sala, me falavam que eles não gostavam de ficar na sala pra aula (25). A música ajudou a chamar a atenção deles, porque antes nada motivava. Se eu pedisse para escrever alguma coisa, uma redação, não saía nada, mas com a música, acho que tocou, como te disse. Eles se abriram. E quando eu escutava aquela música, para mim, fazia me lembrar da minha relação também com a família e achei que podia dar certo com os alunos, porque é diferente de ler uma história. A música mexe mais com o sentimento. Acho que a música fez refletir, realmente desbloqueou. Acho que eles se identificaram, mesmo achando brega (26). Quando mostrei a música, eles ficaram quietos, um silêncio na sala. Mesmo reclamando um pouco que era brega, eles fizeram coisas lindas. De repente, eles foram se envolvendo, se envolvendo, e aí deu certo. Hoje eu acho que eu poderia ampliar mais a proposta com música, perguntando o que é música brega, acho que faltou experiência para esse lado. Depois do curso, fiquei pensando que eu podia ter ampliado um pouco a questão da cultura, dos tipos de música, das épocas, acho que dava para pensar um pouco mais sobre o que eles ouvem como agora, o funk e falar sobre os gostos e como a mídia influencia nas nossas escolhas (27). Mas acho que deu para aproximar, para conseguir a confiança deles. A turma da noite era complicada, diferente da turma da manhã que saía da escola e ia para casa, tem comida, supermercado tudo certinho, não precisava trabalhar, a família dá mais apoio, e a noite não, eles tem uma vida mais difícil, já tinha 3 grávidas na sala e a maioria já trabalhava. A mesma música na parte da manhã foi diferente, eles contavam coisas alegres e à noite, eles contavam coisas mais tristes, os problemas. Mas nas duas turmas a música tocou. Acho que ajudou a ganhar a confiança deles (28).

(24) Escolheu a música do cantor Fábio Júnior porque era tema de uma novela da época e portanto, conhecida pelos jovens. (25) Os alunos da 8ª. Série do período noturno não gostavam de ficar na sala de aula. Alguns tinham problemas com a família, enquanto outros, chegavam atrasados por causa do trabalho. (26) A música ajudou a motivar os alunos. A música trazia lembranças à tona (memória afetiva). Escolheu a música porque fazia me lembrar da minha relação também com a família e achei que podia dar certo com os alunos, porque é diferente de ler uma história. Música como indutora de sentimentos e emoções. Os alunos se identificaram com a música, mesmo achando brega. (27) Hoje eu (a entrevistada) poderia ampliar mais a proposta com música. O curso (capacitação em música), possibilitou a ampliação das possibilidades do trabalho com música, no âmbito da cultura musical, do gosto musical, da influência da mídia nas escolhas das músicas. (28) O resultado foi uma maior interação com os alunos. Percebeu diferenças entre a turma da manhã e a turma da noite. De manhã, os relatos foram de teor mais alegre e à noite, mais tristes, refletindo a realidade vivida. Mas nas duas turmas a música tocou. Ajudou a ganhar a confiança deles.

2.1 2.2 2.1 1.4 2.4

Leila - Então, depois desse relato emocionante, você consegue especificar de que maneira a música contribui para o desenvolvimento da criança e do adolescente? Bia - Eu acho que a música mexe com o emocional e quando você mexe com o lado afetivo da pessoa, você tem mais respostas (29). Por exemplo, quando eu trabalhei com a música, eu descobri aonde eu podia ir mais a fundo

(29) A música provoca respostas afetivas, ninguém fica indiferente ao estímulo musical.

2.4

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com a criança. Em todas as situações, com a música eu pude ganhar a confiança deles. Através do emocional, a gente consegue uma resposta verdadeira deles. Não dá para simular uma resposta. Acho que a música entra fundo no emocional e dá suporte ao afetivo, que dá suporte ao cognitivo, mexe com o corpo, com tudo. Na alegria, na tristeza, alguma resposta você obtêm (30). Aí depois disso, você chega aonde você quer. No campo cognitivo, como nessas redações, eles precisavam falar, contar, se abrir, porque nas aulas de português eles queriam falar. Desbloqueou, aí eles começaram a aprender de verdade. Aí, nos intervalos, eles passaram a me procurar para conversar, não tinha mais intervalo. A música ajudou a desbloquear, a se libertar, a ganhar confiança. A música favoreceu muito. A música não deixa a gente ficar parado. Mas precisa ter confiança. Um adulto, por exemplo. Você me faria dançar. Me puxar para uma roda. Você me deu segurança para eu dar uma resposta. Aí é que entra a música. A música traz vários sentimentos. Ela abre espaço para isso. No curso, um falava faz assim, e eu não conseguia ficar parada. Igual na sala de uma professora daqui. Até a criança mais inibida se soltou (31). Então ela (a música) trabalhou tanto na parte cognitiva, como na parte motora, afetiva, social (32). A música ajuda também na alfabetização, ajuda na leitura, na memorização, meio na brincadeira, por exemplo, eu estava na sala agora que a professora faltou e eu falei: vamos cantar a música do alfabeto (33). Leila – Qual? Bia – A música de um programa de televisão, que todas as crianças sabem cantar. Aí todo mundo cantou direitinho, sem errar uma letra. Quando é só falado, os alunos têm mais dificuldade. Então, cantar ajuda muito a fixar o conhecimento, além de ser mais divertido. Todo mundo gosta. Ah, onde a gente tinha parado mesmo? (34). A experiência de uma professora foi muito importante para perceber como as crianças reagiam durante uma atividade que envolve sons. É bem isso. As crianças ficavam atentas aos sons que eram apresentados e as que não ficavam quietas, as outras crianças chamavam a atenção dizendo: fica quieto, não dá pra ouvir. E ainda tinha as músicas que a gente trabalhou com o objetivo de desenvolver além da atenção, a coordenação motora, a lateralidade, o esquema corporal, a socialização e o canto. E tem também a pulsação e o ritmo, que a gente aprendeu como conteúdo de música (35). Leila – Quais eram as músicas? Bia – A gente trabalhou com várias cantigas de roda, como: Atirei o pau no gato, Pirulito que bate bate, Caranguejo não é peixe. E a gente fez um projeto para cada fase na escola. As 1as. fases (4 anos de idade), fizeram o projeto com a música “A linda rosa juvenil”, onde as crianças cantaram e brincaram de roda, fizeram uma encenação, até com fantasias que as professoras fizeram, e depois, elaboraram várias atividades para várias

(30) A música entra fundo no emocional e dá suporte ao afetivo, que dá suporte ao cognitivo, provoca respostas motoras. Na alegria, na tristeza, alguma resposta você obtêm. (31) As redações revelaram o conteúdo emocional provocado pela escuta da música. A partir daí os alunos começaram a aprender de verdade.A música ajudou a desbloquear, a se libertar, a ganhar confiança(...). A música não deixa a gente ficar parado(...). A música traz vários sentimentos. A música provoca a sensação de confiança e segurança. Ninguém consegue ficar parado. Até a criança mais inibida se soltou. (32) A música trabalhou tanto na parte cognitiva, como motora, afetiva e social. (33) Música contribui no processo de alfabetização, ajudando na memorização das letras e palavras (34) Cantar ajuda muito a fixar o conhecimento, além de ser mais divertido. Todo mundo gosta. (35) Relato de Experiência (de acordo com a entrevistada, observar a professora em sala de aula foi muito importante para perceber como as crianças reagiam durante uma atividade que envolve sons) (36) Descrição de atividades com música em projeto interdisciplinar.

2.6 2.4 2.6 2.5 2.5 2.6 3.2

172

disciplinas a partir do conteúdo da música, como: dobraduras, caça-palavras e desenhos, para explorar o vocabulário dos versos, a questão da família, falar de germinação em ciências e meio ambiente. Na turma das 2as. fases (5 anos de idade), trabalhamos com a música “Bambu Tirabu”. Primeiro as crianças aprenderam como se brinca e depois que todo mundo aprendeu a brincar, fizemos alguns instrumentos com sucata, que as crianças usaram para acompanhar a música cantada. Aí, dividimos a turma em dois grupos, assim eles aprenderam também a ser mais organizados, esperar a vez, e onde um grupo brincava de Bambu, e outro tocava acompanhando o ritmo da música. Depois, desenvolvemos atividades de ditado das palavras tiradas dos versos da música, cruzadinha com banco de palavras, desenho do bambu. Conversamos sobre o bambu, do que dá para ser feito com bambu, do meio ambiente e de reciclagem. Foi daí que construir os instrumentos com sucata foi importante para vivenciar a reciclagem (36). Leila – Que instrumentos musicais vocês fizeram? Bia – Fizemos chocalhos com garrafas pet e latinhas de refrigerante e tambor de lata (de molho de tomate) tocado com colher (37). O que mais... Nossa! Eu acho que se você deixar, eu vou falando, falando e não paro mais... É aí que eu disse que dava pra ver o prazer nas atividades, que dava pra ver ele escrevendo, batendo o pé e cantando, tudo ao mesmo tempo. E quando eu falo do resultado, é isso mesmo. Eu não lembro muito bem os números, mas é isso. É só ver o resultado, tem 34 alunos numa sala, 30 são alfabéticos e 4 estão em processo. E tudo isso depende da pessoa, que tem que mudar, proporcionar algo para a criança...(38).

(37) Construção de instrumentos com sucata (38) Música e processo ensino-aprendizagem É aí que eu disse que dava pra ver o prazer nas atividades, que dava pra ver ele escrevendo, batendo o pé e cantando, tudo ao mesmo tempo. E quando eu falo do resultado, é isso mesmo. Eu não lembro muito bem os números, mas é isso. É só ver o resultado, tem 34 alunos numa sala, 30 são alfabéticos e 4 estão em processo. E tudo isso depende da pessoa, que tem que mudar, proporcionar algo para a criança...

3.2 2.6 e 3.2

Leila - Que tipo de música você ouve no seu cotidiano? Bia – Eu gosto de tudo um pouco. Gosto de sertanejo, música infantil, música que fala de coisas bonitas, que tocam o coração. Gosto também de música clássica. Sempre compro as revistas sobre educação que vem com Cd. Tenho aquele do Pedro e o Lobo que ensina sobre os instrumentos da orquestra. Então sempre que posso eu estou pesquisando e aprendendo tudo que dá nos cursos também (39).

(39) O que a coordenadora ouve no cotidiano:

• Música sertaneja • Música infantil • Música que toca o sentimento • Música clássica

2.1

Leila – Então você levaria essas músicas para a sala de aula? Bia – Levaria sim. Eu acho que todos os tipos de música são interessantes para chamar a atenção da criança, menos o funk, porque as letras não trazem nada de bom. Mas dá para trabalhar com o ritmo. Hoje em dia, as crianças e os adolescentes gostam mais do que ouvem no dia-a-dia. Talvez porque não conheçam outra coisa (40). Por isso acho que a escola deve proporcionar isso. Eu estou sempre procurando aprender mais. Só assim eu acho que dá para ser professora e também coordenadora (41).

(40) Levaria as músicas que ouve no seu cotidiano para a sala de aula, pois toda música chama a atenção da criança. Não recomenda o funk por possuir uma letra não adequada para crianças, mas diz que dá para trabalhar com o ritmo do funk. As crianças e adolescentes gostam do que ouvem no cotidiano. (41) Mas a escola deve ampliar o universo

2.1 3.1

173

cultural dos alunos. Por isso, a coordenadora acredita que deva sempre aprender mais, além de contribuir para melhorar sua atuação como coordenadora pedagógica e dos professores também.

Leila – Vou colocar 4 músicas para você escutar. Quais das 4 você utilizaria nas suas aulas? Qual o motivo da(s) escolha(s)? Que tipo de atividade você desenvolveria em aula com a(s) música(s)? Por quê? Bia – Eu trabalharia com todas. A primeira me tocou, porque eu pensaria em alguma coisa para trabalhar, no sentido de ouvir a música. Ouvir algo diferente. De sentir. Não consigo imaginar agora, uma atividade, mas poderia criar algo sim. (42) A segunda, é brincadeira de roda. E aqui (na escola) as professoras brincam bastante: de Atirei o pau no gato, pirulito que bate bate, do Tatu, A linda rosa juvenil. Essa a gente fez até como pecinha de teatro, com fantasia e tudo. As outras, é como uma professora falou: a terceira por que trata de um tema real, como da modelo que morreu de anorexia, então o tema é atual. Trata de assuntos que passam na televisão, sobre a saúde. Igual a música da Pantera (cor-de-rosa), que todo mundo conhece, mas o enfoque é outro na escola. Eu acho que na escola dá para apresentar algo diferente. Mas tem que explicar bem para quê algo está sendo feito. Mas também, tem o outro lado, a música pode passar uma mensagem. Tocar alguém. Então, música é diferente de falar. A mensagem chega. O aluno escuta melhor do que quando a gente fala. Na 8ª. Série, 14 anos, adolescência, eles acharam brega a música, mas fizeram a atividade e nem prestaram atenção na letra depois. A música teve algum sentido para eles. Eles conseguiram contar um pouco sobre eles depois de terem escutado a música. O adolescente é muito discriminado. Precisa dos amigos da mesma idade, mas precisa ser ouvido. Então a música proporcionou esse entendimento. Acho que isso é se desenvolver. E eles se soltam, desbloqueiam, aprendem melhor, o rendimento melhora, a atenção melhora, a partir do afetivo, do emocional que melhora com a música. (43) Se não entender alguma coisa que eu falei na gravação ou se precisar de mais alguma coisa, pode me ligar. Gostei de conversar com você. Sabe? Estou fazendo mais um curso, só que agora é só sobre brincadeiras e jogos para a educação infantil, mas eu e as professoras que fizeram o curso (capacitação em música) , a gente já conhece quase todas as músicas que eles passam. Mas é bom para relembrar. O pessoal vende todos aqueles Cds que você passou pra gente. O problema é que não dá para comprar tudo. Mas aos poucos, eu vou comprando. Não é para a escola só. É que eu acabei gostando mesmo. Agora acho que é só. (a entrevistada ri e se despede me convidando para tomar um café na sala dos professores). A entrevista foi realizada na sala da diretora.

(42) 1. O cavaleiro selvagem – proporcionar a escuta de música a que os alunos não estão acostumados. Ouvir algo diferente. De sentir. 2. O camaleão – As professoras brincam bastante de roda. 3. Fome Come - terceira por que trata de um tema real, como da modelo que morreu de anorexia, então o tema é atual. Trata de assuntos que passam na televisão, sobre a saúde. Eu acho que na escola dá para apresentar algo diferente. Mas tem que explicar bem para quê algo está sendo feito. Mas também, tem o outro lado, a música pode passar uma mensagem. Tocar alguém. Então, música é diferente de falar. A mensagem chega. O aluno escuta melhor do que quando a gente fala. Concepção de aluno (adolescente): Na 8ª. Série, 14 anos, adolescência, eles acharam brega a música, mas fizeram a atividade e nem prestaram atenção na letra depois. A música teve algum sentido para eles. Eles conseguiram contar um pouco sobre eles depois de terem escutado a música. O adolescente é muito discriminado. Precisa dos amigos da mesma idade, mas precisa ser ouvido. Então a música proporcionou esse entendimento. Acho que isso é se desenvolver. E eles se soltam, desbloqueiam, aprendem melhor, o rendimento melhora, a atenção melhora, a partir do afetivo, do emocional que melhora com a música. (43) 4. Tema da Pantera Cor-de-rosa – todo mundo conhece, mas o enfoque é outro na escola

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Júlia – Coordenadora Pedagógica do ensino fundamental Idade – 53 anos Transcrição da entrevista

Explicitação dos significados Categorias

Leila - Como você se tornou coordenadora? Júlia - Como professora, quando eu terminei o primário, fiz o ginasial e não tinha aqui, fui à SP. A gente tinha uma prova de admissão igual a um vestibular. Aí terminei o ginasial e não pensei que queria fazer o curso normal, mas o fato de ser mulher e de ter que trabalhar e ter uma profissão e meu pai também, conversando comigo, decidimos que era bom ser professora e decidi fazer o magistério. Me adaptei bem, gostei de fazer o magistério, trabalhei 25 anos na rede estadual e atualmente estou com 7 anos na coordenação pela prefeitura (01). No começo fiquei muito insegura de pegar a coordenação, apesar dos 25 anos em sala de aula. Eu tinha uma insegurança de que eu não ia me dar bem, porque achava que ia ser difícil tomar conta de professor, porque dizem que o coordenador é sanduichão, porque se fizer cara feia já não gostam e se agradam já abusam, e aí fica como uma mãezona, mas não se pode fazer as coisas sem o aval da diretora. Tem que mediar a relação entre os professores e a direção. Tem professor que fala agora vou ao médico, e eu falo você já falou com a diretora, e o professor pede para eu falar, autorizar a saída (02). Voltando à história da minha formação, quando eu terminei o magistério, eu fui dar aula num sítio longe, longe, longe, que era multiseriado, com 1ª. Série, 2ª. Série, 3ª. e 4ª. Então, eu nem bem me formei, fui dar aula e não tinha prática. Do que eu estudei, era outra a realidade, completamente diferente do que eu vi no curso de magistério. Onde nem tinha muita merenda, as crianças não tinham poder aquisitivo, não tinham caderno e eu tinha que ajudar até nisso, comprando papel e caderno. Completamente diferente do curso de magistério, que eu fiz numa escola particular, de freiras, onde tudo era certinho, bonitinho. A gente preparava aula para lecionar naquela escola. Nós do magistério preparávamos aulas para lecionar nas turmas de 1ª. a 4ª. Séries da mesma escola que estudávamos. As aulas eram dadas lá mesmo na mesma escola particular. Então a realidade que encontrei era completamente diferente do que eu vivi no tempo de magistério. A escola rural era longe, quando chovia não dava para chegar. Meu pai resolveu até comprar um Jipe para me levar para a escola, a estrada era de terra (03). Foi uma época muito triste, quer dizer, triste não, eu tive um apego muito grande a essas crianças, elas eram muito carinhosas, super amorosos (04). E mesmo sem experiência, eu procurava aprender com as professoras mais antigas, pra me dar um apoio, para saber o que eu poderia trabalhar com aquela sala (05). Assim, fiquei um ano no bate e volta e quando não era chuva, era poeira. Poeira que a gente colocava até um lenço na cabeça e quando eu chegava em casa, minha irmã até dava risada que eu tinha pó até nos cílios, quando não era barro nos pés. Aí, depois de um ano eu mudei de escola, também uma escola rural, porque veio outra professora, onde fiquei

(01) Formação inicial: Curso Normal (equivalente ao Magistério de Ensino Médio). Lecionou 25 anos na rede pública de ensino e há 7 anos é coordenadora pedagógica. (02) Sentimento de insegurança (medo) ao assumir o cargo de coordenadora pedagógica, após 25 anos de magistério, baseado na concepção de que coordenar significava mediação de conflitos entre professores e direção da escola. (03) Deu aulas num sítio, em sala multiseriada, assim que se formou. Enfrentou dificuldades no início da carreira ocasionadas pela diferença entre a situação vivida durante período de estágio e o curso de magistério (em escola particular, de freiras) e a realidade encontrada: falta de materiais para trabalhar, distância grande entre a casa e a escola (escola rural), acesso difícil e sala multiseriada. (04) Descrição do sentimento (Foi uma época muito triste, quer dizer, triste não, eu tive um apego muito grande a essas crianças, elas eram muito carinhosas, super amorosas) em relação à situação e aos alunos. Concepção de escola e aluno. (05) Superação das dificuldades. Buscou apoio e aprendeu com as professoras mais experientes. (06) Deu aulas em outra escola rural por mais um ano. Passou em um concurso público que possibilitou o ingresso como professora em uma escola da cidade, onde permaneceu por 25 anos. Prestes a se aposentar, tornou-se coordenadora pedagógica. (07) Fez Faculdade de Educação (Pedagogia), Licenciatura em Educação Artística e Complementação Pedagógica (Coordenação Pedagógica).

1.1 e 1.2 1.3 1.2 1.3 1.3 1.2 1.1

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também um ano. Aí eu prestei um concurso, passei e fui trabalhar em uma escola que fica na cidade. Foi quando comecei a carreira no estado. Depois vim para o centro onde fiquei como professora 25 anos. Estava quase aposentando quando me chamaram para a coordenação (06). Ah, fiz também faculdade de educação, licenciatura em educação artística e depois complementação pedagógica, coordenação pedagógica (07). Leila – Você cursou educação artística? Tinha música na grade curricular? Júlia – No curso que eu fiz, a ênfase era em desenho e artes plásticas. Música eu vi pouco. Mas quando eu dava aula, eu usava música para ensinar conteúdos. Eu cantava bastante com os meus alunos. Música para alfabetizar (08). Leila – Que tipo de música? Júlia – Agora não vou lembrar. Mas as crianças gostavam muito, porque alegrava a aula e ajudava a memorizar o conteúdo (09).

(08) O curso de Educação Artística dava ênfase ao desenho e artes plásticas. Não preparava para o ensino de música. Música era utilizada como recurso para ensinar conteúdos de outras disciplinas e para alfabetizar. (09) Música nas aulas alegrava as crianças e ajudava a memorizar.

1.1 2.1

Leila - Como você vê o processo de desenvolvimento da criança? Júlia - O desenvolvimento da criança depende do adulto que acompanha a criança (10). Hoje eu vejo que os pais estão muito ausentes. A criança fica muito sozinha em casa e tem que se virar até com a própria alimentação. E eu acho que isso prejudica o desenvolvimento, não só o crescimento físico, mas também a aprendizagem. O aluno de hoje não tem apoio em casa, da família, que devia acompanhar os estudos. A família devia olhar o caderno, o que a criança está aprendendo, não tem aquele carinho necessário, a atenção e deixa tudo para a escola (11). Até na questão da saúde e dos cuidados. Tem aluno que vem com o pé queimado, e o curativo tem que ser feito na escola. Como é que o pai não dá essa atenção, às vezes é porque tem muitos filhos e é a direção da escola que compra o remédio para os curativos e eu acho que é atribuição dos pais e não da escola (12). Tem também os casos de violência, a falta de disciplina que atrapalha também, interfere no desenvolvimento adequado da criança. Quando os alunos estão muito agitados, não conseguem prestar atenção e isso prejudica a aprendizagem. Nesse bairro que a gente está os alunos são muito carentes e a família ausente, mais a violência, prejudicam o desenvolvimento e a aprendizagem. Acho que a família tinha que estar mais presente na escola. A escola não consegue dar conta de tudo (13). Até a criança virar um adulto, ela passa por etapas, infância, a partir dos 10, 11 anos adolescência e ela precisa de um adulto que a acompanhe, por isso a família tem um papel importante, fundamental, porque a criança só passa uma parte do tempo na escola (14). Os professores comentam que o aluno que tem o pai presente age de uma forma diferente. São mais atentos, educados, carinhosos, mas também é um problema aqui na escola, porque quando a criança vem

(10) O desenvolvimento da criança depende do adulto que a acompanha. (11) A família devia acompanhar os estudos da criança, dar carinho e atenção. A falta desses cuidados, inclusive com a alimentação, interfere no desenvolvimento físico e no processo de aprendizagem da criança. (12) Família atribui à escola os cuidados com a saúde da criança. (13) Violência, baixa condição financeira dos alunos, falta de disciplina e agitação em sala de aula que gera a desatenção, são fatores que interferem no processo de desenvolvimento e na aprendizagem. A escola não consegue dar conta de tudo. (14) Até a criança virar um adulto, ela passa por etapas, infância, a partir dos 10, 11 anos adolescência e ela precisa de um adulto que a acompanhe. O acompanhamento da família é importante, pois a criança passa só uma parte do tempo na escola. (15) Concepção dos professores: Relação entre a presença da família como colaboradora da escola (participando das atividades, dando atenção), com criança atenta, educada, solidária, carinhosa; e ausência da família, com ressentimento, carência afetiva, causa da violência na escola,

2.2 2.2 2.2 2.2 2.2 2.2 e 3.1

176

mais arrumadinha, é mais educada, cumprimenta todo mundo, é até mais amigo dos colegas, também se torna alvo de agressões, de violência por parte de outros alunos mais carentes. Acho que é porque eles não tem uma família que olhe por eles e eles ficam ressentidos. Eu vejo que do tempo que eu dava aula para hoje, as coisas estão muito diferentes. Os alunos também eram carentes, não tinham recursos, mas ainda tinham uma família que se importava com eles, davam atenção, eram mais presentes, participavam das atividades da escola (15). Agora, tem aluno de 8, 9 anos que agrediu uma professora, chutando e a professora ficou segurando e disse para o aluno: eu não tenho medo de você. Ficou segurando até ele se acalmar. E o aluno ficou falando também: eu não tenho medo de você. Aí foi se acalmando, mas acho que as coisas estão muito difíceis na escola, porque a gente tem que ensinar, mas também tem que assumir a parte que cabe à família (16). Agora estamos implantando a escola em tempo integral e o projeto prevê um tempo para suprir essas necessidades, de acompanhar o aluno na escola, assim ele fica menos tempo na rua e menos tempo sozinho tendo que se virar. E o que é que a rua ensina? Quando os pais vêm me procurar, eu falo: coloca no Projeto de música, no Instituto, mas não deixa sozinho em casa, na rua. Tem também os cursos de pintura da prefeitura, do seminário que não é pago. E o Projeto da escola em tempo integral vem somar a essas iniciativas que eu falei. Assim mantém a criança ocupada (17). Acho que isso ajuda no desenvolvimento como um todo, físico, mental, afetivo, social e até motor, porque tem esporte, educação física, teatro e música (18). Ao invés de ficar na rua, exposto à violência, às drogas, ele fica na escola e aprende outras coisas, convive mais com os professores e os amigos da idade dele. Vai ter mais adultos também para acompanhar o desenvolvimento deles. Mas andei pensando que acho que não é só aqui nesta cidade que é assim, acho que está em geral, né? Tem pai que quando a gente chama para conversar fala: chama o conselho tutelar. Mas o conselho tutelar pode tirar seu filho. E ele não está nem aí. Mas acho que a escola em tempo integral pode ajudar nesse processo. Aproximar pais e filhos, professores e alunos, todo mundo tem que participar (19). A gente tem ensinado coisas básicas, de respeito. Por exemplo: se pegou o lápis do cor do colega, tem que devolver, ou então ensinar a repartir, a usar junto, sem agredir o amigo. Tem que ensinar até boas maneiras, obrigado, com licença, coisas básicas para um bom convívio, que ele não tem em casa, é só grito, quando o pai está presente. Tem criança que vive praticamente sozinha. Assim não tem como virar um adulto que saiba viver em sociedade. Fica uma geração que sei lá, não sabe conviver, reproduzindo a violência que vive na família. A escola tem mais esse desafio, além de ensinar a ler, escrever, fazer conta, o básico (20). Aqui muitas vezes, a família não tem um jornal, uma revista, quanto mais um livro. Então só na escola ele tem contato com o ambiente letrado (21). Agora, música, é o que ele ouve na rua. Agora, é só funk e sertanejo, porque música de igreja eles não gostam, é de velho. Aqui tem a tradição da igreja católica da cidade, da romaria e tem também a casa do samba, mas também eles acham que é coisa de

observável pelo comportamento agressivo (agressão física e verbal) entre os alunos e dos alunos em relação ao professor. (16) Situação de conflito entre aluno de 8 ou 9 anos e professora: aluno agrediu com chutes e professora manteve-se calma e segurou aluno até ele se acalmar. (17) Possível solução: escola em tempo integral, pois a escola poderia suprir mais adequadamente às necessidades dos alunos. Projetos que ocupem o tempo em que a criança não está na escola e ofereça atividades variadas podem evitar que a criança fique na rua, sem assistência. (18) O esporte, a educação física, o teatro e a música contribuem no desenvolvimento como um todo, físico, mental, afetivo, social e motor. (19) Escola como espaço de convivência entre professores e alunos, e entre os alunos. Presença importante do adulto para acompanhar o desenvolvimento. Relação com o mundo e a realidade vivida. Escola em tempo integral pode melhorar a interação entre pais e filhos, professores e alunos e contribuir para o desenvolvimento dos alunos. (20) Regras de convívio (cumprimentar, agradecer, compartilhar) são importantes para viver em sociedade e são ensinadas na escola, porque não aprenderam com a família. (21) Os alunos não têm acesso a jornais, revistas ou livros em casa. Só na escola ele tem contato com o ambiente letrado. (22) Música é o que o aluno ouve na rua (cultura de massa). É a escola que tem que mostrar que existem outros tipos de música. (23) O projeto de capacitação em música possibilitou a compreensão do papel da música na escola e na formação cultural da criança e enquanto cidadão. Escola, cultura e sociedade.

1.3 3.1 2.6 3.1 3.1 3.1 2.1 1.4

177

velho. Então é a escola que tem que mostrar que existem outros tipos de música (22). Depois do projeto de música ficou mais fácil porque os professores também entenderam a importância da música na escola. A escola tem esse papel de mostrar um mundo diferente do que a criança conhece, da rua, do bairro, ou até para mostrar as coisas boas que a cidade tem, como a tradição do samba paulista que se não for ensinada na escola pode desaparecer. Acho que se a escola mostrar que existe um mundo diferente do que ele conhece pode melhorar como pessoa e a escola tem que chegar a isso, mas tem que vencer muitos desafios como já falei: da família, da violência, da falta de recursos...(23). Leila - Então de que maneira especificamente a música contribui para o desenvolvimento da criança? Júlia - Eu acho que atividades como a música ajuda no desenvolvimento da atenção, da disciplina, a socializar, a conviver melhor com o outro (24). Quando o professor traz a flauta e toca para os alunos, eles ficam calmos, tranqüilos, dá até vontade de dormir e até a gente gosta de ouvir e se sente melhor, fica bem (25). O professor toca violão e os alunos gostam de ficar em volta na saída, cantando junto. Acho que isso ajuda a criança a se desenvolver, já que a música acalma e ajuda a se concentrar melhor e assim consegue aprender melhor. Eu sempre falo para o professor que ele tem que tocar flauta e violão sempre, porque todo mundo sai ganhando, fica um ambiente mais calmo, os alunos ficam bem mais quietos. E ainda tem os alunos que se interessaram e compraram uma flauta para aprender com o professor. O professor ensina até as notas na lousa e eles gostam, se interessam (26). O professor de arte dá aula de música e foi bom que depois do projeto os outros professores também passaram a se interessar por música e viram que é importante para o desenvolvimento e para a aprendizagem. Antes eles gostavam de música mas não entendiam sua importância para o desenvolvimento e aprendizagem. Desde desenvolver a atenção, a concentração, trazer a calma e tranqüilidade até usarem a música nas aulas, em projetos na escola, de forma interdisciplinar (27). Melhorou até o relacionamento entre os professores (28). Agora, culturalmente, tem que ter música mesmo, porque como eu falei, através da música o aluno pode conhecer outras realidades, passa a ver o mundo de um jeito diferente, sensibiliza e conhece melhor sua própria cultura, passa a valorizar as coisas da sua própria cultura, da sua cidade (29). Aqui tem uma professora que não é formada em Artes, mas tem muito jeito com trabalhos manuais, dá tela para os alunos pintarem, faz trabalhos de reciclagem com os alunos, construiu instrumentos musicais com sucata, aproveitando materiais que iam para o lixo, coisas que tinham em casa e não davam valor. Ela mostra várias obras de uma coleção que é de um acervo que era do estado para os alunos, e trabalha também o empreendedorismo. Fizemos uma pequena feira com o produto das reciclagens e arrecadamos dinheiro que foi revertido para novos projetos dos alunos. Mostra as possibilidades que os trabalhos manuais tem para

Música e desenvolvimento: (24) A música ajuda no desenvolvimento da atenção, da disciplina, da sociabilidade. (25) Música contribui para o desenvolvimento porque acalma, traz tranqüilidade, bem estar, ajuda a se concentrar. Prática educação musical: (26) O professor de arte da escola toca violão e flauta doce. Situação que estimula os alunos a aprenderem a tocar um instrumento musical. Prática musical na escola e educação musical. (27) O projeto de capacitação em música despertou o interesse pela música no contexto escolar, por parte de professores não músicos. (28) Música melhora as relações entre professor aluno e professor-professor. (29) Música possibilita ampliar universo cultural dos alunos, sensibiliza, muda a visão de mundo do aluno. Prática de música na escola: (30) Música possibilita a interdisciplinaridade e a transversalidade. - Reciclagem e meio ambiente; - Obras de arte (quadros e pintores); - Mercado de trabalho; - Música e compositores. (31) Os professores que não participaram da capacitação em música passaram a se interessar por música, a partir dos resultados alcançados pela ação dos professores que participaram da capacitação.

2.6 2.4 3.2 3.2 e 1.4 3.2 3.2 3.1 e 3.2 1.4 e 3.2

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conseguir mais tarde um trabalho, o aproveitamento de materiais, a reciclagem, além de mantê-los ocupados. Ela também coloca música para eles ouvirem enquanto trabalham, para conhecerem músicas diferentes do que estão acostumados e fala sobre os compositores para eles (30). Acho que isso faz a diferença, porque os alunos dela são muito interessados e são também mais calmos. Aos poucos os outros professores também percebem os benefícios que a música traz. Acho que o interesse pela música vai além do projeto que acabou no ano passado. Acho que agora é que está dando frutos de verdade. Os professores que foram no curso do Projeto eram os que estavam realmente interessados, mas acho que agora é que está repercutindo, porque tem professor que pergunta quando vai ter curso de música de novo. Quando teve, não tiveram muito interesse, mas agora querem, por causa dos professores que fizeram e aplicaram com seus alunos (31). É diferente quem faz o curso de quem aprende com o outro professor que fez. Acho que foi bom, mas os professores têm vontade de aprender com um professor de música de verdade (32). É igual o professor que sabe tocar violão e flauta, que consegue deixar os alunos mais calmos. Mas ele não fez o curso e agora quer fazer, porque percebeu que os professores que fizeram o curso, sabem atividades diferentes de só tocar, que aliás a maioria não sabe tocar um instrumento, mas coloca um cd, faz as atividades de escutar e desenhar, de escutar o som e o silêncio, de perceber a diferença dos sons, dos jogos com música, de dançar. Enfim tudo aquilo que a gente fez no curso, que desenvolve bastante a atenção e melhorou muito na aprendizagem e também na socialização (33). Acho que é importante saber tocar, mas se não sabe, também pode trabalhar com música. Acho que isso foi o mais importante do curso. De nós percebermos que dá para trabalhar música sem saber tocar um instrumento, que dá para ter música na escola. E que a música é importante para o desenvolvimento da criança, em tudo. Ajuda muito (34). Mas para dar certo, precisa também ter material para trabalhar. O professor quer dar aulas de flauta e não tem flauta. Só as crianças que se interessaram e compraram a flauta por conta própria. E as crianças que não podem comprar, como é que fica? A gente tenta integrar todos fazendo instrumentos com sucata, brincando com sons do corpo, de objetos como a gente aprendeu no curso, mas é claro que todo mundo quando vê uma flauta, o som bonito que faz, quer mesmo uma flauta de verdade. A escola precisaria ter uma estrutura melhor, ter material. (35)

(32) Os professores preferem aprender a trabalhar com música no contexto escolar em um curso de capacitação em música, com um professor especializado, do que com o professor multiplicador. (33) O professor de arte (que sabe tocar violão e flauta), manifestou a vontade de fazer o curso de capacitação em música, pois percebeu que as atividades desenvolvidas pelos professores que fizeram o curso, ampliaram as possibilidades de atuação. “...sabem atividades diferentes de só tocar.” Atividades de escuta, desenho com música, percepção de som e silêncio, discriminação de timbres, jogos musicais, danças, desenvolvendo a atenção e melhorando a aprendizagem e a socialização. (34) Acho importante saber tocar, mas se não sabe, também pode trabalhar com música. Acho que isso foi o mais importante do curso. De nós percebermos que dá para trabalhar música sem saber tocar um instrumento, que dá para ter música na escola. E que música é importante para o desenvolvimento da criança. Dificuldades para ensinar música na escola: (35) O professor de arte quer ensinar flauta, mas só alguns alunos puderam comprar o instrumento. Uma tentativa de inclusão foi realizada através da confecção de instrumentos com sucata e percussão corporal (desenvolvida a partir da capacitação), mas todo mundo vê o som bonito que a flauta faz e quer mesmo uma flauta de verdade.

1.4 e 3.2 1.4 e 3.2 1.4 e 3.2 3.2

Leila - Que tipo de música você ouve no seu cotidiano? Júlia -Eu gosto de ouvir música clássica, música calma, mais romântica, dos anos 60, eu só não gosto de rock, de música muito agitada, mas minha filha adora rock, então eu acabo ouvindo, mas não gosto muito. Mas como ela ouve rock até na hora de dormir, acabei gostando um pouco das músicas de rock mais lentas, mais melódicas, até que são bonitas. E aí eu falo para minha filha que essas músicas mais melodiosas de rock eu gosto, que são bonitas (36).

(36) Gosta de: - Música clássica - Música calma - Música romântica - Música dos anos 60 - Rock lento ou melódico por influência da filha

2.1

179

Leila - Você levaria esse tipo de música para a sala de aula? Júlia - Eu levaria para eles conhecerem, porque funk, o que eles ouvem agora, não gosto, as letras não são adequadas para crianças e é só o que eles conhecem (37). Levaria para eles conhecerem outros estilos de música, para ampliar o universo deles (38). Como eu tinha falado, acho importante eles conhecerem outras culturas e também a cultura de onde eles moram. O funk não é da cultura da cidade, nem é música brasileira. Acho que as crianças precisam aprender a valorizar o que tem e o que são. Também acho importante mostrar música clássica, como tem professor que agora coloca música clássica enquanto escreve na lousa (39). Acho que a música ajuda a concentrar e aprender melhor. Acho que foi no curso que você falou que música desenvolve o cérebro, né? (40). Falei isso para os professores e eles experimentaram e falaram que realmente os alunos ficam mais atentos. Pelo menos a sala fica mais calma (41). As músicas que os alunos gostam agora, é o que eles ouvem no rádio. Cada época é um tipo de música, então acho que é importante mostrar que existem estilos de música que passa o tempo e a música fica, e não é só moda. É claro que os professores também gostam de música da moda, ouvem sertanejo, mas tem música sertaneja que tem uma letra bonita, então acho que dá para escutar na escola, mas funk não. Acontece que é o que eles gostam (42). Tem criança de 9, 10 anos que usa o cabelo enroladinho e usa brinquinho e tem pai que deixa, já pensou? Acho que é por isso que eles estão se desenvolvendo precocemente. A sexualidade já aflora com essa idade. A adolescência é mais cedo, já querem namorar (43). Por isso a gente tenta mostrar outras coisas para eles, a gente tenta mostrar que outras músicas também são interessantes. Acho que através da música a gente consegue mostrar outras realidades, de um jeito mais divertido. Criança gosta de música, então fica mais fácil conversar com eles sobre muitas coisas. Os alunos não conversam em casa, e assistem muita televisão também, quando não estão na rua (44). Na escola podem aprender outras coisas, então é o professor que tem que trazer coisas diferentes para os alunos conhecerem e conversar sobre tudo, inclusive de sexo. Alguns alunos moram em casas tão pequenas que às vezes dormem todos juntos, e não tem privacidade. Vêem coisas que não entendem direito. Mas acho que faz a sexualidade aflorar mais cedo (45). Então, é o meio que eles vivem que influencia no desenvolvimento. A escola tem que dar conta também dessas mudanças (46). Por isso que eu falei que as coisas estão muito diferentes do tempo que eu dava aula. Agora tenho que orientar também o professor nesses casos. A gente fala também com os pais, orienta, mas às vezes eles também batem na criança, porque acham que ela contou coisas que não podiam falar, então é complicado. Alguns pais falam também que pode bater se o aluno não quer ficar na sala de aula, se faz algo errado. A gente também tenta mudar o jeito de pensar dos pais (47). Os alunos nessa idade são agitados mesmo. Os alunos aqui também ficam muito no corredor, não agüentam ficar na sala de aula, mas também não tem muito espaço, então tem que fazer atividades que

(37) Os alunos ouvem Funk (38) Eu levaria outros estilos de música para ampliar o universo cultural dos alunos. (39) Acho importante os alunos conhecerem outras culturas, a partir da música clássica e a cultura local a partir da música brasileira. Buscar sua identidade a partir da música. (40) A música ajuda a se concentrar e facilita a aprendizagem, pois desenvolve o cérebro. (41) Os professores experimentaram e confirmaram que os alunos ficam mais atentos quando expostos à musica. A sala de aula fica mais calma. (42) Os alunos e professores gostam da música veiculada no rádio (da moda). Acho importante mostrar que existem estilos de música que sobrevivem ao tempo, aos modismos. (43) A exposição à mídia leva ao desenvolvimento precoce da sexualidade. (44) A música possibilita o diálogo, a partir do contexto em que se insere e de sua ludicidade implícita. (45) A escola é lócus para novas experiências e o professor é o agente transformador. (46) É o meio em que os alunos vivem que influencia no desenvolvimento. A escola tem que dar conta das mudanças. (47) O coordenador tem que orientar o professor nesse sentido (relação família, escola, sociedade) (48) Os alunos nessa idade (Ensino fundamental) são agitados mesmo. Não tem espaço na escola. Necessitam de espaço para se movimentar. A música possibilita esse movimento mesmo na sala de aula. As atividades de música envolvem movimento e criança precisa de movimento.

2.1 2.1 2.1 2.5 2.1 2.1 2.1 3.1 2.2 3.1 2.3

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dê para movimentar um pouco na sala mesmo, e a música ajuda nisso. Porque com o projeto de tempo integral tem sempre atividade na quadra e são dois professores nos espaços que tem para as atividades do período contrário das aulas, de esportes, de música, de artes e ainda vai vir professor de teatro e eu não sei onde vai ter lugar para as atividades e olha que a escola é nova, acabou de construir, mas já não tem espaço, então as atividades do período regular têm que ser em sala mesmo. Os professores têm que ser criativos mesmo. E eu sempre falo das atividades de música, porque tem movimento, mas dá para fazer na sala de aula. E criança precisa de movimento. Acho que é isso. (48)

Leila - Vou colocar 4 músicas para você escutar. Quais das 4 você utilizaria nas suas aulas? Qual o motivo das escolhas? Que tipos de atividades você desenvolveria em aula com as músicas? Por quê? Júlia - Eu utilizaria todas. Como sou coordenadora tento incentivar os professores a utilizarem mais música nas aulas. A primeira, por ser música clássica (O Cavaleiro Selvagem) e eu acho música clássica bonita, acho que chama a atenção das crianças porque as crianças gostam de coisas diferentes. Essa música, por ser rápida, lembra coisas alegres. Eu lembrei dessa música do curso. No curso tinha uma dinâmica em que a gente tinha que escutar marcando o ritmo no corpo. Acompanhando a pulsação. Quando estava na parte que a música era tocada no agudo a gente marcava com palmas e no grave, a gente marcava com os pés. Acho que dá para trabalhar com as crianças na sala de aula. Eu acho importante que as crianças percebam essas coisas na música, porque assim elas escutam com mais atenção. Desenvolve a atenção e a concentração. A segunda (Camaleão), eu acho bom para trabalhar o movimento, e por ser uma brincadeira, acho que promove a socialização. Acho que as crianças precisam brincar mais, brincadeiras de roda, porque acho que elas brincam menos agora do que antigamente. A terceira (Fome come) eu achei interessante porque dá para trabalhar com sucata também, assim a gente trabalha meio ambiente, questões da atualidade, como a fome, a solidariedade, e também reciclagem. Alguns professores fizeram essa brincadeira com a lata e os alunos ficaram bastante motivados, principalmente os da 5ª e 6ª séries. Trabalha a coordenação motora e a linguagem. Já a música da Pantera cor-de-rosa, dá para trabalhar com todas as idades, porque é música de desenho animado e todo mundo conhece. Acho que trabalhar com música não é só música com letra, né? Acho que o curso foi importante para conhecer mais músicas e também atividades. Antes os professores só ficavam ouvindo as músicas com os alunos para fazer a lição ou cantando com gestos. Foi importante para conhecer novas possibilidades. Acho que é isso. Será que ficou bom?

(49) Como coordenadora, tenta incentivar os professores a utilizarem música nas aulas. 1.O cavaleiro selvagem do Álbum para a juventude – Robert Schumann (1810-1856) Acha música clássica bonita e as crianças gostam porque é diferente, tem um andamento rápido e provoca alegria. Escutou a música no curso de capacitação. Atividades: pulsação com percussão corporal e percepção de altura (descrever). Escuta ativa desenvolve a atenção e a concentração. 2.Camaleão – folclore brasileiro Trabalha o movimento e por ser brincadeira, promove a socialização. As crianças precisam brincar mais com cantigas de roda (resgate da cultura) 3.Fome come – Palavra cantada Trabalho de reciclagem, meio ambiente, questões da atualidade. Desenvolve a coordenação motora e a linguagem. 4.Tema da Pantera Cor-de-rosa Tema de desenho animado. Curso de capacitação em música- importante para conhecer novas possibilidades (de utilização da música na sala de aula)

3.1 3.2

Leila - Ficou ótimo. Obrigada

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DESCRIÇÃO DAS ATIVIDADES SUGERIDAS PELAS ENTREVISTADAS

Jogo: Adição e multiplicação rítmica Prepare pequenos cartões, cada um com um número escrito (você pode utilizar também um jogo de baralho). Divida a classe em dois ou mais grupos. Um aluno de um grupo retira do monte um cartão e executa com palmas o número indicado. Outra criança retira outra carta e repete o procedimento. O grupo adversário apresenta a resposta escrevendo na folha de papel. Você pode dificultar o jogo, propondo uma pequena equação (que deve ser escrita na lousa), como por exemplo: ____+____×____+____+____×____=____ Cada grupo pode ser composto, nesse caso, por seis alunos, no qual cada um retira uma carta e executa o número indicado na carta com palmas (para dificultar ainda mais, cada aluno pode executar as palmas com intervalo de tempo diferente entre uma palma e outra, constituindo uma célula rítmica). O grupo que resolver primeiro a equação ganha um ponto. O professor deve propor várias equações para tornar o jogo mais interessante. Ao final, ganha o grupo que tiver o maior número de acertos, ou melhor, todos saem ganhando, já que jogar possibilita a aprendizagem lúdica e abre espaço para novas aprendizagens a partir do contexto em que se realiza. Parlenda: O tatu Distribuir uma lata (de molho de tomate vazia) ou um copo de plástico para cada participante. Sentar em círculo, com a lata/copo à frente. Executar os movimentos sugeridos na legenda abaixo, conforme o grupo fala a parlenda. Legenda: X - Bater palma Lata Bater o fundo da lata na mesa Lata Passar a lata para o colega que estiver sentado à direita VIVA EU VIVA TU X X Lata X X Lata VIVA O RABO DO TATU X X Lata Lata X Lata Lata

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ATIVIDADES DA ESCUTA MUSICAL

Música: O Cavaleiro Selvagem

1. Jogo do som e do silêncio com bambolê Materiais: bambolês (na mesma quantidade de participantes) e aparelho de som Procedimento:

Os bambolês devem ser distribuídos pelo chão, mantendo-se uma certa distância entre eles. Ao som da música, as crianças andam em torno dos bambolês. Quando o professor interrompe a música, cada criança deve entrar no bambolê que estiver mais próximo dela. Ao reiniciar a música, as crianças saem de dentro dos bambolês e voltam a andar em torno deles. Proceder da mesma maneira, interrompendo a música de vez em quando, até a música acabar.

2. Desenhando com música Materiais: folhas de papel, lápis-de-cor ou tinta guache, 1 triângulo com baqueta ou 1 sino e aparelho de som Sugestões de atividades:

1. Desenhar ou pintar livremente ao som da música; 2. Sentados em círculo, cada criança deve posicionar uma folha de papel à sua frente.

Ao som da música, desenhar ou pintar livremente. Quando o professor der um sinal (com o triângulo ou o sino), cada criança deve passar a sua folha para o colega que estiver à sua direita e continuar desenhando na folha recebida. Proceder da mesma maneira até a música terminar;

3. Pedir para cada criança imaginar uma cena que represente a música para desenhá-la ou pintá-la conforme a cena imaginada.

3. Trabalhando alturas (grave e agudo) Materiais: aparelho de som e fitas coloridas

Procedimento: Escutar atentamente a música e identificar as partes em que a música é tocada na região grave e na região aguda. Andando pelo espaço livremente, sem esbarrar nos colegas, as crianças devem sacudir as fitas no alto da cabeça, com o braço levantado, quando a música estiver sendo tocada na região aguda e sacudir as fitas para baixo quando a música estiver sendo tocada na região aguda.

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Música: Camaleão

1. Brinquedo cantado: Camaleão

Formação: em fila, um atrás do outro, mantendo uma distância entre um e outro o suficiente para passar uma pessoa (aproximadamente a distância de um braço esticado) e uma criança ou o professor que será a cabeça do Camaleão (o líder da brincadeira) e ficará andando entre a fila de crianças, enquanto “puxa” a música.

Procedimento: O líder da brincadeira vai andando entre as crianças cantando a música e vai “chamando” uma de cada vez, tocando-lhe o alto da cabeça. O primeiro que for chamado, deve segurar a mão do líder e andar com ele. Cada um que for chamado, deve segurar a mão do último (o rabo do Camaleão) que estiver andando junto com o líder. Nesse momento, todos devem cantar a canção, que vai variando quanto ao andamento (lento e rápido) e a intensidade (forte e fraco). Os que estiverem parados esperando, podem cantar e bater palmas. O líder vai fazendo evoluções entrando e saindo da fila, chamando os participantes, até que todos façam parte do Camaleão.

Música: Tema da Pantera Cor-de-Rosa

1. Jogo da sombra Formação: aos pares, um na frente e outro logo atrás.

Procedimento: Ao som da música, os pares caminham juntos. A pessoa da frente improvisa movimentos e a de trás (a sombra) imita os movimentos improvisados por quem vai à frente. Os pares trocam de lugar e a pessoa que fazia a sombra passa a improvisar os movimentos, enquanto o companheiro a imita simulando a sombra.

2. A Pantera Cor-de-rosa: representando a canção

Foi criada uma letra para a melodia do Tema da Pantera Cor-de-Rosa. Todos cantam a canção, realizando movimentos imitando o que sugere a letra da música.

Cheguei em casa Sentei no almofadão

Puf Puf (saltar duas vezes) Para assistir televisão (enquadrar o próprio rosto com as duas mãos, como se estivesse dentro da televisão) Tic Tic (com os braços estendidos à frente, como se estivesse com o controle remoto nas mãos) Apareceu uma parte engraçada (imitar um palhaço e agachar) Era a Pantera Cor-de-Rosa Parã parã Parã parã parã parã parã Pararaparã

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Música: Fome come

1. Jogo de passar a lata

Sentar em círculo em volta de uma mesa ou no chão, cada participante deve posicionar 1 lata (de molho de tomate com tampa) ou um copo de plástico à sua frente com a tampa da lata ou a boca do copo voltada para cima. Legenda: X - bater palma MD – bater a mão direita na mesa ME – bater a mão esquerda na mesa Lata Pegar a lata com a mão direita e erguer Lata Bater o fundo da lata na mesa Lata Pegar a lata com a mão direita com o polegar da mão voltado para baixo (como se fosse virá-lo de cabeça para baixo) erguendo em seguida Lata Segurando a lata, bater o fundo da lata na mão esquerda Lata Ainda segurando a lata, bater a tampa da lata na mesa Passar a lata da mão direita para a mão esquerda (a ME deve segurar a lata com a tampa voltada para cima.

1ª parte X X MD ME MD X Lata Lata 2ª parte X Lata Lata Lata X Lata Obs. O último movimento é passando a lata para o companheiro à direita. Repetir até acabar a música. Pode ser feito devagar, sem a música.

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LETRA DAS MÚSICAS E CONTEÚDO DO CD ANEXO

Conteúdo do CD Anexo

1. Trilogy Suite Op.5 2. O Cavaleiro Selvagem 3. Camaleão 4. Fome come 5. Tema da Pantera Cor-de-Rosa

Camaleão

Olha o camaleão Olha o rabo dele Segura esse nego Senão ele cai Seu cachimbo era de ouro É de samburá

Fome come Sandra Peres e Paulo Tatit/ Luiz Tatit Eu tô ficando impaciente A minha fome é persistente Come frio come quente Come o que vê pela frente Come a língua come o dente Qualquer coisa que alimente A fome come simplesmente Come tudo no ambiente Tudo o que seja atraente É uma fome absorvente Come e nunca é suficiente Toda a fome é tão carente Come o amor que a gente sente A fome come eternamente No passado e no presente A fome é sempre descontente Fome come Fome come Se vem de fora Ela devora, ela devora, ela devora Se for cultura Ela tritura, ela tritura Se o que vem é uma cantiga Ela mastiga, ela mastiga Ela então nunca discute Só deglute, só deglute E se for conversa – mole Se for mole, ela engole Se faz falta no abdome Fome come Fome come

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GLOSSÁRIO DE TERMOS MUSICAIS

acorde Qualquer combinação de tons simultâneos. Habitualmente, dois tons apenas são considerados um intervalo, embora muitos musicólogos encarem os intervalos como um tipo de acorde. afinação O ajuste da altura dos sons de um instrumento, ou os conjuntos de alturas nos quais os componentes desse instrumento (cordas, tubos, etc.) podem ser afinados. altura O parâmetro de um som que determina sua posição na escala. Diz-se que são de altura indefinida os sons produzidos por instrumentos como os pratos ou um bombo. A altura é determinada por aquilo que o ouvido capta como sendo a freqüência de onda mais fundamental de um som. Convencionalmente, uma nota é descrita como baixa ou grave quando a sua freqüência é reduzida (menos vibrações por segundo) e como alta ou aguda quando a sua freqüência é elevada (mais vibrações por segundo). A altura de uma nota é mostrada pela sua posição numa pauta, um conjunto de cinco linhas paralelas horizontais (e de quatro espaços entre essas linhas), onde são colocadas as figuras musicais. compasso Na música ocidental as pulsações (chamadas tempos) costumam-se associar, geralmente em grupos de 2, 3 ou 4, formando compassos. Pode haver compassos com outro número de tempo, mas nesse caso são sentidos normalmente como uma alternância (5tempos podem ser 2 + 3, por exemplo). consonância Harmonia na qual os sons simultâneos “se dão bem” juntos, com tensão mínima. contorno melódico Desenho formado pela sucessão das notas ou sons, sem padrão rítmico determinado. densidade Qualidade daquilo que é denso, compacto, cerrado. Densidade dos sons diz respeito a quantidade de sons em determinado espaço. dissonância Harmonia na qual os sons simultâneos são “discordantes” e exigem resolução na consonância. duração Parâmetro de um som que determina se um som é longo ou curto. freqüência Proporção em que vibra uma onda de som; o número de ciclos por segundo de uma onda de som. harmonia A combinação de notas soando simultaneamente, para produzir acordes, e sua utilização sucessiva para produzir progressões de acordes. A harmonia não pode ser dissociada dos aspectos rítmicos da música. Em particular, o uso de dissonâncias e consonâncias pode gerar, pelas tensões que cria, um poderoso impulso para a frente. A harmonia geralmente desempenha papel essencial, ao menos na música ocidental, na determinação do contorno e direção de uma linha melódica, cujas implicações harmônicas podem, por sua vez, dar vida à melodia. intensidade Parâmetro de um som que determina se um som forte ou fraco.

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intervalo A distância entre duas alturas. Os intervalos podem ser identificados por suas razões de freqüência. Uma 8ª é 2:1, uma 5ª,justa 3:2 (em afinação natural). melodia Uma série de notas musicais dispostas em sucessão, num determinado padrão rítmico, para formar uma unidade identificável. A melodia é um fenômeno humano universal que remonta à pré-história; em suas origens, serviram-lhe de modelo a linguagem, o canto dos pássaros e outros sons animais, bem como o choro e as brincadeiras infantis. O conceito de melodia varia bastante entre diferentes culturas. Pode-se fazer uma analogia entre a profusão de nuances de um raga indiano e as linhas austeras do canto eclesiástico ocidental, ou então das melodias estáticas e repetitivas do teatro nô japonês com as linhas expansivamente líricas de um lied de Schubert, ou com as melodias, ricas em motivos musicais, de Beethoven. Em algumas culturas, melodias específicas associam-se a determinados textos, como o teatro nô japonês ou no cantochão ocidental. A maioria das melodias apresenta padrões estabelecidos – ascendentes ou descendentes, de organização de motivos e de cadenciamento final – que são próprios às suas culturas; isso em geral está relacionado à tonalidade ou ao modo em que são construídas, o que provavelmente ditará a sua nota final. Melodia, ritmo e harmonia são considerados os três elementos fundamentais da música; encará-los como independentes, porém, seria uma simplificação excessiva. pulsação O ritmo é geralmente organizado em seqüências de pulsações regulares, que podem ouvir diretamente ou apenas sentir interiormente: quando batemos o pé ao som de uma música estamos a marcar essas pulsações. A sua rapidez corresponde ao andamento, que na música erudita ocidental, costuma ser indicado por expressões como adágio, allegro, etc. ritmo A subdivisão de um lapso de tempo em seções perceptíveis; o agrupamento de sons musicais, principalmente por meio de duração e ênfase. O ritmo é o padrão que a organização temporal da música produz. Com a melodia e a harmonia, o ritmo é um dos três elementos básicos da música. O ritmo é componente importante da própria melodia não apenas porque cada nota tem uma duração, mas também porque a articulação rítmica numa escala mais ampla lhe dá forma e vitalidade. textura Ato ou efeito de tecer. Trama da “malha” musical; composto pela variedade de elementos, principalmente de timbres que compõem uma música. timbre Termo que descreve a qualidade ou o “colorido” de um som; um clarinete e um oboé emitindo a mesma nota estarão produzindo diferentes “timbres”. Som característico de um instrumento ou voz. O timbre varia segundo os percentuais de início e queda dos sons harmônicos e suas intensidades relativas. tom Termo utilizado em vários sentidos. Como intervalo, é o equivalente a uma 2ª maior, ou a soma de dois semitons. O termo também é usado para descrever um som musical; pode se dizer que um oboé tem um tom “vibrante agudo”. No vocabulário da acústica, tom é usado para um som de freqüência regular. Tom também pode ser entendido como significando a altura de uma nota; a expressão “cantar fora do tom” significa cantar fora de afinação; “no tom” pode significar em altura de concerto (i.e.,padrão).